E book ii ensino de línguas materna e estrangeira

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2015


Copyright © 2015 dos Autores Conselho editorial Gilson Chicon Alves (UERN) Isadora Valencise Gregolin (UFSCAR) Moisés Batista da Silva (UERN) Regiane Santos Cabral de Paiva (UERN)

Grupo de Pesquisa em Linguística e Literatura – GPELL Líder: José Roberto Alves Barbosa Vice-líder: Lucimar Bezerra Dantas da Silva Arte da capa José de Paiva Rebouças Diagramação Regiane S. Cabral de Paiva

Catalogação da Publicação na Fonte

Ensino de línguas materna e estrangeira: um espaço para o debate. / Gilson Chicon Alves, Moises Batista da Silva, Regiane S. Cabral de Paiva (orgs). – Mossoró: Queima-bucha, 2015.

E-book ISBN: 978-85-8112-126-0

1. Linguística. 2. Linguagem e línguas. I. Alves, Gilson Chicon. II. Silva, Moises Batista da. III. Paiva, Regiane S. Cabral de. IV. Título.

CDD 410

Bibliotecária: Elaine Paiva de Assunção Araújo CRB 15 / 492


Agradecimentos Ao Grupo de pesquisa em Linguística e Literatura – GPELL da UERN pela II edição do nosso ebook, bem como aos professores, alunos e apoiadores que colaboraram para este volume, por compreenderem a necessidade de pesquisar e divulgar ações que favorecem o ensino de línguas, seja ela materna ou estrangeira.


"Diga-me e eu esquecerei. Ensina-me e eu me lembro. Envolva-me e eu aprendo." (Benjamin Franklin )


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 7

Sobre Língua Materna I- ANÁLISE DE NARRATIVAS ESCOLARES: UMA NOVA PROPOSTA ................. 12 João Paulo Pereira; Marcos Paulo de Azevedo; Wigna Thalissa Guerra; Lucas Vinício de Carvalho Maciel

II- A INTERAÇÃO LINGUÍSTICA NAS PRÁTICAS DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS .......................................................................................................................... 32 Moises Batista da Silva; Rissia Oscaline Garcia; Kátia Cilene David da Silva

III- CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO DA SÍLABA PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ............................................. 43 Gilson Chicon Alves

IV- ENSINO DE PORTUGUÊS E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA:

TRATAMENTO

DIDÁTICO DE VARIEDADES DIALETAIS NO ÂMBITO ESCOLAR ....................... 55 Josenildo Barbosa Freire

V- O GÊNERO ANÚNCIO PUBLICITÁRIO: CONCEPÕES E PROPOSTA DE ENSINO DE LEITURA ........................................................................................................ 69 Rissia Oscaline Garcia; Moises Batista da Silva

Sobre Língua Estrangeira VI- ANÁLISE DE PROPAGANDAS DE APARELHOS CELULARES: UMA PROPOSTA CRÍTICO-VISUAL PARA O ENSINO DE LÍNGUAS ............................... 88 José Roberto Alves Barbosa; Myrna Cibelly de Oliveira Silva


VII- ANÁLISE DE ERROS: ESTUDO DAS ADAPTAÇÕES LÉXICAS PRODUZIDAS POR ALUNOS BRASILEIROS EM TEXTOS ESCRITOS ......................................... 103 Pedro Adrião da Silva Júnior; Yordanys González Luque VIII- ANÁLISE DAS DIFICULDADES ORTOGRÁFICAS DE BRASILEIROS ESTUDANTES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA ......................... 114 Maria Solange de Farias

IX- CRENÇAS DOS PROFESSORES DE ESPANHOL SOBRE O PAPEL DO TEXTO LITERÁRIO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA .......................... 130 Ana Carla de Azevedo Silva; Renata Helvécia Lopes Costa; Regiane S. Cabral de Paiva

X- O GÊNERO LITERÁRIO COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA ...................................................................................................... 151 Yanáskara Roberta de Medeiros Chaves; Oscarina Caldas Vieira; Maria Solange de Farias

XI- ANÁLISIS DEL PROCESO DE ENSEÑANZA DE E/LE EN BRASIL: LOS MANUALES DIDÁCTIVOS ............................................................................................. 160 Beth Francione Fagundes da Silva; Regiane Santos Cabral de Paiva


APRESENTAÇÃO O Grupo de Pesquisa em Linguística e Literatura (GPELL) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), sobre a liderança do professor Dr. José Roberto Alves Barbosa, compreende três linhas de concentração: 1- Discurso, enunciação e argumentação; 2- Ensino de línguas e 3- Literatura e sociedade. Visando socializar as pesquisas desenvolvidas pelos membros que as compõem, em 2014 foi lançado o primeiro ebook, Literatura e sociedade: contemporaneidades, com vistas às investigações da terceira linha. Este ano, 2015, juntamente com outros colaboradores, daremos continuidade ao projeto de publicação lançando o II ebook para atender aos trabalhos desenvolvidos pela linha 2 e terá como título: Ensino de línguas materna e estrangeira: um espaço para o debate. Como nesta linha se abrange as três habilitações (português, inglês e espanhol) do curso de Letras da nossa universidade, decidimos por um título que abarcasse as três línguas. Nesta edição, também contaremos com o apoio da professora Isadora Gregolin (UFSCAR), que nos ajudou na organização e do Professor Josenildo Barbosa Freire (UFPB) que contribuiu com um artigo. No total, teremos onze artigos que tratarão de apresentar perspectivas para o ensino de língua materna e estrangeira. Por esta razão o ebook estará dividido em duas partes: Sobre língua materna e Sobre língua estrangeira. A primeira parte começa com o artigo de Maciel e outros, intitulado Análise de Narrativas Escolares: Uma Nova Proposta que descreve e analisa as relações dialógicas contidas em textos narrativos de alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. A teoria que norteia este estudo é a concepção bakhtiniana de linguagem segundo a qual todo e qualquer enunciado estabelece uma relação dialógica com os enunciados que o precederam e os que o sucederão. Os autores utilizam um corpus de 117 redações escolares, sendo 52 do Ensino Fundamental ministrado em uma escola da rede municipal e 65 do Ensino Médio de uma escola da rede estadual. O trabalho de Silva, Garcia e Silva, ‘A interação linguística nas práticas de leitura e produção de textos’, a partir da abordagem da linguagem com lugar de interação, apresenta como as práticas de leitura e produção textual se processam no ensino-aprendizagem da língua. Para isto, os autores tecem algumas considerações gerais sobre a linguagem no contexto do ensino, bem como sobre o modelo sócio-histórico de M. Bakhtin sobre a interação na linguagem.

Por fim, discorrem sobre a linguagem em seu funcionamento

discursivo e as práticas de leitura e produção de textos que levam em conta a interação verbal. Tal trabalho nos leva a refletir que as práticas de leitura e de produção de textos deveriam ser constantes na vida do aluno.

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O artigo intitulado “Considerações sobre a importância do conhecimento da sílaba para o ensino de língua portuguesa”, de Alves, tem como objetivo central demonstrar como esse conhecimento pode ajudar o professor de Língua Portuguesa, das séries iniciais, a compreender alguns desvios de grafia, relacionados à estrutura silábica. A partir das teorias fonológicas modernas, o autor descreve, numa linguagem acessível, o conceito de sílaba e sua estrutura, como também aborda, com maestria, os 13 padrões silábicos do português. O trabalho em questão é de suma relevância, pois traz, à tona, a escassez das discussões sobre estudos fonéticos e fonológicos, em centros locais de formação pedagógica e aponta, por meio de novas contribuições, como os professores podem adquirir os conhecimentos apropriados para enfrentar os problemas de aquisição da fala e da escrita. O capítulo “Ensino de português e variação linguística: tratamento didático de variedades dialetais no âmbito escolar”, de Freire, aponta algumas situações didáticas fundamentais para a realização do ensino que incorpora a variação linguística como conteúdo a ser ensinado e aprendido no ambiente escolar. Basicamente, o trabalho está fundamentado na Teoria da Variação Linguística de cunho laboviana. Além disso, trata da visão de alguns documentos oficiais acerca da relação ensino e variação linguística e apresenta algumas estratégias didáticas para execução do ensino que contempla a variação linguística. Com isso, quanto ao papel da escola, o autor declara dois pontos importantes: primeiro, cabe à escola compreender, aceitar e incorporar o ensino de variação linguística como objeto de estudo nas salas de aula e, consequentemente, a escola pode assegurar ao alunado a vivência de práticas reais do uso linguístico, apontando, em quais situações sociocomunicativas, determinados usos linguísticos são adequados ou não. O trabalho “O gênero anúncio publicitário: concepções e proposta de ensino de leitura”, de Garcia e Silva, objetiva refletir o ensino de leitura, a partir da perspectiva dos gêneros discursivos. Para isso, toma os anúncios publicitários como objeto de estudo e propostas de ensino de leitura. Inicialmente, os autores discutem algumas concepções de linguagem e de leitura, mostrando suas características e contribuições para as aulas de língua materna. Em seguida, com base em Bakhtin (1992), abordam os gêneros discursivos. A partir da análise da estrutura e da linguagem típica do gênero anúncio publicitário, são apresentadas algumas possibilidades de uso desse gênero em aulas de Língua Portuguesa, como propostas de atividade em sala de aula, sobretudo, em aulas de leitura. A segunda parte, Sobre Língua Estrangeira, começa com o título “Análise de propagandas de aparelhos celulares: uma proposta crítico-visual para o ensino de línguas”, de Barbosa, cujo objetivo é analisar, criticamente, propagandas de aparelhos celulares, com 8


vistas a sua utilização no contexto da sala de aula de língua. Primeiramente, o autor apresenta os fundamentos teóricos da Análise de Discurso Crítica (ADC) e da Gramática do Design Visual (GDV). Em seguida, discute o papel da mídia, no contexto da modernidade tardia e analisa, de forma clara, duas propagandas de aparelhos celulares, tanto em língua portuguesa quanto inglesa. Para o autor, a relevância desse tipo de análise, em contextos escolares, contribui para o letramento crítico de jovens da escola pública e possibilita o empoderamento desses aprendizes. O texto ‘Análise de erros: estudo das adaptações léxicas produzidas por alunos brasileiros em textos escritos’ de Silva Junior e Luque apresenta resultados de pesquisa sobre erros presentes em textos escritos em língua espanhola por universitários brasileiros. São descritas e analisadas algumas das adaptações léxicas que os alunos empregam como estratégias para a comunicação na língua estrangeira, que permitem ao leitor uma melhor compreensão sobre a relação entre a língua materna e a língua estrangeira e sobre o próprio conceito de interlíngua (GARGALLO, 1993). Dessa forma, o artigo contribui com resultados tanto para o campo teórico da Lingüística Contrastiva quanto para os propósitos de sala de aula, pois os dados apresentados auxiliam professores na elaboração de materiais e atividades em língua espanhola para alunos brasileiros. A pesquisa “Análise das dificuldades ortográficas de brasileiros estudantes de Espanhol como língua estrangeira”, de Farias, tem como objetivo principal determinar que erros gráficos são mais comuns na interlíngua de brasileiros estudantes de espanhol em diferentes níveis de aprendizagem, quais destes erros se fossilizam e qual a influência da língua materna do aprendiz na aquisição destes elementos linguísticos. Fundamentada na Linguística Contrastiva (LC), a autora, inicialmente, expõe características de três modelos de análise linguística: a Análise de Erros (AE), A Análise Contrastiva (AC) e a Teoria da Interlíngua (IL). Este trabalho apresenta uma pesquisa descritiva de natureza quantitativa relacionada aos erros gráficos fossilizados na produção escrita dos sujeitos/informantes que foram acompanhados em diferentes estágios de aprendizagem. A partir dos dados coletados, Farias constata que os alunos seguem transferindo muitas estruturas de sua língua materna à língua estrangeira que aprende, provocando assim, o que podemos chamar de “fossilizações”. Com este trabalho, a autora pretende ajudar os professores de espanhol a elaborarem atividades específicas para estudantes brasileiros, como também refletir quanto ao aparecimento do erro no processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. O artigo ‘Crenças dos professores de espanhol sobre o papel do texto literário para o ensino e aprendizagem da língua’ de Silva, Costa e Cabral de Paiva traça um panorama 9


histórico sobre a noção teórica de crenças e apresenta resultados de pesquisa que focaliza as crenças de professores de língua espanhola sobre o papel do texto literário em suas práticas pedagógicas. A discussão proposta pelas autoras leva o leitor a uma melhor compreensão sobre a relação entre as crenças e o fazer pedagógico de professores de língua espanhola do interior do Rio Grande do Norte. Chaves, Vieira e Farias propõem no artigo ‘O gênero literário como recurso didático no ensino de língua espanhola’, a partir de Fillola (2002), uma nova reorientação na abordagem do gênero literário em aulas de língua espanhola para alunos do ensino médio. Ao apresentarem atividades desenvolvidas no âmbito do PIBID em escolas públicas do interior do Rio Grande do Norte, os autores discutem novas possibilidades metodológicas para o trabalho com a leitura, com a preocupação de levar os alunos à construção de sentidos na língua estrangeira. Dessa forma, o texto oferece importante contribuição para professores e pesquisadores interessados em novas metodologias e didáticas de línguas. Nosso ebook encerra com o artigo “Análisis del proceso de enseñanza de e/le en brasil: los manuales didácticos” fruto da dissertação de nossa ex-aluna Silva. O trabalho completo aplicou-se ao estudo sobre os documentos oficiais dedicados à educação básica no Brasil, especialmente os dirigidos ao ensino de línguas estrangeiras, bem como ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLDEM). A partir disso, fez-se uma apresentação de dois manuais tomando como base o Guia de livros didáticos do PNDL o outro sofrerá uma análise mais profunda e qualitativa; também se fará avaliações das provas do ENEM e da prática dos professores de língua espanhola. Neste e-book, especificamente, apresenta-se um recorte e uma releitura, sob orientação de Cabral de Paiva, de uma dessas análises: apreciação de manuais didáticos a partir do PNLDEM e dos documentos oficiais. Para finalizar esta apresentação, queremos agradecer a todos os docentes e pesquisadores que colaboraram com este volume, trazendo-nos importantes reflexões e experiências acerca do processo de ensino-aprendizagem de línguas (materna e estrangeira), no contexto escolar/acadêmico. Tais experiências podem ser difundidas e compartilhadas com todos os protagonistas da educação, professores, diretores, pais, alunos etc, sempre fazendo do nosso território, espaço de debates que tenham poder de transformar realidades para melhor.

Os Organizadores

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Sobre lĂ­ngua materna (parte I)

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I

ANÁLISE DE NARRATIVAS ESCOLARES: UMA NOVA PROPOSTA João Paulo Pereira Marcos Paulo de Azevedo Wigna Thalissa Guerra Lucas Vinício de Carvalho Maciel

JOÃO PAULO PEREIRA é graduado (2014) em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas pela UERN. Na graduação, desenvolveu as pesquisas de iniciação científica “Dialogismo em narrativas: uma aproximação à literatura de Dostoievski” (PIBIC 2011-2012) e “Dialogismo em narrativas escolares” (PIBIC 2012-2013). jp_in91@yahoo.com.br MARCOS PAULO DE AZEVEDO é graduado (2014) em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas pela UERN e mestrando em Letras (PPGL/UERN). Na graduação, desenvolveu as pesquisas de iniciação científica “A influência da obra dostoievskiana nas discussões sobre dialogismo no Círculo de Bakhtin” (Projeto Institucional 2012-2013) e “Relações dialógicas em redações escolares” (Projeto Institucional 2013-2014). marcos_h.p@hotmail.com WIGNA THALISSA GUERRA é graduada (2014) em Letras, com habilitação em Língua Inglesa e suas respectivas literaturas pela UERN. Na graduação, desenvolveu as pesquisas de iniciação científica “A influência da obra dostoievskiana nas discussões sobre dialogismo no Círculo de Bakhtin” (Projeto Institucional 2012-2013) e “Relações dialógicas em redações escolares” (Projeto Institucional 2013-2014). wignatg@yahoo.com.br LUCAS VINÍCIO DE CARVALHO MACIEL é graduado em Letras (2005), mestre (2008) e doutor (2014) em Linguística Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp e Professor Adjunto III na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), onde coordena o periódico acadêmico Revista Colineares. Participa como membro do Grupo de Pesquisa em Linguística e Literatura (GPELL), desenvolvendo pesquisas na área de ensino-aprendizagem de língua materna. lucasvcmaciel@yahoo.com.br

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Introdução

Neste capítulo propõe-se observar, a partir da perspectiva bakhtiniana, a relevância das vozes na composição de narrativas. A questão das vozes de autor, narrador e personagens é tema comum a muitas análises literárias, fazendo-se presente também em propostas didáticas voltadas ao ensino de narrativas. Ao lado de categorias como “enredo”, “cenário”, “personagens”, aparecem frequentemente no exame de textos narrativos categorias como “voz” (do autor, narrador ou personagem) ou algum termo equivalente à voz como “perspectiva”, “foco”, “ponto de vista”. Sendo assim, pode soar desinteressante uma análise das narrativas, cujo objetivo é discutir esse aspecto, aparentemente, banal, e, por consequência, parecer inadequado dizer que essa análise se propõe a algo “novo”, como sublinhado no título. A inadequação decorreria não apenas por se tratar de uma característica há muito explorada no exame das narrativas em vários âmbitos do conhecimento – literatura, linguística, educação –, mas também porque o principal aporte teórico desse “novo” olhar são as discussões do Círculo de Bakhtin 1 , um referencial teórico confeccionado há bastante tempo – principalmente na primeira metade do século XX – e amplamente utilizado em diversas pesquisas acadêmicas nacionais e internacionais2. Ainda assim, assume-se ser possível propor algo novo para o exame de narrativas, através de um mergulho nas concepções bakhtinianas3. Tendo por apoio principalmente as discussões expostas em Problemas da poética de Dostoiévski (BAKHTIN, 1929) e na terceira parte de Marxismo e filosofia da linguagem (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV 4 ), examinam-se redações escolares com intuito de vislumbrar a importância das relações dialógicas internas – entre autor, narrador e personagens – e externas – entre as redações e textos a elas exteriores – para a composição dos textos narrativos. Pretende-se, por essa via, demonstrar a importância 1

Emprega-se a expressão “Círculo de Bakhtin”, por ser a mais corrente no contexto brasileiro. Lembra-se, contudo, que certos pesquisadores discordam dessa denominação em que se destaca a figura de Bakhtin. Vauthier (2007), por exemplo, prefere a denominação “Cercle Bakhtine, Medvedev, Volochinov”, abreviada como “Cercle B.M.V.”, ao entender que, assim, os demais membros do grupo são também contemplados. 2 Atesta a projeção de Bakhtin no Brasil o fato de sua teoria figurar até mesmo em documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Ver a respeito, GOMES-SANTOS, 2004). 3 Ao utilizar o adjetivo bakhtiniano e suas variações, refere-se de modo amplo às discussões do Círculo de Bakhtin. 4 A autoria da obra Marxismo e filosofia da linguagem (1929) é objeto de discussão. Mantém-se a dupla entrada – Volochínov/Bakhtin – pois por ora não há respaldo suficiente para se decidir a respeito da controversa autoria desse e de outros títulos dos integrantes do Círculo de Bakhtin (A respeito, ver GRILLO, 2012).

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das complexas relações dialógicas, ainda pouco ou não estudadas, para a composição dos textos narrativos.

1 A linguagem sob a perspectiva bakhtiniana

Discordando da concepção segundo a qual na comunicação entre indivíduos um, o falante, seria ativo (enquanto fala), e outro, o ouvinte, seria passivo (enquanto ouve), Mikhail Bakhtin propõe que ambos participantes da interação discursiva são agentes ativos. Segundo Bakhtin ([1952-1953]), mesmo quando não responde imediatamente àquele que fala, aquele que escuta (ou lê, ou assiste) já formula respostas ao seu interlocutor, sejam respostas de concordância, discordância, verbalizadas ou não. No momento que escuta o outro, o ouvinte já vai construindo sua resposta, resposta essa que pode, até mesmo, ser o silêncio. Na concepção bakhtiniana, todo enunciado é formulado tendo em vista as possíveis respostas que suscitará. Ao mesmo tempo, esse mesmo enunciado é, ele próprio, uma resposta a enunciados anteriores. Qualquer enunciado se volta a enunciados anteriores que são, de alguma forma, empregados na enunciação atual. A essa relação entre os enunciados Bakhtin denomina “dialogismo” ou “relações dialógicas” 5 , pois todo enunciado é uma resposta a enunciados precedentes e, concomitantemente, lança-se às respostas do diálogo futuro. Se, de modo geral, as relações dialógicas são os vínculos estabelecidos entre enunciados, é mister observar que várias são as formas desse “dialogismo”, uma vez que várias e diversas podem ser as formas como os enunciados mantêm relações dialógicas entre si. Segundo Bakhtin ([1952-1953], p. 297, grifos do autor): Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera da comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo (aqui concebemos a palavra “resposta” no sentido mais amplo): ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta.

Ao se relacionar com enunciados anteriores com os quais dialoga, o escrevente ou falante pode se apropriar dessas vozes de distintos modos, estabelecendo vínculos de 5

Embora o termo “dialogismo” seja mais popular e figure mais frequentemente nos estudos que se apropriam das discussões bakhtinianas, fato é que a expressão “relações dialógicas” aparece com mais frequência nas obras

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concordância, de discordância, de complementação, etc. Além disso, ao se valer de palavras anteriores, o enunciador poderá marcar essas vozes como abertamente alheias, ao usar aspas, por exemplo, ou fundi-las em sua própria voz, borrando (até o esquecimento) os limites entre a palavra própria e a palavra outra6. Além da relação com os enunciados passados, todo enunciado espera uma resposta futura. Todo enunciado dito ou escrito espera daqueles com que estabelece comunicação uma “resposta”. Resposta essa positiva, negativa, discordante (total ou parcialmente). Assim, a palavra que hoje é lançada na cadeia da comunicação poderá ser amanhã empregada de diversos modos. Poder-se-á concordar com ela, discordar dela, omiti-la7. Os enunciados fazem, assim, parte de uma cadeia: o pronunciado hoje é resposta ao já dito anteriormente e, ao mesmo tempo, espera uma resposta futura daqueles aos quais se dirige. Nessas relações, os enunciados serão empregados de diferentes modos, pois diversas são as formas pelas quais as vozes anteriores podem ser retomadas. Em termos dos tipos de discurso, por exemplo, a citação ou representação da palavra alheia pode se dar através do discurso direto, do discurso indireto e do discurso indireto livre8. Como observam Bakhtin/Volochínov (1929/1963, p.152, grifos do autor), é primordial “uma investigação mais profunda das formas usadas na citação do discurso, uma vez que essas formas refletem tendências básicas e constantes da recepção ativa do discurso de outrem [...]”. Isso porque os tipos de discurso – direto, indireto, indireto livre e variantes – empregados para veicular a palavra alheia mostram a “recepção ativa do discurso de outrem” por quem retoma essas palavras. O modo como se assimila a palavra do outro expõe se esse discurso é apreendido com reverência, com cautela ou sem consideração, sem cuidado com a indicação da fonte, etc. Diante desse quadro, o objetivo desta exposição é analisar as opções de autores de redações escolares em termos dos tipos de discurso empregados para veicular as palavras anteriores – alheias ou suas –, o que pode mostrar a recepção ativa do discurso do outro, revelar como os autores ou narradores se apropriam de múltiplas maneiras da palavra do outro. do autor, sendo, ao que tudo indica, preferida por tradutores e estudiosos da obra bakhtiniana como Paulo Bezerra, Sheila Vieira de Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. 6 Conforme expressão de Miotello et al. (In: BAKHTIN, 1929). 7 Para Bakhtin ([1952-1953]), o silêncio é uma forma de resposta. 8 Bakhtin/Volochínov (1929) fazem um detalhado estudo desses tipos de discurso, listando vários subtipos como, por exemplo: discursos diretos “monumental”, com sujeito não aparente, retórico, esvaziado, preparado, substituído; discurso indireto sem sujeito aparente, analisador do conteúdo, analisador da expressão e discurso indireto livre. Pesquisadores como Grillo (2004), Olímpio (2006), Campos & Souza (2012) já assumem, a partir da proposta bakhtiniana, esses tipos e variante de discurso para análise de enunciados vários.

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Assim, mais do que simplesmente atestar que há vozes de personagens, narrador (e talvez autor) envolvidas na narrativa, busca-se vislumbrar como textualmente se efetivam as interações entre os partícipes da narrativa no que se refere às relações dialógicas, sejam estas internas, quando personagens ou narrador retomam vozes de outras personagens, sejam quando se estabelecem relações com enunciados exteriores. A escolha por redações com predomínio da tipologia textual narrativa 9 se dá porque nesses dados, comumente, as relações dialógicas são demarcadas de maneira bastante clara e perceptível, na medida em que se apresentam nos diálogos entre as personagens, nas relações entre as vozes de personagens e narrador, nos vínculos entre os textos escolares analisados e obras externas às redações. Além disso, as narrativas também são interessante material para observação de como relações dialógicas podem ser concretizadas em termos dos tipos de discurso (direto, indireto, indireto livre) e dos recursos (aspas, sublinhado) que os alunos, os autores, têm à disposição para marcar os elos entre as vozes que tecem as narrativas10. É à análise desses aspectos dialógicos constitutivos das narrativas que se dedica a seguir.

2 Análise de narrativas escolares

Para a realização dessa investigação, parte-se de um corpus formado por redações de alunos do 6º ano do ensino fundamental da Escola Municipal Joaquim Felício de Moura, situada na cidade de Mossoró/RN, e redações de alunos do 3º ano do ensino médio da Escola Estadual Padre José de Anchieta, da cidade de Serra do Mel/RN. Esse corpus é composto por 117 redações, sendo 52 do ensino fundamental e 65 do ensino médio. Dados os limites desse capítulo, selecionou-se para a presente exposição, a partir da leitura e da comparação de todas as redações, um texto do ensino fundamental e outro do ensino médio. As redações confeccionadas pelos alunos do 6º ano partiram de uma atividade do livro didático Português: Linguagens, 6º Ano de Cereja e Magalhães (2009), que propunha uma recontagem de contos infantis, como Branca de Neve e os Sete Anões, João e Maria, Cinderela, entre outros, com a inserção de fatos inusitados e ações inesperadas das famosas 9

Seguindo a proposta de Marcuschi (2002), entende-se que em um texto pode haver várias sequências textuais (descritivas, narrativas, injuntivas, etc.) com predomínio de alguma(s). No caso das redações a serem analisadas, acredita-se que a sequência narrativa é predominante. 10 A partir da perspectiva bakhtiniana, entende-se que qualquer enunciado pode ser objeto de análise das relações dialógicas, constitutivas de toda a linguagem, de qualquer enunciado. Nos gêneros narrativos é esperado que as

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personagens dos contos originais. Esses textos foram elaborados durante o 3º bimestre letivo de 2012 e deram origem a um pequeno livro intitulado “Era uma vez...”, confeccionado a partir da proposta da professora Kelli Karina Fernandes Freire11, que vinha desenvolvendo um “Projeto de Leitura” 12 . Já as redações dos alunos do ensino médio tiveram por base uma proposta do professor, que solicitou aos alunos um texto narrativo, relatando fatos ou experiências pessoais ou ainda recontando a história de algum filme ou texto conhecido. Inicialmente será examinada uma da narrativa do ensino fundamental, escolhida entre as redações produzidas pelos alunos do 6º ano, as quais tiveram por base a seguinte proposta do livro didático (CEREJA; MAGALHÃES, 2009, p. 42-43):

Produção de texto O CONTO MARAVILHOSO Os contos que você produzirá a seguir serão publicados num livro de contos que fará parte da mostra Histórias de hoje e sempre, proposta no capítulo Intervalo, e será lido por colegas de sua classe e de outras, por seus pais e demais convidados para o evento. 1. Escreva um conto maravilhoso, de acordo com as orientações dadas a seguir. a) Em cada lista de palavras abaixo, todas, com exceção de uma, sugerem uma história conhecida. Tal palavra representa um novo elemento, que quebra, de propósito, a sequência. Veja:  menina – bosque – lobo – avó – helicóptero  Cinderela – madrasta – príncipe – sapatinho de cristal – chulé  Bela Adormecida – príncipe encantado – conjunto de rock – bruxa boa  João e Maria – uma casinha de doces – a bruxa – o forno – um pernil assado  Pinóquio – os ladrões – um extraterrestre – a baleia – Gepeto  Aladim – gênio – princesa – lâmpada maravilhosa – Ali Babá e os quarenta ladrões  Branca de Neve – príncipe – sete anões – madrasta – baile b) Escolha uma lista e reinvente a história, incluindo nos acontecimentos o elemento novo correspondente à palavra que destoa das outras. Escolha quem será o herói e quem fará o papel de vilão. Comece seu conto fazendo o herói ser vítima de uma armadilha planejada pelo vilão, ou o contrário. Se quiser, dê ao herói (ou ao vilão) poderes mágicos. Procure criar um final inesperado, se possível engraçado.

relações dialógicas sejam ainda mais evidentes, pois além dos elos entre o texto e enunciados alheios, têm-se no interior do próprio texto encenações do dialogismo nos diálogos entre as personagens. 11 A professora aceitou sua identificação neste texto. 12 Esse trabalho é realizado anualmente pela professora com a colaboração da direção escolar. O projeto sintetiza uma série de atividades, entre as quais: palestras com cordelistas, jornais da escola produzidos pelos alunos e, enfim, a confecção do livro de contos.

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c) Planeje como vai escrever seu conto maravilhoso: inicie-o pela expressão Era uma vez ou outra que conduza a um tempo passado e impreciso. O narrador deve ser do tipo observador. Lembre-se de dizer como são o herói, o vilão e o lugar em que ocorrem os fatos. Empregue a língua padrão. Ao terminar, dê um título sugestivo ao seu conto. d) Faça um rascunho e só passe seu conto maravilhoso a limpo depois de fazer uma revisão cuidadosa, seguindo as orientações do boxe. Avalie seu conto maravilhoso (p. 22) Refaça o texto quantas vezes forem necessárias. 2. Crie livremente um conto maravilhoso, com personagens de sua preferência. Siga as orientações constantes nos itens c e d. A proposta do livro didático solicita que o aluno “reinvente” uma história, “incluindo nos acontecimentos” elementos novos (CEREJA; MAGALHÃES, 2009, p. 43). Entre as sugestões presentes estão, entre outros, a inclusão do elemento “chulé” na história da Cinderela, de um “helicóptero” na narrativa de Chapeuzinho Vermelho, de “um pernil assado” no conto João e Maria. Além da proposta, a professora rememorava oralmente com os alunos alguns contos de fadas e lia outras histórias presentes no próprio livro didático. Assim, mediados pela proposta do livro didático, os alunos foram conduzidos a confeccionar textos que recontassem, com modificações, famosos contos infantis. É a partir dessa proposta que é confeccionada a redação transcrita a seguir: João e Maria no seu castelo13 Era uma vez João, um menino bom que ajudava todos que precisavam e que tinha uma irmã má e rancorosa. Esta não gostava dos necessitados e tinha poderes do mal. Quando o irmão ajudava os necessitados ela lançava um feitiço para prejudicá-los. Um dia, no castelo, o seu irmão João disse: – Maria, deixe de ser má, você não pode maltratar os outros. Um dia você passou por isso. Ela olhou bem sério para ele e disse: – Você disse bem, “já passei” e não sou mais! Agora moro no castelo e descobri que tenho poderes. Na hora que quiser posso me tornar mais poderosa. – Poderes para o mal! Você vai se arrepender de tudo que está fazendo, sua malvada! Quando ele disse isso, Maria ficou com medo de algo acontecer. Quando chegou a noite ela se deitou e viu uma luz bem perto e perguntou quem era. Era, na verdade, uma bruxa do bem e disse que se ela não passasse a gostar do povo iria perder seus poderes. Maria disse: – Eu prometo que trato bem os necessitados e disse: – Estão todos convidados para o jantar e será pernil assado! 13

O nome do aluno autor do texto é omitido para preservar sua identidade. Mantém-se a grafia original da redação, previamente corrigida pela professora.

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Chegando o dia do jantar, Maria pediu desculpas e no mesmo instante, a bruxa apareceu dizendo: Parabéns! Agora seus poderes serão para o bem. Assim todos foram felizes para sempre. Narrada em terceira pessoa, a história intitulada “João e Maria no seu castelo” incorpora elementos que remetem ao conto “João e Maria”. Na mais conhecida versão do conto relata-se a história de dois irmãos que se perdem14 na floresta e encontram uma casa feita de doces. A dona da casa é uma bruxa, que os prende e pretende engordá-los, para depois comê-los. Entretanto o desejo da feiticeira é frustrado, pois as crianças conseguem jogá-la ao fogo e salvarem-se. No conto recontado pelo aluno do 6º ano há algumas diferenças que o separam da narrativa tradicional: João é bom, enquanto sua irmã Maria é malvada; ambos moram em um castelo e vivem discutindo, até que um dia os dois se entendem e “vivem felizes para sempre”. Desse modo, a narrativa é diferente da versão mais divulgada, em que tanto João quanto Maria são bons, não vivem discutindo, tampouco moram em um castelo. Desse modo, o aluno atende à solicitação de modificar o conto (supostamente) original. Porém, em sua recontagem, o aluno não se restringe estritamente à proposta do livro didático, que em relação ao conto “João e Maria” trazia as seguintes palavras, dentre as quais um elemento seria diferente: “João e Maria – uma casinha de doces – a bruxa – o forno – o pernil assado”. O elemento diferente seria o “pernil assado”, que, de fato, aparece ao final da narrativa do discente, quando Maria, recém-convertida ao bem, anuncia: “– Estão todos convidados para o jantar e será pernil assado!” Antes disso, contudo, o aluno traz vários outros elementos para o texto. Além das alterações já mencionadas, o autor introduz a figura de uma “bruxa do bem”, algo que não estava prescrito entre as palavras que deveriam norteá-lo na confecção de seu texto. Nessa instrução, aparecia apenas “bruxa”, que supostamente deveria ser má como no conto original, pois da lista de palavras “que sugerem uma história” a única “exceção” (CEREJA; MAGALHÃES, 2009, p. 43) seria justamente o “pernil”. 14

Há diferentes versões do conto. Em algumas delas, os pais abandonam as crianças na floresta por não terem condições de as sustentarem. Em outras, as crianças não se perdem, mas se afastam dos pais, pois “João e Maria estão convencidos de que os pais planejam deixá-los morrer de fome” (BETTELHEIM, p. 172, 1976).

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Essa pequena subversão que o aluno faz da proposta não parece vir exclusivamente de sua individualidade como escrevente (ou de sua criatividade como escritor), mas do diálogo que mantém com a proposta não se limitando apenas à lista de palavras propriamente referente ao conto “João e Maria”. Logo acima dessa lista, estão os termos a serem empregados pelo aluno que escolhesse recontar a história da Bela Adormecida: “Bela Adormecida – príncipe encantado – conjunto de rock – bruxa boa” (CEREJA; MAGALHÃES, 2009, p. 43). Aparece nessa lista a expressão “bruxa boa”, levando à hipótese de que o discente se apropria dessa ideia – pertencente a “outra” lista –, adaptando-a sob a forma da “bruxa do bem”, conforme aparece em seu texto. Assim, na redação se apreende um enunciado anterior alheio, mas seu emprego já está sob nova diretriz. Como observa Bakhtin ([1952-1953], p. 294): “Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados [...] é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade, de um grau vário de apercebilidade e de relevância”. Por isso se conjectura que a referência à “bruxa do bem” ecoa, de algum modo, a expressão “bruxa boa” da proposta do exercício, através de uma assimilação próxima, mas não coincidente. Não repete a palavra do outro, mas a substitui por uma “similar”. A “apercebilidade”, nesse caso, pode ser menor do que a evidenciada em uma repetição, mesmo assim a expressão “bruxa do bem” expõe um diálogo entre a redação e a proposta e seus termos. Outro diálogo do aluno com a instrução do exercício do livro didático é a alusão aos “poderes do mal” de Maria. Isso possivelmente provenha do item “b” da proposta que sugeria: “Se quiser, dê ao herói (ou ao vilão) poderes mágicos”, frente a que o aluno escolhe dar à vilã15 poderes mágicos. Esses feitiços são classificados como “poderes para o mal”, até que com o desenrolar da narrativa mude-se essa qualificação, pois Maria prometerá que seus “poderes serão para o bem”. De todo modo, não aparece no texto do aluno a expressão “poderes mágicos”. Conforme já comentado, mesmo que não haja uma repetição ipsis litteris, é possível falar em diálogo do texto com a proposta do livro didático. O aluno acata as instruções presentes no 15

Interessante notar que o autor se dirige à hipótese menos privilegiada, aquela colocada entre parênteses. Como bem nota Barros (2003, p. 78), o mais comum é considerar as intercalações – como o que figura entre parênteses – como “situadas na face negativa de dicotomias como essencial/acessório, relevante/irrelevante, central/descentrado”. Se o mais relevante, conforme sugerido pelo livro didático, seria eleger o herói para destinar os poderes mágicos, contrariamente o aluno opta pelo descentrado, colocado na intercalação.

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livro, mas as palavras alheias são retomadas com “grau vário” “de assimilabilidade”, “de apercebilidade e de relevância”. Por esses aspectos, é perceptível que o autor do texto obedeceu à proposta e buscou inserir elementos que compusessem outra história, propondo um destino diverso às personagens. Assim, sua redação é uma “‘resposta’ no sentido amplo” (BAKHTIN, [19521953], p. 297) às instruções do livro didático e às solicitações da professora. É atendendo a essas indicações, é dialogando com elas, que o aluno compõe seu texto, sustentado em, pelo menos, três relações dialógicas com enunciados exteriores, pois se reporta (i) ao conto original, (ii) à proposta do livro e (iii) às indicações da professora. Além dessas relações dialógicas do texto com enunciados exteriores, também é possível observar vínculos dialógicos no interior da narração. Dentre esses elos dialógicos destaca-se primeiramente a discussão entre João e Maria, no seguinte trecho da redação: “– Maria, deixe de ser má, você não pode maltratar os outros. Um dia você passou por isso. Ela olhou bem sério para ele e disse: – Você disse bem, ‘já passei’ e não sou mais!”. Nesse fragmento é perceptível uma relação dialógica explícita, com o autor se utilizando das aspas para marcar no discurso direto a retomada da voz de uma personagem no interior da voz de outra. Segundo Bakhtin ([1952-1953], p. 275): “Por sua precisão e simplicidade, o diálogo é a forma clássica de comunicação discursiva. Cada réplica, por mais breve e fragmentária [...] suscita resposta, em relação à qual se pode assumir uma posição responsiva”. Além disso, Bakhtin ([1952-1953], p. 275) indica que podem existir “entre as réplicas do diálogo – as relações de pergunta-resposta, afirmação-objeção, afirmaçãoconcordância, proposta-aceitação ordem-execução, etc.”. A fala de Maria, por exemplo, mostra sua posição responsiva, nesse diálogo marcado por uma relação de afirmação-negação 16 , especialmente clara pelo destaque conferido às “palavras do outro” colocadas entre aspas17. Na ocorrência, a retomada da palavra outra entre aspas é ilustrativa do estilo linear de citação, quando:

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Embora Bakhtin não fale em relação de “afirmação-negação”, essa parece uma relação possível, dentre aquelas em aberto pelo “etc”. Das alternativas listadas por Bakhtin, a mais próxima daquela observada na redação seria a de “afirmação-objeção”, que ainda assim não contemplar exatamente a relação entre os enunciados, pois a irmã, mais do que objetar contra o irmão, nega seu enunciado. 17 Em Problemas da poética de Dostoiévski, Bakhtin discute o uso das aspas em Dostoiévski em várias passagens (como, por exemplo, nas páginas 239, 252, 253 da edição consultada).

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A língua pode esforçar-se por delimitar o discurso citado com fronteiras nítidas e estáveis. Nesse caso, os esquemas linguísticos e suas variantes têm a função de isolar mais clara e mais estritamente o discurso citado, de protegê-lo de infiltração pelas entoações próprias do autor [...] (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929/1963, p. 155).

Trata-se de um estilo de apreensão da palavra alheia que a mantém à distância, com uma evidente separação entre a voz citante e a citada. As aspas que isolam as palavras supostamente pronunciadas por João mostram justamente essa distância em relação ao discurso alheio. Outro exemplo de relações dialógicas é a interpretação dada por João ao seguinte enunciado de Maria: “Na hora que quiser posso me tornar mais poderosa”. Contestando a colocação da irmã, João observa: “Poderes para o mal!”. Para Bakhtin ([1952-1953], p. 275), “o falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva”. O pensador russo atribui importância à relação entre um enunciado proferido e sua possível réplica, a “sua compreensão ativamente responsiva”. No caso, João retoma a voz de Maria, mas atribui às palavras dela uma nova orientação. Conforme lembra Bakhtin ([1952-1953], p. 295), “assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos” as palavras dos outros empregadas nos enunciados próprios. Por isso o que fora positivamente caracterizado por Maria – que se considera muito “poderosa” – é reacentuado no enunciado de João de uma perspectiva depreciativa, ao considerar que tais poderes são “para o mal”. Outro exemplo de relações dialógicas circunscritas ao interior da narrativa é a passagem: “Era, na verdade, uma bruxa do bem e disse que se ela não passasse a gostar do povo iria perder seus poderes”. Tem-se, nesse caso, um exemplo do estilo linear de citação, já que as “fronteiras que separam o discurso citado do resto da enunciação são nítidas e invioláveis” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929, p. 156). No discurso do narrador, as palavras da bruxa são reportadas a partir de “disse que”. O verbo dicendi e a conjunção introduzem a voz reportada da personagem, através de um discurso indireto analisador do conteúdo, em que objetivo principal é reproduzir “o quê se disse” não como isso fora dito (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929). Segundo Bakhtin/Volochínov (1929, p. 166, grifo do autor), no discurso indireto analisador do conteúdo:

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“A enunciação de outrem pode ser apreendida como uma tomada de posição com conteúdo semântico preciso por parte do falante, e nesse caso, através da construção indireta, transpõe-se de maneira analítica sua composição objetiva exata (o que disse o falante)”. Outro aspecto dialógico a ser notado é a relação da redação com o gênero conto de fadas, pois o texto do aluno, por exemplo, se inicia pelo clássico “Era uma vez” e se encerra com “foram felizes para sempre”. Uma relação que, inclusive, atesta a observação de Bakhtin (1929/1963, p.121, grifo do autor): “Por sua natureza mesma, o gênero literário reflete as tendências mais estáveis, ‘perenes’ da evolução da literatura. O gênero sempre conserva os elementos imorredouros da archaica. [...] O gênero vive do presente mas sempre recorda seu passado, o seu começo”. Para realizar a “recontagem” o aluno se apoia naquilo que é julga característico do gênero. Mesmo que indiretamente, o texto do aluno rememora a “archaica” do gênero e atualiza essa tradição. A propósito, Gomes-Santos (1999, p. 76) observa: “Seja como ‘captação’ ou como ‘subversão’, é preciso reiterar que o caráter de imitação do gesto de ‘recontar’ constitui-se como ‘circulação imaginária’ de escreventesalunos pelo que supõem ser, por exemplo, o gênero em que enunciam”. Ou seja, uma característica básica do “gesto de recontar” (GOMES-SANTOS, 1999) é a relação do escrevente que se baseia em um gênero (“captação”), mas também pode modificá-lo (subversão). Isso mostra a relativa estabilidade do gênero (BAKHTIN, [19521953]), cuja flexibilidade permite alterações, embora se mantendo as características básicas que o definem. Há, assim, uma relação dialógica entre a redação e a tradicional história de João e Maria não apenas em termos de conteúdo temático, mas também no âmbito dos aspectos composicionais que singularizam o gênero conto de fadas. Ao retomar dialogicamente o conto “João e Maria”, o aluno não apenas “parafraseia”, de certo modo, a história, mas apreende as bases do gênero discursivo que procura “imitar” em sua recontagem. Nesse sentido, são mantidos personagens – João e Maria – e o caráter do gênero discursivo conto de fadas com, por exemplo, o tradicional início do “Era uma vez” e o esperado final “foram felizes para sempre”. Há, além disso, como comumente nos contos de fadas, a presença de elementos mágicos, de “poderes” sobrenaturais. Nessa narrativa, portanto, notam-se vínculos dialógicos internos e externos. Entre os primeiros estão aqueles circunscritos aos diálogos das personagens ou à retomada da voz de uma personagem por outra ou pelo narrador. Ao lado dos elos interiores à narrativa, observam-se relações dialógicas da redação com enunciados exteriores, pois o aluno atende à 23


solicitação da professora, às instruções do livro didático, além de manter vínculos dialógicos com o conto tradicional a ser recontado. Em síntese, essa redação apresenta elos dialógicos, sejam ligando a redação a vozes exteriores, sejam materializando relações dialógicas internas ao texto. Seguindo a análise, examina-se uma narrativa composta por aluno de 3ª série do ensino médio. Diferentemente da primeira redação, esta não parte de proposta de livro didático, mas exclusivamente de instruções dadas pelo professor18, que solicitou aos alunos produzir uma redação na qual: (i) narrassem uma experiência própria ou vivida por alguém que conhecessem, (ii) recontassem o enredo de um conto, romance ou filme, ou (iii) criassem um enredo inédito a partir de seus conhecimentos. A seguir transcreve-se a redação19:

Um momento divino Era o fim de uma tarde insolarada, em um ambiente praiano, quando me dei conta que nunca tinha visto o pôr do sol. Eu e meus amigos estavamos passando alguns dias de férias na praia de Ulpanema. Era a primeira vez que eu participava de uma viagem desse tipo. Ela havia sido muito divertida (apesar das noites mal dormidas, por causa dos meus colegas que insistiam em atrapalhar o sonho alheio), e eu queria aproveitar ao máximo o último dia. Então depois de aproveitar bem a tarde na praia com os meus amigos, eu notei que a tarde estava acabando, e o mundo a minha volta ia ficando mais escuro. Foi quando a minha ficha caiu, eu nunca havia parado para olhar o pôr-do-sol. Era estranho pois eu já tinha dezessete anos de idade e nunca havia visto o pôr-do-sol, durante minha vida mais de seis mil vezes o sol havia se posto, e eu nunca tinha parado para ver aquela enorme estrela desaparecer no horizonte. Então eu simplesmente me sentei e olhei para o sol, aproveitando que naquele momento seus raios não feririam meus olhos. Meus amigos queriam voltar logo para a casa que tinhamos alugado, então eles gritavam em onissono “Vamos embora”, bem alto para que o chamado alcançasse meus ouvidos distantes. Mas eu os ignorei, não me virava para respondê-los. Eu não ousaria desviar meu olhar do astro rei, no exato momento em que sua beleza era acessivel a olho nu. Enquanto eu olhava para aquele lindo e dourado pôr-do-sol, me veio uma lembrança na mente. Eu havia lido que os gregos antigos acreditavam que o sol era uma carruagem dourada guiada pelo deus Apolo. A crença diz que essa carruagem era tão linda, brilhante que só poderia ser contemplada pelos deuses e o mortal que se atrevesse a olhar para a carruagem, receberia como punição a maldição da cegueira. Então depois do último vestígio do sol desaparecer no horizonte, eu me levantei e acompanhei meus amigos. Foi ai que eu me dei conta que o que eu havia presenciado tinha sido algo lindo, tinha sido algo divino.

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O professor é Marcos Paulo de Azevedo, um dos autores deste texto. A fim de preservar a identidade do aluno, omite-se seu nome. A grafia original do texto é preservada.

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Como no exemplo anterior, essa redação é uma “resposta” à solicitação do professor, atendendo à sugestão de compor o enredo a partir de experiências pessoais. Escrita em primeira pessoa e tendo o narrador-personagem como herói, a narrativa descreve um episódio realmente vivido pelo autor, que o adaptou para a narrativa, conforme atesta a passagem: “Eu e meus amigos estavamos passando alguns dias de férias na praia de Ulpanema. Era a primeira vez que eu participava de uma viagem desse tipo”. Ao narrar esse episódio vivido por ele, o aluno atende à proposta do professor, o que já é esperado, dado o objetivo das indicações do docente ser exatamente o de nortear a produção do discente. Caso este não seguisse as instruções haveria alguma inadequação, seu texto não estaria atendendo às exigências do contexto de produção. Veja-se que para Bakhtin/Volochínov (1929, p. 117, grifo do autor): “A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir de seu próprio interior, a estrutura da enunciação”. No caso, a situação social mais imediata envolve a tarefa proposta ao aluno, dentro do contexto social mais amplo da educação formal, representada pela instituição escolar. Assim, o aluno busca atender às instruções do professor, para participar (adequadamente) daquilo que lhe é sugerido ou imposto pela situação social imediata e pelo meio social mais amplo. Nesse contexto de comunicação é de fundamental importância o enunciado do professor, instrução à qual o aluno dialogicamente procura responder ativamente em sentido amplo (BAKHTIN, [1952-1953]). Além disso, tratando-se de narrativas, é possível vislumbrar relações dialógicas entre as vozes das personagens, entre as vozes do narrador e das personagens e, também, entre a redação e referências externas à narrativa. Com relação a esse último aspecto, vê-se que o enredo gira em torno de uma alusão que o narrador-personagem faz à mitologia grega. Na sociedade ocidental estão presentes no imaginário coletivo mitos herdados da cultura greco-romana, cujos valores foram e são amplamente difundidos. Bastaria citar o mito da esfinge que engolia quem não conseguisse decifrar seu enigma, ou da lenda de Hércules, o semideus que derrotou Medusa com um espelho, ou ainda a grandeza de Zeus, deus do céu e da terra, e de Posêidon, deus dos mares. Esses e outros mitos foram repassados (muitas vezes, com modificações e adaptações) de geração em geração oralmente ou por meio de livros. Como se isso não bastasse, o cinema atual não raramente exibe em suas telas filmes com essa temática.

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Fato é que o aluno, de uma forma ou de outra, esteve em contato com um desses mitos e o trouxe para sua redação, dialogando, assim, com uma fonte externa ao texto. Reproduz-se trecho da redação em que é citado o mito de Apolo, deus do Sol: Enquanto eu olhava para aquele lindo e dourado pôr-do-sol, me veio uma lembrança na mente. Eu havia lido que os gregos antigos acreditavam que o sol era uma carruagem dourada guiada pelo deus Apolo. A crença diz que essa carruagem era tão linda, brilhante que só poderia ser contemplada pelos deuses e o mortal que se atrevesse a olhar para a carruagem, receberia como punição a maldição da cegueira.

Segundo a personagem, o contato com mito teria se dado por meio da leitura: “Eu havia lido que os gregos antigos acreditavam que o sol era uma carruagem dourada guiada pelo deus Apolo”. Embora não seja mencionada qualquer fonte de leitura, observa-se, por exemplo, n’O livro de ouro da mitologia (BULFINCH, 2006), menção ao pedido de Faetonte, solicitando do deus Apolo que prove ser seu pai. Como garantia do parentesco, Apolo promete realizar qualquer desejo do filho, mas se arrepende, pois Faetonte almeja guiar o carro do Sol, tarefa impossível para um mortal. Notam-se, assim, aspectos aludidos pelo narrador-personagem, como a suposta crença grega na existência do Sol ser uma carruagem guiada por Apolo, a qual era impossível ser contemplada diretamente por um homem. É o que se nota nesta passagem do mito: “O filho de Climene20 subiu a escadaria de acesso e entrou no palácio de seu pai. Aproximou-se, mas parou a distância, pois a luz [do Sol] era mais forte do que podia suportar” (BULFINCH, 2006, p. 50). A seu modo, portanto, a personagem da redação dialoga com esse mito, segundo o qual o mortal que olhasse para a carruagem de fogo, o Sol, ficaria cego. Na relação entre a redação e o mito pode se ver um elo dialógico. Segundo Bakhtin ([1952-1953], p. 271): Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. A compreensão passiva do discurso ouvido é apenas um momento abstrato da compreensão ativamente responsiva real e plena, que se atualiza na subsequente resposta em voz real alta.

Ainda segundo Bakhtin ([1952-1953], p. 272), “tudo o que aqui dissemos refere-se igualmente, mutatis mutandis, ao discurso escrito e ao lido”. Assim, a alusão da personagem 20

Faetonte é filho de Climene.

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ao mito pode ser entendida como a “compreensão responsiva” do aluno a respeito de mito, previamente conhecido. Em outras palavras: ao ler ou escutar algo acerca desse mito, o discente possivelmente se posicionou inicialmente de forma silenciosa, já que não se exigiu dele qualquer resposta imediata. Porém, “como toda compreensão é prenhe de resposta”, por meio da redação, o aluno teve a oportunidade de se tornar escritor e responder ativamente, valendo-se de seu conhecimento prévio, dialogando explicitamente com o mito. A esse processo Bakhtin ([1952-1953], p. 272) chamou de “efeito retardado: cedo ou tarde, o que foi ouvido e ativamente entendido responde nos discursos subsequentes ou no comportamento do ouvinte”. Por essa via, um discurso exterior ao texto, o discurso acerca do mito, é trazido para a narrativa. Para Bakhtin é fundamental compreender como o discurso do outro é retomado, o que implica conhecer o valor dado pelo enunciador a esse discurso. Ao citar o discurso alheio, pode-se manter distante para melhor demarcar as fronteiras entre o discurso próprio e o de outrem ou permitir que os mesmos se confundam. Na redação analisada predomina a primeira atitude: aquela que delimita nitidamente as fronteiras entre o discurso do outro e o discurso do narrador ou autor. Segundo Bakhtin/Volochínov (1929) trata-se do “estilo linear”, em que o sentido do discurso do outro seria preservado, sem a pretensão de modificá-lo, reacentuá-lo ou ironizá-lo. Dentro do possível, a voz alheia seria resguardada da “infiltração” das “entonações próprias” do “autor” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929, p. 149). Conforme Bakhtin/Volochínov, uma das verbalizações do estilo linear é o discurso indireto em sua “variante analisadora do conteúdo”, que: [...] apreende a enunciação de outrem no plano meramente temático e permanece surda e indiferente a tudo que não tenha significação temática. E [...] abre grandes possibilidades às tendências à réplica e ao comentário no contexto narrativo, ao mesmo tempo que conserva uma distância nítida e estrita entre as palavras do narrador e as palavras citadas. Graças a isso, ela constitui um instrumento perfeito de transmissão do discurso de outrem em estilo linear (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929, p. 161, grifo do autor).

Tal variação do discurso indireto se faz presente no seguinte trecho da redação: “A crença diz que essa carruagem era tão linda, brilhante que só poderia ser contemplada pelos deuses e o mortal que se atrevesse a olhar para a carruagem, receberia como punição a maldição da cegueira”. O interesse do narrador-personagem ao fazer essa citação é, sobretudo, transmitir de forma clara a mensagem, no “plano meramente temático”, do discurso do outro. Não se procura, por exemplo, realizar juízos de valor ou interferências no sentido da voz 27


alheia, mas reproduzir o discurso do outro, mantendo, na medida do possível, uma “distância nítida”. Outra relação dialógica se estabelece entre o narrador-personagem e as demais personagens, a quem ele chama de “amigos”, cuja única é a oração “Vamos embora”. Entre aspas, a frase mostra, também, o emprego da palavra do outro em “estilo linear”, quando o narrador estabelece uma fronteira clara entre sua palavra e a palavra do outro. Porém, se no exemplo anterior a palavra do outro aparecia no discurso indireto, neste é o discurso direto que serve para transmitir as palavras das personagens, isoladas pelas aspas. A propósito, essa fala dos amigos é simplesmente ignorada pelo narradorpersonagem, como ele próprio relata. Ainda assim, o fio dialógico não foi rompido pela falta de uma resposta verbalizada. O silêncio é entendido pelos amigos, que se afastam, deixando-o sozinho. Aliás, Bakhtin ([1952-1953]) já dissera ser o silêncio uma forma de resposta. Interessante notar a diferença entre essa citação e a referência ao mito de Faetonte. Quando o narrador reproduz a voz de seus amigos, as relações dialógicas permanecem no âmbito da redação, são relações dialógicas interiores. Já na alusão à mitologia grega, observase uma relação dialógica externamente orientada para um discurso além da redação. Vale distinguir também que, se em ambas as ocorrências a voz do outro é reproduzida em estilo linear, a fábula grega é transmitida em discurso indireto, enquanto a voz das personagens é reproduzida em discurso direto. Ou seja, o estilo é o mesmo – o linear –, mas os tipos de discurso empregados para retomar as vozes alheias são diferentes – ora é discurso indireto, ora direto.

Considerações finais

Do desenvolvimento deste estudo, em que se discorreu sobre a forma como os elos dialógicos se apresentam nas narrativas examinadas, destacam-se alguns pontos. No primeiro texto, “João e Maria no seu castelo”, destacaram-se na análise os diálogos entre as personagens e referências à versão mais conhecida do conto “João e Maria”. Quanto ao primeiro ponto, notou-se a utilização tanto de discurso direto quanto de indireto, bem como a demarcação da fala de uma das personagens com o uso das aspas. Acerca do segundo ponto, indicou-se a preservação de elementos pertencentes ao conto tradicional, com a manutenção de personagens, de seu grau de parentesco, certos elementos fantásticos e características próprias dos contos de fadas. Ao lado disso, destacou-se também a inserção de

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novos elementos no texto, que respondiam às indicações da professora e à proposta do livro didático. Na segunda narrativa, “Um momento divino”, indicaram-se os elos dialógicos que marcavam o texto como uma resposta à proposta do professor, além de se destacarem as relações dialógicas entre as personagens e o diálogo da narrativa com referências externas. Como apontado, há um forte elo entre o texto do aluno e a proposta do qual se origina, pois, como solicitara o professor, o escrevente procura narrar um fato de sua vida, uma viagem supostamente feita por ele a uma praia, oportunidade em que se detém a observar com especial atenção o crepúsculo. Ainda nessa redação, observa-se a presença de um narradorpersonagem que, em “estilo linear”, refere-se a um fato exterior à narrativa: o mito grego da carruagem do Sol. Na redação observa-se também uma relação dialógica no “diálogo” entre o narrador-personagem e seus amigos. Nas narrativas analisadas há algumas semelhanças quanto às relações dialógicas. Tanto em “João e Maria no seu castelo” como em “Um momento divino”: (i) discurso direto e indireto constituem a narrativa; (ii) há delimitação de vozes das personagens por meio de aspas; (iii) são encontrados elementos externos às narrativas, (iv) os textos nascem do diálogo com as propostas dos professores e do livro didático. Um ponto de distinção entre as redações é o modo como as referências externas são inseridas. Em “João e Maria no seu castelo”, alguns aspectos são mantidos na recontagem do conto infantil, porém o autor traz também elementos distintos daqueles presentes na obra original, a exemplo da “maldade” de Maria e de seus poderes mágicos. Já em “Um momento divino”, a introdução de um fato externo (o mito do carro do Sol) acontece praticamente sem nenhuma alteração. O autor cita o mito sem fazer grandes modificações, até mesmo porque parece interessar ao narrador (e ao autor) empregar o mito de modo próximo ao “original”, de modo próximo ao que conhecia. Na análise dessas duas redações vislumbram-se alguns traços dos elos dialógicos nas relações entre as personagens, entre essas e o narrador e entre os textos e referências externas. Além disso, é importante notar que essas relações dialógicas se textualizam de diversos modos: através de discurso direto ou indireto, pelo emprego ou não de aspas, procurando-se manter a integridade da voz alheia citada ou nela intervindo incisivamente. Todos esses pontos atestam a concepção dialógica de linguagem proposta pelo Círculo de Bakhtin. E, mais do que isso, indicam a necessidade de se ir além de noções primárias que apenas atestam, afirmam ou supõem a existência de vozes (de autor, narrador e personagens) nas narrativas. Para além da óbvia presença dessas vozes, interessa ver como elas dialogam no interior do texto e, quando 29


for o caso, como se configuram os diálogos com textos exteriores. Assim, a apreciação dos textos narrativos pode mostrar novas perspectivas, escondidas por trás de uma aparente banalidade.

Referências bibliográficas

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II

A INTERAÇÃO LINGUÍSTICA NAS PRÁTICAS DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS Moises Batista da Silva Rissia Oscaline Garcia Kátia Cilene David da Silva

MOISES BATISTA DA SILVA é doutor em Linguística pela Universidade Federal do Ceará. Professor Adjunto IV, da Faculdade de Letras e Artes, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/UERN/Mossoró/RN). Atua, principalmente, nas seguintes linhas de pesquisa: Descrição e Análise Linguística, com ênfase em Dialetologia, Sociolinguística e Lexicografia; Linguística Aplicada, com ênfase em Ensino e Aprendizagem de língua materna; Linguística Textual, com ênfase nos estudos sobre gêneros textuais, práticas de leitura e produção de textos. Também membro do Grupo de Pesquisa em Estudos Linguísticos e Literários (GPELL/UERN). falamoises@gmail.com RISSIA OSCALINE GARCIA possui graduação em Letras (2005), com habilitação em Língua Portuguesa, e Especialização em Leitura e Produção Textual (2009), pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Atualmente, atua como professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino (Mossoró-RN). Também é estudante do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/UERN/Mossoró/RN). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa, Análise do Discurso e Gêneros Textuais. : rissiaoscaline@yahoo.com.br KATIA CILENE DAVID DA SILVA possui graduação em Licenciatura em Língua Português e Língua Espanhola e respectivas literaturas pela Universidade Estadual do Ceará; Tem mestrado e doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Ceará. Foi professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e, atualmente, é professora do Curso de Letras (Espanhol) da Universidade Federal do Ceará. Atua nas linhas de pesquisa: Descrição e Análise Linguística, com ênfase em Sociolinguística e Linguística Aplicada, com ênfase em Ensino e Aprendizagem de língua materna e espanhola. E-mail: katiacilenedavid@yahoo.com.br 32


Introdução Ver a linguagem como um lugar de interação humana, significa dizer que com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos que não preexistiam à fala. Por isso, a linguagem, com certeza, é essencial para o desenvolvimento de todo e qualquer homem, como também é condição primordial para apreensão de conceitos que permitem aos sujeitos compreender o mundo e nele agir.

Este artigo tem como objetivo principal abordar a

linguagem como lugar de interação, como também apresentar, a partir dessa concepção de linguagem, como as práticas de leitura e produção textual se processam no ensinoaprendizagem da língua. Primeiramente, apresentaremos algumas considerações gerais sobre a linguagem no contexto do ensino. Nesse momento, de forma mais aprofundada, também apresentaremos algumas considerações sobre o modelo sócio-histórico de M. Bakhtin sobre a interação na linguagem. Depois, discorremos sobre a linguagem em seu funcionamento discursivo e as práticas de leitura e produção de textos que levam em conta a interação verbal. E, justamente, por compreendemos que a produção de um discurso não acontece no vazio, julgamos necessário também refletir, ainda nesse ponto, sobre as condições de produção da atividade interativa de escrever textos. Essas reflexões serão fundamentadas com base, principalmente, nas orientações de Geraldi (2013) e Bronckart (1999), para que possamos entender melhor a relação entre autor/texto/leitor. 1 Considerações sobre a linguagem no ensino

Na concepção que vê a linguagem como forma de interação, o usuário da língua realiza ações e atua sobre o interlocutor. Para Travaglia (2003, p. 23): A linguagem é pois um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em uma contexto sócio-histórico e ideológico. Os usuários da língua ou os interlocutores interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais e “falam” e “ouvem” desses lugares de acordo com informações imaginárias (imagens) que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais.

A língua só tem existência no jogo que se articula na interlocução. Portanto, estudar a língua é tentar detectar compromissos que se criam através da fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para falar de certa forma em certa situação concreta de 33


interação. É por isso que Geraldi (2013, p. 5) afirma: “é crucial dar à linguagem o relevo que de fato tem: não se trata evidentemente de confinar a questão do ensino de língua portuguesa à linguagem, mas trata-se da necessidade de pensá-lo à luz da linguagem.” E isso se dá na interlocução, que é o espaço de produção de linguagem de constituição de sujeitos. Focalizar, então, a interação verbal como o lugar da produção da linguagem e dos sujeitos que se constituem pela linguagem, significa admitir: a) que a língua (no sentido sociolinguístico do termo) não está de antemão pronta, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-la segundo suas necessidades específicas do momento de interação, mas que o próprio processo interlocutivo, na atividade de linguagem, a cada vez a (re)constrói; b) que os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem, com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como ‘produto’ deste mesmo processo. Neste sentido, o sujeito é social já que a linguagem não é o trabalho de um artesão, mas trabalho social e histórico seu e dos outros e é para os outros e com os outros que esta se constitui. Também não há um sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um sujeito se completando e se construindo nas suas falas; c) que as interações não se dão fora de um contexto social e histórico mais amplo; na verdade, elas se tornam possíveis enquanto acontecimentos singulares, no interior e nos limites de uma determinada formação social, sofrendo as interferências, os controles e as seleções impostas por esta. (GERALDI, 2013, p. 28).

Assim, constatamos que, quando falamos, dependemos não só de um saber prévio de recursos expressivos disponíveis, mas de operações de construção de sentidos destas expressões no próprio momento de interlocução. E construir sentidos no processo interlocutivo, demanda o uso de recursos expressivos. Mas o ato de falar não é só apropriar-se de um sistema de expressões pronto. Se fosse assim, não haveria construção de sentidos. 1.1 A visão sócio-histórica de M. Bakhtin sobre a linguagem

Por falar de interação na linguagem, vejamos agora algumas considerações sobre o modelo linguístico sócio-histórico de Bakhtin que nos ajudar a entender melhor a questão da interação na linguagem. Isto porque, para Bakhtin, a linguagem é vista como atividade interativa, marcada pelo diálogo face a face. O seu objeto de estudo é este diálogo verbal e a sua unidade de análise é o enunciado. Em sua teoria, podemos perceber que uns dos conceitos básicos mais trabalhados são: o signo ideológico, os gêneros do discurso, a alteridade, a heterogeneidade discursiva e a polifonia. 34


Na obra “Estética da Criação Verbal”, Bakhtin diz que existe uma alternância dos sujeitos falantes e que esta alternância é observada de forma clara e direta no diálogo; nele, os enunciados dos interlocutores alternam-se regularmente. O diálogo (interação) além de ser o objeto de estudo do modelo teórico de Bakhtin, é também a forma clássica da comunicação verbal. O diálogo possui um acabamento específico que expressa a posição do locutor, sendo possível tomar, com relação a esta posição, um posicionamento responsivo. Este acabamento é um dos traços fundamentais do enunciado. Para Bakhtin (2011) o enunciado é a unidade real da comunicação verbal. E continua dizendo:

A fala só existe, na realidade, na forma concreta dos enunciados de um indivíduo: do sujeito de um discurso-fala. O discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma. Quaisquer que sejam o volume, o conteúdo, a composição, os enunciados sempre possuem, como unidades da comunicação verbal, características estruturais que lhes são comuns, e, acima de tudo, fronteiras claramente delimitadas. (p. 293).

E quando se fala que em Bakhtin a linguagem era vista como atividade interativa, isso quer dizer que ele tinha uma concepção dialógica da linguagem. Por isso mesmo, é que, em torno do seu conceito de signo, vai ser elaborado o conceito de dialogia. Sobre o signo, em sua obra “Marxismo e Filosofia da linguagem”, Bakhtin (1986) diz que

o produto ideológico faz parte de uma realidade(natural ou social) como todo corpo físico, um instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete e algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia” [...] E mais adiante fala: “Os signos só podem aparecer em um terreno interindividual. Ainda assim, trata-se de um terreno que não pode ser chamado da “natural” no sentido usual da palavra: não basta colocar face a face dois homo sapiens quaisquer para que os signos se constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma unidade social): só assim um sistema de signos pode constituir-se. A consciência individual não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social (Op. Cit., p. 31-35).

Resumindo, para Bakhtin, os signos apenas surgem numa situação e num grupo social. Neles, a interação se realiza através dos enunciados que permeados pelas vozes dos outros. É dessa forma que entendemos que a polifonia é “o coro de vozes que se manifesta

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normalmente no discurso, já que o pensamento do outro é constitutivo do nosso, não sendo possível separá-los radicalmente.” (KOCH,2011).

2 A linguagem e as práticas de leitura e produção de textos

Tratar a linguagem em funcionamento discursivo é ver a linguagem como efetivamente a usamos. Neste funcionamento, podemos perceber alguns os objetivos dos interlocutores, as imagens recíprocas que eles fazem um do outro e o conhecimento de mundo que são portadores. A respeito desse assunto, Costa Val (1992, p.1), diz:

Reconhecer esses elementos como integrantes do processo de significação que se constitui na/pela atividade implica conceber a linguagem como forma de interação cujo funcionamento prevê sua relação com as circunstâncias da enunciação. O código linguístico – a estrutura fonológica, morfológica e sintática da língua, aspecto privilegiado pela escola – é uma das dimensões desse fenômeno. Além dessa dimensão formal, é preciso considerar a dimensão semântica – a relação da língua com os sistemas de representação da realidade – e a dimensão pragmática – a relação da língua com seus usuários.

Tudo isso, como mesmo diz a autora, converge para um ponto: reconhecer a dimensão pragmática da língua implica reconhecer também o discurso, que é a unidade comunicativa básica, como objeto por excelência do estudo da língua. O que isso quer dizer? Quer dizer que se o professor e a escola começarem a ver a linguagem por esse lado, acontecerá uma grande mudança: o objeto não será apenas o código linguístico, mas também os processos de produção de textos, por meio dos quais os usuários da língua exercitam no processo de aquisição e desenvolvimento da escrita e, consequentemente, da leitura.

2.1 A inteiração através da leitura

Primeiramente, ressaltamos algumas observações sobre as práticas de leitura realizadas, no geral, dentro da sala de aula. Tais observações são: a) a escola não tem dado à leitura o espaço que lhe é devido; b) a leitura na escola tem sido mero pretexto para outras atividades e pouco produtivas para o aprendizado da língua; c) a leitura na escola se limita quase sempre aos textos veiculados pelos livros didáticos; d) a monotonia e a mesmice na 36


metodologia dos professores não motivam os alunos para a leitura; e) praticamente não há uma verdadeira interação linguística entre escritor/professor/aluno, porque a leitura que é feita na maioria das vezes é uma leitura já autorizada e veiculada nos livros didáticos. Mas, as teorias linguísticas contemporâneas têm lutado para mudar essas práticas, como também contribuído de forma significativa para que tenhamos uma nova concepção de texto e de leitura com uma nova postura metodológica. Por isso é que Orlandi (2012, p.41) destaca alguns componentes das condições de produção da leitura: para um mesmo texto, leituras possíveis em certas épocas não o foram em outras, e leituras que não são possíveis hoje serão futuramente; Há diferentes tipos de discurso. Por exemplo, antigos textos sânscritos sagrados são lidos hoje como textos literários; Existe um modo de leitura que pode ser remetido às distinções de classes sociais; Há leituras previstas para um texto, mesmo que essa previsão não seja total, já que sempre são possíveis novas leituras dele; Todo leitor tem sua história. Sobre isso, Orlandi (Op. Cit., p. 43) comenta que: Leituras já feitas configuram – dirigem, isto é, podem alargar ou restringir – a compreensão de texto de um dado leitor. O que coloca, também para a história do leitor, tanto a sedimentação de sentidos como a intertextualidade, como fatores constitutivos da sua produção. Em suma, as leituras já feitas de um texto e as leituras já feitas por um leitor compõem a história da leitura em seu aspecto previsível.

De acordo com os estudos da autora citada acima, podemos dizer que os sentidos são constituídos no ato da leitura e, por isso, são distintos de leitor para leitor. Nesse espaço, os interlocutores se deparam e se definem no que diz respeito às suas próprias condições de produção, sendo que o ato de ler é configurando a partir delas. Desse modo, podemos constatar que a leitura não é apenas um ato de decodificação da palavra escrita. Trata-se de uma ação dotada de sentido social, reflexivo, crítico e construtivo. A leitura funciona como processo de interação do indivíduo com a sociedade. A leitura se constitui, assim, num caminho de acesso a todos que desejam a obtenção da interação. A mesma só se fortalece quando praticada constantemente e numa perspectiva crítica, através da qual o leitor se posiciona não apenas diante do quê, mas perante o mundo e a sociedade que ele traduz. Ou seja, o leitor, não só recebe, mas também constrói um significado global para o texto. Isto quer dizer que ele busca pistas formais, antecipa essas pistas, formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões. Já o autor procura basicamente a adesão do leitor. Por isso, o autor apresenta, da forma melhor possível, os

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argumentos que ele acha convincentes através das pistas formais para facilitar o alcance dos seus objetivos. Sobre esta relação entre o leitor e o autor por meio da leitura, Kleiman (2013, p. 65) afirma: “Mediante a leitura, estabelece-se uma relação ente o leitor e o autor que tem sido definida como de responsabilidade mútua, pois ambos têm a zelar para que os pontos de contato sejam mantidos, apesar das divergências possíveis em opiniões e objetivos.” Isto implica dizer que, na leitura, a atuação tanto do autor quanto do leitor são importantíssimas. Nela, o autor deve deixar suficientes pistas no seu texto para permitir ao leitor a reconstrução do caminho que ele percorreu. Por outro lado, o leitor deve acreditar que o autor tem alguma coisa importante a dizer através do texto, de forma coerente. E se esse leitor não entende algo, ele procura solucionar, ativando o seu conhecimento prévio linguístico, textual e de mundo.

2.2 A interação através da escrita

Todos nós sabemos que os usuários da língua já têm um conhecimento intuitivo que os possibilita a interagir, socialmente, no uso da linguagem de forma eficiente e eficaz. Por isso, se vemos a linguagem como fenômeno pluridimensional, devemos conceber também o conhecimento desses falantes como multifacetado. Aqui, percebemos duas dimensões desse conhecimento linguístico: a dimensão pragmática, relacionada com a enunciação e a dimensão gramatical, relacionada como enunciado. O conhecimento pragmático diz respeito à enunciação. “A enunciação é o conjunto das circunstâncias que cercam a produção da linguagem” (CASTILHO, 1988, p.113). Os elementos de enunciação que fazem partes das condições de produção da linguagem são: O contexto histórico-cultural em que vivem e atuam os interlocutores e que determina sua teoria do mundo (inclusive seu conhecimento de outros textos) e seus conhecimentos linguísticospragmáticos e gramaticais; Os interlocutores, com seus objetivos, as imagens recíprocas que fazem um do outro (e, é claro, seus conhecimentos enciclopédicos e linguísticos); A situação imediata de comunicação, que inclui a modalidade de língua utilizada (oral ou escrita) e, portanto, o canal/suporte da fala ou da escrita. Todos estes elementos são importantíssimos na constituição da forma e da significação dos textos. Quanto ao conhecimento gramatical, segundo Costa Val (1992), o autor opera uma série de decisões, em áreas e níveis diferentes, tendo por objetivo sua intenção comunicativa,

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a imagem empírica ou virtual de seu leitor, os conhecimentos enciclopédicos que supõe partilhados com seu interlocutor, e o veículo e o gênero de seu texto. Diante de tudo isso que vimos, percebemos que se a linguagem for vista como uma atividade que vai além dos fatores gramaticais, onde interferem também os fatores cognitivos e pragmáticos, teremos, então uma mudança radical na maneira como o objeto e as estratégias do ensino de língua são concebidos. Se pensarmos assim, com certeza, as aulas de português não serão mais limitadas a uma visão mecanicista da língua. A esse respeito, eis que Costa Val (1992, p. 13) constata:

Quando se tomam como objeto de trabalho em sala os processos de produção e leitura de textos, numa visão integrada dos mecanismos de criação da linguagem, não há mais lugar para o ensino centrado na descrição e prescrição de regras do enunciado, ensino em que só cabe ao aluno o reconhecimento passivo e inconsequente de categorias estantes. Pelo contrário, o ensino terá como foco a enunciação, os processos de significação resultantes das relações entre o texto e suas condições de produção, e aí caberá ao aluno o uso produtivo dos recursos e possibilidades do sistema linguístico e a reflexão sobre eles.

Dessa maneira, sem dúvida nenhuma, a produção de textos sempre será uma atividade muito importante no ensino de uma língua. Sobre isso, Geraldi (2013, p.135) afirma: Considero a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua...Sobretudo, é porque no texto que a língua - objeto de estudo – se revela em sua totalidade, quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões.

Um outro ponto relevante que Geraldi também ressalta é que na redação, produzemse textos para a escola. Já na produção de textos, produzem-se textos na escola. Discutindo a questão sobre a redação na escola, Geraldi declara que o aluno vive a contradição de escrever para quem lhe ensina a escrever, que lerá o texto não para saber o que o texto diz, mas para ver se o aluno sabe ou está aprendendo a escrever. Para Geraldi, a presença do professor como interlocutor com essa imagem é tão forte, a ponto de destruir o próprio locutor, pois influenciado por essa imagem, seu texto não representa o produto de uma reflexão ou uma tentativa de, usando a modalidade escrita, estabelecer uma interlocução com o leitor professor. 39


2.2.1 As condições de produção de textos Aqui, para tanto, seguindo as orientações de Geraldi (2013) e Bronckart (1999), apresentamos as condições de produção fundamentais para que o aluno possa efetivar um trabalho significativo com a linguagem, ou seja, algumas condições para se produzir um bom texto. Segundo Geraldi (2006, p. 137), para produzir um texto é preciso que:

a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz (ou, na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo); e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d).

Já para Bronckart (1999), as condições de produção podem exercer influência fundamental na forma como o texto é organizado. Para o autor, essas condições estão reagrupadas em dois conjuntos: o primeiro, refere-se ao mundo físico e o segundo, ao mundo social e ao subjetivo. No contexto físico estão presentes quatro parâmetros, assim caracterizados pelo autor: o lugar de produção (lugar físico onde o texto é produzido); o momento de produção (tempo em que o texto é produzido); o emissor (pessoa que produz o texto, seja na modalidade oral ou escrita); o receptor (pessoa que pode receber concretamente o texto). No segundo plano, em que a produção de todo texto decorre da interação comunicativa, estão o mundo social (normas, valores, regras), e o mundo subjetivo (imagem que o agente expõe de si). É um contexto que Bronckart (1999) apresenta dividido em quatro parâmetros principais: - o lugar social: onde e em que modo de interação o texto é produzido: escola, família, mídia, interação comercial, interação informal etc. - a posição social do emissor: é o papel social que o emissor desempenha na interação, no momento de produção: papel de professor, de pai, de amigo, de superior etc.? - a posição social do receptor: qual é o seu papel? De aluno, de criança, de colega, de pai, de subordinado etc.? - o objetivo(s) da interação: que efeitos o texto pode produzir no seu destinatário, do ponto de vista do enunciador? Bronckart faz uma importante distinção entre estatuto de emissor e receptor (organismo que produz ou recebe um texto), do estatuto de enunciador e de destinatário

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(papel social assumido, respectivamente pelo emissor e pelo receptor). Veja que um mesmo emissor pode produzir um texto exercendo deferentes funções sociais: de pai, ou de aluno, ou de professor, ou de colega, etc. Ao desempenhar um determinado papel social, o emissor adquire o estatuto de enunciador, e para o autor, [...] a noção de enunciador designa as propriedades sóciosubjetivas do autor, do modo como podem ser apreendidas por uma análise externa de sua situação de ação. Entretanto, há uma outra acepção do mesmo termo (cf. Ducrot, 1984), que provém de uma análise das propriedades, não da situação de ação, mas do texto efetivamente produzido, e que se relaciona com as diferentes vozes que neles são postas em cena (Quem “fala” no texto? Quem é o responsável pelo que é expresso?) (1999, p. 95)

Num texto podem estar presentes uma multiplicidade de vozes, a polifonia. E para explicá-la, Ducrot introduziu o conceito de enunciador, esclarece Bronckart. Assim, tem-se outra acepção de noção de enunciador que “designa na verdade, um construto teórico, uma instância puramente formal, a partir da qual são distribuídas as vozes que se expressam em um texto” (BRONCKART, 1999, p.95). Todo esse conjunto de parâmetros que constitui o contexto de produção, postulado por Bronckart, deve ser considerado pelo professor ao desenvolver o trabalho de produção de textos em sala de aula.

Considerações Finais A partir do que foi exposto aqui, podemos constatar que é de suma importância para o indivíduo o reconhecimento da leitura como fator de desenvolvimento pessoal e cultural. É através da leitura que o homem consegue interagir com o autor do texto para melhor compreender o mundo e a sociedade. Ou seja, a leitura não pode ser considerada como uma prática separada da realidade educativa do aluno, mas como um processo de interação no cotidiano do aluno/leitor. O professor, antes de tudo, deve se conscientizar de que as práticas de leitura e produção de textos devem ser constantes na vida do aluno. Para isso, faz-se necessário introduzir nas aulas vários tipos recursos bem como vários tipos de gêneros textuais, priorizando a leitura polissêmica como forma de levar o aluno a produzir múltiplas interpretações de um texto, possibilitando dessa maneira a aquisição de novos conhecimentos. Portanto, o que podemos dizer sobre a interação linguística é que ela precisa ser desenvolvida com todo vigor, porque este é o melhor caminho para um verdadeiro processo

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ensino/aprendizagem através da leitura e da produção de textos, não só dentro, mas também fora da sala de aula. Concluindo, de forma alguma, este trabalho tem a pretensão de esgotar a discussão em relação à interação linguística na sala de aula, mas sim tem a finalidade de encaminhar algumas reflexões que ajudarão os pesquisadores e interessados da área nas próximas discussões acerca do assunto proposto aqui.

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2ª ed. São Paulo: Cortez, 2003.


III

CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO DA SÍLABA PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Gilson Chicon Alves

GILSON CHICON ALVES possui mestrado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (2001) e doutorado em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (2012). Atualmente é professor adjunto 4 da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: linguística, fonologia, português, descrição e linguística textual coerência coesão. gcario65@hotmail.com

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Introdução

Este trabalho tem como objetivo central demonstrar a relevância do conhecimento da estrutura silábica para o ensino de Língua Portuguesa. Nossa atenção se volta especialmente aos professores que abraçaram a difícil missão de alfabetizar, prover o iniciante no mundo da escrita de um suporte que lhe facilite a entrada e participação em uma comunidade globalizada cada vez mais letrada, competitiva e exigente. A ideia de dissertar sobre os problemas que envolvem a sílaba surgiu da observação de que, nos centros de formação pedagógica em torno da cidade de Mossoró, não há oferta da disciplina Fonética e Fonologia e, assim sendo, os professores em formação da fase inicial do Ensino Fundamental deixam de adquirir um conhecimento que é essencial para o seu trabalho. A fim de facilitar a compreensão e diminuir o desconforto que por ventura uma pessoa menos próxima da área de Fonologia possa ter, optamos por fazer uso de uma linguagem acessível, sempre tomando o devido cuidado de traduzir jargões próprios dessa área.

1. Um Pouco de Teoria

O conceito de sílaba aqui adotado é o proposto por Selkirk (1982), o qual apregoa que a sílaba é a menor categoria prosódica dentre as 6 que compõem os constituintes prosódicos, constituída por ataque (A) e rima (R). O ataque sempre será preenchido por uma consoante, o núcleo sempre será uma vogal e a coda, em português brasileiro, só pode ser constituída por uma ou mais consoantes – que serão especificadas mais adiante – ou uma semivogal i, u. De acordo com a afirmação acima, podemos representar uma sílaba (σ) da seguinte maneira: σ

(A)

(R)

(Nu)

(Co) 44


Como podemos ver, a sílaba é formada por uma estrutura interna, dividida em duas partes: o ataque (A), que não é obrigatório; e a rima (R), que se bifurca em núcleo (Nu), o pico da sonoridade – o único elemento obrigatório; e a coda (Co), também opcional. Utilizando o diagrama acima, a título de exemplo, representaremos a palavra casa:

σ σ (A)

(R) (A)

C

(R)

(Nu) S

(Nu)

A A

Essa é a representação da ordem consoante vogal (CV), considerada o padrão silábico mais simples do português – logo depois do padrão que consiste unicamente em um núcleo – no qual podemos ver a presença do ataque (c na primeira sílaba e s na segunda), que ocupa a margem esquerda da sílaba e se caracteriza por possuir um valor de sonoridade mais baixo, por isso recebendo o status de descendente; e do núcleo (a na primeira sílaba e a na segunda) que representa o pico silábico, o segmento que possui o valor mais alto de sonoridade, por isso recebendo o status de ascendente. Na língua portuguesa, podemos encontrar 13 padrões silábicos, conforme podemos ver abaixo – os exemplos foram retirados de Collischonn (2005, p. 117):

V

é

VC

ar

VCC

instante

CV

CVC

lar

CVCC monstro CCV

tri

CCVC

três 45


CCVCC transporte VV

aula

CVV

lei

CCVV

grau

CCVVC claustro

O elemento V corresponde a uma vogal e o C, a uma consoante. Como podemos ver acima, em português, o padrão mais simples é formado por apenas 1 elemento, que é o núcleo, e o mais complexo pode conter até 6 elementos. Nessa língua, toda e qualquer sílaba precisa conter obrigatoriamente uma vogal que ocupe o lugar de núcleo, pois, como já dissemos, o núcleo é sempre formado por uma vogal, que ocupa o lugar mais alto na escala de sonoridade dos segmentos que formam uma sílaba. Quando a sílaba termina em uma única vogal, dizemos que ela é aberta e leve. Acima, temos dois exemplos de sílabas abertas: ca e sa. Por ser muito simples, esse padrão não costuma apresentar dificuldades de aprendizado para as crianças. Podemos dizer juntamente com Lucena (2007) que há uma conspiração histórica na língua portuguesa a fim de garantir a manutenção da sílaba aberta.

2. O Ataque

2.1 O Ataque Simples

Conforme podemos constatar, na palavra casa há um segmento ocupando o lugar de ataque na sílaba inicial – c – e um ocupando o lugar de ataque na sílaba medial – s. Dizemos que o ataque é simples quando ele é composto apenas por um elemento, como o exemplo dado. A língua portuguesa permite que qualquer das consoantes constitua um ataque simples, independentemente da localização da sílaba. Abaixo, mostramos um inventário com cada um dos segmentos em posição de ataque:

46


Fonema

Sílaba inicial

Sílaba medial

/b/

bo.ta

ca.be.lo

/bƆta/

/kabelo/

ca.lo

e.co

/kalo/

/Ɛko/

da.ta

tu.do

/data/

/tudo/

fa.ca

ri.fa

/faka/

/rifa/

ga.ta

jo.go

/gata/

/ʒogo/

jo.go

ti.ju.ca

/ʒogo/

/tiʒuka/

la.ta

te.la

/lata/

/tƐla/

ma.ta

ti.me

/mata/

/time/

na.ta

fo.ne

/nata/

/fone/

pa.to

a.pi.to

/pato/

/apito/

ha.to

ca.ho

/hato/

/kaho/

so.no

ca.ssa

/sono/

/kasa/

ti.me

la.ta

/time/

/lata/

nho.que

so.nho

/ɳƆke/

/soɳo/

lha.ma

pa.lha

/ʎama/

/paʎa/

chu.chu

li.xo

/k/

/d/

/f/

/g/

/ʒ/

/l/

/m/

/n/

/p/

/h/

/s/

/t/

/ɳ/

/ʎ/

/ʃ/

47


/ʃuʃu/

/liʃo/

va.ca

lu.va

/vaka/

/luva/

ze.bra

on.ze

/zebra/

/onze/

/v/

/z/

No inventário acima, levamos em consideração apenas a pronúncia da região de Mossoró-RN, por isso representamos, por exemplo, a palavra rato com o fonema /h/, que é levemente aspirado. Seguindo esse raciocínio, representamos a palavra time com um /t/ porque esse fonema aqui se realiza como uma dental e não como uma africada. E assim por diante.

2.2 O Ataque Complexo

Além do ataque simples, que descrevemos acima, também temos o ataque complexo, que se caracteriza por possuir mais de um segmento. Seu inventário não é tão extenso quanto o do ataque simples. Observe o seguinte diagrama: σ

(R) (A)

(Nu)

(Co)

Na figura acima, podemos ver a representação de um ataque complexo assinalado por uma bifurcação. Para que os segmentos preencham esses lugares, entretanto, há uma restrição segundo a qual os segmentos devem obedecer a uma escala de sonoridade que se inicia com o segmento menos sonoro e prossegue até o mais sonoro. Observe a escala: 48


Escala de sonoridade Obstruinte

0

Nasal

1

Líquida

2

Vogal

3

Fonte: Jespersen (citado por MATZENAUER, 2005, p. 53)

Sobre essa escala, temos que a classe das obstruintes abrange consoantes como /p, k, t, g, b, d, f/; por ocuparem o lugar mais baixo, estas sempre precisarão ficarão à esquerda de um segmento mais sonoro em um ataque complexo. As nasais são /m, n e ɳ/. As líquidas são uma classe natural21 formada pelas laterais /l e ʎ/ e pelos róticos (ou seja, os sons de “r”, como em rato ou caro, por exemplo). Passemos então a um exemplo:

σ

(A)

(R)

(Nu)

P

R

(Co)

A

Temos aqui a primeira sílaba da palavra prato, por exemplo. Observe que, no ataque, a parte mais à esquerda é preenchida por uma obstruinte (/p/) por ser esse elemento o menos sonoro na escala de sonoridade (valor 0); em seguida, temos uma líquida, o /r/, que, por ser

21

Segundo Matzenauer (2005, p. 30), “(...) Diz-se que dois ou mais segmentos constituem uma classe natural quando é necessário, para especificar a classe, um número de traços menor do que o número necessário para caracterizar cada membro isoladamente.”

49


mais sonoro, se situa à direita da obstruinte, mas ainda assim fica à esquerda do núcleo, preenchido sempre pelo elemento mais sonoro, que é a vogal. Observe que os segmentos estão dispostos em uma escala crescente. Por isso mesmo, a língua portuguesa proíbe um encontro consonantal do tipo rpato, por exemplo, porque essa inversão implicaria o início da sílaba com um segmento de valor sonoro relativamente alto seguido de um que ocupa a parte mais baixa da escala para depois subir novamente e alcançar o pico, que é representado pela vogal. Ao invés de uma formação como rpato, a língua portuguesa opta por uma como prato, visando à manutenção da lei do menor esforço, segundo a qual o indivíduo produz o som e comunica com o menor esforço possível, e também visando à harmonia, em que os segmentos são postos hierarquicamente em uma escala, do menor ao maior. Há ainda uma outra observação que pode ajudar muito o professor de Língua Portuguesa. Observe:

σ

(A)

σ

(R)

(A)

(Nu) (Co) B

L

(R)

(Nu) (Co)

U

S

A

Na representação da palavra blusa, temos um ataque complexo composto por uma obstruinte mais uma líquida, só que desta vez uma lateral ao invés de um rótico. Fonologicamente falando, apenas a líquidas estão aptas a figurar na posição mais à direita do ataque complexo. Historicamente, essa alternância tem se mostrado muito produtiva na língua portuguesa, tanto que podemos encontrar em Os Lusíadas alguns versos em que a palavra flor ora se realiza com a líquida, ora com o rótico (fror). Essa prática, ao longo da história da língua, tem uma razão de ser, pois os dois segmentos /l, r/, como já vimos, pertencem à mesma classe natural (as líquidas), possuem o mesmo valor sonoro, portanto, ambas estão aptas a ocupar o lado direito do ataque complexo. Sabemos que há segmentos da sociedade potiguar que fazem uso da forma brusa, por exemplo. Esse uso nada tem a ver com o grau de inteligência do falante/aluno pelas razões 50


que já mostramos acima. Diante desse conhecimento, o professor precisa ter sensibilidade para entender que, apesar dessa forma estar em desacordo com a norma padrão, ela tem uma razão de ser, ela pode ser explicada do ponto de vista fonológico; portanto, não é fruto de uma cabeça vazia e ignorante, mas sim de uma gramática adquirida pelo falante/aluno em sua comunidade de fala de origem. Dessa maneira, o professor deve estar atento ao elaborar um procedimento metodológico que ajude o aluno a adquirir também a forma desejada pela norma padrão (blusa), aquela que lhe vai possibilitar mais condições de ascensão social. Observe ainda mais este exemplo, extraído de uma redação de um aluno da 6ª série do Ensino Fundamental da rede pública de Mossoró. Ele escreveu a seguinte oração: “E nós pescamos tanto que deu cansera mais quando agente vio o pineo do carro furol e teve desse (...)” (Autora: K. G.) – a grafia original foi mantida. A forma destacada – pineo –, apesar de se encontrar em desacordo com a norma, apresenta uma razão de ser: a aluna, ao pronunciar a palavra, percebe que há uma vogal separando o encontro consonantal pn, motivo que a leva a escrever essa vogal. Do ponto de vista fonológico, podemos dizer que um ataque complexo do tipo pn, por exemplo, é proibido na língua portuguesa por não possuir licenciamento prosódico, uma vez que a consoante /n/ na posição de segundo segmento de um ataque complexo não pode ser associada a um nó silábico; o curioso é que, na escala de sonoridade, a consoante /n/ se encontra acima de uma obstruinte, portanto, deveria receber esse licenciamento, mas a língua portuguesa só permite que as líquidas ocupem o segundo lugar de um ataque complexo. Numa situação como essa, podemos perguntar qual a solução. Nós, falantes da grande maioria das comunidades de fala do português brasileiro, tendemos a solucionar o problema com a inserção de uma vogal epentética, da mesma forma que a aluna acima fez. Após a entrada de uma epêntese, o /n/ deixa de fazer parte do ataque complexo e passa a formar um ataque simples de uma nova sílaba. Veja: pneo >

pi-neo

Feitas essas considerações, passemos então para o inventário do ataque complexo, em que as líquidas figuram como segundo segmento desse tipo de ataque em posição inicial de uma sílaba ou em posição medial:

/r/

/r/

/r/

/l/

/l/

/l/

Segmento

Posição

Posição

Segmento

Posição

Posição

inicial

medial

inicial

medial

51


/b/

/d/

/f/

/g/

/k/

/p/

/t/

/v/

bra.do

a.bra.ço

/brado/

/abraso/

dre.no

ma.dre

/dreno/

/madre/

fri.o

re.fres.co

/frio/

/refresco/

gri.to

a.gro

/grito/

/agro/

cre.me

a.cro.ba.ta

/kreme/

/akrobata/

pra.to

ca.pri.cho

/prato/

/kapriʃo/

trá.fe.go

la.tri.na

/trafƐgo/

/latrina/

22

vi.dro

/b/

blo.co

ta.bla.do

/bloco/

/tablado/

/d/

xxxxxxxx

xxxxxxxx

/f/

fla.men.go

a.fli.to

/flamengo/

/aflito/

gla.ci.al

si.gla

/glacial/

/sigla/

cli.en.te

ca.ta.clis.ma

/kliente/

/kataklisma/

ple.beu

com.ple.xo

/plebeu/

/komplekso/

xxxxxxxxx

a.tle.ta.

/g/

/k/

/p/

/t/

/atleta/ /v/

23

xxxxxxxx

/vidro/

Feitas as considerações sobre o ataque, passemos então para a coda.

3. A Coda De acordo com Câmara Júnior (1997), apenas as consoantes /l, r, S, N 24/ e mais as semivogais /j, w/ estão aptas a travar sílabas em português. Já dissemos que há uma série de fatores que contribuem para que a sílaba pesada/fechada se torne leve/aberta – é o que postula a Teoria da Conspiração. Consideremos alguns exemplos:

22

Note, leitor, que a norma padrão não admite um ataque complexo formado por vr em posição inicial, entretanto, nos falares não padrão, podemos facilmente encontrar uma palavra como vrido (vidro), por exemplo, em que a líquida sofre uma hipértese e se desloca para a primeira sílaba. 23 Podemos lembrar do nome próprio Vladimir, mas que por ser um único exemplar não é suficiente para atestarmos esse tipo de encontro consonantal em português. 24 Os fonemas /S, N/ aparecem em maiúscula porque o referido autor os trata como arquifonemas, ou seja, um fonema que tem diversas possibilidades de realização. Nas palavras de Câmara Júnior (1997, p. 58), o arquifonema /N/, por exemplo, “se realiza como /m/ diante de consoante labial na sílaba seguinte, como /n/ diante de consoante anterior nas mesmas condições e como um alofone [ɳ] posterior diante de vogal posterior: campo, lenda, sangue. (...)”

52


a. Maria sempre ficava calada, mas nesse dia ela falou sem parar. b. Maria sempre ficava calada, mas nesse dia ela falô sem pará.

O exemplo contido em a. está escrito de acordo com a norma padrão, como é fácil de constatar. Quanto a b., apresenta problemas passíveis de explicação tanto de natureza ortográfica, quanto também fonológica. Em b., o ditongo /ow/ sofre uma redução que nós também podemos chamar de monotongação – o falante/aluno muito provavelmente realiza esse apagamento da coda na língua oral e faz o mesmo ao escrever. De acordo com Alvarenga e outros (1989, p. 24), a “grafia do ditongo [ow] parece resolver-se na 4ª série (...)” Ainda em b., vemos o apagamento da líquida /r/, que é muito produtivo em nossa língua. Na língua falada, o cancelamento desse segmento não se dá apenas em classes sociais de menor prestígio e entre pessoas com baixo grau de escolarização. Callou, Moraes e Leite (2002, p. 468) demonstraram que o apagamento do /r/ em posição de coda ocorre também entre pessoas escolarizadas portadoras de curso superior. Esses autores analisaram 4.334 ocorrências de róticos em língua falada distribuídos pelas 5 capitais que compõem a área pesquisada pelo Projeto Norma Urbana Culta – NURC –, que são as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Recife. Se considerarmos os dados das 5 áreas somadas, teremos o apagamento desse fonema como a segunda variante que mais se realiza: 26%. Se pensarmos na realidade dos falares nordestinos, temos os dados de Recife (50%) e Salvador (62%), que atestam o quanto a prática do cancelamento faz parte da nossa comunidade de fala. Assim sendo, o professor deve estar ciente de que, nos primeiros anos de escolarização, o falante/aluno que ainda não domina totalmente as regras de ortografia do nosso sistema poderá transferir para a escrita aquilo que ele realiza foneticamente, como é o caso do apagamento. Cabe ainda dizer que esse fenômeno ocorre na coda localizada no meio de palavra – como em marcha > ma0cha, por exemplo – e também na coda localizada no fim da palavra, o que é mais frequente – como no infinitivo dos verbos (parar > para0, amar > ama0 etc.) e nos nomes (pomar > poma0, Lucimar > Lucima0, por exemplo).

53


Considerações finais

Neste estudo, descrevemos a estrutura silábica tal como concebida pelas teorias fonológicas modernas: a sílaba é entendida como a menor unidade fonológica, composta por um ataque e uma rima. Nosso objetivo foi demonstrar que esse conhecimento pode ajudar o professor de Língua Portuguesa das séries iniciais a compreender alguns desvios de grafia que seus alunos por ventura venham a ter, pelo menos aqueles desvios relacionados à estrutura silábica.

Referências bibliográficas

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IV

ENSINO DE PORTUGUÊS E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: TRATAMENTO DIDÁTICO DE VARIEDADES DIALETAIS NO ÂMBITO ESCOLAR Josenildo Barbosa Freire

JOSENILDO BARBOSA FREIRE possui graduação em Letras pela UEPB (2004) e pósgraduação, em nível de especialização, em ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa pela UFRN (2006). Atualmente é professor de língua portuguesa da Escola Estadual Carlos Gomes (Montanhas/RN) e da Escola Municipal José Targino (Pedro Velho/RN). Em 2011, concluiu o Mestrado no Proling/UFPB na área da Sociolinguística Quantitativa. Atualmente é doutorando de Linguística pela UFPB. josenildo.bfreire@hotmail.com

55


Introdução

A variação linguística é um fenômeno recorrente nas línguas naturais. Diversos estudos e projetos têm apontando a existência de diferenças dialetais nos usos linguísticos feitos por uma comunidade de fala (HORA, 1993: VALPB – Projeto Variação Linguística na Paraíba), por exemplo. Pesquisas na área da Sociolinguística e/ou Dialetologia demonstram que a variedade linguística perpassa os diferentes níveis estruturais da gramática: aspectos fonéticofonológicos, morfossintáticos, discursivo-pragmáticos e lexicais. Desse modo, entende-se que a língua portuguesa falada sofre a realização de uma série de processos linguísticos que estão condicionados por diversos fatores, sejam eles, internos (estruturais), ou externos (sociais), operando sobre o uso linguístico que se faz. Neste sentido, a língua varia em função dos seus usos sociais. Então, uma questão surge: se a variação linguística é uma realidade constitutiva das línguas, como a escola pode tratar desses fenômenos dialetais no processo ensinoaprendizagem? Digo: que tratamento didático dispensar às variedades dialetais existentes nos diferentes falares regionais das escolas brasileiras? Como o professor deve encarar a heterogeneidade linguística presente na fala de seus alunos? Inicialmente, entende-se que ao assumir a realidade linguística como inerentemente variável e que seu uso está associado à restrições de natureza interna e externa ou, ainda, estilísticas, e sendo a escola uma instituição de ensino como objetivos e metas definidos socialmente, cabe, então, à ela, compreender, aceitar e incorporar o ensino de variação linguística como objeto de estudo nas salas de aulas. O triângulo didático composto por professor, aluno e os saberes já sinaliza que o conhecimento tem lugar fundamental no ambiente escolar. Neste sentido, a escola pode assegurar ao alunado a vivência de práticas reais do uso linguístico apontando em quais situações sócio-comunicativas determinados usos linguísticos são adequados ou não. Neste trabalho, procura-se analisar como o ensino pode incorporar a noção de variedades linguísticas e trata-las didaticamente no âmbito da escolar, sobretudo, na organização do trabalho pedagógico. Visa-se, também, apontar algumas situações didáticas fundamentais para a realização do ensino que incorpora a variação linguística como conteúdo a ser ensinado e aprendido no ambiente escolar.

56


O aporte teórico deste trabalho está fundamentado na Teoria da Variação Linguística de cunho laboviana (LABOV, 1963a; LABOV, 1966b; LABOV, 2008c; LABOV, 1972d), Brasil (1997a; 1998b; 2011c), dentre outros, que têm apontado que a realidade linguística é fundamentalmente variável. Para o desenvolvimento deste trabalho, adota-se a seguinte estrutura: na seção 1, define-se o que são variedades linguísticas; na seção 2, apresenta-se a visão de alguns documentos oficiais acerca da relação ensino e variação linguística; na seção 3, discutem-se, brevemente, os pressupostos teóricos adotados para o estudo aqui descrito; na seção 4, enumeram-se algumas estratégias didáticas para execução do ensino que contempla a variação linguística, e na seção 5, apontam-se as considerações finais.

1. Definindo variedades linguísticas

As definições envolvendo a definição de língua, de dialeto e de variedades linguísticas são antigas e com diferentes méritos aos estudos. Conquanto, neste trabalho, adota-se a conceituação de variedade linguística cunhada por Chambers e Trudgill (1994, p. 22): El término lengua es, por tanto, desde um punto de vista linguístico, um término relativamente poco técnico. Si queremos, pues más rigorosos em nuestro uso de etiquetas descriptivas emplear outra terminología. Um término que usaremos[...] es variedade. Emplearemos variedade com término neutro que aplicaremos a cualquer classe particular de lengua que deseemos considerar, por algún motivo, como uma entidade individual.

Assim, entende-se que o termo variedade linguística é capaz de capturar diferentes usos linguísticos feitos pelos falantes de uma determinada comunidade de fala, atrelando-a a realização de diversos processos fonético-fonológicos, lexicais, etc., que estão explícitos ao se usar o sistema linguístico. Fernádez (1998) afirma que a Sociolinguística focaliza parte de seu interesse nos estudos das variedades linguísticas, e que para ela as variedades linguísticas são tipos de variedades relativamente heterogêneas que envolvem línguas, dialetos, fala, socioletos, estilos ou registros. Neste sentido, corroboram até aqui as ideias ventiladas por Viera (2013, p. 87) que estabelece “o que existe, em matéria de usos linguísticos, é uma pluralidade de variedades e normas – normas populares, normas cultas, no plural, no tão desejável plural.” (Grifo da autora). Reconhecer essa realidade sociolinguística constitui um dos passos que reformularam 57


as práticas tradicionais de ensino de línguas nas escolas brasileiras. Todavia, já se reconhecem avanços, ainda tímidos, porém seguros e que desdobraram novas iniciativas no cenário educacional. Por exemplo, tem-se constatado que a prática educativa dos professores tem sido redimensionada, sobretudo a partir do final da década de 1990, no cenário brasileiro, com o lançamento do Parâmetro Curricular de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997). Na sessão seguinte, discutem-se aspectos relacionados à publicação desse documento oficial no que se referem ao tratamento da variação linguística. De forma pratica, percebe-se que o texto enquanto gênero textual tem ganhado um maior espaço e se tornado a unidade básica de ensino em detrimentos de um ensino frasal ou tão somente apoiado no trabalho com as categorias gramaticais. Embora, se admita que o ensino das partes da gramática é necessário e tem seu valor na formação e no desenvolvimento da cidadania dos estudantes. Desse modo, percebe-se que o universo de trabalho e análise da escola ao aceitar as variedades linguísticas como objetos pedagógicos é amplo, e ao mesmo tempo, complexo, pois irá lidar com conceitos abstratos e que se manifestam diferentemente dependendo da teoria adotada e de outros fatos socioculturais e históricos, mas, também, terá a oportunidade de trabalhar fenômenos reais que se manifestam nos mais diversos contextos comunicativos.

2. Visão dos PCN de Língua Portuguesa e outras orientações oficiais sobre variação linguística

O Parâmetro Curricular de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997a) já contempla o ensino de variação linguística em sala de aula. Segundo esse documento oficial (op. cit., p. 28), espera-se que durante o período do Ensino fundamental os alunos sejam capazes de “conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português falado.” Assim, reconhece-se que o documento de origem oficial (Ministério da Educação) aponta na direção de trabalho pedagogicamente a variação dialetal, visto que, é uma das metas propostas esperar que o aluno exiba o conhecimento acerca desse conteúdo. Ainda segundo o PCN, quando se pergunta que fala cabe à escola ensinar, afirma:

A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que

58


se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido. (op. cit., p. 26).

Desse modo, então, cabe à escola dá tratamento didático adequado às variedades linguísticas utilizadas pelos alunos, e ao mesmo tempo, criar condições para exibição harmoniosa e consciente dos diferentes usos da língua que são manifestados no ambiente escolar, possibilitando ao aluno o domínio da língua em diferentes modalidades (orais e/ou escritas) e sem o receio de provocar constrangimentos, preconceitos ou descriminação social. Essa visão oficial também é compartilhada por outros documentos oficiais de Governo. Dentre eles, podem ser citados o Parâmetro Curricular de Língua Portuguesa do Ensino Médio (BRASIL, 1998c) e o Programa Nacional do Livro didático (PNLD, 2011). Assim, verifica-se que há um respaldo oficial para se trabalhar didaticamente fenômenos variáveis da língua no ambiente escolar, possibilitando a reorganização de tradicionais práticas d ensino nas aulas de Língua Portuguesa. Nesta direção, o PCN de Língua Portuguesa para os anos iniciais do Ensino Fundamental aponta que a atividade do professor seja ancorada em dois eixos: uso da língua oral e escrita, e reflexão sobre a língua e a linguagem. Assim, percebe-se que o foco de trabalho pedagógico não se deve centralizar nas atividades de memorização de nomenclaturas de aspectos da gramática tradicional, mas incorporar novas dimensões, trazendo para sala de aula práticas linguísticas relacionadas à analise linguística, o uso dos mais diversos gêneros textuais (orais e escritos), dentre outras. Por sua vez, o PCN destinado ao Ensino Médio propõe que o ensino seja realizando visando o desenvolvimento de três competências: interativa, textual e gramatical (BRASIL, 1998c, p. 75-76). Mais uma vez percebem-se avanços no foco do trabalho pedagógico do professor de Língua Portuguesa. Assim, nos associamos com Görski & Freitag (2013, p. 49) que afirmam:

O foco dos PCNs reside: nas práticas sociais, ou seja, nas situações reais de interação, como condição para que dê o ensino de língua; em uma concepção de língua heterogênea; em um trabalho pedagógico que contemple usos linguísticos e reflexão sobre a língua; no uso da língua adequado aos propósitos comunicativos e demandas sociais; e no combate ao preconceito linguístico.

59


Ao se consultar o edital do PNLD (BRASIL 2011), pode-se reconhecer explicitamente que os livros a serem produzidos para serem usados devem contemplar o ensino de normas urbanas de prestígio e que se voltem para aspectos da variação linguística e da convivência democrática de variedades dialetais. Todavia, reconhecem que esses documentos oficiais utilizam nomenclaturas que podem causar certas dúvidas, como norma urbana de prestígio ou norma padrão, ou ainda norma culta. Mesmo assim, pode-se ver que no túnel do ensino de língua abriu-se mais uma luz, que ancorada nos princípios da Sociolinguística pode tornar o ensino mais produtivo, possibilitando o desenvolvimento da leitura e da escrita que constituem habilidades centrais do ensino de Língua Portuguesa em todos os níveis da Educação Básica. Assim, esses documentos oficiais abriram uma porta que provavelmente não será mais fechada. A prática pedagógica paulatinamente vai incorporando as novas contribuições oriundas das teorizações da Sociolinguística, que nos termos de Bortoni-Ricardo (2014) constitui uma macroárea interdisciplinar dos estudos sociais da linguagem, e, que ao ancorarse em dois pressupostos centrais: o relativismo cultural e a heterogeneidade linguística, inerente e ordenada, tem contribuído tanto para a teoria social da língua quanto para o ensino de língua materna. Entende-se que torna-se um procedimento mais eficaz o acolhimento às diferenças linguísticas, manifestadas nas realizações de diferentes fenômenos linguísticos ( redução de ditongos [caixa ~ caxa], apagamento do “r” final de verbos [ cantar ~ cantá], redução das proparoxítonas [xícara ~

xicra], apagamento da oclusiva dental [ cantando ~ cantano],

variação do [haver ~ ter], dos pronomes [ nós ~ a gente, tu ~ você], dentre outros processos, que são bastantes produtivos na fala do português do Brasil. Fenômenos linguísticos que estão vinculados a diferentes fatores (sociais, geográficos, estruturais), e constituindo-se realidades da língua e devem receber tratamento adequado na escola, para que, assim, o aluno tenha a habilidade de usar as diferentes variantes que o sistema linguístico o possibilita. Neste sentido, nos associamos a Faraco (2007) que propõe uma pedagogia da variação linguística. Faraco ao discutir alguns avanços na área do ensino de português, constata certo avanço da leitura e da produção de diferentes gêneros discursivos, mas afirma: “temos de reconhecer que estamos muito atrasados na construção de uma pedagogia da variação linguística.” (op. cit., p. 42).

3. Fundamentação Teórica

60


Fernández (1998) aponta o ano de 1964 como uma data especial para o desenvolvimento das investigações sociolinguísticas com a realização de diversas reuniões, conferências e simpósios dando impulso à Teoria da Variação. A Teoria da Variação implementa-se como teórico-metodológico de estudos linguísticos a partir dos trabalhos do pesquisador norte-americano W. Labov (1966, [2008]1972), sobretudo, ao demonstrar que o uso da língua é variável e está condicionado por restrições de ordem linguísticas (internas) e sociais (externas), apontando que língua e sociedade são instâncias inseparáveis. Ainda segundo Fernández (1998, p.296), o nascimento da Sociolinguística25 esteve envolvido de um aspecto multidisciplinar, confluindo aportes de diferentes áreas de estudo: linguística, antropologia e da sociologia. E incorporou a noção de linguagem como comportamento social. Em 1974, Cedergren e Sankoff apresentam um modelo teórico-metodológico de análise linguística baseado em dados estatísticos e probabilísticos para dá suporte ao conceito de regra variável introduzida pelos trabalhos labovianos. De acordo com Fernández (1998, p.299), a Sociolinguística se consolidou como: Una corriente de estudio capaz de explicar multitud de aspectos anteriormente mal tratados y aponta nuevos principios teóricos y nuevas possibilidades metodológicas, la discipllina se há ido consolidando, a la vez que há aumentado el número de investigadores que le dedican toda su atención.

Ainda, segundo Fernández (1998, p. 85), a Teoria da Variação focaliza uma parte importante de sua análise e discussão da variação e das variedades linguísticas existentes em uma comunidade de fala. A comunidade de fala constitui-se no lugar em que pode-se encontrar a variação e a demonstração de uso variável de um fenômeno linguístico pode está associada ao próprio comportamento heterogêneo existente nessa comunidade que também está estratificada socialmente. Neste sentido, objeto de análise da Sociolinguística é fala natural produzida pelos falantes de uma comunidade. O uso dessa fala está condicionado por fatores e aponta que essas restrições constituem-se um dos objetivos de uma análise sociolinguística, utilizando-se

25

Ressalta-se que neste trabalho tomam-se os termos Sociolinguística e Teoria da Variação como sinônimos.

61


de um modelo matemático formulado para explicar o efeito de frequência de uma determinada regra variável (CEDERGREN & SANKOFF, 1974). Para tanto, segundo Hora (2004, p. 19): A pesquisa sociolinguística implica levantamento cuidadoso dos registros de língua falada, descrevendo a variável (conjunto de variantes) e traçando o perfil das variantes (diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade; análise dos fatores estruturais e sociais condicionantes; encaixamento da variável no sistema linguístico e social da comunidade; avaliação da variável, para a confirmação dos casos de variação ou mudança.

Deste modo, entende-se que é necessário empreender estudos sociolinguísticos que visem à descrição da língua e seus determinantes sociais. Ainda segundo Fernández (1998, 87), uma vez que o falante tenha consciência de sua pertença a uma comunidade de fala, também é possível que reconheça, dentro das variantes linguísticas existentes nela, quais as que os identifica com essa comunidade, e ao mesmo tempo, reconhecendo as que gozam de prestígio social ou não. Entende-se que as duas cidades investigadas, neste estudo, apresentam estruturas sociais diferentes, e sendo assim, exibem comportamento linguístico diferenciado também com relação ao uso do fonema lateral palatal /λ/. E uma investigação sociolinguística pode revelar a frequência de uso das variantes desse segmento fonológico, ao mesmo tempo, apontando que variantes gozam de maior aceitação social e qual a função comunicativa que cada uma variante tem dentro dessas comunidades. Neste sentido afirma Fernández (1998, p. 273-274):

Los sociolinguistas también dan uma gran importancia al peso que pueden tener las características sociales de los hablantes, desde la edad hasta su nivel sociocultural, los contextos em que se establecen las interacciones y los rasgos sociales e individuales de los interlocutores.

Desse modo, a investigação sociolinguística é capaz de evidenciar que o fator social é condicionador da aplicação de uma regra variável utilizada por falantes de uma dada língua natural. Entende-se que as análises sociolinguísticas descrevem a variação em seu contexto social e não apenas na descrição de elementos internos à língua (fatores estruturais), evidenciando a relação dinâmica existente entre restrições internas e externas que condicionam a realização de fenômenos variáveis.

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4. Estratégias didáticas para o ensino de variação linguística

Sendo a ação pedagógica uma prática que não se acomoda (XAVIER & ZEN, 1998, p. 07) e a Sociolinguística um campo específico da Linguística que evidencia a relação existente entre língua e sociedade, diversas podem ser as estratégias utilizadas para desenvolver o ensino que contemple a variação linguística como objeto, sobretudo, nas áreas de leitura e de escrita. Com relação ao trabalho com leitura, Moura (2007, p. 15) sugere que se comece com materiais cultural e dialetalmente neutros e, paulatinamente, se efetue a transição para a variante aceita como padrão; quanto à escrita, o primeiro passo é identificar quais são suas funções naturais nas diferentes etapas do desenvolvimento da criança. Para viabilizar o ensino de variação linguística em sala de aula, Moura (2007, p. 20) indica as seguintes práticas: a) Uma atitude não preconceituosa, por parte do professor, com relação aos usos da língua, pelos alunos, renunciando aos julgamentos de valor sobre os fenômenos variáveis da língua, detectados tanto na fala quanto na escrita de seus alunos. b) Um estudo cuidadoso entre as várias modalidades de textos da fala e da escrita, procurando identificar e analisar marcas ou ausências de traços e diferenças entre os vários textos (forma, de estilo e gramática). c) Realizar comparações entre as variantes padrão e não padrão 26, a fim de que o aluno domine também a variante padrão da língua. d) Privilegiar o uso da língua e não apenas o uso da terminologia gramatical normativa.

Percebe-se que essas estratégias possibilitam ao aluno o direito de usar as duas normas (padrão e não padrão) da língua, associando-as aos contextos socialmente adequados para usá-las. Outra sugestão para o ensino da variação linguística vem de Santos & Cavalcante (2001, p. 51). As autoras propõem que os textos dos próprios alunos (orais e/ou escritos) sejam objeto de estudo da prática de ensino-aprendizagem, que o ensino esteja baseado nos princípios da Sociolinguística e que, a partir deles, seja trabalhado o uso de variedades padrão

26

Ressalta-se que com essa atividade propõe-se a identificação dos traços fonético-fonológicos, morfológicos e sintáticos que caracterizam cada variedade estudada, e não a realização de atividades relacionadas à emissão de juízos de valor.

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e não padrão da língua, evidenciando que cada variedade dialetal tem seus contextos determinados socialmente. Ainda de acordo com Santos & Cavalcante (2001, p. 65-66), para se trabalhar a variação linguística tanto com a língua falada como com a escrita, podem-se utilizar algumas estratégias relacionadas abaixo: a)

Apresentar aos alunos gravações de textos produzidos oralmente, podendo ser tanto os textos dos próprios alunos como textos de outras pessoas. É importante que constatem que existe diferença entre os sons que são produzidos oralmente e a escrita padrão desses sons.

b)

Durante o exercício de escrita, o professor pode pedir aos alunos que escrevam, da forma que ouvem, algumas palavras do texto gravado, e que, em seguida, comparem o registro de tais palavras com a grafia padrão.

c)

A etapa seguinte consiste em pedir aos alunos que façam pequenas entrevistas em casa, gravando-as em fitas cassete. O professor juntamente com os alunos deve organizar os roteiros das entrevistas. Também é importante pedir a cada aluno que anote numa ficha a idade aproximada do entrevistado, o local onde ele mora, o sexo e o grau de escolaridade, bem como as dificuldades ocorridas durante a realização de tal tarefa.

d)

Após a discussão a respeito dos fatos ocorridos durante a gravação, o professor pode pedir aos alunos que façam o levantamento de alguns recursos linguísticos que são próprios da língua falada, como “bom, ah-ah, viu, né?, pois é, oxi, nossa, que coisa!, é mesmo?, etc.

Essa proposta de ensino, associadas às estratégias antes mencionadas, pode-se também possibilitar ao aprendente: a)

Levantar algumas variedades regionais existentes em sua área de localização.

b) Reconstruir textos, chamando a atenção para a reescrita de sentença, melhorando diferentes aspectos do texto produzido. c)

Usar diversas mídias digitais para demonstrar a ocorrência de processos variáveis.

d) Realizar gravações de amostras de falas tanto de alunos quanto de professores para identificação das marcas dialetais que caracterizam cada uma dessas variedades.

64


e)

Analisar amostras de fala da comunidade onde a escola está inserida e investigar quais os contextos de uso das variantes utilizadas pelos informantes, apontando qual a função comunicativa que cada variante tem dentro dessa comunidade.

f)

Estudar algumas variáveis sociais (sexo, idade, nível de escolarização, etc.) em amostras de fala, destacando as diferenças entre a fala de informantes do sexo masculino e informantes do sexo feminino, ou identificando traços que são próprios da idade de certos falantes ou não, e reconhecendo-se que determinados fenômenos variáveis estão vinculados ao nível de escolaridade do informante (CHAMBERS, 1995).

É importante que a escola reconheça que a diversidade linguística dos falantes do português do Brasil está estritamente vinculada à heterogeneidade social desses falantes, uma vez que a “[língua]... expressa a diversidade dos grupos sociais que a falam.” (SANTOS & CAVALCANTE, 2001, p. 57). Neste sentido, a inclusão do ensino da variação linguística nas salas de aula brasileiras está justificada, pois o Brasil é um país heterogêneo em seus mais diversos setores. Diversos são os fenômenos linguísticos que ocorrem na língua e estão condicionados por diferentes variáveis sociais e que podem ser estudados e discutidos em sala de aula. Por exemplo, o comportamento do segmento lateral palatal /ʎ/ (FREIRE, 2011). No que se refere ao uso variável desse fonema, Quednau (1993, p. 18) afirma que a realização fonética desse segmento causa confusão e alunos em período escolar constantemente trocam a grafia /ʎ/ por [l] e vice-versa, e escrevem, por exemplo, familha e batália em vez de família e batalha. Entende-se que essa situação pode ser atenuada à medida que o aluno aumenta seu contato com o texto escrito, uma vez que esse tipo de texto é, geralmente, menos insensível à variação, e também quando o professor passa a ter mais conhecimento acerca do modo de articulação dos segmentos laterais no português do Brasil, bem como quando entende a distribuição e o comportamento desse segmento nos ambientes fonológicos que esses fonemas são possíveis de serem produzidos.

Considerações finais

Neste artigo procurou-se discutir como o ensino pode incorporar a noção de variedades linguísticas e tratá-las didaticamente no âmbito escolar, sobretudo, na organização do trabalho pedagógico. Para tanto, discutiram-se aspectos teóricos da Teoria da Variação 65


(LABOV, 2008 [1972]) e apontaram-se sugestões didáticas que podem dar um tratamento adequado das variedades linguísticas que avaliadas negativamente. Todavia, também, se reconhece a problemática que giram em torno do ensino de variedades linguísticas que não gozam de prestígio e status social, sobretudo, em uma sociedade que privilegia o ensino das formas variantes consideradas padrão em detrimento das que são consideradas não padrão, feias, de pessoas pobres, de nordestinos etc. Assim, admite-se que ainda é um desafio para os professores, tanto os que estão em formação e/ou aqueles que já estão na formação continuada, o ensino que contemple dialetos que histórica e culturalmente são deixados em um segundo plano por não se enquadrarem no modelo preestabelecido socialmente por diferentes segmentos da sociedade. Porém, entende-se que se abriu um caminho que lenta e persistentemente pode ser percorrido e tornar o ensino de língua materna mais produtivo em nossas salas de aula. O espaço escolar como unidade de formação de cidadania pode-se constituir um agente transformador de realidades sociais que estão consolidadas no interior da sociedade. E desse modo, possibilitar que o processo de ensino-aprendizagem alcance metas satisfatórias no que diz respeitos ao desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Sobretudo, porque sendo a nossa sociedade predominantemente escriturística, ler e escrever com autonomia, constituem habilidades essenciais para se exercer a cidadania. Outrossim, reconhecem-se que existem outras alternativas pedagogicamente adequadas que também favorecem o ensino de língua materna nos estabelecimentos de ensino espalhados pelas diferentes regiões do país que aqui não resenhadas ou apontadas. Remete-se o leitor mais cuidadoso ao vasto material bibliográfico que há nos sites dos diversos programas de pós-graduação espalhados pelos centros acadêmicos do Brasil e/ou fora dele. Especificamente, aos programas de Letras/Linguística e Educação que têm disponibilizado material de alta qualidade, como às editoras que cada vez mais têm se dedicado a essa linha de pesquisa, publicando série de livros que tratam exaustivamente das temáticas aqui analisadas. Todavia, mesmo reconhecendo a imensa quantidade de material bibliográfico já produzido no Brasil, basta consultar alguns manuais (MARTINS & TAVARES, 2013; MARTINS et al, 2014, dente outros) ou apresentações em congressos da área de Letras/Linguística, ainda se verifica um fosso entre eles e as escolas, locus de efetivação de toda a discussão. Neste sentido, urge criar um espaço permanente de diálogo entre a produção acadêmica e a escola. Entende-se que o se produz na universidade pode verticalizado para o ensino

no

ambiente

escolar.

Assim,

algumas 66

práticas

tradicionais

poderão

ser


redimensionadas e ganhar novos status e significado para o trabalho voltado para a diversidade linguística que ocorre nas mais diversas comunidades de fala espalhadas pelo país-continente, Brasil.

Referências bibliográficas BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Manual de Sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2014. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa – Brasília: MEC/SEF, 1997a. _______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias– Brasília: MEC/SEF, 1998c. _______. Programa Nacional do Livro didático. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de coleções didáticas para o PNLD 2011. Disponível em http://www.abrale.com.br/Edital%20PNLD202011.pdf. Acesso em 09 de outubro de 2014. CEDERGREN, H.; SANKOFF, D. Variable Rules: performance as a statistical reflection of competence. Language. Vol. 50, n. 2, 1974. CHAMBERS, H. J. Sociolinguistic theory. Oxford: Blackwell, 1995. CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, Peter. La dialectología. Madrid: Visor Libros, 1994. FARACO, Carlos Alberto. Por uma pedagogia da Variação Linguística. In: CORREIA, Djane Antonuci (org.). A relevância social da Linguística. São Paulo: Parábola Editorial: Ponta Grossa, PR: UEPG, 2007. FERNÁNDEZ, Francisco Moreno. Actitudes linguísticas. In: Princpios de sociolinguística y sociologia Del lenguaje. Barcelona: Editorial Ariel, p.179-193, 1998. FREIRE, Josenildo Barbosa. Estudo comparativo do comportamento do segmento /λ/ em duas comunidades de fala. Anais da XXIV Jornada do Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste – GELNE. Natal: EDUFRN, 2012. GöRSKI, Edair Maria; FREITAG, Raquel Meister ko. O papel da Sociolinguística na formação dos professores de Língua Portuguesa como língua materna. In: MARTINS & TAVARES (Org.). Contribuições da Sociolinguística e da Linguística Histórica para o Ensino de Língua Portuguesa. (Coleção Ciências da Linguagem aplicadas ao Ensino). Natal, RN: EDUFRN, 2013. HORA, Dermeval da. Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba – VALPB. 1993. CD-ROM ______. (Org.) Estudos Sociolinguísticos: perfil de uma comunidade. Santa Maria: Pallotti, 2004. 67


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V

O GÊNERO ANÚNCIO PUBLICITÁRIO: CONCEPÕES E PROPOSTA DE ENSINO DE LEITURA Rissia Oscaline Garcia Moises Batista da Silva

RISSIA OSCALINE GARCIA: Possui graduação em Letras (2005), com habilitação em Língua Portuguesa, e Especialização em Leitura e Produção Textual (2009), pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Atualmente, atua como professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino (Mossoró-RN). Também é estudante do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/UERN/Mossoró/RN). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Portuguesa, Análise do Discurso e Gêneros Textuais. rissiaoscaline@yahoo.com.br MOISES BATISTA DA SILVA: Doutor em Linguística pela Universidade Federal do Ceará. Professor Adjunto IV, da Faculdade de Letras e Artes, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/UERN/Mossoró/RN). Atua, principalmente, nas seguintes linhas de pesquisa: Descrição e Análise Linguística, com ênfase em Dialetologia, Sociolinguística e Lexicografia; Linguística Aplicada, com ênfase em Ensino e Aprendizagem de língua materna; Linguística Textual, com ênfase nos estudos sobre gêneros textuais, práticas de leitura e produção de textos. Também membro do Grupo de Pesquisa em Estudos Linguísticos e Literários (GPELL/UERN). E-mail: falamoises@gmail.com

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Introdução

Nos últimos anos, surgiram muitos trabalhos de orientações teórico-metodológicas para o ensino de Língua Portuguesa, inclusive documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais que sugerem que o ensino da língua seja feito, sobretudo, com base nos gêneros discursivos (BAKHTIN, 1992), sejam eles orais ou escritos. Tentando contribuir com o mesmo direcionamento, neste trabalho, o nosso objetivo é apresentar uma proposta de um ensino significativo de leitura, no qual o aluno sinta-se motivado a interagir com o texto e possa compreendê-lo de forma autônoma e eficiente. Para tanto, abordamos uma perspectiva textual-discursiva que proporciona reflexões produtivas a professores que trabalham com leitura e produção de textos. Podemos afirmar que uma das principais contribuições dessa perspectiva, para o ensino de língua, é a compreensão de que a linguagem realiza-se

entre sujeitos socialmente determinados e

situados num contexto sócio-histórico e cultural. Todas as reflexões são feitas a partir do gênero discursivo anúncio publicitário. A escolha desse gênero se deu, entre outros motivos, pelo fato de ser um gênero de ampla circulação social, portanto, muito presente no cotidiano dos alunos. Basicamente, o presente artigo discute algumas das principais concepções de linguagem e de leitura mostrando suas características, seus problemas e suas contribuições para as aulas de língua materna. Em seguida, apresenta reflexões acerca de gêneros discursivos, de acordo com Bakhtin (1992), e do gênero anúncio publicitário. A partir da análise da estrutura e da linguagem típicas desse gênero, apresentamos algumas possibilidades de uso do referido gênero em aulas de Língua Portuguesa, como propostas de atividade de leitura e produção textual.

1 Linguagem: importância e concepções

A questão da linguagem é fundamental no desenvolvimento de todos os homens e condição primordial na apreensão de conceitos que permitem aos sujeitos compreender o mundo e nele agir. Ela é ainda a mais usual forma de encontros, desencontros e confrontos de posições, porque é por ela que estas posições se tornam públicas. A linguagem humana, no decorrer da história dos seus estudos, foi concebida de diversas maneiras. Conforme Travaglia, essas concepções podem ser sintetizadas em três. A primeira concepção de linguagem recebe a denominação “expressão do pensamento”. Nesta, “a enunciação é um ato 70


monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece (TRAVAGLIA, 2001, p. 21). Como se observa, essa concepção da linguagem localiza a mesma no interior do indivíduo, ou seja, há uma predominância do aspecto da individualidade do locutor. Nesse sentido, a linguagem é vista apenas como representação do pensamento e do mundo. Essa concepção está centrada no locutor e não no receptor ou mesmo nas circunstâncias da enunciação. Para Geraldi (1997), essa concepção corresponde à corrente da Gramática Tradicional. Quem vê a linguagem dessa forma, acha que as pessoas que não conseguem se expressar bem é porque não sabem pensar bem. Quanto à segunda concepção, Travaglia diz que a linguagem é vista como “instrumento de comunicação”, como meio objetivo para comunicação, sendo, portanto, a transmissão de informações a principal função da linguagem. De acordo com essa concepção, a língua é encarada como um código que precisa ser dominado pelos indivíduos falantes para que ocorra a comunicação. Portanto, essa concepção está ligada à Teoria da Comunicação e vê a língua como código capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. Nessa concepção, a língua é vista “como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor. Esse código deve, portanto, ser dominado pelos falantes para que a comunicação possa ser efetivada” (TRAVAGLIA, 2001, p. 22). Percebe-se que, nessa concepção, a linguagem é estudada sob uma visão formalista, limitando-se às estruturas internas da língua, definindo a comunicação como uma atividade de decodificação. Conforme, ainda o Travaglia, essa concepção:

[...] fez com que a linguística não considerasse os interlocutores e a situação de uso como determinantes das unidades e regras que constituem a língua, isto é, afastou o indivíduo falante do processo de produção, do que é social e histórico na língua. (TRAVAGLIA, 2001, p. 22).

Nestes termos, o que se vê é uma linguagem submetida a uma visão monológica, desvinculada do contexto social, em que não entra, nesse espaço teórico, o sujeito, o histórico, o social, o ideológico e as circunstâncias que pertencem ao tempo e ao espaço. Essa concepção corresponde às teorias do Estruturalismo e do Transformacionalismo. Já na terceira concepção, a linguagem é percebida como “forma ou processo de interação”. Essa concepção passa a encarar a língua como atividade de interação humana em

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que os interlocutores produzem enunciados dotados de intencionalidade, de questionamentos, de promessas, ameaças, pedidos, ordem etc. “A linguagem é, pois, um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico.” (TRAVAGLIA, 2001, p. 23). Podemos observar, nesta citação, que a linguagem é estudada levando-se em conta tanto o interlocutor como a situação de produção dos enunciados. Neste caso, ela não segue mais uma visão monológica, desvinculada do contexto social, e a produção de efeitos de sentido só é possível através da interação humana. Ou seja, no espaço onde os homens se manifestam no momento em que os mesmos se encontram na vida social, visando à produção dos bens materiais e imateriais. É justamente, nesse instante, que se efetiva a interação verbal entre os homens envolvidos na produção de bens. Nessa concepção, a linguagem se constitui marcada pela história de um “fazer contínuo” que está sempre se constituindo. Assim, o movimento constitutivo da linguagem se dá na história pelo trabalho de sujeitos (GERALDI,1993, p. 34). Essa terceira concepção é representada por todas as correntes de estudo da língua reunidas na Linguística da Enunciação, como, por exemplo, a Linguística Textual, a Pragmática, a Teoria do Discurso, a Teoria dos Gêneros Textuais, a Análise da Conversação, a Análise do Discurso. Diante do que foi exposto, agora, abordaremos algumas reflexões sobre concepções de leitura. 2 Concepções de leitura Nesta seção, discutiremos algumas concepções de leitura, mostrando suas características, seus problemas e suas contribuições para as aulas de leitura e produção textual. Entretanto, daremos mais ênfase à concepção discursiva, por ser esta a concepção proposta neste trabalho como a mais adequada para o ensino de leitura e produção textual. Para isso, retomaremos em parte as concepções de linguagem apresentadas no início deste artigo. Partindo do conceito proposto por Adam e Starr, citados por (Colomber, 2002, p.30), a leitura é a capacidade de entender um texto escrito. Pode-se dizer, então, que o ato de ler não se detém apenas às atividades de decodificação da linguagem escrita. Ler é uma atividade de compreensão de sentidos do texto. O uso da palavra “sentidos” (no plural) foi feita com base na concepção discursiva de leitura, na qual o texto não possui apenas uma possibilidade de interpretação, um sentido único, mas que há uma pluralidade de sentidos, uma disseminação. Segundo Foucault (1971), citado por Coracini (2002, p. 16), O dizer é 72


inevitavelmente habitado pelo já-dito e se abre sempre para uma pluralidade de sentidos, que, por não se produzirem jamais nas mesmas circunstâncias, são, ao mesmo tempo, sempre e inevitavelmente novos. Vale salientar que disseminação não deve ser confundida com polissemia: a primeira corresponde às possibilidades de construção de sentido feita com base em inferências do leitor, inserido no contexto sócio-histórico-cultural. Já a segunda, que se opõe a monossemia (sentido único do texto), corresponde à pluralidade de sentidos presente no texto, sem levar em consideração as inferências do leitor. Essa concepção discursiva da leitura será retomada e discutida no decorrer desta seção, juntamente com outras concepções. Tomando como verdade a afirmação de que leitura é a capacidade de entender o texto, as aulas de leitura poderiam priorizar as atividades de compreensão em detrimento às atividades de decodificação. As práticas de leitura na escola devem possibilitar a compreensão de sentido por meio da interação com os textos e estes devem tratar de assuntos significativos para os alunos. Porém, muitas atividades de leitura realizadas nas escolas não fazem sentido para os alunos, não despertam o interesse deles. O foco da leitura é voltado para o texto e o leitor (aluno) é visto apenas como um agente passivo de decodificação da língua escrita, isso quando os textos trabalhados em sala de aula não são tidos apenas como meros depósitos de regras gramaticais, a serem esclarecidas de forma desconexa e descontextualizada. Inferimos com isso que os problemas do ensino de leitura são decorrentes de base teórica fundamentada em concepções ultrapassadas sobre a natureza e a aquisição da linguagem. Portanto, o presente trabalho pretende discutir essas concepções e chegar a uma proposta significativa para o ensino de leitura.

2.1 Concepção estruturalista

Entre as concepções de linguagem está a dos lingüistas estruturalistas, para os quais a linguagem é vista quanto a sua natureza como:

Como um sistema fechado, autônomo, constituído de componentes não relacionados entre si, onde sintaxe, morfologia, fonologia (gramática) e a semântica são tomados à parte umas das outras; como se um de seus componentes tivesse precedência sobre os demais, geralmente o da gramática sobre a semântica, sobre o significado, tomado este, por sua vez, como unilateral, unívoco, cristalizado; como fragmentável nos seus componentes constitutivos mínimos, fonemas e morfemas, "quebrando-a" e isolando-a da totalidade do fenômeno lingüístico e como desvinculada do contexto sóciohistórico-cultural que lhe dá origem. (BRAGGIO, 2005, p.7)

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A que se acrescentar também que, ainda segundo Braggio (2005, p.8), para os estruturalistas, o homem e a sociedade são idealística e abstratamente concebidos. O homem é entendido como um ser isolado da sociedade, passivo, acrítico, incapaz de experimentar contradições internas e de mudar a si mesmo e a sociedade na qual está inserido. Já a sociedade é tida como estática, homogênea e vazia de valores antagônicos. Nessa concepção, a leitura é vista como uma atividade que prioriza a decodificação em detrimento à compreensão do significado que, para ser efetuada, não necessita de nenhuma contribuição do leitor, uma vez que o texto é o único detentor do significado e este é unívoco, permitindo apenas uma interpretação. Os prejuízos ao ensino de leitura que se baseiam no estruturalismo não são poucos e suas consequências ainda são muito frequentes na realidade das escolas brasileiras. Braggio cita muitos desses prejuízos, dentre eles destacamos:

- Existe um controle da aprendizagem, isto é, decide-se quando a criança deve aprender e como deve aprender; - Enfatiza-se a gramática e deixa-se de lado o componente semântico/ pragmático, o significado, o significado no contexto, o discurso (ensina-se desde o início divisão silábica, feminino e plural de nomes, etc.); - Espera-se que ela fale, leia e escreva "corretamente" a despeito da variedade lingüística que domina; - Cerceia-se a interação verbal e não-verbal entre criança/criança e criança/professor, além de muitos outros aspectos que vêm principalmente embutidos nos materiais didáticos. (BRAGGIO, 2005, p.11-12).

Especificamente para o professor, o autor afirma que:

Retira-se o controle e responsabilidade do que ocorre na sala de aula de suas mãos, já que os programas de leitura vêm "empacotados", prontos para serem utilizados em forma de métodos ou receitas que devem ser seguidos ipsis literis. (BRAGGIO, 2005, p.12)

Mesmo com tantos prejuízos comprovados, ainda tem muitos educadores que insistem em utilizar tais métodos. Muitos alunos chegam ao ensino superior, sem práticas de leitura, não gostam de ler e apresentam dificuldades de compreensão leitora. São leitores malformados que aprenderam apenas a decodificar o texto, ao invés de entendê-lo.

2.2 Concepção Psicolinguística

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Com a atenção voltada para a psicologia cognitiva, que começou a ganhar espaço entre os pesquisadores em meados dos anos 50, a teoria estruturalista passou a ser sucedida pela teoria gerativo-transformacional de Chomsky. Para os estruturalistas, a descrição linguística é concebida com base no empirismo e a aquisição da linguagem com base na concepção Behaviorista. Já a teoria gerativo-transformacional descreve os dados linguísticos com base numa concepção racionalista e concebem a aquisição da linguagem como um processo inato e específico da espécie humana. A mudança de foco nos estudos linguísticos do estruturalismo americano para o transformacionalismo resultou nos modelos psicolinguísticos de leitura que foram muito significativos para a formação da compreensão leitora. Conforme afirma Braggio (2005, p.21) a influência da teoria chomskyana no método psicolinguístico de leitura pode ser claramente identificada nas propostas de Goodman para a aquisição da linguagem escrita. Para Goodman, a leitura é um jogo de adivinhações psicolinguísticas. A leitura é um processo seletivo. Ela envolve o uso parcial de deixas lingüísticas mínimas disponíveis, selecionadas do input perceptual com base na expectativa do leitor. À medida que esta informação parcial é processada são feitas decisões tentativas a serem confirmadas, rejeitadas, ou refinadas á medida que a leitura progride... A leitura é um jogo de predição psicolingüística. Ela envolve uma interação entre pensamento e linguagem... A habilidade para antecipar [predizer] aquilo que não é visto, certamente, é vital na leitura, assim como a habilidade para antecipar o que não é ouvido é vital na audição." (GOODMAM, citado por BRAGGIO, 2005, p.22).

Segundo Goodman, a leitura é uma atividade de compreensão de sentido que se realiza de acordo com as expectativas do leitor, expectativas essas que durante a leitura poderão ser rejeitadas, confirmadas ou refinadas. Para esse autor, o leitor é um sujeito ativo na construção do significado, e o significado é obtido por meio da interação entre os conhecimentos linguísticos do leitor e as informações extraídas do texto. Goodman frisa, como vital na leitura, a habilidade de antecipar as informações não lidas, de formular adivinhações psicolinguísticas. A mudança de foco do texto para o leitor, proposto por Goodman, foi muito relevante para as atividades de compreensão leitora, mas, apesar de conceber o leitor como um sujeito ativo na construção do significado, o modelo goodmaniano não leva em consideração o contexto de produção. A leitura é um processo unidirecional entre o sujeito e o objeto (o texto).

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O contexto histórico-social de produção será discutido na concepção discursiva de leitura, abordada a seguir.

2.3 Concepção discursiva

Assim como na concepção psicolinguística, na concepção discursiva, o leitor também é visto como um sujeito ativo na construção do significado, porém nesta o leitor é o ponto de partida na produção do sentido, enquanto que na outra o texto é que é considerado como ponto de partida do sentido. O papel do leitor é apenas o de extrair os sentidos presentes no texto e predeterminados pelo autor. As interpretações são inferidas pelo leitor, mas limitadas pelo texto, sem levar em consideração o contexto sócio-histórico-cultural de produção e de enunciação. Na concepção discursiva, o autor e o leitor são vistos como produtores de sentidos, mas eles são concebidos como sujeitos constituídos e determinados pelo contexto sóciohistórico-cultural. Nas palavras de Coracini essa concepção é descrita como:

Um processo discursivo no qual se inserem os sujeitos produtores de sentidos – o autor e o leitor -, ambos sócio-historicamente determinados e ideologicamente constituídos. É o momento histórico-social que determina o comportamento, as atitudes, a linguagem de um e de outro e a própria configuração do sentido. (CORACINI, 2002, p. 15).

Se é o momento histórico-social que determina o comportamento, as atitudes e a linguagem dos sujeitos e também a configuração do sentido, nesta concepção, não pode ser o texto o receptáculo fiel do sentido. Este não pode ser controlado, a não ser pelos sujeitos submersos num determinado contexto sócio-histórico (ideológico), responsável pelas condições de produção. (CORACINI, 2002 p. 16). Essa concepção além de descartar o texto como o único detentor do sentido, ela também prega que o autor não interfere na interpretação do leitor, o leitor apenas vai tentar deduzir as intenções do autor. A esse respeito Coracini nos diz: Quanto ao autor, princípio de agrupamento do discurso como unidade e origem de suas significações, lugar de sua coerência (Foucault, 1971), entidade jurídica que responde pelo documento escrito, não pode interferir no processo interpretativo: lá ele só existe enquanto imagem, no sentido de Pêcheux (1969), de forma semelhante à presença do leitor (enunciatário) no momento da escrita. Assim, o leitor poderá imaginar, a partir da própria interpretação, quais teriam sido as intenções do autor, mas nada mais do que isso. (CORACINI, 2002, p. 17).

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Para essa concepção, o sentido de um texto depende da interpretação do leitor, mas vale salientar que, na perspectiva discursiva, os dizeres de um sujeito são determinados pela sua formação discursiva. Do mesmo modo, a interpretação que ele faz de um texto, também vai ser determinada pela sua formação discursiva. O sentido não está preso no texto, uma vez que este não passa de um conjunto de sinais gráficos que, isolados do contexto sócio-cultural da enunciação, não produzirá efeitos de sentidos para o leitor.

Nessa perspectiva, não é o texto que determina as leituras, como pretendem as demais visões teóricas acima abordadas, mas o sujeito, não na acepção idealista de indivíduo, uno, coerente, porque dotado de razão, como queria Descartes, graças à qual lhe é possível controlar conscientemente a linguagem e o sentido, mas enquanto participante de uma determinada formação discursiva, sujeito clivado, heterogêneo, perpassado pelo inconsciente, no qual se inscreve o discurso. E essa inscrição, esse efeito discursivo, resulta no apagamento do sujeito (Orlandi, 1988). É só nesta visão de sujeito que se pode dizer que o leitor é o ponto de partida da produção do sentido. (CORACINI, 2002, p.17-18)

Em suma, nesta concepção de leitura, a compreensão leitora consiste numa interação entre texto e leitor, inseridos numa dada formação discursiva, e um texto pode permitir diferentes interpretações, de acordo com a formação discursiva de quem o lê. Pode, também, ser interpretado de diferentes formas pelo mesmo leitor, dependendo das circunstâncias da leitura (o momento, as intenções, os conhecimentos prévios etc.) Das concepções de leitura abordadas neste trabalho, a concepção discursiva parece ser a mais adequada para ser adotada nas aulas de língua materna. É uma concepção em que o aluno é visto como um sujeito participante de uma comunidade discursiva e tem, portanto, suas experiências como usuário da língua respeitadas e aproveitadas na sua formação leitora. Nessa concepção, nem o professor, nem o livro didático são vistos como os detentores absolutos dos sentidos dos textos. Portanto, quando essa concepção é adotada pelos professores de língua portuguesa, os alunos se sentem motivados a interagir com os textos, pois esses alunos podem ser responsáveis pela produção do sentido. As aulas de leitura também são mais ricas, uma vez que não é permitida apenas a interpretação do professor ou do autor do livro didático. Há mais espaço para a interação entre o aluno e o texto, entre o aluno e o professor e entre os próprios alunos. O texto também não é usado só como pretexto para se estudar regras gramaticais e a leitura é, realmente, uma atividade prazerosa e uma porta para o conhecimento e para a cidadania.

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3 O anúncio publicitário em sala de aula: uma proposta de ensino

Pretendemos, com este trabalho, apresentar algumas propostas de uso do anúncio publicitário em aulas de língua portuguesa, sobretudo nas aulas de leitura, a partir da perspectiva da teoria dos gêneros (Bakhtin (1986,1992). O ensino de língua com base nos gêneros discursivos, é uma prática didática sugerida pelos PCN's (1998) e vem sendo intensamente discutida e adotada nas escolas brasileiras. Porém, ainda é um assunto novo para muitos professores. Portanto, passível de discussões e esclarecimentos. O trabalho com leitura e produção textual, sob a perspectiva dos gêneros, redefine o papel do professor de profissional distante da realidade e da prática textual do aluno para um especialista nas diferentes modalidades textuais, orais e escritas de uso social. Essa perspectiva de trabalho textual é importante também porque oportuniza ao aluno conhecer e refletir a língua em situações concretas de interação verbal. Há uma infinidade de gêneros discursivos adequados e relevantes para o ensinoaprendizagem da língua e seria interessante uma abordagem mais ampla sobre a diversidade de gêneros que podem ser trabalhados em sala de aula. Porém, este trabalho aborda apenas o uso do anúncio publicitário e a escolha desse gênero foi feita com base na riqueza de recursos linguísticos e discursivos presentes nele como: figuras de linguagem, construções sintáticas, variedades linguísticas, entre outros e também pelo fato de ser um gênero de ampla circulação social. Portanto, muito presente no cotidiano dos alunos. A respeito desse gênero, iniciaremos a próxima fala com uma indagação pertinente.

3.1 O que são gêneros discursivos? Segundo Bakhtin (1992, p.261) todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem e as formas desse uso são tão multiformes quanto os campos da referida atividade. Esse autor também nos diz que o emprego da língua se efetua em forma de enunciados orais ou escritos, proferidos por um determinado campo da atividade humana e que as condições específicas e as finalidades de cada campo são refletidas pelos enunciados por meio do conteúdo temático, do estilo da linguagem e da construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são

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igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1992, p.261-262).

Como foi dito, os gêneros do discurso são enunciados formados por características específicas de uma determinada esfera de comunicação, mas essas características são relativamente estáveis. Sendo assim, existe uma imensa variedade de gêneros discursivos que dependendo da situação de comunicação pode sofrer alteração em um dos seus elementos básicos (o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional), dando origem a novos gêneros. A diversidade e a heterogeneidade dos gêneros dificultam um pouco o estudo de definição. Definir um gênero é algo complexo, porque eles não possuem uma estrutura fixa. Eles se configuram no momento da enunciação e são determinados por um conjunto de coerções como: quem fala, o que fala, com quem fala, com que finalidade. Para Bakhtin, são as práticas sociais que determinam os diferentes gêneros discursivos. Sendo assim, todos os gêneros discursivos pertencem a esferas distintas de atividade humana ou domínios discursivos: Em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis. (BAKHTIN, 1992, p. 266).

O referido autor nos diz também que os campos discursivos são diversos e heterogêneos. Vale salientar, no entanto, que um gênero discursivo que pertencente a um determinado domínio, pode passar a pertencer a outro, dependendo do contexto de enunciação. Já em relação ao anúncio publicitário, ele é um gênero que pertence ao domínio publicitário. Esse domínio abrange gêneros como: o anúncio, o panfleto e a vinheta etc. 3.2 O gênero anúncio publicitário O anúncio publicitário é um texto amplamente utilizado pelos meios de comunicação de massa em virtude do seu alto poder de comunicação, persuasão e manipulação. Ele funciona como uma espécie de força propulsora das práticas de consumo de

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uma sociedade capitalista e também é muito utilizado para induzir a população a aderir a determinadas posições políticas e ideológicas. Esse gênero discursivo, que tem como objetivo divulgar e vender produtos e ideias (VESTERGAARD; SCHRØDER, 2000), vem se fortalecendo e se desenvolvendo juntamente com o desenvolvimento do sistema capitalista. Podemos dizer até que um se alimenta do outro, pois se, por um lado, a publicidade induz as pessoas a consumirem os diversos produtos oferecidos no mercado, por outro, são as exigências do mercado que sustentam e incentivam a produção de textos publicitários. Antes da revolução industrial, os textos publicitários apresentavam uma linguagem simples, direta, denotativa e seus enunciados limitavam-se apenas a informar as características reais dos produtos, como a marca, o preço, os locais de venda etc. sem usar artifícios de convencimento. Atualmente, com a transição de uma sociedade de produção para uma sociedade de consumo, esse gênero passou a utilizar uma linguagem mais persuasiva e sedutora. A esse respeito, Martins nos diz que: Como o aumento da produção industrial teve por consequência a necessidade de ampliar o consumo, a linguagem foi se adaptando ao sistema publicitário criado nas últimas décadas, visando convencer a sociedade a consumir mais, tanto os produtos necessários, como até os inúteis, para gerar lucros e fazer crescer a produção. (MARTINS, 2001, p.33).

Diante do exposto, fica claro que a finalidade do anúncio publicitário não é só de informar, mas principalmente de persuadir o leitor/ouvinte ou telespectador a consumir um produto ou aderir a uma idéia. Essa função é fortalecida e concretizada pela sociedade de consumo. À proporção que cresce o espaço publicitário no mercado, crescem também os desafios para seduzir e convencer os consumidores. A primeira tarefa do publicitário, por tanto, é conseguir que o anúncio seja notado. Uma vez captada a atenção do leitor, o anúncio deve mantê-la e convencê-lo de que o tema daquele anúncio específico é do interesse dele. Além disso, o anúncio tem de convencer o leitor de que o produto vai satisfazer alguma necessidade – ou criar uma necessidade que até então não fora sentida. Por fim, não basta que o cliente em potencial chegue a sentir necessidade do produto: o anúncio deve convencê-lo de que aquela marca anunciada tem certas qualidades que o tornam superior às similares. Por outro lado, o anúncio ideal deve ser montado de tal forma que a maior parte possível da mensagem atinja aquele leitor que o vê, mas resolve não ler. (VESTERGAARD; SCHRØDER, 2000, p. 47)

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Para atingir os seus objetivos, os anúncios vêm utilizando uma linguagem cada vez mais apelativa e rica em recursos linguísticos e semióticos. 3.3 A linguagem publicitária Sobre a linguagem publicitária, Martins nos diz que: [...] em sua essência, objetiva construir imagem favorável que possibilite maior consumo, pela utilização de arquétipos ou símbolos subjetivos, apresentando hábitos de consumo, capazes de identificar as aspirações e os desejos do receptor com a imagem do produto. Dessa forma, chega a construir o produto como símbolo e fim de uma necessidade social. (MARTINS, 2001, p.20).

De fato, o anúncio publicitário consegue levar as pessoas a acreditarem que certos produtos, considerados por alguns como totalmente desnecessários, são essenciais para garantir uma boa qualidade de vida. A linguagem dos anúncios publicitários tem um alto poder informativo e persuasivo em virtude dos recursos argumentativos racionais e emocionais e recursos retóricos estilísticos ou estéticos (MARTINS, 2001, p.154). É uma linguagem que significa mais do que diz. Os anúncios publicitários utilizam nas suas mensagens tanto a linguagem verbal, como a não-verbal e também é constante a presença de recursos linguísticos como neologismos, ambiguidades, variações linguísticas, conotações, assim como recursos semióticos como símbolos, cores, sons e imagens. É uma linguagem criativa e expressiva que envolve o leitor numa linha de raciocínio preestabelecido. Para seduzir os leitores, a linguagem dos anúncios se adequa aos produtos e ao público alvo, nem que para isso, seja preciso infringir as normas da língua padrão ou passar por cima de convenções da gramática normativa tradicional. A adequação da linguagem publicitária ao público alvo se encaixa na concepção de Bakhtin acerca do papel do outro na produção dos enunciados. “A escolha de todos os recursos linguísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência do destinatário e da sua resposta antecipada”. (BAKHTIN, 1992, p. 306). A estrutura do anúncio publicitário também muda de acordo com o produto anunciado, com as intenções do anunciante (divulgar um produto, enfatizar uma característica, orientar uma campanha, etc.), com o tema do anúncio, com o veículo de transmissão – TV, rádio, jornais, revistas – e com o público alvo. No entanto, apesar de variável, é possível descrever a estrutura do anúncio como uma estrutura composta por

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enunciado principal (manchete), pelo corpo do texto, pela assinatura do anunciante e pelo logotipo ou marca. 3.4 Proposta de atividades com anúncio publicitário em sala de aula

A partir das teorias discutidas aqui, das análises de livros didáticos realizadas em trabalhos anteriores e da nossa própria experiência em sala de aula, destacamos agora algumas das possibilidades de estratégias de aula com o anúncio publicitário em aulas de língua portuguesa: a) emprego de variações linguísticas; b) observação do uso das vozes verbais na linguagem publicitária; c) desenvolvimento da habilidade de leitura de textos não-verbais; d) reconhecimento das relações de intertextualidade; e) produção de textos publicitários pelos próprios alunos; f) discussões em sala a partir dos valores mais pregados nos anúncios direcionados ao jovens e adolescentes, como: beleza, sedução, consumismo, eterna juventude, estereótipos de pessoas felizes; g) desenvolvimento das habilidades de argumentação oral e escrita; entre outras possibilidades. Enfatizaremos, agora, o uso desse gênero especificamente em aulas de leitura e mais detalhadamente relacionando-o com os conceitos das teorias supracitadas. Para isso, apresentamos sugestões a partir de quatro anúncios da campanha “Conto de Fadas”, de O Boticário, veiculados em revistas, outdoors e internet. Anúncio 1: Branca de Neve

Na versão para revista, o texto ficou assim: “Era uma vez uma garota branca como a neve, que causava muita inveja não por ter conhecido sete anões. Mas vários morenos de 1,80 m”.

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Anúncio 2: Chapeuzinho Vermelho

Na versão para revista, o texto ficou assim: “A história sempre se repete. Todo Chapeuzinho Vermelho que se preze, um belo dia, coloca o lobo mau na coleira”. Anúncio 3: Cinderela

Na versão para revista, o texto ficou assim: “Gabriela vivia sonhando com seu príncipe encantado. Mas, depois que ela passou a usar O Boticário, foram os príncipes que perderam o sono”. Anúncio 4: Cavaleiros e dragões

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Na versão para revista, o texto ficou assim: “Um belo dia, uma linda donzela usou O Boticário. Depois disso, o dragão que ela tanto temia ficou mansinho, mansinho e nunca mais saiu de perto dela”. Para trabalhar com esses anúncios, de acordo com a teoria dos gêneros, seria interessante, primeiramente, explicar, ou se for o caso, relembrar aos alunos o que são e como se definem os gêneros. Depois de esclarecer o conceito de gênero, pedir aos alunos que, sozinhos ou em grupos, definam a que gênero pertencem os textos lidos. Esse primeiro momento é viável que seja feito oralmente. Após identificarem os textos como gênero anúncio publicitário, o professor pode orientar os alunos a analisarem os textos observando sua estrutura composicional, os tipos de linguagem utilizadas, a quem se destina e com que finalidade. Essa orientação pode ser feita por meio de questões do tipo: a) Qual a finalidade dos anúncios publicitários?; b) Qual a finalidade específica dos anúncios em questão?; c) Os anúncios lidos promovem ideias ou produtos?; d) Qual o público-alvo desses anúncios? e) A quem podemos atribuir a responsabilidade pelo que esta sendo dito no anúncio?; f) Com que tipo de linguagem ele trabalha?; g) Você considera importante o papel da linguagem nãoverbal nesses textos?; g) Como a linguagem verbal e não-verbal se relacionam nos textos lidos?; h) Que argumentos o autor dos anúncios utilizou para atingir seu público-alvo? As discussões podem ajudar na interpretação dos anúncios, orientando a leitura por meio de outros questionamentos do tipo: a) Quais e como os aspectos discursivos desses anúncios retratam a mulher conforme seu modo de ser e viver na sociedade de hoje?; b) O papel da mulher mudou muito nas últimas décadas. Quais dessas mudanças podemos perceber nos anúncios lidos?; c) Por que o autor do anúncio retratou a mulher dessa forma?; d) Qual o público-alvo desse anúncio e o que o autor pensa do seu público-alvo?; e) Com que outros textos esses anúncios dialogam?; f) Qual a relação dos argumentos usados por esses anúncios com os tipos de produtos oferecidos pelo “O Boticário”?; g) De acordo com os anúncios, como são as mulheres que usam os produtos oferecidos?; h) Quais os aspectos não verbais dos anúncios nos faz lembrar das histórias da Branca de Neve e os Sete Anões, A Bela e a Fera, A Chapeuzinho Vermelho e Cinderela?; i) Quanto ao texto verbal dos anúncios, em que difere do textos dos contos citados?; j) Há informações implícitas nesses textos? Quais? k) Você acha que os argumentos utilizados por esses anúncios são bons para convencer seu público-alvo a adquirir os produtos oferecidos? As possibilidades de questões não se esgotam por aqui. Mesmo assim, é possível levar os alunos a refletirem os gêneros lidos, nesse caso, os anúncios publicitários, de acordo com uma perspectiva discursiva da prática de leitura. A nossa intenção é pensar estratégias 84


que tornem a leitura mais significativa para os alunos. Por isso, vale salientar, que as atividades sugeridas aqui, encaixam-se. de modo geral, em aulas ministradas para turmas do ensino fundamental maior e para turmas do ensino médio, devendo é claro, serem adaptadas ao nível da turma, à idade dos alunos, aos conteúdos ministrados e aos objetivos do professor. Considerações finais

Diante do exposto, inferimos que é muito importante trabalhar o ensino de língua materna numa abordagem interacional, pois ela possibilita ao professor fundamentar-se, teórico e metodologicamente, já que uma das principais contribuições dessa perspectiva nas aulas de leitura é a compreensão de que a linguagem se realiza entre interlocutores socialmente situados e não pode ser considerada fora do seu contexto de produção. Dessa forma, as atividades de leitura e interpretação proporcionam aos alunos sólidas reflexões dos textos lidos, levando em consideração de onde o sujeito do discurso enuncia, qual a sua função e a sua intenção no ato da enunciação e em que condições esse discurso foi produzido. Em relação à importância da teoria dos gêneros, compreendemos que o ensino de leitura redefine o papel do professor de profissional distante da realidade e da prática textual do aluno para um especialista em diferentes modalidades discursivas, orais ou escritas, de uso social. É uma perspectiva de trabalho que oportuniza ao aluno conhecer e refletir a língua em situações concretas de interação verbal. Para se trabalhar o ensino de língua materna de acordo com a perspectiva dos gêneros, poderíamos ter proposto aqui o uso de outros gêneros, mas optamos pelo anúncio publicitário, porque ele apresenta uma riqueza de recursos linguísticos e retóricos, sendo composto por linguagem verbal e não-verbal. Além disso, o anúncio publicitário é um gênero de ampla circulação social. Portanto, muito presente no cotidiano dos alunos com uma linguagem de alto poder informativo e persuasivo que envolvem o leitor tanto com argumentos racionais como emocionais. Em suma, é um gênero que significa mais do que o que diz e, por isso, oferece diversas possibilidades de uso na sala de aula, inclusive nas aulas de leitura. Queremos enfatizar que o nosso objetivo não foi só o de mostrar as possibilidades de trabalhos com o anúncio publicitário em aulas de leitura, mas, principalmente, mostrar a importância de se trabalhar a leitura de acordo com a teoria dos gêneros, pois acreditamos que essa teoria podem contribuir muito para a formação de leitores autônomos, eficientes,

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criativos e críticos, capazes de interagir com os textos, identificando nestes a presença de posições ideológicas em forma de já-ditos, relacionando esses dizeres com a realidade sóciohistórico-cultural em que estação inseridos. Referências bibliográficas BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 1986. ____________. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BRAGGIO, S. L.B. Leitura e Alfabetização: da concepção mecanicista à sociopsicolinguítica, Porto Alegre: Artmed. 2005. BRASIL, Cláudio. O Boticário e suas princesas. Disponível em: <http://mundofabuloso.blogspot.com/2008/01/o-boticario-e-suas-princesas.html>. Acesso em: 05 de Março de 2015. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. COLOMBER, T. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto Alegre: Artmed. 2002. CORACINI, M. J. (org.) O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. 2ª ed. Campinas: Pontes, 2002. GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1997. _____________. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. MARTINS, J.S. A redação publicitária: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2001. TRAVAGLIA, L.C. Gramática e interação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. VESTERGAARD & SCHRØDER, T. & K. A linguagem da propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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Sobre lĂ­ngua estrangeira (parte II)

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VI

ANÁLISE DE PROPAGANDAS DE APARELHOS CELULARES: UMA PROPOSTA CRÍTICO-VISUAL PARA O ENSINO DE LÍNGUAS José Roberto Alves Barbosa Myrna Cibelly de Oliveira Silva

JOSÉ ROBERTO ALVES BARBOSA é doutor em Linguística (UFC) e mestre em Linguística Aplicada (UFRN). É professor da Faculdade de Letras e Artes (FALA/UERN) e do Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras). É Líder do Grupo de Pesquisa em Linguística e Literatura (GPELL), certificado por essa mesma IES. Atua nas áreas de Teorias Linguísticas, Análise de Discurso Crítica (ADC), e Letramento Crítico. joseroberto@uern.br e jotaroberto@uol.com.br MYRNA CIBELLY DE OLIVEIRA SILVA é graduada (2015) em Letras, com habilitação em Língua Inglesa e suas respectivas literaturas pela UERN. Na graduação, desenvolveu as pesquisas de iniciação científica “LETRAMENTO MULTIMODAL CRÍTICO NA AULA DE LÍNGUAS: ANÁLISE DO GÊNERO PROPAGANDA MIDIÁTICA DE APARELHOS CELULARES” (Projeto Institucional 2013-2014). myrnacibelly@live.com

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Considerações iniciais

A propaganda exerce papel fundamental na formação de consumidores. Através desta os sujeitos são posicionados pela capacidade que têm de adquirir produtos (MAGALHÃES, 2005). Dentre esses, os aparelhos celulares estão entre os mais desejados, inclusive pelos jovens. Diante dessa realidade, objetivamos, neste trabalho, analisar criticamente as propagandas de aparelhos celulares, veiculadas pela mídia internacional, com vistas a sua utilização no contexto da sala de aula de língua. Na primeira parte do artigo apresentaremos os fundamentos teóricos da Análise de Discurso Crítica (ADC), alicerçada nas contribuições de Fairclough (2001; 2003). Em seguida, destacaremos os pressupostos teóricos para análise de imagens, a partir da Gramática do Design Visual (GDV), de acordo com Kress e van Leeuwen (2006). Na segunda parte, a pós apresentar algumas discussões teóricas sobre os aparelhos celulares em uma sociedade tecnológica, analisaremos algumas propagandas veiculadas pela mídia, tanto em língua portuguesa quanto inglesa.

1 Análise de Discurso Crítica (ADC)

Para realizar esse tipo de análise, recorremos à proposta de Fairclough (2001), um dos proponentes da Análise de Discurso Crítica (ADC), que atrela, ao mesmo tempo, as dimensões sociais às análises textuais. Para tanto, ele parte das contribuições de vários teóricos, dentre eles, Bourdieu e Foucault. Para dar conta dos aspectos textuais, nos fundamentaremos na Gramática Sistêmico-Funcional, de Halliday (1985). Por causa dessa ênfase nos estudos discursivos através do texto, a Análise do Discurso Crítica é também denominada de Análise do Discurso Textualmente Orientada (ADTO). Fairclough (2001, p. 99,100) explica que

A prática discursiva manifesta-se em forma linguística, na forma do que referirei como ‘textos’, usando ‘texto’ no sentido amplo de Halliday, linguagem falada e escrita (Halliday, 1978). A prática social (política, ideológica, etc.) é uma dimensão do evento discursivo, da mesma forma que o texto [...] A análise de um discurso particular como exemplo de prática discursiva focaliza os processo de produção, distribuição e consumo textual. [...] A prática social como alguma coisa que as pessoas produzem ativamente e entendem com base em procedimentos de senso comum partilhados (...) as práticas dos membros são moldadas, de forma inconsciente, por estruturas sociais, relações de poder e pela natureza da prática social em que estão envolvidos, cujos delimitadores vão sempre além da produção de sentidos.

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Para explicitar a relação entre essas três dimensões, Fairclough (2001), destaca que o procedimento que trata da análise textual pode ser denominada de ‘descrição’, e as partes que tratam da análise da prática discursiva e da análise da prática social da qual o discurso faz parte de ‘interpretação’. Na análise da prática social dois conceitos são bastante caros: 1) ideologia – baseado em Thompson (1995), é inerentemente negativo, pois essa é, por natureza, hegemônica, já que se encontra a serviço do estabelecimento e da sustentação das relações de poder (dominação), com vistas à reprodução da ordem social e o favorecimento de grupos dominantes; e 2) hegemonia – baseado em Gramsci (1988) – como domínio exercido pelo poder de um grupo sobre os demais, baseado no consenso. Na análise textual, a ADC assume que “os textos são feitos de formas às quais a prática discursiva perpassada, condensada em convenções, dotada de significado potencial” (FAIRCLOUGH, 2001: 103). Para tanto os itens considerados nessa análise são: vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual. O vocabulário é analisado através da lexicalização, isto é, dos processos de significação das palavras no mundo. O sentido da palavra entra na disputa dentro de embates mais amplos. No que tange à gramática, os elementos principais da oração (sintagmas) estão relacionados à transitividade. Os falantes/escritores fazem escolhas quanto ao modelo estrutural das orações. Fairclough (2003) amplia os postulados teóricos da ADC, propondo uma articulação entre três aspectos: gêneros, discurso e estilo. Os gêneros constituem “o aspecto especificamente discursivo de maneiras de ação e interação no decorrer dos eventos sociais” (p. 65). Eles funcionam como mecanismo articulatório que controla o que pode ser dito a fim de regular o discurso. O discurso é a representação dos atores sociais nos textos através de posicionamentos ideológicos em relação a eles e suas atividades. O estilo identifica os atores sociais nos textos através dos pressupostos, modalidades (objetivas e subjetivas), as metáforas (conceituais, orientacionais e ontológicas). A integração desses três significados: acional (gêneros), representacional (discursivo) e estilístico (identificacional) é dialética. Eles somente podem ser subdivididos para efeito explicativo. Os discursos são realizados em gêneros e consolidados através de estilos. As ações e identidades, por sua vez, são discursivamente representadas. A fim de orientar as análises discursivas em uma perspectiva crítica, Fairclough (2003) sugere as seguintes perguntas: 1) gênero – o texto está situado em que cadeia de gênero? Existe uma mesclagem de gêneros? Quais são as características dos gêneros apresentados?; 2) discurso – quais traços caracterizam o discurso (relações semânticas entre as palavras, colocações, metáforas, 90


pressuposições, traços gramaticais); e 3) estilo – como os autores se envolvem em relação à verdade (modalidades epístêmicas), obrigações e necessidades (modalidades deônticas). No Brasil, os estudos da ADC têm contribuído significativamente para a interpretação de práticas sociais desempoderadoras. As publicações desses últimos anos têm favorecido a difusão de pesquisas em várias universidades do País. Entre os estudos da ADC destacamos os de Magalhães (1986; 2000), que nortearam várias pesquisas acadêmicas, principalmente no contexto da Universidade de Brasília (UNB). Artigos e livros de divulgação estão sendo publicados, somente nesses últimos anos, resultantes de investigações de tese de doutorado, foram lançados: Resende & Ramalho (2006), Resende (2009) e Ramalho e Resende (2011). A tradução de Fairclough (2001) para o português tem auxiliado àqueles que desejam conhecer os fundamentos da ADC, mas que ainda não têm proficiência na leitura em língua inglesa.

2. Gramática do Design Visual (GDV)

Visando repensar a constituição do texto imagético no concernente ao seu significado e às suas implicações na sociedade, Kress e van Leeuwen (2006) elaboraram a Gramática do Design Visual (doravante GDV) que gira em torno das três metafunções linguísticas sugeridas pelas premissas teóricas propostas por Halliday (1994), ao considerar as funções e o contexto no qual as imagens são produzidas, pois acreditam que “assim como as estruturas linguísticas, as estruturas visuais apontam para interpretações de experiências particulares e formas de interação social” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 02). Desta forma, os significados expressos na língua por meio da escolha entre classes de palavras e estruturas gramaticais podem ser expressos na imagem por meio da diferenciação de cores, tonalidade, foco, dentre outros, e tais diferenças podem afetar e modificar o sentido proposto por tal. No entanto, enquanto a LSF se organiza em torno das Metafunções Ideacional, Interpessoal e Textual, a GDV as assume como Representacional, Interativa e Composicional, respectivamente, uma vez que cada meio semiótico possui suas próprias regras e estrutura, apesar de uma estar ancorada na outra e ambas possuírem um foco nas metafunções da linguagem (verbal e não verbal). A Linguística Sistêmico-Funcional de Halliday (1994) enfatiza um código semiótica da linguagem, enquanto que a Gramática do Design Visual ressalta o código semiótico da imagem. A Metafunção Representacional é responsável pelas estruturas que constroem visualmente a natureza dos eventos, objetos e participantes envolvidos, e as circunstâncias em que ocorrem. A Metafunção Interativa nos permite representar uma relação social particular 91


entre o produtor da imagem, seu receptor e o próprio objeto representado. Por fim, a Metafunção Composicional nos dá a habilidade de criar representações coerentes, ao distribuir seu valor entre os elementos da imagem de forma contextualizada. Almeida (2006) explica que os significados visuais representacionais (as relações entre participantes representados em uma estrutura visual) correspondem à metafunção ideacional; os significados visuais interativos (a relação entre imagem e espectador) correspondem à metafunção interpessoal; os significados composicionais (relação entre os elementos da imagem) correspondem à metafunção textual. Enquanto Halliday (2004) propõe em sua linguística a existência de seis tipos diferentes de processos os quais englobariam todas as atividades humanas concretas e abstratas, Kress e van Leeuwen (2006) postulam a existência de Representações Narrativas, subdivididos em processos de Ação não transacional, transacional unidirecional e bidirecional, Reacional não transacional e transacional, Mental e Verbal, e Representações Conceituais, subdivididas em Classificatórios, Analíticos e Simbólicos. As Representações Narrativas apresentam ações que estão se desenvolvendo, ou seja, ações em movimento, e são assinaladas pela presença de um vetor que pode ser formado por meio de linhas imaginárias, oblíquas, ou diagonais transmitindo a ideia de movimento. Na imagem, eles se apresentam de forma saliente em contraste com o resto da composição. Os participantes dessas representações têm a possibilidade de estabelecer relações entre si e se engajar em ações e eventos por meio dos vetores que emanam de seu corpo, ou na ausência desses, é formado pelo próprio corpo do participante representado. Além de representações narrativas, há aquelas que não apresentam vetor nem executam ações, haja vista seu objetivo ser procurar na imagem a essência da informação em termos de classe, estrutura e significado. Essas são as Representações Conceituais que classificam, analisam e significam/definem pessoas, lugares e coisas, e que podem ser caracterizadas como Processos Classificacionais, Analíticos e Simbólicos, respectivamente. Fazendo-se distinta da Metafunção Representacional, a Metafunção Interacional lida com os participantes representados e sua relação com os interativos, ou seja, seu observador do mundo real. Os participantes interativos são pessoas do mundo real as quais produzem ou consomem a imagem, ditando como deva ser representada e interpretada, que mensagem ela deva passar, como ela o fará, etc. Assim, ela estabelece uma relação tanto entre os elementos que compõem a imagem quanto entre quem a produz e quem a observa, exigindo deste último uma atitude. Essas interações se dão por meio do Contato, da Distância Social, da Perspectiva e da Modalidade, categorias que serão abordadas na análise do corpus desta pesquisa. 92


Atentando para a Metafunção Composicional, os autores afirmam que a posição que os elementos ocupam na composição visual lhes atribui valores específicos, mais especificamente Valores de Informação, uma vez que sua disposição afeta os outros elementos que estão a interagir no mesmo espaço. Esta categoria lida com a disposição dos elementos na imagem e como essas posições sinalizam significados (ideológicos) diferentes. A Saliência é definida como “o grau para o qual um elemento chama atenção para si mesmo, devido a seu tamanho, seu lugar no primeiro plano ou sua sobreposição a outros elementos, sua cor, seus valores tonais, sua agudeza ou definição, e outras características.” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 210), referindo-se, portanto, à importância hierárquica que os elementos adquirem na imagem que levam a sobreposição de um elemento sobre os demais. Finalmente, e não menos importante, o Enquadramento, ou moldura, diz respeito à presença ou ausência de uma linha divisória que marcará a divisão ou a ligação dos participantes da composição, indicando que os elementos possuem identidades que se relacionam ou que se separam.

3 O texto midiático e a propaganda de aparelhos celulares

O gênero discursivo publicitário é desenvolvido, reproduzido e transformado nas práticas sociais da mídia. Para Thompson (1998) a mídia, no contexto da modernidade tardia, assume um papel preponderante nas relações sociais. Diante dessa realidade, a análise midiática dos gêneros publicitários constitui-se em uma necessidade premente na vida cotidiana, em âmbito institucional e organizacional (MAGALHAES, 2005). Isso porque, conforme defende Thompson (1998, p. 19-21), “o desenvolvimento da mídia transformou a natureza da produção e do intercâmbio simbólicos no mundo moderno.” Thompson (1998) argumenta ainda que a mídia “privilegia a comunicação como parte integral (...) de contextos mais amplos da vida social”, que é “feita por indivíduos que perseguem fins e objetivos os mais variados. Assim fazendo, eles sempre agem dentro de um conjunto de circunstâncias previamente dadas que proporcionam a diferentes indivíduos diferentes inclinações e oportunidades”. Thompson denomina como esses conjuntos de circunstâncias “campos de interação”, que são subdivididos nas seguintes categorias: interação face a face, interação mediada e quase interação mediada. O texto publicitário, conforme aponta Key (1996), objetiva, através da doutrinação, do controle cultural e das construções ideológicas da percepção que o texto publicitário alcança seu objetivo, seduzindo os consumidores em potencial. Para Key (1996), a percepção 93


que se tem da “realidade objetiva” é produto de um "condicionamento sócio-políticoeconômico". Isso acontece porque as “pessoas mais vulneráveis à doutrinação são as que vivem em sociedades tecnológicas manipuladas pela mídia.” (p.108). De modo que os leitores a quem se destinam os textos publicitários perdem a capacidade de distinção entre a realidade objetiva e as fantasias perceptivas da realidade. Na disputa por consumidores, a propaganda busca manipular os consumidores dos produtos que são comercializados, recorrendo às práticas hegemônicas (GRAMSCI, 1988; 1995), induzindo ao consenso; e ideológicas (THOMPSON, 1995), favorecendo a sustentação do poder por meio do discurso publicitário (MAGALHAES, 2005). Diante dessa realidade, propomos, através desta pesquisa, fazer uma análise da propaganda de aparelhos celulares, tendo em vista que esse produto, nesses últimos anos, se tornou um símbolo do consumo. Isso porque o aparelho celular não é apenas um objeto material, uma mercadoria circulando na aldeia global. Além de um recurso para a comunicação, conforme destaca McGuigan (2005, p. 46), carrega um significado social, tendo em vista que “para alguns usuários o valor de signo desse objeto pode atualmente exceder seu valor de uso; funcionando como um fetiche mágico, que é certamente a mensagem de muita propaganda. O telefone celular é um símbolo dele próprio, um obscuro objeto de desejo e um signo dos tempos”. A mobilidade atribuída ao uso de um aparelho celular, principalmente àqueles mais modernos e com múltiplas funções, constrói no sujeito, segunda as palavras de Benasyag e Del Rey (2006. p. 8), a identidade de um “ser autônomo, nômade, senhor de si, que evolui conforme caminhos novos e imprevistos, como o capitão de um navio explorador”. O fascínio do uso de aparelhos celulares é tão grande que uma pesquisa realizada em 2009, pelo Instituto Synovate, mostrou que o consumo de aparelhos celulares entre os jovens no Brasil é bastante elevado. O país possui o maior consumo por troca de aparelho, com 24% das pessoas pretendendo comprar um celular novo em três meses e 12% que vão comprar com mp3. A inserção de novas funções tecnológicas nesses aparelhos tem contribuído significativamente para o consumo. Diante de tamanha demanda, a oferta é sempre crescente. A competitividade também, por isso, as grandes marcas de aparelhos de celular investe massiçamente na propaganda, a fim de garantir uma maior fonte de lucros, principalmente entre os consumidores mais jovens.

4 Metodologia

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Essa é uma pesquisa qualitativa, que não busca fazer grandes generalizações, dentro do paradigma da Linguística Aplicada, que se justifica na sua relevância social (MOITA LOPES, 1996). A análise aqui empreendida levará em consideração a disposição das estruturas imagísticas nas propagandas de aparelhos celulares, veiculadas pelas principais empresas, dentre elas destacamos: Sony, Samsung, Nokia, LG e Motorola. Essas empresas são as mais poderosas do mercado, suas propagandas tendem a ser mais recorrentes, e estão presentes nos principais veículos midiáticos do país. Em virtude das limitações inerentes ao gênero artigo científico, nos limitaremos, para essa análise, a duas propagandas, uma da NOKIA (Imagem 1) e outra da LG (Imagem 2).

5 Propostas IMAGEM (1)

5.1 Significados Representacionais da imagem

O anúncio da Imagem (1) diz respeito a uma propaganda de um aparelho celular da marca NOKIA. Este apresenta a imagem de quatro pessoas, sendo que três delas estão sendo fotografadas por outro participante que não aparece na imagem.

Através do gênero

propaganda, as imagens são intercaladas ao texto verbal, a de reproduzir determinados discursos estruturados na sociedade (FAIRCLOUGH, 2003). A expressão em inglês There are things that when you tell about them, no one believes visa à aquisição do produto, que deverá acompanhar o usuário a todo o momento. Há uma construção identitária na imagem, a 95


de um homem que foge aos padrões de beleza, e que precisará provar, através da foto retirada pelo celular, que esteve cercado por mulheres bonitas. A partir da categoria representacional, a imagem pode ser analisada tanto como uma estrutura conceitual analítica quanto narrativa transacional. Os participantes que estão na foto da imagem não estão em ação, não há um vetor, estão posicionados estáticos, em pose de fotografia. Mas não podemos deixar de atentar para o fato de que existe uma foto dentro de outra foto. O fotógrafo, que não aparece, está com sua mão direcionada como vetor, para fotografar. Nesse caso temos uma estrutura narrativa transacional, já que os fotografados estão reagindo ao foco. Um celular não é apenas um aparelho para fazer ligações para pessoas, é também uma máquina para fotografar, e no caso da imagem, a câmera fotográfica proveniente do celular serve como uma prova de que o participante do sexo masculino na foto (cuja aparência física não é apreciada de acordo com os padrões de beleza impostos pela sociedade) está, de fato, ao lado de três participantes do sexo feminino (cujas aparências físicas seguem o modelo imposto pela sociedade, além de serem considerados símbolo de desejo sexual) em uma praia, e esta fotografia servirá como prova para aquele que questionar/duvidar do momento vivido pelo participante homem.

5.2 Significados Interativos da imagem

O anúncio apresenta o contato de demanda, uma vez que, os participantes olham diretamente para o leitor/observador. A distância social é o plano social do tipo plano médio de acordo com a imagem de três participantes. O ponto de vista (perspectiva) representa o ângulo frontal, porque propõe uma aproximação entre o observador e os participantes. A modalidade da imagem é naturalista, pois retrata a imagem de forma natural. O participante masculino, na Imagem (1) interage não apenas com aquele que fotografa, mas também com quem o observa. Ele quer ser percebido como alguém que, apesar dos seus poucos dotes físicos, pode ser apreciado por mulheres bonitas. Essa é uma identificação que a imagem pretende construir no imaginário do observador. A propaganda não vende apenas produtos, mas também estilos, modos de pensar e de ser. Adquirir determinados produtos, tal como um celular, pode fazer com que o comprador se torne aceito. A aceitabilidade tem a ver com os estilos, na medida em que se pretende causar identificação dos sujeitos. Os potenciais consumidores do aparelho celular não adquirirão apenas um produto, mas uma condição de ser, dentro dos repertórios sociais. Os rapazes 96


jovens, mais notadamente os adolescentes, têm razões para adquirem um celular de última geração. Eles são beneficiados não apenas com a compra, mas também com a maneira que serão percebidos pelos outros. Portar um aparelho celular de última geração demarca, na sociedade tecnológica, um modo de se apresentar, de ser reconhecido.

5.3 Significados Composicionais da imagem

Com relação ao valor da informação, a imagem das pessoas na foto é o elemento dado, e o celular, posicionado no lado direito, é o elemento novo. A ênfase dada ao celular tanto em seu posicionamento, tamanho e cores na imagem aumentam seu grau de saliência. E na estruturação, há linhas divisoras que unem os elementos da propaganda. O primeiro plano (imagem do celular) é forte, pois o objetivo é destacar a tecnologia do celular, sua mais nova função, que é a câmera, e o segundo plano (a imagem dos participantes sendo fotografados) é fraco, pois não é o objetivo da propagando destacá-lo. O rapaz da imagem foi colocado entre as mulheres, essa posição central na foto tem valor informacional. Estar cercado por jovens bonitas alimenta o imaginário masculino, instiga ao consumo. As moças da foto, que mais parecem modelos de desfile de modas, se encontram em trajes de banho, no contexto de uma praia. O interesse dessas jovens pelo rapaz ocorre, de acordo com a propaganda, por uma peripécia do destino, e precisa ser registrado. Situações como essas não podem ser provadas, pois as pessoas não acreditarão quando forem ditas. A mão que fotografa o jovem feliz entre as moças bonitas está um pouco mais adiante na foto, chamado a atenção para o detalhe. IMAGEM (2)

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5.4 Significados Representacionais da imagem

Nesta propaganda vemos apenas um participante em uma ação narrativa nãotransacional, na qual não é possível identificar a meta nem de onde sai o vetor. O participante realiza uma ação irreal pulando para dentro do celular, ressaltando, assim, a informação no balão rosa: a mais nova característica do aparelho (um celular com tela maior e imagem melhor) e a frase em inglês : Now it’s all possible (Agora tudo é possível). Esta informação é uma forma de apelar para a aquisição de um celular com características muito melhores. As empresas de celular vivem buscando isso: superar as outras em termos de tecnologia para consequentemente atrair mais consumidores. A ação da criança se lançar dentro do lago, que se confunde com a tela de cristal líquido do aparelho celular, é um convite a se lançar em um universo paralelo, repleto de possiblidades infinitas. O discurso consumista interpela a possibilidades nem sempre garantidas pelos sujeitos que são posicionados de forma diferente do real nas imagens da propagadas. Por outro lado esse é um ato de violência simbólica, na medida em que oferece aos supostos consumidores, um produto que não lhes é garantida a possibilidade de adquiri-lo. A aula de línguas, conforme assume Rajagopalan (2003), possibilita um ambiente no qual não apenas o idioma é ensinado, mas também as condições sociais que alicerçam as decisões e (im)possibilidades dos observadores.

5.5 Significados Interativos da imagem

A propaganda apresenta um contato de oferta. É bastante evidente que o participante não está olhando diretamente para o observador. Há um plano de intimidade entre leitor e participante ao apresentá-lo em plano aberto, ou seja, de corpo inteiro. Referente ao ponto de vista, o participante é apresentado em ângulo vertical, passando uma idéia de poder do observador em relação a ele (o participante), sendo apresentado, assim, em câmara alta. A modalidade da imagem é sensorial, devido à ação realizada pelo participante com o celular. Essa modalidade não foi escolhida de modo aleatório. Por meio da ação do participante saltando para dentro do celular, a propaganda quer mostrar o excelente efeito de imagem que o objeto produz e que o consumidor se coloque no lugar do participante. Ela pretende ressaltar, assim, que o celular opera coisas que até então seria impossível e que o consumidor, a partir do momento que o possuir, vai ter acesso ao mais novo mundo da

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tecnologia. Enquanto observamos o anuncio, somos influenciados a consumir o aparelho celular, fascinados pelas aparentes possibilidades que promete. Um dos objetivos da propaganda é causar identificação, nem sempre garantida pelos recursos imagísticos. O ângulo da imagem posiciona os observadores a se colocarem em movimento, na direção do lago, a entrarem nesse mundo de “faz de conta”. O apelo ao universo infantil não é casual, trata-se de uma estratégia argumentativa, a fim de inserir o observador nesse mundo. Isso porque os aparelhos celulares cada vez mais trazem jogos eletrônicos, eles se tornaram brinquedos para adultos, que servem até para se comunicarem, casos as operadoras permitam, considerando que essas lucram, em alguns casos desrespeitando os consumidores.

5.6 Significados Composicionais da imagem

Com relação ao valor da informação, vemos posicionado no centro da imagem o próprio celular funcionando como núcleo da imagem e tendo os outros elementos subordinados a ele. Esse elemento central é também o elemento de maior saliência na imagem servindo para reforçar o valor central. Não há linhas divisórias que separam os elementos, sendo então uma imagem com estruturação fraca. A informação dada ao lado direito da imagem (no balão rosa) está servindo apenas para comprovar a ‘informação nuclear’: o ótimo design do aparelho que, talvez, para muitos seria impossível de ser alcançado. Há uma extensão, a partir do tamanho do celular, com o próprio rio no qual esse se encontra. A transparência da água remete a tela de cristal líquido, apresentadas como um feito tecnológico. A frase em inglês, à esquerda e acima: Live in greatness (Viva com grandeza) visa produzir um efeito de empoderamento naquele que adquire o produto. A mania de grandeza predomina no discurso liberal neocapitalista, essa é uma linguagem decorrente da globalização, que exclui aqueles que são considerados incompetentes (FAIRCLOUGH, 2006). As propagandas de aparelhos celulares mostram artefatos em tamanhos que chamem a atenção, e identifica seus usuários a partir dessa saliência. Possuir um celular de tamanho maior realça a posição social do seu proprietário, posicionado-o em condição superior aqueles que não são capazes de ter um aparelho de igual tamanho. A cultura da segregação pelo consumo é fomentada, na medida em se mensura a potencialidade da pessoa pela sua possibilidade de apropriação.

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Considerações finais

As análises das Imagens 01 e 02 demonstram as múltiplas estruturas utilizadas pela linguagem da propaganda, a fim de posicionar as pessoas como consumidoras de produtos tecnológicos. Em relação à Imagem 01 há duas imagens, uma dentro da outra, a supostamente real, na qual os participantes são conceituados, especialmente um homem, entre mulheres bonitas, posa para uma foto, retirado por uma celular, por meio da qual uma mão em posição de vetor, capta aquela imagem. Esse participante interage com o observador a fim de invocálo a fazer parte dessa realidade, e por isso, mesmo que esteja em posição inferior, pode partilhar de uma situação semelhante. Mesmo não satisfazendo os padrões de beleza assumidos pela sociedade, poderá ser admirado, mas para isso precisa adquirir um celular com qualidade, principalmente com a possibilidade de registrar esses momentos. Em relação à Imagem 02, destacamos a saliência do aparelho apresentado, e sua extensão com um rio. O participante representado age em direção à água, que espelha na tela de cristal líquido, como um rio. A tecnologia promete prazer, de tal modo que possa ser comparado àquele da natureza. Possuir um celular tão grande, e com tamanhas possibilidades, coloca o observador diante do infinito, de uma experiência vista de cima, por isso transcendental. Não é a natureza que é grande diante do homem, mas a tecnologia, o celular enorme, posicionado no centro da imagem, codifica o valor de uma informação em detrimento de outras, até mesmo do ser humano, diminuído diante da imensidão do aparelho. Consoante ao exposto, destacamos a relevância desse tipo de análise a fim de identificar estruturas representacionais, interativas e composicionais em textos da propaganda. No caso daquelas veiculadas na mídia, a fim de incentivar a aquisição de aparelhos celulares, favorecendo um suposto engrandecimento do observador, interpelando-o à aquisição do produto. Esses aspectos visuais remetem a uma realidade pautada em uma ideologia que favorece o consumo, e que sustenta a hegemonia da indústria de aparelhos celulares. Atentaremos posteriormente para essa abordagem ao fazer uma análise crítica das imagens anteriormente apresentadas. Esse tipo de análise, na aula de línguas, tanto de primeira (L1) quanto segunda língua (L2) possilita o empoderamento dos aprendizes. Essa é uma responsabilidade social dos professores de línguas, considerando que as propagandas de aparelhos celulares são direcionadas principalmente para os jovens. A utilização desses textos em contextos escolares favorece o letramento crítico, tendência de pesquisa cada vez mais constante em ambientes acadêmicos (FLORES-KOULISH, 2005). Os professores de línguas poderão, conforme 100


sugerem Schawtz e Brown (2005), inserir essa abordagem no currículo escolar. Esse tipo de letramento, de acordo com Grygorian e King (2008, p. 1), favorece discussões a respeito de como a mídia “conceitualiza raça, classe e gênero e como essa promove determinados valores sociais (...) e analisa como os estudantes acessam, analisam e avaliam os textos em termos em termos de suas ramificações socioeconômicas, ideológicas e políticas”. Com essa proposta esperamos contribuir para o letramento midiático crítico de jovens da escola pública, que se tornam vítimas, em potencial, de uma violência simbólica (BOURDIEU, 1998). Ao mesmo tempo, possibilitar uma formação crítica, dentro de uma perspectiva educacional que os conscientize, com vistas à mudança social (FAIRCLOUGH, 2001). Através dessa conscientização crítica, partilhamos, com Freire (2011, p. 139), o anseio por um ensino de línguas que seja capaz de colaborar na indispensável organização reflexiva dos estudantes, que ponha à disposição meios pelos quais seja capaz de “superar a captação mágica e ingênua de sua realidade, por uma dominantemente crítica”.

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VII

ANÁLISE DE ERROS: ESTUDO DAS ADAPTAÇÕES LÉXICAS PRODUZIDAS POR ALUNOS BRASILEIROS EM TEXTOS ESCRITOS Pedro Adrião da Silva Júnior Yordanys González Luque

PEDRO ADRIÃO DA SILVA JÚNIOR é professor da Licenciatura em Letras com Habilitação em Língua Espanhola e suas respectivas Literaturas e do Curso de Especialização em Ensino-Aprendizagem de Línguas Estrangeiras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Coordenador do subprojeto em Língua Espanhola do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID. Licenciado em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Doutor em Língua Espanhola pela Universidad de Salamanca (USAL). Membro do Grupo de Pesquisa em Lingüística e Literatura (GPELL) da UERN. Atualmente realiza pesquisas concernentes ao ensino do espanhol como língua estrangeira, nas áreas da Pragmática, da Linguística Contrastiva e da Análise do Discurso, especificamente no uso dos Marcadores do Discurso. Coordena projeto do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Utilização de filmes como recurso audiovisual nas aulas de espanhol como língua estrangeira: elaboração de atividades didáticas – Parte II”, da FALA/UERN, RN. pedrolatino9@hotmail.com

YORDANYS GONZÁLEZ LUQUE é aluno do programa de Doutorado em Educação da Universidad de Salamanca e professor do curso de pós-graduação em da Universidade Interamericana. Licenciado em Educação na Especialidade de Historia pelo Instituto Superior Pedagógico Enrique José Varona (2000), e Licenciado em Filologia pela Universidade da Havana (2000). Atualmente realiza pesquisas nas áreas de língua espanhola, ensino e novas tecnologias e educação, além de formação de professores em novas tecnologias e letramento digital. Membro do grupo de pesquisa em educação inclusiva da faculdade de educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. yordanysgonzalezluque@gmail.com

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Introdução

O presente artigo pretende descrever e reflexionar sobre os erros que encontramos em uma pesquisa, realizada a partir de textos escritos por alunos da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), do quinto e sexto semestres da Licenciatura em Língua Espanhola, na qual analisamos as principais adaptações léxicas que realizam os alunos brasileiros quando pretendem se expressar na língua espanhola. Em nossa prática docente, observamos, com muita frequência, em textos escritos e orais, frases como: “Yo toco violón”, “Fue un viaje inesquecible” ou “Vivo en el cientro de la ciudad”. As adaptações que sofrem os vocábulos anteriores são constantes entre os alunos luso-falantes ao tentar se expressar em espanhol, por desconhecer o léxico correspondente na língua espanhola, principalmente nos níveis iniciais. O aluno emprega, indistintamente, o sufixo -ón do espanhol às palavras do português cujo sufixo é –ão. Também é comum trocar a letra -o por, ue e o –e por ie, como se tratassem de formas ditongadas. Estas construções são, para muitos brasileiros, a marca da língua espanhola e ao acrescentar –ie ou –ue às palavras, ou trocar o sufixo –ão do português por –ón do espanhol, já se consideram “falantes do idioma espanhol”. Por tanto, as análises que pretendemos mostrar a continuação, deixam evidente que os alunos utilizam estratégias para comunicar-se na nova língua, por desconhecimento ou insegurança no que concerne ao léxico da língua estrangeira, neste caso específico, a língua espanhola. Procuraremos, através desta análise, conseguir os objetivos propostos com a finalidade de conhecer melhor as características que compõem a interlíngua dos alunos brasileiros, pois acreditamos que estes dados põem ser úteis para auxiliar aos professores a planejar suas aulas, seu material pedagógico de acordo com as necessidades do grupo. Evidentemente, conhecendo a interlíngua dos alunos e suas dificuldades, podemos trabalhar diretamente estas dificuldades baseando nos erros específicos e consequentemente melhorar os resultados no ensino da língua espanhola, propósito final desta pesquisa.

1 Fundamentação teórica

Anteriormente, a pesquisa acerca da aquisição de uma segunda língua se realizava através da análise contrastiva, pois se pensava que os erros que cometiam os alunos de uma língua estrangeira procediam da língua materna. No final dos anos sessenta e princípio dos anos setenta, aparece um novo modelo para pesquisar a aquisição de uma língua estrangeira, a 104


Análise de erros (AE), uma ponte entre a Análise Contrastiva e a Interlíngua (IL), que surge com as declarações de alguns pesquisadores de que um grande número de erros não podia ser explicado pela interferência com a língua nativa, do qual se inferia que havia outras fontes que ocasionavam o erro, sendo necessário, por tanto, ampliar o conceito de interferência (GARGALLO, 1992, p. 140-141). Com a publicação do artigo de Corder (1967) intitulado The significance of learners errors põe-se em evidência o estudo sistemático dos erros que cometem os alunos de uma língua não nativa (DURÃO, 2004, p. 46). Segundo Corder (1967), os erros são inevitáveis e importantes no processo de aquisição, pois são fontes de informação sobre a natureza do conhecimento de quem aprende. Também mostram e caracterizam um sistema de língua novo que utilizam os alunos para se comunicar, o qual não é o mesmo da língua nativa nem tampouco da que se está aprendendo (GARGALLO, 1993, p. 85). A esta nova língua a consideram um “dialeto idiossincrásico”, “interlíngua”, “sistema aproximativo” e que possui suas peculiaridades. Posteriormente, depois de ter sido evidenciado que a maioria dos erros nem sempre se devia à interferência da língua materna, pôde-se fazer a diferença entre os chamados erros de interlíngua (os que realmente são produzidos pela influência da língua materna) e os erros de intralíngua (produzidos por outras razões, tais como: hipercorreção, simplificação, sobregeneralização, etc.). Corder (1967) também estabelece a diferença entre erro e falta. Segundo este pesquisador, a falta está relacionada com a atuação. Trata-se de um fato pontual e pode ser provocado por fatores como o cansaço, a distração, o nervosismo, etc. Por outro lado, o erro se produz no nível da competência e mostra um determinado estado de aprendizagem. Norrish (1983, apud GARGALLO, 1992, p. 73) conceitualiza o error como “uma desviação sistemática” e falta como “uma desviação inconsciente e eventual”. Além destes conceitos, este pesquisador também propõe o conceito de lapsus, sendo “uma desviação decorrente de fatores extralinguísticos, como falta de concentração, memória curta, etc”. Com as mudanças que sofre a AE em seus pressupostos teóricos, nasce a análise de interlíngua (IL), a qual é considerada a continuação entre a análise contrastiva e a análise de erros, processo pelo qual atravessam os aprendizes durante a aprendizagem de uma língua não nativa e que, por tanto, é diferente da língua materna e da língua que se está aprendendo. Este novo campo de pesquisa foi batizado por Selinker em 1969 e reelaborado em 1972. Utiliza-se o termo interlíngua para fazer referência ao sistema não nativo do aprendiz de uma segunda

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língua ou língua estrangeira, com a afirmação de que este sistema constitui uma linguagem autônoma (GARGALLO, 1993, p. 125). Gargallo (1993, p. 128-129) aponta as seguintes características da interlíngua: ▪ Sistema lingüístico diferente de L1 e L2; ▪ Sistema internamente estruturado; ▪ Sistema constituido por etapas que se sucedem; ▪ Sistema dinâmico e contínuo que muda através de um processo criativo; ▪ Sistema configurado por um conjunto de processos internos; ▪ Sistema correto em sua própria idiossincrasia.

Por outro lado, Adjémian (1982, apud GARGALLO, 1993, p. 133) caracteriza, de forma geral, a interlíngua da seguinte maneira: ▪ Fossilização: fenômeno linguístico que mantém, de maneira inconsciente e persistente, características da gramática da língua materna na interlíngua; ▪ Regressão voluntária: fenômeno linguístico que se manifesta quando se descobrem na IL regras ou vocábulos que se desviam da norma da língua meta, desviações que pareciam ter sido superadas em etapas anteriores em benefício de outras estruturas mais próximas – desde um ponto de vista normativo e pragmático – às que produziriam um falante nativo em circunstâncias similares; ▪ Permeabilidade: fenômeno linguístico que permite às regras da L1 introduzirem no sistema interlinguístico, ou que possibilita sobregeneralizações das mesmas regras.

Para este pesquisador, a interlíngua é uma língua natural, pois: ▪ Uma comunidade de aprendizes a comparte; ▪ Possui um sistema de regras; ▪ Desenvolve-se ao longo de um processo de evolução.

Para concluir, podemos dizer que a interlíngua é um código linguístico que utiliza o aprendiz ao comunicar-se na língua meta para conseguir seus objetivos comunicativos e que durante este processo, além das estruturas corretas, o aluno também produz erros, os quais são vistos como um sinal de que a aprendizagem está ocorrendo, e ao reconhecê-los, trabalhar 106


diretamente nestes erros para que não se repitam, garantindo, desta maneira, uma melhor aprendizagem da língua meta. Os critérios empregados para as pesquisas de análise de erros são utilizados para reconhecer e classificar os erros que cometem os alunos. Com o objetivo de lograr nossos objetivos, elegemos o critério gramatical, o linguístico, o etiológico e o pedagógico.

2 Aspectos metodológicos

Este artículo baseia-se na análise de erros da interlíngua de estudantes brasileiros aprendizes de espanhol. Caracteriza-se por ser uma pesquisa quali-quantitativa e descritiva. Para esta finalidade, analisamos 25 textos escritos por alunos da Licenciatura em Língua Espanhola, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, com o intuito de contrastar as estruturas das duas línguas, o português (língua materna) e o espanhol (língua objeto), apontar, descrever e justificar os erros específicos deste corpus, precisar as estratégias que costumam utilizar os alunos para comunicar-se na língua estrangeira, neste caso, a espanhola. A escolha por um texto escrito nos aprece fundamental por algumas razões: 1. Nosso propósito é analisar os erros de interlíngua que cometem os alunos, especificamente ao escrever e esta atividade baseia-se mais no conteúdo; 2. Ao escrever, o aluno se sente mais livre, tem mais tempo para pensar, expressar-se e mostrar seu conhecimento na língua meta; 3. Na escrita, pode-se saber com mais claridade o que conhece o aluno da língua estrangeira, como pensa nesta língua, o que domina nesta nova língua e que interferência produz.

Utilizamos a linguística contrastiva prática e seus três modelos teóricos: a análise contrastiva, a análise de erros e a interlíngua.

3 Estudo das adaptações léxicas

Em nosso corpus encontramos um total de 130 erros. No âmbito das adaptações léxicas consideramos os seguintes erros:

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a) Empréstimos literais: compreende o emprego de léxicos do português cuja forma não possui significado em espanhol (empréstimos literais), produzindo a transferência de um significante (forma) do português para um significado já existente em espanhol (BENEDETTI, 2001, p. 11); Em nosso estudo, analisaremos as formas contraídas (preposições + artigos). b) Empréstimos adaptados: consistem na adaptação gráfica de léxicos complexos do português, gírias, expressões idiomáticas geralmente de uso coloquial, cujo significado em espanhol é duvidoso ou não se encaixa no contexto. O sujeito traduz literalmente elemento por elemento, desde a sua língua materna ao idioma que está estudando (BENEDETTI, 2001, p. 11). Todas estas estratégias são comumente utilizadas por alunos que estudam uma língua estrangeira e diante de suas carências, recorre a outras fontes para sanar essas carências linguísticas. Em nossa pesquisa, descreveremos os empréstimos adaptados de palavras que são formadas a partir da mescla de prefixos e sufixos das duas línguas em estudo e também do emprego de empréstimos adaptados de expressões idiomáticas que provêm do português. Iniciaremos as descrições dos erros das adaptações léxicas produzidas pelos empréstimos literais, os quais correspondem à transferência léxica da língua portuguesa usada pelos alunos com a finalidade de transmitir uma mensagem na língua estrangeira.

3.1 Empréstimos literais

Capuz (1998, p. 18-19) estabelece algumas definições acerca do termo empréstimo. Uma das primeiras definições, segundo este autor, é a do linguista italiano Pisani (1946), que define empréstimo como “uma forma de expressão que uma comunidade linguística recebe de outra”. Outras definições que encontramos em Capuz é a que propõe Tagliavini (1973):

Entende-se por empréstimo ou voz emprestada uma palavra de uma língua que provém de outra língua, distinta da que constitui a base principal do idioma que recebe, ou que, se procede de dita língua base, não é por transmissão regular, contínua e popular, senão por ter sido tomada posteriormente.

Também encontramos em Capuz (1998) o conceito que estabelece Cannon (1992), o qual que define o empréstimo como “a transferência de uma linguagem a outra de elementos linguísticos (formas, sons e inclusive estruturas gramaticais), geralmente em uma forma alterada e às vezes total ou parcialmente traduzida”.

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Os seguintes exemplos de empréstimos literais se referem aos artigos e às formas contraídas do português: presença das preposições por, de y en + artigos:

Escrita dos alunos

Formas corretas

“Um certo dia, caminando pela playa...”

por la

“... como la mas bela das estrelas...”

de las

“... parecia uma escultura, um debujo, que o artista...” “... Trabajando todos os dias, pela por la, manhana e pela tarde...”

por la

“Llegamos temprano de lo viaje”

del

Nos exemplos acima vemos que os alunos escrevem literalmente as contrações, união das proposições e os artigos da sua língua materna e inclusive tenta utilizar a estrutura da língua espanhola, a preposição separada do artigo, mas infelizmente emprega o artigo equivocado por desconhecer o gênero da palavra viaje em espanhol.

3.2 Empréstimos adaptados

Os empréstimos adaptados, segundo Benedetti (2001, p. 20), são resultados da adaptação gráfica ao espanhol de lexias complexas do português, gírias e expressões idiomáticas geralmente de uso coloquial, cujo significado em espanhol é duvidoso. O sujeito traduz literalmente elemento por elemento, desde a sua língua materna ao idioma que está aprendendo. Analisaremos cada erro produzido pelos alunos quanto aos empréstimos adaptados, Os seguintes exemplos de empréstimos adaptados que encontramos no corpus mostram adaptações, fonêmicas e/ou gráficas, ao sistema da língua espanhola. Estes exemplos mostram que o aluno utiliza a estratégia da hipergeneralização: a) “...un niño tocaba violón y los demás cantaban”.

Em português, o vocábulo violão corresponde à guitarra em espanhol. Geralmente, o sufixo –ão do português equivale a –ón do espanhol. No exemplo, o aluno faz uma 109


adaptação léxica por desconhecer o léxico na língua objeto, mudando o sufixo da sua língua materna a um correspondente à língua espanhola, utilizando a estratégia de hipergeneralização. b) “…nosotros tenemos más de diez álbuns fuera las fotos de mis tios”.

Nesta frase, o aluno emprega o léxico fuera do espanhol, como se tratasse de uma adaptação da palavra fora do português, equivalente a además em espanhol.

c) Nos exemplos abaixo, o aluno troca o sufixo da sua língua materna a um equivalente à língua espanhola para poder se expressar nesta língua:

Escritura dos alunos

Formas corretas

“...fue una viajé inesquecible...”

inolvidable

“...estaba lleno de gente, había un calor insuportable...”

insoportable

A palavra inolvidable do espanhol equivale a inesquecível em português. O aluno, por hipergeneralização, troca o sufixo –vel do português por seu equivalente –ble em espanhol. A mesma estratégia utiliza o aluno no segundo exemplo, em que muda o sufixo da palavra insuportável do português por seu equivalente espanhol, -ble.

d) Nos próximos exemplos, os alunos também utilizam a estratégia da hipergeneralização:

Escritura de los alumnos

Formas correctas

“...que tienen la misma seguridad de los pisos y el confuerto de una casa...”

Confort

“...en una tienda muy elegante en el cientro de Madrid...”

Centro

As adaptações que sofrem os vocábulos anteriores são muito frequentes entre os alunos luso-falantes ao tentar se expressar em espanhol, por desconhecer as lexias

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correspondentes na língua espanhola, principalmente nos primeiros níveis. O aluno troca o –o por ue, e o -e por ie, como se tratasse de formas ditongadas. Nos exemplos a continuação, os alunos realizam adaptações das lexias, utilizando sufixos da língua espanhola ou adaptando alguns vocábulos a outros existentes nesta língua. A estratégia que utiliza o aluno é a derivação errônea, o uso generalizado de regras morfológicas da língua meta, produzindo derivações errôneas. Esta estratégia mostra o desconhecimento e a insegurança do aluno quanto à escrita das lexias na nova língua. Nos exemplos a seguir, mostraremos o uso de expressões idiomáticas tipicamente brasileiras, em que os alunos tentam adaptá-las, traduzindo elemento por elemento do português: e) “Yo tengo certeza que un día seré una cantante de éxito!” O aluno emprega a estrutura tengo certeza27 (tenho certeza, do português) em vez de estoy seguro, forma usual na língua espanhola. f) “La color eres blanca solo con alguns detalhes de otra cor para dar un diferencial28. O emprego de para dar un diferencial, é utilizado no sentido de de “destacar”, “diferenciar”, “sobresair uma cor da”. g) “… pero tuvo muchas cosas que llevava a la dar todo errado…”

O aluno emprega llevava a la dar todo errado, tradução literal da expressão portuguesa informal dar tudo errado, para indicar que as coisas não iam sair bem, como se esperava. h) “…entonces la recepcionista dijó que hiciéramos otra reserva que estava sobrando dos habitaciones…”

O emprego de estava sobrando, forma coloquial muito usada no Brasil para referirse a desocupadas, livres. 27 28

Esta expressão aproxima-se mais de tengo la certeza de. Em espanhol se diz: para marcar un diferencial.

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i) “...y el hombre del hotel dijo que miráramos derecho…”

O emprego de miráramos derecho, adaptação do português de olhássemos direito, significando, em espanhol a mirásemos bien. j) “Al final todo quedó cierto y la viaje fué muy buena”.

O emprego de al final todo quedó cierto, tradução literal da expressão coloquial portuguesa a a final tudo ficou certo, que em espanhol significa al final todo quedó claro/ resuelto. l) “…e despues quedaron todos unidos…” O aluno utiliza quedar unido, uma adaptação do português “ficar unido”, que em espanhol significa “unirse”. Como se observa neste corpus de nível inicial é grande o número de empréstimos literais, porém, em níveis mis avançados, segundo Benedetti (2001, p. 12), estes empréstimos são menos frequentes e quando ocorrem costumam ser por duas razões: a) o aluno desconhece a correspondente formal do significado que quer emitir na língua estrangeira; b) o aluno simplesmente não recorda, no momento da elocução, a forma que corresponde ao significado que pretende enunciar.

Conclusões

O estudo sobre as adaptações léxicas produzidas por alunos brasileiros em textos escritos pretendia, como frisamos no início deste artigo, estudar e analisar os erros que cometem estes alunos, contrastar as estruturas das duas línguas em estudo, descrever e justificar os erros específicos deste corpus e precisar as estratégias que utilizam os alunos para se comunicar na língua espanhola. No que concerne aos erros no campo léxico, podemos dizer que os equívocos que encontramos nas análises são causados por interferência da língua materna. Segundo Ulsh (1971, apud ALMEIDA FILHO, 1995, p. 14), mais de 85% do vocabulário do português 112


possui cognatos em Espanhol. Obviamente, com esta cifra se supõe que as semelhanças entre as duas línguas no campo léxico faz com que os alunos brasileiros tenham maior facilidade em aprender espanhol, porém, possivelmente haja também falsas semelhanças que podem provocar interferências e inclusive mudança de significado na comunicação. Em nosso corpus, os erros analisados no campo léxico-semântico, precisamente quanto ao uso dos empréstimos literais e as adaptações léxicas, os alunos brasileiros empregaram um total de 114 palavras do português e realizaram adaptações de algumas palavras das duas línguas estudadas, acrescentando sufixos e/ou prefixos. Esta estratégia experimentada pelos alunos possui como objetivo formar palavras na língua espanhola, na tentativa de elaborar um texto genuinamente espanhol. Todos os objetivos propostos tinham, como finalidade principal, conhecer as dificuldades que experimentam os alunos. Esperamos, pois, ter contribuído na área da linguística contrastiva e que a partir dos dados encontrados, os professores possam selecionar e elaborar materiais adequados de acordo com as deficiências que possuem os alunos e que foram detalhadas ao longo deste estudo.

Referências bibliográficas

ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. (org.) Português para estrangeiros interface com o espanhol. 2ª ed. Campinas: Pontes, 1995. BENEDETTI, Ana Mariza. Interferencias semánticas del portugués en el aprendizaje del español. Forma, Formación de Formadores. Madrid: 2001. CAPUZ, Juan Gómez. El préstamo lingüístico. Conceptos, problemas y métodos. Valencia: Universitàt de València, 1998. DURÃO, Adja Balbino de Amorim Barbieri. Análisis de errores en la interlengua de brasileños aprendices de español y de españoles aprendices de portugués. Londrina: Eduel, 2004. GARGALLO, Isabel Santos. La enseñanza de segundas lenguas. Análisis de errores en la expresión escrita de estudiantes de español cuya lengua nativa es el serbo-croata. Madrid: Editorial de la Universidad Complutense de Madrid, 1992. GARGALLO, Isabel Santos. Análisis Contrastivo, Análisis de Errores e Interlengua en el marco de la Lingüística Contrastiva. Madrid: Síntesis, 1993.

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VIII

ANÁLISE DAS DIFICULDADES ORTOGRÁFICAS DE BRASILEIROS ESTUDANTES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Maria Solange de Farias

MARIA SOLANGE DE FARIAS é graduada em Letras - Português/Espanhol e Literaturas pela Universidade do Estado do Ceará – UECE (2000). Especialista em ensino de Língua Portuguesa pela UECE (2005). Mestra em Linguística Aplicada pela UECE (2007). Atualmente é Doutoranda em Língua Espanhola pela Universidade de Salamanca e Professora Adjunta de Língua e Literatura de Língua espanhola do Departamento de Letras Estrangeiras da Faculdade de Letras e Artes da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, onde participa como membro do Grupo de Pesquisa em Linguística e Literatura – GPELL desenvolvendo pesquisas na área de ensino-aprendizagem de língua espanhola. solange_espanha@yahoo.com.br

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Introdução

A Linguística Aplicada é uma disciplina científica orientada pelos conhecimentos que oferece a linguística teórica sobre a linguagem. Seu objetivo principal é a solução dos problemas linguísticos originários do uso da linguagem em determinada comunidade linguística (GARGALLO, 2005). A Linguística Contrastiva (LC), subdisciplina da Linguística Aplicada, entra neste universo com seu interesse pelos efeitos que as diferenças entre as estruturas da língua materna (LM) e da língua estrangeira (LE) estudada produzem no processo de ensino aprendizagem de LE. Seu objetivo principal é estabelecer uma gramática contrastiva onde estejam reunidas as gramáticas descritivas de duas línguas que possibilite predizer que partes da estrutura fonética, morfológica ou sintática podem representar dificuldades para os aprendizes ao estudar uma língua estrangeira. De acordo com Gargallo ( 2005, p. 37), “Quase todos os pesquisadores parecem estar de acordo em utilizar o termo Linguística Contrastiva para se referir ao tipo de pesquisa baseada na comparação de duas ou mais línguas, geralmente a língua nativa do estudante e a língua estrangeira”. Em seu desenvolvimento, a LC sofreu reformulações e vários modelos de teorias linguísticas surgiram normalmente relacionados aos erros cometidos pelos alunos no processo de ensino e aprendizagem. A partir destes erros, muitos teóricos buscaram explicações, objetivando entender a natureza destes. Desta forma, os pesquisadores da LC desenvolveram alguns modelos de análise linguística: A Análise de Erros (AE), A Análise Contrastiva (AC) e a Teoria da Interlíngua (IL). Estes modelos de análise apresentam diferenças quanto aos princípios metodológicos utilizados, ao corpus de dados que empregam, aos resultados e às consequências didáticas que obtêm. O desejo de formar alunos mais proficientes, a necessidade e o desejo de conhecer mais sobre o processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras e o crescente interesse dos Este é um estudo descritivo, pois nele só observamos, analisamos e descrevemos um fenômeno já existente sem fazer qualquer intervenção. O corpus que serviu de base para este estudo foi uma produção escrita dos informantes. Acompanhamos um único grupo em três diferentes estágios de interlíngua e analisamos um total de 42 produções. O motivo de escolher diferentes estágios de interlíngua é observar a fossilização dos erros gráficos mais comuns nestes diferentes estágios de aprendizagem.

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Nosso trabalho está organizado em três capítulos. Nos três primeiros expomos as características dos três modelos de análise linguística da Linguística Contrastiva e no último analisamos e discutimos os resultados práticos da nossa pesquisa.

1 Análise contrastiva: a aprendizagem sobre a influência da língua materna do aprendiz A Análise Contrastiva trabalha com a comparação das características de duas ou mais línguas estudadas. Seu objetivo é mostrar as possíveis interferências na aprendizagem de uma LE em função do conhecimento linguístico que tem o aprendiz de sua língua materna (DURÃO, 2004b). Na AC afirma-se que um estudante de LE terá mais facilidade em aprender as formas linguísticas que na língua alvo são semelhantes ao de sua língua materna; no entanto, enfrentará grandes dificuldades na aprendizagem das formas que entre as duas línguas não tenham nenhuma semelhança. Diz-se que há uma transferência positiva quando os elementos da LM ajudam de forma positiva na aprendizagem da LE e há uma transferência negativa/interferência quando os elementos tomados do sistema da LM para os da LE dificultam a aprendizagem do aluno e não o deixa prosperar. Do ponto de vista psicolinguístico, a AC se fundamenta numa teoria que previa o aprendizado dos comportamentos linguísticos e não linguísticos por meio de estímulos, reforços e privações. Um estímulo externo provoca uma resposta externa. Se esta resposta for reforçada positivamente, a tendência é que o comportamento se mantenha. Se for reforçada negativamente, o comportamento é eliminado. Se não há reforço, o comportamento também tende a desaparecer (SANTOS, 2006, p. 217).

Baseado neste princípio, toda criança era uma tabula rasa, não tinha nenhum conhecimento para contribuir com o processo; ela aprendia a partir dos estímulos que recebia do exterior. O sucesso em sua aprendizagem dependia da quantidade e qualidade das amostras de línguas (input) a que estava exposto e da força do reforço que recebia dos adultos. A aquisição da LM, então, realizava-se através da imitação das estruturas que escutavam dos adultos e do reforço das respostas positivas; estas estruturas, quando repetidas, transformavam-se em hábito. Seguindo o mesmo raciocínio, a aprendizagem de uma LE consistia em criar hábitos próprios dessa nova língua, baseados nos hábitos que o aprendiz já possuía de sua LM; consequentemente, a aprendizagem de LE, segundo essa concepção,

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desenvolvia-se pela imitação da fala do professor, que era tomado como modelo a ser seguido. Na sala de aula, o professor apresentava fragmentos de língua selecionados que seriam praticados durante um período intensivo pelo aluno (ESPINET, 1997). Neste processo, o acerto trazia respostas positivas que eram reforçadas e a repetição do processo formava o hábito. Afirmava-se que “um velho hábito (o da língua nativa) facilita a formação de novos hábitos (os da língua meta) dependendo das semelhanças e diferenças entre os velhos hábitos e os novos” (GARGALLO, 2005, p. 35). A Análise Contrastiva nasceu a partir da preocupação didática com o erro; foi idealizada como uma corrente linguística revolucionária porque pensavam que se estava criando um método que evitaria todos os erros cometidos pelos alunos ao estudarem uma língua estrangeira; bastando, para isso, conhecer, através da comparação do sistema das duas línguas, as diferenças entre a Língua Materna do aprendiz e a LE que estava aprendendo e posteriormente levá-las às salas de aula. No entanto, nos anos setenta, este modelo foi criticado por muitas razões teóricas, práticas e empíricas; como exemplo destas críticas pode-se citar: a) resultados muito evidentes, b) o modelo era de difícil aplicabilidade no ensino, c) não se identificava bem as dificuldades existentes no processo de aprendizagem; e) ausência de uma teoria forte para se utilizar, f) prediziam-se erros que não ocorriam na prática e g) considerava-se a língua materna do aprendiz como única fonte de erros no processo de ensino aprendizagem de uma língua estrangeira. Apesar das fortes críticas, não se pode negar a contribuição dada pela Análise Contrastiva ao ensino de línguas estrangeiras. De acordo com Durão (2004a, p. 16) esse modelo de análise: Contribuiu de forma inegável para o desenvolvimento das pesquisas sobre os universais da linguagem, para o estudo das variações diacrônicas e dialetais, para o estudo da aquisição da linguagem, bem como para o campo da tradução, além de propiciar uma base para o desenvolvimento de materiais eficazes para o ensino de línguas, motivo pelo qual reaparece, mesmo que modificado, no modelo de Análise de Erros e, posteriormente, no modelo de Interlíngua.

O modelo de AC se mantém vivo e em desenvolvimento só que agora com intenção explicativa, pragmática e textual. Ele foi a base fundamental para o aparecimento da Análise de Erros e dos atuais estudos da Interlíngua.

2 Análise de erros: novas perspectivas para o ensino de línguas

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Um dos objetivos fundamentais da AE é estabelecer um inventário dos erros mais frequentes valorizando a importância e a gravidade dos mesmos com o objetivo de apontar as áreas de dificuldades na aprendizagem de uma língua estrangeira para um grupo de estudantes da mesma língua materna. Analisar e classificar erros é uma maneira de avaliar o processo de aprendizagem e os métodos de ensino aplicados. Este modelo de análise nasceu com o objetivo de superar as deficiências do modelo de AC. Tem como ponto de partida a publicação do artigo de Corder (1967) The significance of learners errors (O significado dos erros dos aprendizes de línguas). A partir deste artigo, passase a analisar a produção oral e escrita do estudante e não mais o contraste dos sistemas linguísticos de duas ou mais línguas. Para Farias (2007, p. 270)

Corder foi um dos primeiros linguistas desta nova linha de investigação a observar os erros desde uma perspectiva mais tolerante. A partir de então, o estudo sistemático dos erros dos estudantes de uma língua estrangeira tem sido o centro de investigação deste modelo de análise linguística.

De acordo com Corder (1967), os estudantes cometem erros porque elaboram um sistema que possui regras próprias, que não são iguais nem ao de sua língua materna nem ao da LE que está aprendendo; Corder (Ibid.) denomina este sistema de competência transitória. Para ele (1967), os erros são importantes não só para os professores, mas também para alunos e pesquisadores; para o professor porque diz o quanto evolui o aluno na aprendizagem; para o aluno pelo fato de que pode considerar que cometer erros é uma estratégia que se utiliza para aprender e para o pesquisador porque os erros mostram evidências de como se aprende ou se adquire uma língua. A AE não parte da comparação de duas línguas, mas sim das produções reais dos alunos. Segundo Fernández (1997), para analisar estas produções, deve-se seguir alguns passos como a) identificação dos erros no seu contexto, b) classificação, descrição e explicação dos erros, buscando sua origem, d) se a análise tem objetivos didáticos, deve-se avaliar sua gravidade e buscar uma possível terapia. Durão (2004a) afirma que a AE representa uma evolução incontestável que trouxe inegáveis contribuições ao ensino de línguas; no entanto, também apresenta limitações por basear-se unicamente no estudo dos erros, sem considerar os êxitos na aprendizagem. Sobre esta crítica, lembra-se que Corder (1981) em sua reformulação da Análise de Erros corrigiu esta falha ao também considerar as instâncias corretas na produção do falante não nativo.

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Apesar das críticas, a AE tem um importante papel dentro das pesquisas referentes ao processo de ensino e aprendizagem de línguas, pois, ao analisar e classificar os erros se avalia o processo e os métodos aplicados dentro do ensino de línguas. Atualmente, a AE também vem sendo aplicada a outros âmbitos das ciências da linguagem, como o ensino e aprendizagem da LM, as patologias no desenvolvimento e uso da linguagem e na linguística forense (GARGALLO, 2005).

3 A teoria da interlíngua

A partir da análise das produções daqueles que estudavam uma língua estrangeira, descobriu-se que estas possuíam características peculiares, idiossincrásicas, que não eram encontradas nem na língua nativa do estudante, nem na língua estrangeira estudada; assim sendo, descobriu-se que o aprendiz, ao tentar se comunicar em uma LE, utilizava um sistema linguístico autônomo. Selinker (1972) propôs, então, o termo interlíngua para se referir a este sistema linguístico particular do falante não nativo. Para a definição de interlíngua, Selinker (Ibib.) menciona a existência, na mente do aprendiz, de uma estrutura latente da linguagem que permite a aquisição da LM; junto desta estrutura existe outra denominada estrutura psicológica latente que se ativa no momento da aprendizagem de uma LE. Por este motivo, Selinker (1972), ao descrever o processo pelo qual o estudante aprende e ao mesmo tempo tentar propor princípios para elaborar uma teoria psicolinguística da aprendizagem de segundas línguas, parte do pressuposto de que existe na mente do aprendiz uma estrutura psicológica latente que é ativada quando o adulto tenta produzir ou entender orações na LE. Segundo ele (Ibid.), a diferença entre a estrutura psicológica e a estrutura latente da linguagem é que a primeira não tem um programa genético como o da Gramática Universal; também não se garante que ela vá se ativar em uma determinada língua, já que muitos adultos não chegam a aprender uma língua estrangeira. As principais características da IL, para Gargallo (2005), são a sistematização, a permeabilidade, a variabilidade e a fossilização. É sistemática porque nela se encontra um conjunto de características linguísticas e sociolinguísticas próprias; portanto, a IL não pode ser considerada como uma mistura da LE com a LM, já que tem regras próprias e cada aprendiz ou grupo de aprendizes possui um sistema específico em determinado estágio de aprendizagem. É permeável porque permite a entrada, no seu sistema, de regras da LM e a sobregeneralização das regras da LE (ADJÉMIAN, 1982). Alguns pesquisadores afirmam que 119


a permeabilidade não é uma característica específica da IL já que nela também se podem encontrar características da LM. A IL é variável porque os estudantes desenvolvem, de acordo com a aprendizagem de novos conteúdos, diferentes etapas de aquisição, portanto, passam por etapas sucessivas de aproximação à língua meta e cada uma delas revela particularidades que especificam a IL em cada momento de aprendizagem (DURÃO, 2004a). Selinker (1972, p. 84-85) afirma que o fenômeno mais característico da IL de aprendizes de LE é a fossilização.

Chamamos fenômenos linguísticos fossilizáveis àqueles itens, regras e subsistemas linguísticos que os falantes de uma língua materna particular tendem a conservar na sua interlíngua em relação com uma língua objeto dada, sem importar qual seja a idade do aluno ou quanto treino tenha recebido na língua objeto. É importantíssimo observar que as estruturas fossilizadas tendem a permanecer como atuação potencial, ressurgindo na produção de uma interlíngua, inclusive quando já pareciam erradicadas.

A fossilização é, então, um mecanismo inconsciente e persistente, presente na estrutura psicológica latente, pelo qual o falante tende a conservar itens, regras e subsistemas linguísticos da LM na produção de segundas línguas, mesmo após correções, explicações ou qualquer outro tipo de ensino. Selinker (1972) argumenta que a fossilização de erros acontece: a) quando a atenção do estudante se volta para um tema novo ou difícil; b) quando o aprendiz está ansioso ou agitado por algum motivo; e c) quando está muito relaxado ou quando passa muito tempo sem falar a língua.

4 Análise e discussão dos resultados

Esta é uma pesquisa descritiva de natureza quantitativa, pois nela só observamos, analisamos e descrevemos um fenômeno já existente sem fazer qualquer intervenção, cujos resultados são apresentados em números e percentuais. O corpus que serviu de base para nosso estudo foram 42 produções escritas de um grupo de estudantes. Os informantes têm entre 21 e 27 anos e está formado por seis mulheres e sete homens. Acompanhamos um mesmo grupo em diferentes estágios de aprendizagem para observar os erros gráficos que se fossilizam ao longo do processo de aprendizagem. Para a análise das produções seguimos os passos propostos por

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Corder (1967), como a identificação do erro em seu contexto e sua classificação – a partir da tipologia de erros proposta por Fernández (1997, p. 44-47). Os erros gráficos encontrados na produção escrita dos nossos informantes foram 308; 122 no primeiro estágio de aprendizagem (1ºC); 102 no segundo estágio (2º C) e 84 no terceiro (3º C). A quantidade específica de erros é visualizada na tabela abaixo:

ERROS GRÁFICOS

Total

Pontuação e outros signos

1ª.C - 21 2ª.C - 3 3ª.C - 9

33

Acentuação gráfica

1ª.C 54 160

2ª.C -

61 3ª.C 45 Separação e união de palavras

1ª.C - 2 04 3ª.C -2 Não houve nenhum caso 1ª.C 16 34 2ª.C 11 3ª.C 7 1ª.C 15 37 2ª.C 12 3ª.C 10 1ª.C 14 39 2ª.C 14 3ª.C 11 01 2ª.C 1

Alteração na ordem das letras Troca de fonemas

Omissão de letras ou letras que sobram

Troca de letras para o mesmo fonema

Uso de maiúsculas

308 Tabela 1 : Erros gráficos 121


4.1 Pontuação e outros signos

1. Cuando llegamos Ø la primera cosas que hicimos fue organizar los cuartos de baño Ø las habitaciones(, ,) (I1, 1ª C) 2. Todos los días Ø por las três o cuatro de la tarde Ø híbamos a una duna de arena(, ,)(I11ª C) 3. eran cuando yo viajaba para la ciudad de Sousa Ø en el estado de la Paraiba.(,) (I3 1ªC) 4. Pero lo que más eran los paseos a una ciudad vecina Ø era muy emocinante(.) (I4,1ª C) 5. En diciembre de 2003 Ø hice un viaje maravilloso (,)(I6 1ª C) 6. Además de la belleza del lugar Ø se puede aprender mucho sobre las costumbres(,) (I6 1ª C) 7. Para mi Ø el viaje inolvidable sería...(,) (I7 1ª C) 8. Un día Ø fuimos a un cierta sierra y allá (I7 1ª C) 9. Toda mi família reunida Ø primos, tios (:)(I8 1ª C) 10. Para me alegría Ø mi madre resolvió dejarme ir (,) (I9 1ª C) 11. Mi antiguo novio, yo y dos casales amigos de él Ø fuímos a conocer (,) (I12 1ª C) 12. Después de esa viaje Ø continúo a visitar la sierra, porque es un lugar fantástico (I12, 1ª C) 13. Mi mejor vacaione ocurrió en julio de 2002 Ø yo y mi familia salímos...(.) (I13, 1ª C) 14. Cuando llegamos en Madri Ø cogemos un taxi Ø en el taxi ocurrió (,)(I13, 1ª C) 15. Visitamos varios museles Ø el estadio (,) (I13, 1ª C) 16. después de mucho trabajo, estudio y crescimiento personal Ø vienen las vacacione(,) (I14, 1ª C) 17. fueron en el mar Ø en una viaje de quince días haciendo pesquisas ambientales (,) (I14, 1ª C) 18. y la diversificada vida mariña que encontrábamos todos los días Ø desde siete de la mañana hasta las ocho de la noches(,) (I14, 1ª C) 19. que es bastante diferente de la capital de Ceará Ø una ciudad litoranea (,)(I5, 2ª C) 20. En diciembre de 2003 Ø yo y más diez personas hicimos tal viaje (,) (I6, 2ª C) 21. En un día especial Ø fuimos cenar en una barraca (,) (I7, 3ª C) 22. llegamos en el puerto de Mucuripe Ø en la ciudad de Fortaleza (,)(I4, 3ª C) 23. Para mi Ø el viaje inolvidable seria con certidumbre para España (,) (I4, 3ª C) 24. Es Ø sin duda Ø un sueño que puede ser realizado(, ,) (I4, 3ª C) 25. Siempre que me pregunto cuál sitio debería visitar Ø la respuesta es siempre la misma (I6, 3ª C) 26. Fuimos presentados al los puntos turísticos,de la región (Ø )(I8, 3ª C) 27. Cuando pequeña Ø me gustaba mucho visitar (,)(I9, 3ª C) 28. de las calles de mi ciudad y de la estabilidad de la tierra Ø tuve sentimientos increíbles(,) (I14, 3ª C) 29. No sé lo que fue mejor Ø si el balanzo del mar, las noches sin iluminación(,) (I14, 3ª C) Entre os erros de pontuação, o mais comum foi a omissão da vírgula, principalmente na separação de complementos oracionais (ex.: 1, 2, 3, 8, 12, 14, 20, 21, 22). Estes tipos de erros não são considerados graves porque não impedem a comunicação. Eles não são de fácil identificação, portanto, consideramos como erros somente os casos mais evidentes. 122


4.2 Acentuação gráfica

1. Fuímos, rio, dias, habia, reido (I1, 1ª C) 2. dias, mi, jugában, casí (I2, 2ª C) 3. cómo, practicamente,de dónde (I3, 1ª C) 4.tia, vivian, dia, epoca (I4, 1ª C) 5. sítio (I5, 1ªC) 6. frio, como (I6, 1ª C) 7. podiamos, caminabamos, andabamos (I7, 1ª C) 8. mas, hacia, teniamos, el, sítio, mi, família (I8, 1ª C) 9. divertiámos, viájamos (I10, 1ª C) 10. mi (I11, 1ª C) 11. antíguo, fuímos, conocia, és, dónde, continuo ( I12, 1ª C) 12. tio, fuímos, jovenes, dias, despues, mas, conocímos, sítios (I13, 1ª C) 13. és, ciências, vários, sítios, mayoria (I14, 1ª C) 14. princípio, Diós, el (I1 2ª C) 15.mi, pués, autobus, conseguian, aproveche, saque, várias (I2, 2ª C) 16. Mís, tios, dónde, conoci (I3,2ª C) 17. hacia, jugabamos, cruzabamos, rio, cogiamos, visitabamos, turisticos (I4, 2ª C) 18. litoranea, frio ( I6 2ª C) 19. quede, gusto, vários (I7, 2° C) 20. tia, dá, notícia, dia, volvi, família, tambien, economia (I8, 2ª C) 21. pedi, cuantos, tenia, vários, sútil, estas (I9, 2ª C) 22. mi (I10, 2ª C) 23. mi (I11, 2ª C) 24. dónde, aquél, sítio, mi (I12, 2ª C) 25. tio, dia, sítios, és, ocurrío, salímos, autobus, quedo, él, sabia, fuímos,cafe, hacia(I13, 2ª C) 26. él, mirámos (I14, 2ª C) 27. mas, antíguos, mi (I1, 3ª C) 28. pués, ésta, estádio, marchandome, como, fé, mi (I2, 3ª C) 29. mi, seria, visitaria, turisticos, arquitectonico (I4, 3ª C) 30. sítios, pajaros (I5, 3ª C) 31. família, fuerón, encantaria, dias, mas (I8, 3ª C) 32. sóla, senti, mi (I9, 3ª C) 33. conoci (I10, 3ª C) 34. dónde, tenia, venia, vivia, mi, preferia, sítios, infáncia, vá (I12, 3ª C) 35. tio, família, conocímos, és, inglês, magía, fuímos (I13 3ª C) 36. vivi, algun, él mar (I14, 3ª C) Os resultados mostram que as regras de acentuação são de difícil aprendizagem. Os alunos desconhecem principalmente as regras de acentuação dos hiatos (tia, dia, hacia, tenia, sabia, etc.), têm dificuldade em usar o acento diferencial (él – pronome, el (artigo), mi – possessivo, mí – pronome etc.) e em muitos momentos desconhecem as regras gerais de acentuação, pois acentuam palavras que não recebem acento ( sítio, infáncia, estádio, família, fuímos, antíguos, salímos, pué, fé, Diós etc); deixam de acentuar palavras que são acentuadas

123


(marchandome, turistico, autobus, pajaros, arquitetonico, café, etc.) e em alguns momentos confundem a sílaba tônica da palavra (casí, hacia, divertiámos, viájamos, sútil, magía). Está evidente que nos encontramos diante de um caso claro de fossilização, pois os aprendizes, ao longo do processo de aprendizagem do espanhol como LE, seguem cometendo os mesmos erros.

4.3 Separação e união de palavras

1. al largo ( a lo largo) ( I13, 1ª C) 2. veinte y uno (veintiuno) (I14, 1ª C) 3. a el mar ( al mar) (I14, 3ª C) 4. en frente( enfrente) (I7, 3ª C) Houve a separação das palavras veinte y uno, en frente, a el. A separação de A el. O único caso de união de palavra foi al largo, que se deu, provavelmente, por uma dificuldade do estudante em usar o artigo neutro lo.

4.4 Troca de fonemas

1. banho (baño), llevantávamos (levantábamos) (I1, 1ª C) 2. moseos (museos), anoranza (añoranza) (I4, 1ª C) 3. galina (gallina), cascatas (cascadas) (I6, 1° C) 4. tudo (todo) (I7, 1° C) 5. surpresa (sorpresa) (I8, 1ª C) 6. surpresa (sorpresa), gañaba (ganaba) (I9, 1ª C) 7. anoranza (añoranza) (I13, 1ª C) 8. dormiendo (durmiendo), morió (murió), tudo (I12, 1° C) 9. mariñas (marinas), deciembre (diciembre) (I14, 1° C) 10. brilhavan (brillaban), mi (me) ( I1, 2ª C) 11. caminadas (caminatas), sofrimiento (sufrimiento) (I 5, 2ª C) 12. ocurieron (ocurrieron) (I7, 2ª C) 13. mi (me) ( I8, 2ª C) 14. mi (me) (I9, 2ª C) 15. pisces (peces) (I10, 2ª C) 16. eligir (elegir) (I11, 2ª C) 17. diñero (dinero) (I1, 3ª C) 18. castellos (castillos) (I2, 3° C) 19. aprobechar (provechar) (I8, 3° C) 20. pano (paño) (I9, 3° C) 21. deferentes (diferentes) (I9, 3° C) 22. Inglatera (Inglaterra), case (casi) (I13 3° C).

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A maior parte dos erros relativos à troca de fonemas, relaciona-se ao uso da ñ. Muitos utilizaram gañaban, mariñas, diñero, probablemente por influência de sua língua materna, já que no português se diz: ganhavam, marinhas e dinheiro. Há também o uso da palavra tudo y surpresa no lugar de todo e sorpresa.

4.5 Omissão de letras ou letras que sobram

1. passe (pasé), híbamos(íbamos) (I1, 1ª C) 2. cuatorce (catorce) (I 3 1ª C) 3.atravessa(atraviesa), compreendian (comprendían), atividad(actividad), assistíamos(asitíamos) (I4,1ª C) 4. satisfación (satisfacción) (I5, 1ª C) 5. comemorar (conmemorar), almuezo (almuerzo) (I1, 1ª C) 6. cumpleaño (cumpleaños) (I8, 1ª C) 7. Madri (madrid), alberge (albergue) (I13, 1ª C) 8. aquilamos (alquilamos) (I12, 1ª C) 9. crescimiento (crecimiento) (I 14, 1ª C) 10. viagen (viaje) (I3, 2ª C) 11. picinas (piscinas), comemorar(conmemorar) (I7, 2ª C) 12. comemoré (conmemoré), comemoramos (conmemoramos), vacacione (vacaciones) (I8, 2ª C) 13. pisces (peces) (I19, 2ª C) 14. comemoramos (conmemoramos), vales (valles) (I12, 2ª C) 15. vacacione (vacaciones), Madri (Madrid), supermecado (supermercado), distribuición (distribución) (I13, 2ª C) 16. espetáculo (espectáculo) (I1, 3ª C) 17. puentos (puntos), arquitetônico (arquitectónico), huelas (huellas), repassar (repasar) (I4 3ª C) 18. almuezo(almuerzo), comemoramos (conmemoramos) (I7, 3ª C) 19. nascer (nacer) ( I8, 3ª C) 20. pneumático (neumático) (I10 3ª C) 21. hostel (hotel) (I13, 3ª C). Estamos diante de uma confusão muito frequente (36 casos). A maior parte desses erros decorre do desconhecimento que o aluno tem das regras ortográficas do Espanhol. Nas três coletas, encontramos vários erros causados pela interferência interlinguística, ou seja, resultante da interferência da língua materna do aprendiz: passe (não existe nenhuma palavra escrita com “ss” em espanhol), atravessa, compreendian, atividad, assistíamos, comemorar, Madri, crescimiento, viagen, distribuición, nascer, etc. Em muitos momentos, o aluno mostra dificuldade na identificação dos verbos que ditongam e muitas vezes, por hipercorreção ditongam verbos que não devem ser ditongados e chegam a ditongar até substantivo (puento).

125


4.6 Troca de letras para o mesmo fonema

1. quando(cuando), llevantávamos (levantábamos), desayunávamos (desayunábamos), jugávamos (jugábamos) (I1, 1ª C) 2. quedava (quedaba), estávamos (estábamos) (I2, 1ª C) 3. acojedor (acogedor) (I6, 1ª C) 4. nuves (nubes), esquizita (exquisita) (I7, 1ª C) 5. estava (estaba) (I8, 1ª C) 6. bañávamos (bañábamos) (I10, 1ª C) 7. avuela(abuela), tubo (tuvo) (12, 1ª C) 8. quinze (quince) (I14, 1ª C) 9. havía (había) (I1, 2ª C) 10. pasageros (pasajeros), quice (quise) (I2, 2ª C) 11. viagen (viaje) (I3, 2ª C) 12. com (con), formavan (formaban), imprecionó (impresionó) (I7, 2ª C) 13. estava (estaba), aprovada(aprobada), com (con) (I8, 2ª C) 14. havia (había) (I12, 2ª C) 15. bajava (bajaba), estava (I13, 2ª C) 16. Andaluzia (Andalucía), sobrevibientes (sobrevivientes) (I2 3ª C) 17. empezé (empece) (I3, 3ª C) 18. com (con) (I5 3ª C) 19. quatro (cuatro) (I9, 3ª C) 20. quinze, paisage (paisaje), paseávamos (paseábamos), tomávamos (tomábamos), gustava(gustaba) (I12, 3ª C) 21. estranjera (extranjera) (I 13, 3ª C). Como se pode observar nas frases anteriores, são muitos os casos de confusão das consoantes b e v (levantávamos, desayunávamos, jugávamos, quedava, estávamos, estava, bañávamos, havia etc.). A grande maioria usa v no lugar de b em verbos conjugados que requerem esta consoante em português. O mesmo acontece com alguns substantivos (nuves, avuela). Diante da dúvida entre o c e o z os alunos parecem recorrer ao português, ainda que esta regra no espanhol seja muito clara, pois não se usa z diante de e e de i (quinze, andaluzia, empezé). Quanto ao uso de g/j o aprendiz parece fazer uso das estratégias interlinguais (pasagero, viagen, pasage). Parece que estamos, mais uma vez, diante de um caso de fossilização tanto em relação ao uso de v/b quanto ao uso de z/c.

4.7 Uso de maiúsculas

1. europa (Europa) (I13, 2ª C)

126


Dentre os erros encontrados, esse foi o menos significativo. Somente um erro para o uso das maiúsculas, talvez porque as regras de uso de maiúsculas sejam praticamente iguais em português e espanhol. Aqui apresentamos erros gráficos totais em valores percentuais, como também os percentuais desses erros, por coleta, com o objetivo de comprovarmos como esses erros diminuíram da primeira para a terceira coleta. Pontuação e outros signos Acentuação gráfica

13%

0%

11% Separação e união de palavras

12%

Alteração da ordem das letras

11%

confusão de fonemas

52%

0%

Omissão de letras ou letras que sobram

1%

Confusão de grafemas para o mesmo fonema Uso de maiúsculas

Gráfico 1: Erros gráficos 140 120 100 80 60 40 20 0 1a C

2a C

3a C

Gráfico 2: Quantidade de erros gráficos, nos três estágios de aprendizagem

127


Percebemos uma evolução expressiva na aprendizagem desses estudantes nas três coletas (122 erros, 102 erros, 84 erros, respectivamente). No entanto, surpreende-nos, novamente, os erros da terceira coleta, pois é bastante numeroso para quem está na iminência de terminar o curso.

Conclusões

Depois da nossa análise, concluímos que se por uma parte, a proximidade tipológica entre português e espanhol ajuda nos estágios iniciais de aprendizagem, por outra, nos estágios mais avançados, esta proximidade funciona como um desafio a se superar, pois esta pesquisa mostra que o aluno segue transferindo muitas estruturas de sua língua materna à língua estrangeira que aprende; isso provoca as fossilizações; ou seja, quando se trata de línguas próximas, a LM do estudante interfere de maneira ativa na aprendizagem de uma língua estrangeira também nos estágios de interlíngua mais avançados, pois o aprendiz faz uso do conhecimento linguístico que tem de sua língua materna para solucionar dificuldades que encontra na aprendizagem da LE. Dos 308 erros gráficos encontrados na nossa análise, os mais numerosos foram os de acentuação gráfica (160 erros), a troca de letras para o mesmo fonema no interior da palavra (39) e a omissão de letras ou letras que sobram (37). Muitos dos erros encontrados nas produções dos aprendizes fossilizam-se, como por exemplo, muitos de acentuação gráfica, uso da letra v no lugar de b e o uso de z e c. Temos consciência que os erros encontrados neste estudo não causam dificuldades na comunicação, no entanto, é preocupante o número de erros encontrados no estágio avançada de aprendizagem. Parece-nos importante desenvolver adequadamente nos aprendizes a capacidade de por em prática cada uma das habilidades que compõe o sistema linguístico do espanhol, e entre elas se encontra a escrita. Uma possível terapia para os erros gráficos é a leitura de obras literárias e produções escritas que podem ocorrer através de atividades motivadoras que venham a ajudar o aluno a desenvolver a competência comunicativa do estudante. Estamos de acordo que o texto e o discurso literário são excelentes fontes de materiais que proporcionam ao aprendiz, a través da leitura, um amplo, variado e enriquecedor input linguístico e cultural essenciais para uma aprendizagem eficiente. Esperamos que as informações desta pesquisa possam ajudar os professores de espanhol a elaborar atividades específicas para estudantes brasileiros e que também provoque

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uma reflexão quanto ao aparecimento do erro no processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, pois como vimos, estes são elementos inevitáveis que fazem parte do processo e revelam o estágio de aprendizagem que se encontra o aluno.

Referências bibliográficas

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IX

CRENÇAS DOS PROFESSORES DE ESPANHOL SOBRE O PAPEL DO TEXTO LITERÁRIO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA Ana Carla de Azevedo Silva Renata Helvécia Lopes Costa Regiane S. Cabral de Paiva*

ANA CARLA DE AZEVEDO SILVA é especialista em Leitura e Literatura pela FAL/Natal em 2013. Professora da rede estadual de ensino desde 2012 na disciplina de Língua Portuguesa. Graduanda em Letras/Espanhol pela UERN e Mestranda em Letras pelo PROFLETRAS – Mestrado Profissionalizante em Letras. Atriz com DRT n° 0001691RN desde 2013, já participou de espetáculos como A Padaria (2007), Chuva de Balas no País de Mossoró (2009), ShakespAriano (2012), o Auto da Liberdade (2013), O Oratório de Santa Luzia (2014,2015) dentre outros. angel_dylan19@hotmail.com RENATA HELVECIA LOPES COSTA foi bolsista PIBID e Bolsista voluntária PIBIC pela Universidade do Rio Grande do Norte (UERN). Licenciada em Letras com habilitação em Língua Espanhola pela UERN no ano de 2014.2. renatahelvecia@gmail.com REGIANE SANTOS CABRAL DE PAIVA é professora de língua e literatura hispanófonas do curso de Letras (habilitação em língua espanhola) na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Obteve seu título de graduação em Letras com habilitação em Língua portuguesa e espanhola pela Universidade Estadual do Ceará no ano de 2000. Em 2003, concluiu o curso de especialização em Ensino de Língua Portuguesa pela UECE, tendo como título da monografia: Abordagem funcional-discursiva do nome no ensino fundamental. Em 2012, logrou o título de Mestra em Letras pela UERN. Sua área de concentração de pesquisa se concentra em Crenças e no Texto literário como ferramenta de ensino. Atualmente coordenada o projeto de extensão: A utilização do Texto Literário como material didático para aulas de espanhol no ensino médio das escolas públicas de Mossoró. * Neste trabalho, foi orientadora do projeto e do artigo. regianeuern@yahoo.com.br

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Considerações iniciais Ao estudarmos sobre o tema “crenças” percebemos que o ensino e a aprendizagem da língua (nesse caso, sem especificar nenhuma delas) está tão relacionado às estruturas gramaticais, semânticas e léxicas da língua quanto à motivação e a afetividade empregadas nesse estudo. Aquilo que o professor acredita pode influenciar diretamente em sua maneira de ensinar e no conteúdo que o aluno vai aprender, pois o crer em algo é o que direciona os pensamentos e as ações, tanto do professor quanto do aluno. Nesta pesquisa investigamos como essas convicções interferem, por exemplo, no trabalho do professor com o Texto Literário (TL) em aulas de língua espanhola do ensino médio. Assim sendo, nossa pesquisa foi realizada, em 2013, com 5 professores de espanhol da rede estadual de ensino da cidade de Mossoró (RN) e teve como objetivo detectar e investigar as crenças desses professores quanto ao uso do TL em aulas de espanhol do ensino médio. A conclusão da pesquisa poderá levá-los a refletir sobre o seu ensino e poderá ajudá-los a aprimorar a qualidade do mesmo. Iniciamos, então, discutindo um pouco sobre o significado do termo ‘Crenças’ para os principais especialistas no assunto: Barcelos (2001, 2004, 2006, 2007), Almeida Filho (2008) e Álvarez (2007) dentre outros. Também, abordamos a natureza das crenças que é de fundamental importância para entendermos que elas mudam de acordo com o contexto (histórico, social); de acordo com os sujeitos envolvidos (professores, alunos) e com o tema abordado. Depois, mencionamos os três períodos identificados por Barcelos (2004) nos quais se tratou o assunto sobre crenças traçando um pequeno “panorama histórico” sobre as pesquisas nessa área. No segundo momento, refletimos sobre a importância do material literário em sala de aula, para o ensino e aprendizagem de língua estrangeira, apresentando-o como um material didático e autêntico, já que ele abarca não só componentes linguísticos, como também históricos, sociais e culturais. A partir dos documentos legais, evidenciamos sua função legitimada pela escola, porém não tão esclarecida para o docente. Finalmente, apresentamos o resultado e a análise dos dados coletados a partir dos questionários aplicados com os professores de espanhol do ensino médio da rede pública de Mossoró.

1. E por que não falar de crenças?

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Quando pensamos no termo “crenças” de forma isolada, sem fazer correlação com o tema aprendizagem e ensino de línguas, talvez suscite em nós uma expectativa outra, de imediato, que faça alusão somente a um aspecto religioso. Segundo o dicionário Aulete Digital29, o termo se configura em 4 acepções a saber: Ação ou resultado de crer (com ou sem razões, motivos, confirmação objetiva etc.); fé religiosa; aquilo que uma pessoa ou grupo considera como verdadeiro; profunda e íntima convicção; certeza; confiança. Essa mesma palavra, segundo o prof. Dr. Luiz Machado (2012)30 tem sua origem no léxico “credentia” do latim, do verbo “credere” “crer”, que significa “aderir pela fé, ter a firme convicção, não ter a menor sombra de dúvida”. A crença indica a persuasão que se tem da verdade de algo. Como também significa uma “manifestação pela fé” e esse último está intrinsecamente relacionado à religião, nada mais natural do que associarmos única e exclusivamente uma expressão à outra. De acordo com Doron e Parot (1998 apud SILVA, 2007, p.237) a crença pode apresentar-se como “uma opinião [...] como uma crença propriamente dita [...] ou como um saber”. Podemos ver crenças como um pensamento, uma opinião, uma convicção sobre algo; outro fator que se deve levar em conta, é se de fato tem-se consciência ou não dela, pois as crenças podem surgir inconscientemente em cada pessoa, deixando transparecer em determinados comportamentos e mudados de acordo com a relação social. Segundo Pajares, (1992 apud BARCELOS, 2001) crenças são um conceito complexo. Parte dessa complexidade deve-se à existência de diferentes termos usados para se referir às crenças. Almeida Filho (2008, p.13) postula que crença ou:

[...] abordagem (ou cultura) de aprender é caracterizada pelas maneiras de estudar, de se preparar para o uso real da língua-alvo que o aluno tem como “normais”. [...] Essas culturas (abordagens) de aprender evoluem no tempo em forma de tradições. Uma tradição informa normalmente de maneira naturalizada, subconsciente e implícita, as maneiras pelas quais uma nova língua deve ser aprendida.

Parafraseando Barcelos (1995, p. 42) a cultura de aprender seria uma reunião de saberes subtendidos ou não, que os aprendizes já têm de vivências anteriores com pessoas e leituras de seu meio, definidos como “crenças, mitos, pressupostos culturais e ideais sobre 29

AULETE Digital. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Versão digital. São Paulo (SP), Brasil: Lexicon, 2008. 30 MACHADO, Luiz. Emotologia, Crença e Fé. 2012. Disponível em: <http://www.cidadedocerebro.com.br/artigo/0000112/Emotologia-Cren%C3%A7a-e-F%C3%A9>. Acesso em 06 de agosto de 2013.

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como aprender línguas”. Todo esse conjunto de saberes deve estar de acordo com a idade, com o nível social, econômico e intelectual desse aprendiz. Ainda segundo Barcelos (1995, p.38) diversos autores utilizam variados termos para esclarecer essa cultura de aprender, Wenden (1986) chama de crenças e abordagens de aprender línguas dos alunos; Rivers(1987), de maneiras de aprender culturalmente ábsonas; Richards (1990), de abordagens de aprender; Almeida Filho usa tecnologia informal de aprender (1988), abordagens de aprender e cultura de aprender línguas (1993) e Erickson (1984) utiliza cultura do aluno.

Percebemos, então, que a definição de crenças (cultura de aprender e/ou ensinar) é algo que varia de acordo com as circunstâncias e eventos que envolvem o aprendiz de língua estrangeira. Esses eventos alteram, acrescentam, modificam o sistema de pressupostos inconscientes manipulados por esse aprendiz em busca de um melhor desempenho em todo o processo de ensino aprendizagem.

1.1

Natureza das Crenças De 1995 pra cá, o termo tem passado por várias transformações e adaptações. Um

ponto que merece destaque é o que explicita a natureza das crenças. A partir disso, tivemos uma preocupação em saber como essa natureza é disposta. Barcelos e Kalaja (2003 apud BARCELOS, 2006) reforçam as crenças como sendo dinâmicas, emergentes, experienciais, mediadas, paradoxais e contraditórias, as relacionadas à ação de maneira indireta e complexa e as não tão facilmente distintas do conhecimento. Enquanto à natureza dinâmica, as crenças mudam com o tempo, ou seja, elas não são geradas imediatamente. Inclusive, Barcelos (2006, p. 19), por meio de leituras de Dufva, corrobora que crenças “são sempre ancoradas a algo – incidentes do passado, pessoas que foram significativas, assuntos que lemos ou ouvimos na mídia ou opiniões de nossos professores na escola”. As crenças emergentes são construídas a partir de experiências que se desenvolvem no contexto e relação social. Barcelos (2006, p. 19) diz que: “[...] crenças não estão dentro de nossas mentes como uma estrutura mental pronta e fixa, mas mudam e se desenvolvem à medida que interagimos e modificamos nossas experiências e somos, ao mesmo tempo modificados por elas [...]”. No caso das crenças experienciais, se desenvolvem a partir de relações entre pessoa e ambiente; Kalaja e Barcelos (2000 apud BARCELOS, 2006, p.19) afirmam que “as crenças dos aprendizes são parte das construções e reconstruções de suas experiências”. No caso das

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crenças mediadas, são vistas como ferramentas para regular a aprendizagem e solucionar alguns problemas; as paradoxais e contraditórias salientam que crenças está relacionada à questão social e também individual; as relacionadas a ação de maneira indireta e complexa não essencialmente influenciam ações; e por último, as não tão facilmente distintas do conhecimento, que, segundo Woods (2003 apud BARCELOS, 2006, p. 20) “crenças não se separam facilmente de outros aspectos como conhecimento, motivação e estratégias de aprendizagem”, ou seja, se existir um tipo de crença, essa pode influenciar na aquisição do conhecimento, na motivação a ser utilizada e nos métodos a serem usados para uma boa aprendizagem.

1.2

Períodos de desenvolvimento e pesquisas sobre crenças "O homem não crê no que é, crê no que ele deseja que seja. Anatole France

O termo Crenças já completa mais de três décadas de estudos e investigações dentro e fora do contexto brasileiro, inserido em (LA) ou em disciplinas como antropologia, sociologia, psicologia, educação. Os estudos nessa área, inicialmente, partiram da perspectiva do aprendiz, das suposições, opiniões, conjunto de representações expectativas que os alunos nutriam sobre o ensino e aprendizagem de línguas. Barcelos (2004) distingue três períodos (primeiro, segundo e terceiro momentos) traçando um pequeno “panorama histórico” sobre as pesquisas nessa área. Vejamos o perfil do 1º momento. De acordo com Silva (2007, p. 238) Hosenfeld, foi um dos precursores no estudo sobre crenças na aprendizagem utilizando o termo mini-theories (mini teorias) para conceituar o conhecimento que o aprendiz já traz para um determinado contexto. Iniciou as pesquisas no tema em 1978 em seu artigo Students’ mini-theories of second language. Nesse primeiro momento, as crenças são caracterizadas como afirmações abstratas, convicções inerentes a um processo individual/social do aprendiz. “Apesar de o foco ser as perspectivas dos aprendizes, os mesmos são criticados por possuírem determinadas crenças” (BARCELOS, 2004, p. 134) Num segundo momento, as crenças já são vistas como um conhecimento estratégico, como parte ativa na mente dos alunos, que aporta um conhecimento metacognitivo mais estável e abstrato. Apesar disso, são embutidas em um modelo pré-definido do que representaria uma estratégia positiva e/ou negativa. Como aponta Barcelos (2004, p. 136) “o aprendiz também é construído ideologicamente, moldado através de uma sugestão implícita de que eles deveriam adotar crenças mais “saudáveis”, mais produtivas, pois [...] crenças errôneas levam a estratégias ineficazes”. Um terceiro momento vem aliar os pressupostos às 134


práticas, a crença ao contexto, o abstrato e à ação. As metodologias são diversas e as pesquisas feitas de modo mais abrangente considerando as experiências do interlocutor e o meio em que tudo acontece. Várias são as pesquisas que se têm desenvolvido até hoje. Inúmeras dissertações, ensaios, palestras, livros etc. No exterior, nomes como Woods, Pajares, Ellis e no Brasil, Leffa, Barcelos e Almeida Filho encabeçam a ação. Silva (2007, p. 239) comenta que só “no Congresso da Associação Brasileira de Linguística Aplicada de 1998 é que são encontradas as primeiras referências a estudos a respeito de crenças de professores de línguas”. Antes disso, em 1991, Leffa publicava o primeiro livro a respeito de crenças que utilizou o termo “concepções” para identificar que os alunos possuíam crenças em relação à aprendizagem de línguas. Na época dos estudos iniciais no Brasil sobre as crenças, eram dados nomes como mitos, representações ou concepções aos trabalhos ou pesquisas feitas. Sobre o estudo de crenças relativos ao ensino de língua espanhola, podemos mencionar a pesquisa de Marques (2001) que fez um estudo associado a crenças de professores de espanhol, que tem como foco a influência das crenças na abordagem de ensinar de duas professoras de espanhol; Nonemacher (2002), em que ela procurou detectar as crenças, as suas origens e a relação com a prática de professoras que estavam em formação; Alvarez (2007) realizou uma pesquisa na Universidade pública do Distrito Federal com alunos de Letras/espanhol de diferentes níveis, para detectar crenças, pensamentos, convicções, expectativas e motivações dos alunos referentes à sua formação superior. Silva (2011) em sua pesquisa (dissertação de mestrado) investigou as crenças e práticas de professores egressos da Universidade Estadual do Ceará (UECE) no ensino médio de escolas públicas de Fortaleza, com relação ao uso do Texto Literário(TL) como ferramenta de ensino do Espanhol como língua estrangeira. Cabral de Paiva (2012) por meio de uma pesquisa qualitativa-descritiva investigou os Programas de Disciplinas (PGD) de Metodologia I e II do curso de Espanhol da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) para saber qual o espaço do TL nestas disciplinas de formação em Letras- espanhol. Ainda na área de língua espanhola vários artigos têm sido publicados com relação aos estudos das crenças, logo, percebemos que o campo é vasto, recente e de suma importância para uma melhor compreensão do processo de ensino aprendizagem em Língua Estrangeira (no caso, o espanhol).

2. A importância da literatura e do TL em sala de aula

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Toda obra literária é antes de mais nada uma espécie de objeto, de objeto construído; e é grande o poder humanizador desta construção, enquanto construção. Antônio Candido31

A Literatura, em qualquer tempo e em qualquer sociedade, é um bem tão imprescindível quanto à comida, quanto o ar, quanto à água. Comparado com a comida, porque alimenta a alma, elucida o espírito, sossega o paladar. Quanto ao ar, no sentido de troca, da informação que vai e que volta num processo de (re) absorção daquilo que é realmente importante pra nós enquanto conjunto de dados distribuídos no Universo e, por fim, quanto à água, como componente que preenche mais de 75% do nosso organismo e no qual somos gestados, necessitamos ser ressignificados através desse bem chamado Literatura. É um instrumento de construção humanística, como enuncia na epígafre e merece, inclusive, lugar de destaque na sala de aula. Antônio Cândido em seu ensaio O direito à literatura (1998, p. 175) afirma que:

[...] cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles. Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo.

Tomando como ponto de partida essas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas, precisamos lembrar que elas se materializam por meio do gênero literário. Neste sentido o termo gênero literário significa classificar textos em categorias de acordo com suas qualidades formais, assim, podemos dizer que um texto pertence a determinado gênero quando apresenta características comuns àquele gênero. Os textos literários fazem parte da literatura possuindo características especiais, pois são considerados como obras de arte. Assim sendo, concebemos o TL como um dos materiais mais eficientes no que diz respeito à apreensão de componentes tanto linguísticos como culturais e vem passando por um momento de redefinição quanto a sua forma de uso em sala de aula. Novos aportes e novas metodologias vêm sendo empregadas para que o TL atue como elemento ressignificador do processo de ensino-aprendizagem, agindo como um catalisador através do qual alunos e professores alteram de maneira efetiva seus contextos. Segundo Mendoza (2007, p. 56-57):

31

Direito à Literatura in Vários Escritos.(1998, p. 177)

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el texto literario, como recurso y material didáctico, activa un doble tipo de interacción formativa: la interacción propia de la lectura y la interacción que conduce al aprendizaje que resulta de la cooperación/interacción entre los conocimientos previos del aprendiz-lector y los referentes del texto.

Por ser um documento autêntico e multimodal, o texto literário reproduz particularidades pragmático-culturais bem como elementos intrinsecamente relacionados à comunicação, já que é individual, mas também social, já que é discursivo, mas também poético, o indivíduo age sobre ele e esses inúmeros elementos discursivos são refletidos no indivíduo. É um material que coloca o aprendiz diretamente em contato com sua própria história, com sua própria cultura, com seu próprio eu, já que também o retrata dentro de um contexto bem maior, partilhado entre todos os membros que compõem a sua comunidade, e além, que compartem o mundo.

2.1 O texto literário e suas implicações para o ensino de línguas

O texto literário enquanto ferramenta autêntica para o ensino de línguas na sala de aula vem afirmar sua importância frente ao sistema educacional que o legitima. Alguns documentos legais validam a importância desse material literário (entendemos aqui gênero literário como material literário) em sala de aula. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2000, p.8), por exemplo, enunciam que “o estudo dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam proporciona uma visão ampla das possibilidades de uso da linguagem, incluindo-se aí o texto literário”. Esse uso da linguagem a partir do TL está relacionado tanto à língua materna quanto à língua estrangeira e não teria apenas uma intenção puramente linguística, mas também social. Sobre isso Cabral de Paiva (2012, p.55) ainda elucida que “os PCNEM propõem que o ensino de LE esteja voltado para o desenvolvimento de uma competência linguística capaz de contribuir para a formação do aluno enquanto cidadão”. Outro documento que valida esse pensamento são as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, 2008 afirmando que a “escolha dos textos de leitura deve, por exemplo, partir de temas de interesse dos alunos e que possibilitem reflexão sobre sua sociedade e ampliação da visão de mundo, conforme a proposta educativa focalizada neste documento”. (OCEM, 2008, p. 114).

Apesar disso, percebemos, a partir das nossas observações e da própria experiência em sala de aula, que o ensino do componente literário ainda é trabalhado com certa dificuldade na escola. Mesmo sabendo que a literatura é de suma importância não só para o desenvolvimento

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cognitivo e intelectual do ser, como também componente de transformação humana, ainda perdura no professor um medo in (consciente) de abordar esse tipo de material em sala de aula. Acreditamos que o contato do aluno, desde cedo, com o material literário lhe possibilitará um melhor entendimento do mundo que o cerca e do seu próprio ser como instrumento de mudança. Ao nosso ver, a importância do TL em sala de aula vai além das práticas discursivas e linguísticas. Ao utilizar esse material em sala, o professor acaba proporcionando ao aluno o contato com sua própria história desenhada em histórias de outros, reais ou imaginárias, fazendo-o parte de um todo. A isso, podemos acrescentar o que dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2000, p.25): “as Línguas Estrangeiras Modernas assumem a condição de serem parte indissolúvel do conjunto de conhecimentos essenciais que permitem ao estudante aproximar-se de várias culturas e, consequentemente, propiciam sua integração no mundo globalizado”. O professor de línguas estrangeiras tem uma missão nada fácil no ensino dos componentes linguísticos e também culturais, pois a ele cabe desmistificar o entendimento simplista de material literário como aporte único e exclusivo de estruturas gramaticais ou exercícios de tradução. De acordo com Cárcamo (2007, p.29) “uno de los objetivos de la utilización del texto literario es ampliar el mundo real y limitado que los rodea [se refiere al mundo de alumno]”. Para Mendoza (2007) o texto literário abarca varias funções, desde um material real, didático e autêntico32 para o ensino de uma LE em sala de aula, até um componente central e expoente linguístico de determinadas sequencias do contexto curricular. Como fonte de inúmeros “inputs”, esse material seria um recurso motivador do fenômeno da variedade linguística e um expoente cultural. O trabalho com o TL em língua estrangeira sugere tantas possibilidades quanto maior for o interesse e a criatividade do professor em proporcionar aos seus alunos campos de descobrimento pessoal e interacional. Através desse material temos um aperfeiçoamento da associação cognitiva e uma manutenção programada do continuo linguístico do aprendiz imprescindíveis para o manejo das práticas comunicativas. Consideramos que aquele aluno que está permanentemente em contato com o material literário matiza sua própria vivência em comunidade, ou seja, permite que sua interação verbal delimite até onde pode ir sua competência comunicativa e vice-versa. 32

Entende-se material autêntico o texto que “por encima de sus rasgos estilísticos, asuma perspectivas y posibilidades de formación tanto de valor cultural, como de orden pragmático y sociolingüístico”. (MENDOZA, 2007, p.67 e 68)

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Desta forma, o professor que utiliza o material literário em sala de aula contribui para que o aluno se torne um ser autônomo, autêntico, crítico e responsável por todo o conteúdo comunicativo que lhe chega ou que dele parte, e que constrói os intricados linguísticos necessários a sua inserção em sociedade.

3. E quais crenças permeiam a ação do professor de espanhol do ensino médio quanto ao papel do TL em sala de aula?

3.1 Procedimentos metodológicos da pesquisa

A partir do objetivo da nossa pesquisa, que é detectar e investigar as crenças de professores de espanhol como língua estrangeira quanto ao uso do TL em aulas de espanhol do ensino médio, nosso trabalho se adéqua ao perfil da pesquisa quali-quantitativa, ou seja, envolve ambos os aspectos, mas dá ênfase aos qualitativos. Para a consecução deste trabalho, tomamos como contexto da pesquisa 4 escolas estaduais de ensino médio do município de Mossoró/RN, dentre as 31 que oferecem esse ensino. Vale ressaltar que somente as escolas de nível médio oferecem o ensino de língua espanhola, mas até 2013 atendiam somente as duas primeiras séries, a 1ª e a 2ª, deixando a última série, a 3ª, excluída da aprendizagem dessa língua. Os participantes da pesquisa foram os 5 professores de espanhol do ensino médio dessas escolas com tempo de docência da disciplina entre 2 e 6 anos. Os docentes investigados são nomeados por P1, P2, P3, P4 e P5, respectivamente: professor 1, professor 2, professor 3, professor 4 e professor 5. O instrumento de investigação utilizado foi o questionário do tipo fechado, com 17 questões previamente formuladas pelas pesquisadoras, para que os participantes tivessem a oportunidade de expressar suas ideias e crenças (inconscientemente).

3.2. Análise dos dados

Neste momento trazemos todas as questões exploradas nos questionários, bem como nossas considerações e análises sobre os resultados observados, por meio das respostas dos sujeitos investigados, que são identificadas como (R). Ressaltamos que as questões dão conta de investigar também a formação desse professor, sobre os manuais didáticos utilizados, o aprecio dado às questões de gramática, léxico, leitura no ensino do espanhol durante suas

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aulas, para então adentrarmos especificamente do nosso foco que é o TL a partir da questão 10.

1. Qual a sua formação superior? Qual a instituição em que se graduou? R- Dois (2) são formados em letras/espanhol; dois (2) em letras/português e um (1) tem um curso de idiomas: 2- Tem se dedicado à formação continuada destinada ao ensino de língua espanhola? Se sim, especifique. R - Dois (2) têm especialização em línguas estrangeiras; um (1) está fazendo curso de capacitação; dois (2) participaram da capacitação promovida pela SEEC;

3- Há quanto tempo ministra aulas de língua espanhola? R - Os professores têm entre dois (2) e seis (6) anos ministrando aulas de língua espanhola.

4- Qual a carga horária (definir por minutos) semanal destinada a esta disciplina por turma? R - As aulas são de 50min para turmas em turno diurno; de 35 a 40 min. para o turno noturno no ensino médio regular. No que diz respeito ao ensino inovador33, temos 100 min. semanais.

5- Em quantas turmas e em quantas escolas ministra aulas de língua espanhola? R - Cada professor tem entre três (3) e vinte e duas (22) turmas: dois (2) com vinte e duas (22) turmas entre três (3) e quatro (4) escolas; dois (2) com três (3) e quatro (4) turmas distribuídas em uma única escola.

6- Que manual didático é adotado para esta disciplina? O professor participa desta escolha? Como? No caso de utilizar material complementar, especifique. R – Todos os professores adotam o livro didático: três (3) deles adotam o Síntesis e dois (2), o Enlaces. Dos professores participantes, apenas um (1) não mencionou se participa ou não da

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Nas escolas públicas, o ensino da língua espanhola acontece unicamente no Ensino Médio, com apenas 1 aula por semana (que resulta, em efetivo, menos de 40 minutos h/a por semana). Isso no Ensino Médio Regular, pois nas escolas que adotam o “Ensino Médio Inovador”, implantado em 10 escolas estaduais de Mossoró, o ensino da língua espanhola é dividido em módulos de 6 meses cada, por exemplo: a turma 1º A estuda a referida língua no 1º semestre. No 2º semestre é a vez do 1º B.

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escolha do livro. Em relação ao uso de material complementar, dois (2) responderam que utilizam o livro Enlaces, também textos e materiais da internet.

7- Nas aulas de língua espanhola há espaços dedicados ao ensino de gramática, de leitura e de léxico? Como cada uma dessas questões são trabalhadas, individualmente ou em conjunto? R – Dos cinco (5) professores, três (3) trabalham com os 3 âmbitos, mas não mencionaram se era de forma individual ou em grupo; um (1) trabalha os três aspectos tanto de forma individual como em grupo e (1) uma especifica que trabalha os três aspectos de forma integrada.

8- A escola oferece recursos, além dos didáticos, para as aulas de língua espanhola? Quais? R - Dos cinco (5) professores, quatro (4) responderam que sim, que a escola oferece outros recursos e um (1) respondeu que a escola não oferece.

9 - Você considera o Texto Literário (TL) como um tipo de material didático? Justifique. R - Os professores P1, P3, P4 e P5 consideram o TL como um tipo de material didático. P1 respondeu que se pode trabalhar o TL como material paradidático, aproveitando os textos presentes no livro didático e tornando a aula mais prazerosa. P2 não respondeu, porém afirmou que com os textos literários se pode trabalhar aspectos culturais dos latinos através dos vários gêneros literários, como poesia, crônica e etc. P3 disse que é uma excelente forma de explorar a língua, a cultura. Já P4, não justifica o porquê de o texto literário ser considerado um material didático, só menciona que é bom e que os textos são do gosto dos alunos. Por fim, P5 afirma que sim, que a partir do texto há sempre a possibilidade de o aluno desenvolver suas habilidades de leitura e escrita. Constatamos assim, que duas professoras consideram o TL como material didático por se aproximar dos aspectos culturais da língua, dois o considera por desenvolver habilidades de leitura e escrita e a outra por fazer da aula um espaço mais prazeroso. No entanto, notamos em Mendoza (2007) que o TL enquanto material didático se aproxima não só dos aspectos culturais da língua como também reflete aspectos pragmáticos culturais dos atos de fala e peculiaridades poéticas. MENDOZA (2007) complementa dizendo que o texto literário como recurso e material didático ativa tanto o processo de interação próprio da leitura quanto da cooperação/interação entre os conhecimentos prévios do leitor-aprendiz estimulando 141


competências e habilidades linguísticas. Posto isso, notamos que a maioria dos professores ainda não têm uma noção da dimensão que o TL ocupa enquanto material didático, pois o condicionam em apenas uma categoria de aprendizagem: para adquirir aspectos culturais ou como mecanismo para explorar a leitura ou a escrita. 10 - Você acredita que é importante o uso do TL nas aulas de Espanhol como Língua Estrangeira (E/LE)? Por quê? R - Os 5 professores investigados responderam que consideram importante o uso do TL nas aulas de Espanhol. P1 e P2 justificaram que, por meio do TL, trabalham com aspectos culturais da língua e dão aos alunos a oportunidade de outras leituras. P3 acredita ser importante o uso do TL em sala, além de acreditar também na modificação do universo que rodeia o aluno, ou seja, a partir do TL o aluno pode encontrar uma saída para desfazer a imagem de uma sociedade carente de cultura e que, a partir deste, se pode trabalhar também os aspectos orais, escritos e auditivos, contextualizando com a vivência dos alunos. P4 e P5 respondem que o uso do TL é importante nas aulas de E/LE, porém não justificam, apenas mencionam que a resposta está na questão anterior, ou seja, sua importância incide sobre os aspectos de leitura e escrita. Dois consideram ser importante o uso do TL como meio de aquisição de conhecimentos culturais; um deles menciona que o trabalho com o TL contribui para o desenvolvimento das habilidades (oral, auditiva, escrita), e outros dois, apesar de terem contemplado essa resposta na questão anterior, relacionam sua importância aos aspectos inerentes à leitura e à escrita em língua espanhola. Conforme vimos em Mendoza (2007), os textos literários são materiais muito ricos, pois não se limitam a aspectos estruturais da língua e ainda difundem a cultura de um povo. Além disso, “é através dos textos literários, que o aprendiz de LE se enfrenta, sempre mediante a leitura, a uma complexa atividade cognitiva de construção de significados e de atribuição de interpretações”. (MENDOZA, 2002, p.121) 11 - Você consideraria o TL como um material autêntico (um documento real para atividade de aula)? Por quê? R - A professora P1 não considera o TL como material autêntico referindo-se aos textos encontrados no livro didático, que muitas vezes, são adaptados. P2 respondeu que em alguns casos encontra textos literários autênticos como uma poesia ou letra de música. P3 menciona não ter a certeza em considerar o TL como material autêntico, mas diz que por meio dele é capaz de inserir o aluno na cultura do outro. P4 respondeu que sim, mas mostrou não saber o

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que seria um material autêntico. E P5 relacionou o texto literário, enquanto material autêntico à aquisição do conhecimento. Diante dessas respostas notamos que os professores investigados não se sentem seguros ao afirmar se o TL é um material autêntico. No entanto, quando lemos Mendoza (2007) entendemos que o texto literário é um documento real em si mesmo, sendo trabalhado e adaptado segundo as perspectivas e objetivos concretos de aprendizagem dos agentes envolvidos (aluno e professor). “Esses mesmos objetivos aportam distintos tipos de input linguísticos tão válidos quanto aqueles encontrados nos textos periodísticos e anúncios comerciais que circulam cotidianamente.” (MENDOZA, 2007, p. 62 )

12 - Alguma vez já trabalhou com o TL nas aulas de E/LE? O que o motivou? Que gêneros literários foram utilizados? Como foram abordados (descreva o passo a passo de uma das atividades desenvolvidas a partir do TL)? De onde foram retirados estes textos? R- A professora P1 nunca trabalhou com o texto literário em sala de aula, não respondendo, portanto, os demais questionamentos. Já as professoras P2, P3 e P4 já desenvolveram algum trabalho com o TL em aulas de E/LE. Apenas a professora P4 respondeu que o que a motiva é a leitura compartilhada ao trabalhar o TL em sala.

Os gêneros mais utilizados pelas

professoras de P2, P3 e P4 foram o conto, a crônica e a poesia, e uma delas considerou a entrevista como sendo um TL e P5 considerou a história em quadrinho como sendo um TL. Sobre como foi trabalhado o TL em sala, a P2 respondeu que utilizou uma poesia que foi lida em conjunto, depois ouvida em uma versão musicada e lida de forma sequenciada. Após isso, foi feita uma atividade sobre esse texto. A P3 utilizou um poema “que les queda a los jóvenes?”, por ser considerado um texto curto, e trabalhou a interpretação, instigando os alunos a falarem a partir de debate sobre o tema. Outra atividade foi passada para casa em que os alunos deveriam trazer um poema para ser debatido em sala. A intenção da professora P3 é trabalhar o conhecimento crítico, cultural e linguístico do aluno sem utilizar uma motivação que contextualize esse alunado. Neste sentido, a maioria, 3 de 4 professores, já trabalhou com o TL em sala, mas nenhum especifica a motivação, apesar de um dos investigados mencionar que a leitura compartilhada seria uma espécie de motivação. Dos gêneros literários mencionados como TL usados em sala, o trabalho com a poesia é predominante e constatou-se o uso dos contos e das crônicas. Percebemos, por meio de três respostas, que o trabalho com o TL está voltado para o trato da leitura e como input para a expressão oral. Por fim, notamos que não há uma 143


preocupação em fazer uma pré-leitura ou explorar o conhecimento de mundo do aluno antes de propor o trabalho com o TL. De acordo com Freire (2008, p.20) “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”. Esse mesmo autor complementa seu pensamento dizendo que “uma compreensão crítica do ato de ler que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo” Corroborando com essa perspectiva, Cosson (2009, p. 27) afirma que “ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultado de compartilhamento de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço.” Por essa razão, pensamos que o trabalho com o texto literário dá ao aluno possibilidades de recriar, de reinventar as percepções do mundo real quando agrega valores indispensáveis ao desenvolvimento intelectual, cognitivo, social do aluno levando em consideração seu horizonte de expectativas construído no âmago de suas próprias vivências. Elucidamos ainda, por meio das respostas dos próprios professores que, alguns deles desconhecem os gêneros literários, pois consideraram letra de música, entrevista e história em quadrinho como sendo um TL. Como já vimos no cap. 2, em temos gerais, os gêneros literários são apenas: o narrativo ou épico, lírico e dramático.

13 - Se emprega o TL nas aulas, com que frequência o faz (uma vez por mês, quase sempre, às vezes, nunca)?

Quando o utiliza, o faz por quê? (indicação do material didático, exigência da

escola; segundo sua preferência).

R- Três dos professores investigados não empregam com tanta frequência o texto literário nas aulas de E/LE. A professora P1 o faz por indicação do manual didático, no entanto, notamos uma contradição desta sua resposta com a anterior, onde afirma nunca empregar TL em sala. Podemos dizer, então, que P1 não reconhece um TL? A P2 não responde a questão, menciona apenas que retira o texto de algum livro. A P3 utiliza de acordo com sua preferência, pois o TL é raro no livro didático e a escola não faz nenhuma exigência. A P4 respondeu que sempre utiliza o TL fazendo-o para sair um pouco do livro didático e proporcionar outras leituras para o aluno. Já P5, afirma que o emprega uma vez por bimestre. Desta forma, notamos que duas das professoras empregam o TL de acordo com sua preferência, uma por indicação do manual didático, outro emprega uma vez por bimestre, mas não menciona a motivação. Assim sendo, percebemos que não há um espaço efetivo dedicado ao trabalho com o TL em sala de aula, de certa maneira, há um descaso com esse tipo de

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texto. Não fosse pela sua presença esporádica no manual didático, possivelmente, não haveria a possibilidade de pensar nesse tipo de texto enquanto instrumento de ensino aprendizagem. Temos, então, enquanto professores, que pensar no TL como ferramenta emancipatória, pois “o texto literário forma parte de uma categoria de tipologia e muitas vezes utiliza outra tipologia específica para reescrevê-la conforme sua subjetividade. Essa prática permite ao aluno perceber que dentro de uma sociedade se utilizam os textos para diferentes objetivos e contribui tanto para o incremento de seu conhecimento intertextual como de sua competência comunicativa” [...] (SANTOS, 2007 apud CABRAL DE PAIVA, 2012, p.81)

14 - No caso de empregar o TL nas aulas de espanhol, você o direciona para trabalhar com que aspectos: a leitura, a gramática e o vocabulário, outros? Explique como desenvolve estes aspectos (leitura, gramática e vocabulário) partindo do TL. R - Os 5 professores desenvolvem a partir do TL os três aspectos: leitura, gramática e vocabulário. São propostas atividades de leitura, compreensão e pronúncia, bem como abordados aspectos gramaticais. Nenhuma delas explicou como desenvolve esses aspectos a partir do TL. Através destas respostas confirmamos os resultados das pesquisas de Santos (2007, p.376) quando a autora menciona que “os textos literários quando estão presentes nos livros didáticos são apenas um pretexto para ensinar um ponto gramatical, uma destreza comunicativa específica, algo sobre a cultura da língua estudada ou ainda, para que o aluno simplesmente leia” [...] Parafraseando Mendoza (2007, p. 74) o professor ainda não tem consciência de que a seleção de textos é um processo minucioso, pois esse tipo de material servirá, em sua função mais essencial, para ampliar a competência comunicativa do aprendiz de LE. 15 – Se não o emprega em sala de aula, explique o por quê? Você acredita que ele é de difícil utilização em sala de aula? R - Apenas a professora P1 afirmou não trabalhar com o TL em sala devido a curta duração das aulas e por falta de material para os alunos; enquanto os outros 4, por meio das respostas anteriores, o empregam com pouca frequência. Não obstante, houve uma contradição da resposta da P1 com as suas respostas das questões de nº 13 onde afirma que trabalha às vezes com o texto literário e com a questão de nº 14 quando afirma que trabalha esse material com uma leitura silenciosa ou em voz alta, dando prioridade ao vocabulário para que os alunos compreendam o texto e em seguida a gramática.

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16 - Durante a sua formação superior, houve uma preocupação em estudar o TL enquanto ferramenta de ensino? Se sim, em que disciplina essa questão foi discutida e se isso o motivou a trabalhar com este texto em sala de aula. Se não, você acredita que isso influenciou na não adoção deste texto em sua prática docente? R - As professoras P1, P2 e P3 responderam que não houve uma preocupação em estudar o TL enquanto ferramenta de ensino durante a sua formação superior, mas P4 e P5 dizem ter aprendido a utilizá-lo na habilitação de língua portuguesa durante sua formação superior. A professora P1 respondeu, inclusive, que esse foi o motivo que contribuiu para a não adoção desse tipo de texto em suas práticas docentes. Verificando a resposta de P2, ela diz utilizar o texto literário de acordo com sua criatividade apesar de não ter uma formação superior específica. A docente P3 adquiriu o conhecimento sobre textos literários e como trabalhá-los em sala através de conversas informais com professores e pelo próprio interesse pessoal. Por meio dessas respostas somos levados a crer que, pela ausência da discussão a respeito do TL enquanto ferramenta de ensino no trajeto de formação superior, tenha sido gerada uma certa dificuldade no momento de se refletir e se posicionar frente as contribuições que o TL traz para o ensino de uma língua estrangeira. De acordo com Santos (2007), a ausência do texto literário não passa só pelas metodologias, manuais ou professores, passa também pela formação de tais profissionais, pois o professor orientador de sua prática de ensino na Universidade geralmente não costuma trabalhar com o texto literário. Diante dessas respostas, também notamos que existe uma crença em relação ao não uso no TL em sala de aula: como na formação superior não houve espaço para discutir o TL enquanto ferramenta de ensino e aprendizagem da língua, o professor da educação básica não se habilita a empregá-lo com tanta segurança. Essa crença atua de forma conjunta com o processo de reflexão, pois a maioria das informações que o docente incorporar no curso de formação ele possivelmente trará pra a sua prática de sala de aula.

17 - No caso de você não usar o TL nas aulas de língua espanhola, que motivações o levaram para não adotar este texto nas aulas: experiência pessoal; experiência profissional; convivência com outros colegas; a falta de tempo, de material; o conteúdo previsto no programa da disciplina; outros. R – Apenas P1 respondeu essa questão afirmando que a não utilização do TL em sala de aula devido à falta de tempo, e o conteúdo previsto no programa da disciplina, pois como só há uma aula por semana em cada turma, tem que correr contra o tempo para que os alunos tenham um conteúdo para a prova. Infelizmente, essa é a realidade. Menciona também que 146


uma língua estrangeira não deveria ser ensinada do mesmo modo que as demais disciplinas, deveria ser uma disciplina ofertada em forma de curso. Essa questão elucida dois dos fatores contextuais que afligem os professores em sala de aula: a falta de tempo e o programa da disciplina. Corroborando com esse pensamento, Borg (2003 apud BARCELOS, 2006, p.30), cita como fatores contextuais: “exigências dos pais, diretores, escola e sociedade; arranjo da sala de aula; políticas públicas escolares; colegas, testes, disponibilidade de recursos; condições difíceis de trabalho (excesso de carga horária, pouco tempo para preparação)”. Também alunos desmotivados ou resistentes para aprender, programa fixo dentre outros motivos que influenciarão a realidade e as habilidades dos professores fazendo-os adotar práticas que reflitam suas crenças.

Considerações finais

O tema das crenças no espaço escolar suscita inumeráveis abordagens (sobre o espaço do texto literário (TL), sobre a prática docente, sobre produção de materiais didáticos, sobre a aquisição de uma língua e diversos outros); suscita também os vários atores envolvidos no processo de ensino aprendizagem: os professores, os alunos, os gestores, todos aqueles que direta ou indiretamente contribuem para a prática pedagógica. Nossa investigação sobre o espaço do texto literário em aulas de língua estrangeira levou em consideração apenas as convicções e o fazer pedagógico dos professores. Tratamos de investigar as crenças que os professores de espanhol do ensino médio, que atuam em escolas públicas, têm em relação ao uso do texto literário para o ensino-aprendizagem dessa língua e como essas convicções se refletem em sua prática de ensino. Percebemos que, por vezes, o professor nem sabe o que classificar como literário e atribui esse desconhecimento a uma formação insuficiente e que deixou a desejar. Notamos também que os docentes ainda enfrentam muitas problemáticas como: alunos desmotivados, salas lotadas, material didático que não atende ao público, muitos dos professores ainda fora de sua área de atuação (apenas 2 dos 5 professores investigados são formados na área de língua espanhola), pouco tempo de aula por semana (em média 50 minutos por semana) dentre outros. Outro ponto discutido foi a forma de abordagem do TL e consideramos que ainda continuam com uma técnica de ensino um tanto tradicionalista que trata o texto literário como mero pretexto para atividades de léxico e de gramática. Percebemos também que os professores ainda não se sentem seguros em considerar o TL como material autêntico e didático o que nos motivou a pensar numa

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pesquisa futura, objetivando auxiliar diretamente esses profissionais por meio de minicursos e oficinas. Apesar disso, notamos professores conscientes do seu papel transformador perante os seus alunos e perante o sistema educacional e principalmente (em relação à essa pesquisa), consciente da importância da utilização do TL em sala de aula como componente completo e complexo para uma efetiva aprendizagem. Desta forma, notamos uma contradição entre crença e ação, pois apesar de grande parte desses professores considerar que o TL é um lugar de possibilidades para se explorar a língua e a cultura, não se sentem seguros, ou porque não dizer motivados, para este fim tendo em vista a pouca discussão sobre o tema durante a sua formação superior. Essa pesquisa, além de ser uma das primeiras no tema em nosso município (e em nível nacional também, tendo em vista que a maioria das pesquisas nessa área tendem para a língua inglesa) pôde contribuir para a reflexão dos professores em relação ao ensino do espanhol como língua estrangeira partindo do TL. Assim, a partir dos embasamentos teóricos e da possibilidade de transformar/aperfeiçoar sua prática, os docentes têm a capacidade de dinamizar os métodos utilizados para o ensinamento, reconhecendo que o TL pode ser usado para tantos fins quantos forem propostos e observar que este texto abrange os conhecimentos da língua, seja cultural ou gramatical, histórico ou social, e que também proporciona aos alunos uma motivação para a aprendizagem. A nós, autoras desta pesquisa, observamos a grande importância do uso do TL enquanto ferramenta de ensino, as possibilidades que ele proporciona para a aprendizagem dos alunos e a partir disso refletir sobre a aplicação dos conhecimentos adquiridos na pesquisa em nossa futura prática docente. Consideramos ainda que a pesquisa pode ser estendida para todos os sujeitos envolvidos, não só os professores, como também os alunos, os gestores, os pais, todos que estejam engajados no processo de ensino-aprendizagem através da transformação de si e do outro, pois como diria Paulo Freire, “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo.”34

Referências bibliográficas ALMEIDA FILHO, J.C.P. Dimensões Comunicativas no Ensino de Línguas. Campinas: Pontes Editores, 2008. 34

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X

O GÊNERO LITERÁRIO COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA Yanáskara Roberta de Medeiros Chaves Oscarina Caldas Vieira Maria Solange de Farias

YANÁSKARA ROBERTA DE MEDEIROS CHAVES foi bolsista PIBID e bolsista voluntária PIBIC. Licenciada en Letras - Língua espanhola (UERN). Pós-graduanda em ensino de línguas (UERN). Professora substituta no Departamento de línguas estrangeira da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). yrmc24@gmail.com OSCARINA CALDAS VIEIRA é acadêmica em Letras com habilitação em Língua portuguesa e suas respectivas literaturas na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN. Possui licenciatura plena em Letras Língua espanhola e suas respectivas literaturas pela UERN em 2014. Fez parte do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/ UERN) no período de 2012-2013. Tem experiência na área de Letras e Artes, linguísticas e literatura espanhola e brasileira. oscarina_cvieira@hotmail.com MARIA SOLANGE DE FARIAS é graduada em Letras - Português/Espanhol e Literaturas pela Universidade do Estado do Ceará – UECE (2000). Especialista em ensino de Língua Portuguesa pela UECE (2005). Mestra em Linguística Aplicada pela UECE (2007). Atualmente é Doutoranda em Língua Espanhola pela Universidade de Salamanca e Professora Adjunta de Língua e Literatura de Língua espanhola do Departamento de Letras Estrangeiras da Faculdade de Letras e Artes da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, onde participa como membro do Grupo de Pesquisa em Linguística e Literatura – GPELL desenvolvendo pesquisas na área de ensino-aprendizagem de língua espanhola. solange_espanha@yahoo.com.br

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Introdução

A utilização do gênero literário no ensino de uma língua estrangeira é um tema que vem ganhando espaço dentro das discussões sobre as metodologias de ensino de uma língua estrangeira, já que a literatura proporciona materiais riquíssimos que auxiliam no desenvolvimento das habilidades linguísticas necessárias para se aprender um idioma. O gênero literário proporciona ao aluno conhecer tanto diálogos coloquiais como a linguagem culta ou padrão. Outro ponto positivo deste gênero é a interculturalidade que promove; ele permite uma visão do mundo e das culturas de outros povos além de conteúdos históricos e sociais que permitem a formação de uma consciência de respeito à cultura dos outros. Os resultados que podemos extrair do uso da literatura é sempre enriquecedor tanto para o aluno como para o professor. Para o aluno porque passa a conhecer as diferentes formas de se expressar, com seus diferentes léxicos e ambientes; para o professor porque ele tem em suas mãos uma infinidade de material que pode ser utilizado em suas aulas. Esse trabalho é um relato e uma análise sobre a utilização do gênero literário em aulas de espanhol em escolas públicas. Ele parte de reflexões feitas a partir do uso de gêneros literários nas aulas de espanhol no ensino médio das escolas públicas de Mossoró, como recurso para o desenvolvimento de habilidades e competência necessárias para que o estudante aprenda de modo satisfatório esta língua estrangeira. Organizamos este trabalho em dois capítulos; no primeiro, fazemos um breve histórico sobre o uso do gênero literário nas aulas de Línguas Estrangeiras (doravante LE) e discutimos sobre as contribuições que traz o gênero literário ao ser utilizado nas aulas de LE; na terceira, relatamos nossa experiência ao desenvolver atividades com o gênero literário nas aulas de espanhol de uma escola pública de Mossoró onde desenvolvemos o projeto PIBID de espanhol.

1 Breve histórico sobre a utilização do gênero literário nas aulas de espanhol como língua estrangeira Quando observamos o discurso humano, percebemos que a utilização de gêneros textuais tem se tornado cada vez mais usual, isso por que os gêneros oferecem uma gama de valores que possibilitam o processo da comunicação humana e surgem da necessidade e das atividades sócio-culturais. Segundo Costa (2008, p.20) “os gêneros textuais, orais e escritos, são produtos histórico-sociais de grande heterogeneidade, em função dos interesses e das condições de funcionamento das formações sociais”. 152


Schneuwly e Dolz (2004), em seus estudos sobre as interações humanas, levam-nos à reflexão sobre a importância de se trabalhar os gêneros, considerando-os como um megainstrumento de referência para a aprendizagem capaz de desenvolver as habilidades linguísticas e consequentemente a competência comunicativa do indivíduo. Entre os gêneros textuais existentes, destacamos o literário; numa perspectiva histórica, seu uso inicial nas aulas de línguas, antes da consolidação de métodos com orientações mais pragmáticas, foi considerado pouco motivador, pouco comunicativo e, portanto, não atendia aos interesses dos aprendizes; no entanto, na didática atual das línguas, sua utilização se tornou imprescindível para o ensino e aprendizagem não somente de uma língua estrangeira, mas também em todo o processo de formação do aprendiz; desta forma, atualmente, o gênero literário atua como um recurso legítimo, estimulando o indivíduo inserido nesse processo a compreender as oportunidades de aprendizagem, já que o mesmo oferece uma gama de inputs linguísticos e culturais e é a amostra mais rica de produções linguísticas (FILLOLA, 2007). Portanto, inicialmente, quando este gênero passou a ser usado nas aulas de Línguas Estrangeiras, sua utilização se prendia a uma metodologia que não estimulava o aluno, pois, na maioria das vezes, o texto só embasava teorias gramaticais e era utilizado como o modelo de língua ideal. Em seus estudos, Fillola (2002, p. 118) nos chama a atenção de como se dava tal utilização:

Os textos literários estiveram no centro de uma metodologia que enfoca tradução e estudo da gramática. Foi pouco motivador metodologicamente, pois, não correspondeu aos interesses dos alunos nem aos critérios de funcionalidade, se tornando sem importância. Possivelmente, isso se deve há alguma reação negativa em relação a essa metodologia manifestada nas aulas de LE, pois a presença de materiais literários para alguns professores acabam em abordagens muito tradicionais. 35

Segundo Souza e Souza (2010), na história da didática das línguas, existiu um difícil diálogo entre os gêneros literários e a aprendizagem de língua estrangeira como herança da visão que se tinha do texto literário no método de gramática e tradução; neste método, ele era usado, nas aulas, como modelo quase sagrado a ser seguido pelos alunos, ou seja, era a máxima amostra de língua e de cultura dos povos. No entanto, o tempo passou e os estudos a cerca de sua utilização foram aprimorados; diante disso, percebeu-se que o gênero literário é vivo e por mais que alguns sejam complexos de se trabalhar em alguns níveis de aprendizagem, seu uso nas aulas de LE, tem se tornado cada vez mais eficaz, devido a sua 35

Todas as traduções realizadas neste trabalho são de responsabilidade de suas autoras.

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estreita relação com a pragmática. Nesta nova visão, o professor deve estimular o aluno a interagir com o texto e a fazer relações com o mundo. Fillola (2002, p. 119) nos chama a refletir, em seus estudos, sobre a importância de se trabalhar o texto ou discurso literário nas aulas de Espanhol como Língua estrangeira (E/LE),

a) em primeiro lugar, a combinação e o contraste utilizando literatura padrão e o uso da língua é explicito em muitos textos, de modo que se ligam em usos diversos; b) o continuum da utilização de códigos e expressividade que funcionam como input para a formação e c) a leitura como uma base para as atividades de aprendizagem. Por meio do acesso a leitura é compreensível o discurso literário e, especialmente a observação favorece a continuidade dos usos linguísticos que aparecem nele.

Como já percebemos, utilizar os gêneros literários no processo de aprendizagem de LE é de grande importância, pois ativa os saberes que aluno deve aprender e cria uma forma pessoal de observar e interpretar o mundo que o rodeia. Diante das novas possibilidades do uso do texto literário nas aulas de LE, faz-se necessário uma reorientação nas atividades de leitura do aprendiz para que através dele o aluno interprete e construa sentidos e, consequentemente, possa entrar no mundo do outro. A literatura é o reflexo das manifestações culturais de um povo, portanto, abrange tantos aspectos, que podemos tomá-la como base em nossas interações comunicativas e mostrar ao aluno que sim, é possível aprender uma nova língua utilizando o gênero literário. Lembrando que nesse processo de aprendizagem, o professor ganha destaque, pois a ele está incumbida a missão de trabalhar de maneira diversificada para que assim, o aluno possa desenvolver sua nova linguagem.

1.1 O Texto literário como recurso didático no ensino de E/LE

O gênero literário proporciona diferentes matizes a serem trabalhados. Como já se afirmou, seu uso para trabalhar a leitura em língua estrangeira é fundamental, já que nela o aprendiz faz uso de seu conhecimento prévio para poder contribuir com o sentido do texto e ter êxito neste intento. Segundo Fillola (2002), justifica-se o uso do gênero literário no ensino de LE por este proporcionar uma formação linguística e comunicativa; afirma que “Através dos textos literários, o aprendiz de LE se enfrenta, sempre mediante a leitura, a uma complexa atividade cognitiva de construção de significados e de atribuição de interpretações, de reconhecimento de elementos, de formas, de relações” (Ibid., p. 121).

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Outros elementos importantes presentes neste gênero são os componentes culturais e pragmáticos; sem eles, segundo Fillola (2002), a aprendizagem de LE seria limitada. A literatura aporta esses componentes com grande riqueza, dando um grande aporte ao desenvolvimento das habilidades linguísticas do aprendiz. O que se busca ao se aprender E/LE é alcançar competência comunicativa, e Filolla (2002) nos diz que os recursos e usos criativos do discurso literário criam um espaço didático no qual o aprendiz desenvolve diferentes saberes que intervém para o acréscimo dessa competência; “No aprendiz de LE, a compreensão do texto pode constituir uma atividade lúdica e gratificante quando o leitor-aprendiz percebe que é capaz de compreender produções literárias na língua estrangeira que está aprendendo” (FILLOLA, 2002, p.123). É necessário reconhecer que a importância do uso didático de materiais literários se dá pela relação existente entre:

A função dos reconhecimentos de usos e convencionalismos para a comunicação; A observação das peculiaridades da língua escrita e da língua falada; As atividades que se podem desenvolver em cima do texto para chegar a construção de novos conhecimentos significativos (FILLOLA, 2002, p 137).

García (2007) traz uma reflexão relacionada aos critérios para selecionar o gênero literário mais adequado para as aulas de espanhol como LE; segunda ela, estes critério devem estar relacionados aos objetivos propostos pela abordagem comunicativa. Estes textos primeiramente devem ser acessíveis, ou seja, adequados ao nível de conhecimento do aprendiz; em segundo lugar, devem ser significativos e motivadores; em sua escolha então, deve-se levar em conta o interesse dos estudantes e se o texto é divertido e próximo da realidade dos aprendizes; em terceiro lugar, os textos devem ser integradores para que assim se possa trabalhar diferentes habilidades linguísticas e, finalmente, devem oferecer muitas formas de exploração, ou seja, permitir a criação de diferentes atividades que facilitem a aprendizagem da nova língua.

2 Uma experiência com o texto literário

A utilização do gênero literário nas aulas de espanhol é o objeto de estudo do projeto que desenvolvemos com o apoio do PIBID. Nossas aulas são planejadas e elaboradas em função e com base em um gênero literário. É a partir do gênero literário que trabalhamos as

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habilidades linguísticas (leitora, oral, escrita e auditiva) que buscamos desenvolver ao lecionar este idioma. Utilizar textos literários em aulas de espanhol é fundamental para se fazer a análise do nosso objeto de estudo e assim poder avaliar se o uso do gênero literário usado como base para se desenvolver as habilidades linguísticas nos aprendizes de LE é viável, eficiente e producente. Assim, também podemos desenvolver estratégias para a aplicação desses textos de modo a encontrar e desenvolver o meio mais eficiente de se trabalhar com eles, encontrando a maneira de atrair a atenção dos alunos e poder aperfeiçoar os resultados. Esse relato é uma mostra do resultado que se pode alcançar a partir do trabalho com o gênero textual. É uma análise das estratégias utilizadas e da eficácia destas estratégias nas dinâmicas aplicadas. Podemos fazer também uma análise do gênero literário, procurando observar se a aplicação deste influencia no resultado que buscamos alcançar, neste caso, desenvolver as habilidades linguísticas, interpretar o conteúdo e as estruturas linguísticas e estilísticas, em uma aula de espanhol nas escolas de ensino público de Mossoró. Foram aplicados dois gêneros literários em duas aulas diferentes com alunos do ensino médio da mesma faixa etária. Os textos aplicados eram: Cenicienta, no escarmienta, uma poesia de Guillermo Saavedra; e um trecho de Crepúsculo de Stephanie Mayer. Em ambos, é possível diferenciar os tipos de linguagem utilizados. Trazendo para sala de aula mais uma das contribuições que oferece esse gênero textual ao ensino de línguas estrangeiras: proporcionar ao aluno o reconhecimento e o fazer uso tanto a linguagem coloquial como da linguagem padrão. Em uma análise geral da aplicação do texto literário na aula de espanhol, observamos que a utilização do gênero é viável, eficaz e promissora. Podemos trabalhar as habilidades linguísticas, a construção de significados e a interpretação textual e dos conteúdos linguísticos, estilísticos e pragmáticos do idioma. Esses conhecimentos devem ser trabalhados também de forma lúdica e dinâmica e nada melhor que utilizar este gênero que por sua natureza já é motivador porque estimula e desenvolve a imaginação e a criatividade. De maneira particular, percebemos que cada texto é um mundo de opções a serem exploradas; cada texto tem suas características e estilos próprios e até mesmo temas gramaticais específicos e devem ser abordadas para levar o aluno a produzirem ou analisarem os diversos eventos linguísticos proporcionados por esse gênero; e claro, podem ser trabalhados e reformulados de acordo com o objetivo e interesse de cada grupo. No texto cenicienta, no escarmienta, trabalhamos as quatro habilidades linguísticas, a interpretação textual através das estratégias de leitura, o léxico específico do texto e os 156


conteúdos linguísticos determinados pelo manual utilizado na escola. Observamos e buscamos desenvolver a participação ativa e voluntária do aluno na aula através de perguntas diretas, para que assim se expressassem, buscando avaliar o que entenderam do texto e o que opinam sobre ele. Com o texto de Saavedra, que tem como base o conto infantil Cinderela, observamos que os alunos entenderam bem o texto, encontraram dificuldade apenas em algumas palavras apresentadas e através da inferência e do conhecimento prévio dos alunos sanamos algumas dúvidas de vocabulário. Para os estudantes, foi uma surpresa encontrar um texto em espanhol baseado em um conto de fadas tão conhecido por eles. O trabalho com os elementos gramaticais da aula se deu de maneira mais sutil e eficiente. Os alunos puderam identificar no texto os verbos e o tempo verbal proposto e consequentemente refletir sobre o uso e forma destes, de modo contextualizado. Com a poesia tivemos um bom resultado no processo ensino/aprendizagem. Apesar de que, no referente à participação voluntária para a interpretação e expressão da opinião, os alunos tiveram que ser bastante estimulados para poderem se encorajar e participar. Vale ressaltar que o conhecimento prévio do aluno sobre o texto foi fundamental para sua interpretação, este facilitou inclusive as inferências de significado das palavras desconhecidas. Com o texto Crepúsculo, como no anterior, trabalhamos também as habilidades linguísticas, a interpretação textual, o léxico, o conhecimento prévio, o conteúdo gramatical. O texto cumpriu efetivamente com a função proposta a ele. Os alunos participaram de maneira muito ativa e voluntária no momento da construção dos significados, da interpretação e construção de opinião, sem a necessidade de tanto estímulo como ocorreu com a poesia. Os discentes procuraram retirar suas dúvidas de maneira espontânea no que tange ao léxico desconhecido da obra e para isso mais uma vez nos utilizamos da inferência e do conhecimento prévio do aluno na tentativa de torná-los leitores e escritores mais autônomos. Trabalhar a gramática a partir do texto mostrou um resultado melhor que se trabalhado fora de contexto porque permitiu ao aluno refletir sobre o uso e forma dos elementos gramaticais estudados na unidade. A obra de Stephanie Mayer, por ser já conhecida pelos educandos, proporcionou um melhor resultado no que concerne a atrair a atenção e a participação dos alunos. Eles demonstraram um grande interesse, pois já conheciam a obra. Constatamos que o conhecimento prévio do aluno sobre os contextos a serem abordados desempenham grande influência no despertar do interesse desse aprendiz na aula e que o texto realmente tem que ser próximo da realidade dos aprendizes. 157


O gênero literário demonstrou ser um aliado poderoso no ensino de espanhol na Escola Pública. As aulas de espanhol se enriquecem e ficam mais dinâmicas com a utilização desse material e os estudantes encontram um novo mundo cheio de opções e oportunidades de conhecimento. O professor disponibiliza um processo de ensino/aprendizagem mais ágil, onde o aluno aporta sempre com seu conhecimento prévio, facilitando a transmissão e a recepção do saber.

Conclusões

Atualmente, ao aprendermos uma nova língua, temos como objetivo a comunicação; podemos observar que desde a abordagem comunicativa, os estudos feitos sobre o uso do gênero literário nas aulas de espanhol têm a preocupação com o desenvolvimento da competência comunicativa dos aprendizes. Ao se utilizar o gênero literário, temos a possibilidade de desenvolver as habilidades linguísticas do aprendiz: a escrita, a leitura, a oralidade e a escrita, porque o discurso literário nos proporciona material para trabalharmos essas habilidades de maneira singular e plural ao mesmo tempo. Singular porque é um material autêntico, que proporciona cultura, léxicos e discursos próprios de um contexto, um ambiente e um tempo. E plural porque facilita de forma ampla o desenvolvimento de atividades que abrangem todas as habilidades necessárias para chegarmos a uma verdadeira competência comunicativa. Aplicar o gênero literário nos fez comprovar que é possível desenvolver diferentes atividades com base no texto, e assim aprimorar as habilidades linguísticas e formar alunos mais autônomos e responsáveis pela construção de seu próprio conhecimento. Podemos comprovar, após nossa experiência, que o trabalho com textos literários próximos da realidade do aluno e adequados a seu conhecimento do idioma, os faz participar das aulas de maneira voluntária, o que contribui para a construção dos sentidos, para a atribuição de significados, para o reconhecimento e uso dos elementos gramaticais etc. Cada gênero textual possui características próprias e isso deve ser levado em consideração ao planejarmos a aula que pretendemos ministrar. O texto usado deve ser um texto adequado à faixa etária dos alunos e ao nível de conhecimento destes, e com temas que despertem o interesse do estudante e que abordem o conteúdo gramatical que devemos apresentar.

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A experiência de trazer a literatura para o ensino de espanhol engrandece o processo de ensino/aprendizagem, pois desperta no aprendiz os saberes que ele já possui e isso corrobora a atingir o conhecimento necessário para uma competência comunicativa adequada na língua meta.

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XI

ANÁLISIS DEL PROCESO DE ENSEÑANZA DE E/LE EN BRASIL: LOS MANUALES DIDÁCTIVOS Beth Francione Fagundes da Silva Regiane Santos Cabral de Paiva*

BETH FRANCIONE FAGUNDES DA SILVA graduou-se em 2011 pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN no curso de Letras com habilitação em Língua Espanhola e suas Respectivas Literaturas. É especialista em Ensino/Aprendizagem de Línguas Estrangeiras - Espanhol como LE pela mesma instituição de ensino. Foi professora de Espanhol como ELE em escolas de Ensino Médio, Curso Pré-Vestibular, Curso de Línguas e Cursos Técnicos. Em 2014, conclui o mestrado em Ensino de Línguas Estrangeiras Espanhol como LE, na Universidade Rovira i Virgili em Tarragona - Espanha. Atualmente, é professora de Língua Espanhola da educação básica (Ensino Médio) do estado do Rio Grande do Norte. bethfrancione_sej@hotmail.com

REGIANE SANTOS CABRAL DE PAIVA é professora de língua e literatura hispanófonas do curso de Letras (habilitação em língua espanhola) na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Tem experiência na área de Letras, com ênfase no ensino de Língua espanhola e Literatura Hispano-americana. Obteve seu título de graduação em Letras com habilitação em Língua portuguesa e espanhola pela Universidade Estadual do Ceará no ano de 2000. Em 2003, concluiu o curso de especialização em Ensino de Língua Portuguesa pela UECE, tendo como título da monografia: Abordagem funcional-discursiva do nome no ensino fundamental. Em 2012, logrou o título de Mestra em Letras pela UERN. Sua área de concentração de pesquisa se concentra em Crenças e no Texto literário como ferramenta de ensino. *Responsável pela orientação da releitura da dissertação para a confecção deste artigo. regianeuern@yahoo.com.br

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Introducción36 El desarrollo de la lengua española en Brasil contó con el apoyo de herramientas creadas por el gobierno para orientar, auxiliar y medir la enseñanza- aprendizaje de la lengua, como los Parámetros Curriculares Nacionais para o Ensino Medio (PCNEM, 2000) y las Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Medio (OCNEM, 2000), documentos que orientan sobre la metodología y la didáctica en las clases de E/LE en este contexto. Paralelamente, el gobierno federal desarrolló el Programa Nacional do Livro Didático (PNLDEM), por el cual los alumnos de las escuelas públicas de nivel medio reciben gratuitamente, durante los tres años de curso, manuales de español elegidos previamente por sus profesores a partir de una serie de opciones ofertadas por el Ministério da Educação Brasileiro (MEC). Por fin, en el año 2010 se introdujo en el Examen Nacional do Ensino Médio (ENEM), una selectividad de carácter nacional, la prueba de lengua española, con el objetivo de medir los conocimientos del discente en el idioma. A la vista de este conjunto de acciones para poner en marcha la enseñanza del español en territorio brasileño y, después de algunos años de adecuación, nos pareció interesante investigar (durante el Máster oficial en enseñanza de lenguas extranjeras: español como lengua extranjera por la Universidad de Roriva- Tarragona/ Cataluña) este contexto, tanto por la creciente importancia del aprendizaje del español en Brasil como por el hecho de que, en un futuro próximo, nos gustaría desempeñar como profesora en este contexto. En esta investigación, nos dedicamos a analizar el seguimiento o no de las directrices de los currículos brasileños para la enseñanza del E/LE en el proceso de enseñanza-aprendizaje del idioma: manuales, exámenes y dinámica del aula. Sin embargo, para este e-book nos limitaremos a presentar solamente los resultados de análisis en los manuales a partir del PNLDEM. 1.

Acerca de los manuales Desde 1929, Brasil distribuye manuales gratuitamente para sus alumnos. Oliveira

(2013) relata que en 1937, durante la gestión del ministro Gustavo Capanema, se creó el Instituto Nacional do Livro (INL), que dio lugar al nacimiento de comisiones para legislar las políticas de producción y circulación de libros de texto en todo el territorio nacional. En 1938 36

O presente artigo se encontra em língua espanhola para respeitar o texto original retirado, após releitura, da dissertação de Beth Francione realizada pela Universidade Rovira i Virgili - Tarragona/ Cataluña (Espanha).

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surgió la Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), que inició una etapa de promoción y acceso a los libros en todo Brasil. Casi cincuenta años después, el 19 de agosto de 1985 nació el Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) que, ejecutado por el gobierno federal, planifica, evalúa, compra y distribuye, gratuitamente, los manuales a los alumnos de la educación básica pública del país. El PNLD, pues, pasa a preocuparse por la calidad y durabilidad de los libros distribuidos y también transfiere a los docentes la elección de los libros utilizados en las escuelas. Según Oliveira (2013), este programa se hizo extensivo en 2003 a la enseñanza media de las escuelas públicas brasileñas, siendo nombrado en este ámbito Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM). Tras la adopción del PNLEM, se pasa a distribuir, gratuitamente, manuales de Portugués, Geografía, Historia, Matemáticas, Química, Física, Biología y Lengua Extranjera (Español e Inglés). Asimismo, lleva a las escuelas diccionarios, publicaciones en braille y diccionarios ilustrados trilingües en LIBRAS (Lenguaje Brasileño de Signos). Cassiano (2007, en Oliveira, 2013) define las etapas por las cuales han pasado el PNLD y el PNLEM: a) publicación del edicto para que las editoriales presenten sus manuales; b) selección previa de los manuales observando los criterios establecidos por el MEC; c) evaluación pedagógica de los libros; d) producción y distribución de las guías de los libros a las escuelas; e) elección de los libros (por los profesores); f) procesamiento de las demandas; f) habilitación de los detentores de derechos de autor; g) compra de libros; h) producción de los libros; i) control de la distribución en los estados; j) campañas de conservación y devolución de los libros (Cassiano, 2007: 50; en Oliveira, 2013: 107).

Oliveira (2013) añade que cada alumno recibe un manual elegido por los docentes para cada asignatura presente en el currículo, y los devuelve a final de cada año para que sean repuestos. Cada tres años, el proceso se inicia otra vez con la elección y distribución de nuevos manuales; sin embargo, es posible que se repita la elección de uno o más libros. El autor también presenta el decreto de n. º 7.084, de 27 de enero de 2010, que expone los objetivos generales de los programas: Art. 2º [...] I- melhoria do processo de ensino e aprendizagem nas escolas públicas, com a consequente melhoria da qualidade da educação; II - garantia de padrão de qualidade do material de apoio à prática educativa utilizado nas escolas públicas; III - democratização do acesso às fontes de informação e cultura; IV - fomento à leitura e o estímulo à atitude investigativa dos alunos; e V - apoio à atualização e ao desenvolvimento profissional do professor (Oliveira, 2013, p. 108).

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El decreto también fija las directrices que deben seguir los programas en el país: Art.3: I - respeito ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas; II - respeito às diversidades sociais, culturais e regionais; III - respeito à autonomia pedagógica dos estabelecimentos de ensino; IV - respeito à liberdade e o apreço à tolerância; e V - garantia de isonomia, transparência e publicidade nos processos de avaliação, seleção e aquisição das obras (Oliveira, 2013, p. 108).

El PNLD y el PNLEM se basan, también, en la LDB, en los PCN y en las OCEM y en investigaciones actuales sobre la lengua y cultura, así como sobre la enseñanza y el aprendizaje (González, 2010; en Oliveira, 2013).

1.1 Los manuales de E/LE en el PNLEM

Según Oliveira (2013), la Ley del Español fue la razón de la introducción de materiales de lengua española en el PNLEM; con este propósito, el Programa analizó y seleccionó manuales, gramáticas y diccionarios monolingües y bilingües, que a partir de 2006 fueron distribuidos entre los docentes de E/LE de la red pública brasileña. De acuerdo con el autor (2013), el MEC invitó a siete expertos para evaluar las obras producidas por autores y editoriales. Se eligieron trece obras: cuatro manuales, cinco diccionarios monolingües, dos bilingües y dos gramáticas. A partir de 2010, Oliveira (2013) relata que se incluyeron en el PNLD manuales de español para la enseñanza fundamental (del 6. º al 9. º año); cabe recordar que, en esta etapa de la educación nacional, la enseñanza de la lengua tiene carácter opcional. La comisión de expertos invitados por el MEC evaluó once colecciones de manuales del idioma, nueve de las cuales fueron rechazadas. Luego, se elaboró una guía que contenía reseñas sobre las colecciones aprobadas y se remitió a las escuelas para que los profesores pudieran elegir la colección que adoptarían en cada escuela a partir del año académico 2011-2012. El autor (2013) señala que el significativo rechazo de las colecciones presentadas por las editoriales nacionales y extranjeras se debía a la no adaptación de sus manuales a las orientaciones del MEC para la enseñanza del español en Brasil. La última convocatoria del PNLEM fue en 2011. De las doce obras que se presentaron para la enseñanza de E/LE, solamente tres fueron aprobadas. Para Oliveira (2013), aunque

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haya sido mayor el número de rechazos que el de aprobaciones, se espera que en las próximas convocatorias del programa haya más obras seleccionadas, ya que esta ha sido la primera convocatoria de este ámbito del programa y, consecuentemente, los autores y editoriales todavía se están adecuando a las directrices y objetivos establecidos por el PNLEM. En 2012, entonces, las obras fueron llevadas a las escuelas, a partir de la elección previa de cada docente. Para el autor, la inclusión del inglés y del español en el PNLD (2011) y en el PNLEM (2012) es muy destacada en la política de la enseñanza de lenguas en Brasil. Sin embargo, existen discrepancias entre las orientaciones educativas brasileñas para la enseñanza de LEM (Lengua Extranjera Moderna) y lo que de verdad ponen en práctica los manuales inscriptos en el programa. González (2010b, en Oliveira, 2013) apunta algunos de los problemas que fueron decisivos para la exclusión de algunas colecciones del PNLD y del PNLEM:  Falta de coherencia entre el discurso y la práctica: muchas de las colecciones afirmaban que seguían las orientaciones de los documentos oficiales para la enseñanza de E/LE en el país (PCN y OCNEM); no obstante, en las unidades didácticas de estos manuales no se identificaba así.  Gran cantidad de errores en las colecciones: errores de ortografía, de revisión, de aspectos culturales, de sintaxis, de concordancia, de traducción y de conceptualización.  Imprecisiones en las orientaciones destinadas a los docentes sobre las actividades propuestas.  Escasez en la presentación de textos de tipos y géneros distintos.  Predominio de actividades escritas de “redacción escolar”, donde se valora más el producto que el proceso de su construcción;  Falta de atención en la exposición de la variación lingüística.

El autor concluye que, a pesar de la importancia de la inclusión del español en estos programas la ley por sí sola no es suficiente para que la enseñanza del español efectivamente sea una realidad en las escuelas brasileñas. Con eso tampoco estamos defendiendo la idea de que solamente el PNLD pueda garantizar este éxito (Oliveira, 2013: 111)

A continuación, presentamos brevemente las tres colecciones ofrecidas por el PNLEM (2012) para la enseñanza de E/LE en las escuelas públicas de nivel medio en el país.

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Utilizaremos la Guía de Libros Didácticos PNLD 2012 para la presentación y el análisis de las colecciones El arte de leer en español y Enlaces: español para jóvenes brasileños. En cambio, para la colección Síntesis, realizaremos nuestro propio análisis. Hemos elegido esta y no otra de las colecciones para un análisis en profundidad, porque, a partir de nuestra experiencia como profesores de E/LE en el estado brasileño del Rio Grande do Norte, hemos percibido que es una de las más utilizadas por los docentes de este entorno.

1.1.1 El arte de leer en español

Autores: Terumi Koto Bonnet Villalba Deisi Cristina de Lima Picanço Editorial: Base Editorial En la reseña de la colección contenida en la guía37 del PNLEM (2012) se dice que esta colección busca auxiliar en el proceso de formación de lectores críticos, y para ello dispone de textos verbales y no verbales de distintos géneros y variedades en el idioma. Además, se dice que incluye temas de interés para los alumnos de la enseñanza media, así como orientaciones teórico-metodológicas eficaces para la formación y actuación de los docentes. La colección se divide en tres volúmenes, cada de los cuales está compuesto de cuatro unidades didácticas. En ellas encontramos los siguientes apartados: ¡Mira!, con actividades de prelectura; ¡Acércate!, que trata de la lectura; y ¡Dale!, que trabaja la poslectura. La guía

37 <http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/125-guias?download=5510:pnld-2012-lingua-estrangeira>. Fecha de consulta: 10 de junio de 2014.

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didáctica añade que la colección incluye actividades para la producción escrita (apartado ¡Dale!) y oral (apartado ¡Dale!) y para la comprensión oral (apartado Para escuchar). En los libros también se trata de los elementos lingüísticos (en el apartado ¡Ojo!). Dichos elementos todavía son practicados (apartado Ahora tú) y sistematizados (apartado Para consultar) La guía también afirma que hay un apartado titulado Para curiosear que incluye curiosidades y añadidos sobre los elementos tratados en las diversas unidades. El análisis de la colección que ofrece la guía muestra que los manuales presentan una gran variedad de textos de distintos tipos y variedades del español, contribuyendo así para la eliminación de los estereotipos. Además, la diversidad de los textos presenta una gradación respetando el nivel de los alumnos. Hay también una explotación de la cultura brasileña e hispánica respetando así la interculturalidad. Según la guía, la comprensión escrita es el foco de trabajo de los manuales, y en algunas lecturas se expone su contexto de producción. El alumno también se considera un lector crítico. Se indica asimismo que en la colección el trato dado a la comprensión y producción oral no es el mismo que recibe la comprensión escrita.

Las actividades relacionadas a la producción oral, en general, son tareas que buscan la discusión en grupos o la expresión de la opinión de los alumnos sobre determinado tema tratado en los textos. Son previstas algunas situaciones comunicativas que posibilitan que el alumno desarrolle la destreza oral en distintos contextos comunicativos y con diferentes registros (Guía de Livros Didáticos – PNLD 2012: 22).

Los elementos lingüísticos son tratados de modo breve y contextualizado, según la guía señalada. Respecto al léxico, no hay un apartado específico para su trabajo; sin embargo, en el apartado ¡Acércate! se trabajan cuestiones como la sinonimia y homonimia y la búsqueda de significados de las palabras en el diccionario. Un punto positivo de la colección son las explicaciones metodológicas del manual para los docentes, así como sugerencias para su trabajo en clase; además, en el manual del profesor se presenta un solucionario completo del manual del alumno. La guía todavía presenta los temas tratados en los tres manuales que forman la colección. A continuación ofrecemos los temas del manual 1:

Contenidos temáticos: identidad; la lengua es útil para la comunicación; la escuela de la vida; el cuerpo y la calidad de la vida. Comprensión escrita: en las secciones ¡Mira!, ¡Acércate! y ¡Dale! son incluidos tipos y géneros de textos variados y relacionados al tema de la unidad. Producción escrita/

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producción oral: a partir de la lectura de textos y/o discusión con los compañeros, contestar a preguntas en modo de apuntes y luego exponerlas oralmente; elaborar textos breves sobre el perfil de una persona; organizar mapa con variaciones de hablas; crear carteles; preparar entrevista; exponer opinión; dibujar pirámides de frecuencia de ejercicios físicos de adultos y ancianos. Comprensión auditiva: reproducción oral de textos incluidos en el manual del alumno, sin ejercicios específicos de oralidad. Elementos lingüísticos: pronombres posesivos; conectivos; trato formal e informal; cuadro fonético/fonológico de la lengua española; que/ el que; artigo neutro lo; apenas; verbos en presente; pronombres complementos; uno; todavía; futuro; verbo haber, tener, imperativo afirmativo (Guía de Livros Didáticos – PNLD 2012, p. 20).

1.1.2 Enlaces. Español para jóvenes brasileños

La segunda colección de manuales de E/LE seleccionados por el PNLEM para las escuelas públicas brasileñas es autoría de Soraia Adel Osman, Neide Elias, Sonia Izquierdo Merinero, Priscila Maria Reis y Jenny Valverde, y fue publicada por la editorial MacMillan do Brasil. La guía PNLD 2012 afirma que esta colección trae textos que ilustran la diversidad cultural hispánica y brasileña y que llevan al estudiante a desarrollar su capacidad de lector crítico. La colección consta también de tres volúmenes y cada uno de ellos presenta ocho unidades didácticas. Los apartados de las unidades son definidos como: Competencias y habilidades, Funciones comunicativas, Contenidos lingüísticos y Género discursivo. Al término de cada unidad, hay una autoevaluación (Así me veo). Por otra parte, en cada volumen se incluyen otros apartados (Un poco más de todo, Vestibular e Te digo y me dices) con actividades complementarias al tema de cada unidad. Sin embargo, en el manual 3, el

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apartado Te digo y me dices es reemplazado por pruebas para el Examen Nacional de la Enseñanza Media brasileña (ENEM). Cada manual incluye también glosario y tablas de verbos. La compresión oral es ejercitada en el apartado Hablemos; la producción oral, en el apartado Como te decía; la comprensión escrita, en el apartado ¡Y no solo esto!, en el que también se encuentran actividades de prelectura y lectura; la producción escrita es explotada en el apartado En otras palabras, y en Manos a la obra se trabajan los elementos lingüísticos. Los manuales también incluyen CD de audio. La guía didáctica 2012 afirma que esta colección presenta una gran exposición de la heterogeneidad lingüística y cultural del español de los distintos países que hablan el idioma. Sin embargo, en su representación textual, hay un considerable número de textos de la variedad peninsular. En las actividades de comprensión escrita, ubicadas en el apartado ¡Y no solo esto! se involucran estrategias para el desarrollo del conocimiento de mundo del discente y para la realización de inferencias. Los textos literarios son utilizados con énfasis en su contenido y no respecto a su importancia en la literatura en sí misma. Respecto a las actividades de producción escrita, en el apartado En otras palabras se ejercita la escritura de determinado tipo de texto estudiado en la unidad didáctica. La producción textual no siempre está relacionada con el tema de la unidad didáctica. En relación con las actividades de comprensión oral, la guía PNLD 2012 expone que la colección Enlaces. Español para jóvenes brasileños las ubica en el apartado Hablemos. Los audios utilizados en las actividades no siempre son fielmente representativos de los géneros orales; a veces tampoco se percibe nítidamente las variedades lingüísticas de los hablantes de estos audios. También se incluyen en los CD de audio actividades de pronunciación para que los alumnos observen las diferencias entre su idioma y el español. La expresión oral se trabaja en el apartado Como te decía, que expone estructuras lingüísticas y luego una propuesta de actividad. La guía PNLD 2012 añade

que estas

actividades están centradas mayormente en simulacros de situaciones que en la interacción significativa de los estudiantes en la lengua meta. Sin embargo, en el manual 3 hay una libertad mayor en las respuestas de los estudiantes en las cuales se necesita un dominio más grande de los contenidos para que se lleven a cabo eficazmente. Las actividades para la explotación de los elementos lingüísticos contenidos en el apartado Manos a la obra son consideradas estructuralistas por la guía PNLD 2012, y dichos elementos son expuestos en este apartado a partir de frases que acompañan informaciones 168


metalingüísticas y que muchas veces son bastante sencillas. Hay también en este apartado fallos de revisión que según la guía, el profesor debe poner atención. El manual del profesor, además del solucionario del manual del alumno y de las transcripciones de los audios utilizados en el libro, contiene sugerencias teóricas y metodológicas para su uso en clase. El manual 2 de la colección presenta la siguiente organización: Contenidos temáticos: profesiones y proyectos de vida: dictadura en Sudamérica; tipos de ocio; trastornos alimenticios y culto al cuerpo; conceptos y tipos de familia; objetivos del milenio; hábitos alimenticios; cambios climáticos. Comprensión escrita: en el apartado Y no solo esto, son incluidos tipos y géneros de texto variados relacionado al tema de la unidad. Producción escrita: anuncio de clasificado de empleo; biografía; guía de entretenimiento; comentario en un blog; álbum de familia; entrevistas; guía de salud; artigo de divulgación científica. Comprensión oral: diálogos; biografía, relatos; consejos y entrevistas. Producción oral: reproducir frases controladas. Elementos lingüísticos: perífrasis de futuro; verbos querer/pensar + infinitivo; conjunciones de causa y efecto; verbos regulares e irregulares en el pretérito indefinido; acentuación gráfica (agudas y graves); verbos en pretérito perfecto compuesto; acentuación (esdrújulas y sobresdrújulas); verbos regulares e irregulares en pretérito imperfecto de indicativo; contraste entre el pretérito imperfecto y el pretérito indefinido; posesivos átonos y tónicos; artigo neutro lo; verbos regulares e irregulares en futuro de subjuntivo; perífrasis verbal (estar + gerundio); oraciones condicionales. Léxico relacionado a las profesiones; expresiones temporales para expresar pasado y presente; familia; expresiones de deseo y probabilidad; alimentos; naturaleza y ecología. Fonética: c, s, z (Guía de Livros Didáticos PNLD 2012, p. 25).

1.1.3 Síntesis

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El autor de la tercera y última opción de colección de manuales ofertadas por el MEC es Ivan Rodrigues Martin y la colección fue publicada por el editorial brasileño Ática. Esta es la colección que hemos elegido para hacer el análisis y así comprobar si realmente la colección es comunicativa y está acorde con las orientaciones de los PCN y de las OCNEM referentes a la enseñanza de E/LE en Brasil. Trataremos a continuación de varios aspectos relacionados a la presentación de la lengua en el manual y también respecto a su forma de enseñanza del idioma en la colección Síntesis, al final del análisis comentaremos sobre su relación con la enseñanza comunicativa y con las orientaciones y objetivos de los PCNS y de las OCNEM para la enseñanza de E/LE en Brasil.

I)

Diseño y estructura del método

Los tres manuales de la colección presentan 184 páginas, cada uno, con tipos de letras variados, empleo de color en imágenes y letras, diferentes fotografías e ilustraciones y CD/MP3 para las actividades de comprensión auditiva. Las grabaciones son claras y la dicción de los locutores también, presentan todavía, distintos tipos de acento y no hay ruidos exteriores a la grabación.

a)

Objetivos generales

Los objetivos de la colección son: 

Servir de apoyo a profesores y alumnos en el estudio del español como LE;

Llevárselos a conocer la otra lengua a través de sus estructuras gramaticales y

comunicativas y del contacto con las culturas de otros pueblos, con otros modos de pensar, de vivir y de expresarse; 

Despertar el interés por el mundo hispánico y sus ricas y variadas

manifestaciones culturales, independientemente de la importancia económica del país del que se trate;

b)

Metodología

La colección Síntesis no define explícitamente el enfoque adoptado, solamente defiende que su visión de aprendizaje de la lengua involucra sus estructuras gramaticales, comunicativas y su cultura. 170


c)

Estructuración de los contenidos: syllabus (temático, situacional,

funcional, por tareas)

Los contenidos son estructurados de lo más sencillo a lo más complejo, el índice separa los contenidos en tres

apartados: léxico/contenidos comunicativos;

elementos lingüísticos y comprensión lectora. Los contenidos están relacionados a un tema concreto, por ejemplo: Unidad 7: ¿Cómo es tu familia? Léxico: familia y expresiones idiomáticas/ gramática: los posesivos/ textos para la interpretación: Ah, los hijos; y En la playa con el hijo del novio de mi madre (Síntesis 1). Así, podemos considerar que el manual presenta un syllabus temático.

d)

Organización de cada unidad didáctica:

Cada unidad tiene un promedio de 16 páginas.

Cada unidad contiene (en el orden en el cual aparecen): 

una foto o un texto sobre algún aspecto de la lengua o cultura hispana;

texto que generalmente no tiene relación con el anterior, y este puede

ser escrito o auditivo; 

actividades sobre el texto leído o escuchado;

apartado de vocabulario que suele ser acompañado por actividades;

apartado dedicado a la gramática que sigue un enfoque estructural con

muchas actividades para la ejercitación del contenido gramatical estudiado; 

Apartados denominado: Para leer y reflexionar y Para leer y

reaccionar con textos para leer e interpretar, en algunas unidades, antes de este apartado, hay otro llamado Para charlar y escribir donde encontramos actividades para trabajar la expresión oral y escrita; 

apartado denominado Aprende un poco más que añade otros temas

lingüísticos como expresiones idiomáticas, expansión del tema gramatical, ortográfico o léxico estudiado o actividades para el desarrollo de una función comunicativa, como escribir una carta formal (Síntesis 3);

171


Al fin de cada unidad hay una parte nombrada: ¡evalúate! Donde los

estudiantes son llevados a practicar una vez más los contenidos léxicos y/o gramaticales gramaticales estudiados; 

Por fin, hay una página con cuestiones de lengua española de exámenes de

selectividad de las universidades brasileñas para contestar;

II)

a)

Diseño de las actividades

Presencia o ausencia de la L1

El manual Síntesis 1 presenta 6 actividades que recurren a la L1 de los alumnos, y todas son de traducción del español al portugués o al revés, algunas de ellas piden la traducción sin el contexto donde aparece la unidad léxica. En una de las traducciones de los falsos amigos (actividad 1 p. 71) el autor no añade ninguna explicación y entiende que el hecho de que los alumnos traduzcan las palabras del español al portugués sin contextualización les hará entender que dichas unidades son falsos amigos. El manual Síntesis 2 también involucra la L1 de los alumnos, sobre todo en actividades de traducción libre, donde en su mayoría, los alumnos son llevados a traducir expresiones del español al portugués, contenidas en textos anteriormente leídos. Una de las actividades de traducción que más nos llamó la atención es la de la página 35 del manual, en la que se pide a los alumnos que traduzcan al portugués expresiones y frases sacadas del Diccionario de dichos y frases hechas (Alberto Buitagro) como: i. Esta tarde ha llovido de lo lindo. El manual no se preocupa en añadir ninguna información extra sobre las expresiones, tampoco explica sus contextos de usos y encima no es sensible a su relación con expresiones de la lengua materna de los estudiantes, es decir, a veces no existe expresiones que tienen el mismo sentido en la lengua meta que en la L1. El Síntesis 3 también explota la traducción de expresiones y palabras del español al portugués tras ser vistas en los textos, este manual aún, añade actividades con relación a las diferencias de géneros, tonicidad y significados entre palabras del español y del portugués que poseen grafías semejantes, p. 96 y 97.

b)

Contextualización de la lengua

A pesar de muy formal en su trato gramatical, la colección a veces intenta contextualizar los contenidos en sus unidades didácticas, es decir, si la unidad tiene por 172


objetivo: presentarse y conocer a nuevas personas, el contenido léxico tratado son los datos personales, el gramatical verbos como: ser, llamarse, vivir y tener (Síntesis 1). Sin embargo, podría la colección explotar más la expresión e interacción oral de los alumnos y las situaciones reales donde uno pudiera necesitar estos contenidos, y no fijarse prioritariamente en ejercicios estructurales escritos y de comprensión lectora.

c)

Inclusión de habilidades propias de los destinatarios a los que va dirigido

Algunas de las actividades buscan involucrar temas motivadores para los adolescentes, como por ejemplo la saga Harry Potter (Síntesis 1); los deportes, las fiestas (Síntesis 2); el uso de los foros en internet (Síntesis 3), etc. Sobre la inclusión de habilidades propias de los alumnos en los contextos en los que se desenvuelven, algunas de las actividades podrían realmente suceder en la vida real del estudiante, principalmente las comunicativas, pero muchas otras no, como las estructurales de completar huecos en textos y frases descontextualizadas, que en el momento de la comunicación en el idioma no servirían de mucho.

d)

Presencia de actividades que eliciten conocimientos de los estudiantes y

que permitan la personalización

Se busca valorar en determinadas actividades los conocimientos previos de los alumnos sobre todo de la lengua portuguesa y la cultura brasileña, al contrastar aspectos lingüísticos y culturales de la L1 y L2 (como los pronombres de tratamiento en los dos idiomas- Síntesis 1). Aunque no ocurra en todas las actividades, los alumnos también son llevados a contestar ejercicios con sus propias informaciones personales y con las de sus de compañeros de clase. Como ya hemos dicho, la colección debería frecuentemente explotar estas actividades de modo oral y no casi solamente escrito. Debería aún, aumentar el número de actividades que involucren los gustos, informaciones y opiniones de los alumnos, principalmente en la comprensión lectora, que en la mayoría de los casos el alumno debe solamente copiar del texto y pegar y no es llevado a involucrase en lo que está leyendo y tampoco ejercitar sus conocimientos previos en el tema leído.

e)

Integración de modelos de lengua (reales, auténticos), para que el

estudiantes pueda realizar cómodamente y de manera "rentable" una actividad 173


Hay pocas actividades en la colección que necesitan la interacción entre los alumnos. Pero, en el apartado Para charlar y escribir, el autor pone en una tabla los modelos de lengua que van a usar los alumnos en la interacción oral y sus objetivos, como si ello fuera lo único que necesitarán los alumnos para desarrollarse en la interacción. Todavía, no se contextualiza muy bien la situación comunicativa para la realización de las actividades. Generalmente no se presentan el espacio y el contexto lingüístico real de la función estudiada. La actividad es sentida como un mero instrumento para que los estudiantes hablen las estructuras que están aprendiendo y no como una situación que de verdad pudiera suceder en la vida al usar la lengua extranjera.

f)

Presencia/ausencia de modelos de lengua que recojan diferentes

variedades de lengua (registro formal e informal, variantes de Hispanoamérica, etc.) En las actividades auditivas se busca que los alumnos escuchen distintos acentos del idioma y los textos presentes en la colección también presentan distintos géneros aunque no haya un trabajo tan específico en las características de los géneros textuales adoptados en los manuales. No obstante, en los modelos de lengua para las actividades de expresión oral y escrita observamos un patrón de lengua “estándar”, sin muchas variaciones. Son escasas las expresiones coloquiales y vulgares en las actividades. Además, casi siempre en las actividades escritas y orales, la forma, mostrada por los manuales, para referirse personalmente a más de una persona en un contexto informal es ustedes y no vosotros(as) como en España, siendo preferible, aquí, la variedad Hispanoamericana. En algunos textos se presentan modelos de lengua relacionados al contexto informal y de distintas variedades hispanoamericanas, como en los cómics de Mafalda o los de Condorito, pero los manuales no trabajan explícitamente estos elementos, prefiriendo el uso de los textos para la explotación gramatical o para que los alumnos copien y peguen informaciones contenidas allí. En la parte de producción oral y escrita, los manuales presentan modelos de lenguas generalmente creados y algo artificiales, permitiendo así que los alumnos no conozcan, principalmente el lenguaje informal realmente utilizado por los hispanohablantes. Muchas veces en las actividades de producción oral lo que espera el manual es que el discente solamente conteste a preguntas sin lógica comunicativa pero utilizando los elementos lingüísticos estudiados anteriormente, como el caso de la pág. 114 del manual Síntesis 2 que trata explícitamente de la ejercitación artificial del pretérito perfecto compuesto. 174


g)

Proporción y tratamiento de la gramática (orientación deductiva/

inductiva)

El tratamiento gramatical presente en la colección es totalmente deductivo, aunque, a veces el tema gramatical esté relacionado con el ámbito de las unidades didácticas, su tratamiento está basado en la explicitación de la regla a partir de definiciones lingüísticas específicas y en la ejercitación formal del contenido, como rellenar huecos con la estructura aprendida en textos o frases descontextualizadas, es decir, en el trato de la gramática en los ejercicios de la colección el alumno no encuentra relación de éste con el uso real y efectivo de la lengua y solamente es necesario que memorice las reglas para contestar las cuestiones pedidas. Además el apartado destinado al aprendizaje gramatical ocupa mucho más espacio en los manuales respecto a los otros aspectos del idioma.

h)

Proporción y tratamiento del léxico

Hay un apartado en cada unidad didáctica nombrado: Algo de vocabulario, donde se practica explícitamente el léxico relacionado al tema de cada unidad. Este tratamiento es dado de distintas maneras, a partir de relaciones de imágenes con unidades léxicas; de definiciones con palabras; juegos (crucigramas, sopa de letras); etc. El autor también suele poner tras cada actividad lexical una tabla con ejemplos de variaciones de las unidades léxicas enseñadas según los países de habla hispana.

i)

Tratamiento de la fonética y ortología

El tratamiento de la fonética y de la ortología en la colección es prácticamente inexistente. En las actividades de comprensión auditiva, aunque los audios presenten una importante variedad acentual del español, el libro no trabaja estas características, las deja, a cargo del profesor, si ese tiene la sensibilidad, el tiempo y el conocimiento adecuado para trabajar los contenidos segmentales y suprasegmentales del idioma. No hay actividades donde los alumnos son llevados a aprender y a reflexionar sobre los sonidos de la lengua y tampoco sobre su pronunciación. Sin embargo, hay un apartado (Para charlar y escribir) donde los alumnos son solicitados a hablar como si lo supiera.

175


j)

Ejercitación formal

La práctica y la fijación de la lengua en el manual presentan distintos empleos, generalmente las encontramos, realmente, en el apartado Para charlar y escribir que corresponde a una página de cada unidad didáctica de los manuales. En este apartado, en la mayoría de las veces, las actividades están contextualizadas y pueden tener significación para los alumnos (hacer una lista de compra o una hoja de vida: Síntesis 1; Pedir informaciones en hoteles, estaciones de trenes y sobre determinados sitios: Síntesis 2; Enseñar una receta: Síntesis 3; etc.). No obstante, a veces en este apartado y en muchos otros encontramos diversas actividades descontextualizadas y mecánicas, que no consideran la experiencia del aprendiz, que presentan muestras de lenguas falsas (creadas) y que carecen de claridad, permitiendo así, que el alumno no encuentre un real significado en lo que hace, como las de rellenar huecos con temas gramaticales o practicar la expresión oral sin contextos comunicativos válidos, solamente para expresar el tema gramatical aprendido, como es el caso de la actividad de la página 148 del Síntesis 3 donde el alumno tiene que utilizar los verbos de cambio para hacer cualquier clase de preguntas a sus compañeros sin que exista ninguna situación comunicativa concreta.

k)

Equilibrio de las cuatro destrezas

La colección aunque explote las cuatro destrezas, prioriza dos: comprensión lectora y expresión escrita, pero la expresión escrita es más ejercitada en ejercicios gramaticales y de comprensión lectora que en actividades con fines comunicativos y de interacción escrita; son muchas las actividades para que los alumnos lean y escriban, aunque la última ni siempre esté contextualizada y conlleve sentido. Las actividades de comprensión auditiva, expresión e interacción oral se dan en menor medida, posiblemente debido al objetivo que tienen los alumnos brasileños al terminar la enseñanza secundaria: aprobar la selectividad nacional (ENEM) e ingresar en una universidad. El examen de español como LE de esta selectividad está basado en lectura e interpretación de textos, explicando así, la centralidad del manual en estas dos destrezas. Trataremos detalladamente de este examen en un apartado futuro.

l)

Inclusión de materiales auténticos y su relevancia

La colección Síntesis incluye muchos materiales auténticos, adaptados o no, 176


principalmente en la comprensión textual. En la comprensión auditiva, los audios son casi todos creados y en la expresión escrita, casi nunca aparecen textos como muestras de lengua, lo que suele poner el libro son muestras de lengua con las estructuras que se va a necesitar para la escrita. Por ejemplo en la página 148 del Síntesis 1 se pide que los alumnos creen un anuncio para alquilar una casa de playa, sin embargo, no se pone ningún anuncio anterior (real o creado) para que los alumnos sigan el modelo. Sobre la relevancia de los materiales auténticos usados en la comprensión lectora es casi nula, ya que los manuales suelen preguntar a los alumnos principalmente sobre aspectos que se pueden copiar directamente de lo explicitado en los textos, no llevando el alumno a pensar, tampoco a descubrir a partir de las especificidades inherentes al material auténtico.

m)

Integración de cuestiones socio-culturales

La colección presenta sobre todo la Cultura en mayúscula, a través de las temáticas de los textos para la comprensión lectora, y en la mayoría de las veces no presenta aclaraciones explícitas extras sobre el tema cultural presente en estos textos. La cultura en minúscula es raramente trabajada, y tampoco hay muchas actividades con contrastes culturales entre la cultura brasileña y la de los países de habla hispana. Observamos que al trabajar el ámbito de la comida, el autor no se interesa, por ejemplo, en exponer los horarios de la comida en España o en hablar sobre los hábitos alimenticios de los mexicanos, etc. Lo que a él le importa es que los alumnos aprendan estructuras gramaticales que pueden ser usadas en este ámbito (como el verbo gustar) y el léxico (Síntesis 1). El trato de la cultura es prácticamente marginado en los libros, aunque haya muchos textos auténticos de diferentes países que hablan el español. Por todo lo analizado, detectamos que la colección Síntesis no sigue una metodología comunicativa, aunque presente algunos de sus aspectos, como la presentación de diferentes destrezas; variedad de actividades y de muestras de lengua, principalmente de textos auténticos y algunas actividades representativas de la comunicación real. Los manuales abusan de la explotación y de los elementos gramaticales, usando el metalenguaje en su explicación. Aún presenta una comprensión textual que en mayor medida no lleva el alumno a percibir lo que dice las entrelineas del texto, ni a razonar críticamente sobre lo que se lee, lo que se le pide, generalmente, es que busque informaciones explícitas en el texto y las pegue en sus respuestas sin que sea necesario, muchas veces, hacer ninguna alteración. 177


Así, a partir de estos manuales no se puede atender a algunos de los principales objetivos de la enseñanza de LE expuestas en los PCNEM y en las OCNEM, como: 

comprender y usar el lenguaje y que a través de los significados, expresión,

comunicación e información; 

ser capaz de organizar cognitivamente la realidad; confrontar opiniones y

puntos de vista sobre los diferentes lenguajes y sus especificas manifestaciones; 

el alumno no puede ser considerado un simple reproductor o espectador de

saberes discutibles; 

utilizar el lenguaje como medio de expresión, información y comunicación;

saber desenvolverse como protagonistas al producir o recibir el lenguaje;

conocer y utilizar lenguas extranjeras para acceder a informaciones y a

diferentes culturas y grupos sociales; 

los alumnos deben dominar eficazmente la competencia gramatical, la

competencia sociolingüística; la competencia discursiva y la competencia estratégica. Todos estos objetivos para la enseñanza de LE en Brasil presentados en los documentos orientativos oficiales no se cumplen eficazmente en la colección analizada, como ya dicho anteriormente, los manuales se preocupan más con el preparo de los alumnos para la selectividad nacional y para adquirir tradicionalmente las reglas y conceptos gramaticales de la lengua meta que en preparar los discentes para una actuación lingüística adecuada en los diversos ámbitos del idioma.

Como también apuntan los documentos y no realiza los

manuales, la colección tampoco prepara el alumno para comunicarse de modo eficaz en distintas situaciones de la vida cotidiana.

Conclusiones

La colección que nos dispusimos a analizar, Síntesis, aunque presente diversidad de muestras de lengua y actividades y trate las destrezas expresadas en los documentos, se caracteriza en general como un manual de planteamiento estructuralista que da más importancia a la compresión lectora y la exposición deductiva de la gramática, sin tratar muchas veces al alumno como agente crítico en el proceso. En consecuencia, no sigue, entre otros, algunos de los principales objetivos para la enseñanza de E/LE del país: que el alumno se comunique eficazmente en el idioma y que reciba las informaciones considerando sus conocimientos previos y su capacidad de opinar y razonar sobre lo que se le expone. Así, nuestra hipótesis,

178


de que los manuales utilizados para la enseñanza de E/LE en Brasil no responden adecuadamente a los objetivos comunicativos de los currículos analizados, no hace sino confirmarse.

Referências bibliográficas MARTIN, I. Síntesis- curso de lengua española. Ensino médio. São Paulo: Ática, 2010. Ministério da Educação e Cultura Guia de Livros Didáticos - PNLD 2012. <http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/125-guias?download=5510:pnld-2012-linguaestrangeira> (fecha de consulta en 10 de junio de 2014). OLIVEIRA, R. S. Los parámetros y orientaciones curriculares para la enseñanza de e/le en Brasil: análisis comparativo con el MCER y significado para la formación del profesorado. Directoras, Dra. Isabel García Parejo; Dra. Márcia Paraquett Fernandes. (Tesis Doctoral). Universidad Complutense de Madrid. (2012). OSMAN, Soraia Adel; ELIAS, Neide; MERINERO, Sonia Izquierdo; REIS, Priscila Maria y VALVERDE , Jenny. Enlaces. Español para jóvenes brasileños.São Paulo: MacMillan, 2010 VILLALBA, Teresa Koto Bonnet; PICANÇO, Deise Cristina de Lima. El arte de leer Español: volumes1, 2 y 3. Curitiba: Base Editora, 2010.

179


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