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Reflexões sobre a quarentena

Por que escrever sobre a quarentena?

Estamos passando por um momento inédito, que exige de nós, como a maioria dos textos desta coletânea assevera, grande capacidade de adaptação, resiliência e criatividade para suportarmos, mental e fisicamente saudáveis, as restrições que este tempo nos impõe. Não é nova a ideia de que as crises são oportunidades singulares e inequívocas de transformações, reflexões, mudanças e ajustes de rota, assim, nesse processo, que desestabiliza nossas estruturas e certezas, é natural que haja medos, ansiedades, descrenças e, nesse sentido, a escrita é uma aliada no reconhecimento e na expressão daquilo que sentimos e que, muitas vezes, não sabemos nomear ou comunicar de outra forma. Em função disso, como atividade de conclusão da disciplina de Produção de Texto e Língua Portuguesa, em um trimestre tão atípico, mas também tão repleto de possibilidades de pensarmos em cada um de nós e nas relações que estabelecemos com nossos pares, os estudantes do 9º ano EF ao 3 ano do EM foram convidados a relatar suas experiências e sentimentos durante este período de isolamento social. Os textos aqui reunidos são, portanto, expressões legítimas de como nossos jovens estão enfrentando este momento, quais são suas estratégias de estudo e de diversão, além de um retrato do quão atentos estão às transformações sociais, ambientais, culturais e familiares decorrentes deste convívio mais intenso consigo mesmos e com seus entes queridos. Escrever sobre a quarentena é, portanto, uma oportunidade para que nossos estudantes reflitam criticamente não apenas sobre seu universo imediato, mas acerca do mundo (e de suas complexas relações) e digam a nós o que sentem, quais são seus percursos, suas expectativas, seus medos e, sobretudo, o quanto estão otimistas em relação ao futuro e às transformações que virão após este período. Estamos juntos!

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Aproveitem a leitura e cuidem-se!

Professor Alexandre Marques e estudantes do 9ºEF II ao 3º ano EM.

“Pandemia, quarentena, isolamento social, distanciamento social… é realmente um momento inesperado, delicado, cheio de mudanças e reflexões. Tivemos de mudar nossas rotinas, adiar planos e, de certa forma, ganhamos tempo: tempo para descansar, tempo para família, tempo para admirar e questionar a natureza, tempo para cuidar de nós mesmos. Nesta quarentena, eu tenho aproveitado minha família: ajudo minha avó com as plantas dela, estou conversando mais com meus pais e brincando com meus irmãos (mesmo com intrigas); também estou admirando a beleza da natureza (já que tenho privilégio) e isso me faz muito bem, me traz calma e esperança, principalmente, em momento como este por que estamos passando. Também tenho algumas reflexões sobre por que isso está acontecendo, como reagir diante de tal situação, como as coisas ficarão quando tudo isso “passar”, do valor de momentos simples, mas que fazem muita falta. E uma frase que deixa um pensamento bem legal é: ‘Foi preciso nos separar para entender que somos um só’.” (Adrielly –9º ano)

Milk-shake = tudo

“Comecei a ler um novo livro, leio vários pelo celular, por ser mais fácil e grátis. Neste tempo, também aproveitei para cuidar mais do meu corpo (kkkk) me alongando e fazendo alguns exercícios que meu fisioterapeuta me passava (lembra de quando eu estava com a bota? kkkk). Continuo dançando, como sempre... Mas do que mais sinto falta mesmo é de ver minhas amigas, poder sair, ou não ter que me preocupar com o estado atual do mundo e de pessoas prejudicadas. Estou ouvindo mais música do que antes. No geral, estou tranquila, fico com o pensamento na cabeça de que, na verdade, estamos muito bem, pois não estamos morrendo, sofrendo nem passando fome! Não deixei de ir ao Mc Donald’s e pegar um milk-shake! Hehehehe!” (Luiza –9º ano)

“Estudei, descansei bastante aprendi a fazer coisas novas que eu não costumava fazer na cozinha ou fora dela, fiz pão, bolo, esfirra, pastel, até ajudei meu pai a montar uma horta e também conheci muita gente nova por meio dos jogos online. Conversei bastante com minhas amigas e amigos pelo WhatsApp e por chamadas de vídeo. Sinceramente não senti nada diferente em estar em casa sem poder sair como muitas pessoas estão falando, gosto de ficar em casa e antes também não podia sair, minha rotina não mudou muito. Tenho que admitir que refleti bastante como outras pessoas estão passando a quarentena, principalmente, aquelas que têm dificuldades financeiras ou de moradia (muitas pessoas morando em uma casa pequena), por isso não tenho do que reclamar, sou grata pelas coisas que tenho.” (Julia –9º ano)

“Eu aprendi. Aprendi a me adaptar, a olhar mais ao meu redor e a ajudar mais. Apesar das dificuldades na quarentena, consegui me adaptar às aulas on-line e ao distanciamento até de familiares, pois é com essas mudanças que iremos melhorar a nossa situação do Covid-19, seja perto ou longe de nós. Com esta quarentena, apesar de estarmos longe de muitas pessoas, conseguimos cuidar uns dos outros ficando em casa e saindo apenas quando necessário.” (Rafael –9º ano)

“Preferi ver o lado bom das coisas e resolvi me dedicar mais por algumas semanas a trabalhos com meus pais, ou até a algumas coisas minhas que nunca tinha feito como: cozinhar e manutenção dos carros. Também tive tempo de sobra para não fazer nada e ficar simplesmente olhando para cima e relaxar com o céu brilhante por cima de nós. No geral, a quarentena me fez abrir os olhos para diferentes tarefas, que nunca teria pensado em fazer.” (Thomas)

“Comecei a aprimorar minha leitura e meu foco nos estudos, também consegui ter maior responsabilidade, pois minha mãe continuou trabalhando e eu que cuidei do meu irmão a tarde toda. Passei a ficar mais com meus familiares, li vários livros que tenho e também li mangás, consegui ver séries que tinha vontade de assistir, consegui melhorar meus estudos, mas acho que os estudos fora da escola estavam/estão mais difíceis e isso me complicou. Minha rotina não mudou muito.” (Tiago –9º ano)

“Assisti a muitos filmes, estudei muito, dormi muito e, principalmente, passei a dar valor a coisas apenas agora, às quais deveria ter dado há muito tempo. Percebi que estava tão presa a um cotidiano, a apenas uma rotina que, a partir do momento em que o Covid-19 mudou tudo isso, fiquei desamparada. Um exemplo nítido seria que sempre pensei que ir para escola, era uma obrigação, porém, desde que essa pandemia começou, a liberdade de ir para a escola foi tirada, percebi que isso me afetou muito, porque eu amava ir para a escola, mas só me dei conta agora nesta quarentena. Portanto, nesta quarentena, eu me redescobri.” (Daniella –1º EM)

“Estive pensando muito sobre o quanto é importante darmos valor para o que temos. Quando estávamos estudando presencialmente na escola, não via a hora de chegar em casa e parar de estudar… até que aconteceu, porém, não estou nem um pouco feliz por este ocorrido. No momento, sinto falta dos meus colegas, de socializar pessoalmente, de abraçar e beijar pessoas de que gosto muito, principalmente as do colégio. Podemos até ter aulas on-line, mas será que já pensamos nas pessoas que não têm celular, computador? Como elas fazem para estudar? Sinceramente, nessas situações, temos que refletir que é muito importante agradecer por termos boas condições e grandes oportunidades por não perdermos aulas.” (Daniela –1º ano EM)

“Estou tentando absorver todo tipo de conhecimento, aproveitando este tempo para pensar um pouco em mim, a fim de contrariar e entender meus preconceitos, por exemplo. Nestes dias de quarentena, posso dizer que já mudei muito, e que minha perspectiva de mundo está muito mais aberta - no sentido de abranger outras ideias distintas; e aquelas que eu já tinha antes, se fortificaram –e, sinceramente, sintome outra pessoa. Sinto-me inteligente - diria, intuitivo - depois de muito tempo que não sentia algo assim. Além disso tudo, descobri o que possa ser um talento? Não sei, mas adquiri uma paixão por escrever música e não apenas tocar. Percebi que tinha muita coisa presa dentro de mim, mas que, por conta da ansiedade, acabo apenas conseguindo expressar e colocar para fora uns 10% disso tudo, e escrever foi uma maneira de chegar aos 100%. Me sinto mais próximo da música do que nunca, e aquele meu antigo sentimento de querer que a música nunca saia da minha vida agora se tornou emoção e incentivo. Não tenho como objetivo trabalhar com isso, na verdade, seria meu sonho, mas s sabemos que hoje em dia não é fácil, nunca foi para falar a verdade. Então, deixarei a música “por trás das câmeras”, e me focarei no meu trabalho. Caso um dia eu perceba que a música na minha vida se tornou algo com uma proporção tão grande, que me permita viver disso, com certeza, acatarei essa oportunidade sem nem pensar duas vezes, mas esse é o Filippo de agora, e o do futuro?” (Filippo –1º ano EM)

“Senti muitas mudanças, porque, é claro, houve muitas mudanças. O isolamento social fez com que as aulas fossem on-line, não pudéssemos sair tanto quanto antes, demos mais valor à arte, à escola, ao trabalho, aos amigos, aos professores, a tudo. A rotina mudou completamente, as aulas mudaram de horário, nossas responsabilidades aumentaram, em certa altura, me senti sobrecarregada, pois ainda era um momento de ajuste pelo qual todos estávamos passando, e percebi que ser independente da escola exige muita força de vontade. Nas aulas on-line, temos que nos dedicar muito mais, os professores não veem todos os alunos, então, tecnicamente, se a gente quiser mexer no celular, em vez de prestar atenção, por exemplo, podemos, mas vamos sofrer as consequências depois e nós mesmos vamos perceber. A quarentena está sendo um momento de aprendizado e autoconhecimento, estamos reconhecendo nossos limites, o quão responsáveis (ou não) somos, se dependemos muito de uma rotina, estamos trabalhando nossa concentração e descobrindo gostos e vontades que talvez não tivessem sido explorados ainda, mas que o tédio nos fez encontrar. (Juliana –1º EM)

“Não me sinto só, a cada dia, cresço e amadureço. Aprendo cada vez mais a conviver comigo mesma e com a minha família. Minha casa é o meu novo mundo, tomo sol e me reinvento. Canto, danço, me exercito e leio, tudo junto e misturado. Tento seguir uma rotina, senão enlouqueço. Pensei que fosse pior, mas os dias passam voando e eu me acostumando.” (Mariana –2º EM)

“Tenho tido muito tempo para mim mesmo, o que me fez refletir bastante, além de achar coisas para fazer que não fazia antes, muito por causa do tédio, uma delas: rearranjar meu quarto. Primeiro recebi a quarentena como férias adiantadas com uma pitada de castigo, porém, logo depois, coloquei minha cabeça no lugar, percebendo a dimensão que isso tomou e iria tomar, portanto, aceitei o fato de que estava em QUARENTENA, me preocupando em não perder o ano escolar e não ficar louco por não poder sair de casa e ver meus amigos e família, algo que foi aliviado por poder jogar on-line e falar com todos, mesmo que de forma distante. Pude perceber o quanto a convivência é importante, além da convivência, nossas tarefas, que nos mantêm ativos, já que estou me sentindo desmotivado/com preguiça de fazer as atividades possíveis nessa rotina, mas com saudade de outras, como futebol, festas, etc., além de não conseguir dormir cedo. Comecei a dar mais valor à minha casa e ao que tenho. Comecei a passar mais tempo com meu cachorro, por exemplo, mas não deixo de pensar o quão difícil essa situação está sendo para a maior parte da população. E, como consequência, diminuímos a destruição da natureza e pudemos apreciá-la, fatos como muitos poresdo-sol fotografados e o aparecimento de golfinhos em Veneza são exemplos. Concluindo, devemos aceitar, agradecer àquilo que temos, refletir e prosperar.” (Nicolas, 2º EM)

“Apesar de tudo isso, eu, por já não ser uma pessoa que não saía muito de casa, tenho arranjado o que fazer, tenho criado histórias, conversado com meus amigos pela internet, criado fantasias, assistindo a séries já vistas, escutado música e aprendendo a cozinhar. Particularmente, não tenho sido afetada pela quarentena, mas admito que sinto saudade de interagir com meus amigos e professores. Este tempo em casa, não só meu deu tempo para pensar em vários temas, como o meu futuro, como também em como isso ‘poderia servir para abrir nossos olhos e percebermos que o que hoje vemos como uma perda, como passear livres pela rua, dar um beijo ou um abraço, ir ao cinema com os amigos’. Realmente acho incrível como só percebemos o valor de algo ou de alguém depois que o perdemos.” (Stephannie –2º ano EM)

“Tive que aprender a me adaptar um pouco o meu estilo de vida, pois agora tenho que ficar todo momento em casa. Uma das mudanças mais marcantes é ter que estudar em casa pelo computador, já que não tem mais aulas na escola e, consequentemente, tive que me adaptar a não ver mais meus amigos todo o tempo. Fora tudo isso, a minha vida não mudou muito, pois como sempre fui filho único, tive que aprender a me divertir sozinho, quem foi o principal ajudante foi o videogame, então sei como me entreter em casa sem ninguém. Uma consequência de ficar mais em casa é que melhorei muito nos jogos que jogo.” (Tiago –1º ano EM)

“Estou me dedicando mais aos estudos, pois consegui me organizar com os horários e estou pesquisando muito sobre cursos de faculdade para ver qual me interessa e quais são as melhores, nessa questão, me sinto meio perdido, porque ainda não sei o que vou fazer de faculdade. Este período de quarentena está sendo bem importante para mim, pois estou fazendo muitas reflexões sobre o que eu quero e também penso no muito sobre o que vai acontecer neste ano. Também estou sentido muita solidão, pois queria ver as pessoas que eu amo (família e amigos). Fico muito preocupado e triste, pois não sei se vou entrar na faculdade de primeira e, às vezes, fico com medo de entrar em uma faculdade e não dar orgulho para a minha família, mas, como sou uma pessoa forte, vou conseguir aprender com esses sentimentos e provar para mim mesmo do que sou capaz.” (Felipe L. –3º ano EM)

“Chorei, dei risada, corri, senti saudade, me senti velho, fiz exercícios, cozinhei, desregulei meu sono, passei raiva, joguei videogame, joguei futebol, pensei (além do que devia), briguei, discuti, limpei, lavei, troquei, colhi, plantei, quebrei, pulei, treinei, escutei música, vi séries, me despedi, cuidei, inovei, mudei!” (Felipe A. –3º ano EM)

“Tenho aprendido a como me organizar em casa para continuar os estudos, a me manter focado em uma atividade, mesmo com inúmeras outras estando disponíveis e sendo de fácil acesso. Tenho estado motivado para voltar às aulas e me reencontrar com amigos. Me sinto apreensivo quanto aos vestibulares de final de ano, apesar de continuar a estudar em casa com material extra. Recentemente tenho jogado um videogame de ficção cujo enredo trata de uma civilização inteligente anterior à humanidade. No jogo, conta-se que essa civilização mais antiga possuía uma linguagem diferente que lhe permitia entender o tempo de uma maneira diferente. Algo parecido é abordado no filme A chegada. É muito interessante pensar sobre como a língua é a base de uma civilização e de seu modo de pensar.” (Thiago –3º ano EM)

2020

Disponível em: <http://www.iamspe.sp.gov.br/dicas-contra-covid-19-como-proceder-para-entrar-e-sair-de-casa-econviver-com-pessoas-nos-grupos-de-risco/>. Acesso em: 11 mai. 2020.

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