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ENTREVISTA COM ALCINDO SARTORI

Pegaram um ídolo de cada país e distribuíram entre os clubes, para dar uma motivação maior.

Você ganhou o primeiro título da era da J-League [Suntory Series] com o Kashima Antlers. Como foi isso?

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Nossa equipe era desacreditada, no sentido de ser a campeã. O Verdy Kawasaki e o Yokohama Marinos eram os favoritos. Nosso presidente nos chamou, antes da temporada, e fez uma reunião. Avisou que pagaria premiação só até o sétimo lugar, e que não interessava para o clube ficar em oitavo, nono ou décimo. Foi aquela loucura! Nossa equipe encaixou, comecei a fazer gols no início do campeonato. Tivemos a infelicidade do Zico ter se machucado, mas os jogadores brasileiros, garotos dos juniores do Flamengo (Régis e Carlinhos) que ele levou, se revezaram enquanto ele se recuperava. Depois o próprio Zico assumiu como treinador, foi a melhor coisa que aconteceu para

a história do Kashima Antlers. Conseguimos ajeitar a equipe, dando um padrão de jogo. Nós perdemos o título no final [Suntory Championship], pro Verdy. Teve aquele lance lá que o Zico cuspiu na bola, e tal. Foi foda. Fomos garfados.

Em 1994, você foi vice-artilheiro, com 28 gols, só dois atrás do Ordenewitz. Foi a sua melhor fase como goleador por lá.

Fui vice-artilheiro em 1993 e 94. Mas aí fiquei como líder em assistência nesses dois anos. O problema, no detalhe, foi não superar o cara lá [Ordenewitz]. Quando ele foi artilheiro com 30 gols, acho que ele marcou sete gols de pênalti, eu marquei só um. Faz diferença, né?

Depois da Era Zico, você chegou a jogar com o Leonardo e o Jorginho? O time sentiu a perda do referencial do Zico ou continuou competitivo da mesma maneira?

Joguei com o Leonardo, que foi para a vaga do Zico. O Jorginho veio para a minha vaga, quando fui para o Verdy Kawasaki. Eu já havia jogado com o Zico no Flamengo e com o Leonardo (Flamengo e São Paulo), então era a minha terceira passagem com ele, no Kashima Antlers. O gostoso de tudo isso é que o Kashima insistiu em nós brasileiros e, até hoje, é o time que mais venceu campeonatos japoneses [oito títulos, ao todo]. Eles devem muito isso aos brasileiros que passaram por lá. Zico fez uma família. Quando contratava jogadores, a dedo, escolhia cada um para jogar bem e também para formar uma estrutura, já que Kashima é uma cidade pequena. Tudo isso valeu a pena.

Posteriormente, chegaram ainda mais brasileiros ao Japão. Dunga, Evair, Zinho, Sampaio. Havia alguma espécie de confraternização entre vocês? Afinal de contas, o Brasil era o mais bem representado naquela época.

Depois que foi o Zinho, o Sampaio e o Evair, a gente acabava se encontrando quando jogava contra, ou marcava aos fins de semana em algum lugar de Tóquio para conversar, tomar uma cervejinha… aliás, o celeiro de craques brasileiros é uma coisa inexplicável, né? Tem atleta brasileiro em tudo que é lugar do mundo!

Na sua última passagem pelo Verdy, em 1997, as coisas já não eram as mesmas. O elenco envelheceu e o desempenho caiu bastante. Conte um pouco sobre isso. Conseguiu fazer gols, apesar dos problemas de lesão, o time simplesmente não rendeu ou a competição subiu de nível?

Não, o time estava com mais idade. Os jogadores eram bons, mas [o clube] precisava de renovação. Em 1997 eu fui bem, fiz 10 gols em meio turno. Só que tive uma lesão grave no tendão e precisei fazer cirurgia. Acabou que não voltei mais a jogar. Desanimei. Mas valeu a pena, pelo aprendizado. Você jogar com atletas de alto nível é muito bom, às vezes precisa é ter uma mescla. O Kashima Antlers fez isso. O Verdy, por exemplo, acabou*, não cuidou das categorias de base.

Sabemos que os japoneses foram influenciados por vocês que chegaram lá primeiro. Nem tanto pelo Ruy Ramos, que estava lá há muito tempo. Em vez de falar sobre o de sempre, talvez seja melhor perguntar: o que você pode dizer que aprendeu com eles?

Você jogar junto com os japoneses é uma coisa. Contra eles, é outra. A dificuldade nossa era essa. Eles são muito obedientes. O que você pedia para eles, taticamente, eles faziam, eles queriam aprender. Tecnicamente, tentavam sempre se aperfeiçoar. Ruy Ramos, para mim, foi um dos grandes nomes da história da J-League, junto com o Zico. Depois veio o restante do pessoal. Ele sofreu muito, pegou todo o início, e teve a oportunidade, depois dos 30 anos, de fazer sucesso e ser campeão com o Verdy Kawasaki. Acredito que ele acrescentou muito ao futebol japonês.

A adaptação aos costumes de lá foi complicada? Conte algumas passagens sobre isso.

A adaptação só me deu problema nos primeiros 30 dias, quando cheguei. Não conhecia nada, mas já tínhamos brasileiros lá. Eu tive o Zico e o Carlos Alberto ao meu lado. Contei também com o Jonas, que havia jogado lá e acabou ficando no Antlers, como intérprete. Tive muitas pessoas que me ajudaram muito, especialmente no primeiro ano. Eu já comia algumas coisas

da culinária japonesa, quando jogava pelo Flamengo, éramos acostumados a frequentar restaurantes típicos. E no mercado tem tudo, você compra e faz em casa, não tinha dificuldade para cozinhar. Uma ou outra coisa faltava. O feijão, por exemplo, levamos daqui. Carne de charque, também levamos. Feijãozinho é tradicional no Brasil, né? Então, no restante, eu entrava em qualquer restaurante. Com o passar do tempo, me acostumei à cultura de alimentação deles e comia qualquer coisa.

O que você acha que o futebol brasileiro poderia incorporar do futebol japonês? Não em termos técnicos, algo extracampo.

Acho que o futebol brasileiro está aprendendo agora. Na nossa época era mais complicado. Só tinha o São Paulo que era muito forte na base, na estrutura. Não pode ter comparação, na minha opinião. Cada país tem sua cultura. O Japão copiou a Europa e por isso se deu bem. Hoje, no Brasil, melhorou muito. Não por causa do Japão, mas por causa desses jogadores que atuam no mundo todo, principalmente na Europa. Então, aqui se tenta fazer algo semelhante aos europeus. Só que, na minha opinião, o Brasil tem matéria de sobra para isso, temos profissionais muito melhores do que lá fora, nesse lado. Você não precisa ir lá fora para aprender. Eles copiaram da gente! O que queremos aprender lá fora?

Qual o jogador local que mais te marcou nesses anos no Japão, pelos três clubes que você jogou? Kitazawa? Kazu? Nakayama?

Foi o Kazu, com certeza. Ele foi um marco no futebol japonês. Depois dele, houve vários. Teve o [Yutaka] Akita, no Kashima, e vários outros, em cada clube. [Masashi] Nakayama... O Verdy era uma potência na época, então não era só o Kazu [Kazuyoshi Miura]. Tinha o [Tsuyoshi] Kitazawa, o Ramos, os brasileiros… Lembro também do [Nobuhiro] Takeda, o [Masami] Ihara... esses jogadores fizeram história.

Você já retornou ao Japão depois do fim da carreira? Como foi a recepção?

Eu estava no Japão e vim para o Brasil para jogar no Corinthians.

O [Waldir] Espinosa era o treinador. Acabei tendo um problema no joelho, fui para o Corinthians, depois ao Fluminense, e voltei ao Japão, por seis meses. A minha ideia era ficar lá por mais tempo, mas tive lesão no outro joelho e fui forçado a parar. Eu fico feliz com toda a minha trajetória no futebol japonês. Não fui só ídolo do Kashima Antlers, fui ídolo de uma nação. Os torcedores todos tinham um carinho especial por mim, em qualquer lugar que eu ia jogar. Até hoje tenho alguns amigos lá, sempre vou ao Japão pelo Kashima Antlers ou para fazer alguma escolinha, isso me deixa muito feliz. O chato seria passar despercebido por um lugar, né? Graças a Deus isso não aconteceu comigo. Tenho muita saudade do Japão, aprendi muito com eles, foi muito boa a minha história lá, fiquei muito ligado com a torcida japonesa em geral, por causa das propagandas que fiz, como a da peruca, do lamen, da Pepsi. Enfim, tudo foi positivo. >>

*Nota do editor: o Verdy Kawasaki conquistou o título do segundo turno da J-League em 1995 e entrou em decadência. Mesmo com Ruy Ramos, Kazu e Alcindo, o time sofreu em 1997, acumulando dívidas monstruosas. Em 2001, a equipe deixou a cidade de Kawasaki e retornou à Tóquio, sendo rebaixada para a segunda divisão quatro anos depois. O clube não disputa a elite desde 2009.

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