TEOLOGIA DA ESPIRITUALIDADE – Unidade II
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BACHAREL EM TEOLOGIA (EAD) TEOLOGIA DA ESPIRITUALIDADE – UNIDADE II AULA 05 - A ESPIRITUALIDADE CRISTÃ E A DEVOÇÃO AULA 06 - APROXIMAÇÕES A UMA TEOLOGIA INTEGRAL DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ AULA 07 - PROPOSTAS DE ESPIRITUALIDADE CRISTÃ NA ATUALIDADE
Autor: Dr. Sidney De Moraes Sanches Publicado em Agosto de 2014
Este conteúdo é parte integrante do Curso de Bacharel em Teologia, disponibilizado em formato de EAD pela Faculdade REFIDIM. É proibida a cópia, armazenamento em arquivo digital ou qualquer forma de distribuição do conteúdo desta publicação, sem prévia autorização. Proibida a reprodução total ou parcial. Todos os direitos reservados.
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TEOLOGIA DA ESPIRITUALIDADE – Unidade II
AULA 05 A ESPIRITUALIDADE CRISTÃ E A DEVOÇÃO
Introdução Uma das expressões de nossa espiritualidade são as práticas devocionais, também chamadas de disciplinas espirituais. Elas são a forma de no dia a dia cultivarmos nossa vida com Deus e nos mantermos sintonizados com ele. Certamente não são a única via para isso, fazemo-lo também por meio do estudo formal das escrituras, do fazer teológico, da comunhão com o próximo, da apreciação da criação, etc. Mas, nenhuma dessas ações substituem as práticas devocionais da oração, leitura piedosa das Escritura e jejum, daí a necessidade de as incluirmos em uma teologia da espiritualidade cristã. 1. A Oração A prática da oração remonta aos períodos mais antigos da nossa fé. Falar com Deus para suplicar-lhe auxílio, dar-lhe graças ou interceder por outros, era um costume das origens da história de Israel. Desde que o ser humano percebeu-se distante de Deus e não podendo falar-lhe diretamente, passou a falar-lhe de forma indireta, mais distante, por meio da oração.
a) A Oração no Antigo Testamento A oração faz parte dos antecedentes da fé cristã no judaísmo e religião de Israel. Já nessa época oravam individualmente, como foi o caso da oração de Ana mãe de Samuel (I Sam. 1:10), de Ezequias ante a ameaça de
Mateus 6. 5-15 E, quando orares, não sejas como os hipócritas; pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes. Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; O pão nosso de cada dia nos dá hoje; E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores; E não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém. Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas.
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Senaqueribe (Is. 37.15) e de Moisés em intercessão pelo povo (Núm. 11.2). Mas, oravam também comunitariamente, como aconteceu no retorno do exílio, ao lerem conjuntamente a lei do Senhor e em seguida orarem è ele (Ne. 9.4), ou conforme relata o Salmo 105.40 sobre a oração dos filhos de Israel. Os Salmos são as principais formas de oração do povo de Deus, tanto de súplicas como de ações de graças, colecionados por um período de aproximadamente oitocentos anos. Valdir Steuernagel retratou bem o espírito humano de indagação e sentimentos diversos presente nos salmos,1 Há várias orações relatadas no Antigo Testamento, comprovando que esse era o meio predominante do povo de Deus se comunicar com ele (2 Reis 20.2; Jonas 2.1; Êx. 8.30; 2 Crôn. 32.24 e outros). A pratica da oração no Antigo Testamento está relacionada à diversas situações e se mostra de variadas formas.
ORAÇÕES DE PETIÇÃO Isaque que orou ao Senhor para reverter a esterilidade de Rebeca: “E Isaque orou insistentemente ao Senhor por sua mulher, porquanto era estéril; e o Senhor ouviu as suas orações, e Rebeca sua mulher concebeu” ( Gên. 25.21). Neste caso, a oração além de ser intercessória visava um desejo específico, humano e cultural: gerar filhos, problema recorrente no contexto bíblico. O texto também chama a atenção para a insistência de Isaque na oração, que a remete não para um simples ato cultual, mas para o campo relacional com Deus. Insistência transparece liberdade diante de Deus.
SÚPLICA DE AUXÍLIO Outra oração que se destaca é a de Sansão pedindo auxílio em sua luta contra os filisteus. Ele havia pecado e, por isso, perdido o poder da força física excepcional que possuía. Alé disso, havia sido cegado por seus inimigos que furaram seus olhos.Todavia, diante de uma nova oportunidade de vingar-se, em uma atitude que demonstrou remorso, recorreu ao senhor em oração: “Então Sansão clamou ao Senhor, e disse: Senhor Deus, peço-te que te lembres de mim, e fortalece-me agora só esta vez, ó Deus, para que de uma vez me vingue dos filisteus, pelos meus dois olhos” – (Jz. 16.28). Esta também foi uma oração bastante objetiva e emergencial.
ORAÇÃO INTERCESSÓRIA Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! e não salvarás? (Hab. 1:2) Havia também as orações intercessórias. Essa era uma das principais funções dos sacerdotes quando adentravam à parte do templo chamada de “Santo dos Santos”: interceder pelo povo de Deus. Várias vezes Moisés e depois os profetas clamaram a Deus pelo povo, insistiram em oração, mesmo quando pareciam estar “navegando contra a maré”, como aconteceu com Habacuque ao orar pedindo livramento de Judá contra a ameaça babilônica. O julgamento de Judá já havia sido dado e a oração dele não reverteria aquela situação. Porém, o profeta pareceu ter seu coração abrandado ao saber que Deus não
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STEURNAGEL, Valdir. Para Falar das Flores... Curitiba: Encontro, 2000, p. 26.
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estava ausente naquele momento e que tudo aconteceria no limite da sua vontade. O resultado foi uma oração de ação de graças: Na travessia dos filhos de Israel pelo deserto temos exemplos de orações intercessórias do líder Moisés pelo povo que ele guiava: “Por isso o povo veio a Moisés, e disse: Havemos pecado porquanto temos falado contra o Senhor e contra ti; ora ao Senhor que tire de nós estas serpentes. Então Moisés orou pelo povo” - (Núm. 21.7). A oração era o modo do povo de Deus relacionar-se com ele e responder-lhe pelos seus feitos. Era o Deus presente entre eles com o qual poderiam interagir. Ele falava à eles por meio dos profetas e eles falavam à Deus por meio da oração. Essa relação entre eles também faz parte do que chamamos de revelação, pois mostra como Deus é para conosco, que de acordo com Rinaldo Fabris, aquele que age na vida:
Ouvindo-o eu, o meu ventre se comoveu, à sua voz tremeram os meus lábios; entrou a podridão nos meus ossos, e estremeci dentro de mim; no dia da angústia descansarei, quando subir contra o povo que invadirá com suas tropas. Porque ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; ainda que decepcione o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja gado; todavia eu me alegrarei no SENHOR; exultarei no Deus da minha salvação. O SENHOR Deus é a minha força, e fará os meus pés como os das cervas, e me fará andar sobre as minhas alturas. (Hab. 3:16-19)
Para a Bíblia, a relação com Deus não acontece num lugar estranho aos interesses vitais, mas se dá no coração ou centro profundo da experiência que os homens e mulheres vivem na sua caminhada histórica, num território, num lugar e tempo precisos [...]. O Deus da Bíblia não se revela na solidão que imaginamos, mas no profundo da experiência.2 Não se trata de um Deus inacessível, estático ou ausente, mas é aquele a quem poderiam recorrer a qualquer tempo e situação, com a certeza de que de alguma forma ele agiria, ainda que fosse negando suas petições em função da manifestação da sua vontade. A vida com Deus, desde essa época, é necessariamente relacional. Esta é uma característica única do Deus de Israel: aquele com o qual se poderia relacionar. O fato dele ter se chegado historicamente a nós permitiu-nos chegar à ele com esta liberdade. A mediação sacerdotal no Antigo Testamento não era um impedimento para essa relação, ao contrário, era uma das suas principais vias. Não era, todavia, o modo perfeito, completamente livre, como aquele realizado por Jesus. Ele convergiu para si todas essas mediações e deu-nos, por meio dele mesmo, acesso livre ao Pai. A oração com livre acesso a Deus tornou-se, então, marca distintiva da nossa espiritualidade.
b) A Oração no Novo Testamento Está claro então que a prática da oração não é uma novidade do Novo Testamento, é muito mais uma relação de continuidade ao que se fazia no Antigo Testamento. A novidade do NT é a presença mediadora de Jesus Cristo, inclusive na oração. Ele é o meio pelo qual chegamos ao Pai:“Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” - (Jo. 14.6) e o seu meio de acesso de acordo com Bonhoeffer3:
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FABRIS, Rinaldo. A Oração na Bíblia – Coleção: Temas da Espiritualidade, nº 21. São Paulo: Loyola, 1992, p. 6.
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BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 1995, p. 96.
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Jesus ensinou a orar à luz daquele novo momento que ele inaugurara, conforme mencionamos no início dessa aula, e esse ensino é a base neotestamentária para a oração. Ela deve ser dirigida ao Pai, que ao mesmo tempo em que é Pai nosso, de nós e de Jesus Cristo, é Pai que está no céu. Jesus revela nossa filiação ao Pai por meio dele, a ponto de podermos nos dirigir à ele com nossas súplicas. Ele é aquele com quem podemos contar sempre, mas também o que governa todas as coisas. O estar no céu não implica extamente em distanciamento, mas na autoridade que ele possui sobre tudo que existe. Ao mesmo tempo ele é Deus Santo, e é assim que seu nome deve ser concebido por nós. Não podemos tratar Deus como um comum a nós, mas, mesmo sendo Deus Santo é acessível, pois podemos fazer-lhe orações. Devido à isso, nossa oração deve ser de invocação da presença do seu Reino, pois ele é a manifestação concreta da vontade soberana de Deus e sua justiça em todos os lugares. Isso demonstra a derrota de Satanás e a vitória de Jesus Cristo. Que o Reino de Deus avance nesse mundo e todos os outros “reinos” se acabem. Que a vontade de Deus se espalhe pela Terra “Que nenhuma criatura lhe resista”.4
Os discípulos sabem que o pão que cresce na terra, vem do alto e é dádiva de Deus. Por isso não tomam para si o pão, mas pedem-no. Por vir da parte de Deus, vem ele diariamente novo. Os discípulos não pedem reserva de pão, mas pela porção diária hoje, suficiente para lhes conservar a vida na comunhão de Jesus, e que lhes enseja louvar a bondade de Deus. Nesta prece comprova-se a fé dos discípulos na ação viva de Deus na terra para o seu bem.
Também devemos orar por nós e nossa vida física. A relação com Deus nos afeta de modo Bonhoeffer, p. 99. integral. Devemos pedir o necessário e o suficiente para as nossas necessidades diárias, nem menos, nem mais. Não podemos esquecer, alerta Bonhoeffer, que não é o “pão meu”, mas o “pão nosso”.
Outro ponto importante de nossa oração deve ser o pedido de perdão por aquilo que fizemos que é contrário à vontade de Deus e do seu Reino. Ao fazermos isso estaremos admitindo nossos erros e confessando-os a Deus. Jesus, porém, coloca-nos em autocrítica, pois nos orienta a pedir para sermos perdoados na medida em que perdoamos. Não há confissão e perdão isolados, mas se dá sempre em relação aos outros, pois todo pecado que cometemos, por mais individual que seja, afeta ao próximo. Da mesma forma, o pecado do próximo também nos afeta e, em nossas relações, devemos perdoálos se queremos o perdão de Deus. Isso é justo. Também devemos pedir à Deus em nossa oração que nos livre das tentações e do mal a que elas nos induzem. Estar no mundo conviver com situações que nos atraem para os caminhos mais fáceis, mas nem sempre corretos. Somos constantemente induzidos por nossa própria justiça, que sempre nos favorece. Não termos forças por nós mesmos para resistirmos à elas, pois geralmente acontecem na dinâmica da vida no mundo. Devemos pedir a Deus que nos fortaleça pra discernirmos essas tentações e a vencermos. Em relação à isso cabe-nos clamar à Deus pelo livramento do mal, em todas as suas expressões, pois ele nos espreita constantemente. Também o mal enquanto situação escatológica. Que o Senhor nos salve. Podemos orar suplicando a Deus todas essas coisas, pois dele é o reino, o poder e a glória para sempre.
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BONHOEFFER, p. 98.
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Essa é a oração que Deus ouve, aquela que reconhece Deus como Pai e como Deus, que suplica pelo Reino de Deus, que é justiça, que demonstra respeito e amor ao próximo, que reconhece as próprias limitações e recorre à Deus e se encerra em adoração. A oração não deve ser feita para impressionar as outras pessoas com demonstração de uma pretensa espiritualidade, mesmo aquelas cúlticas, realizadas no evento litúrgico, mas deve visar sempre e unicamente a relação com Deus.
c) A Oração na Atualidade Nossa hinologia possui vários cânticos que convocam para a prática da oração, como caminho para a comunhão com Jesus Cristo e a experimentação da sua presença. Como muitos desses hinos antigos são fruto de situações reais de vida e fazem uma chamada legítima para a busca de uma vida com Deus, devemos considerá-los seriamente como fontes para a nossa teologia da espiritualidade cristã, comod emonstra o hino ao lado.
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Ao orarmos, Senhor Vem encher-nos com Teu amor Para o mundo agitado esquecer, Cada dia Tua vida viver Nossas vidas, vem pois transformar Refrigério pra alma nos dar E agora com outros irmãos Nos unimos aqui em oração
Mas não podemos desprezar o valor da nossa corinhologia, com suas evocações à prática devocional como modo de comunhão com Deus. No hino destaca-se a importância da oração individual, no secreto, que faz confissão e se rende aos cuidados de Deus. No corinho somos chamados à oração comunitária, junto com os irmãos, visando por meio da comunhão em oração sermos renovados em nossa vida. A oração é o secreto absoluto. É totalmente oposta à publicidade. Quem ora, já não conhece a si mesmo, mas somente a Deus a quem invoca. Por a oração não influir sobre o mundo, mas ser dirigida unicamente a Deus, ela é “a” ação anti-demonstração. O que confere eficácia à oração não é a fórmula na qual a empregamos, ou o tom de voz em que a fazemos, mas a fé. Para Bonhoeffer a oração também não é uma obra a ser realizada, mas uma relação com o Pai nosso, por isso ela não precisa ser teatral, espetacular, mas piedosa, humilde, como de alguém que conversa intimamente com outro. A oração é sempre uma ação humana em relação ao divino. É o meio mais direto de contato com Deus que concebemos, seja para súplica, intercessão ou ação de graças, que são as principais formas de oração que praticamos. Moltmann ensina que não devemos recorrer em oração a Deus somente para realizarmos petiçoes e súplicas, como um servo recorre ao seu senhor, diante da falta de uma comunicação livre com ele.5 Deus é nosso pai e amigo, por isso, temos liberdade em falar com ele. A liberdade não significa necessariamente irreverência, falta de respeito, mas proximidade e acessibilidade. Ele assegura:
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Moltmann, A Fonte da Vida, p. 130.
Aconselhamo-nos com Deus como um amigo que nos compreende […]. Falar com Deus e ouvi-lo nessa liberdade, que expressa um amor imenso, é “orar no Espírito Santo”. É assim que oram amigos de Deus. Moltmann, p. 130
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Moltmann ainda nos apresenta uma análise interessante da linguagem corporal na oração, com destaque para três delas: a) A atitude muçulmana de oração - prostração com rosto em terra. Conforme ele, refere-se à atitude de submissão de um súdito diante de seus senhores governantes (déspotas asiáticos), em um esforço de demonstar pequenez, insignificância como um “embrião em ventre materno”. No Antigo Testamento há casos dessa atitude (Gn. 17.3-17; Js. 7.6; Nm 16.22 Dn 8.17), mas em referência ao temor diante do poder divino. b) A atitude cristã – juntar as mãos, fechar os olhos e ajoelhar-se. Trata-se de uma atitude de interiorização, de voltar-nos para dentro de nós mesmos em gestos como de dor. Também refere-se ao esforço por humilhar-se ante o divino, como na antiguidade que os servos não poderiam mirar (olhar nos olhos) dos seus senhores, daí o abaixar a cabeça em reverência. O juntar as mãos também era um ato comum, no sentido de mostrar que estavam desarmados. Quando uma pessoa está tão vergada sobre si mesma, não pode respirar livremente. Parece que está carregando a si própria como um grande peso. Nessa modalidade de oração, evidencia-se uma religião de interiorização que deprime. Os sentidos estão cerrados. Solitário, o ser humano busca a Deus no próprio íntimo, em seu coração ou na alma. Moltmann, p. 132 Os joelhos dobrados simbolizam o fraquejar do corpo e, portanto, humildade. O comentário de Moltmann sobre essa atitude é: c) Adoradores e adoradoras da primeira Igreja – cabeça erguida, olhos abertos e braços levantados. Típicos das figuras dos primeiros cristãos encontradas em algumas catacumbas antigas. Conforme Moltmann: É a atitude de uma grande expectativa e da prontidão amorosa para receber e abraçar. Os que se abrem para Deus nessa atitude são pessoas livres. […]. Os braços erguidos expandem o peito para a respiração. A posição ereta é o ponto de partida para movimentar-se no recinto e convida a caminhar, andar e dançar. Quem ora nessa posição ora sobretudo pela vinda do Espírito Santo: “Vem, Espírito Criador...” Moltmann, p. 132 Podemos concordar com Moltmann que oração é prática da liberdade. Estar diante de Deus, nosso Criador e Pai, e falar-lhe de modo espontâneo e sincero, é como revisitar o jardim do Éden nas tardes de outono, ou seja, sentir-se humano e livre.
CONCLUSÃO Embora oremos sempre em nossos cultos e em alguns horários fixos no dia, como nas refeições, ao levantar e ao dormir, nossa vida de oração não deveria resumir-se a essa rotina. Precisamos observar a oração como também aquele momento não programado, quando abrimos nosso coração ao nosso Deus e conversamos com aquele que sabe de todas as coisas. Devemos nos permitir ouví-lo e ser confortados e confrontados por ele e, ao mesmo tempo, vivenciar nossa plena liberdade humana em sua presença.
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2. A Leitura da Bíblia como ato devocional Na teologia evangélica afirmamos que a palavra de Deus possui primazia em tudo o que fazemos. Isto significa que ela é autoridade maior em toda nossa elaboração teológica e, consequentemente, em nossa pregação. O mesmo deve ser válido para nossa espiritualidade e vida cristã. Tratar a Bíblia assim é assumir para com ela uma responsabilidade de vida e ministério. No entanto, também requer um verdadeiro interesse de entendê-la com um coração sensível para ouvir o que ela tem a nos dizer como Palavra de Deus, mesmo no exercício exegético. A Bíblia, além de trazer respostas para o momento em que vivemos e ajudar a compreender a própria realidade conduz a um conhecimento amplo de Deus e de suas ações no mundo criado por ele. Trata-se de um livro que foi escrito a centenas de anos, mas que em todo o seu conteúdo teológico reivindica constante atualidade, pois envolve a história da humanidade com Deus. Isto torna esse livro, ao mesmo tempo, maravilhosamente divino e humano, diferente de todos os demais já produzidos no mundo. Em relação a uma leitura geradora de espiritualidade, devemos observar os seguintes princípios básicos: a) Não existe leitura dinâmica das Escrituras: Não a lemos meramente para cumprir obrigações acadêmicas ou religiosas. Lemos a Bíblia para conhecermos a Deus, suas grandes obras e Sua maravilhosa vontade. O salmo 119.11 diz o seguinte: “Escondi a tua palavra em meu coração para eu não pecar contra Ti”. Este texto afirma que conhecemos a vontade de Deus através da Palavra e, se a guardamos em nós, poderemos evitar o pecado. Faz-se necessário, no entanto, determo-nos no texto Bíblico em atitude de reflexão, oração e desejo de ouvir a voz de Deus. b) A Bíblia não é um livro de “lições morais”: Embora a Bíblia nos ensina em como conduzir a vida no mundo, não podemos ler a história que ela relata somente para tirar lições para os dias de hoje. Quem lê a história de Davi com Golias somente para apontar significados para as pedrinhas da funda ou dar nomes para o gigante, não dá o devido valor para toda a ação histórica de Deus no sentido de livrar Israel da ameaça dos filisteus, de se firmarem na terra de Canaã e do estabelecimento de uma Monarquia. A Bíblia não traz “lições morais”, como já afirmamos, ela apresenta a vontade de Deus para nós, humanidade por ele criada. Ela nos relata o que Ele fez para a nossa salvação. Isto é muito mais que algumas lições ao final de cada capítulo. Na realidade, ela trata da grandiosa história da salvação. A Teologia da Bíblia orienta e alimenta a nossa espiritualidade. d) A Bíblia deve ser lida com o coração e com a mente: De fato, ler a Bíblia não é uma tarefa complicada, mas ela deve ser feita com o coração e com a mente, que são, na realidade, os maiores dons que o Senhor nos deu e devem ser utilizados para Ele e o seu conhecimento. Não podemos ter medo de pensar sobre as coisas que a Bíblia diz e estudá-la criteriosamente Aliás, certamente seremos muito mais transformados pelo poder da Palavra se aplicarmos nossa mente para entendermos seu conteúdo e o deixarmos entrar em nossa vida transformando nossos valores, nossos ideais e nossa visão do mundo e da história. A salvação que a Bíblia apresenta através da exposição do Evangelho é espiritual, mas também histórica, somos salvos para viver no céu, mas também somos salvos para viver no mundo. Para entendermos a dimensão da Salvação que o Senhor Jesus nos concedeu devemos aplicar a mente e o coração numa atitude de reflexão da nossa fé.
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e) A Bíblia nos fala hoje: No entanto, para ela nos falar não precisamos forçá-la a dizer o que ela não está dizendo. Não podemos achar que a Bíblia diz tudo o que queremos ouvir, ela não é escrava da nossa vontade. Ela diz o que Deus quer que saibamos, sua verdade é completa e devemos lê-la com a preocupação de conhecer realmente o seu conteúdo, ainda que este contrarie nossa vontade e nos leve a rever idéias e comportamentos. Na verdade, é isso mesmo que Deus quer fazer conosco, transformar nossas vidas pela sua Palavra.
CONCLUSÃO Na teologia acadêmica apreciamos o estudo bíblico realizado com métodos predefinidos e que levem ao aprofundamento nas verdades bíblicas. Dedicamo-nos à exegese e temos a tendência de considerar qualquer outra leitura da Bíblia superficial ante os nossos esforços. Mas, na América Latina tem se desenvolvido junto às pastorais e esforços de missão integral formas de leituras populares da Bíblia, que alimentam uma espiritualidade mais voltada para a transformação da realidade concreta. Tais leituras têm muito a nos ensinar, pois são geralmente comunitárias, acompanhadas de histórias de vida e orações em função da edificação mútua e do aperfeiçoamento da vida cristã.
3. A Espiritualidade Cristã e o Serviço O termo serviço procede do termo grego diakonia6: Diaconia (termo cristão), significa: serviço ao próximo, servir á mesa... A graça e alegria por tudo que Deus tem feito por nós, abençoando-nos em nossas vidas, nos faz sentirmo-nos à vontade para promover a diaconia. Diaconia e missão, palavras que dificilmente se separam, nos desafiam a entendê-las melhor dando-nos a oportunidade de colocá-las em prática cada vez mais. Há uma íntima relação entre a diaconia e a espiritualidade cristã. Para nós protestantes o serviço é uma consequência natural da nossa salvação. Servimos porque somos salvos e não para sermos salvos, como lemos em Tiago. Portanto, podemos afirmar que a verdadeira espiritualidade possui como base de sustentação uma fé que gera obras, serviço.
“Meus irmãos, que vantagem há se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Essa fé poderá salvá-lo? Se u m irmão ou irmã estiverem necessitados de roupas e do alimento de cada dia, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que vantagem há nisso? Assim também a fé por si mesmo é morta, se não tiver obras” (Tiago 2.14-17).
a) Contextualização e Doação: exigências do serviço Contextualização: é o processo pelo qual algo nasce e se assume de uma determinada cultura e lugar. O melhor exemplo a ser seguido em relação à isso é do próprio Jesus Cristo, que conforme Filipenses 2.511 “O qual, existindo em forma de Deus, não considerou o fato de ser igual a Deus algo a que se devia prender, mas, pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo e fazendo-se semelhante aos homens”.
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http://www.luteranos.com.br/diaconia/diaconia.html, Acesso em 10/03/2012.
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Despreendimento e Doação – são requisitos essenciais para o serviço. O serviço cristão, conforme o ensino bíblico, não visa a promoção de quem serve, mas o bem de quem é servido. Tal qual Jesus, não podemos servir esperando receber algo em troca, a não ser a satisfação de ver as pessoas transformadas pelo amor de Deus, como ensinou Costas7:
b) Servir é cuidar Nosso serviço é realizado através de gestos simples, mas que possuem um enorme significado para as pessoas que o recebem. Servir é cuidar. Cuidar nem sempre é oferecer o que gostaríamos, mas o que as pessoas precisam: “Assim, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, principalmente aos da família da fé” (Gál. 6.10). O pacto de Lausanne propõe três formas possíveis de relação entre a evangelização e a ação social: 1. A ação social como consequência da evangelização. 2. A ação social como ponte para a evangelização. 3. A ação social como parceira da evangelização. Como colaboradores de Jesus estão os discípulos sob as ordens claras de seu senhor em sua tarefa. Não tem liberdade de encarar e atacar esta obra a seu critério. A obra de Cristo a eles confiada coloca-os sob a vontade de Jesus. Felizes os que recebem tal ordem para seu ministério, livres que estão de decisão e cálculos. De qualquer forma, o amor às pessoas por causa do nosso Deus nos faz desejar que sejam salvas e cuidadas ao mesmo tempo, e isto, conforme Costas “é transcender”, portanto, é espiritualidade.
d) O serviço é integral O serviço do Reino envolve múltiplas ações, mas com um única finalidade: tornar esse Reino real no mundo e conhecido das pessoas. Nosso serviço é para o Reino de Deus e em nome do Senhor Jesus, segundo Bonhoeffer8: Servir à Igreja e à sociedade em nome do Reino de Deus é estar disposto a desgatar-se, como no caso dos discipulos de Jesus ao voltarem cansados e com fome da missão que Ele havia os designado (Mc 6.30-44). Mesmo assim, estavam afoitos para transmitir a Jesus as obras que haviam realizado. Jesus chamou-os para comer algo e descansar, mas quando viram a multidão que os seguia, Jesus sentiu compaixão dela e tiveram que continuar o trabalho até o final do dia.
e) Serviço à criação
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COSTAS, Orlando, Qué significa evangelizar hoy?, p. 37.
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BONHOEFFER, Dietrich, Discipulado, p. 124.
Porque a criação aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à inutilidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que também a própria criação será libertada do cativeiro da degeneração, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que até agora toda a criação geme e agoniza, como em dores de parto... (Rom. 8.19-23).
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Nossa luta é pela vida conforme a vontade de Deus. O serviço cristão, portanto, deve ser realizado em participação ao serviço do Espírito Santo, de sustentar a vida no mundo. Um serviço que surge de uma espiritualidade cristã integradora lutará pelo bem estar da criação, desenvolverá ações ecológicas e de preservação do meio-ambiente. Apoiará lutas pacíficas contra sistemas injustos e geradores de morte daquilo e daqueles que Deus criou e o fará para a glória de Deus, conforme o ensinamento de Jesus em Mateus 6. E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente. – Mateus 6.16
4. O jejum e a Espiritualidade Cristã Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus. Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita; para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente. Desde os tempos mais antigos da história da Igreja Cristã a abstinência faz parte de suas práticas de devoção. Já no período do Antigo Testamento temos relatos da prática do jejum como prova de contrição, temor arrependimento e humilhação diante de Deus (I Reis 21, 9, 12; II Crôn. 20.3, Jonas 3.5). Também jejuavam como ato memorial e litúrgico visando a renovação da aliança com Deus (Ne. 9.1). Na época do Novo Testamento o jejum ainda era praticado pelos fariseus e essênios, em continuidade à forma do Antigo Testamento. Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites no início da sua missão e Paulo também ficou durante três dias sem comer e beber na sua conversão (Atos 9.9). Jesus manteve a prática do jejum como algo que deveria ser comum à vida em seguimento à ele, o que comprova o texto de Mat. 6.16, mas condenou o jejum hipócrita dos judeus religiosos da sua época, que usavam dessa prática que deveria ser de humilhação para demonstrar uma suposta superioridade religiosa. É interessante observar, porém, que Jesus mencionou o jejum, juntamente com a oração, como condição para o enfrentamento de possessões demoníacas, como foi o caso do jovem lunático em Mc. 17-29, no exercício da missão: “Mas esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo jejum”. Paulo faz pouca menção do jejum em seus ensinos, mas dá a entender que é muito mais porque o via como uma prática comum da fé no contexto da devoção e da espiritualidade (I Cor. 7.5): “Não vos priveis um ao outro, senão por consentimento mútuo por algum tempo, para vos aplicardes ao jejum e à oração; e depois ajuntai-vos outra vez, para que Satanás não vos tente pela vossa incontinência”. O jejum é uma forma de ascese e, de acordo com Bonhoeffer9, ascese é sofrimento por livre escolha, de forma ativa, visando a humilhação da carne, que ele associa à vontade humana desenfreada e entregue aos próprios desejos. O jejum deve ser fruto da liberdade e não sua privação. É um ato de disciplina e não 9
BONHOEFFER, p. 100.
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um esforço humano que pelo mérito alcança os favores divinos. Ao contrário, é uma prática que somente faz sentido se for um ato de fé por aquele que já conhece o Senhor Jesus. Bonhoeffer insiste na validade do jejum para disciplinar nossa vontade ao perguntar: “Como quererá alguém viver na fé, quando a oração lhe é enfadonha, quando já perdeu o gosto pela Palavra das Escrituras, de quem o sono, a comida e o desejo sexual sempre de novo roubam a alegria em Deus?”10
CONCLUSÃO Tanto a oração, como a leitura da Bíblia, o serviço cristão e o jejum são práticas de devoção a serem observadas na rotina de vida daqueles que seguem a Cristo. Mas não devem fazê-lo para alcançar mérito diante de Deus ou dos homens e mulheres, ou para realizar trocas com Deus e obter benefícios, também não devem fazê-lo como demonstração de espiritualidade diante da comunidade. Tais práticas somente se justificam como atos de liberdade diante de Deus, em sua comunhão e por causa de Jesus Cristo. Outro aspecto que pode ser considerado como prática de devoção é a atitude constante de singeleza de coração, de contentamento, conforme ensinada por Jesus em Mateus 6. 19-34. São comportamentos e atos próprios de uma espiritualidade que é alimentada diariamente, portanto, saudável.
10
Ibidem, p. 101.
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AULA 06 APROXIMAÇÕES A UMA TEOLOGIA INTEGRAL DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
Introdução Para uma teologia contextualizada da espiritualidade cristã é necessário que o teólogo e a teóloga predisponham a partir de uma atitude de comprometimento com a fé que pretendem analisar. Isto é imprescindível para que seu exercício não resulte em mero ensaio sobre o fenômeno religioso e suas manifestações. Uma ajuda nos é oferecida pelo teólogo escocês John Mackay, que adverte sobre a postura adequada para uma teologia que pretende ser feita no caminho.11 A preocupação e envolvimento social de Mackay vinham de inspiração teológica e não somente de influências ideológicas da época, embora demonstrasse possuir profundo conhecimento e bom diálogo com várias correntes filosóficas e sociológicas correntes em seu tempo. Para ele o teologizar de forma adequada passava pelo ponto de vista, ou seja, de onde se percebe a realidade e como interagimos com ela. a) A Teo-logia conforme Juan Mackay A teologia da espiritualidade cristã de Juan Mackay é fundamentalmente cristológica. Para ele o seguimento a Jesus Cristo é o meio legítimo de liberdade e, portanto, de espiritualidade12: Um dos paradoxos do cristianismo consiste em que um homem é tão plenamente livre e tão plenamente humano, quanto mais vive sua vida cativa ao divino. A forma perfeita da bondade humana é a liberdade espiritual, e a única forma verdadeira de liberdade espiritual é a liberdade do cristianismo. Ser livre em Deus, de acordo com Kosuke Koyama, teólogo japonês, é compartilhar das suas preocupações e fazer delas as nossas preocupações pessoais e comunitárias. É aprender a amar o próximo como fruto dessa liberdade.13 Isso corresponde ao princípio de liberdade cristã da Reforma Protestante, que em Deus e somente nele e em sua presença somos livres, como pessoas livres podemos amar e devemos servir ao próximo e ao mundo. A metáfora teológica mais conhecida de Mackay é a do Balcão e a do Caminho, que trata das inquietações teológicas à respeito da vida humana e as últimas coisas que a espera. Ele alerta que este é um assunto de séria investigação, mas ao mesmo tempo de perspectivas, ou seja, de onde e como se vê e se lida com a realidade. No caso, destaca duas:
Quando o amor funciona, o caráter da liberdade se revela – mesmo que continue sendo um mistério para nós. “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém sua vida pelos amigos” (João 15:13). O homem tem a liberdade de amar e “dar sua vida pelos amigos”. Quando escolhe perder a sua liberdade pelo amor aos outros, é que ele se torna mais livre e mais amoroso.
11
Koyama
Cantero, Eduardo, El pensamiento teológico de John Mackay. Un aporte a la teología latinoamericana, en especial. In.: Teología y cultura, ano 2, vol. 4 (diciembre 2005), Colombia. 2005, p. 2. 12 MACKAY, John. Prefacio a la Teologia Cristiana. México: Casa Unida de Publicaciones, p. 125. 13
KOYAMA, Kouke. Fifty Meditations, NY: Orbis Books, 1979, p. 46.
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1. Primeira perspectiva - devemos levar à sério a importância do lugar de onde buscamos a compreensão da fé, pois muitas vezes apresentamos como verdades nossos meros pontos de vista. Fazer teologia requer discernimento14. É necessário que o estudante das coisas divinas realize suas observações quando e onde brilha plenamente a luz, recordando..., que há um panorama noturno, assim como um diurno, do mundo. Ele cita como exemplo a diferença diurna e noturna da baía do Rio de Janeiro, vista desde o Pão de Açúcar. A luz radiante do sol permite uma belíssima e clara visão durante o dia, mas a escuridão noturna não permite que vejamos entornos e detalhes importantes para o entendimento do que se vê. É devido à isso que Mackay orienta:
Todo que deseja estudar a realidade espiritual sob outra luz que não seja a plena luz solar da auto-revelação de Deus, está condenado a não obter mais que uma visão noturna do mundo, com tudo o que isso implica. Mackay, p. 36.
2. Segunda perspectiva – tem a ver com a atitude pessoal do teólogo: que é negativa se ele for movido meramente por uma curiosidade intelectual e científica, mas será positiva se ele.15 Um teólogo preocupado em produzir um saber da fé que corresponda à realidade e seja relevante a ela apresentará atitudes de comprometimento com esta mesma realidade. Ocupar-se-á em conhecê-la melhor e não se esquivará do envolvimento com ela. Para exemplificar essa atitude teológica ele utiliza as figuras da sacada e do caminho: 1) A teologia da sacada (balcón) - De onde vemos à distância, na condição de expectadores, o que se passa na rua ou em lugares que a visão permite. Ele explica: “A Sacada é o ponto de vista clássico, e, por tanto, o símbolo do expectador perfeito, para quem a vida e o universo são objetos permanentes de estudo e contemplação [...] a sacada significa uma imobilidade da alma, que pode coexistir perfeitamente com um corpo móvel e peripatético”.16 A atitude da sacada é daquele que não assume como sua as causas importantes que assiste de longe. No caso do teólogo, é a atitude daquele que analisa de longe, formula teses e especula conhecimentos. Mesmo a fé e a espiritualidade são objetos que analisa a partir de certo distanciamento. Sua visão das coisas é como a vista noturna da baía do Rio de Janeiro, conforme exposta anteriormente. 2) A teologia do caminho - É aquela feita não somente na rua, mas na caminhada nela, na vivência e na experiência da própria vida: “A verdade se encontra no Caminho. Ainda poderia dizer que somente até que um homem desça da sacada ao caminho, seja por sua própria vontade, seja por circunstâncias que o tirem dali, é quando começa a conhecer o que é a realidade”.17 Trata-se daquela forma de teologia que se ocupa não tanto com perguntas sobre nossa “essência última”, mas com nossa “existência concreta”. Um exemplo interessante dessa atitude que ele apresenta é a dos discípulos (caminhantes) no caminho de Emaús, que criam que seria estabelecida uma nova ordem com a chegada do Messias, porém, tiveram suas expectativas frustradas com a morte de Jesus. Voltavam para casa entristecidos, quando foram abordados por um desconhecido, que se pôs a caminhar com eles e a explicar-lhes o verdadeiro sentido das promessas bíblicas e como elas estavam se realizando naqueles fatos. A esperança reacendeu no coração daquelas pessoas e, já em casa, no partir do pão, reconheceram
14
Mackay, p. 35.
15
Ibidem, p. 36-37.
16
Ibidem, p. 38.
17
Ibidem. P. 38
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que o caminhante amigo era Jesus. De fato, somente poderia ser ele.18 Tal como ele mesmo propõe, a teologia de Mackay foi sendo elaborada em sua caminhada missionária pela América Latina e América do Norte, conforme Cantero confirma “Finalmente, Mackay sempre foi um ativista que fomentava a reconciliação nacional e internacional. Sempre militou nos movimentos ecumênicos e populares a favor da democracia, dos direitos humanos”.19 Porque o caminho de Emaús é o caminho dos nossos tempos. Naqueles caminhantes que transitavam com fadiga, há dezenove séculos atrás, por aquele escabroso caminho, vemos a nós mesmos e a nossos contemporâneos. Nós também, como aqueles discípulos, havíamos sonhado com uma nova era, como eles, temos saboreado a amargura da decepção. A cristandade têm sofrido uma desintegração. Milhões de nossos companheiros de caminho tem se separado de Cristo e da civilização e das esperanças cristãs. Uma era tem chegado ao fim. Nosso caminho é o caminho de Emaús. Um estado de tranqüila desesperança tem dominado nosso espírito. A teologia tem hoje uma nova tarefa, a de devolver à vida seu sentido, a de restaurar os cimentos sobre os quais se constroem toda vida verdadeira e todo verdadeiro pensamento. (Mackay)
CONCLUSÃO Para uma teologia da espiritualidade cristã precisamos ouvir os sábios conselhos de Mackay e nos posicionarmos em caminhada junto às pessoas e em envolvimento com elas. Devemos priorizar o melhor ponto de vista possível, a fim de não cometermos graves equívocos tanto em nosso entendimento da realidade, como da própria fé. Ainda que estudemos a fé de modo formal nos cursos de teologia, não podemos fazê-lo como se fosse uma área qualquer do conhecimento. Devemos lembrar sempre que pensamos a fé a partir de dentro dela, da sua experiência. Essa é a principal relação da Teologia com a Espiritualidade. Uma teologia somente se justifica se alimentar nossa espiritualidade. Por outro lado, nossa espiritualidade solicita ser fundamentada e esclarecida. Para isso, faz-se necessário uma teologia que se faz no caminho da fé e da vida. A teologia do caminho surge do modelo do próprio Jesus. Os evangelhos escolheram narrar sua obra na perspectiva geográfica, da caminhada da Galiléia para Jerusalém. Seus milagres, ensinos e cuidados foram manifestos para os do caminho. Em nenhum momento ele se apresentou como expectador da vida, mas como um seu participante. Seja no encontro com os pescadores à beira do mar, com a mulher à beira do poço, com o cobrador de impostos na realização de sua tarefa, com a multidão em sua busca desesperada por ajuda. Eram nessas situações que Deus se tornava conhecido maravilhosamente na vida de Jesus Cristo.
18
Ibidem, p. 11.
19
Cantero, 2005.
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2. A Pneumatologia integral conforme Orlando Costas Orlando Costas foi um teólogo e pastor latino-americano. Nascido em Porto Rico, fez parte do movimento inicial da Fraternidade Teológica Latino-americano e tornou-se um dos principais nomes da Teologia da Missão Integral. De acordo com ele, uma pneumatologia latino-americana parte da pergunta sobre a ação do Espírito no mundo e a relação desse mundo com Ele, pois na TLA (Teologia Latinoamericana) difilcilmente encontraremos uma pneumatologia pela pneumatologia, ou seja, com a intenção somente de compreender melhor o ser do Espírito Santo. É devido à isso que podemos inferir a teologia do Espírito Santo de Orlando Costas do texto escrito por ele entitulado “A Vida no Espírito”. 20 Da mesma forma, podemos afirmar que a teologia da espiritualidade cristã dele deriva-se da sua teologia do Espírito. Costas contextualiza sua Teologia do Espírito no Mundo dos Dois Terços, atualmente, chamamos de povos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, ou seja: África, Ásia, América Latina e Caribe. Ele deixa claro isso ao dizer “Neste trabalho proponho-me a explorar o significado desta peregrinação para o povo de Deus no Mundo dos Dois terços” (p. 52). É a partir desse lugar mais sócio-econômico e cultural do que geográfico que ele escreve e para o qual deseja responder (ou corresponder). Ele descreve o Mundo dos Dois terços como um lugar de vida cultural e religiosamente diversificado, em contrapartida, lugar de gente empobrecida, devido à isso, enfraquecida. No entanto, essa gente demonstra uma evidente dependência do Espírito Santo. Esses povos são naturalmente sensíveis ao Espírito Santo. Isso possibilita um crescimento rápido do movimento pentecostal e de renovação, ou movimentos carismáticos e místicos como é o caso da Ásia e Pacífico. Essa parte do mundo não sofre do problema de falta de religião, pois é naturalmente religioso, portanto, afeito à espiritualidade e propício à evangelização.
Em qualquer parte do mundo dos dois terços a que alguém possa ir, se encontrará com sinais do Espírito... COSTAS, A Vida no Espírito, p. 51.
Costas então inicia sua reflexão sobre a teologia do ... pelo Espírito o gênero humano Espírito Santo explicando que, como seres humanos, somos toma consciência da existência de espíritos “encarnados” (com carne), ou seja, materializados 'outros' e recebe a capacidade para no mundo. Quer dizer com isso que por sermos também seres comunicar-se, ou formar uma espirituais, somos capazes de ir além da nossa materialidade comunidade, com eles. Este estar em e nos sintonizar (relacionar) com o Espírito sustentador do relação com os outros é o que torna a universo. É devido a isso que não estamos limitados ao vida humana espiritual” concreto e à materialidade, como quis convencer a modernidade. A realidade para nós é muito mais do que (COSTAS, p. 54) aquilo que simplesmente podemos tocar. Somos seres que transcendem. É também por isso que somos capazes de produzir arte e compreender o abstrato, bem como o mundo espiritual. No entanto, como seguidores de Jesus Cristo, desejamos a partir do conhecimento de Deus, sermos orientados para uma vida no Espírito Santo e, com isso, participantes da sua obra no mundo.
20
COSTAS, Orlando. A Vida no Espírito. In.:Boletim Teológico, Ano3 (dezembro de 1989), nº 10. São Paulo: FTL – Brasil, p. 51-63.
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a) O Espírito Santo: Fonte da Vida Para uma pneumatologia que parte da Ásia, África, América Latina, Caribe e até Oceania (como incluiu Costas), não se pode deixar de considerar a preocupação fundamental desses povos e lugares: a vida e sua preservação. Vida apresentada na forma de seres humanos, animais e plantas, bem como os ecossistemas que eles integram. E tudo que a eles estão relacionados, inclusive para fins de preservação, como: culturas, organização social interação ecológica, etc. Em função disso o texto inicia a teologia do Espírito Santo apresentando-o como a Fonte da Vida, conforme ensina a própria Bíblia: ele é Ruach, aquele que gera a energia que mantém o mundo. Conforme Costas, o Espírito Santo é muito mais que a presença da transcendência de Deus, Ele é o próprio Deus se fazendo presente em nosso mundo. Todavia, a presença e atuação Dele no mundo são percebidas de modo real.21 É Ele quem nos permite tomar conhecimento do outro e nos relacionarmos com ele, bem como com o próprio Deus em Jesus Cristo. Recuperando a tradição cristã do ponto de vista que ele propôs, o Mundo dos Dois Terços, ele afirma que a terceira pessoa da Trindade é “o Deus mediano”, tanto em relação à Jesus Cristo como com a própria criação. Ele reforça: Conforme Costas, quando reconhecemos o outro e aprendemos a nos relacionar com ele a partir desse “respeito”, o fazemos pelo Espírito, transcendemos. De fato, a vivência assim evitaria desentendimentos e até guerras, seria a Koinonia (comunhão) da oikoumene (terra habitada). Isso, de fato, somente poderia ser obra do Espírito.
b) O Espírito Criador Novamente Costas recorre ao texto bíblico para tratar do Espírito como Criador. Referindo-se ao Gênesis ele argumenta que a força criativa da palavra de Deus na criação de todas as coisas é o Espírito Santo. Ele é “a energia da Palavra”. Mas, é na vida humana que essa energia se torna mais evidente, pois conforme Jó “O Espírito de Deus me fez; o sopro do Todo-poderoso me dá vida” (Jó 33.4). O Espírito não somente deu a vida, como dá a vida continuamente. Conforme o texto bíblico (Salmo 104) é ele quem renova a vida no mundo, não somente humana, mas de toda criação. Inferimos que toda ação humana contrária à vida, é também contrária à ação do espírito de Deus no mundo. O texto encerra esse ponto afirmando que se o Espírito age no mundo criando e sustentando a vida em sua totalidade, a missão da Igreja não pode ser em outro lugar, a não ser em participação à obra do Espírito. Isso é espiritualidade.
21
Ibidem, p. 53.
19
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AULA 07 PROPOSTAS DE ESPIRITUALIDADE CRISTÃ NA ATUALIDADE
Introdução Algumas propostas atualizam a prática da espiritualidade nos dias de hoje. São elas: a espiritualidade pragmática do samaritano,22 a espiritualidade fraterna do bom senso,23 a espiritualidade quenótica do serviço,24 a espiritualidade extática e estética do sublime,25 a espiritualidade sacerdotal da ação26 e a espiritualidade ética da mudança. Retiradas da leitura do Evangelho de Jesus Cristo, e, portanto, fortemente marcadas pelo Cristianismo, elas podem ser explicadas a partir de seis categorias evangélicas: a compaixão, a recepção do próximo, a auto-entrega, o sublime, a missão e a conversão. E sugerem caminhos para o espírito humano que deseja prosseguir cristão e evangélico nos dias de hoje.
a) A espiritualidade pragmática do samaritano O termo foi cunhado por Paulo Ghiraldelli Jr. em um texto publicado no jornal Folha de São Paulo. Nele, comenta uma obra recém-lançada pelo teólogo Santiago Zabala, denominada The Future of Religion, no qual reúne uma conversa entre Richard Rorty e Gianni Vattimo, segundo ele, um anticlerical e outro religioso, respectivamente. O diálogo entre ambos trata do reaparecimento da experiência religiosa como formadora da identidade pública e não mais restrita à identidade privada das pessoas, sobretudo entre os mais jovens nos dias de hoje. Enquanto as pessoas mais velhas, cuja experiência de estar no mundo foi modelada pela Modernidade, tinham e ainda manifestam alguma vergonha em admitir publicamente uma experiência religiosa, isto não ocorre com os mais jovens, que não demonstram o mesmo constrangimento e, inclusive, buscam claramente essa experiência. Segundo o articulista, a postura dos dois conversadores é que se deve ser cauteloso acerca de um aspecto desse interesse recente dos jovens: separar o dogmatismo inerente a qualquer experiência religiosa, que impediria a convivência com os outros que não a possuem ou discordam dela. E, ao contrário, fortalecer as atitudes, práticas e valores que tal experiência pode proporcionar para o bemestar e convívio públicos.
22
JR. Paulo Ghiraldelli. “Pragmatismo Samaritano”. Folha de São Paulo. São Paulo, 03/07/05. Caderno Mais, p 7. Veja, também: BOFETTI Jason. “Richard Rorty encontrou a religião”. Traduzido por Júlio Paulo T. Zabatiero, em Junho de 2005, para o site: www.filosofia.pro.br. 23 DENNET Daniel. “A religião do bom senso”. Folha de São Paulo. São Paulo, 12/02/06. Caderno Mais, p. 7. 24
WARD Graham. “Kenosis and Naming: beyond analogy and towards allegoria amoris”. In: HEELAS Paul (Org.). Op. Cit. p. 233257. 25 CUPITT Don. “Post-Christianity”; MILBANK John. “Sublimity: the Modern Transcendent”; BLOND Phillip. “The Primacy of Theology and the Question of Perception”; HART Kevin. “The Impossibile”. In: HEELAS Paul (Org.). Op. Cit. p. 218-232, 258-284, 285-313, 314-331, respectivamente. 26 SANCHES Sidney de M. Hebreus. Espiritualidade e Missão. Belo Horizonte: Lectio, 2003.
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No que se refere particularmente à experiência religiosa promovida pelo Cristianismo, eles propõem o “uso pragmático do Novo Testamento” e sugerem como exemplo a parábola do bom samaritano contada por Jesus. Ensinada aos jovens, deve levar à seguinte conclusão: Mostrar que o pertencimento a um ou outro povo é secundário, ser de uma ou outra raça é irrelevante, o prioritário é agir de modo desprendido por amor, por solidariedade, corajosamente. De fato, a prática da conduta confirma a veracidade da experiência religiosa afirmada. Ela redefine um novo campo semântico para a palavra “justiça”, não mais empregada juntamente a “reparação” e “vingança”, mas com “perdão”, “amor” e “solidariedade”. Em sua proposta, Paulo Ghiraldelli Jr descreve-se como neo-pragmatista e fala de um Jesus pragmatista. É comum, nos dias de hoje, usar nomes novos para falar de ideias velhas. Porém, quando se usam esses nomes novos, é comum, também, adaptá-los a um novo uso. O que acontece, hoje em dia, é que existe uma suavização naquilo que se quer dizer com um velho nome de modo que não haja um compromisso profundo com o que se diz. No caso em questão, Pragmatismo27 trata-se de um antigo esforço filosófico de encontrar a verdade não naquilo que antecede a experiência humana de estar no mundo, mas a partir dos resultados que essa experiência produz. Nos dias de hoje, dizer-se neo-pragmático é afirmar que qualquer que seja a verdade, ela sempre será esse resultado das ações humanas, não cabendo maiores explicações. O único compromisso é procurar ser coerente com o saber que esse resultado oferece. De que modo essa explicação de Cristianismo se apresenta como um projeto de espiritualidade evangélica para os dias de hoje? Primeiro, ela mantém a separação entre a identidade privada formada pelo conjunto de doutrinas cristãs, que interessa apenas aos cristãos, e a vivência, ou prática, ou experiência das atitudes, valores e sentimentos que elas inspiram. Especificamente, Jesus, conforme narrado nos Evangelhos Sinóticos, e não a doutrina, conforme preservada pela tradição cristã, é que será o exemplo a ser seguido. Segundo, ao referir a Jesus como exemplo coloca-o como modelo de imitação. Isso sugere a retomada do seguimento de Jesus, não em termos de uma concentração no que se disse a seu respeito na Teologia cristã, mas em termos de uma imitação ou repetição do que ele fez e ensinou. A consequência, então, é que se trata de uma obediência a uma pessoa, algo bastante típico dos primeiros seguidores de Jesus, nos primeiros séculos do Cristianismo. Terceiro, para que essa concentração em Jesus aconteça é preciso retornar a Jesus, não como uma busca pelo que há de histórico ou verdadeiro nele, mas como a narrativa de um ser humano que, em sua busca de Deus, e sendo o próprio Deus, ensinou por ações e por palavras qual seria a vontade de Deus aos seres humanos nos dias de hoje. Por fim, isso equivale a colocar a salvação em outros termos. Não se trata de definir o destino final dos seres humanos e nem de dividí-los entre os que seguem a doutrina cristã e frequentam a igreja e aqueles que não o fazem. A salvação deve ser explicada em termos daqueles que seguem a Jesus e daqueles que não o seguem. Sua eficácia será medida não em quanto conforto pessoal oferece, porém em quanta conduta, vivência conforme o modelo de Jesus, ela estimula. Seu resultado medido não como os efeitos interiores de uma santidade interna, e, sim, no impacto externo de uma ação que santifica tudo o que toca. 27
Não cabe, aqui, um estudo mais detalhado sobre o Pragmatismo, uma influente corrente do pensamento filosófico nos dias de hoje. Um estudo introdutório e bastante acessível está no artigo de Paulo Ghiraldelli Jr.: “Pragmatismo e Neopragmatismo”, no site: www.filosofia.pro.br.
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b) A espiritualidade fraterna do bom senso Daniel Dennett reconhece que para boa parte das pessoas nos dias de hoje a religião não apenas é importante como é uma das poucas coisas que dão sentido à sua existência humana no mundo. Portanto, não se faria nenhum bem às pessoas negar-lhes a possibilidade de praticar a sua religião. O que ele coloca, quanto a essa prática, contudo, é a seguinte situação: E quando a prática religiosa engana e manipula por exigir uma sujeição sem limites a seu d(D)eus, à sua doutrina, à sua igreja, aos seus líderes? Essa religião continua sendo benéfica a tal pessoa? Ela não deveria ser alertada sobre o quanto a religião está sendo prejudicial para ela? Porém, se essa pessoa se sente bem, aceita as coisas que a religião lhe impõe e que lhe dá sentido à existência, é lícito e correto tomar essa postura? Uma posição a respeito exigirá, no final das contas, uma decisão moral. Segundo ele, uma decisão moral a esse respeito é uma ação individual ao alcance de qualquer pessoa nos dias de hoje. Elas podem ser de cinco tipos: 1) aquela que admite a própria superioridade da sua religião e aguarda com paciência que as demais desapareçam; 2) aquela que admite que qualquer religião é boa e o importante é que se tenha uma; 3) aquela que admite que a religião é uma coisa desnecessária, nem boa e nem ruim, e que desaparecerá com o tempo; 4) aquela que admite que sua religião deve ser preservada e, para isso, é preciso apresentá-la às outras pessoas no mercado religioso dos dias de hoje; 5) aquela que admite que somente a sua religião é boa, que não considera a existência de outras alternativas religiosas e, pior, trabalha ativamente para eliminá-las. Cada decisão moral é uma ação individual, e, nos dias de hoje, impõe a cada pessoa o dever e o poder de tomá-la. Isso lhe traz uma grande sensação de liberdade, mas, também, uma grande carga de responsabilidade. Simplesmente, nessas ocasiões, as pessoas não sabem como decidir. O mais comum é que essas pessoas se apóiem em uma orientação moral da sua religião e decidam com base nela sem maior reflexão ou questionamento. A conclusão de Dennett é que: qualquer pessoa que argumenta que um ponto particular de convicção moral não é discutível ou negociável – simplesmente por ser a palavra de Deus ou porque a Bíblia diz assim ou porque é “o que todos os muçulmanos (ou hindu ou sikh...) acreditam, e eu sou muçulmano (ou hindu ou sikh...)” – deve ser vista como alguém que impossibilita ao resto de nós levar seus pontos de vista a sério...Não é digno de ser adorado nenhum Deus a quem agradam as manifestações de amor destituído de razão. De que modo essas reflexões ajudam na formulação de uma espiritualidade evangélica nos dias de hoje? Primeiro, é preciso dizer que toda espiritualidade, inclusive a evangélica, é entendida como o lugar onde o espírito humano habita. Ela requer e se faz de uma prática religiosa, isto é, há um comprometimento com certas ações, posições, as quais, no fundo, remetem a valores partilhados ou ensinados por determinada religião, os quais, por sua vez, orientam decisões morais que a pessoa toma enquanto existe no mundo.
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É comum, portanto, que a espiritualidade, também para um evangélico, signifique muito mais que o mero usufruto de práticas desvinculadas de uma existência que se vive no mundo. Em grande medida, boa parte das pessoas nos dias de hoje, procuram a espiritualidade evangélica como auxílio para orientação sobre como viver no mundo. Isso coloca a questão de como elas tomam decisões orientadas por essa espiritualidade. Segundo, o que se pede de toda espiritualidade é que ela seja praticada com discernimento ou, segundo pede o articulista comentado, com razão. Alguém, mais idoso, diria: com juízo! Tal postura requer, porém, que se mantenha a difícil tensão entre a identidade individual e a coletiva, entre a proximidade e o afastamento. A prática da espiritualidade não é algo que se faça como se compra uma mercadoria, mesmo para os consumidores vorazes de espiritualidade. Sempre há um mínimo de envolvimento coletivo, o que coloca forte pressão sobre a decisão individual. É provável que quanto mais dependente e envolvida em uma prática religiosa, menos discernimento e raciocínio alguém seja capaz de exercer particularmente. Também é possível que quanto mais problemas conduzam uma pessoa a uma prática religiosa, mais disponível ela estará a receber e fazer as orientações que lhe forem dadas. E, se ela se torna uma divulgadora dessa prática, é certo que sua capacidade individual de discernimento se torne menos útil ainda. Terceiro, há um limite que o bom senso estabelece em toda espiritualidade e é que é exercido pela grande maioria das pessoas. Elas não se dispõem a correr riscos em sua vida, em sua família, em seus negócios, em sua saúde mental, quando a prática religiosa parece ameaçar essas vivências. Há uma boa dose de bom senso, de razão, de juízo quando alguém se recusa a se matar ou a matar a outra pessoa por amor a Deus e isso acontece mais frequentemente do que se pensa. No entanto, o bom senso está condicionado por muitas outras coisas que acontecem com as pessoas enquanto existem no mundo. Quando o sentido da sua existência no mundo está ameaçado porque sua prática religiosa está sob ameaça, é bem possível que ela reaja em defesa da sua espiritualidade nem que isso custe a sua própria vida. Nesse caso e para essas pessoas, vale a pena morrer ou matar por d(D)eus. Quarto, uma espiritualidade somente é fraterna quando a existência humana no mundo permitir que se confie mais nas pessoas. Isso é bom senso! Portanto, a fraternidade, tal como o bom senso, não são coisas adquiridas de antemão com a espiritualidade, mas construídas a partir dela. E isso depende, em grande medida, de como se vê Deus, o que a torna uma questão teológica. Para uma espiritualidade evangélica, o Deus do Evangelho é conhecido naquilo que realiza em favor do ser humano. Em favor, não contra. E a ação mais benéfica que realizou foi o envio de Jesus Cristo. Apresentado por Jesus Cristo como o seu Pai e o nosso Pai, oferece as condições para se ver uns aos outros como irmãos, isto é, cria fraternidade. Dizendo de outro modo, cria a prática pela qual as pessoas poderão confiar umas nas outras. Para uma espiritualidade evangélica, a extensão dessa fraternidade aos demais seres humanos passa por dois momentos. O primeiro: o Deus Pai é o Criador, portanto, não estão excluídos de sua paternidade toda criação, inclusive todos os seres humanos. Há, assim, uma fraternidade possível sob essas condições. O segundo: o Deus Pai é o Redentor, e, assim, toda a criação, inclusive todos os seres humanos, estão potencialmente incluídos nesta fraternidade de redenção. Esse é um bom ponto de partida quanto a se praticar uma espiritualidade evangélica que considere a fraternidade e o bom senso nos dias de hoje.
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c) A espiritualidade quenótica do serviço A doutrina da quénose (esvaziamento) de Jesus Cristo ganhou fôlego nas discussões teológicas nos dias de hoje a partir de reflexões filosóficas que explicam a realidade como esvaziadas de conteúdo ou de qualquer presença nas coisas que cercam os seres humanos. Isso diz respeito à criação ou natureza, às obras que eles executam e também aos nomes que dão a essas coisas, quando falam, escrevem e lêem sobre elas. Essas pessoas querem dizer que não há algo para além daquela experiência de estar no mundo que elas vivem. Não há substância, não há conteúdo nem alguma coisa a mais a ser percebida. Algumas delas admitem que é possível que exista esse algo além, mas que é totalmente inacessível aos seres humanos na sua experiência atual. Esse conhecimento explica o ser humano como alguém que vive a experiência do vazio, da incompletude e da des-possessão. Também explica como ele deve se relacionar com as coisas que experimenta no mundo, como alguém privado da verdadeira realidade, como se fosse um asceta às avessas, não do que vê, mas do que não vê. E, por fim, explica como ele usa a linguagem, isto é, o que fala, escreve e lê, como sendo a forma pela qual a experiência humana é identificada e pela qual ela se realiza. Essa experiência leva a compreender Deus como sublime, elevado, portanto, não-acessível e nãopresente imediatamente como se fosse o estofamento da realidade. Ele não compõe a natureza das coisas que os seres humanos costumam experimentar. Isso não quer dizer que Deus não faça parte da experiência humana. Afirma a Bíblia que Deus se esvaziou de si mesmo quando se fez carne, quando nasceu no mundo em Jesus Cristo. E é assim que se pode conhecer ou falar de Deus: enquanto Jesus Cristo encarnado, morto e ressurreto. A doutrina quenótica retoma a afirmação paulina de Filipenses 2:7,8 ...mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo (assumindo a existência de um escravo), tornando-se igual aos homens. E, sendo encontrado em aparência (esquema, imagem) humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! É comum, na história das discussões teológicas acerca da quénosis de Deus em Jesus Cristo, preocupações acerca de: quais características teriam sido esvaziadas? Como Deus continuou participando em Jesus Cristo? Semelhante é a mesma coisa que igual? Até onde o corpo e morte de Jesus Cristo levou a um distanciamento da presença de Deus? E assim por diante. Essas especulações apenas obscurecem o raciocínio e impedem ver que a declaração paulina pretende ser um relato daquilo que Deus realizou em Jesus Cristo na cruz e a explicação do significado e importância desse ato para a experiência humana de estar no mundo. Isso fica claro quando se nota que a identidade de Jesus Cristo é narrada desde a condição de um escravo: a humildade e a obediência do serviço, tendo por ápice a ação final que realiza: o abandono ou a entrega da vida da qual não reteve a posse. De modo que encontrar a Deus é encontrá-lo nessa narrativa da humilhação e serviço de Jesus Cristo. Essa parece ser a típica experiência vivida pelos primeiros seguidores de Jesus Cristo e ensinada às suas igrejas à medida que se lê o Novo Testamento. A memória da vida e, sobretudo, da morte de Jesus Cristo como um derramamento é belamente retomada toda a vez que se partia o pão e se bebia o vinho.
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Entre as epístolas, de uma maneira ou de outra, remete-se continuamente a essa memória para orientar a conduta das igrejas. E assim age o apóstolo Paulo na citação acima. A manutenção dessa memória atribui uma identidade a Jesus Cristo que conta a sua vida e morte como a de um escravo – na forma de escravo, à semelhança da imagem humana. Nenhuma outra referência a essa identidade é tão forte, além da citação de Filipenses, quanto aquela de Marcos 10:45: “Assim como o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida”. Deus na forma de escravo, à semelhança da imagem humana, servindo e não sendo servido. Quando se olha a Deus desde essa imagem reversa, a qual é a única imagem possível de se olhar, é que se percebe toda a força de uma experiência humana de estar no mundo com Deus e a partir de Deus. Para uma espiritualidade evangélica nos dias de hoje, essa forma e imagem de Deus auxilia da seguinte maneira. Primeiro: cada época da experiência humana de estar no mundo escolhe certas imagens de Deus desde as quais os seres humanos conseguem refazer suas próprias narrativas. Nos dias de hoje, é propícia a imagem humana de Deus esvaziada na forma de um escravo. A experiência de uma realidade desnudada, à semelhança de uma paisagem da caatinga ou do cerrado, na qual se precisa penetrar fundo para extrair alguma vida é a maneira de se vivenciar Deus. Segundo: Tal imagem de Deus já carrega consigo uma avaliação da própria imagem humana. Ela não é diferente quando se vê desvestida de toda a glória que parecia cercar a experiência humana na Modernidade. A humildade, que sugere a terra, o húmus, que leva ao reconhecimento de quão frágil é a vida, de quão tênue é conservar o seu equilíbrio, de como tudo é tão provisório, de quão facilmente a vida se vai quando ela volta à terra de onde veio. Na experimentação desse vazio pode-se encontrar o próprio Deus. Terceiro: Assim ocorreu quando Jesus Cristo morre e é sepultado, isto é, ele é devolvido à terra. Anterior a essa narrativa, e causa dela, está a sua crucificação, na qual ele derrama seu sangue sobre a terra. Desde que o sangue é a vida na tradição hebraica, é esta que é derramada desse modo. Nessa palavra-metáfora utilizada para narrar a morte de Jesus Cristo sempre se vê o derramamento desde o observador que está de fora, isto é, o sangue que foi derramado. Porém, deve-se observar desde o outro lado, isto é, desde dentro de um corpo que estava cheio de sangue, de vida e se esvazia, pois esse foi o olhar de Deus em Jesus Cristo. Ele pode ser explicado como um estar-aí-para-outros. Estar-aí-para-outros descreve a palavra-metáfora do DERRAMAMENTO que ilumina a mais bela ação ao alcance do ser humano e realizada por Deus em Jesus Cristo. É o auto-esvaziamento que permite e explica a possibilidade do serviço. Sem essa ascese da identidade privada, essa limpeza de si-mesmo, essa purificação do coração, não é possível o serviço, o qual, por compreensão própria é para outro, não para si mesmo. Somente assim se pode sair do individual para o público e pedir responsabilidade, compromisso, fraternidade. Somente essa espiritualidade pode salvar a experiência humana de estar no mundo nos dias de hoje. d) A espiritualidade extática e estética do sublime O êxtase é uma palavra utilizada na experiência humana de transcender. Transcender é outra daquelas palavras que, de tão usadas, acabaram perdendo qualquer sentido nos dias de hoje. Um retorno ao uso original sugere que transcender trata da elevação a algo superior em relação à posição na qual se encontra quem usa a palavra. O prefixo trans denotando: ir além de, passar para o outro lado.
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Transcender, portanto, descreve a ação de subir uma escada ou escalar um muro. O que sugere a experiência humana de: elevar-se, ultrapassar, colocar-se acima, exceder, atravessar.28 Fica sempre a questão do que é transcendido. Nesse caso, os usos variam mais ainda, porém dois são bastante claros. As pessoas usam essa palavra para falar de algo que vai além delas mesmas, seja para fora delas, seja para dentro delas. E, também, usam essa palavra para dizer de algo que está acima de sua experiência comum, cotidiana. Há, assim, duas características importantes do uso da palavra transcender na experiência humana de estar no mundo, pessoal ou coletiva.. Uma delas é a experiência de elevação, um deslocamento de baixo para cima. A outra, sugere a experiência de ir além, de ultrapassar certos limites condicionados pela própria experiência humana. O êxtase29 é a palavra usada para identificar a típica experiência humana de transcender. Ele ocorre quando a pessoa ou o grupo se coloca na posição mais acima e mais além do que lhe é comum, ordinário e natural. Por isso, também êxtase é associado ao uso de outros termos, como: in-comum, extraordinário, sobre-natural. O êxtase produz sensações de arrebatamento, de enlevo, de encanto, como se aos sentidos e à mente fossem oferecidas experiências, conhecimentos e contatos impossíveis de se ter acesso em condições normais. Até a Modernidade, o êxtase era uma prática quase exclusivamente religiosa. Na Modernidade, desconfiada e independente da experiência religiosa, propôs-se o êxtase através de diversos meios por ela disponibilizados, tais como: as substâncias químicas e naturais; as religiões orientais; o alcance de certos valores morais ou de uma meta na vida; e até a conquista de uma competição esportiva. Trata-se de um tipo de êxtase sem religião. Nos dias de hoje, e em continuidade com essa experiência moderna, o êxtase é proposto em outras experiências humanas, como: na performance, principalmente nos eventos de entretenimento e diversão onde os acontecimentos são propositalmente orientados para produzir efeitos extáticos nos seres humanos. No consumo, no qual se criam ambientes, shopping-centers ou lugares exclusivos, de modo a estimular efeitos extáticos vinculados ao gozo de bens e produtos. No culto ao ídolo, no qual o encontro ou mero toque em um ser humano elevado à admiração e desejo de imitação dos demais produz o êxtase. O sublime é uma palavra bastante usada em associação com o transcender.30 Ele sugere a experiência humana de subir voando aos ares, ficando, por isso mesmo, na posição mais elevada em uma escala ascendente. Na religião é, frequentemente, identificado com o divino na sua posição de pura dignidade resultante de sua perfeição ou santidade. A palavra mais comumente usada para descrever o divino sob essa metáfora é outra metáfora: LUZ. O sublime produz a sensação humana da incomunicabilidade por estar perante algo impossível de se descrever, de se imaginar e, ainda mais, de falar sobre. A melhor forma de comunicar o sublime é a arte, não o conceito e nem a linguagem ordinária. E a arte relaciona o sublime com a estética, isto é, o sentido de beleza, o qual, por sua vez, aponta para a generosidade, para o dom. Na Modernidade, a estética tornou-se uma ciência filosófica que tratava de aplicar os princípios da razão à criação artística e seu impacto sobre os sentidos e emoções humanas dentro dos limites dessa
28
TRANSCENDÊNCIA, TRANSCENDER. In: FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda. Op. Cit., p. 1397; VALLE Gabriel. Op. Cit., p. 825; HOUAISS Antônio. Op. Cit., p. 2749. 29 ÊXTASE. In: FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda. Op. Cit., p. 601; VALLE Gabriel. Op. Cit., p. 261; HOUAISS Antônio. Op. Cit., p. 1290. 30 SUBLIME. In: FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda. Op. Cit., p. 1330.
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mesma experiência. Ela tratava da ordem, da organização, do útil. Era uma forma de valorização do progresso moderno. Poucas pessoas sabiam, ainda que vagamente, do uso da estética, sendo ela restrita a uma experiência humana acessível a poucos. Nos dias de hoje, contudo, a estética assumiu lugar importante entre as pessoas e grupos no chamado culto à beleza. Esse culto nada mais é que uma busca disfarçada do sublime. O uso comum e conceitual da arte cedeu espaço para a linguagem da poesia, da metáfora, como meio de alcançar o sublime, ao invés de descrevê-lo ou definí-lo. Desse modo, a linguagem religiosa e teológica retomou todo o seu vigor, não mais como expressão de conceitos e definições, mas como caminho para se alcançar e se comunicar o encontro com o sublime. O uso da palavra sublime, nos dias de hoje, deslocou o uso da palavra transcender. Essa sempre sugeriu uma posição da pessoa do lado de fora e além dos limites da sua experiência humana de estar no mundo. Esse é um caminho, de certo modo, cortado da possibilidade humana hoje. No entanto, dentro da experiência humana pode-se experimentar algo que estaria entre aquilo que é visível e aquilo que não é. É como se a própria experiência humana fosse vivida no limite entre uma realidade e outra, sendo esta outra realidade impossível de uma clara representação. É típico da experiência humana o uso do véu, que encobre e revela ao mesmo tempo, mas não com muita clareza. Nos dias de hoje, e sob a influência da mitologia oriental, fala-se de um portal, um meio de acesso entre um lugar e outro. Na Ciência, diz-se de buracos negros e certas portas no universo que dão acesso a outro universo. Desse modo, a espiritualidade, nos dias de hoje, é profundamente orientada para a experiência humana extática e estética do sublime. Isso não é nenhuma novidade, pois, tradicionalmente, é na religião que se encontram os maiores estímulos para essa experiência. Não raro, nos dias de hoje, é exatamente isso o que as pessoas e grupos buscam quando se tornam religiosas e são as sucessivas experiências extáticas e estéticas que as mantém religiosas. Para uma espiritualidade evangélica que considere os dias de hoje, o extático e estético no sublime orienta para as seguintes conclusões. Primeiro: Deus, conforme apresentado no Antigo Testamento, é representado como sublime e elevado. Sua perfeição, também chamada santidade, coloca-o muito além, muito acima e no mais alto degrau no modo como os seres humanos experimentam a criação. Os caracteres da invisibilidade, da imprevisibilidade, da liberdade de Deus são-lhe atribuídos de modo a ressaltar essa representação. No Novo Testamento não é muito diferente. Isso é notado na glória de Deus que preenche momentos significativos da narrativa evangélica de Jesus Cristo. O auge dessa identificação acontece no relato joanino. Nele, Jesus Cristo torna-se um meio de acesso à glória de Deus Pai, sendo feito à imagem de Deus, refletindo a sua glória e, por fim, é exaltado e entra na própria glória de Deus. Assim, a experiência humana de Deus o é do sublime, e, portanto, também, extática e estética, produzindo espiritualidade semelhante. Essa espiritualidade não precisa ser, necessariamente, um transcender para algum lugar fora da humanidade, em busca de uma origem ou de um fundamento último e final de qualquer coisa que seja. Segundo: o extático nessa espiritualidade indica que Deus chama para um encontro para além da experiência humana cotidiana que a enleva, que a arrebata, que a esvazia e a preenche com novos sentimentos e sentidos, implicando um novo olhar sobre a própria experiência.
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Terceiro: o estético nessa espiritualidade indica que Deus se apresenta como no limite da posse e da comunicação, porém sem se dar ao domínio do ser humano e nem à sua representação em linguagem humana. Portanto, só se pode falar de Deus enquanto o belo, o prazeroso, o agradável. Tanto a impossibilidade da representação quanto a imagem do belo só se permitem expressar na arte. Nela e por ela, tenta-se capturar a forma, mas se dá vazão aos sentidos e aos sentimentos. Quarto: nessa espiritualidade, Deus é o sublime que se dá e é recebido, gerando a experiência humana da generosidade, simulacro da graça. Deus, portanto, é claramente recebido e toda experiência humana de Deus apenas pode ocorrer como uma experiência de recepção. Esta requer uma outra experiência humana: a abertura. Porque Deus se dá, ele se abre. Porque o ser humano o recebe, ele também se abre. A espiritualidade, desse modo, provoca e estimula a abertura como a típica experiência humana de estar no mundo enquanto recebe a Deus.
e) A espiritualidade sacerdotal da ação Há um apelo contínuo, no Novo Testamento, para imitação de Jesus Cristo. Imitar equivale a seguir. Porém, é melhor falar imitar por considerar a inexistência de proximidade física e histórica entre os dias de hoje e os dias nos quais se seguia a Jesus. Por isso mesmo a função de modelo ou exemplo que Jesus passa a oferecer é que prevalece nos dias de hoje. A imitação centraliza a vida na pessoa de Jesus Cristo, desde a sua vida, morte e ressurreição, dada à contemplação da fé. Na “epístola” aos Hebreus, é contínuo o apelo a que se considere (3:1; 5:7; 12:2; 13:13), isto é, a que se observe tão fixamente a Jesus Cristo que ele, naturalmente, se torne modelo de imitação. A contemplação recai sobre a narrativa de Jesus, isto é, o caminho da experiência humana de estar no mundo que ele percorreu para se tornar alguém capaz de cumprir a missão que lhe coube: ser feito sumo sacerdote fiel e misericordioso para com os seres humanos. Desse modo, A imitação, pois, não é apenas a confissão da encarnação histórica e da morte pascal de Jesus. Esta confissão torna-se modelo e padrão a ser imitado. A forma como Jesus viveu a paixão da morte é transformada da esfera do anúncio para tornar-se em exemplo apropriado de vida. A motivação e a atitude que cercaram a vida e a paixão de Jesus devem fazer-se presentes, igualmente, em nossa imitação dele.31 A imitação, assim considerada, trata da reprodução de uma imagem. Não, porém, uma cópia servil e estática, mero repetir acrítico e inconsciente de gestos, simples sujeição individual a normas e esquemas pré-dados. Trata-se de uma entrega de si mesmo ao modelo que resulta em uma nova afirmação da identidade individual. O primeiro e fundamental ato de imitação é a contemplação de Jesus Cristo. Nela se percebe o que ver em Jesus Cristo. E o que se vê é a sua entrega em favor dos pecadores na cruz. No entanto, essa entrega não é feita sem propósito, sem missão. Por ela, Jesus Cristo é feito sumo sacerdote que oferece sua vida como um sacrifício que reconcilia a inimizade, que corrige o conflito, que estabelece a paz. O preço de cruz bem mostra que essa tarefa auto-imposta não foi fácil, prazerosa e cheia de charme e prestígio. Na verdade, esse preço demonstra que os que assim pretendem agir não encontrarão a
31
SANCHES Sidney de M. Op. Cit., p. 80.
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aprovação, a admiração e, muito menos, a exaltação da vaidade humana. No silêncio do jardim, no isolamento e desprezo da cruz e no vazio da sepultura é que esse preço foi pago. Uma espiritualidade evangélica nos dias de hoje propõe que o caminho de Deus passa, necessariamente, por Jesus Cristo “Quem me vê a mim, vê o Pai”.32 Mesmo o caminho da presença onipresente do Espírito Santo, algo como uma Era do Espírito segundo Joachim de Fiore33, também passa, necessariamente, por Jesus Cristo “O Espírito dará testemunho de mim”.34 Pelo caminho de Jesus Cristo, oferecido à contemplação, três atitudes são propostas. Primeiro: deve-se entender que Cristo também é uma identidade, aquela de Jesus. Jesus, o Cristo. Acontece assim: aquele que viveu, ao qual chamavam Jesus, pela história que viveu foi identificado o Cristo. Logo, a identidade não é o nome, mas a vida que se vive. Seguir a Jesus, o Cristo, é repetir semelhante processo de identificação “Não serás mais chamado Simão, mas Pedro”.35 E em Antioquia, foram chamados cristãos pela primeira vez. Segundo, esse processo de identificação se dá pela imitação do caminho de Jesus, que lhe forneceu a identidade: o Cristo. Imitar é mimetizar, reproduzir, copiar, duplicar, multiplicar. E percorria Jesus os povoados e aldeias, expulsando os demônios e curando as doenças do povo. 36 Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder, e como ele andou por toda parte fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo Diabo.37 Ensinai-os a fazer tudo o que vos tenho mandado. 38 Vai tu, e faze o mesmo.39 Terceiro: se a experiência humana de estar no mundo nos dias de hoje é de extremo individualismo, a identidade resultante de se imitar a Jesus Cristo é de total comum-ação, agir-comum, em-comum, como-comum “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles”.40 A espiritualidade evangélica que é produto dessa vivência cristã reúne e une a todos que permanecem comuns sob esse agir comum. O Nome cristão nada tem de excepcional a não ser por identificar aqueles que se amam fraternalmente, como irmãos. Desse modo, comunidade tem outro nome: fraternidade. Na identidade de Jesus Cristo reproduzem-se infinitamente as identidades individuais contemporâneas, as quais, por isso mesmo, encontram-se agindo comumente, estão em comum “O meu mandamento é este: Amem-se uns aos outros como eu vos amei”.41
32
João 14:9.
33
VATTIMO Gianni. Depois da Cristandade. São Paulo: Record, 2004.
34
João 15:15.
35
Mateus 16:17,18.
36
Marcos 1:39; 6:55,56.
37
Atos 10:38.
38
Mateus 28:20.
39
Lucas 10:37.
40
Mateus 18:20.
41
João 15:12.
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f) A espiritualidade ética da mudança Nada parece soar mais evangélico, enquanto aquilo que é peculiar, particular, caráter do Evangelho, do que a conversão. Ela está no início da pregação de João Batista e de Jesus Cristo. Ele [João Batista] percorreu toda a região próxima ao Jordão, pregando um batismo de arrependimento para o perdão dos pecados....Dêem frutos que mostrem o arrependimento.42 “O tempo é chegado”, dizia ele [Jesus Cristo]. “O reino de Deus está próximo. Arrependam-se...”43 Enquanto em João Batista, a conversão é uma preparação do caminho para a vinda do Messias, na pregação de Jesus Cristo ela é a própria porta de acesso ao Reino de Deus. Ambas as notícias são tão agradáveis que a conversão só pode significar, de modo igual, uma coisa boa. Tanto a vinda do Messias quanto a entrada no Reino de Deus são os motivos para que ela ocorra. Como já ocorreu com outras palavras, CONVERSÃO é uma palavra-metáfora que envelheceu e morreu ao se prestar a muitos usos, especialmente o uso moral. Por isso, praticamente ela perdeu todo o seu poder de dizer alguma coisa. As pessoas passaram até a odiar essa palavra. Um esforço de recuperar algo de sua força é recuperá-la na fonte da experiência humana de onde ela foi tirada: mudar. Mudar é típico da experiência humana do deslocamento físico, da remoção de um espaço para colocar em outro. Ela serve para dizer de algo que já não é mais o mesmo quando ele olha para si mesmo, para as pessoas e demais coisas ao seu redor, e para os aspectos, as aparências que ele observa do mundo à sua volta. Pela experiência humana de estar no mundo, as pessoas aprenderam que elas mesmas, as outras pessoas, as coisas ao seu redor, o tempo e as estações, o próprio mundo muda. O enorme impacto da Modernidade sobre a experiência humana é que ela introduziu e realizou a mudança. Ao fazer assim, ela se diferenciou da Idade Média e dos antigos gregos, com sua ênfase na estabilidade ou na fixidez de todas as coisas. Porém, a Modernidade ainda reteve o princípio da estabilidade em meio à mudança. E esse princípio estava atrelado ao esforço por planejamento, organização, que produzia uma mudança após a outra, permitindo a relativa adaptação ao avanço, chamado, então, de progresso. O que acontece, nos dias de hoje, é que as mudanças tornaram-se tão rápidas, intensas e múltiplas, que o princípio da estabilidade foi dissolvido. Quando uma série de mudanças acontece ao mesmo tempo, de fato, não é possível planejar, ordenar, adaptar. Cria-se um estado de contínua mudança, no qual as pessoas vão-se acostumando a observar as coisas no momento em que elas acontecem e a viver apenas aquele momento e a aceitar o princípio da multiplicidade como a nova ordem da experiência humana de estar no mundo. No percurso sócio-cultural que a palavra mudança percorreu percebe-se que ela deixou a experiência humana da fixidez e da sequência para trás ordenando a experiência humana pelo fluxo contínuo e múltiplo de alterações rápidas. Assim, à medida que a experiência humana atual permite às pessoas localizarem-se em várias posições ao mesmo tempo, e mesmo em muitos lugares do mundo a qualquer hora, elas são levadas a
42 43
Lucas 3:3,8. Marcos 1:15.
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mudar várias vezes em um único momento ou mesmo a não mudar coisa nenhuma, em uma espécie de lugar-nenhum. É por isso que as pessoas buscam tanto a auto-ajuda para que consigam resolver os difíceis problemas e lidar com as profundas consequências que a necessidade de escolher ou de não fazer nenhuma escolha lhes impõem os dias de hoje. A auto-ajuda é a ética da mudança, o como se conduzir da experiência humana atual. Desse modo, a atual experiência humana modificou o comportamento das pessoas quando se trata de sua experiência religiosa. Até a Modernidade, a mudança religiosa era totalmente impossível, pois se nascia em uma opção religiosa e nela morria. Nos dias modernos, é bom mudar de religião dentro de uma ordem, de um sentido apoiado em razoáveis razões para isso, sendo esse um direito da liberdade do indivíduo. Nos dias de hoje, a mudança de religião não parece ser algo muito desejável, pois a religião parece ser a única coisa à qual uma pessoa ou um grupo humano pode se apegar como o que lhe resta de sua identidade sócio-cultural no mundo globalizado. Por outro lado, e de modo contraditório, a liberdade de mudar é levada até o extremo. É por isso que se fala em mercado religioso, self-service de bens de consumo da religião. Proporcionalmente, cresce o número das pessoas que não se preocupam com a mudança de religião pelo fato de entender que qualquer lugar serve, até mesmo lugar-nenhum. O que se precisa, então, é de uma espiritualidade ética da mudança, do modo mais amplo que se possa pensar acerca da experiência humana de estar no mundo nos dias de hoje, inclusive a mudança de religião. Mudar é preciso e jamais foi tão acessível a qualquer ser humano, porém nunca foi tão difícil escolher mudar, para onde mudar, por que mudar e o que fazer com as consequências da mudança. Para uma espiritualidade evangélica nos dias de hoje, uma ética da mudança é fundamental e ela deveria se guiar pelas seguintes orientações. Primeiro: mudar é algo individual, diz respeito à necessidade e opção particular de uma pessoa. Se as pessoas não quiserem mudar e não quiserem que alguma coisa no público, no coletivo mude, nada mudará. Segundo: as pessoas são estimuladas à mudança por algo que lhes atinge desde o coletivo, o público. Foi assim com a pregação de João Batista e de Jesus Cristo, os quais pregavam às multidões uma mensagem de mudança. Longe de se tornar algo do interesse particular de cada indivíduo, o Evangelho deve ser trazido para a esfera do público, da discussão ampla e oferecido como opção de mudança às pessoas. Terceiro: as pessoas mudam quando estimuladas por algo que seja desejável porque é agradável e bom. Foi assim com a vinda do Messias e a chegada do Reino de Deus. Eles foram as razões para o Evangelho ser uma boa notícia. A notícia da vinda do Messias é o anúncio do fim de um mundo envelhecido, esgotado, caminhando rapidamente para a autodissolução e apontando para um novo mundo. A notícia do Reino de Deus é a chegada desse novo mundo, o nascimento, a renovação das possibilidades da experiência humana, a afirmação de que mudar não só é preciso, é possível, mas que vale a pena.
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CONCLUSÃO Começando pela análise das condições que a experiência humana de estar no mundo nos dias de hoje oferece ao espírito humano, chega-se à conclusão paradoxal de esvaziamento de qualquer espiritualidade e, igualmente, da oferta de múltiplas espiritualidades. Esse é o acontecimento mais interessante que acontece às pessoas nos dias atuais e ao qual muitas pessoas têm-se dedicado à observação e ao estudo. A preocupação desse pequeno ensaio foi acerca de como essas condições afetam os evangélicos e as suas propostas em alimentar o espírito humano nos dias de hoje. Foram apresentadas e desenvolvidas seis possibilidades. De modo algum, elas não devem ser entendidas e praticadas como separadas umas das outras. Como tudo que acontece nos dias de hoje, elas devem ser auto-inclusivas, isto é, deve haver um esforço para mantê-las juntas, praticá-las juntas, na medida em que o espírito humano requer uma ou outra. Naturalmente, isso requer perceber que não há nenhuma opção exclusiva, o que equivale a viver de mudança em mudança, na incerteza, na inconstância, na descontinuidade, sem saber qual espiritualidade será a mais adequada no dia de amanhã. Porém, quem sabe essa não seja a espiritualidade mais biblicamente construída, quando se sabe que “pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu e dirigiu-se a um lugar que mais tarde receberia como herança, embora não soubesse para onde estava indo”.44 Essas orientações, por fim, não são fórmulas, algo tão típico da orientação ética da auto-ajuda nos dias de hoje. De fórmulas, à semelhança do que se diz dos conselhos, o mundo da tecnociência está cheio delas. São tantas que já deveriam ter resolvido o problema da existência humana. Como dizem os modernos atuais, nunca estivemos tão longe disso, por mais que os oráculos da modernidade prossigam em nos assegurar uma receita de felicidade. Não! O que foi escrito não se trata de uma fórmula, pois o que se requer de fórmulas é que dêem certo, que funcionem! No entanto, quando se trata de existir para a vida e para a morte, não existem fórmulas, mas caminhos possíveis, tão bem percebido por Jesus Cristo, quando disse: “Eu sou o caminho!”.45
44 45
Hebreus 11:8. João 14:6.
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