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Transcrição Onã Rudá

Transcrição Onã Rudá

Então Onã, a gente gostaria de saber o que levou você a criar a torcida LGBTricolor ?

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R: Na realidade eu sempre digo isso né, todo mundo me pergunta é a pergunta que eu mais escuto, porque criou, porque teve essa ideia. Eu acho que foi assim, um monte de ideias assim mesmo, porque o clube estava tendo em um momento que tava promovendo ações afirmativas e ali eu tive um inside, de tipo ééé.. existia mais do que marketing naquela ação entendeu? E quando eu propus a iniciativa de criar a torcida, eu realmente percebi que existia mais ação do que marketing. Então o que me leva a criar a torcida é o fato de que o clube se posiciona em relação a essa temática do futebol e a gente sabe que não é comum de acontecer.

Onã muito obrigado, boa tarde eu sou o Vinícius a gente quer agradecer claro pela sua disponibilidade de conceder essa entrevista pra gente. Falando sobre as torcidas organizadas, como você enxerga esse crescimento das torcidas e organizações LGBT no futebol brasileiro ?

R:Eu enxergo como um movimento que na realidade tem a ver com desdobramento social com o debate sobre a LGBTfobia entendeu, como uma medida socialmente a gente vai dando passos essa comunidade vai procurando ocupar os mais variados ambientes e espaços, se a gente parar para observar hoje em dia existe grupo LGBT, movimento, pessoas ééé.. reafirmando essa identidade dentro de todos os lugares né. Até no agronegócio, o pessoal do agronegócio, era LGBTagro alguma coisa assim, um negócio bem interessante. Então no futebol não é diferente, acho que o posicionamento dos clubes ajuda toda essa movimentação de identificação da galera que quer criar um coletivo, um núcleo de pessoas ali pra se organizar pra torcer, pra tratar dessas questões ali no ambiente desse clube entendeu, mas acho que tem a ver mesmo com essa vontade da comunidade querer fazer parte do que ela acha que compete a ela, de ser torcedor é também um direito que elas têm mé, assim como cidadão, cidadã, como parte de pessoas que também pagam impostos. Então eu vejo essa compacidade mesmo, de parte social que culmina na construção de mais torcidas.

A gente viu que a relação da torcida da LGBTricolor com Bahia é muito próxima né, tipo a camisa que foi feita, o próprio uso do número vinte e quatro pelo clube, como que iniciou essa relação saudável entre a torcida e o Bahia em si ?

R:Eu acho que o que o Bahia tem com a gente, o mesmo trato que ele tem com as outras torcidas, porque com as outras eles tem outros tratos mais aprofundados né, mas acho que a parte do clube eu não ouvi de procurar colaborar, de tipo assim fazer na

prática o que se escuta no discurso entendeu. Isso faz com que a gente tenha posições que acabam sendo posições que reafirmam um lugar, uma ideia, um valor, um conteúdo de tudo que a gente traz pro clube tá entendendo. Eu acho que isso tem a ver com o fato de que o Bahia tem o espaço onde pessoas que compõem o movimento sociais mais diversos, fazem parte das suas ações afirmativas, entendeu ? Tem a ver com séries de coisas construídas pelo clube para abri um ambiente onde as pessoas que seguem essa temática social podem la e pressionar alguém do próprio clube sabe, alguém que tenha um poder de decisão, de fazer alguma coisa acontecer imediatamente na medida que a gente tá ali questionando e pautando aqueles assuntos, aquelas temáticas. Isso surgiu quando dei a ideia da torcida para o clube fui integrado em uma das ações afirmativas, aí a gente começa a falar com pessoas do clube, não tem um trato direto com a diretoria executiva, a diretoria executiva é voltada mais para o futebol, e ao mesmo tempo acompanham esses assuntos que acontecem e reafirmam esse lugar da torcida no clube, pra garantir também que haja na parte do clube, e já reafirmaram isso em live sobre a camisa, usa quem quer, mas é importante que o clube se posicione a isso entendeu. Então você não é obrigado a usar, eu me lembro muito bem desse vídeo, ele dizendo que não é obrigado a usar porque existe, agora é importante que ela exista, sabe ? Então a gente não tem aquela relação, vamos dizer assim, trivial entre uma torcida e o clube, o problema que os outros clubes por exemplo, teve um episódio muito interessante no Palmeiras. A Fiel LGBT procurou o Palmeiras pra conversar, Palmeiras disse que ia conversar, se comprometeu a colocar uma faixa da torcida, e aí começou criar uma série de burocracias que é óbvio um coletivo desse formato, com essa temática, com esse conteúdo não vai ter entendeu. Mostra uma tentativa de inviabilizar sabe, porque você sabe que um coletivo surgindo, sabe que tem pessoas ai se organizando, pessoas que tem medo serem atacadas na rua, como você vai cobrar de uma torcida que está a trinta, quarenta anos indo ao estádio com discursos que desagradam a gente, que às vezes ofendem a gente tá entendendo. então assim, eu acho que o Bahia democratizou, fez e fez tranquilo, procura ajuda, procura sempre ajudar sabe, acho importante por exemplo a gente tem a faixa no estádio, e procura garantir isso, sem tipo de rusga com alguma outra torcida. Enfim, eu acho que tem um cuidado, e esse cuidado da segurança pra gente existir como um coletivo, como uma torcida, e em outros lugares isso não acontece, infelizmente ainda, entendeu.

E Onã falando mais ou menos dessa parte agora da torcida, que você comentou bastante e outros exemplos. Teve alguma dificuldade da torcida do geral do Bahia e com vocês ? Com a LGBTricolor ou não ?

R:A gente tá falando de uma coisa que ééé.. angaria um ódio social muito singular né, muito singular, e assim as pessoas.. a coragem que ela não tem de dizer que são racistas ela tem de dizer que são homofóbicas sabe ? Agora com um pouco mais de ressalva porque tem a discrimização imposta feita pelo STF.. mas ainda assim as pessoas acham que por exemplo.. depender dessa forma tradicional significa

obrigatoriamente uma perseguição a nós como sujeito ou como participantes também de famílias eventualmente e aí nossa família não merece ser reconhecida como família entendeu, outra coisa menos família ééé.. enfim. Então a gente tem dificuldade, dificuldade mais no começo, mas ai que a gente testa também até onde que vai o que é marketing e o que é concreto tão entendendo, porque ai que a gente pode perceber qual era a posição real do Bahia sabe ? É diante de um desafio que se concretiza mesmo ali, pra além do discurso, além da pirua do vídeo do Eike, sabe quando surge alguém ali na prática. Então acho que é reafirmação de uma posição que o clube ajudou muito pra gente conseguir continuar nossa caminhada. Começo foi bem difícil, sabe ? Mas hoje eu vejo, olhando pra trás pensando que seria muito mais difícil se não tivesse outras no momento que a gente surgiu, ela fosse construída a partir de um movimento, tá entendendo, seria muito mais difícil. Então tivemos aí uma coisa ou outra desagradável, até momentos que envolviam torcidas de outros clubes não somente a do Bahia, mas ja foi ta no passado.

E como foi essa transição da torcida rede social, página LGBTricolor para para dentro do estádio em si.

R:Este é um movimento que a gente tem perto constantemente né, porque vocês imaginam ai a existência da torcida faz que periodicamente as pessoas LGBTS entendam futebol como um ambiente pra elas, ou que as próprias pessoas que estão ali automaticamente entendam que aqueles corpos ééé.. enfim, pertencem aquele ambiente ta entendendo. Então esse é um processo de conversão que a gente busca sempre tipo assim, fazer com o impacto que a gente consegue ter a presença física no estádio. E tem alguns complicadores né, esse complicador só que é o primeiro e é o maior deles, é um desafio cultural, as pessoas LGBT entenderem que o esporte, o futebol é um ambiente pra mim e posso ir tranquilo e.. no Bahia a gente já tem uma coisa assim da tranquilidade de ir no estádio, de ir pra arena sabe.. Tem muito mais do que a gente vê em outros clubes, muito mais mesmo, sabe. Mas ainda há essa construção sendo feita no imaginário coletivo das pessoas né, porque também tem muita gente que é LGBT que é Bahia, tá no grupo da torcida, vai lá no instagram, comenta, compartilha, curte, mas ainda não vai no estádio entendeu, porque tem receio, então vocês percebem a percepção cultural disso. Outra coisa que dificulta é a divisão da Arena, o desenho da Arena, esse modelo de arena que a gente tem visto no futebol no último período, a parte que representa além do estádios, do formato, até mesmo o desenho do campo se a gente for parar pra pensar né. E aí uma elitização do sujeito jogador, mas assim, ééé como que diz ?... Uma elitização da compreensão daquele sujeito entendeu, da negociação, de tudo. Deixando os clubes que tem menos dinheiro em mais desvantagem, a gente tem uma divisão que é assim, tem o setor norte sul, leste, oeste, inferior, superior, aí complica porque quem tem uma condição financeira mais favorável vai procurar um lugar que seja menos apertado vamos dizer assim, quem tem menos condição financeira vai pra um lugar onde é mais popular, mais acessível, então tem essas divisões na arena, então se tem alguem que ta em um lugar no estádio, tem gente que tá no outro, isso é

muito comum acontecer com a gente por exemplo. Mas esse movimento tem sido cada vez mais constante, a gente percebe que cada vez mais a pessoa LGBT se aproxima do clube, frequentam a loja, compram, consomem, se associam entendeu. Então muito bacana.

Falando disso, agora algo ruim, que ainda tem muito na nossa sociedade, qual a sua visão sobre a normalização dos cânticos homofóbicos dentro do estádio ?

R: Não é que se há uma normalização né, se a gente poder parar pra olhar um ponto de vista legal, ai to falando da justiça comum ou seja, não tem como naturalizar isso, é crime certo, uma espécie de preconceito, racismo imprescritível inclusive neste momento compreendido como.. vamos dizer assim imprescritível eu ja disse né (risos), porque um episódio com a nossa torcida, aconteceu isso né, ficou prescritível porque ficou entendido como racismo ou injúria racial, é um jeitinho a ser mudado, justiça comum entende isso, a desportiva tem também o STJD que já trata sobre isso, agora não é cumprido né. Mesmo com aquela recomendação indicada pelo STJD, que é uma recomendação assim de verdade vergonhosa, que fala de opção sexual e nós mudamos duas vezes por gestões de alteração e o STJD ignorou completamente tá entendendo ééé.. enfim. Nós temos ali também uma orientação pra que isso seja enquadrado né, para que os clubes promovam ações e tal, a gente não tem uma coleta de informações sobre o retorno dessas organizações, não tem o prazo de cumprimento, não tem nada. Então alguns gritos acabam sendo culturais mesmo dentro dos estádios, se você para pra observar não só os gritos, mas também apelidos entendeu, por exemplo o São Paulo tem o apelido de bambi, o Cruzeiro tem o apelido de Maria de Minas ou Marias, Marias de Minas é a torcida LGBT e tal. Então assim, há uma naturalização que não deveria acontecer, porque os mecanismos legais já enquadram isso, se os árbitros cumprirem a regra, e cumprirem a lei, cumprirem o código esportivo, o que falta é os clubes orientados vamos dizer assim por boas práticas conduzirem ações como um workshop sabe. Tem uma responsabilidade social com a torcida, com os membros do clube, com funcionários, com os sócios, com o conselho deliberativo, enfim.. com todo mundo que faz parte daquele universo tá entendendo. Porque tem o combate dessas palavras, desses gritos, dessas situações. Recentemente a gente mandou uma denúncia para o STJD vocês devem ter visto aí na imprensa, com relação a gritos homofóbicos que estavam sendo feitos pela torcida do Flamengo contra ééé… acho que a do Grêmio, e a palavra de ordem era “arê re, gaucho da o cu e fala tchê” ta entendendo. E até hoje a gente não teve um retorno do STJD, o tribunal de justiça desportivo do Rio de Janeiro disse que não competia a eles, que não tava dentro da área deles de investigação e de avaliação e o STJD não responde, como que você combate a cultura quando quem deveria ser justo é o mais injusto no protesto sabe. O STJD demorou mais de setenta dias que é o prazo de prescritibilidade na justiça desportiva, e por isso nosso caso foi descrito como prescrito no julgamento aqui no tribunal desportivo da Bahia por ter passado o prazo de setenta dias. Então tipo assim, como que você combate a cultura, se que deveria combater acaba propagando por um tipo de inação, e quando você opta por não agir, você tá tomando

uma posição né, não ter uma posição é ter uma posição, não tomou uma atitude é uma posição, então, enfim. Ta naturalizado por algumas pessoas, mas a gente ta aqui vigilante, denunciando, combatendo, fazendo o que a gente consegue pra poder fazer do futebol um ambiente mais saudável mesmo.

E para finalizar aqui, você tem alguma perspectiva no futuro para que essa barreira do preconceito, do LGBT frequentar o estádio sem represália sem receios, você vê um futuro com essa barreira ser quebrada.

R: Eu vejo, eu acredito muito na humanidade, acredito no ser humano sabe, assim, apesar de muitos pesares eu acredito muito. Agora não acho que isso é automático tá entendendo, o que acontece, nenhum grupo social hoje em dia percebendo os picos históricos que a gente teve, distinção de povos, de morte, de guerra, de situações que fazem com que a humanidade do outro ou até inferioridade fosse multiplicada com vamos dizer assim, ameaçador ou indesejável. Depois de ver tudo isso a gente não tolera mais, eu acho que é um grande marco do entendimento humano sobre isso, que é sem dúvida é a carta que é assinada após fim da segunda guerra mundial aonde acaba com o assassinato de pessoas ta entendendo. E de lá pra cá a declaração geral dos direitos humanos vem com a gente uma compreensão, e cada vez mais essa compreensão é difundida, e isso tem um papel muito importante para a tomada de consciência desses sujeitos tá entendendo, tomada de consciência, organização política, organização social, busca de direitos, busca por avanços discriminatórios, isso acontecendo de uma forma mais contundente. Então assim, quando a gente fala por exemplo no Brasil especificamente, a gente tem aqui no Brasil assim como a gente tem agressivos de violência contra LGBTS, a gente tem desenhos muito impressionantes de existência a partir de movimentos tá entendendo. O que to querendo dizer a vocês, em Salvador tem mais parada LGBT de bairro do que na Europa tá entendendo. Salvador a gente tem dentro da capital de Salvador mais organização de bailes LGBTQIAP+ uma forma de combater a violência e resistindo de alguma forma, do que mesmo no país, na américa latina ou na Europa, no mundo. Fruto que evidentemente da violência que essas pessoas sofrem e uma tomada de consciência que tem esse grupo. Futebol na verdade sofre preconceitos sociais e ele pode influenciar na sociedade. Então quando a gente consegue dar um passo em uma medida de ação afirmativa, inclusão como a gente vê com a LGBTricolor eu tentei em toda minha vizinhança que torce para o Bahia, eu vi uma aceitação assim, meus vizinhos sabem que eu tenho envolvimento com o futebol, com a inclusão, inclusive passaram a pesquisar sobre essa temática LGBT a partir disso tá entendendo. Então estamos tendo um avanço, tivemos consciência, a gente não tolera a desvalorização, não vamos tolerar ser extintos de coisa que podem fazer com a gente. Por isso vejo que la na frente a gente pode ter na medida que a gente avance nesse ritmo que a gente tem avançado, nessa luta, talvez a gente possa passar por um processo circunstancial, politico social perigosíssimo que ai envolve alguns grupos religiosos, inclusive a gente tem continuar vigilante, mas acredito que a progressão coletiva é mais sistemática e de avanço, tem que dar atenção nas leis, na literatura pra que a gente não

tenha retrocesso. de assunto agora a gente precisa comprar mais nem a literatura é um direito porque a gente consiga não tem retrocesso estou entendendo e educativas melhor ações.

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