OUTROS OLHARES conclui formação na UECE
Itinerância do CURTA O GÊNERO é retomada em agosto
PARADA: festa e política na avenida
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INFORMATIVO BIMESTRAL FÁBRICA DE IMAGENS EDIÇÃO Nº 11 JUNHO-JULHO 2012
QUEM
VOCÊ QUER SER QUANDO CRESCER
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Nome Social e Transidentidades Páginas 4 e 5
SAÚDE DA MULHER tabus e machismo dificultam a prevenção
ENTREVISTA Júlia Zamboni sobre a Marcha das Vadias
Páginas 5 e 6
Página 6 e 7
Editorial Seria capaz que um simples nome alterasse toda uma realidade? Para algumas pessoas, o nome escolhido antes mesmo do nascimento difere da realidade identitária delas. No caso das pessoas trans (transexuais e travestis), a personalidade que carregam não corresponde aos nomes nos documentos de identificação e ainda não existe uma lei em âmbito federal que garanta o direito de serem identificadas legalmente da mesma maneira que seu auto denominam. Nessa edição do nosso informativo, trazemos histórias de quem ainda precisa enfrentar constrangimentos e
como a lei brasileira ainda precisa avançar para garantir direitos a estes/as cidadãos/ãs. Quando pensamos em sexo, temos a sensação que vivemos em uma sociedade mais informada sobre as doenças que podem ser transmitidas em uma relação sexual e sobre a gama de produtos destinados ao prazer sem risco, porém, por mais informações que circulem nos meios de comunicação, ainda lutamos pelo fim de tabus machistas que constrangem mulheres na hora de se prevenir, seja em relações hetero ou lésbicas. Ainda nesta edição, investigamos as formas de proteção
voltadas para elas e as dificuldades existentes na hora de encontrar camisinhas femininas e outros meios ou técnicas de proteção. No Fábrica Entrevista conversamos Júlia Zamboni, uma das responsáveis pela Marcha da Vadias de Brasília, que reuniu cerca de 3 mil pessoas na luta contra o machismo e pelo direito das mulheres. Trazemos também novidades dos projetos da Fábrica de Imagens e um artigo de Tel Cândido sobre a importância das Paradas que celebram a Diversidade Sexual. Boa leitura!
FOTO: THYAGO NOGUEIRA
Itinerância do CURTA O GÊNERO é retomada em agosto Por Lícia Militão
INFORMATIVO BIMESTRAL FÁBRICA DE IMAGENS / EDIÇÃO Nº11
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Por conta do recesso escolar as mostras pelo interior têm pausa no mês de julho
esde abril deste ano, a itinerância do “Curta O Gênero 2012 - Mostra Audiovisual/ Seminários/ Itinerâncias” esteve nas cidades de Sobral, Iguatu, Pentecoste, Caucaia, Guaiúba e Horizonte. Em cada município aconteceram seminários e minicursos nos temas gênero, direitos humanos, educação, políticas públicas, comunicação e cultura digital e a Mostra Audiovisual com curta-metragens referentes às relações de gênero em suas diversas perspectivas
tais como violência, geração, raça, diversidade sexual, entre outras. No evento ainda aconteceram as Mostras Escolares com a exibição dos curtas-metragens Dona Léo, Onde o Tempo Corre Devagar e Mulheres da Comuna para alunos da Rede Pública de Ensino e a exposição fotográfica Contrastes – gênero, tempos, lugares, olhares. As produções foram realizadas pela primeira turma de alunos do Centro de Cultura, Artes, Comunicação e Novas Tecnologias – CACTO.
No mês de agosto mais três cidades receberão o Curta O Gênero. O objetivo final é percorrer 10 cidades no interior do Ceará. O projeto é uma iniciativa da Fábrica de Imagens e conta com o apoio institucional da Secretaria de Cultura do Estado, Secretaria de Cultura de Fortaleza, apoio cultural da Coelce, parceria da Embaixada da Finlândia e patrocínio da Petrobras através do Programa Desenvolvimento e Cidadania.
NA ESTRADA: /AGOSTO MARACANAÚ: 15,16 e 17 BARBALHA: 27 e 28 JUAZEIRO: 29 e 30
Fábrica de Imagens conclui fase de formação do OUTROS OLHARES na UECE
FOTO: CATARINA ÉRIKA
Por Catarina Érika
O Projeto realizou formações sobre educação em Diversidade Sexual, Gênero e Direitos Humanos para quatro turmas de estudantes universitários e prepara seminário
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epois de concluir a formação de 74 estudantes em quatro turmas na Universidade Estadual do Ceará (UECE), a ONG Fábrica de Imagens prepara-se para mais uma turma e um seminário que acontecerá nos próximos meses. A ideia do projeto é trazer para o ambiente educacional os temas do machismo e da homofobia tendo como público estudantes acadêmicos de licenciaturas e outros cursos ligados à área de educação. Amanda Pérmila cursa o 5º 2
semestre de Serviço Social e fez parte de uma das turmas do projeto. Ela diz que encontrou no curso algumas respostas para sua experiência pessoal e também para seu trabalho de conclusão do curso que tem como tema “Sou mulher e sou lésbica: a violência me persegue” no qual ela faz uma análise da orientação sexual e identidade de gênero de mulheres lésbicas que várias vezes são vítimas de homofobia no âmbito doméstico e familiar. “Com o curso e os relatos de algumas pessoas daqui, me sinto muito incentivada para
tentar entender ainda mais o que eu já conheço sobre o assunto. Não só para o lado individual, mas também para minha pesquisa”, relata a estudante. Além do processo formativo, a Fábrica de Imagens realizará, por meio do projeto, um seminário de quatro dias em novembro deste ano, tendo como eixo as mesmas temáticas abordadas nas formações. O evento será aberto ao público e será também um campo para a mostra de trabalhos acadêmicos.
PARADA: Por Tel Cândido | Coordenador do projeto Outros Olhares
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Brasil é o país que mais realiza paradas do orgulho LGBT no mundo, foram 250 eventos do gênero apenas em 2009. A expressividade desse número tem chamado atenção e gerado discursos de várias naturezas: afinal, que tons políticos colorem essas marchas do arco-íris? Perante o contexto de ramificação de agendas políticas, as paradas têm sido uma das poucas (e maiores) estratégias de mobilização em torno de pautas coletivas de um grupo social bastante heterogêneo nas suas expressões identitárias e demandas sociais, como a população composta por Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT. Em 2011, por exemplo, mais de 4 milhões de pessoas compareceram à 15ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, segundo a organização. Todavia, não se refere aqui às paradas em maiúscula, eventos A ou B, mas a uma modalidade de intervenção pública que vem redesenhando a cena política LGBT brasileira desde a segunda metade da década de 1990. Em coluna publicada na revista Época no dia 14 de outubro de 2011, o jornalista e autor de novelas Walcyr Carrasco afirmou que as paradas brasileiras “tornaram-se uma espécie de micareta com a bandeira do arco-íris”. Na sua visão, o sucesso das paradas teria se tornado também o seu fracasso em termos políticos, uma vez que exuberância dos corpos envolvidos na dança ao som de festa não representaria um suposto “universo” homossexual, contribuindo para a formação de estereótipos a ele relacionados. O pensamento de Carrasco põe em cena uma percepção corrente no senso comum sobre as paradas, aquela em que política e festa são compreendidas como dimensões antagônicas e pressupõe a fixação de “universos” homogêneos ou, contraditoriamente, de modelos ideais de ruptura do modelo heterosexista e do seu “vir à cena” como sujeito político coletivo. É em torno disso que uma discussão ganha proporções cada vez maiores e tem tomado corpo na forma de um dilema posto ao movimento LGBT contemporâneo, a saber, os limites e as possibilidades da equação entre celebração do “orgulho” através da “festa” e a transformação social através da “política”. Para Alessandro Soares da Silva (2006), doutor em Psicologia Social, o papel da imprensa tem sido determinante na formação de uma opinião pública depreciativa das paradas, atuando na desqualificação da sua dimensão política e dos sujeitos e performances que as compõem, reduzindo tais eventos a carnavais fora de
época, assim como os seus participantes a meros foliões desprovidos de ação política. Conforme Silva, no esforço de fixar uma possível reedição do carnaval através das paradas e alimentando-se principalmente da ênfase aos seus símbolos festivos, parte desses discursos editoriais representa uma corrente zeladora do poder de extratos sociais privilegiados pela heteronormatividade. Afinal, a quem serve a descaracterização das paradas como manifestações cívicas? Obviamente, vários elementos figurativos sincronizam a modalidade de intervenção empregada nas paradas do orgulho LGBT ao imaginário festivo popular brasileiro. A música, a dança e o uso de fantasias e adereços por parte das pessoas mobilizadas tornaram-se elementos fundamentais do paradigma de paradas predominante no país, tornando esmaecidas as fronteiras entre festa e protesto. Sim, estes elementos existem e devem ser registrados, mas cabe também problematizarmos o desequilíbrio entre as diversas formas de ocupação, interação e expressão no ambiente proporcionado pelas paradas nas coberturas da mídia de massa. Embarcar na busca pelos significados políticos das paradas também requer observar não só que a dimensão festiva dessas ações convive ao lado de aspectos da política tradicional (como a realização de denúncias, a apresentação de demandas e palavras de ordem para o debate público), mas que, sobretudo, propõem a reinvenção dos modelos cristalizados de intervenção na esfera pública. O próprio contexto de realização de eventos de aglutinação massiva em torno da celebração de modos não-hegemônicos de vivenciar a sexualidade é revelador de uma questão política posta à sociedade. A celebração do orgulho promovida pelas paradas dialoga, pois, com a afirmação de experiências sexuais e identidárias múltiplas, em recusa aos sentimentos de medo, vergonha, invisibilidade e subordinação que têm permeado as vivências de LGBT no cerne de um sistema cultural machista e heterocêntrico. As tentativas de desqualificação política das paradas mediante a sua associação com a folia carnavalesca parecem, portanto, ignorar a força política das ocasiões festivas e reduzir as implicações semânticas e culturais das palavras folia, confusão, desordem e brincadeira, conectadas às definições populares de “carnaval”. Propondo uma intervenção lúdica que possibilita a afirmação de uma cidadania sexual em disputa, as paradas apresentam uma perspectiva de politização do cotidiano.
FESTA E POLÍTICA NA AVENIDA
Nelas, as dimensões do prazer, da moral, das auto identificações, assim como dos afetos que as revestem na vida privada são postas em questão na cena pública pela exposição massiva de experiências da nãoheterossexualidade, entrecruzadas entre o individual e o coletivo e constituindo-se, ao fim, como uma linguagem de resistência. Ao viver e festejar a possibilidade de expressão erótica, corporal, afetiva e cultural sob outros patamares do crivo moral, a experiência das paradas se contrasta à realidade social vivida pelas populações LGBT em um plano mais amplo e anunciam, pois, o “novo” que se deseja instaurar. Deste modo, eventos desta natureza dão oportunidade para que um leque variado de expressões venha a proscênio flagrando, criticando e desestabilizado a oficialidade do dia-a-dia. Algo importante ocorre nesses eventos, muitas vezes sem a devida problematização e sem grandes alardes. Ao zombar do estabelecido e gerar desconfortos explícitos ou emudecidos frente a expressões sexuais diversas e invisibilizadas na maior parte do ano, as paradas evidenciam o ranço de intolerância ainda existente na sociedade e, muitas vezes, nos nossos subterrâneos, cobertos por um fino véu de hipocrisia que simula aspirações democráticas e dissimula a nós mesmos - dos moralistas aos mais modernosos. Na efervescência da avenida encontramo-nos, todos e todas, desnudados/as pelo leve balanço dos corpos, pelo vendaval de beijos no asfalto. Muitas paradas ganharão as ruas ao longo do ano. Para alguns, nada terá mudado após o término de cada evento, quando serão ouvidos os últimos sons dos trios nas avenidas. No entanto, é possível crer que teremos segundas-feiras cada vez mais diferentes de outrora, pois as normas do comportamento social vigentes não passarão ilesas à provocação. Ora, será que, no contexto das paradas, a interação pública entre diversos matizes da sexualidade e de gênero pode ser considerada algo meramente provisório ou efêmero? De certo, temos que as paradas operam na abertura de uma fenda cultural que reinventa a política ao desafiar a normalidade instituída, abrindo alas a uma resistência debochadora dos paradigmas sexuais hegemônicos. Logo, se nas avenidas coloridas para celebrar o orgulho LGBT e protestar contra a discriminação se enamoram política e festa, façamos como nos versos de Arnaldo Antunes e “vamos pra avenida desfilar a vida, carnavalizar”.
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QUEM VOCÊ QUER SER QUANDO CRESCER? FOTO: RODRIGO PAULINO MODELO: LETÍCIA RARIELLY
Nome Social e Transidentidades
Por Iara Moura
INFORMATIVO BIMESTRAL FÁBRICA DE IMAGENS / EDIÇÃO Nº11
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s cenas se repetem. A mãe faz a ultrassom, descobre o sexo do bebê e, a partir de então, monta o enxoval azul ou rosa. Tem gente que antes mesmo de estar grávida já escolheu o nome dos rebentos: se for menina é Maria, se for menino é João. No primeiro dia da escola, todos aguardam ansiosos à chamada da professora. O nome revela a identidade primeira de qualquer um. Carrega história e memória afetiva, gera sentido. Com relação às pessoas trans (travestis e transexuais) o desenvolvimento de uma identidade de gênero diferente do sexo biológico pode envolver, além de uma série de transformações comportamentais e corporais (que podem incluir intervenções cirúrgicas), a mudança do nome ‘de batismo’. Para essas pessoas, a escolha de um novo nome é um passo marcante no processo de redefinição identitária. “Tudo que posso dizer é que gostei do som, do jeito, da combinação. Eu conseguia me enxergar ali, conseguia ver alguém dizendo Marcelo Caetano e eu simplesmente me virando para olhar. Fez sentido para mim! Aquele nome, não sei o porquê, conseguia dizer quem eu realmente era”, conta Marcelo, 23 anos, estudante de Ciências Sociais da Universidade de Brasília, vice-presidente da Associação Brasileira de Homens Trans (de mulher para homem). O uso do nome social é norma no âmbito escolar em 21 estados brasileiros mais o distrito federal. No Ceará, a medida entrou em vigor em 3 de maio deste ano por meio de regulamentação feita pelo Conselho Estadual de Educação. Além disso, de acordo da Portaria Nº 233, de 4
18 de maio 2010 fica assegurado o uso do nome social aos servidores públicos, no âmbito da Administração Pública Federal. Ainda assim, a legislação não avança com relação ao estabelecimento de uma lei Federal que permita a mudança no registro civil de forma que as pessoas trans continuam passando por situações de constrangimento e sendo privadas de direitos fundamentais como a saúde e a educação. Segundo Letícia Rarielly, graduada em Ciências, estudante de administração, terapeuta e design capilar, é mais difícil para as pessoas que a conheceram antes de se travestir acostumar-se a tratála com o novo nome e utilizarem os pronomes femininos, mas com o tempo, algumas nem lembram mais do nome antigo. Para ela, os momentos mais complicados são aqueles em que tem que recorrer ao uso do RG. Da última vez que foi renovar o documento, foi orientada por uma atendente do Instituto de Identificação a prender o cabelo para ficar mais parecida com homem na foto. “Eu questionei, disse que o documento em si era para minha identificação e que eu era exatamente aquela pessoa que estava na foto”, lembra. Ya Cavalcante, 18 anos, estudante, também relata situações parecidas. “Ir ao médico é sempre difícil (...) Sempre olham estranho depois que veem a identidade... Uma vez perguntaram se era minha mesmo”. A estudante espera o dia em que possa ter o nome escolhido estampado no documento de identidade. “É muito bom ser chamada pelo nome que condiz com quem eu realmente sou, ainda mais quando alguém que não me conhece me chama assim. Dá aquela sensação de estar cumprindo o meu
papel mesmo”, conta. Em abril deste ano, Marcelo Caetano entrou com uma representação junto ao Conselho Universitário para que fosse referenciado com o nome social dentro da UNB. Enquanto aguarda a decisão do Conselho de Graduação, ele ainda encontra resistência de alguns professores. “Eles costumam alegar que é uma questão burocrática, que precisam respeitar o nome que consta na matrícula. Não me parece um motivo justo, nem ético (...) Não peço nenhuma mudança documental, pois sei que isso não lhes cabe, mas acho que não é nada muito custoso fazerem uma simples marcação na lista que têm em suas mãos e substituírem meu nome civil”, defende. No último 9 de maio, o Senado argentino aprovou por ampla maioria, a lei que autoriza travestis e transexuais a escolherem seu sexo no registro civil, confirmando a decisão adotada pela Câmara de Deputados em novembro do ano passado. A iniciativa obteve 55 votos a favor e uma abstenção. À exemplo do que acontece nos Estados Unidos, na Espanha e em Portugal, a lei assegura o direito de transexuais a terem reescritos seu prenome e sexo/gênero no registro civil e demais documentos. No Brasil, existem cinco projetos de lei semelhantes a essas propostas*, porém esses ainda vinculam a mudança do nome à realização de intervenção cirúrgica de readequação de sexo ou ao laudo de transtorno de identidade de gênero, atrelando a questão da identidade a acepções patologizantes e biologizantes. “Acho um absurdo as meninas terem que fazer teste hormonal e psicológico para mudar o nome”, defende Ana Paula, 27, transexual.
A design de interiores passou um ano e meio há espera da decisão judicial que finalmente liberaria a mudança do nome no documento de identidade. Para tanto, teve que reunir fotos e cartas de familiares e amigos para provar que “vivia socialmente como mulher”. Das idas e vindas à São Paulo acumulou situações de desgaste emocional e gastos financeiros (só de honorários pagos ao
advogado que cuidou do caso gastou em torno de R$ 7 mil) mas hoje se enche de orgulho ao declarar que não tem nenhum documento com seu nome masculino. Enquanto a legislação não avança, check-ins, fichas de hospitais, matrículas em instituições de ensino, ingresso em repartições públicas, preenchimento de cheques e pagamentos em cartão de crédito continuam sendo um martírio
para as pessoas trans que se afirmam e resistem à invisibilidade. Os movimentos LGBTS continuam a luta pela aprovação da lei de identidade de gênero para que todos/as possam experimentar a sensação de receber um tratamento respeitoso. Letícia, como bem lembrou a entrevistada, quer dizer alegria. Define a sensação.
*PL 70/1995 (Câmara) do ex-Dep. Fed. José Coimbra (PTB-SP), PLC 72/2007 (Senado) do ex-Dep. Fed. Luciano Zica (PT-SP), PL 1281/2011 (Câmara) do Dep. Fed. João Paulo Lima (PT-PE), PL 658/2011 (Senado) da senadora Marta Suplicy (PT-SP), PL4241 da Deputada Erika Kokay(PT-DF)
CAMISINHA FEMININA os desafios da prevenção FOTO: REGYS LIMA
Por Lícia Militão
U
va, tuti-fruit, morango, chocolate, menta, para retardo da ejaculação, extragrande, ultra-fina, com textura e até sem látex pra quem tem alergia. Muitas são as opções para quem busca um preservativo masculino. Nas farmácias e supermercados elas estão em seções visíveis ao público mas, e quando buscamos a camisinha feminina, será que a encontramos expostas assim tão facilmente e com tantas variedades? Após passar por três lojas de grandes redes de farmácias de Fortaleza, a resposta foi unânime: não há mercado para o produto, portanto, a camisinha feminina deixou de ser vendida. Numa das lojas, o farmacêutico confundiu o preservativo com o DIU, método contraceptivo que não previne Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST, e quando questionado o porquê da suposta falta de interesse por esse tipo de proteção afirmou que muitas mulheres preferiam tomar a pílula do dia seguinte. Criada em 1980, mas só lançada no Brasil em 1997, a camisinha feminina surgiu com o propósito de colaborar com a negociação do uso do preservativo entre os/as parceiros/as na hora do sexo. Na relação heterossexual, a mulher ganha autonomia e pode colocar ela mesma a proteção, sem depender da vontade do parceiro para isso. Além disso, ela
apresenta uma alternativa às lésbicas e bissexuais. Porém, o método não elimina por completo a cultura machista que reforça a ideia de que a prevenção no sexo é uma forma de desconfiança ou falta de amor. Zenilda Bruno, médica especialista na área de ginecologia há 28 anos, conta que uma relação sexual sem o uso do preservativo pode acarretar infecções genitais, DSTs que aparecem na forma de corrimentos como no caso da gonorréia, tricomoníase ou doenças que atingem o sangue, por exemplo, AIDS e as hepatites B e/ou C. Na visão da ginecologista, muitas mulheres brasileiras têm o conhecimento teórico sobre o uso do preservativo e os riscos que correm, porém, não solicitam ao parceiro. “Dizem que eles não gostam, daí preferem correr o risco de pegar doenças a perder o companheiro”, afirma a especialista. No caso da camisinha feminina, a médica acredita que por ser mais cara e menos difundida esse tipo de preservativo se torna menos conhecido. No começo do ano, o Sistema Único de Saúde – SUS anunciou a distribuição de 20 milhões de camisinhas femininas nos postos de saúde. Em Fortaleza, os preservativos chegaram em julho e já estão sendo distribuídos aos poucos prioritariamente para os grupos de maior vulnerabilidade formado, entre outros,
por profissionais do sexo e mulheres vítimas de violência. Diferente do que acontece com o preventivo masculino, que é repartido em grande escala, a camisinha feminina só é liberada a partir da demanda feita pelos Postos de Saúde. Quando a população não pede, não há distribuição. O que falta nos postos, muitas vezes, é orientação para que mulheres fiquem sabendo que existe e quais são as vantagens do uso do preservativo feminino.Yolanda Santos, Assistente Social do Departamento de Prevenção de DST da prefeitura Municipal de Fortaleza, responsável pela regional II, confirma essa demanda e garante que a prefeitura está trabalhando a orientação dos profissionais de saúde para melhor aconselhar a população. Sobre a questão da disponibilidade para quem deseja adquirir a Della, camisinha feminina produzida pela Semina, única empresa brasileira à fabricar o produto, Simone Martins esclarece: “Estamos aos poucos fechando acordos com redes de farmácias e farmácias independentes. Nossa intenção é cobrir todo território nacional, mas dada a falta de conhecimento do produto essa negociação não é tão fácil e leva um tempo maior. Espero que muito em breve já seja possível encontrar a camisinha feminina em Fortaleza”. 5
INFORMATIVO FÁBRICA/ DE IMAGENS / EDIÇÃO Nº11 FÁBRICA DE IMAGENS INFORMATIVO BIMESTRAL FÁBRICA DE IMAGENS EDIÇÃO ESPECIAL - 14 ANOS
TODA FORMA DE AMOR MERECE PROTEÇÃO Muitas mulheres lésbicas e bissexuais não utilizam nenhum tipo de proteção durante a relação sexual pois existe um entendimento no senso comum de que não há risco de contaminação por DST já que não existe penetração. Os preservativos convencionais não evitam DST no contato pele a pele (tribadismo) por não cobrir algumas áreas lesionadas. Zenilda Bruno alerta para o risco: “entre duas mulheres a contaminação de DST é mais por transmissões de doenças que provocam lesões, que também são
transmitidas na relação heterossexual, como condiloma (HPV), herpes, sífilis, cancro mole”. Se encontrar o preservativo feminino é difícil, encontrar uma forma de prevenção no sexo entre duas mulheres é mais complicado ainda. A estudante Roberta Coelho, 23, explica que algumas lésbicas utilizam a camisinha masculina cortando o elástico e a ponta para que se assemelhe a uma barreira de látex, também cortam luvas cirúrgicas, mas acredita que por esse material ser mais grosso, diminui a sensibilidade. A estudante revela que existe outro método apenas encontrado no Rio de
Janeiro. O projeto “Laços e Acasos: Mulheres, Desejos e Saúde” do Grupo Arco-Íris Cidadania LGBT desenvolveu a chamada “sainha”, que são barreiras feitas de látex produzidas especialmente para sexo oral entre lésbicas e mulheres bissexuais. Além da dificuldade de encontrar um método de prevenção, as mulheres enfrentam a questão da sociedade machista que também acomete as relações lésbicas. Roberta nunca usou nenhum tipo de proteção com sua namorada, ainda que estejam juntas há 4 anos. “Confio nela e ela não gosta, já julgou ofensa eu falar nisso”, revela a estudante.
CAMISINHA FEMININA A EXPERIÊNCIA DE QUEM USOU
com o tamanho do preservativo, mas logo começou o encaixe. Houve certa dificuldade causada pela inexperiência e pela quantidade de lubrificante que fazia o anel interno escorregar pelos dedos dificultando a introdução da circunferência. Além disso, o barulhinho de saco de supermercado também soavalhe estranho. Antes de partir para a relação sexual, deu umas três voltas pelo quarto e percebeu que o preservativo não era incômodo e ajustava bem ao corpo. Também notou que durante o ato sexual o preservativo feminino era bem mais fino que o masculino e a sensação de contato era maior. Concluiu que a diferença entre os dois tipos de proteção é a maior atenção
a ser destinada ao anel externo, evitando que este penetre durante a relação na hora de mudar a posição. Vontade, tesão, cuidado, tudo isso esteve junto naquela noite. Enquanto retirava a camisinha, teve uma boa sensação de independência, não precisou passar o preservativo para o companheiro ou teve que esperar colocar no corpo dele. Nossa personagem é real, mas cada mulher pode ter diferentes sensações com a utilização da camisinha feminina. O objetivo desse relato é estimular para que todas tenham a experiência com o produto pensado para elas, avaliem o método e façam da prevenção uma atitude.
Uma taça de vinho para relaxar, afinal, aquela noite tinha um propósito: experimentar pela primeira vez a camisinha feminina. Com o produto na mão, leu e releu as instruções de uso e resolveu abrir a embalagem. No afã de romper a embalagem, achou impossível arrebentar aquele plástico duro, cujas instruções recomendavam não usar os dentes sob o risco de furar o preservativo. Havia, porém, uma fenda com a inscrição “abrir neste local”. Foi puxar uma pontinha e... Pronto! A camisinha estava à mão. À primeira vista, assustou-se
FÁBRICA ENTREVISTA
Júlia ZAMBONI
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Por Lícia Militão
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o ano de 2011, após uma onda de denúncias de abusos sexuais que acontecia na Universidade de Toronto, Canadá, a posição machista de um policial ao tentar culpabilizar as vítimas pela maneira que se vestiam desencadeou no mundo inteiro um grito que há muito tempo estava engasgado na garganta: mulheres são consideradas vadias pelo simples fato de serem mulheres! Ao longo de um ano, o protesto mostrou que não era apenas “fogo de palha” de “feministas que queriam colocar o peito pra fora” como
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afirmaram alguns formadores de opinião na tentativa de diminuir as causas colocadas na luta. Mesmo com toda a divulgação do caso acontecido em Toronto, ainda existem autoridades que insistem em colocar a culpa de um estupro na falta de cuidado da mulher. Em reportagem para o G1 do Rio Grande do Sul no dia 11 de julho deste ano, a delegada Marina Goltz recomendou “evitar andar na rua falando no celular ou ouvindo música no MP3 Player porque os estupradores normalmente abordam mulheres desatentas”. Em 2012, a 2ª Marcha das Vadias
NOS DIZEM COMO DEVEMOS NOS VESTIR, O QUE DEVEMOS SER, COMO DEVEMOS AGIR, E QUALQUER COISA QUE FUJA DESSE PADRÃO É VISTO COM MAUS OLHOS.
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aconteceu de forma simultânea em 14 cidades brasileiras e a de Brasília/DF trouxe para as ruas cerca de três mil pessoas. Uma das organizadoras da maior marcha brasileira, Júlia Zamboni, antropóloga e pesquisadora na área de gênero, explica o sucesso da campanha fotográfica “Feminista porque” e do vídeo “Ai, que vadia!” nas redes sociais e o porquê da temática atrair muitas feministas, militantes e interessados/ as em lutar pelo direito das mulheres.
ENTREVISTA
1. Desde o ano passado, diversos países aderiram à Marcha da Vadias. Qual a influência do movimento que se iniciou no Canadá e quais as características particulares do movimento brasileiro? O movimento que se iniciou no Canadá foi o pontapé para desencadear uma série de movimentos de mulheres e feministas pelo mundo. Percebemos que nós tínhamos esse desejo latente de lutar pelo fim do machismo e pelo fim da violência contra as mulheres. De maneira geral, a pauta das marchas das vadias é bem ampla: direitos das mulheres. Mas as violências acontecem de formas diferentes, percebemos desde a violência simbólica institucional que culpabiliza, ainda que indiretamente, a mulher pela violência que sofreu, até as violências domésticas, sexuais. Em geral, essas são mais explícitas. Mas ainda assim, nem tanto. O estupro, por exemplo, acontece das formas mais sutis, se a mulher bebe numa festa e, sem a percepção do que está fazendo é levada ao ato sexual, isso é estupro. Tentativas de estupro a gente percebe em diversas situações. Não é, necessariamente, quando pegam a mulher a força. Acontece entre casais, acontece entre pessoas que ficam numa festa, acontece quando a mulher bebe. As pessoas têm que começar a dar legitimidade para a fala da mulher. Quando uma mulher diz não, é não! E a marcha das vadias tá aí justamente para denunciar isso. Lutamos também pelo fim das violências simbólicas. Alguns espaços ainda são restritos às mulheres justamente por acreditarem que é “coisa de homem”. Nós podemos ser o que queremos. Os espaços políticos, por exemplo, ainda são difíceis de serem conquistados pelas mulheres. Somos desincentivadas a ocuparmos tais lugares pois ainda existe um pensamento, uma crença, de que a mulher não pode, não deve ou não é capaz de ocupar esses espaços. Deslegitimar a fala de uma mulher é uma violência simbólica. Percebemos e sofremos essas violências todos os dias. A sociedade impõe muitas regras às mulheres. Nos dizem como
devemos nos vestir, o que devemos ser, como devemos agir, e qualquer coisa que fuja desse padrão é visto com maus olhos. Qualquer mulher que fuja a esse padrão de comportamento corre o risco de ser chamada de vadia, por exemplo. 2. Qual avaliação você faz sobre os principais impactos que esse tipo de movimento traz para a sociedade brasileira? Acredito que a marcha traz esses pontos para serem discutidos. Começamos a perceber que algumas pequenas atitudes que tomamos são atitudes machistas. O primeiro passo é desnaturalizar esses comportamentos. Percebermos que inferiorizar outra mulher, por exemplo, também é machismo. Nossa página na internet e nossas redes sociais estimularam bastante esse debate. A partir de nossa campanha fotográfica “isso também é feminismo”ou “feminista porque” e de nosso vídeo “ai, que vadia”, as pessoas começavam a discutir. Paramos para refletir sobre nossas atitudes e tentamos desconstruir atitudes machistas. 3. Vocês criaram uma campanha que envolvia diversos biotipos de mulheres com frases de efeito. Essa campanha foi muito compartilhada no Facebook, ao mesmo tempo, a Marcha da Vadias de Brasília teve a adesão de 3 mil pessoas, 5 vezes mais que no ano passado. Você acredita que as redes sociais de alguma forma contribuíram para esse aumento? Acredito que teve uma influência grande, alcançamos muitas pessoas com nossas campanhas. Atualmente nossa pagina no Facebook conta com a adesão de 8.000 pessoas. O pontapé inicial para a primeira marcha foi pelas redes sociais, é mais fácil nos organizamos e chamarmos reuniões. Infelizmente a internet ainda é restrita a um grupo pequeno de pessoas. Fizemos também panfletagem em várias cidades do Distrito Federal, porque sabemos que muitas pessoas não têm fácil acesso à internet. Acredito que a internet é uma ferramenta que pode ajudar
bastante as pessoas a se mobilizarem e se organizarem. Tem um potencial enorme, e por isso, deveria estar na pauta dos movimentos sociais a luta por uma internet livre, gratuita e de qualidade, por um plano de banda larga que seja realmente eficaz e que alcance a todos/as os/as brasileiros/as. 4. Que avaliação você faz sobre a discussão da Marcha da Vadias pela mídia? Você acredita que eles realmente retratam o movimento como ele é? Existe aceitação por parte dos meios de comunicação? A mídia faz uma cobertura razoável da marcha. No entanto, ainda chamamos mais a atenção por exibirmos corpos seminus e não pela nossa luta, pelas nossas reivindicações. Ao fazer isso, a mídia reduz o significado de nossa marcha e despolitiza uma ação que é discutida, refletida, teorizada, politizada e etc. Não estamos ali só para chamar atenção ou porque não temos nada para fazer. Muitas vezes é esse o foco dado a marcha, quando na verdade somos um movimento organizado, politizado e com uma agenda de ações e discussões. A mídia, por exemplo, sempre dá um foco maior a uma de nossas pautas, que é a liberdade sexual, o direito de andar e se vestir como queremos, por onde queremos sem que isso justifique qualquer forma de violência, mas temos diversas outras pautas, que é o fim da violência doméstica, o fortalecimento da lei Maria da Penha e dos mecanismos de atendimento às mulheres vítimas de violência... Queremos discutir a questão do aborto, esse assunto é tabu é, justamente por não ser discutido, várias mulheres continuam morrendo e arriscando suas vidas em abortos clandestinos. Não podemos fechar os olhos para isso. Queremos desconstruir valores machistas, racistas, lesbofóbicos. Queremos ter nossos direitos garantidos e lutamos por um mundo mais justo, mais igual em que as mulheres possam ser o que quiserem e que sejamos todas livres de violências.
PARA ENTENDER MELHOR A MARCHA DAS VADIAS JÚLIA ZAMBONI INDICA: Carta Manifesto Marcha da Vadias DF/2012: www.marchadasvadiasdf.wordpress.com/manifesto-2012-por-que-marchamos/ As fotos da campanha “feminista porque”: www.marchadasvadiasdf.wordpress.com/campanha-fotografica-feminista-por-que/ Texto de Júlia Zamboni “Porque reivindicar o direito aos nossos corpos e porque tiram a roupa para esse protesto”: www.audaciadaschicas.com/2012/06/por-que-reivindicar-o-direito-ao-corpo.html
Vídeo “Ai, que vadia!”: Link do vídeo no YouTube
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CAMPANHA REALIZADA POR ALUNOS DOS CURSOS DE WEBDESIGN E FOTOGRAFIA DO PROJETO CACTO 2012
REALIZAÇÃO
PARCEIRO
PATROCÍNIO
EXPEDIENTE Este jornal é uma publicação do projeto Cacto realizadado pela ONG Fábrica de Imagens Ações educativas em cidadania e gênero. Coordenação geral: Marcos Rocha Coordenação pedagógica: Christiane Ribeiro Gonçalves Editoração eletrônica: Regys Lima
Jornalistas responsáveis: Iara Moura - MTB CE:2580-JP Lícia Militão - MTB CE: 2770-JP Repórter: Catarina Érika Endereço: Rua Carlos Juaçaba, 1133, Maraponga, Fortaleza-CE Contatos: (85) 3495-1887 / fabricadeimagens@fabricadeimagens.org. br / www.fabricadeimagens.org.br