Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema Integrado de Bibliotecas da UFRPE Biblioteca da UAST, Serra Talhada - PE, Brasil.
A939 Autonomia e luta: experiências de Metodologias Feministas/ Rede de ATER Agroecológica e Feminista do Nordeste (Organizadores), ilustrações de Nathália Queiroz. - Recife: ActionAid, 2017. 200 p. il.: Color. 1. Agroecologia 2.Trabalhadoras Rurais 3. Assessoria Técnica e Extensão Rural Feminista 4. Feminismo. I.ATER Agroecológica e Feminista do Nordeste, org. II. Queiroz, Nathália, ilustrad. III. Título.
CDD 305.4
ATER MULHERES AUTONOMIA E LUTA: EXPERIÊNCIAS DE METODOLOGIAS FEMINISTAS Realização: Universidade Federal Rural de Pernambuco Fundação Apolonio Sales - FADURPE Universidade Acadêmica de Serra Talhada UAST/UFRPE Universidade Federal do Ceará Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário Casa Civil Governo Federal Parceria: ActionAid Recife, março de 2017
FICHA TÉCNICA Organizadores: Rede de ATER Agroecológica e Feminista do Nordeste Texto de Apresentação: Laetícia Medeiros Jalil, Graciete Santos e Ana Paula Ferreira Coordenação Editorial: Laetícia Medeiros Jalil Graciete Santos Ana Paula Ferreira Michelly Aragão Juliana Funari Emanuela Castro Revisão: Daniel Ferreira Projeto gráfico e diagramação: Emanuela Castro Ilustração: Nathália Queiroz Impressão: MXM Gráfica e Editora Tiragem: 1.000 exemplares
SUMÁRIO 05
Apresentação
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Casa da Mulher do Nordeste
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Centro Feminista 8 de Março
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ESPLAR
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AS- PTA
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MMTR-NE
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AACC
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CETRA
Uma construção feita a muitas mãos
Um olhar feminista de ATER: a experiência da Casa da Mulher do Nordeste no Pajeú
Assessoria Técnica e Extensão Rural Feminista e Agroecológica do Centro Feminista 8 de Março
Quando as perspectivas Feminista e Agroecológica se juntam para desvendar a desigualdade e a opressão das mulheres
Pela vida das Mulheres e pela Agroecologia. Uma experiência de Ater para mulheres numa instituição mista
Pedagogia do MMTR-NE: mulheres na produção e reprodução de conhecimentos
Uma Experiência de Mobilização e Formação para a vida das Trabalhadoras Rurais de São Miguel do Gostoso – RN
Sistematização da Experiência: A Mulher Rural e a Produção Agroecológica: Uma Experiência de ATER no território da Cidadania Vales do Curu e Aracatiaçu.
SUMÁRIO 125
Fórum de Mulheres de Mirandiba
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ASSEMA
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MIQCB
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SASOP
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Rede de Mulheres do Pajeú
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Movimento de Organização Comunitária- MOC
Conhecimento e Agroecologia: a Experiência do Fórum de Mulheres de Mirandiba
Sistematização da ATER Mulher da ASSEMA.
Quebradeiras de Coco Babaçu um relato de experiências de ATER para Mulheres.
Mulheres na promoção da Agroecologia nos territórios de atuação do SASOP.
Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú – 10 Anos. “O caminho trilhado”.
Sistematização de experiência em ATER para mulheres: Repensando ATER, Reescrevendo história com as mulheres quilombolas.
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UMA CONSTRUÇÃO FEITA A MUITAS MÃOS Esta publicação é resultado do trabalho de muitas mulheres que vivenciam o feminismo como uma perspectiva de vida e ação política transformadora - nas suas organizações, universidades, na militância cotidiana em casa e na rua - pensando, desenvolvendo e experimentando novas e outras formas de ação de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER, em diferentes territórios da região nordeste do Brasil. A partir de 2003 surgem novas exigências (metodológicas e políticas) para os projetos de ATER a serem executados, o que gerou alguma resistência, tanto por parte do governo, quanto pelas organizações executoras. Mas também demonstrou e visibilizou a problemática de uma ATER que ainda estava centrada na figura da família, realizada por “um técnico assexuado” e no trabalho dito produtivo. Assumimos o desafio e partimos da hipótese de que, o que estava sendo compreendido como uma novidade, já é realizado por organizações feministas e mistas, e por técnicas, que a partir de suas distintas
trajetórias, incorporam a perspectiva feminista em suas práticas e metodologias de campo e intercruzando as questões produtivas, políticas, econômicas, sociais e culturais, de uma forma indissociável entre o pessoal e político, o público e privado, o produtivo e reprodutivo, construindo diversas experiências de uma ATER feminista, agroecológica e emancipadora para as mulheres rurais, mas também, e aqui reside a “novidade”; para as técnicas. Decidimos que temos o que mostrar, e que a diversidade de experiências devem ser visibilizadas como práticas metodológicas que podem ajudar a pensar o processo de construção do conhecimento agroecológico e fortalecer a ATER como uma política integradora de outras políticas públicas, uma “porta de entrada” que colabora para dar novo sentido à vida nos territórios, em que as mulheres são reconhecidas como sujeitos políticos. Esta ação está inserida no contexto do Projeto Organização Produtiva de Mulheres
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APRESENTAÇÃO
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e Promoção da Autonomia por Meio do Estimulo a Prática Agroecológica, iniciado em 2013, coordenado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco em parceria com a então Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais - DPMR do Ministério de Desenvolvimento Agrário-MDA, no governo da presidenta Dilma Rousseff. A oportunidade de construir um projeto coletivo surgiu com um convite da DPMR à UFRPE, na pessoa da professora Laeticia Jalil, em diálogo com algumas organizações feministas como a Casa da Mulher do Nordeste - CMN, o Centro Feminista 8 de março – CF8, o Centro de Pesquisa e Assessoria - Esplar, o Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste – MMTR-NE e a Universidade Federal do Ceará – UFC, depois sendo ampliado para outras organizações e movimentos de mulheres rurais da região Nordeste, tecendo uma rede com 21 organizações de ATER, 5 movimentos sociais mistos e de mulheres do campo e 2 universidades públicas. A ideia inicial era fortalecer as Chamadas Públicas de Agroecologia lançadas naquele momento após forte participação do movimento feminista rural e agroecológico, sobre a inclusão da exigência de garantir a igualdade de participação das mulheres na referida chamada. Como resultado dessa incidência, foi garantido nas normas do edital, o percentual de no mí-
nimo 50% de mulheres, 30% dos recursos voltados para a produção das mulheres, como também a participação de 30% de mulheres nas equipes técnicas de ATER. Nesse contexto se amplia os desafios de garantir uma ATER feminista e superar os preconceitos e a falta de qualificação das organizações mistas na formação feminista no campo da agroecologia. Por outro lado, se constata a experiência de algumas organizações feministas nas práticas de assessoria técnica, voltadas para atender as demandas das mulheres, para construção do conhecimento, considerando o saber das mulheres rurais e reconhecendo-as como sujeitos desse processo. Foi em meio a essas questões que realizamos a sistematização das experiências de ATER de 13 organizações e movimentos sociais feministas e mistos de 04 estados da região Nordeste. Nessa presente publicação iremos relatar as experiências das seguintes organizações e movimentos sociais: ASPTA/Polo Sindical da Borborema, AACC, ASSEMA, Casa da Mulher do Nordeste, CETRA, CF8, ESPLAR, Fórum de mulheres de Mirandiba, MIQCB, MMTR-NE, MOC, Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú e SASOP. Para nós esta sistematização assume um caráter político de reconhecimento e afir-
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Sistematizar essas experiências foi uma oportunidade de escrever outras narrativas sobre as diferentes formas de ação no território na implementação de uma política pública, que em seu arranjo, deixa pouca liberdade para inovações e reafirma um modelo burocrático e autoritário na relação do Estado com as “beneficiárias”. Sistematizar foi colocar luz as ações de assessoria técnica, desenvolvidas por Técnicas feministas, que por suas trajetórias, aceitam o desafio de “tentar fazer diferente, de aprender com os processos e de que é necessário construir nova lente e desenvolver outras práticas e metodologias para uma ATER feminista, agroecológica e emancipatória.
COMO CONSTRUÍMOS A SIS: TEMATIZAÇÃO DAS EXPERI:
ÊNCIAS DAS PRÁTICAS DE ATER Para nos ajudar a construir uma orientação coletiva, definimos um roteiro para realização das etapas com os sujeitos envolvidos, ou seja, as técnicas, sobre suas práticas de ATER considerando o que foi vivido, em um determinado período. Algumas escolheram as experiências das chamadas de ATER e as organizações feministas sistematizaram a sua experiência que já acontecia anteriormente às chamadas. 1.Situação inicial. Como era antes? 2.Como aconteceu o processo? O que foi feito? Quando? Quem fez? Como fez? 3.A situação atual. Os avanços, as mudanças e as dificuldades. 4.Principais Aprendizados. Quais as Lições? O que queremos recomendar.
OS ACHADOS As sistematizações das experiências demonstram uma diversidade de formas e práticas, apontando os limites e dificuldades no trato com as questões da agenda das mulheres rurais, e na relação de poder entre as técnicas e os técnicos em suas organizações.
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mação do saber das organizações feministas, da construção de uma pedagogia e metodologias diferenciadas, mas também de uma abertura das organizações mistas de terem a oportunidade de refletir sobre suas práticas a partir das realidades das mulheres rurais e das Técnicas ou assessoras, como preferimos ser chamadas, e da transformação das desigualdades e opressões vividas por elas.
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Fica evidente o quanto o movimento e organizações feminista do campo, foram determinantes para incidir nas mudanças e avanços metodológicos numa ATER feminista e agroecológica. Algumas experiências ainda trabalham no âmbito das relações de gênero e menos na perspectiva feminista. A diversidade de metodologias utilizadas, como rodas de diálogo, visitas de campo, danças circulares, dialogam com a amplitude de temas no desafio de inter-relacionar e complexificar o produtivo com outras dimensões da vida. Divisão sexual do trabalho, sexualidade, violência, racismo, geração, economia feminista e solidária, auto-organização e autonomia, etc, foram discutidos e compreendidos pelas mulheres, e se desdobram em novas práticas das organizações, vindas deste processo de formação-ação. As Marchas, caravanas, audiências, fóruns, reforçam e reafirmam a importância da participação política das mulheres rurais como um sujeito coletivo, que guarda as individualidades, mas combatendo mentalidades de opressão. A luta contra o patriarcado e machismo, se juntam a construção de estratégias e formas de enfrentamento ao capitalismo, em defesa dos territórios, pela reforma agrária, contra o agronegócio e agrotóxicos, sob um olhar e sentir das mulheres que transbordam e questionam “os sentidos de
uma razão prática, cartesiana e patriarcal”. As experiências mostram que as mulheres se mobilizam por outros sentidos e razões, muitas vezes irracionais e injustificáveis para homens, para uma ATER tradicional e para o Estado. Valores como o cuidado, a preservação, a reciprocidade e solidariedade. A alegria de estarem juntas, a sensação de liberdade em cantar ou sair, surgem como “indicadores” para avaliação dos projetos de ATER. Desafios de como reconhecer a importância das mulheres na construção da agroecologia, na economia da vida, nas práticas de cuidado e por uma outra forma de viver no e dos territórios, estão presentes nas práticas de ATER para além de uma forma de fazer, mas também como um instrumento que pode e deve potencializar a agroecologia e as mulheres rurais, nos territórios. Banhadas nestas experiências e nos abrindo para novas perguntas, olhares e princípios, compreendemos que esta publicação cumpre com seu papel, nos fornecer algumas pistas e abrir algumas portas, para a construção de uma ATER feminista, agroecológica e emancipadora, reafirmando que
SEM FEMINISMO NÃO HÁ AGROECOLOGIA!
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UM OLHARFEMINISTADEATER: AEXPERIÊNCIADACASADAMULHERDONORDESTENOPAJEÚ Graciete Santos
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Apresentação
Pensar sobre a assessoria técnica e nossas práticas feministas tem sido uma preocupação permanente da Casa da Mulher do Nordeste - CMN. A ideia de sistematizar a experiência de assessoria técnica da CMN iniciou em 2008 quando organizamos a publicação Cadernos Feminista de Economia e Política com o tema Assessoria Técnica com Mulheres: uma abordagem feminista e agroecológica, e depois em 2010 com o Grupo de Trabalho Mulheres da Articulação Nacional Agroecologia através da publicação Mulheres e Agroecologia: sistematizações de experiências de mulheres agricultoras. Sendo assim recebemos com muito entusiasmo a oportunidade convocada pelo Projeto ATER Feminista e Agro ecológico para realizar a sistematização da experiência de ATER da CMN. Sabendo das dificuldades de abrir um espaço em nossas agendas institucionais para refletir sobre nossas práticas, decidimos nos desafiar mais uma vez. A Casa da Mulher do Nordeste foi fundada em 1980 e tem como missão a autonomia econômica e política das mulheres com base no feminismo2. Os nossos objetivos se
fundamentam na superação das desigualdades de gênero e raça buscando promover e qualificar os meios de vida, fortalecendo a ação produtiva e organização política das mulheres. A CMN trabalha com duas linhas programáticas: Programa Mulher, Trabalho e Vida Urbana que tem o objetivo de fortalecer a capacidade produtiva e de participação política das mulheres tendo como perspectiva o Feminismo e a Economia Solidária a partir da ação em rede, e o Programa Mulher e Vida Rural que tem o objetivo de fortalecer a capacidade produtiva e de participação política das mulheres nos espaços rurais através da construção de conhecimentos agro ecológicos e da auto-organização em rede.
A partir desses dois pro: gramas desenvolve suas estratégias de ação organi: zadas em três linhas:
1. Formação Econômica e Política das Mulheres, que desenvolve processos educativos com base no feminismo, na agroecologia e
Coordenadora geral da Casa da Mulher do Nordeste Feminismo é a ação política das mulheres em favor da igualdade, da justiça e do respeito à diferença entre os sexos. O feminismo é o movimento social e político criado pelas mulheres e coordenado pelas mulheres há mais de dois séculos de luta. (BUARQUE, s/d).
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3. Auto-organização e Participação Política, que fortalecer a auto-organização das mulheres, sua ação em rede e participação política, para a incidência nas políticas públicas. Em 2015 a Casa da Mulher do Nordeste completou 35 anos de existência, de muitas lutas e muita resistência em perseguir seus princípios, valores e objetivos, tendo o feminismo como sua base fundante. Foram muitos os avanços e conquistas em prol de melhorias na vida das mulheres na região do Sertão do Pajeú nesses 13 anos de atuação no território. Reconhecemos que o contexto mudou e avançamos na ampliação da auto-organização das mulheres no âmbito territorial, no aumento da renda, na ampliação da participação política das mulheres, com resultados concretos na autonomia econômica e política. Fruto desse trabalho temos a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, hoje fortalecida em seu exercício da autogestão, articu-
lando quase 400 mulheres organizadas em 30 grupos nos vários municípios da região do Pajeú. O fortalecimento da ação em rede tem sido uma importante estratégia na auto organização das mulheres. Há mais de 10 anos a CMN vem investindo nessa perspectiva, a partir do apoio às redes locais como também no âmbito regional, com a Rede de Mulheres Produtoras do Nordeste. A Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú é fruto dessa nossa metodologia e resultado do investimento e do trabalho desenvolvido pela CMN na região. Se assumir como uma organização feminista e desenvolver um trabalho de ATER não foi nada fácil. Foram muitas dificuldades enfrentadas para nos firmarmos e nos sustentarmos nesse território. Em especial o preconceito em relação a uma ATER feita por mulheres e para mulheres. Enfrentamos também os valores machistas presentes na sociedade em geral, nas organizações do campo, nos sindicatos, nos partidos políticos e na família, uma vez que nossa perspectiva questiona as relações de poder dos homens sobre as mulheres no âmbito familiar, criticando a divisão sexual do trabalho que determina às mulheres a responsabilidade com o trabalho da casa e o cuidado com as crianças e com os idosos. O resultado é uma relação desigual para as
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na economia solidária, visando à autonomia das mulheres nas dimensões econômica e política. 2. Assessoria Técnica Social e Emancipadora, que fortalece os sistemas produtivos e a sustentabilidade ambiental, com ênfase nos processos coletivos da auto gestão da produção agroecológica das mulheres e da sua participação política.
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mulheres que assumem uma carga pesada de trabalho, com as tarefas relativas à reprodução da vida e também as da produção, responsáveis pela segurança alimentar e da geração de renda. Outra questão bastante polêmica provocada pela CMN é a violência cometida contra as mulheres na região, nas suas diversas formas: moral, física, psicológica e patrimonial. O patriarcado² era e ainda é nosso principal alvo. Sendo assim, o projeto da CMN trás três grandes questões políticas, mas que também se relacionam com outras dimensões social, econômica e cultural. São elas: o Feminismo como base de todas suas ações, a Agroecologia³ como fundamento para as práticas agrícolas e a relação com o meio ambiente e a Economia Solidária4 como alternativa ao modo de produção capitalista.
Nesse contexto de muitos conflitos e disputas a CMN finca suas bases em Afogados da Ingazeira com o objetivo de desenvolver uma ação territorial no Sertão do Pajeú, compreendendo as mulheres como o sujeito principal do seu projeto político pedagógico. Iremos aqui contar a nossa história e em especial a experiência em ATER com base no feminismo, na agroecologia e na economia solidária. Trata-se aqui do relato da sistematização realizada pela equipe do Programa Mulher, Trabalho e Vida Rural que tem sua base de trabalho em Afogados da Ingazeira. Participaram do processo as oito técnicas educadoras que desenvolvem atualmente a assessoria técnica e social. São na sua grande maioria mulheres jovens, filhas de agricultores(as) e com vivência na extensão rural, de
²Patriarcado vem do grego pater (pai) arkhe (origem comando) Entendemos como um sistema de valores políticos, sociais e econômicos que se fundamenta na lei do pater poder, ou seja, poder do pai, portanto do masculino, e na opressão das mulheres pelos homens. (Santos, 2007) ³Agroecologia é um campo de produção de conhecimentos que visa a construção de um outro paradigma de desenvolvimento rural e urbano, baseado nos saberes populares, dos povos tradicionais, das mulheres e comunidades. Visa implementar práticas baseadas em um sistema que procura imitar os processos como ocorrem na natureza, evitando romper o equilíbrio que dá a estabilidade aos ecossistema naturais. Um outro paradigma, uma ação política em favor da igualdade de gênero, classe, raça e etnia.(Mulher e Trabalho, CMN, 2010) Economia Solidária é um modo de organizar a vida nas dimensões da produção e da reprodução, através da construção
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de relações igualitárias entre as pessoas e o meio ambiente, baseadas na cooperação, autogestão e no fortalecimento de vínculos solidários e da ação em rede. Deve repensar os sentidos do trabalho e ampliar seu conceito, e está estreitamente vinculada à reprodução da vida, problematizando a divisão sexual do trabalho. (Mulher e Trabalho, da CMN) É a partir da perspectiva feminista, que eleva as mulheres à condição de sujeito político, que a Escola Feminista constrói novos processos de autonomia e emancipação por meio da formação política das mulheres, criando a oportunidade de refletir sobre suas vidas, sobre o lugar onde moram e sobre a participação e representação no espaço público. Além de sua dinâmica prática das aulas, a Escola atinge um grande esforço de construção, sistematização e produção de conhecimentos que atendam ao desafio do seu projeto político pedagógico.
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Como foi feita a sistematização
Foram realizados dois encontros com a equipe em formato de oficinas onde foi desenvolvido um plano de ação e trabalhado o passo a passo da sistematização, utilizando ferramentas como a linha da vida, árvore de problemas, facilitação gráfica, diálogo compartilhado e trabalhos em grupo. Um momento de estimular a participação de toda a equipe de maneira a construir um processo coletivo e compartilhado. Também foram realizadas entrevistas com cinco mulheres agricultoras assessoradas pela CMN em diferentes municípios e períodos. O processo de sistematização possibilitou para as integrantes mais novas na instituição, ampliar seus conhecimentos sobre a história da CMN, assim como sua importância no que se refere aos avanços da auto-organização das mulheres na região do Sertão do Pajeú. Também foi um momento de refletir sobre as práticas a partir de um olhar crítico feminista, apontar as fragilidades e também os aprendizados. Muitas não
tinham ainda vivenciado a experiência da sistematização, o que foi reconhecido como um momento de Práticas Educativas Feministas sobre os temas e questões relativas ao projeto político pedagógico da CMN. Quando nos perguntamos sobre o que entendemos por sistematizar experiências, vimos que é um processo de resgate da história vivida por muitas de nós, apesar de hoje a equipe ter muitas jovens na CMN, refletir de forma crítica sobre ela, identificando as dificuldades, os avanços e apontar aprendizagens e questões que precisam ser melhoradas. Vimos que era uma oportunidade de reafirmar e visibilizar nossa Assessoria Técnica Feminista, assim como de muita aprendizagem. Muitas colocaram seus sentimentos e entendimentos.
Sentidos da Sistematização para nós “Provocar o contexto e visibilizar a nossa visão feminista de ATER” “Um momento para resgatar o sentido de equipe e de pertencimento” “Me ver e também aprender com as outras e aquelas que já passaram pela CMN” “Contribuir nessa construção, fazer parte, e se ver mais tarde como sujeita dessa história” “Foi um momento de levantar nossa autoestima e nosso sentimento de pertença à CMN”
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níveis técnico e superior nas áreas das ciências agrárias e da agroecologia. Algumas já conheciam a CMN porque participaram de processos de formação como a Escola Feminista, ou receberam assessoria técnica da CMN nos quintais de suas mães.
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Os encontros foram realizados no escritório da CMN em Afogados da Ingazeira e contou com a colaboração da coordenadora geral como educadora problematizadora. Toda equipe contribuiu no registro dos encontros, assim como nas entrevistas. O texto final da sistematização da experiência da CMN, foi elaborado por uma comissão integrante da equipe da CMN, baseado nos relatórios das oficinas, nas entrevistas e publicações institucionais.
De onde falamos: contexto da experiência
Como citado anteriormente, a presente sistematização trata da experiência de ATER da CMN desenvolvida no Sertão do Pajeú. É uma microrregião inserida na mesorregião do sertão de Pernambuco composta por 17 municípios. É uma das microrregião mais populosas do sertão pernambucano, certamente pela atração do rio Pajeú e de seus afluentes com potencial hídrico importante para as atividades produtivas e para vida em geral da população. Como região semiárida enfrenta longos períodos de estiagem, sendo o acesso à água uma questão fundamental na vida da população, apesar dos avanços das tecnologias hídricas, a exemplo dos programas da Articulação do Semiárido/ASA, Programa Um Milhão de Cisternas/P1MC e Programa Uma
Terra duas águas/P1+2, a região ainda enfrenta dificuldades no acesso a água regular e o abastecimento por carros pipa. Essa foi uma questão identificada pela CMN quando iniciou o seu trabalho na região, em especial o impacto na vidas das mulheres, sendo elas as responsáveis pelo abastecimento e a gestão da água na família. Esse foi o motivo que levou a CMN, em 2008, a se envolver como uma das organizações gestora do Programa Um Milhão de Cisternas e desde então vem lutando para ampliar a participação efetiva das mulheres nesses programas, assim como pelo reconhecimento das mulheres como sujeitos de direitos. Em 2004, a CMN promoveu o primeiro curso de pedreiras de cisterna, incentivando a outros estados a mobilização dessa iniciativa, problematizando a divisão sexual do trabalho nesses programas, onde as mulheres ainda assumem sozinhas o trabalho doméstico. O patriarcado foi nosso grande inimigo quando colocamos os pés no sertão. Apesar dos grandes avanços na ampliação da participação política das mulheres na região e na auto-organização através da formação de grupos de mulheres e da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú. Ainda enfrentamos resistências muitas vezes veladas aos nossos princípios e prática feminista. A questão principal está em entendermos que são as
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Nossa assessoria tem como foco fortalecer a autonomia das mulheres, e romper com a hegemonia do homem na unidade familiar, que oprime e discrimina a mulher. Esse foi e continua sendo um forte embate na nossa atuação na região e na sociedade em geral. A região tem uma expressiva participação de movimentos sociais com destaque para os sindicatos rurais, do movimento da agroecologia e de mulheres. Há também importantes ONGs como a Casa da Mulher do Nordeste, o Centro Sabiá, Diaconia, Grupo Mulher Maravilha, Dom Hélder Câmara, desenvolvendo ações na perspectiva da convivência com o semiárido e articulações em rede, a exemplo da ASA e da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú. Destacamos também a presença da Universidade Federal Rural de Pernambuco, através do Núcleo de Pesquisa e Práticas Agroecológicas - NEPPAS. Apesar dos muitos avanços no fortalecimento das práticas agroecológicas e do acesso à água na perspectiva da convivência com o semiárido, e da ampliação dos P1MC e P1+2, a região convive com a resistência de muitos proprietários e agricultores utilizan-
do práticas de uma agricultura convencional com uso de queimadas e agrotóxicos, impactando sobre a biodiversidade do bioma Caatinga. Nesse âmbito destacamos o projeto Mulheres na Caatinga desenvolvido pela CMN envolvendo 210 mulheres em 12 municípios na preservação do bioma Caatinga, na formação feminista e ambiental e no plantio de mais de 48 mil mudas de plantas nativas. A participação da CMN e de outras ONGs do campo agroecológico nas chamadas dos ATERs Agroecologia e o ATER Mulher, tem contribuído muito para marcar uma diferença e garantir uma metodologia coerente com os princípios da agroecologia e do feminismo, a despeito das muitas dificuldades enfrentadas no modelo e na gestão dessas chamadas. Diante desse contexto, consideramos relevante os avanços na auto-organização das mulheres, na região, seja através do aumento de associações de mulheres, grupos produtivos, como já citamos a articulação em rede, a exemplo da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú. É também significativa a ampliação da participação das mulheres nos espaços políticos, sindicatos, movimentos sociais, nesses 13 anos de trabalho da Casa da Mulher do Nordeste na região do Pajeú. Um outro indicador também relevante é o aumento da renda das mulheres e o seu acesso a mercados, seja nas feiras espa-
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mulheres que são sujeitos da sua própria vida e fazem suas escolhas, no âmbito da produção e sobretudo no âmbito da família.
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lhadas pela região, seja nos Programas de Aquisição Alimento/ PAA e Programa Nacional Aquisição Alimentação Escolar/PNAE. Outro cenário se desenha na região do Pajeú no rumo para melhores condições de vida para as pessoas e para o meio ambiente.Sem medo de exagerar as mulheres são destaque nesse cenário por seu compromisso, resistência e ousadia.
Nossos passos
Iniciamos nossa ação de Assessoria propriamente em 2003, embora a CMN já estivesse na região do Pajeú há cerca de um ano desenvolvendo uma ação pontual com a Associação de Mulheres Urbanas e Rurais de Tabira - AMURT. Logo depois o Projeto Dom Helder Câmara inicia uma parceria na região e a CMN é identificada como organização especialista em gênero e com ações na região com as mulheres. Iniciamos um diagnóstico da situação das mulheres na região em nove municípios e 29 comunidades com 790 mulheres, sobre vários temas: saúde, educação, trabalho, participação política, crédito, comercialização, renda e assistência técnica. A atenção se volta para a frágil participação das mulheres em espaços de decisão e de controle social, a desvalorização do trabalho das mulheres no âmbito da casa, assim como da produção e da comercialização, e
a falta de acesso das mulheres à assistência técnica e ao crédito, impactando diretamente na sua capacidade produtiva. Observamos que as mulheres trabalhavam muito em suas casas e em seus quintais e também na roça junto com o marido, mas não tinham nenhum reconhecimento e não eram remuneradas pelo seu trabalho. Algumas produziam artesanato, mas sem qualidade, também criavam alguns animais de pequeno porte, em especial as galinhas de capoeira, mas sem uma assessoria e com dificuldades no manejo das criações e comercialização da produção. A partir desse contexto decidimos enfatizar nossa ação de fortalecer a auto-organização das mulheres e uma assessoria específica para atender as suas demandas. Na nossa observação as mulheres trabalhavam muito e as condições de trabalho eram precárias. Chamava atenção os quintais, espaço onde elas podiam fazer e gerir sua produção e onde também exercitavam suas experiências com misturas como defensivos naturais, plantio de mudas e com a diversidade de hortaliças, flores, e frutas em perfeita harmonia. Também observamos que esses espaços eram em sua grande maioria, em piores condições do solo, e de acesso à água. Foi aí que decidimos que iríamos fortalecer e investir nos quintais das mulheres, para torná-los produtivos e com melhores condições de infraestrutura de água e de outras tecnologias. Convidamos quatro agricultoras
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O outro desafio era a dificuldade de formar uma equipe com técnicas mulheres com experiência no rural e identificada com a luta do feminismo. Nesse período não havia a UFRPE, nem outros espaços de formação na região. Iniciamos com uma equipe pequena com técnicas de nível médio, que foram se capacitando e depois chegou uma agrônoma e uma técnica com experiência em agrofloresta. Mais tarde fomos procuradas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco para receber uma estudante de Agronomia para o estágio de vivência e posteriormente integrou a equipe de assessoria técnica da CMN contribuindo por oito anos.
Como desenvolvemos nos: sa prática de ATER
A partir dessa experiência de ATER com as quatro agricultoras, a CMN foi construindo sua metodologia em diálogo com as mulhe-
res. Foi uma construção dialógica onde as agricultoras e as técnicas foram aprendendo umas com as outras e construindo nossa metodologia norteada pela autonomia e reconhecimento das mulheres como sujeitos do processo. Como diz Terezinha, uma das agricultoras que iniciou essa experiência, do município de São José do Egito, comunidade de São Miguel.
“Eu já tinha meu cantinho, plantava minhas ervas, minhas plantas. Aí a Casa da Mulher me convidou para iniciar uma experiência piloto, em que recebi assessoria e apoio. E comecei a participar das reuniões das associações e do sindicato de São José do Egito.” Aqui resgatamos o passo a passo desse processo iniciado há 13 anos e hoje com alguns ajustes e desafios.
1) Visita e escuta às mulheres
Inspiradas no feminismo trabalhamos nos âmbitos individual e no coletivo. Iniciamos com as visitas individuais as agricultoras em suas casas para levantamento das dificuldades enfrentadas pelas mulheres como o acesso à terra e à água, a jornada de trabalho e os conflitos nas relações familiares. Nesse momento é construído um diagnóstico da situação anterior e inicial para subsi-
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de diferentes municípios para iniciar conosco uma experiência de assessoria técnica emancipadora em seus quintais. Tínhamos dois grandes desafios. Um deles era se afirmar como organização feminista e organização de ATER em uma região com a presença de organizações machistas que não reconheciam a capacidade das mulheres como técnicas nem a importância do trabalho das agricultoras no âmbito da agricultura familiar.
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diar o planejamento e a definição das ações a partir do olhar das mulheres. Usamos de várias ferramentas como a rotina diária, o rio da vida, desenhos dos quintais, caminhadas e observações nas áreas das mulheres e suas famílias.
“O processo de iniciar assessoria técnica, esse processo educativo com as mulheres e de auto-organização dentro das comunidades e associações fez a grande diferença do trabalho com mulheres que a CMN tem hoje no território. Quando você é mulher e faz uma assessoria para as mulheres, a sua capacidade de entender as necessidades e as limitações, como por exemplo, poder ou não poder sair de casa, faz a diferença.” (técnica que participou no início dos trabalhos da assessoria da CMN – 2003)
2) Construção dos acordos e planejamento
Partimos do quintal com ênfase no fortalecimento da autonomia das mulheres na gestão e na decisão dos processos no âmbito das relações na família e no âmbito público. Foram realizadas algumas reuniões e oficinas para construção dos acordos e definição de um plano de trabalho a partir das demandas e realidade das mulheres.
“Tudo começou com as reuniões com a CMN sobre agrofloresta. A partir daí foi
implantado um sistema com várias plantas. Foi feito um planejamento, para saber o que plantar, como plantar, diversificar a área com várias espécies de plantas. Depois iniciou a implantação de hortaliças com a presença da técnica semanalmente. Após o processo de implantação, as visitas eram de 15 em 15 dias.” (Cici, agricultora do município de Flores)
3) Atividades de formação política e temas de interesse específico
As formações abordam temas estruturantes na vida das mulheres, são eles: feminismo, agroecologia, economia solidária, segurança alimentar. Esse processo aconteceu por meio de oficinas onde se reuniu mulheres de comunidades próximas. A Escola Feminista foi uma importante ação para o fortalecimento da formação feminista que envolveu mais mulheres na região.
“Em 2009 a CMN fez um convite para participar da Escola Feminista, como agente de desenvolvimento sustentável (ADS). Foi assim que iniciei a experiência do meu quintal produtivo. Outro fator importante na minha motivação foi o intercâmbio com a experiência de uma agricultora na comunidade de Santo Antônio II, em Carnaíba. Essa visita me despertou enquanto
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“Participar da Escola Feminista mudou a minha vida, a minha relação com meu marido, porque antes achava pelo fato de ser esposa dele era minha obrigação está em casa e cuidar dele e dos filhos e da casa. E depois da Escola a minha vida mudou, me ensinou a lutar pelos meus direitos, direitos de nós mulheres que eu não sabia que existia, não sabia que agressão psicológica era violência também. Tudo que aprendia repassava para o grupo de mulheres na minha comunidade, era nosso compromisso na Escola.” (Maria Helena, agricultora do município de São José do Egito) “Contribuiu para cuidar melhor da minha horta, a fazer defensivos naturais para combater as pragas e também sobre economia solidária porque passei a consumir o que produzia e me preocupar com a qualidade sem veneno.” (Maria Helena,
de São José do Egito)
4) Implantação das áreas
Constitui no apoio para implementação ou ampliação da infraestrutura necessária para produção nos quintais como: reservatório de água, sistema de irrigação de água, plantio de campos de forragem para alimentação animal, tanque para biofertilizante, cercados e aquisição de mudas, cisternas, galinheiros, canteiros. Nessa etapa muitos conflitos surgiram com os maridos, uma vez que as melhorias eram direcionadas para a produção das mulheres e se negavam apoiar na construção da infraestrutura, ampliação e até mesmo mudança da área de produção do quintal, onde o acesso à água e as condições do solo eram melhores. Foram necessários muitas discussões em favor da colaboração dos maridos e familiares para valorizar e visibilizar o desenvolvimento do quintal das mulheres.
“Em final de 2004 apresentamos uma proposta para Intermón apoiar no investimento aos quintais de quatro mulheres, pois vimos que era necessário melhorar as condições de trabalho das mulheres e também do solo. O acesso à água era fundamental, então investimos em diferentes tecnologias, poços, bombas, irrigação por gotejamento e micro aspersão, cercas, caixa de água para garantir água para produção.” (Graciete Santos, coor-
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mulher e agricultora. Vi que era uma coisa que estava ao meu alcance e que eu podia também desenvolver e tirar minha própria renda do meu quintal. Aquisição de algumas mudas doadas pela CMN me incentivou a cuidar das minhas plantas e também a contribuir com o meio ambiente. Em 2010 iniciei a implantação de uma área com hortas e frutíferas como goiabeira, mangueira, cajueiro, laranjeira e limoeiro.” (Silvia, agricultora do município de Flores.)
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denação geral da CMN) «Antes da CMN chegar, eu só trabalhava em casa, eu não sabia vender, não vendia nada. Só vivia em casa, cuidava da casa, da roça e dos bichos. Depois que a assessoria da CMN chegou na comunidade e comecei a participar das reuniões, comecei a viajar para participar de feiras, em Recife, Serra Talhada. Para participar enfrentei muita confusão em casa, meu esposo reclamava muito dizia que eu tinha que viver em casa. Mas devagarinho e com apoio da CMN consegui superar essas dificuldades.» (Maria das Dores, agricultora do município de Afogados da Ingazeira).
5) Visitas de acompanhamento
A assessoria acontecia de maneira individual a cada agricultora variando entre visitas semanais no início do processo e visitas quinzenais e mensais após implantação da infraestrutura. Outra maneira de realizar o acompanhamento era reunir as mulheres de uma mesma comunidade ou município, e fazer um dia de campo, objetivando a troca de saberes e aproveitando melhor o tempo da visita.
“Eu crio galinha capoeira, vendo a galinha e o ovo, faço queijo, bolo, tapioca e vendo
tudo na feira e ainda trabalho no viveiro de mudas. Participo da associação da feira agroecológica, do sindicato rural, do conselho de desenvolvimento rural e urbano CONDRUR, participo de muitos espaços e antes eu não participava de nada disso. A assessoria foi muito importante na minha vida para eu ser hoje a mulher decidida e não ter medo de sair de casa.” (Maria das Dores, agricultora do município de Afogados da Ingazeira) “Cheguei na CMN para fazer o estágio de vivência em 2005, e vi que havia uma diferença daquilo que aprendi na universidade. Era difícil se impor perante às organizações que não acreditavam em mulher fazendo assessoria e nem aceitavam que a CMN desse atenção às mulheres. Fazíamos esse trabalho voltado para as mulheres, queriam que trabalhasse a família.” (Edvânia Souza, técnica da CMN). Com as chamadas de ATERs foi necessário adaptar a metodologia proposta ajustando-a à metodologia da CMN. Muitas visitas foram transformadas em oficinas com mais mulheres, uma vez que a quantidade prevista de visitas e o tempo eram insuficientes para realizar uma assessoria com qualidade.
“A execução das chamadas de ATER Agroecologia tem mexido com nosso ritmo de trabalho, pois temos metas a cumprir. Por outro lado temos construído um processo
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6) Intercâmbios de experiências
Os intercâmbios com outras mulheres da região e de outros estados foi também uma importante estratégia de trabalho da CMN que oportunizou troca de conhecimentos e de estímulo para as mulheres saírem de casa, fortalecendo o processo de autonomia. A exemplo do levantamento sobre as plantas medicinais realizado pelas mulheres participantes do projeto Mulheres na Caatinga nas oficinas temáticas sobre o bioma Caatinga e a Agroecologia. O levantamento teve como objetivo registrar as plantas utilizadas pelas mulheres e de preservar o conhecimento popular. A metodologia usada foi a de caminhada pela Caatinga e reconhecimento das mulheres para coleta de flores, folhas, galhos, cascas e raízes, e depois o conhecimento foi socializado em uma roda de diálogo, trazendo suas observações e receitas sobre o uso medicinal das plantas desse bioma. Verificou-se a importância da Caatinga na vida das mulheres e da população local. Outras experiências são socializadas através de intercâmbios, como os quintais produtivos,
das experiências em agrofloresta e de tecnologias sociais, como as do fogão agroecológico, das tecnologias de acesso à água, entre outras. A agricultora Cláudia Maranhão, que reside no Sítio Lagoa de Jurema, do município de Itapetim, participante do projeto Mulheres na Caatinga, traz a sua experiência de quintal produtivo como um grande aliado para a preservação do bioma Caatinga. Nesse contexto, ela destaca as práticas agroecológicas adotadas no seu quintal produtivo — com uma grande diversidade de culturas, como plantas adubadeiras e forrageiras —: o plantio de fruteiras e hortaliças, a criação de pequenos animais, o manejo sustentável das plantas nativas, o reflorestamento, a conservação da biodiversidade e a preservação das sementes crioulas. Cláudia destaca que a segurança alimentar da família e dos animais é garantida em uma porcentagem de 80%, sem desmatar ou queimar a Caatinga, unindo sustentabilidade e preservação, o que torna sua propriedade em um verdadeiro oásis no Sertão, um exemplo de convivência com o Semiárido.
“Aprendi muito nos intercâmbios com outras mulheres, a CMN levava a gente para conhecer outras experiências de outros grupos em outros municípios.” (Maria Helena, agricultora do município de São José do Egito). “Eu passei a conhecer o mundo, que an-
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interessante com o ATER Mulher, de troca com as mulheres mais próxima da assessoria feminista.” (Tatiane Faustino, técnica da CMN)
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tes eu não conhecia.” (Maria das Dores, agricultora do município de Afogados da Ingazeira) “A assessoria teve um papel importante para mudança em minha vida e foi nesses processos que me fortaleci enquanto mulher para a fala pública, me fez ter uma visão ampla do mundo e da vida, consegui levantar minha autoestima.” (Marilene, agricultora do município de Triunfo)
7) Fortalecimento da auto: -organização e estímulo a participação política das mulheres
A ação em redes sempre foi uma aposta da CMN para o fortalecimento das mulheres como sujeitos de direitos. A ação articulada é um exercício de democracia, onde se constroem projetos coletivos, a partir da união de diversos esforços envolvendo produtoras, artesãs, assessorias e parcerias. É afirmar um modelo de desenvolvimento baseado na cooperação e na solidariedade entre espaços sociais e territoriais. Ao longo dos 35 anos da instituição, são diversas as iniciativas de apoio e assessoria para a construção e permanência das redes e coletivos de mulheres.
A exemplo das iniciativas de incubação das Redes, como a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, a Rede de Mulheres Produtoras do Recife e Região Metropolitana e da Rede de Mulheres Produtoras do Nordeste. Como também a assessoria em associações e grupos de mulheres, no controle social em fóruns de mulheres do Pajeú, nos GTs de mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia, na Articulação do Semiárido de Pernambuco, no Fórum de Economia Solidária e no Comitê Territorial do Pajeú. A participação das mulheres como sujeitos nestes espaços é uma estratégia fundamental para fortalecer autonomia política das mulheres, assim como nas relações na família. Além de cuidar da propriedade, Cláudia Maranhão, que reside no Sítio Lagoa de Jurema, do município de Itapetim participa do Grupo Mulheres Agricultoras da comunidade de São Pedro, em São José do Egito, e integra a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú. Para ela, esse espaço de participação contribui para o aprimoramento de conhecimento, que é essencial para o fortalecimento das atividades que desenvolve, principalmente enquanto mulher.
“A Rede é uma estratégia para reunir as mulheres produtoras do Nordeste com o objetivo de promover a melhoria de renda, capacitar e organizar essas mulheres” (Produtora da Rede Piauí, na publicação Rede de Mulheres Produtoras do Nor-
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8) Acesso a mercados e as políticas públicas
Quando falamos de autonomia, estamos falando de transformação. Mexer nas estruturas sociais, políticas e econômicas. A luta por uma autonomia econômica para as mulheres é decidir e escolher o que e como vai produzir. É ter acesso e apropriação dos conhecimentos, tecnologias e o controle e a gestão de recursos. É neste caminho que a assessoria contribui para o reconhecimento das experiências de bens comuns que as mulheres vivem para o coletivo, com informações, trocas e saberes não só da produção mas da reprodução da vida. É para que sejam autoras de seus próprios projetos econômicos. Como protagonistas nas feiras locais e feiras agroecológicas do território, com o acesso ao Programa Aquisição de Alimentos PAA, ao Programa Nacional de Alimentação Escolar PNAE, ao PRONAF, as ATERs e Bancos de sementes. É por este motivo que a CMN tem como sua missão a autonomia economia e política das mulheres.
“O trabalho de ATER da CMN tem proces-
sos educativos diferenciados. A partir de um enfoque feminista e agroecológico, visa a formação de competências, a incidência nas políticas públicas e de mudanças de atitudes, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das mulheres, com a promoção da igualdade de gênero e o desenvolvimento rural sustentável.” (Claudineide Oliveira, técnica da CMN)
9) Acesso à tecnologias e a recursos
As tecnologias de acesso a água são essenciais para a vida das mulheres no campo, mas nem sempre é fácil acessar essas tecnologias. A participação da CMN na Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) de Pernambuco surge com a necessidade de suprir esta demanda das agricultoras. O Programa Um milhão de Cisternas P1MC e o Programa uma Terra e Duas Águas P1+2 , hoje fazem parte da vida das mulheres. Assim como o estímulo aos fundos rotativos em geral e em especial ao Fundo Rotativo Solidário da Rede de Produtoras do Pajeú. Uma iniciativa da CMN que hoje é gerido por um conselho gestor composto por mulheres da Rede Pajeú. O Projeto Sementes do Semiárido, em parceria com a ASA PE, tem sido estratégico para mobilizar o fortalecimento da participação das mulheres na agricultura de base familiar, a partir da construção de bancos comunitários de sementes crioulas.
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deste)“A Rede de Mulheres Produtoras do Nordeste é uma forma de integrar as mulheres através da troca de experiência, intercâmbio e atualização” (Produtora da Rede Pajeú/PE, na publicação Rede de Mulheres Produtoras do Nordeste,2010)
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Na comunidade de Cachoeira do João, São José do Egito, Sertão de Pernambuco, dona Aparecida não desanimou nesses últimos anos de estiagem, e seu quintal continuou produzindo frutas, hortaliças e ervas medicinais. A água necessária vem de um poço amazonas e chega até as plantas através de um sistema de microaspersão implantado pela Casa da Mulher do Nordeste.“ O açude secou, e hoje a água é pouca, mas a gente economiza. Acessamos um recurso do fundo rotativo da Associação e estamos ampliando o espaço do quintal. Vamos plantar ainda mais”, comemora com entusiasmo. A assessoria técnica da CMN também tem enfrentado desafios e conflitos da visão feminista em espaços mistos, onde são discutidas tecnologias sociais e o acesso às políticas públicas de convivência com o semiárido. A exemplo das Comissões Municipais e da Articulação do Semiárido Brasileiro (PE), como conta Claudineide Oliveira, técnica educadora da CMN:
“Pelo fato de ser mulher e está no processo de assessoria na zona rural, não fui reconhecida como uma pessoa capaz de desenvolver meu trabalho. No trabalho com as comissões municipais ouço falas preconceituosas de representantes de Sindicato Rural, como uma certa vez, ouvi: Homem já não faz direito, uma mulher vai fazer. Há também outros exemplos,
na reunião da ASA – PE, algumas pessoas que carregam o marxismo em si, sempre ficavam em conversinhas dizendo: Quando essas feministas começarem falar...” (Claudineide Oliveira, técnica educadora da CMN)
Principais aprendizados da experiência de sistematização
O processo de sistematização da ATER da Casa da Mulher do Nordeste chegou em um momento oportuno de um desejo de aprofundar reflexões sobre nossas práticas de assessoria técnica nesses últimos anos. “Oportuna porque chega no momento em que a CMN está avaliando o programa Mulher e Vida Rural e pensando novos rumos”, trouxe uma das integrantes da equipe. Portanto foi uma oportunidade para forçar a equipe parar seu pesado cotidiano de campo para refletir, conhecer e trocar conhecimentos umas com as outras sobre a história da CMN, suas dificuldades, suas conquistas e sobretudo sua importância na transformação das desigualdades de gênero e na autonomia das mulheres na região do sertão do Pajeú. Como reflete uma das integrantes da CMN.
“Foi um momento muito rico e importante para a equipe uma vez que proporcionou conhecer mais a história da
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Vimos a necessidade de garantir processos de formação feminista e agroecológica com a equipe de maneira sistemática e coerente com a missão e metodologia institucional, de forma a superar os limites dos tempos e burocracias dos projetos, com destaque aqui para os ATERs. Outro aprendizado está no âmbito do planejamento, monitoramento e avaliação das ações de assessoria da CMN, que exige uma análise mais aprofundada das demandas e dos diferentes tempos para cada mulher e diferentes realidades, considerando os avanços já conquistados na região. Muitas agricultoras já são assessoras e produtoras de conhecimentos em suas comunidades, recebendo grupos em seus quintais e intercambiando suas experiências em outros municípios e estados. O que aponta para nós novos arranjos e demandas na relação com a assessoria da CMN.
O que queremos destacar e disseminar
Como aprendizado destacamos a neces-
sidade de garantir processos de formação feminista integrados as ações de ATER, trazendo a centralidade da divisão sexual do trabalho nas relações na família. A experiência da Escola Feminista realizada na região em diferentes versões, com resultados significativos, é uma evidência para ser fortalecida e multiplicada. O foco na auto-organização das mulheres, através do fortalecimento da ação em rede na região a exemplo da Rede de Produtoras do Pajeú, na formação de grupos de mulheres nas comunidades, assim como na ampliação da participação das mulheres nos movimentos de mulheres e feministas e em outros movimentos sociais, voltadas para incidência nas políticas públicas e para melhoria da vida das mulheres na região e no estado, são importantes evidências da experiência da CMN inseridas nas práticas de uma assessoria técnica emancipadora. A valorização dos quintais produtivos, considerados por nós como espaços estratégicos para construção da autonomia política e econômica das mulheres, segurança alimentar e de transição agroecológica, é reafirmada como uma importante metodologia a ser disseminada, e reconhecida pelas políticas públicas de ATER. Nesse sentido o projeto Mulheres na Caatinga, aponta para importância de ir além do quintal e ampliar nossas ações articuladas com todo o agroecossiste-
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CMN, seus princípios, ajudando aquelas mais novas na instituição. Também serviu como momento de refletir criticamente sobre a nossa prática, apontando nossas dificuldades e também afirmando nossos avanços”.
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ma e com a preservação do bioma Caatinga.
Desafiadas para seguir na luta
A cultura patriarcal presente na região e na sociedade, contribui para relações desiguais e opressão dos homens sobre as mulheres, e nas políticas públicas marcadas pela família que não valoriza a mulher como sujeito produtivo e político e não considera o trabalho do cuidado e doméstico como trabalho na agricultura familiar. A assessoria da CMN tem pautado e enfrentado essas questões reafirmando os princípios feministas. Um grande desafio da CMN atualmente é garantir sistematicamente um processo de formação da equipe, hoje renovada com muitas mulheres jovens com pouca experiência no campo do feminismo e da agroecologia. Nesse contexto enfrentamos um difícil cenário da política nacional com muitos retro-
cessos na garantia de direitos e nas políticas públicas, com cortes de recursos que impactam nossas ações no campo em especial na ATERs. O modelo das chamadas públicas, apesar dos avanços fruto da luta do movimento feminista de mulheres do campo, não garantem as nossas necessidades de uma ATER feminista que respeite o tempo de construção dos processos, seja no apoio a organização produtiva, e/ou na organização política visando a autonomia das mulheres rurais. Portanto é necessário garantir políticas públicas que valorize e considere as mulheres como sujeitos de direitos e rompa com a divisão sexual do trabalho na agricultura familiar. Nosso desafio futuro é manter firme nossa pedagogia feminista, transformando as vidas das mulheres e transformando o mundo pelo feminismo.
Sem Feminismo não há agroecologia.
REFERÊNCIAS SANTOS, Graciete; CASTRO, Emanuela. Mulher e Trabalho. Casa da Mulher do Nordeste. Recife, 2010. Plano Estratégico da Casa da Mulher do Nordeste, 2016-2020. Recife, 2016. SANTOS, Graciete. Os Quintais Produtivos e as Mulheres: espaços de construção de autonomia e transição agroecológica. In: Agroecologia na Convivência com o Semiárido: sistematização de experiências vividas, sentidas e aprendidas. MEDEIROS, Alzira; DUBEUX, Ana; AGUIAR, Virginia. Organizadoras. Recife:Ed. dos Organizadores, 2015.
Assessoria tĂŠcnica feminista em campo
Ferramentas metodolĂłgicas
Oficina de Sistematização da Experiência
Equipe técnica da CMN
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ASSESSORIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL FEMINISTA E AGROECOLÓGICA DO CENTRO FEMINISTA 8 DE MARÇO ¹Antônia Mábia Zulina de Oliveira Silva e Maria Adriana Vieira das Graças
Apresentação
Relata-se aqui uma experiência de Assessoria Técnica e Extensão Rural (ATER) feminista e agroecológica, executada pelo Centro Feminista 8 de Março (CF8). As atividades foram desenvolvidas entre novembro de 2013 e setembro de 2015, no Território Sertão do Apodi, na região Oeste do Rio Grande do Norte. A assessoria consistiu em mobilizações, seminários, oficinas, reuniões, intercâmbios, elaboração de projetos, visitas individuais de acompanhamento e recreação infantil para garantir a participação das mulheres em todas as atividades de assessoria. Foram atendidas 240 mulheres trabalhadoras rurais e pescadoras. Destas, 238 concluíram o projeto que gerou renda por meio dos projetos produtivos como criação de galinhas, suínos, bovinos e caprinos, cultivo de árvores frutíferas, beneficiamento e comercialização, a qual acontece na própria comunidade e no entorno e também em feiras agroecológicas em seus respectivos municípios. Esta sistematização se deu em duas etapas:
a primeira foi um levantamento de dados junto a relatórios do CF8, especificamente do projeto ATER Mulheres; a segunda, foi a realização de uma oficina com as técnicas da instituição, onde se discutiu a identidade da organização na execução do ATER, os aprendizados, as dificuldades e os desafios de uma ATER feminista. Essa metodologia trouxe subsídios necessários para elaboração da presente sistematização. O resultado em forma de texto é apresentado através dos tópicos: 1) Introdução; 2) ATER feminista e agroecológica; 3) Discussão acerca dos resultados; 4) Considerações finais e 5) Referências.
1) Introdução
A busca, pelas mulheres rurais, de políticas públicas que aumentem sua autonomia, se estende há pelo menos trinta anos. Até chegarem a formular as suas demandas e serem capazes de lutar politicamente por suas propostas, as mulheres rurais tiveram (e ainda têm) que passar por vários obstáculos, rompendo barreiras pessoais, familiares e
¹Engenheira Agrônoma/Técnica de Campo Licenciada em Letras e Espanhol/Técnica de Campo
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Nos últimos seis anos o CF8 executou chamadas públicas específicas de assessoria técnica e extensão rural para mulheres. Em todos os momentos o princípio da assessoria técnica da instituição permaneceu sendo a auto-organização das mulheres e a promoção de sua autonomia com vistas a sua independência econômica. A construção do feminismo nessa assessoria esteve pautada na mediação entre as mudanças locais e as transformações gerais da sociedade. Para isso, tem construído o feminismo a partir da Marcha Mundial das Mulheres e debatido a economia feminista em consonância com a Rede Economia e
Feminismo (REF). De acordo com Medeiros e Oliveira (p. 90, 2015), o CF8 promove a criação de espaços específicos na tentativa de mudar às condições de vida dessas mulheres, seja no espaço familiar, sindical ou no acesso às políticas públicas, sem perder de vista os aspectos econômicos que incidem sobre a vida delas. Sendo assim, busca atuar materializando políticas públicas que atendam as mulheres de forma integral, diferente da forma denunciada por Siliprandi e Cintrão (2015, p. 572, grifos no original) quando afirmam que: as políticas públicas para o meio rural, no caso da agricultura familiar, têm tido um caráter produtivista e focado na melhoria econômica das “unidades familiares”, pensadas como uma célula única, sem levar em consideração as especificidades e as relações de poder existentes no interior das famílias, sejam elas de gênero ou geração. Prevalece, tanto no âmbito público quanto privado, uma visão patriarcal, de que cabe primordialmente ao chamado “chefe da família” (homem) a interlocução com o Estado e com a sociedade em geral. Via de regra as políticas para a agricultura familiar priorizam a produção e as mulheres rurais são excluídas tanto da negociação quanto da execução destas políticas. Assim, dando prosseguimento a suas atividades, em novembro de 2013, o CF8 inicia mais uma ATER para mulheres,
² É um programa de transferência de renda do Governo Federal, instituído pela Lei nº 12.512, de 14/10/2011, e regulamentado pelo Decreto nº 7.644, de 16/12/2011. Os gestores do programa são os Ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que definem as normas complementares do Programa.
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institucionais para obter o reconhecimento de seus problemas e demandas - Siliprandi e Cintrão (2015, p. 589). O Centro Feminista 8 de Março ao longo de seus 23 anos vem desenvolvendo com mulheres dos territórios Sertão do Apodi e do Açu Mossoró, ambos no Rio Grande do Norte, assessoria técnica feminista e agroecológica com o objetivo de fortalecer a auto-organização das mulheres através do feminismo e da produção agrícola com base na agroecologia, contribuindo de forma substancial para que as mulheres possam romper com as barreiras que bloqueiam seu reconhecimento como cidadãs e sujeitos de direito em todos os espaços sociais.
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com atendimento a 240 beneficiárias, trabalhadoras rurais e pescadoras, do Território da Cidadania Sertão do Apodi nos municípios Apodi, Campo Grande, Caraúbas, Felipe Guerra e Itaú. O projeto previa treze atividades ao longo de dois anos, com destaque para aplicação de um fomento² no valor de dois mil e quatrocentos reais (característica específica deste projeto de ATER) na melhoria ou começo de atividades produtivas no roçado ou no quintal. O projeto também previa a recreação infantil paralela a todas as atividades coletivas para apoiar e garantir a participação das mulheres nas atividades. É importante destacar que essa não foi a primeira experiência em execução de ATER pelo CF8. Em anos anteriores foram desenvolvidos outros projetos de assessoria técnica especializada para o atendimento e acompanhamento de atividades produtivas e de auto-organização para mulheres no meio rural.
2) Assessoria técnica e extensão rural (ATER) Feminista e Agroecológica
Na realização da assessoria técnica sistemática feita pelo CF8 aos grupos de mulheres a abordagem de temas como:
autonomia econômica, divisão sexual do trabalho, agroecologia, soberania alimentar e economia solidária são prioridades. E partem da identificação e construção da Marcha Mundial das Mulheres dentro da nossa instituição e nas nossas vidas, ampliando o nosso olhar sobre a assessoria técnica. Em nosso trabalho buscamos articular o local com o global, de forma que as mulheres tenham compreensão de todos os processos nos quais estão envolvidas, isso fortalece a construção do feminismo que acreditamos e que liberta, e se configura como referência para a atuação do CF8. Essas ações concretas podem ser observadas nas discussões e práticas da economia solidária, como outra forma de economia, na contramão da economia capitalista. E traz mudanças significativas e transformadoras para a vida das mulheres. A divisão sexual do trabalho deve ser considerada como importante em toda a instituição que pretende ou que desenvolve assessoria técnica para mulheres. Isso porque é relevante entender que as mulheres trabalhadoras rurais exercessem uma longa, cansativa e desvalorizada jornada de trabalho, que vai desde o trabalho reprodutivo ao produtivo. Concretamente, muitas mulheres rurais são as responsáveis por toda ou parte da alimentação da família. Desta forma,
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Para que as mulheres tenham um olhar crítico da realidade e da sua situação de desigualdade na sociedade é necessário que tenham assessoria sistemática, participação em formações, encontro de mulheres; que os técnicos e técnicas levem em consideração a utilização de metodologias que valorizem as suas vidas, conhecimentos e cultura, levando-as a se perceberem enquanto sujeitos de direitos. É definitiva e transformadora a mudança na vida das mulheres, quando conseguem articular organização, mobilização e produção. Elas se libertam da opressão, alteram as condições de trabalho. À essas mulheres são dadas visibilidade e valorização do trabalho, além de conquistarem a sua autonomia. As experiências de trabalho com mulheres
desenvolvidas pela assessoria técnica do CF8 são atividades produtivas (produção nos quintais, artesanato, produção e beneficiamento de frutas e hortaliças, ovinocaprinocultura e criação de galinha caipira), construção de cisternas de placas e filtros Água Viva (a partir da tecnologia de placas) e também a participação e organização das mulheres na Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, espaço de articulação e comercialização da produção. Assim, fica nítido que a nossa assessoria e assistência técnica é muito além da produção. De acordo com Medeiros e Oliveira (2015) “são experiências de autoorganização das mulheres, de vivências do exercício da solidariedade, discussão e resolução dos problemas e dificuldades vivenciadas no cotidiano das trabalhadoras rurais”. O projeto ATER Mulheres no Sertão do Apodi que teve início em 2013 tinha como objetivo fortalecer as experiências agroecológicas protagonizadas por mulheres, tendo em vista a disputa de modelo de desenvolvimento no Território e a busca da soberania alimentar destas famílias, em especial as que se encontravam na extrema pobreza. Foram atendidas 240 mulheres trabalhadoras rurais e pescadoras que participaram de oficinas, seminários,
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seria compreensível a ausência ou não participação das mulheres nos espaços públicos e de organização, que sejam na própria comunidade, município ou em uma reunião do sindicato ou outras formas de organização. Porém, de acordo com Rejane Medeiros, técnica do CF8, ao fazer assessoria às mulheres rurais, é necessário compreender, buscar alternativas e considerar o tempo dessas mulheres e sua realidade local, na busca de transformar as desigualdades entre homens e mulheres e as classes sociais.
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intercâmbios e desenvolveram atividades produtivas em seus quintais ou roçados. Durante toda a execução do projeto fomos processualmente realizando avaliações sobre nossa atuação e readequando nosso trabalho a partir da observação e necessidade das mulheres.
2.1) Atividades Desenvolvidas na ATER
Dando continuidade a esta sistematização da experiência desenvolvida relatamos como foi desenvolvida a ATER.
2.1.1) Mobilizações
O primeiro passo nesse projeto foi a identificação e mobilização das beneficiárias. Para tal foram realizadas reuniões com as comissões de mulheres dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, lideranças e instituições parceiras para a identificação das comunidades a serem atendidas pela assistência técnica. Em seguida fizemos a mobilização in loco para a realização das reuniões nas comunidades para então iniciar o processo de identificação das mulheres. Depois foram as reuniões nas comunidades para apresentação do CF8 e do projeto de ATER e os passos a seguir para se cadastrarem como beneficiárias, a saber:
terem DAP e estarem no CadÚnico. Nessa etapa fizemos reuniões com a EMATER e as Secretarias de Assistência Social dos municípios para que elas providenciassem a documentação das mulheres para se enquadrarem no projeto. Para finalizar, sistematizamos os dados e as cadastramos no SIATER e realizamos a primeira reunião para planejamento das atividades de assessoria e assistência técnica.
2.1.2) Oficinas
As oficinas gênero e políticas públicas, organização, práticas de elaboração de projetos PAA e PNAE e a de avaliação e monitoramento aconteceram de forma entrelaçada de modo que se complementavam ao longo do projeto. Para a realização da oficina: Gênero e políticas públicas foi aplicada uma metodologia desenvolvida pelo CF8 desde 2008, a qual constrói em conjunto com as mulheres o entendimento de como funciona a divisão sexual do trabalho e o uso do tempo das de mulheres. A metodologia é baseada no debate que a autora Cristina Carrasco faz sobre os tempos das mulheres. Com isso, pedimos para as mulheres desenharem um relógio de vinte e quatro horas e distribuírem nele o tempo de trabalho doméstico e de cuidado, trabalho no roçado ou quintal, organização
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A metodologia mostra para as mulheres no rebuscar de suas atividades cotidianas que elas trabalham mais que os homens. Elas exercem cotidianamente uma intensiva jornada trabalho. Fazem o trabalho nos lotes e roçados, produzem nos quintais – que são responsáveis por boa parte da alimentação da família – são responsáveis pelo cuidado da casa, dos filhos, maridos, idosos e ainda pela harmonia e bem-estar da família. Ou seja, são responsáveis por parte do trabalho produtivo e todo o trabalho reprodutivo. Dessa forma, não sobra tempo para cuidados pessoais, descansar, participar da vida política em reuniões do grupo e de suas comunidades. Com isso, se instiga as mulheres a pensarem como se organizam e sobre a opressão e dominação para a partir de então, começarem a pensar coletivamente estratégias de enfrentamento e socialização do trabalho doméstico. A realização de exercícios práticos e a elaboração de projetos, como forma de garantir uma maior apropriação das normas e orientações do PAA e PNAE por parte das mulheres foi parte do objetivo da segunda oficina. O primeiro momento foi dedicado à socialização dos programas, sua importância, funcionamento, normas para o acesso, sempre relacionando-o a realidade das mulheres. Em seguida,
as participantes elaboraram os projetos individuais e coletivos utilizando os instrumentos previstos nesses programas, bem como, considerando sua produção. Ao final teremos como resultado, projetos coletivos e individuais já elaborados.
2.1.3) Visitas Técnicas de Diagnósticos da Unidade de Produção
Foram realizadas visitas técnicas individuais para identificar a unidade de produção e fazer o diagnóstico participativo sob dois aspectos: o individual (familiar) e o coletivo (participação em grupo de mulheres já organizadas). Os diagnósticos permitiram conhecer dados gerais do âmbito doméstico, questões como disponibilidade de água na unidade produtiva, estruturas de armazenamento de água, as atividades produtivas desenvolvidas e principais entraves para o desenvolvimento de atividades produtivas, potencialidades. Proporcionou também que conhecêssemos coisas que estavam por trás da realidade observada, da impressão de quem está chegando pela primeira vez na comunidade se encontra realizando seus primeiros contatos. De forma que existiam mulheres que estavam organizadas em grupos e participavam de dinâmicas de
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social e o tempo livre e de lazer.
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organização para além da comunidade, como em reuniões no sindicato, comissão de mulheres, e grupos da própria comunidade. Outras que tinham a dinâmica de se reunirem apenas nos dias que coletivamente produziam os doces; outras não participavam de nenhum tipo de organização. Percebemos que dois grandes grupos que trabalhavam com a produção de doces, e tinham esse momento como o único de organização, eram articuladas por homens, todas as decisões sobre a produção e comercialização passavam por eles. Identificamos que muitas mulheres não eram donas das terras que moravam ou trabalhavam, outras donas somente da estrutura física da casa de morada, em seus quintais não puderam ao menos construir a cisterna de placa. Exemplos: onde os maridos queriam responder o questionário pela mulher, e nesse momento enquanto técnicas já tínhamos que mostrar que o projeto era das mulheres, para que elas se apropriassem do processo e do projeto. Muitas mulheres já desenvolviam em seus quintais o trabalho de produção, seja de animais ou de culturas como hortaliças e frutíferas. Porém, alguns, só identificavam o trabalho que era feito pelo esposo, não tinha o olhar sobre a produção que realizava.
Os grupos onde já havia acompanhamento do CF8, o processo de aplicação do diagnóstico foi mais fácil, pois as mulheres já participavam do processo de organização. Assim, a partir de todas as observações identificadas, traçamos nossas estratégias para a execução do projeto.
2.1.4) Visitas Técnicas para Elaboração dos Projetos Produtivos
As visitas técnicas para a elaboração dos projetos produtivos teve como base o diagnóstico e o planejamento realizado na atividade anterior. Para elaboração dos projetos, foram priorizadas as atividades desenvolvidas de forma coletiva por grupos de mulheres e o melhoramento das condições de produção de forma individual e que desenvolvessem atividades estratégicas para a segurança alimentar e que atendessem aos princípios agroecológicos. Para elaboração dos projetos, cada unidade familiar foi visitada, os espaços onde seriam feitas as construções ou apenas melhoradas foram identificados, cada quintal ou área trabalhada pela família. Respeitamos a necessidade de cada mulher, tendo o olhar sobre o tempo, espaço e afinidade produtiva. Dessa forma foram, elaborados
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da primeira etapa do projeto produtivo, no momento orientávamos quanto à construção e execução, entraves e resultados do primeiro momento, em muitos depoimentos as mulheres colocavam a satisfação em estarem aplicando o recurso, para muitas era a primeira vez que saiam às compras para implementar uma atividade produtiva.
Era também observado se alguns dos materiais necessários para a construção ou reforma tinham no local, para diminuir os custos e poder investir ainda mais na atividade produtiva. Assim, a dedicação na elaboração dos projetos foi fundamental para atender às demandas e viabilizar o sonho de cada mulher.
A segunda visita foi realizada após a liberação da segunda parcela do fomento, nesse momento, realizávamos um momento de diálogo com as mulheres sobre as atividades que estavam sendo desenvolvidas, a contribuição para a soberania e segurança alimentar, identificação de entraves e discussão sobre a comercialização. A terceira visita foi a fim de visibilizar as mudanças geradas a partir da implementação dos projetos produtivos e acompanhamento técnico, contendo a situação da atividade produtiva e a comercialização, além dos resultados e orientações técnicas para melhoramento das atividades. Ao final de cada visita era emitido um laudo técnico da visita, contando como estava a situação e desenvolvimento da atividade. Em alguns momentos foi necessário fazer mais de uma visita para emitir um laudo da beneficiária, alguns projetos tiveram atrasos por falta de material, os fornecedores atrasavam a entrega, dificuldade em
2.1.5) Visitas técnicas individuais para acompanhamento/ monitoramento dos projetos produtivos e emissão do primeiro, segundo e terceiro laudo.
Foram três visitas técnicas realizadas para acompanhar a execução do projeto, sendo que a primeira foi após a liberação
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exatamente 240 projetos, tendo cada um sua especificidade, adequando a realidade de cada uma, não existiu nenhum projeto que fosse igual ao outro. Alguns projetos atenderam mais de uma atividade produtiva, outros dedicaram parte do recurso para o coletivo (construção do prédio de duas associações de mulheres) e a outra parte no individual.
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comprar os animais, pois orientávamos que fosse um animal adaptado às condições locais, no caso das galinhas que fossem caipiras, pois são mais resistentes às doenças e às condições climáticas.
2.1.6) Atividades Coletivas para Troca de Vivência de Projetos Produtivos
A troca de experiências constitui-se em uma das mais eficientes estratégias de construção do conhecimento, formação e sensibilização. Neste sentido, foram realizadas visitas de intercâmbio para que as beneficiárias do projeto conhecessem experiências consolidadas de produção e criação de animais. Em cada visita o grupo que estava recepcionando o intercâmbio falava sobre o processo de organização que haviam passado, quais tinham sido os desafios e avanços que o grupo passou, para que os exemplos fortalecessem as beneficiárias e tivessem à compreensão de que são muitas as dificuldades, porém, quando existe um processo de organização, tudo fica mais fácil.
2.1.7) Seminários Finais
Os seminários aconteceram nos municípios de Apodi, Campo Grande e Caraúbas. As mulheres beneficiárias de Itaú e Felipe
Guerra participaram do seminário no município de Apodi, por não ter espaço adequado nas respectivas cidades. O seminário foi a última atividade realizada durante a execução do projeto e permitiu uma avaliação geral do processo. Nesse momento foram identificados os resultados alcançados e as dificuldades encontradas, considerando o contexto da ação, o acesso às políticas públicas, as comunidades, a entidade executora, os projetos produtivos e a continuidade da ATER.
2.1.8) Recreação Infantil
Embora a recreação infantil não estivesse entre as metas do projeto, era uma atividade prevista e com orçamento para a sua execução. Essa acontecia paralelamente a todas as atividades coletivas como seminários e oficinas. Percebe-se que a falta de uma politica de creche para o meio rural altera o tempo das mulheres destinado à produção. Antes de 2011, o CF8 fazia o debate com as mulheres e apenas conseguia construir recreação infantil em algumas atividades de forma pontual. Assim, algumas deixavam de participar das atividades. Já outras levavam as crianças para as atividades, prejudicando sua participação na totalidade. Cuidar das crianças e participar das atividades ao mesmo tempo, sempre foi uma realidade das mulheres rurais do semiárido.
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A expansão dos projetos produtivos de diversas mulheres possibilitou o investimento em recursos além do fomento recebido, bem como por conta do aumento dos animais ocasionado pelo manejo adequado e aumento da reprodução. Em todas as comunidades tem mulheres conseguindo comercializar seus produtos, a exemplo das aves, ovos, suínos, batatas e bananas.
3) Discussão acerca dos resultados
O acesso às políticas públicas de comercialização, a exemplo do grupo produtivo de bananas na comunidade de Rio Novo que hoje se encontra com projeto aprovado de venda via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Além de comercializar em feiras.
Também identificamos o aumento da participação destas em atividades externas, como reuniões do sindicato, Marcha das Margaridas e Marcha Mundial das Mulheres, fortalecendo o diálogo, a reflexão e luta coletiva das mulheres em busca de sua autonomia econômica e por mais direitos.
Outra questão bastante importante que apontamos como resultado foi o fato da garantia da recreação infantil durante as atividades coletivas. Esta permitiu que as mulheres com filhos pequenos pudessem participar por inteiro, sem a preocupação de como estavam seus filhos e filhas nesses momentos, ou mesmo faltar às atividades pelo fato de não ter com quem deixá-los e deixá-las. Além disso, a recreação foi feita buscando sempre trabalhar com as crianças temas ligados aos debates feitos com as mulheres e também, discutindo a
O acompanhamento sistemático, as formações nas oficinas, as visitas e encontros realizados, contribuíram para o fortalecimento da auto-organização das mulheres e para a constituição de grupos de mulheres nas comunidades.
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Com base nas orientações e, sobretudo, no debate feito no CF8, montamos uma proposta de recreação infantil que contemplasse primordialmente três questões: a realidade das crianças rurais; uma recreação pautada na igualdade de meninos e meninas; uma recreação que pensasse na sucessão rural.A experiência tem condições de replicabilidade, desde que, esteja ancorada na educação geradora de igualdade para meninas e meninos; na realidade de cada comunidade onde esteja a execução, e na preocupação com a sucessão rural. Faz-se necessário ainda, metodologias baseadas na arte educação e educação contextualizada.
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importância e valorização do rural. Por último, aconteceram os seminários finais de Avaliação do Ater. Nesses trabalhou-se elementos como sentimento das mulheres em relação a ATER: expectativas iniciais e o momento atual, resgate das ações e identificação dos resultados, dificuldades e desafios. Em relação aos seminários observou-se a avaliação das mulheres das diferentes comunidades de cada município atendido. Esses momentos promoveram intercâmbio, além de um olhar geral sobre o trabalho durante esses quase dois anos, bem como a identificação dos impactos causados na vida das mulheres, conforme afirmação delas próprias.
3.1) Avaliação do ATER do Ponto de Vista das Técnicas
Complementar ao processo de avaliação das mulheres beneficiárias, realizamos uma oficina/grupo focal para avaliação da nossa prática de Ater com o objetivo de refletir sobre a abordagem feminista feita pelo CF8 e como isso influencia no processo de autoorganização das mulheres. Identificamos a nossa prática em ATER como feminista e agroecológica e que essa é voltada para
a construção da autonomia das mulheres. Dividimos essa avaliação em 4 pontos: 1) Qual o aprendizado do CF8 na execução de ATER? 2) Qual nossa identidade na execução? 3) Quais as dificuldades encontradas? 4) Quais os desafios de uma ATER feminista?
3.2) Identidade e Aprendizados
Um dos aprendizados no desenvolvimento do ATER em relato foi compreender que uma meta de qualquer projeto deve, para ter efeito real, dialogar com a vida das mulheres, com seu tempo e suas necessidades. Isso pode ser o que diferencia a nossa prática de ATER. Ter esse olhar, compreender a vida das mulheres como parte de um sistema patriarcal que desvaloriza seu trabalho e suas capacidades e tem o seu tempo de trabalho como inesgotável é fundamental para, então, poder transformar suas vidas. O fato de sermos técnicas mulheres que também sofremos com o patriarcado e a divisão sexual do trabalho nos aproxima e possibilita dialogar com as realidades das mulheres. “Aprendemos a olhar, pensar, repensar e mesmo alterar as metas, sem deixá-las de cumprir, mas readequando-a à realidade vivenciada pelas mulheres”, afirma IVI Aliana técnica do Centro Feminista.
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Dessa forma, também “nos colocamos nos processos de opressão e de mudança, assim não nos sentimos superiores porque somos as técnicas, mas nos sentimos parte de um todo e assim também transformadoras da realidade”, relata uma das técnicas do Cf8. Dessa forma, “não existe o eu técnica ‘aqui’ livre de opressão e as mulheres beneficiárias ‘lá’, as oprimidas, somos juntas oprimidas e lutadoras”, é assim que se identifica Antônia Mábia agrônoma do CF8. “Não nos sentimos como se soubéssemos tudo, como quem vai depositar conhecimentos”. Com isso, concluímos que, com o trabalho de assessoria técnica as mudanças não ocorrem apenas na vida das mulheres com as quais trabalhamos, mas ocorre na vida das técnicas também, pois há um aprendizado constante e mútuo entre as mulheres e as técnicas, sobretudo por todas terem a Marcha Mundial das Mulheres como referência de feminismo e de luta, todas se sentem militantes e companheiras em um movimento que nos
permite ter uma identidade coletiva nosso papel é buscar sempre a melhor forma para construção coletiva do conhecimento, nós facilitamos processos. Buscamos romper com as barreiras pessoais e familiares e institucionais para obter o reconhecimento de seus problemas e demandas, como já afirma Siliprandi e Cintrão (2015, p. 589).
3.3) Dificuldades e Desafios
Foram muitos os aprendizados, no entanto, enfrentamos também algumas dificuldades. A equipe técnica avaliou que houve dificuldades durante a execução da ATER e essas passaram por: a) Iniciar um ATER em uma comunidade que não tenha processo de organização é muito difícil, envolver as mulheres, fazer com que se sintam parte do processo, que passem a acreditar e confiar no trabalho/proposto é um desafio. E para vencer essa dificuldade é necessário muita responsabilidade e seguir os princípios que acreditamos quanto uma instituição feminista. b) Fazer parte de uma assessoria feminista nos fortalece, porém, nos traz grandes desafios, pois nos deparamos em alguns momentos de nosso trabalho com a divisão de espaço com outras instituições mistas que executam ATER, e isso, gera uma falta de reconhecimento como técnicas que trabalham e desenvolvem à produção. É como se, somente os homens pudessem
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Na assessoria técnica sabemos que temos o papel de contribuir com a produção, a organização, a formação, e ainda com o debate no qual as mulheres possam se sentir parte do processo de construção social, de maneira que estejam interligadas com o mundo e percebam que a opressão é um processo global e que se materializa a partir da divisão sexual do trabalho.
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realizar esse tipo de trabalho. Somos vistas como muito boas para trabalhar na autoorganização e na mobilização, a produção aparece como somente coisa feita por técnico homem. Talvez a maior dificuldade na execução do ATER tenha sido a realização das atividades coletivas, mesmo tendo aproximadamente intervalos de 2 meses de uma atividade para outra, reunir as mulheres nas oficinas por dois dias consecutivos, tirando-as do trabalho produtivo, doméstico e do cuidado era muito difícil, dificulta a execução dos projetos e a autoestima das mulheres. E para vencermos essas dificuldades entendemos que as políticas públicas precisam ser feitas e elaboradas entendendo o tempo das mulheres, reconhecendo o espaço vivido como importante. O fato de sermos uma equipe técnica formada somente por mulheres e os anos de atuação no acompanhamento a grupos de mulheres, nos faz refletir sobre as atividades e a vida das mulheres, fazendo com que em alguns momentos a partir das necessidades das mulheres, desmembrássemos uma oficina de dois dias consecutivos e realizasse em dias separados, porém dentro do prazo. Mas, dessa forma garantíamos a participação das mulheres e tínhamos um bom resultado. Como o projeto previa a realização da recreação com os filhos e filhas das
mulheres para quebrar a realidade/rotina comum de cuidar das crianças e ao mesmo tempo participar de reuniões, eram então realizadas atividades lúdicas pedagógicas com as crianças, material variado que atendia a necessidade de crianças até 10 anos de idade. Porém, a falta de espaço para a realização era o problema, pois em algumas comunidades não tinha local para a recreação, muitas vezes as crianças ficavam no mesmo espaço que acontecia a atividade com as mulheres, e por, mas que as monitoras desenvolvessem várias atividades para entreter as crianças, era muito barulho, as crianças menores ficavam indo até mãe dificultando o andamento da oficina. É cada vez mais evidente que a falta de politicas públicas que atendam a educação infantil torna mais precária a educação no meio rural. O fato da ATER ter uma demanda constante de atividades e metas a serem cumpridas, não possibilita trabalharmos algumas ações que vão sendo identificadas ao longo da execução, como é o caso do grande número de mulheres que tomam antidepressivos nas comunidades rurais, os casos de violência contra mulheres identificados através das crianças durante as recreações, como também o uso de drogas por jovens. Pensando na parte burocrática do ATER, consideramos que o SIATER (Sistema Informatizado de Assistência Técnica e
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3.4) Sugestões para Atuação
As possibilidades de foi também parte da avaliação realizada pelo CF8 com as agrônomas e técnicas do social e sobre essa dimensão avaliativa elas consideraram que em ações futuras é imprescindível que: se permitam “dar conta de outras demandas que aparecem durante a execução de uma ATER para além das metas expressas no projeto,” pois geralmente são “demandas apresentadas pelas mulheres; que a melhoria das relações de parceria com as universidades e com outros parceiros institucionalmente qualificados e creditados sejam considerados sempre que necessário; e que elas próprias busquem se “reafirmar enquanto técnicas diante de outras instituição, a sociedade e com as próprias mulheres com as quais trabalham”. Quanto ao diferencial na execução da ATER a equipe técnica considera ser essenciais: as parcerias com a Universidade e outras instituições; a participação ativa nas
dinâmicas dos colegiados nos territórios e em suas conferências; a integração das ações políticas do CF8 com a vida das mulheres; e principalmente, o trabalho realizado com temas importantes e sustentáveis com as mulheres, tais como: a agroecologia, a economia solidária, o feminismo, a autonomia financeira entre outros. A equipe também teceu considerações acerca da avaliação e apontaram que: “foi um momento que proporcionou sentar para refletir sobre nossa ação, a vida das mulheres e suas próprias vidas;” há a necessidade de “registrar/sistematizar mais as experiências do CF8;” as “falas se complementam, sobre um processo feito por mulheres e para mulheres, em uma construção coletiva;” e ainda que: “a criação das oficinas e reuniões no escritório como uma ação coletiva deve ser replicada no processo de trabalho com as mulheres.” Por fim, consideraram que: “a ATER com “fomento” facilitou a execução e deu muitos resultados positivos e concretos, tanto na produção como na organização local, pois foi mais além com a Marcha das Margaridas e a 4ª Ação da MMM.” Para nós, o momento da avaliação “serviu para que percebêssemos com mais clareza que em muitos momentos sofrem opressão por técnicos de outras instituições”, mas que,
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Extensão Rural), em alguns momentos se torna muito lento e dificulta o nosso trabalho. Além de não devolver nenhuma informação quantificada e/ou qualificada para mudanças no processo de execução, para facilitar a divulgação das ações realizadas.
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“esse momento fortaleceu o trabalho” e isso as ajudará a encarar os desafios em futuras atuações.
projeto que disponibilizou recurso para aplicação em uma atividade produtiva feita exclusivamente por mulheres.
4) Conclusão
Espera-se que esse relato da forma como sistematizado possa contribuir não apenas para divulgar a experiência, mas para disseminar o trabalho realizado por mulheres com mulheres no sentido de reforçar a capacidade de assessoramento técnico em instituições que se voltam para a quebra de barreiras sociais que impedem o desenvolvimento e a autonomia de muitas mulheres, bem como a capacidade produtiva dessas.
Essa ATER foi desafiadora e gerou muitos frutos. Iniciamos em uma área nova de atuação com o propósito de adotar a mesma metodologia dos projetos anteriores: trabalhar a autonomia econômica das mulheres a partir da auto-organização e também pelo fato de ter associado à assistência técnica ao fomento, pois como pode ser reafirmado foi o primeiro
5) REFERÊNCIAS Grupo Focal com as técnicas do cf8 realizado em dezembro de 2015. MEDEIROS, Rejane Cleide e SILVA, Antônia Mábia Zulina de Oliveira. A perspectiva feminista e a agroecologia na assessoria técnica realizada pelo Centro Feminista 8 de março. In: MOURA, Maria da Conceição Dantas et al. (Org.). Economia Feminista: mulheres rurais e políticas públicas. Mossoró: Edufersa, 2015. p. 89-116. CENTRO FEMINISTA 8 DE MARÇO. Relatórios dos Seminários Finais da ATER para Mulheres. Ministério do Desenvolvimento Agrário MDA. Arquivo CF8, Mossoró 2015. SILIPRANDI, Emma e CINTRÃO, Rosângela. Mulheres rurais e políticas públicas no Brasil: abrindo espaços para seu reconhecimento como cidadãs. In: GRISA, Catia e SCHNEIDER, Sergio (Org). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2015, p. 571-592. CAIXA ECONIMICA FEDERAL. PROGRAMAS SOCIAIS. Disponível em: http://www.caixa.gov.br/ programas-sociais/fomento-atividades-rurais/Paginas/default.aspx. Acesso em: 23/04/2016.
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QUANDO AS PERSPECTIVAS FEMINISTA E AGROECOLÓGICA SE JUNTAM PARA DESVENDAR A DESIGUALDADE E A OPRESSÃO DAS MULHERES ¹Magnólia Azevedo Said
"Aprendi a criar e a desenvolver minha produção. Aprendi sobre a união da comunidade. Muitas mulheres aprenderam sobre seus direitos nas reuniões” "A gente vivia muito na submissão e vocês mostraram que o que o homem pode fazer, a gente pode também. Aprendemos muito sobre igualdade” "Eu tinha que sair no meio da reunião para fazer comida pro meu marido. Hoje em dia não faço mais isso”
Apresentação
Assumir o desafio de sistematizar experiências com projetos de assistência técnica para mulheres – Ater Mulheres, nos possibilitou identificar em que medida a atuação do Esplar tem contribuído para fortalecer a condição de sujeito das mulheres beneficiárias desses Projetos. Debruçar-se sobre o material recolhido para a sistematização (textos, projetos, análises produzidas, rela-
tórios parciais, entrevistas, avaliações...) nos mostrou que quem reflete sobre sua prática institucional, levando em conta outros olhares no trabalho da assistência técnica, tem muito mais possibilidades de avançar na consecução dos objetivos para os quais se dispôs. Nesta sistematização, fomos buscar o que experiências de Ater-Mulheres trazem de significativo para influenciar outros processos de aprendizagem, ou seja, em que medida esse trabalho tem contribuído para que mais mulheres trabalhadoras rurais possam conquistar autonomia financeira e formular e reivindicar políticas públicas de interesse deste segmento da população. No percurso, além de conversas com as técnicas que executaram os projetos, entrevistamos algumas agricultoras². De acordo com a educadora Alzira Medeiros “.... a sistematização de experiências vai nos permitir ver se aquilo que a gente vem fazendo, é realmente o que queremos fazer
¹ Advogada, técnica do Esplar, coordenadora do Projeto Ater-Mulheres ² Eliane Fragoso Maciel e Maria Alves Pinto, comunidade Jantar, município de Boa Viagem. Antonia Lopes, comunidade Laranjeiras, município de Itatira. Francisca Rocha Florência e Eliane Ferreira dos Santos, comunidade Ipueira dos Gomes, município de Canindé.
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de mulheres.
Uma vez que a reflexão presente no processo de sistematização coletiva é de ordem individual, esperamos contribuir para que o Esplar e outras instituições tomem esta iniciativa como mais um instrumento de reflexão sobre práticas político-pedagógicas na articulação entre feminismo e agroecologia.
Esta sistematização refere-se ao trabalho de gênero numa perspectiva feminista e agroecológica, desenvolvido pelo Esplar através das “Chamadas” de Ater para Mulheres (entre os anos de 2010 e 2015) em comunidades localizadas em 11 municípios das regiões Norte, Sertão Central e Sertões de Canindé. Estas regiões estão localizadas no semiárido cearense e se distanciam significativamente umas das outras.
Trata-se de provocar a reflexão crítica do leitor e da leitora sobre assistência técnica a mulheres em condições de vulnerabilidade, combinada com a discussão sobre a produção agroecológica e o feminismo, onde a inserção das mulheres é pouco visibilizada e se processa de forma subordinada. Enfim, que este produto seja significativo no sentido de para um passo a mais na difícil tarefa de romper com as consequências do patriarcado na vida das mulheres.
1) Introdução
O Centro de Pesquisa e Assessoria - ESPLAR é uma organização não governamental fundada em 1974. Atua no semiárido cearense com atividades voltadas para o fortalecimento das organizações de agricultores e agricultoras familiares e promoção da igualdade de gênero em uma perspectiva feminista. Possui uma vasta experiência no campo da agricultura familiar e da agroecologia, atuando com grupos mistos e grupos
Uma experiência foi desenvolvida entre os anos de 2010 e meados de 2013 em 8 municípios de duas regiões do Estado (Norte e Sertão Central). Teve como objetivo capacitar 20 agricultoras multiplicadoras em temas relacionados à agroecologia com foco no feminismo, de modo que estas tivessem condições de repassar conhecimentos e influenciar 22 grupos de mulheres, num total de 264 agricultoras que vivem em comunidades e assentamentos rurais, desenvolvendo práticas agroecológicas. A partir desse grupo, pretendíamos tanto consolidar e potencializar práticas agroecológicas como fomentar a organização política das mulheres. A outra, desenvolvida entre os anos de 2013 e 2015 no território dos Sertões de Canindé (também Sertão Central) envolveu 6 municípios e 240 mulheres agricultoras em situação de extrema pobreza. Nesta, o Esplar realizou assistên-
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enquanto prática institucional.”
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cia técnica às mulheres que estariam recebendo um fomento para a implantação de quintais produtivos, além de sensibilizá-las nos temas relacionados à agroecologia e ao feminismo. Esperava-se despertar nas mulheres, tanto uma mudança de comportamento em suas práticas agrícolas, como o desejo de se articularem como grupo capaz de lutar por políticas públicas para suas comunidades. No período compreendido entre as duas intervenções, fatores importantes influenciaram diretamente na realização das atividades: - Processos eleitorais, que não se resumem ao mês da eleição e o envolvimento das pessoas no que já se convencionou chamar de “balcão de negócios”, ou seja um voto, um preço. - O início de mais um ciclo de seca no Ceará, em especial no ano de 2013, reforçado pela má distribuição dos recursos hídricos na região. Esse acontecimento produziu impactos danosos na vida cotidiana das mulheres, por serem responsáveis, em grande parte, pela busca de sobrevivência para suas famílias - água e alimento. Sem diferir de outros municípios nordestinos, os municípios definidos para a realização das Chamadas de Ater, ou seja, projetos de assistência técnica para mulheres possuem limitações que devem ser consi-
deradas: A primeira diz respeito à “cultura cristalizada do assistencialismo” que, somada ao sentimento de beneficiamento individual, fortalece as desigualdades sociais à medida que cria na população um alto grau de dependência, impossibilitando-a de exercer, ainda que limitadamente, a sua cidadania. Dessa forma, a questão social é reduzida apenas à sobrevivência das pessoas, ao invés de promover cidadania. A ausência histórica de processos organizativos das mulheres em alguns municípios e a tímida existência em outros, seja do ponto de vista político ou econômico é outro fator que merece destaque. O isolamento faz com que as mulheres permaneçam sem (ou com pouca) capacidade de conhecer e perceber os seus direitos, reivindicá-los e legitimá-los. Mesmo que em alguns desses municípios tenha crescido a participação de mulheres nos sindicatos, esse fato não tem significado efetivas relações igualitárias de poder. A inexistência de iniciativas de geração de trabalho e renda que levem em consideração: a produção e a valorização do trabalho das mulheres a um preço justo; espaços de comercialização adequados; condições de igualdade em relação aos homens nas práticas de comércio - ou seja, atividades de comércio baseadas em relações de gênero injustas, fazem com que as mulheres
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Para chegar “nesse lugar” o trabalho de assistência técnica do Esplar, deveria fomentar processos em que as mulheres pudessem refletir criticamente sobre suas vidas, seus trabalhos, suas relações sócioafetivas e desenvolver um conhecimento capaz de ser multiplicado. Para que elas se sentissem inseridas no desenvolvimento a partir de sua autovalorização como sujeito de direitos e do reconhecimento de seu trabalho produtivo e reprodutivo, em cada projeto foi dada determinada ênfase.
Outro fator que deve ser considerado é a limitação administrativa, institucional e financeira das gestões municipais no que se refere à implantação e operacionalização de políticas específicas para as mulheres, aliada à ausência de compromisso político dos gestores.
No primeiro, nos propusemos a capacitar em diferentes temas relacionados à agroecologia - articulando teoria e prática - 20 Agricultoras Multiplicadoras, de modo que estas pudessem repassar conhecimentos a grupos de mulheres que vivem em comunidades e assentamentos rurais; e fortalecer a organização e a articulação política dessas mulheres numa perspectiva feminista e agroecológica. Estas, por sua vez, realizariam um trabalho de formação e acompanhamento a grupos de mulheres que vinham se organizando e desenvolvendo práticas baseadas na agroecologia.
Considerando esse contexto e nosso desejo de transformar uma realidade de desigualdade e opressão vivenciada pelas trabalhadoras rurais do semiárido cearense, elaboramos dois projetos de Ater nos períodos já descritos, em que, contando com a possibilidade da organização das mulheres e do fortalecimento de seu trabalho produtivo, fosse favorecida tanto a multiplicação de práticas agroecológicas como uma articulação política que as levasse a lutar por garantia e acesso a direitos.
No segundo, tendo como foco a valorização da atividade produtiva das mulheres relacionada à reflexão sobre as desigualdades de gênero, nos propusemos a realizar um conjunto de atividades de capacitação e acompanhamento ao processo de imple-
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permaneçam com uma baixa inserção no mercado local, além de perpetuar a invisibilidade e desvalorização do seu trabalho, impossibilitando-as de intervir na sociedade de modo produtivo. Um elevado índice de violência doméstica, alimentado pela precariedade e/ou ausência de equipamentos sociais e de proteção à mulher - apenas um deles possui Delegacia Especializada de Proteção à Mulher - representam igualmente, uma barreira à sua segurança individual.
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mentação de seus quintais produtivos e de sensibilização e informações sobre a opressão de gênero e os mecanismos que poderiam ser usados para sua superação. Nossa estratégia era, desde a dimensão sistêmica da agroecologia, combinada com ideias emancipatórias, contribuir para que as mulheres se sentissem empoderadas o suficiente para, a um só tempo, enfrentar situações de opressão e violência e fortalecer práticas agroecológicas em suas atividades produtivas. O Esplar assumiu a realização de projetos de Assistência Técnica e Extensão Rural, no caso específico com mulheres rurais – Ater Mulheres tendo em vista uma demanda constante das mulheres produtoras tanto por atividades de formação como por um apoio financeiro para iniciar e/ou potencializar sua produção. Por outro lado, os projetos com os quais o Esplar se envolveu, estavam relacionados à sua missão institucional de contribuir para o fortalecimento das organizações de trabalhadores/as e movimentos sociais que atuam na área rural. Embora com ações superdimensionadas em relação aos períodos definidos nas “Chamadas” (apenas 1 ano ou no máximo 2 anos) e as atividades previstas viessem com um conjunto de regras, além de exigências na realização de um determinado número de cadastramentos de PAA/PNAE distantes da realidade das mulheres, o Esplar não so-
freu interferência na metodologia utilizada, o que facilitou o cumprimento do conjunto das atividades definidas nos projetos. São mais de 28 anos de trabalho com mulheres, iniciado com o debate sobre as questões de gênero. Em seguida, o Esplar incorpora a abordagem feminista, aprofundando a discussão sobre as relações de poder. Na última década, assume a convicção de que o feminismo é base constitutiva para a libertação das mulheres e para a efetivação da agroecologia como paradigma de fato, sistêmico. Vimos que era importante para a qualidade do trabalho a ser realizado, garantir para o conjunto de técnicas e técnicos, diretrizes institucionais de gênero. Mas a ação do Esplar com esse recorte vem sendo realizada prioritariamente por técnicas mulheres. Percebemos que por mais sensível que um homem seja, ele tem dificuldade de se ver em situações de opressão em consequência das desigualdades de gênero. Foram estabelecidas 13 diretrizes, com tratamento diferenciado para as técnicas em campo, no que se refere à prioridade dos melhores carros; garantia de passagem em dois assentos em caso de viagens sozinhas à noite e prioridade de férias em período escolar, dentre outras. No entanto, ainda é um desafio colocar algumas dessas diretrizes em prática, devido aos limites financei-
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Nossa perspectiva de atuação sempre foi olhar para as mulheres trabalhadoras rurais, jovens, negras, idosas... não apenas como produtoras. Acreditamos que o feminismo possibilita fortalecer a perspectiva do empoderamento e da auto-organização das mulheres, embora transformações em suas realidades só sejam possíveis com o enfrentamento ao patriarcado e ao machismo, onde o apoio e a solidariedade entre as
mulheres torna-se fundamental. Para qualificar e garantir a participação das trabalhadoras, buscamos adaptar nossos horários ao tempo dos trabalhos desenvolvidos pelas mulheres. Tendo em vista serem comuns as ausências nas atividades previstas, em função das desigualdades na divisão sexual do trabalho, durante as atividades, estávamos sempre problematizando a responsabilização apenas das mulheres pelo trabalho doméstico e de cuidados. Assim, disponibilizamos os serviços de recreadoras durante as atividades, para as crianças que acompanhavam suas mães, embora saibamos que são também as mulheres, as responsabilizadas por esse tipo de trabalho. Tendo em vista deixar técnicas/os sempre atualizados em relação às questões das mulheres, além de fazer a articulação com a questão racial, o Esplar viabiliza periodicamente, formação em gênero e feminismo, por considerar que a perspectiva feminista tem que se dar em todas as suas ações e não apenas nas atividades com mulheres. Diálogos com outros movimentos e Ongs também nos têm feito perceber que o aprisionamento promovido pelo patriarcado sobre as mulheres, ainda está a nos desafiar para novas investigações onde à teoria feminista se agregue a sociologia e a an-
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ros da instituição. À medida que o trabalho avançava, fomos nos dando conta de que a prática agroecológica não respondia aos problemas sociais e de gênero resultantes das relações que se estabelecem na unidade produtiva. Mais ainda, percebemos que a abordagem de gênero por si só não avançava na perspectiva libertária. Considerávamos que se a prática agroecológica era capaz de promover transformações nas relações de produção e se estas são relações de poder onde as mulheres estão historicamente em situação de desigualdade, uma leitura feminista daquela realidade, poderia contribuir para transformar os modos de sentir, pensar e agir das mulheres. A partir dessas reflexões, fomos buscar na teoria feminista as bases para compreender as diferentes vias de dominação e exploração das mulheres, como novos elementos para desvendar essa intrincada rede de dominação, poder e afetos.
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tropologia. Daí que faz-se necessário nos perguntar sobre a relação entre o tempo material e o imaterial, ou seja, a instigante relação entre o tempo e as conquistas, nos provoca pensar se os avanços alcançados até agora no plano da superação da desigualdade e da opressão, são risíveis ou são os avanços possíveis. Nos provoca ainda a pensar se é possível aproximar o tempo das necessárias mudanças estruturais na vida das mulheres, do tempo das prioridades estabelecidas no campo da política. Entraves de toda ordem nos levam a indagar se existem mudanças possíveis ou impossíveis para a vida das mulheres – entraves que atravessam os três poderes da República, entraves culturais e psicossociais. Já sabemos que indignar-se ativamente com as injustiças e a exploração, denunciar a violência, ter legislação específica, firmar abaixo-assinados, não são o bastante para transformar a vida das mulheres. Em um horizonte de liberdade e igualdade das mulheres por uma vida justa, o que bastaria? O poder e a participação já conquistados operam, de fato, transformações na vida das mulheres em relação a algo ou a alguém? Para nossa “paciência revolucionária” deveriam bastar os micropoderes? Os poderes secundarizados? Pois isso há sim: mulheres em cargos de secretarias nos sindicatos e associações, mulheres na pre-
sidência de alguns sindicatos, nas câmaras legislativas, fazendo representação, participando de mesas de negociação, dentre outros. Mas estes operam algum impacto no sentido de provocar mudanças qualitativas na vida das mulheres? Em geral, quando adentramos nesses lugares de poder, encontramos mulheres oprimidas, sem poder de fato ou reproduzindo a opressão para sobreviver. Além do mais, como a questão da divisão sexual do trabalho continua desigual, cabe avaliar quanto custa ocupar espaços de participação sem poder e que funcionam como um fardo a mais na vida das mulheres. É recorrente encontrar mulheres que se dizem empoderadas, assumindo toda a carga da reprodução e submetendo-se ao receituário machista, embora em alguns momentos estejam em lugares de poder. Esses dois grandes entraves a mudanças significativas na vida das mulheres com as quais trabalhamos, configuram tanto sua participação limitada na vida sociopolítica e econômica do lugar no qual estão presentes, como se refletem em sua autoestima, ao ponto de acharem que é uma fatalidade. Na verdade, micropoderes não podem significar paralisia, estagnação e sim, acúmulos para que se possa superar uma situação estrutural de injustiça. Para as mulheres com as quais trabalhamos, em muitas é evidente o que chamam de “empoderamento”. No
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É evidente a tensão imposta pela divisão sexual do trabalho, seja no plano da organização das mulheres para o trabalho produtivo seja na sua inserção no mercado formal, a par dos avanços principalmente na formação de grupos de mulheres que levaram aos quintais produtivos, na organização de feiras e nos intercâmbios com outras experiências. Isto ocorre porque o tipo de comercialização que em geral praticam, como a venda de doces, ovos, queijos, hortaliças, não demanda um afastamento ou uma desobrigação com suas atividades reprodutivas. É por isso que essa atividade, considerada “marginal” ou subsidiária, é aceita pelos homens. Romper com essa lógica significa a possibilidade da independência, da liberdade, a possibilidade e o poder de tomar decisões sem a tutela masculina. É esse o grande desafio e a responsabilidade demandada para uma ação de assistência técnica. Por ouro lado, o trabalho reprodutivo, por ser visto como uma atividade intrínseca à condição da mulher no mundo, não tem vínculo monetário. Además de tudo isso, algumas políticas públicas e projetos de desenvolvimento são elaborados e executados de modo a reforçar a tradicional divisão sexual do trabalho, responsabilizando as mulheres pelas atividades reprodutivas. Muitas vezes, a busca de “inserção” das
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entanto, o lugar destas no comunitário, no local, na sociedade continua o mesmo. “A mulher é o negro do mundo”, já dizia John Lennon. Essa condição mantém a opressão de sexo, de gênero e a divisão sexual do trabalho, instrumentos de dominação do capital. Empoderadas, mas sem poder, elas dizem que agora sabem que podem fazer muito. Com o nosso apoio, elas se encheram de conhecimento, força, coragem. O que fazer com essas potencialidades? Como fazer para, a partir daí, se confrontarem com os vetores das desigualdades? 'O Esplar, nesses anos todos, contribuiu para serem visíveis nas mulheres, a perda da timidez, a qualidade da intervenção, a capacidade de fazer representação institucional nos espaços de diálogo político, a capacidade de saber que podem realizar a atividade que queiram; de se inserir no mercado formal; de serem gestoras. Contribuiu para que tantas outras conquistas fossem incorporadas na vida das mulheres. Mas como trazer um cunho libertador a essas conquistas, resguardadas pelo respeito à autonomia das mulheres e balizadas pelo direito a ter direitos? Será que conquistar direitos como fruto da organização coletiva, tenderia a resultar em cisões nas estruturas patriarcais que sustentam a organização da vida social e as relações de gênero? Qual o “plus” necessário para que isso aconteça?
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mulheres nestas políticas e projetos se dá a partir da utilização das habilidades tradicionais femininas e do trabalho não remunerado delas, para a promoção do desenvolvimento familiar e/ou comunitário. É provável que tendo um suporte efetivo no campo da proteção jurídico institucional que lhes provenha a autonomia e a garantia do direito ao seu corpo; tendo condições para desenvolver e aprimorar seu potencial produtivo através do fortalecimento e incentivo à sua organização e intervenção política, estas consigam se reconhecer, ser reconhecidas e respeitadas nos processos produtivos e de inserção nos mercados. Caso a efetivação desses direitos esteja calcada numa estratégia política de reconhecimento das mulheres como sujeitos do desenvolvimento, com ações de governo interinstitucionais e integradas, essa perspectiva torna-se ainda mais provável. Portanto, se não é pela via do direito, a possibilidade de empoderamento das mulheres poderia ser buscada mediante novos acordos na relação que estabelecem na família. A não ser que conscientemente, se entregar a uma posição de desigualdade, seja uma escolha das próprias mulheres, ao invés de realizar ações em proveito delas próprias: lazer, estudo, cultura, descanso, participação política, relacionamento amoroso. Quem vai recompor e como recompor esse passivo?
2) Como tudo aconteceu As histórias e/ou vivências que vamos sistematizar, considerando todo o percurso feito pelo Esplar no campo da agroecologia e do trabalho com mulheres, procuram descrever e analisar o que vimos, escutamos e sentimos. Desde a sua concepção, nos dois projetos de Ater Mulheres embora houvesse um modelo produzido pela Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA a ser seguido, tentamos fortalecer política e economicamente as mulheres, a partir das matrizes agroecológica e feminista. Seus objetivos eram: 1- Capacitar 20 multiplicadoras agroecológicas de oito municípios do semiárido, para que possam realizar atividades de formação e acompanhamento a 22 grupos de mulheres - todas na condição de extrema pobreza - a fim de que esses grupos passassem a desenvolver uma produção baseada na agroecologia e, ao mesmo tempo, fortalecer sua auto-organização. 2- Promover ATER e capacitar 240 mulheres que vivem em situação de extrema miséria, para que se fortaleçam, tanto no plano econômico como político, de modo a terem capacidade de se inserir no mercado e ter acesso à políticas públicas.”
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Em algumas comunidades onde o Esplar já atuava, as mulheres escolhidas para serem multiplicadoras agroecológicas dispunham de relativo conhecimento sobre agroecologia e feminismo sendo referência em suas comunidades, tanto no que se refere às práticas agroecológicas como em relação a atitudes pela igualdade de gênero. Nas comunidades onde o Esplar estava chegando pela primeira vez, a agroecologia era desconhecida ou havia alguns resquícios de práticas agroecológicas. Em relação às questões de gênero, foi tudo muito novo. Antes da Ater, as mulheres não se questionavam sobre a divisão sexual do trabalho, por exemplo. Em nosso primeiro contato com as comunidades, nos deparamos com a seguinte situação: trabalho produtivo desvalorizado; dificuldades de acesso a projetos governa-
mentais; precárias condições de vida e de disponibilidade de água; não inserção nos mercados formais para a venda do produto de seus quintais; frágil articulação com movimentos de mulheres; falta de experiência de reuniões coletivas; distanciamento em relação à articulação com a coordenadora estadual de políticas para mulheres da Federação de Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Ceará e em relação aos sindicatos; alto índice de violência doméstica; acesso dificultado aos serviços públicos; quase nenhum equipamento cultural nas comunidades, em especial aqueles relativos ao lazer. Vimos claramente que a desigualdade na divisão sexual do trabalho seria uma barreira difícil de ser rompida, somada à naturalização da violência, em especial a psicológica, esta ainda não reconhecida por elas como tal e, portanto, difícil de ser superada. Em virtude da escassez de água, as mulheres tiveram sérias dificuldades para manter suas atividades produtivas. Esse fato repercutiu também em questões relacionadas a gênero, ou seja, alguns conflitos ficaram mais expostos, como mulheres querendo sair de casa para participar de atividades de formação e/ou de mobilização por direitos sem poderem sair, dado o aumento da atividade reprodutiva, ou ainda, pouco tempo para se inserirem em grupos/movimentos de mulheres.
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Para alcançar esses objetivos, além do acompanhamento e capacitação em práticas agroecológicas, a equipe realizou oficinas sobre os seguintes temas: agroecologia, gênero e feminismo, políticas públicas e direitos das mulheres, sementes e soberania alimentar, água, justiça ambiental, programas governamentais e organização coletiva. Por outro lado, sabíamos que o desafio de tornar realidade os projetos de Ater, esbarrava em questões de ordem cultural e estrutural.
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Considerando um contexto desfavorável ao “avanço” das mulheres, cabe destacar que nos locais onde a água era escassa, ao invés de esse dado favorecer o interesse, a equipe técnica teve dificuldades para sensibilizar as mulheres sobre a importância de se envolverem com a ATER. Ao contrário do que ocorria nas comunidades em que havia água, que eram próximas às cidades e as mulheres tinham alguma relação com os sindicatos. Mas a maioria entrava em contato com os temas abordados, pela primeira vez. Diante desse quadro, a equipe assumia o desafio de contribuir para melhorar as condições de vida das mulheres e ao mesmo tempo, refletir com elas sobre sua condição de subalternidade e opressão em relação aos homens, puramente por uma questão cultural e, portanto, passível de ser modificada. Sabíamos que nossos objetivos e metas se confrontariam diretamente com a dura realidade nordestina, onde a vida social, política e econômica tem sido, historicamente, dominada e praticada pelos homens; onde as mulheres não são vistas em seus municípios como protagonistas do desenvolvimento; seu trabalho continua sendo desvalorizado e não reconhecido; e sua participação na política e na economia é pequena, muitas vezes submetida a um jogo político e a regras de mercado muito mais injustas com as mulheres.
Além disso, as mulheres sempre foram vistas nas estratégias de desenvolvimento de forma focalizada e subordinada, tendo seu potencial subestimado quando se trata de pensar sobre de que forma suas questões/ necessidades estão e podem se inserir em uma política de desenvolvimento que venha superar e/ou diminuir as desigualdades. Em oito municípios, a assistência técnica/acompanhamento e capacitação para as mulheres das comunidades, foi realizada pelas multiplicadoras agroecológicas que, ao mesmo tempo em que recebiam a formação em agroecologia e gênero pela equipe do Esplar, transferiam as orientações recebidas a outras agricultoras na perspectiva, inclusive, de que elas passassem a se organizar em grupos. Em seis municípios, essa assistência e capacitação foram realizadas diretamente pela equipe do Esplar para as 240 mulheres em situação de extrema pobreza. Embora as técnicas do Esplar tivessem a seu favor, a experiência com os temas e uma metodologia de caráter educativo, com ênfase na aplicação dos saberes cotidianos, promovendo (ensinando e aprendendo) uma apropriação coletiva do conhecimento, tinha contra si uma base cultural patriarcal, viciada e naturalizada em relação ao papel do homem na sociedade e em relação à política local, aliada à cultura cristalizada do assistencialismo.
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3) Ideias novas para rom: per com o "costume" que nos aprisiona
As variadas formas de violência pelas quais as mulheres passam cotidianamente, pode ser considerado o fator que mais contribui para que elas tenham dificuldade de superar as desigualdades de gênero no âmbito político, social e econômico. Durante anos a violência vem se alimentando da impunidade dos agressores, facilitada pelo silêncio e conivência da sociedade.
Ainda é comum ver no campo, a mulher encostada à mesa, de pé, enquanto o homem come a refeição. Na verdade, imaginar uma vida digna e plena para as mulheres em uma sociedade marcada pela desigualdade e pela violência é ilusão. Considerar, portanto, uma questão de direitos humanos superar a sua naturalização, desde o âmbito privado ao público, exigiu da equipe um esforço maior de leitura, dedicação, reflexão e observação. Nesse sentido, entrar no universo lúdico, simbólico e real das mulheres, foi fundamental. Como então fazer para que através das ações de Ater, as mulheres viessem a se sentir de fato, fortalecidas política e economicamente, de modo que pudessem se tornar “senhoras” de seus destinos, assumindo sua condição de sujeitos do desenvolvimento? Estávamos conscientes de que as escolhas no campo da formação envolvendo metodologias, busca de afinidades e cumplicidades, jeitos de trabalhar, experiência, conhecimento da realidade das mulheres e de seus códigos, seriam determinantes para algum êxito relacionado aos objetivos das Chamadas de Ater. Procuramos combinar momentos de sensibilização com capacitação e práticas de campo, considerando os níveis de conhecimento das mulheres sobre as temáticas e suas capacidades de leitura, escrita e apreensão. Utilizamos dife-
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O reconhecimento e efetivação dos direitos das mulheres esbarrava nesse contexto, na indiferença da sociedade e na falta de vontade política dos governos locais, além de uma situação de seca recorrente, que limitava a capacidade produtiva das mulheres. A não existência de ações concretas relacionadas ao trabalho e à geração de renda que levasse em consideração as questões das mulheres resultava em uma baixa inserção destas no mercado local. Some-se a isso, um período reduzido para o exercício das atividades definidas no projeto, não deixando brechas para aprofundar, sequer criar, diante das potencialidades presentes. Como então “plantar aquelas sementes”, de modo que elas se regassem autonomamente?
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rentes metodologias de trabalho. O modo de fazer era discutido entre a equipe, levando-se em consideração a situação de cada grupo, fazendo o ajuste entre o que foi previsto e a realidade das mulheres, a partir de suas falas e vivências. A sensibilização se propôs a despertar para a existência de determinada situação de opressão, ficando a cargo de cada mulher assumi-la ou não como uma situação que precisa mudar. As capacitações, para além do conhecimento apropriado por todas as mulheres, possibilitaram tanto repassar o aprendizado na perspectiva de formação de outras mulheres como levar o conteúdo dos temas para suas questões cotidianas e/ ou para suas atividades de comércio. Fazendo o caminho também no caminhar, a equipe foi construindo um entendimento sobre formação, onde procurava relacionar diferentes dimensões: - A disponibilidade de informação crítica e de qualidade, que permitisse às mulheres construir opinião própria sobre o tema; - A produção de um conhecimento sobre o tema, capaz de provocar reflexão e desassossego diante do aparentemente irredutível; - A ação direta desde o local, a partir da organização e articulação, para conquistar políticas públicas;
- A construção coletiva dos saberes. As vivências de ação direta mostraram o quão importante é para as mulheres, estarem próximas a movimentos atuantes na cena pública; a possibilidade de perceberem o sentido da luta coletiva. Essas quatro dimensões sintonizadas, conformariam o que para as mulheres, após esses anos de Ater, parece se aproximar de: autonomia, independência, libertação. As mudanças ocorridas em suas vidas também foram reflexo do modo como o tema da formação foi tratado. Os contextos históricos, os perfis das instituições locais, as dinâmicas econômicas e político-associativas das mulheres, as situações de opressão e violência visíveis e não visíveis, tudo isso influenciou tanto numa maior ou menor prioridade à determinada questão como no jeito de tratá-la. Dedicar um tempo maior para aprofundar algum tema, decorreu do relato de situações de opressão concretas e/ou de injustiças e descaso praticados por entes públicos e vivenciadas pelas mulheres, como no caso da violência doméstica, da falta de um espaço coletivo para a comercialização da produção, da situação do transporte escolar. A cada atividade, refletíamos em equipe, tendo por base a atividade anterior, sobre a melhor estratégia para nos aproximarmos das necessidades das mulheres.
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Para atualizar, qualificar e fortalecer o trabalho a ser desenvolvido pelas equipes de Ater, definimos um processo de formação continuado que combinava uma agenda de aprofundamento sobre questões do contexto e temas das oficinas que iriam ser realizadas, com debates mais aprofundados a cada 2 ou 3 meses, a partir de textos ou vídeos sugeridos pela coordenação ou pelas técnicas. Esse processo se dava durante as reuniões de equipe e, por vezes, com pessoas convidadas.
4) Com que estado d'alma as mulheres estavam recebendo Ater
No projeto desenvolvido com as agricultoras multiplicadoras, em visitas às casas e quintais, estas identificaram várias dificuldades e problemas no que se refere às desigualdades de gênero e ao impacto da divisão sexual do trabalho. Escutaram histórias sobre violência doméstica, exploração, invisibilidade e desvalorização do trabalho
quanto ao sistema de pagamento (sempre de menor valor se comparado ao do homem), reclamações sobre falta de documentação e de acompanhamento técnico; mulheres endividadas; com seu cartão e recursos do Bolsa Família apropriados indevidamente pelos homens. Encontraram mulheres muito descontentes e com pouca expectativa de que suas vidas pudessem mudar. As principais motivações que levaram as mulheres a aceitar a proposta de trabalho com as multiplicadoras,foram: a situação de fragilidade dos solos que estava impactando na diminuição da produção; o uso do veneno, que estava trazendo prejuízos à saúde e aos solos; o lixo espalhado pelas comunidades, devido à ausência de coleta; as queimadas e os desmatamentos. Ausência de plantio coletivo e/ou consorciado e uso incorreto da água. Tudo isso aliado à demanda por “coisas práticas, imediatas, que tragam renda”. Com a efetivação das atividades previstas, estaríamos garantindo o que fora previsto no projeto e, ao mesmo tempo atendendo às necessidades das mulheres. A idéia de ganhar dinheiro foi o que as mobilizou, num primeiro momento, a participar, uma vez que ainda não conseguiam entender a importância dada a um processo de formação que favorecesse o engajamento na luta
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Em diferentes momentos a equipe compartilhou com as mulheres acontecimentos vividos relacionados a preconceitos, discriminação e desvalorização pessoal, para que cada uma pudesse ser vista como pessoas capazes de se deparar com os mesmos problemas que elas.
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por direitos. No imaginário delas, era difícil vislumbrar o “político”; elas só percebiam o “produtivo”. Assim, foi necessário pensar novas estratégias de abordagem, de modo a fazê-las perceber que o imediato pode durar pouco se não vem acompanhado de uma base político-organizativa. Aquelas em situação de extrema pobreza envolvidas com o projeto tinham dificuldade de entender a importância do trabalho coletivo e de processos organizativos, seja para a produção seja para a intervenção política. Eram agricultoras sem vivência organizativo-sindical. Demonstravam desinteresse em relação a alguns temas das Oficinas (isso ocorreu com mulheres que nunca tiveram assessoria do Esplar); estavam acostumadas a esperar que chegassem projetos para melhorar suas vidas, mas não faziam esforço para tal. Viviam situações de violência doméstica, opressão e acreditavam que essa situação não poderia mudar; tinham uma enorme dependência do marido; não participavam de espaços de decisão como: sindicatos, reuniões escolares, reuniões de igrejas; não viam sua produção como trabalho; algumas não produziam. Havia uma forte dependência do político local. Some-se a isso, a precariedade dos serviços públicos (creches, escolas, atendimento médico.) que não eram reconhecidos como um direito; Todo esse quadro contribuiu para que tivessem uma resistência inicial
em participar do projeto. Chegamos como estranhas mas, com o tempo, fomos sendo depositárias da confiança daquelas mulheres e até cúmplices de seus processos de libertação.
Como ser livre num coti: diano de opressão - Limita: ções e Dilemas
Há pelo menos seis anos, o Esplar vem se deparando, com dúvidas e inquietações no trabalho com mulheres. Isso tem estado mais presente quando se trata dos projetos de cisternas e de Ater. Para as técnicas que executaram o Ater Mulheres, um dos principais dilemas estava na relação entre o alcance dos objetivos estabelecidos e o tempo de duração dos projetos. A questão era: estar realizando um trabalho com mulheres por um curto período, torna possível mudar alguma coisa em suas vidas? A este dilema vieram se somar outras questões surgidas num contexto complexo para um tempo tão curto de atividades, expressas na fala das técnicas e ainda pendentes de um debate interno na equipe, tais como: - Que soluções podemos encontrar para os problemas que limitam a efetivação das propostas de assistência que estamos levando para as mulheres.
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- Como mudar a realidade das mulheres seja no campo da agroecologia ou do feminismo se as atividades que realizamos atendem a um só membro da família? - Até que ponto as mulheres atuantes politicamente, o são em função do trabalho de Ater ou elas já tinham esse perfil? - As mulheres se empoderam, conhecem mais os direitos, mas na realidade no cotidiano a opressão de gênero se mantém; a divisão sexual do trabalho se mantém. - Será que consigo transformar o que aprendi uma vez que tive uma formação voltada para o mercado no sentido de contribuir com as mulheres, para a prática da agroecologia? Como posso fazer disso um instrumento de transformação? - Até que ponto o feminismo que eu prego, contribui para a autonomia das mulheres? Até que ponto as contradições que vivo vão se refletir na vida das mulheres?
- Como não sobrecarregar ainda mais as mulheres? De um lado, estimulamos a produção dos quintais; de outro, continuam com a carga da reprodução. Elas alegam que conversam sobre as desigualdades de gênero com os homens, mas eles não mudam. Será que o trabalho focado também nos homens não deveria caber à Ater? Esses dilemas vêm se juntar a velhas e novas questões que para uma Ong mista como o Esplar, calcada no paradigma agroecológico e no feminismo, tem restado pendente de um diálogo mais profundo com o movimento feminista.
5) Des- Aprender: a simbio: se necessária na teoria e prática em Ater
Fazer a articulação entre mulher e agroecologia na perspectiva feminista, de modo que esta não seja apenas uma agregação de valor, ainda é um desafio para organizações da sociedade civil. Um desafio para aquelas que sabem que não se pode discutir desenvolvimento sem considerar que as mulheres são sujeitos (ainda há quem pense assim:“a gente discute aqui e depois vê como colocar gênero”).
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- Como dar conta da contradição entre o discurso da segurança alimentar e a prática, a exemplo, do que se refere à alimentação que levamos para as atividades, se o projeto tem limitações financeiras? Ou falar sobre os males dos organismos transgênicos na vida das mulheres e levar um óleo transgênico para elas cozinharem.
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Realizar Ater com esse diferencial, trouxe várias contribuições para a vida das mulheres: - Elas perceberam que atividade doméstica também é trabalho. Mesmo assim, não se pode afirmar que as mulheres vão incorporar esse entendimento, pois até então, fazia parte do “ser mulher” o trabalho reprodutivo. - Seu trabalho produtivo passou a ser mais valorizado. Com um fomento para investir, gerando lucro e reinvestindo na produção, as mulheres tiveram como resultado, a possibilidade de realizações pessoais com visibilidade e reconhecimento público. Um dos elementos que mais sensibilizaram as técnicas durante o trabalho, foram os relatos sobre a violência; a sensação de impunidade e ao mesmo tempo de impotência. Isso nos transforma como pessoas e como profissionais, fazendo com que passemos a ter atitudes mais ativas no sentido de não aceitar e não calar frente a situações de violência. O fato reverbera também na instituição, cobrada pelas técnicas por práticas mais efetivas de apoio às mulheres. Para quem aceita o desafio de desenvolver um trabalho de Ater articulando as perspectivas feminista e agroecológica, são vários os campos a serem problematizados. No plano institucional - superar as dificuldades/resistências, quando se trata de discutir a dimensão das desigualdades de gênero
na agricultura familiar e o feminismo como sua superação. Abandonar a transversalidade como “solução” para o “problema”, incorporando a perspectiva feminista na instituição. Refletir sobre as diferentes vias de exploração das mulheres, tendo o feminismo como base teórica, para que isso resulte na construção criativa de novas ações políticas. Desde essa referência, rediscutir a identidade coletiva como caminho para um projeto coletivo, mantendo as singularidades. No plano do trabalho com grupos mistos – considerar a dominação como construção histórica e, portanto, tentar contribuir para que sejam superadas as relações de poder na família. Rechaçar a concepção funcionalista sobre a divisão sexual do trabalho e a invisibilidade do trabalho da mulher, levando em conta que a divisão social do trabalho justapõe-se à divisão sexual do trabalho. Considerar a importância de incentivar/fortalecer grupos de mulheres como forma de trazer para a unidade produtiva o reconhecimento e a valorização da mulher como trabalhadora. Trazer a necessária visibilização do conflito para que se tenha elementos para superar as desigualdades na unidade familiar. Sem enfrentar esses dois campos “a pedra vai continuar no caminho”. Instituições que atuam no meio rural numa perspectiva agroecológica devem ter em conta que o uso de referenciais teóricos e
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Devem ter em conta também que a relação entre produção e consumo pode ser potencializadora de injustiças de gênero. Dar um novo significado à agroecologia e ao mesmo tempo contribuir para a superação da pobreza das mulheres significaria introduzir novos pressupostos aos nossos significados, agregando outros e atualizando aqueles referenciais teóricos que estejam demandando novas análises. È por esses motivos que o Esplar continua valorizando processos locais de formação, que agreguem conhecimentos e práticas capazes de influenciar mulheres a buscar novos caminhos para suas vidas, seja no plano material, seja no plano das felicidades pessoais e coletivas. A tarefa é complexa e difícil, principalmente se considerarmos o tempo como um aliado duvidoso. Um ano de trabalho com grupos dispersos territorialmente, atravessado por momentos de descontinuidade, não poderia ser suficiente para dar conta do essencial na vida das mulheres, mas pode ser tempo suficiente para sensibilizá- las a tomar essas pautas como agenda política. Mesmo que tenhamos feito uma assistência mais do que o
comum; mesmo considerando que o trabalho realizado contribuiu para fortalecer a participação e o controle social das mulheres sobre as políticas públicas; os entraves que consideramos estruturais relativos à empoderamento, autonomia, inserção no mercado e valorização da produção agroecológica, ainda persistem. Portanto no caso do trabalho com Ater, é preciso uma ação continuada que estimule e apoie iniciativas que contribuam para: Romper com o medo que as mulheres têm da fala pública, em especial para sua atuação nos embates no campo político e junto aos mecanismos de mercado; Aumentar a participação de mulheres em espaços de poder, com poder de fato; Portanto, há que se pensar formas de desnaturalizar a divisão sexual do trabalho, usando a escola como um lugar com papel importante na mudança de cultura. Tornar igualitário o acesso de homens e mulheres à informação e à inserção em espaços de diálogo político; Aprofundar sobre os motivos que levam à violência doméstica, no sentido de sua superação. Além de contribuir para evitar as opressões cotidianas, contribui para superar o desequilíbrio de gênero na prática agroecológi-
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abordagens metodológicas com potenciais transformadores deverão considerar a unidade familiar como o lugar ainda não devidamente visibilizado da dominação masculina, da sutileza da opressão.
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ca e de comércio; Apoiar iniciativas que venham desconstruir o mito de que o mercado é domínio masculino, estimulando a participação das mulheres na comercialização. Atentar para a importância de trabalhos que valorizem os conhecimentos das mulheres, incentivem suas potencialidades e possibilitem ações militantes e transformadoras da realidade de opressão e desigualdade em que vivem.
A contribuição deixada para os grupos de mulheres
Embora as equipes tenham se visto sempre como um coletivo em formação para a prática do feminismo e da agroecologia, uma vez que a trajetória de cada uma foi diferenciada; e, embora o Esplar tenha proposto uma direção comum ao trabalho, não podemos desconsiderar a cultura como fator de influência fundante para os processos de formação desenvolvidos por cada pessoa que passou pela experiência de Ater. Foi no aparentemente simples - mulheres se reunindo para falar sobre a agricultura que praticam, o filho que caiu do ônibus escolar deteriorado, a vergonha que a amiga com o olho roxo passou na frente das ou-
tras - que elas perceberam a importância da união, da organização e que mulheres não são rivais na luta. Foi “enchendo os olhos” com a beleza e o sabor das fruteiras e verduras produzidas nos quintais e com o recurso auferido com a venda desses produtos, que perceberam que o que fazem também é trabalho porque tem um valor, é visível e contribui para a sua sustentabilidade, da família e da comunidade. Foi visivelmente empoderadas - no corpo e na fala - que as mulheres perceberam que são sujeitos de direitos, que têm direito a ter direitos, sabedoras de que existe hoje, uma legislação que dá guarida à sua luta contra a violência e a opressão. Talvez, o maior legado que o Esplar deixa a partir dessa experiência, tenha sido a consciência de que: para provocar mudanças de atitude nas práticas, condutas e posturas de mulheres que têm como utopia uma sociedade justa e fraterna, é preciso entendimento e vontade política para promover uma Ater que reúna as condições possíveis de subverter o aparentemente improvável.
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Faria, Nalu e Nobre Mirian – Economia Feminista. Cadernos Sempreviva. 2002. São Paulo. Centro de Pesquisa e Assessoria – Esplar - Economia com Jeito de Mulher. 2014, Fortaleza. Said, Magnólia – Texto: Economia Feminista e Solidária, como base da organização produtiva. Fortaleza. 2013. Scott, Joan – Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Editora Educação e Realidade. 1995. Coletânia sobre Estudos Rurais e Gênero – Prêmio Margarida Alves, 4ª Edição , Mulheres e Agroecologia, Brasília, 2015.
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Bibliografia
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PELA VIDA DAS MULHERES E PELA AGROECOLOGIA: UMA EXPERIÊNCIA DE ATER PARA MULHERES NUMA INSTITUIÇÃO MISTA Adriana Galvão Freire
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“Não sou escrava, nem sou objeto/ Para se fazer de mim o que bem quer/ Não tenho dono, não sou propriedade/ Eu quero liberdade, me deixa ser mulher/ Eu quero ser/ me deixa ser/ O que mereço/ Eu quero ser quem sou/ Eu tenho meu valor/ E este não tem preço”. A letra da música que se tornou o hino na luta por autonomia, pelo fim de toda forma de opressão e violência contra as mulheres, por justiça social e pela afirmação da Agroecologia foi entoada a uma só voz por mais de cinco mil camponesas vindas de todos os municípios que compõem o Polo da Borborema e de outras regiões do estado da Paraíba. Vestidas de branco ou de lilás, de chapéu na cabeça e bandeira na mão, as mulheres foram ocupando as ruas do centro da cidade de Lagoa Seca para participarem de mais uma Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia que, em 2015, chegou à sexta edição. Motivadas pela peça de teatro Zefinha vai casar, trocaram testemunhos e debateram sobre as diferentes formas de violência, no corpo e na vida das mulheres. Ao final da
manhã, depois de ouvirem depoimentos e de afirmarem o valor de sua contribuição econômica e produtiva para a agricultura familiar numa grande feira de saberes e sabores, as mulheres retornaram às suas comunidades para seguir marchando pela construção de uma sociedade mais justa. Agora, mais fortalecidas e encorajadas pela dor, pela solidariedade, pelo conhecimento e pela alegria das companheiras, sentem que não estão mais sós e que, juntas, podem enfrentar as raízes das desigualdades de gênero no meio rural. Este artigo pretende trazer à luz a trajetória de ação do Polo da Borborema – um fórum de sindicatos e organizações da agricultura familiar que articula 14 municípios e mais de 5 mil famílias do Agreste da Borborema. Com a assessoria da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, o Polo consolidou uma rede de agricultoras-experimentadoras que vem promovendo transformações profundas na vida de centenas de mulheres e vem protagonizando a construção de um projeto de desenvolvimento em base agroecológica para a região.
¹ Mestre em Desenvolvimento Rural, Assessora técnica da AS-PTA, da Coordenação da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia.
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Inspirado pela prática inovadora de três sindicados de trabalhadores e trabalhadoras rurais (Solânea, Remígio e Lagoa Seca) – que, assessorados pela AS-PTA, foram desenvolvendo estratégias de intervenção capazes de incidir sobre a essência da problemática da agricultura familiar da região –, o Polo da Borborema reorientou, no início dos anos 2000, sua ação em torno da construção de um projeto coletivo de desenvolvimento local baseado no fortalecimento da agricultura familiar e na promoção da Agroecologia. No decorrer dos últimos 15 anos, foi sendo consolidada uma intensa dinâmica de experimentação de inovações por meio de processos coletivos de aprendizagem assentados na revalorização dos conhecimentos locais sobre o manejo dos agro ecossistemas. Compôs parte essencial dessa estratégia a realização de inúmeros diagnósticos coletivos², mobilizando um amplo acer-
vo de saberes que se abre para a busca de novos conhecimentos que, por sua vez, desencadearam um amplo e crescente processo de experimentação dirigido à superação dos obstáculos técnicos, econômicos e sócio-organizativos para a produção agroecológica. No curso dessa trajetória, vivenciou-se uma crescente expansão social e geográfica de inovações técnicas e sócio-organizativas no território. O sucesso dessa trajetória se deu, em grande medida, por lançar luzes sobre a sabedoria e capacidades das famílias agricultoras, em oposição a visão hegemônica que desqualifica e desvaloriza os conhecimentos e capacidades locais. Embora a trajetória bem-sucedida das famílias agricultoras se devesse em grande parte, ao paulatino envolvimento das mulheres, a cultura patriarcal permanecia impregnada na organização familiar e institucional. Ao invisibilizar e desqualificar o conhecimento, o trabalho e os resultados econômicos das mulheres, restringindo a sua participação e o exercício integral de suas capacidades, esse quadro de desigualdades entre homens e mulhe-
² Desde 1993, foi realizado um conjunto de diagnósticos ambiental, da diversidade de feijão, gestão da fertilidade, uso de agrotóxicos, circuitos comerciais, recursos hídricos, plantas nativas, frutas nativas, criação animal, mercados e feiras livres, ambiental do Polo da Borborema, empoderamento dos mais pobres, sobre políticas públicas, monitoramento econômico dos agroecossistemas entre outros.
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Uma rede de agricultoras: -experimentadoras: a expe: riência de Ater
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res permanecia inalterado e se constituindo como barreira para a plena incorporação da Agroecologia na região. O enfoque de gênero na ação do Polo ganhou força e consistência a partir da realização, em 2002, de um diagnóstico no qual um grupo de agricultoras de diferentes municípios aceitou o desafio de refletir sobre a organização e as formas de inserção de seu trabalho produtivo no âmbito da unidade familiar, a partir do seu local e de seu cotidiano. Elas apontaram, em especial, a casa e o espaço do entorno (nomeado de arredor de casa) como as principais áreas de atuação e expressão de sua capacidade produtiva. Foram então identificadas as partes constituintes e as múltiplas funções do arredor de casa para o funcionamento produtivo e de cuidado da casa e da família. Também foram identificados os principais desafios para seu aprimoramento técnico e visibilidade social, e também, como as mulheres se debruçaram sobre como superar coletivamente os problemas por elas identificados.
Por ser uma região de elevada concentração da agricultura familiar, a Borborema passou – e ainda passa – por um processo de minifundização, o que levou o arredor de casa, um espaço rico em fertilidade e umidade, a ser gradativamente ocupado pelos roçados geralmente a cargo dos homens. Embora não tenha desaparecido por completo, esse pedaço de terra passou a ser um campo de conflitos de interesses, aumentando a vulnerabilidade econômica e social das agricultoras, criando ou agravando situações de extrema subordinação e pobreza das mulheres. A partir de um Seminário Regional sobre os Arredores de Casa, com a participação de cerca de 150 mulheres, fomentou-se um processo de experimentação voltado para a revitalização e o reordenamento desse espaço. O trabalho partiu justamente da revalorização e da visibilidade dos conhecimentos das mulheres sobre as práticas tradicionais, como a gestão da água, incluindo as práticas de reuso; o resgate das plantas medicinais; o papel das cercas na organização e na otimização dos arredores de casa; o significado das pequenas criações para a econo-
³ Para uma melhor gestão do Programa de Formação em Agroecologia, o Polo da Borborema se organiza em Comissões Temáticas: Água, Sementes, Criação Animal, Cultivos Ecológicos, Mercado e Saúde e Alimentação.
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O grupo que participou do diagnóstico ajudou a encontrar experiências exitosas de gestão do arredor de casa que foram sistematizadas e socializadas durante o seminário e, mais tarde, em uma reunião ampliada do Polo da Borborema. O surgimento de novas demandas levou o Polo a constituir a Comissão de Saúde e Alimentação³ que passa então a organizar, conduzir e monitorar o processo de formação das agricultoras. Incorporando os princípios metodológicos já empregados na assessoria ao Polo da Borborema, o seminário foi o ponto de partida para o estímulo e o fortalecimento de uma dinâmica de intercâmbios de agricultora a agricultora. Motivadas pela necessidade de superação de uma problemática técnica, as mulheres passaram a visitar experiências dentro e fora de seus municípios, enquanto que, internamente à Comissão de Saúde e Alimentação, organizavam-se quanto as condições materiais e sócio-organizativas para que elas pu-
dessem adaptar e reproduzir as soluções em seus quintais. Depois do diagnóstico do arredor de casa, foram realizados outros tantos estudos da realidade da região que foram mobilizando, valorizando e aprofundando a construção de conhecimentos sobre esse espaço e sobre a inserção e o significado do trabalho das mulheres nos agros ecossistemas. Os estudos abordavam temas específicos, desde as plantas medicinais, as pequenas criações e as frutas nativas até meios para a superação da pobreza, avaliação da produção econômica nos quintais, entre outros. A sucessão de estudos foi fundamental para a sistematização de conhecimentos acumulados pelas mulheres que ainda estavam dispersos e pouco visíveis, inclusive por elas mesmas. Esses estudos também foram determinantes para o incentivo à inovação por meio da experimentação local, na medida em que favoreceram a livre circulação de conhecimentos e estimularam o espírito criativo para qualificar os sistemas produtivos das agricultoras. Os intercâmbios, por outro lado, foram essenciais para a quebra do isolamento dessas mulheres, ao possibilitar que
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mia doméstica; a função do quintal na fertilidade do solo e no teste de novas variedades de sementes, etc.
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elas se encontrassem e se reconhecessem, viabilizando uma paulatina ruptura das barreiras culturais que as prendiam na cozinha de casa. Esses encontros favoreceram ainda a afirmação de uma identidade coletiva, de agricultoras-experimentadoras, que passou também a marcar um lugar político dentro da dinâmica do Polo da Borborema. A reconquista e a ressignificação do quintal como área de propriedade e domínio da mulher; a sua reorganização produtiva; a geração de renda; a aquisição de bens – como cisternas, telas de arame ou animais – via políticas públicas ou, principalmente, pela capacidade de se auto-organizar por meio de Fundos Rotativos Solidários provocaram duas grandes mudanças de percepção fundamentais para a consolidação do trabalho. A primeira foi o reconhecimento do arredor de casa como um subsistema importante dentro do estabelecimento familiar por sua capacidade de gerar riquezas, segurança e soberania alimentar e bem-estar para a família. Em segundo lugar, à medida que as agricultoras reassumem o domínio do espaço, vão conseguindo tomar iniciativas na produção e na economia com êxito, assim como vão conquistando mais poder
nas esferas pública e privada.
Fundo Rotativo Solidário: uma ferramenta para a aprendizagem sobre auto: nomia e auto-organização
Ao estimular os intercâmbios entre as agricultoras, foi necessário dar condições às mulheres de reproduzirem a experiência em sua casa. A Comissão de Saúde e Alimentação passou então a apoiar a organização nas comunidades rurais de Fundos Rotativos Solidários (FRS), destinados a financiar a implantação de um conjunto de inovações em suas propriedades. Os FRS são sistemas econômicos que têm como base os laços sociais de reciprocidade e ajuda mútua e o resgate das práticas de partilha preexistentes nas comunidades rurais. O resultado foi um número crescente de grupos de mulheres agricultoras se organizando em torno da constituição e da gestão dos Fundos Solidários espalhados por mais de 90 comunidades do Polo da Borborema. Dessa forma, a rede de agricultoras-experimentadoras passou a envolver mais de 1.300 mulheres na região.
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na construção de um projeto político emancipatório da agricultura familiar no território.
Superando as opressões e as desigualdades de gênero
Ao final de 2007, o Polo da Borborema e a AS-PTA se desafiaram a olhar para a realidade buscando pistas para a compreensão de como essas mudanças na vida das mulheres se concretizaram, ou quais seriam as oportunidades e as barreiras para sua efetivação. A ideia era construir uma estratégia mais clara de ruptura com o patriarcalismo e o machismo. Esse trabalho foi inaugurado com a Oficina sobre as relações sociais entre homens e mulheres. Tomando como foco a sustentabilidade dos sistemas em processo de transição agroecológica, a oficina se baseou na sistematização de três casos significativos nos quais as mulheres passaram a assumir papéis de destaque na promoção da Agroecologia. Junto com as agricultoras, buscou-se refletir e questionar o quadro de subordinação das mulheres e dar visibilidade às estratégias de superação das desigualdades nas relações sociais.
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Para além da democratização do acesso às inovações e aos seus conhecimentos associados, os FRS e os intercâmbios cumprem muitas funções na formação política das mulheres, seja no exercício da auto-organização, seja na superação das desigualdades e da opressão. Sair de casa e voltar com a possiblidade concreta de promover o bem-estar de toda a família é conquistar o direito de interferir também nas redes de relações sociais em que as agricultoras estão inseridas, mudando sua relação com os demais membros da casa. Adquirir um bem com sua própria capacidade é ter a chance de superar a privação de recursos financeiros para construir e/ou implementar suas escolhas e, sobretudo, beneficiar-se delas. A trajetória de superação construída pelas mulheres do Polo da Borborema, contudo, não se fez sem conflitos. Durante o percurso, viveu-se a ampliação de tensionamentos reveladores das diversas formas de opressão e dominação das mulheres justificadas por uma cultura patriarcal. Tais fatos cobraram um aprofundamento da reflexão sobre as desigualdades de gênero e o reconhecimento de que, sem entendê-las e questioná-las, não se avançaria
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Um desses casos voltou a ser estudado com profundidade durante o processo de sistematização promovido pelo Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A partir da experiência da agricultora Vanda, a assessoria e algumas lideranças da Comissão de Saúde e Alimentação puderam refletir sobre as formas de expressão das desigualdades vividas no trabalho, na utilização do espaço, do seu tempo e da renda, no reconhecimento social de seu papel e nas relações de poder, tanto no âmbito privado quanto no público. Nesse momento, portanto, foi possível analisar como Vanda conseguiu abrir tantas portas, como a própria agricultora simbolicamente chamou as suas estratégias para a superação dessa condição de subordinação e para o despontar de uma nova liderança. Os elementos de análise construídos durante a sistematização foram fundamentais para o aprofundamento do trabalho na região, agora incorporando explicitamente o debate sobre desigualdades das relações de gênero. A crítica à vigência do patriarcado, o debate sobre estratégias para a sua desnaturalização e a reflexão sobre o
que isso significa para a sociedade em que estão inseridas passaram a ser elaboradas dentro da rede de experimentação. Portanto, foram debates e reflexões ancorados na realidade concreta e no ambiente cultural no qual as mulheres agricultoras vivenciam suas lutas do cotidiano. Depois de Vanda, muitas outras mulheres sentiram-se encorajadas a abrir um mundo antes velado, inacessível. Nesse sentido, ao expor sua história de vida ao debate público, Vanda contribuiu decisivamente para abrir muitas outras portas. Para subsidiar esses momentos de formação política e de problematização da própria vivência, tem-se investido, a cada ano e para cada tema, na produção de metodologias e materiais pedagógicos. O primeiro deles foi a transformação em audiovisual da sistematização da vida de Vanda. Esse vídeo foi apresentado e debatido durante todo o processo preparatório da primeira Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. Além das sistematizações, as experiências de muitas mulheres passaram a ser organizadas em peças de teatro, pequenos esquetes, vídeos, vídeo-no-
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A Marcha pela vida das Mulheres e pela Agroeco: logia
Há sete anos, o Polo da Borborema e a AS-PTA organizam momentos de denúncia e de grande visibilidade pública dessas desigualdades promovendo a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia.
A primeira edição regional da Marcha aconteceu no ano de 2010, no município de Remígio (PB), inspirado na organização anterior de uma marcha municipal liderada pelo sindicato local, com a participação de naquele ano de 700 mulheres. Nos anos seguintes, o que se observou foi a adesão de um crescente número de mulheres. Em 2016, a sétima edição levou às ruas de Areial mais de 5 mil mulheres, mostrando ser um movimento positivo de retroalimentação entre os processos de experimentação e politização do trabalho. Se, no início dessa trajetória, era a base de experimentadoras que saía as ruas, hoje a Marcha é também um ponto de partida para que muitas passem a procurar seus sindicatos para se integrar ao trabalho com a Agroecologia. Cada edição da Marcha é precedida por um intenso processo de sensibilização e formação das mulheres, mas também dos homens do movimento e da equipe de assessoria. São realizados encontros de mulheres nos 14 municípios que fazem parte do Polo da Borborema e, a cada ano, é trabalhada uma metodologia voltada a desnatura-
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velas, místicas, poesias, cordéis, músicas, painéis para debate sobre divisão sexual do trabalho, etc. Mas o instrumento que causou mais impacto foi a peça de teatro sobre a família fictícia composta pelo casal Margarida e Biu e seus filhos Tonho e Zefinha. A cada ano, o roteiro da peça narra diferentes situações de violência e opressão vividas pelas mulheres da família que nascem a partir da escuta de muitas histórias dentro dos processos preparatórios às Marchas. E é justamente por isso que as agricultoras se identificam tanto. Agora é Margarida que empresta sua vida para que se possa desnaturalizar o lugar secundário, inessencial em que a mulher é colocada na ordem da sociedade.
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lizar as amarras culturais que determinam as diferenças sociais entre os sexos. Há ainda o estímulo para que novos encontros e conversas aconteçam em seus grupos de fundos rotativos, beneficiamento, associação comunitária ou mesmo entre vizinhas. Foram distribuídas mil cópias do vídeo A vida de Margarida, a fim de que as mulheres tivessem autonomia para animar os novos debates.
Superação da violência - o caso Ana Alice
O tema da violência e de suas diversas formas de manifestação contra as mulheres foi abordado desde a construção da primeira edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. Os materiais pedagógicos produzidos, sobretudo a peça teatral e o vídeo A vida de Margarida (sendo Zefinha quer casar um segundo episódio), facilitavam a compreensão das violências patrimonial, psicológica, moral ou sexual. Contudo, o tema da violência física e sexual ganhou força quando uma
jovem militante do Polo da Borborema foi brutalmente violentada e assassinada em 2012. Com o desaparecimento da jovem, não houve outro caminho que converter a dor em luta, tomando o fim da impunidade como bandeira. Diversas instituições se organizaram em torno do Comitê de Solidariedade Ana Alice e foi por meio dele que se conseguiu descobrir o corpo da jovem 50 dias após o seu desaparecimento. No dia 18 de agosto de 2015, finalmente o assassino foi a júri popular e condenado a 34 anos de reclusão. Nessa trajetória, o Comitê pôde atuar em outros casos de violência contra a mulher. Todos igualmente com sucesso na condenação dos culpados. O conjunto de ações do Comitê Ana Alice foi estratégico no trabalho de desnaturalização da violência contra a mulher. As mulheres do Polo da Borborema não aceitam mais se calar diante de qualquer tipo de violação de seus corpos e direitos.
Tema das mulheres num ambiente sindical e misto
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A metodologia permitiu que lideranças e técnicos pudessem também desocultar e tratar de situações vividas, e o que se ouviu foram fortes testemunhos ora carregados de dor, ora de alegria pela superação da violência doméstica vivenciadas muitas vezes em sua própria casa. Ou ainda, permitiu com que lideranças e técnicos ficassem atentos e passassem a perceber e não mais se calar, diante de situações em que as mulheres estavam sendo violentadas em suas atividades a campo ou no sindicato. As sensibilizações não foram feitas em oficinas ou cursos, mas por meio da reflexão de suas vidas e suas práticas e sobre como as desigualda-
des são reproduzidas. Outra estratégia de formação e sensibilização da equipe para o tema foi permitir com que os técnicos homens passassem a participar de forma discreta dos encontros de mulheres. Ao ouvirem os testemunhos e o ponto de vista das agricultoras, também puderam refletir sobre seu papel como assessores e mesmo dentro da sua própria família. Em um momento coletivo de formação da equipe preparatório à realização de uma das Marchas, um desses técnicos chegou a expressar: “achava e me gabava que era um homem companheiro de minha mulher, mas quando ouvi aquelas mulheres falarem sobre o que sentem e o que vivem, percebi o quanto ainda sou injusto dentro da minha casa!”. A força política envolvida nos processos de mobilização desencadeado nas sucessivas Marchas fez com que alguns sindicados, hegemonizados por dirigentes homens, assumissem papel revelador na mobilização de sua base e de recursos financeiros
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O momento preparatório da Marcha também é reproduzido nos demais espaços organizativos do Polo, reunindo um público misto das lideranças sindicais, equipes técnicas do Polo da Borborema e da AS-PTA. Esses momentos nem sempre foram fáceis de serem promovidos. Havia inicialmente grande resistência principalmente vinda por parte dos sindicalistas que a princípio, não entendiam o porquê era necessário tratar sobre as desigualdades de gênero para construir a Agroecologia no território.
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próprios para sua realização. Às vésperas da terceira Marcha, que ocorreu em Esperança, não se tinha resposta de nenhuma agência de apoio. Em uma reunião da Coordenação Ampliada do Polo da Borborema, a situação foi socializada entre os presentes, indicando que o melhor caminho seria o adiamento ou a não realização daquela edição, que inicialmente tinha sido planejada para participação de três mil mulheres. Um a um, os sindicalistas se levantaram e defenderam a realização da Marcha. “Não será por falta de apoio que as mulheres irão desistir da luta. Na época de Margarida, também não tínhamos condições e fazíamos nossas mobilizações, quem está luta não morre de fome”, afirmou de imediato o presidente do Sindicato de Alagoa Nova, já indicando que arcariam com os custos de participação do seu município. Ele foi seguido por outros dirigentes, homens e mulheres, que fizeram a defesa da Marcha como um projeto político daqueles sindicatos. Nesse ano, a Marcha não saiu com as três mil mulheres como planejado, mas com 1500, resultado da capacidade financeira desses sindicatos, organizada naquele dia que marcou o movi-
mento sindical da região. Vale destacar, que os sindicatos além de assumir suas caravanas, também as organizaram de forma criativa com bandeiras, camisetas etc. É dessa forma, que aos poucos, a superação das desigualdades e da violência tem passado a não ser mais vista como uma questão só das mulheres, tornando-se uma questão de justiça social, uma ação política dos sindicatos e da assessoria. A internalização de um novo olhar e seu reflexo no aprimoramento das práticas de assessoria dos técnicos, sejam homens ou mulheres, é um desafio constante e hoje se constitui numa questão central para ação institucional.
Não há tempo para baixar as bandeiras
Com o processo contínuo de formação das lideranças e das equipes, o tema das mulheres passou a ser incorporado na ação das demais Comissões Temáticas do Polo da Borborema. A primeira, e a mais importante, aproximação foi com a Comissão da Água. Com a chegada no território do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da Articu-
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O primeiro momento de construção foi carregado de dúvidas pela Comissão Água, um espaço anteriormente de hegemonia masculina, se esse seria o caminho a ser percorrido. O Núcleo (assessores) e a Comissão (agricultoras) de Saúde e Alimentação assumi-
ram todo processo de formação, que já no primeiro ano colheu-se resultados muito positivos. De forma semelhante, o olhar e o tratamento das problemáticas na perspectiva das mulheres foram permeando as demais Comissões temáticas. Ao se discutir internamente à Comissão de Cultivos Ecológicos a produção de alimentos livre de agrotóxicos, por exemplo, passaram a ser concebidas e consideradas as necessidades específicas da produção das mulheres. As mulheres foram então ampliando sua inserção em todos os espaços. Estão em todas as Comissões Temáticas, marcando presença também no espaço de coordenação do Polo da Borborema, em seus sindicatos, na gestão de fundos rotativos, nas feiras agroecológicas e na gestão de empreendimentos. Elas estão ainda na representação em Conselhos Municipais, levando com precisão e qualidade o projeto político do Polo. O sucesso dessa abordagem metodológica foi ter vinculado a experimentação agroecológica com a reflexão sobre as desigualdades de gênero,
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lação no Semiárido (ASA), que favorecia a construção de cisternas de 52 mil litros de água para a produção de alimentos, o Polo e a AS-PTA optaram por destinar a infraestrutura hídrica aos arredores de casa, visando o fortalecimento do trabalho conduzido pelas mulheres. Foi então elaborado um programa de formação específico em que se conseguiu ampliar a leitura sobre a importância do arredor de casa e dessas cisternas para a produção de alimentos, mas também contemplava um diagnóstico da divisão do trabalho produtivo na unidade familiar buscando dar visibilidade ao papel da mulher nos agro ecossistemas. Além disso, o material pedagógico elaborado para enriquecer esse debate contribuiu para a capilarização sobre as reflexões relacionadas às desigualdades das relações de gênero nas comunidades da região.
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criando um ambiente de reflexão crítica propício para a construção de novos conceitos sobre o papel de homens e mulheres na agricultura familiar. No entanto, no dizer das lideranças do Polo, não há tempo para se baixar as bandeiras, a luta é todo dia. O ambiente de diálogo criado no território permitiu que os tensionamentos – no interior das famílias, mas também nos espaços públicos – sejam constantemente enfrentados. Nessa lógica de superação de conflitos, as relações e a cultura vão pouco a pouco assumindo contornos mais justos e solidários. Ainda longe de ser o ideal, é bem verdade. Mas o mais importante é que o movimento desses homens e mulheres está conseguindo marcar um lugar de sujeito histórico na luta por transformações sociais, na luta pela vida das mulheres e pela Agroecologia.
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PEDAGOGIA DO MMTR-NE: MULHERES NA PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS Produção coletiva das mulheres do MMTR-NE
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“Pois sem mulher não existe produção, sustentação ao destino do país” Nazaré Flor
Nossa luta
O Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE) nasceu da necessidade de visibilizar as vozes e as demandas das mulheres. Há trinta anos, trabalhadoras rurais dos estados de Pernambuco e Paraíba sentiram que era importante ter um espaço em que essas vozes ecoassem juntas, e havia muito a ser dito. Lideranças sindicais desses dois estados sentiram que não havia um espaço exclusivo para as mulheres e que sempre estavam em desvantagem nos espaços mistos, onde suas demandas eram subalternizadas e sua fala não ocupava o primeiro plano. Para ter oportunidade de fazer valer sua experiência e garantir seu protagonismo, decidiram criar um movimento só delas e sonharam alto: por que não articular as mulheres dos demais estados? Dessa vontade de romper com mentalidades e estruturas de submissão, fizeram e continuam fazendo
um movimento feminista, composto e dirigido por mulheres trabalhadoras rurais nordestinas: o MMTR-NE. Construir relações justas e igualitárias tem sido a missão do MMTR-NE nas últimas três décadas. Esse desafio tem trazido muito aprendizado, desde enfrentar a forma como o patriarcado se organiza, tirar as mulheres do espaço de casa e do roçado para a militância; enfrentar os vários tipos de violência; lutar por políticas públicas e o desafio do acesso; produzir de forma sustentável e solidária; organizar a base e organizar toda a nossa luta pela convivência com as diversas regiões e à organização da classe trabalhadora por um projeto político das/os trabalhadoras/es com equidade de gênero. As experiências de superação das mulheres do MMTR-NE têm contribuído para a construção de um novo paradigma: feminista e agroecologista. Assumindo o lugar de sujeito no processo educativo e construindo metodologias próprias, as mulheres avançam na produção e reprodução de conhecimentos. Dimensão tanto comunitária e de grupo quanto individual, enquanto sujeitas e
¹ Produção Coletiva das mulheres do MMTR-NE construída a partir da Oficina de Sistematização, realizada em outubro de 2015 no Assentamento Vitória da União - Santa Luzia do Itanhi - SE
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A educação do MMTR-NE
A maior parte das mulheres do MMTR-NE teve pouco acesso aos espaços formais de ensino (aqui não se consideram as frequentes ocasiões em que elas estão às voltas com diversas universidades na condição de “objetos de estudo”). E por isso mesmo sabem e afirmam: educação é uma coisa, escolaridade é outra. Podem estar conectadas ou não. Por educação, nós entendemos que há um conjunto de elementos. Quando nós vamos aos encontros, as pessoas da universidade costumam se apresentar e dizerem os seus títulos. Nós dizemos que somos trabalhadoras rurais e nossa escola foi a vida, aprendemos a amar e respeitar a terra e natureza. Aquela que fornece o pão de cada dia, o amor, o respeito. Nós respeitamos a escolaridade e a leitura como fontes de saber, mas acreditamos que a educação está, além disso. A educação precisa necessariamente respeitar nossa diversidade, nossa cultura e nossa prática agroecológica. As práticas pedagógicas precisam ser coerentes com o projeto político agroecologista e feminista que nós defendemos. Por exemplo, se a gente diz que planta orgânica é para comer, mas leva para vender os produtos com veneno, isso não
é coerente. O que desejamos para nossa vida, desejamos para toda a sociedade. Nós nos formamos na escola da vida! Essa expressão (escola da vida) é usada frequentemente entre as trabalhadoras rurais, pois percebemos os impactos da exclusão dos espaços institucionalizados de ensino e entendemos a vida como uma dimensão muito mais ampla, aquela em que a sabedoria nasce e pode ser cultivada e compartilhada. A educação é uma afirmação política: uma questão de decisão, uma escolha de vida que fizemos. É entendida como um despertar, um compromisso profundo e sincero entre teoria e prática. É organizar, é resistir. É ensinar e também aprender, vem da vida e à vida retorna. É direito e é respeito. Nós aprendemos algo novo quando conhecemos outras companheiras, outros lugares. Essa troca de experiências, informal, divertida, acessível, é um dos pontos fortes das nossas práticas pedagógicas das mulheres. Quando chegamos numa reunião, alguém fala que uma galinha ficou doente, daí a outra já tem uma receita e isso vai virando uma prática do grupo. O entendimento então é de que a educação é antes de tudo uma Ação, um processo de aprendizado, onde se aprende e se ensina. Sempre que estamos em reuniões, em visitas, aprendemos algo. E quando retornamos vamos experimentado, adaptando às nossas condições e nesse processo
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sujeitos políticos.
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descobrimos outros aprendizados e vamos conscientizando nossas famílias e nossas comunidades desses saberes. É a partir das nossas práticas que conseguimos convencer, é do fazer que vamos desenvolvendo novos aprendizados. E assim vai sendo criado aquele canteiro, aquela forma de organizar o Movimento na comunidade. Nesse caso, como a pedagogia do MMTR-NE se relaciona com a ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural)? Como essa troca de experiências das trabalhadoras rurais cumpre o objetivo de melhorar a qualidade de vida no meio rural? A importância de demonstrar na prática e multiplicar, repassar os conhecimentos, é um dos princípios pedagógicos do Movimento. O tempo todo nós estamos defendendo algo, adaptando um jeito e já criando um outro jeito. O conhecimento vai se modificando a partir das nossas práticas e das nossas ações. Então a gente faz ATER. Porque na verdade não fazemos outra coisa além de abraçar os caminhos trocando experiências. Viajando pelo Nordeste inteiro, o Brasil inteiro, para fora do Brasil, falando da vida das mulheres, repassando conhecimentos o tempo todo através das nossas ações. Nós fazemos essa transmissão de conhecimento de forma diferente
e também experimentamos conhecimento de forma diferente.
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Os saberes nascidos da prática são profundamente respeitados, pois refletem nossas vivências. E é por isso que somos sujeitos imprescindíveis no processo pedagógico que vai garantir melhorias no meio rural. Nós sabemos do que estamos falando, pois estamos falando de nada menos do que aquilo que temos feito a vida inteira em nossas casas, quintais e roçados. A presença de um/a técnico/a que não seja também produtor/a costuma ser vista com desconfiança. Pois nessa balança, a prática vale mais que o discurso, apesar de nem sempre sermos reconhecidas como produtoras de conhecimento. É comum que o/a técnico/a chegue e subestime nossa capacidade de compreensão e de ação.
Nossas práticas
lantar sem queimar o solo ou usar veneno; criar galinha caipira sem ração química; arrancar o capim para descobrir árvores que estão sufocadas; fazer beneficiamento de frutas orgânicas, discutir o impacto dos agrotóxicos; recolher o lixo dos rios; trocar sementes; falar sobre os direitos e as políticas para mulheres; fazer reuniões e intercâmbios nos grupos de base. Estes são alguns exemplos do processo de formação que provocamos em todos os
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Identidade rima com sororidade Somos assalariadas, agricultoras, assentadas, quilombolas, negras, lésbicas, pescadoras, quebradeiras de coco. E é a nossa união a partir da diversidade que fortalece a unidade da organização. Juntas, nos sentimos mais animada para a luta. E a cada viagem, cada atividade, a gente sai ainda mais capacitada, empoderada e sabida. O reconhecimento dessa diversidade não significa um processo de disputa interna e sim um caminhar mais rico, atrelado a fortes laços de confiança e afeto, com respeito ao que cada uma de nós tem para contribuir. O orgulho e a autoestima de ser trabalhadora rural nordestina se reflete também no reconhecimento e valorização da companheira como uma irmã, unidas na luta com alegria. Nós lutamos juntas e isso nos dá energia. Para marchar, para viver. Afinal, é pela nossa vida, é pela vida das mulheres. Das nossas mães, avós e também das nossas filhas. A valorização das identidades diversas e da unidade construída na auto-organização fortalece o projeto político, o território e o jeito de viver das mulheres. Não desejamos morar na cidade, acreditamos que a melhor vida pra se viver é no campo e queremos condições dignas para viver e
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espaços que ocupamos. Nós conversamos, orientamos as pessoas a não usar produtos químicos, convencemos nossos maridos e famílias. Com criatividade e iniciativa, estamos sempre compartilhando conhecimentos. Uma prática comum é a do intercâmbio entre as mulheres. Muitas vezes, nós inclusive ensinamos ao/as técnicos/as alternativas e soluções para problemas que experimentamos e repassamos entre nós. Juntas, construímos e participamos de grandes ações coletivas, como a Campanha de Documentação da Trabalhadora Rural, as Marchas das Margaridas, a Escola de Educadoras Feministas do MMTR-NE, ações da Marcha Mundial das Mulheres; diversos seminários e assembleias; e as comemorações do 8 de março. Todas essas mobilizações e formações resultam num avanço na participação política e autonomia das mulheres, e assim, acontecem grandes transformações em nossas vidas e comunidades. A metodologia das oficinas e processos de formação também nos orgulha por ser de nossa própria autoria, assim como é nossa a decisão das escolhas temáticas. Um belo registro dessa história é o livro A Estrada da Sabedoria (2008), uma sistematização realizada pela rede de educadoras rurais do MMTR-NE sobre a Formação do Movimento. A metodologia do MMTR-NE segue em construção e em experimentação, coletivamente sendo discutida e reinventada.
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trabalhar em nossos territórios. Muitas de nós percorreram um longo caminho de empoderamento. É comum as mulheres relatarem que quando começaram a participar do Movimento tinham dor de barriga ou de cabeça antes de ir a uma reunião de tanto nervosismo, com medo de falar. E o apoio e respeito das companheiras é fundamental para ir nos ajudando a quebrar as correntes de silêncio, enfrentar os medos e saber que podemos falar com liberdade, sem sermos julgadas, ao contrário, sendo valorizadas por isso.
Nossa Mística
A ousadia é contagiante e um dos elementos que impulsiona o processo de pertencimento, engajamento e superação é a mística do MMTR-NE, a alma do Movimento. As atividades sempre acontecem com todas as mulheres em círculo, em uma construção horizontal de conhecimentos. As bandeiras dos movimentos estaduais e regionais, chapéus de palha, flores, os produtos que cultivamos, os cordéis, as mudas e as sementes estão sempre no centro, evocando nossas identidades e a luta cotidiana na terra. A cor da bandeira rosa pink do MMTR-NE é nossa marca registrada quando participamos dos diversos espaços que ocupamos. A mística do Movimento sintoniza as mulheres e reafirma nossa
autoestima de sermos rurais e nordestinas.
Devagarzinho e "desenrolando"
Assim como as práticas agroecológicas, as práticas pedagógicas são um processo lento e contínuo, que precisam incessantemente desfazer os danos causados pelos venenos aplicados na natureza e na mente das mulheres. Firmes no passo, nós vamos abraçando os desafios para fortalecer a autonomia. As viagens para assumir espaços de representação e diálogo são exemplos de como essa participação política é transformadora. Quando começamos a viajar, há quase trinta anos, nós éramos as únicas trabalhadoras nos espaços e tivemos que desenrolar. As demais pessoas eram técnicos/as, assessores/as, pesquisadores/as. Assumir a própria voz, o desejo das mulheres que trinta anos atrás deram origem ao Movimento, continua sendo uma pauta e uma peleja nos dias atuais. A partir dessas participações em espaços de incidência política, como os conselhos, os empoderamos de informações que vão fazer a diferença em nossas casas e comunidades. Cumprimos o ciclo quando retornamos aos nossos territórios, explicando o direito das mulheres à
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Sem feminismo não há agroecologia
Por fim, para nós, pensar a agroecologia numa dimensão da vida das mulheres é reconhecer seu papel na produção de alimentos saudáveis, na preservação da biodiversidade, na saúde com as práticas tradicionais do cuidado, na valorização da vida em suas diversas dimensões, acreditando na organização comunitária e de resistência, principalmente ao modelo de desenvolvimento imposto nos nossos territórios. Mas é também colocar as mulheres como sujeito políticos de construção de conhecimento, de saberes, valorizar como elas a partir de suas práticas transformam e disseminam esses conhecimentos. As mulheres reorganizam os espaços onde vivem e são as primeiras a resistir aos “modelos e pacotes”, sempre motivados pela defesa da vida e não do
mercado, do capital. Com isso, fazem experimentos e elaboram novas teorias. A agroecologia precisa do feminismo para reconhecer o trabalho do cuidado como indispensável à vida humana, e também a urgência de que este não seja realizado exclusivamente pelas mulheres, pois esta divisão sexual de tarefas é uma das principais causas de exclusão, empobrecimento e violência contra a vida das mulheres. É preciso trazer as mulheres para ocupação dos espaços públicos e de participação. Pensar a sustentabilidade da vida é repensar a vida das mulheres. E nós estamos fortalecendo nossa voz junto às vozes de tantas outras mulheres com nossas práticas e ações.
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DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), por exemplo. Assim, as mulheres da comunidade vão se engajando, passam a ter DAP. E nós assumimos o papel de articuladoras de várias políticas, como os programas de compras públicas. Essa inclusão é um resultado possível e real das práticas pedagógicas das mulheres rurais organizadas do MMTR-NE, práticas de transformação social, feministas e agroecologistas.
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UMA EXPERIÊNCIA DE MOBILIZAÇÃO E FORMAÇÃO PARA A VIDA DAS TRABALHADORAS RURAIS DE SÃO MIGUEL DO GOSTOSO - RN Janaina Henrique dos Santos, Maria Katiana Barbosa e Marialda Moura
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Apresentação
A experiência apresentada retrata o processo de formação e mobilização presente na prática da Ater, desenvolvida pela Associação de Apoio as Comunidades do Campo do RN – AACC/RN, a partir do ano 2002- período em que a instituição de Ater já prestava assessoria no processo de fortalecimento produtivo para as áreas de Assentamento da Reforma Agrária no município de São Miguel do Gostoso – RN. Esta sistematização tem por objetivo contar as histórias de auto-organização das mulheres na produção agroecológica no contexto da Reforma Agrária; fortalecer a prática pedagógica de Ater da AACC/RN e demais organizações e contribuir com os processos de formação de outros grupos de mulheres na produção agroecológica e contribuir com a formação das/os profissionais de Ater, na perspectiva do feminismo e da agroecologia.
CRIAR - A metodologia de ATER da AACC/RN
A Associação de Apoio às Comunidades do Campo do Rio Grande do Norte AACC/RN surgiu oficialmente no ano de 1985, com o intuito de contribuir com o fortalecimento da agricultura familiar no Rio Grande do Norte. Em seus 30 anos de atuação, teve a oportunidade de participar de várias experiências com atividades de mobilização, incentivando o protagonismo e auto-organização das mulheres, homens, jovens, e organizações de assentamentos e comunidades, redes, fóruns e espaços de articulação nos municípios. Essas parcerias permitiram uma sistematização do aprendizado na “Gestão Local do Desenvolvimento Sustentável” e no desenvolvimento de um procedimento metodológico denominado CRIAR. Os princípios da metodologia CRIAR são i) Ação local para emancipação e autossustentação; ii) Formação de (Re) Criadores para a autonomia; Subsidiariedade; e iii) (Re) Criação de instrumentos de análise e ação apropriados. Esses princípios são trabalhados em momentos de construção coletiva e de
¹ Mestre em Ciências Sociais UFRN e Assessora técnica da AACC; Assistente social e Assessora territorial do NEDET/ UFRN; Mestre em Ciências Sociais UFRN e Coordenadora Geral da AACC.
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Esse processo visa dar um caráter educador, facilitando a reflexão pela própria comunidade na identificação de limites e potenciais existentes e a proposição de ações consequentes. Essa reflexão potencializa a compreensão sobre a responsabilidade que cada pessoa assume na comunidade e em sua organização envolvendo diversos atores políticos, incidindo sobre o desenvolvimento local.
Um aspecto metodológicos do Ciclo CRIAR é a criação de Grupos de responsabilidade (Gr´s), que são formados por membros indicados em reunião ou assembleia. Esses grupos tornam-se ambientes de construção coletiva, principalmente, de mulheres e jovens que se colocam colaboradoras/es entre seus pares. Desse modo, os GR´s assumem uma importante contribuição na dinâmica e na animação das atividades previstas, promovendo uma maior descentralização e horizontalização na comunidade, sobretudo, por seu caráter mobilizador, seja em um determinado município, comunidade e/ou entre grupos. Uma ação de Ater, cujo caráter emancipatório na prática de assessoria rural tem possibilitado e impulsionado homens e mulheres a participar dos processos de discussão e decisão sobre sua própria realidade, tem como víeis multiplicador a busca por autonomia, configurada por processos de formação política e técnica para as mulheres, homens e jovens do campo pelos aspectos da educação popular e contextualizada.
Mesas de Solidariedade: Espaço de mobilização e reivindicação de Políticas
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maneira crítica sobre a realidade local, com um engajamento da comunidade sobre seu papel na busca da emancipação coletiva, considerando a dimensão tanto comunitária e de grupo quanto individual, enquanto sujeitas e sujeitos políticos. No que consiste, a atuação da AACC com mulheres, o Ciclo CRIAR, fundamenta uma assessoria técnica ao desenvolver uma metodologia que combina mobilização com formação política. A mobilização busca enfatizar uma assessoria técnica que busca valorizar a participação das mulheres nos espaços políticos de decisão das comunidades e assentamentos rurais, em um contexto de atuação em que apenas homens ocupavam os espaços das associações, principalmente nos cargos de poder de sua organização. Por outro lado, procura-se também estimular a auto-organização das mulheres em grupo ou mesmo através de associações de mulheres.
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Públicas no município de São Miguel do Gostoso-RN Compondo a metodologia do Ciclo CRIAR, que visa a participação social no desenvolvimento local sustentável, a Mesa de Solidariedade se constitui “um espaço público de concentração entre os atores sócio-político-econômico locais para, juntos (as), acordarem propostas de solução para os problemas e aproveitamentos das potencialidades, as quais foram formuladas e reformuladas nos processos de desenvolvimento local e que surge como um espaço includente capaz de promover abertura política; de estabelecer novas regras de convivência entre os atores locais; e de promover a ruptura dos padrões tradicionais de exclusão e subalternidade – um espaço de negociação local entre os atores sociais sendo capaz de articular e negociar, de forma solidária, os rumos da agricultura familiar. Apresenta como princípio a subsidiariedade, como principal estratégia, o fortalecimento da relação entre poder público e sociedade civil, uma relação mais produtiva e democrática com participação efetiva das mulheres em todas as fases do processo produtivo (organização, produção e comercialização), propondo uma nova institucionalidade capaz de somar iniciativas e propostas
das organizações comunitárias com as capacidades e possibilidades dos organismos governamentais com foco no desenvolvimento da agricultura familiar no município”². O resultado desse processo de mobilização em São Miguel do Gostoso - RN se consolida com a criação do Fórum de Participação Popular nas Políticas Públicas – FOPP, constituindo-se em um amadurecimento das associações e fortalecendo a consciência de participação cidadã ao perceberem que são importantes para o município em termos de desenvolvimento. Por ser um espaço estratégico, no âmbito da articulação e fortalecimento de políticas publicas, foram organizadas três Mesas de Solidariedade, que buscou, igualmente, fortalecer a atuação das agricultoras, dando visibilidade as propostas apresentadas pelos grupos e associações de mulheres.
ATER Emancipadora para as mulheres rurais: Feminismo e Agroecologia
A assessoria técnica desenvolvida pela AACC/RN teve a perspectiva de proporcionar autonomia política e empoderamento das mulheres atrelado ao eixo econômico, que visava o processo produtivo de hortas agroecológicas e
²Associação de Apoio às Comunidades do Campo – AACC/RN. Relatórios anuais, 1995 – 2000, Natal/RN.
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Após um ano de atuação, o grupo de mulheres de mulheres de Paraíso já contava com a assessoria da AACC para auto-organização do coletivo. Nesse mesmo período, tem-se a chegada da assessoria técnica do INCRA, trazendo informações sobre o acesso ao PRONAF Mulher e apresenta a ideia das mulheres criarem sua própria atividade produtiva no intuito de promover a geração de renda às agricultoras do assentamento. É nesse contexto que surge a ideia de criar um grupo de horta agroecológica. A AACC apresenta então uma proposta de apoio a experiência agroecológica pelas mulheres, através do Projeto Volkart, com investimento e assessoria técnica diretamente para atividade produtiva, disponibilizando como equipe uma assistente social, uma agrônoma e um técnico agrícola. A AACC/RN, enquanto uma organização mista tinha sua atuação no campo da mobilização voltada para
o fortalecimento da participação social. Ao mesmo tempo, os aspectos técnicos aplicados à agricultura familiar constituía um estímulo à produção agroecológica. Para superar a lacuna na compreensão sobre a importância do empoderamento das mulheres enquanto sujeitas políticas, bem como a importância da atuação das mulheres no campo da agroecologia, foi realizada uma parceria com a organização Feminista Bandeira Lilás, que tinha como referências os princípios da Marcha Mundial das Mulheres – MMM. Essa parceria só foi possível pelo fato de uma das técnicas da AACC/RN ser feminista e também militante da MMM. A parceria entre a AACC/RN e o Bandeira Lilás teve por objetivo fortalecer a atuação da ATER junto às mulheres assentadas. Com isso, algumas ações foram planejadas visando a compreensão do contexto local no assentamento na perspectiva das mulheres, considerando suas dinâmicas de relações, participações e produções agroecológicas. As ações desenvolvidas pela parceria foram: i) realização de diagnóstico dos grupos de mulheres de Arizona e do Paraíso; e ii) atividades de formação e mobilização que abordavam diversas temáticas e práticas agroecológicas. Em geral, algumas questões identificadas pelo diagnóstico, como primeira atividade
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criação de pequenos animais. A necessidade de ATER para atuar, especificamente, com grupos de mulheres no município foi uma das demandas apresentada para a AACC/RN pelas próprias agricultoras assentadas da Agrovila Paraíso pertencentes ao P.A. Arizona, no ano de 2003,no espaço do FOPP, onde questionavam a falta de projetos de geração de renda.
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da assessoria, mostrava a realidade da falta de formação política sistemática; conflitos internos ocasionados por disputa pelos projetos produtivos; problemas de relações ocasionados com lideranças; desmotivação do grupo; falta de infraestrutura para atividades coletivas das associações; ausência de periodicidade de reuniões das associações; diferentes interesses produtivos; realidades distintas entre adultos e jovens; dependência de assessoria; ausência de participação nos espaços públicos de decisão de políticas públicas; e a forte presença de relações familiares. As mulheres dos assentamentos Arizona e Paraíso passaram por um processo de formação, ocorrido dentro e fora do assentamento, através de oficinas, intercâmbios, seminários, encontros e estímulo a criação da Batucada Feminista. Houve também uma preocupação com as práticas de mobilização de forma mais ampla no intuito de promover reflexões sobre a realidade local através do envolvimento em atividades planejadas pela Ater ou pelas próprias mulheres, em que se pudessem avaliar questões pessoais e comunitárias juntas. As oficinas aconteciam quinzenalmente, em que as mulheres discutiam temáticas não debatidas no cotidiano comunitário e familiar. Dentre os temas trabalhados
estavam a saúde da mulher; enfrentamento à violência contra as mulheres; autoorganização; autonomia econômica; gênero e cidadania; movimentos sociais; Marcha Mundial das Mulheres; economia solidária; e agroecologia. Para a militante da MMM e responsável pela assessoria técnica para as mulheres na época pela AACC, Marialda Moura, o trabalho desenvolvido provocou na instituição um “olhar” mais atento às mulheres. “Uma organização que, até então, não via as mulheres como protagonistas, começou a fazer um trabalho de assessoria técnica rural, com equipes de assistência técnica nos projetos. A iniciativa teve financiamento da Capes, ATES e alguns direcionados a Cooperação Internacional, como a Volkart, GTM e KAS, que possibilitou um processo de formação bastante proveitosa”, ressalta.
Aprendizados
As ações da ATER possibilitaram às mulheres despertar enquanto sujeitas no campo político. A partir da assessoria técnica identificaram uma maior compreensão da importância da integração entre os projetos que chegam ao assentamento. Obteve também como resultado um amadurecimento no processo de autoorganização dos grupos das mulheres, refletindo em novas posturas políticas das mulheres, levando-as a considerar a
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Essas práticas mobilizadoras e formadoras possibilitam um número significativo de mulheres jovens presentes nos grupos, realçando a necessidade de uma redefinição de papéis e valores, com o direcionamento de ações específicas (projetos produtivos diferenciados - horta x artesanato) objetivando a redução dos conflitos de gerações.
Resultados
As mulheres também iniciam a dinâmica de prestação de contas da comercialização. O grupo passou a ter uma maior união e a criar estratégias de arrecadação de
fundos solidários, como por exemplo, a organização de bingos. Iniciou-se também uma reorganização das atribuições entre as sócias, com divisão de tarefas de forma mais horizontal; chegada de novas sócias; estímulo para fortalecimento do grupo; ampliação do número de mulheres que participam do FOPP e da diretoria da associação de moradores; e inserção de jovens mulheres no grupo. Foi realizada uma atividade também em que as mulheres tiveram a oportunidade de escrever a própria história do grupo e ainda participaram da concepção e da organização do 1º Encontro de Mulheres Trabalhadoras Rurais de São Miguel do Gostoso. O 1º Encontro de Trabalhadoras Rurais de São Miguel do Gostoso foi resultado também do amadurecimento do processo de várias atividades realizadas pela Ater na perspectiva do feminismo com as mulheres. Na programação do evento, discutiu-se políticas públicas para as mulheres (com a presença do MDA); houve um debate sobre a Marcha Mundial das Mulheres; e oficinas da Batucada Feminista, Economia Solidária e Saúde da Mulher. O Encontro culminou com uma belíssima marcha das mulheres, inaugurando um cenário de mobilização e visibilidade agricultoras no município. Para a organização do Encontro, a assessoria sugeriu a constituição de uma comissão de mulheres, que envolvessem
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necessidade de problematizar suas atitudes em relação às dinâmicas institucionais. Isto se constata no aumento do número de mulheres participando dos espaços coletivos e públicos, desenvolvendo uma “ação multiplicadora” problematizando a realidade de demais mulheres nas ocasiões de confraternização,discussões nas escolas, na família, na comunidade, e em outros espaços, principalmente nos temas relacionados às desigualdades de gênero. Verificou-se ainda uma maior disponibilidade dos grupos em participar de seminários, oficinas e trocas de experiências, favorecendo a compreensão do processo de comercialização solidária e formação política- o que acarretou no fortalecimento dos grupos.
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adultas e jovens, onde ambas as gerações coordenaram toda a programação. Essa atividade estimulou bastante às mulheres dos grupos envolvidos com a Ater, bem como demais mulheres e grupos. A experiência também promoveu a inserção e o protagonismo das mulheres no movimento feminista MMM e em outros espaços sociais e políticos do assentamento e do município. Nesse sentido, as mulheres fortaleceram sua participação nas associações comunitárias e no espaço do FOPP, com o intuito de se apropriarem dos espaços de discussão e decisão de política pública, com a finalidade de transformar suas realidades política e econômica. A partir da assessoria de Ater, surgiram diversos frutos como FOPP, o Núcleo da MMM e Núcleo da Rede Xique Xique.
Orientações para ATERs
Foram sugeridas algumas ações pela assessoria no intuito de buscar o fortalecimento dos grupos, como reorganização das atividades produtivas; continuidade do processo de formação política das mulheres; estímulo a autoorganização; inserção de mulheres jovens nas atividades do grupo; e identificação dos potenciais produtivos que gerassem renda (horta, artesanato).
Dificuldades enfrentadas Há necessidade de ações de aprofundamento e capacitações continuadas nas discussões referentes às temáticas voltadas para as questões sociais, políticas e econômicas que envolvem a vida das mulheres, bem como seus cotidianos, tais como: violência, saúde sexual e reprodutiva, cidadania, economia solidária, políticas públicas, concepções de feminismo e movimentos sociais, dentre outras. Embora a aglutinação inicial das mulheres seja o projeto produtivo, é necessário manter a discussão política de forma intensa e continuada para problematizar o modelo assistencialista na construção de uma sustentabilidade dos grupos nos espaços de mobilização de recursos, produção e comercialização. Depoimento da técnica e militante feminista da MMM na época, pela Organização Feminista Bandeira Lilás, que contribuiu no processo de formação das trabalhadoras rurais – Jucyana Mirna:
“Realizar essa atividade pela AACC foi num processo bem importante da minha vida que eu estava iniciando, me fortalecendo no feminismo. Foi nessa ocasião que conheci a Marcha Mundial das Mulheres e também o Plano de Ação que iríamos desenvolver... As propostas
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“Através desse trabalho, percebi algumas dificuldades enfrentadas pelas mulheres, como organizar a vida do marido do filho, da roça; violência física e emocional; desafios nas relações de gênero; no processo da produção e comercialização; e da própria solidariedade feminista. Foi identificada também a pouca visibilidade do trabalho delas, que não era algo percebido que incidia na condição econômica da família, na subsistência da família, mas eram atividades que eram vistas como ajuda, como por exemplo: o roçado, as hortas, as galinhas. Todos esses trabalhos geram renda para a mulher e para a família. Elas eram invisíveis em decorrência dessa relação de gênero desigual. “Outro desafio foi articular a atribuição de casa no roçado, nas hortas com
as atividades de formação. E a partir daí nosso eixo de discussão era se reconhecer numa opressão histórica que as mulheres se inserem, que é uma opressão de gênero, uma opressão sexista, e o processo de autoorganização pra romper com essas dificuldades impostas, que como diz a autora Daniele Kerkegoar no livro dela de 2013 (“Trabalho e Cidadania Ativa para as Mulheres”) no sentido de que ‘o gênero é empurrado para o sexo’, onde as determinações biológicas prevalecem. E desconstruindo um pouco essa perspectiva com as trabalhadoras rurais foi algo que requereu, metodologicamente, pensar um modo mais simples possível para que em geral as mulheres pudessem compreender essa perspectiva. Eu mesma participava desse processo de aprendizado de fortalecimento da identidade feminista como parte de uma opressão histórica.” “Os ‘estudos culturais de gênero e relação de gênero e feminismo’ fizeram parte de todo processo de formação e assessoria com as agricultoras. Algumas, que hoje nós conhecemos, conseguiram incorporar bem o feminismo militante da Marcha. Conseguiram caminhar com as próprias pernas, outras nem tanto. Estas ainda se encontram ainda nesse processo de construção, mas sempre foi muito tranquilo fazer
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das ações, no caso das oficinas, tinham que ter o objetivo bem claro do feminismo militante presente na Marcha, né? Analisar as desigualdades de gênero tendo a base material uma opressão econômica que nós chamamos de ‘divisão sexual do trabalho’ como organizadora das relações de gênero. Então, a partir daí essas oficinas chegaram nesse momento da minha vida que eu acabara de me dar conta disso”.
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essa articulação entre feminismo e a agroecologia. Por exemplo, abordamos questões como feminismo e produção orgânica; produção convencional e comercialização solidária; e a auto organização das mulheres para obter a própria renda pra criar processos de autonomias econômicas. Conflitos existem porque são questões que você vai desconstruindo e construindo porque se trata das especificidade das trabalhadoras rurais”. “Em relação aos aspectos entre agroecologia e feminismo, partimos da divisão sexual do trabalho que é essa base material da opressão na nossa compreensão do materialismo histórico. Essa era nossa vertente e dialogávamos com as mulheres por uma nova economia feminista, que o trabalho que elas desenvolviam não era ajuda, era trabalho de fato porque gerava renda e manutenção da família. Muitas das trabalhadoras rurais têm hortas, têm roçados compartilhados. Nessas hortas, tem uma variedade considerável de hortaliças, de frutas também. Criam galinhas, vacas, ovelhas. Isso incide na manutenção da família. Tem uma apropriação sim dos modos de produção do capitalismo sobre o esse trabalho das mulheres que visibiliza. O feminismo então vem demonstrar
e esclarecer essa perspectiva, e a agroecologia evidencia esse trabalho que é feito fora de casa, mas que não é reconhecido, não é valorizado: que é o cuidado com o roçado, que é o cuidado com o as crianças, com as roupas, com as galinhas, com as porcas, as vacas, as ovelhas.” “Foi um aprendizado muito importante porque daí começou a iniciação do pensar a Organização Feminista Bandeira Lilás não só atuando no urbano, mas também no rural. Então, quando começamos a trabalhar com as mulheres nessa perspectiva veio uma série de ideias e de como continuar a militância.” “Sobre as bases teóricas que subsidiava as discussões, os nossos referenciais na escrita dos relatórios que entregávamos privilegiava sempre o que nos foi proporcionado na formação nos estudos feministas da Marcha Mundial das Mulheres. A publicação de Joan Scott – ‘Gênero uma Categoria Útil de Análise Histórica’, publicada no ano de 1985 na Revista Porto Alegre - foi bem importante para referenciar nos textos. Uma outra referência importante foi a publicação ‘Mulher Brasileira no Espaço Público e Privado’, com olhares e contribuições de várias feminista. Utilizamos também o
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Abordamos a autora BilaSorj para debater trabalho remunerado e não remunerado. Usamos Nalu Farias para discutir relações de gênero. E ainda utilizamos as autoras Miriam Nobre e Tatal Godinho. Realizávamos também
oficinas sobre sexualidade, então teve protagonismo juvenil e organização das mulheres; e gênero e sexualidade com as trabalhadoras rurais, sempre focando na perspectiva da sexualidade utilizando esses referenciais teóricos que eram dispostos pra nós do feminismo militante da Marcha Mundial das Mulheres”.
Referências Associação de Apoio às Comunidades do Campo – AACC/RN. Relatórios Anuais. 1995 – 2000, Natal- RN.
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texto de Elizabeth Safioti para discutir o sistema patriarcal.
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SISTEMATIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA: A MULHER RURAL E A PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA: UMA EXPERIÊNCIA DE ATER NO TERRITÓRIO DA CIDADANIA VALES DO CURU E ARACATIAÇU. Suyane de Lima Reis Fernandes
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INTRODUÇÃO
A constituição da Secretaria de Políticas Especiais para as Mulheres em 2003 e a implementação da Lei de Assistência Técnica e Extensão Rural/Ater em 2010 assinalaram um marco significativo por parte do governo federal na organização de políticas públicas direcionadas para a superação das desigualdades de gênero, demarcando programas e projetos voltados às mulheres trabalhadoras rurais. A execução de chamadas públicas direcionadas as mulheres do campo e a incorporação do perfil mínimo de técnicas para realização dos serviços de Ater são exemplo de avanços desses programas e projetos que sinalizam uma melhor estrutura na organização dos serviços de Ater. Essa sistematização se propõe a refletir sobre a experiência da primeira chamada de Ater para mulheres através do projeto: A Mulher rural e a produção agroecológica: uma experiência de Ater no território da Cidadania Vales do Curu e Aracatiaçu ¹ Coordenação de projetos do CETRA
executada nos anos de 2011 e 2012. O trabalho aponta por um lado as contribuições dos serviços de Ater executado por técnicas numa chamada especifica para mulheres. Assinala a partir do olhar das técnicas, o método e a diferenciação na execução do serviço realizado, suas impressões e vivências no trabalho com mulheres, destacando as mudanças em sua prática educativa. Por outro lado o trabalho apresenta alguns resultados decorrentes das ações realizadas sob o ponto de vista das agricultoras. Para essa sistematização além de consultas ao acervo institucional foram realizadas três rodas de conversas e uma oficina com agricultoras beneficiárias do projeto, uma oficina com técnicas da instituição e uma entrevista com uma técnica que não está mais na Instituição. A oficina com as técnicas contou com a participação de uma das duas técnicas que estavam na época da execução da chamada para mulheres além da participação de outras 05 técnicas que desenvolvem atividades em chamadas de
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1) Do público beneficiário da chamada
A experiência de Ater se deu com 160 mulheres trabalhadoras rurais dos municípios de Itapipoca, Tururu, Amontada, Miraíma, Trairi, São Luis do Curu, Umirim, Paraipaba, Itapajé, Irauçuba e Pentecoste, situados na região noroeste do estado do Ceará. O público beneficiário dessa execução eram as comunidades rurais tradicionais, agricultoras familiares, indígenas, quilombolas e de áreas de assentamento. No caso dessas ultimas, as mulheres mais velhas, participaram do processo de luta pela terra até a consolidação da desapropriação com a aquisição do título da terra. Essas mulheres detinham acúmulo diferenciado em seus processos de organização social e produtivo em função da carga histórica de luta da qual participaram, tinham na época da execução renda familiar mensal entre 1 e 2 salários mínimos; uma escolaridade baseada no ensino fundamental incompleto e médio e exerciam múltiplas atividades domésticas como os cuidados com a casa, com os filhos, marido e pessoas de maior
idade; cuidados com vestuário, alimentação, saúde, e educação, realizavam no campo sem remuneração o manejo de hortas e animais domésticos; produziam artesanato e exerciam outras atividades como serem professoras municipais e agentes de saúde, receita que complementava sua renda familiar.
2) A Experiência de ATER do CETRA junto ao território e as mulheres
A pauta das mulheres se vincula historicamente às ações institucionais e se inicia ainda nos anos de 1980 sob a perspectiva de contribuir para o processo de organização social e política das mulheres rurais estimulando sua participação em espaços de influência, construção e decisão política. As ações e o debate de gênero junto às mulheres se redefinem já nos anos 2000 assumindo novas dimensões com a incorporação da matriz agroecológica, sua metodologia participativa e seus processos de construção do conhecimento. Essa dinâmica assegura um novo fundamento no modo de fazer a assistência técnica no campo e a inclusão social que implica na necessidade de novo recorre para as questões e abordagens de gênero. As intervenções pedagógicas e de construção do conhecimento agroecológico elegem as ações nos quintais produtivos e a inser-
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agroecologia que demarcam a obrigatoriedade de 50% do público beneficiário de mulheres e prevêem a obrigatoriedade da execução de 30% do orçamento para serviços específicos com as mulheres.
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ção em mercados solidários como espaços importantes que contribuem para o empoderamento das mulheres e para sua autonomia financeira. A incorporação da pauta de gênero e de questões centrais no âmbito da ação demandam de outro lado a necessidade de qualificação da intervenção das ações realizadas pelas técnicas, levando a qualificação a partir da participação destas profissionais em formações que ampliem suas possibilidades interventivas.
4) Da base pedagógica para a ação e dos resultados
Todo o trabalho de Ater com as mulheres sempre buscou se referenciar numa base didático-pedagógica feminista participativa e dialógica contribuindo para a inclusão de novos conhecimentos a respeito da vida e da condição feminina. Nesse sentido busca-se na instituição assegurar processos formativos nas temáticas de gênero e áreas afins que contribuem para uma ação qualificada. A execução da Ater por técnicas mulheres, durante a execução da chamada levou em consideração a abertura para aprendizados na área, a apropriação e acúmulo para as ações com as mulheres. Foram assim asseguradas as técnicas mulheres formações modulares sobre gêne-
ro, politicas publicas e Ater na perspectiva de que essas impulsionassem a construção de um conhecimento mais especifico e uma abordagem mais qualificada para a intervenção. Nos processos mais recentes de execução foram igualmente contemplados os debates de gênero e agroecologia, com especial recorte para a discussão sobre divisão sexual do trabalho. A instrumentalização das técnicas na execução da Ater e as discussões provocadas nos espaços coletivos resultaram em ações que qualificaram sua intervenção e levaram, a mudanças de valores e desempenho de novas posturas na vida pessoal e social. O trabalho no Cetra e com as mulheres mudou minha vida...a gente entende o quanto é responsável pela vida de outras mulheres e como o que fazemos é importante pra vida delas...e quando a gente fala pra elas, a gente fala pra gente também. Muitas coisas na minha vida e muito das discussões que fiz com elas eu trouxe pra minha vida. Me tornei mais forte e mais firme nas coisas que faço e quero pra mim. Sei que sou capaz de muita coisa[...] (Edigleide Barros- Técnica na chamada com as mulheres) Tanto as profissionais de Ater das chamadas de agroecologia, quanto aquelas envolvidas na chamada para mulheres são claras quando afirmam que os processos
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Se de um lado os processos formativos com as técnicas permitem a inserção de uma metodologia capaz de provocar mudanças sociais significativas no trabalho com as mulheres e em suas trajetórias, de outro lado possibilitam a construção de novas identidades e sentidos políticos na vida das técnicas. Os debates sobre o patriarcado e as relações de poder que vão definindo os papeis de homem e mulher na sociedade oferecem a condição para problematizarem suas próprias experiências. Nesse trabalho a gente entende que muitas mulheres falam das suas vidas em confidencia e por confiança na gente... a gente pensa sobre o que isso significa em nossas vidas e como muda muita coisa... sem duvida participar de capacitações nos da outra condição para realizarmos um trabalho melhor. (Mônica – técnica de Ater na chamada de Agroecologia- Território Maciço de Baturité) Não tem como a gente não se envolver [...] a gente é mulher e aquelas questões são nossas também. (Damiana- Técnica de Ater chamada de agroecologia)
Meu trabalho no Cetra tem dois momentos um como beneficiária da chamada de mulheres [...] aqui percebi muitas mudanças e pra mim sempre tive o exemplo da minha mãe que sempre me motivou...depois fui técnica e eu entendo que assumi novas responsabilidades para fazer um trabalho melhor com as mulheres Na minha vida me sinto mais capacitada para realizar meu trabalho. (Priscila Alves de HolandaTécnica da chamada de agroecologia-Itapipoca). Para as agricultoras priorizou-se de outro lado o processo de organização social e política dos grupos já existentes, fundamental para sua auto-organização, fomentou-se a pauta da segurança alimentar e nutricional e o movimento agroecológico protagonizado por elas no território. Nesse âmbito foram fortalecidos os debates formulados pelas técnicas gerando discussões específicas sobre a divisão sexual do trabalho recolocando aí no contexto familiar o trabalho reprodutivo e de cuidados como trabalho; problematizaram-se os espaços dos quintais produtivos como espaço de trabalho feminino e com capacidade de gerar maior autonomia financeira para as mulheres e inseriu-se no circuito da comercialização solidária especialmente para Feiras Agroecológicas e para o Programa Nacional da Merenda Escolar parte da produção de muitos dos quintais acompanhados pelo projeto.
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formativos em gênero numa perspectiva feminista são fundamentais para a incorporação de uma dinâmica diferenciada na ação de Ater com as mulheres mudando inclusive suas próprias vidas.
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Não é fácil você tirar uma mulher de casa para querer discutir com ela questões de gênero, seu lugar sempre foi no espaço da casa mas esse trabalho só é feito e visualizado de verdade quando somos nós técnicas que assumimos a discussão e fazemos com as mulheres momentos coletivos em que elas percebem porque sempre desempenharam determinado papel... são poucas ainda as mulheres que dizem e falam abertamente o que sentem em espaços mistos. (Eliane Rocha- Técnica de Ater na execução a chamada de mulheres). A assessoria para as mulheres me ajudou muito a valorizar meu quintal como o lugar no qual me encontro... Do meu quintal eu tiro sustento pra casa e pra minha família... me sinto feliz. Recebo muitas visitas de intercambio... tenho minhas plantas, e aproveito a agua que antes caia direto no chão... Ta muito seco e essa seca não tá ajudando muito, mas, tô conseguindo levar... não falta não. É so olhar la em casa...pra gente que tem a agroecologia sempre tem alguma coisa pra mostrar. Depois do trabalho das meninas e foi importante serem elas... meu marido mudou também. Não acreditava não. Ele não achava que dava certo, mas taí, até ele, mudou e outras mulheres dizem que muita coisa mudou depois da assessoria. Ele dizia que isso ia me levar pro mau caminho, mas ele viu que o mau caminho era essa mudança toda aqui que a gente vive(rsos.) (Maria Irismar Vieira Linhares (Mazinha), é atuante no Movimento
de Mulheres trabalhadoras Rurais de Itapipoca, é multiplicadora em agroecologia e agente de saúde da comunidade da lagoa do Juá- Itapipoca). Pode-se afirmar que a experiência da execução de Ater para as mulheres apontou resultados positivos quando fortaleceu o movimento das mulheres no campo no período de execução da chamada provocando mudanças significativas junto a grupos de famílias e comunidades que tinham à frente lideranças femininas. Tais mudanças e a adoção de uma metodologia diferenciada sob a forma de métodos como o desenho do mapa da unidade de produção familiar e o relógio do tempo, colaboraram para a reorganização de algumas das unidades familiares assegurando o debate e a reflexão sobre gênero e agroecologia e divisão sexual do trabalho. Salete, agricultora e militante do MMTR no Ceará, destacou que embora os grupos de mulheres já não possam contar mais com a regularidade da Ater para as mulheres, os grupos do assentamento Maceió se encontram periodicamente para discutirem questões de interesse do coletivo de mulheres, tais como: direitos previdenciários da trabalhadora rural, saúde da mulher, violência doméstica e familiar, autonomia econômica, divisão sexual do trabalho, participação social e política, organização produtiva, dentre outras. Ela diz que discutir as questões de gênero é trazer para o
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Sob outra perspectiva, notou-se uma maior participação dessas mulheres nos espaços políticos de debate e proposição de políticas públicas como vinculação junto aos sindicatos rurais, grupos locais e junto a Rede de Agricultores Agroecológicos e Solidários dos Vales do Curu e Aracatiaçu. É verdade que algumas mulheres passaram a se associar a associação e ao Sindicato (aqui STTR) depois da Assessoria, elas entenderam que ganham mais quando participam...tem a aposentadoria, o salário maternidade e o bolsa família... (Rita- Comunidade do leste Amontada). Como meio de estimular e dar continuidade a processos complementares de formação o Cetra construiu algumas publicações que tanto para as técnicas quanto para as agricultoras funciona com instrumento de fortalecimento das ações no campo. O último material nessa linha e que resultou também da execução da chamada publica para as mulheres foi a construção da cartilha: Conversando sobre Ser Mulher e Ser homem no meio Rural: construindo novas
relações de gênero no campo. De fácil acesso e para trabalhos desenvolvidos por qualquer segmento a cartilha traz de forma clara e fácil discussões importantes que contribuem para o empoderamento feminino com abordagens em temáticas diversas de interesse das mulheres e com exercícios que possibilitam vivências do cotidiano de muitas mulheres camponesas. A experiência da chamada publica com as mulheres também possibilitou a inscrição de trabalho em espaços acadêmicos que permitiu a socialização da experiência, tais como o Seminário internacional Fazendo Gênero 10 - desafios atuais do feminismo, um espaço de discussões feministas e de gênero realizado em Santa Catarina.
5) Das atividades realizadas pela ATER
Foram realizadas a época da Ater, oficinas, cursos, reuniões, seminários, estudos dirigidos, encontros de formação, elaboração de projetos com fins de investimento e comercialização e ainda implementação de 05 quintais produtivos. As atividades realizadas promoveram através de reuniões e outros processos de formação as condições necessárias ao estimulo e a reflexão crítica e criativa, especialmente nos momentos de realização das visitas de cam-
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debate a igualdade nas relações entre homens e mulheres. “Essa luta é feita todos os dias, desde as nossas discussões as nossas ações dentro de casa, na família, na comunidade [...] não é fácil, a gente ainda vê muitos casos de violência e de opressão da mulher, mas a gente continua na luta...
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po, nos intercâmbios e nos processos que tornaram possível a articulação em Rede. Foram realizadas ações como: Diagnóstico da produção das mulheres nas unidades de produção familiar, com ênfase na produção agroecológica; visitas técnicas a cada unidade de produção familiar para realização de diagnóstico participativo; encontro de socialização e planejamento das ações coletivas que teve como apoio a sede do Sindicato rural do município no qual a atividade foi realizada; oficinas de capacitação sobre gênero, trabalho doméstico e de cuidados e as políticas públicas; análise de viabilidade econômica, considerando o potencial produtivo e econômico da produção agroecológica desenvolvida pelas mulheres rurais no território; oficinas sobre viabilidade econômica da produção de base agroecológica; oficinas de qualificação de sistemas agroecológicos e manejo de recursos; visita técnica, por beneficiária, visando orientação sobre a qualificação de sistemas agroecológicos e manejo de recursos naturais; oficinas sobre beneficiamento da produção agroecológica e oficinas de agregação de valor aos produtos in natura; visitas técnicas a unidade de produção familiar para assessorar o processo de agregação de valor; oficinas sobre comercialização e plano de negócios; elaboração e o acompanhamento de projetos para o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e Programa
Nacional de alimentação escolar – PNAE. O acompanhamento as mulheres é sempre muito importante, agente tem coisas que so as mulheres entendem...tem o trabalho no quintal, mas tem também esses cuidados da casa, dos filhos...e a Assessoria(ater) falou disso com a agente. Infelizmente não existe mais...isso é ruim não ter as tecnicas aqui, elas discutem com a gente as questões que a gente precisar discutir, sabe... a gente hoje ainda comercializa na feira agroecológica, mas esse trabalho começou por causa da assessoria. (Francisca Menezes- a Tica da comunidade Vieira dos Carlos- Assentamento Varzea do Mundaú) Especialmente acerca dos intercâmbios realizados na execução da Ater, esses demarcaram e continuam a se configurar como um campo estratégico para potencialização e visualização dos trabalhos e experiências protagonizados pelas mulheres. São vivências de ampla construção coletiva do conhecimento que promovem a troca de experiências facilitando o encontro entre agricultoras, seus saberes e práticas tradicionais. “Eu já recebi muito intercâmbios na minha área, eu sei que com essas visitas aqui a gente aprende e troca muito com outras mulheres. Não sei viver sem fazer mais agroecologia...os intercâmbios , os trabalhos com as mulheres são muito fortes
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6) O caminho para o pro: cesso de sistematização
Para o trabalho de sistematização foram revisitados alguns registros institucionais e em posse de algumas beneficiárias, tais como: relatórios de seminários realizados e o desenho dos mapas das unidades de produção familiar. Institucionalmente se fez um diálogo sobre a experiência a ser sistematizada e aceitou-se a sugestão de incluir na oficina com as técnicas, outras profissionais que estavam na execução de uma Ater mista, mas com especificidades de trabalho focadas nas mulheres. Foram realizadas três rodas de conversa e duas oficinas. As rodas de conversa foram realizadas com o propósito de falar da sistematização de experiências prevista no projeto da Rede Feminista foram realizadas com lideranças dos municípios de Itapipoca e Tururu(01) , Trairi(01), e Amontada(01) e constaram do processo de sensibilização e mobilização das mulheres para a realização da oficina para a sistematização da experiência de Ater desenvolvida com as mulheres.
A oficina contou com uma linha do tempo da Ater e com trabalhos em grupos. Foi realizada com três mulheres de Itapipoca, e duas de cada um dos municípios citados acima e possibilitou por meio da linguagem escrita e oral entender os sentimentos construídos sobre a experiência da Ater para as mulheres, identificar ideias e sugestões para ações futuras, apontar as dificuldades persistentes, perceber as mudanças mais permanentes na vida das mulheres a partir da Ater e reafirmar a sistematização de experiências como instrumento de aprendizagem. Para o trabalho com as técnicas fez-se um diálogo preliminar com as coordenações territoriais para que pudessem compreender o propósito da sistematização e assegurar a realização da oficina. Esta contou com 06 técnicas, as quais 01 (uma) encontrava-se na execução direta da chamada com mulheres sendo as demais envolvidas em chamadas mistas mas com diretrizes específicas para trabalhos e orçamentos com mulheres. Na oficina com as técnicas foi igualmente realizada uma linha do tempo, não apenas da chamada para as mulheres, mas da Politica de Ater e de seus diálogos com as demais políticas e programas voltados para as mulheres.
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e devem continuar pra mudar a vida de muitas mulheres.” (Maria de Fatima – conhecida por Fafa. É sócia do MMTR e liderança da comunidade Jenipapo).
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Foram feitas reflexões do tipo: 1. sobre o papel que desempenham enquanto técnicas de Ater com ações específicas para as mulheres rurais; 2.Qual sua compreensão acerca do sentido que vem sendo atribuído aos processos formativos com as mulheres; 3.Qual o sentido da ação para sua vida profissional; 4.em que medida as ações desenvolvidas mudaram suas vidas; 5.Qual apropriação do referencial teórico político e metodológico para ação, além de como avaliaram as ações da chamada. Todas as técnicas afirmaram qu e o trabalho com as mulheres demanda qualificação e identificação. Ressaltaram especialmente a necessidade de entender melhor o debate de gênero e a igual necessidade de acumular mais sobre metodologias para as intervenções com as mulheres. Não tenho dúvidas que hoje sou uma pessoa melhor, uma profissional realizada com o que faço, por que amo o que faço. (Edigleide- Técnica de Ater da chamada para mulheres). Conviver com mulheres, ver a diversidade dos problemas, das limitações, das lutas e dos sonhos tem me tornado uma pessoa, uma mulher mais forte, determinada, que em vez de reclamar por algo que não aconteceu, vai e corre atrás para realizar o que deseja. Vi que na dimensão dos problemas que muitas enfrentam para sobreviver o meu não é nada e sou vencedora por simplesmente existir e poder partilhar
as experiências e vivências no cotidiano da luta das mulheres (Eliane - técnica de Ater da chamada para mulheres). Eu considero Assistência Técnica específica para as Mulheres Rurais um grande avanço, da luta das mulheres e dos movimentos sociais de base... a experiência que tivemos em 2011 e 2012 foi de grande importância para afirmação das necessidades de uma assistência técnica para as mulheres no que se refere a questão social, ambiental e consequentemente produtiva, desde a organização da produção local sustentável a sua organização nas comunidades. com a inserção das mulheres no processo de construção e desenvolvimento da comunidade. (Edigleide- Técnica de Ater do CETRA na época de execução da chamada). O trabalho com as mulheres muda a gente de muitas formas...é uma troca de saberes, de diálogos, de exemplos, existem muitos exemplos nas comunidades que nos serve de ponto de partida para mudanças pessoais- (Dalvanir- Técnica de Ater agroecologia chamada Sertão Central).
7) Alguns resultados e considerações
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2.A ampliação da participação das mulheres na Rede de Agricultores/as Agroecológicos/as do território Vales do Curu e Aracatiaçu e no grupo da feira de Itapipoca e Trairi; 3.Potencialização das experiências com tecnologias sociais junto a 50 mulheres agricultoras; 4.Implementação de quintais produtivos dinamizados por mulheres; 5. Influencia na introdução de atividades recreativas com crianças nas chamadas pública posteriores organizadas pelo MDA (resultado decorrente dos relatórios enviados pelas entidades executoras de Ater para as mulheres demarcando a expressiva presença de crianças nas atividades de coletivo das quais suas mães participaram); 6.Reorganização interna do debate de gênero e consequente inserção deste num calendário das conversas de quintal do CETRA;
7.Influência da execução dessa chamada na demarcação dos 50% de Ater para as mulheres em todas as Aters mistas; 8.Influencia na definição de um mínimo de 30% de recursos financeiros específicos para ações com mulheres na execução de uma Ater mista; 9.Maior qualificação e algumas técnicas no debate de gênero.
8) Considerações institucio: nais O Cetra tem buscado durante sua trajetória contribuir para o fortalecimento da organização das mulheres trabalhadoras rurais, para o exercício da cidadania e para a construção de relações igualitárias de gênero. A execução da primeira chamada pública de Ater para as mulheres, demarcou importância no âmbito institucional resultando na ampliação de um conjunto de instrumentos de diagnósticos, acompanhamento, registros e reflexão que permitem um olhar mais direcionado as demandas e especificidades de gênero. Essa execução influenciou e direcionou na elaboração de estratégias de qualificação da ação institucional através do aperfeiçoamento em temáticas de gênero, políticas
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Dentre os resultados alcançados pelo projeto cita-se: 1.A organização de um grupo de mulheres multiplicadoras e mobilizadoras nas áreas de Gênero, Agreocologia e Políticas Publicas;
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públicas, violência contra a mulher e divisão sexual do trabalho. A participação de técnicas em espaços de formação como congressos, oficinas, fóruns e Redes têm sido estimulados e a pauta para a constituição de um programa sistemático de formação de técnicas e técnicos nas temáticas de gênero também tem ganhado força desde a chamada especifica para as mulheres. Importante é destacar que o contexto sem chuvas que molham a terra, germinam os alimentos e mantêm as pequenas criações de caprinos, ovinos e suínos, tem sido um dos aspectos limitantes junto com a descontinuidade de uma Ater especifica para
mulheres para a manutenção de uma dinâmica de fortalecimento dos grupos de mulheres. As mulheres não abandonaram os quintais nem processos organizativos em suas comunidades, mas encontraram aí dificuldades para garantirem seu envolvimento e participação em processos externos. Apesar desse fato as mulheres passaram a integrar em maior quantidade a Rede de Agricultores Agroecológicos do Território Vales do Curu e Aracatiaçu, sendo 45% dos associados e continuam a se encontrar em menor quantidade nas reuniões dessa Rede.
Referências: Projetos de desenvolvimento e a valorização da agricultura familiar. In: NOBRE, Miriam; SILIPRANDI, Emma; QUINTELA, Sandra; MENASCHE, Renata (org.). Gênero e agricultura familiar. São Paulo: Sempreviva Organização Feminista (SOF), 1998. p. 9-14; SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para os estudos históricos? Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 5-22, dez. 1990 SILIPRANDI, Emma; Mulheres e agroecologia Ed UFRJ, 2015.
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CONHECIMENTO E AGROECOLOGIA: A EXPERIÊNCIA DO FÓRUM DE MULHERES DE MIRANDIBA - PE Maria José
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O Fórum de Mulheres Cidadãs de Mirandiba foi fundado em 14 de maio de 2005, a partir de um debate ampliado sobre a situação das mulheres no município, principalmente as mulheres da área rural. Estas, em sua maioria, encontram-se em situação de vulnerabilidades em todos os sentidos no acesso às políticas públicas, entre outros agravantes, que excluem as mulheres, negras, quilombolas, pobres e indígenas. Nesse contexto, com o apoio da Actionaid e Associação Conviver no Sertão, foi criada uma comissão colegiada para organizar uma assembleia geral para homologação e origem do Fórum de Mulheres. Nesse encontro, estiveram presentes 170 mulheres de 17 comunidades rurais e urbana. Na ocasião, foram escolhidas as mulheres para representar e dar visibilidade aos trabalhos voltados para esse público. Desde então, o Fórum vem trabalhando e formando parcerias com organizações e grupos de mulheres que têm iniciativas feministas para melhorar as condições de vidas delas em seus diversos espaços.
Objetivos ¹ Cordenação do Fórum de Mulheres de Mirandia - PE
Os objetivos da atuação do Fórum são: i) Realizar formação política sobre direitos e empoderamento das mulheres e/ ou negras, promovendo a participação nos movimentos sociais e organizações de base, especialmente o Fórum de Mulheres; ii) Divulgar a violência e a discriminação contra as mulheres na vida privada, na saúde, nas comunidades, na sociedade e nos meios de comunicação procurando alternativas para o enfrentamento; iii) Incentivar e apoiar a geração de renda e a promoção da segurança e soberania alimentar das mulheres na zona rural, através de projetos produtivos e parcerias com entidades governamentais e não governamentais e instituições estrangeiras.
Objetivos da Sistematização
É nesse sentido, que esta sistematização da experiência do Fórum de Mulheres de Mirandiba pretende identificar e melhorar as técnicas de produção e armazenamento; e tornar visível e valorizar o trabalho das mulheres nos seus sistemas de produção e em suas comunidades.
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maioria das vezes, as mulheres sem tempo suficiente para participar. Esses desafios podem ser um ponto positivo, mas também “enxergamos” como um ponto negativo, em que as mulheres se empoderam e deixam o movimento em segundo plano. E o Fórum não está sabendo lidar com a situação e vem passando por período de baixo rendimento nas atividades planejadas com algumas das organizações parceiras.
- Quais as formas de plantio e de conservação das sementes?
Visão de Futuro do Fórum
Foram realizadas reuniões com o grupo gestor do Fórum, debates, rodas de diálogos e entrevistas sobre o trabalho do Fórum nas áreas de atuação. Alguns questionamentos e problematizações foram fundamentais para nortear os debates e colher informações a respeito dos trabalhos realizados no âmbito do Fórum, como:
- Na produção de xaropes, como colher as raízes e cascas? Qual tempo de cozimento? Como engarrafar? Qual a melhor hora pra colher as cascas? - Sobre plantio nos quintais, quais culturas? Como guardam as sementes? Quais os tipos de sementes? Como é o armazenamento? Quais as dificuldades? E como é a aceitação das sementes na comunidade? Como adquiriram conhecimentos e práticas sem ATER? Como e quais os conhecimento adquirido com ATER? Um dos aspectos que deve ser considerado é que o Fórum vem enfrentando muitas dificuldades para se reunir e ter uma companheira que se dedique em organizar o grupo, como também a sobrecarga ou empoderamento de atividades deixa, na
Para a elaboração da Visão de Futuro, de forma lúdica e integradora, as participantes fizeram um desenho coletivo. O significado do desenho foi sistematizado no seguinte texto: “O Fórum espera que as mulheres busquem mais autonomia e independência financeira e ser formadora de opiniões com participação nas associações, na política e nas feiras agroecológicas, divulgando seus trabalhos de artesanato e beneficiamento de alimentos. E sempre unidas na resolução dos problemas e buscando independência na agricultura, na segurança e soberania alimentar, na comercialização, na educação e nas organizações de base.”
Forma de organização do Fórum
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Sobre a Metodologia
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Está baseada nas demandas colocadas pelas mulheres, seguindo o Plano de Trabalho Anual discutido em assembleia de equipe colegiada. As atividades planejadas obedecem a um calendário de ações junto às comunidades. Tais atividades são apoiadas pelas organizações que são parceiras do Fórum, a exemplo da Associação Conviver no Sertão.
Sobre Mirandiba
A experiência do Fórum está localizada no município de Mirandiba, no estado de Pernambuco, a uma distância de 423 km da Capital, Recife. Mirandiba é um nome indígena que significa Porco Queixada. Administrativamente, o município é constituído pela sede e dois distritos: Cachoerinha e Tupanci. As comunidades tradicionais rurais do município de Mirandiba são historicamente preconceituosas com mulheres e negros. Especificamente, distantes da sede do município: as comunidades quilombolas de Feijão e Posse estão a 4km; o quilombo Araçá a 18km; Cachoerinha está a 20 km; e Croatá fica a 18 km. Carnaubeira da Penha, município vizinho, está localizado na região de Itaparica. Todas essas localidades têm atuação do Fórum também.
Resultados e desafios
Analisando a participação e o trabalho das
mulheres, a experiência demonstra ampliação de conhecimentos das mulheres na agroecologia e o seu papel na consolidação dos sistemas de base agroecológica. Nesse contexto, as mulheres aprenderam a desenvolver várias técnicas como: - Fazer cobertura morta; - Composto orgânico; - Bio fertilizante; - Plantio diversificado; - E defensivos naturais. Antes de conhecer e ter oportunidades de participar do Fórum, as mulheres seguiam a tradição e mesmo assim já faziam a plantação consorciada, com alternância de culturas. No entanto, desmatavam e queimavam (brocas) o solo, porque não tinham a consciência que essas práticas destruíam o meio ambiente. O Fórum por trabalhar com mulheres vem retratar e contar um pouco das experiências vividas por elas ao longo de sua trajetória de vida. Ao mesmo tempo, fazendo um paralelo de seu conhecimento tradicional com o conhecimento adquirido na ATER através dos encontros e reuniões, tiveram a oportunidade de vivenciar e participar das atividades, como: cuidar da alimentação dos animais em que as mulheres ofereciam de forma natural; com as orientações da ATER foram incentivadas a fazerem o uso da forrageira na produção de feno (como fazer a fenação); sanidade
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Um desafio durante trajetória do Fórum foi a assessoria técnica. O Fórum sempre enfrentou esse problema com as mulheres. O atendimento se dava através de palestras, oficinas debates e do projeto produtivo. Neste projeto produtivo, tivemos uma assessoria pela Casa da Mulher Nordeste, como também nas chamadas de ATER. Em relação à Associação Conviver, não vemos como uma assessoria técnica, mas como uma organização parceira, que contribui financeiramente para o andamento de algumas atividades. No entanto, nessa parceria não sentimos a preocupação com as questões feministas, uma vez que trata das questões inseridas no grupo familiar. Já de outras organizações não tivemos assessoria técnica. Entretanto, mais à frente pode surgir novas parcerias e uma asses-
soria voltada às questões do CAR (Cadastra Ambiental Rural), que é uma demanda nas comunidades - principalmente nas comunidades quilombolas e indígenas. A primeira experiência com agroecologia de forma acompanhada foi com a Associação Conviver no Sertão. Na época, a ação se dava junto às associações dentro do PAA (Programa de Aquisição Alimentar), em que era significativo o percentual de mulheres inscritas no Programa. Era cerca de 50% das mulheres - oriundas das associações. O grupo se identifica como mulheres de comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas - que historicamente pela situação de vida e vivências se caracterizam como: São as agricultoras responsáveis pela maior parte da alimentação da família. É muito comum trabalhar ativamente junto com seus “companheiros” nas atividades produtivas da família. Hoje, muitas delas também são chefes de famílias, em que são invisibilizadas na família e na sociedade como produtoras rurais e descaracterizadas por serem mulheres. As mulheres produzem uma diversidade de produtos, dos quais alimentam suas famílias e vendem o excedente para garantir o sustento de suas famílias que, na maioria das vezes, são “castradas” quando seus companheiros ficam de posse dessa renda. Nessa situação, elas se sentem im-
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animal; como cuidar da adubação do terra sem agrotóxico, e tantas outras atividades. Foram algumas conquistas importantes na parte da produção e na vida delas: ampliaram sua renda e seus conhecimentos; tiveram mais oportunidades de trabalho; e o principal, hoje, elas têm o trabalho reconhecido. Através da ATER, o Fórum passou a ter um acompanhamento na produção agroecológica das mulheres e desenvolvendo ações na cadeia produtiva, visibilizando não apenas no espaço de produção como também no espaço da família e no social.
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potentes para reverter a situação por falta de conhecimentos de seus direitos e valorização de seus conhecimentos globais/ tradicionais (o patriarcalismo, o trabalho da mulher como “ajuda”, a submissão da mulher etc). Hoje, esse retrato vem cada vez mais se revertendo, graças às oportunidades que os movimentos de mulheres vêm proporcionando e solidificando seu compromisso em debater de forma mais profunda sobre o tema feminismo, dando visibilidades ao trabalho das mulheres, entres outras temas relacionados. As mulheres produzem produtos da agricultura familiar, como: hortaliças, pequenos animais, pães, biscoitos, polpas de frutas, xaropes, mudas e sucos verdes. Essa produção tem como prioridade a alimentação de sua família de forma sustentável e que vem também garantindo a sua independência financeira. Consequentemente, foi a partir de suas participações em encontros que elas se fortaleceram e passaram a ter o trabalho valorizado. Ao mesmo tempo, o Fórum tem um papel importante na vida dessas mulheres, levando as informações para que a cada dia elas se tornem “donas” de si e tomem decisões e ocupem, de fato, seu espaço na família e na sociedade.
Quando olhamos para o trabalho dessas mulheres, deparamo-nos quantas dificuldades e quantas situações de opressão as mulheres sofreram durante toda a vida antes de terem a oportunidade de participação nos espaços. Elas começaram a perceber que a garantia desses direitos é bem mais difícil quando as mulheres não participam das discussões e das informações em pauta. Nesse sentido, a vida mulheres sempre foi uma vida muito difícil, por causas das situações colocadas na sociedade. Esse contexto contribui para que as mulheres enfrentem esses desafios a todo instante. (Antes do Fórum) “Oxe, mesmo quando eu estava cansada tinha que fazer as coisas, se faltava lenha tinha que ir pegar muitas vezes com menino no braço. Não tinha com quem deixar, forrava o chão e deixava o menino sentado enquanto cortava lenha ou quando ia pegar agua no açude” (Gilvaneide Gomes da Silva Souza). (Depois do Fórum) “Hoje faço as obrigações de casa quando estou com vontade. Não tenho mais a obrigação de fazer tudo na hora certinha! Estou mais livre e com mais tempo.” A experiência tem como foco principal o conhecimento das mulheres em relação
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O debate com as mulheres se iniciou fazendo um resgate do trabalho delas, desde sua avó, sua mãe, elas como filhas, elas e suas filhas, até chegar os dias de hoje. Trazemos essas percepções ao longo do tempo e as questões levantadas para as ações de ATER. É histórica a invisibilidade das mulheres, que na visão do Fórum essas mulheres sempre fizeram ATER. Quando afirmamos isso é pelo fato de que as mulheres sempre tiveram o cuidado maior com a terra, sempre fizeram diferente nas atividades e na forma de plantio, um jeito especial de guardar e cuidar das sementes. As mulheres são mais solidárias e unidas: umas vão com as outras buscar água; e compartilham conhecimentos entre elas. Por questões machistas e governamentais, foram descaracterizadas de seu trabalho e da sua importância na sociedade; e “descredenciadas” de suas atividades no trabalho urbano, e principalmente no rural. Tal fato acontece quando reivindicam alguns
benefícios sociais que precisam de comprovação da atividade rural para acessarem as políticas públicas. As mulheres em seu espaço de produção da família eram tratadas como apenas uma “ajudante” e achavam que seu papel seria sempre servir como “escravas do lar ou de um senhor”, em que de mulher para outra mudava só de “dono”. Sair do seio familiar para participar de reuniões ou outros espaços políticos era quase que impossível. Foram acostumadas a servir aos outros com outras tarefas e outras responsabilidades domésticas e sexuais (produtivas e reprodutivas). Elas relatam que essa submissão era a coisa mais normal do mundo, pois aprenderam dessa forma, sem questionamento algum. E hoje vivenciam mudanças, que para desconstruir enfrentam conflitos a todo instante em todos os espaços. Uma das dificuldades foi de convencimento no próprio meio familiar, onde os maridos se sentem “donos” das mulheres, com as quais contraíram matrimonio de forma, muitas vezes, “arranjadas”, por convenção social. Os tempos mudam! As mulheres começam a participar de encontros e reuniões em suas comunidades. Começam a quebrar as “algemas” de forma própria e com estratégias particulares para conquistar seus espaços. Muitas delas são assassinadas por reivindicar e correr atrás de seus
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ao trabalho agrícola e medicinal, desenvolvido nas suas áreas de produção e a valorização do seu papel. A grande importância desse trabalho é tornar esse conhecimento visível para que as mulheres possam mais tarde se ver inseridas na linha do tempo do movimento e da sua história, mesmo não sendo contada especificamente por elas.
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direitos. Essas mulheres não estão só no Sertão de Pernambuco. Elas estão em todo o país, em todos os estados, em todos os municípios e em todas as comunidades urbanas e rurais.
fazia uma roda e forrava com um pano (a rodilha), mas mesmo assim a quentura era grande. E andava muito, pois a roça ficava distante”, relata umas das integrantes do Fórum de Mulheres.
No entanto, muitas coisas ainda precisam avançar e fazer valer. As mulheres ainda se sentem “aprisionadas” em seus diversos espaços políticos e nas tomadas de decisão, pois as leis desse país não são respeitadas e cumpridas como deveriam, em sua totalidade. Sem falar na capacidade de discernimento dos agressores, que se sentem ameaçados e afrontados com as leis que dão diretos plenos às mulheres. Ainda hoje muitas mulheres são mortas, porque buscam a sua “liberdade”.
As mulheres durante seus depoimentos falaram que, muitas vezes, levavam uma vida de escrava, sem dá conta de que eram escravizadas, pois achavam normal a atitude as quais eram submetidas. Mas, mesmo assim, discordavam muitas vezes da situação e daí começavam os conflitos, principalmente na família.
Valorizar os conhecimentos em produzir de forma sustentável sempre esteve no discurso das mulheres e em suas atitudes. Essa situação acontece à medida que elas cuidam das sementes, quando escolhem um cantinho no roçado - mesmo sem seu companheiro aceitar, para fazer o plantio - ou quando recolhem as latinhas de alumínio, o vidro e a sacolinha para armazenar as sementes. As mulheres sempre tiveram uma vida difícil, tendo que cuidar dos filhos, da casa e do roçado. ‘’Lembro que eu tinha que ir junto com minha mãe levar comida na roça para os trabalhadores. Eram umas panelas grandes e pesadas. Sem falar que era muito quente, mas ela
Oura questão que requer atenção em relação a produção ao redor de casa, e considerado um dos maiores problemas, é a quantidades de agrotóxico consumido por todos e todas as brasileiras, sem controle. Abaixo, alguns desafios enfrentados no dia a dia em relação à produção e à organização enquanto um coletivo de mulheres: - Garantir a sustentabilidades da produção; - Sementes insuficientes e de baixa qualidade; - Melhorar a qualidade das sementes; - Manter o funcionamento e os debates do grupo; - As integrantes do Fórum não se colocam a frente das discussões, sobrecarregando algumas do grupo; - Manter e reconhecer internamente a importância do trabalho e dar continuidade;
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Entretanto, o principal desafio a ser superado foi a vontade de ser livre para fazer o que elas queriam dentro do sistema de produção. Visto que sua produção não era valorizada por ser cuidada por mulheres. Elas têm uma visão de sustentabilidade, de ter sempre algo, que não precise comprar e, sim, partilhar entre as mesmas. Passaram a obter direitos antes negados. E isso se deu a partir da participação junto com os movimentos sociais comprometidos com o desenvolvimento e a valorização dos grupos - que se mostraram com essa vontade de mudança de comportamento, em que ambos já tinham parcerias com outras organizações com trabalhos específicos voltados às mulheres e ao fortalecimento de bancos de sementes comunitários.
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- Fortalecimentos de bancos de sementes comunitários; - Capacitações em processamento de frutas.
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SISTEMATIZAÇÃO DA ATER MULHER DO ASSEMA Linalva Cunha Cardoso Silva, Cristiane Rego e Luciana Gomes
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“(...) antes eu era uma. Hoje tenho um outro sentido.” (Maria Antonia, 44 anos, comunidade Piçarra, São Luiz Gonzaga - MA)
1) APRESENTAÇÃO A Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão - ASSEMA é uma organização privada sem fins lucrativos de caráter regional, criada e liderada por agricultores (as) familiares rurais e extrativistas do coco babaçu, desde 1989. A mesma tem como missão desenvolver estratégias para a melhoria da qualidade de vida das famílias agroextrativistas, através da luta pela ampliação do acesso ao direito à Alimentação, à Educação e ao exercício amplo e democrático da Cidadania. Trata-se de uma organização mista (mulheres e homens) de luta por direitos de forma ampla, reconhecendo todas as desigualdades que recaem sobre os direitos das mulheres e juventudes. Neste cenário desenvolvemos ações de combate as essas desigualdades e suas transversais no âmbito pessoal, familiar e institucional. Assim, a ASSEMA, ao longo de sua existência
vem buscando desenvolver, juntos aos sujeitos de direitos por ela priorizadas, ações que contribua para o melhoramento da qualidade de vida de cada uma, cada um dentro de sua área de atuação. As mulheres, neste sentido, tem sido priorizadas com ações direcionadas conforme suas necessidades, dentro de suas organizações locais, comunidade e âmbito familiar. E para que, tais necessidades, sejam atendidas com apoio político, social e econômico a ASSEMA buscou mobilizar políticas públicas direcionadas que compreendesse o atendimento correspondente as demandas solicitadas pelas mulheres, em outros espaços políticos de mobilização nacional, com o governo federal via à proposta técnica do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA e à Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais e Quilombolas – DPMRQ, em atendimento a Chamada Pública N° 03/2013 DPMRQ/ MDA que disciplina a chamada pública de seleção de entidades prestadoras de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural para A Agricultura Familiar em Territórios da
¹Historiadora, Integrante da Equipe Técnica da ASSEMA no Programa de Formação e Acesso a Direitos; Pedagoga, Integrante da Equipe Técnica da ASSEMA no Projeto ATER Mulher; Pedagoga, Assessora Técnica do Programa de Formação e Acesso a Direitos, responsável direta pela Campanha Amiguinhos da ASSEMA.
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de mulheres e homens (jovens e adultos) em todas as esferas da Assistência Técnica.
2) Contexto institucional
No Estado do Maranhão, verificaram-se intensos conflitos pelo acesso à terra, nos anos 70 e 80, quando a política oficial do Estado determinou o cerceamento dos campos naturais e derrubadas das matas extrativistas (babaçuais, açaizais, buritizais e outros), antes apropriados pelas famílias de agricultores (as) em regime de usufruto comum, para dar lugar a bovinocultura e monoculturas. Na região do Médio Mearim - MA, entre os anos 90 a 96, as terras voltaram parcialmente para as mãos dos pequenos e médios proprietários (até 500 ha)³. O retorno destas famílias foi marcado pelos maiores conflitos fundiário observados na região, com incidência de perdas de direitos humanos (mortes, torturas, agressões, destruição de bens materiais, produtivos, calúnia e difamação moral) e generalizados processos de devastação ambiental (queimadas, uso de agroquímicos, introdução de plantas agressivas, compactação do solo pelo uso de máquinas pesadas, destruição dos babaçuais e lençóis freáticos), provocados pela pecuária extensiva e os monocultivos agrícolas.
² Bernardo do Mearim (10 famílias), Capinzal do Norte (20 famílias), Esperantinópolis (20 famílias), Igarapé Grande (10 famílias), Joselândia (10 famílias), Lago da Pedra (20 famílias), Lago do Junco (20 famílias), Lago dos Rodrigues (10 famílias), Lima Campos (20 famílias), Pedreiras (20 famílias), Poção de Pedras (20 famílias), Santo Antonio dos Lopes (10 famílias), São Luís Gonzaga do Maranhão (10 famílias), São Raimundo do Doca Bezerra (10 famílias), São Roberto (10 famílias) e Trizidela do Vale (20 famílias). ³ SOUSA, Antonio Cesar Carneiro de. Domínio da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural pelas Entidades de ATER no Maranhão. São Luis – MA (mimeo), 2006.
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Cidadania, de acordo com a Lei 12.188/2010 e seguindo as diretrizes da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). Este projeto toma como público, beneficiárias agricultoras familiares. O Projeto ATER mulher, acessado pela ASSEMA, teve como objetivo realizar intervenção direta junto às famílias, a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural contextualizada, para 240 (duzentas e quarenta) Unidades de Produção Familiar (UPF) de mulheres agricultoras, extrativista e pescadoras artesanais não assentadas da reforma agrária, dos 16 municípios do Território da Cidadania do Médio Mearim² no Estado do Maranhão, distribuindo o número de famílias a serem atendidas por cada município, visando: mobilizar, diagnosticar, desenvolver processos de socialização de dados, formação social, produtivos, gestão, monitoramento e acesso às políticas públicas com base nas práticas agro ecológicas, organização da cadeia de produção e comercialização, com foco na sensibilização para a prática da economia solidária e do comércio justo, trabalhando com uma abordagem participativa, adotando uma pedagogia educativa de forma ampla e interativa fazendo uma abordagem fundamental para o alcance do objetivo proposto que é a transversalidade das relações de gênero e geração, partindo do princípio e meta que é garantir a participação equitativa
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Além destes problemas, o Maranhão é um dos Estados brasileiros que apresenta os maiores índices de desigualdade social. 62,3% da população encontram-se vivendo abaixo das condições permitida pela OMS, sendo que, a questão se agrava nas áreas rurais. Possui cerca de 420 mil famílias de Agricultores familiares, o que equivale a cerca de 2,1 milhões de pessoas. São assentadas, posseiras, meeiras, arrendatárias, assalariadas rurais, extrativistas, sem-terras e pequenas proprietárias (no Maranhão existem mais posseiras e arrendatárias). De acordo com o DESER (2005, p.26) estima-se que em torno de 300 mil mulheres estão envolvidas com a atividade de quebra de coco da palmeira de babaçu no estado. Outro aspecto contextual vigente, a ser considerado, e que, vem despertando preocupações se remete a nova fronteira agrícola brasileira, conhecida como MATOPIBA, que segundo as expectativas deverá responder por 7,90% da produção de grãos, nos estados nordestinos do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Trata-se de um projeto político/econômico que representa grande ameaça ambiental e fundiária aos processos de transição agroecológica priorizados pela instituição. A população maranhense é formada em sua maioria, por comunidades tradicionais que vivem da agricultura familiar e extrativismos. Porém o modelo de desenvolvimento
proposto pelo MATOPIBA deixará à margem essas populações, pois vai absorver produtores rurais de classes mais altas que já desenvolvem o agronegócio de forma insustentável. Nesse cenário prevemos o acirramento dos conflitos agrários, já que o Maranhão é possuidor de grandes problemas de regularização fundiária, onde existem muitos posseiros nas áreas atingidas pelo programa, sem terras legalizadas. Além do fato de termos 100% dos municípios de atuação da ASSEMA incluso no MATOPIBA, tendo 135 municípios maranhenses atingidos pelo programa, dos quais 17 estão nas regiões do Médio Mearim, Cocais e Vale do Mearim. Compreendendo os desafios a serem enfrentados, a ASSEMA lança mão de buscar estratégias que norteie a realidade dos sujeitos de sua área de atuação, dando uma atenção as mulheres extrativistas, trabalhadoras rurais, mãe, donas de casa, integrante das organizações locais e produtoras, como as mais atingidas, pelos desafios de uma crença religiosa forte, multiculturalista, patriarcal, culminando um preconceito econômico que impede, ameaça e agride o jeito de pensar e viver das mulheres trabalhadoras rurais traçada pela divisão sexual do trabalho e a violência da mulher em seus diferentes tipos. O enfretamento cotidiano, impulsiona nestas, através do empoderamento econômico, político e social, o desejo se reafirmarem, enquanto detentoras de direitos, ocasionados pelos diversos espaços de formações, principalmente, no âmbito familiar e das
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3) Metodologia utilizada na sistematização
A metodologia utilizada na elaboração da sistematização foi construída em duas etapas. A primeira foi realizada com as Técnicas que trabalham diretamente no acompanhamento das mulheres dentro do projeto ATER Mulher através de uma avaliação, onde se buscou todos os elementos relevantes do contato direto, tido com as mulheres durante o processo de execução das atividades do projeto e suas experiências frente as dificuldades encontradas durante toda caminhada que despertasse nas beneficiárias a confiabilidade e o desejo de ver, neste percurso, a sua transformação pessoal. Aprimeira etapa aconteceu com as técnicas que trabalharam no projeto ATER mulher, na sede da ASSEMA, com contribuição da Assessora Técnica do Programa de Formação e Acesso a Direitos, Luciana Gomes que trabalhou a metodologia, onde foi realizado uma roda de diálogos com temas geradores que trouxesse em suas falas, o desenvolvimento do percurso, apresentando as dificuldades, os pontos focais relevantes das relações interpessoais
construídas. A segunda etapa foi realizada com as mulheres na igreja da comunidade Santana no município de São Luiz Gonzaga – Ma, coordenadas pelas Técnicas Linalva Cunha e Cristiane Rego, utilizando o método Rio da Vida com o grupo para contribuir na partilha das sentimentalidade de cada uma sobre o atendimento e sua atuação no projeto.
4) Um olhar técnico sobre o projeto
As técnicas foram convidadas a participar de uma dinâmica para dar início a construção coletiva de uma avaliação pessoal e coletiva no Trabalho de Assistência Técnica do Projeto junto às 240 mulheres4 atendidas pelo projeto. Assim, foi disponibilizado diversas questões, dentro de balões, onde cada um continha uma pergunta para ser discutido com as técnicas. Estas foram instigadas a pegar, alternadamente, um balão para responder posteriormente a pergunta contida. Foram cerca de 10 questões sobre: Aprendizado trazido pelo projeto para vida das técnicas. As dificuldades na execução dos projetos juntos as mulheres, para a execução das atividades do projeto, houve uma formação direcionada? A metodologia utilizada contribuiu para atingir os objetivos do projeto? Como as técnicas visualizaram suas intervenções junto as famílias e qual o retorno obtido? Como foi
As mulheres presentes são beneficiárias do Projeto ATER - Mulheres do Médio Mearim e Babaçu Livre provenientes de 03 comunidades como: Santana, Piçarra e Boa Esperança.
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organizações locais, projetos, unidades produtivas, intercâmbios onde visa despertar sua consciência e a autoconsciência das relações de poder na sociedade.
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a contribuição institucional para a realização do projeto? Que avaliação técnica as mesmas faziam do projeto com o resultado final? Quais foram suas maiores dificuldades durante o desenvolvimento do projeto? Assim as técnicas levantaram que as dificuldades relevantes giraram em torno: Deslocamento, conquistar as mulheres a permanecerem no projeto durante sua vigência, a falta de parceria nos municípios para desenvolver o projeto; saídas de mulheres do projeto por motivos afins; o fato do edital do projeto ser amarrado a questões que divergem à realidade de muitas mulheres dificultando, inclusive, qualquer (re) configuração diante das limitações de parte das mulheres; Algumas mulheres tiveram dificuldades em obter apoio de seus companheiros; Ausência de autonomia, de algumas, na execução de sua atividade e administração dos recursos após terem feito a comercialização de seus produtos. Com relação a instituição, esta, cumpriu com o apoio financeiro necessário para garantir que as questões fossem direcionadas às mulheres. Principalmente, na burocracia junto ao MDA para viabilização do fomento e substituição de mulheres no projeto. No entanto, faltou o direcionamento da coordenação do projeto ser conduzido por uma mulher. Isto dificultou, não só o diálogo e compreensão sobre as dificuldades pertinentes e peculiares, encontradas nas comunidades e municípios. Mas, também, construir outras alternativas com as próprias técnicas. Trouxe, ainda, ausência de
autonomia das próprias técnicas, flexibilidade, sintonia no momento de executar as atividades e presença de uma coordenação machista. Exceto na adequação da metodologia de aplicação do projeto, principalmente nas formações, onde as técnicas conseguiram autonomia para tal feito. No que diz respeito as formações, estas ocorreram de maneira tranquila, tendo a contribuição direta, do Programa de Formação e Acesso a Direitos da ASSEMA trabalhando temas como as questões de Relações de Gênero, Divisão Sexual do Trabalho e Economia Feminista. A metodologia da formação foram construídas com as técnicas e executadas em parcerias com estas em todos os municípios. No entanto, houve fatores que deixou a desejar sobre a ausência de algumas mulheres. Contudo, houve mulheres que mudou sua relação com o companheiro a partir da formação, Houve formações que todos os maridos das mulheres estavam presentes; Mulheres ficaram mais autônoma na escolha das atividades que queriam trabalhar, aumentou o número de participação de mulheres em outras formações, espaços políticos realizados por mulheres, um exemplo foi a participação de mulheres do projeto na Marcha das Margaridas. As técnicas apontaram que no geral não houve nenhuma dificuldade em iniciar um diálogo com as mulheres, pois, foi utilizado uma linguagem acessível, para que elas
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“Acho que foi alcançado o resultado do projeto, com sua função, com sua finalidade. Ele deu seu resultado, mas, acho que a instituição deveria dar continuidade ao acompanhamento das mulheres, mesmo com a finalização dele. Isto por que, estas mulheres estão dentro da área de atuação da ASSEMA e tem um fator muito mais relevante que é a esperança, a autonomia, o descobri de si que o projeto conseguiu despertar nas mulheres e que precisaria continuar. Pois, abandoná-las, pode configurar uma missão cumprida pela metade. E o projeto deveria pensar para além dos dois anos.” (Cristiane Rego, Pedagoga e Técnica do Projeto ATER Mulher na ASSEMA) Dentro das relações construídas, houve uma preocupação das técnicas de trabalharem o projeto para passos maiores com a certeza que seria possível esta continuidade de acompanhamento das mulheres em todas as ações do plano institucional. No entanto, elas trouxeram uma certa flexibilidade para esta visão do que foi possível alcançar com este projeto, olhando, não apenas as dificuldades institucionais, mas, principalmente, das próprias beneficiárias, conforme a afirmação de Teresa Cristina (Assessora Técnica do Projeto).
“Eu tenho um ponto de vista diferente do próprio projeto, para mim o resultado do projeto não era só a produção produtiva, mas o desenvolvimento final seria delas
É a união e aliança entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum.
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entendessem o projeto Ater mulher e que o contato, os momentos de formações, orientações técnicas, articulação política e visitas, realizadas durante os dois anos do projeto, foram imprescindível para construírem uma relação interpessoal fraterna, de confiabilidade e respeito, principalmente, com as mulheres e, alguns, companheiros. Em nível pessoal, estas se vêm contemplado com a experiência de trabalho neste projeto, pois, vivenciaram, sentiram e ouviram histórias de dificuldades que se relacionava muito com o jeito e a forma como as mulheres são vistas em casa e dentro da comunidade que mexe diretamente com a sua importância enquanto seres dotadas de direitos sexuais, de gênero, familiar e trabalho. Inclusive, uma das técnicas percebeu, através dos depoimentos das mulheres, que deveria haver mudança nas suas atitudes e entendimento sobre a sororidade5 feminina e a forma como adquiri o respeito e enfrentar a violência moral e sexual dentro de sua casa e nos demais espaços públicos. Assim, elas foram apontando referenciais dentro do processo de execução olhando a peculiaridade de cada mulher dentro do projeto, de maneira que, em seus depoimentos, foram apontando suas opiniões com relação aos resultados e as críticas e proposições futuras do acompanhamento às mulheres dentro e fora do projeto. Neste sentido colher suas falas numa perspectiva de avanço ficou claro no depoimento de Cristiane Rego, Técnica do Projeto na parte pedagógica dizendo:
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com elas. Não conseguimos levar formação e conhecimento a todas as mulheres e nem todas conseguiram gera renda para sua família. Mas, isto não dependeu só do projeto e nem só da instituição. Havia outras questões externas que impediam tal participação e desenvolvimento. No entanto, eu vejo que é notável que conseguimos, em muitas mulheres, despertar o desejo por uma autonomia do plantar, colher, comercializar, administrar o recurso, no dizer a violência física, moral, psicológica e sexual. E isto, é gratificante quando ouvimos em seus depoimentos. Não foi um trabalho fácil, mas, é um trabalho possível e necessário.” (Teresa Cristina, Técnica Agrícola do Projeto ATER Mulher) Os resultados foram colhidos de várias maneiras, dentre elas, no momento do Seminário Final de Avaliação e Monitoramento, onde, através dos depoimentos foi possível constatar: A autonomia já mencionada nas linhas anteriores, o melhoramento do diálogo com seus companheiros, reconhecimentos, destes, pela mudança de suas companheiras e, um destaque relevante, foi a participação de 10 mulheres em todas as atividades do projeto, mesmo sem ter recebido o fomento para implantação de sua atividade produtiva, provocada pela burocracia do projeto, mas, que se sentiu motivada em participar e adquiri formação, informação e assistência técnicas em atividades que já vinha desempenhando
em seus quintais. Além da presença das crianças nas atividades recreativas realizadas paralelas às formações, onde possibilitou a participação das mulheres nestes momentos e desenvolvendo temáticas que contribuísse com as crianças em uma educação contextualizada através de brinquedos educativos e criativos.
5) O trabalho coletivo construído com as mulheres
Na segunda etapa foi realizado com as mulheres, onde desenvolvemos uma metodologia distribuídas em 04 momentos distintos, favorecendo não apenas a coleta de sentimentalidade das mulheres, mas, principalmente, a compreensão de uma construção coletiva e participativa de todas sobre o que foi este projeto para elas nas diversas fases de sua aplicabilidade. Pensando num desdobramento que contribuísse para a participação de todas, compartilhando o que pensam, o que sentem e o que veem no/do projeto para os passos futuros, sem deixar de contextualizar com as vivências na construção do todo, contribuindo para o exercício da fala e da partilha. Partimos do princípio que para sistematizar estas falas seria preciso explicar o porquê do registro e quais suas finalidades no processo de visibilizá-las no projeto e que retorno teríamos para fortalece-las enquanto mulheres,
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6) E a mulherada falou!
De acordo com o depoimento de todas foi possível resgatar, colher e entender aquilo que elas queriam que fosse posto para averiguação de todas, a partir do princípio de como cada uma ser ver nesta relação com as técnicas e de como isto teve e tem influência direta no desenvolvimento do projeto e no
sucesso, deste, para suas vidas e das técnicas. Assim elas relataram questões como: Sentir-se a vontade através da maneira como as técnicas dialogavam, obtenção de informações que nunca tinha tido acesso; As orientações, desde o início ajudaram na forma de fazer o trabalho com os animais e as explicações repassadas contribuiu para que o projeto acontecesse. E teve outras que ligaram sua participação no projeto e a inclusão na Associação de Mulheres no Município, obtendo assim, outras informações de interesse das mulheres. Contudo, houve mulher que acrescentou a necessidade dos técnicos conhecerem melhor sua realidade, seu jeito de conduzir o projeto e as limitações. Ter mais paciência! Nas políticas públicas e gestão na comercialização elas foram enfáticas em destacar sua autonomia quando disse no ato da socialização:
“Conseguir fazer a gestão do meu projeto com a orientação da técnica. A compra de todo material, notas e tudo foi eu. Participei da feira agroecológica no município. Conseguir levar azeite, artesanato, tapioca, farinha branca. Eu vi que o projeto é meu! Consigo vê-lo como uma coisa de minha total responsabilidade. A única coisa que meu marido fez foi comprar a tela. Mas, as notas vieram para meu controle.” (Maria Antonia Passos da Silva Idade, 44 anos, Comunidade Piçarra, Município de São Luiz Gonzaga)
Com algumas mudanças internas de atendimento a área de atuação da ASSEMA, houve mulheres que foram acompanhadas por integrantes da Equipe Técnica masculina.
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produtoras e beneficiárias do mesmo. Com isto, utilizamos uma dinâmica que quebrasse a dormência da timidez que tomava conta de parte das mulheres, olhando para a especificidade de cada uma e respeitando que, algumas mulheres, se encontram participando, pela primeira vez, de um projeto como este. Assim, fez-se necessário construir o rio da vida com elas, onde pudessem expor sua trajetória no projeto trazendo todo as dificuldades, as conquistas, as surpresas e as parcerias, retratada pelos afluentes e/ou rio principal, onde os passos dados apresentassem seus sentimentos, suas dores. Depois com a socialização houve a identificação do meu EU no projeto e como eu me sinto inserida neste rio? A utilização de tarjetas, preenchidas por elas, foram as ferramentas necessárias para retratá-las. Na oportunidade, elas brincaram com o seu jeito de escrever, desenhar, e expor suas opiniões. Ao final as mulheres fizeram sua avaliação construindo uma mandala, sentadas em círculos no chão, partilhando seus sentimentos pela participação nesta construção coletiva.
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Esses e outros depoimentos reforçou que várias iniciativas do projeto fortaleceu o sentimento de pertença, abriu portas para buscar outras estratégias de Políticas Públicas vigentes, disponibilizadas para mulheres extrativistas como o Programa do Preço Mínimo do Babaçu – PGPM. Ou seja, era ali, uma outra renda que elas poderiam acessar e acrescentar em sua renda familiar, como destaca a Antonia Dalva.
(...) acessamos o PGPM e vemos ele como um dinheiro que ajuda a melhorar a nossa renda, a dar preço melhor ao babaçu. E o projeto ATER MULHER trouxe essa outra luz! Além da formação que nos ajude na organização, na comercialização. Ainda não foi possível desenvolver tal comercialização dentro das redes de comercialização solidária, infelizmente, ainda não estamos inseridas. Mas, vemos a importância disto também.” (Antonia Dalva, diretora da ASSEMA, mulher atendida pelo projeto; comunidade Boa Esperança, Município de São Luiz Gonzaga – Ma)
7) A transformação chegou!
Em meio a partilha de sentimentos, um bem importante, se deu pelas transformações sentidas por elas ao longo dos anos de trabalho e acompanhamento técnico no projeto. E trazer para a roda o significado destas transformações, refletiu, inclusive, na espontaneidade da fala, dos gestos com as mãos, nos sorrisos, nos olhares. Era ali, um outro
olhar! Dona Raimunda fez esta colocação com muita propriedade e confiança.
“(...) eu já tinha autonomia e com o projeto aumentou mais ainda. Outra coisa é que eu nunca me vi comercializando numa feira. Depois percebi que eu tenho muita coisa para levar, para comercializar. Isto, também, me fez ver que eu preciso produzir mais para comer bem e melhor, além de aumentar a minha renda.” (Raimunda Ferreira Lima Andrade Idade: 47 anos, comunidade: Piçarra, São Luiz Gonzaga – Ma) Foi a mesma situação com as mulheres que nunca tinha participado de reuniões e que, diante das atividades, iniciou esta participação e foi despertando o seu desejo em conhecer mais as temáticas voltadas para as mulheres e, principalmente, o debate que acontecia de uma companheira para outra. Havia, na fala delas, que as questões domésticas já não era o ápice que coordenava o seu dia-a-dia, mas, que outros espaços, outros assuntos era importante para se ver, não apenas dentro do projeto, mas, principalmente, nas decisões das questões que ocorriam na família, na associação da comunidade e igreja. Elas viram que ali encontrava-se o primeiro espaço a ser buscado, para só então, aprender a caminhar por outros caminhos que permitissem, elas, participarem de eventos que ultrapassem os limites da comunidade, e até, do município. O depoimento de Maria Antonia Passos da Silva nos revela que isto é possível.
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Estas descoberta, nem sempre, acontecem com a mesma rapidez que desejamos. O certo é averiguar que elas acontecem de maneira homeopática dentro de estratégias que, as próprias mulheres, vão construindo sobre suas limitações, numa realidade abarcada por fatores internos e externos do cotidiano vivenciado por elas, além das barreiras patriarcais sustentada pela cultura e pela
região. Assim, romper com estas questões não é fácil! Mas, elas conseguiram compreender, a diferença entre receber um não como resposta, e o direito a fazer o que quer. E neste sentido, o projeto, mais uma vez, conseguiu trazer a luz alguns enfrentamentos, conforme a fala de Maria Raimunda Leocádia.
“(...) meu marido um dia me disse que eu não ia participar das reuniões da associação por que era dois dias. E eu disse: Eu vou sim! Por que vou discutir assuntos que mim interessa. É assunto de mulher! Foi assim que passei a frequentar e me associar a organização das mulheres de São Luís Gonzaga. Ele começou a entender a importância das reuniões e não implica mais. Nas reuniões discutimos até a Lei Babaçu Livre. Eu vejo que antes, eu não ia para lugar nenhum, não conhecia nada, hoje eu ganhei outro sentido(...)” 8
8) Nosso rio de sonhos e expectativas
Todas as mulheres entenderam as mudanças ocorridas e a necessidade de dar continuidade ao desenvolvimento do projeto e, quem sabe, até multiplicar em outras atividades produtivas comungando com as tarefas domesticas, cuidados com os filhos, quebra do coco e trabalho em seus quintais. E para isto, seus sonhos transcende a limitação de tempo do projeto. Suas expectativas avançam para outras possibilidades fortalecendo aquilo que já foi realizado por elas e suas famílias.
Maria Antonia Passos da comunidade Piçarra do município de São Luiz Gonzaga – MA, foi umas das mulheres que não conseguiu receber o fomento do Projeto para investir em sua propriedade, mas que, não desistiu de participar dos intercâmbios e das formações. Mesmo assim, solicitou que a técnica garantisse a ela o acompanhamentos nas outras atividades que já desenvolvia.
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“(...) a minha participação em reuniões nunca acontecia (antes). Eu não andava, eu tinha medo de gente (risos). Agora eu ando, eu conheço. Sair de casa para o serviço da roça ou da quebra do coco e depois voltar para casa, eu vejo hoje, tinha outro sentido. Por que participando das reuniões tudo mudou. Já fui para São Luis participar de uma Audiência Pública, fui para Brasília participar da Marcha das Margaridas e agora eu vejo que eu tenho outra vida. Até a minha participação na feira agroecológica me ajudou a mudar. Meu filho me perguntou o que eu iria fazer lá. Eu disse: Muita coisa! Eu levo um baião de dois, uma galinha caipira no leite de coco, molho de pimenta, limão. Eu tenho tudo isso e posso levar e vender. E olha, eu consegui vender um pouco de tudo quando participei da primeira feira. Resultado, eu trouxe o dinheiro para casa e ainda, consegui mostrar para o meu filho que é possível com vontade e insistência.” Maria Antonia Passos da Silva Idade, 44 anos, Comunidade Piçarra, Município de São Luiz Gonzaga)
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Neste sentido, a vontade de melhorar a criação de galinhas para comer e vender, diversificar a criação de aves, acrescentando pato e capote; fortalecer as feiras agroecológicas e garantir o ponto comercial; divulgar os produtos; Assegurar a continuidade da Assistência Técnica; Estar em outros espaços de formação; Inseri seus produtos no Programa de Aquisição de Alimentos e no Programa Nacional de Alimentação Escolar são, dentre outros, alguns desejamentos que as mulheres teimam em assegurar enquanto direitos, enquanto sonho, enquanto perspectivas.
9) Conclusão
Durante a execução do Projeto acessado pela ASSEMA e trabalhado com as Técnicas junto as 240 mulheres nos 16 município do Território do Médio Mearim. Trouxe elementos que julgássemos relevantes para diagnosticar, não apenas, as mulheres que vivem abaixo da linhas da pobreza, mas, principalmente, de comunidades, nunca trabalhadas antes e que apresentou através das mulheres um potencial para outros projetos que busque o fortalecimento das famílias, o acesso a direitos, o empoderamento das mulheres e o trabalho com juventude e a ampliação do trabalho na Campanha Amiguinhos da ASSEMA. A proposta de sistematização, foi abraçada e realizado em apenas um dos municípios atendidos pelo projeto com participação de 08 mulheres beneficiárias, 05 diretoras da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais Quebradeiras de Coco Babaçu do Município
de São Luís Gonzaga e 03 Assessoras Técnicas, devido a vários fatores, dentre eles, o tempo necessário para trabalhar está construção pelas técnicas responsáveis. Houve, ao longo do processo, algumas dificuldades, mas, nenhuma delas impossibilitou a realização do trabalho. O projeto ATER Mulher é uma Política Pública que merece nossa atenção e debate. Pois, julgamos necessitar de reformatações que garanta as organizações proponentes, a flexibilização em adequá-la às nossas necessidades. Mas, principalmente, assegurar às mulheres o respeito às suas especificidades, a compreensão de não exclusão por conta de documentação (o projeto deveria fortalecer outras ações já existente no que tange o acesso das mulheres aos documentos básicos), garantir a autonomia das mulheres com relação a Declaração de Aptidão ao Produtor e aprofundar de maneira concisa o debate sobre gênero e geração nas famílias, nas comunidades e, principalmente, nas instituições proponentes. Não sabemos o quanto foi importante os resultados contáveis para a instituição e, principalmente, para o Ministério do DesenvolvimentoAgrário.Mas,aqualidadedos resultados na vida destas mulheres atendidas pelo projeto conota a responsabilidade de institucionalmente estar mais próximas delas e garantir outros apoios que fomente o seu desejo de ser e estar mulher, na família, na comunidade e na instituição.
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QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU: UM RELATO DE EXPERIÊNCIAS DE ATER PARA MULHERES Edsonete Moura Gomes
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O Movimento das quebradeiras de coco babaçu vem ao longo de mais de 20 anos atuando na luta de direitos para as mulheres quebradeiras nos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins. São mais de 300 mil extrativistas, que tem sua atividade ameaçada por políticas governamentais que privilegiam o agronegócio, pelos latifundiários que ameaçam e impedem o acesso aos babaçuais e outras formas de ameaças vivenciadas por essas mulheres. “sem terra e sem chão...” Grande parte das quebradeiras de coco babaçu é sem terra, uma pequena parte assentada pela reforma agrária, uma parcela muito pequena vive em reservas extrativistas, algumas ainda em processo de regularização. Dessa forma, a luta por terra e território se constitui, assim como livre acesso aos babaçuais, como bandeira de luta das quebradeiras de coco babaçu. Além dessas as quebradeiras reivindicam por políticas que venham fortalecer a suas ações e garantir a reprodução de suas comunidades tradicionais.
Assessora técnica do Miqcb.
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Uma das políticas conquistadas pelas mulheres quebradeiras de coco é a de Assistência técnica e extensão rural, voltadas essencialmente para as mulheres. O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu - MIQCB desenvolveu projetos voltados para o fortalecimento do agroextrativismo, com intuito de capacitar as mulheres quebradeiras de coco babaçu para aprender e identificar, cultivar, coletar e manipular as plantas medicinais bem como a produção de hortaliças, fortalecendo a segurança alimentar das suas famílias. Além disso, o MIQCB trabalhou uma proposta voltada para a produção de agroquintais, reconhecendo o quintal como um espaço de produção que pode diversificada, como horta, frutas, criação de pequenos animais,etc. Abaixo temos uma sistematização produzida a partir de uma oficina no Regional Piauí, onde cinco famílias integraram a proposta de ATER, com a implantação de agroquintais.
Experiências
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Local da Experiência – Comunidade Fortaleza “V” no Município de Esperantina, Estado do Piauí. Número de mulheres que participaram da experiência – 16 mulheres Em suas experiências contadas pelas mulheres que fizeram parte diretamente e indiretamente desse processo no decorrer de sua existência, foi um dos melhores tempos em sua comunidade, segundo elas agroecologia está na alma, e que tiveram muitos aprendizados nos momentos de contribuições de Assistência Técnica de Extensão Rural – ATER. Veremos então a seguir as falas de algumas dessas mulheres que vivenciaram essa experiência. Pergunta para as mulheres sobre o que elas entendem de agroecologia? Grupo – 1 – Gerciane, Franciane, Lana e Marilda – é o trabalho no campo como cultivo de alimentos saudáveis, plantações de legumes, verduras, vegetais, frutas sem uso de agrotóxicos; Preservação da natureza, não a prática da derruba e
queimadas; preservando nossas águas; não poluindo os riachos; a valorização dos trabalhos agrícolas; valorização dos animais; a valorização dos trabalhos doméstico que não é reconhecido atualmente; a participação dos homens nos trabalhos domésticos, e o reconhecimento sobre o movimento de mulheres. Grupo 2 – Solidade, Francisca, Helena, Lucilene – Conhecimento, participação das famílias, informação sobre nossos direitos, assessoria técnica nos grupos, capacitação e elaboração de projetos agroecológicos, a não queimada, não envenenamento, nossos agroquintais com vários tipos de frutas e plantas medicinais, água, participação de nossos maridos nas atividades agrícolas, conscientização da população preservando o meio ambiente. Grupo 3 –Maria do Rosário, Maria dos Milagres, Antonia Machado, Maria da Conceição – Água, vida, natureza preservada nossa produção, Palmeira e aproveitamento integral do babaçu. Grupo 4 –Julia, Ana Maria, Edvanda, Liduinda – é tudo o que produzimos, o que plantamos em nossos quintais, nossos produtos que comercializamos e consumimos sem o agrotóxicos, é nossas aviculturas e nossa terra rica.
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contextualizadas da oficina de ATER, Feminismo e Agroecologia
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Atividades: 1ª - Qual a importância dessa experiência de ATER para as mulheres que integraram essa experiência? Quais as principais dificuldades? Grupo 1 - é importante porque as mulheres aprenderam mais e se empoderaram de forma que melhoraram seus conhecimentos e desinibiram, e hoje, são mulheres que entendem e sabem o que querem; Grupo 2 - que foi muito importante porque aprenderam a cuidar e dar mais valor à terra. Grupo 3 - que quando tiveram a experiência foi muito legal, pois aprenderam muito com as técnicas, e que sua convivência durante um ano foi boa porque tiravam dúvidas e ainda tinham ajuda com seus agroquintais. Grupo 4- Foi muito importante, porque os grupos de mulheres foram orientados na execução da proposta e que hoje falta assessoria técnica para orientar os grupos novamente. 2º - O que vocês consideram importante para uma proposta de Ater funcionar bem em sua região? Grupo 1 – mais participação das mulheres das comunidades, oficinas, grupos de atividades, acompanhamento técnico.
Grupo 2 – Capacitações, oficinas, acompanhamento técnico, participação de mais mulheres. Grupo 3 – Ter de fato mais projetos com assistência técnica, mais mulheres empenhadas nos grupos e inserção dos jovens para nos aprender para mais tarde nos ajudar e assumir nossos lugares. Grupo 4 – um melhor acompanhamento para melhorar no desenvolvimento das atividades das técnicas e dos grupos de mulheres, grupos de jovens nas atividades agroecológicas, com mais capacitações para nós mulheres do campo, melhoramento em nossa agricultura familiar. 3º - Houve conflitos? Qual a participação dos membros na família na execução do Projeto? Grupo 1 – teve conflitos nas comunidades, e a participação das famílias foram bastante significante, pois todas se empenharam e lutamos pelo melhoramento de nossas terra. Grupo 2 – que a participação da família é de suma importância, pois sem ela nem todas as coisas acontecem, e que foi muito bom. Grupo 3 – Não tem como separar um
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Grupo 4 – Tivemos bastante contribuição. 4º - Como você se percebe dentro da sociedade, depois de sua participação dentro do Projeto de ATER? Grupo 1 – que a gente se acha importante porque somos conhecidas melhor pela sociedade, que somos o diferencial, que enxergamos a natureza como uma mãe é melhor para nós. Grupo 2 – Nos sentimos realizadas, além de bem vistas pela sociedade, é uma forma de melhorar nossa renda esse agrossistema e sem o uso do agrotóxico, e também nos sentimos realizadas quando temos acompanhamentos técnicos. Grupo 3 – Muito bom, nós percebemos muito importante, porque nossos produtos tem valor, e são de qualidade e um reconhecimento, e também é melhor para o consumo de nossa família e da sociedade, porque são produtos sadios, sem veneno. Grupo 4 – Nos sentimos realizadas, pois é uma renda extra, é sadia e nossa comunidade pode comprar e ainda levamos para as feiras da agricultura familiar que nos fortalece a cada dia mais. 5º- De que forma o MIQCB vem contribuindo
com esse processo agroecológico na sua comunidade? Grupo 1 – Com palestras, reuniões, acompanhamento aos grupos, com atividades voltadas para as nossas crianças nas comunidades, com projetinhos, com oficinas e muitas coisas boas; Grupo 2 – Com assessoria técnica, capacitações, projetos, produção e comercialização; Grupo 3 – Com a nossa formação, assessoria técnica orientação e participação nos plantios e nas feiras; Grupo 4 - organizações de mulheres, reuniões, projetos para melhorar nossas rendas, agricultura familiar e acompanhamento nas comunidades. 6º - O que é transmitido pela sociedade em relação ao papel de vocês enquanto mulheres que vivem no campo praticando agroecologia? Grupo 1 – A sociedade às vezes nos condena por sermos diferentes, por reivindicar nossos direitos, nos criticam e às vezes até querem nos proibir de fazer parte desse processo, mais reconhecemos nossos direitos e deveres, e achamos que podemos cultivar nossa terra e cuidar bem dela que é de onde tiramos nosso sustento e das nossas famílias, e ainda do extrativismo como o babaçu, que é
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trabalho da terra sem a participação das famílias, pois só multiplica.
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uma das nossas principais renda para nós quebradeiras de coco. Grupo 2 – Por falta de conhecimento a sociedade muitas vezes nos condena, mais mostramos contrário, trabalhamos no campo com propostas e um sistema agroecológico com apoio de organização de mulheres como o MIQCB, mostramos para a sociedade que a cidade depende de nossa preservação e de nossa agricultura familiar. Mas hoje já existe uma parte da sociedade que nos valoriza, porque não desistimos! Grupo 3 – Hoje nós vemos mais respeito e mais valor, pois agora nosso trabalho no campo está mais valorizado, existe menos preconceito, pois hoje as pessoas estão mais conscientes que precisamos cuidar de nossa saúde e é através de uma boa alimentação. Grupo 4 – Com a insistência de nós mulher do campo hoje existe mais lugares na sociedade praticando agroecologia, e o campo está mais ativo, plantando e colhendo da terra mais produtos saudáveis sem agrotóxicos. 7. Dificuldades enfrentadas na prática de ATER para as mulheres? Grupo 1 – Falta de trabalho em grupo, falta de participação nas reuniões, dificuldades
na aceitação de algumas técnicas por algumas companheiras, dificuldade que tem muitos homens de não ajudar suas esposas nos afazeres domésticos e a falta de conhecimentos de algumas mulheres de fazerem parte dos grupos, participações nas reuniões e empenho nos projetos. Grupo -2 – falta de conhecimento do projeto, não conhecer os direitos e deveres, falta de objetivos, falta de organização e participação nas práticas. Grupo -3 – falta de água para aguar os agro quintais, falta de entendimento do marido na nossa participação, falta de costume de trabalhar em grupo, dificuldade na comercialização dos nossos produtos, falta de participação dos jovens, falta de reconhecimento e conscientização política da sociedade. Grupo -4 – falta de estrutura para executar o trabalho, pouco acompanhamento técnico, falta de participação da juventude. 8. Como vem superando as dificuldades ? Grupo -1 – tendo paciência, participando das reuniões, fazendo parte dos projetos, produzindo e comercializando nossos produtos. Grupo -2 – trabalhando muito, buscando mas conhecimento, lutando pelos nossos direitos e deveres, cuidando dos nossos
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Grupo -3 – comercializando nossos produtos, convocando mais mulheres para reforçar os grupos, fazendo reuniões para fortalecer as comunidades, convocando a juventude para participar. Grupo -4 – mais mulheres lutando pelos seus direitos, correndo atrás de nossos objetivos e melhorias de vida, nos organizando com acompanhamentos de assessoria do MIQCB e melhorando a renda através da agricultura familiar e desenvolvimento sustentável. 9. Quais foram as principais mudanças na vida das agricultoras a partir da ATER, e quais suas perspectivas, sonhos? Grupo -1 – acompanhamento técnico, a oportunidade de ter acesso ao uma linha de crédito e vários programas de valorização dos produtos, além da participação das mulheres na comercialização de credito como PAA, PNAE, empreendedorismo, entre outros. Grupo -2 – oportunidade das mulheres produzir sem depender somente de marido, buscando mais conhecimentos, incentivando nossos filhos e netos e até mesmo as companheiras da comunidade que não participam.
Grupo -3 – nos sentimos mais emponderadas, mais reconhecidas, mais importantes, e hoje temos nossa produção sem agrotóxico e damos exemplos para toda a sociedade. Grupo -4- pensamos em um dia nós quebradeiras de coco babaçu, agricultoras, mães, podermos sensibilizar toda a população a reconhecer que temos que preservar o nosso meio não fazendo o uso de veneno nas suas lavouras, não queimando suas roças, não cortando as suas palmeiras e usando tudo de bom que a natureza nos oferece. Depoimentos das mulheres que participaram da oficina e viveram as experiências de ATER
JULIA RODRIGUES DE SOUZA SILVA – O acompanhamento das Técnicas de ATER foi muito importante, pois aprendemos muito e até hoje continuamos com nossas práticas, o problema é que não temos mais ATER, foi só um ano, mas precisamos de mais acompanhamento, temos uma boa assessoria pelo MIQCB. MARIA DO ROSÁRIO SILVA – entendo que o trabalho reprodutivo é uma atividade que nós fazemos todos os dias e que não tem renda, que é como cuidar de nossas casas, e lavar louça todos os dias, o que é produtivo é o que fazemos
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plantios nos nossos agro quintais, e preservando a natureza.
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na nossa roça e tiramos nosso sustento. ANTONIA MACHADO DE SOUSA – A nossa terra é produtiva, falta nossos maridos compreender mais e nos ajudar mais, pois tem que ser um trabalho para a família, é de onde tiramos mais renda para todos nós da comunidade.
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MULHERES NA PROMOÇÃO DA AGROECOLOGIA NOS TERRITÓRIOS DE ATUAÇÃO DO SASOP Rosimeire Barbosa dos Santos
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Contextualização
Ao longo de sua caminhada nesses 26 anos, o SASOP – Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais – vem se dedicando a contribuir para o desenvolvimento rural sustentável nos aspectos social, econômico, cultural e ambiental, tendo como opção estratégica o fortalecimento da agricultura familiar através da agroecologia. Atuando por meio de dois programas de desenvolvimento local – o PDL Semiárido (sediado em Remanso/BA) e o PDL Mata Atlântica (sediado em Camamu/BA) –, tem buscado contribuir para um processo de acumulação e disseminação de experiências visando a construção do conhecimento agroecológico para a convivência com o semiárido e o bioma mata atlântica, bem como estimular o acesso a políticas públicas voltadas para a promoção do desenvolvimento rural com base na agroecologia, nos municípios e territórios. No semiárido, o SASOP atua no território do Sertão do São Francisco, assessorando 1.200 famílias, nos municípios de Remanso, Casa Nova, Campo Alegre de Lourdes e Pilão Arcado. A principal atividade produtiva nessa região é a caprinovinocultura, mas as famílias desenvolvem também outras atividades Pedagoga do SASOP
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como criação de galinhas, apicultura, horticultura, beneficiamento de alimentos: frutas (especialmente umbu), pescado, derivados da mandioca e leite, viveiros de mudas frutíferas e forrageiras, além do tradicional roçado, onde se cultiva principalmente o feijão, a mandioca e o milho. Na Mata Atlântica, são assessoradas 510 famílias nas 35 comunidades atendidas pelo SASOP, de 07 municípios do Território do Baixo Sul. Na região, uma forte vocação natural tem sido os sistemas agroflorestais (SAFs), que contribuíram para a produção de várias culturas e a conservação da Mata Atlântica. Os quintais tem sido outro subsistema bastante trabalhado, onde se produz diversidade de alimentos, plantas medicinais e criação de pequenos animais. Esse vem se configurando como um espaço de forte protagonismo das agricultoras, tanto na Mata Atlântica quanto no Semiárido. Também em ambos os programas as mulheres estão organizadas em grupos e são estimuladas a participar nas diversas atividades. Elas estão presentes ativamente em todas as atividades produtivas e ainda arcam com as responsabilidades reprodutivas, o que acaba
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Dentro dessa mesma proposta, no território do sertão do São Francisco, temos a atuação da Rede de Mulheres, desenvolvendo processos de formação sociopolítica e econômica com os grupos produtivos. Anualmente, desde 2010, tem sido realizada em Remanso a Feira Cultural e Saúde da Mulher. Essas feiras são organizadas principalmente com o intuito de dar visibilidade ao trabalho desenvolvido pelas mulheres e promover uma articulação entre cidade e campo. As articulações contam com a parceria do SASOP e outras entidades locais. A sistematização apresentada nesse texto aborda as experiências das técnicas do SASOP, em torno das práticas metodológicas de ATER¹ dos programas de desenvolvimento locais em relação às mulheres agricultoras. As re-
lações sociais de gênero e seu rebatimento no trabalho junto aos agricultores e agricultoras familiares foram refletidas pelo SASOP, desde 1997, e a incorporação dessa temática aos Programas da entidade foi ocorrendo gradativamente a partir de diversas iniciativas internas. Para dinamizar esse processo de reflexão e de busca de formas para se trabalhar a temática, foi criado na época o GT Gênero na entidade. No decorrer do processo, foi identificada a necessidade de se fazer um Diagnóstico de Gênero com o objetivo de se ter uma maior clareza de como as relações de gênero são construídas e perpetuadas no contexto da agricultura familiar das regiões onde o SASOP atua e de como a intervenção do SASOP contribuía para reforçar e/ou redesenhar estas relações. Entre 2002 e 2004, foi contratada uma consultoria para a realização de um diagnóstico que integrasse os trabalhos já em curso, envolvendo toda a instituição, e gerando oficinas, visitas a campo e seminário. Hoje, apenas quatro das pessoas que participaram desse processo ainda permanecem no SASOP. Portanto, a maior parte da equipe atual não acompanhou esse momento. Entre 2005 e 2008, o SASOP empreendeu um processo de formação de agricultoras/es e agentes comunitários em monitoramento de Segurança Alimentar e Nutricional, através de oficinas nos dois programas, que resultou na construção do Manual de Apoio – Segurança
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redundando numa forte sobrecarga de trabalho. Nestes territórios é crescente a articulação em rede das mulheres agricultoras. No Baixo Sul, a Articulação de Mulheres tem partido das experiências locais para a visibilidade e diálogos de questões específicas das mulheres, contribuindo na equidade das relações de gênero em diferentes espaços, articulação de mais mulheres e diálogos com o poder público na busca da garantia de direitos e acesso a políticas públicas. Também tem promovido há cinco anos a Feira Agroecológica e dos Direitos das Mulheres, realizada anualmente em Camamu, com a participação de mais de 300 mulheres de todo território.
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Alimentar e Nutricional na Agricultura Familiar: Orientações para Agentes de Segurança Alimentar e Nutricional das Regiões do Semiárido e da Mata Atlântica. Em Campo Alegre de Lourdes (Semiárido), as monitoras desenvolveram um trabalho interessante nas comunidades, com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, e relatam como conseguiram envolver toda a família nas oficinas realizadas, transformando esse dia numa verdadeira celebração. A Segurança Alimentar e Nutricional é uma temática que oferece muitos elementos para a discussão sobre questões de gênero. Os diagnósticos de Segurança Alimentar e Nutricional, os DRPAs municipais na Mata Atlântica e a construção do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Assentamento Dandara dos Palmares (em Camamu) foram decisivos para promover e ampliar a capacidade de leitura da realidade, tendo as relações sociais de gênero como norteadoras dessa reflexão².
A sistematização da Experiência
Atualmente, o SASOP conta com 02 (duas) técnicas de campo no Programa Mata Atlântica, e 05 (cinco) no Programa Semiárido. Uma das dificuldades encontradas no processo de sistematização foi a construção conjunta entre os dois programas, em função da distância
geográfica. Utilizando-se os meios de comunicação, o texto foi sendo construído pelos dois programas a partir dos diálogos realizados entre as técnicas de cada um deles. Outra dificuldade enfrentada foi o fato de que algumas técnicas têm pouco tempo na organização e até mesmo de atuação profissional, não possuindo ainda, portanto, acúmulo suficiente para uma análise mais ampla e profunda da própria atuação e da atuação institucional. Por outro lado, o fato de termos uma mulher na coordenação de cada programa, e com larga experiência, contribuiu para a ampliação do olhar sobre a questão e no resultado final dessa sistematização. Para enriquecer nossas reflexões, utilizamos também fontes de consultas, como: Material produzido durante a consultoria realizada na entidade entre 2002 e 2004 sobre relações sociais de gênero. Relatórios de oficinas de formação agroecológica com grupos de mulheres. Boletins com a sistematização de experiências de mulheres, individual ou coletivamente. Caracterizações de propriedades e diagnósticos comunitários realizados dentro do projeto ATER Agroecologia. Planejamento de ações de ATER agroecológica para mulheres, construído de forma coletiva. As equipes de cada programa se reuniram (técnicas e técnicos) para discutir o tema, o
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ATER e Agroecologia
Para o SASOP, a ATER está fundamentada nos princípios da Educação Popular. Acreditamos numa relação horizontal entre agricultores/as e técnicos/as, baseada no diálogo, onde todos os saberes são valorizados e trazidos para o processo de construção de conhecimento coletivo. E, dentro desse processo, entendemos ser necessário promover junto às famílias agricultoras a reflexão (no sentido originário da palavra, “desdobramento da realidade”) sobre sua ação – realidade concreta e palpável –, considerando os diversos aspectos envolvidos: político, social, econômico, cultural e ambiental; aplicando então os resultados dessa reflexão na sua ação, com vistas à transformação da realidade sobre a qual se reflete. Em meio a tudo isso é que se vai desenvolvendo a credibilidade e o respeito necessário à criação de um clima que favorece o comprometimento mútuo com os resultados do trabalho. Os saberes e experiências desenvolvidas pelas famílias precisam ganhar cada vez mais
visibilidade por meio da sistematização e disseminação, fazendo-se assim também necessária a atuação da Comunicação Popular. Essa sistematização se faz a partir de uma abordagem voltada para o processo social gerador de propostas, procurando-se incentivar as criatividades que se encontram em estado de latência nas comunidades rurais, por meio do estímulo à experimentação. De maneira prática, o SASOP busca viabilizar essa metodologia através do fortalecimento das experiências de transição agroecológica por meio de: Sistematização e monitoramento das experiências, estimulando um processo de reflexão e análise dos técnicos/as e dos agricultores/ as sobre a sustentabilidade dos agroecossistemas em transição. Formação de agricultores e agricultoras, com foco nas experiências locais e no estímulo à experimentação. Disseminação de experiências agroecológicas, através do estímulo aos processos de interação horizontais entre agricultores experimentadores. Intensificação do apoio aos processos organizativos de mulheres e jovens, assim como valorização, sistematização e fomento às experiências protagonizadas pelos grupos ou individualmente no seio da família.
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que também contribuiu para importantes reflexões, que podem favorecer um diálogo interno mais intenso sobre as questões de gênero. Esse talvez tenha sido o principal resultado nesse processo: o fornecimento de elementos que poderão subsidiar a construção de importantes passos na direção de uma integração cada vez maior entre feminismo e agroecologia.
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Fortalecimento organizativo de organizações formais ou informais, com o fim de apoiar a evolução e ampliar a escala das experiências agroecológicas nas regiões de atuação do SASOP. Além disso, o Fundo Rotativo Solidário também tem sido uma prática da entidade que visa o fortalecimento dessa metodologia, apoiando os processos de experimentação e disseminação das experiências. Este, inclusive, tem sido um mecanismo utilizado no fortalecimento das mulheres na medida em que promove o espírito solidário e o senso de coletividade. Ao receber incentivos de produção (estruturas, animais, equipamentos e etc.), cada grupo é estimulado a se comprometer com o repasse entre as mulheres que fazem parte do mesmo. Ainda permanece o desafio de construção do processo autogestionário desses fundos rotativos. Dentro dessa linha metodológica é estimulada permanentemente a participação e valorização do papel das mulheres e dos jovens na implementação das diferentes atividades, desde a garantia de equilíbrio de gênero e geração em reuniões e seminários, até as atividades produtivas, inclusive através da criação de grupos formais e informais de mulheres e jovens. Como afirma Emma Siliprandi³ (2009), a invisibilidade do trabalho das mulheres na agricultura familiar está vinculada às formas como se organiza a divisão sexual do trabalho e de poder nessa forma de produção, em que a chefia
familiar e de unidade produtiva é socialmente outorgada ao homem. Embora a mulher trabalhe efetivamente no conjunto de atividades da agricultura familiar, como preparo de solo, plantio, colheita, criação de animais, entre outros (incluindo a transformação de produtos e o artesanato), somente são reconhecidas, porém com status inferior, aquelas atividades consideradas extensão do seu papel de esposa e mãe (preparo dos alimentos, cuidados com os filhos e etc.). É importante destacar que algumas das experiências envolvidas nas dinâmicas assessoradas pelo SASOP já demonstram que dentro da unidade familiar as mulheres vêm assumindo um papel de sujeito ativo. O apoio técnico que as mulheres vêm recebendo tem contribuído para reverter a sua situação de invisibilidade. As mulheres adquiriram historicamente um vasto saber dos sistemas agroecológicos e desempenham importante papel como administradoras dos fluxos de biomassas, da conservação da biodiversidade, domesticação das plantas, demonstrando em muitas regiões do mundo um significativo conhecimento sobre os recursos genéticos e assegurando por meio de sua atividade produtiva as bases para a segurança alimentar (PACHECO). Para alcançar mudanças sustentáveis nas condições de vida das famílias, é necessário empoderá-las para que possam ser porta-vozes de suas propostas, participando e influenciando o processo social, econômico e político que afeta sua situação de pobreza e exclusão social.
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Aproveitando o resultado da ferramenta que foi utilizada durante os DRPs para identificar os parceiros da comunidade, levantamos uma discussão sobre o sentido e significado da palavra parceria, usando como ilustração principal a relação do casamento e a necessidade de que essa parceria aconteça em todas as atividades da família.
De modo geral, as reações masculinas foram de reconhecimento quanto à justiça dessa reivindicação, porém sabemos que entre reconhecer e assumir uma atitude efetiva existe uma distância. E essa distância precisa ser preenchida com intervenções que estimulem o desejo e a decisão de operar as mudanças necessárias. Em relação aos processos organizativos das mulheres, o SASOP tem atuado intensamente na construção de tecnologias sociais de armazenamento de água para produção de alimentos (cisternas, barreiros trincheiras, barragens subterrâneas, tanques de pedra e Bombas de Água Populares – BAPs), o que tem contribuído bastante para a autonomia das mulheres. Por outro lado, a formação sociopolítica também recebeu forte investimento, gerando resultados importantes, especialmente quando se trata da inserção dessas mulheres em espaços que antes elas não ocupavam. Num questionário que aplicamos, por exemplo, dois anos atrás, entre mulheres dos 04 municípios de atuação do SASOP no semiárido, pudemos ver que 100% das mulheres entrevistadas participam de grupos e/ou associações dentro de suas comunidades, porém quando saímos para encontros fora da comunidade, esse percentual vai diminuindo até chegar aos 4% quando se dão fora do Estado, o que demonstra que, apesar dos avanços, ainda há muito para se fazer e conquistar.
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No processo de formação da equipe técnica do SASOP para a chamada ATER Agroecologia, foram realizados diversos momentos de capacitação sobre relações de gênero, utilização dos instrumentos para o diagnóstico inicial, como rotina diária, mapa da propriedade, linha do tempo, fluxograma de produção e caminhada transversal pela comunidade. A rotina diária foi um instrumento muito importante para explicitar a condição da mulher na propriedade e trazer uma reflexão para a família sobre a divisão justa do trabalho domestico e do trabalho produtivo. Pudemos constatar que na maioria dos casos as mulheres empregam a mesma quantidade de horas nas atividades produtivas junto aos companheiros e ainda despendem outro tempo para desenvolver as atividades domésticas. Conseguimos identificar alguns casos em que os homens já participam dessas atividades, mas ainda é o mínimo. Para as técnicas também foram feitas ponderações sobre desigualdades de gênero e o seu papel em intervenções que valorizem a mulher. Inclusive, já durante as devolutivas dos diagnósticos comunitários, esse foi um dos pontos de discussão.
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Quando participava da Caravana Cultural e Agroecológica de Araripe, em Ouricuri (PE), uma técnica de nossa equipe ouviu depoimentos de mulheres que afirmam que elas avançaram muito, tanto no que diz respeito ao trabalho produtivo quanto na participação nos espaços de articulação, quando toda a família foi envolvida no processo de formação, pois assim, companheiros e filhos passaram a colaborar nas atividades da casa para que elas pudessem dispor de mais tempo para as outras atividades. Dessa forma também estão conseguindo promover e estimular a sucessão familiar nas atividades produtivas. Alguns grupos de mulheres têm conseguido acessar o mercado institucional através do PAA e do PNAE. Isso as tem motivado bastante. Existem depoimentos interessantes de agricultoras e pescadoras que falam sobre o quanto contribuiu para a elevação da autoestima o simples fato de agora terem crédito na praça porque possuem sua própria renda. Porém entendemos que não basta acessar as políticas públicas; é fundamental que se promova discussões desde as bases, que se reflita sobre as condições de produção familiar nos princípios da Agroecologia e a comercialização dentro dos princípios da Economia Solidária, olhando todo o sistema produtivo e dando significados a tudo isso, para que esse acesso não contribua apenas com a geração de trabalho e renda, mas também com a construção de sua autonomia política e financeira.
O planejamento construído coletivamente com as mulheres para as ações de ATER agroecológica partiu de uma apresentação da síntese de atividades realizadas com elas nos últimos 03 anos, pois a ideia era de continuidade e não de partir do zero. Essas atividades foram divididas em 05 categorias:
Segurança Alimentar e Nutricional Organização Social Associativismo e Cooperativismo Políticas Públicas Formação Agroecológica
Essas temáticas foram validadas pelo grupo, que apresentou propostas sobre o que e como devemos trabalhar dentro dessas temáticas a partir de então. Nessa oportunidade, as mulheres apontaram a necessidade de que o SASOP dê continuidade ao processo de formação em questões de gênero, sugerindo inclusive que também os homens sejam incluídos nesse processo já que, de modo geral, eles não se sentem muito convencidos quando elas chegam em casa contando sobre o que discutiram e aprenderam nos encontros. AVANÇOS – Já identificamos atualmente várias mulheres em posição de liderança dentro de suas comunidades. Tem aumentado crescentemente o número de mulheres nos encontros, nas oficinas, nos intercâmbios. Uma experiência que nos chama a atenção é a de Pilão Arcado (Semiárido), onde, apenas alguns anos atrás, somente homens participavam
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No Baixo Sul, atualmente quatro mulheres assumem a presidência de associações comunitárias e duas são presidentas dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Os processos de formação realizados não somente pelo SASOP, mas também por outras instituições, têm contribuído grandemente para assegurar às mulheres o poder de decisão sobre sua própria vida e o seu lugar nos espaços de discussão, influenciando os acontecimentos em suas comunidades e nos diversos espaços de articulação e proposição de políticas públicas. Outro avanço muito importante foi a construção coletiva do planejamento de ações de ATER agroecológica a serem desenvolvidas com as mulheres. Além de promover o princípio da horizontalidade, contribui para que os/ as envolvidos/as nesse processo de construção assumam responsabilidade sobre a execução do que foi planejado e se comprometam com seus resultados. A atuação mais intensiva do SASOP nos quintais produtivos tem contribuído para estreitar as relações entre técnicos e agricultoras e dar maior visibilidade ao trabalho feminino, já que esse é um espaço da propriedade onde prioritariamente são as mulheres que atuam. Norteados pela estratégia de segurança alimentar e nutricional, três grupos de mulheres nas comu-
nidades do Baixo Sul, lideram incubadoras de beneficiamento de produtos agroecológicos, que gradativamente aprimoram a qualidade dos seus produtos e iniciam a comercialização em mercados locais e feiras intermunicipais. Também destacamos o trabalho realizado na Campanha de Apoio a Agricultura Familiar, que acontece nos dois programas do SASOP, e tem foco no processo educativo de crianças, adolescentes e jovens, nos princípios agroecológicos e de convivência com o ambiente local, mas que também reúne as mulheres para discussão sobre as temáticas abordadas pela Campanha, ao mesmo tempo em que acompanha o trabalho desenvolvido por elas nos quintais. DESAFIOS – Ainda se apresenta como um grande desafio estabelecer a discussão sobre relações sociais de gênero como ponto de pauta prioritário, tanto interna como externamente. Vale ressaltar que outro desafio, talvez anterior a esse, seria conseguir aumentar o número de técnicas, o que em algumas situações contribui para que o diálogo flua melhor. Porém, é preciso encontrar o possível, entre o real e o ideal. E, com certeza, esse não é um desafio apenas do SASOP. Um processo de formação contínuo nesse aspecto pode tornar, cremos nós, o acompanhamento técnico nos quintais produtivos, mais significativo, redundando em melhores resultados no que diz respeito a autonomia das mulheres e seus processos de experimentação.
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dessas atividades fora das comunidades, e hoje a realidade é bem diversa.
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Outro desafio é manter um nível de diálogo e reflexão cuidadoso e contínuo que nos permita estar atentas para que a liderança exercida pelas mulheres seja de fato uma liderança transformadora e não uma liderança reprodutora do sistema opressor. Sabemos que, para enfrentar esse desafio, não basta ser consciente e politizada, porque processos de mudança não passam apenas pelo nível da razão, mas também da emoção e da atitude. Por fim, a abordagem de direitos tem sido uma estratégia utilizada pelo SASOP para contribuir com o empoderamento das mulheres, especialmente no que diz respeito ao Direito a Autonomia Sexual e Reprodutiva bem como o Direito a Integridade Corporal. Evidentemente, a situação de desigualdade enfrentada pelas mulheres, torna a utilização dessa abordagem imprescindível. Porém, apresenta-se como um desafio, manter a atenção para que, ao tratar dos direitos específicos da mulher, continuemos a promover simultaneamente as discussões conceituais das relações sociais de gênero, envolvendo toda a família nesse processo. Para isso, o SASOP tem apostado no trabalho que vem sendo desenvolvido pela Rede de Mulheres nas comunidades, apoiando-a em suas atividades.
Lições Aprendidas
Consideramos que a maior lição aprendida nesse processo de sistematização possa ser a percepção de que as questões que dizem respeito às relações sociais de gênero precisam
ficar muito claras e definidas internamente, de modo que técnicas e técnicos saibam exatamente qual é o pensamento institucional sobre a temática e se capacitem para levar essa discussão às comunidades. Para isso, é necessário que se tenha um programa de formação, de preferência construído conjuntamente, que propicie momentos de estudos e práticas coletivas, criando-se um espaço que favoreça a desconstrução dos velhos modelos mentais, construídos socialmente, em que se baseiam as relações de poder e a construção de novos modelos baseados na equidade de gênero. Entendemos que se não vivenciarmos isso pessoalmente (mulheres e homens), teremos poucas chances de sucesso junto às famílias no que diz respeito ao trato dessas questões. Também ficou claro ser de suma importância que periodicamente se reveja os processos, os materiais produzidos, as experiências vivenciadas pela equipe e pelas mulheres, discutindo, refletindo e utilizando efetivamente o resultado de tudo isso no planejamento das ações. Esse processo aguça as próprias percepções, que ao mesmo tempo são enriquecidas com as percepções do outro. Vale lembrar que, ao realizarmos intervenções, são provocadas reações e, estas, precisam ser observadas a fim de que possamos orientar e reajustar nossas intervenções. A qualidade da escuta e da observação é imprescindível para o alcance dos resultados esperados e esses momentos de parar para rever contribuem de forma decisiva para o desenvolvimento dessas habilidades.
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REDE DE MULHERES PRODUTORAS DO PAJEÚ – 10 ANOS “O CAMINHO TRILHADO” Marli Almeida, Elizabete Nobre, Ana Cristina Nobre¹ Marli Almeida² Ana Cristina Nobre, Apolônia de Souza, Micheli Ferreira e Elizabete Nobres³
Apresentação
O presente texto compreende o esforço de sistematizar a experiência de 10 anos da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú. Buscamos, num primeiro momento, ressaltar a importância de uma ATER feminista para mulheres agricultoras do Sertão do Pajeú numa ação em rede de grupos de mulheres desenvolvida pela Casa da Mulher do Nordeste. Destacamos aqui a culminância desse processo que resultou numa rede autônoma de mulheres no Sertão do Pajeú/PE. Também pretendemos compartilhar a metodologia pela qual as mulheres em processo de autogestão a partir da auto-organização dão continuidade à REDE, recriando o processo, ampliando sua ação e gerindo seu projeto político. Esperamos que essa experiência possa motivar outros grupos de mulheres no fortalecimento da auto-organização e que nossa vivência possa encorajar outras mulheres a percorrer o caminho do feminismo, da agroecologia e da economia solidária na construção de suas vidas e que influenciem na atuação dos serviços de ATER para mulheres. Localização - A Rede de Mulheres ProdutoProdução de texto ² Coordenadora Técnico-pedagógica ³ Técnicas Educadoras
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ras do Pajeú, situa-se na região do Sertão do Pajeú. Segundo os critérios do MDA/SDT, o Território Rural do Sertão do Pajeú compreende uma área de 13.350,30 km², composto por 20 municípios, sendo eles Brejinho, Itapetim, São José do Egito, Tuparetama, Santa Terezinha, Ingazeira, Tabira, Solidão, Afogados da Ingazeira, Iguaraci, Carnaíba, Quixaba, Flores, Triunfo, Calumbi, Santa Cruz da Baixa Verde, Serra Talhada, São José do Belmonte e Mirandiba pelos critérios do MDA/SDT. A REDE atua em 11 desses 20 municípios: Brejinho, Itapetim, São José do Egito, Tabira, Solidão, afogados da Ingazeira, Iguaraci, Carnaíba, Flores, Triunfo, Santa Cruz da Baixa Verde.
Contexto
É histórica, a forma como as políticas de desenvolvimento para a agricultura são implementadas, destinadas à família, sem problematizar a noção de família e sem considerar as relações de poder no interior das unidades de produção familiar que acaba por reproduzir a lógica de exclusão das mulheres ao tomar como interlocutor o “chefe de família” homem e as mulheres apenas como benefi-
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ção política e econômica se constitui como principal estratégia metodológica, uma vez que a cultura patriarcal excluiu as mulheres do seu direito ao seu desenvolvimento pleno no preparo para gerir sua produção e autonomia sobre a renda gerada pelo seu trabalho. Promover acesso à recursos financeiros, melhoria e ampliação da produção aliados à formação pela luta de direitos pela cidadania da mulher são temas fundamentais para a desconstrução das desigualdades, uma vez que essas dimensões estruturais estão intrinsicamente ligadas à condição de desigualdades vividas pelas mulheres ao longo da história. É nesse contexto que a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú desenvolve seu trabalho, buscando influenciar no perfil da construção de uma ATER para mulheres que para além da transição agroecológica aborde e reconheça esse contexto elaborando metodologias e conteúdos para a desconstrução das desigualdades de gênero na agroecologia e para incidência nas políticas públicas de ATER.
"A chegada do Feminismo na vida das Mulheres"
A Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú nasceu de um projeto feminista idealizado pela CMN - Casa da Mulher do Nordeste², voltado para fortalecer a auto organização das mulheres para conquista de sua autonomia. A metodologia de ação em rede iniciou no âmbito regional a partir da Rede de Mulheres Produtoras do Nordeste, foi tecendo seus fios
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ciárias dos programas e projetos destinados à unidade familiar. O trabalho é organizado a partir da divisão sexual do trabalho. As mulheres responsabilizadas pelo trabalho reprodutivo e doméstico e os homens pelo trabalho gerador de renda monetário. Acompanham nessa divisão de trabalho as representações das desigualdades que sustentam a noção de ajuda do homem ao trabalho em casa e de ajuda das mulheres no trabalho na roça. Essa divisão do trabalho invisibiliza o trabalho das mulheres ao desconsiderar sua contribuição econômica para a renda familiar, concentrando as formas de tomada de decisão e de gestão da produção familiar nas mãos dos homens, fortalecendo a segregação do trabalho e as desigualdades de gênero no interior da família. Essa forma de olhar a organização do trabalho ainda serve de referência para as políticas de desenvolvimento rural excluindo as mulheres do acesso aos meios de produção e consequentemente aos seus direitos econômicos. Porém como formular políticas públicas para as mulheres sem tomar como referência suas demandas e a história de exclusão vivida por elas, motivadas pelas desigualdades de gênero, a mais antiga das formas de descriminação de nossa sociedade? Tomado como base a análise de gênero da situação vivida pelas mulheres a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú estabelece como prioridade a construção do protagonismo das mulheres na produção e na inserção na comercialização. Para tanto, investir na forma-
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e constituindo suas células em cada estado. Em Pernambuco o foco foi a região do Pajeú direcionada às mulheres agricultoras de base familiar. Após diagnóstico sociocultural das relações de gênero na agricultura familiar, realizado na microrregião do Sertão do Pajeú, com mais de 700 mulheres agricultoras e assentadas da reforma agrária, a CMN formata o Programa Mulher e Vida Rural e organiza sua intervenção na região com o propósito de construir processos de assessoria técnica na perspectiva feminista. Fortemente marcadas pela cultura patriarcal e pelo machismo, as mulheres viviam em situação de invisibilidade como produtoras, sem voz nem participação nos espaços políticos e vitimadas pela violência doméstica extremamente velada pela condição de isolamento em suas comunidades. Assim, não tinham acesso a mercados, nem assistência técnica e muitas impossibilitadas pelas famílias. Nesse contexto, a Casa da Mulher do Nordeste, em 2003 inicia seu trabalho na região, implementando metodologias feministas na assessoria técnica para as mulheres a partir da construção da ação em rede. O feminismo, a agroecologia e a economia solidária foram as premissas desse processo metodológico. A mobilização e formação das mulheres, além de experimentações e fomento aos processos produtivos protagonizados pelas mulheres, inicia uma movimentação oportunizando-as a ter voz e lutar pelo seu lugar de sujeitos enquanto pessoas, comunitárias e produtoras. Foi o primeiro passo para a revelação de mui-
tas lideranças, produtoras experimentadoras, artesãs de talento, muitas dessas mulheres antes isoladas, com baixa estima e sem acesso aos meios de produção para geração de renda.
A Economia Solidária: Uma possibilidade para Inclusão Econômica das Mulheres
Em 2004 o tema da Economia Solidária entra na agenda nacional do governo em torno de um mapeamento de empreendimentos solidários no Brasil a fim de identificar as experiências populares desenvolvidas por organizações da sociedade civil. Porém essa temática há muito tempo já fazia parte da ação da Casa da Mulher do Nordeste que fomentava empreendimentos de mulheres da região metropolitana do Recife com bases em princípios solidários para a inserção de seus produtos no mercado e promoção de geração de renda. Em 2005, Pela forte presença das mulheres do Sertão do Pajeú no debate desse tema, acontece em Afogados da Ingazeira o 1º Festival de Economia Solidária no interior do estado e nele, as primeiras discussões sobre a formatação de uma rede de mulheres produtoras na região do Pajeú. Estimuladas pelo festival as mulheres se articulam e abrem uma loja de artesanatos e alimentação em Afogados da Ingazeira compartilhando espaço para comercializar, exercitar a auto gestão, e se revezar na comercialização. Começam as inciativas para construção da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú.
² ONG Feminista criada em 1980. Sua missão é o empoderamento econômico e político das mulheres com base no feminismo. A Casa da Mulher do Nordeste presta assessoria técnica feminista à Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, através da ação do Programa Mulher e Vida Rural com atuação na região do Pajeú, Sertão de Pernambuco.
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Em Janeiro de 2006 acontece o I Encontro que dá início à Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú com representantes de 8 grupos dos municípios de Afogados da Ingazeira, São José do Egito, Tabira e Flores.
Agroecologia: Um Velho e Novo modo de Vida e de Produção difundido pelas Mulheres do Pajeú em seus Quintais
Nos quintais produtivos das mulheres a produção de alimentos garante a segurança alimentar das famílias e as espécies medicinais, o tratamento de doenças com o uso do conhecimento popular das mulheres agricultoras. Foi nesse espaço que as agricultoras da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú contribuíram para um debate nacional de promoção da agroecologia, os quintais produtivos. Mas foi com a assessoria técnica feminista que um novo olhar foi lançado sobre esse espaço de produção. Experimentar tecnologias e questionar esse espaço como extensão da casa e consequentemente de invisibilidade das mulheres como produtoras, foi a provoca-
ção da Casa da Mulher do Nordeste para as mulheres do Pajeú. A partir daí as mulheres passam a dominar tecnologias, valorizar seus saberes e discutir a gestão dos recursos naturais. Terra, água e tecnologias são pautadas pelas mulheres na gestão da produção em suas propriedades. A divisão sexual do trabalho e o reconhecimento do trabalho produtivo das mulheres entra na pauta dos movimentos agroecológicos a partir das experiências das mulheres do Pajeú e da incidência política da Casa da Mulher do Nordeste. Feminismo e Agroecologia se encontram na construção de um diálogo como utopia para construção de um novo modo de vida, pautada nas relações de gênero, no protagonismo das mulheres e na relação com o meio ambiente. Assim, os quintais produtivos das mulheres ganham visibilidade na agroecologia, e o feminismo pauta as mulheres como sujeitos e produtoras de saberes de fundamental importância para reprodução da vida e da agroecologia. Os saberes e práticas desenvolvidas pelas mulheres nos seus quintais agroecológicos passam a ter força no debate da transição agroecológica, e a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú torna-se uma experiência reconhecida no Brasil e a Casa da Mulher do Nordeste entra no cenário da Articulação Nacional de Agroecologia promovendo o diálogo entre feminismo e agroecologia.
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Durante o festival, uma oficina provoca mulheres de 8 grupos a agendar um encontro para pensar a formação de uma ação em rede de comercialização assessorada pela Casa da Mulher do Nordeste.
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A Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú desde sua criação conta com a assessoria técnica da Casa da Mulher do Nordeste. Uma assistência técnica feminista e agroecológica fundamentada na auto-organização das mulheres foi de fundamental importância para sua identidade feminista e para o avanço nos campos político e econômico das mulheres. A REDE que se iniciou com 8 grupos de mulheres e uma organização de fomento na assessoria técnica, coloca para as mulheres uma possibilidade concreta de transformar relações de poder e produtiva na agricultura de base familiar. Daí um crescimento rápido e permanente de inserção de novos grupos.
soria técnica agricultora para agricultora. Partindo do princípio de uma assessoria técnica feminista e agroecológica, mulheres passam a exercer um papel importante na ATER para a REDE. Conhecimentos construídos, novas descobertas e partilhas de saberes e práticas intercambiadas entre as mulheres e grupos são elementos de grande valorização na assessoria técnica para a REDE. Assim as agricultoras e artesãs dão cursos, trocam experiências e experimentações traçando uma teia de conhecimentos a partir das próprias mulheres, fator importante para a continuidade e sustentabilidade desse processo. Ampliar o conceito de REDE incorporando outros sujeitos importantes nesse caminho foi outra estratégia da REDE para garantir o direito de todas as mulheres à ATER, outras organizações de assistência técnica que atuam na região e nas comunidades onde estão os grupos foram mobilizadas, para atender as demandas dos grupos. Assim a REDE define como ação estratégica mobilizar uma rede de organizações para atender todos os grupos da REDE. Essa estratégia foi de fundamental importância para a ampliação da REDE e para promover acesso de todos os grupos aos serviços de ATER.
Hoje a REDE é composta por 30 grupos, articulando mais de 500 mulheres, tornando a demanda por ATER superior à capacidade de atendimento da Casa da Mulher do Nordeste a todas as mulheres e grupos componentes da REDE. Com esse crescimento surge a necessidade da REDE constituir sua própria equipe e fortalecer a perspectiva de asses-
Sendo a assessoria técnica permanente um elemento importante para o crescimento dos grupos e para o empoderamento das mulheres, é preciso destacar que essa assessoria deve está imbuída de uma leitura social e cultural da condição de exclusão e de violência vivida pelas mulheres, portanto, desafiar-se ou ser desafiada a incorporar em sua prática
Hoje, várias organizações do campo agroecológico e feminista alimentam esse diálogo e lutam pela inserção da pauta feminista nos movimentos agroecológicos. A Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú compartilha junto ao GT Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia a campanha: Sem Feminismo não há Agroecologia.
Assessoria Técnica Permanente
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A principal estratégia de fortalecimento da REDE é investir na formação das mulheres. Para isso articula um conjunto de parcerias de assistência técnica para atender a demanda de formação de todos os grupos nos diversos temas de interesse das mulheres e seus grupos. Essas demandas são identificadas durante os encontros e na construção do planejamento estratégico. Além da equipe técnica colaboradora da própria REDE, são articuladas outras instituições e projetos para atender as demandas. As oficinas nos grupos têm por objetivo am-
pliar os conhecimentos das mulheres em temas políticos, de gestão de seus empreendimentos e produção agroecológica. É também a oportunidade de resgatar saberes e aprender com as mulheres, assim os intercâmbios de saberes entre as próprias mulheres e grupos são metodologias imprescindíveis para formação continuada das agricultoras. Grupos visitam grupos constantemente compartilhando desafios, descobertas e saberes construídos. Entendemos que o conhecimento é a principal estratégia de empoderamento das mulheres e de construção de sua liberdade e autonomia como sujeitos políticos, produtivos, mas, sobretudo sujeitos coletivos capazes de decidir e conduzir seus projetos e suas vidas com liberdade e com consciência de seus direitos para proposição de políticas públicas que as incluam e sejam transformadoras para inclusão social das mulheres.
O Fundo Rotativo Solidário Uma economia inclusiva com recursos para as mulheres com autonomia e sem buro: cracia
A histórica dificuldade das mulheres acessarem créditos oficiais persiste até hoje. Sistemas e instrumentos de créditos atrelados à dinâmica da unidade familiar não atendem às demandas das mulheres além de não promo-
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mudanças estruturantes no pensar e agir no assessoramento técnico às mulheres. Esse é um desafio permanente na relação da REDE com a assessoria técnica das organizações mistas e que ainda não incorporaram no seu projeto político as desigualdades de gênero e a violência doméstica como elementos fundamentais para sua atuação junto às mulheres. Porém, essa relação dialógica com as mulheres e seus movimentos organizados vem mudando aos poucos esse cenário e o debate das desigualdades vem sendo pautado pelas mulheres nessa relação. Assim as mulheres antes beneficiárias da ATER passam a ser sujeitos construtores dessa nova ATER. A formação de técnicas e técnicos para uma ATER para mulheres é um processo dialógico entre agricultoras e técnicas/os. Assim as mulheres do lugar de beneficiárias passam a ser sujeitos políticos impreteríveis na construção dessa nova ATER para as pessoas e não para a produtividade.
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verem autonomia na decisão uma vez que dependem da disponibilidade de tetos/valores atrelados ao acesso sempre priorizado para os homens e suas atividades produtivas. Acessar recursos para produção nos quintais, para o artesanato e criação de pequenos animais, principais atividades desenvolvidas pelas mulheres na agricultura de base familiar, parece ainda um desafio a ser vencido. A visão de cadeia produtiva, da produção individualizada que não atende às dinâmicas produtivas coletivas dos grupos, aliada à pouca valorização dos bancos e da assistência técnica convencional sobre a produção das mulheres são elementos que entravam o avanço das mulheres no acesso a créditos oficiais, além da relação masculinizada na gestão e negociação com os agentes de crédito. Nesse contexto, o Fundo Rotativo Solidário – FRS é mais que uma possibilidade das mulheres acessarem recursos, constitui-se numa ferramenta importante de empoderamento das mulheres, pois através do FRS elas têm liberdade para planejar sua produção, pensar na produção coletiva enquanto grupo, administrar recursos e principalmente ter autonomia para decidir sobre o quê e como produzir. Hoje, a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú administra um FRS próprio no valor de 38.000,00 através de um comitê gestor formado pelas mulheres. Para acessar o FRS os grupos apresentam uma proposta técnica e de viabilidade econômica demonstrando as intensões de investimentos e sua capacidade de pagamento de acordo
com a proposta feita pelo próprio grupo adequada à atividade produtiva onde os recursos serão investidos. O Comitê gestor com a colaboração da assistência técnica avalia a proposta e aprova o projeto. A assessoria técnica acompanha a implementação do projeto e os investimentos de acordo com a proposta apresentada, orientando tecnicamente para o êxito na produção e garantia de sua capacidade de pagamento sem prejuízo para as mulheres. O resultado desse processo é um sistema solidário de crédito com 100% de adimplência. Investir na infraestrutura produtiva dos grupos para promover condições de trabalho para as mulheres. Em dezembro de 2008 a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú se constitui em associação legalizada. Ser uma rede informal já não dava conta das demandas das mulheres. Elas precisavam de autonomia na gestão de seus projetos, assim poderiam mobilizar recursos próprios e ter mais poder de decisão quanto aos investimentos dos apoios dos parceiros. Investir na infraestrutura produtiva era uma de suas necessidades. Apesar das parcerias de assessoria técnica serem muito importantes para seu desenvolvimento os grupos não tinham autonomia para decidir sobre investimentos. Por outro lado as organizações de fomento e assessoria não dispunham de recursos para essa finalidade, uma vez que sua atuação é voltada à assistência técnica, e portanto, não tinha as condições de fazer os investimentos necessários ao fortalecimento produtivo através da melhoria e ampliação na infraestrutura produtiva.
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A construção de uma Rede de Comercialização Solidária de Mulheres
A comercialização consiste num dos maiores desafios para os grupos produtivos. A lógica capitalista, competitiva exclui dos mercados aqueles que têm poucos recursos, que não produzem em larga escala e não dispõem de infraestrutura para comercializar por serem de auto custo inviabilizando o acesso aos considerados pequenos/as pelo modelo vigente. Superar esse desafio e promover a inserção dos produtos nos mercados é a única forma de gerar renda às produtoras por meio de sua produção. Assim, a estratégia foi juntar-se para comercializar. Dessa forma a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú foi experimentando formas e meios para uma comercialização conjunta onde os grupos pudessem comercializar seus produtos de forma compartilhada tanto nos espaços, como na saída das agricultoras para vender os produtos nesses espaços. Aí surge mais uma prática solidá-
ria da REDE. Além de compartilhar espaços de comercialização as mulheres se revezam nesses locais umas vendendo os produtos de todas. Assim fazem as mulheres agentes de comercialização solidárias da REDE. Com apoio da Petrobras a REDE organiza e estrutura dois pontos permanentes de venda: A Loja Itinerante – um carro adaptado em loja para comercialização itinerante dos produtos artesanais. A loja itinerante vai onde o povo está. Percorre festas, eventos e feiras regionais levando os produtos para comercialização. Entretanto, apenas a loja itinerante não dava conta da comercialização dos produtos da agricultura que algumas mulheres já comercializam nas feiras agroecológicas das cidades da região. Mas era preciso mais, nem todas as mulheres tinham acesso às feiras e outras não tinham excedente na produção suficiente para ir às feiras. Assim surge o trailer “Sabores da Roça” espaço de lanchonete onde as mulheres preparam e vendem alimentos prontos. Com cardápio regional preparam e vendem refeições a base de galinha de capoeira, arroz de festa, pamonha, cozido de bode, sucos, tapioca, queijos, doces, bolos dentre outros produtos, tudo produzido nos quintais das mulheres sem agrotóxicos ou qualquer outro produto químico. Tudo produzido nos princípios da agroecologia. Além dos pontos de comercialização a REDE também trabalha e articula para inserção da produção das mulheres nos programas institucionais de aquisição de alimentos (PAA e PNAE). Polpas de frutas diversas, doces, geleias, bolos são comercializados nos progra-
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Uma vez constituída juridicamente, a REDE adquiriu as condições de buscar seus próprios recursos e investir na infraestrutura dos grupos. Esse passo foi fundamental para fortalecer as condições produtivas dos grupos e aumentar a capacidade das mulheres na gestão e organização produtiva. Agora elas tinham que pensar e executar seus projetos e estabelecer relações financeiras e de prestação de contas com seus parceiros apoiadores.
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mas e chegam à merenda escolar das escolas municipais de vários municípios da região. A Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú tem se desafiado a articular uma rede de comercialização com capacidade para promover a venda dos produtos pelas próprias mulheres com autonomia e com uma assessoria que as fortaleça no diálogo com os programas e viabilize infraestrutura para inserção da produção em mercados solidários, institucionais. Atualmente se prepara para construir relações com os mercados formais como supermercados, padarias e lanchonetes para aquisição em maior escala de produtos beneficiados. Para tanto, a REDE tem investido esforços para obtenção de selos de vigilância sanitária investindo na infraestrutura das cozinhas comunitárias, na capacitação para boas práticas de manipulação de alimentos, rótulos com informações ao consumidor de acordo com a legislação e, sobretudo, apoiar as mulheres na conquista de novos clientes.
As pedras do caminho Desafios enfrentados
A dificuldade financeira para manter uma estrutura administrativa e custear suas atividades organizativas como os encontros, reuniões de diretoria, reuniões de planejamento, dentre outras se constituiu num desafio surpreendente. Despesas antes inexistentes, pois a Casa da Mulher além de custear essas reuniões, prestava assessoria técnica a essas dinâmicas e disponibilizava um espaço em uma
de suas salas nos escritório do Pajeú em Afogados da Ingazeira para instalação mínima de gestão da REDE durante sua criação e por 01 ano em processo de incubação. A REDE passou a assumir todas as despesas das suas atividades administrativas e de gestão. Alugou um pequeno escritório, com um computador e realizou seu primeiro planejamento estratégico em 2010 com apoio da Fundação Brazil Foundation², primeira organização a investir no processo de auto-gestão da REDE, fazendo apoio financeiro direto à REDE. Porém, outros desafios estavam presentes, nascer e permanecer em uma instituição e construir sua identidade não foi um processo fácil, nem para as mulheres da REDE, nem para a Casa da Mulher do Nordeste. Compreender os dois sujeitos políticos em alguns momentos gerou conflitos, confundiu as identidades, tanto da REDE como da organização idealizadora da metodologia que originou a REDE. A Casa da Mulher do Nordeste continua sendo a principal instituição parceira da REDE no campo da assessoria técnica, da formação política das mulheres, na militância pelo feminismo e pela agroecologia, na experimentação e na execução de projetos, pois têm muito em comum na base de sua ideologia e missão: O Feminismo, a Agroecologia e a Auto-organização das Mulheres como premissa da ação. Assim, as agricultoras tiveram que assumir a gestão da associação e lidar diretamente com financiadores e orçamentos definindo seus
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Com os projetos com financiamento direto, a REDE se defronta com um novo desafio: tanto os grupos como os projetos passam a demandar por assessoria técnica específica para a execução. Contar apenas com as assessorias de outras organizações já não dava conta das demandas da REDE com seu crescimento. Dessa forma, a REDE sente a necessidade de ter sua própria equipe técnica para trabalhar tanto na mobilização de novos projetos como no assessoramento aos grupos e na execução de seus projetos. Porém não é fácil manter uma equipe técnica remunerada. Por isso, a REDE conta com trabalho voluntário também. Mobiliza uma rede de relacionamentos, oferece estágios a estudantes de cursos técnicos diversos e busca voluntárias para atuarem na REDE. Portanto, podemos definir a REDE hoje para além de produtoras, mas uma rede aberta que articula colaboradoras/es, voluntários/ as, parceiros/as, somando forças em sintonia com a missão da REDE.
De mãos dadas - A importân: cia da auto-organização das mulheres para superação das desigualdades
A auto-organização é o principio organizativo
da REDE fundamentada no feminismo popular que tem como objetivo empoderar as mulheres a fim de se tornarem protagonistas na luta e nas suas vidas. Os grupos comunitários de mulheres constituem espaços e ferramentas importantes para que as mulheres falem, reflitam e participem ativamente da construção do projeto político da REDE. Os saberes produzidos nesse processo são capazes de transformar de alguma forma a vida das mulheres, contribuindo para modificar a estrutura patriarcal presente na nossa sociedade. Por isso, a REDE investe na auto-organização das mulheres como primórdio da sua ação desconstruindo a lógica do individual, construindo propostas coletivas de geração de renda, empoderamento político e luta por direitos das mulheres. Outro princípio importante é o da solidariedade entre as mulheres. A busca por enxergar e compreender umas às outras, entendendo que há diferenças mas que juntas é possível conseguir avançar na luta por um melhor para todas. A auto-organização também é lugar para perceber como o machismo é reproduzido e como juntas as mulheres podem combate-lo nos diversos espaços sociais e políticos. É importante ressaltar que o espaço de auto-organização não é um espaço livre de conflitos. Há discussões, há disputas internas e há discordâncias, porém isso não deve ser visto como algo negativo, mas sim parte da dinâmica de criação da política e da convivência em grupo. Como dito acima, as mulheres possuem semelhanças e diferenças. De mãos dadas, as mulheres somam forças
²A BrazilFoundation é uma Associação filantrópica que mobiliza recursos para ideias e ações que transformam o Brasil. Trabalhamos com líderes e organizações sociais e uma rede global de apoiadores para promover igualdade, justiça social e oportunidade para todos os brasileiros.
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rumos e buscando instituições que compartilhem e acreditem no seu projeto político e apoiem financeiramente a associação.
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na confiança do apoio umas às outras expressarem livremente suas ideias e protagonizar a luta feminista como um espaço de construção de conhecimento, autonomia, segurança e acolhimento para todas se reconhecerem com agentes de mudanças.
Conquistas - prêmios
Na caminhada de 10 Anos, a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú enfrentou muitos desafios e muitos e novos ainda persistem e certamente surgirão até alcançar seu objetivo de transformação para uma sociedade mais justa para as mulheres e sustentável. Porém muitas foram as conquistas na construção da autonomia econômica das mulheres, na construção de experiências de economia solidária, da agroecologia e empoderamento político das mulheres. Essas conquistas ganharam reconhecimento nacional e internacional que estão expressas nos prêmios concedidos à REDE por vários órgãos de políticas públicas: 1-Prêmio Tecnologia Social na categoria “Participação das Mulheres na Gestão de Projetos Sociais” – Fundação Banco do Brasil – 2009 2-Prêmio “Mulheres Rurais que Produzem o Brasil Sustentável” – Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres – 2013 3-Prêmio “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” – Autonomia e Valorização das Mulheres – Gabinete da Presidência da República e Organização das Nações Unidas – ONU – 2014 4-Prêmio “Boas Práticas de Economia Solidária” – Secretaria Nacional de Economia Soli-
dária (SENAES), Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) e Ministério do Trabalho (TEM).
Compartilhando aprendizados
Os aprendizados que aqui compartilhamos são fruto de 10 anos de luta e experimentação da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú e também do olhar e vivência da equipe técnica da organização de assessoria técnica, Casa da Mulher do Nordeste que desde seu início esteve nessa construção e hoje é uma parceira ideológica e técnica na caminhada da REDE. Elas são extraídas de um amplo processo de escuta e reflexão com grupos de mulheres associados à Rede. Queremos aqui compartilhar esses aprendizados como parte de um processo de construção coletiva das mulheres e que possam servir de estímulo a outras mulheres na crença de que é possível fazer real nossos desejos e que busquem o feminismo, apostem na auto-organização como meio de fortalecimento para superação da violência e para lutar por reconhecimento, direitos e autonomia. Iremos aqui compartilhar aprendizados de dois sujeitos políticos que participaram dessa experiência desde a sua criação. Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú: As mulheres assumirem o protaganismo de seus projetos - cobrar mais os direitos, entendendo que eles não são dados, são conquistados com luta e organização – a persistência
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Entender a dinâmica de um projeto desde sua formulação até a execução e finalização como forma de favorecer o empoderamento; Investir na auto-organização das mulheres é fundamental para que os seus projetos produtivos sejam viáveis - Conviver e dividir coletivamente as dificuldades do grupo contribuindo com a superação dos desafios, compreendendo que eles fazem parte de um contexto histórico da condição de exclusão das mulheres. Assim as mulheres são capazes de gerir sua produção e seu dinheiro, isso faz parte do processo de elevação da estima; o compartilhamento solidário das dificuldades e das conquistas como um ganho coletivo; A formação política aliada á formação produtiva - O reconhecimento enquanto mulher e sua condição é fator preponderante para o fortalecimento do grupo para dar novos passos, sair da invisibilidade e conduzir seus projetos; Não basta disponibilizar recursos para as mulheres, é necessário um amplo processo de divulgação e compromisso da assessoria técnica na elaboração dos projetos das mulheres, uma vez que o isolamento dos grupos de mulheres, em suas comunidades, não tem acesso aos meios de comunicação por internet, onde a maioria dos projetos de políticas públicas é divulgada; O Fundo Rotativo Solidário consistiu num elemento de empoderamento econômico para as mulheres – contribuiu para o rompimento
do medo de acessar créditos, motivo pelo qual muitas mulheres apesar de ter possibilidade de acessar créditos oficiais a exemplo do PRONAF. Após o acesso ao Fundo Rotativo Solidário, muitas mulheres acessaram o PRONAF, o que possibilitou maior independência financeira; organizar a produção e lidar com o banco; Compartilhar solidariamente os compromissos com todas as mulheres do grupo. Os movimentos sociais de mulheres devem está sempre atentos ao monitoramento para que as políticas e recursos destinados às agricultoras sejam implementados – Esse espaço de representação das agricultoras são as mais eficazes estratégias de comunicação entre as agricultoras e as políticas públicas, uma vez que estão nas bases e têm acesso direto às comunidades.
Olhar das Mulheres sobre a experiência
“O Fundo Rotativo Solidário é da Rede, e portanto, é nosso. E ainda tem as Técnicas para orientar “tem total diferença” de projetos de crédito. O projeto é do banco e não tem assessoria técnica para acompanhar” (Terezinha – São Miguel – São José do Egito-PE). “ Ser mulher agroecológica, atrizes de nós mesmas, é melhor que ser somente dona de casa. Sempre trabalhei muito, mas nunca fui reconhecida nem valorizada como dona de casa. Hoje sou reconhecida como produtora do Grupo de Mulheres Xique-xi-
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para que os direitos realmente aconteçam. foi declarado pelas mulheres como uma das principais lições aprendidas.
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que.” (Vilzoneide Marques – Grupo Xique-xique Afogados da Ingazeira-PE) “Hoje tenho autonomia. Tenho meu próprio dinheiro, dou o quanto de ração que quiser pras minhas galinhas. Quero que todas as mulheres da minha comunidade tenham acesso ao conhecimento que tenho hoje. Me sinto importante e valorizada.” (Maria José – assentamento Lagoa D’outra Banda - São José do Egito-PE) “Organizar um projeto para acessar recursos foi uma experiência inesquecível, nunca pensei que teria capacidade de fazer isso. Acredito que para as outras mulheres do grupo também foi assim. Elaborar projeto sempre foi para nós habilidade de técnico\doutor formado. Nunca imaginei que eu, uma agricultora pudesse fazer isso. Agora já sei que não é bicho de sete cabeças: é só organizar as ideias, ter coragem de assumir o compromisso, acreditar em nós mesmas e ter apoio de uma assessoria técnica comprometida com as mulheres”. (Maria das Neves – Comunidade Mundo Novo - Tabira-PE)
Lições aprendidas na Caminhada
Assessoria técnica da Casa da Mulher do Nordeste – que experimentou junto, errou e acertou na construção metodológica dessa experiência e que foi imprescindível sua con-
tribuição para o êxito da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú. Podemos aprender que a articulação em Rede leva a um reconhecimento e visibilidade das mulheres. Em outras palavras, leva a um crescimento pessoal, pois as mulheres começam a sair mais de suas casas, perdem a timidez, exercitam a fala pública, são reconhecidas e se auto reconhecem como sujeito político. A experiência também proporcionou a formação para geração de renda e possibilitou a construção de novos conhecimentos. Algumas mulheres aprimoram a sua formação e outras aprendem o que antes nunca haviam imaginado. A Experiência em Rede possibilita a construção dialógica entre assessoria técnica e grupos beneficiários, ambas são sujeitos do conhecimento. As aprendizagens são compartilhadas e os saberes trocados na construção de alternativas para uma assessoria técnica emancipadora; Sensibilidade e capacitação da assessoria técnica com relação às questões que dizem respeito à vida cotidiana e com os tempos das mulheres, considerando que as mulheres são responsáveis quase que totalmente pelo trabalho reprodutivo e que há grandes interferências dos maridos negativamente na construção de sua autonomia e emancipação, daí a base do feminismo constituir-se num elemento importante da metodologia e da ação política da assessoria técnica no trabalho com mulheres, constituindo-se assim, numa assessoria emancipadora.
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SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIA EM ATER PARA MULHERES: REPENSANDO ATER, REESCREVENDO HISTÓRIA COM AS MULHERES QUILOMBOLAS Gisleide do Carmo Oliveira Carneiro ¹ Selma Glória de Jesus ² Willza Oliveira de Almeida ³
O programa de Gênero no MOC - Reconstruindo ATER
O Movimento de Organização comunitária MOC ao longo dos seu 48 anos de existência sempre lutou ao lado dos injustiçados e excluídos da nossa sociedade, principalmente aqueles da região Semiárida da Bahia onde viviam num contexto histórico de negação de direitos. Dentre estes sujeitos, as mulheres eram as mais afetadas, levando em consideração as relações de poder numa cultura patriarcal e machista, onde as mulheres sempre foram vistas e tratadas com submissão. Nesse contexto, nasce o programa de Gênero no MOC, que hoje se orienta com o objetivo central em que, mulheres nas áreas rurais e peri-urbanas empoderadas sociopolítico, econômica e culturalmente avançam com suas famílias, comunidades e organizações na construção de relações justas e solidárias na perspectiva da promoção da igualdade e equidade de gênero através de ações integradas e transversalizadas institucionalmente.
As questões de gênero dentro do MOC perpassampelanecessidadedoreconhecimento das desigualdades existentes de modo que nas práticas de trabalho das equipes, o ato de planejar e executar estejam incorporadas ações que contribuam para a igualdade e equidade de gênero. Nesse aspecto, fazemos um destaque para o trabalho de Assistência Técnica e Extensão Rural Agroecológica ás famílias onde as desigualdades são mais explicitadas dado seu contexto cultural com resquícios coronelista e patriarcal, desse modo, as equipes de ATER precisam está mais qualificadas para intervir de modo que reconheçam o protagonismo das mulheres e provoquem mudanças no que concerne ás práticas sexistas existentes nas unidades produtivas familiares, principalmente na divisão sexual do trabalho e na ausência da participação nas tomadas de decisão. O eixo da transversalidade de gênero no MOC tem como objetivo desenvolver com os programas e projetos do MOC ações estratégicas na dimensão de gênero com vistas
Coordenadora do Programa de Fortalecimento da Economia Solidária ² Coordenadora do Programa de Gênero ³ Técnica de ATER
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As práticas de ATER já empreendidas no MOC começou a sinalizar necessidade de mudanças, já que nos moldes que vinha sendo executada não atendia as necessidades das mulheres rurais, tais como; mais acesso as políticas públicas, ampliação da participação nos espaços estratégicos e que dialogasse as relações de gênero, o trabalho produtivo e reprodutivo, a
violência contra as mulheres. Nesse propósito surgiu a possibilidade de executar ATER específica para mulheres, que só veio acontecer no ano de 2010, com o projeto “Mãos na Terra”, apoiado pelo MDA, contemplou 14 municípios do Território de Cidadania do Sisal. O projeto atendeu 160 mulheres, dentre elas, 10 de comunidade remanescente quilombola do município de Biritinga, o que avaliamos como um dos pontos de destaque na execução, dada suas condições culturais, sociais, econômicas, étnico/racial. Podemos perceber as mudanças ocorridas, conforme depoimento de Willza Oliveira de Almeida, técnica do MOC- “apesar da ATER ser para a família, o atendimento sempre era voltado para o homem e que até nós, técnicas e técnicos, contribuímos para que a condução fosse desse modo, focado na figura masculina. Em 2010/2011 com o ATER diferenciada para mulheres e voltada para organização em empreendimentos além de suas propriedades, a partir daí, a visão do MOC em relação a assistência técnica para as mulheres ganha uma importância diferenciada, mesmo que não seja uma ATER exclusiva, elas ganham um espaço de igualdade de participação e direitos”.
Mulheres Quilombolas - ATER e Cidadania
No município de Biritinga, comunidade de Vila Nova, a 123 km de Feira de Santana, numa comunidade outrora povoada por escravos
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a promoção da igualdade entre mulheres e homens no Semiárido baiano, traz como pilar desse processo, a elaboração da política de gênero que deverá nortear todas as decisões institucionais e documentar as práticas já existentes, mas que não estão asseguradas, além garantir a incorporação nas ações do MOC também a política deverá influenciar as organizações parceiras (sindicatos, associações, cooperativas) a adotarem práticas que contribuam para equidade e igualdade de gênero. Um dos grandes desafios encontrado na instituição nas práticas de ATER é a rotatividade da equipe, já que os projetos/convênios são de curta ou média duração, o que requer um processo de qualificação contínua e a utilização de instrumentos que mensure o resultado da ação no campo, o que não é uma tarefa fácil, já que na maioria das vezes os diagnósticos aplicados já vêm prontos do governo e nem sempre permite alterações/complementos. Para isso, o MOC deverá utilizar ferramentas internas que ajude a avaliar os avanços na ATER com inclusão e participação mais efetiva das mulheres.
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fugitivos hoje sem “Isauras” e sem “senhores”, ali vivem homens e mulheres que buscam sonhos de transformação da realidade. As mulheres na grande maioria são mães solteiras ou com o companheiro trabalhando em outro estado para o sustento da família e quase a totalidade das mulheres fazem parte do Programa Bolsa Família. Comunidade reconhecida de Remanescente de Quilombo, mas poucas se autodeclaravam quilombolas ou negras, porque não havia um reconhecimento de identidade, além do histórico processo de dupla discriminação sofrida, a racial e de gênero, especificamente as mulheres rurais, o que contribuía para baixa autoestima destas. Poucas gostavam de ser fotografada e participar de reuniões, mas quando participavam, sempre levavam as palhas de licurizeiro para traçar as fibras e desta forma costumavam a ouvir sempre de cabeça baixa. Era uma característica marcante dessas mulheres nas reuniões de grupos e, dessa forma os costumes eram internalizados pela nova geração (filhos/as e netos/as). Para elas não era mais que um passatempo, o que no final lhes rendia alguns centavos nas vendas de braçadas de tranças para os atravessadores que compravam abaixo do preço de mercado. Num contexto demarcado pelas desigualdades das relações de gênero e na divisão sexual do trabalho doméstico e do cuidado, as mulheres, como na maioria das comunidades rurais, viviam cotidianamente com as múltiplas jornadas de trabalho, desde os afazeres de casa, do cuidado
com os filhos e com família, além do labor com os animais e no campo (plantação, colheita, roçado) e, o pouco acesso a água se somava às dificuldades enfrentadas pelas mesmas. Esse era o contexto em que elas viviam, restando pouco ou quase nenhum tempo para participação nas reuniões e eventos comunitários, e quando participavam não interagiam, pois receavam de não serem ouvidas e suas demandas não serem consideradas, já que almejavam uma vida mais digna para elas e suas filhas/filhos. O município possui um grande potencial de água doce no subsolo, que abastece parte do Território do Sisal, e pouco usado do seu potencial para a geração de trabalho e renda para as famílias rurais. E na Comunidade Vila Nova, não é diferente desta realidade, com poço artesiano instalado e que não funcionava pelo motivo da bomba não ser adequada para puxar a água, a comunidade passou anos sem a utilização do poço artesiano. Em resumo, uma comunidade com grandes potenciais e pouca informações para a busca do desenvolvimento local e comunitário.
Porque ATER para mulheres quilombolas?
Motivar as mulheres quilombolas rurais na elevação da autoestima e na produção de alimentos que garantam segurança e soberania alimentar e nutricional possibilitando a geração de trabalho e renda de forma coletiva e sustentável, dentro dos princípios
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A caminhada das mulheres descobertas e possibilidades
O contexto de desigualdade de gênero em que vivem as mulheres rurais restringe principalmente o acesso destas aos bens materiais e consequentemente ás políticas públicas. Após sucessivas mobilizações e intervenções dos movimentos de mulheres e feministas é que houve algumas mudanças significativas que estão possibilitando a mudança no rumo da vida das produtoras. A assistência técnica específica para mulheres veio em resposta ao desafio de organizar, produzir e comercializar para geração de renda e valorização dos trabalhos desenvolvidos pelas mulheres rurais, além de responder a questões da economia feminista solidária, como estratégia de empoderamento. Neste aspecto, o Movimento de Organização ComunitáriaMOC busca pautar suas ações com especial atenção para valorização da equidade de gênero, fortalecimento da identidade em seus diversos aspectos, elevação da autoestima, a organização coletiva para o acesso as políticas públicas de crédito, assistência técnica, acesso a água para produção, organização produtiva e geração de renda mediante cooperativismo na perspectiva do fortalecimento da autonomia dos sujeitos.
Na metodologia participativa, os conhecimentos e saberes populares são fundamentais para a construção do conhecimento coletivo, aliado ao saber técnico enquanto forma de mediação e orientação no desenvolvimento da ATER para mulheres.
“ATER para mulheres foi uma experiência inovadora, percebemos o quanto elas eram excluídas desse processo, já que antes o atendimento era mais para os homens. Aqui as mulheres planejaram e discutiram suas propriedades, tinha o trabalho remunerado, a participação ativa delas nas atividades fora do município, o que foi um grande avanço na vida delas, pois somente os homens poderiam viajar e participar”- Willza Oliveira, técnica do MOC. O ATER para mulheres rurais, desenvolvido pelo MOC – Movimento de Organização Comunitária, atendeu a comunidade de Vila Nova no município de Biritinga, com a participação de 10 mulheres. O projeto voltado para agroecologia e de convivência com o semiárido incentivou a criação de grupos e organizações (Associações e Cooperativas) para atividades e ações de beneficiamento da produção e ocupação de espaços, e na busca de comercialização dos produtos, no comércio tradicional, bem como, no mercado institucional, dentro dos princípios da agroecologia e da economia solidária. Também, incentivando ao crédito, a partir do acesso aos programas oficiais do Governo Federal, das Cooperativas de Crédito da
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da agroecologia e da economia feminista e solidária, superando as desigualdades de gênero e raça vivenciadas.
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Agricultura Familiar e do Fundo Rotativo Solidário existente no território. Na comunidade Vila Nova foi percebida nas atividades que a maior participação era dos homens nas ações desenvolvidas, e quando havia um número significativo de mulheres, as mesmas não interagiam nas atividades. Na perspectiva de transformação é fundamental fazer perpassar pelos processos de trabalho na comunidade e para o desenvolvimento sustentável que se quer construir, a dimensão de equidade de gênero, motivar e apoiar as mulheres quilombolas rurais, para que se organizem em instâncias próprias, a partir das quais possam interferir em políticas públicas, debater mais explicitamente seus problemas e propostas, ocupar espaços em Conselhos e Comissões, interferir e controlar políticas públicas e fazer com que nestas esteja presente a dimensão equitativa de gênero. Desta forma foram dados os passos na comunidade de Vila Nova com as pessoas que escrevem a história do lugar de outra forma. Com ações do projeto “Mãos na Terra”ATER Mulheres, se permitiu a elaboração do planejamento de ações em grupo, com destaque para a implantação da horta coletiva, garantindo a segurança e soberania alimentar das famílias e a venda do excedente para a geração de trabalho e renda. Para isso, um desafio a enfrentar; fazer intervenção ao gestor público para a troca da bomba que não era compatível para o funcionamento do poço artesiano, garantindo água para o consumo
e para a produção das hortaliças. Com a mobilização participativa da comunidade esse desafio foi superado. As mulheres se organizaram e constituíram o grupo de produção e iniciaram com o cultivo de hortaliças na área da associação utilizando os recursos naturais de forma sustentável, como a palha do licurizeiro para cobrir os canteiros,a terra quixabeira para adubar, com manejo manual e controle de pragas de forma naturais que contou com a formação e acompanhamento técnico para a implantação. Também as mulheres perceberam do grande potencial de frutas que tinham na propriedade e na caatinga e que era desperdiçadas (mangaba, manga, caju, umbu, cajá, maracujá do mato, tamarindo) e o cultivo de mandioca que só fazia a farinha da mandioca, ampliando assim a produção para a fabricação de polpas de frutas e sequilhos dentro dos princípios da agroecologia e da economia solidária, garantindo a segurança e soberania alimentar e nutricional além da geração de trabalho e renda. Para dar inicio a produção eram necessários investimentos em equipamentos. Alguns foram adquiridos através de doações institucionais, a exemplo do Movimento de Organização Comunitária (MOC) e da Arco Sertão Bahia, além de organizações parceiras como o Instituto Consulado da Mulher e da Yamana Gold. O grupo também contou com acesso ao Fundo Rotativo Solidário – FRS gerido pela Arco Sertão Bahia para a compra de equipamentos, embalagens e insumos. Muitas destas mulheres foram contempladas
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A comercialização realizada na própria comunidade, e a partir da formação as mulheres ampliaram o acesso para os mercados institucionais (PAA – Programa de Aquisição de Alimentos e PNAE – Programa Nacional da Alimentação Escolar). Este acesso aos mercados institucionais se deu através da Associação Comunitária de Vilas Unidas, visto que tinha pouca atuação destas mulheres na diretoria e com no decorrer do tempo, mães e filhas passaram a assumir cargos na executiva da diretoria da Associação, antes ocupados por homens. Umas das integrantes do grupo, Dona Jeronice Luciano dos Santos, esposa de seu Jacinto e mãe de Marina Costa, 22 anos, que também faz parte do grupo e atualmente Diretora Financeira da Rede Arco Sertão Bahia é uma das pessoas que garante que a tradição do artesanato de palha permaneça viva na comunidade. “Faço
o artesanato por amor. Faço e levo às feiras solidárias para vender ou levo para o Armazém da Agricultura Familiar da Economia Solidária, em Serrinha”, ressalta. Para a melhoria da produção, as mulheres buscaram projetos para a construção da unidade de beneficiamento de frutas, veículo para a logística e equipamentos, através de editais do governo do estado e CONAB/ BNDES, com apoio da equipe técnica do MOC, apresentaram os projetos, foram aprovados e implementados. O ATER Mulheres através do projeto Mãos na Terra, contribuiu significativamente para o empoderamento destas mulheres. Maria José, também integrante do grupo complementa: “Além do aprendizado, troca de experiências em intercâmbio, aprendemos a ter coragem de falar. A gente antes apenas balançava a cabeça para sim ou não. Agora aprendemos a falar do nosso jeito. Eu me garanto para falar com gestores de escolas ou qualquer um, em qualquer lugar, me garanto!”, diz orgulhosa. Atualmente foi constituída COOPERAQ - Cooperativa de Agricultores Familiares e Quilombolas Vilas Unida encontra-se em processo de registro. A Associação, hoje presidida por Arilma dos Santos Souza, é filiada a Arco Sertão Bahia no Território do Sisal, conta com 115 associados, sendo dois homens e onze mulheres fazem parte do grupo de produção de que vêm diversificando a produção de alimentos para a geração de trabalho e garantindo uma renda mensal, bem como a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento local. Esses são alguns
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nas suas propriedades, com tecnologias de água para a produção do Projeto P1+2 (Uma Terra e Duas Águas) da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e também com a implantação de uma cisterna calçadão na área coletiva da Associação para a produção de hortaliças. “Tá vendo essas hortaliças aqui? A gente vende na própria comunidade. Saio com o carrinho no domingo pela manhã e vende tudo que tiver nele: coentro, cebolinha, couve, quiabo, caxixe e outras coisinhas que temos aqui”, fala com brilho nos olhos Joiceane S. Dantas que também fabrica sequilhos e polpas de frutas com os outros membros do grupo.
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exemplos das mulheres que avançaram porque houve uma preocupação do MOC em repensar a metodologia de trabalho de modo que as mulheres se sentissem parte do processo, já que esse era uma novidade em suas vidas. Percebemos a necessidade de uma ATER que dialogasse mais o contexto de vida em que elas estão inseridas, abordando os problemas que mais afetam suas vidas e que muitas vezes não é percebido nem questionado.
Avanços na caminhada- O direito de ter direitos
Destacamos hoje como um dos principais resultados que é o auto reconhecimento das mulheres enquanto quilombolas e produtoras, ampliando o respeito pela preservação de uma tradição e cultura local, tanto na produção de artesanatos com as palhas da caatinga como também da produção de alimentos derivados de frutas e raízes nativas da região Semiárida da Bahia. Esses moldes de produção são de fácil acesso e apropriação das mulheres além de tem baixo custo operacional, pois faz parte de uma cultura local que em momentos já foi desvalorizada e relegada ao esquecimento, o que hoje gera renda e contribui na garantia da permanência digna das mulheres no campo. O acesso às políticas públicas de comercialização (Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e Programa Nacional da Alimentação Escolar), como também, acesso a projetos para a construção da unidade de beneficiamento de
frutas, veículo para a logística e equipamentos, através de editais do governo do estado e CONAB/BNDES, com apoio da equipe técnica do MOC, viabilizou a garantia da produção de alimentos para atender os mercados. Vale ressaltar que, mediante o contexto de desigualdade de gênero e raça, fortemente marcada pela desvalorização das mulheres, divisão sexual do trabalho doméstico e do cuidado, concentração de pobreza e exclusão dos espaços de construção e controle social de políticas públicas, baixa autoestima, podemos considerar que houve uma transformação na vida das mulheres da comunidade de Vilas Unidas na medida em que estas reafirmam sua identidade negra quilombola, superam os desafios e avançam na participação social e o exercício da cidadania num processo de desconstrução da cultura machista, onde passam a ocupar espaços estratégicos que criam possibilidades de maior acesso aos direitos historicamente negados. Não podemos negar que os desafios continuam presente na vida das mulheres, entretanto muitos passos já foram dados e elas seguem reescrevendo suas histórias e ressignificando suas vidas juntamente com organizações parceiras na construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
ATER Feminista Mãos na Terra
É notória as mudanças significativas que o projeto “Mãos na Terra- ATER mulheres
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de gênero, trabalho produtivo e reprodutivo, agroecologia e o enfrentamento a violência contra as mulheres rurais e quilombolas, tudo isso mediante a boa qualificação técnica que contribua para repensar as práticas sexistas e patriarcais para superação das desigualdades na perspectiva da construção de uma sociedade com equidade de gênero. É inegável para nós do MOC os avanços na ATER para mulheres, ainda que não seja a específica, pois o a equipe técnica vem a cada dia se qualificado a partir das ações integradas com o programa de gênero, além dos avanços na própria política de assistência técnica que já apresenta mudanças no que se refere ao percentual de mulheres atendidas, a contratação de mulheres técnicas, os recursos destinados para formação de gênero e agora as atividades recreativas com as crianças possibilitando a participação das mães. Porém, quando avaliamos uma ATER na perspectiva feminista ainda estamos nos primeiros passos, pois significa romper com a lógica da naturalidade e determinismo biológica das condições de desigualdade na qual as mulheres são submetidas, tanto no espaço privado quando nos espaços públicos e até mesmo das organizações da qual elas fazem parte. ATER Feminista deve não só reconhecer o protagonismo das mulheres, mas questionar as relações existentes, a sub representação das mulheres nos espaços, a violência contra as mulheres, a divisão sexual do trabalho doméstico e do cuidado, enfim, requer uma
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proporcionou na vida dessas sertanejas que sempre viveram num contexto fortemente marcado pelas desigualdades de gênero e raça, onde as oportunidades eram sempre conferidas aos homens. A metodologia do projeto foi primordial para elevação da autoestima das mulheres quilombolas e o seu engajamento nos espaços locais e regional de discussão e proposição de políticas públicas. Reconhecer as potencialidades locais com a produção de artesanato e alimentação foi um grande passo que as mulheres deram rumo a sua autonomia econômica, já que o acesso e comercialização para o PAA e PNAE foram conquistados mediante a organização do grupo de produção e sua articulação na associação local e na Arco Sertão Central. Os avanços na política de ATER são inegáveis, no entanto, as mulheres continuam a enfrentar desafios no campo da descontinuidade da ATER, considerado insuficiente para garantir o fortalecimento das mulheres e o seu acesso a outras políticas como, ampliação e desburocratização do crédito, ampliação dos mercados para comercialização da produção agroecológica e a insuficiência de água para uma produção, mais contínua e duradoura. Outro elemento relevante, é a garantia de espaços de recreação para que as mães possam levar as crianças na medida em que possibilite participar das atividades formativas, já que a incumbência de cuidar dos filhos/as ainda é delegada a mulher. Nesse aspecto, a ATER para mulheres deve assegurar ações para o envolvimento dos homens nas formações sobre relações
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mudança de postura com ações efetivas que contribuam para a igualdade e equidade de gênero. Acreditamos que é possível e estamos caminhando nessa perspectiva, porém requer mais agilidade nas ações. Para isso, o processo de formação e qualificação técnica deve ser contínuo se atentando para as questões que cercam a vida das mulheres e ameaçam seus direitos. A proposta de uma ATER Feminista agroecológica sem dúvidas, responderia as questões identificadas avançando na igualdade e equidade de gênero no meio rural.
Algumas Reflexões sobre o processo de ATER
O papel do programa de Gênero no MOC tem um papel de desafiador de contribuir na qualificação da equipe técnica de modo que as ações executadas no campo cause um impacto positivo na vida das mulheres alterando as relações de gênero existentes a partir de um ATER agroecológica feminista que reconheça o protagonismo das mulheres e contribua para seu empoderamento e superação das desigualdades existentes.
“Fazer parte do MOC, proporcionou a vivenciar toda essa caminha destas mulheres quilombolas rurais da comunidade Vila Nova e como Agente de ATER desenvolvendo um conjunto de ações (formação, capacitação, intercâmbio e visitas) proporcionou o acesso destas mulheres as políticas publicas, fortalecendo socialmente, politicamente e
economicamente.” Gisleide Carneiro. Atuar como agente de ATER com mulheres rurais quilombolas foi uma experiência enriquecedora e ao mesmo tempo desafiante. Defender a igualdade de gênero e uma assistência técnica diferenciada para quem sempre foi excluído dos processos me fez uma profissional ainda mais engajada na luta pela igualdade de oportunidade, visto que precisamos a todo tempo provar que um projeto de ATER para mulheres daria certo,e de fato,deu.Os resultados foram e são significativos, pois estamos desconstruindo uma cultura machista e patriarcal e construindo espaços de possibilidades para as mulheres. Para isso, a criatividade, a metodologia participativa utilizada, as parcerias locais e regional estabelecidas e a força de vontade das mulheres foram fundamentais para que os avanços acontecessem. Desse modo, posso afirmar que a experiência vivenciada com as mulheres quilombolas do município de Biritinga, na comunidade de Vila Nova, nos mostra que só vamos superar as desigualdades de gênero e raça se as políticas públicas para as mulheres forem priorizadas, se a interface entre elas; política de ATER, Crédito, comercialização, mediante qualificação técnica, desburocratização e ampliação dos recursos que garanta a continuidade das políticas para mulheres. Por isso, criar oportunidades é contribuir para o empoderamento feminino e superação de todas as formas de desigualdade entre homens e mulheres.
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