Anais I Seminário Outros Olhares

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ANAIS DO

Educação em Direitos Humanos, Diversidade e Sociedade V.1 2012 ISSN: 2316-9222

27 a 30 de Novembro UECE - Campus do Itaperi 1


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Apresentação

Neste CD-ROM você encontra a compilação dos trabalhos selecionados para os simpósios temáticos do I Seminário Outros Olhares – Educação em Direitos Humanos, Diversidade e Sociedade que aconteceu de 27 a 30 de novembro de 2012 em Fortaleza/Ce e reuniu pesquisadores, estudantes, educadores e ativistas de direitos humanos em conferências e mesas de discussão sobre educação em direitos humanos, preconceitos e discriminações em contextos de ensino-aprendizagem e apresentação de trabalhos científicos. O evento foi uma realização da ONG Fábrica de Imagens – Ações Educativas em Cidadania e Gênero - em parceria com o Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética (LABVIDA) e com o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidade, Gênero e Família. Contou ainda com o apoio do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade – MAPPS e patrocínio do programa Desenvolvimento e Cidadania da Petrobras e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). O Projeto Outros Olhares – Educação em Direitos Humanos, Gênero e Diversidade Sexual é um conjunto de iniciativas que visam contribuir para a formação de futuros educadores, agentes culturais e ativistas no que tange à educação em direitos humanos. Com foco nas questões de gênero, diversidade sexual e na utilização de ferramentas de comunicação em processos educativos pró-afirmação e valorização da diversidade e da equidade, o projeto apresenta uma perspectiva de combate ao machismo e à homofobia em suas múltiplas expressões. Esperamos que a publicação contribua com o debate político e acadêmico e fortaleça a luta diária de afirmação da diversidade e da equidade de gênero e combate à discriminação, à homofobia e ao machismo.

Boa leitura!

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ÍNDICE 1.

Eixo I – Políticas Públicas E Diversidade Sexual........................Pág.8

Coordenação: Fernando Pocahy

1.1.

Diversidade Sexual: adoção por casais homoafetivos no contexto dos rearranjos familiares........................Pág.9

Cecilia Campos Sá, Alane Cristina Aguiar e Ananda Aires Monti

1.2.

Diversidade sexual e homofobia em pauta: a experiência do CRAS Quintino Cunha........................Pág.13

David dos Anjos Diniz

1.3.

A abordagem da sexualidade e da homossexualidade nas aulas de filosofia e biologia no ensino médio: paradigma ou paradoxo?........................Pág.19

Karine Vieira Miranda e Daniela Ribeiro Alves

1.4.

As construções das identidades de gênero e sexualidade nas escolas e os impactos nos sujeitos universitários........................Pág.24

Fernando Luiz Duarte Junior e Fabiana do Nascimento Pereira

1.5.

O PNEDH e o cobate à homofobia........................Pág.27

Phelipe Bezerra Braga e Marcelo Tavares Natividade

2.

EIXO II – Gênero, Sexualidade e Subjetivação........................Pág.30 Coordenação: Elias Veras

2.1.

Afetos irremediáveis em estruturas definhantes: heteronormatividade, homofobia e desconstrução a partir do conto “aqueles dois”, de caio fernando abreu...........Pág.31 Marco Vasconcelos

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2.2.

O monta/desmonta: análise de como se dão os processos de construção e desconstrução de subjetivações das drags queens de Fortaleza........................Pág.38 Mário Fellipe Fernandes Vieira Vasconcelos

2.3.

Sou Mulher e sou lésbica: e a violência me persegue!........................Pág.41 Amanda Pérmila Sousa Matos e Riana Gomes da Silva

2.4. Corpos que transgridem: o processo de resignificação em indivíduos em transito identitário........................Pág.47

Francisco Francinete Leite Júnior e Raul Max Lucas da Costa

3.

Eixo III – Direitos humanos, Cidadania e Segurança pública – sessões 1 e 2........................Pág.53

Coordenação: Glaucíria Mota Brasil

3.1.

Materialidade Africana........................Pág.54

Charles Farias Siqueira e Ariane Dantas de Morais

3.2.

Aqui jaz uma conhecida: causa mortis – homofobia........................Pág.60

Francisco Arrais e Francisco Francinete Leite Júnior

3.3.

Coordenação da proteção social básica de fortaleza/ce: implementação do projeto acessibilidade com arte.........................Pág.65

Jéssica Freire Santos e Maria Danúbia Dantas de Carvalho

3.4.

À procura do inimigo: uma breve análise dos mecanismos de suspeição da ronda de ações intensivas e ostensivas – R.A.I.O........................Pág.71

Marcus Giovani Ribeiro Moreira 5


3.4.

A desmistificação do Candomblé........................Pág.77

Ana Carla Farias Alves e Riana Gomes da Silva

3.5.

Liberdade assistida comunitária: oportunidade de mudança para o adolescente autor de ato infracional........................Pág.80

Yanne Machado Lima

3.6.

Nova conjuntura demográfica: aposentadorias e programas da assistência social como forma de promoção da sobrevivência de idosos........................Pág.84 Valdeniz Cruz de Lima e Lindete Felix de Souza

Direitos humanos e qualidade de vida na terceira: um desafio as políticas de proteção ao idoso (a) e a política nacional de assistência social........................Pág.90

3.7.

Vanessa Martins Ferrari e Elayne Dias da Silva Viana

3.8.

Idosos que se reúnem na Praça do Ferreira: percepções acerca da abertura dos arquivos da ditadura militar........................Pág.97

Anielly Maria Aquino Bezerra e Suziane Cosmo Fabrício

4.

Eixo IV – Gênero, Violências e Direitos das Mulheres – Sessões 1 e 2........................Pág.103

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Coordenação: Socorro Camelo Maciel

4.1.

A educação jurídica popular como instrumento para o enfrentamento à violência sexista: a experiência de um centro de referência........................Pág.104

Ana Carolina Guilherme Bringel


4.2.

Menino não dança........................Pág.104 Benedito Teixeira Pires Filho e Francisco Irapuan Ribeiro

4.3.

“Mulher, sexo frágil?”: a naturalização da dominação masculina nas relações de gênero........................Pág.108

Clara Maria Silveira, Maria do Socorro F. Osterne e Mayra Rachel Silva

4.4.

Tráfico de mulheres para fins de exploração sexual: um olhar crítico sobre o assunto........................Pág.112

Gabriela Jesus de Souza Ortega e Vanessa Pereira da Silva

4.5.

Direitos sexuais e reprodutivos no Brasil: o aborto como meio efetivo de autonomia........................Pág.118

Silvia Turra Grechinski

4.6.

A inserção da mulher no mercado de trabalho: um debate de gênero........................Pág.124

Adriana Araújo de Lisboa

4.7

A Inserção da mulher no mercado de trabalho: um debate de gênero

Adriana Araujo de Lisboa........................Pág.129

4.7.

Família, gênero e violência doméstica na infância........................Pág.135

Flávia Moreira Ferreira

4.8.

Lei Maria da Penha: prevenção e proteção às mulheres em situação de violência de gênero em ambiente doméstico e familiar........................Pág.141

Yashmin Michelle Ribeiro Araújo

4.9.

As marcas da divisão sexual do trabalho........................Pág.148

Mayra Rachel da Silva, Maria do Socorro Ferreira Osterne e Clara Maria Holanda Silveira

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EIXO I – POLÍTICAS PÚBLICAS E DIVERSIDADE SEXUAL COORDENAÇÃO: FERNANDO POCAHY

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DIVERSIDADE SEXUAL: ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS NO CONTEXTO DOS REARRANJOS FAMILIARES.

SÁ, Cecilia Campos²; SOARES, Alane Cristina Aguiar³; MONTI, Ananda Aires 4.

RESUMO

A temática diversidade sexual está sendo bastante debatida na sociedade brasileira. Os novos arranjos familiares são uma realidade, pois se observa a crescente decadência do modelo de família nuclear e o surgimento de arranjos familiares cada vez mais diversificados. Esse processo é oriundo, principalmente, das transformações nas relações afetivo-sexuais. Nesse contexto, destaca-se a situação de casais homoafetivos que pretendem adotar uma criança, sendo vítimas de profundo preconceito por conta do caráter heteronormativo da sociedade. Diante de tal problemática, busca-se analisar os desafios sociais e jurídicos vivenciados pelos casais homoafetivos no que diz respeito ao processo de adoção, inserido no contexto dos novos arranjos familiares na sociedade brasileira e, especialmente, no Centro de Referência LGBT Janaína Dutra.

PALAVRAS-CHAVE: diversidade sexual, casais homoafetivos, adoção, rearranjos familiares.

INTRODUÇÃO Com a globalização e os movimentos políticos e sociais ocorridos durante o século XX, houve grandes mudanças na estrutura familiar, assim como as transformações das relações afetivo-sexuais. Dessa forma, a família nuclear deixou de ser modelo padrão, tornando-se apenas mais um tipo de arranjo familiar. Os casais homoafetivos que pretendem adotar uma criança sofrem preconceito, pois os valores conservadores da sociedade, sobretudo os religiosos, ainda perduram. Apesar da heteronormatividade ainda prevalecer, as políticas públicas atuais já estão levando em consideração modelos diferenciados de família. Os casais homoafetivos lutam por equidade, inclusive no que diz respeito ao direito de adotar uma criança e constituir uma família. O reconhecimento por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) da união estável entre casais homoafetivos, no dia 05 de maio de 2011, representou uma importante conquista. Com a nova lei, eles podem ter assegurados direitos como herança, comunhão parcial de bens, pensão alimentícia e previdenciária, licença médica, inclusão do companheiro como dependente em planos de saúde, entre outros direitos. Segundo dados do Censo Demográfico 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem mais de 60 mil casais homossexuais. A região com mais casais homossexuais é o Sudeste, que tem 32.202 casais, seguida pelo Nordeste, com 12.196 casais. O Norte tem o menor número de casais do mesmo sexo: 3.429, seguido do Centro-Oeste, com 4.141. A Região Sul tem pouco mais de 8 mil casais homossexuais. Entre os estados, São Paulo é o que tem a maior quantidade de casais homossexuais 9


(16.872) e Roraima é o que tem a menor quantidade, com apenas 96 casais que se afirmaram homossexuais. O Centro de Referência LGBT Janaína Dutra é um equipamento da Prefeitura Municipal de Fortaleza, ligado à Coordenadoria da Diversidade Sexual, da Secretaria de Diretos Humanos de Fortaleza, que tem como objetivo oferecer acompanhamento jurídico, psicológico e de serviço social gratuito para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais vítimas de discriminação, violência e/ou omissão e lesão de direitos. Constitui uma política pública municipal criada em parceria com o Programa Brasil Sem Homofobia, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Diante de tal problemática, o presente trabalho tem como objetivos analisar os desafios sociais e jurídicos vivenciados pelos casais homoafetivos no que diz respeito ao processo de adoção, inserido no contexto dos novos arranjos familiares na sociedade brasileira e, especialmente, no Centro de Referência LGBT Janaína Dutra; Investigar se as políticas públicas de incentivo à adoção contemplam a possibilidade de adoção por parte de casais homoafetivos; Realizar um levantamento bibliográfico acerca dos arranjos e rearranjos familiares no Brasil, na perspectiva da diversidade sexual.

METODOLOGIA Pretende-se realizar uma pesquisa quali-quantitativa, pois tem como finalidade produzir dados estatísticos, porém irá dedicar-se também à análise dos significados que os indivíduos dão às suas ações, no espaço que constroem as suas vidas e suas relações, envolvendo sentimentos, valores, crenças, costumes e práticas sociais cotidianas. Será utilizada pesquisa de tipo bibliográfica e de campo. Na pesquisa de campo, objetiva-se estudar os principais desafios jurídicos e sociais enfrentados pelos casais homoafetivos relativos ao processo de adoção no Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, o qual é procurado por usuários que têm seus direitos violados e/ou negados. Especificamente em relação à adoção por casais homoafetivos, não há uma grande demanda, dada, entre outros fatores, a atualidade do tema. Tem-se como meta a utilização de amostra não-aleatória, buscando-se entrevistar casais homoafetivos de união estável. Como instrumentos pretende-se ter o roteiro de entrevista, o gravador de voz (se permitido pelos entrevistados) e o diário de campo. As técnicas utilizadas serão observação não-participante, entrevista semi-estruturada e questionário misto. Também será assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual os entrevistados autorizam o uso de suas falas, em anonimato. Com relação à análise dos dados, esta se dará em cinco etapas. A primeira refere-se à transcrição (fidedigna) das entrevistas. A segunda diz respeito à classificação, na qual serão selecionadas as falas relevantes, direcionadas aos objetivos da pesquisa. A terceira etapa é a ordenação em que serão priorizadas as falas mais significativas. A quarta consiste na categorização, as falas serão divididas de acordo com as categorias da pesquisa: arranjos familiares, homoafetividade e adoção. Por fim, será feita a análise e a interpretação de todos os dados e informações obtidos.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Giddens (1993) analisa as relações familiares na contemporaneidade, abrangendo a transformação das relações afetivo-sexuais a partir do seu conteúdo igualitarista. Tal transformação implica na reelaboração da intimidade de homens e mulheres, protagonistas das novas relações vivenciadas, tanto no cotidiano do lar quanto nas relações afetivo-sexuais de uma maneira geral (apud MEDEIROS, 2002). Referente à homoafetividade, na visão de Louro (2001), a visibilidade homoafetiva tem efeitos contraditórios: por um lado, alguns setores sociais passam a demonstrar uma crescente aceitação da pluralidade sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus produtos culturais; por outro lado, setores tradicionais renovam suas críticas, realizando desde campanhas de retomada dos valores tradicionais da família até manifestações de extrema agressão e violência física. A escolha do objeto amoroso define a identidade sexual e, sendo assim, a identidade gay apoia-se na preferência em manter relações sexuais com alguém do mesmo sexo. De acordo com Foucault (1993), o sexo foi colocado em discurso; vivemos mergulhados em múltiplos discursos sobre a sexualidade, pronunciados pela igreja, pela psiquiatria, pela sexologia, pelo direito. Ele afirma que vivemos uma proliferação e uma dispersão de discursos, bem como uma dispersão de sexualidades. Conforme Giorgis (2002, p. 244), a relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem depender da orientação sexual, é previsto no artigo 1º, inciso 3º, da Constituição, e o Estado Democrático de Direito promete aos indivíduos, muito mais que a abstenção de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais, a promoção positiva de suas liberdades. (apud DIAS, 2004). Segundo Humberto Verona e Ana Luiza de Souza Castro (2008, p. 12), a palavra adotar significa “optar ou decidir-se por, escolher, preferir”. É preciso dar visibilidade para as novas relações, para os laços sociais e para as configurações familiares, na contemporaneidade. Para Anna Paula Uziel (2008), os principais argumentos contrários à adoção por gays e lésbicas vêm sendo combatidos, são eles: formato de família ainda não reconhecido em lei; risco de abuso sexual; confusão dos papéis de identificação para a criança. Os argumentos estruturam-se em paradigmas médicos e jurídicos para ter sustentação. Especificamente no campo jurídico, os homossexuais encontram significativas dificuldades ligadas aos processos de adoção e ao reconhecimento da sua família no campo legal. Enquanto muitas instâncias jurídicas sempre procuram aquilo que “é melhor para a criança”, raramente percebem que autorizar a sua adoção por homossexuais pode fazer parte do leque de opções oferecido a ela (SILVA, 2008, p 17). O artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, garante-lhes a convivência familiar e comunitária. Ressalta o artigo: “Toda criança ou adolescente tem o direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária”, não sendo identificada aqui qualquer distinção jurídica entre a família biológica e a adotiva. Assim sendo, a adoção é uma forma viável e legal de estabelecimento de relações filio-parental. A adoção por homossexuais ainda não se efetiva de forma consistente no âmbito da Justiça. No caso de adoção homossexual, o que é muito praticado é a adoção monoparental, ou seja, apenas um dos elementos da parceria conjugal torna-se o requerente no processo judicial. É preciso refletir sobre as novas organizações familiares e suas necessidades e direitos. Conforme salienta Michel Soulé, é importante analisar as famílias que pretendem adotar crianças, seja qual for a orientação sexual das pessoas interessadas. (apud CHAVES, 2008). 11


CONSIDERAÇÕES FINAIS A situação dos casais homoafetivos que desejam adotar crianças e/ou adolescentes representa uma das várias reivindicações da população LGBT, inserida no contexto da diversidade sexual. Diante do exposto, acredita-se que, embora com certos avanços na esfera da diversidade sexual, a adoção por homossexuais ainda não se efetiva de forma consistente no âmbito social e, principalmente, no âmbito jurídico. O preconceito, expresso fortemente na heteronormatividade, ainda constitui um desafio na atual sociedade brasileira. É preciso maior reflexão sobre as novas organizações familiares, suas necessidades e direitos.

REFERÊNCIAS Adoção: um direito de todos e todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). -- Brasília, CFP, 2008. 52p.

DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e o direito à diferença. Disponível em: <http://www.faimi. edu.br/v8/RevistaJuridica/Edicao3/Homoafetividade%20e%20o%20direito%20%C3%A0%20diferen%C3%A7a%20-%20berenice.pdf> Acesso em: 11 jun. 2012.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. 11. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1993.

LOURO, GUACIRA LOPES. Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 9, n. 2, 2001 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2001000200012&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 11 jun. 2012.

MEDEIROS, Maria das Graças Lucena de. Novos Arranjos Familiares: inquietações sociológicas e dificuldades jurídicas. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2002/GT_Gen_ PO11_Medeiros_texto.pdf> Acesso em: 26 mai. 2012.

DIVERSIDADE SEXUAL E HOMOFOBIA EM PAUTA: A EXPERIÊNCIA DO CRAS QUINTINO CUNHA

DINIZ, David dos Anjos – UECE. Fortaleza, Ceará. daviss_agegan@hotmail.com

RESUMO O presente trabalho refere-se a um projeto de intervenção desenvolvido no Centro de Referência da Assistên12


cia Social (CRAS) Quintino Cunha, pertencente à Secretaria Executiva Regional III. O referido projeto traz como objetivo levantar o debate sobre a diversidade sexual e a homofobia com um grupo de adolescentes usuários do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adolescentes de 15 a 17 anos da instituição citada. Nossa intenção foi fazer uma aproximação desses adolescentes com essa temática tão evitada e silenciada, pois sabemos que o “não falar”, o silenciar, acaba configurando-se como uma estratégia de legitimação das manifestações discriminatórias e homofóbicas. A partir dessa experiência, percebemos que há um desconhecimento sobre as questões da diversidade sexual, distanciamento e silenciamento com relação a essa discussão, o que tem dificultado o enfrentamento da homofobia. Desse modo, consideramos que é preciso avançar no debate, dando visibilidade a essas questões.

PALAVRAS-CHAVE: Diversidade Sexual; Homofobia; Adolescência.

INTRODUÇÃO De acordo com a Constituição Brasileira de 1988, todos os indivíduos têm o direito de viver livre de discriminação, coerção ou violência, de modo a buscar uma vida de qualidade e exercer a cidadania. Entretanto, não é bem com esta realidade que convivem as mulheres, os pobres, os idosos, os homossexuais, as pessoas com deficiências, as populações negra e indígena, entre outros grupos na nossa sociedade. Parece-nos que essas variáveis vêm definindo o lugar que cada um irá ocupar nessa mesma sociedade. No que se refere aos homossexuais, também chamados de público LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, a realidade vivenciada por esse segmento da população é amplamente marcada pela discriminação, por inúmeras e constantes manifestações de preconceito que variam desde as mais simples “piadinhas” se estendendo, em muitas vezes, até a sérias agressões físicas, que em alguns casos, ocasionam a morte de gays, lésbicas, transexuais etc. Parte-se da crítica à heteronormatividade, compreendida como a matriz de inteligibilidade a partir da qual a diversidade sexual ganha sentido (BUTLER, 2003). Isso quer dizer que, é a partir da heterossexualidade, tomada como parâmetro da normalidade, que toda e qualquer expressão da sexualidade é valorada. O caráter heteronormativo das relações sociais está presente nos padrões de representação de gênero e de organizações familiares, nos discursos sobre afetos e também na ausência do tema da diversidade sexual. A heteronormatividade impõe um silêncio sobre essa temática. Dentro dessa perspectiva, vale destacar que o conceito de diversidade sexual configura-se como sendo as diferentes formas de expressão da sexualidade humana, que não apenas a heterossexualidade. Podemos, ainda, ir mais além e dizer que não se restringem apenas às expressões da dimensão da sexualidade, mas também às dimensões da afetividade, que em alguns momentos é esquecida. Aproximamos-nos, assim, da perspectiva do conceito de guarda-chuva da diversidade sexual. Desse modo, desde cedo, as crianças e adolescentes aprendem a escalonar e estabelecer valor ao universo social a partir da dicotomia de gênero. Assim, nada mais se apresenta para além desse binarismo de gênero, e é por isso que assuntos referentes à homossexualidade, bissexualidade, transgêneros, transexuais são silenciados, evita-se a todo custo entrar nessa discussão (BUTLER, 2003). O silêncio, dentro desse com 13


texto, acaba se configurando como uma estratégia dominante, em que se torna cada vez mais tênue a linha entre heteronormatividade e homofobia. No que se refere à homofobia, a compreendemos aqui como o sentimento que se caracteriza a partir do desprezo, aversão, manifestação – seja através de palavras e/ou atitudes que podem variar das mais “simples” às mais complexas e/ou violentas – dirigidas aos homossexuais. Definimos, ainda, como manifestação perversa de opressão e discriminação das práticas sexuais que não as heterossexuais ou de expressões/identidades de gênero que foge aos padrões hegemonicamente postos – masculino e feminino. São inúmeras as configurações que a homofobia pode assumir na sociedade. Essas podem variar desde atitudes de violência com agressão física, restrição de direitos sociais e até exclusão social de pessoas cujas práticas sexuais e afetivas não se encaixam na heterossexualidade. A heteronormatividade da organização da nossa sociedade baseia-se em falsas proposições onde se naturalizam as práticas heterossexuais e relegam à condição de desviante e/ou promíscua as outras práticas sexuais/afetivas. Percebe-se na contemporaneidade a crescente intolerância com relação às sexualidades, e isso vem se refletindo nos mais diversos espaços. Por exemplo: na escola onde, teoricamente, deveria ser um local de ensinamentos, de formação de cidadãos, de respeito à pluralidade do ser humano e de repasse desse respeito através de suas atividades educativas, apresenta-se, no entanto, como um ambiente que se utiliza de uma “imperturbável tolerância em relação às violentas demonstrações de homofobia e mostrando-se completamente conivente com a exclusão de travestis, transgêneros e transexuais do universo da sala de aula” (PAIVA, 2011, p. 108). Dentro dessa mesma perspectiva, podemos destacar, ainda, espaços como o mercado de trabalho, onde o segmento LGBT encontra sérias dificuldades de se inserir; os espaços públicos, locais em que, constantemente, sofrem insultos e manifestações de violência; na mídia televisionada, onde se explicita e adestra a população para a tolerância com gays, mas apenas para aqueles que não apresentem trejeitos “desagradáveis” e que não nos causam o embaraço de surpreendê-los em abraços e beijos, além do mais, os tais sendo ricos e bonitos são ideais (PAIVA, 2011). O problema é que o “silêncio” caracteriza-se como uma maneira bastante problemática de lidar com o tema. Sabemos que a omissão também é uma postura política e acaba configurando-se como uma estratégia de legitimação das manifestações discriminatórias e homofóbicas. Desse modo, o presente projeto de intervenção se propôs a levantar a discussão dessa temática, de maneira a colocar em pauta questões relacionadas à diversidade sexual e homofobia, esclarecendo, orientando e desmistificando processos e situações relacionadas a esse tema. Trazendo essa discussão para somar-se ao âmbito do Serviço Social devemos, inicialmente, destacar que o objeto desta prática profissional é todo o conjunto de problemas sociais, econômicos, políticos e culturais presentes na sociedade: a questão social. O Assistente Social é chamado a intervir como profissional junto às expressões dessa chamada “questão social”, neste conjunto das desigualdades da sociedade capitalista. Desse modo, os/as assistentes sociais deparam-se com a discriminação por orientação sexual no seu cotidiano profissional. Sabe-se que o cotidiano é lugar dos pré-conceitos, das pré-noções, do senso comum, e nele se instauram as crenças silenciosas e naturalizadoras de fatos sociais, culturalmente construídos, como a homofobia. (MADEIRA, 2006). Atuar junto a este tema é legítimo setor de intervenção desse profissional e 14


configura-se como um desafio. Para que isso ocorra é preciso apostar em ações que desvelem os processos discriminatórios, que socializemos as possibilidades que tem o segmento LGBT mediante abertura de espaço para o debate e expressão em torno da discriminação constantemente sofrida por esse contingente da população. Questão essa que necessita ser desmistificada, refletida e debatida. É de nosso conhecimento que a aceitação da temática referente à diversidade sexual e homofobia nas diversas áreas de conhecimento tem sido polêmica, no entanto confiamos que encontraríamos solo fértil para essa discussão no local onde realizamos esse projeto de intervenção. Por se tratar de um Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), local este majoritariamente composto por Assistentes Sociais, e tendo em vista que estes são profissionais comprometidos com um Código de Ética e um Projeto Ético-Político que valorizam e privilegiam a dignidade da pessoal humana e os direitos que a ela competem, acreditamos que teríamos esse espaço de portas abertas para receber essa discussão através de nosso projeto. O público participante que esse projeto pretendeu trabalhar foram os adolescentes das comunidades referenciadas pelo CRAS Quintino Cunha que participam do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos destinado especificamente para sua faixa etária, no caso, trata-se do coletivo do ProJovem Adolescente que é desenvolvido na unidade.

METODOLOGIA O projeto contou com 2 (dois) encontros semanais durante duas semanas, totalizando 4 (quatro) encontros, onde foram feitas dinâmicas de apresentação e integração entre os jovens, visando que estes pudessem se conhecer melhor e conhecer, também, os profissionais envolvidos no projeto. Possibilitando, assim, que pudessem se sentir à vontade para manifestarem suas opiniões e debaterem sobre o tema proposto. Realizamos rodas de conversa objetivando, inicialmente, sondar e socializar os conhecimentos e opiniões que esses jovens possuíam acerca dessa temática. Somado a esse momento, realizamos exposições orais por parte dos profissionais (psicóloga, assistente social, educador social) e os estagiários (serviço social) envolvidos no projeto, tendo como objetivo repassar informações, orientar, esclarecer e desmistificar pontos relevantes que concernem ao debate da diversidade sexual e da homofobia. Contamos com a exibição de filmes (curta-metragem), sendo eles “Eu não quero voltar sozinho” de Daniel Ribeiro e Diana Almeida e “Pra que time ele joga?”, produção de HSH e CEAids/SP. Buscamos, através desses filmes, possibilitar um debate rico de argumentações e reflexões sobre as percepções dos adolescentes participantes do projeto acerca da temática sugerida. Desenvolvemos, ainda, atividades de cunho artístico envolvendo colagens e confecção de cartazes, também referentes ao tema em discussão, possibilitando, assim, um momento de integração e troca de ideias entre os adolescentes. Ademais, fomentamos a construção de diversos painéis utilizando recortes de revistas e jornais, pinceis, lápis de cor, tintas, cartolinas e papel madeira. Vale destacar que essas atividades artísticas foram sempre acompanhadas de discussão sobre as sensações e impressões dos adolescentes com relação ao tema proposto. 15


As atividades do projeto de intervenção se realizaram durante o mês de maio do corrente ano, sendo realizadas duas atividades por semana (quarta-feira e sexta-feira). Dessa forma, as atividades do projeto ocorreram nos dias 02, 04, 09 e 11 do mês de maio.

DISCUSSÕES A partir da realização das atividades que compuseram esse projeto de intervenção, cabe-nos ressaltar que, de fato, persiste ainda na sociedade brasileira um “silenciamento” com relação à temática da diversidade sexual e da homofobia. Parece-nos que existe um leque de situações e posicionamentos que fazem com que as pessoas evitem pautar esse tema nos mais diversos espaços, sejam eles públicos ou privados. Tendo como base as falas dos adolescentes com os quais realizamos esse projeto/oficina, pudemos perceber que existe certa resistência em se debater esse assunto. Isso ficou claro nos momentos em que os convidamos a falar e eles permaneceram calados, de cabeça baixa. Obviamente, com o passar do tempo eles foram se sentindo mais à vontade para se colocarem, mas ainda assim, de maneira bastante superficial e hesitante. O posicionamento, por nós percebido, leva-nos a pensar que o conhecimento superficial acerca do tema proposto, bem como o receio de se falar sobre ele, são frutos diretos do silenciamento que vivenciamos sobre essa temática, principalmente no que concerne à escola que, por primazia, deveria ser o espaço legítimo e mais adequado para se colocar em pauta esse assunto. Colocar em pauta no sentido de orientar, debater, esclarecer e, desse modo, desmistificar posicionamentos que acabam por legitimar práticas discriminatórias. Percebemos que existe, de fato, certo ranço de preconceito nas falas de boa parte dos adolescentes, uma vez que estes, em alguns momentos, fizeram comentários agressivos e em tom discriminatório/homofóbico. Contudo, longe de julgá-los e culpá-los por esses posicionamentos, compreendemos que este é reflexo de uma sociedade machista, sexista e heteronormativa. Ou seja, é consequência de uma sociedade excludente e preconceituosa que, cotidianamente, reforça no imaginário social que todas as formas de orientação sexual que fogem da heterossexualidade são “erradas”, “indecentes”, “imorais” e demais adjetivos que o valham. Ora, se somos privados dessa discussão em vários espaços, se nas escolas os professores fogem desse debate, seja por preconceito ou por puro desconhecimento e/ou despreparo para tratá-lo, consequentemente teremos posicionamentos como esses visualizados por nós junto a esses jovens. Contudo, pudemos observar que alguns adolescentes do grupo sentiam-se á vontade para falar, colocar sua opinião, seus posicionamento, e em um caso específico, sua experiência pessoal, assumindo-se bissexual e compartilhando conosco suas impressões pessoais sobre sua identidade de gênero e os rebatimentos dela em seu cotidiano. Observamos, também, que aqueles adolescentes que tiveram maior disposição para se expressar e debater conosco já haviam entrado em contato com a discussão dessa temática em outras oportunidades. Isso nos mostra que, realmente, levantar esse assunto, colocá-lo na pauta do dia, fazê-lo aparecer, é uma das formas mais eficientes de se encarar o problema da prática discriminatória e criminosa da homofobia CONSIDERAÇÕES FINAIS Os esforços por nós empreendidos se revelaram, ao final do caminho, recompensadores e instigantes. Recompensadores porque mergulhar no denso oceano dessa temática é de extasiar o pesquisador. Ainda mais se colocada a nossa predileção pelos temas abordados. Instigantes, pois, nos levou a buscar todo o conhecimento possível sobre o tema colocado e a aprofundar ainda mais essa discussão. A experiência de desenvolver essas atividades junto a esses adolescentes foi amplamente rica, pois 16


além de nos proporcionar a oportunidade de exercitarmos muitas de nossas competências profissionais durante esse processo, ainda tivemos a oportunidade da troca de saberes e experiências com o público participante da oficina. Consideramos que é extremamente necessário que se amplie a discussão dessa temática e, consequentemente, o entendimento sobre a diversidade sexual e a homofobia nos mais variados espaços. Pois, somente dessa forma, proporcionaremos o questionamento das estruturas socialmente postas, cuja base encontra-se no mito de uma sociedade que diz abrigar a diversidade cultural, mas que, na realidade, não admite posicionamentos que se afastem do socialmente aceito e posto como regra geral – no caso, a heteronormatividade. É preciso desmistificar, fazer aparecer, dar visibilidade às reais configurações que as relações de gênero – mais precisamente a diversidade sexual – ganham no Brasil na contemporaneidade. Dentro dessa perspectiva é que consideramos relevante intensificar o debate contemporâneo sobre a diversidade sexual, colocando-a como demanda legítima para o combate da homofobia e formas correlatas de intolerância.

REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (NOB-RH/Suas). Brasília, 2007.

______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS). Proteção Básica do Sistema Único de Assistência Social. Orientações para o acompanhamento das famílias beneficiários do Programa Bolsa Família no âmbito do Suas. Brasília, 2006.

______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS). Proteção Básica do Sistema Único de Assistência Social. Orientações técnicas para o Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Brasília, 2006.

LOIOLA, Luís Palhano. Aproximações teórico-práticas em torno da diversidade sexual. In. Recortes das Sexualidades: encontros e desencontros com a educação. Fortaleza: Edições UFC, 2011.

MADEIRA, Zelma de A. 70 anos de Serviço Social no Brasil: na perspectiva do reconhecimento dos direitos humanos. Fortaleza: Texto mimeo, 2006.

PAIVA, A. Cristian S. O inferno atravessa o mundo da educação: os embaraços da sexualidade e a fantasia da educação sexual. In. Recortes das Sexualidades: encontros e desencontros com a educação. Fortaleza: Edições UFC, 2011. 17


A ABORDAGEM DA SEXUALIDADE E DA HOMOSSEXUALIDADE NAS AULAS DE FILOSOFIA E BIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO : PARADIGMA OU PARADOXO? MIRANDA, Karine Vieira ; ALVES, Daniela Ribeiro

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RESUMO O presente trabalho visa apresentar a importância da abordagem da sexualidade e da homossexualidade nas aulas de filosofia e biologia no ensino médio, almejando alcançar, a partir dessa temática, o debate sobre seus paradigmas e paradoxos, já que essa abordagem sobre a sexualidade geralmente não é apresentada para os discentes de forma a leva-los à reflexão, mas é a eles imposta como um conjunto de diretrizes inalteráveis, cujas informações não se aproximam da realidade. É fundamental que o docente que leciona no ensino médio, cujo público alvo é de adolescentes e jovens, possibilite a estes o conhecimento adequado sobre a sexualidade, com todas as suas nuances, não apresentando-lhes um manual de instruções, mas um universo de descobertas. O docente precisa buscar dominar com destreza a arte de ensinar sobre a vida do ponto de vista físico, mental e emocional.

PALAVRAS-CHAVE: Sexualidade; Filosofia; Biologia.

INTRODUÇÃO Em aulas de biologia e filosofia no ensino médio, é comum os alunos fazerem perguntas ou interessarem-se sobre os seguintes tópicos: intimidade no namoro; atração e estimulação sexual; menstruação; masturbação; homossexualidade; virgindade; relações sexuais; controle de natalidade; concepção, gravidez e parto; doenças venéreas; dentre outros. A escolha dessas duas disciplinas para esse trabalho se deu em virtude das autoras lecionarem as mesmas e se depararem constantemente com as dúvidas que muitas vezes mais parecem angústias por parte dos discentes. A família, que deve ser a responsável pelas primeiras orientações a respeito da sexualidade, muitas vezes ignora o seu papel, deixando para a escola essa tarefa, que algumas vezes não consegue resultados exitosos em virtude de diversos fatores, como: despreparo do docente para trabalhar essas temáticas; turmas muito numerosas, onde os alunos mais tímidos não se sentem a vontade para esclarecer suas dúvidas; a não aceitação de alguns pais de que seus filhos recebam essa orientação na escola, dentre outros. O objetivo deste é incentivar os docentes a criarem o hábito de resolver conflitos e encarar desafios, pois somente assim eles estarão aptos a: orientarem os seus discentes na busca do equilíbrio, da tolerância e do autocontrole; a guiá-los para uma reflexão sobre a necessidade da passagem da dependência dos pais para a dependência de si mesmo; a incentivá-los ao desenvolvimento do raciocínio, ou seja, ao uso pleno de sua capacidade de discernir e julgar; a busca da definição de si mesmo e dos próprios valores.

METODOLOGIA Para a realização deste trabalho foram utilizados diversos métodos e técnicas, no intuito de obter dados a partir da abordagem da sexualidade pelas autoras em suas turmas das três séries do ensino médio, cujo público é de estudantes de escola pública estadual com faixa etária entre 14 e 19 anos, moradores do município de Maracanaú - Ceará. Dentre os métodos e técnicas podem-se mencionar as aulas expositivas, entrevistas informais com os discentes, debates, exposição de vídeos, músicas e panfletos, seminários e gráficos. 19


Também foi realizado um estudo exegético de algumas obras didáticas que abordam a sexualidade, sendo feita a leitura e a interpretação das mesmas para a construção de um trabalho que, embora incompleto e limitado, tem o propósito de ser reconstruído, desconstruído ou continuado por todos os docentes comprometidos com a educação. Trata-se aqui então de um trabalho baseado na empiria e na pesquisa bibliográfica, o que já sugere uma das maneiras de como se pode construir uma aula embasada e mais envolvente, onde o aluno sinta a segurança no domínio de conteúdo do educador e a importância de si mesmo enquanto sujeito que pensa.

DISCUSSÕES A filosofia e a biologia, embora não sejam as únicas, detém em seu conteúdo programático específico, a orientação de acolher e debater sobre a sexualidade em sala de aula: “Compete ao ensino da Biologia, prioritariamente, o desenvolvimento de assuntos ligados à saúde, ao corpo humano, à adolescência e à sexualidade” (BRASIL, 2006, v. 2). [...] o Artigo 3o da Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998, exorta-nos à coerência entre a prática escolar e princípios estéticos, políticos e éticos, a saber: I. a Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e padronização, estimulando a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado e a afetividade, bem como facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a diversidade, valorizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e alegóricas de conhecer o mundo e fazer do lazer, da sexualidade e da imaginação um exercício de liberdade responsável (BRASIL, 2006, v. 3). O discente não deve ser visto apenas como um receptor, mas deve ser também ator e autor na partilha e na construção do saber e do saber fazer. “As escolas precisam mostrar aos seus alunos que existem outras culturas além da sua, outras perspectivas da vida, outras ideias [...]” (GADOTTI, 1994, p. 312). Na contemporaneidade, com os avanços tecnológicos, especialmente no que concerne a tecnologia da informação e da comunicação, o indivíduo se depara com uma quantidade imensa de informações, dados e imagens que precisam ser organizados e trabalhados de modos que as mesmas sejam utilizadas ao seu favor, absorvendo-se aquilo que é útil e desfazendo-se daquilo que é desnecessário. Antes de exigir maturidade dos discentes, faz-se necessário que os docentes atinjam a maturidade intelectual, essencial dentro do processo de formação humana e cidadã, para que assim possam transmitir ou partilhar seu conteúdo de maneira comprometida, porém, aberto ao novo e desprovido dos preconceitos morais estabelecidos pelo senso comum. É preciso criar um planejamento de modo que se torne viável abordar com domínio de conteúdo e sutileza os temas sempre tão envoltos de tabus, como: a reprodução sexual, as características sexuais humanas da espécie humana, a anatomia sexual, a fertilidade, a puberdade, a menstruação, os métodos anticoncepcionais, as doenças sexualmente transmissíveis, e especialmente um dos mais polêmicos, a homossexualidade. Esse tema se destacaria em virtude de ser algo muito comum nos dias de hoje, mas ainda muito estigmatizado pelo moralismo, ou falso moralismo, que muitas vezes está incutido no próprio educador, não o permitindo enxergar a orientação sexual do discente como algo a ser refletido, algo que mereça esclarecimento, estudo e orientação, como qualquer um dos demais temas, ou ainda com um apreço maior, já que muitas vezes aquele 20


adolescente já enfrenta um preconceito atroz na em casa, na rua e inclusive na escola, sendo este último um espaço que deveria ser de amplo e irrestrito respeito à cidadania de qualquer indivíduo, independente de sua orientação sexual, raça, credo ou classe social. Aprofundando-se na questão da homossexualidade, pode-se observar, por exemplo, biologicamente, que não faltam na natureza, exemplos de homossexuais dentre os animais. O biólogo molecular Dean Hamer, baseada em suas pesquisas, afirma que a homossexualidade tem origem genética. Utilizando-se dessa afirmação de Hamer, homofóbicos afirmam que se é genético, pode ter cura. Por aí seguem diversas discussões que confundem os jovens e os deixam inseguros para aceitarem ou compreenderem sua orientação sexual. A carga de pressão emocional que eles sofrem é muito grande por parte de toda a sociedade e com certeza é na escola onde ele deve encontrar um espaço de diálogo e de busca por conhecimento a si mesmo, seu corpo e seus anseios. Nas aulas de filosofia há espaço para a constante reflexão sobre o afastamento da alienação moral, aquela onde os indivíduos se baseiam em regras morais pré-estabelecidas, sem a possibilidade de questionamento, sendo-lhes enfiados “goela abaixo” os princípios e valores de outros, sem que haja a preocupação de que os alienados se identifiquem com ou estejam satisfeitos com essas regras. Sendo conhecida historicamente desde a Grécia Antiga, a homossexualidade não era motivo de reprovação social ou repúdio. Com o avanço da moralidade cristã, surge também a concepção de que a homossexualidade é pecado e doença. No século XX foi inclusa no Catálogo Internacional de Doenças e retirado apenas após a década de 1990. Porém o “estrago” histórico, social e ético já estava feito. Para o filósofo holandês Benedictus de Spinoza, o conhecimento é de suma importância para que o homem possa alcançar a liberdade. Segundo ele, o homem só conhece quando é guiado pela razão. Ele era defensor de uma República livre, onde os cidadãos não são subjugados, entregando seus direitos a outrem em virtude do medo, mas defende que estes tenham liberdade de pensar, podendo viver felizes e em segurança. O papel do docente não é apresentar para o discente uma verdade estabelecida, mas as diversas interpretações dadas sobre diversos temas por diversos estudiosos, para que seja despertado o interesse pelo estudo, pela pesquisa, pela descoberta por si mesmo e de si mesmo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Cabe ao educador a inserção de temas voltados para a educação sexual em seu conteúdo programático, tendo a ciência de que surgirão paradoxos e que estes devem ser superados a partir do estudo individual, coletivo e interdisciplinar. É necessário que essa construção seja planejada, de modo que cada conceito seja explicitado de acordo com uma sequência lógica, o que propicia ao discente uma melhor compreensão do todo. Como resultado desse trabalho, embora parcial, já que o mesmo está em pleno processo de execução, pode-se observar um crescimento no número de discentes: preocupados com a sua saúde física e mental; interessados por um aprendizado mais detalhado sobre os temas que os afligem; com maior facilidade em abordar temas antes considerados intocáveis; dentre outros. 21


O que o docente traz não é uma “receita de bolo” sobre como viver, mas orientações para um efetivo amadurecimento emocional, social, intelectual e moral. O que se percebe a partir da abordagem da sexualidade é um profundo desconhecimento dos discentes sobre os temas relacionados a sexualidade, desde as questões mais simples, como o uso de um preservativo, até temas como a fecundação in vitro e suas implicações biológicas e éticas. O que se espera a partir desse trabalho é que o docente sinta-se chamado ao cumprimento do seu dever, rompendo com paradigmas arcaicos, levando essas humildes considerações para a sua sala de aula sem um olhar moralista ou excludente, mas fundamentado na sua ética profissional, no seu compromisso enquanto formador de opiniões, enquanto multiplicador de bons hábitos. O ignorante rejeita aquilo que desconhece, não porque é algo ruim, mas porque ele se acomoda em seu desconhecimento, com suas ideias inadequadas, parecendo-lhe mais fácil julgar como ruim aquilo que desconhece. Cabe então ao docente, antes de rotular, criticar ou excluir, conhecer e dominar o assunto com propriedade de modo que o seu posicionamento seja construtor de uma educação de cidadania plena. Ao transferir a outro as suas decisões, o indivíduo está se entregando ao medo, se alienando. O medo e a superstição, que costumeiramente levam o homem ao aprisionamento e a servidão, estão em frequente conflito com o saber, que o leva ao conhecimento e consequentemente, à liberdade. Os homens, ao escolherem a esperança no lugar do medo, caminham rumo a liberdade.

REFERÊNCIAS BRASIL. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. 135 p. (Orientações curriculares para o ensino médio, volume 2) ______. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. 133 p. (Orientações curriculares para o ensino médio, volume 3)

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade, 3: o cuidado de si. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque; revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque – Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.

DODSWORTH-MAGNAVITA, Alexey. O Surgimento dos Homossexuais. In: REVISTA FILOSOFIA CIÊNCIA & VIDA. São Paulo: Escala, n. 70, mai. 2012-. Mensal. ISSN 1809-9238.

GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1994.

MATARAZZO, Maria Helena. Educação Sexual nas Escolas: preparar para a vida familiar. São Paulo: Paulinas, 1988. 22


SPINOZA, Benedictus. Ética. [tradução e notas de Tomaz Tadeu]. 3ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. ______. Pensamentos Metafísicos; Tratado da Correção do Intelecto; Ética demonstrada à maneira dos geômetras. Tradução e notas da Parte I de Joaquim de Carvalho, tradução das Partes II e III de Joaquim Ferreira Gomes, tradução das Partes IV e V de Antônio Simões; Tratado Político; Correspondências. São Paulo: Nova Cultural, 2000. (Coleção Os Pensadores). ______. Tratado Teológico-Político. Tradução, introdução e notas Diogo Pires Aurélio. São Paulo: Martins Fontes, 2003. – (Paidéia)

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AS CONSTRUÇÕES DAS IDENTIDADES DE GÊNERO E SEXUALIDADE NAS ESCOLAS E OS IMPACTOS NOS SUJEITOS UNIVERSITÁRIOS

DUARTE JUNIOR, Fernando Luiz; PEREIRA, Fabiana do Nascimento . RESUMO

Este trabalho procura desenvolver uma perspectiva dos autores, bolsistas do PIBID Educação em Direitos Humanos: Gênero e Sexualidade na Escola, sobre a vivência da sexualidade no ambiente escolar e a produção/reprodução de identidades de gênero que perpassam o indivíduo em sua trajetória educacional. A pesquisa apoia-se nas produções teóricas de Louro em “Gênero, Sexualidade e Educação: Uma perspectiva pós-estruturalista” e Scott em “Gênero: Uma categoria útil para análise histórica”. Evidenciamos a dificuldade dessas análises no tocante ao velamento e “embarreiramentos” das instituições pesquisadas quando se relaciona a esta temática, e com isso, partimos de uma hipótese que, o sujeito que dá prosseguimento à sua vida educacional no ensino superior, no ambiente universitário encontra uma menor resistência para tratar do assunto. Portanto, pretendemos analisar, através de relatos, entrevistas e levantamento de “dados oficiais das instituições pesquisadas” como o educando lida com as produções de identidades e a sexualidade nesses ambientes “formativos”.

PALAVRAS CHAVES: Construções de identidades de gênero; Gênero e sexualidade na escola; Gênero e sexualidade na universidade.

INTRODUÇÃO

Procuramos propor, a princípio, a reflexão sobre as construções de gênero e sexualidade no ambiente escolar. Entendendo essas construções como demarcações de padrões, normatizações que se pretendem homogêneas, neste campo. Partimos de uma quase hipótese, que sabemos que precisa ser realmente investigada com profundidade e seriedade científica antes de qualquer consideração final, que é: os sujeitos universitários transformam-se em “abertura” para as possibilidades de reflexão, dizeres, saberes e vivências sobre suas identidades de gênero e sexualidade em relação aos seus momentos de sujeitos escolares. Diante disso, e de outros fatores, percebemos que é necessário o levantamento, não exatamente de uma determinada desconstrução, mas da reflexão sobre as práticas normatizadoras do espaço escolar. 24


METODOLOGIA Este projeto conta com dois alunos de Licenciatura do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará que utilizam como fonte de pesquisa as práticas e vivências de ambos, (como bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, no subprojeto “Educação em Direitos Humanos: Gênero e Sexualidade na Escola”) e observações e vivências dos próprios no Centro de Humanidades III da Universidade Federal do Ceará e artigos científicos relacionados à temática em questão. Procuraremos inicialmente pesquisar bibliografia sobre o assunto “Gênero e Sexualidade na Escola” e desenvolver uma revisão bibliográfica para dar suporte teórico e promover atividades como entrevista com discentes e docentes, acolhimento de relatos, observação participante e levantamento de “dados oficiais” com intuito de traçar um perfil e comparar como os dois universos de formação trabalham a construção das identidades de gênero e quais os impactos, para os sujeitos, dessas construções na “passagem” da Escola à Universidade. FUNDAMENTAÇÃO TEORICA A perspectiva adotada para a percepção dessa produção e reprodução das identidades de gênero e da vivência da sexualidade na escola perpassa pelas produções teóricas de Guacira Lopes Louro em seu livro “Gênero, Sexualidade e Educação: Uma perspectiva pós-estruturalista” e Joan Scott em seu artigo “Gênero: Uma categoria útil para análise histórica”. Deixamos, de antemão, a clareza da dificuldade dessas análises no tocante ao velamento e “embarreiramentos” das instituições pesquisadas quando se relaciona a esta temática, e com isso, partimos de uma quase hipótese que, o sujeito que dá prosseguimento à sua vida educacional no ensino superior, no ambiente universitário encontra uma menor resistência para tratar do assunto. Portanto, percebemos, assim como as autoras que este tema ainda precisa ser muito bem trabalhado, e, sobretudo, levado em consideração reflexiva pelos sujeitos educandos, educadores e demais em geral, por tratar-se de uma problemática social decorrente de uma construção de papeis baseada muitas vezes em um controle da própria sexualidade nos ambientes formativos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Cremos que há uma necessidade da escola vir a se apresentar como um espaço de desenvolvimento pleno do individuo, onde o processo de autonomia se conjugue a todos os espaços que integram suas vivências como um ser social e em contínua construção. As perspectivas escolares no âmbito das vivências de sexualidades e gêneros devem construir espaços mais abertos para discussões, questionamentos e pedagogicamente estruturados frente à convivência das diferenças. A diversidade é algo real dentro e fora dos espaços escolares e tais espaços devem garantir um diálogo honesto e construtivo entre as diferenças, possibilitando assim, menor intensificação dos impactos gerados no processo de transição entre a Escola e a Universidade para os sujeitos. O papel fundamental de nossa pesquisa é abrir questionamentos que nos possibilitem entender como a sexualidade dos indivíduos é vivenciada em cada espaço educacional, como as construções em cima das 25


sexualidades e dos gêneros se moldam e se limitam a cada espaço institucional que o mesmo integra, e de entender como a dialética de integração entre tais espaços se conjugam ou se destoam no que diz respeito ao processo de sexualidades e construções de gênero dos sujeitos, escolares e universitários.

REFERÊNCIAS LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. 11ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. SCOTT, Joan. Gênero: Uma categoria útil para análise histórica. Tradução de Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. In: Educação e Realidade. Vol. 20 (2), jul/dez, 1995.

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O PNEDH E O COMBATE À HOMOFOBIA

Phelipe Bezerra Braga Marcelo Tavares Natividade

RESUMO O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH-2006) foi lançado com o intuito de promover a diversidade cultural e os Direitos Humanos e combater o preconceito e as diversas formas de discriminação, incentivando as políticas públicas regionais e locais no âmbito da educação. A presente pesquisa busca fazer um levantamento das ações de promoção dos Direitos Humanos voltadas para o combate da homofobia na cidade de Fortaleza no período entre 2008 e 2012. A pesquisa se justifica pela recorrência dos inúmeros casos de violação seja através de praticas discriminatórias ou atos de violência contra a população LGBTT, bem como a todos e a todas que transgridem o padrão heteronormativo. O objetivo geral é discutir as praticas educativas voltadas à problematização da violência, da discriminação e da universalização dos Direitos Humanos. Fazemos uso de dois métodos distintos de pesquisa, a análise documental (dos projetos e materiais didáticos) e a pesquisa de campo, que inclui entrevistas aos gestores e técnicos da prefeitura municipal de Fortaleza.

Palavras-Chave: Direitos Humanos; Discriminação; Educação

Introdução No Brasil, a partir de em 2003, foi elaborado o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) – fruto de encontros, seminários e fóruns nos âmbitos internacional, nacional, regionais e estaduais. Lançado em 2006, tornou-se um dos mais importantes documentos para a efetivação de praticas de educação em direitos humanos, contemplando uma gama de políticas e ações a serem desenvolvidas pelo governo, em conjunto com a sociedade. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) trazem os Direitos Humanos como um tema transversal, a ser trabalhado em todas as disciplinas, dialogando com as mais diversas linguagens. Não se constituindo uma disciplina, se trata de um conjunto de princípios para uma nova formulação do ser no mundo. A Educação em Direitos Humanos é um avanço na luta pelo fim de todas as formas de preconceito e discriminação, que marcam a nossa cultura. A dignidade da pessoa humana, individualmente, traduz-se no respeito às minorias oprimidas. Esse projeto tem por propósito refletir sobre as relações entre os campos da educação e do direito, focalizando as políticas e outras ações voltadas para a inclusão social de distintas minorias no ambiente da escola. O levantamento das políticas educacionais voltadas para o trabalho com os Direitos Humanos enquanto prática que pretende intervir na sociedade de um modo amplo e, no espaço escolar de modo mais restrito, pode potencialmente, levar-nos a desvendar mecanismos de exclusão e inclusão em um dado contexto. 27


Fundamentação Teórica A noção de direitos humanos é construída historicamente, a partir das influencias sociopolíticas e culturais. Segundo Bobbio (1992) o desafio da sociedade contemporânea é garantir os direitos humanos. Ele destaca que Não se trata de saber quais e quantas são esses direitos, qual a sua natureza e fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. (BOBBIO, 1992, p.42) No contexto atual verificamos as múltiplas formas de exclusão que atingem populações minoritárias no campo do acesso aos direitos e à cidadania. Por outro lado, observa-se a pluralização de políticas afirmativas comprometidas com a difusão de uma cultura de direitos humanos. Para Candau (2003), práticas pedagógicas alinhadas aos direitos humanos devem “favorecer processos de democratização, de articulação e afirmação dos direitos fundamentais de cada pessoa e grupo sociocultural”.

Metodologia A pesquisa se divide em dois momentos, o primeiro é a realização de um levantamento documental sobre práticas voltadas para a educação em direitos humanos nos diversos setores da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Buscando apreender as várias visões do poder publico sobre direitos humanos na área da saúde, da educação e assistência social. No segundo momento partimos para a pesquisa de campo utilizando como instrumento a entrevista a gestores e técnicos da Prefeitura, com o intuito de discutir como essas ações foram abordadas e percebidas por eles. Dessa forma buscamos desvendar as tensões morais existentes durante a implementação de uma política pública.

Considerações Finais O levantamento das ações pedagógicas de enfrentamento a homofobia se torna ainda mais importante no atual contexto de aumento dos números de casos de violência escolar. Os debates sobre sexualidade chegam à escola a partir dos debates das mais diversas áreas como a saúde, psicologia, direito e educação. E nesse entrelaçar é possível perceber a construção da homofobia no contexto escolar. Como as práticas de preconceito e discriminação são (re)produzidas através dos símbolos.

Referencial bibliográfico ALENCAR, Emanuela Cardoso O. de. ANDRADE, Denise de Almeida. SALES, Lilia Maia de M. Experiências brasileiras de educação em direitos humanos. IN: SALES, Lilia Maia de M. (Org.). Educação em Direitos Humanos, Fortaleza: Expressões Gráfica e Editora, 2007. BECKER, Howard S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Editora Hucitec, 1994. 28


BOBBIO, Norbert. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL, Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Comitê Nacional de Educaçao em Direitos Humanos. Secretaria Especial de direitos humanos, 2006. CANDAU, Vera. Maria. (Org.) Somos todos iguais? Escola, discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro DP&A, 2003 CERVI, Rejane de Medeiros. Evolução política dos estudos comparativos em educação. Educar, Curitiba, v.4, n.l, jan./jun. 1985. DORNELLES, João Ricardo W. O que são direitos humanos. São Paulo: Brasiliense, 2006. FONSECA, Claudia; CARDARELLO, Andrea. Direitos dos mais e menos humanos. IN: Horizontes Antropológicos, Porto alegre, Ano 5, nº10, p.83-121, 1999. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1989.

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EIXO II – GÊNERO, SEXUALIDADE E SUBJETIVAÇÃO COORDENAÇÃO: ELIAS VERAS

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AFETOS IRREMEDIÁVEIS EM ESTRUTURAS DEFINHANTES: HETERONORMATIVIDADE, HOMOFOBIA E DESCONSTRUÇÃO A PARTIR DO CONTO “AQUELES DOIS”, DE CAIO FERNANDO ABREU .

VASCONCELOS, Marco ;

Resumo: Este trabalho tem o objetivo de realizar uma leitura do conto “ Aqueles Dois”, do escritor Caio Fernando Abreu, atentando para as questões referentes à heteronormatividade e à homofobia, buscando, sobretudo, tomar uma postura crítica diante desses ideais. Por conseguinte, buscamos não apenas perceber a forma como esses assuntos se manifestam no conto em questão, intentando, para além disso, realizar, a partir das propostas teóricas de Judith Butler , na esteira das reflexões de Foucault e de Derrida, uma leitura desconstrutora dos paradigmas em questão, sustentando a tese de que as identidades homoafetivas não são identidades patológicas e desviantes, mas sim possibilidades de subjetivação legitimas dos sujeitos sociais

Palavras-chave: Caio Fernando Abreu. Heteronormatividade. Homofobia. Desconstrução.

INTRODUÇÃO

Estudos relacionando Literatura e sexualidade ainda são pouco numerosos no âmbito acadêmico. Além disso, quando acontecem, são, na maioria das vezes, apenas pictóricos, demonstrando apenas a maneira como a sexualidade é encarada no escopo da obra de um dado autor, sem realizar um parecer crítico sobre a situação explanada. Com efeito, essa forma de encarar a função do crítico literário, isto é, como apenas um dissecador de textos, pode ser vislumbrada como uma maneira anacrônica e não tão interessante de perceber os usos da linguagem, porquanto, nessa perspectiva, a palavra não é concebida, como propõe Austin (1990), como um modo de ação no mundo, capaz de (trans)formar a realidade. Partindo dessa percepção performativa da linguagem proposta por Austin, nesse trabalho, não intentamos apenas dissecar estruturalmente ou até mesmo tematicamente o material literário que nos propomos a analisar, visto que, sobretudo, buscamos refletir criticamente sobre alguns elementos estruturantes da forma de construção do conto naquilo que se refere à temática da sexualidade. Com efeito, propomo-nos, através de uma reflexão sobre os “atos de fala”, para usar o termo austiniano, a desconstruir determinados pareceres heteronormativos, entendendo esse conceito como “reprodução de práticas e códigos heterossexuais, sustentados pelo casamento monogâmico, amor romântico e fidelidade conjugal.”(CALEGARI, 2012, P. 2) O texto a ser analisado e discutido nesse trabalho é o conto “Aqueles Dois”, presente no Livro Morangos Morfados, de 1982, escrito por Caio Fernando Abreu. Optamos pelo estudo de um texto desse autor 31


por conta de suas posições tanto no que se refere ao âmbito de sua vida social quanto no que refere a seus posicionamentos literários. No que se liga ao texto, optamos por esse conto tendo em vista a sua organização e a sua temática, a qual está pautada, mormente, sobre homofobia e sobre a hetenormatividade. Caio Fernando Abreu era homossexual assumido e defensor veemente de “valores e ideologias que primam pela liberdade individual” (PORTO; PORTO, 2004, p. 2). Com efeito, ao longo de, praticamente toda a sua existência, buscou defender e divulgar os valores em que acreditava, fazendo isso através tanto de suas reportagens e de seus artigos jornalísticos, profissão que exerceu durante vários anos, quanto através de suas publicações artísticas. Por conseguinte, sua obra artística é bastante rica no que se refere a conflitos de gênero na esfera da sociedade brasileira, a qual, no período que Caio escreveu suas obras, assim como agora, é caracterizada, de forma bastante forte, pela assunção de paradigmas conservadores, sobretudo, no que liga ao campo da sexualidade. Assim, nesse estudo buscamos discutir, a partir e no âmbito do conto “Aqueles dois”, a homofobia e a heteronormatividade, intentando, para além de uma mera descrição e mostragem de como essas temáticas atuam no conto, o qual é bastante inspirado nas posturas da parcela mais conservadora da sociedade brasileira, realizar uma leitura desconstrutora e questionadora dos paradigmas clássicos em relação às formas de subjetivação sexual, ou seja, as posturas referentes ao gênero. Dessa forma, temos o objetivo de responder aos seguintes questionamentos: como a homofobia se manifesta nessa narrativa literária e qual sua relação com o comportamento da sociedade brasileira contemporânea? A partir de que posturas teóricas e perspectivas de mundo essa representação heteronormativa do mundo pode ser vista como arbitrária e deletéria? Para tanto, com o intuito de operacionalizarmos esse trabalho, usaremos as reflexões de Butler, principalmente, na leitura que essa pensadora faz da Desconstrução, proposta por Derrida, e das discussões, aventadas por Foucault, sobre discurso, poder e sociedade. Além disso, é importante ressaltar que esse trabalho não se ancora em princípios de neutralidade, tampouco se cobre através dos véus de uma pretensa objetividade, porquanto se responsabiliza e se assume defensor de uma sociedade organizada para além de padrões sexuais normativos e normatizadores.

METODOLOGIA A metodologia utilizada nesse trabalho pode ser caracterizada como qualitativa, uma vez que trabalhamos com descrições e interpretações; e bibliográfica, visto que houve um sucinto levantamento da bibliografia relacionada às questões aqui propostas. Por conseguinte, recorremos a uma análise e interpretação da história vinculada no texto; posteriormente, discutindo as perspectivas sociais nele materializadas, consequentemente, procurando desconstruir e falar sobre o que torna possível essa arbitrariedad de algumas posturas heteronormativas e homofóbicas presente no material em questão. Em relação à postura ética promulgada por esse trabalho, podemos dizer que ela está diretamente relacionada à perspectiva de criação de um modelo agonístico de democracia, como proposto por Chantal Mouffe( 2000), no qual múltiplas identidades são convidadas a se manifestar, não sendo silenciadas por certos discursos hegemônicos. Desse forma, comprometemo-nos aqui com certa perspectiva ética, a qual prega que toda forma de preconceito e deslegitimação identitária é deletéria naquilo que se refere à construção de uma sociedade mais justa e equânime. 32


DISCUSSÕES Com o objetivo de responder às perguntas propostas nesse trabalho. Seguiremos os seguintes passos: primeiramente, exploraremos o conto, mostrando sua estrutura e os elementos estruturantes dos conteúdos vinculados por ele; posteriormente, discutiremos esses conteúdos, buscando perceber certas hierarquias e naturalizações promulgadas por este. “Aqueles dois” é um conto que problematiza a exclusão social de indivíduos que não atendem à heteronormatividade. Seu enredo está baseado na narração da história de Raul e Saul, seu processo de mútuo conhecimento, a evolução de sua relação e a reação da sociedade frente a crescente proximidade entre os dois homens. A narrativa, apesar de indubitavelmente pertencer ao gênero conto, tomando os conceitos e características de unidade temática e narrativa, elencados por Moysses ( 2000), está dividida em seis partes. Com efeito, a partir do próximo parágrafo, descreveremos sucintamente cada uma das partes dessa história. Na primeira parte, através das descrições de um narrador em terceira pessoa, os principais personagens da história e o ambiente central da narrativa são apresentados. Os personagens principais são Raul e Saul, nas palavras do próprio narrador:

“Raul tinha um ano mais que trinta; Saul, um menos. Mas as diferenças entre eles não se limitavam a esse tempo, a essas letras. Raul vinha de um casamento fracassado, três anos e nenhum filho. Saul, de um noivado tão interminável que terminara um dia, e um curso frustrado de Arquitetura. Talvez por isso, desenhava”( ABREU, 2006, P. 119)

Além disso, o ambiente central da narrativa é uma repartição, a qual os personagens principais, tendo em vista o comportamento e a maneira como as pessoas ali se portavam, caracterizam como sendo “um deserto de almas” ( Idem, Op. Cit. p. 119). Na segunda parte, o narrador do conto descreve mais pormenorizadamente as características dos principais personagens, além de mostrar o começo da relação de Raul com Saul, que “sem terem exatamente consciência disso, quando juntos os dois aprumavam ainda mais o porte e, por assim dizer, quase cintilavam” ( Idem, ibidem, p. 121). Em relação a essas duas partes é importante fazer algumas considerações; o espaço do conto é determinante para a construção de sentido global do texto, porquanto esse espaço é o lugar em que,no âmbito da narrativa, as estruturas heteronormativas são legitimadas e reafirmadas, constituindo-se assim como, de certa forma, núcleo irradiador da homofobia. Além disso, o narrador dessa história caracteriza-se por ser, de certa forma, condizente com essa postura arbitrária em relação à sexualidade, principalmente quando narra os pormenores da estória, de acordo com Calegari (2012, p.12), “Os detalhes e a maneira como o narrador articula e apresenta tais pormenores equivalem, no plano social, a uma narrativa que fixa uma matéria fechada e que não admite outro tipo de opção sexual senão aquela regida por um heterossexismo compulsório.” Voltando ao conto, a terceira, a quarta e a quinta parte falam sobre a progressiva aproximação de Raul e Saul. Com efeito, o narrador descreve as descobertas dos dois personagens em relação à semelhança 33


de certos gostos, sobretudo, cinematográficos e a progressiva relação de intimidade que vai se estabelecendo entre eles. Importante salientar que ao longo da história, em nenhum momento, há uma afirmação categórica de existência de relações homoafetivas entre os dois personagens; o que há, na verdade, é a descrição de cenas que sugeririam ou permitiriam, através de certas ilações, postular a existência de um caso ou de uma forte atração entre os dois Na sexta e última parte, o narrador nos conta que Raul e Saul, por conta de suas relações “anormais e ostensivas” e de suas “psicologias deformadas”, qualificações dadas pelo chefe do departamento em que os personagens trabalhavam, estavam demitidos. Por força, percebemos aqui o fechamento da história, afinal o conto se inicia pela entrada de Raul e Saul na repartição e encerra-se com suas saídas. Alguns pontos abordados no conto são importantes e refletem bem a maneira como a sociedade brasileira daquele período assim como a contemporânea, muitas vezes, se comporta em relação a temáticas concernentes à normatividade sexual:

A firma pode ser tomada como como uma alegoria para se pensar a estrutura social […] A demissão dos dois é a própria exclusão a que a sociedade – representada, aqui, por homens e mulheres que obedecem a normas ditadas por um homem – os submete. Existem indícios de que Raul e Saul são homossexuais, mas não há qualquer ratificação dessa hipótese. No momento da demissão, Saul abaixa a cabeça, não necessariamente concordando com o fato de ser homossexual ou de sentir alguma atração pelo colega, mas talvez concordando com a ideia de que o comportamento ou a relação que ele mantinha com Raul eram detalhes que davam margem para que a sociedade os julgasse por aquela ótica. Raul age de maneira , defendendo-se da acusação. Aos olhos de uma sociedade preconceituosa, eles seriam homossexuais, consequentemente, anormais e doentes.( Idem, ibidem, p.15)

Dessa forma, no conto, a homofobia se manifesta através do que podemos chamar de aumento metonímico. Ou seja, entendendo que a metonímia consiste no reconhecimento de uma totalidade a partir de um detalhe que define certo elemento, na narrativa, a partir da indexação de determinados tipos de comportamento, conclui-se, arbitrariamente, que a relação de Raul e Saul era de cunho homoafetivo. Importante ressaltar que esse caráter metonímico é um dos fatores que tornam a homofobia potencialmente perigosa, afinal:

um homem usa brincos, logo ele é identificado como homossexual; como consequência, está contaminado pelo vírus da AIDS; podendo, inclusive, infetar outros. Por tudo isso, qualquer modo de extermínio desse sujeito se torna legítimo. Esse tipo de violência pode não acontecer diariamente no tecido social, mas está lá como uma ameaça constante que umedece a expressão dos direitos humanos.( Idem, ibidem, p.16)

Por conseguinte, para mostrar a arbitrariedade dessa postura homofóbica, lançaremos um olhar descontrutor sobre as oposições sexuais pressupostas por essa gesto, buscando engendrar um pensamento “sob rasura”, entendendo o termo “rasura” como uma “forma de pensar um conceito-chave não mais a partir 34


do sistema que o gerou, mas numa outra perspectiva” (FERREIRA, 2007, p. 30) Dessa forma, tomando a leitura que Ferreira( 2007) faz de Butler, podemos colocar que “ não existe uma identidade de gênero por trás das expressões de gênero, e que a identidade é perfomaticamente constituída”. Ou seja, para a autora, não existe uma essência ou um significado último no que se refere à sexualidade, visto que “o gênero é uma identidade tenuamente constituída no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição estilizada de atos de fala”.( Butler, 2003, p. 200, itálico da autora) Dessa forma, contrariamente ao que aparece no conto de Abreu, onde as identidades de gênero são vistas como categorias estanques, por isso investidas de um poder de retaliação contra tudo aquilo que se diferencie de suas categorizações, partimos da perspectiva que determinadas identidades são socialmente construídas e, seguindo o pensamento de Foucault (1996), discursivamente legitimadas no âmbito de dadas instituições de controle. No conto de Abreu, a repartição atua como esse orgão de controle, responsável pela repetição estilizada de atos de fala categorizadores de uma diferença ontológica entre as subjetivações sexuais. Tanto o é que, por algumas vezes, ao longo do texto, o prédio onde funciona a repetição é comparado com uma clínica ou uma penitenciária, órgãos que ,juntamente com as escolas, são, para Foucault ( 1988), aparelhos de sustentação de relações hegemônicas de poder. Com efeito, possivelmente, essa “vontade de verdade”, para usar o termo foucaultiano, no que se liga às identidades sexuais, acaba sendo o sedimento de uma atitude preconceituosa e até mesmo violenta em relação a essas subjetividades. Servindo, de certa forma, como justificativa para que os indivíduos assumam posturas deletérias no que se refere às relações estabelecidas com identidades que fujam dos moldes canônicos. Por força, seguindo essa postura desconstrutora de Butler, na esteira das propostas e reflexões de de Foucault, Austin e Derrida, acreditamos que seria mais interessante não pensar as subjetivações sexuais como categorias estanques, mas como elementos intrinsecamente abertos, possibilitadores das mais variadas formas do humano e compromissados não somente, mas, sobretudo, com sua própria abertura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista os objetivos e as análises realizadas nesse trabalho, podemos chegar a algumas conclusões. A homofobia, no texto de Caio Fernando Abreu, manifesta-se através do olhar preconceituoso lançado, pelo narrador e pelos funcionários da repartição., à relação de amizade entre Raul e Saul; além disso, essa repartição, no escopo da narrativa, acaba por se constituir como representação do pensamento conservador da sociedade brasileira contemporânea no que se liga às identidades homoafetivas, ou seja, um pensamento deslegitimador da pertinência de relações sexuais-amorosas entre seres humanos de mesmo sexo. Ademais, a partir das reflexões de Butler, Derrida e Foucault, faz-se possível dizer que a manutenção dessas relações heteronormativas caracteriza-se pelo signo da arbitrariedade e da violência, porquanto, no caso, relações puramente contingenciais são tomadas como universais e apriorísticas, consequentemente, gerando um certo estímulo a atitudes violentas contra identidades não-canônicas e emergentes como, por exemplo, a identidade homossexual.

Além do que foi exposto, é importante salientar que nos posicionamos criticamente em relação a esses 35


paradigmas, prescindindo de qualquer tipo de postura imanentista no que concerne aos usos da linguagem e a constituição do social, visto que defendemos abertamente a legitimação política, social e ideológica das mais diversas subjetivações genéricas, sejam elas homoafetivas ou não.

REFERÊNCIAS ABREU, Caio Fernando. Melhores contos: Caio Fernando Abreu/ Seleção e prefácio Marcelo Secron Bessa.São Paulo, Global, 2006. ( Coleção Melhores Contos).

AUSTIN, John. Quando dizer é fazer. Tradução Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre, Artes Médicas, 1990.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CALEGARI, Lizandro Carlos. O homoerotismo em Caio Fernando Abreu: a perspectiva queer em Morangos mofados. Disponível em: <http://www.fw.uri.br/publicacoes/linguaeliteratura/artigos/16_10.pdf.>. Acesso em: 30 out. 2012.

FERREIRA, R. Ruberval. Críticas da linguagem: o ético, o político e o ideológico em questão. In: FERREIRA, R. Guerra na língua: mídia, poder e terrorismo. Fortaleza, EdUece, 2007. . FERREIRA, R. Ruberval.” Tensões culturais urbanas e novas socialidades: representação, antagonismo e linguagem nas práticas culturais contemporâneas”.Projeto de pesquisa. Universidade Estadual do Ceará (UECE), 2012.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 2 dez. 1970. São Paulo, Edições Loyola, 1996.

__________. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1988.

MOUFFE, Chantal. The democratic paradox. London: Verso; 2000.

MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa I. 20 ed. São Paulo: Cultriz, 2006.

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PORTO, A. P. T & PORTO, L. T. Caio Fernando Abreu e uma trajet贸ria de cr铆tica social. Letras. Curitiba, 62, p.61-77, jan,/abr, 2004.

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O monta/desmonta: análise de como se dão os processos de construção e desconstrução de subjetivações das drags queens de Fortaleza

Mário Fellipe Fernandes Vieira Vasconcelos

Resumo: O trabalho visa fazer uma analise breve acerca de como se dão os processos de construção e desconstrução de subjetivações do grupo social das drags queens em Fortaleza. Na tentativa de compreender mais de perto esse universo que a princípio se apresentou como estranho, um outro, porém instigante dada a complexidade e profundidade, ocultas por um jogo de imagens que provoca sensações hiper em que observa. Um hiper que é associado ao exagero, ao surreal, ao marginal. Na tentativa de tornar visível a existência de um universo rico e múltiplo que existe e que por muitos não é atentado e problematizado nos valemos da observação participante e da abordagem qualitativa a partir de entrevistas semi estruturadas, percebendo liames entre o que é visto e o que fato é, desconstruindo mitos e verdades, percebendo, assim, no bojo das análises efetuadas, um humano cada vez fragmentado, que tece inúmeras identidades para si e que vive em um eterno devir. Desse modo, o trabalho procura tecer considerações de um olhar captado acerca do fenômeno, problematizando-o sem intuito de estabelecer verdades para o mesmo, e sim desconstruí-las.

Palavras-chave: subjetividades – drag queens – identidades – moda.

Introdução Foi a partir de algumas inquietações, atravessamentos, dúvidas e, em certo ponto, estranheza em relação ao objeto estudado que esse artigo foi se gestando. Na tentativa de fazer jus a assertiva antropológica que diz que devemos naturalizar o que nos é estranho e estranhar o que se revela como natural, como conhecido que decidimos desbravar nesses mundos plurais, multifacetados e bastante heterogêneos e particulares. Referimo-nos à existência de mundos, pois verificamos que ao se tratar de drag queens estamos automaticamente nos tratando de sujeitos nascidos com a pós-modernidade. Sujeitos em trânsito, em devir, em construção, dotados de identidades abertas e aptos a mudar de texturas sociais quase que como participantes de um espetáculo diário, conforme trata Maffesoli(1996). Esses sujeitos que rompem com a ordem estabelecida e se rebelam através de seus corpos e de seus estilos performáticos em relação ao padrão heteronormativo, ou melhor, dizendo, que vão de encontro a qualquer estilo de ser e estar no mundo previamente estabelecido pela cultura, revelam a partir de suas inventividades que o homem da pós-contemporaneidade é um homem que adota novos modus vivendi. Esse homem não é somente um, porém vários sujeitos dentro de um corpo que também não se revela como uniforme, porém como objeto de experimentações, de busca por sinestesias, sempre em busca de um vir-a-ser, sempre à procura. Metodologia Como metodologia, utilizamos o método etnográfico, a partir das visitas que efetuamos na boate Divine, espaço de sociabilização desses sujeitos e o de observação participante, no qual partilhamos de uma 38


maneira mais direta e sentida as nossas experiências com as do grupo social estudado.

Fundamentação teórica Estabelecer diferenças entre o sexo, o gênero e a orientação sexual se revela como um primeiro caminho para tentarmos depois compreender o ser drag. E compreender esse ser como sempre um estar, um estado em trânsito, passível de mudança, um jogo de experimentação, construção e desconstrução de subjetividades. É relevante evocar aquilo que Maturana(1999) define como linguagem na tentativa de compreender melhor como se dão as apropriações e desapropriações dos “eus” que participam desse processos de montagem e desmontagem. O autor trabalha o conceito de linguagem como ontogênico e biológico no qual participa toda a nossa dinâmica corporal, a saber, gestos, sons, condutas, posturas corporais e emoções, onde “o que fazemos em nosso linguajar tem consequência em nossa dinâmica corporal, e o que acontece em nossa dinâmica corporal tem consequências em nosso linguajar”. Nesse sentido, podemos entender que tais sujeitos, a partir do seu metamorseamento, passam a fazer parte daquilo que Bourdieu(1984) denomina de “campo social”, ou seja, entre eles são encontradas verdadeiras famílias, pois, há partilhas, convergências, trocas, identificações, tensões e conflitos. Podemos dizer que, a partir da não conformação de ser um, com nome único e todas as implicações que o ser um trás, além do peso em que há em ser um, esses sujeitos mudam, jogam com a aparência, com o corpo, com o psicológico, com o nome, com a voz. Enfim, eles permitem que em seus corpos habitem outros.

Considerações Finais O processo de montagem é doloroso como qualquer tipo de gestação. É o momento em que um sujeito morre e dá espaço ou “encarna” outro. Embora saibamos que essas identidades não estão mecanicamente demarcadas, separando o sujeito do personagem que ele encarna, as drags afirmam “saberem separar bem as coisas”. O sujeito é um; o personagem, outro. Inclusive, chegam a dizer que ambos possuem naturezas tensivas, distintas, que o peso de ser um é compensado com o nascimento (gestação) de um outro. E fazem questão de apontar as diferenças entre ser drag, travesti e transexual. A drag é um modo de ser, é um estilo, pois efêmero e transitório, comparado aquilo que Mesquita (2008) apresenta em sua tese Políticas do vestir: recorte em viés. Ancorada naquilo que Deleuze e Guattari(1997) denominam de esquizo : “ um ‘processo’, uma passagem para fluxos que se aproximam de um potencial revolucionário, considerando-se as determinações sociais e políticas que o termo carrega” ela nos apresenta um estilo novo, uma nova maneira de se apresentar ao mundo: o estilo jardelina. Estudando e acompanhando de perto a vida de Jardelina da Silva, ela nos apresenta os liames que convergem esse citado estilo observado por ela com relação ao esquizo. O esquizo está à margem, é o diferente, o que causa estranheza, ojeriza, o que é por vezes, tomado como patológico, esquisito. O vestir-se, o montar-se, nesse sentido, se configura em criar espaços de vozes, entendidas aqui no seu aspecto polifônico e polissêmico, territórios de existência, tomados como devires. Um contexto de fragmentação, desterritorialização, indefinição e ressignificação de tudo o que é vida abre espaço para o plural, para múltiplas formas de ser e de está no mundo. O mundo se torna pequeno frente à reinvindicação de variadas identidades que não se contentam mais em apenas existir. Elas querem, sobretudo, ser. O “born this way” cantado pela “ mãe monster” tal qual se intitula Lady Gaga evidencia bem isso. Não só 39


a História, bem como todas as ciências sociais e humanas estão dando voz ao que está à margem, ao aparentemente insignificante, sem valor. O que não quer dizer que os preconceitos estão sanados. Porém, na contemporaneidade, há quem os represente. As subjetividades não querem mais voltar para o luto do anonimato e do silêncio, pois há quem os represente, que os sirva de referência. A “mãe monster” assim evidencia na música “ Born this way”- nasci assim: “...não seja uma drag, seja simplesmente uma rainha / Um amor diferente não é um pecado / Eu sou linda à minha maneira / Sendo rico ou pobre / Sendo preto, branco, pardo ou albino / Sendo libanês ou oriental / Não importa se você é gay, hétero ou bi / Lésbica ou transexual / Eu nasci assim.”

Referências BOURDIEU, Pierre. Distiction - A Social Critique of the Judgement of Tast. Harward, University Press Cambridge, Massachusetts, 1984. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol 4. Trad. Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34, 1997. GAGA, Lady. In: Born this way. Deckdisc, 2011. Faixa 02. MAFFESOLI. M. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996. MATURANA, H. A ontologia da realidade.Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. MESQUITA, C. A moda contemporânea: quatro ou cinco conexões possíveis. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2004

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SOU MULHER E SOU LÉSBICA: E A VIOLÊNCIA ME PERSEGUE!

MATOS, Amanda Pérmila Sousa ; SILVA, Riana Gomes da

RESUMO Este trabalho visa socializar a realização do ante -Projeto de Pesquisa exigido pela disciplina de Pesquisa em Serviço Social II pertencente ao Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará- UECE, o qual tem por objetivo a análise da rede de enfrentamento a violência devido à orientação sexual e à identidade de gênero a partir dos relatos de mulheres vítimas de “Lesbofobia” no âmbito doméstico e familiar, tendo em vista o planejamento necessário para a elaboração de meu Trabalho de Conclusão de Curso- TCC.

PALAVRAS-CHAVES: “Lesbofobia”; Violência, Orientação Sexual, Pré- projeto de pesquisa.

INTRODUÇÃO Cotidianamente nós somos aturdidos(as) por uma série de notícias, reportagens, entrevistas e depoimentos de mulheres que sofreram violência, seja esta, física, moral, psicológica, sexual ou patrimonial, porém dificilmente estas informações são acompanhadas por explicações acerca dos significados de cada tipo de violência, das causas de sua ocorrência, das consequências e efeitos dessas violências para as mulheres, das implicações que tais informações têm para a sociedade em geral, entre outras explicações que no decorrer da vida nos são inviabilizadas, dando-nos a impressão de que há uma naturalização da violência contra a mulher, o que sempre me empertigou. A partir destas reflexões pessoais, uma série de questionamentos me aturdiram no sentido de que muitas características são atribuídas “naturalmente” a mulher, como a percepção de que toda mulher é frágil, gentil, boa mãe, boa esposa e inúmeras outras, o que me fez despertar para a problemática das Mulheres Lésbicas, que não se relacionam afetivo-sexualmente com homens e, principalmente, àquelas que expressam no seu corpo a sua não adequação ao “natural”, indo de encontro, consequentemente, com todas aquelas características que lhes foram atribuídas desde o seu nascimento ou até antes, no momento em que se descobre o sexo biológico do bebê, quando já se pensa no nome, nas roupas, nos namorados, nos netos (Roveri, 2008). Assim, tendo em vista isso, perguntei-me O que acontece quando uma mulher se “assume” socialmente como Lésbica para a sua família? Este questionamento me despertou para a necessidade de se pesquisar tal assunto, com enfoque nos tipos de violência acometidas pelas famílias de Mulheres Lésbicas, o que vai refletir-se nos estudos envolvendo a “Lesbofobia”. Este termo refere-se às especificidades da violência que acometidas contra mulheres Lésbicas, sejam como indivíduo, como um casal ou como um grupo social, de forma que essa nomenclatura constitui-se como fruto das lutas pelo reconhecimento da mulher como componente da sociedade e, consequentemente, como um ser social, político, cultural e individual, devem ser respeitados 41


e transmitidos/socializados aos demais integrantes da sociedade. Com isso, de acordo com minhas vivências sociais, culturais, familiares e afetivas sempre me deparava com situações que me enveredavam a pensar a questão da violência contra a mulher, no seu sentido mais amplo. Assim, quando ingressei na Universidade busquei ampliar meus conhecimentos acerca do tema através da participação de palestras, seminários e da promoção de discussões, o que contribuiu para a formulação da pergunta de partida que norteará esta pesquisa: Como as mulheres vítimas de “Lesbofobia” no âmbito familiar compreendem a rede de enfrentamento à violência e à discriminação devido à orientação sexual e à identidade de gênero a partir dos relatos das mesmas coletados no Centro de Referência LGBT Janaína Dutra?

METODOLOGIA Na eminência de realização desta pesquisa um amplo caminho metodológico se apresenta, sendo que para a sua execução faz-se necessário a utilização de caminhos específicos, pois trata-se de uma pesquisa que tem como objeto de estudo um ser social. Deste modo, o método de pesquisa que melhor se adequa aos objetivos propostos aqui ao meu ver consiste na pesquisa mista, na qual tanto a qualitativa quanto a quantitativa são utilizadas de modo que uma complementa a outra. Além disso, a partir das limitações impostas pelo objeto escolhido, a modalidade de entrevista semi -aberta, ou semi-estruturada, não permitiria uma análise crítica da amplitude de significados que compreendem a situação de violência vivenciada pelas mulheres lésbicas, sendo que vários aspectos poderiam estar interferindo na qualidade dos dados por parte da informante, ainda segundo Haguette, tais como motivos ulteriores, ou seja, quando ele(a) pensa que suas respostas podem influenciar positivamente sua situação futura; quebra de espontaneidade, como a presença de outras pessoas por ocasião da entrevista ou inibições ocasionadas por certas características do entrevistador, como sexo, raça, educação ou classe social; desejo de agradar o pesquisador (a), especialmente quando ele percebe suas orientações e posicionamentos; fatores idiossincráticos tais como fatos ocorridos no intervalo entre as entrevistas.

Assim será utilizado o método de Relato Oral a fim de que se possa obter a maior quantidade de informações das relatoras no sentido de haver uma possibilidade de se traçar a trajetória de vida das mulheres, sendo colhidas de aproximadamente 3 mulheres, pois sendo essas vítimas de violência encontram-se, na maioria das vezes, sob o efeito de traumas psicológicos , o que dificulta o alcance das mesmas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU DISCUSSÕES Nesta etapa delimitarei os pressupostos teóricos, as categorias e conceitos a serem utilizados no decorrer do desenvolvimento desta pesquisa, a partir da formulação de hipóteses que consistem na tentativa de criar indagações a serem verificadas na investigação. Embasando-me aqui para esta conceituação, nas ideias de Minayo (1992), que diz serem as hipóteses afirmações provisórias a respeito de determinado problema em 42


estudo. Anteriormente, ainda na problematização, me detive na discussão existente na utilização do termo “Lesbofobia” sendo esse, uma derivação de Homofobia e estando, muitas vezes, aplicado de forma generalizadora o que, ao meu ver, contribui negativamente para a não totalidade na compreensão das experiências de discriminação, sendo essas diferenciadas. Analisando mais profundamente tais questões a seguinte pergunta se formulou: O porquê da não utilização dos demais termos, se esses foram criados para abranger estas diferenciações? Neste aspecto concordo com Nogueira & Oliveira (2010) quando afirmam que “nos últimos anos tem havido muitas mudanças positivas, mas os efeitos têm sido as vezes limitados e muitas vezes paradoxais”(p.10). Ao passo que as discussões acerca da “população” LGBT tem acendido no palco histórico mundial, com a produção de conhecimentos, a promoção de seminários e conferências, a ascensão da visibilidade política e social; existe uma uniformização em se tratando do entendimento dos aspectos da opressão em função da orientação sexual e/ ou não conformidade de gênero, o que pode ser verificado pelos dizeres de Nogueira & Oliveira (2010):

“Quando se fala em populações LGBT não se pode esquecer que falamos de um grupo que inclui diferentes tipos de pessoas que partilham alguns aspectos da opressão por via da sua orientação sexual e/ou não conformidade de gênero, mas que dentro de cada um destes grupos existem pessoas que são também membros de outros grupos oprimidos ou marginalizados e, por isso, com níveis distintos de poder social (por exemplo as mulheres, as pessoas de grupos raciais ou pessoas com deficiências)”.(p.13)

Com isso, tem-se que existem particularidades concernentes a cada ser, sendo que as mulheres que se relacionam afetivo-sexualmente com outras mulheres possuem características próprias construídas a partir de suas vivências culturais, sociais e políticas, o que vai refletir-se na forma como ocorre a discriminação e a violência para com elas e que vai caracterizar a “Lesbofobia”. Assim como, a discriminação e a violência acometida contra travestis e transexuais, a Transfobia, vai se distinguir, pelo fato de esses/essas expressarem no seu corpo a sua não conformidade quanto ao gênero lhe atribuído convencionalmente, o que tem uma série de consequências e implicações para a sua existência em sociedade. Deste modo, se focarmos nas identidades de gênero e sexuais de forma isolada limita-se a nossa capacidade para compreender as necessidades complexas da comunidade LGBT em toda a sua diversidade (RIGGS, 2007). Assim, para estudar a problemática envolta à questão LGBT, faz-se necessário uma compreensão do contexto histórico-político-econômico-social-cultural em que estes e estas estão inseridos de modo a alcançar o entendimento acerca dos motivos que contribuem para a discriminação e violência devido à orientação sexual e à identidade de gênero, para, posteriormente, ocorrer a análise de modo específico da “Lesbofobia”. Neste sentido, Nogueira & Oliveira (2010, p. 14) contribuem para essa discussão ao afirmarem que “Jovens LGBT pobres e sem abrigo estão mais sujeitos a problemas de saúde quer física quer mental, mais expostos a violências várias e mais susceptíveis de caírem na prostituição do que aqueles que vivem em famílias ou meios sociais mais favorecidos”. A partir desta observação pode-se avaliar de antemão o quanto as condições econômicas de um indiví43


duo influenciam para a intensidade dos problemas vivenciados devido a sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, o que aliado às convenções sociais e culturais produzidas com base em interesses contribuem ao favorecimento da discriminação e violência, o que pode ser constatado cotidianamente através das notícias sobre violência contra “homossexuais”. A perspectiva privilegiada aqui, é a de que a sexualidade é algo construído nas interações humanas em seus diversos contextos, implicando como indica Bozon (2004, p. 13-14) “de maneira inevitável, a coordenação de uma atividade mental com uma atividade corporal, aprendidas ambas através da cultura. A sexualidade humana não é um dado da natureza.” Destacando com isso, uma dimensão conceptual-metodológica que considera o entendimento da sexualidade a partir do tratamento dado a sua variedade de elementos constitutivos no cotidiano dos sujeitos (homens e mulheres). Embora as atitudes sociais estejam afetadas positivamente pelo poder político e visibilidade de gays e lésbicas (eventualmente mais pela visibilidade de gays) continuam a persistir oposições marcantes, estigmatização, discriminação muitas vezes velada ou sutil e em muitos países discriminação flagrante e profunda (NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2010, p. 10). Esta persistência pode ser pensada a partir da invisibilidade da Mulher Lésbica na sociedade o que pode ser analisado a partir do sistema patriarcal, com o qual se explica a opressão a que as mulheres sofrem, por meio da inserção destas em um sistema de organização social, onde tanto a esfera privada quanto a esfera pública são dominadas por homens, através da centralidade da paternidade, sendo que este subsidia/forja um sistema cultural que coloniza as mulheres (Oliveira, 2010, p.29). Neste sentido as palavras de Nogueira & Oliveira (2010), complementa o que foi argumentado aqui:

“Desde que a homossexualidade se tornou um termo que designa uma categoria de pessoas (lembramos que as práticas sexuais com pessoas do mesmo sexo só foram transformadas em categorias identitárias nos fins do século XIX) a maior parte da pesquisa foi realizada sobre homens e protagonizada por cientistas homens (Lovoas e Jenkins, 2007), o que para além de outras razões explicativas reflete a relação assimétrica de poder que caracteriza as sociedades patriarcais.”

Com isso, é notável a não representação das mulheres como integrantes da sociedade, sendo que estas estão sempre relegadas a serem secundárias em relação ao homem, o que vem sendo construído culturalmente desde a Bíblia, quando nesta se responsabiliza a mulher pela perda do “Paraíso”, ou quando mesmo nela, se afirma que a mulher “nasceu” da costela de Adão, o que reforça a validade do patriarcado para as discussões implementadas nesta pesquisa. Ainda, assim, foi com o feminismo radical que o conceito de patriarcado vem a ser introduzido na emergente teoria feminista, na obra de Kate Millett (MILLETT, 1971).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos últimos anos têm vindo a surgir, em alguns pontos geográficos do globo, mudanças legais que pretendem diminuir a discriminação baseada na orientação sexual e/ou na identidade de gênero (por exemplo a igualdade no acesso ao casamento civil em Portugal, a extensão de direitos à adoção por casais do mesmo sexo no Reino Unido e nalguns estados dos EUA, ou a lei de identidade de gênero em Espanha). “Não obstante essa 44


mudança social é facilmente constatada com situações em que pessoas LGBT e queer ou não-heterossexuais são discriminadas e continuamente excluídas do acesso a determinadas instituições e direitos (Clarke, Ellis, Peel e Riggs, 2010, p.95 In Imagens Sociais das pessoas LGBT”). Com, isso têm-se que a orientação sexual e a identidade de gênero estão subjugadas por interesses de um sistema excludente e Machista, fundamentado no patriarcalismo sob o qual as mulheres estão inseridas e são postas em segundo plano, sendo destituídas de autonomia quanto à decisões referentes ao seu próprio corpo, de forma que quando uma Mulher se auto-declara socialmente Lésbica esta enfrenta discriminações e violências diversas que ultrapassam a sua não-heterossexualidade e que só podem ser entendidas a partir dos estudos referentes à condição do “Ser” Mulher. Acerca disso, me espelho nas palavras de Simone de Beouvoir: “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a mulher assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e castrado que qualificam de feminino (de Beouvoir, 1975, vol.2: 13). Desta forma, tendo em vista os inúmeros percalços que me ocorrerão durante a elaboração desta pesquisa como uma iniciante neste “mundo” que se chama Pesquisa Científica, finalizo este estágio sabendo o quanto ainda terei de percorrer para descobrir os caminhos corretos para um embasamento teórico que contemple a problemática que me propus a desvendar e a descobrir para a realização do meu Trabalho de Conclusão de Curso.

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CORPOS QUE TRANSGRIDEM: O PROCESSO DE RESIGNIFICAÇÃO EM INDIVÍDUOS EM TRANSITO IDENTITÁRIO

LEITE JR, Francisco Francinete ; COSTA, Raul Max Lucas da

RESUMO O processo de transformação de corpos em indivíduos em trânsito identitário traz em si um ato de transgressão da norma que subverte os valores e afeta o corpo no intuito de transformá-lo conforme o idealizado, dando forma através do processo de resignificação. Para tanto tal pesquisa tem por objetivo analisar a relação entre a transexualidade e os contextos de ganhos, perdas e lutos vivenciados durante o processo de resignificação do gênero. Buscando compreender a situação da transexualidade na Região Metropolitana do Cariri cearense. Fazendo-se uso de pesquisa qualitativa, de natureza descritiva e exploratória. Espera-se com o termino da analise dos dados que possa colaborar para o rompimento de paradigmas pautados na análise heteronormativa, além de uma melhor compreensão das questões em torno da diversidade de gênero. Tal como proporcionar, um olhar ético e de acolhimento diante das novas formas de perceber as questões pertinentes. .

PALAVRAS-CHAVE: Corpo, transformação, indivíduos em trânsito identitário.

INTRODUÇÃO Com você eu tenho medo de me apaixonar Eu tenho medo de não me apaixonar Tenho medo dele, tenho medo dela Os dois juntos onde eu não podia entrar Com você eu tenho mesmo de me conformar Eu tenho mesmo de não me conformar Sexo heterodoxo, lapsos de desejo Quando eu vejo o céu desaba sobre nós [...] (Deusa urbana - Caetano Veloso, 2006)

Pensar a sexualidade é adentrar ao universo muitas vezes silenciado, por normas e regras instituídas 47


por uma sociedade que arraiga seus valores no modelo patriarcal, machista e heteronormativo, vigente na sociedade contemporânea. Tal modelo evidencia aspectos da vida cotidiana que interferem diretamente na subjetividade dos sujeitos. Assim, a sexualidade pode ser compreendida a partir de uma perspectiva pautada nos estudos de Foucault (1989) com foco nas rupturas e descontinuidades, percebendo assim através dos discursos o construto social. Se a sexualidade aceita enquanto normal é algo monolítico e engessado, percebe-se o quão conflituoso é, quando foge a norma vigente. Tal desvio é marginalizado, estigmatizado e excluído pela sociedade trazendo em si conflitos que se misturam entre medos e desejos, tal como o universo das identidades trans que evidenciam corpos que transgridem, transformam e renascem numa tentativa de resignificar as mudanças vivenciadas em indivíduos em transito identitário. Diante disso a pesquisa aqui proposta objetiva analisar a relação entre a transexualidade e os contextos de ganhos, perdas e lutos vivenciados durante o processo de resignificação do gênero. O estudo proposto tem sua importância dado a necessidade de ampliação da discussão da temática na academia promovendo assim o debate a cerca da temática e os contextos de ganhos, perdas e lutos, tal como a relação entre as perdas reais e simbólicas ocorridas nesse cenário. Buscando compreender a situação da transexualidade na Região Metropolitana do Cariri cearense. Tal pesquisa é de grande valia dada a escassez de estudos na área, apesar do crescimento iminente de demandas que transcendem os enquadramentos propostos pela sociedade sob a forma determinista de gênero. O que possibilita a ampliação do campo de atuação da prática clinica permitindo um olhar plural sobre o corpo, a feminilidade e os processos de resignificação de gênero.

METODOLOGIA Segundo Galiano apud Prestes (2008), “o método é um conjunto de etapas, ordemamente disposto a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar determinado fim”. Para tanto, percebe-se que um método bem definido favorece uma pesquisa bem elaborada, além de possibilitar o alcance dos objetivos previamente estabelecidos. A princípio compreendemos que tal pesquisa se configura enquanto qualitativa, descritiva e exploratória por basear-se fundamentalmente na interpretação, com foco nas visões amplas e complexas do ser humano e suas relações com o meio. Neste caso, adentrando ao universo das subjetividades, reunindo assim aspectos da realidade em uma unidade elaborada a partir de interpretações com base em um referencial teórico. Pois busca descrever o fenômeno da transexualidade por meio da composição de corpos, cenários e relações, além de analisar de forma profunda, por meio dos discurso do sujeitos transexuais ou em incomformidade com o genero. Defini-se como locus de estudo, a Região Metropolitana do Cariri Cearense, composta por três cidades Barbalha, Juazeiro do Norte e Crato. Os sujeitos envolvidos na pesquisa serão escolhidos de forma aleatória e por conveniencia que se intitulem como sujeitos em trânsito identitário. A coleta de dados será feita mediante ao consentimento do comitê de Ética. Assim, através de entrevista semi-estruturada coletaremos os dados, investigando os discursos e os sujeitos pesquisados em seu ambiente. Para a Análise de Dados, utilizar-se-á da perspectiva de Foucault, com base nos estudos sobre o discurso, 48


compreendendo para além da existência das palavras, das coisas ditas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A Construção histórica da sexualidade humana nos remonta a um panorama construído a partir de rupturas e descontinuidades tal como as discussões propostas por Foucault , que nos leva a perceber quão diversa e instigante se faz tal construção histórico-cultural. Um saber que busca conceituar e taxomizar, o que não possível dado a complexidade das relações estabelecidas, abrindo assim espaços para pensar as relações de cunho sexual e sociais com base nos discursos, a partir da noção de poder proposta pelo autor, onde tais poderes se apresentam quanto capazes de explicar a produção dos saberes. Mostrando-nos uma intima relação entre saber e poder. Segundo Foucault (1986) o poder se apresenta não como um objeto natural, uma coisa, mas sim como uma pratica social sendo esta construída historicamente, em razão disso compreende-se que tal poder exercido sobre os corpos determina gestos, atitudes, comportamentos, hábitos e discursos. Sob esta óptica compreendese como se organiza a binaridade de gênero vigente em nossa sociedade. Ao se falar em construção de binaridade de gênero não se pode deixar de compreender a influencia da religiosidade visto que a mesma exerce sobre o sujeito influencias com o objetivo de condicionar o corpo, submetendo a ordem religiosa as praticas sexuais, tornando-as higienizadas alinhadas ao pensamento dogmático proposto pela religião. Dessa forma o processo de colonização brasileira de origem europeia de natureza exploratória traz em si uma moral imposta pelo cristianismo que condicionou os sujeitos distanciando-os das múltiplas praticas sexuais exercidas pelos nativos, impondo uma ordem de pensamento onde a interação sexual apenas dar-se-ia com propósito da procriação. Tal cenário permaneceu por séculos tentando ofuscar qualquer pratica que desviasse do padrão estabelecido. Silenciando inclusive nos registros a ocorrência de tais atos. No entanto Del Priore (2011) nos faz perceber através das intimidades a vivência de tais sexualidades. No que se refere a temática do estudo em questão tem-se a compreensão das transformações nos corpos dos sujeitos que buscam a readequação sexual, apesar de: Em nossa cultura a maior parte das pessoas que recusam o sexo que lhe foi determinado no nascimento prefere tratar do assunto com descrição. Mas há culturas em que as pessoas vivem com um sexo diferente do original e com status social que as valoriza: é o “terceiro sexo”. [...] a maior parte queixa-se de ser prisioneira de um corpo que não reconhece como seu. Sua demanda reveste não o desejo de ser mulher ou homem, mas um a convicção de ser mulher ou homem.( Del Priore ,p. 218-219. 2011). Para compreendermos a construção do gênero, Freud ([1932]2006) nos indaga se os elementos que constituem a masculinidade e a feminilidade podem ser dos domínios da psicologia, visto que conclui que é algo que foge ao alcance da anatomia. Adentrando a esta discussão nos leva a perceber que estamos habituados a empregar os termos masculino e feminino como qualidades mentais, tal como a noção de bissexualidade, 49


“assim dizemos que uma pessoas seja homem ou mulher, se comporta de modo masculino numa situação e de modo feminino em outra”. Conforme Lazzarine e Viana (2011) o discurso freudiano afirma que o corpo da psicanálise não pode ser confundido com o corpo da medicina e da anatomia e nem regulado por seus estatutos. Assim o corpo psicanalítico passa a ser reconhecido por um desejo inconsciente atravessado pela linguagem que evidencia a sexualidade e traz a tona a lógica do erotismo, sendo algo que é uno na subjetividade e corporeidade. No entanto tal corpo para Foucault (2009) deve ser submetido a disciplina através de um processo denominado por ele como docilização dos corpos, que traz em si o controle das atividades e a composição das forças sob a égide do bom adestramento, exercendo sobre esse sujeito uma vigilância constante e hierárquica com forte conotação normalizadora. Louro (2001) discorre que a sociedade coloca em papeis distintos e bem alocados a figuras do masculino e feminino onde cada um exerce um papel especifico dentro do contexto social, sendo estes regidos pelas instituições de coerção social defendidos também por Foucault (2009) . Entre o masculino e o feminino existe uma multiplicidade de vivencias da sexualidade, a transexualidade é uma delas, Nery (2011), em sua autobiografia se coloca enquanto um ser único diferente e que a diferença entre os indivíduos são condições essenciais da natureza humana, percebendo-se enquanto um sujeito infinitamente mais livre. Tal liberdade se dá pela possibilidade de vivenciar a plenitude de sua sexualidade. Bento (2011) traz uma critica ao conceito de transexual que tem como ponto definidor o desejo em realizar a cirurgia de transgenitalização. Visto que um conceito coerente e unitário se remete a abjeção a suas genitálias, no entanto tal definição “escapa entre os dedos ao se deparar com pessoas que afirmam ser transexual e não quererem realizar a cirurgia”. Complementando a percepção de transexualidade os pesquisadores Helien e Piotto , defendem o processo de despatologização das identidades trans buscando uma compreensão da diversidade sexual, compreendendo tais “corpos equivocados”. O processo de transformação dos corpos das transexuais é semelhante ao das travestis descrito por Lourenço (2009), que segundo ela o corpo de uma travesti vai além da vaidade, ele é um instrumento de afirmação de si mesmas. A aplicação de silicone industrial é uma das etapas no processo de transformação de um indivíduo em travesti. Sendo esta a etapa mais radical e irreversível, crucial no processo de transformação, pois diferente da hormonização, o silicone industrial não pode ser removido do corpo após ser aplicado. O que torna a sua utilização um rito de passagem sem volta na metamorfose da travesti. Diferentemente do hormônio que demora meses ou até anos para apresentar resultados, o silicone industrial apresenta resultados imediatos. Outras partes do corpo também sofrem modificações, as unhas que crescem e ganham cores, as sobrancelhas afinam e se arqueiam, o cabelo cresce e ganha cuidados específicos. Fazendo assim surgir o corpo próximo ao idealizado, ofuscando os resquícios de uma masculinidade indesejada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se que tal processo traz em si um ato de transgressão da norma que subverte os valores e afeta o corpo no intuito de transformá-lo conforme o idealizado, dando forma através do processo de resignificação. Deve-se, portanto perceber que o corpo é algo transformado com o propósito de adequar a imagem real a 50


imagem ideal, construída a partir dos referenciais de masculino e feminino introjetadas pelo sujeito, iniciando pelos elementos mais sutis como sobracelhas e unhas, passando pela aquisição de um corpo produzido com a ajuda do silicone até a aquisição de um nome feminino. Pretende-se assim, desenvolver tal discussão que emerge na sociedade e faz-se necessária para o universo acadêmico por possibilitar o rompimento de paradigmas pautados na analise heteronormativa, além de uma melhor compreensão das questões em torno da diversidade de gênero. Sendo necessária para a formação do profissional de Psicologia, tal como a possibilidade de promover uma reflexão da prática a partir da teoria estudada. Proporcionando também, um olhar ético e de acolhimento diante das novas formas de perceber as questões pertinentes, desconstruindo assim mitos e verdades pré-estabelecidas. Levando em consideração as modificações históricas e sociais que recaem sobre os sujeitos e as vivencias de suas sexualidades.

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EIXO III – DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E SEGURANÇA PÚBLICA –SESSÕES 1 E 2 COORDENAÇÃO: GLAUCÍRIA MOTA BRASIL

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(I) MATERIALIDADE AFRICANA¹

SIQUEIRA, Charles Farias²; MORAIS, Ariane Dantas de³

RESUMO

O presente artigo tratará de um recorte de uma experiência de atividade curricular acadêmica vivenciada na disciplina Cultura Africana e Afro-brasileira ministrada pela professora Otilia Aparecida Silva Sousa da Universidade Regional do Cariri – URCA/CE/Brasil no curso de Licenciatura em Artes Visuais. Tal experiência surgiu a partir das discussões teóricas sobre a Materialidade e Imaterialidade Africana, tendo como suporte teórico CONDURU (2007), RIBEIRO (2006) e SALES (2005), onde apontamos alguns elementos de racismo institucional presente nos livros didáticos de Historia do Brasil como também no próprio contexto em que vivemos no tocante as Artes Visuais, onde sempre foi negligenciado na nossa escolarização básica.

PALAVRAS-CHAVE: malungo, buntu, imaterialidade, racismo.

INTRODUÇÃO

Iniciamos este artigo com o pensamento desse teórico citado por Sales (2005) que nos oferece criticamente que tipo de imaterialidade e materialidade africana estaremos tratando. Principalmente nesta região africana, a Angola, em que encontramos uma diversidade de línguas e sub-línguas de etnias e micro-etnias, na qual vieram ao Brasil.

“Esta zona cultural, aliás, apresenta importância primordial para a afrodescendência brasileira, uma vez que pesquisas recentes de rastreamento do DNA puderam comprovar que foi precisamente desta região que veio a maior parte dos negros submetidos à escravidão no Brasil.” (BARROS, 2009, p. 57)

Esse fragmento territorial pode nos oferecer riquíssimo material que sempre foi negado em nossa escolarização básica, principalmente quando tratamos das famílias lingüísticas, devemos compreender essa língua bantu através do próprio vocabulário africano, e não interpretá-los a partir da nossa língua portuguesa e/ou brasileira. Tomamos como exemplo a família lingüística bantu. 54

Assim tomando como exemplo do Slenes (2000a) a palavra malungo terá no campo ontológico vários


significados, nas línguas kikongo, kimbundu e umbundo, teremos “barco grande”, “barco-navio” e “companheiro”. Muito difícil para os europeus colonizar as línguas africanas, pois queriam compreender o vocábulo africana a partir de seus próprios cânones. Como não tinham conhecimento da complexa rede de línguas e etnias de um pequeno território africano, só restavam para eles dizimar as suas identidades e sua cultura. Essa negação dessa imaterialidade africana é tão visível no nosso cotidiano que ainda temos dificuldade apenas de pronunciar o vocábulo de algumas palavras. Pois como a nossa língua brasileira e afro-brasileira foi colonizada pela língua portuguesa, dificulta-nos escrever, ler e ouvir o vocábulo africano de origem. “As identidades e o grande fundo cultural, espécie de inconsciente africano, sobreviveram aqui apesar aqui apesar de sua insistente negação” (ibidem, 2005). Essa pesquisa em processo tem por objetivo mapear, registrar e analisar no campo do universo artístico imagens, textos e ilustrações que foram negligenciados durante a nossa escolarização básica presentes nos livros de história da Africa e Afro-brasileira buscando apontar e desmistificar o legado de línguas, sub-línguas, etnias e micro-etnias vindas ao Brasil que ainda continuam sendo negadas em nossa diversidade cultural.

METODOLOGIA Sabemos que a metodologia inclui um conjunto de concepções teóricas de abordagem, em que o pesquisador apropria-se de um conjunto de técnicas pra realizar a construção da realidade pretendida. (MINAYO, 1994, p. 16). Por a pesquisa ter uma natureza qualitativa ela nos proporciona a fundo nas questões sociais e culturais onde serão perceptíveis. Diferentemente da pesquisa quantitativa, a qual esta não nos provoca o mundo dos significados. A pesquisa em processo de conclusão exigira através da coleta e análise dos dados (livros didáticos de história, imagens, fotografias, entre outras) que aproximem elementos da materialidade e imaterialidade africana, no tocante nas Artes Visuais.

FUNDAMENTAÇÃO TÉORICA Quando tratamos das famílias lingüísticas, devemos compreender essa língua bantu através do próprio vocabulário africano, e não interpretá-los a partir da nossa língua portuguesa e/ou brasileira. Tomamos como exemplo a família lingüística bantu. Assim tomando como exemplo do Slenes (2000a) a palavra malungo terá no campo ontológico vários significados, nas línguas kikongo, kimbundu e umbundo, teremos “barco grande”, “barco-navio” e “companheiro”. Muito difícil para os europeus colonizar as línguas africanas, pois queriam compreender o vocábulo africana a partir de seus próprios cânones. Como não tinham conhecimento da complexa rede de línguas e etnias de um pequeno território africano, só restavam para eles dizimar as suas identidades e sua cultura. 55


Essa negação dessa imaterialidade africana é tão visível no nosso cotidiano que ainda temos dificuldade apenas de pronunciar o vocábulo de algumas palavras. Pois como a nossa língua brasileira e afro-brasileira foi colonizada pela língua portuguesa, dificulta-nos escrever, ler e ouvir o vocábulo africano de origem. “As identidades e o grande fundo cultural, espécie de inconsciente africano, sobreviveram aqui apesar aqui apesar de sua insistente negação” (ibidem, 2005) Neste sentido a negação da diversidade da imaterialidade não está distante da materialidade africana. As estátuas e máscaras da etnia Iega, youruba, kongo e chokwe dos séculos XIX e XX retratam (e não representam) sentidos misteriosos. Como exemplo a estátua real Chibinda Ilunga da etnia Chokwe em Angola. “Chibinda Ilunda é o fundador do reino de Lunda, ancestral dos chefes Chokwe. Pelo mito de origem, que data do século XVI, esse herói e príncipe da etnia Luba casou-se com a rainha lunda Lweji e deu origem ao novo reino sagrado. (...) A longa barba é também um símbolo da sabedoria e da dignidade a heróis, soberanos e deuses.” (ibidem, p. 171)

A professora e pesquisadora Sales (2005) contextualiza essa estátua com aqueles heróis em que seus atributos são de agressividade e impetuosidade. Onde a mesma afirma, “Podemos nos perguntar então: por que tais atributos para um caçador e guerreiro, não os de agressividade ou de impetuosidade? Qual o sentido da simetria do conjunto da figura? Por que não um gesto de prontidão e ataque, próprios dos heróis em quadrinhos e do cinema?”(idem, ibidem). Abaixo duas imagens de heróis. Uma representacional e a outra um retrato.

Figura 1. Capitão América (Captain America, em inglês), é o alter ego de Steve Rogers, um personagem de HQ (História em Quadrinhos) da Marvel Comics. Foi criado por Joe Simon e Jack Kirby, apareceu pela primeira vez em Captain America Comics #1 (Março de 1941) Figura 2. Estátua real Chibinda Ilunga. Etnia Chokwe. Século XIX. Angola. Madeira, tecido de algodão, cabelo e fibras vegetais. Altura: 39 cm Apropriamos da imagem Porta-arcos da Etnia luba. Nela visualizamos seios e ventre, símbolos da fertilidade. O seu corpo demonstra seu elevado status social. É notável em suas características onde retrata uma mulher cheia de dons de decifrar ao seu povo os sinais cósmicos da vida.

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Figura 3. Porta-arcos. Etnia luba. Século XIX ou início do século XX. República Democrática do Congo. Madeira. Altura: 64,5 cm

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É a partir desses poucos exemplos que devemos ler as artes da África dentro de seus próprios cânones e não dos europeus. Essa estratégia permite-nos compreender as suas complexas etnias e línguas de cada espaço territorial. Neste sentido nos apropriamos de três artistas que oferecem em suas obras elementos que instiga a relação entre identidades africanas e afro-brasileiras. O William T. Willians (1942), Seydon keita (1921-2001) e Luiz de Abreu (1963). Nos deteremos neste último artista, pois tivemos o contato direto com a sua obra no Centro Cultural Santander em Recife (2012). Ao lado temos um frame deste vídeo.

O vídeo de vinte e cinco minutos foi exibido na 7ª Bienal do Mercosul e esteve na exposição coletiva “Vestígios de Brasilidade” compondo com o trabalho de outros artistas. Onde provoca-nos em sua dança elementos de brasilidade, provocando na gente uma série de interpretações que demonstram o quanto o negro é discriminado e humilhado por esse racismo institucionalizado. “As causas do racismo são camufladas, não detectáveis aparentemente, enquanto seus efeitos são tangíveis” (WIEVIORKA, 2007. p. 32). Atualmente temos uma legislação educacional (LDBN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na57


cional Lei nº. 10.639) que poderia ser um caminho de preservar a História e Cultura da África, eliminando aquelas interpretações de que os negros não são humanos, e que sua arte é primitiva, instrumentalizando-nos com a sua materialidade e imaterialidades misteriosas. Como também dizimando esse racismo institucional. Sendo tarefa importante mediar esse conhecimento cultural os professores, gestores, artistas e demais integrantes dos movimentos sociais.

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Acesso em 20 de outubro de 2012.

Bonlieu Scéne Nationale, Annecy. Disponível em <.http://www.youtube.com/watch?v=6wZWOZASfF4> Acesso em 20 de outubro de 2012.

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AQUI JAZ UMA CONHECIDA: CAUSA MORTIS – HOMOFOBIA

NASCIMENTO, Francisco Arrais ; LEITE JR, Francisco Francinete .

RESUMO A morte e o morrer no contexto das abjeções sexuais torna-se uma confirmação da realidade social em que tais indivíduos estão imersos. O contexto de violência da pista vivenciado por travestis, transexuais e indivíduos em inconformidade com seu gênero que praticam a prostituição de forma laboral é recorrente nas mídias que denunciam através dos crimes de ódio tal cenário. A sociedade que apresenta como norma vigente a heterossexualidade privilegia a binaridade de gênero tornando os sujeitos desviantes vitimas da violência social. A pesquisa em questão tem por objetivo revelar o contexto de violência vivenciado pelas abjeções de natureza sexual. Fazendo-se uso de pesquisa etnográfica. Conclui-se ao termino da analise dos dados que a realidade social de violência em que a identidade sexual e a pratica laboral é marcada pela violência cotidiana e pela falta de segurança onde a violação dos Direitos Humanos e civis são praticas corriqueiras em tal cenário.

PALAVRAS-CHAVE: Homofobia. Direitos Humanos. Abjeções Sexuais.

INTRODUÇÃO “Pior que a descriminação em si, é ser descriminado por aqueles dos quais esperávamos justiça!” (Esopo)

Nas ultimas cinco décadas do Brasil os ditos crimes de ódio tem sido contabilizados e acompanhados pelas instituições de apoio, auxilio e defesa dos Direitos Humanos voltados aos corpos abjetos na sociedade moderna. Existe no Brasil uma grande lacuna entre a legislação e aqueles a quem a mesma deveria proteger, principalmente quando aqueles que a acionam são praticantes das modalidades alternativas de sexualidade e tal contexto se torna ainda mais obscuro quando esses sujeitos pertencem às camadas sociais menos privilegiadas do ponto de vista econômico. É recorrente nas narrativas de travestis, transexuais e indivíduos em inconformidade com o gênero e tantos outros que são taxonomizados pelo discurso biomédico, rotulados pela sociedade e marginalizados pelos sujeitos que a compõe, um contexto de violência, abuso e cerceamento dos direitos, mesmo quando tais sujeitos o buscam. Ressalta-se ainda que tal violência em muitos casos tem inicio no próprio convívio familiar de tais indivíduos de onde ecoam diálogos silenciados pela vergonha, pela dependência econômica, efetiva e pela própria fragilidade do ser em construção. Sob esse cenário de violência e segregação e em busca de novos meios de sobrevivência e afetos os indivíduos que praticam modalidades alternativas de sexualidade buscam nas ruas o refugio para a escassez de 60


espaço no mercado laboral, onde ao invés de segurança, afeto e cidadania encontram na verdade a vergonha, a violência em suas varias formas e a própria invisibilidade social. Diante disso a pesquisa aqui relatada tem por objetivo revelar o contexto de violência, abjeção e negligencia vivenciado pelas abjeções de natureza sexual, ou seja, por travestis, transexuais e indivíduos em inconformidade com o gênero.

METODOLOGIA Segundo Gil (2009), a pesquisa tem um caráter pragmático, é um “processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico. Seu objetivo fundamental é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos científicos”. Por assim dizer, a Pesquisa é um conjunto de ações, propostas para encontrar a solução para um problema, que têm por base procedimentos racionais e sistemáticos. Assim classificamos tal pesquisa enquanto etnográfica, de abordagem qualitativa por considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. Sendo desenvolvida na região metropolitana do Cariri cearense no período de janeiro a julho do corrente ano. Utilizando-se de entrevistas semiestruturadas e analise do discurso de amostra composta por indivíduos selecionados de forma aleatória e por conveniência. A amostra foi composta por travestis, transexuais e indivíduos em inconformidade com o gênero que praticavam a prostituição como forma laboral no período da pesquisa mediante o termo de consentimento livre e esclarecido.

DISCUSSÕES

Segundo Foucault (1987) a sexualidade é um “dispositivo histórico”. Uma vez que a sexualidade é um construto histórico-social e a mesma está submetida a múltiplos discursos sobre a manifestação e regulação da mesma. Discursos esses que regulam, normatizam, instauram prazeres e produzem “verdades”. A definição de dispositivo sugere a direção e a abrangência dos meios de “vigia” e “coerção” social. Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas (...) o dito e o não dito são elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos (FOUCAULT, 1987, p. 244). Em tempos hodiernos apesar de toda uma evolução no contexto das sexualidades e de suas compreensões ainda vigoram padrões heteronormativos que ecoam nos hábitos culturais da sociedade principalmente em contextos religiosos onde ainda se adotam padrões sexuais onde a mesma só é permitida para fins reprodutivos. Depois de uma minuciosa e continua engenharia social para produzir corpos sexuados que tenham na heterossexualidade a única possibilidade humana de viver a sexualidade, como se pode continuar atribuindo à 61


natureza a responsabilidade daquilo que é resultado de tecnologias gerenciadas e produzidas pelas instituições sociais[...] (BENTO, 2008. p. 34). Assim o espaço da prostituição é um dos principais lugares sociais de construção e aprendizado do feminino entre os sujeitos em inconformidade com o gênero. Assim, os diversos espaços de prostituição de travestis, transexuais espalhados pelas cidades servem de palco para o processo de transformação do gênero e construção da identidade. A música Balada de Gisberta, interpretada por Maria Bethania narra de forma verossimilhante a realidade de travestis, transexuais e de indivíduos que se encontram em inconformidade de gênero que praticam a prostituição como forma de subsistência. Perdi-me do nome/hoje pode chamar-me de tua/dancei em palácios/hoje danço na rua/ vestime de sonhos/hoje visto as bermas da estrada/de que serve voltar/quando se volta pro nada/eu não sei se um anjo me chama/eu não sei dos mil homens na cama/ e o céu não pode esperar/ eu não sei se a noite me leva/não ouço meu grito na treva/ o fim quer me buscar/sambei na avenida/ no escuro fui porta estandarte/ apagaram-se as luzes/ é o futuro que parte/escrevi o desejo/ corações que já esqueci/com sedas matei e com ferros morri/ eu não sei se um anjo me chama/ eu não sei dos mil homens na cama/ e o céu não pode esperar/ eu não sei se a noite me leva/ eu não ouço meu grito na treva/ o fim quer me buscar/ trouxe pouco, levo menos/ a distancia até o fundo é tão pequena/ o fundo é tão pequena/ A queda, e o amor é tão longe/ o amor é tão longe. (Maria Bethânia, Balada de Gisberta, Amor, Festa e devoção.Letra de Pedro Abrunhosa, 2010)

Conforme Benedetti (2011) percebemos que é nos diferentes territórios de batalha (forma utilizada para denominar a atividade da prostituição) que muitas travestis tiveram seu primeiro contato com outras monas (desinência empregada para se referir às próprias travestis), e que viram concretizados os seus desejos de transformação. Muitas delas ao narrarem as suas histórias sobre a prostituição, referem-se a este período como cair na vida, ou simplesmente cair. Esta expressão talvez guarde relação direta com a ideia, presente no senso comum, de que a prostituição é aquela exercida na rua, que constitui uma ocupação imoral e degradante do ser humano, como se a pessoa literalmente “caísse” para um nível mais baixo da experiência humana. Estando em meio ao caos das ruas tem-se uma violência iminente e muitas vezes internalizada devido a sua condição, reproduzindo uma homofobia contra si mesmo. Além da que a sociedade já manifesta. Ressalta-se ainda que no contexto das abjeções identitário-sexuais não é suficiente assassinar, torturar, diminuir mas se faz necessário , esquartejar, apedrejar, desfigurar, castrar e fazer uso de toda sorte de crueldade para com tais sujeitos, o que revela o panorama de ódio no qual estão inseridos tais sujeitos e como a sociedade os coloca em uma condição desfavorável, quando limitam seu acesso a justiça e as praticas laborais que não sejam vinculadas ao mercado do sexo. Compreende-se que a análise dos crimes ditos de ódio ou dolosos contra a vida que apresentam como única motivação e induzimento o preconceito contra os indivíduos que praticam modalidades alternativas de sexualidade como vitima em face do Código Penal e da Constituição Federal revela que ocorre uma lacuna no sentido de qualificação do crime com relação à motivação e a forma torpe em que se encontram e produzem tais crimes. Conforme Spencer (1999) em um panorama geral sobre a criminalização da homoafetividade, dos 202 62


países do mundo o comportamento homoafetivo é considerado ilegal e passível de aplicação de penalidades em cerca de 74 sob a cartografia da criminalização do homoafetividade a pior situação encontrasse no continente africano dada sua formação cultural e interferência religiosa e melhor na Europa. Dentre os países e analisados em 144 não existe apoio aos direitos de gays e lésbicas, é interessante considerarmos que entre os países onde o homossexualismo é ilegal, 53 são ex-comunistas, ex- integrantes do império britânico ou de cultura predominantemente islâmica.

“Ser capaz de sentir indignação contra qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, é a qualidade mais bela de um militante dos direitos humanos” (Che Guevara)

CONSIDERAÇÕES FINAIS Crimes homofóbicos são homicídios praticados por atores não homossexuais ou eventualmente por homossexuais, contra vitimas com orientação sexual exclusiva ou predominantemente homoerótica, tendo como inspiração a ideologia machista predominante em nossa sociedade heteronormativa que vê e trata os gays, lésbicas e transgênicos como minorias sexuais desprezíveis e despreparadas. Conclui-se, portanto que se faz necessária a ampliação das discussões em torno das praticas homofóbicas com o objetivo de sensibilizar a sociedade civil e os poderes públicos no sentido de promover, acolher e respeitar as diversidades que convivem conjuntamente na sociedade. Ressalta-se ainda que o preconceito que afeta de forma direta o agressor no momento de cometer a violência contra um travesti, transexual ou individuo em inconformidade com o gênero é similar ao que acomete as autoridades policiais ao investigar as causas, condições e autorias de um crime. Identifica-se também a necessidade de uma punibilidade mais severa, levando em consideração de uma possível criação de uma norma qualificadora para o homicídio, a criação do dispositivo que qualifique pela ausência de motivo.

REFERÊNCIAS

BENEDETTI, Marcos. A batalha e o corpo: Breves reflexões sobre travestis e prostituição.http://www. ciudadaniasexual.org/boletin/b11/breves_reflexoes_sobre_travestis_e_prostituicao.pdf. Acesso em outubro de 2012.

BENTO, Berenice Alves de Melo. O que é a transexualidade. Editora Brasiliense, São Paulo - SP, 2008.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópoles. Editora Vozes. 2009. 63


____Microfísica do Poder. Trad. Roberto Machado. 6ª ed. Rio de Janeiro,Graal,1986. ____A ordem do Discurso, 3ª de. São Paulo. Loyola, 1996. ____História da Sexualidade: I-vontade de saber. 1ª ed. Rio de Janeiro. Graal 1987.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.

SPENCER, Colin. Homossexualidade: uma historia. Record. Rio de Janeiro, 1999.

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COORDENAÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA DE FORTALEZA/CE: IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO ACESSIBILIDADE COM ARTE

SANTOS, Jéssica Freire ; CARVALHO, Maria Danúbia Dantas de

RESUMO Neste trabalho temos como objetivo falar do Projeto Acessibilidade com Arte que se caracteriza como um projeto de intervenção junto às pessoas com deficiência, a partir de reflexões críticas sobre os benefícios do mesmo, bem como sobre os limites deste, tendo em vista que existe um recorte de deficiência para participar dele. Refletir esse limite não somente como um ponto negativo, mas como uma possibilidade de pensar um projeto mais abrangente, ou seja, para alcançar um público maior, já que o atendimento da Assistência deve ser igualitário para todos e que existem demandas específicas para essa população. O Projeto está sendo implementado pela Proteção Social Básica - PSB da Secretaria Municipal de Assistência Social de Fortaleza/ CE, para as pessoas com deficiência usuárias da Política de Assistência Social e para os profissionais que a executam.

PALAVRAS-CHAVE: Proteção Social Básica. Pessoas com Deficiência. Acessibilidade. Arte.

INTRODUÇÃO

O Projeto Acessibilidade com Arte é uma articulação da Secretaria Municipal de Assistência Social – Semas, através da Proteção Social Básica - PSB. Sendo as principais entidades parceiras: os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e os Centros de Referências Especializados de Assistência Social– CREAS, bem como as Secretarias Executivas Regionais – SER, Secretaria Municipal de Educação – SME, Secretaria de Direitos Humanos – SDH por meio da Coordenadoria da Pessoa com Deficiência, Núcleo Gestor do Programa Benefício de Prestação Continuada – BPC na escola, além de contar com o apoio do Banco do Nordeste (financiador deste projeto) e da Faculdade Cearense – FAC. Esta iniciativa da PSB é considerada um “passo” positivo e gradual da política de Assistência Social, tendo em vista que busca a garantia de direitos e a minimização de refrações da questão social, como a pobreza exacerbada e as desigualdades, para promover a autoestima dos jovens portadores de deficiência. Desta forma, este Projeto contribui para a discussão e implementação de políticas públicas específicas, procurando garantir 65


os mínimos aceitáveis para se ter uma vida mais digna, fora dos “olhares” de discriminação e da exclusão, tão presentes no dia-a-dia das sociedades atuais. Em termos, fomentadas (discriminação e exclusão) pela estruturação do Capitalismo, em sua constituição mais evidenciada, possibilitando a conjuntura precisa para o aumento de “minorias abastadas e massas miseráveis”. Neste passo, o Projeto Acessibilidade com Arte aborda uma temática que é “pouco familiar”, trabalhando a sensibilização dos jovens com deficiência auditiva e física, por exemplo, a materialização de seus direitos, a possibilidade de refletir criticamente sobre eles e quais caminhos traçar para alcançá-los. Com as atividades do projeto, é possível identificar que há sempre desafios a serem alcançados e superados e que, estes jovens, como outros, têm potencialidades que precisam ser desenvolvidas, sem o “bojo” da limitação, da exclusão, da seletividade e da saturação, presentes na desmotivação, inclusive, pela falta de iniciativas (por parte do poder público) com esta parcela da população. Assim, nosso trabalho tem por finalidade apreender estas posições em face de um público, há muito “esquecido” pela sociedade e pelas políticas públicas sociais, voltadas para uma assistência precisa, urgente e requisitada como garantia da dignidade do ser humano. Analisando, como a PSB vem ultrapassando a prática da Assistência voltada meramente para a concessão de benefícios, para discutir com os jovens portadores de deficiência e seus familiares, bem como com os profissionais que executam a política, as questões referentes à inclusão econômica e social das pessoas com deficiência.

METODOLOGIA Nossa pesquisa tem por finalidade destacar alguns pontos positivos e negativos do Projeto Acessibilidade com Arte, partindo de reflexões críticas que buscam enxergar novas possibilidades dentro dos limites encontrados no mesmo. Foi feito num primeiro momento, um levantamento bibliográfico, onde buscamos consultar obras atualizadas de autores que discutem sobre o tema proposto, bem como os sites da Secretaria Municipal de Assistência Social de Fortaleza e da Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza. Em continuidade, nossa investigação foi desenvolvida na Secretaria Municipal de Assistência Social – Semas, por meio de uma visita institucional no dia 27 de junho de 2012. Nossa pesquisa se configurou em uma entrevista individual não diretiva, por isso, vale ressaltar que realizamos a pesquisa a partir do “olhar” da Gestão da Proteção Social Básica, e não de seus usuários. Na oportunidade entrevistamos uma das Supervisoras de Programas e Projetos da PSB, a Assistente Social Samily Filgueira, que nos apresentou as principais características do Projeto Acessibilidade com Arte. Buscamos com o método adotado captar as percepções, mostrar a realidade da exclusão, bem como da inclusão dos serviços prestados pela Semas, através de seus equipamentos, aos usuários detentores de direitos, apesar dificuldade da cultura vigente, do entendimento sobre a real assistência social e da seguridade às políticas sociais, de modo igualitário e universal. Assim, realizamos a pesquisa entendo alguns pontos, como a evidência de diferentes opiniões e pensamentos sobre o que está sendo posto, perpassando pelas formas de expressão e os preconceitos, tentando 66


chegar, com isso, a um “denominador comum” para a possibilidade da discussão do exposto, como segue.

ACESSIBILIDADE COM ARTE: RESULTADOS E DISCUSSÃO A Proteção Social Básica - PSB, da Secretaria Municipal de Assistência Social, desenvolve suas ações para trabalhar na parte da prevenção e na promoção dos direitos, para que as famílias não os tenham realmente violados. Dessa forma, segundo a Política Nacional de Assistência Social – PNAS, a Proteção Social Básica: “Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos - relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras).” (PNAS, 2004) Um dos serviços oferecidos nos Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, principal equipamento da Proteção Social Básica, que está relacionado às pessoas com deficiência é o deslocamento de profissionais deste equipamento para fazer atendimentos em domicílio quando o usuário não tem têm condições de se locomover até os CRAS. Esse processo acontece para que essas pessoas também tenham acesso à Assistência Social. Em relação a tais visitas, foi percebido que o Cadastro Único e problemas com benefícios têm uma grande demanda, tendo em vista que alguns usuários portadores de deficiência são inclusos do Benefício de Prestação Continuada de Fortaleza. Dessa forma, podemos notar que as pessoas com deficiência constituem o público prioritário da Proteção Social Básica, sabendo que esta busca promover ações voltadas para dilatar o acesso aos seus direitos, e, por conseguinte, melhorar a qualidade de vida deste seguimento social. Então, segundo a Assistente Social entrevistada, o Projeto Acessibilidade com Arte vem para superar o atendimento somente das demandas de Assistência Social desses usuários, ao passo que ele tem como objetivo fortalecer a autoestima e possibilitar o acesso aos demais direitos das pessoas com deficiência. Utilizando para alcançar tal fim atividades sócioeducativas e de artes, bem como serviços socioassistenciais. O referido projeto trabalha artes com adolescentes e jovens portadores de deficiência auditiva e física, favorecidos com o Benefício de Prestação Continuada de Fortaleza - BPC. As linguagens artísticas oferecidas pelo projeto são: o desenho, a pintura, e a fotografia. Para trabalhar essa três artes, eles têm que ter ao menos uma dessas duas deficiências. Há algumas exceções como a questão da deficiência intelectual, se for leve, mas a principio só essas duas. É importante colocar em evidência que o recorte etário do programa é de adolescentes e jovens de 13 a 21 anos de idade. A arte foi a maneira mais sutil encontrada para trabalhar a luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, pois requer, de certo modo, tranquilidade e, em contrapartida, bastante dedicação. Então, a ideia é constituir um espaço de socialização entre os jovens, através da participação em atividades “prazerosas”, mas fortalecendo as lutas em busca dos direitos específicos desta categoria social. Samily Filgueira destacou, ainda, que uma das etapas do projeto é a capacitação dos profissionais dos CRAS, dividida em dois momentos. No primeiro momento, os profissionais devem ser sensibilizados em relações às questões que estão sendo pautadas pelas/para as pessoas com deficiência, referente a direitos que 67


devem ser garantidos e/ou que estejam sendo violados, e outros pontos relevantes. O segundo momento é referente a um curso básico de libras, para que as pessoas com deficiência auditiva possam, minimamente, ser atendidas nos CRAS, podendo desta forma, ser compreendidos. Vale ressaltar que a capacitação técnica para discutir e sensibilizar os profissionais da Assistência sobre a inclusão econômico-social das pessoas com deficiência está sendo ministrada pela Coordenadora de Acessibilidade da SDH e portadora de deficiência. Aqui, podemos visualizar o protagonismo das pessoas com deficiência em um projeto que foi pensado para elas. Samily destacou durante a entrevista que, embora nos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos - SCFV não haja um recorte em relação à exclusão ou impossibilidade das pessoas com deficiência participarem dos grupos, é importante que nós percebamos o quanto é relevante que tenhamos cursos voltados para esse público, com pessoas capacitadas para atendê-los. Os equipamentos devem ser adaptados às necessidades dos usuários. E com o curso de libras os profissionais podem atender com mais facilidade e, verdadeiramente, garantir o acesso desse grupo de pessoas à Assistência Social. Além disso, é necessário refletir sobre a própria infra-estrutura desses equipamentos (CRAS), tendo em vista que muitos deles não oferecem condições para que, por exemplo, um cadeirante circule nas dependências dos mesmos em condições agradáveis e livre de constrangimentos. Então, por mais que não exista um recorte em relação à participação de pessoas com deficiência nos grupos (Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos dos CRAS), os problemas estruturais, como a ausência de rampas de acesso nos equipamentos, podem ser um fator de exclusão dessa população. Contudo, é necessário, também, refletir criticamente sobre o projeto. Como pode um projeto de inclusão, excluir determinados tipos de deficiência? Como a visual, por exemplo. Nesse contexto, enxergamos a primeira contradição, pois é notória, também, nesse projeto de acessibilidade, a seletividade da política de Assistência Social e o quanto ela interfere negativamente no acesso igualitário, tendo em vista que ela deve chegar a todos os sujeitos sociais. Entretanto, precisamos refletir esse limite não somente como um ponto negativo, mas como uma possibilidade de pensar um projeto mais abrangente, ou seja, para alcançar um público maior, já que o atendimento da Assistência deve ser igualitário. Assim, podemos pensar, até mesmo, numa proposta advinda desses jovens que participarão do curso, pois o protagonismo das pessoas com deficiência está, de fato, sendo garantido pela Proteção Social Básica. O projeto Acessibilidade com Arte partiu de uma ideia da gestão, mas existia demanda para a realização do mesmo por parte das pessoas com deficiência. Neste ínterim, é possível notar que existe, do mesmo modo, a necessidade de contemplar as demais deficiências através de outros projetos de inclusão mais abrangentes. A ofensiva Neoliberal que traz a desresponsabilização do Estado pelas políticas sociais contribui para o bloqueio dos avanços sociais em relação à garantia e universalização dos direitos dos cidadãos. No entanto, apesar dos limites encontrados no Projeto, podemos afirmar que o mesmo representa um avanço significativo para Assistência Social e, muito além, para as pessoas com deficiência que lutam pela garantia de seus direitos, seja de inclusão econômica ou social. 68


CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante reafirmar o papel do Estado em cada uma de suas esferas, continuar garantindo a participação popular e a descentralização político-administrativa, além do controle democrático para que possamos continuar visualizando a efetividade da assistência em todo o território nacional contribuindo para o exercício da cidadania. Em Fortaleza, através do Projeto Acessibilidade com Arte, pudemos visualizar a participação popular, neste caso, das pessoas com deficiência na realização/execução do Projeto. E as pessoas com deficiência protagonizarem um projeto direcionado para elas, sem dúvida, é um processo democrático e descentralizado político-administrativamente. A conquista da garantia legal de um direito, no entanto, não garante que este seja efetivado. Assim, o reconhecimento da Assistência Social como uma política social é um processo que ainda está sendo construído, no município de Fortaleza, através da tentativa inclusão igualitária de toda a população que dela necessita. É assim que expomos neste artigo o Projeto Acessibilidade com Arte, uma iniciativa da Prefeitura de Fortaleza/CE, que visualiza nesta ação, a inclusão social de jovens portadores de deficiência. Compreendemos, para tanto, a importância de uma atividade desse porte e com este sentido, focando não só nos usuários, mas, também nos profissionais, pois estes para receber os seus usuários têm que estar preparados. Percebemos progressos no que se refere à capacitação dos profissionais da Assistência Social, os quais vão atender melhor as pessoas com deficiência que precisam de acompanhamento, por exemplo. Contudo, percebemos também alguns recuos, como por exemplo, a seletividade, por parte da idade e por parte, também, da deficiência. No entanto, esta é uma iniciativa que requer um grau de reconhecimento no que se refere a sua materialização. Possibilidade esta, necessária para dar continuidade ao alargamento dos programas, projetos e serviços socioassistenciais que visem a melhoria de vida, a minimização das desigualdades sociais e a constitutividade da autonomia de cada ser social.

REFERÊNCIAS

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YASBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 1993. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DE FORTALEZA. Pessoa com deficiência. Disponível em: http://www.fortaleza.ce.gov.br/sdh/index.php?option=com_content&task=view&id=19&Itemid=79. Acesso em: 02 de julho de 2012. http://www.sembarreiras.jor.br/2012/04/23/prefeitura-realiza-projeto-acessibilidade-com-arte/. Acesso em: 13 de julho de 2012.

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À PROCURA DO INIMIGO: UMA BREVE ANÁLISE DOS MECANISMOS DE SUSPEIÇÃO DA RONDA DE AÇÕES INTENSIVAS E OSTENSIVAS – R.A.I.O

MOREIRA, Marcus Giovani Ribeiro Moreira2 RESUMO

Este trabalho tem como objetivo a breve análise dos aspectos jurídicos, sociais e psíquicos dos mecanismos de abordagem policial da Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas- R.A.I.O, sobretudo, a fundamentação de sua suspeição em seus aspectos jurídicos e sócio-psíquicos. Analisando a cultura dominante na polícia, procuramos compreender a sua origem, como a mesma influencia e é influenciada pelo campo da subjetividade e qual relação guarda com a violação de direitos e garantias individuais e coletivos. Palavras-chave: Cultura policial. Subjetividade. Suspeição. Segurança pública .

INTRODUÇÃO

O objeto desse estudo é a análise dos mecanismos de suspeição e as práticas de abordagem policial do R.A.I.O (Ronda de Ações Intensiva e Ostensivas) refletindo sobre seus impactos na política de segurança pública no município de Fortaleza-CE. Criado em 2004, pelo então Governador do Estado do Ceará Lúcio Alcântara, a Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas – RAIO - é um segmento da Polícia Militar do Ceará que tem seu espectro de atuação relacionado ao combate ao porte ilegal de armas de fogo, consumo e tráfico de drogas ilegais em diversos bairros do município de Fortaleza-CE. Geralmente atua em grupo de quatro motocicletas, com armas de grosso calibre, sendo responsáveis pelo reforço no policiamento da capital, em locais de difícil acesso e na abordagem de indivíduos suspeitos, caminhando em locais inóspitos ou conduzindo bicicletas, mobiletes e motos (PORTAL DA SSPDS, 2011). Desse modo, o R.A.I.O foi criado com o mister de dar maior mobilidade e flexibilidade ao policiamento ostensivo, sendo reconhecido como grupamento de relevante interesse para a área de segurança pública no Estado do Ceará, depreendendo-se, portanto, a existência de uma diferenciação desse grupamento tanto no imaginário dos trabalhadores da segurança pública, como no imaginário social da população. Devido ao caráter peculiar da atuação deste grupamento e de seu poder discricionário, em realizar abordagens em indivíduos considerados suspeitos, pretendemos com este trabalho propor um estudo sobre os principais aspectos dos mecanismos de suspeição e de práticas de abordagem policial, identificando ou não a existência de estigmas e estereótipos, bem como a influência destes no uso do poder discricionário de seus agentes e seus impactos na execução da política de segurança pública a qual se propõe. Dessa maneira, a partir das premissas supra-expostas, propomos uma investigação de como se dá esse 71


confronto de forças e quais resultantes deste, suas variações, e que influência exercem na execução da política proposta pelo R.A.I.O.

METODOLOGIA

Para tanto, como metodologia desdobra-se pesquisa qualitativa, que envolva leituras de ordem bibliográfica e documental, aprofundadas a partir de entrevistas, que associadas visam a contextualização da Instituição - objeto de estudo – como também a análise de sua estrutura, o mapeamento do seu funcionamento e a identificação do grau de interferência do campo da subjetividade de seus agentes e seu impacto na realização da política pública a que se propõe, relacionando com os princípios da legalidade e dos direitos humanos. A pesquisa documental tem como objetivo investigar fontes primárias, que se constituem de dados que não foram codificados, organizados e elaborados para os estudos científicos, como: documentos, arquivos, fotografias, gravações, estatísticas e leis, para poder descrever e analisar situações, fatos e acontecimentos anteriores, bem como comparar com dados da realidade presente. O método de pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teóricas e/ ou revisão de literatura de obras e documentos que se relacionam com o tema pesquisado. Ressalve-se que, em qualquer pesquisa, exige-se a revisão de literatura, da pesquisa bibliográfica, o que permite conhecer, compreender e analisar o conhecimento científico já existente sobre o assunto, tema ou problema investigado. Então há que se inferir que para se chegar ao objetivo desta pesquisa será necessária a inserção do pesquisador na lógica institucional do R.A.I.O, bem como na individualidade de seus trabalhadores como forma de percepção de sua subjetividade e suas relações.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Não se pode segregar a cultura vigente no R.A.I.O, da cultura policial hegemônica, conhecida como “cultura cantineira” (RENNER, 2004). Não há como se falar em suspeição policial, mesmo que de modo genérico, sem nos ater a de sua constituição histórica. Assim sendo, vale mencionar que no período da ditadura militar, entre 1964 até 1985, foi instituída nos órgãos Estatais de segurança pública, a chamada doutrina da segurança nacional, que tinha como princípio basilar uma máxima de que havia um “inimigo público interno” e que esse inimigo deveria ser monitorado e aniquilado. O cientista político argentino Carlos Escudé define a doutrina de segurança nacional como:

Um conceito utilizado para definir certas ações de política exterior dos Estados Unidos influenciando as forças armadas dos países da América Latina a modificar sua missão, para se dedicar exclusivamente a garantir a ordem interna, com o fim de combater ideologias, organizações ou movimentos que, dentro de cada país, 72


pudessem favorecer ou apoiar ao comunismo no contexto da Guerra Fria, legitimando a tomada do poder por parte das forças armadas e a violação sistêmica dos direitos humanos (ESCUDÉ, 2007 p. 45).

Um fator preponderante para a cristalização da chamada cultura cantineira foi a militarização das polícias, a qual ultrapassou a assimilação do modelo imposto de organização militar, contribuindo para a propagação e cristalização de valores e atitudes sustentados por uma concepção autoritária do significado de ordem pública, que exclui o cidadão, uma vez que este é compreendido como inimigo interno e uma ameaça à paz e a ordem pública (REINNER, 2004). A priori, ainda que de maneira exploratória, podemos depreender que o alvo da suspeição e conseqüentemente de práticas de abordagem da polícia são aquelas pessoas consideradas ofensivas à Lei estabelecida. Aquelas que apresentam, ainda que potencialmente, qualquer ensejo de comportamento desviante do estabelecido, constituindo-se assim, como uma ameaça à ordem pública e à segurança dos cidadãos estabelecidos. Desse modo, ainda que haja critérios de etiquetamento social, labbeling aprouch (BARATTA, 2002), na suspeição policial existe uma seara pouco explorada pelas Ciências Sociais aplicadas, a saber: o campo da subjetividade 3 do agente na atribuição da suspeição. O referido campo, difuso e comatoso, tem uma função essencial na seleção e etiquetamento dos indivíduos considerados suspeitos, não sendo a suspeição somente fruto de convenção social estabelecida. De modo que podemos depreender que a concepção de direitos humanos, polícia, sociedade e cidadania é uma resultante de vetores de forças em conflito, de práticas e saberes diferenciados que disputam constantemente a sua hegemonização. Os mecanismos de suspeição policial têm estreita ligação com o chamado discurso hegemônico, que é uma resultante de confronto de forças de discursos, construindo uma cultura policial envolta a uma produção do campo das subjetividades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As práticas de abordagem policial à pessoas consideradas suspeitas, sempre foi um ponto polêmico de discussão no campo da segurança pública. De um lado os que defendem o irrestrito poder da polícia na prática de suas abordagens, em nome da segurança, partindo da premissa da existência constante de um inimigo interno. De outro aqueles que almejam uma Instituição policial com práticas unificadas, baseando-se na dignidade da pessoa humana e no princípio republicano da legalidade como parâmetro em suas ações. Outrossim, a discussão não é tão simplista e dicotômica. Adentrando, além do campo jurídico, no campo da subjetividade, o qual interfere e é interferido por aspectos de sociabilidade, depreende–se que o modus operandi dos agentes de Segurança pública é a resultante da tensão entre estas duas lógicas, entre essas duas forças. Cotejando, a obra de Freud, impingimos analogamente Eros e Tânatos: a pulsão de vida e a pulsão de morte, como ilustração dos glomérulos relacionais que permeiam as abordagens policiais e os seus mecanis73


mos de suspeição, fundadas na relação polícia e sociedade e suas repercussões na mesma. As políticas públicas não podem interferir completamente na subjetividade e nos processos psíquicos individuais. Todavia, o Governo, através de sua coerção, pode exercer um controle mais efetivo as práticas individuais que sejam nocivas ao convívio social. Nesse sentido pode-se coibir práticas policiais ilegais, estigmatizantes e que atentem contra os direitos e garantias fundamentais, através da qualificação adequada ao seu quadro funcional, de uma maciça política de valorização profissional, aliados aos mecanismos de controle independentes, efetivos e eficazes. Não se trata aqui de engrossar o coro dos detratores das instituições policiais, mas de tecer uma análise crítica,e científica, percebendo a polícia como um órgão difusor e receptor da lógica social estabelecida, mas que apresenta características advindas da cultura autoritária da ditadura militar, ainda pungente em nossa sociedade na qual, a via participativa/dialógica seria uma possibilidade de uma mudança substancial na lógica e estrutura.

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A DESMISTIFICAÇÃO DO CANDOMBLÉ

ALVES, Ana Carla Farias; SILVA, Riana Gomes da. RESUMO O presente trabalho busca esclarecer o que é a religião Candomblé, a partir daí analisaremos o contexto sócio-histórico do surgimento da religião para entender a origem do preconceito existente sobre a mesma, com o objetivo de apresentar os cultos, rituais, conceitos e princípios da religião, com a finalidade de promover o esclarecimento dos indivíduos acerca desta com base nos Direitos Humanos.

Palavras-chave: Preconceito, Candomblé, Direitos Humanos.

INTRODUÇÃO O presente trabalho busca apresentar o que é a religião Candomblé, em virtude do preconceito às religiões afro-brasileiras que permanece até os dias atuais, sendo consideradas para o senso comum como feitiçarias, a partir daí analisaremos o contexto sócio-histórico do surgimento da religião para entender a origem deste preconceito. Para isso, iremos discutir as origens sócio-históricas do preconceito à religião Candomblé e apresentar os cultos, rituais, conceitos e princípios da religião, com a finalidade de promover o esclarecimento dos indivíduos acerca desta.

METODOLOGIA A natureza desta pesquisa foi qualitativa e quantitativa, buscando um contato direto com as pessoas envolvidas na pesquisa, através de entrevistas, da delimitação do problema, da coleta de dados e da exploração de campo para a percepção do objeto da mesma. Inicialmente, o tipo de pesquisa centrou-se na pesquisa bibliográfica, nos aprofundando em alguns livros que falassem acerca da história do Candomblé, para que chegássemos a algumas conclusões no que se referem aos seus princípios, conceitos, rituais e cultos e Pesquisa Exploratória através de entrevistas realizadas com a comunidade acadêmica do Campus Itapery-UECE e observações realizadas na visita à roça Ilé Asé Omogiyon do Pai-de-santo (Babalorixá) Ajideiy T´Osogyan, no dia 26 de junho de 2011, situada no Canindezinho em Maracanaú-CE.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A liberdade religiosa, embora não seja reconhecida e respeitada por muitas pessoas, é um dos princípios fundamentais pronunciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo esta assegurada atualmente pela Constituição Nacional Federativa de 1988, conforme o Art. 5º, incisos VI – “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida 77


na forma da lei, a proteção de culto e suas liturgias”; VII – “É assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” e VIII – “Ninguém será privado de direto por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. “Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião, ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”(Art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos). O preconceito às religiões afro-brasileiras pode ser explicado a partir do colonialismo europeu, com o seu etnocentrismo, do qual a África foi vítima, bem como pela Igreja católica, que negava as demais crenças da religião, considerando-as feitiçaria, para que assim pudesse converter todos ao catolicismo. “(...) a chegada do colonialismo europeu que além da exploração econômica tentou e conseguiu, e em muitos casos, obteve êxito, massacrar muito da cultura milenar daqueles povos, especialmente suas estruturas religiosas submetidas, a duas principais pressões: (...); a da religião católica que diferente da primeira, negava por antecipação, aos sistemas de crenças ali encontrados, qualquer valor digno de nota e respeito, sendo que a tentativa maior era a de simplesmente eliminar das áreas colonizadas, qualquer manifestação sagrada, geralmente considerada feitiçaria, para tentar a conversão dos chamados nativos ao catolicismo”. (Júlio Braga, p. 61) Os negros estabeleceram alianças com personalidades influentes da sociedade e a disfarçaram os seus deuses vivos na roupagem dos santos católicos para manter os seus cultos e rituais, marcando aí o sincretismo na religião, podendo ser exemplificadas pelo fato de que Jesus Cristo é representado pelo orixá Oxalá, Nossa Senhora da Conceição por Oxum e Nossa Senhora dos Navegantes pelo orixá Iemanjá e outros. Segundo Nívio Ramos Sales(1991), “Sincretismo significa a mistura de pensamentos ou opiniões diversas para formar um único. No caso presente, é a assimilação de um orixá a um santo católico, como também manifestação de valores religiosos de uma cultura assimilada por outra. O sincretismo evolui criativamente dando lugar a novas identificações na proporção que os valores sociais mudam, ou seja, penetra nos costumes na medida em que esses mesmos costumes evoluem. (...) O sincretismo é uma ‘representação coletiva’, uma pressão do meio, à qual geralmente não corresponde a nenhuma atitude subjetiva... Os africanos tiveram de mascarar suas crenças sob um catolicismo de empréstimo e a fusão dos orixás com os santos se manteve, posteriormente, por tradição”. No período de modernização no Brasil ocorrido nos anos 20 e 30 as religiões Afro-brasileiras ainda sofriam com a estigmatização e perseguição, entretanto, as elites intelectuais resgataram as tradições culturais dos africanos, valorizando as suas práticas religiosas como constituintes da própria identidade da nação; a partir da década de 1960 houve uma mudança nas religiões afro-brasileiras. Nesse contexto uma das mais profundas mudanças observadas no Candomblé, nas últimas décadas do século XX, foi sua universalização, quando passou de uma religião étnica à religião de todos. Entretanto as religiões afro-brasileiras sofrem, ainda hoje, com o preconceito, evidenciado por uma interpretação da alteridade, formulada através da centralização dos valores do grupo do qual se faz parte, sendo que este é expressado, no caso, ou por total desconhecimento da própria religião ou por discordância em relação aos seus princípios. O preconceito às religiões afro-brasileiras pode ser explicado, de antemão, pela visão eurocêntrica do europeu, considerando a sua cultura como sendo 78


superior às demais, caracterizando, assim, o etnocentrismo que é devidamente interpretado por Rocha(1994, p.75 e 76): “O etnocentrismo está calcado em sentimentos fortes como o reforço da identidade do “eu”. Possui, no caso particular da nossa sociedade ocidental, aliados poderosos. Para uma sociedade que tem poder de vida e morte sobre muitas outras, o etnocentrismo se conjuga com a lógica do progresso, com a ideologia da conquista, com o desejo da riqueza, com a crença num estilo de vida que exclui a diferença”. O Candomblé é uma religião essencialmente voltada para cultuar a vida e a natureza, ou seja, a integração da vida no universo e no mundo. Sendo essa uma religião iniciática e de transe mediúnico que se manifesta no corpo através da incorporação, utilizando-se ainda de vários processos adivinhatórios caracterizando-a, assim, como uma religião oral e oracular. É uma religião monoteísta, que acredita em um Deus único criador - Olorum, Olodumaré, Zambí ou Zambiapongue; Os Orixás representam as qualidades do Deus Superior. Os adeptos da religião acreditam que o Orixá (ELEDÁ) os ilumina no alto da sua cabeça (Orí) auxiliando na evolução espiritual durante a sua existência no mundo físico (Aiyê).

CONSIDERAÇÕES FINAIS O preconceito destinado às religiões afro-brasileiras é fruto das circunstâncias históricas em que essas se constituíram no Brasil e do caráter sincrético daí decorrente, durante o qual a exploração do negro foi uma constante, fazendo com que a visão eurocêntrica de mundo, fosse prorrogada periodicamente até os dias atuais, demarcando, assim, a frequente presença do etnocentrismo cultural na sociedade contemporânea, portando destacamos a importância cultural das religiões africanas para a constituição da cultura do povo brasileiro.

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LIBERDADE ASSISTIDA COMUNITÁRIA: OPORTUNIDADE DE MUDANÇA PARA O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL.¹ Lima², Yanne Machado RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar a contribuição do programa de liberdade assistida comunitária, executado pela Pastoral do Menor Regional Nordeste I, na vida dos adolescentes que estavam em cumprimento da medida de liberdade assistida. Assim, foram utilizados alguns autores com o intuito de se fazer um debate teórico sobre adolescência, ato infracional e a medida de liberdade assistida. A pesquisa realizada foi de natureza qualitativa, buscou-se apreender a realidade a partir da fala dos sujeitos, compreendendo os valores, as crenças e os diversos contextos sociais vividos pelos adolescentes. As técnicas utilizadas foram o diário de campo, a observação participante e a entrevista semi-estruturada. Realizamos cinco entrevistas com os adolescentes que estavam em cumprimento da medida de liberdade assistida. Por fim, discutiu-se o resultado da pesquisa, pondo em relevância as falas dos sujeitos entrevistados, considerando a importância de relacionarmos as informações colhidas em campo com os aspectos teóricos estudados.

Palavras-Chave: Adolescência, Ato Infracional, Liberdade Assistida.

Introdução Não se pode negar que o ECA trouxe uma nova perspectiva em relação ao modo de atendimento dos adolescentes autores de ato infracional, mas sabemos que ainda há várias questões a serem efetivadas pelos órgãos executores desta legislação. Ao se destacarem algumas notícias veiculadas pela mídia e estudos recentes sobre esta questão, revela-se a pertinência e a importância de estudar a temática desenvolvida neste trabalho. Uma notícia do jornal Diário do Nordeste, por exemplo, demonstra que o índice de reincidência dos jovens na criminalidade passa de 50%. É pertinente há falta de unidades de atendimento, de profissionais e de recursos financeiros. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2011). Em outra reportagem do mesmo jornal é revelado que existem cerca de 1.271 adolescentes que cometeram delitos, e os seus processos ainda não foram julgados pela Justiça. É apontada nesta mesma matéria que o Promotor, em torno de 60 a 70% dos casos, sugere ao juiz a liberdade assistida. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2011). Estes dados revelam que ainda é preciso avançar muito na questão da execução do que está proposto nas legislações, no que se refere aos direitos da criança e do adolescente. Percebe-se que ainda há um alto índice de reincidência dos adolescentes, poucas unidades de atendimento, bem como de profissionais e de recursos financeiros. Além disso, o sistema judiciário, em sua estrutura, demonstra o quanto ainda é voltado à burocracia, gerando assim uma demora em responder os processos envolvendo os adolescentes autores de ato infracional. Observa-se também a frequência dos adolescentes estarem envolvidos com drogas ilícitas, não somente fazendo uso delas, como também participando no tráfico de drogas. Daí, a pesquisa teve como 80


objetivo conhecer e analisar a contribuição do Programa de Liberdade Assistida Comunitária para a vida dos adolescentes, buscando através do estudo de alguns teóricos e documentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a pesquisa em campo desvendar a realidade.

Metodologia A Pesquisa foi realizada na Pastoral do Menor Regional Nordeste I, mais especificamente no Programa de Liberdade Assistida Comunitária (LAC), executado pela Pastoral do Menor. Desde outubro de 2011 a maio de 2012, acompanhou-se, uma vez por mês, os atendimentos realizados pela equipe no bairro Jardim Iracema. Neste local, procurou-se observar a dinâmica do trabalho, o modo de agir dos profissionais e, principalmente, buscou-se a aproximação com os adolescentes informantes principais desta pesquisa de campo. Segundo Peretz (2000), a observação significa uma presença sistemática e muitas vezes demorada nos próprios locais do inquérito, no seio do grupo social estudado [...] os dados são recolhidos pelo investigador ou pela equipe de investigadores: a) junto das pessoas que utilizam uma grande diversidade de procedimentos ditos reactivos, tais como a entrevista com perguntas, ou de procedimentos não-reactivos, tais como a observação dos lugares, dos acontecimentos, dos actos, ou dos comentários feitos pelas pessoas estudadas na sua vida. b) consultando todas as formas de documentos escritos. (PERETZ, 2000, p. 12). A pesquisa realizada foi de cunho qualitativo, pois se permitiu que os sujeitos da pesquisa dialogassem com o pesquisador acerca de seus anseios, valores, crenças, sentimentos. Segundo Minayo (1994), qualquer pesquisa social que vise a um maior aprofundamento da realidade, não poderá ser realizada somente recolhendo dados quantitativos. Para o que é apontado pelos números, é preciso uma explicação plausível. Nesta pesquisa, assumiu-se a posição de comprender a totalidade, a partir da concepção de que o homem está inserido na realidade e de que este interfere constantemente na sociedade através das suas relações sociais. Araújo (2002) sintetiza este ponto na seguinte citação: “Portanto, para conhecermos o real na sua totalidade, é imprescindível conhecermos a sua historicidade, percebendo a complexidade das relações, mediações, e das contradições que o fazem ser movimento”. Como instrumento de campo, utilizou-se o diário de campo, que permitiu com que fossem feitas anotações das percepções do pesquisador. Em relação aos procedimentos técnicos, lançou-se mão da observação participante e da entrevista semi-estruturada. A entrevista semi-estruturada foi realizada seguindo um roteiro previamente estabelecido, com perguntas predeterminadas, efetuadas com pessoas selecionadas. Segundo Gil (1991), a entrevista constitui uma técnica em que o investigador estabelece uma interação social buscando coletar dados referentes a diversos aspectos da vida humana. Dentre um universo de 60 adolescentes, em cumprimento da medida de liberdade assistida Comunitária na Pastoral do menor, realizou-se 05 entrevistas com os adolescentes que são acompanhados no bairro Jardim Iracema. O critério estabelecido foi priorizar os adolescentes que já vinham sendo acompanhados pela equipe do LAC há muito tempo. Foi agrupado todos os dados a partir das categorias analisadas e do lócus da pesquisa. Os dados foram analisados e interpretados tendo como base a análise do discurso. Em todo o processo da pesquisa buscamos agir de forma ética, tendo como base a resolução nº196/96, do Conselho Nacional de Saúde, e o Código de Ética do Serviço Social. 81


Discussões A adolescência é uma idade de construção da subjetividade, ou seja, é a partir deste momento que o adolescente sofre mudanças, tanto no corpo físico, como no psicológico. Segundo Tiba (1986), a palavra adolescência vem do latim “adolescer” e significa crescer, engrossar, tornar-se maior, atingir a maioridade. Então, a adolescência é uma fase do indivíduo em que ocorrem mudanças biológicas produzidas pela puberdade e psicológicas, pela formação da identidade. O envolvimento do adolescente com o ato infracional se explica a partir da própria violência da organização social, pois é na miséria e nas condições mínimas de desenvolvimento pessoal que são gerados indivíduos com cabeça totalmente modificada em relação à imagem positiva de si mesmos e dos outros (D’AGOSTINI, 2010). As desigualdades sociais geradas pelo próprio modo de produção capitalista contribuem fortemente para o aumento da criminalidade. A partir disto, o Estado sempre buscou intervir junto aos adolescentes infratores na sociedade brasileira. Assim, observa-se que as formas de intervenção junto aos adolescentes autores de ato infracional nem sempre foram marcadas pela garantia de direitos. Antes de existir uma legislação relativamente avançada, havia determinadas legislações voltadas para os “menores”, podemos citar como exemplo os Códigos de Menores de 1927 e 1964, que procuravam tratar as crianças e os adolescentes não na perspectiva de sujeitos de direitos, mas de forma repressiva. A doutrina da situação irregular estabelecida nos Códigos de Menores tratava as crianças e os adolescentes como “doentes”, que necessitavam de tratamento e como “desajustados”, que precisavam ser reajustados à sociedade. Outra característica bem relevante é a denominação dada aos adolescentes que cometiam algum ato infracional no período de vigência de tais códigos. Os adolescentes eram chamados de “menores”. Segundo Pinheiro (2005), o conceito de menor refere-se a crianças e adolescente pobres, tentando enquadrar os seus integrantes em uma de suas subcategorias, como carente, abandonado ou infrator. No Brasil, observa-se constantemente que a repressão é utilizada para conter a criminalidade, embora esta forma de punição não esteja surtindo efeito. Os órgãos de polícia utilizam de técnicas repressivas, herdadas da ditadura militar, como a tortura e as execuções sumárias, para controlar e ordenar um público específico da população – os chamados miseráveis. Wacquant (2011) explica que o que foi vivido na ditadura militar influencia demais o funcionamento do Estado e as mentalidades coletivas, além de se ter a marginalidade, a violência permanece marcada pelo autoritarismo. “Isto faz com que o conjunto das classes sociais tendam a identificar a defesa dos direitos do homem com à tolerância à bandidagem.” (WACQUANT, 2011, p.12). Recentemente, em 18 de janeiro de 2012, a Presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei do SINASE, de nº 12.594, estabelecendo os regulamentos que as unidades de gerenciamento e execução das medidas socioeducativas deverão seguir no seu trabalho dali em diante. O citado documento vem enumerar direitos, estabelecer princípios e diretrizes da política de atendimento às crianças e aos adolescentes.(SINASE, 2006). Houve grande avanço em relação à aprovação de legislações pautadas na garantia de direitos para os adolescentes autores de ato infracional, principalmente com a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, recentemente, a aprovação do SINASE vem também estabelecer claramente os procedimentos que deverão ser realizados no cumprimento das medidas socioeducativas pelos adolescentes. Mas apesar disto, ainda há muito que caminhar em relação à efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes. A mídia traz constantemente reportagens sobre as superlotações dos centros de internação, a falta de recursos financeiros, os profissionais acompanhando mais adolescentes do que a legislação, o problema na efetivação das medidas socioeducativas e a morosidade da justiça.

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Considerações Finais Percebeu-se com a pesquisa, a importância desta medida de liberdade assistida comunitária para a vida dos adolescentes, no aspecto de que eles passam a ser acompanhados por uma equipe de profissionais que trabalham com o objetivo de garantir o acesso do adolescente às políticas sociais de educação, saúde e trabalho. O que chamou mais atenção foi o fato de nos atendimentos individuais dos adolescentes, a equipe provocar reflexões, fazendo com que eles venham tentar olhar os diversos motivos que levaram eles a cometerem o ato infracional. Embora os adolescentes não tenham expressado especificamente quais foram às mudanças trazidas com o acompanhamento realizado pela equipe, todos falaram com veemência que tinham um bom relacionamento com os profissionais e, que de alguma forma, tinha trazido mudanças positivas nas suas vidas.

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NOVA CONJUNTURA DEMOGRÁFICA: APOSENTADORIAS E PROGRAMAS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO FORMA DE PROMOÇÃO DA SOBREVIVÊNCIA DE IDOSOS

LIMA, Valdeniz Cruz de ; SOUZA, Lindete Felix de

RESUMO: Este artigo é fruto de um projeto desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco e discute o papel econômico do velho no âmbito familiar, em um contexto de expressiva transformação demográfica. Nesse sentido, procuramos analisar a extensão do papel econômico do idoso no grupo familiar por ele provido, enfocando os velhos que fazem recebimento do Beneficio de Prestação Continuada – BPC ou Aposentadoria. Buscando conceituar o termo velhice que na atualidade demonstra falta de unicidade. Partindo de pesquisas fundamentadas em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE, observamos à crescente e significativa participação do idoso no provimento de sua família. Palavras – chave: Velho; Grupo Familiar; Renda.

INTRODUÇÃO O Projeto de Pesquisa: Análise do impacto da renda do idoso da classe popular, proporcionada por aposentadorias e programas da Assistência Social, no âmbito de suas famílias, na cidade do Recife, originou o presente artigo e é parte integrante do Projeto, “Assistência Social Ética e Serviço Social” que vem sendo desenvolvido pelo Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Assistência Social – GEPAS, do Curso de Serviço Social, da Universidade Federal de Pernambuco. Tendo em vista que o grupo populacional da chamada ”terceira idade” constitui um dos segmentos priorizados pela Política de Assistência Social para o repasse de benefícios, Benefício de Prestação Continuada – BPC e o Beneficio de Aposentadoria por Idade, pago aos segurados da Previdência Social quando atingem a idade e o tempo de contribuição necessário. É significativa a recorrência a respeito do aumento crescente de casos nos quais os velhos, acima de 60 anos, pertencentes à classe popular e que recebem aposentadoria, ou algum tipo de benefício da Assistência Social usam essa renda em favor de seu grupo familiar. Essa pratica não é nova, e neste sentido é relevante para um estudo que indique o impacto e as alterações que esta renda promove dentro das famílias desses idosos. Além dos impactos e alterações provocados pela renda do idoso em suas famílias buscaremos conhecer, também, a hierarquia, e grau de prestígio que essas pessoas ganham no círculo familiar, ou seja, como os parentes filhos e netos reagem a essa pessoa que contribui para a realização dos seus projetos de vida. Pretendemos conhecer as mudanças que ocorrem no universo familiar tendo em vista que ao proporcionar o uso de sua renda o idoso também ganha poder e o status de provedor da sua família ou, contraditoriamente, passam a ser explorados pelos familiares, não usufruindo dos benefícios para seu próprio bem estar nessa faixa etária 84


que conseguiram alcançar.

METODOLOGIA Esta pesquisa se fundamenta nos Princípios da ontologia do ser social em Marx, no que diz respeito à atividade responsável pela reprodução do gênero humano e, enquanto perspectiva ética de emancipação do homem para outro tipo de sociabilidade que contemple a particularidade do ser na sua capacidade de ideação do que foi projetado e controle dos resultados do que foi executado, sob a forma de socialização da riqueza, do poder e do saber. Nesse contexto, utilizamos para viabilização deste estudo: · Revisão bibliográfica - estudo das principais legislações que fazem referência direta a problemática do idoso. · Análise de dados estatísticos - IBGE relativos ao censo de 2010 entre outros. · Pesquisa de campo – aplicação de questionário semi–estruturado, considerando: satisfação dos idosos para com o serviço prestado e condições estruturais/física desse suposto instrumento de promoção da cidadania.

DISCUSSÃO O envelhecimento populacional é expressão da queda das taxas de mortalidade e fecundidade e o consequente aumento do tempo de vida, ressoando nas mais variadas esferas da existência coletiva. Este fenômeno manifesta-se das mais variadas formas entre os países, tornando-se cada vez mais significativo, tendo em vista o balanceamento da sociedade. Nos chamados países desenvolvidos as alterações na pirâmide etária ocorreram de forma lenta, como é o caso da Inglaterra onde tal processo entrou em curso ainda durante a Revolução Industrial, no período áureo de seu desenvolvimento. “No início do século XX, um brasileiro vivia em média 33 anos, ao passo que hoje sua expectativa de vida ao nascer constitui 68 anos” (Veras, 2003). O censo realizado em 2010 fez ainda comparativos por região. A região Norte apresenta ainda uma população bastante jovem devido a altos níveis de fecundidade em períodos passados. Sudeste e Sul são as mais envelhecidas acompanhando a pirâmide etária do país. O nordeste tem características de população jovem. A região Centro-Oeste apresenta uma estrutura etária e uma evolução semelhantes às do conjunto da população do Brasil. Nessa conjuntura, a mudança demográfica trouxe um forte impacto sobre as demandas sociais, como as de educação e emprego, saúde, assistência social e previdência social. No contexto do envelhecimento demográfico, trazemos ao debate dois aspectos: as formas de manutenção da subsistência e o contexto familiar do qual faz parte o idoso provedor. A Renda Mensal Vitalícia- RMV regulamentada pela Lei nº 6.179/74 garantia um beneficio previdenciário ao idoso com 70 anos ou mais e a pessoa com deficiência que comprovasse definitiva incapacidade para o trabalho, não desempenhasse atividade remunera e não auferisse ganho superior a 60% do salário mínimo vigente. Os dois grupos abarcados pela RMV não poderiam ser sustentados por pessoas de quem dependessem, 85


bem como não poderiam ter outro modo de garantir sua subsistência. A Lei que dava resolução a RMV foi extinta em 01 de janeiro de 1996, quando entrou em vigor a concessão do Beneficio de Prestação Continuada, ou seja, continuou vigorando até a regulamentação do inciso V do art.203 da Constituição Federal. O BPC instituído na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social- LOAS, é um benefício da Política de Assistência Social que integra a Proteção Social Básica na esfera do Sistema Único de Assistência Social- SUAS. É devido a pessoas com deficiência e ao idoso com idade igual ou maior que 65 anos, comprovada a incapacidade de prover o próprio sustento e nem tê-lo provido por sua família, analisado-se o critério de renda per capta inferior a ¼ do salário mínimo vigente. Trata-se de um mínimo social que garante prestações mensais no valor de um salário, sendo individual e intransferível e sem a necessidade de previa contribuição a Previdência Social. A manutenção do BPC decorre da Seguridade Social e sua administração fica a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social- SNAS que coordena, regula e avalia o benefício. A transferência dos recursos ocorre através da gestão do MDS repassado ao Instituto de Seguridade social- INSS por meio do Fundo Nacional de Assistência Social- FNAS. Atualmente são 3,6 milhões (dados de março de 2012) beneficiários do BPC em todo o Brasil, sendo 1,9 milhões pessoas com deficiência e 1,7 idosos. (MDS, 2012.).

O beneficio é um mínimo social enquanto se constitui em um dispositivo de proteção social destinado a garantir, mediante prestações mensais, um valor básico de renda às pessoas que não possuem condições de obtê-las, de forma suficiente, por meio de suas atividades atuais ou anteriores. Todavia, a forma seletiva e residual de acessá-lo não parece corresponder ao dispositivo constitucional que afiança um salário mínimo ao idoso e a pessoa portadora de deficiência sem renda e a quem dela necessitar. Assim tornouse um mínimo operacionalmente tutelado, um quase direito, na medida em que seu acesso é submetido à forte seletividade de meios comprobatórios que vão além da manifesta necessidade do cidadão. (SPOSATI, 2004.). A Aposentadoria por Idade é um beneficio da Previdência Social de caráter contributivo devido aos trabalhadores urbanos e rurais quando atendidos critérios de idade e contribuições. Aos trabalhadores urbanos do sexo masculino é exigida idade mínima de 65 anos e um mínimo de 180 contribuições mensais e a segurada urbana idade de 60 anos e respeitada o tempo de contribuição. Aos segurados e seguradas que declaram atividade rural tem uma redução de cinco anos na idade mínima ficando: 60 anos homem e 55 mulheres. Aos trabalhadores rurais é exigido comprovar atividade rural por um prazo de 180 mínimo de meses. “O envelhecimento sofrerá determinações econômicas, sociais, culturais, étnicas, sexuais se diferenciado no tempo e no espaço, interditando tratamentos universalizastes e a-históricos” (TEIXEIRA, 2008, p. 81). Segundo Camarano e Mello (Revista Veja, 23/02/2005, p.8): Um dos programas de distribuição de renda é o das aposentadorias rurais, custeadas pela previdência social. Essas aposentadorias mudaram as relações sociais no campo. Hoje, a renda das famílias com aposentadorias é 44% maior que a daquelas que não tem um velhinho. A família é tida como um dos cenários mais importantes e hábeis no que diz respeito ao bem estar dos indivíduos, por esse motivo a Política Nacional de Assistência Social- PNAS baseia suas ações no fortalecimento das relações familiar e comunitário na busca por meios de desenvolvimento de potencialidades, 86


adaptando seus projetos, serviços e benefícios visando o acolhimento, convivência e socialização de famílias inteiras, na busca garantir a proteção social básica prevenindo a vulnerabilidade social. No Brasil, com o Exacerbado envelhecimento populacional, torna-se cada vez mais recorrente a presença do idoso no âmbito doméstico, as relações entre diferentes gerações esta cada vez mais atual nas famílias. Essa situação evidência o desenvolvimento de novos arranjos familiares, onde o velho torna-se responsável pelo provimento financeiro de filhos e netos. A nova condição intergerencial observada nas famílias de baixa renda aparenta não ter sua base fundante nos laços de afeto, mas na própria necessidade de sobrevivência dos mais jovens. Ainda que o Estatuto do Idoso no art. 3.º preconize que é dever entre outros da família assegurar direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito, esta ocorrendo uma inversão de comportamentos sociais. A figura do velho como alguém frágil, incapaz e improdutivo dá lugar ao idoso provedor da residência, que com um beneficio previdenciário ou assistencial assume a manutenção de filhos e netos. A direção do fluxo de apoio intergeracional parece ser mais expressiva vindo das gerações mais velhas para as mais novas ao longo de grande parte do ciclo da vida dos indivíduos. Em geral, os pais idosos começam a demandar ajuda dos filhos a partir dos 75 anos. Até então, são eles que atendem à demanda dos filhos. PASINATO, 2004 (Apud De Vaus E Qu, 1997). Famílias pobres ou que vivem próximos da linha de pobreza que convivem com seus velhos, dependem diretamente da renda destes, para obterem melhores de subsistência. Essa discussão abre espaço para o questionamento quanto à autonomia do velho quanto ao gasto do valor de seu benefício. O idoso já não gastará seu rendimento apenas consigo mesmo, na garantia de sua qualidade de vida, mas, um a série de outras obrigações familiares, tornando impossível a efetivação do art. 20 do Estatuto do Idoso: ”O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade”. O peso da renda do idoso é expressivo no orçamento familiar, onde se destaca a importância do beneficio social. Nesse caso considera-se que há uma inversão da tradicional relação de dependência e uma associação entre arranjos familiares e condições de vida, em que a política previdenciária tem desempenhado um papel. (CAMARANO, 2004).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da segregação imposta, pela sociedade ao idoso, esse grupo populacional com suas aposentadorias e benefícios da Assistência Social despontam, muitas vezes, como maior estabilidade financeira que os jovens, decorrendo daí uma redistribuição intergeracional da renda. O entendimento da dependência econômica da família em relação ao idoso exige a compreensão da representação social do velho no contexto da sociedade capitalista brasileira. Entendendo que no modo de produção capitalista os indivíduos são valorizados a partir de sua capacidade produtiva, assim o idoso como vitima do estereótipo da incapacidade apresenta-se como dispensável perante a sociedade e seu grupo familiar. É necessário ressaltar que a família não é a única instituição deman87


datária de ações promotoras da dignidade do velho. Como preconiza o Estatuto do Idoso, o Poder Público deverá promover o bem estar do idoso através de políticas de proteção e acesso a cidadania. Diante da impossibilidade financeira de diversas famílias de dar garantias de vida aos seus idosos, a Assistência Social desenvolve papel fundamental, por meio do BPC, que garante aos excluídos, os mínimos sociais. O entrave quanto à renda mínima promove a formação de um contingente de indivíduos que ainda que se enquadrem na categoria de pobres não são contemplado com o BPC, tornando-o extremamente seletivo e residual, mas que ainda sim garante a proteção social básica e, por conseguinte, a sobrevivência de inúmeras famílias da classe popular. Com este trabalho buscamos desenvolver um estudo mais do impacto da renda do idoso no sustento de sua família, qual a representatividade deste no âmbito familiar e perante a sociedade. Portanto esperamos com a finalização deste trabalho, promover a discussão sobre a renda como mecanismo de aceitação do idoso no leito de sua família, considerando ser o estudo demográfico indispensável na produção das políticas sociais.

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MINAYO, M.C. de S. “A vida e a saúde do idoso na sociedade global e pós-industrial”. Ministério da Previdência Social. Aposentadoria por idade, 2012. Disponível em: < http:// http://www.previdencia.gov.br>. Acesso em: 28/06/2012. NERI, A. L. Palavras-chave em gerontologia. Campinas: Alínea, 2001. PAIVA (2004 apud ORGANIZACION MUNDIAL DE LA SALUD, 1984) Grupo Cientifico sobre la epidemiologia del envejecimento. Ginebra. 1984. Aplicaciones de la epidemiologia al estúdio de lós ancianos. Ginebra, 1984. (Série de Informes Técnicos, 706). PNI – Política Nacional do Idoso – Brasília – DF, 2003. SILVA, J.C. Da Velhice e assistência social no Brasil. A Terceira Idade, v.17, n.54- 64, 2006. SPOSATI, Aldaiza. Beneficio de prestação continuada como mínimo social. In: _____________________ (Org). Proteção de cidadania. inclusão de idosos e pessoas com deficiência no Brasil, França e Portugal. São Paulo. 2004. P. 125-178. TEIXEIRA, S. M. Envelhecimento e trabalho no tempo do capital: implicações para a proteção social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2008. UVO, R. T.; ZANATTA, M. de L. A.L. “O Ministério Público na defesa dos direitos do idoso”. A Terceira Idade, v.16, n.33, 2005. VERAS, R. A novidade da agenda social contemporânea: a inclusão do cidadão de mais idade. A Terceira idade, v.14, n.28, p.6-29, 2003.

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DIREITOS HUMANOS E QUALIDADE DE VIDA NA TERCEIRA: UM DESAFIO AS POLÍTICAS DE PROTEÇÃO AO IDOSO (A) E A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

FERRARI, Vanessa Martins ; VIANA, Elayne Dias da Silva

RESUMO: Viver cada vez mais e com qualidade é o que deseja a maioria das pessoas e em particular aqueles que atingiram a terceira idade. Na perspectiva de discursar sobre o envelhecimento humano e as dificuldades que permeiam a aplicabilidade das legislações que fazem menção a proteção do idoso ,assim como, a Política Nacional de Assistência Social este trabalho busca levantar aspectos como: a rápida transição demográfica do Brasil, a negação do envelhecimento por parte da sociedade capitalista e os direitos humanos, nesse contexto, como forma de promoção de respeito à dignidade humana.

Palavras-chave: Idoso; Demografia; Qualidade de vida; Terceira idade

INTRODUÇÃO Mesmo vivendo dias de grande potencial tecnológico, viver cada vez mais e com qualidade é o que deseja a maioria das pessoas e em particular aqueles que atingiram a terceira idade. O perfil demográfico do Brasil tem se alterado no último século, é possível observar uma população cada vez mais envelhecida. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE afirmam que o topo da pirâmide etária pode ser observado pelo crescimento da participação relativa da população com 65 anos ou mais, que era de 4,8% em 1991, passando a 5,9% em 2000 e chegando a 7,4% em 2010. De acordo com dados do censo realizado pelo IBGE em 2010 realizado em todo território nacional, que fez comparativos desta situação entre as cinco regiões brasileiras. E comprovou que a pirâmide etária do país tem sofrido alterações nos últimos anos. Nessa perspectiva, ressaltamos a importância dos direitos humanos na promoção da dignidade e fortalecimento do envelhecimento como forma de construção de uma sociedade mais justa e efetivamente melhor para todos os cidadãos que dela fazem parte.

METODOLOGIA

O processo de construção desta pesquisa fundamentou-se em informações qualitativas e quantitati90


vas. Nessa perspectiva, desenvolveu-se a análise e sistematização da bibliografia relativa ao envelhecimento humano, utilizando-se diversas fontes de informações tais como: livros, artigos científicos, dados estatísticos fornecidos pelo IBGE, legislações vigentes no Estado brasileiro entre outros documentos relevantes. Após o cuidadoso estudo crítico da bibliografia principiou-se o processo de aproximações sucessivas ao real por meio da coleta de informações realizada durante os encontros do Grupo Força de Viver, no espaço do Centro de Referência da Assistência Social- CRAS do bairro Alto Santa Terezinha. O instrumento utilizado para viabilização do presente estudo foi um questionário semi-estruturado com perguntas que baseavam-se em indicadores como: saúde, lazer e educação. As entrevistas foram realizadas durante reuniões do Grupo Força de Viver. O questionário utilizado nas entrevistas possui 22 questões, 19 são objetivas e 3 são abertas para discussão. O Grupo pesquisado conta com cadastro de 93 idosos, com frequência media (aritmética) por reunião de 55 (baseado em dados fornecidos pela diretoria). Do total de idosos a pesquisa foi aplicada com cerca de 24% dos cadastrados e mais ou menos 41% da media de frequentadores. O tempo para desenvolvimento do estudo foi de dose meses e contemplou as normas éticas exigidas, baseando-se pelas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos- Resolução 196/96.

DISCUSSÕES O envelhecimento populacional é expressão da queda das taxas de mortalidade e fecundidade e o consequente aumento do tempo de vida, nas mais variadas esferas da existência coletiva. Este fenômeno manifesta-se das mais diversas formas entre os países, em geral, tornando-se cada vez mais significativo, tendo em vista o impacto do crescimento das pessoas idosas na sociedade. Nos chamados países desenvolvidos as alterações na pirâmide etária ocorreram de forma lenta, como é o caso da Inglaterra onde tal processo entrou em curso ainda durante a Revolução Industrial, no período áureo de seu desenvolvimento, possibilitando assim atender as novas demandas da população. Seguindo a dinâmica de envelhecimento mundial, no Brasil, assistiu-se no final do século XX a uma verdadeira ampliação do número de idosos. A população do Brasil alcançou a marca de 190.755.799, destes 7,4% tem idade de 65 anos ou mais. (Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2010). A classificação do IBGE separa os velhos em quatro faixas etárias: de 65 anos a 69, de 70 a 74, de 75 a 79 e acima de 80. Desse conjunto, o mais expressivo é a da primeira faixa, com 4.840.810 pessoas com idade entre 65 e 69. Ainda segundo estimativas do IBGE, no ano de 2025, o Brasil computará 32 milhões de pessoas acima dos 60 anos, cerca de 15% da população do país. O Brasil é um país que envelhece a passos largos. “No início do século XX, um brasileiro vivia em média 33 anos, ao passo que hoje sua expectativa de vida ao nascer constitui 68 anos” (Veras, 2003). Nesse momento tão peculiar vivido pelo Brasil, a nova conjuntura demográfica mundial traz à tona a discussão sobre que é ser idoso. O Envelhecimento é um processo natural da vida, parte do ciclo de existência humana, que causa as mais diversas alterações, tanto físicas quanto psíquicas, expressando mudanças na forma de agir e interagir com o meio social.

Como resultado de um processo de construção sócio-histórica, a conceituação da velhice apresenta-se 91


de forma não estática. Essa busca para dar significado ao termo atravessa diversas épocas, desde a Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média, até os dias atuais. A percepção da condição de velhice é sempre mediada em relação aos demais indivíduos que compõem a sociedade, logo ocorre contexto sociocultural.

Sobre a velhice, Beauvoir (1990) escreve:

Ela é um fenômeno biológico: o organismo do homem idoso apresenta certas singularidades. A velhice acarreta, ainda, conseqüências psicológicas: certos comportamentos são considerados, com razão, como característicos da idade avançada. Como todas as situações humanas, ela tem uma dimensão existencial: modifica a relação do indivíduo com o tempo e, portanto, sua relação com o mundo e com sua própria história. (p. 15)

Em uma sociedade capitalista a visão sobre o idoso ocorre de forma estereotipada, que retrata o envelhecer como algo nebuloso. Vivenciamos no cotidiano a valorização da juventude como forma de beleza imposta pelos meios de comunicação de massa. O trato para com o envelhecimento decorre das relações de poder e da própria organização social; fica claro então, que se trata de uma categoria que abrange circunstâncias sócio-políticas, históricas, econômicas e culturais. A Organização das Nações Unidas – ONU avalia o período de 1975 a 2025 a Era do Envelhecimento e em acordo com a Organização Mundial da Saúde - OMS define a pessoa idosa como aquela de 60 anos de idade ou mais, para os países em desenvolvimento e de 65 anos ou mais, para os países desenvolvidos. O derradeiro impasse sobre o conceito de velhice exibe a presença de múltiplos termos para significar essa etapa da vivência humana: cronológico, biológico e social. O conceito cronológico é o tempo de existência física do individuo, que está em consonância como as definições da ONU. São três as categorias: pré-idosos (entre 55 e 64 anos), os idosos jovens (entre 65 e 79 anos ou 60 e 69 anos, para quem vive na Ásia e na região do Pacífico) e idosos avançados (com mais de 70 ou 80 anos). O conceito biológico não está fundamentalmente pautado na idade cronológica, ou seja, um organismo envelhece pelo consumido físico que o tempo causa daí a possibilidade de um individuo ter varias idades. A velhice em significado social baseia-se em preceitos e perspectivas sociais que categorizam as pessoas de acordo com sua atuação em determinado papéis sociais. Idade Social: ”Diz respeito à avaliação do grau de adequação de um indivíduo ao desempenho de papéis e dos comportamentos esperados para as pessoas de sua idade, num dado momento da história de cada sociedade”. (NERI, 2001, p. 67). Nesse contexto de mudanças, no Brasil diversas políticas vêm sendo desenvolvidas, no sentido, de proteger e garantir à população idosa uma melhor qualidade de vida. A Constituição Federal de 1988 versa sobre alguns Princípios e Direitos assegurados aos idosos, a tutelação dessas garantias dada ao Estado formaliza sua obrigatoriedade, fundamentada no artigo 203 da Constituição em prover proteção à velhice, à sua sobrevivência e sua integração à vida comunitária.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) proclama-se que: 92


Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e sua família, saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caos de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (Artigo 25º) Considerando a rápida transição demográfica, o Estado brasileiro em busca de criar mecanismos de proteção aos cidadãos em processo de envelhecimento apresenta aos brasileiros no ano de 1994 a Política Nacional do Idoso- PNI- Lei nº 8.842, que abrange desde as garantias dos mínimos sociais de sobrevivência da pessoa idosa, até direitos como cultura, lazer, esporte, transporte, emprego e previdência, estabelecendo um conjunto de regras para um atendimento coerente e digno aos idosos. Outro evento relevante ocorreu em 2002, o Decreto 4.227 que cria o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso- CNDI. Foi instituído com intenção de supervisionar e avaliar a Política Nacional do Idoso, incitar e dar suporte técnico a criação de conselhos de idosos e velar pela prática dos aparelhos legais internacionais e nacionais. Já no ano de 2003 foi instituído na Câmara Federal o Estatuto do Idoso- Lei de nº10. 741, elaborado em conjunto com intuições que defendem os direitos das pessoas idosas, chamou a atenção da sociedade e do Estado para as necessidades de um grupo de pessoas que tem idade igual ou superior a de 60 (sessenta) anos. Trazendo em suas páginas disposições desde direitos básicos até estabelecimento de punições para os crimes cometidos contra os idosos. A Constituição Brasileira de 1988 confere a Assistência social o caráter de Política de Seguridade Social, não contributiva e que objetiva a proteção social. A perspectiva de que a Política de Assistência Social proporciona amparo a todos que dela necessitam, requer o conhecimento de seus possíveis usuários. Em sua análise situacional alguns motes recebem reconhecimento, como forma de promover uma Política que tenha maior conexão com a realidade social coletiva. A produção da Política Nacional de Assistência Social – PNAS considera o trinômio da proteção social: as pessoas, as circunstancias e a família. Para que esta Política Pública atinja seu objetivo é necessário considerar o cotidiano dos indivíduos, pois é nele que se apresentam os riscos e vulnerabilidades. A PNAS dispensa precaução em relacionar as pessoas ao território, na perspectiva socioterritorial, considerando também os chamados “invisíveis”. Nessa perspectiva, a PNAS foi formulada considerando dados fornecidos pelo Censo Demográfico de 2000 e da Síntese de Indicadores Sociais-2003, elaborado a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD de 2002, do IBGE.

Tendo a Política de Assistência Social assumido a centralidade sociofamiliar no âmbito de suas ações, cabe reconhecer a dinâmica demográfica e socioeconômica associadas aos processos de exclusão/ inclusão social, vulnerabilidade aos riscos pessoais e sociais em curso no Brasil em diferentes territórios. (PNAS, 2004, p. 16) 93


A preocupação com o envelhecimento populacional está presente na política social brasileira, é possível citar as primeiras páginas da análise situacional constantes na Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Esta política foi instituída em novembro de 2004 é possível perceber as considerações sobre os aspectos demográficos brasileiros. Confirma assim, que a dinâmica populacional do país é um forte indicador para produção das políticas de assistência social, assim como faz considerações diretas acerca de que com o aumento da população idosa virão também impactos e transformações nas políticas publicas, assim como, no tripé da seguridade social. “Nos Estados democráticos modernos, o conceito de política pública tem intima ligação com o de cidadania, pensada como o conjunto das liberdades individuais expressas pelos direitos civis” (Neri, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS O envelhecimento humano faz parte da realidade vivenciada no Brasil expressando como verdadeiro salto na qualidade de vida dos brasileiros. Esse novo fato requer uma novo reordenamento das políticas publicas e sociais, assim como, uma melhor interlocução nas relações entre Estado e sociedade. Mesmo considerando diversos avanços na proteção dos direitos do idoso ainda são recorrentes os relatos de violações de direitos, com ênfase na violência e descriminação. A valorização da pessoa idosa torna-se mais do que nunca necessário, sua participação no convívio familiar e comunitário se faz eficaz na desmistificação de que o velho é desprovido da capacidade de produzir algo efetivamente útil. “o envelhecimento resguarda o potencial de desenvolvimento, dentro dos limites da plasticidade individual”, o que equivale dizer que muitos idosos mantêm sua capacidade intelectual, podendo, inclusive, adquirir novos conhecimentos. (Neri, 2003, p.39). Nesse sentido é que defendemos que o debate sobre envelhecimento não se configure apenas na esfera demográfica, mas transfigura-se como uma questão social e política. A defesa dos direitos dos idosos é nada mais que a proteção a dignidade humana, humano que encontra-se em uma das varia etapas vividas por todos os seres humanos. Assim, como respaldo legal de proteção configura-se a Lei n.º 10.741, de 1.º de outubro de 2003, mas é necessário buscar a efetivação material das leis que tem o idoso como objetivo de proteção, para que desta forma a sociedade brasileira apresente-se como digna e respeitosa para com os Anciãos que dela fazem parte. É necessário dar atenção especial a esse novo momento demográfico brasileiro, formular Políticas Sociais em consonância com a situação nacional, de forma inclusiva que promova a cidadania, a liberdade individual e a autonomia de seus usuários. Assim como alude Gusmão:

Maturidade e a velhice, desde sempre, constituem desafios a todas as sociedades humanas, sobretudo no mundo moderno, cuja dimensão social encontra-se centrada na juventude, como mito e valor que orientam a 94


percepção de mundo e a compreensão possível da vida (2001 p. 113).

O campo dos direitos humanos demonstra possuir espaço considerável para construção da igualdade coletiva. Nessa perspectiva, busca assegurar a todo ser humano dignidade e respeito perante a sociedade da qual faz parte, desta forma, configura-se como terreno fértil para o debate sobre a nova configuração demográfica do Brasil e do mundo.

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IDOSOS QUE SE REÚNEM NA PRAÇA DO FERREIRA: PERCEPÇÕES ACERCA DA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA MILITAR

BEZERRA, Anielly Maria Aquino²; FABRÍCIO, Suziane Cosmo

RESUMO

O trabalho objetiva-se na apresentação do projeto de pesquisa “Idosos que se Reúnem na Praça do Ferreira: percepções acerca da abertura dos arquivos da ditadura militar”. As percepções apresentadas levam em consideração as opiniões dos idosos que se reúnem na Praça do Ferreira (Fortaleza/Ce) a respeito da abertura dos arquivos do regime militar no Brasil (1964-1985) e a temas adjacentes, tais como Direitos Humanos e política nacional. A temática discutida representa uma contribuição a conscientização aos Direitos Humanos e ao Direito à Memória e à Verdade. Além de acrescentar conhecimento a categoria “Velhice”, a partir das próprias percepções deste grupo. Assim, as posteriores publicações deste estudo a sociedade reforçam o direito à justiça social e a valorização da pessoa idosa.

PALAVRAS-CHAVE: Ditadura militar. Direitos Humanos. Velhice. Praça do Ferreira.

INTRODUÇÃO

O processo pelo qual o pesquisador investiga seu objeto demanda tempo, embasamento teórico e, sobretudo, um olhar que transponha o senso comum. Há de se ter a ousadia de descobrir o inesperado. Assim, o referido projeto de pesquisa representa a iniciação a longa caminhada acadêmica e a um posterior desenvolvimento. Este estudo projeta um olhar sobre o passado ao retomar o período da ditadura militar instaurada no Brasil no ano de 1964 e encerrada em 1985, além de aliar-se a atual discussão acerca da abertura dos arquivos da época. As percepções analisadas revelam as diferentes opiniões dos idosos que se reúnem na Praça do Ferreira (Fortaleza/Ce), contemplando os seguintes eixos temáticos: Direitos Humanos, ditadura militar no brasil, bem como política naciona A permissividade de uma atuação enquanto pesquisador Vinte e sete anos se passaram após o término do regime militar no Brasil, dentre estes anos é possível visualizar contradições e avanços relacionados à maneira em que o Estado encara este período, o qual foi mar97


cado por graves violações de direitos humanos. A experiência de afirmação dos direitos humanos referente ao período - em termos de Estado - é recente, haja vista que “o Estado brasileiro apenas começou a se redimir de sua atitude omissiva a partir de 1995, com a Lei nº 9.140, e com os esforços para estabelecimento de consensos com a sociedade civil, que precederam sua edição” (SANTOS JUNIOR, 2009, p. 16). Dessa maneira, é proposta a criação da Comissão da Verdade – sancionada em novembro de 2011, cuja função é averiguar e esclarecer as violações de direitos humanos compreendidas entre os anos de 1946 a 1988, o qual inclui o período da ditadura militar. A atual Comissão, aprovada juntamente à Lei de Acesso à Informação, dispõe de autonomia e de um período de dois anos para investigar as violações ocorridas no mencionado período. . Além dessas questões que se referem à política, outro fato que vem se destacando é o envelhecimento da população brasileira – comprovado pelo Censo 2010 (realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A partir desta percepção, despertou-se nosso interesse a respeito das temáticas “Direitos Humanos e Velhice”, cujas fontes consultadas nos ofereceram um subsídio teórico para a elaboração deste projeto. Ao direcionarmos nossa pesquisa ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza, mais especificamente a Praça do Ferreira, declarada Marco Histórico e Patrimonial de Fortaleza pela Lei Municipal 8605 de 2011, contemplamos a opinião pública dos idosos que ali se reúnem e os valorizamos enquanto sujeitos históricos. e ser social ocasionou um relato empírico neste projeto, “[...] uma vez que, como já foi indicado, este só pode ser definido ao longo de um processo de construção do conhecimento, mediante sucessivas aproximações com a realidade empírica e com a construção de elaborações teóricas sobre o fenômeno pesquisado” (GONDIM, 1999, p.30). Por fim, o objetivo deste projeto é analisar as percepções dos idosos que se reúnem na Praça do Ferreira a respeito da abertura dos arquivos da ditadura militar, que embora esse seja um período “encerrado” na história do País, trata-se de fatos ocorridos e ainda não “superados”, a nível de Estado e de sociedade civil.

METODOLOGIA A pesquisa consiste na classificação da pesquisa de campo com objetivos exploratórios, qualitativa, assim, busca “compreender os indivíduos em seus próprios termos” (GOLDENBERG, 2003, p. 53). Além de natureza aplicada e procedimentos técnicos utilizados para levantamento. Este projeto tem uma abordagem direta e foi feito com a utilização de métodos como: documentação, no qual se utilizou um levantamento de documentos - extraídos de livros, artigos de revistas, jornais, fotos, vídeos e monumentos históricos. Houve elaboração de um questionário que compreendeu os as seguintes temáticas: Direitos Humanos, velhice, ditadura militar e política atual no Brasil. As entrevistas foram não diretivas com colaboração da história de vida dos entrevistados. A pesquisa é exploratória, assim, promove o levantamento das experiências práticas dos entrevistados e estimula a compreensão do pesquisador. É de natureza aplicada, devido a seu objetivo - gerar um maior conhecimento acerca do tema. Em termos do levantamento utilizado, a pesquisa objetiva interrogar os idosos que se reúnem da Praça do Ferreira com o intuito de que se conheça suas percepções a respeito da abertura dos arquivos da 98


ditadura militar no Brasil. A pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa, porquanto os entrevistados possuem uma relação dinâmica entre “mundo e sujeito”, que não pode ser traduzida em números. Dessa forma, este sujeito agora contribui para construção de uma opinião histórica e pública embasada em fatos que não deixam de ser quantificáveis, mas também vivenciados por eles. . Na pesquisa foram entrevistadas quatorze pessoas, dentre elas todas idosas, com idades entre sessenta e oitenta anos e que no momento encontravam-se aposentadas ou ainda em exercício da profissão. Além da contribuição de pessoas que vivenciaram o regime militar no Brasil e são conhecedoras das categorias trabalhadas. Para o registro do material pesquisado, foi utilizada uma câmera a qual serviu de instrumento para a retirada de fotos, gravações de áudios e vídeos. Todo material colhido foi selecionado, editado e exposto na apresentação do projeto de pesquisa. Foram colhidas as respostas ao que foi questionado com o intuito de atribuir significado as diversas percepções dos a respeito da abertura dos arquivos da ditadura militar no Brasil, além de expor suas opiniões particulares no que diz respeito as temáticas desenvolvidas. No que tange ao acesso, em termos de objeto pesquisado, o espaço publico – Praça do Ferreira – escolhido para pesquisa de campo possibilitou o contato com sujeitos de diversos posicionamentos políticos e diversas percepções sobre Direitos Humanos. Ademais, notou-se uma evidente resistência dos entrevistados a temática ditadura miliar no Brasil, especificamente sobre a abertura dos arquivos da época. Finalmente, as entrevistas foram realizadas em lugares distintos. No princípio aconteceu no local escolhido para a pesquisa, a Praça do Ferreira – onde a maioria das entrevistas foram feitas. Logo depois foi realizada em um jornal local chamado Jornal do Comércio do Ceará, onde entrevistamos o jornalista Matos – sindicalista durante o período do regime militar. E, por fim, na Associação 64/68 - entidade de defesa dos ex-perseguidos políticos cearenses e dos direitos humanos, onde entrevistamos Mário Albuquerque e Célio Albuquerque, que além de vastos conhecedores, vivenciaram ativamente o período ditatorial (1964-1985) no Brasil.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA De acordo com o Censo 2010 (realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a população brasileira está envelhecendo de modo expressivo e a população de idosos no Brasil apresenta um crescimento mais acelerado do que a população infanto-juvenil. Isso está ocorrendo devido a vários fatores, citam-se os avanços medicinais, a queda da taxa de natalidade, a queda da taxa de mortalidade e o planejamento familiar. . Em contrapartida, grande parte da população mundial ainda vive em situação de miséria. Assim, a fim de garantir o direito de todos os indivíduos ao acesso a educação, saúde, moradia, alimentação, segurança, participação política e, sobretudo, o direito à dignidade, à liberdade e ao respeito foi criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. . A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela resolução 217 Assem99


bléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948). O artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade’’. Assim, a efetivação dos direitos humanos são imprescindíveis a vida social, afim de que os homens tenham seus direitos assegurados pelo Estado de Direito. É válido salientar que esses direitos são para todos, sem distinção de raça, cor, religião, língua, sexo, opinião pública entre outros critérios. No Brasil, a promulgação da Constituição de 1988 representa um marco legítimo e oficial ao fim do regime militar e a inicial atenção dada aos direitos humanos. A Consitutição consolida o “direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIl, 1988). Durante a Conferência de Viena (1993) o governo brasileiro comprometeu-se a implementar uma política pública de Direitos Humanos, concretizada em 1996 com o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-1), feita em parceria entre o Estado e a Sociedade. A partir da discussão sobre esse programa inicial aconteceram mudanças para incluir direitos civis, políticos e socias, incorporadas no segundo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-2, 2002) e no terceiro (PNDH-3, 2009). A implementação desses programas revelou um avanço democrático na efetivação da política em direitos humanos no País. Em 2008 a comemoração do 60° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos motivou o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a organizar um grande mutirão em prol dos Direitos Humanos. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/ PR) desenvolveu uma Campanha, cujo tema “Iguais na Diferença” expresseva um de seus objetivos. No que tange ao envelhecimento populacional no Brasil, faz-se necessário a fiel garantia das diretrizes propostas pela Política Nacional do Idoso (Lei n° 8.842, de 1994),

[...] ressalta-se a necessidade de se rever: [...] o período adotado até hoje para definir a inserção das pessoas nas atividades produtivas; os limites de idade para aposentadoria; a organização dos serviços de saúde para que passe a contemplar em seu planejamento e práticas, as necessidades específicas deste grupo; a formação de pessoas para lidar com as necessidades próprias desta população;[...] mudanças culturais relativas à visão do envelhecimento e a inclusão dos idosos como atores socias. (MINAYO, 2005, p. 8).

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741) – sancionado em 2003, durante o Governo Lula – surge com o intuito de assegurar o direito do idoso (pessoa com 60 anos de idade ou mais) e promover a prática das políticas públicas a esta parcela da população. A regulamentação da Lei 10.741 (Estatuto do Idoso) é um instrumento jurídico que necessita ser cumprido e divulgado não somente a população idosa, mas a toda sociedade, a fim de garatir o respeito e a dignidade da pessoa idosa. 100


A atuação das instituições familiares e sociais exercem uma fundamental importância para que o idoso disponha de uma melhor qualidade de vida, já que este processo é marcado por conflitos referente ao seu novo “papel social”. Segundo o Artigo 3° do Estatuto do Idoso:

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Ainda no aspecto psicossocial, é necessário ressaltar que o desenvolvimento das relações interpessoais estimula a vivência do idoso num contexto social, como foi demonstrado pelo grupo entrevistado na Praça do Ferreira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A respeito do processo de transição democrática no Brasil é válido destacar a relevância das mobilizações da sociedade civil, bem como as recentes publicações do Poder Público na tentativa de reparação das violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar. As percepções coletadas neste trabalho possibilitaram a compreensão de como os idosos que se reúnem na Praça acompanharam a história, não através de uma análise de juízo de valor, mas destacando a subjetividade e a potencilaidade de cada ser. Faz-se necessário a afirmação do Direito à Memória e à Verdade não somente as gerações vindouras, mas também as gerações que vivenciaram o período ditatorial, de modo a valorizar a justiça social e consolidar os instrumentos legais a favor de uma política de transparência.

REFERÊNCIAS BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm >. Acesso em: 20 maio 2012.

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EIXO IV – GÊNERO, VIOLÊNCIAS E DIREITOS DAS MULHERES – SESSÕES 1 E 2 COORDENAÇÃO: SOCORRO CAMELO MACIEL

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A EDUCAÇÃO JURÍDICA POPULAR COMO INSTRUMENTO PARA O ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXISTA: A EXPERIÊNCIA DE UM CENTRO DE REFERÊNCIA

BRINGEL, Ana Carolina Guilherme

RESUMO O presente trabalho pretende apresentar a Educação Jurídica Popular como estratégia de enfrentamento à violência sexista, sobretudo quando esse instrumento é utilizado por um serviço especializado nessa temática. Apontamos a experiência do Centro de Referência e Atendimento às Mulheres em Situação de Violência Francisca Clotilde, órgão vinculado à Prefeitura Municipal de Fortaleza – Ceará, ao adotar princípios dessa prática. Sugerimos ainda que seu aprimoramento pode trazer resultados favoráveis ao equilíbrio das relações de gênero.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Jurídica Popular; relações de gênero; violência doméstica.

INTRODUÇÃO A assessoria jurídica popular – AJP - é um movimento jurídico recente que pode ser observado nas universidades e seus projetos de extensão, como também em movimentos populares ou organizações não governamentais envolvidos com a temática dos direitos humanos. Ela concebe o Direito como instrumento de transformação social e emancipação humana, não se restringindo à submissão de conflitos ao Poder Judiciário. Através da assessoria jurídica propriamente dita e da educação popular, a AJP objetiva a formação de uma nova cultura jurídico-social na qual, por meio da luta em defesa e promoção dos direitos humanos, se alcance soluções realmente eficazes para os conflitos sociais que emergem, contando com a participação ativa dos sujeitos de direito envolvidos. Alguns pressupostos da AJP são apontados por Cristianny Diógenes e Ana Maria D’Avila (2007,p.3): a) compreensão do direito como um instrumento de transformação social; b) uma noção ampla de acesso à justiça, encarando-a não apenas como o acesso ao Judiciário, mas abrangendo todos os meios legítimos para se alcançar a Justiça; c) um pluralismo jurídico comunitário-participativo, como projeto emancipatório dos novos sujeitos coletivos de direito, baseado nos valores de legitimidade, democracia, descentralização, participação, Justiça, satisfação das necessidades, entre outros; e, d) a educação jurídica popular em direitos humanos, como abordagem pedagógica para um processo libertador 104


de conscientização. O conhecimento de tais pressupostos se faz necessário para que possamos identificá-los e/ou aplicá-los no trabalho desenvolvido com mulheres em situação de violência doméstica e familiar, especialmente no que tange à educação popular que é objeto do nosso trabalho. Partindo de uma perspectiva de ter o Direito um caráter emancipatório e libertador e de que somente a partir da conscientização teremos agentes de uma transformação social, a AJP desenvolve projetos de educação em direitos humanos com o intuito de criar possibilidades para que os setores excluídos da sociedade participem da construção dessa nova cultura jurídico-social, assim como de sua própria história. Como a EJP pretende desmistificar o saber jurídico, proporcionando uma maior aproximação entre o Direito e o povo, as metodologias empregadas são de grande valor, merecendo destaque a linguagem a ser utilizada. O emprego de técnicas que usam a linguagem corporal, dinâmicas de grupo e teatro, também permite uma maior interação entre todos. Isso tudo se dá sem abandonar o diálogo crítico com segmentos excluídos, partindo de problemas do seu cotidiano e evoluindo para a construção de uma nova realidade. É através de uma discussão crítica que os segmentos oprimidos podem criar alternativas para a efetiva aplicação do Direito. Com base nesses pilares, a AJP utiliza a Educação Popular em direitos humanos como instrumento de fortalecimento dos segmentos oprimidos da sociedade. Essa educação é que leva os grupos a conhecerem seus direitos e lutarem pela sua efetivação, bem como leva a conhecer os limites de ação do Judiciário para que dele se apropriem. Conciliando a questão dos direitos humanos das mulheres, da discriminação de gênero, com foco num problema cotidiano como a violência doméstica, não há porque não considerar uma proposta de EJP voltada para esses pontos. Por essa razão, o presente trabalho pretende apresentar não só a necessidade, mas como se dá o implemento de ações preventivas no combate à violência sexista, nos moldes da educação jurídica popular. Compreendendo ainda que os resultados desse processo podem ser potencializados se adotados tados por centros especializados. Os Centros de Referência são equipamentos fundamentais para a efetivação do programa de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que visam exatamente promover a ruptura da situação de violência e reconstrução da cidadania. Eles consistem em uma estrutura que, por meio de uma abordagem interdisciplinar, oferecem atendimento psicológico, social e jurídico à mulher em situação de violência e desenvolve atividades educativas de prevenção. Além da orientação e informação, devem exercer o papel de articuladores dos serviços organismos governamentais e não governamentais que integram a rede de atendimento às mulheres. Como a educação popular de Paulo Freire se fundamenta na construção conjunta de uma consciencia critica, do diálogo que permite uma troca de saberes em busca de possibilidades de superação. Ela pode ser observada nas a’coes educativas implementadas pelos centros de referencia que se utilizam da experiência adquirida durante o processo de escuta e acompanhamento dos casos atendidos.

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METODOLOGIA O trabalho em comento surgiu de uma necessidade apresentada durante os atendimentos realizados no Centro de Referencia Francisca Clotilde, bem como em atividades educativas realizadas nas comunidades de Fortaleza. A partir de um breve estudo observacional retrospectivo do mapa de atendimento da instituição , percebemos os atendimentos jurídicos representam aproximadamente 50% do total realizado no equipamento. A partir de uma análise qualitativa, observamos que muitas demandas jurídicas esbarravam na falta de conhecimentos básicos acerca dos instrumentos legais necessários, mas sobretudo por um sentimento de distanciamento do Poder Judiciário. O mesmo foi percebido nas atividades educativas, nas quais por vezes esse sentimento foi verbalizado pelas participantes, integrantes das comunidades. Identificamos também uma mudança de postura das mulheres, após a intervenção educativa, que passaram a se sentir mais aptas, não apenas a buscar soluções jurídicas para seus problemas, mas também a romper a situação de violência vivenciada. A partir disso, acreditamos que um trabalho preventivo de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher pautado numa educação jurídica popular com enfoque na questão de gênero pode trazer resultados positivos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A análise acerca da necessidade de uma intervenção jurídica mais contundente, que fosse além do caráter meramente informativo sobre o Direito posto veio, a priori, da observação realizada nos atendimentos jurídicos das usuárias do Centro de Referência Francisca Clotilde, bem como atividades educativas executadas por essa instituição nas comunidades de Fortaleza, como já exposto. Isso veio a ser reforçado pelos dados divulgados pela pesquisaAvon e dentre eles um merece destaque. Em 2011, 94% dos entrevistados afirmaram conhecer a Lei Maria da Penha, mas apenas 13% a conhecem muito bem. A pesquisa aponta ainda um significativo crescimento do nível de lembrança da lei, não ocorrendo o mesmo com o conhecimento sobre o assunto. Podemos aferir então, a necessidade de um trabalho educativo, além do meramente informativo. A necessidade de elaboração de uma proposta pedagógica de caráter efetivo e transformador, pode ser satisfeita à medida que se fundamenta nos princípios da dialogicidade e da politicidade, encontrados na Educação Popular proposta por Paulo Freire. De tais princípios, deriva a crença na construção conjunta do saber, num diálogo entre educador e educando na criação de possibilidades. No que concerne ao objeto de nosso trabalho, a educação jurídica popular, com esse recorte de gênero e violência doméstica, se fundamenta num diálogo entre as mulheres e os profissionais facilitadores, numa troca de saberes e experiências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando o proposto, espera-se que a ação libertadora desencadeada pela Educação Jurídica Popular seja capaz de colaborar para a construção de uma sociedade igualitária, a partir de um melhor equilíbrio da assimetria das relações de gênero. Acredita-se que a partir desse processo educativo seja possível a construção de uma consciência crítica na qual a mulher, sobretudo a que se encontra em situação de violência doméstica se perceba como sujeito de direitos. Dessa forma, resgatando também sua autonomia, ela terá elementos que contribuirão para seu fortalecimento, tornando-a capaz de romper a situação de violência em que se encontra, bem como de evitar a entrada em um novo ciclo de violência ou o retorno ao anterior. Teremos então a mulher 106


como protagonista de sua própria história, não apenas no âmbito doméstico ou familiar, mas especialmente nos diversos espaços da sociedade.

REFERÊNCIAS BRASIL. Lei 11.340/2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/ L11340.htm>. Acesso em: 15 ago. 2012. ________. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República. Norma Técnica de Uniformização Centro de Referência e Atendimento a Mulher em situação de violência. Brasília, 2006. LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima (Coord.). FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários a prática educativa. 28. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. INSTITUTO AVON/IPSOS. Percepções sobre a violência doméstica contra a mulher no Brasil-2011. Disponível em: http://www.institutoavon.org.br/wp-content/themes/institutoavon/pdf/iavon_0109_pesq_portuga_vd2010_03_vl_bx.pdf. Acesso em: 16 de ago.2012. MAIA, C. D. Assessoria Jurídica Popular: teoria e prática emancipatória. Universidade Federal do Ceará, 2007. Dissertação de Mestrado. MAIA, C.D.; LOPES,A.M. A assessoria jurídica popular na construção de uma nova cultura jurídica antipositivista e antimachista: superando a discriminação de gênero no direito. In: Encontro Nacional do CONPEDI, 9. Fortaleza. Anais...Fortaleza: COPENDI,2010. MAIA, C. D.; LOPES, A.M.D. A Educação popular como abordagem pedagógica para uma educação jurídica emancipatória e como pressuposto da assessoria jurídica popular fonte:http://www.nepe.ufsc.br/controle/ artigos/artigo83. PADILHA,P. R. Educação em direitos humanos sob a ótica dos ensinamentos de Paulo Freire.Múltiplas Leituras, Portal Metodista de Periódicos Científicos e Acadêmicos, Vol. 1, No 2. 2008.<https://www.metodista.br/ revistas/revistas-metodista/index.php/ML/issue/view/131>. Acesso em: 29 de set.2012

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MENINO NÃO DANÇA

PIRES FILHO, Benedito Teixeira. Acadêmico do Curso de Educação Física Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA beneditomax@hotmail.com RIBEIRO, Francisco Irapuan Ribeiro Prof. do Curso de Educação Física - UVA Sobral, Mdo. em Gestão de Turismo (UECE) Irapuan.saude@hotmail.com

RESUMO

Surgido a partir da necessidade de refletir sobre as práticas de dança de um estudante este trabalho teve como objetivos de relatar as experiências com a dança envolvendo as discussões relacionadas a identidade de gênero e a sexualidade em geral e metodologia baseada na relação dialética de um relato de experiência a partir dos estudos científicos organizados. Teve como conclusões dos resultados que todos meus trabalhos se resumem em “MENINO NÃO DANÇA” essa temática, surgiram com as angústias, inquietude, frustrações, vividas pelo um garoto onde buscava em seus movimentos singelos, o conforto para sua alma angustiada e presa no mundo das indecisões.

PALAVRAS-CHAVE: Dança; gênero; sexualidade.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, será estabelecida uma reflexão sobre as vivências ao longo de sete anos de experiências de expressão da cultura corporal do movimento de um jovem estudante bailarino que atualmente é acadêmico de Educação Física. Portanto, partindo da motivação de aprofundamento dos conhecimentos acadêmicos sobre as questões de gênero e a cultura corporal do movimento. Por entender ainda que durante muito tempo não houve abertura para discussões sobre assuntos como que esse. Os objetivos desse estudo serão de relatar as experiências com a dança envolvendo as discussões relacionadas a identidade de gênero e a sexualidade em geral; compreender cientificamente as situações vivenciadas e por fim estabelecer discussão sobre os aspectos teóricos com as práticas do dia a dia na dança. Este estudo teria várias justificativas, inclusive acadêmicas, contudo, a mais relevante, a se considerar deve ser que, a compreensão deste fato discutido, permite que outros 108


indivíduos tenha oportunidade de serem inseridos no campo artístico, cultural, educacional, político e social pelo acesso à prática individualmente ou em grupos. Bem como o esclarecimento de que existem dificuldades encontradas pelos corpos das pessoas que não sabem respeitar as diferenças.

METODOLOGIA

Para o trato metodológico, foi realizado um relatório onde se utilizou elementos relacionados à biografia do autor do trabalho, respaldando-se em teóricos que já realizaram trabalhos nesse sentido. Outro aspecto relevante da metodologia, foi relacionado a investigação em textos que possibilitaram uma discussão. Diante do exposto serão estabelecidos a seguir em uma sequencia cronológica a discussão dos resultados.

DISCUSSÕES

Henriques (2007) Sobre principais conceitos relacionados a gênero e diversidade sexual, bem como orientação sexual se refere à direção ou à inclinação do desejo afetivo e erótico. De maneira simplificada, pode-se afirmar que esse desejo, ao direcionar-se, pode ter como único ou principal objeto pessoas do sexo oposto (heterossexualidades), pessoas do mesmo sexo (homossexualidades) ou de ambos os sexos (bissexualidades) isso deve influenciar para os garotos e garotas da escola. Henriques et al (2007), afirmam que a questão da cultura corporal é vista como uma cognominação ou deturpação da imagem masculina, pois o homem que dança é fragmentado pela sociedade como homossexual, logo a diferenciação de gênero vem a tona, ou seja o homem não pode dançar e por conta desses pensamentos o espaço na escola acaba ficando pequeno, e as preocupações em torno a sexualidade. É, portanto por considera relevante estabelecer elo das minhas experiências com o já exposto sobre sexualidade que inicio minha história com a dança que se iniciou aos 12 anos de idade quando dei entrada em um projeto social, até então não sabia nada a respeito, significado, quais seus princípios e muito menos a onde ela poderia me levar. O que sabia era que esse mundo de diversidades era totalmente influenciável, a dança era vista e praticada por somente um sexo, ou seja, «feminino», as minhas visões eram totalmente preconceituosas, maléficas, dentre outras sensações. Quando subia em palco para dança esquecia de tudo, nada vinha mais em minha mente a não ser a vontade querer dançar e mostrar minha expressão corporal. Meu único objetivo com a dança era causar nas pessoas sensações angustia, felicidade, desconforto e as metáforas da inquietude. Sobre esse ponto de vista, Vianna (1998) ao comentar sobre a criação de quatro grandes grupos de atividades variadas, onde dentre eles, um grupo de dança onde apenas um garoto quis participar do grupo, ou seja, a exceção do grupo. A autora ainda lembra que esse único garoto que optou pela dança, sofreu preconceitos dos colegas, apenas por ter optado pela dança. Assim retratando: “restou a alegria da aceitação no grupo de garotas e a indignação e a indignação quando foi chamado de “maricas” pelos alunos da sala”. (VIANA, 1998, p. 101). 109


Quando a dança realmente entrou na minha vida? Um projeto era constituído por modalidades, esportivas e artísticas, você tinha o livre arbítrio para escolher em qual modalidade você queria fica durante o ano todo. Eu logo escolhi as modalidades esportivas, dai então minha vida já não era a mesma, pois meu mundo de convivência mudava a cada momento e a cada aula que participava. Meu maior desafio no projeto foi quando eu soube que todo final de ano o projeto encerrava o ano com espetáculos onde envolvia todas as modalidades artísticas. Os alunos eram obrigados a participar, caso contrário recebia uma punição da coordenação, perderia sua vaga no projeto e dava oportunidades a outras pessoas. Não tinha escolha, e o primeiro espetáculo que participei cujo nome era, “DEIXE-ME SER”, me deixou com varias reflexões a respeito de minha personalidade, como assim deixe-me ser? Comecei a me perguntar por que eu estou aqui, o que estou fazendo, esse não sou eu, cheguei a tentar desistir, a esquecer do que era melhor para mim simplesmente porque não sabia controlar minhas emoções, sempre deixava o orgulho tomar conta de minhas atitudes estragando meus elos de convivências com as pessoas. Goellner (2009) sugere questões importantes relacionadas às relações de gênero ao exemplificar que a representação de que existe um estereótipo masculino e um feminino. Precisamos nos dar conta de que existem diferentes formas de viver as masculinidades e feminilidades, e isso precisa ser respeitado. A escolha, por exemplo, de um menino em não jogar futebol não implica naturalmente que deixe de ser masculino ou que seja homossexual. Do mesmo modo, pode-se pensar que, em esportes em que existe grande expressão de virilidade (lutas, por exemplo), também existem atletas que são homossexuais. Concordando com a afirmativa de Goellner relembro que conforme o passar dos anos vinha percebendo que o projeto estava mudando minha vida, de um garoto rebelde com características desagradáveis, passei a ser um garoto afetuoso, carismático, deixando de lado as banalizações dos preconceitos, já não estava tão preocupado com que as pessoas pensavam ao meu respeito, queria mesmo era viver uma nova vida de descobertas positivas, onde me proporcionasse apenas momentos bons. Os professores perceberam meu desempenho e minha adaptação rápida aos conteúdos da dança, e começarão a me envolver em coreografias montadas para apresentações nas escolas vizinhas. Minha principal motivação aconteceu quando o diretor geral da CIA “BALÉ BAIÃO” me indicou para participar do grupo novo que ele estava formando, que hoje se chama “BALÉ BAIÃO JOVEM” foi nesse grupo que passei seis (6) anos de minha vida, apenas estudando e vivenciando ás praticas da dança, as capacitações eram excepcionais, tínhamos professores de fora que vinham através de intercâmbios ministrar e criar novos métodos de adaptações corporais, era o despertar para o mundo da dança. Minha função no grupo era participar de todas as aulas teóricas e praticas, absorvendo cada gota de conhecimento, estudar e analisar as critica e temáticas de cada aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As vantagens e os momentos mais felizes da minha vida, pois, foram perceber que o grupo não era só um grupo, e sim uma família que ajudou na terapia de minha vida, na superação de minhas dificuldades. Todos meus trabalhos se resumem em um “MENINO NÃO DANÇA” essa temática, surgiram com as angústias, inquietude, frustrações, vividas pelo um garoto onde buscava em seus movimentos singelos, o conforto para 110


sua alma angustiada e presa no mundo das indecisões. Ou seja, existe muita confusão a respeito das relações entre orientação sexual e identidade de gênero, e a verdade é que não existe relação – são coisas completamente independentes. Apenas quero que os olhares sejam a respeito de suas próprias identidades, quebrando os paradigmas entre, expressão corporal, gênero e corpo, podemos muito bem sermos do sexo masculino e feminino e nos deixar chamar atenção por pessoas de mesmo sexo

REFERÊNCIAS VIANNA, Cláudia e Ridenti, Sandra. Relações de Gênero na escola: Das diferenças ao preconceito. Diferenças e Preconceitos na Escola: Alternativas Teóricas e Práticas. (Org) AQUINO, Júlio Groppa. 8. Ed. SUMMUS: São Paulo. 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, SECAD. Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos. (Org) Henriques Ricard, et al. SICAD., Brasília, 2007.

GOELLNER, Silvana. CORPO, GÊNERO E SEXUALIDADE: Educando para a diversidade. FUNDAMENTOS PEDAGÓGICOS DO PROGRAMA SEGUNDO TEMPO: da reflexão à prática. EDUEM, Maringá, PR. 2009.

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“MULHER, SEXO FRÁGIL?”: A NATURALIZAÇÃO DA DOMINAÇÃO MASCULINA NAS RELAÇÕES DE GENERO¹.

SILVEIRA, Clara Maria²; OSTERNE, Maria do Socorro F.³; SILVA, Mayra Rachel.

Resumo: Este artigo apresenta parte de um estudo monográfico sobre gênero e violência contra a mulher. Utilizou-se o estudo de caso de uma mulher que sofreu violência conjugal, a fim de ilustrar a naturalização da dominação masculina nas relações sociais e de gênero. Realizou-se entrevista semiestruturada com a depoente em questão e pesquisa bibliográfica em trabalhos acadêmicos, literários e científicos sobre o tema estudado. Objetivou-se demonstrar, através do uso das ideias de Pierre Bourdieu, como os sistemas simbólicos, estruturados e estruturantes do meio social, consolidam a dominação masculina, dando-lhe um caráter de algo imutável e eterno. Concluiu-se que a dominação masculina impregna os sistemas sociais e potencializa as desigualdades de gênero. Mesmo com as mudanças nas relações entre homens e mulheres, a ideologia machista e patriarcal ainda legitima os estereótipos de gênero, aprisionando ambos os sexos em um pretenso dever ser.

Palavras-chave: gênero, dominação masculina, ideologia patriarcal.

INTRODUÇÃO Desde a década de 70, o termo gênero é discutido como uma forma de pensar a questão da diferença entre os sexos. Apesar de cada indivíduo já nascer com um sexo definido, entendemos que a desigualdade estabelecida nas relações de gênero é construída através da elaboração cultural dos papéis sociais impostos a homens e mulheres. A dominação masculina, conceito utilizado por Pierre Bourdieu, deriva da separação hierárquica entre os sexos, legitimando uma pretensa superioridade do homem. Neste trabalho objetivamos demonstrar como a dominação masculina, reforçada pela ideologia machista e patriarcal, se consolida e se reproduz por meio do processo de socialização dos indivíduos. Pretendemos, ainda, demonstrar as mudanças que aos poucos tem contribuído para o deslocamento dos padrões hierárquicos de gênero e para a busca de uma pretendida equidade entre homens e mulheres. Discorreremos, ao longo do trabalho, sobre o conceito de gênero, a dominação masculina e as novas formas de comportamento feminino e masculino.

METODOLOGIA Utilizamos o método qualitativo, pois este lida com crenças, costumes e valores. Realizamos entrevista semiestruturada com uma mulher que sofreu violência conjugal durante seu primeiro casamento. No total, foram feitas três entrevistas, durante o primeiro semestre do ano de 2011. Para análise das falas concedidas, utilizamos a análise de depoimentos. As entrevistas foram gravadas e a depoente assinou um termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a divulgação de duas falas no estudo. Analisamos todas as falas e selecionamos as que melhor ilustram a temática da dominação masculina nas relações de gênero. Quanto 112


ao tipo, esta pesquisa foi bibliográfica, pois baseou-se em material extraído de trabalhos literários, acadêmicos e científicos que versam sobre a temática de gênero e dominação masculina. Utilizamos as ideias de Pierre Bourdieu como ponto central da fundamentação teórica do estudo.

DISCUSSÕES Para Saffioti (2004), a categoria gênero não seria só uma categoria analítica, mas também uma categoria histórica. De acordo com a autora, Simone de Beauvoir seria a precursora do conceito de gênero ao utilizar, em sua obra O segundo sexo, a famosa frase “Ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher”. Beauvoir, apesar de não fazer referência, propriamente, ao termo gênero nessa afirmativa, destacou a importância da sociedade e da cultura para a formação da identidade sexual do indivíduo. Observamos que as relações desiguais de gênero são engendradas a partir da transformação das diferenças biológicas entre os sexos em desigualdades sociais. Sobre essa questão, Osterne (2001) afirma que o gênero dos indivíduos é definido pelas relações sociais, pela cultura e pelo sistema simbólico no qual os seres humanos estão inseridos, e não pelas diferenças biológicas entre os sexos. De acordo com Saffioti (2004), o conceito de gênero carrega a ideologia patriarcal. Tal ideologia teria sido construída especialmente para alimentar a estrutura de poder que situa os homens hierarquicamente acima das mulheres, em todas as áreas da convivência humana. O uso do conceito de patriarcado desnuda não só a ideologia patriarcal, como também a estrutura de poder que sustenta a dominação masculina. Saffioti (2004) destaca que, apesar dos progressos femininos na busca por emancipação, a base material do patriarcado não foi destruída. A despeito dos avanços femininos na conquista dos espaços públicos e de uma divisão de papéis mais igualitária no espaço doméstico, a ideologia patriarcal continua bastante enraizada no imaginário coletivo. Por isso, muitos homens têm dificuldade de assimilar funções no âmbito familiar que culturalmente são destinadas às mulheres. Ao mesmo tempo, as mesmas encontram empecilhos na conquista de espaço no âmbito público. São discriminadas, menosprezadas e julgadas. Segundo Bourdieu (2002), a visão androcêntrica da sociedade está naturalizada, a ponto de se impor como neutra. Os esquemas de dominação simbólicos foram estruturados com base numa visão de mundo onde o homem é sempre superior à mulher. E a ordem social funciona como uma máquina simbólica que confirma a dominação masculina: Longe de as necessidades da reprodução biológica determinarem a organização simbólica da divisão social do trabalho e, progressivamente, de toda a ordem natural e social, é uma construção arbitrária do biológico, e particularmente do corpo, masculino e feminino, de seus usos e de suas funções, sobretudo na reprodução biológica, que dá um fundamento aparentemente natural à visão androcêntrica da divisão de trabalho sexual e da divisão sexual do trabalho e, a partir daí, de todo o cosmos. (BOURDIEU, 2002, p.33) De acordo com o autor, os símbolos, como instrumentos de conhecimento e comunicação, possibilitam a formação do consenso sobre o sentido do mundo social. E esse consenso contribui para a reprodução da ordem social. Bourdieu acredita que o poder simbólico é uma forma de poder invisível e que o seu exercício é possível apenas com a cumplicidade daqueles que estão submetidos ou que exercem esse poder, mesmo que de maneira inconsciente. É um poder que se exerce não por coação física, mas sim através dos esquemas de 113


percepção e pensamento que se instalam no subconsciente dos indivíduos. Quando os dominados aplicam àquilo que os domina esquemas que são produto da dominação ou, em outros termos, quando seus pensamentos e suas percepções estão estruturados de conformidade com as estruturas mesmas da relação da dominação que lhes é imposta, seus atos de conhecimento são, inevitavelmente, atos de reconhecimento e submissão. (BOURDIEU, 2002, p. 22) Ainda segundo o autor, a dominação masculina possui todas as condições para seu pleno exercício já que, as estruturas sociais, a divisão sexual do trabalho e das funções de produção e reprodução, legitimam a pretensa superioridade masculina. A cultura, impregnada pela visão androcêntrica, molda as percepções, os pensamentos e a ações de todos os membros da sociedade. Por ser compartilhada universalmente por todos os indivíduos, essa cultura assume um caráter transcendental e imutável. Percebemos a reprodução da ideologia patriarcal, ilustrada a partir da visão naturalizada da dominação masculina e assimilada pela nossa depoente: [...] vinha de uma família onde não havia violência física por parte do meu pai, mas que havia dominação masculina e violência do meu irmão, e de certa forma, de uma forma velada, o meu pai apoiava meu irmão, por exemplo, o meu pai dizia que meu irmão só batia na gente porque a gente mexia com ele, quando não era assim. Hoje eu compreendo que aquilo era tudo que meu pai compreendia, mas era como se ele dissesse que quem mexe com homem perde a razão, meu pai dizia isso, minha mãe dizia, eu vinha de uma família que não tinha violência por parte do meu pai, mas tinha outras violências, essa era a dinâmica familiar. Soma-se a tudo isso, o machismo como um reforço da ideologia patriarcal. Para Osterne (2006), o machismo é a tendência a naturalizar os privilégios masculinos e a subordinação feminina. Afeta também as mulheres, que legitimam esse preconceito. A autora destaca a situação peculiar do machismo na região Nordeste, onde se realizou nosso trabalho. Nessa região brasileira a identidade masculina associa-se a atributos como a coragem, a valentia, o destemor e a macheza. “O nordestino seria “macho” pela própria historia da região que teria exigido a sobrevivência dos mais fortes, mais valentes e mais corajosos diante de suas adversidades climáticas.” (OSTERNE, 2001, p.11). Compreendemos que por estar, desde a infância, inserida em uma sociedade onde se privilegia o masculino em detrimento do feminino, a mulher acaba por incorporar e naturalizar a visão de mundo machista e patriarcal. Por essa razão, a maioria das mulheres ainda não consegue se desvencilhar dos papéis femininos socialmente impostos e acabam por reforçar a dominação masculina, uma vez que não se entendem como subjugadas. Em sua fala, nossa depoente relata que aprendeu desde cedo que aos homens tudo era permitido, enquanto as mulheres deviam se conformar em ser submissas e não questionar a autoridade masculina. Eu sou a décima primeira filha e os meus pais eram do interior, portanto uma cultura bem machista, com todas aquelas características de uma cultura do interior. Eu aprendi com minhas irmãs que a gente não devia brigar com meu irmão homem porque a razão seria sempre dele, pois mamãe protegia muito ele, mesmo quando papai não protegia, ela dava um jeito de proteger. Então logo na infância quando meu irmão queria alguma coisa, minha mãe sempre cedia em detrimento das mulheres, ela dizia que ele era homem, então ele podia tudo e nós mulheres não podíamos nada. Bourdieu (2002) destaca que a família desempenha o principal papel na reprodução da visão e dominação masculina. Destacamos que as próprias mulheres, muitas vezes de forma inconsciente, perpetuam a dominação masculina. É no processo de socialização primária, ocorrido normalmente dentro do ambiente 114


familiar, que a criança entra em contato com as elaborações culturais referentes a cada sexo. O autor ressalta que graças ao esforço do trabalho crítico do movimento feminista, a dominação masculina já é alvo de questionamentos. As transformações ocorridas na condição feminina colocam em xeque essa dominação e fazem com que a mesma tenha que ser justificada ou defendida. Bourdieu defende a necessidade de desconstrução dos sistemas simbólicos, estruturantes e estruturados pelo meio social, que reproduzem e legitimam a dominação masculina. É preciso reconstruir a história do trabalho histórico de des-historicização, ou, se assim preferirem, a historia da (re) criação continuada das estruturas objetivas e subjetivas da dominação masculina, que se realiza permanentemente, desde que existem homens e mulheres, e através da qual a ordem masculina se vê continuamente reproduzida através dos tempos. (2002, p.100) Tal desconstrução implica uma série de transformações nas relações de gênero, muitas das quais já estão em andamento. Nas últimas décadas, conforme literatura pertinente houve uma crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho, causado por diversos fatores, tais como: o avanço da industrialização, que demandava um grande número de trabalhadores, independente do sexo; o crescimento da urbanização; o declínio da taxa de natalidade, já que o uso dos contraceptivos possibilitou à mulher separar reprodução e sexualidade; e o aumento do nível de escolaridade feminina, que ocasionou a competição entre os cônjuges na vida pública e profissional e redefiniu os papéis de homens e mulheres dentro da família. Ao atingirem um maior grau de instrução, as mulheres têm maiores chances de conquistar a independência econômica e de modificar as estruturas familiares e a divisão sexual do trabalho doméstico. Como não são dependentes financeiramente dos maridos, essas mulheres se impõem mais e já não aceitam serem as únicas responsáveis pelos cuidados com os filhos e com a casa. Ao mesmo tempo, não são mais obrigadas a permanecerem em um casamento, se este não corresponde às suas expectativas. Soma-se a todas essas mudanças, o aumento da autoestima feminina e o surgimento de uma mulher mais confiante, madura, e realizada pessoal e profissionalmente. De acordo com Rolnik (1998), a mulher não mais depende do homem para sobreviver e, também, não ambiciona só a ele. O sexo feminino passou a almejar a vida profissional e pública. Rolnik (1998) afirma que o homem se sente intimidado por essa nova mulher. Por não estar acostumado a lidar com a independência feminina, ele se sente diminuído em sua virilidade, em sua condição de macho. Notamos o quanto os estereótipos de gênero aprisionam os sexos em uma pretensa naturalidade, que no final ocasiona perdas para ambos. Para Bourdieu, o processo de socialização que objetiva tornar as mulheres resignadas, submissas e passivas, também aprisiona os homens. Por não ser uma condição natural, o tornar-se pertencente ao gênero masculino, apropriar-se das elaborações culturais da masculinidade, pode ser extremamente penoso. Os homens são constantemente cobrados para se afirmarem como tais e se diferenciarem do sexo oposto. Precisam mostrar para a sociedade sua virilidade. Virilidade, aqui compreendida, como capacidade reprodutiva, sexual e social e como aptidão ao combate e ao exercício da violência. E isso implica uma educação do próprio corpo masculino, da postura, da maneira de falar. Percebemos, no entanto, que as transformações ocorridas nas relações de gênero estão modificando a condição masculina. Os homens já não são tão cobrados a impor sua masculinidade e a se encaixar nos tradicionais papéis masculinos. De acordo com Boris (2004), na realidade atual, os homens são estimulados a 115


expressar seus sentimentos, emoções e fragilidades, o que não descaracteriza a subjetividade masculina. Mesmo que as mudanças não sejam, ainda, generalizadas, apontam para uma maior aproximação entre o gênero masculino e os seus pensamentos, sentimentos e vivências. Porém, segundo o autor, o modelo patriarcal encontra-se fortemente instalado na subjetividade e na condição masculina na contemporaneidade. A persistência da ideologia patriarcal impede, muitas vezes, a expressão do afeto masculino, seja em relação à mulher, aos filhos ou aos amigos. [...] na medida em que as mulheres vêm mudando e conquistando espaços sociais cada vez mais amplos, tais transformações e avanços femininos vêm interferindo na anteriormente inabalável hegemonia masculina- historicamente fundada no sistema patriarcal, gerando o que alguns cientistas sociais denominaram de crise do gênero masculino, comumente vivida por alguns homens com uma certa angústia vaga e com uma confusão dos papéis sócio-culturais outrora claramente delineados [...] (BORIS, 2004, P.69).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Constatamos, de acordo com o relato de nossa depoente, que o sistema machista e patriarcal, ainda vigente na sociedade, reproduz relações de gênero hierárquicas e desiguais entre homens e mulheres. Percebemos que dentro de seu ambiente familiar, ainda na infância, a depoente em questão vivenciou a dominação masculina e assimilou a idéia de que “o homem pode tudo”. Em nossa análise, observamos que, por serem criadas e educadas dentro de uma cultura que propaga a superioridade masculina, as mulheres acabam por achar natural que os homens assumam o sustento do lar, não se envolvam com o trabalho doméstico, não se responsabilizem pelos cuidados com os filhos, exerçam livremente sua sexualidade e governem a vida de suas esposas. Como elas podem questionar algo que aparenta um caráter divino, imutável e eterno? Isso não quer dizer que o sexo feminino viva numa eterna ignorância a respeito de sua condição na ordem patriarcal de gênero. Muitas mulheres já questionam o sistema patriarcal que sustenta as relações desiguais entre os sexos. E a partir daí, procuram estratégias e meios para alcançar sua emancipação e autonomia. Ressaltamos que as conquistas femininas na esfera do mercado ainda são marcadas por condições desiguais de tratamento, de remuneração e de oportunidades. É comum, também, a mulher assumir a função de provedora em famílias monoparentais, quando ocorre a separação do casal ou a viuvez. Pela necessidade de sustentar os filhos, a mulher acaba por aceitar qualquer tipo de emprego e remuneração. Ao mesmo tempo, procura meios de conciliar o trabalho e os cuidados com a casa e as crianças. Acreditamos que a desnaturalização da dominação masculina é resultado de um longo processo de conscientização humana e de desconstrução de uma cultura machista e patriarcal. Ressaltamos ainda que na sociedade atual é possível observar as mudanças ocorridas na condição feminina, mesmo que ainda sejam insuficientes. Se a condição feminina, dentro da ordem patriarcal de gênero, foi construída socialmente, pode-se modificá-la, também, socialmente. .

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORIS, Georges Daniel Janja Bloc. Falas masculinas ou ser homem em Fortaleza: múltiplos recortes da construção da subjetividade masculina na contemporaneidade. In: AMARAL, Célia Chaves Gurgel. Et al. Teoria e práxis dos enfoques de gênero. Salvador: REDOR, 2004

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. BRASIL.

OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira. Família, pobreza e gênero: lugar da dominação masculina. Fortaleza: EDUECE, 2001.

______. Violência contra a mulher: estruturas patriarcais, relações de gênero e a (re)significação do conceito de vida privada. O Público e o Privado, n.8, p. 163-175, jul/dez. 2006.

ROLNIK, Suely. Machos e fêmeas. In: LINS, Daniel. A dominação masculina revisitada. Campinas, São Paulo: Papirus, 1998, p.69-71.

SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

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TRÁFICO DE MULHERES PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL: UM OLHAR CRÍTICO SOBRE O ASSUNTO.

ORTEGA, Gabriela Jesus de Souza; SILVA, Vanessa Pereira da

RESUMO

Busca-se nesse ensaio instigar a reflexão sobre o Tráfico de Pessoas (mulheres) para fins de exploração sexual no Brasil, ampliar a discussão sobre o tema, assim como, sensibilizar novos leitores. Tomando como pressuposto que, muito embora, o fato afigure-se para muitos como obra de ficção, para as vítimas desumanamente mercantilizadas se trata de um terrível, porém verídico pesadelo da vida real. Recorre-se na metodologia ao uso de pesquisas bibliográficas, apoiadas na teoria social crítica e no materialismo-histórico-dialético. Integram a discussão tópicos relacionados ao conceito e tipos de tráfico humano, fatores determinantes e condicionantes ao tráfico, perfil das vítimas, as causas que as conduzem a tal situação, consequências que apresentam decorrentes desse abuso, dados relativos às rotas de tráfico, obstáculos à contenção do problema, exposição de alguns amparos legais. E apresentam-se considerações, tencionando problematizar os impactos da escravidão moderna, decorrente da questão social, agudizada pela ordem neoliberal.

PALAVRAS CHAVE: tráfico humano, exploração sexual, vítimas.

1 INTRODUÇÃO

Tráfico de seres humanos na conjuntura atual: ficção ou realidade? Embora para a maioria de nós, em pleno século XXI, quando cogitemos acerca do tema “Tráfico de Pessoas” nos remeta à memória filmes ficcionais, personagens quiméricos e histórias irreais; para as vítimas desumanamente mercantilizadas se trata de um terrível, porém verídico pesadelo da vida real. O fim da escravatura no Brasil deu-se em 13 de maio de 1988 pela Lei Áurea, não obstante ainda se configure no cenário contemporâneo, dessa vez com mais voracidade, novas roupagens e múltiplas facetas, estabelecida pelas novas relações de trabalho, a chamada “escravidão moderna”, que se caracteriza pelas condições degradantes de trabalho e de vida e pela privação da liberdade. Como já dizia Marx (1989), convertendo as pessoas em “mercadorias”, as relações sociais entre elas em “coisas” (processo de reificação), e provocando a desumanização do homem pelo próprio homem pelo uso 118


da violência em suas diversas manifestações: coerção, força, poder sobre outrem, sob a égide de um sistema em que se valoriza mais o “ter” do que o “ser”. A pretensão deste trabalho é instigar a reflexão sobre o Tráfico de Pessoas (mulheres) com a finalidade de exploração sexual no Brasil, ampliar a discussão sobre o tema, assim como sensibilizar novos leitores sobre o assunto, amparando-se nas mediações através do campo da ética, da política, do trabalho e dos direitos humanos.

2 METODOLOGIA

Realizamos pesquisas bibliográficas, através das quais, fundamentamos nosso estudo, apoiado em livros, leis, teses e periódicos. Utilizamos na construção deste ensaio a abordagem da teoria social crítica, pois segundo Horkheimer (1991) “A teoria crítica não almeja de forma alguma apenas uma mera explicação do saber, ela intenciona emancipar o homem, de sua situação escravizadora”; ancorada no materialismo-histórico-dialético, método no qual podemos considerar a transformação constante da realidade no tempo e espaço.

3 DISCUSSÕES

Entendamos como Tráfico Humano, segundo o Art. 2º da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento, ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça, uso da força, ou a outras formas de coesão, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade, à situação de vulnerabilidade, a pagamentos ou a benefícios, visando obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outras para fins de exploração.” Sendo assim, em linhas gerais, podemos considerar o tráfico humano como a venda, a compra, o uso de algo ilícito, nesse contexto de vidas, como se fossem objetos, mercadorias, possuindo preço no mercado mundial, em uma violação total aos direitos humanos. O Tráfico de Pessoas, em geral, ocorre direcionado para três finalidades: trabalho escravo, venda de órgãos e comércio sexual. Neste estudo focaremos o voltado para a exploração sexual. Qualquer pessoa no mundo independente de cor, idade, classe social, cultura, opção sexual, religião pode ser vítima de tráfico humano, todavia existem alguns agravantes que recrudescem ainda mais o perfil desta. Como fatores determinantes e condicionantes, também chamados de fatores de risco, podemos aludir: ao contexto sócio-econômico de vulnerabilidade, em que boa parte das pessoas vive à mercê de um sistema social excludente em completo estado de falência, apresentando consequentemente, baixa escolaridade e dificuldades na obtenção de um emprego. À discriminação de gênero, que desde tempos remotos estabeleceu a condição subalterna e exploratória da mulher como objeto sexual e não como sujeito autônomo, livre e possuidor de direitos; ainda que o Art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 pronuncie que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos...”. O homem por sua vez, sempre foi compreendido como o “sexo forte”, o provedor financeiro, o defensor dos seus, estabelecendo nas relações de 119


poder o papel dominante e as mulheres, adolescentes, crianças, historicamente papeis recessivos, de maneira que, durante toda a vida são estimuladas a suprirem as “necessidades” dos tais homens (pai, namorado, marido). O histórico de violência, também chamado de círculo da violência, pelo qual muitas mulheres, adolescentes, crianças sofreram durante sua trajetória de vida em diversos ambientes como no intrafamiliar, ou seja, no seio da família (abuso sexual, estupro, sedução, atentado violento ao pudor, corrupção de menores, abandono, negligência, maus-tratos, dentre outros) e extrafamiliar (os mesmos citados anteriormente, só que fora da família, em escolas, abrigos, instituições, redes de exploração sexual e em outras relações), conforme OIT 2006, fazendo com que muitas garotas saiam de suas casas e partam para as ruas em busca de melhores condições de vida. E também o turismo sexual, pois, muitos turistas após realizarem os programas com mulheres, adolescentes, decidem levar consigo as vítimas para sua cidade, estado, país de origem e as negocia com o “agente” que promoveu o encontro; uma vez no destino final são mantidas sob o domínio do “comprador”, tornando-se escravas sexuais daquele ou até mesmo “revendidas” no mercado mundial do sexo. De modo geral, as mulheres vítimas de tráfico humano são negras entre 15 e 25 anos (PESTRAF 2002) têm origem popular, baixa escolaridade, realizam atividades na prestação de serviços domésticos, no comércio e muitas já trabalharam ou trabalham no ramo da prostituição. Ou seja, exercem funções desprovidas de prestígio social, estabilidade, segurança financeira e garantia de direitos. Muitas são as causas que levam as vítimas a serem traficadas, as mais comuns são: falsas promessas de emprego para trabalhar no exterior de garçonete, babá, empregada doméstica, modelo; casamentos arranjados com documentos falsos do aliciador, através de sites da internet, agências de namoro, propagandas em jornais; ofertas para prostituição no exterior e até mesmo pela venda dos próprios familiares da vítima por uma quantia mesquinha a pessoas desconhecidas que prometem uma vida melhor ao “ser” negociado, não revelando, de fato, as circunstâncias em que se dará a exploração. Consequências dolorosas trazem consigo as pouquíssimas vítimas que conseguem retornar a sua cidade, estado, país de origem, entre elas os estigmas, cicatrizes corporais da violência a que foram submetidas; doenças sexualmente transmissíveis, já que na condição de escravas sexuais não podem preservar sexualmente a si próprias; distúrbios psicológicos como depressões e tendências suicidas, como reflexo dos momentos indeléveis que passaram e danos morais devido à ignorância e preconceito da população em geral às vítimas do tráfico humano sexual. Segundo dados do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, existem 241 rotas de tráfico no Brasil, dessas, 110 são de origem interna – intermunicipal e interestadual, distribuídas da seguinte maneira: região norte (76), nordeste (69), sudeste (35), centro-oeste (33) e sul (28) e 131 de origem internacional. Entre os principais destinos das brasileiras no exterior podemos citar: Espanha, Holanda, Itália, Portugal, Suíça e França. A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em Goiás, Nelma Maria Pontes, durante atendimento a uma das vítimas, nos relata o depoimento desta acerca do tratamento que recebia enquanto estava sendo explorada, tinha direito a apenas uma única refeição por dia e “Que se ela quisesse comer mais alguma coisa tinha de pagar. Que tinha de pagar o preservativo. Que era difícil fazer higiene pessoal entre um cliente e outro porque não dava tempo, e que não podia deixar de trabalhar nem quando estava menstruada”. (33/07/2012 Focando a Notícia: o jornalismo em ação.) 120


Apesar da gravidade do problema em nível mundial, muitos são os obstáculos que impedem a sua contenção, o principal deles é a alta lucratividade do negócio, pois se estima, já que se tratando de criminalidade não há estatística confiável, que as redes criminosas do tráfico de pessoas lucrem 30 bilhões por ano, perdendo apenas para o tráfico de armas e drogas, segundo a OIT (2006). A rotatividade das quadrilhas também é outro impedimento, uma vez que as vítimas nunca estagnam em um único lugar, para evitar rastros, continuadamente, são conduzidas a diversos tipos de lugares e ambientes (casas de show, boates, hotéis e etc), as quadrilhas são muito bem organizadas, utilizam-se de vários disfarces e casas de “fachada”. Havendo também a dificuldade na repressão e punição dos atores envolvidos, visto que, as atividades dessas facções são altamente articuladas, contando com o “apoio” de diversos segmentos da segurança nacional e internacional que recebem propinas para se silenciarem; os chefes das quadrilhas, ao contrário do que se pensa, não são pessoas estereotipadas, são pessoas requintadas, de boas famílias, com patrimônio econômico, cultural, carreira acadêmica, sendo assim, aparentemente inofensivos, incapazes de levantar qualquer tipo de suspeita. O tráfico humano já é o “negócio do futuro” para as quadrilhas atuantes, não é uma articulação comercial isolada, faz parte de uma rede mundial atrelada ao tráfico de armas e drogas, ambos partes de um mesmo sistema comensal, em que um subsidia o outro quando um deles apresenta déficit, dificultando ainda mais o desbaratamento de uma cadeia de tal amplitude. Em 2004, pelo Decreto Presidencial nº 5.017,de 12 de março, o Brasil ratificou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, também conhecido como Protocolo de Palermo, principal instrumento legal no enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Graças a ele ocorreram significativas mudanças na nossa legislação, como na Constituição Brasileira que assegura a responsabilidade do país no cumprimento de todas as orientações de acordos internacionais ratificados; em março de 2005, após aprovação no Congresso, o presidente sancionou mudanças no Código Penal Brasileiro. Entre as alterações introduzidas, houve uma mudança no texto para incluir também os homens entre as vítimas do tráfico - as menções que antes eram feitas às “mulheres” agora são feitas a “pessoas” pela Lei 11.106/05. O Código Penal também passou a tipificar dois crimes: no artigo 231, faz referência ao crime de tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, prevendo pena de reclusão de 3 a 8 anos e multa para quem “promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no exterior”. E a introdução do artigo 231-a, caracterizando o tráfico interno, prevendo pena de 3 a 8 anos e multa para quem “promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que exercer a prostituição”. O Código Penal ainda prevê outras punições para o tráfico de seres humanos, relacionadas às seguintes circunstâncias: Se a vítima é maior de 14 anos e menor de 18 anos: reclusão de 4 a 10 anos e multa (art. 231 § 1º) e elenca os agravantes que maximizam as penas previstas para o supra citado crime. Outra contribuição relevante trazida pelo Protocolo de Palermo é a atenção e proteção às vítimas, no seu art 6º enumera que os Estados-Parte deverão fornecer assistência médica, psicológica e material, oportunidades de emprego, alojamento adequado, dentre outras a tais. Outra aliada nesse combate foi a criação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas 121


em 2006, pelo Decreto Presidencial nº 5.948, responsável pela elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, só aprovado em 2008 pelo Decreto nº 6.347, e por um conjunto de princípios, diretrizes e ações da atuação do poder público, voltadas para três eixos: prevenção ao tráfico de pessoas, atenção às vítimas, repressão e responsabilização dos autores. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infelizmente, confirmam-se no país estruturas precárias nas organizações governamentais (tanto no atendimento quanto na defesa, na responsabilização e na prevenção) e não governamentais. Os órgãos dos sistemas jurídicos apresentam poucos dados quantitativos e qualitativos, enquanto determinadas organizações não-governamentais, de nível local, apresentaram casos de tráfico de mulheres e adolescentes sem respaldo algum. As organizações governamentais citam, falta de recursos financeiros, relatam também a precariedade de equipamentos públicos de atenção à mulher, à criança e ao adolescente; a morosidade da justiça e a pesada estrutura do sistema judiciário. Relatam, ainda, o estágio diferenciado de sensibilização e de mobilização da sociedade, segundo distintas localidades, num contexto de miséria, de crise de valores, e da capacitação insuficiente de pessoas que atuem no sistema de atendimento e nos espaços de defesa e de responsabilização. De acordo com os relatos de atores institucionais há dificuldades relacionadas à infra-estrutura (física, organizacional e de recursos humanos), que representam entraves para a identificação do fenômeno e sua implicação com a questão legal. O desafio do poder público juntamente com a sociedade civil está no fortalecimento da correlação de forças para o enfrentamento desta natureza em nível local e global. Partindo de uma maior divulgação da temática, principalmente, ao público de maior vulnerabilidade, através de medidas sócio-educativas. Realinhando com as políticas públicas implementadas pelo governo, em sua ampla esteira multidimensional de proteção aos direitos humanos, para subsidiar, com maior vigor e atenção, as medidas preventivas e repressivas, visando diminuir a prática do tráfico de pessoas – internacional ou interno - para fim de exploração sexual. Sendo assim, devemos enfrentar esse problema com base nos três eixos da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: prevenção ao tráfico de pessoas, atenção às vítimas e repressão e responsabilização dos autores envolvidos. Prevenção na medida em que ajamos na mobilização da sociedade em geral para um problema tão sério e ao mesmo tempo ignorado pela maioria e pelos órgãos competentes; buscando a sensibilização de tais através de palestras, seminários, cursos e capacitações aos profissionais da área e principalmente ao público alvo dos aliciadores, em ambientes de ampla circulação como nas escolas, nas comunidades, nas periferias, nos portos, aeroportos como na mídia em geral. Quanto à atenção às vítimas devemos primar por um acolhimento justo, seguro e livre de preconceitos, pelo acesso à proteção e justiça social, além da garantia de oportunidade de uma nova vida através da reinserção social. Devemos agir também na repressão e responsabilização aos culpados, através da fiscalização, controle e investigação da violação aos direitos humanos, pois estes criminosos, freqüentemente para não dizer sempre, 122


saem ilesos da culpabilização de milhares de vidas enganadas, iludidas, maltratadas, destruídas pela crescente marginalidade altamente rentável de um comércio tão sujo, repulsivo e doentio como o tráfico de pessoas. Sem esquecer, contudo, que necessitamos de uma reestruturação das políticas públicas, pois as causas que levam as vítimas a essas condições subumanas estão consolidadas no seio da nação, por meio da profusão da injustiça econômica, da exclusão social, da restrição ao patrimônio cultural e da violência física e simbólica decorrente da questão social, agudizada pelas políticas neoliberais, alijando sujeitos da projeção de seus sonhos e de uma vida melhor.

REFERÊNCIAS ASSUNÇÃO, Marina Figueirêdo; SOARES, Dayana da Silva. Tráfico de Mulheres: Mercado Contemporâneo de Escravas Sexuais. Cidadania, direitos humanos e tráfico de pessoas – Manual para promotoras legais populares, 2009. BRASIL. Código Penal Brasileiro. Colaboração de PINTO, Antonio L. de Toledo; WINDT, Márcia V. dos Santos; CÈSPEDES, Lívia. 31. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. BRASIL. Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353) de 13 de maio de 1988. BRASIL. Leis. Protocolo de Palermo. nº 5.017 de 12 de março de 2004. BRASIL. Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Ministério da Justiça. Brasília, fevereiro de 2007. -BRASIL. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006. CECRIA, Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes. Relatório Preliminar da Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial. Brasília: CECRIA, 2002. MARX, K. O Capital – Crítica da Economia Política. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A. MORAIS, apud FERRARI, Sergio. O drama da escravidão moderna. {online}. Disponível em: http://uol. amaivos.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=18206&cod_canal=42. Acesso em 18/08/2012 ONU. Declaração dos Direitos Humanos, 1948. PESTRAF. Clipping sobre Exploração Sexual e Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes. Fontes: Jornal do Comércio; Diário de Pernambuco; o Estado de São Paulo; o Globo. Boletins Rets. 1996 – 2002. Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas./Secretária Nacional de Justiça. – Brasília: SNJ, 2008. PONTES, Nelma Maria. (A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de Goiás). País tem 241 rotas de tráfico humano: maior concentração em regiões pobres. Focando a Notícia: o jornalismo em ação.{online}. Disponível http:// www.focandoanoticia.com.br/2012/07/23/pais-tem-241-rotas-de-trafico -humano-maior-concentracao-em-regioes-pobres/ Publicado: 23/07/2012. Acesso: 17/08/2012. 123


DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS NO BRASIL: O ABORTO COMO MEIO EFETIVO DE AUTONOMIA

GRECHINSKI, Silvia Turra

RESUMO Este estudo tem como tema a controvertida e polêmica situação das mulheres que optam por realizar aborto. A discussão aqui apresentada tem o objetivo de trazer para reflexão as antagônicas posições relacionadas ao aborto, unindo ambas em defesa da vida. Defende-se a vida das mulheres nos casos de aborto legal (risco de vida da mãe, estupro) e nos casos em que elas têm autonomia para tomar as decisões que repercutem em suas próprias vidas (má-formação fetal, por exemplo). Em contrapartida, defende-se a vida de um futuro ser humano que ainda não possui meios para se defender, assim, tutela o Estado seus interesses. Esta reflexão, elaborada de modo imparcial, demonstra as perspectivas atuais e futuras a respeito dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, de modo interdisciplinar no campo jurídico e das ciências sociais.

PALAVRAS-CHAVE: aborto, direitos reprodutivos, cidadania.

INTRODUÇÃO O presente texto busca fomentar o debate sobre os direitos reprodutivos no Brasil, entendendo que a discussão existente entre favoráveis versus contrários ao aborto consiste em uma dialética entre decisões pessoais e políticas públicas envolvendo a vida. Independente do posicionamento adotado, a discussão permeia a defesa da vida, fato que interessa à sociedade e também merece atenção do ponto de vista jurídico. Procurando dialogar com o fato de que o aborto inseguro se caracteriza como problema de saúde pública, envolvendo aspectos demográficos, epidemiológicos e concernentes aos serviços de atendimento à mulher em situação de abortamento incompleto, utilizando para tanto os trabalhos apresentados na IX RAM – Reunião de Antropologia do Mercosul, realizada em Curitiba-PR, de 10 a 13 de julho de 2011. O aborto é penalizado por lei no Brasil, sendo que o Código Penal de 1940 prevê as excludentes de culpabilidade para os casos de aborto necessário – quando não há outro meio de salvar a vida da gestante – e nos casos de aborto para a gravidez resultante de estupro, discussão que ainda se apresenta ferrenha. (MACHADO, 2010). De acordo com a Organização Mundial de Saúde, estima-se que, globalmente, em torno de 46 milhões de gestações terminem em abortamentos induzidos a cada ano, sendo a metade realizada em condições inseguras (HEILBORN, 2011). O panorama brasileiro, apesar da ilegalidade, contempla também número expressivo de abortos voluntários por ano, feitos de modo clandestino: em torno de 1.400.000 a 2 milhões por ano , estimativa porque a mortalidade por abortamentos inseguros é colocada ao lado das infecções puerperais, precedida pelas doenças hipertensivas e síndromes hemorrágicas (que incluem, certamente, a incidência de muitos abortamentos). Não existem estatísticas confiáveis para se avaliar a incidência do aborto provocado. 124


Muitas mortes por aborto são computadas em outras causas de óbito, e muitos abortos são registrados nos hospitais como meros e genéricos “problemas no útero” . É necessária metodologia que capte o subregistro e a subnotificação dos abortamentos. Este trabalho pretende trazer para reflexão as antagônicas posições de ‘a favor’ e ‘contra’ o aborto, unindo ambas em defesa da vida, seja a vida da mulher ou do ser humano que está por vir. Defende-se a vida das mulheres, nos casos de risco de vida da mãe e estupro – o considerado aborto legal – e nos casos de aborto por má-formação fetal, quando as mulheres devem ter o direito de dispor de seu corpo e a autonomia para tomar as decisões que repercutem em suas próprias vidas. Em contrapartida, há a defesa pela vida do feto ou embrião, ser humano que virá a ser, que não possui meios de se defender, assim, tutela o Estado seus interesses.

METODOLOGIA Essa pesquisa foi realizada a partir de uma análise qualitativa dos artigos e narrativas apresentadas na IX RAM e também análise de materiais teóricos e jurídicos acerca do tema do aborto, trazendo dados para dialogar com essas pesquisas e teorias, mas primando o qualitativo como parte constituinte da pesquisa. Uma pesquisa qualitativa não fala em termos de quantidade, mas de significados, assim, por exemplo, se identificada uma só fala diferente, ela também foi considerada como elementar para pensar o trabalho, pois não se trata de maioria: são as pessoas, os indivíduos, que são concordantes, que me dão elementos para pensar, o que só um fala pensa aspectos talvez não colocados no trabalho. Consideramos também o que concluiu Lenoir (1998) de que um resultado social científico legítimo não é e não pode ser o produto de uma investigação empírica. Antes, é uma série de análises que relacionam constatações gerais sobre o tema a uns poucos pontos centrais. A pesquisa foi realizando também visando a experiência ética e política no processo de pesquisa, determinada fundamentalmente pelo lugar de fala do pesquisador. No caso desta pesquisa, é a luta por igualdade de direitos. Isso considerado, retomamos que foi feita uma análise densa das narrativas da RAM, buscando diálogo com a pesquisa que está sendo realizada no Mestrado em Sociologia da Universidade Federal do Paraná que visa compreender como se dá o agenciamento entre as mulheres em Curitiba/PR.

DISCUSSÕES São inúmeros os desafios que o tema do aborto encontra. Scavone (1999) relata que os direitos reprodutivos começaram a ser discutidos a partir da década de 1980, com origem no feminismo contemporâneo baseado nos princípios da autonomia e liberdade, tendo a mulher o direito ao próprio corpo. No Brasil, as noções de direitos reprodutivos, na década subsequente, estiveram centradas na contracepção, legalização do aborto e assistência à saúde. Pimentel (1996) fala da base comum para a questão do aborto, entendida como a sacralidade da vida, independente da vida ser do feto ou da gestante. A idéia de que a nossa vida tem um valor intrínseco e inviolável, ao mesmo tempo nos une e nos divide de uma maneira profunda e coerente – porque a concepção própria de uma pessoa sobre o que esta idéia significa 125


irradia-se através de toda sua vida. (PIMENTEL, 1996, p. 534). A intervenção do Estado na esfera privada e na esfera pública das relações, também traz à lume a questão da não intervenção do Estado nas relações sexuais e decisões do casal (esfera privada). Scavone (1999) coloca as mulheres brasileiras como alvo de políticas demográficas de cunho controlista. Clara está a proibição do aborto pelo Estado, sob o fundamento da defesa da vida, porém há que se concordar que, ao ser efetivada esta vida, garantia concreta nenhuma o Estado dá de dignidade e desenvolvimento saudável e próspero ao novo ser humano. Não garante que a mulher, agora mãe, efetivamente possa dar ao feto, agora seu filho, as mínimas condições que um cidadão necessita para sobreviver. O Estado não assegura que o novo ser humano terá seus direitos ao longo de sua vida, direitos básicos à saúde, à educação, à segurança. Essa responsabilidade, na prática, não se discute que acaba sendo dos próprios cidadãos. As mulheres que tomam a decisão de abortar o fazem mediante elementos facilitadores e possíveis cargas de culpa e de sofrimento imbricadas nas razões que as levam a esse processo, partindo-se da hipótese de que essas mulheres não atuam irresponsavelmente, mas em um contexto de sentimentos, perspectivas profissionais e relações afetivas/sexuais, dentre outros fatores, que produzem a emergência do aborto. Se considerados os argumentos em defesa da vida do feto, parte-se da premissa de que a gestante não é proprietária da vida deste. O embrião não é parte integrante do corpo da gestante, mas membro da espécie humana. (TEODORO, 2011). Colocado desta forma as divergências sobre o aborto, por mais dolorosas que sejam, radicam-se em uma fundamental unidade de convicção humanitária! Em relação à prevalência dos direitos das mulheres, cumpre ainda investigar a mortalidade materna, decorrente dos abortamentos inseguros, considerando-se a hipótese de subnotificação e sub-registro. (ROCHA, 2009). Os Direitos Sexuais e Reprodutivos estão inseridos no campo dos Direitos Humanos, por este motivo devem ser respeitados e assegurados através de instrumento jurídico. A construção jurídica dos Direitos Sexuais e Reprodutivos foi impulsionada em resposta à mobilização de mulheres, e muito pouco por motivo de elaboração do conceito no âmbito jurídico pelos operadores do Direito. Essa dimensão para a compreensão dos direitos da cidadania ainda é evitada habilmente na esfera jurídica, onde impera uma visão conservadora do Direito, nos temas envolvendo família, sexualidade e reprodução humana . Em pesquisa de campo realizada em Florianópolis-SC (MOTTA, 2011), apresentada no Grupo de Trabalho Aborto: práticas, discursos e significados, da IX RAM, as pesquisadoras depararam-se com diversas reapropriações de termos médicos pelas entrevistadas, que de forma geral recusam-se a procurar atendimento hospitalar, seja por medo da criminalização, seja pelo próprio preconceito. Assim, tem-se que os dados de atendimento em hospitais brasileiros pouco refletem quanto à realidade da prática de abortamentos. O que se observa nas reflexões das mulheres ouvidas na pesquisa citada é muito menos a simples observação participante do que a contradição e a incerteza. Quando a discussão ultrapassa os sentidos do contra ou a favor, que acionam discursos prontos e normatizados (condenatórios) prevalece a dúvida e a contradição diante das situações específicas. O tópico ‘aborto’ é todo marcado por reflexões de foro moral, ético e classificatório, muito mais complexo do que o sim ou o não, o contra ou a favor. Mesmo a mulher que assume abertamente a prática, que se posiciona a favor: a favor mas não de qualquer abortamento, em qualquer circunstância. (MOTTA, 2011). 126


Na pesquisa de Motta, as reflexões encontradas sobre o aborto trazem conteúdos religiosos presentes na experiência de decisão. O que não significa que isso seja feito de forma coerente, sem contradições. Conclui-se pela predominância da pluralidade, da contradição, de ambiguidades e de uma “inconsistência conceitual” com relação à própria ideia de aborto (o que é concebido como aborto pelas entrevistadas muitas vezes são situações de infanticídio ou de abandono de recém-nascidos). A pesquisa de Porto (2011) apresentada na IX RAM e que aborda também o abortamento como problema de saúde pública, visando a necessidade de conquistas cidadãs pelas mulheres, foi feito um estudo de caso de abortamento de feto “inviável”, que teve de ser clandestino diante das dificuldades para efetuá-lo legalmente. No trabalho, Porto analisa as situações que parecem repetir-se de forma importante nos hospitais em relação ao aborto legal e terapêutico, e que ilustraram o argumento central de sua tese . A autora demonstra que as tecnologias de imagem deram ao feto um caráter de indivíduo, um ser separado da mãe, com características e direitos próprios, autonomizando sua existência. O trabalho de Porto nos leva a refletir que Além das questões de saúde pública, notadamente no que diz respeito à necessidade de conquistas cidadãs para os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, há a carga emocional que se encontra imbricada na emergência da decisão de abortar. No aspecto da agencialidade, ou seja, a capacidade das pessoas de agir, tomar decisões e interpretar suas experiências por si mesmas, foi apresentado trabalho na IX RAM sobre as decisões reprodutivas, interrupção da gestação e agencialidade feminina em Salvador-BA (MENEZES, 2011). A análise foi centrada sobre as narrativas foram realizadas 67 entrevistas de mulheres entre os anos de 2008 e 2009, com mulheres que buscaram as unidades hospitalares para atendimento ao abortamento incompleto, trabalhando com “contexto de decisão” do abortamento. A primeira preocupação das mulheres entrevistadas, dentro desse contexto, é com o tempo considerado limite para realizar o aborto (há também menção de se evitar envolvimento afetivo com o feto). Uma segunda preocupação é com o momento exato de ir ao hospital, na medida em que caso a gravidez ainda esteja em curso os profissionais de saúde agirão no sentido de mantê-la, frustrando os objetivos das mulheres. Esta pesquisa revelou que as mulheres estão conscientes, através da experiência prática, que são elas as responsáveis pelo cuidado cotidiano dos filhos. É paradoxal se falar em responsabilidade, quando a autonomia na esfera reprodutiva das mulheres está tão longe, no Brasil, de se configurar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O debate e as lutas pela legalização do abortamento no Brasil contribuem para a evolução dos Direitos Sociais e Sexuais, mas ainda necessário se faz envidarmos esforços no sentido de se alargar o debate sobre o assunto, dando visibilidade à questão e afastando a clandestinidade, criando-se condições de que seja pressionado o Congresso Nacional para efetivas mudanças nas leis referentes ao abortamento. A discussão existente entre os favoráveis e os contrários ao aborto é, na verdade, uma dialética sobre as relações que envolvem a vida humana, e em que isto implica nas decisões pessoais e políticas públicas sobre o aborto. É imprescindível que se retome o caráter político transformador da luta pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos, para que essa luta não se torne aliada da política neoliberal, e possa contribuir efetivamente para a construção da cidadania reprodutiva das mulheres brasileiras. O reconhecimento, pelo Direito 127


Constitucional, do direito das mulheres sobre seus corpos e sua sexualidade, é pré-requisito e não barreira para futuras demandas. Isso é cidadania. E a garantia, por parte do governo, a essas demandas, é garantia para que o Direito Constitucional não seja meramente ilusório e para que o Brasil esteja inserido no contexto mundial de assegurar os Direitos Humanos às mulheres.

REFERÊNCIAS HEILBORN, Maria Luiza; CABRAL Cristiane S.; CORDEIRO, Fabiola. Perspectivas geracionais de mulheres sobre o aborto. In: IX REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL – CULTURAS, ENCONTROS E DESIGUALDES, 9., 2011. Anais... Curitiba: UFPR, 2011. LENOIR, Remi. O objeto sociológico e problema social. In: CHAMPAGNE, Patrick; LENOIR, Remi; MERLLIÉ; PINTO, Louis. Iniciação à prática sociológica. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 59-106 MACHADO, Lia Zanotta. Entre o estado laico e o estado moral: as disputas políticas em torno da legalização do aborto. In: IX REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL – CULTURAS, ECONTROS E DESIGUALDES, 9., 2011. Anais... Curitiba: UFPR, 2011. MENEZES, Greice Maria de Souza; REIS, Ana Paula dos; BELAUNDE, Luisa Elvira. Decisões reprodutivas, interrupção da gravidez e agencialidade feminina em Salvador-BA. In: IX REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL – CULTURAS, ENCONTROS E DESIGUALDES, 9., 2011. Anais... Curitiba: UFPR, 2011. MOTTA, Flávia de Mattos. Não conta pra ninguém: o aborto segundo mulheres de uma comunidade popular urbana. In: IX REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL – CULTURAS, ENCONTROS E DESIGUALDES, 9., 2011. Anais... Curitiba: UFPR, 2011. NUNES, Maria José F. Rosado; SANTOS, Myriam Aldana. Aborto: conversando a gente se entende. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 1997. PIMENTEL, Silvia. A sacralidade da vida e o aborto: idéias (in)conciliáveis? Estudos Feministas. IFCS/ UFRJ. Volume 4 nº2/96, p. 532-538. PORTO, Rozeli Maria. Entre segredos revelados e camuflados: o impacto das tecnologias de imagem sobre casos de má-formações fetais. In: IX REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL – CULTURAS, ENCONTROS E DESIGUALDES, 9., 2011. Anais... Curitiba: UFPR, 2011. ROCHA, Maria Isabel Baltar. Aborto: investigação, ação e prioridades em pesquisa. In: ROCHA, Maria Isabel Baltar; BARBOSA, Regina Maria (Orgs.). Aborto no Brasil e países do Cone Sul: panorama da situação e dos estudos acadêmicos. Campinas: UNICAMP, 2009. P. 112-117. SCAVONE, Lucila. Direitos reprodutivos, políticas de saúde e gênero. In: XXIII Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais – ANPOCS. Caxambu-MG, 1999. Disponível em: < seer.fclar.unesp.br/estudos/article/download/196/192> Acesso em: 01 jun 2010. TEODORO, Frediano José Momesso. Aborto eugênico. Delito qualificado pelo preconceito ou discriminação. Curitiba: Juruá, 2011. 128


A INSERÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO: UM DEBATE DE GÊNERO

LISBOA, Adriana Araujo de

RESUMO

Este trabalho apresentar as primeiras discussões do Projeto de Pesquisa da Especialização Gestão em Políticas Públicas com Foco em Gênero e Raça GPP - GeR. Aqui são apresentadas as primeiras discussões tecida sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho, buscando refletir como estão presentes no cotidiano profissional os preconceitos e discriminações por questões de gênero. Reafirma-se que ainda é muito presente em nosso país o preconceito e a discriminação em relação às mulheres.

Palavras-chave: Gênero, Mercado de trabalho, preconceito, discriminação.

INTRODUÇÃO

O nosso país tem desde sua formação sócio-histórica uma forte relação com o preconceito de gênero, este ainda está presente na atualidade. Um dos espaços que se evidenciam muito bem a desigualdade de gênero é a inserção no mercado de trabalho. Nesse sentido é que este trabalho pretende abordar a inserção das mulheres no mercado de trabalho.

METODOLOGIA

O Projeto de Pesquisa pretende analisar a inserção das mulheres que fazem parte do Programa Mulheres Mil – Campus Estância no mercado de trabalho. Atualmente são ofertadas 100 vagas do curso de Pintora Residencial, na modalidade Formação Inicial e Continuada/FIC, para mulheres em situação de vulnerabilidade social da cidade de Estância/SE. O referido Programa objetiva viabilizar o ingresso e a permanência da população feminina brasileira com maior vulnerabilidade nas instituições, visando à inclusão educacional e à promoção social e econômica dessas mulheres. O presente artigo busca fazer alguns apontamentos sobre as questões de gênero e a inserção da mulher no mercado de trabalho, buscando subsídio na literatura sobre tal temática para discutir como acontecem as 129


questões de preconceito e discriminação por questões de gênero. Até o presente foi realizado um levantamento bibliográfico das produções escritas sobre o tema, buscando assim subsidiar as reflexões aqui propostas, bem como aprofundar as discussões sobre a referida temática. O universo da pesquisa se constitui de 100 mulheres, deste universo pretendem aplicar um questionário a uma amostra de 10% das mulheres. Serão analisados os dados informados pelas mulheres no momento de inscrição para o curso, o qual possibilita traçar um perfil destas mulheres.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Atualmente vários estudiosos e militantes de diversos movimentos sociais vem discutindo sobre questões de gênero e seus rebatimentos na vida cotidiana, estes atores sociais lutam por desvelar os mais diversos tipos de preconceitos presente em nossa sociedade, bem como as diversas formas de discriminações em decorrência de questões de gênero. Nesse sentido compreendemos discriminação como conceitua a OIT na Convenção nº 111. Por discriminação se entende, tal como definido na Convenção nº 111 da OIT, que foi ratificada pelo Brasil em 1965, tratar as pessoas em forma diferenciada e menos favorável, a partir de determinadas características pessoais, tais como, entre outras, o sexo, a raça, a cor, a origem étnica, a classe social, a religião, as opiniões políticas, a ascendência nacional, que não estão relacionadas com os seus méritos e nem com as qualificações necessárias ao exercício do seu trabalho (Abramo, 2004, p. 01, grifos nossos).

Ao estudar sobre o fator discriminação em decorrência de questões de gênero, é necessário articular o debate com as questões raciais, de acordo com Pinheiro (2008, p. 33) os dados pesquisados evidenciam que há uma “dupla discriminação sofrida pelas mulheres negras nos múltiplos espaços sociais e, em especial, no mercado de trabalho”. Para entendermos como ocorrem as discriminações em relação às questões de gênero e raça é necessário apresentar o entendimento sobre tais categorias. Corroborando com os estudiosos da área afirmamos que o conceito de raça é carregado de ideologia, só tendo sentido em utilizá-lo para dar visibilidade à existência do racismo presente em nossa sociedade, buscando explicitar as relações de poder e dominação presente no país, bem como expor a prática do racismo presente na sociedade. A categoria raça constitui um recurso metodológico indispensável para a identificação das desigualdades raciais, presente em nossa sociedade (COSTA, 2002). O entendimento em relação à questão de gênero esta relacionada ao modo como a sociedade constrói as representações sobre o ser mulher e o ser homem, ou seja, as relações de gênero são características atribuídas a cada sexo pela sociedade e sua cultura, entendendo gênero como uma construção social e histórica. De acordo com Lauretis apud Carloto o termo gênero constitui a representação de uma relação social, o pertencer a uma classe, um grupo, uma categoria, não representando um indivíduo, mas sim uma relação social. 130


O termo gênero é uma representação não apenas no sentido de que cada palavra, cada signo, representa seu referente, seja ele um objeto, uma coisa, ou ser animado. O termo “gênero” é, na verdade, a representação de uma relação, a relação de pertencer a uma classe, um grupo, uma categoria. Gênero é a representação de uma relação (...) o gênero constrói uma relação entre uma entidade e outras entidades previamente constituídas como uma classe, uma relação de pertencer (...). Assim, gênero representa não um indivíduo e sim uma relação, uma relação social; em outras palavras, representa um indivíduo por meio de uma classe.

Nesse sentido ao investigar como o preconceito de gênero se expressam nas relações de trabalho torna-se necessário analisar como se deu a inserção das mulheres no mercado de trabalho brasileiro, bem como analisar os avanços e desafios que tais segmentos ainda enfrentam ao inserir-se no mercado de trabalho atualmente. O mercado de trabalho no Brasil em décadas passadas era um espaço de hegemonia dos homens, as mulheres não tinham o horizonte da carreira profissional ou a participação na vida pública como metas preponderantes, não tendo participação significativa na população economicamente ativa, até a metade do século XX. No entanto, na atualidade a presença delas no mercado de trabalho é expressiva, o que vem contribuindo para desvelar as desigualdades e as discriminações se comparadas aos homens, tanto no espaço público como no privado. Apesar da presença expressiva da mulher no mercado de trabalho ainda predomina muitas discriminações, em que as mesmas ainda não tem o devido reconhecimento, percebendo em muitos dos casos menores salários, mesmo assumindo as mesmas funções. Ao estudar sobre a inserção no mercado de trabalho considerando as questões de gênero é necessário analisar a questão a partir do prisma de como se estrutura a divisão do trabalho, neste sentido Valenzuela argumenta que (1999, p.151). Em torno do gênero é estruturada a divisão entre trabalho remunerado — produtivo — e trabalho doméstico — reprodutivo —, sendo designado à mulher a responsabilidade deste. O gênero também estrutura a divisão dentro do trabalho remunerado entre ocupações e posições mais valorizadas, com uma concentração maior de homens, e aquelas de menor prestígio e recompensa, onde se situam majoritariamente as mulheres. A divisão sexual do trabalho tem marcas históricas vinculadas ao papel que historicamente foi reservado para o homem e a mulher na sociedade, o espaço da produção foi visto como o espaço reservado ao homem e o espaço da reprodução reservado a mulher. Existe historicamente uma dicotomia em que a mulher foi “criada” para assumir os espaços de cuidados com a família – casa (espaço privado) e o homem voltado para o espaço público - provedor da família. Apesar desta divisão já está passando por um processo de mudanças e as mulheres já se apropriarem mais dos espaços públicos, ainda permanece uma forte cultura em vê a mulher como a responsável com os cuidados com a família-casa. Elas estão submetidas a duplas/triplas jornadas de trabalho. Conforme aponta Brito e Oliveira apud Carloto é necessário analisar que a divisão sexual do trabalho está inserida na divisão sexual da sociedade em que existe uma clara articulação entre trabalho de produção e reprodução. A divisão sexual do trabalho não cria a subordinação e a desigualdade das mulheres no mercado de trabalho, 131


mas recria uma subordinação que existe também nas outras esferas do social. Portanto a divisão sexual do trabalho está inserida na divisão sexual da sociedade com uma evidente articulação entre trabalho de produção e reprodução. E a explicação pelo biológico legitima esta articulação. O mundo da casa, o mundo privado é seu lugar por excelência na sociedade e a entrada na esfera pública, seja através do trabalho ou de outro tipo de prática social e política, será marcada por este conjunto de representações do feminino. Vale ressaltar que a conquista que as mulheres já conseguiram de inserção no mercado de trabalho, está vinculado às conquistas femininas em relação ao fato delas poderem ter uma vida sexual e escolher ser ou não mãe, planejar a ocasião da maternidade, prolongar esta decisão, decidir o número desejável de filho fatos estes que tem um substantivo impacto em suas vidas. Este fato está associado entre outros ao surgimento da pílula anticoncepcional na segunda metade do século XX. Segundo o estudo realizado Pinheiro [et al.] o trabalho doméstico remunerado explicita uma das facetas mais profunda e histórica da desigualdade social em nosso país, traz em seu cerne a herança da sociedade escravista e patriarcal. Uma das dimensões em que se percebe mais explicitamente o caráter profundo e historicamente desigual da sociedade brasileira é o trabalho doméstico remunerado. Ocupação tradicionalmente dotada de baixo valor social e nicho de mulheres e meninas negras e também de pobres, reúne em si a continuidade dos traços mais perversos da herança escravista e patriarcal (2008, p. 27). O estudo realizado pelas autoras Barsted e Pitanguy (2012, p. 150) traz um elemento importante para discussão ao demonstrar que as mulheres negras são mais discriminadas do que as brancas. Chama a atenção, no entanto, para o fato de que as negras são as trabalhadoras mais discriminadas em todo o país. As brancas, por sua vez, estão mais bem representadas nos melhores empregos, nos setores mais organizados da economia, nos quais a probabilidade de obter salários mais elevados e melhores condições de trabalho é mais alta. Ao analisar a questão da inserção no mercado de trabalho fica evidente que as mulheres, principalmente as negras ocupam mais espaços nas ocupações informais, que estão mais expostos à precariedade das relações de trabalho, estando inserido em grande número em espaços como o espaço doméstico. Nesse sentido a OIT afirma que: As mulheres e os negros são mais presentes nas ocupações informais e precárias e as mulheres negras são a grande maioria no emprego doméstico, uma ocupação que possui importantes déficits no que se refere ao respeito aos direitos trabalhistas. Este breve retrato evidencia que ao falarmos de gênero e raça nos referimos a problemas estruturais que atingem a grande maioria da população brasileira (p.02). Ao analisar a inserção da mulher no mercado de trabalho é importante considerar que a articulação dos papéis familiares e profissionais limita muito a disponibilidade existente das mulheres para o trabalho, pois, as mesmas dependem de uma complexa combinação de características pessoais e familiares. Corroboramos com a afirmação de Abramo (2004, p. 2) ao “assinalar que as desigualdades de gênero e raça são eixos estruturantes da matriz ou do padrão de desigualdade social no Brasil, padrão esse que está na raiz da permanência e reprodução das situações de pobreza e exclusão social”, sendo este fato perpetuado por décadas. 132


Entendendo que o mercado de trabalho é permeado por diversas desigualdades, sendo ”um dos espaços nos quais tanto as mudanças como as reproduções de desigualdades são visíveis. Por isto, ainda há muito que se avançar em termos de políticas efetivas que suprimam ou, ao menos, minimizem, a parte desfavorável do cenário” (ARAÚJO E GUEDES, 2010, p.50). Nesse sentido reafirmamos o importante papel a ser desempenhado pelas políticas públicas, no sentido de ofertas ações que busquem superar as desigualdades de gênero e raça no país. Segundo Pereira (1999, p. 109) a política pública não é esfera de atuação somente do Estado, mas esfera de atuação também da sociedade que passa a ter representatividade e poder de decisão e controle social sobre a política, nesse sentido os movimentos sociais vem desempenhando uma forte atuação. Nesse sentido reafirmamos de como é importante a incorporação das questões de gênero e raça nas políticas públicas, entendo que esta incorporação é um processo relativamente recente, sendo um resultado das demandas dos movimentos organizados de mulheres e de negros, que forjam espaços de lutas e conquistas sociais, seja nos movimentos sociais nacionais e internacionais, bem como a inserção destes nos organismos nacionais e internacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se o quanto é relevante estabelecer o debate e a reflexão em torno da questão da inserção da mulher no mercado de trabalho, o que possibilita refletir como se apresenta esta inserção, bem como desvelar as discriminações e os preconceitos a este segmento, compreendo que estas questões têm raízes históricas em nossa sociedade. Verifica-se que a literatura dar subsídio a afirmar que ainda é muito presente em nosso país o preconceito e a discriminação em relação às mulheres, estas estão submetidas a duplas e/ou triplas jornadas de trabalho, recebem uma menor remuneração, estão inseridas em ocupações sociais de menor prestígio social. Espera com o presente estudo contribuir para debate sobre a referida temática.

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ARAÚJO, Clara, GUEDES, Moema. Igualdade de Oportunidade: a distância entre proposições e ações. IN 133


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FAMÍLIA, GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA INFÂNCIA FERREIRA, Flávia Moreira

RESUMO Família, Gênero e Violência doméstica na infância são categorias que se entrelaçam durante muito tempo no contexto sócio-histórico do nosso país. Partindo dessa perspectiva, o seguinte artigo procura dar ênfase à violência praticada no núcleo familiar, levando-nos a refletir sobre as diversas relações que perpassam na vida de adultos (as) e crianças. Nesse contexto, será dado destaque às relações de gênero, enfatizando como essas relações transformam os indivíduos em homens e mulheres. Assim, o presente trabalho, realizado por meio de pesquisa documental e empírica, tem como objetivo analisar as relações de gênero construídas desde a infância de pais, mães e filhos (as), acompanhados pelo Projeto Família Cidadã, com o intuito de perceber quais suas influências na violência doméstica contra crianças. Através de entrevistas realizadas às vítimas e agressores (as), como também, por meio de pesquisa bibliográfica, apreendemos que a violência doméstica praticada contra crianças é perpassada por várias relações, dentre elas, o gênero aparece como um dos determinantes que favorecem para a execução desse episódio, bem como, a configuração para que este acontecimento seja recorrente, transcorrendo de geração a geração.

Palavras-chave: Família. Gênero. Violência doméstica na infância.

INTRODUÇÃO

Coisa de menino, coisa de menina, isso pode, isso não pode, vários valores, crenças, hábitos, compor-

tamentos, papéis são impostos na construção da personalidade dos indivíduos. São imposições exercidas e legitimadas pela família, Igreja, Estado e sociedade, com o pressuposto de preparar as crianças para a vida social (DURKHEIN, 1978). A verdade é que para transmitir tais valores, ou por influência dos mesmos, muitas pessoas fazem uso de práticas que ferem a integridade física ou moral de outras e usam como justificativa o mito da educação . Neste contexto insere-se a violência doméstica contra crianças, e seu conceito pode ser encontrado em Guerra (2001, P.32-33), quando relata que:

(...) A violência doméstica contra crianças e adolescentes representa todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico, à vítima – implica, de um lado, uma transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser 135


tratados como sujeitos e pessoas em condições peculiar de desenvolvimento. Sendo assim, a violência doméstica é percebida como algo prejudicial à integridade física, psicológica e/ou sexual de crianças e adolescentes. E nessa perspectiva, essa violência vem, há décadas, atraindo a atenção de um público amplo. No Brasil, essa atenção passou a decorrer, com maior veemência, a partir da década de 80. Com a criação do Estatuto da Criança e do adolescentes, Lei Federal 8.069/90, o país foi o pioneiro na implantação de uma legislação reconhecida internacionalmente como um avanço em termos da proteção integral de crianças e adolescentes. Entretanto, ainda em tempos atuais, a violência doméstica contra crianças é um fenômeno presente no cotidiano familiar. Para Osterne (2004, p.54), a família organiza-se como um espaço de produção, de rendimentos e de consumo, no entanto, encontra-se multifacetada. A autora destaca que “Na cotidianidade da vida, a família torna-se escola, agência de serviço social, igreja, posto de saúde, restaurante, espaço privado de cada um, rico em ambivalências, tragicidade, sonhos e ilusões (...)”. A família é, portanto, uma construção que varia segundo o contexto sócio-histórico, econômico e cultural no qual está inserida. Para Osterne (1991) o conceito de família é entendido como: (...) Algum lugar seja o lar, a casa, o domicílio, o ponto focal onde se possa desfrutar do sentido de pertencer, onde se possa experimentar a sensação de segurança efetiva e emocional, onde se possa ser alguém para o outro, apesar das condições adversas mesmo independente das relações de parentesco e consangüinidade. Algo que pode ser pensado como local de retorno, o destino mais certo. Local para refazer-se das humilhações sofridas no mundo externo, expandir a agressividade reprimida, exercitar o auto controle, repreender, vencer o outro, enfim, sentir-se parte integrante. (OSTERNE, 1991, apud OSTERNE, 2004, p. 65) Mesmo com todas as mudanças ocorridas nos modelos de família, ainda permanecem conservados alguns valores propícios às desigualdades entre homens e mulheres, adultos (as) e crianças, brancos (as) e negros (as). As desigualdades vão apenas mudando de nome (patriarcalismo, autoritarismo, machismo, racismo), mas todas têm o mesmo objetivo que é de estabelecer relações desiguais de um indivíduo (ou mais) sobre outro(s). Isto faz da família um lugar de contradição, que aborda experiências positivas e negativas, que acolhe e também expulsa. Dentre as relações de desigualdades presentes na família estão as relações de gênero que perpassam entre pai, mãe, filhos e filhas, todos num ciclo conflituoso que dificilmente se fecha, pois vai passando de geração em geração (SAFFIOTI, 2004). No tocante ao conceito sobre a temática gênero, prevalece uma concepção comum entre seus(as) pesquisadores(as): “(...) Cada feminista enfatiza determinado aspecto de gênero, havendo um campo, ainda que limitado, de consenso: o gênero é a construção social do masculino e do feminino” (SAFFIOTI, 2004, p.45). Segundo Gema Esmeraldo (2005) o feminino e o masculino são representações dos sexos, ou seja, para se identificar o sexo de um indivíduo, usa-se representações associadas ao feminino ou masculino. Dessa forma, estes gêneros são construções sociais determinadas de acordo com a cultura, etnia, raça, classe, idade, religião de cada ser humano. Então, para defini-los, são utilizados símbolos introduzidos através de valores, normas, comportamentos, objetos, dentre outros, por várias instituições tais como: família, escola, igreja, etc. Diante dessa realidade, considerando que o núcleo familiar encontra-se, em alguns casos, permeado pela violência, o fio condutor deste trabalho propõe compreender como as relações de gênero influenciam ou influenciaram na violência doméstica contra crianças. A escolha do tema partiu da experiência no campo de estágio como estudante do curso de Serviço social, no Projeto Família Cidadã, da Coordenadoria da Criança e do Adolescente – FUNCI, da Secretaria 136


de Direitos Humanos de Fortaleza, onde foi realizado um acompanhando às famílias em situação de vulnerabilidade e/ou risco social, engajadas no referido projeto. Diante do exposto, o objetivo geral desta pesquisa consiste em analisar em que medida as relações de gênero, construídas desde a infância de pais/mães e filhos/filhas, estão interligadas com a violência doméstica praticada contra crianças, tomando como referência as famílias atendidas pelo Projeto Família Cidadã. Dos objetivos específicos, procede: identificar o perfil socioeconômico dos (as) agressores (as) e vítimas; interpretar as relações de gênero que perpassam na infância de vítimas e agressores (as); investigar quais motivos que levam pais e mães a praticarem atos de violência contra seus (as) filhos (as); e, por fim, verificar se existem diferenças entre a violência sofrida pelos meninos e a violência sofrida pelas meninas. Para alcançar os objetivos supracitados, fiz uso de pesquisa documental e empírica, sobre as quais será descrito posteriormente todo o percurso e procedimentos utilizados. Concomitante a isso, serão apresentados os dados coletados na pesquisa empírica, a partir de uma relação dos mesmos com o que foi ressaltado pelos (as) autores (as) estudiosos (as) sobre a temática. Assim, Gênero, Família e Violência Doméstica contra crianças, são as categorias que norteiam o estudo em questão.

METODOLOGIA A pesquisa utilizou abordagens metodológicas de natureza qualitativa, por representar a forma que melhor se adequou a este estudo. Segundo Roesch (2007), a abordagem qualitativa tem o objetivo de aprofundar o nível de conhecimento de algum conceito. Assim, ao realizar as entrevistas, foi perceptível que cada caso tinha suas especificidades e cada indivíduo reagiu de forma diferente. Também foi realizada pesquisa bibliográfica, com base em livros e periódicos científicos. Além disso, foi utilizada a pesquisa documental, com consulta de arquivos, prontuários, relatórios e tantos outros documentos que serviriam como fonte para qualquer tipo de informação sobre as famílias analisadas, inclusive os registros referente aos grupos realizados com essas famílias (mensagens, colagens, cartazes, textos, desenhos, fotos e todos os relatórios construídos pelas facilitadoras do mesmo). Por fim, foi desempenhada pesquisa empírica, com auxílio da observação participante, o que aconteceu desde a participação em grupos e visitas domiciliares aos sujeitos desta pesquisa. Para coletar os dados, foi usada entrevista semi-estruturada. Para eficiência na aplicação dessa técnica, foi elaborado um roteiro de perguntas com perguntas abertas e fechadas. Foram entrevistadas, entre os anos de 2008 a 2009, dezessete pessoas: seis crianças, um pai, um padrasto e seis mães. Os outros membros da família contribuíram enquanto informantes, na medida em que relatavam fatos e situações que envolviam os (as) entrevistados (as).

DISCUSSÕES

De acordo com a pesquisa, foi possível traçar o perfil sócio-econômico dos (as) entrevistados (as). Dessa forma, partindo das observações referentes aos (as) agressores (as) temos que, dos (as) 08 entrevistados (as), 70% são do sexo feminino, apresentam idade entre 25 a 40 anos, consideram-se em sua maioria parda, havendo duas que se consideram negras, uma indígena e um branco. Quanto à situação econômica, 06 agressoras, em sua totalidade, trabalham com serviços domésticos, e os 02 agressores por sua vez, com construção 137


civil. Essa informação nos dá margem para analisarmos os aspectos de gênero, nos quais a mulher, desde a infância, é ensinada a ‘cuidar da casa’ enquanto que ao homem é cobrado o trabalho fora de casa. Com relação à escolaridade, temos que ainda não concluíram o Ensino Fundamental. No que diz respeito à renda familiar, a maioria encontra-se em situação de pobreza, com renda per capita entre R$ 100 a 300 (cem a trezentos reais). Esses dados podem ser observados nos gráficos abaixo: Escolaridade - Mães/Pais

Renda Familiar Mensal

1ª Série do Ensino Fundamental 1

1 1

2

2ª Série do Ensino Fundamental

R$100,00 a R$300,00

3

3ª Série do Ensino Fundamental

4

4ª Série do Ensino Fundamental

3

1

8ª Série do Ensino Fundamental

R$301,00 a R$500,00 R$501,00 a R$700,00

Gráfico 2: Referente à renda familiar mensal dos (as) agressores (as) Fonte: Pesquisa de campo, Out/2009

Gráfico 4: Refere-se à idade das vítimas

Gráfico 3: Refere-se às atividades extra-escolares realizadas pelas vítimas

Fonte: Pesquisa de campo, Out/2009

Fonte: Pesquisa de campo, Out/2009

Idade - Crianças

1

1

1

Tarefas Domésticas

9 anos

Reforço Escolar

12 anos 3

138

1

8 anos 10 anos

1

Ocupação do Tempo no Contraturno Escolar

Brincadeiras 4


De acordo com a pesquisa identificamos que todos os agressores foram vítimas de violência durante sua infância. Os mesmos não se percebem enquanto agressores e identificavam como violência apenas a violência física que era praticada com exageros. Percebemos diferenças entre as violências praticadas pelas mulheres, que possuíam um caráter educativo, enquanto que a praticada pelos homens tinham um caráter punitivo. Nos depoimentos dos agressores do sexo masculino foram colocados que as dificuldades em prover o sustento da família acarretam num desgaste sócio-econômico e emocional contribuindo para a prática da violência. Percebemos que, na maioria dos palavrões utilizados pelos (as) agressores (as), a mulher é sempre atingida de forma pejorativa. Seja “filho da puta”, “fie de rapariga”, “puta que pariu” ou “fie de corno”, essa violência, mesmo quando praticada contra homens, atinge de certa forma a imagem da mulher. Percebemos também que existem diferenças com relação à violência praticada contra meninos e meninas. Essa diferenciação está relacionada aos cuidados, às cobranças e aos limites estabelecidos para o sexo feminino e masculino. As meninas geralmente eram agredidas por não poderem permanecer nas ruas e por serem privadas de sua sexualidade. No que concerne aos motivos que levam os meninos a serem vitimizados estão: freqüência de Gráfico 1: Referente à escolaridarua, brigas na escola, briga entre irmãos, uso de drogas, dentre outros.De modo geral, os relatos dos (as) entrede dos (as) vistados (as) demonstraram que existem várias diferenças entre a forma que meninos e meninas são educados agressores (as) (as), assim como também é diferente a forma como são agredidos (as). Além disso, percebemos que pais e Fonte: Pesquisa de campo, Out/2009 mães violentam seus filhos por diferentes motivos. Em todos os casos, percebemos que as relações de gêneros estabelecidas desde a infância atuam como elemento fundamental na prática dessas violências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o que foi apresentado, podemos considerar que a violência, qualquer que seja ela, instaura-se a partir das relações que são construídas entre os sujeitos. Essa violência encontra-se presente no nosso cotidiano e principalmente, no cotidiano de famílias em situações de vulnerabilidade e/ou risco social. As vítimas são sempre aqueles que encontram-se em uma posição desfavorável tais como crianças e mulheres. Ao analisarmos a realidade dos (as) entrevistados (as), captamos que todos (as), sem exceção, foram vítimas de violência em suas infâncias. Dentre as relações analisadas, destacamos as relações de gênero como determinantes, pois, com base nos estudos de Saffioti (1992), o gênero é estruturante da sociedade uma vez que perpassa por todas as relações (seja de classe, étnica, intergeracional, profissional, etc.) construídas entre os (as) indivíduos (as). É nesse sentido que a pesquisa em epígrafe procurou denotar que homens e mulheres tornam-se vítimas ou agressores (as) numa sociedade machista que exclui os (as) indivíduos (as) conforme o lugar, classe, etnia, idade ou sexo ao qual pertence. Assim, acreditamos que este estudo representa uma pequena contribuição para o avanço do conhecimento acerca da violência doméstica contra crianças, ao ultrapassar a simples descrição dos fatos, procurando analisar todas as dimensões que perpassaram no decorrer da pesquisa, trazendo à luz a compreensão de que, além da relação de poder existente entre pais, mães e filhos (as), há outras relações, tais como as relações de gênero que são determinantes na formação desses (as) indivíduos (as) enquanto agressores (as) e vítimas. Sobretudo, nosso maior desafio, a partir de então, é tentar desconstruir e reconstruir conceitos, valores e regras, 139


para traçar um redesenho de uma sociedade mais justa para meninos, meninas, homens e mulheres.

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LEI MARIA DA PENHA: PREVENÇÃO E PROTEÇÃO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO EM AMBIENTE DOMÉSTICO E FAMILIAR1

ARAUJO, Yashmin Michelle Ribeiro2. RESUMO Debates ocorridos no Brasil desde a década de 70, ajudados pelas lutas permanentes de feministas e a articulação do movimento de mulheres, deram visibilidade a um problema de raízes histórico-culturais e patriarcais, a violência dita de gênero contra as mulheres. A repercussão do caso da biofarmacêutica Maria da Penha, vítima de duas tentativas frustradas de homicídio por seu ex-marido, provocaram a condenação do Brasil, culminando na resposta nacional aos tratados internacionais protetores dos Direitos Humanos das Mulheres, outrora ratificados. Referida resposta veio, entre outras coisas, através da sanção em 7 de agosto de 2006, da Lei nº 11.340, a Lei Maria da Penha, que coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de prever a criação de Juizados e alterar o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução penal, em favor dos direitos humanos e da proteção às mulheres vítimas de violências.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência doméstica e familiar. Gênero.

INTRODUÇÃO Se em anos anteriores, “em briga de marido e mulher não se metia a colher”, desde a década de 70, as feministas e o movimento de mulheres vêm lutando em favor da efetivação de estratégias de combate à violência e à educação sexista de nossa sociedade, assim como pela igualdade de direitos entre homens e mulheres. Na referida década, as feministas alcançaram a publicização da violência doméstica, que passou a ser considerada questão de Estado, não mais restrita ao ambiente privado, bem como divulgaram o movimento “quem ama não mata” contra a impunidade dos companheiros que assassinavam suas mulheres em “defesa da honra”, culminando em 2002, através do consórcio entre as entidades: CEFEMEA, ADVOCACY, AGENDE, CEPIA, CLADEM e THEMIS, na elaboração de um projeto de lei para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher. Dito projeto apresenta as bases do que corresponde hoje à Lei Maria da Penha, 11.340/06. Não se pode esquecer a importância dos diversos tratados e acordos internacionais em defesa dos direitos humanos das mulheres, como o foram a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que havendo sido ratificadas pelo Brasil e descumpridas, ocasionaram a denúncia de organizações de defesa dos direitos humanos e de Maria da Penha Fernandes à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, obrigando o país a efetivar o julgamento do ex-marido da cearense e recomendando-o a elaborar uma 1

Este trabalho apresenta parte das leituras da autora, referentes a seu provável projeto de monografia. Foi elaborado sob orientação da Profa. Dra. Maria do Socorro Ferreira Osterne (UECE).

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Graduada em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Estudante de graduação do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Membro do Laboratório de Seguridade Social e Serviço Social (LASSOSS). Fortaleza/CE. E-mail: yashminmichelle@ yahoo.com.br

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lei específica para tratar da violência contra as mulheres. A Lei Maria da Penha se constitui assim como conquista efetiva dos movimentos organizados e atuantes na luta pela equidade de direitos entre homens e mulheres e a eliminação da impunidade dos agressores de mulheres em ambiente doméstico. Traz grandes diferenças no processamento dos crimes, no atendimento policial, cria os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres, bem como medidas protetivas de urgência para as vítimas, entre outras coisas. O compromisso do país com as mulheres em situação de violência doméstica e familiar, bem como discriminadas por seu sexo é, enfim, concretizado, sendo reconhecida a necessidade de atuar fortemente no combate à eliminação da impunidade dos agressores. Apesar disso, a gravidade do problema é ainda notável. Um estudo divulgado no presente ano, 2012, coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz e batizado de “Mapa da Violência de 2012: Homicídios de Mulheres no Brasil” apontou que o Brasil é o sétimo país com maior índice de homicídios de mulheres, entre um conjunto de 84 países. “De acordo com a pesquisa, a taxa de homicídio no país ficou em torno de 4,4 vítimas para cada 100 mil mulheres”. (O Estadão.com.br, 07/ mai/2012). Desse modo, a pesquisa documental e o engajamento na luta pela emancipação feminina e extinção da violência doméstica contra elas, é fundamental. Nosso trabalho propõe discutir acerca da importância da sanção da Lei 11.340/06 no combate, prevenção, proteção e erradicação da violência doméstica e familiar contra as mulheres. O seio familiar é o ambiente em que precipuamente as brasileiras são agredidas, legitimando os princípios da educação sexista e as raízes socioculturais de opressão/dominação de um sexo sobre o outro, que “justificam” atos violentos sobre as “oprimidas”. Há uma distribuição desigual da autoridade no seio familiar, revelando a existência das relações de gênero, que se constroem como relações de poder, nas quais o gênero masculino se sobrepõe ao feminino, produzindo desigualdades de direitos e oportunidades para o primeiro. Se a mulher descumpre as regras de conduta que historicamente e socialmente lhes foram impostas, o ato violento dentro de casa, pode ocorrer. Com a finalidade de apresentar os pontos mais relevantes da Lei em discussão, abordaremos o processo de sua constituição, no que diz respeito a importância de alguns tratados internacionais em favor dos direitos humanos das mulheres, o papel de Maria da Penha Fernandes, bem como pontuaremos ideias historicamente construídas para justificar ou considerar a mulher como ser obrigado à submissão às vontades masculinas. Tal percurso é importante para revelar as origens do que hoje consideramos “relações de gênero”, responsáveis, a nosso ver, pela violência praticada contra as mulheres em suas casas, uma vez que consideradas propriedades subservientes ao “macho”.

METODOLOGIA O presente texto diz respeito à parte das leituras realizadas para a elaboração de trabalho curricular referente ao anteprojeto de monografia. Referidas leituras correspondem à questão de gênero e à violência contra a mulher, bem como à Lei Maria da Penha, oriunda da luta da vítima que intitula dita Lei, feministas, e órgãos de direitos humanos nacionais e internacionais, em favor da extinção das amarras que submetem as mulheres historicamente aos homens e as privam da garantia de direitos e oportunidades, mascarando as relações de poder que oprimem o feminino e sobrevalorizam o masculino. A violência do homem sobre a mulher 142


subsidia a manutenção dessas relações e gera discriminações diversas. Além das leituras, realizamos visita ao Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Fortaleza/CE, localizado à Av. da Universidade, 3281, no bairro Benfica, no mês de outubro do corrente ano, com a finalidade de recolher informações sobre a violência doméstica contra as mulheres ocorridas no Estado. Realizamos entrevista semi-estruturada com a assistente social da instituição, buscando conhecer como é realizado o trabalho com as mulheres no Juizado, como se dá aplicabilidade da Lei e quais as especificidades de atuação deste estabelecimento, uma vez que com a Lei, inúmeras outras instituições e serviços de atenção à mulher foram criados, estabelecendo-se uma rede de apoio psicossocial e de assistência à mulher em situação de violência, que se propõe eficaz no tratamento, prevenção e proteção às vítimas. Além de Juizados Especiais da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a rede de assistência conta com Casas-abrigos, Centros de Referência, DEAMs, Defensorias da Mulher, CRAS, CREAS, Centros de Reabilitação e Educação do Agressor e serviços de saúde especializados no atendimento à violência sexual. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher são os responsáveis pelo processo, julgamento e execução dos casos, tendo competência civil e criminal na Justiça Ordinária. Conforme a Lei 11.340/06 podem contar com equipe multiprofissional, dotada de profissionais das aéreas psicossocial, jurídica e de saúde (art. 29, título V). Por suas especificidades na atuação com a violência, decidimos realizar pesquisa de campo neste local, obtendo como material empírico para análise, as informações colhidas na entrevista com a assistente social. A pesquisa tem assim natureza qualitativa e bibliográfica, objetivando contrastar as teses revisadas na literatura, com a experiência e aplicabilidade da Lei sancionada. Notícia publicada no jornal Diário do Nordeste no ano passado revela a amplitude do problema em Fortaleza/CE, além da importância da Lei para a efetivação das denúncias e aplicação das penalidades:

O número de prisões em flagrante, somente no ano passado [2010], chegou à marca de 639, graças à Lei Maria da Penha. O Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Fortaleza recebe, em média, 500 novos processos por mês com base na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). Os dados foram divulgados, ontem, pela juíza Rosa Mendonça, titular da instância, durante a V Jornada Lei Maria da Penha, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília. (23/03/2011, Diário do Nordeste).

A visibilidade para os casos de violência contra a mulher a partir da sanção da Lei Maria da Penha foi muito importante para efetivar as denúncias, no entanto, muitas mulheres ainda temem as consequências e represálias de seus agressores, desconfiando receosas das medidas protetivas oferecidas, segundo a assistente social entrevistada. Ainda assim, o Juizado aumenta a cada ano a oferta de medidas protetivas: em 2007 foram autorizadas 68, no ano seguinte, 3.132 e em 2009, 3.846. Osterne (2005) apud Frota e Santos (2012) aponta a peculiaridade da região Nordeste no trato à superioridade masculina, uma vez que acreditamos na tese de que a violência praticada pelo homem contra mulher tem origem nas relações de poder e nas diferenças dominadoras/opressoras de um gênero sobre o outro. Assim, diz-se por aqui ao se saudar outro homem, “macho”, pois os homens são encarados como símbolos da coragem, valentia e destemor3. 3 Albuquerque Júnior (2003) apud Frota e Santos (2012) afirma que a formulação de uma identidade de “macho” surgiu por volta dos 143


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

As estatísticas revelam dados alarmantes sobre a violência doméstica contra a mulher. O Mapa da Violência de 2012, por exemplo, mostra que mais de 43 mil mulheres foram assassinadas em dez anos no país e pesquisa do Instituto Avon e Ipsos, mostra que 52% dos homens e mulheres acham que juízes e policiais desqualificam o problema da violência contra as mulheres. A Organização das Nações Unidas aponta que 205 mil agressões contra mulheres acontecem no Brasil por ano. Acredita-se que o gérmen da violência doméstica e familiar contra a mulher esteja na questão de gênero (categoria mais geral). Esta categoria se refere, em síntese, às formas criadas por cada cultura para cada sexo, definindo papeis e status diferentes. Lourenço (2004, p. 70), apropriando-se de Saffioti (1997a), afirma que:

[Há] uma dicotomização entre o sexo biológico e gênero, haja vista que não existe uma sexualidade biológica, independente do contexto social em que é exercida. Parte-se do pressuposto de que gênero é uma categoria ontológica, que tem seu referente primeiro no sexo e que, devido às mediações históricas, afastou-se desse, instituindo-se e instituindo a construção cultural de socialização do masculino e feminino, do ser-mulher e do ser-homem, permeados por relações de poder, constituindo-se, portanto, em uma gramática sexual que rege as relações entre mulher-mulher, homem-homem e mulher-homem.

Percebe-se assim que sexo e gênero são coisas diferentes. O sexo se refere aos aspectos físicos e biológicos do macho e da fêmea: as diferenças corporais, enquanto o gênero é construído culturalmente pela sociedade, variando historicamente entre culturas e religiões. As sociedades criam padrões para o que é ser homem e ser mulher, gerando representações de gêneros, que irão definir o modo como seremos educados. “No que concerne ao feminino e ao masculino, há o processo de formatação do homem e da mulher, que desde a gestação são orientados a agir, sentir e pensar conforme os preceitos sociais. A normatização social procura determinar, inclusive as cores das roupas dos bebês, o comportamento do sujeito, suas opções de vida pessoal e profissional, etc. [...], aponta Lourenço (2004, p. 70). As representações de gênero também acabam por valorizar um gênero em relação ao outro. Na maioria das sociedades, o gênero valorizado é o masculino, originando uma condição de desigualdade, que coloca a mulher numa conjuntura de opressão e subalternidade. Frota e Santos (2012) apontam que a desigualdade de gênero em nosso país se dá devido aos resquícios e a herança da cultura patriarcal, exigindo que pensemos sobre os papeis sociais de homens e mulheres e nas balizas colocadas sobre os estereótipos de gênero. Tais estereótipos masculinos e femininos são transmitidos às crianças ainda na infância, projetando no homem a ideia de ser o ser inteligente, que usa o cérebro, a razão lúcida, a capacidade de decidir, o espaço público e o poder. E às mulheres sendo indicado que agem com o coração, pela sensibilidade e o sentimento, tornando-as dependentes e segregando-as ao espaço privado e à subordinação. A violência de gênero aparece como uma das formas de afirmação da dominação histórica do homem anos vinte do século XX, devido o discurso das elites da região sobre o nordestino ser o autêntico protótipo de brasileiro. E assim se construiu um sistema ativo no imaginário dos povos da região, ultrapassando a invenção literária, intelectual ou científica.

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sobre a mulher, alicerçada na hierarquia e desigualdade socialmente estruturadas ao longo dos tempos, justificando as relações de poder, que elevam o homem e submetem a mulher a punições quando esta apresenta comportamentos inadequados ao gênero feminino. O art. 5º da Lei 11.340/06 postula in verbis: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial [...]”. Osterne (2008, p. 54) nos apresenta algumas considerações de Saffioti sobre essa espécie de violência: “Saffioti expressa que esta forma acontece numa relação afetiva, cuja ruptura, na maioria das vezes, exige intervenção externa. Dificilmente uma mulher consegue se desligar de um homem violento sem ajuda externa. Até que isso possa ocorrer, desenvolve-se uma trajetória oscilante, entre saídas e retorno à relação conflitante”. Ressalta-se, desse modo, um dos aspectos positivos da Lei em discussão, que é a possibilidade de denúncia de agressão sofrida por uma mulher por qualquer pessoa e não apenas pela vítima. Se outrora algumas medidas nacionais de combate à violência doméstica contra a mulher se apresentavam ineficazes ou contraditórias, tais como a criação dos Juizados Especiais (em 1995) e a distribuição de cestas básicas como punição (conforme determinava a Lei nº 9.099/95), a Lei Maria da Penha traz, em linhas gerais, a efetivação de políticas, do combate, da prevenção e da proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, através de diversos mecanismos e estratégias. Ela prevê a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como de uma rede de serviços interinstitucionais de proteção e prevenção da violência; incentiva estudos, pesquisas e avaliação de resultados; formaliza as delegacias especializadas; institui casas-abrigo, cursos de capacitação aos profissionais envolvidos e campanhas educativas; estabelece parcerias e medidas protetivas; dá novos poderes e funções ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Delegacia de Atendimento à Mulher; além de definir e incentivar políticas públicas de proteção, erradicação e prevenção da violência contra as mulheres, visando a equidade e os direitos humanos. É importante saber que Maria da Penha Fernandes, homenageada pela Lei 11.340/06, é uma biofarmacêutica fortalezense que em 1983 sofreu duas tentativas de homicídio por seu marido, Marco Antonio Heredia Viveiros, uma por um tiro de espingarda nas costas, que a deixou paraplégica, e outra por eletrocutamento, enquanto se banhava. A saga vivida por ela até conseguir a prisão do marido, 19 anos e 6 meses depois dos crimes, foi árdua. Após julgado, o ex-marido foi condenado a dez anos de prisão, mas 18 anos depois, a pena ainda não havia sido aplicada, o que gerou a denúncia da vítima a OEA (Organização dos Estados Americanos). O descaso do país com relação aos crimes cometidos contra as mulheres gerou o estabelecimento pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA da punição no valor de vinte mil dólares em favor da agredida, bem como a recomendação de que o Brasil criasse uma legislação específica para coibir, erradicar e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez que não havia punido de modo efetivo seu agressor, desrespeitando os direitos humanos das mulheres e os Tratados Internacionais outrora ratificados: Convenção da Organização das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará). Dessa forma, o ex-marido de Maria da Penha foi preso, cumprindo apenas dois anos de pena em regime fechado e o país sancionou anos depois a Lei Maria da Penha, um dos maiores avanços em termos de combate á violência doméstica contra as mulheres. 145


CONSIDERAÇÕES FINAIS A violência doméstica se constitui ainda como um problema em nosso país. No que concerne à cidade de Fortaleza, os dados e estatísticas revelam novas denúncias e o acesso cada vez mais frequente às redes de atenção à mulher em situação de violência. Nos Juizados, a situação não é diferente: novos processos são abertos a cada dia. Esta realidade nos permite afirmar que a Lei 11.340/06 vem se fundando como mecanismo eficaz na proposta de coibir a prática de violência em ambiente doméstico, existindo, por outro lado, a necessidade de se reforçarem os mecanismos de sensibilização da comunidade, quanto à gravidade do problema e de profissionais que atuam na área, quanto ao respeito à igualdade entre os gêneros, visando a concretização da erradicação de todas as formas de violência contra a mulher e a consideração dos seus direitos humanos.

REFERÊNCIAS

BLAY, Eva Alterman. Violência contra a mulher e políticas públicas. São Paulo: Estudos avançados, 2003. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142003000300006&script=sci_arttext>. Acesso em: 18 jun. 2012.

BRASIL. Presidência da República. Lei Maria da Penha. Lei nº. 11340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em: 22 set. 2012.

Breve histórico. Disponível em: <http://www.sepm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/lei-maria-da-penha/breve-historico>. Acesso em: 10/out/2012. Estudo sobre homicídio de mulheres coloca Brasil em 7º lugar no ranking mundial. Disponível em: <http:// www.estadao.com.br/noticias/cidades,estudo-sobre-homicidio-de-mulheres-coloca-brasil-em-7-lugar-no -ranking-mundial,869796,0.htm>. Acesso em: 20 out. 2012.

FROTA, Maria Helena; SANTOS, Vívian. O femicídio no Ceará: machismo ou impunidade? Fortaleza: Eduece, 2012.

LOURENÇO, Sandra. Gênero: acepções e considerações. Paraná: Revista Capital Científica Eletrônica (RCCe). Abordagens Das Ciências Sociais Aplicadas – II. v. 2, n. 1, 2004. Disponível em: < http://revistas.unicentro.br/index.php/capitalcientifico/ article/view/601/737>. Acesso em: 13 jun. 2012.

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Mapa da Violência 2012. Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_mulher. pdf> Acesso em: 21 out. 2012.

OSTERNE, Maria do Socorro. Violência nas relações sociais de gênero e cidadania feminina. Fortaleza: EdUece, 2008.

SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado, violência. Coleção Brasil Urgente. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

Violência contra a mulher gera 500 ações por mês. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=951839>. Acesso em: 18 out. 2012.

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AS MARCAS DA DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO4

SILVA, Mayra Rachel da5; OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira6; SILVEIRA, Clara Maria Holanda 7 RESUMO A inserção feminina no mundo do trabalho vem sendo marcada, ao longo dos anos, por elevado grau de discriminação, principalmente no que se refere à desigualdade salarial entre homens e mulheres e pela significativa presença das mulheres nas atividades domésticas e no trabalho informal e precário. Deste modo, no presente estudo propomos tratar sobre um aspecto que permeia as relações de gênero, que explica e, ao mesmo tempo, constitui-se um elemento utilizado para ratificar a desigualdade entre homens e mulheres - a divisão sexual do trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero; trabalho; divisão sexual do trabalho.

INTRODUÇÃO

De acordo com Kergoat (2003), as condições sob as quais se encontram homens e mulheres não são determinadas biologicamente, para a autora, elas são, antes de tudo, construções sociais. Homens e mulheres formam dois grupos sociais que estão engajados em uma relação social específica: as relações sociais de sexo. Estas relações, cuja base material é o trabalho, se expressam através da divisão social do trabalho entre os sexos, também chamada de divisão sexual do trabalho.

METODOLOGIA O trabalho em epígrafe constitui-se uma pesquisa bibliográfica, através do qual buscamos evidenciar, por meio de uma revisão da literatura existente, o pensamento das(os) principais estudiosas(os) em relação ao tema em discussão.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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O presente trabalho constitui-se um recorte dos estudos realizados pelas pesquisadoras (autoras do resumo) do curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade

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Discente do curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Fortaleza, Ceará. rachelsilva-ce@hotmail.com

6

Professora Doutora do Curso de Serviço Social e dos Mestrados Acadêmico e Profissional em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Fortaleza, Ceará. Socorro.osterne@uece.br.

7

Discente do curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Fortaleza, Ceará. claraholanda@hotmail.com

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A utilização da noção de divisão sexual do trabalho se deu, a priori, pelos etnólogos a fim de assinalar a existência de uma repartição complementar das tarefas entre os homens e as mulheres nas sociedades por eles estudadas. Contudo, foram as antropólogas feministas que lhe atribuíram um novo significado, demonstrando que tal noção não expressava apenas o caráter de complementariedade das tarefas, mas sim, uma relação de poder dos homens sobre as mulheres. De acordo com Saffioti (1986), pode-se pensar, em um primeiro momento, que foi na sociedade capitalista que o trabalho feminino se projetou. Contudo, a autora explica que as mudanças ocorridas com o advento do capitalismo apenas evidenciaram as funções econômicas das mulheres que já desempenhavam atividades ocupacionais fora do lar. Com base nesta linha de raciocínio, é possível afirmar que a divisão sexual do trabalho contextualiza-se como anterior à Revolução Industrial. No entanto, foi na sociedade capitalista que a divisão sexual do trabalho se reorganizou e se intensificou, tendo como fator fundamental o domínio do trabalho-mercadoria. Sob esta lógica, coube aos homens o desenvolvimento das tarefas produtivas e remuneradas, a vida política e o mundo da cientificidade e cultura. Às mulheres ficaram destinadas as esferas privadas, domésticas, tidas como secundárias e de pouca relevância. Hirata e kergoat (2007) asseveram que a divisão social do trabalho apresenta dois princípios organizadores, a saber: o princípio de separação, que estabelece a existência de trabalhos para os homens e trabalhos para mulheres. E o princípio de hierarquização, que valoriza o trabalho masculino em detrimento do trabalho feminino. Os princípios em destaque são válidos para todas as sociedades conhecidas, no tempo e no espaço. Este entendimento permite afirmar, embora não seja consenso entre os estudiosos e as estudiosas da temática, que eles existem dessa forma desde o início da humanidade. É importante salientar que a divisão sexual do trabalho não é um dado rígido e imutável. Embora seus princípios organizadores perpetuem-se ao longo da história, suas modalidades8 variam significativamente de acordo com o tempo e o espaço, por exemplo, uma mesma tarefa, especificamente vinculada à condição feminina em uma determinada sociedade, pode ser considerada tipicamente masculina em outras. Sob esta lógica, a problematização da divisão sexual do trabalho não se encontra vinculada a um pensamento determinista, na realidade, remete-se a um pensamento dialético que requer um estudo simultâneo de seus deslocamentos e rupturas, bem como a emergência de novas configurações que tendem a questionar a existência mesma dessa divisão (Kergoat,2003, p.56). Lôbo (1991) afirma que a divisão sexual do trabalho é também uma construção social e histórica, que produz e reproduz a assimetria entre as práticas femininas e masculinas, constrói e reconstrói mecanismos de sujeição e disciplinamento das mulheres, produzindo e reproduzindo a subordinação das mulheres e seus trabalhos. Carloto (2002) afirma que apesar das mudanças que vêm ocorrendo no âmbito da família, principalmente nos aspectos referentes à maternidade, à sexualidade e às relações familiares, estes fatores continuam influenciando sobre a forma que a mulher se coloca no mercado de trabalho e sobre a forma como os patrões e os homens, de uma maneira geral, tratam as mulheres. Esta visão apresenta repercussões quanto às oportunidades de acesso ao trabalho, ao tipo de trabalho e às condições em que se desenvolve o trabalho feminino. 8

Podem ser citados como exemplo dessas modalidades, a concepção de trabalho reprodutivo, lugar das mulheres no trabalho mercantil, entre outros aspectos

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Aos poucos, contudo, o papel das mulheres na sociedade vem sofrendo alterações e elas, cada vez mais, estão ampliando seu espaço na economia nacional. Nas últimas décadas, presenciou-se um aumento significativo na participação das mulheres no mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE (2009), em 1950, somente 13,6% das mulheres em idade ativa9 participavam do mercado de trabalho. Em 2009, esse percentual era de 52,7%. Esse número expressa que, entre todas as mulheres residentes no Brasil, com idade a partir de dez anos, 52,7% estão empregadas ou procurando emprego. Cunha (2000), ao tratar das áreas de maior concentração da força de trabalho feminina, faz referência a Abramo (1999) que enfatiza que o trabalho feminino encontra-se vinculado à divisão sexual do trabalho, propiciando a inserção das mulheres em ocupações consideradas tradicionalmente femininas, limitando seu acesso a outras profissões ou também a outras qualificações. Para Carloto (2002), a permanência das mulheres em guetos ocupacionais é decorrente da socialização para os chamados papéis femininos que se perpetuam através da família, da escola, dos meios de comunicação e que acabam por interferir nas escolhas profissionais das mulheres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, é possível perceber que o trabalho doméstico e a divisão sexual do trabalho influenciam e, muitas vezes, definem os lugares que devem ser ocupados pelas mulheres no mercado de trabalho. Além disso, as profissões social e culturalmente tidas como femininas apresentam caráter subalterno, de menor prestígio e remuneração em relação às atividades exercidas pelos homens. Por fim, convém assinalar que apesar da forte participação feminina no espaço produtivo, percebe-se que a inserção das mulheres no mundo do trabalho tem sido marcada pela precariedade e pela presença das mulheres nos segmentos menos organizados da economia, nos quais existe uma maior incidência de contratos de trabalho informais e uma menor atuação das organizações sindicais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARLOTO, Cássia. Gênero, Reestruturação Produtiva e Trabalho Feminino. In: Serviço Social em revista, V.4, N.2, Jan/Jun. 2002. CUNHA, M.A. Gênero no trabalho: desemprego exclusão e precariedade. In: Trabalho e educação. Revista Nete, Belo Horizonte: UFMG, 2000. HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. In: Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, p. 595-609, set./dez. 2007. Tradução: Fátima Murad. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Síntese de indicadores sociais – 9

No Brasil, define-se a população em idade ativa a partir dos dez anos de idade. Em países desenvolvidos, a idade ativa começa aos 15 ou 16 anos. Neste trabalho, será usada a idade ativa a partir dos dez anos para estatísticas do Brasil e, quando o dado se referir a uma faixa etária diferente para fins de comparabilidade, será explicitado.

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2010 (Estudos e Pesquisas – Informação Demográfica e Socioeconômica – n°27). Rio de Janeiro: 2010. KERGOAT, Danièle. Relações sociais de sexo e divisão sexual do trabalho. In: Trabalho e cidadania ativa para as mulheres: desafios para as Políticas Públicas / Marli Emílio (org.), Marilane Teixeira (org.), Miriam Nobre (org.), Tatau Godinho (org.). - São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2003. LÔBO, E. S.- A Classe Operária tem dois sexos. São Paulo. Edit. Brasiliense, São Paulo, 1991. SAFFIOTI, H.I.B. Inserção da mulher na força de trabalho brasileira: períodos de prosperidade e períodos de crise econômica no Brasil: 1872-1982. Rio de janeiro: XVI Congresso Latino – Americano de Sociologia, 1986.

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