ENCONTROS
DEMOCRÁTICOS C I C L O
D E
D E B A T E S
PLANO NACIONAL DE
SEGURANÇA PÚBLICA
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS - FEVEREIRO 2017
Encontros Democráticos são publicações do Espaço Democrático, a fundação para estudos e formação política do PSD
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
O que há de bom (e de errado) no novo Plano Nacional de Segurança Pública
E
mbora traga ideias interessantes, o Plano Nacional de Segurança Pública lançado pelo governo federal no início de janeiro de 2017 tem problemas que vão exigir muito esforço para serem superados. Essa foi a avaliação dos
participantes do debate realizado no mês seguinte na sede do Espaço Democrático. Após apresentação dos principais pontos do plano, feita pelo sociólogo Tulio Kahn, consultor em segurança pública do Espaço Democrático, o professor da USP Leandro Piquet Carneiro, especialista em estudos sobre segurança e crime, apresentou resultados de trabalho que realizou com apoio do Espaço Democrático sobre a importância da integração entre prefeituras e governos estaduais na prevenção do crime. A ideia teve o apoio do deputado estadual Coronel Camilo (PSD), ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo e criador da Operação Delegada, colocada em prática na gestão do prefeito Gilberto Kassab, com grande efeito na redução dos índices de criminalidade na cidade. Para o deputado, o plano apresentado pelo governo tem entre seus pecados o fato de o Ministério da Justiça não ter ouvido um só comandante das Polícias Militares, que são as maiores responsáveis em todo o Brasil pelas ações de prevenção de crimes. Outro grande erro do plano, na avaliação de Camilo, é a centralização. “O plano não respeita o pacto federativo, pois deveria apenas estabelecer as linhas básicas e delegar aos governos estaduais a execução de medidas, pois são os Estados que conhecem suas necessidades. Não dá para fazer tudo a partir de Brasília”, afirmou. Para o advogado Ivan Marques, diretor executivo do Instituto Sou da Paz, “enquanto se tratar a segurança pública como responsabilidade apenas da polícia continuaremos enfrentando problemas como as rebeliões nas prisões e os tumultos observados no Espírito Santo”. Em sua opinião, o Plano do governo federal tem algumas propostas que realmente precisam ser implementadas, “mas falta saber, por exemplo, qual é a capacidade política do Ministério da Justiça para coordenar um trabalho que é basicamente de cooperação entre os diversos níveis de governo e a sociedade”. Esta publicação contém a íntegra desse debate. Boa leitura.
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ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
SÉRGIO RONDINO: Nosso tema de hoje é
Americana de Comércio e a Companhia Siderúr-
o Plano Nacional de Segurança proposto pelo
gica Nacional, trabalhando temas de relações
Governo Federal e que está sendo discutido
institucionais, planejamento, segurança pública
em todo o País no momento em que saímos de
e direitos humanos. Desde 2014, Ivan Marques
várias rebeliões em presídios e greves de poli-
é diretor executivo do Instituto Sou da Paz.
ciais militares, como ocorreu no Espírito Santo.
Temos também conosco o coronel Álvaro Cami-
É mais do que necessário discutir o tema com
lo, deputado estadual e líder da bancada do PSD
nossos convidados: o professor Leandro Piquet
na Assembleia Legislativa de São Paulo, tam-
Carneiro, do Instituto de Relações Internacio-
bém vice-presidente da Comissão de Segurança
nais da Universidade de São Paulo e membro
Pública e Assuntos Penitenciários e membro
do Conselho de Segurança Pública da Cidade de
das comissões de Finanças e Saúde. O coronel
São Paulo. Ele coordena o Centro de Liderança
Camilo foi vereador na Câmara Municipal de São
Pública (CLP) e foi membro do Núcleo de Assun-
Paulo até 2014 e comandou a Polícia Militar de
tos Estratégicos do Governo do Estado de São
São Paulo de 2009 a 2012, tendo participado
Paulo em 2014. É um especialista em estudos
da criação da Operação Delegada, com atuação
sobre segurança pública e crime. É economista
muito importante na cidade de São Paulo.
e doutor em Ciência Política, tendo realizado
É fundamental a gente começar com um rá-
o seu doutorado no Departamento de Ciência
pido resumo do que propõe esse Plano Nacional
Política da USP.
de Segurança. Eu vou pedir ao Tulio Kahn que
Também está conosco o advogado Ivan
faça essa apresentação e na sequência vamos
Marques, mestre em Relações Institucionais
ouvir o professor Leandro Piquet Carneiro, o
pela Unicamp e Direitos Humanos pela London
doutor Ivan Marques e o Coronel Camilo. O Tulio
School of Economic and Political Sciences. Em
é especialista na questão de segurança, nosso
sua carreira nos setores público e privado con-
colaborador no Espaço Democrático, e está sem-
tribuiu com a Prefeitura Municipal de São Paulo,
pre presente quando tratamos de questões de
com a Presidência da República, com a Câmara
segurança no País.
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PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
TULIO KAHN: As pessoas já devem ter ouvido falar do plano, que foi recebido muito friamente, muito criticamente pela imprensa. Pouca gente teve o trabalho de examinálo em detalhes. O próprio governo pecou um pouco nisto, pois não conseguiu sistematizar muito a ideia, fez lá um grande power-point com centenas de iniciativas. Os críticos dizem que nada menos que 78% das ações do plano atual estavam nos planos anteriores, o plano de 2000, do governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo – o que acho ótimo, porque tive a oportunidade de participar dele – ou dos pla-
‘‘
nos do governo do PT, particularmente o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) e o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania). Não acho que seja um demérito, ao contrário, pode ser um mérito. Não se está inventando nada. São questões que não foram resolvidas no passado. Então, reproduziu o que
O G R A N D E M É R I TO E S T Á N O FATO D E O G O V E R N O S A I R D A INAÇÃO ANTERIOR E TOMAR UMA
os planos anteriores tinham de bom. Também há críticas de que muitas das ações propostas dependem de muitos órgãos, depende do Judiciário, não é coisa exclusiva do Executivo. Acho que há certa razão nessa crítica, porque
I N I C I AT I VA N E S S A Á R E A DA
muita coisa está no nível de intenção, não tem
SEGURANÇA PÚBLICA, NO
de um modo geral, o grande mérito está no fato
CONTEXTO E M Q U E V I V E M O S –
orçamento, não está muito bem definida. Mas, de o governo sair da inação anterior e tomar uma iniciativa nessa área da segurança pública,
HOJE TEMOS 60 MIL MORTES
no contexto em que vivemos – hoje temos 60
POR ANO”.
este. Talvez a questão agora seja aperfeiçoá-lo. Tulio Kahn
mil mortes por ano. Então, o grande mérito é Para quem não teve a oportunidade de ver, o plano é dividido em três eixos, cada um com princípios, metas e ações. O primeiro eixo seria a redução dos homicídios dolosos. Tem a meta
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ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
de redução de 7,5% dos homicídios, focando
o que efetivamente se espera das políticas de
nas regiões metropolitanas, onde a incidência
contenção do crime que têm por base várias
é maior. Propõe diversas ações - mapeamento
medidas propostas pelo Plano Nacional de Se-
dos locais, forças-tarefa, celeridade nas investi-
gurança Pública, após a melhoria de eficiência
gações, custo de mediação, etc. O segundo eixo
na redução de penas no sistema prisional, o
é o combate à criminalidade integrado com a co-
aumento do número de vagas? Então, qual é o
munidade internacional, cuja meta é aumentar
papel que se espera que a pena de prisão tenha
a apreensão de drogas e armas. A escolha dos
para a redução do número de crimes?
indicadores foi infeliz. Tem como ações a imple-
Isso não é um ponto muito tranquilo nesse
mentação dos centros de inteligência, a inter-
debate. Acho que hoje vamos enfrentar essa
ligação do monitoramento, a comunicação por
discussão sobre o que efetivamente a pena de
rádio digital entre as polícias, o fortalecimento
prisão representa para a redução do número de
no combate ao tráfico de armas e drogas. E final-
crimes no País, já que são pontos importantes
mente o terceiro eixo, que é a racionalização do
a modernização, o aumento das vagas, a racio-
sistema penitenciário, cuja meta é basicamente
nalização dos sistemas. Então a gente tem que
a redução da superlotação, em dois anos, com
se perguntar: por que nós estamos, como socie-
a construção de presídios e a conclusão, final-
dade, como Estado, construindo mais presídios?
mente, talvez, do sistema que é o Infopen (Le-
Será que isso vai levar a algum resultado – e de
vantamento Nacional de Informações Peniten-
que tipo – no que diz respeito ao controle do
ciárias), com mudanças na legislação buscando
crime?
a redução de penas e assim por diante.
Outra discussão muito importante no foco da minha análise a seguir: quais são, efetivamente,
SÉRGIO RONDINO – Obrigado Tulio. A palavra agora é do professor Piquet Carneiro.
as ações necessárias para reduzir homicídios? Mas não o homicídio de uma maneira geral, o crime contra a mulher, que é um aspecto muito
LEANDRO PIQUET CARNEIRO - Muito obriga-
destacado no plano e isso é muito importante, e
do ao Sérgio e ao Tulio pelo convite e à equipe
o que isso demanda em termos de integração de
que apoiou a etapa anterior a esse trabalho que
níveis de governo? Se os senhores observarem
vou apresentar. Na verdade, a parte mais impor-
o plano encontrarão um conjunto de referências
tante do trabalho foi desenvolvida com apoio
à necessidade de integração, à ação conjunta,
da Fundação Espaço Democrático no âmbito do
mas isso quase sempre gera um apelo sem uma
Centro de Liderança Pública, onde eu atuo no
fórmula institucional. Em um conjunto claro de
núcleo dedicado ao tema da segurança. Então,
incentivos à integração a gente precisa pensar
eu gostaria de lembrar que a partir desses três
um pouco sobre limites, desafios e problemas
eixos principais do Plano Nacional de Segurança
concretos envolvendo a integração entre os
Pública podemos pensar em algumas questões
governos local, estadual e federal. Pretendo
importantes.
aqui explorar esse tema porque é fundamental
A primeira pergunta que me parece importante
a ação integrada nesses níveis de governo e é
é a seguinte: qual o papel da pena de prisão e
sempre muito difícil produzir qualquer tipo de
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PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
integração duradoura que tenha sucesso. Hoje eu vou apresentar algumas evidências no plano, principalmente na ação local. E outro ponto muito importante no plano e na sua execução, e que tem dominado a agenda, me parece ser o papel das Forças Armadas, em particular na questão da contenção de crimes transnacionais nas fronteiras e nas operações de garantia da lei e da ordem. Por uma série de razões que todos estão acompanhando todos os dias, isso virou um tema da maior importância. A presença das Forças Armadas tem se multiplicado – no Rio de Janeiro, Vitória e Natal –, agora
‘‘
com poder de intervir diretamente nos presídios. Somado a isto, o problema principal, sobretudo na contenção da pasta da cocaína e da cocaína que vêm principalmente das fronteiras com a Bolívia e o Paraguai. Este papel das Forças Armadas tem levantado um debate enorme. Acho
QUAL O PAPEL DA PENA DE PRISÃO
que todos aqui têm uma visão sobre esse pon-
E O QUE EFETIVAMENTE SE ESPERA
nesse debate. Eu gostaria de sugerir a todos um
DAS POLÍTICAS DE CONTENÇÃO DO
to, que me parece é um dos mais importantes roteiro para pensarmos sobre o que é realmente importante. Eu queria, como disse, me dedicar
CRIME QUE TÊM POR BASE VÁRIAS
ao segundo ponto, a questão da integração, a
MEDIDAS PROPOSTAS PELO PLANO
trabalho que desenvolvi aqui com o apoio da
NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA , APÓS A MELHORIA DE
ação entre os níveis de governo, que reflete um Fundação Espaço Democrático. O coronel Camilo me ajudou muito em um debate no Rio de Janeiro, em um outro debate aqui em São Paulo, onde apresentamos uma versão desse trabalho
EFICIÊNCIA NA REDUÇÃO DE
num pequeno grupo e tivemos a oportunidade
PENAS NO S I S T E M A P R I S I O N A L ,
possa retomar um pouco da discussão que
O AUMENTO DO NÚMERO
de olhar o resultado juntos. Espero que a gente tivemos naquela ocasião. Eu organizei, apenas para termos uma ideia da extensão do problema, diferentes objetos,
DE VAGAS? Leandro Piquet Carneiro
diferentes problemas que temos dentro desta discussão mais geral. Dois deles são fundamen-
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ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
tais. Um que envolve a letalidade, a forma do
grupos específicos contra as regras e leis esta-
crime e a infração, mais letal e menos letal; e
belecidas pela sociedade e pelo governo de um
outro, de crimes economicamente motivados e
País, como a questão das atividades do comércio
sem motivação econômica. Isso é importante
ilícito, a venda de produtos eletrônicos nas ruas.
porque, quando a gente fala de crime, violência,
São questões muito diversas, que incluem até a
segurança, isso é muito genérico. É muito difícil
prostituição e a venda de drogas, que não ocor-
abarcar um problema tão grande. O mesmo
rem com nenhuma forma de violência direta.
conjunto de políticas não funciona para todos
Envolve crimes de rua, roubos, assaltos, furtos.
os problemas. Imaginem os senhores a violên-
E entre os crimes motivados economicamente
cia comunitária no sentido amplo, aquela que
e letais, ou com um potencial de letalidade
ocorre entre os jovens, dentro das famílias, en-
muito alta, temos a criminalidade organizada.
tre grupos de jovens mais ou menos organiza-
Então, temos a esfera que basicamente é o es-
dos, que ocorre de forma espontânea, quando
paço de atuação do governo local, e outra que
as pessoas se encontram num bar no final do
é de atuação de governos estaduais e federal,
expediente e bebem além da conta, discutem
com uma interseção muito forte do governo
algum assunto trivial e isso termina em alguma
local. O que procuro destacar é o seguinte: os
forma de violência. A disponibilidade de armas,
problemas são muito diversificados, exigem in-
a propensão à violência, a falta de supervisão
tervenções que muitas vezes não estão a cargo
adequada em vários desses ambientes, inclu-
ou não são lideradas pela polícia. Na questão de
sive nas escolas, podem conduzir a um desfecho
drogas ou violência na família, o máximo que a
violento nesses episódios que, na maioria das
polícia faz é investigar, oferecendo algum apoio
vezes, não têm uma consequência mais séria,
depois que a vítima a procura, mas depende
mas compõem, digamos, um grande conjunto,
muito de um sistema de acolhimento, de aten-
um grande núcleo de violência. E a prevenção
dimento às vítimas, que não é diretamente da
para essas ações é extremamente complexa
segurança. Então, vamos pensar num desses
porque envolve a intervenção de órgãos de
problemas. Eu destaquei aqui o primeiro deles,
diferentes níveis, não apenas da polícia.
o que tem preocupado muito a opinião pública
Seguindo nessa linha, eu destaco a violência familiar, que é uma parte dessa violência comunitária, mas não tem nenhuma motivação econômica associada a isso. Pode ser altamente letal e resultar num homicídio, numa violência física contra algum membro da família; a violência nas escolas; as incivilidades – a cidade de São Paulo agora discute essa questão das pichações, da ocupação dos espaços públicos. São temas que estão na agenda da segurança, mas estão num espaço bem definido daquilo que constituem as posturas próprias de jovens e
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nas principais cidades do País – essa evolução dos homicídios e dos roubos.
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PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
São Paulo e Rio diminuíram muito o número de homicídios de 2012 a 2016. Em Belo Horizonte
O C R I M E É , S O B R E T U D O, U M
ficou constante. E o número de crimes de rua
FENÔMENO QUE DEPENDE
Aconteceu também em Bogotá e em outros
F O R T E M E N T E D O E S PA Ç O,
aumentou muito. É uma situação interessante. lugares do mundo que diminuíram rapidamente as taxas de homicídio, os crimes mais violentos,
PRINCIPALM E N T E O C R I M E DE
e o crime de rua, de oportunidade, continua au-
OPORTUNIDADE. O CRIME
impactos na sensação de segurança, o padrão
DEPENDE DE C A R AC T E R Í S T I C AS ESPACIAIS
ESPECÍFICAS,
DE
UM
CONJUNTO DE FATORES QUE TEM R E L A Ç Ã O C O M A FA LTA D E SUPERVISÃO, DA QUALIDADE DO
mentando. Isso cria, obviamente, uma série de de uso do espaço público. Quer dizer: está bom, mas não está bom. O crime é, sobretudo, um fenômeno que depende fortemente do espaço, principalmente o crime de oportunidade. O crime depende de características espaciais específicas, de um conjunto de fatores que tem relação com a falta de supervisão, da qualidade do espaço físico circundante e o padrão de uso social de certas
E S PA Ç O F Í S I C O C I R C U N DA N T E
áreas da cidade. Santos, por exemplo, tem áreas
E O PADRÃO DE USO SOCIAL DE
Você lê as peças do Plínio Marcos e encontra
CERTAS ÁREAS DA CIDADE. Leandro Piquet Carneiro
especializadas em desordem há 50 anos. referências a esses locais de boemia, malandragens, que são os mesmos até hoje. Nunca mudou, nunca trocou de endereço. Então, todas as cidades do mundo têm áreas que reúnem certas características que são muito propícias à ocorrência de crime desse tipo – de furto, de roubo e, por consequência, o tráfico e por muitas vezes o comércio de drogas. E aí o tráfico e o conflito violento entre grupos e indivíduos que disputam e distribuem drogas. E a gente vê num mesmo local, muitas vezes, a concentração de homicídios nas áreas onde há também concentração de roubos, de furtos e outros crimes. Então, do ponto de vista do Estado, do ponto de vista do município, o problema não é quem cometeu esse crime, mas onde esse crime
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ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
ocorreu. E a desordem, a incivilidade, agrava o
área não vai saber o que a guarda faz e em que
quadro. Quanto mais severo é o consumo de
hora faz. Um encontro mensal, com uma planilha,
álcool, maior é o número de crimes contra o
resolveria: vou estacionar minha viatura nesse
patrimônio, crimes violentos.
ponto, vou fazer essa ronda. Um simples encon-
Eu quero propor uma questão final, envol-
tro para troca de informações sobre o plano de
vendo o seguinte: hoje chegamos a um ponto
patrulhamento já permitiria uma economia de
muito claro de percepção de que essa agenda
recursos fantástica. Um não fica se sobrepondo
da segurança pública não será enfrentada sem
ao outro. Isso parece simples, mas não acon-
uma participação efetiva de diferentes níveis
tece. São poucos os casos de municípios em São
de governo. Isso envolve o município assu-
Paulo e no Brasil que realizam essa rotina básica
mindo um papel que até aqui não tem as-
de integração. No caso específico de São Paulo,
sumido. Existe um debate entre o prefeito e o
eu tenho certeza de que não é resistência da
governador. Quando o prefeito é da oposição,
polícia com relação a isso, mas desconexão, fal-
ele diz: “O governo não manda os policiais ne-
ta de procedimentos de qualquer tipo de estru-
cessários”. E quando ele é da situação, vai ao
tura institucional que incentive essa integração.
gabinete do governador e do comandante e
Outra coisa importantíssima: o atendimento ao
pede para colocar mais efetivo, faz um trabalho
cidadão. O 190 é sobrecarregado com problemas
de tentar atrair, mas como prefeito ele dificil-
de barulho, de convivência. Por que o 190 não
mente se envolve numa agenda mínima, estru-
despacha essas chamadas, que são próprias da
turante, na área de segurança. Não ajuda com
atuação da prefeitura, diretamente para a pre-
as posturas municipais, não ajuda perguntando
feitura? Isso ocorre em dois ou três municípios
à PM o que ela precisa do ponto de vista de
no Estado inteiro. O cidadão liga para o 190 e
controle de situações e boa parte desses pon-
recebe a seguinte orientação: “Ligue para a pre-
tos onde há concentração de crimes, a agenda
feitura porque esse não é assunto nosso”. Ou
é municipal. Se a prefeitura fizesse alguma coi-
liga para o 156 e o atendente diz para ligar para
sa em caráter permanente, daria uma enorme
a polícia porque “isso não é assunto nosso”. Nin-
diferença. Não o papel de polícia, não o papel
guém quer saber de barulho no Rio de Janeiro,
de tentar usar guarda armada para fazer abor-
São Paulo e Belo Horizonte. No Rio de Janeiro,
dagens, como acontece aqui no Estado de São
a questão do barulho está ligada à Secretaria
Paulo e que resulta muitas vezes num problema
do Meio Ambiente, que tem dois fiscais para a
gravíssimo, mas o trabalho próprio da ação do
cidade inteira. Então, pode fazer o barulho que
município, de prevenção primária, de fazer valer
quiser que não vai acontecer nada.
as posturas municipais.
Outra coisa: o recurso de compartilhamento de
Eu gostaria de destacar algumas coisas sim-
vigilância eletrônica nesses pontos sensíveis da
ples. Planos de patrulhamento integrado entre
cidade. Integrar o sistema de monitoramento,
Polícia Militar e a Guarda Municipal. Hoje, se per-
de despacho de atendimento nesses pontos e a
guntarmos para o inspetor responsável por essa
gestão conjunta de metas. O inspetor, o capitão,
área onde estamos onde a Polícia Militar está,
o comandante e o inspetor geral da guarda se
ele não sabe. E vice-versa. O comandante dessa
juntarem e definirem metas de responsabili-
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PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
dade e atuação para as respectivas áreas. Essa
Eu tive a oportunidade de participar da mon-
arquitetura institucional não existe. O plano
tagem dessa matriz de responsabilidade no Rio
puxa esses assuntos e fala de integração, que é
de Janeiro e constatar o seguinte: quando os fis-
preciso combinar ações, mas não apresenta um
cais tinham uma estrutura dinâmica, eram pes-
caminho, um conjunto de medidas ao processo
soas muito orientadas no sentido público, eles
efetivo de integração.
adoravam fazer isso. O cara da fiscalização sani-
Eu queria dar um exemplo de como isso
tária do Rio dizia: “Isto é ótimo. Qual é a com-
acontece. O município de São Paulo tem, hoje,
plexidade de pegar um pacote de salsichas e ver
quatro mil guardas da GCM prontos para o pa-
o prazo de validade? Nenhuma”. Ele vai lá e vê:
trulhamento. Tem mais do que isso, mas é pre-
“Esse cachorro quente você não pode vender”.
ciso lembrar que alguns estão doentes ou não
Faz uma notificação e o fiscal vai lá e multa
podem ser empregados no patrulhamento, há
depois. Não estou falando em transferir para
os que estão em férias, de licença. Hoje deve
o guarda o poder de multar sobre essas coisas,
ter quatro mil guardas. Nas ruas, devem ser uns
mas dar a ele a tarefa de andar na rua como uma
dois mil hoje. É um contingente muito pequeno.
força de infantaria de fiscalização da prefeitura,
O Rio de Janeiro tem muito mais guardas do
notificando infrações. Isso daria uma muscula-
que São Paulo – não só em termos absolutos,
tura à prefeitura para policiar, dentro do âmbito
mas em termos relativos, a guarda do Rio de Ja-
de suas competências, as posturas, as condutas,
neiro é muito maior. Mas o problema principal é
a forma de ocupação dos espaços públicos que
o seguinte: o que esse guarda pode fazer com
estão relacionadas diretamente à ocorrência
aquela cartucheira de talão? Ele não faz nada.
de crimes. Porque o que falta hoje às grandes
Ele não tem missão nenhuma. Ele só está pela
cidades é a capacidade de intervir cotidiana-
rua andando. Muitas vezes tem atrás dele um
mente. Não adianta fazer, com a erudição que
subprefeito que diz: “Olha, vem aqui me ajudar
o ex-prefeito Eduardo Paes sempre teve, voo
porque vamos fazer uma remoção de comércio
de barata. Não adianta. Não vai dar certo. Todo
ilegal nessa área”. Mas ele podia ter no caderno
dia tem que fazer a mesma coisa. O desafio de
de notificações um conjunto de atribuições ne-
uma força policial é todo dia repetir a mesma
gociado com outros fiscais da prefeitura para
coisa. Se já se decidiu resolver esse problema,
fazer notificações iniciais. Não é multa, porque
é garantir que haverá gente na rua fazendo de
muitas multas são complexas do ponto de vista
forma padronizada o mesmo serviço. Isso é uma
técnico. Ele faz as notificações e encaminha
coisa muito importante do ponto de vista da in-
para as estruturas existentes de fiscalização. A
tegração.
estrutura de fiscalização em São Paulo e Rio é
No Rio de Janeiro foi criado um programa
ridícula. Não existe. É pequena demais. Não tem
de intervenção em áreas de bairros chamado
fiscal para controlar feira, habitação, construção
Unidades de Ordem Pública. Foi um experi-
irregular, comida, não tem fiscal nenhum. E mui-
mento que a Guarda Municipal fez. Interveio
tos fiscais dizem: “Ninguém pode fazer nada na
em áreas onde havia problemas de uso, con-
minha área porque isso exige um treinamento
centração de camelôs, sujeira, incivilidade no
técnico muito complexo”.
uso dessas áreas. Começou pela Tijuca e foi
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ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
se multiplicando essa experiência. E a Prefei-
Um resultado importante do trabalho que
tura pagou por uma pesquisa de opinião pública
fizemos aqui no Centro de Liderança Pública
com os moradores das áreas. A percepção dos
para a Fundação Espaço Democrático, foi que
problemas desabou. O público começou a perce-
resultou em dois projetos de lei que foram apre-
ber que não tinha mais camelô, carro na calça-
sentados pelo deputado federal Índio da Costa
da, barulho. A guarda não fazia nada em rela-
(PSD-RJ). O primeiro deles é o que estabelece o
ção ao barulho, mas só de regular a ocupação
Boletim de Ocorrência Único entre PM, Guarda
de calçadas, camelôs e tudo o mais, as pessoas
Municipal e Polícia Civil. Hoje nós temos uma
que moravam nos apartamentos percebiam a
desinteligência no que diz respeito ao atendi-
diminuição do barulho. Fizemos várias outras
mento ao cidadão que é insuportável. O policial
perguntas nessa pesquisa, sobre se sentiam-se
militar chega ao local e tem que convencer a
mais seguras, por exemplo, e a resposta foi mui-
vítima a ir a uma delegacia. A vítima é obrigada
to forte. O que aconteceu? O programa foi de
a ficar numa fila, conta tudo de novo e o PM que
2011 até 2013. E em 2013 aconteceu aquela
a levou é obrigado a ficar esperando acabar o
revolta contra o prefeito e o governador no Rio
atendimento na delegacia. A delegacia fecha,
de Janeiro – e o prefeito tirou o pé do acelerador
ele vai para outra. A vítima desiste de apresen-
desse programa e tirou a guarda da rua. Disse:
tar queixa. Ou seja, há uma falta de racionali-
“Não dá mais para segurar uma frente de con-
dade numa atividade básica. Pega um telefone,
flito com os camelôs, vamos mudar o programa”.
pega o nome da pessoa e registra, vê quais são
E a resposta do público foi imediata. Isto é
as circunstâncias. E 90% dos casos poderiam
muito importante porque é a evidência de que
ser resolvidos no local com um policial alta-
a intervenção nesses aspectos de desordem
mente qualificado.
urbana, de incivilidade, que pode parecer, no
Acredito em diferenças regionais, mas em
contexto desse grande Plano Nacional de Segu-
um Estado como São Paulo um policial não tem
rança, uma questão menor, não é. Não se trata
nenhuma dificuldade em realizar, por exem-
de uma questão menor. É um problema funda-
plo, uma ocorrência no local. Esse projeto que
mental para vencermos o desafio de controlar e
o deputado Índio da Costa apresentou reflete
reduzir o número de crimes de oportunidade
um pouco esse diagnóstico sobre a situação
economicamente motivados, que afetam a
local, inclusive integrando ao sistema de es-
segurança, a sensação de segurança, afe-
tatística de segurança pública a dimensão da
tam efetivamente a ocorrência de crimes
infração administrativa registrada pela guarda.
mais graves, como homicídios em particular.
Um exemplo: a Polícia Militar de São Paulo ino-
Então, é muito importante a gente entender
vou no desenvolvimento do Raia (Relatório de
que dá para fazer a diferença, no curto pra-
Averiguação de Incidente Administrativo), que
zo, com intervenções focalizadas. O grande
é a informatização de dados que fala sobre
foco da literatura sobre o crime é olhar para
pontos de desordens...
o lugar, para o espaço específico em que o crime ocorre e tentar desenvolver estratégias para a contenção desse crime.
12
CORONEL CAMILO: Eu apenas informatizei. Isso já existia.
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
LEANDRO PIQUET CARNEIRO: Já existia.
que é certamente muito importante no plano,
Mas ficou disponível na viatura, com formato
que é a questão da integração. A minha dis-
de tablet, no comando do Coronel Camilo, que
posição era enfatizar, ilustrar para os senhores
permitiu que o policial fizesse um relatório de
a dificuldade que é a produção dessa integra-
problemas ligados à iluminação, consumo de
ção, destacando aquilo que foi o objeto principal
drogas, buracos de rua, poda de árvores, aquilo
desse trabalho – a integração e, em particular, a
que a gente falava do espaço que contribui para
agenda de participação dos municípios.
a ocorrência de crimes. A Raia é uma informação que não chega para ninguém. Só a PM usa. Poderia estar nas mãos da Prefeitura...
SERGIO RONDINO: Agradeço ao professor Piquet Carneiro. Quero passar a palavra para o doutor Ivan Marques, para as considerações
CORONEL CAMILO: Não chega mais. Na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab chegava
dele a respeito do Plano Nacional de Segurança Pública.
automaticamente ao subprefeito. LEANDRO PIQUET CARNEIRO: São coisas que param de funcionar e poderiam estar funcionando. Essa integração no sistema de inteligência e atendimento ao usuário precisa livrar o nosso cidadão do custo da dupla vitimização: pelo crime e pela polícia, quando é atendido, principalmente no atendimento na delegacia. E outra coisa importante: o prefeito precisa ser amarrado a algum sistema de meta e precisa ser cobrado por força da lei em suas ações. Então o deputado Índio da Costa apresentou um projeto de lei inspirado em nossos estudos que estabelece a criação de sistema de ações e metas de redução do número de crimes e o prefeito passa a ser um agente também. Ele apresenta o seu plano plurianual de redução de crimes,
IVAN MARQUES: Em primeiro lugar, quero
de homicídios e crimes de oportunidade, e es-
dizer de onde vem esse Plano Nacional de Segu-
tabelece um conjunto de ações por força de lei.
rança Pública, o que é importante para entender
Como é um plano plurianual, é cobrado por isso.
as críticas que eu vou fazer. Eu falo a partir de
Dessa forma, a gente precisa de um vetor, diga-
uma visão da sociedade civil, de uma organiza-
mos, de pressão em cima do prefeito. E alguns
ção que tem 17 anos e trabalha com segurança
prefeitos gostam de lidar com esse tema, mas
pública desde a sua fundação com um único
são pouquíssimos. E a gente precisa ganhar es-
objetivo: a redução do número de homicídios
trutura institucional para revolver um problema
no Brasil. Muitos conhecem o Instituto Sou da
13
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
Paz pela atuação na contenção do uso de armas,
depois o Sinesp (Sistema Nacional de Informa-
mas ele vem trabalhando, desde a sua funda-
ções de Segurança Pública), depois o Enafron
ção, em muitas outras frentes, sempre com essa
(Plano Nacional Estratégico de Fronteiras) para
perspectiva: uma parte forte no trabalho de pre-
cuidar das fronteiras, a Estratégia Nacional de
venção, ligada à questão de ato infracional na
Segurança Pública e agora, por fim, lançado no
juventude, inclusive com um trabalho de atendi-
dia 6 de janeiro, o Plano Nacional de Segurança
mento direto na cidade de São Paulo. Temos um
Pública do governo Michel Temer.
trabalho grande de pesquisa e um esforço muito
Dado esse contexto, confesso que nós, do
grande voltado para a questão dos homicídios,
Instituto Sou da Paz, recebemos com certa
obviamente o controle de armas é uma parte
decepção o que foi apresentado pelo ministro
delas. Mas uma parte muito forte também no
Alexandre de Moraes. Mas antes de falar das
trabalho das polícias e, mais recentemente, a
decepções, me parece importante fazer um co-
atenção voltada para a gestão, a administração
mentário fundamental sobre o quanto é impor-
da segurança pública.
tante uma proposta de segurança pública vinda
Eu coloco essa introdução dentro de um con-
do Ministério da Justiça. A importância de ha-
texto do que representou o lançamento de mais
ver um plano. É fundamental que haja um ente
um Plano Nacional de Segurança Pública. É im-
político, localizado atualmente no Ministério da
portante a gente ter essa visão um pouco mais
Justiça, mas vindo de um poder central, federal,
larga do espaço temporal, porque é um plano
induzindo políticas públicas de segurança.
que vem desde o governo Fernando Henrique,
Isso acontece por um problema que conhe-
em 2000, o primeiro lançamento, com alguns
cemos há muito tempo. A Constituição tem um
incrementos – o Infoseg – e depois a própria cria-
problema sério quando trata de segurança públi-
ção da Secretaria Nacional da Segurança Públi-
ca. Nossa Constituição, de 1988, é absoluta-
ca, isso anterior ao plano de 2000, do governo
mente elogiável em diversos pontos, é bastante
Fernando Henrique. Depois, em 2003, veio o
detalhada em outros, mas na questão de segu-
Susp (Sistema Único de Segurança Pública), na
rança é bastante econômica. Ela reduziu o artigo
tentativa de criar dados suficientes para que a
144, as atribuições de segurança no Brasil, cau-
gente pudesse abarcar os programas nacionais
sando uma situação em que ninguém quer falar
de segurança. Teve o GGI (Gabinete de Gestão Integrada), criação da Força Nacional de Segurança Pública, o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), o Renaesp (Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública), a primeira Conseg (Conferência Nacional de Segurança Pública), da qual tive a oportunidade de participar, em 2010, a criação do Conselho Nacional de Segurança Pública, no qual tenho um assento, representando o Instituto Sou da Paz. Enfim, o Programa Brasil Seguro,
14
‘‘
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
de segurança pública, ninguém quer ser respon-
ESTE É UM PL A N O I N AC A B A D O.
sável pela segurança pública. Isso acaba sendo
É UM PLANO QUE TEVE SEU
acaba sendo um problema das polícias. Enquan-
LANÇAMENTO ADIANTADO PARA JANEIRO POR CONTA DAS CRISES
um problema dos Estados e dentro deles isso to continuarmos tratando a segurança pública como responsabilidade única das polícias, a situação que a gente vê desde o começo do ano – o que não é nenhuma novidade para quem
CIRCUNSTANCIAIS – A QUESTÃO
acompanha o campo – vai seguir do mesmo jei-
PENITENCIÁRIA EM TRÊS ESTADOS.
um Plano Nacional de Segurança Pública como
ACABOU SENDO LANÇADO DE
to por anos a fio. Então, é importante termos prioridade numa plataforma de governo. Temos uma questão importante que o Leandro traz, da
MANEIRA ANTECIPADA E O QUE
integração. Houve uma tentativa de abordagem
TEMOS COMO PRODUTO DISSO
plano inacabado. É um plano que teve seu lan-
ATÉ HOJE É UM POWER-POINT DE
neste plano, mas ainda mal explicada. Este é um çamento adiantado para janeiro por conta das crises circunstanciais – a questão penitenciária em três Estados. Acabou sendo lançado de ma-
62 LÂMINAS.
neira antecipada e o que temos como produto Ivan Marques
disso até hoje é um power-point de 62 lâminas. Em alguns pontos ele é até razoavelmente detalhado, como peça de comunicação à sociedade, mas em outros é um item que basicamente está aí colocado e nós temos que adivinhar o que vem depois. Nesse adiantamento, acho que faltou muita coisa. E ao mesmo tempo em que faltou muita coisa, eu entro com dois questionamentos fundamentais, dois pilares de minha fala aqui. Um é a questão da capacidade política do Ministério da Justiça para coordenar um trabalho que é praticamente todo de cooperação entre Poder Executivo federal e Poder Judiciário – e em alguns pontos até do Legislativo –, e também capacidade para trazer para dentro desse barco, que vai discutir um Plano Nacional de Segurança, os Estados e os municípios. Sem essa participação o plano não decola.
15
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
O outro pilar é a questão da capacidade fi-
nal para a Redução de Homicídios. Ao contrário
nanceira para estimular todas essas mudanças.
dele, o novo plano não focou no maior e mais
Muitas das propostas dependem de um investi-
grave problema brasileiro, que é o inadmissível
mento financeiro brutal e eu desconfio que não
problema dos homicídios.
há de onde tirar dinheiro em meio à crise e à
O Brasil registra entre 58 mil a 60 mil mortes
recessão que o País vive. O ministro Alexandre
violentas por ano e o plano traz a questão da
apontou algumas rubricas já destacadas para
redução do indicador dos homicídios apenas
atender principalmente a questão penitenciária,
como um dos seus pontos, com uma série de
o que é louvável – os planos anteriores nem isso
problemas. Há, inclusive, uma questão de prio-
faziam, eram uma carta de intenções e acaba-
ridades que deixou de fora dos 58 mil, oito mil
vam no discurso de lançamento. Mas, como os
mortes violentas. Ele foca principalmente no
planos anteriores, este também não tem dota-
homicídio doloso e deixa de fora a questão dos
ção orçamentária garantida.
latrocínios, das mortes decorrentes da interven-
E o terceiro pilar, que fica como pano de fundo
ção policial, da própria vitimização dos policiais,
desses outros dois mais importantes, na nossa
das mortes nas prisões e das lesões corporais
visão, é a questão do tempo de execução. Sendo
seguidas de morte. Então, você já exclui um
bastante realista, eu compartilho com vocês a
bom pedaço do que o Instituto Sou da Paz e
preocupação de que existe um plano elaborado,
boa parte das instituições ligadas à segurança
que é bastante amplo, mas que, vamos combinar,
pública classifica como o problema prioritário,
é um plano que tem dois anos para ser implemen-
que são os homicídios.
tado. Muita coisa com prazo, o que foi excelente;
Muitas dessas medidas não são propriamente
metas, uma novidade que é muito importante
novas. Isso não é ruim. A gente não precisa rein-
e que muitas vezes passa longe da gestão da
ventar a roda tendo outros históricos, estudos e
segurança pública; mas um plano bastante am-
diagnósticos para avançar. Mas muito do que foi
bicioso. Nesse sentido, eu gostaria de destacar
apresentado como plano organizado, concate-
algumas questões.
nado nessa organização, já é de funções oficiais
A primeira delas, que também faz parte desse tanto de decepções, é a falta de foco do plano.
do Ministério da Justiça e vinham caminhando, apesar do plano.
E essa falta de foco vem na esteira de outros
Outro ponto que também me pareceu ausente
planos que fracassaram justamente porque ten-
foi a questão das medidas preventivas. Em toda
taram abraçar todos os problemas de segurança
a parte que o Leandro colocou muito bem, sobre
de uma vez e deixaram de priorizar algum ele-
como o município pode atuar para a melhoria
mento factível, exequível do ponto de vista do
da segurança pública para que a gente atinja
Ministério da Justiça. E aí a decepção é alimen-
os nossos objetivos, a prevenção é tida como
tada também porque o último plano natimorto –
uma das principais estratégias para o combate
que nem chegou a ser lançado – do ex-ministro
ao crime e a redução dos indicadores criminais
José Eduardo Cardoso, teve a participação de
– seja homicídio, seja roubo, todos esses crimes
universidades, instituições da sociedade civil,
têm um caráter preventivo que pode ser estimu-
Ministério Público, foi o chamado Pacto Nacio-
lado. Dada a distribuição federativa de respon-
16
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
sabilidades na segurança pública pela nossa
esses cursos porque tem o know-how, a tecno-
Constituição, o Ministério da Justiça tem uma
logia para isso aí. Agora, se todas as medidas
capacidade grande de indução à prevenção e
preventivas previstas num Plano Nacional de
isso foi relegado a uma parte menor. Existe um
Segurança Pública se resumirem a curso de ar-
pedaço dedicado exclusivamente à questão do
quivista, a gente tem um problema sério. Isso foi
feminicídio – hoje ele responde por 4 mil das 60
robustecido com as ações de prevenção ligadas
mil mortes violentas –, mas tirando essa parte,
ao feminicídio, mas ainda assim me pareceram
se dialoga muito pouco com o caráter preven-
bastante tímidas essas ações para um problema
tivo que se espera de um plano como esse.
tão sério e numa estratégia que pode dar mui-
Isso se dá, também – e é uma justificativa que
tos resultados.
eu ouvi do próprio ministro na sua apresenta-
Como eu disse, é um plano que está eivado
ção – pela dificuldade de colaboração de outras
de dependência de outros órgãos, muitas das
partes governamentais e de outros órgãos den-
ações são acertadas, são diagnósticos interes-
tro dos Estados para o desenvolvimento e pro-
santes do ponto de vista do que se pode fazer
moção dessas ações preventivas. E essa é outra
para melhorar o que chamo de cadeia latu sen-
crítica ao plano. Quando você tem disponível
su de segurança, esses elos entre secretarias
uma equipe que ultrapassa as responsabili-
de segurança pública, os aparatos de polícia,
dades de sua pasta, você consegue desenvolver
seja ou federal e até a guarda municipal, mas
outras ações que não são necessariamente de
tem um segundo elo que é o judiciário, sobre
sua responsabilidade, não estão dentro do seu
o qual pouco se tem falado – talvez um pouco
quadrado de atuação. Esse plano, foi dito ex-
mais no começo do ano pelas questões ligadas
plicitamente pelo Ministério na sua composição,
ao sistema penitenciário –, mas é parte funda-
se valeu de ações única e exclusivamente do
mental para que a gente consiga chegar num
Ministério da Justiça. E do ponto de vista de
sistema que funcione minimamente, ressociali-
quem trabalha com segurança pública, se você
zando presos no sistema penitenciário, que é
não tem o auxílio e a cooperação de outras
o terceiro elo, mas que também diminua a en-
pastas – da Assistência Social, da Educação, da
trada de presos, diminua a entrada de pessoas
Saúde, nem que seja para avisar e informar o
que não deveriam estar presas no sistema peni-
sistema da segurança pública – você tem mui-
tenciário, que consiga dar vazão a toda a cadeia
ta dificuldade em avançar. É outro ponto a ser
de acompanhamento desses presos, gente que
destacado.
tenha medidas de restrição de liberdade já cum-
Para vocês terem uma ideia, uma das medidas
pridas... Enfim, essa cadeia que é composta de
preventivas anunciadas pelo plano era a criação
Segurança Pública, Judiciário e sistema peniten-
do curso de arquivista como medida preven-
ciário tem que funcionar como um todo.
tiva no combate à violência e aos indicadores
O plano foi feito só a partir do escritório do
tenebrosos da segurança pública. E por que ar-
Ministério da Justiça. Não houve conversa prévia
quivista? Tem uma lógica. O Arquivo Nacional
com o Conselho Nacional de Justiça e com o Con-
está dentro da pasta do Ministério da Justiça e
selho Nacional do Ministério Público. Quando
o ministro teria plenas condições de arcar com
17
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
digo que o lançamento foi apressado é porque
parte dessa base de controle ficasse nas mãos
o plano precisava ser maturado um pouco mais
do Exército brasileiro e a outra nas mãos da Polí-
para propor o que ele propôs. A maneira como
cia Federal. Até hoje, os dois sistemas, o Sigma
foi construído também diz muito sobre os re-
(Sistema de Gerenciamento Militar de Armas),
sultados apresentados. A gente tem um exem-
do Exército, e o Sinarm (Sistema Nacional de
plo bastante interessante, inclusive apropriado
Armas), da Polícia Federal, nunca foram inte-
pelo plano, que é um sistema desenvolvido pelo
grados. Isso estava previsto em lei. O Sinarm já
Ministério da Justiça junto com o escritório das
existia antes da lei, o Sigma também, mas essa
Nações Unidas em Brasília. Criaram diretrizes
dificuldade de implementação impede que em
para o combate ao crime do feminicídio e foi
qualquer homicídio, quando é encontrada uma
um sistema bastante interessante porque con-
arma, ela muitas vezes acaba não sendo peri-
seguiram juntar gente do Brasil inteiro, de di-
ciada como deveria porque existe uma impos-
versas frentes de atuação, que montaram não
sibilidade de consulta a um banco de dados que
um plano, não algo imposto aos Estados, mas
poderia dizer de onde ela veio. A rastreabilidade
diretrizes básicas para o enfrentamento desse
dessa arma, que muitas vezes é o objeto fun-
tipo de violência. Chamo a atenção aqui para a
damental para a elucidação de um homicídio,
maneira e a tecnologia usadas para desenvolver
acaba inviabilizada porque a implementação de
esse tipo de pacto. Quando você tem pouca ca-
uma política pública de 2003 ainda não acon-
pacidade de enforcement, pouca capacidade de
teceu. O custo da junção dos sistemas Sigma e
se impor frente a atuação da segurança pública,
Sinarm equivale a 1% dos R$ 70 milhões previs-
você precisa criar maneiras para convencer os
tos para o Sinesp (Secretaria Nacional de Segu-
seus parceiros daquilo que você defende para
rança Pública), por exemplo, que é outro siste-
conseguir ter os seus objetivos cumpridos.
ma, de uma outra política que até hoje ainda
E aqui nós temos boas intenções, partidas de
não foi implementada em sua totalidade. Então,
bons diagnósticos, mas ainda não foi criada
a questão da priorização é muito importante.
essa força necessária para atingir as metas colocadas.
E já que falei de armas, temos problemas de fronteiras, apesar de muitas evidências mostra-
Então, destaquei alguns desafios. Retomando
rem que há um problema ainda maior dentro
a capacidade de implementação, tivemos cinco
dos nossos quintais – a arma produzida no Bra-
grandes planos nacionais de segurança desde o
sil acaba saindo do mercado legal. Temos uma
governo FHC, que foram abandonados ou par-
questão bastante factível e exequível em rela-
cialmente deixados de lado ao longo do tempo.
ção aos nossos vizinhos. Como essas armas
E aqui eu cito um caso que exemplifica bem o
chegam ao Brasil e até mesmo as armas nacio-
dilema da implementação que o Ministério da
nais que saem do Brasil, vão para o Paraguai,
Justiça tem até para questões que estão ao seu
Bolívia – a gente encontrou indícios de armas
próprio alcance. No final de 2013 foi aprovado
brasileiras provenientes da Guatemala. Então,
o Estatuto de Desarmamento, lei que acabou
é preciso um olhar e uma parceria maior com
controlando todo o comércio e circulação de ar-
os nossos vizinhos. Isso está no plano, é um
mas de fogo no Brasil, lei que determinou que
reconhecimento a se fazer.
18
‘‘
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
O Leandro trouxe também a questão do ras-
. . . Q U AT R O P O N T O S Q U E S Ã O FUNDAMENTAIS: A QUESTÃO DO CICLO
treamento, mas há um trabalho feito pelo Ministério Público de São Paulo, em parceria com o Instituto Sou da Paz, que acabou identificando as possibilidades de rastreamento dessas ar-
COMPLETO DA POLÍCIA; A QUESTÃO
mas. Para finalizar, gostaria de destacar que a
DA CARREIRA ÚNICA ENTRE
rança pública no Brasil tem diversos problemas,
A S P O L Í C I A S ; A Q U E S TÃ O D A
questão que a gente sempre levanta é: a seguque passam também pelas casas legislativas, para serem minimamente resolvidos. Acho im-
PRIORIZAÇÃO NA INVESTIGAÇÃO DOS
portante – e espero que haja outras oportuni-
HOMICÍDIOS, A VALO R I Z AÇ ÃO DO
sigam esses exemplos – que o tema da seguran-
C O M B AT E À I M P U N I D A D E C O M MAIOR ÍNDICE DE SUCESSO NA
dades, que outros partidos e fundações também ça pública não seja discutido apenas em soluços de crises penitenciárias, paralisação dos policiais e em momentos de caos, quando as pessoas lembram que é uma política pública que precisa
INVESTIGAÇÃO DOS HOMICÍDIOS; E,
ser democratizada do ponto de vista da dis-
POR FIM, ESSA QUESTÃO QUE VEM
ser levadas adiante. Sou da Paz e tantas outras
GANHANDO OS JORNAIS, QUE É A MELHORIA E A VALORIZAÇÃO DAS POLÍCIAS COMO UM TODO “...
cussão. Há questões nevrálgicas que precisam instituições, acadêmicos e muitas lideranças políticas têm levado esse debate adiante, seja na Câmara dos Deputados, no Senado, nas casas legislativas estaduais e municipais. Eu destaquei aqui quatro pontos que são fun-
Ivan Marques
damentais: a questão do ciclo completo da polícia; a questão da carreira única entre as polícias; a questão da priorização na investigação dos homicídios, a valorização do combate à impunidade com maior índice de sucesso na investigação dos homicídios; e, por fim, essa questão que vem ganhando os jornais, que é a melhoria e a valorização das polícias como um todo, dentro do seu arcabouço legal de funcionamento e estruturação, seja ela militar ou não – mas isso passa longe da discussão. Aqui a gente está discutindo como esses servidores públicos são tratados e como eles tem condições de trabalhar. Acho que essas discussões pode-
19
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
riam ter sido melhor induzidas por um Plano
fez alguns trabalhos com a Polícia Militar e eu
Nacional de Segurança Pública. No momento
agradeço muito. Com o Ivan, participei da Con-
em que você faz escolhas – como era a intenção
ferência Nacional da Segurança Pública, e a
do ministro José Eduardo Cardoso em priorizar
Polícia Militar deve ter sido uma das instituições
homicídios – você deixa de lado muitas coisas,
que mais participou da Conferência, levando os
mas essas daqui são o primeiro passo para que
seus conhecimentos. E o Instituto Sou da Paz
a gente possa ter uma medida séria para melho-
me ajudou bastante. Fizemos uma campanha
rar estruturalmente a situação da segurança no
muito forte no trabalho da abordagem policial
Brasil.
com os jovens. Primeiro, vou fazer uma crítica ao plano e de-
SERGIO RONDINO: Obrigado Ivan. Agora, as observações do coronel Álvaro Camilo.
pois falar um pouquinho do que já comentaram aqui o Leandro e o Ivan. Em uma visão muito particular, de quem militou muito tempo na segurança pública, o plano começou desvirtuado. Não foram ouvidas as pessoas que deveriam ser ouvidas. O plano fala muito em perícia, em criar centros e laboratórios, mas não foi ouvido o principal ator, que cuida de 70% de toda a sustentação da democracia no País: as polícias militares. E foram feitas reuniões só com dirigentes da Polícia Civil. Não foi escutado um comandante da Polícia Militar, de nenhum Estado brasileiro. A minha avó dizia que “prevenir é melhor do que remediar”. Não foi escutado o Conselho Nacional dos Comandantes Gerais, que trabalha especificamente na prevenção. É bom ter uma investigação e prender o criminoso depois que ele cometeu o crime. Isso também diminui o crime, mas o crime já aconteceu, a pessoa já foi preju-
CORONEL CAMILO: Em primeiro lugar queria
dicada. Eu tenho que trabalhar na prevenção. A
cumprimentar aqui os meus amigos. Aprendi
prevenção é o crime que não aconteceu e é ela
muito com o nosso sociólogo Tulio Kahn. Tra-
que diminuiu o indicador do número de homicí-
balhei na Secretaria de Segurança Pública por
dios – São Paulo bate recordes mês após mês
seis ou sete anos com ele. Também conheci o
na redução de homicídios. E quem faz a preven-
Leandro lá, em 2003, no Instituto Futuro Bra-
ção no Brasil inteiro é a Polícia Militar. Como
sil, apresentando a primeira pesquisa de viti-
um Plano Nacional não escuta a Polícia Militar?
mização. Depois ele desenvolveu um trabalho
Quando fala em capacitação, fala em ouvir as
muito interessante, para explicar porque caíram
academias da Polícia Civil. O doutor Alexandre
os índices de homicídios aqui em São Paulo. Ele
Moraes esqueceu do que ele viu na Academia
20
‘‘
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
do Barro Branco, quando esteve aqui em São Paulo. Esqueceu como é a formação da Polícia
NOSSO PAÍS É CONTINENTAL E O PLANO NÃO R E S P E I TA O PAC TO FEDERATIVO. ESSE PLANO TINHA
Militar de São Paulo. Esse é o primeiro grande erro. Segundo grande erro: é centralizador. Ele não pode ser um plano que trata de curso de arquivista no Rio Grande do Sul. Nosso País é
QUE SER UM IMENSO GUARDA-
continental e o plano não respeita o pacto
CHUVA, SÓ ESTRATÉGICO, COM AS
imenso guarda-chuva, só estratégico, com
DIRETRIZES BÁSICAS DO QUE SE
federativo. Esse plano tinha que ser um as diretrizes básicas do que se pretende. E ser desmembrado em planos estaduais. A mesma
PRETENDE. E SER DESMEMBRADO
coisa está acontecendo no sistema peniten-
EM PLANOS ESTADUAIS”.
todos os Estados colocarem nos presídios. Eu Coronel Camilo
ciário: estão querendo dar bloqueadores para ouvi de um comandante: “eu não preciso de bloqueador, eu preciso de torneira, preciso de pia”. Como é que eu, de Brasília, quero falar tudo o que os Estados têm que fazer? Eu tenho que envolver os municípios, tenho que desmembrar isso. Então, eu faço coro com os dois: este plano é um retalho de tudo o que já se fez. Parece que precisavam apresentar alguma coisa. Eu faço uma crítica muito séria: primeiro, não ouviu quem deveria ouvir, quem está na rua, quem está morrendo, quem está fazendo prevenção; segundo, não é um plano nacional – eu não posso chegar ao detalhe de estabelecer que vou dar curso de empreendedorismo. Eu tenho que dar as linhas básicas, chamar cada Estado e dar condições a eles. Senão, faço o que fiz no sistema penitenciário: fico com R$ 3 bilhões guardados um tempão e as cadeias caindo aos pedaços. É preciso descentralizar, delegar, respeitar o pacto federativo. Feitas essas considerações, vamos aos pontos positivos que vejo no Plano Nacional de Segurança. Ele fala muito em fomentar a troca de informações e isso precisa ser feito. Em São
21
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
Paulo, um dos motivos pelos quais começamos a
tem que ser punido todo mundo que come-
reduzir os homicídios foi quando um secretário
teu qualquer tipo de crime. O consumidor de
deu à Polícia Militar o acesso ao histórico do bo-
droga tem que ser punido. Agora, a punição
letim da Polícia Civil. Começamos a entender o
não significa encarceramento. Vamos pegar o
modus operandi. Para fazer o quê? A prevenção.
caso específico do consumidor de drogas. Se
Nesse aspecto, o plano tem um ponto muito
ele está ruim, a punição é internar compul-
positivo: integra e distribui a informação. A inte-
soriamente. Se ele está mais ou menos, vai
gração, pouco citada, dos conselhos de seguran-
trabalhar no final de semana num hospital de
ça. No Japão há uma polícia com 290 mil polici-
drogados. Passar um ano, todo domingo, tra-
ais e dois milhões de voluntários. Toda semana,
balhando de graça num hospital de drogados,
no quarteirão, os vizinhos se dividem, põem um
cuidando daquelas pessoas. Ou seja, o que eu
giroflex em cima da viatura, pegam um colete
tenho que ter é punição para diminuir a impuni-
e um rádio da polícia e ficam ali patrulhando as
dade.
suas ruas. Fazem isso gratuitamente. Vamos chegar a isso? Talvez daqui a dois mil anos.
Volto a dizer: punição não é encarceramento. A polícia de São Paulo prende 120 mil adul-
O que eu quero dizer é que o plano não fala em
tos. Apreende entre 40 mil e 60 mil menores.
participação comunitária, em ouvir a sociedade,
Prende em torno de 160 mil pessoas por ano.
em transformar a nossa sociedade nos olhos da
Recaptura mais de 20 mil, 22 mil, por causa des-
polícia. Se esse cara da rua aumentar o seu sen-
sa besteira que é a saída temporária que criamos.
timento de pertencimento e comunicar os erros,
Recaptura mais de 22 mil, 25 mil procurados por
eu vou ter o que eu preciso: a informação. Eu
ano. Então, precisamos trabalhar nos mutirões.
preciso trabalhar com inteligência e a matéria-
Fazer as coisas funcionarem. E o plano fala
prima da inteligência é a informação. Quem tem
muito vagamente nas mediações de conflitos e
a informação é o cidadão, que está na ponta da
nos mediadores – e acho que isso é uma grande
linha. Quem sabe o que acontece na rua é quem
solução. Criar centros que evitem judicializar,
mora na rua. Outro ponto positivo: há preocupa-
tentar fazer o acordo antes de levar o caso à
ção com a violência doméstica: 50% ou 60% das
Justiça. Porque se cair na Justiça demora dez
ocorrências atendidas pelas polícias, no Brasil, são mediações de conflitos, e a maioria desses conflitos são domésticos. A capacitação também é importante. Temos que capacitar bem, dar instrumentos, dar conhecimento para que ele possa fazer. Outra coisa importante: esses mutirões. O Brasil prende muito e prende mal; e mantém preso quem talvez não devesse estar lá. E olha que eu sou defensor da punição. Mas o que acontece? A maioria dos que estão lá talvez não devessem estar: 40% são só provisórios. Na minha visão,
22
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
anos. Vejam o caso do Pimenta Neves, aquele
deixava o policial naquela região – Corumbá,
jornalista que matou a namorada, réu confesso,
Ponta Porã – só por um mês, depois tirava. A
que levou 10 ou 12 anos para ser preso. A nossa
maioria dos presos lá no Mato Grosso do Sul era
Justiça tem que se reinventar também, porque
por envolvimento de policiais, infelizmente com
não nos atende. Então, eu tenho que tirar da
drogas. Então, preocupação com as fronteiras é
Justiça. Como? Com mediadores de conflitos,
ótimo. Outro ponto extremamente positivo é o
com os mutirões, com as as ações com os países
estabelecimento de metas. Sem metas não se
vizinhos. No Estado de São Paulo, para ajudar,
chega a lugar nenhum, e pela primeira vez eu
quando estava no comando da PM fiz muitas
vejo um plano falando disso, o que é ótimo. E a
ações com as polícias fronteiriças: Mato Grosso
utilização da tecnologia. A tecnologia é o braço
do Sul, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro.
da polícia. Senão ficamos aumentando o efetivo
Porque a gente estava numa situação melhor
indefinidamente. Esses são os pontos que eu
em São Paulo e o pessoal estava vindo de
vejo como positivos.
outros Estados para cá, trazendo armamen-
O plano baseou-se muito na perícia, na inves-
tos. E a gente conseguiu uma boa solução. É
tigação, e isso é importante. Agora, criar cen-
isso o que o Brasil tem que fazer para fora.
tros? Como é que vou ficar criando coisas no-
Outro ponto positivo é a proteção das nossas
vas? Eu crio elefantes brancos. Cria-se lá uma
fronteiras. É preciso ser criado um monitoramen-
grande central, com um monte de monitores, e
to eletrônico. Tem jeito de fazer isso, tem que
aquilo fica jogado às traças. Eu não preciso criar,
ter tecnologia para fazer isso. Pode ser criada
preciso fazer funcionar o que já existe primeiro,
até uma força nacional – pegar a ideia do Gilber-
para depois ver se preciso de mais alguma coi-
to Kassab e criar a Operação Delegada nas fron-
sa. É preciso analisar o que cada Estado precisa.
teiras. Porque na fronteira eu não posso ter um
Quando eu fui comandante da Polícia Militar,
policial por mais de um mês. Ele é cooptado, nas
aposentei o revólver e comprei 60 mil pistolas.
palavras do comandante da PM do Mato Grosso
Hoje cada policial tem a sua pistola. E distribuí
do Sul. Ou ele entra para ajudar o tráfico de dro-
para o Brasil 30 mil revólveres usados, porque
gas ou ele é morto. Então, ele fazia um rodízio,
tinha polícia que não tinha armamento. A polícia do Espírito Santo não tem colete, pega de manhã, entrega à tarde. Como é que pode? Vamos falar um pouquinho sobre as Forças Armadas. Elas podem ajudar? Podem, mas só para proteção, naquilo que for muito crítico, nos pontos sensíveis. O Exército não pode ser usado em segurança pública, não tem habilidade, não tem competência para isto. O treinamento é diferente. O Exército tem inimigo, a polícia tem infrator da lei. E você põe nos conflitos um jovem que muitas vezes acabou de entrar. E o sujeito está com um fuzil. O que eu faria, se pudesse
23
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
mexer nesse plano? As Forças Armadas vão cui-
principais variáveis: álcool, droga e arma. E como
dar fortemente das fronteiras.
a polícia faz para combater o homicídio? Tira a
Sobre a Força Nacional, vão aumentar e mon-
arma de circulação, faz blitz, faz abordagem.
tar um efetivo fixo. De novo, estamos interferin-
Na minha época, eram 9 milhões, hoje estamos
do no pacto federativo. A Força Nacional já tem
chegando a quase 17 milhões de abordagens
uma situação esdrúxula, não tem constituciona-
por ano em São Paulo. É quando eu retiro arma
lidade. Eu mandei gente para a Força Nacional,
irregular, que está com o marginal, de circula-
mas se meu policial morre lá em Minas, como é
ção. A polícia recolhe muita arma, arma raspada.
que eu faço? Quem cuida dele? Quem paga o
A gente faz operação de direção segura contra
seguro? Quem faz o inquérito? Há uma série de
o álcool porque o cara sai do trabalho, está meio
complicações. Mas já criaram. A Força Nacional
desgostoso, passa no barzinho, enche a cara,
pode intervir com um efetivo muito pequeno e
bate na mulher, briga com o vizinho e mata o
temporariamente em um problema específico.
cara. A gente identificou isso lá atrás, no ano
Não podemos ter uma Força Nacional senão
2000. Como é que eu vou combater o homicí-
estamos criando mais uma polícia. É um grande
dio? Vou fazer prevenções fortes contra o crime
erro aumentar a Força Nacional. Temos que pre-
organizado. Contra a droga. Porque outra parte
pará-la e deixar que intervenha rapidamente e
grande dos homicídios vem da disputa por conta
saia. Quem tem que cuidar é o Estado, por isso
da droga. Então, temos que trabalhar forte na
eu preciso delegar, parar de centralizar os re-
prevenção.
cursos na União. Tenho que delegar, respeitar
Vou dar alguns dados para reforçar o que o
o pacto federativo. As situações são diferentes
Leandro disse. Da minha experiência profis-
em cada ponto do Brasil.
sional, evitando o pequeno delito você evita o
Na verdade, tenho que rever até a distribuição
grande. Como o Rudolph Giuliani, ex-prefeito de
tributária do País. De todos os impostos, 60%
Nova York, diminuiu a criminalidade, inclusive
vão para Brasília, 30% para os Estados e 10%
os homicídios? Ele começou evitando que os
para os municípios. Como dizia o ex-governador
jovens pulassem as catracas do metrô. Quando
de São Paulo, Franco Montoro, nós moramos no
assumiu, 100 mil jovens pulavam as catracas do
município.
metrô todos os dias em Nova York. Ele começou
Dito isso, vamos entrar na parte que eu mais
a regrar isso, a trabalhar nos pequenos delitos.
gosto. Acho que faltou olhar um pouquinho ao
O crime é um triângulo: tem o infrator, a vítima
que é feito em São Paulo. Tem que fazer a inte-
e o ambiente. Temos que trabalhar nos três.
gração, mas a prevenção é o que funciona. Fala-
A segurança pública tem dois grandes pilares.
se tanto em homicídio, mas como a gente der-
Um objetivo é diminuir a criminalidade real, é
rubou o número de homicídios em São Paulo?
fazer com que o crime não aconteça, com que
Com prevenção. O homicídio é decorrente, nessa
as pessoas não morram, não sejam roubadas. O
ordem, de tráfico de drogas, álcool e, depois,
outro é trabalhar com a sensação de segurança.
outras situações passionais. O homicídio acon-
Porque uma coisa está intimamente ligada à
tece fora das vistas policiais. Como você com-
outra. Quanto mais segura a população estiver,
bate isso? Com prevenção. O homicídio tem três
mais inseguro o criminoso estará. E quanto mais
24
‘‘
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
segura a população está, mais ela aumenta o sentimento de pertencimento, mais ela liga para
O CRIME É UM TRIÂNGULO: TEM O INFRATOR, A VÍTIMA E O AMBIENTE. TEMOS QUE TRABALHAR NOS TRÊS.
polícia, mais ela dá a nossa matéria-prima, que é a informação. O plano precisava ter pensado nisso, trabalhar com campanhas, fazer chegar as ações boas, já que as ruins aparecem. Tem que trabalhar nas boas. Quanto às vítimas, é
A SEGURANÇA PÚBLICA TEM DOIS
campanha, é orientação. Hoje um jornal na TV
GRANDES PILARES. UM OBJETIVO É
roubadas. As pessoas não podem andar com o
DIMINUIR A CRIMINALIDADE REAL,
mostrou as pessoas falando no celular e sendo celular no meio de um milhão de pessoas, como é na 25 de Março, como é na avenida Paulista,
É FAZER COM QUE O CRIME NÃO
e achar que a polícia tem que proteger. Existem
ACONTEÇA, COM QUE AS PESSOAS
Aquele saudosismo de que eu morava no inte-
NÃO MORRAM, NÃO SEJAM ROUBADAS. O OUTRO É
situações em que a vítima pode tomar cuidado. rior e deixava o meu carro aberto não existe mais. As cidades cresceram, eu tenho que viver dentro dessa nova realidade. Nada impede que eu possa ter um ambiente seguro como Nova
TRABALHAR COM A SENSAÇÃO DE
York voltou a ter. É claro, em Nova York ninguém
SEGURANÇA. PORQUE UMA COISA
sai de casa à noite e vai comer uma pizza tran-
ESTÁ INTIMAMENTE LIGADA À
deixa a chave no contato do carro, mas o cara quilamente. Então, precisamos trabalhar com a vítima potencial com campanha, para que ela ajude a polí-
OUTRA”. Coronel Camilo
cia, sem paranoia, sem criar pânico, sem sensacionalismo. Precisamos trabalhar com o infrator. Nisso nós pecamos demais, somos ruins. Que me desculpem os advogados, mas temos que parar de ouvir o advogado criminalista quando temos que mudar o Código Penal. Há tanto recurso, tanta protelação, que quem tem dinheiro não vai preso. Temos de mexer um pouquinho nas leis. Temos que parar com o paternalismo com o infrator da lei. Temos que respeitá-lo, mas temos que voltar à função da pena. Pena é a vingança do Estado contra alguém que cometeu um crime. Parece duro, mas é isso mesmo. O Estado pega para ele o que eu queria fazer.
25
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
Pena é castigo. Para que ele não faça de novo,
criminada e saída temporária cinco vezes por
para que ele entenda que não pode fazer de
ano só em São Paulo. Na minha época, entre
novo. E para que os outros vejam e não façam
22 mil e 25 mil presos saíam e 5% não volta-
também. Hoje, ele faz uma continha: estoura
vam. Por isso a polícia recaptura, é retrabalho.
um caixa eletrônico porque tem R$ 1 milhão lá.
Outra coisa que a gente inventou e não está
Se der certo, ótimo, se não der certo e a polícia
na lei: visita íntima. O cara rouba e se for preso,
pegar, é furto qualificado, vai pegar 4 ou 5 anos,
pensa: vou lá pra dentro, tenho quem vai cui-
não sei quanto que dá. Se tiver um advogado
dar de mim, vou ter assistência médica, o Es-
bom, transforma isso aí numa prisão domiciliar
tado vai me proteger e minha família vai rece-
ou semiaberto.
ber bolsa-reclusão. Por favor, não me entendam
A lei é muito fraca e criamos coisas que não
mal, o preso tem que ser tratado com dignidade,
precisavam existir na lei brasileira. Por que não
mas prisão é pena. Cadeia é para cumprir pena.
tem um policial ouvindo o que o advogado está
Ponto. O cara nem foi preso, vai para o distrito
dizendo para o preso? O cara está preso. Por que
e temos advogados ativistas para defendê-lo
não pode falar pelo vidro? Por que fazemos pro-
contra a ação autoritária da polícia. A sociedade
gressão de pena de forma indiscriminada? Eu só
precisa repensar isso.
analiso isso: se tiver um bom comportamento,
E, o mais importante, que o Leandro falou: o
pode sair. Quem vai conseguir ter mau compor-
ambiente. Ele é responsável por 70%, 80%, ou
tamento entre quatro paredes? É muito difícil.
talvez mais dos crimes que acontecem. Temos
Precisamos mexer nas leis, acabar com essa
que considerar que se eu não deixar o crime
hipocrisia e deixar de ser paternalista. Mesmo
pequeno acontecer eu evito o grande. Mesmo
porque, todos sabem, a ressocialização é uma
porque uma grande parte dos criminosos não
utopia com esses depósitos de presos que te-
começa matando, começa furtando, depois
mos aqui. Como dizia o Victor Hugo, era preciso
passa para um pequeno roubo e depois vai para
ter mais escolas e menos presídios. Se eu fecho
um crime maior. Se eu evitar o pequeno, estou
uma escola, eu abro um presídio, e vice-versa.
evitando que ele faça isso. O município tem um
Mas temos que tratar a situação que existe hoje.
papel fundamental. A Constituição de 1988 de-
Sinto muito, mas tenho que construir presídios,
fine que a segurança é um dever do Estado, mas
para que eu possa dividir mais essa população,
a responsabilidade é de todos, e em todos está
para dar dignidade a esse ser humano que está
incluído o município, estamos todos nós. Então,
lá dentro.
é muito importante trabalhar para tornar o am-
Sou defensor do bandido preso. O jovem não
biente sadio, porque ele evita o crime.
tem medo de morrer. Quantas vezes eu, como
Sobre Raia, que o Leandro citou, permitiu uma
policial, peguei jovens que tiveram um colega
integração muito boa entre a polícia e a Pre-
morto. “Ah, doutor, perdeu!”, diziam eles. Sim-
feitura de São Paulo, durante a gestão Kassab,
plesmente assim: morreu, perdeu. O jovem tem
quando eu era comandante-geral da Polícia
medo de ficar preso, de ter a sua liberdade cer-
Militar. Raia significa Relatório de Avaliação de
ceada. E por isso precisamos fazer presídios,
Incidentes Administrativos. É um nome bonito
sim. E outra coisa: progressão de pena indis-
para dizer para a prefeitura: “Olha, você tem
26
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
um problema aqui”. É um comunicado. O que a
que está acontecendo hoje com o sistema Ra-
polícia faz? Encontra um buraco, comunica. Mas
dar, que funciona muito bem.
que buraco? Aquele que está na avenida 23 de
Hoje, na cidade de São Paulo – dá para fazer
Maio, onde um carro vai cair, capotar, e alguém
isso – se eu quiser saber onde estava o meu
vai se machucar. Uma luz queimada – não toda
carro um mês atrás, a polícia levanta e dá para
luz queimada, mas aquela luz perto da escola,
saber, por câmeras da polícia, onde eu passei.
porque uma criança pode ser molestada. O que
Isso vai se multiplicar na cidade. Se vocês forem
fizemos? Colocamos o Raia no tablet da viatura,
visitar o Copom (Centro de Operações da Polícia
11 mil tablets. Com esse tablet, bastava dar dois
Militar) vão ver. Nós criamos aqui em São Paulo
cliques e a Prefeitura era comunicada. Um clique
três centros de inteligência: o SISP (Sistema de
abria uma janelinha com vários ícones: lixo, ca-
Administração dos Recursos de Tecnologia da
çamba, luz, carro abandonado, buraco. Como a
Informação), o Centro de Comando e Controle
viatura tem georreferenciamento, no segundo
e o Copom, que é um grande centro, que real-
clique o subprefeito está comunicado. Num se-
mente funciona. A gente promoveu a integração
gundo momento, havia o acompanhamento – era
e funciona. A Guarda Civil acessa as câmeras da
a segunda parte do projeto. Supondo que fosse
Polícia Civil e a PM acessa as da Guarda Civil.
um buraco na rua – buraco tinha 24 horas para
Quando eu estava no comando também liberei
consertar: qualquer viatura que passasse por
o Fotocrim (banco de dados com fotos e infor-
aquele lugar onde estava o buraco recebia no
mações de criminosos) para a Polícia Civil, mas
tablete uma pergunta: aquele buraco foi con-
infelizmente não foi usado.
sertado? Aí o policial tinha que comunicar se sim
Precisamos envolver os governos. Aqui em
ou não. E aí a resposta já não ia para o subpre-
São Paulo a gente fez a Lei dos Pancadões,
feito, ia para a Secretaria de Coordenação das
a lei do barulho. O prefeito (Fernando Had-
Subprefeituras, notificando se aquele buraco foi
dad) que saiu – tomara que volte a ser profes-
fechado ou não. Então, a polícia ajudava a zelar
sor – destruiu a Lei dos Pancadões. Na hora de
e inclusive auditar. Por isso a integração é muito
regulamentar, deu autorização só para o PSIU,
importante.
que tinha 16 agentes para acompanhar boates,
Essa integração poderia ser feita junto com a
casas de shows e mais os pancadões. Então,
sociedade. Tem um exemplo fantástico na Vila
destruiu a lei. Mas agora o governador (Geral-
Madalena (bairro da zona Oeste de São Paulo).
do Alckmin) vai regulamentar a mesma lei em
O monitoramento lá é feito conjuntamente, en-
nível estadual, vai dar competência à PM para
tre o poder público e a área privada. A Polícia
fiscalizar. Hoje a PM entendeu que é tão impor-
Militar criou, na época em que eu estava no
tante cuidar da prevenção que ela vai fazer um
comando, as diretrizes de monitoramento. Na
trabalho preventivo. Ela não tinha competência
primeira etapa, as câmeras da polícia, na se-
e agora poderá fazer intervenção no início de
gunda, a troca com os órgãos da Prefeitura e
pancadão. A polícia não podia porque não tinha
do Estado, e num terceiro momento as imagens
crime, não era da sua competência, só do mu-
privadas que forem disponibilizadas. Todo mun-
nicípio. Com essa lei estadual, a polícia poderá
do consegue compartilhar um sistema, que é o
chegar no começo e mandar baixar o som. Se
27
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
não abaixar, multa de R$ 1 mil a R$ 4 mil. Não
O Boletim Único, que a gente vai tentar
parou, apreende o veículo. A Polícia Militar não
mexer na Assembleia, agora, é uma solução
podia fazer isso. Quem podia fazer era a Prefei-
para aumentar em 30% o efetivo. Se aumen-
tura. E em vez de ter dado a tarefa para a GCM,
tar 15% – e isso não depende de lei, já tem a
que tem quatro mil guardas, quase seis mil, deu
Lei 9.099 – deixa a polícia fazer o TCO (Termo
para os fiscais do PSIU. Destruiu a lei. Isso deve
Circunstanciado de Ocorrência), que é o regis-
melhorar.
tro das ocorrências de pequeno potencial ofen-
Vamos considerar as boas ideias. Foi dada
sivo, que são 73% das atendidas pela polícia.
uma grande ideia aqui, chamada Virada Social,
Ou seja, eu não precisaria conduzir as pessoas
que é um pouco do que o Leandro falou que
a um distrito policial. Seria muito mais célere.
acontece no Rio, com essas Unidades de Ordem
Essas são duas providências que o plano devia
Pública. Ou seja, se você tem um lugar onde a
ter tratado. Isso não depende de lei.
criminalidade é mais acirrada, tem que atacar.
Se a gente quiser estender um pouquinho e
No governo José Serra foram feitas 12 ações,
caminhar para um novo entendimento entre as
numa integração entre a Prefeitura e a polícia.
polícias no Brasil, vai pelo que o Ivan falou, que
Você ia lá, fazia ações, colocava uma base co-
a Polícia Militar defende muito: o ciclo completo
munitária e entrava com as ações do Estado –
de polícia. Porque sempre quando dois fazem a
escola, asfalto. Isso melhorou bastante a vida
mesma coisa, um deles vai reclamar e dizer que
das pessoas e em alguns momentos aumentou
o erro foi do outro. Então, a Polícia Militar faz
tanto a autoestima que a pessoa passou a cui-
a prevenção e leva para o distrito só quando
dar do lugar. Resumindo: se eu quiser diminuir o
cometeu um crime e a parte judiciária assume
crime no Brasil, tenho que trabalhar com a pre-
daí para a frente. O que acontece hoje? 90% dos
venção. Não tem outra forma.
Boletins de Ocorrência não geram nem ordem
Quando formos montar um plano, vamos ouvir quem precisa ser ouvido. Vamos delegar, respeitar o pacto federativo – cada Estado tem que cuidar dos seus problemas. Há duas medidas que são administrativas – escutem o que estou falando, assino embaixo: essas medidas aumentam em 30% o efetivo nas ruas das cidades brasileiras. É deixar a PM e a Guarda Civil fazerem o Boletim de Ocorrência. Boletim de ocorrência é só uma descrição do que o cara conta para você, tanto é que ele faz uma boa parte pela internet. Por que um policial militar não pode fazer? Isso é um grande erro. Você pode entrar na internet e fazer, não há porque o policial militar pegar você, levar para um distrito e perder quatro horas lá para registrar uma ocorrência.
28
de serviço. Estou sendo honesto com vocês.
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Não sou eu quem fala, a imprensa também está
crimes não foram cometidos porque houve a
falando, e a própria polícia chegou a declarar
oportunidade naquele momento. “Não tem polí-
que temos 2% a 2,5% de esclarecimentos de
cia. Vamos então pegar fogão, geladeira...”
ocorrências de autoria desconhecida. E boa par-
Vejo também que os planos estaduais e mu-
te dos boletins de autoria desconhecida, o au-
nicipais têm que prever a pronta resposta. O
tor estava citado como suspeito no B.O. da PM.
sistema precisa ter credibilidade. Precisamos ter
“Dizem que é o namorado”. Aí vai lá, prende o
um sistema forte de atendimento ao cidadão – e
namorado, está esclarecido. E o pior não é isso:
isso vale não só para a polícia –, no qual ele seja
2% de esclarecimento é ruim para todos nós,
ouvido e as providências sejam tomadas. Não
mas o bandido dá risada. Ele não olha os 2%, ele
vou resolver o problema de todas as pichações,
olha os 98% que não são pegos.
mas aquela que foi comunicada tenho que ir lá e
A prevenção é importante, fundamental. Te-
resolver. Não vou resolver o problema em todas
mos que trabalhar na prevenção dos grandes
as feiras em que há venda de DVDs piratas, mas
delitos, sem sombra de dúvida. Mas a prevenção
aquela em que houve a denúncia, tenho que ir lá.
que eu falo é dos pequenos delitos, em primeiro
Porque quando eu vou, dou várias informações.
lugar. Porque eu vou regrando a sociedade e
Uma mensagem para quem solicitou, de que o
evito que os grandes aconteçam. Quando eu
poder público respondeu. Uma mensagem para
tenho um ambiente com boa zeladoria, não tem
a comunidade em que a pessoa mora: chamou a
espaço para o criminoso agir. Há uma pesquisa
polícia e a polícia veio; chamou a prefeitura e a
que revela que 98% dos crimes que se cometem
prefeitura veio. Mas o mais importante é a men-
são crimes de oportunidade. Significa que se
sagem para o infrator: “Não faça isso porque a
não houver um ambiente propício, se não tiver
polícia está agindo e uma hora ela vai te pegar”.
aquela oportunidade, ele não comete. Vejam
Um dos meus objetivos no comando da
o que aconteceu no Espírito Santo. Quantos
Polícia Militar foi valorizar os policiais que trabalham na segurança, seja na Polícia Civil, seja na Polícia Militar. Por que estamos tendo esses problemas no Brasil todo, essa crise nas penitenciárias? Se não tomarmos cuidado, vamos ter novamente. Precisamos valorizar os profissionais de segurança. Não é só salário. Qual é a diferença em relação ao Estado de São Paulo? Aqui pode ter greve de policiais? Em qualquer Estado pode, mas aqui é mais difícil. Porque ele tem condições melhores. Digo para vocês e assino embaixo. Lá no Espírito Santo ele ganha R$ 2.600 e está há três anos sem aumento. Aqui em São Paulo, ganha R$ 2.900 e está há três anos sem aumento. É a mesma coisa, praticamente. Mas aqui ele tem viatura, uma Hilux, ele tem colete, ele tem pistola, ele 29
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
tem três centros para cuidar dele – centro médi-
muito elogiável, a questão dos mutirões,
co, centro odontológico, centro de reabilitação
da diminuição dessa pressão no sistema
–, tem fardamento com três a quatro mudas por
penitenciário,
ano. Se der um tiro, tem reposição – em alguns
mente do Ministério da Justiça para funcionar.
Estados não tem munição, não tem gasolina
A gente teve, na gestão do Gilmar Mendes no
para colocar nas viaturas.
CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o primeiro
mas
não
depende
exata-
Tenho que valorizar os profissionais de se-
grande avanço dos mutirões para tirar dos pre-
gurança. E dentro da valorização, se eu puder
sídios aqueles que não deveriam estar ali já há
destacar, a primeira coisa que faz muita dife-
muito tempo. Isso foi uma iniciativa interes-
rença na motivação dos policiais é o reconheci-
sante. Mas o Brasil não pode viver de mutirão,
mento. Quando estive no comando, fiz uma pes-
não pode viver de soluços em crises quando as
quisa bem rápida na internet e constatei que o
coisas começam a aparecer no Jornal Nacional.
reconhecimento vinha antes do salário – e isso
O plano que tem essa intenção, mas que não
numa época em que o policial ganhava mal. As
tem um tempo de maturação suficiente para
pessoas querem ser reconhecidas em qualquer
ter um acordo firme com o CNJ, com os minis-
lugar, mas na polícia principalmente. Porque nin-
térios públicos, com a magistratura em geral,
guém reconhece a polícia, é muito difícil. Nem o
vai continuar nesse solavanco que não vai
poder público, nem a sociedade. A polícia nunca
resolver nada. Ele propõe uma ideia, mas de
é chamada para um aniversário, uma festa. A
fato não tem medidas concretas que podem
polícia só é chamada quando tem problema. E
ser executadas diretamente pelo Ministério da
o problema tem duas faces. Uma não vai gostar.
Justiça, o que era a grande intenção do ministro Alexandre Moraes quando colocou isso. Existe,
SERGIO RONDINO: Não queremos abusar
sim, uma proposta legislativa para a mudança
da paciência dos palestrantes, mas esse espaço
no cumprimento de penas, que não depende do
está aberto para as questões e eu vou colocar
Ministério da Justiça, vai depender de uma alte-
uma aqui, que é a seguinte. O Plano Nacional de
ração legislativa.
Segurança faz alguma referência ao Judiciário no que se refere às penas – penas alternativas,
SERGIO RONDINO: Você falou do reconhe-
reduzir penas ou não. E a segunda questão:
cimento necessário da Polícia Militar, do apa-
greve de PMs. É motim? Pode? Como é que se
relhamento das polícias. Mas e a questão das
resolve?
greves, como ficamos?
IVAN MARQUES: O plano mexe muito pou-
CORONEL CAMILO: Greve nas polícias é in-
co com isto. Na verdade, mexe com essa parte
concebível. Aquele policial que fizer greve tem
que eu chamo de intenção manca – a intenção
que ir embora. Ele não tem comprometimento
que depende de outras instituições para pros-
com a missão que abraçou. O Estado brasileiro
perar. Existe uma vertente do plano que olha a
tem que reconhecer o policial, tem que lhe dar
questão dentro do sistema judiciário, a questão
realmente uma previdência diferente, mas em
da promoção de penas alternativas, o que é
hipótese nenhuma ele pode fazer greve. Em
30
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
hipótese nenhuma. E a resposta tem que ser
fará greve? Por causa do governador? Não. Ape-
muito séria, muito forte. Das 54 polícias milita-
sar do governador – porque o nosso governador
res e civis do Brasil, a de São Paulo talvez seja
é muito ruim – ele não vai fazer. Para conseguir
uma das únicas em que nunca houve greve.
algum benefício tive que brigar muito para que
Teve uma tentativa em 1988 e a polícia pôs
o policial fosse reconhecido nesse governo.
toda a sua inteligência para trabalhar, prendeu
Consegui boas coisas, mas depois de algumas
todo mundo. Em um mês estava todo mundo na
brigas em que fui chamado de líder sindical em
rua. Hoje, se o policial pegar o rádio e falar uma
reuniões do secretariado. Porque o policial não
bobagem, eu sei que policial está operando, em
fala, não pode fazer greve, não pode se sindi-
que viatura ele está e eu elimino o rádio por
calizar, não pode fazer manifestação. Quem fala
computador. Vou lá, dou um xis e aquele rádio
por ele é o comandante-geral. Então, foi difícil.
não fala mais. Sei onde ele está, sei o que ele está fazendo. Naquela época era mais difícil.
IVAN MARQUES: Só para complementar,
Só foi uma ameaça, meio dia, na praça da Sé.
porque eu corroboro com toda essa questão.
Mas vamos analisar o caso específico do Espíri-
Dentro dessas questões estruturantes da segu-
to Santo. Lá é muito mais responsabilidade do
rança pública que eu trouxe no final da minha
governador, que hoje se esquiva dizendo que já
fala, essa é uma que poderia ser alterada até
tinha falado. O que é isso? A greve não começa
por meio legislativo. A gente precisa atacar essa
de um dia para o outro. Os policiais vêm apre-
coisa. De um lado há o policial que não pode
sentando problemas ao longo do tempo. Aquela
fazer greve, mesmo porque não têm sindicato,
encenação das mulheres na porta, isso é boba-
não têm nada – a paralisação de policiais não
gem. Em São Paulo tentaram fazer isso na região
poderia acontecer. Por outro lado, não existem
de Campinas. Isso é um teatro. Sai pela porta
mecanismos políticos de controle das corpora-
dos fundos e não vai para o quartel. No Espírito
ções e de capacidade de diálogo permanente.
Santo, compactuaram com aquilo. Eles aderiram
Existem experiências internacionais sobre essa
à greve e os responsáveis, na minha visão, têm
questão da impossibilidade de paralisação dos
que ser expulsos da corporação. Aqueles que
serviços essenciais. Na Inglaterra, os professores
planejaram isso e cada um que participou, no
não podem fazer greve porque o trabalho deles
devido grau em que participou. É uma irrespon-
é considerado um serviço essencial à população.
sabilidade. Qualquer outra profissão você faz
E o servidor público que está nessa função não
greve, atrasa o serviço e coisa e tal. Se a polícia
pode parar, como a polícia também não pode
faz greve alguém morre. Não pode fazer. Este é
parar. Mas ao mesmo tempo você tem instituições
o ponto principal.
que são equivalentes aos sindicatos – não são sin-
Tanto no sistema penitenciário quanto na
dicatos, porque são de naturezas jurídicas dife-
segurança pública, administrar é estabelecer
rentes –, que levam esse diálogo adiante para
prioridades. Porque o cobertor é sempre muito
que os serviços essenciais que não podem parar
curto. A greve aconteceu lá porque o governo
consigam seguir funcionando em paralelo com
não fez da segurança pública uma prioridade.
uma negociação por melhores condições de
Por que um policial de São Paulo dificilmente
trabalho, melhores salários etc. No Brasil, a
31
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
gente não tem nem uma coisa nem outra: não
trabalhar, sim. Como a gente vê em alguns
pode fazer greve e também não pode negociar
filmes, vão construir estradas, ajudar num local
nada. Essas situações de pressão trabalhista são
longínquo, deserto, fiscalizado. Não significa
meio como água em pedra: uma hora acha um
explorar, ser desumano, significa que ele tem
buraco e consegue alcançar o seu objetivo. Mas
que ter uma atividade, um labor.
já a gente tem capilaridade nessa pauta para
Vou dar um exemplo muito importante: o pre-
conseguir mudanças reais e concretas. Fica aqui
sídio da PM do Estado de São Paulo. Tem, cinco
a sugestão para que se avance em projetos de
ou seis empresas que trabalham lá. Desde em-
lei com capacidade de alteração dessa realidade
brulhar, fazer naftalina, corte de cabelo... e a
estrutural.
reincidência é muito menor. Tudo bem que uma boa parte dos que estão lá cometeram exces-
CASSIO FREIRE LOSCHIAVO: O preso poderia trabalhar externamente?
sos. Mas lá ninguém fica parado. Todo mundo tem que fazer algum tipo de atividade. Não acontece isso nas demais. Trabalhar fora do pre-
CORONEL CAMILO: Internamente não tem
sídio não pode. Mas podemos fazer parceria com
impedimento na lei. No Instituto Penal Agrí-
as administrações penitenciárias para trabalhar
cola, sim, pode trabalhar externamente. Mas
dentro dos presídios.
em outros casos, não. Talvez pudesse haver alguma modificação nisso.
GERSON ROCHA: É interessante falar em integração, mas como isso pode ser feito na práti-
CASSIO FREIRE LOSCHIAVO: Mas com as tornozeleiras eletrônicas o preso poderia fazer
ca? Eu ando muito pelo Interior e percebo que há grande ciumeira entre as corporações.
serviços de zeladoria para a Prefeitura e à noite voltar para a prisão.
CORONEL CAMILO: As guardas não devem ser criadas para ser polícia. O ideal seria que
LEANDRO PIQUET CARNEIRO: Mas isso
todos os municípios pudessem ter e bancar as
não é pena de prisão, é sistema semi-aberto. Ou
suas guardas e cuidassem dos crimes pequenos.
pena alternativa.
Eu mesmo, como comandante, fiz uma proposta para que as guardas pudessem ser utilizadas
CORONEL CAMILO: Eu acho que temos que
no policiamento ostensivo coordenado pelas
caminhar para isso. Nós jogamos o preso lá no
polícias militares, mesmo porque você tem ci-
depósito, é a universidade do crime, por isso a
dades em São Paulo em que há mais guarda que
reincidência é alta. Nós precisamos criar presídios e podemos fazer parcerias. E na minha visão, teriam que trabalhar e um percentual dos salários deveria ir para a família da vítima, se causaram algum tipo de estrago. Em alguns países o preso paga a estadia dele. Temos que mudar a legislação para que ele possa
32
PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
PM. Qual é o problema que eu vejo? As guardas
Guarda queria fazer o contrário, só escutar o rá-
começam a querer ser polícia. E elas têm um tra-
dio da polícia para saber onde há ocorrência de
balho mais bonito, que é da prevenção. Trabalhar
assalto a banco para ir lá.
com intervenção primária é o que a guarda pode
Criei uma diretriz para a polícia, em todo o Es-
fazer. O guarda quer sair pegando bandido, mas
tado, treinar as Guardas. Porque essa guarda é
o cara está vendendo DVD pirata na feira. O jo-
um grande reforço. Mas aí a lei proibiu a Polí-
vem quer entrar na guarda, assim como o que
cia Militar de fazer o treinamento das Guardas.
entra na polícia, para ser da tropa de elite.
Só a Polícia Civil pode fazer – que é quem não
Na Polícia Militar de São Paulo a gente faz um
faz policiamento nas ruas e não sabe fazer
trabalho de um ano com esse jovem para mudar
isto. Aqui em São Paulo, quando eu coman-
a cabeça dele. “Você não está aqui para matar
dei a região do Centro, sentava com a Guarda
bandido”. Então, a gente faz um trabalho forte
para não sobrepor. A cidade ficou melhor. Tem
em cima desse jovem para ele se transformar
trabalho para todo mundo e tem que trabalhar
em num agente que vai prender o infrator da lei.
de maneira coordenada. Eu não vejo problema
E conseguimos. A maioria aprende. Tanto é que
nenhum, inclusive, para no futuro a Guarda ter
temos 120 mil presos. E outra questão: o cara
poder de polícia para pequenos delitos. Trabalhar
não entra para ser guarda municipal, não entra
nos crimes de postura; a Polícia Militar nos crimes
na polícia para ser um policial comunitário, entra
mais corriqueiros; e a Polícia Civil nos crimes mais
para ser da ROTA, ele quer atuar, quer ter uma
graves, de colarinho branco, nos bancos. Precisa-
arma na cintura e trocar tiro com o bandido. Quer
mos sentar e conversar. E parar com essa com-
ser herói. A mesma coisa acontece com a guar-
petição de um querer fazer o trabalho do outro.
da. Quer atuação mais bela que trabalhar nas
Se a Guarda fizesse muito bem o trabalho dela
escolas, no trânsito, nos estádios, nos parques?
e dissesse “olha, eu posso fazer um pouquinho
É o serviço que mais evita o crime. Mas eles não
a mais”. Ótimo. Mas hoje as guardas municipais
querem. Chegou a um ponto, aqui na capital, em
não fazem o trabalho principal, o mais bonito e o
que a Guarda Municipal queria devolver bases
mais eficaz, que é o da prevenção primária.
comunitárias. Na praça da República, na praça da Sé. E eu queria base. Como comandante, eu
VITOR NOGUEIRA: De que maneira é pos-
queria colocar o policial fazendo o policiamento
sível vencer uma guerra contra o tráfico, que
comunitário. Por isso a gente criou a Operação
é milionário? É possível enfrentá-los com uma
Delegada. Queria ver o policial andando, conver-
estratégia de base econômica, em vez de partir
sando com a população. Isso inibe o crime. E a
para o corpo-a-corpo? CORONEL CAMILO: Você tocou num ponto que pode dar outro debate aqui. Nos lugares onde foi legalizada a droga, aumentou o consumo e o tráfico. Bobagem achar que vai legalizar agora e diminuir. Pega os exemplos. Países onde foi legalizado querem voltar atrás porque
33
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS
não está dando certo. Você pega o crime or-
são e na organização do crime organizado no
ganizado pelo dinheiro. Não tem outra forma.
Brasil, em particular a questão do crack. O Brasil
E esse dinheiro não está embaixo do colchão.
e alguns países da América do Sul vão muito na
O Ivan falou uma coisa de grande importância,
contramão de aumento no consumo de cocaína.
que são os GGI, os Gabinetes de Gestão Inte-
No resto do mundo o consumo de cocaína di-
grada. Aqui em São Paulo tem o GGI Sudeste. Há
minui. Então, isso é um problema sério. O Brasil
várias formas inteligentes de atacar o dinheiro
está vivendo a nacionalização do crack. O crack
que está no crime organizado. É só começar a
é uma forma de consumo da cocaína muito bara-
enumerar as informações de quem está envolvi-
ta. Quando o crack chegou nos Estados Unidos
do – de cartão de crédito, telefone... Ou seja, tem
teve o mesmo efeito: ele elevou o número de
que mexer na questão econômica.
homicídios a um nível que nunca se viu. Teve um
Voltando aos homicídios: se cuidarmos dos
impacto muito forte, sobretudo nos anos 1980.
pequenos delitos e da prevenção primária va-
Começou aqui muito recentemente. Então a
mos reduzir os homicídios. Aconteceu em Nova
questão desse mercado como motor do crime
York, aconteceu em Bogotá, aconteceu em São
organizado é crítica.
Paulo. Eu comandei dois anos o centro da cidade
A má notícia é que a legalização dificilmente
e tive aqui um forte enfrentamento da desor-
atingirá a cocaína. O mundo inteiro está avan-
dem nas ruas, com o apoio da gestão Kassab.
çando na legalização da maconha. Nos Estados
Quando cheguei aqui no centro não se andava
Unidos, muitos Estados já legalizaram. O Uruguai
na rua Direita. Era crime para todo lado. Há um
legalizou. O Brasil não tem condições de legali-
local, no Largo da Concórdia, com estupro e
zar a cocaína porque o Brasil não produz folha
homicídios debaixo das barracas. Precisamos
de coca. A não ser que a Embrapa faça uma coca
de dinheiro? Sim, mas precisamos de vontade
brasileira. Tem que ir ao Peru ou Bolívia, comprar
política de fazer. Vontade do prefeito e do Esta-
a droga com o crime organizado e distribuir aqui.
do de querer agir. Sentar numa mesa para con-
A cocaína já foi uma droga legal, vocês sabem
versar com a Guarda, com a Polícia Civil. Se tiver
disso. Já foi produzida por laboratórios no mun-
dinheiro, muito melhor, mas tem muita coisa
do inteiro, até que descobriram que ela não era
que depende de sentar e querer fazer.
tão legal assim. Ela foi proibida, mas foi usada como anestésico para intervenções dentárias.
LEANDRO PIQUET CARNEIRO: Eu gostaria
Na Primeira Guerra, era distribuída para os sol-
de aproveitar o comentário porque tem um
dados como estimulante e foi comercializada le-
tema que sempre aparece nesse debate. Quais
galmente, produzida por indústrias locais, mas
problemas poderíamos resolver com o avanço
a discussão é como vamos tratar da questão da
na legislação das drogas, já que a droga é a
cocaína e hoje eu não vejo horizonte de legaliza-
principal base econômica para o crime orga-
ção possível.
nizado. Quais seriam as consequências de uma mudança na legalização das drogas? Minha
RONDINO: Quero agradecer a presença de
observação: é muito mais importante o papel
todos em mais este Encontro Democrático. Até
que a cocaína tem desempenhado na expan-
o próximo.
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Presidente Guilherme Afif 1º Vice-presidente Vilmar Rocha
Conselho Superior de Orientação Presidente – Gilberto Kassab Guilherme Afif Henrique Meirelles Omar Aziz
2º Vice-presidente Diretor de Relações Internacionais Alfredo Cotait Neto
Raimundo Colombo Otto Alencar Claudio Lembo
Secretária Alda Marco Antonio
Ricardo Patah
Diretor Superintendente João Francisco Aprá
Guilherme Campos
Vilmar Rocha Robinson Faria
ENCONTROS DEMOCRÁTICOS - Coleção 2017 - “Plano nacional de segurança pública” ESPAÇO DEMOCRÁTICO - Site: www.espacodemocratico.org.br Facebook: EspacoDemocraticoPSD Twitter: @espdemocratico Coordenação - Scriptum Comunicação - Jornalista responsável - Sérgio Rondino (MTB 8367) Projeto Gráfico - BReeder Editora e Ass. de Com. Ltda - Marisa Villas Boas Fotos - Scriptum e Shutterstock
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