Uma Bela Jogada (2a Edição)

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2ª edição

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Copyright 2009 by João Henrique Areias Capa e projeto gráfico: Pedro Costa Diagramação desta edição: Walter Motta Revisão: Lucia Maria Mac Dowell Soares e Rodrigo Calvoso

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

A724b 2.ed. Areias, João Henrique, 1954Uma bela jogada : 20 anos de marketing esportivo / João Henrique Areias. - 2.ed. rev. e ampl. - Rio de Janeiro : Outras Letras, 2009. 208p. ISBN 978-85-88642-12-6 1. Marketing esportivo - Brasil - História. 2. Futebol - Aspectos econômicos - Brasil. 3. Esportes - Aspectos econômicos - Brasil. 4. Esportes Administração. I. Título. II. Título: Vinte anos de marketing esportivo. 09-5400.

CDD: 796.0698 CDU: 796.062

14.10.09 21.10.09

Todos os direitos desta edição reservados à Outras Letras Editora e Sportlink Marketing Esportivo Rio de Janeiro, RJ Tel/Fax: (21) 2267.6627 outrasletras@outrasletras.com.br www.outrasletras.com.br

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Aos meus pais, Armando e Lola.

Aos meus filhos, Gustavo e Paula.

Às minhas fontes de inspiração (in memoriam) Rogério Steinberg e Bruno da Silveira

“As grandes proezas dos homens sugiram daquilo que parecia ser impossível” Charles Chaplin


Depoimentos a respeito da primeira edição

O João Henrique Areias é uma das grandes feras que conheço no marketing esportivo. Não poderia ser outro a tentar desvendar e resumir esta atividade no Brasil. Sua experiência de 20 anos, com histórias saborosas e casos vividos, vale a pena. Fiz uma pequena colaboração no livro com alguns comentários sobre a importância da gestão profissional no futebol. Há uma necessidade do Brasil migrar para este modelo. Mas não é só por isso, é claro, que eu recomendo e coloco o livro de Areias em minha biblioteca. Trata-se de uma bela aprendizagem para torcedores... e dirigentes. Zico

No Brasil, notabilizamo-nos pela dificuldade em preservar a memória nacional e normalmente demoramos a perceber como determinadas iniciativas são capazes de criar profundas mudanças nos diversos setores da sociedade. Pensei nisso ao ler o livro Uma bela jogada – 20 anos de marketing esportivo, do nosso prezado conselheiro João Henrique Areias. A inovação e a criatividade estão presentes em cada uma das páginas e, principalmente, nos casos narrados... ...Por esta razão, o Clube de Regatas do Flamengo homenageia e publicamente reconhece o papel fundamental e o marco estabelecido por Areias para o marketing esportivo nacional. Parabéns, João, pelo feito marcante. Parabéns, João, pelo livro. Márcio Braga Presidente do C.R. do Flamengo, em 17 de dezembro de 2007


Agradecimentos

O meu agradecimento especial vai para o Clube de Regatas do Flamengo sobre o qual até o tricolor Nelson Rodrigues dizia: “O rubro-negro, por onde vai, arrasta multidões fanatizadas. Há quem morra com o seu nome gravado no coração à ponta de canivete. Cada brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia”.

Além de torcedor, fui aluno dessa escola que forma jogadores, técnicos, preparadores físicos, médicos e outros profissionais do esporte. A atual seleção brasileira já conta há algum tempo com o Dr. Runco (ortopedista), com o Dr. Serafim (cardiologista), com o Rodrigo Paiva (assessor de imprensa), com o nosso caro massagista Demi que vieram do Flamengo e hoje servem, também, à CBF. Nas minhas três primeiras passagens pelo clube, colecionamos faixas – Campeão Brasileiro, em 1987 e 1992, e Campeão Carioca de 2004, no Fla-Futebol – todas elas nas gestões do presidente Márcio Braga, que sempre confiou no meu trabalho. Nesta última experiência o resultado não foi diferente, só que desta vez o título foi de bi-campeão brasileiro de basquete.

Também quero agradecer ao Rogério Steinberg que, mesmo sem me conhecer, me inspirou. Ao Bruno da Silveira, que me abriu as portas do Flamengo. Também não posso me esquecer de citar o Rodrigo Araújo, do SporTV, que foi o primeiro a sugerir que eu escrevesse este livro. Ao Alvaro Esteves, que me encaminhou para o marketing e para a comunicação empresarial, transmitindo-me os seus conhecimentos milenares; à Sonia, mãe dos meus filhos, que embarcou comigo nos primeiros projetos; aos meus filhos Gustavo e Paula que palpitaram e acompanharam cada etapa deste livro. Ao jornalista Felippe Awi, que me ajudou com muita competência a formatar este livro; à Lucia Koury, minha editora, por sua santa paciência; ao Bruno Gonçalves que,


em seu primeiro estágio, encarou a tarefa de organizar o mailing e o hotsite do livro. Muito obrigado ao José Maria Sobrinho, pelas dicas; ao Fred e ao Alvaro, meus amigos internautas que cuidam dos nossos sites; aos profissionais que trabalharam comigo na Sportlink (Flavio Pinto, Luiz Leo, Andrea Vidal, George Milek, Eliane Chalfun, Claudio Fontenelle, Bernardo Fonseca, João Vitor, Marquinhos Leal, Edu Mora, Julio Avellar, Bruno Campos, Gabriel e Roberta Lopes); a toda equipe do Fla-Olímpico, que foi fundamental para levar nosso projeto adiante, em especial aos funcionários Vitorino Silva, Sergio Silva, Dário e Alessandra, além dos ex-alunos do meu curso de marketing esportivo (www.marketingesportivo.org) que se dedicaram ao extremo como voluntários. Ao Rodrigo Calvoso, que participou da revisão desta edição. Ao meu cliente, amigo e compadre Savio, sua mulher Suzana e aos três magníficos Breno, Hugo e Lucas; ao João Felipe Valiante, amigo e conselheiro de todas as horas e a muitos outros que não caberiam nesta página, mas que estão no meu coração... João Henrique Areias

PS: Esta edição foi revisada e ampliada com o capítulo sobre a experiência no Fla-Olímpico, onde exerci o cargo de vice-presidente, de fevereiro a julho de 2009.

Faça parte da nossa comunidade www.marketingesportivo.org. Você poderá interagir com outros membros, participar de discussões, criar grupos de interesse nas áreas de gestão e marketing esportivo e ter informações sobre nossos cursos. Conheça também nosso site pessoal: www.jhareias.com Para palestras e seminários, envie um email para: jha@jhareias.com


Prefácio

O esporte brasileiro, infelizmente, é um desses fenômenos que revelam uma das nossas faces menos virtuosas. Não nas quadras e nos gramados, onde, com alguma frequência, nos deleitamos com as vitórias do nosso talento. Basta uma sumária reflexão para você se questionar e, quem sabe, concluir, como eu, que existe um enorme abismo entre o que é e o que poderia ser o esporte por estas bandas.

O Brasil é um país de clima favorável à prática esportiva, com pirâmide demográfica jovem, que tem o chamado “bolo” publicitário elevado e com paixão inata pelas competições, capaz de produzir surtos de popularidade e celebridades num grau como talvez só seja observado nos EUA. Contudo, esta indústria corresponde a menos de 2% do PIB. Enquanto em alguns países chega a 5%, não empregamos mais do que uma fração do potencial de trabalhadores e o nível de investimento é baixo e insuficiente para a atração de marcas e de consumidores. Como se não bastasse, nossos atletas de ponta, com nível de competitividade mundial, na sua grande maioria exibem, no cotidiano, seu talento no exterior e só se apresentam em solo pátrio quando selecionados para representar o país.

Então, estamos condenados à mediocridade, salvos apenas pelo excepcional, como o projeto do vôlei, ou um Guga, uma Daiane, Joaquim Cruz, Giba, Maurício, Oscar e Hortência, só para citar alguns dos poucos a quem eu tive o privilégio de assistir. Ou será que haveria um modelo aplicável por aqui, ainda que não garantisse êxitos de formas constante e horizontal em relação às diversas modalidades, mas que viesse a nos retirar do terceiro pelotão das nações em matéria esportiva? Esta é uma indagação fundamental que divide os envolvidos com o esporte em dois blocos de distintas crenças.


Pois bem, são poucos os que não titubeiam, que não recorrem a desculpas esfarrapadas quando confrontados com a questão acima. E João Henrique Areias é um desses. Sua história mostra que ele não tem dúvida alguma de que, submetidos aos modelos corretos e temperados com gestão profissional e íntegra, seria só uma questão de tempo passarmos para o lado dos que produzem os melhores espetáculos esportivos e, por meio deles, gerarmos desenvolvimentos social e econômico aliados a ganhos de auto-estima extraordinários.

Já conhecia o trabalho do João quando o procurei para desenvolvermos um projeto cujo conceito básico era o de usar o incentivo econômico para induzir melhores práticas no futebol, criando ganhos para os torcedores, clubes e para os investidores. Seriam garantidos a cada clube da Primeira Divisão do Brasileirão a receita relativa a um volume de ingressos e prêmios por colocação, desde que jogasse um campeonato de pontos corridos. O risco do negócio e o financiamento seriam do grupo GP (dono do que veio a ser a Ambev, das Lojas Americanas, entre outros investimentos) que, como eu, tinha confiança num consistente crescimento das receitas de estádios como resultado de um trabalho profissional. A proposta cobriria cinco anos e, à medida que as médias de público superassem o garantido aos clubes, que começava em quase 100% maior que as médias da época, estes seriam sócios dos lucros. Este projeto, levado pelo João ao Clube dos 13 e apresentado à sua diretoria, presidida pelo sr. Fábio Koff, nem sequer teve resposta formal.

Mas o João tem o defeito de ser um crédulo. Os amigos, ou os mui amigos, sabem da sua tenacidade quando se encanta por suas próprias soluções, em geral ousadas para o nosso ambiente. Então, não é difícil entender como é que, mesmo conhecendo as figuras que mandam no esporte, acaba convencido a entrar em alguma nova loucura. Digo isto antecipando sua própria conclusão, depois de ler este livro. Desde a viabilização da Copa União (capítulo dois) até a “criação” da Arena Petrobras (capítulo sete), projetos concretizados em prazos que deveriam e foram adjetivados como loucura. E foi assim,


na crise, consequência comum da falta de planejamento e do amadorismo, que surgiram várias das experiências descritas.

Neste livro você não lerá somente histórias de sucesso. Felizmente há os educativos relatos de alguns fracassos também, como foram a empreitada malsucedida do Fla-Futebol e a da natimorta Liga de Futebol do Rio. Os projetos que não resultaram no êxito esperado revelaram o caráter amadorístico na gestão das entidades esportivas. Não no sentido de gerenciar com amor, como foi o caso, no passado, do esporte no Brasil e em outros países, mas no pior sentido: o da incompetência tentando se manter no poder a qualquer custo num mundo cada vez mais profissional.

Não se apressem em concluir que defendo o profissionalismo como único antídoto para todos os males; seria desprezar o ocorrido quando dos investimentos estrangeiros, também desejados, que aportaram em clubes na última década, como foi o caso da ISL no Fla e no Grêmio, o do Nations Bank no Vasco da Gama, do HMTF no Corinthians e no Cruzeiro e, mais recentemente, o repeteco no Corinthians, desta feita com o MSI. Foram todos feitos por profissionais, mas em ambientes amadores, sem transparência e com interesses escusos como pano de fundo.

É preciso mais do que profissionalizar, faz-se necessária uma radical mudança na governança das entidades esportivas, que hoje atendem mais aos interesses dos poucos que as comandam e delas usufruem do que os do público, dos atletas ou, mesmo, os da sociedade como um todo. Neste sentido, é interessante a visão proposta na página 177 para um novo modelo de gestão.

Àqueles que já militam ou aspiram a seguir carreira no marketing esportivo, no futebol ou fora dele, recomendo, na leitura deste livro, atentar para a visão sistêmica do futebol e na lógica detalhada para a necessidade de um estádio para uma entidade poder executar ao menos um mínimo do bê-a-bá de atração de fidelização de clientes, no caso, os torcedores.


Não pensem neste livro somente para profissionais. É para os apaixonados por esporte que custam a entender o porquê de tanto atraso em seguir o mais óbvio, mas também para ficar claro o potencial de proporções de um Maracanã que tem o esporte neste nosso Brasil. Pois foi neste país que se construíram as histórias contadas aqui pelo Areias, acompanhadas de depoimentos de alguns dos que com ele as vivenciaram.

Estou certo de que a maior recompensa para o autor será inspirar outros jovens (como era ele, em 1987, imaginando fórmulas para a Copa União) a se posicionarem junto aos que acreditam que podemos e iremos construir no esporte do país uma estrutura e uma prática à altura do talento dos nossos melhores esportistas.

Walter Mattos Junior diretor-presidente do Grupo Lance!


Índice

15.

Introducao Depoimento: Zico

29.

Copa Uniao Pela primeira vez, o futebol brasileiro na vanguarda Depoimentos: Juca Kfouri e Celso Grellet

59.

Na selecao do tetra Craques também da propaganda Depoimento: Gilmar Rinaldi

85.

A TRAJEToRIA DE SaVIO Como planejar a carreira de um jogador Depoimento: Sávio

101.

De olhos abertos para o Oriente O Fluminense e a Hyundai

Depoimento: Paulo César Andrade

115.

Na tabelinha com Pele Um gol para Flamengo e Santos Depoimento: Pelé

129.

Arena Petrobras Uma nova casa para Flamengo e Botafogo

Depoimento: Carlos Augusto Montenegro

145.

No basquete Virando o jogo

Depoimento: Ary Vidal e Renato Brito Cunha

165.

Entendendo o cliente A tática da vitória

Depoimento: Márcio Braga

177.

Um novo modelo de gestao Profissionalizar para não morrer Depoimento: Junior

201.

Fla-Olimpico A história do Fla-Basquete, bi-campeão brasileiro

Depoimentos: Paulo César Pereira Filho, Alexandre Franklin, Jefferson, Pedro Paulo Drumond, Paulo Chupeta, Arthur Repsold, Carlo Mossi e Sergio Ricardo de Almeida



Introducao com depoimento do Zico



O estrangeirismo marketing ainda não havia desembarcado nos trópicos nem o Brasil era o país do futebol quando uma coisa e outra se juntaram pela primeira vez por aqui. Foi simples assim: no início dos anos 30, uma empresa de chocolate aproveitou o apelido de um ídolo popular para dar nome ao seu novo lançamento. A empresa era a Lacta, o ídolo era Leônidas da Silva e o dono da ideia era uma das cabeças mais revolucionárias do início do século passado no Brasil – o jornalista e empresário Assis Chateaubriand.

Só podemos dizer que foi simples assim porque somos cidadãos/consumidores da virada do século XX. Naquela época, era mais uma aposta visionária daquele que seria o primeiro magnata das comunicações no Brasil. Leônidas da Silva era o maior ícone de um esporte que dava os seus primeiros passos – largos, é verdade – pelas principais cidades brasileiras. Ele fez o único gol do Brasil na Copa de 1934 e voltou como artilheiro do Mundial da França quatro anos depois, na primeira vez em que a seleção brasileira não passou vergonha neste torneio.

Chateaubriand, dono da Lacta, queria relançar uma barra de chocolate e usou o codinome dado ao jogador por um maravilhado jornalista francês: Diamante Negro. Leônidas foi o garoto-propaganda em peças de jornais e revistas. Pelo trabalho, consta que recebeu a quantia de dois contos de réis. O sucesso da fusão ídolo do esporte/produto ajudou a transformar a Lacta numa gigante da indústria alimentícia no Brasil, onde o Diamante Negro, em pleno século XXI, ainda é uma das marcas mais consumidas.

Quase 70 anos depois, está claro que Chateaubriand e o seu Diamante Negro estavam levando algo novo para o conjunto de estratégias cujo objetivo é o de vender um produto – uma definição simplista, porém verdadeira, 17


do que chamamos de marketing. Tanto estavam na vanguarda que, embora Leônidas tenha lançado ainda outros produtos, como cigarros e relógios, este ramo do marketing ainda demoraria muito a se consolidar. Ficou limitado a casos esporádicos ao longo das décadas, como por exemplo o de Gérson, o Canhotinha de Ouro, e a sua mal interpretada lei de levar vantagem em tudo na campanha dos cigarros Vila Rica.

Eu já conhecia a história do Diamante Negro quando entrei, de cabeça, no mundo do marketing esportivo, em 1987. Nesse ano fui chamado a assumir a vice-presidência de marketing do clube mais popular do Brasil, o Flamengo. Foi um convite que me pegou de surpresa. Até então, eu era apenas um apaixonado torcedor rubro-negro como tantos milhões espalhados pelo Brasil. Formado em Ciências Contábeis, eu trabalhava na época na gerência de Eventos e Promoções da IBM, a maior fabricante de computadores do mundo, já havia 12 anos.

Acostumado aos formalismos do mundo das grandes corporações, cheguei na sala do presidente recém-eleito Márcio Braga esperando, pelo menos, uma entrevista, ou algo do gênero. Conversamos um pouco sobre o clube, suas ideias de marketing, ainda embrionárias, e ele não demorou muito para decretar: “Está empossado”. Não estava muito interessado em saber de quanto tempo eu disporia para dedicar ao Flamengo. Depois eu veria que se trata de um procedimento comum em clubes cujos dirigentes ainda são voluntários.

Márcio chegou ao meu nome depois que participei de uma cerimônia de premiação de atletas patrocinada pela IBM, em Brasília. Meus diretores tinham outros compromissos e me pediram para eu, como gerente de promoções e eventos, representar a empresa lá. Até poderia também ter delegado a missão para outro, mas decidi aceitar o pedido. Na época, eu me lembrei de um curso da IBM de que participei, em 1983, em Nova York, em que um dos palestrantes dissera que o entretenimento seria a principal indústria da virada do século XX

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e que os negócios envolvendo o esporte seriam uma área de grande potencial de crescimento. Aquela profecia tinha ficado na minha cabeça, talvez como uma semente para uma possível carreira solo nessa área.

Em Brasília, encontrei o Bruno da Silveira, um rubro-negro queridíssimo, muito amigo do Márcio Braga. Ele me disse que o novo presidente do Flamengo estava pensando em atrair empresas para ajudar a levantar o Flamengo e que eu poderia ser um bom nome por minha experiência com comunicação e marketing. De fato, naquela época, eu era responsável pela gerência que avaliava as possibilidades de a IBM patrocinar artistas ou eventos. Depois de passar pela área comercial da empresa, fui aos poucos me direcionando para o marketing e para todas as suas ferramentas de sustentação comercial. Comecei a me familiarizar com telemarketing, mala direta e outras técnicas que, no início dos anos 80, não eram tão óbvias como são hoje. Ali, patrocinando eventos culturais e esportivos, comecei a ver mais claramente a necessidade que uma empresa tem de se comunicar desse jeito com seu público-alvo.

Mesmo assim, minha primeira reação ao convite do Silveira foi típica de um funcionário acostumado aos rigores de uma grande empresa: disse que não tinha tempo de me dedicar ao clube, que trabalhava todo dia até pelo menos às cinco horas da tarde e apresentei outras justificativas coerentes num mercado profissional. Mas o Silveira me surpreendeu com a sua insistência, derrubando um a um os meus empecilhos: “Não tem problema, é um cargo amador e você mesmo pode fazer o seu horário”. Faltaram-me argumentos para recusar. E, afinal de contas, era um desafio tentador.

Nos meus primeiros dias de trabalho na Gávea, em janeiro de 1987, fui levado para uma salinha completamente abandonada que também abrigava os departamentos financeiro e jurídico. Durante a arrumação, bisbilhotando um arquivo que também parecia esquecido pelos funcionários, eu me deparei com um calhamaço de papéis que logo me chamaram a atenção. Jazia ali uma 19


coletânea dos projetos de marketing desenvolvidos no Flamengo pelo publicitário Rogério Steinberg, um rubro-negro histórico que morrera tragicamente alguns meses antes, num acidente de carro, voltando de um festival de publicidade em Búzios. Por uma feliz coincidência, sem eu ao menos conhecêlo pessoalmente, Rogério tornou-se dali em diante um exemplo para mim e seu trabalho reunido naquele calhamaço serviu-me de fonte de inspiração no novo desafio profissional que se abria.

Entre outras iniciativas brilhantes, Steinberg entrou para a galeria de heróis do Flamengo ao elaborar um plano de marketing que repatriou o maior ídolo da história do clube. Em 1985, Zico já completava sua segunda temporada na Udinese, da Itália, período no qual o rubro-negro interrompeu uma sequência de títulos ainda inigualável. A ideia de reavê-lo parecia um sonho, pois competir com o Eldorado europeu já era tarefa inglória, mas Steinberg teve a sacada de convencer empresas como a Coca-Cola e a Mesbla a ajudar financeiramente na empreitada. Em troca, teriam como garoto-propaganda nada menos que o maior craque do Brasil na época. Tão simples que, hoje, parece até absurdo que ninguém tivesse pensado nessa ideia antes. De quebra, usando a mesma estratégia, o publicitário ainda trouxe o Sócrates de volta da Itália, um ano depois.

Até hoje me parece difícil de compreender como um material tão valioso como aquele estava perdido num arquivo abandonado numa sala igualmente abandonada da Gávea. Talvez seja mais um sinal da falta de compromisso das diretorias amadoras dos clubes, que não costumam ter a menor vontade de dar continuidade aos bons trabalhos desenvolvidos por seus antecessores.

Também tinha muito viva na minha memória a história da viabilização das Olimpíadas de Los Angeles, em 1984. Esta edição dos Jogos tornou-se um marco na história do marketing esportivo mundial porque, ao contrário das outras, foi financiada basicamente pela iniciativa privada. Até então, apesar

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da sua grandeza, as Olimpíadas eram eventos deficitários para as cidades que as sediavam, pois o dinheiro vinha basicamente do poder público. Tanto que, alguns anos antes dos Jogos de 1984, a população de Los Angeles se declarou contrária a receber os maiores atletas do mundo, assustada com a informação de que a cidade de Montreal, sede da edição de 1976, só terminaria de pagar as suas despesas com o evento no longínquo ano de 2002.

Foi neste cenário que surgiu a figura de Peter Ueberroth, um ex-advogado que convenceu o prefeito de Los Angeles a dividir com a iniciativa privada os custos e, é claro, os dividendos, da competição. Ele trouxe a Fuji Film e a Coca-Cola, entre outras empresas, e ajudou a fazer daqueles Jogos o primeiro a dar lucro (algo em torno de US$ 250 milhões) desde o seu nascimento, na Grécia Antiga. Ainda em 1984, Ueberroth ganhou o título de Homem do Ano da prestigiosa revista Time e se consolidou como um dos maiores nomes do marketing esportivo mundial.

A experiência da IBM também me ajudou a estabelecer um guia de ação em que eu identificava os campos a serem explorados pelo Flamengo, ou seja, os elementos de que eu disporia para negociar com os patrocinadores: uniforme, placas estáticas nos estádios, licenciamento da marca, outdoors, permutas e outros espaços que hoje se tornaram banais na captação de verbas de publicidade.

Se comparado aos seus coirmãos do futebol brasileiro, o Flamengo já era um clube evoluído na área de marketing quando eu cheguei lá com todas essas ideias. Não só pelas iniciativas de Steinberg, que falava até em direito de imagem dos atletas, mas também por outras ações isoladas. Em 1984, na gestão de George Helal, o time profissional passou a estampar na sua camisa o logotipo da Lubrax, que mantém até hoje, num dos raríssimos casos de fidelidade de patrocínio no futebol mundial. Nessa época, o designer Hans Donner redesenhou uma marca estilizada do Flamengo e o americano Giora Breil, também um pre21


cursor do marketing esportivo no Brasil, começou a desenvolver campanhas de licenciamento que, lamentavelmente, não progrediram muito.

Naquele início, meu primeiro projeto que deu o que falar foi o de incrementar o Baile do Vermelho e Preto, que já dava sinais de decadência. Com o diretor social Haroldo Couto, negociamos com a casa de espetáculos Scala, no Leblon, e, em seguida, tive a ideia de usar a imagem do atacante Renato Gaúcho, que acabara de ser contratado pelo clube. Além de bem-sucedido no Grêmio, clube de onde veio, Renato era um exemplo de jogador que gostava de frequentar bons lugares e que vivia cercado de mulheres bonitas, as duas ideias básicas de um baile de carnaval. Durante o feriado, o time profissional do Flamengo faria uma excursão pelo Nordeste e eu consegui convencer o departamento de futebol a deixar o Renato no Rio, promovendo o baile em peças publicitárias e no próprio dia do evento. Foi um sucesso.

Alguns meses depois, conseguimos estender o contrato com a Petrobras, que já vigorava no futebol, para a equipe de vôlei profissional rubro-negra, num sinal de que as grandes empresas também já estavam atentas ao mercado dos chamados esportes amadores, como já haviam demonstrado com o patrocínio da Bradesco Atlântica e da Pirelli no vôlei, no início dos anos 80.

Logo eu me depararia com o meu primeiro grande desafio no futebol rubro-negro: a renovação de contrato de Zico. Como ele havia se machucado seriamente dois anos antes e, desde então, passara a frequentar assiduamente o departamento médico, parte da diretoria do Flamengo era contrária à sua permanência na Gávea, ainda mais com o seu alto salário. Numa reunião, os diretores e vice-presidentes foram consultados um a um sobre o assunto, até que chegou a minha vez. Eu disse que ficar com o Zico era um risco calculado, ele teria 50% de chances de voltar a ser o Zico que todos amavam e 50% de chances de nunca mais jogar bola na vida. Por isso, se a segunda hipótese prevalecesse, deveríamos incluir no seu contrato uma cláusula que

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o colocasse numa função fora do campo, uma espécie de relações públicas ou embaixador rubro-negro no mercado publicitário. Teríamos à disposição a figura que melhor representa o Flamengo, sua paixão e potencialidades. Eu não tinha dúvidas de que, carregando o Zico ao meu lado, minhas chances de vender qualquer projeto do clube saltariam de 10% para 90%, ainda mais se o negociador do outro lado da mesa fosse torcedor do Flamengo.

Não era uma decisão fácil, porque o salário era alto para os padrões da época, mas que hoje não paga um volante razoável no Flamengo. Mesmo assim, o Márcio Braga comprou a minha ideia, não sem antes colocá-la à prova: “Então trate de arrumar logo esse patrocinador que vai pagar o Zico, porque nós não temos dinheiro”.

Zico (então Secretário Nacional de Esportes), Areias e Márcio Braga (Presidente do Flamengo) antes do jogo do Flamengo pela Supercopa 91, em Brasília.

Como dirigente amador, eu tinha um problema básico: falta de tempo. A IBM consumia quase todo o meu dia e, por isso mesmo, decidi começar a busca 23


lá dentro mesmo. Com um sistema de mensagens interno, um precursor do email, pedi uma ajuda ao diretor de marketing da IBM, o Márcio Kaiser, que eu sabia ser rubro-negro doente. Dizia que o Flamengo estava procurando um patrocinador para manter o Zico na Gávea e perguntei se ele me sugeriria alguma empresa onde eu começaria a busca. De imediato, ele encaminhou a mensagem para o departamento de vendas da IBM e, com a autoridade de um diretor de marketing, pediu que eles fizessem sondagens informais com os clientes da empresa. Não demorou muito tempo para um vendedor da IBM chamado José Mário Pereira de Almeida encontrar um patrocinador. Era a Blue Cross, uma empresa de assistência médica. O Zico tornou-se garoto-propaganda deles e lhes garantiu um retorno três vezes maior que o investimento.

Esse trabalho com o Zico foi apenas um dos 17 que o departamento de marketing do Flamengo desenvolveu, em 1987, atingindo uma receita anual de US$ 850 mil. No ano anterior, a receita tinha sido de US$ 400 mil, advinda de contratos com oito empresas. Em 1988, meu último ano à frente da vice-presidência, trabalhamos com 21 empresas (Lubrax, Adidas, Mesbla, Kibon, Nestlé, entre outras) e o clube obteve uma receita publicitária de aproximadamente US$ 1 milhão.

Nenhum desses contratos, porém, teve a importância para a torcida rubro-negra que, no final das contas, era o nosso público-alvo, como o que possibilitou a permanência do Zico no Flamengo. Curioso que foi um trabalho de equipe claramente movido pela paixão por um clube e por um ídolo. O Márcio Kaiser e o José Mário Pereira de Almeida fizeram isso pelo Flamengo e pelo Zico e jamais cobraram um tostão pelo negócio. O marketing esportivo tem dessas peculiaridades, como eu constataria dali em diante nos diversos projetos que desenvolvi nos últimos 20 anos, quase sempre envolvendo alguns dos principais dirigentes e atletas do nosso esporte.

Neste livro, procuro mostrar que esses cases, além de renderem histórias saborosíssimas dos bastidores do nosso esporte, têm um importante

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valor didático. Ficarei feliz se ajudarem, por exemplo, um estudante de marketing a compreender melhor o estimulante mercado publicitário que cerca o esporte nos dias de hoje. Ele não se arrependerá se investir tempo e dinheiro nessa área.

O esporte, que desde os seus primórdios desenvolveu-se como uma atividade social, educativa e de entretenimento, desfruta agora de uma evolução inexorável na área econômica. No Brasil, já representa de 1% a 1,6% do Produto Interno Bruto, segundo informações do Atlas do Esporte no Brasil, lançado em 2004. Isso representa algo entre R$ 13 bilhões e R$ 20 bilhões por ano (dados de 2002). No mundo, estima-se que atividades esportivas movimentem anualmente US$ 54 bilhões em vendas diretas e US$ 370 bilhões em vendas indiretas. A paixão que o esporte desperta remonta aos seus primórdios, mas agora ela vem acompanhada de ações de marketing cada vez mais sofisticadas. Daí a explicação para cifras tão impressionantes.

Começaremos a partir da Copa União, não só por uma questão cronológica, mas porque ela representou uma verdadeira revolução no principal campeonato esportivo do Brasil. Talvez seja um caso único na História em que o marketing salvou um torneio de futebol que se apresentava inviável. Cinco empresas líderes em seus segmentos bancaram a Copa União e ainda proporcionaram uma boa margem de lucro aos seus participantes. Seu legado subsiste até hoje, principalmente no que se refere à diversificação de receitas para os clubes de futebol, que não vivem mais sem o dinheiro pago pela televisão, uma conquista consolidada naquele tempo. Pena que o amadorismo que ainda impera entre os nossos dirigentes tem impedido avanços maiores. Poderíamos estar, por exemplo, num estágio mais evoluído que o do milionário futebol espanhol, que hoje não pára de importar os nossos craques.

Em 1994, o marketing esportivo teve, ao seu modo, uma importante participação na conquista do tetracampeonato mundial da seleção brasileira, de25


pois de um jejum de 24 anos. Não, contratos publicitários não entram em campo nem marcam gols, mas eles podem ajudar a dividir ou a unir um grupo. Em 1990, na Copa da Itália, ele dividiu: insatisfeitos com os termos do patrocínio da Pepsi, os atletas e a Confederação Brasileira de Futebol se desentenderam e colaboraram para o clima péssimo que envolveu a delegação durante o torneio em que a seleção brasileira foi eliminada nas oitavas de final. Quatro anos depois, representei o técnico Carlos Alberto Parreira e todos os atletas, entre eles Romário, em diversos contratos de publicidade, incluindo o da Brahma, até hoje conhecida como a cerveja número um. Fizemos vários contratos coletivos que corroboraram o espírito de união daquele grupo vencedor.

Em toda a minha vida neste mercado, só me predispus a trabalhar como representante de um atleta: Sávio Bortolini, um dos jogadores brasileiros mais vitoriosos dos últimos anos, com títulos por Flamengo, Real Madrid e Zaragoza. Foi uma opção porque, com ele, poderia ir além de um trabalho de mero empresário, que se limita a negociar contratos e salários com os clubes. Juntos, desenvolvemos um trabalho de imagem e capacitação profissional que fez de Sávio um jogador bem sucedido dentro e fora de campo. Foi meu primeiro cliente na Sportlink. Já fazemos uma parceria desde 1994, que será explicada em detalhes num dos capítulos.

Dentro de um dos maiores rivais do clube que estará sempre ligado à minha vida, tive a oportunidade de desenvolver uma excelente e vitoriosa parceria com a Hyundai, a gigante coreana do mercado automobilístico. O Fluminense vivia uma época de vacas magras, sem conquistar um título havia uma década, quando a Sportlink foi contratada para um projeto de marketing de longo prazo. Já com a Hyundai estampada na camisa tricolor, o clube foi campeão carioca de 1995, mas, infelizmente, perdeu a chance de consolidar sua recuperação por conta do amadorismo da diretoria seguinte, que provocou o rompimento do contrato com os coreanos e, por consequência, com a Sportlink. São coisas do nosso futebol, como ficará claro ao longo do livro.

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Arthur Antunes Coimbra técnico de futebol

O futebol brasileiro precisa de uma gestão profissional, com diretores remunerados, comprometidos com resultados e que respondam por seus atos. Este é um aspecto fundamental para que o futebol possa se desenvolver, não só nos clubes mas também nas federações e confederações. Hoje, os clubes brasileiros são instituições imunes a tudo e administradas por pessoas que têm pouco compromisso com o patrimônio e com a história da entidade que dirigem. Nem discuto a qualificação dessas pessoas, porque acredito que muitas delas sejam profissionalmente capazes, mas certamente elas não gerenciam suas empresas com o mesmo raciocínio com que comandam os clubes. Elas sabem que não vão permanecer por ali e, caso o prejuízo aumente alguns milhões, será um problema de quem chega. Então, a gestão muitas vezes fica sem planejamento a longo prazo, as contratações e os projetos são feitos sem o devido critério e o resultado é o que podemos constatar. A maioria dos clubes tem problemas financeiros graves que são o resultado de anos e anos de má administração. Se fossem empresas, já teriam falido. O amadorismo atrapalha muito. Posso falar sobre isso à vontade porque o CFZ do Rio Sociedade Esportiva é uma empresa e tem que lidar com clubes e com federações de formato amador. A diferença é gritante e a legislação acaba beneficiando quem age de modo amador. Levamos muita desvantagem em função dessa falta de compromisso. Alguns clubes desrespeitam as leis, não cumprem as regras, abandonando competições no meio, e fica por isso mesmo.Como empresa, não podemos deslizar. Temos que pagar impostos como qualquer instituição privada, fazer contratos formais com os jogadores, enfim, seguir as regras. São dois mundos que convivem. Nas minhas passagens profissionais por Itália e Japão, sempre prestei muita atenção na forma como os clubes lidavam com o universo do futebol. Isso vale desde o Flamengo, que tinha dirigentes amadores que, em alguns momentos, tiveram atitudes de vanguarda. No Japão, por exemplo, quando se criou a J-League (Liga Japonesa), eu estava lá em Kashima e nós percebemos que era fundamental aproximar os jogadores das pessoas, de modo a criar uma torcida. E essa torcida forma ídolos, compra produtos. Ou seja, é toda uma cadeia de ações ao redor do futebol que se baseou numa atitude nova: fazer com que os atletas andassem entre as pessoas depois do treino.

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Claro que os resultados são fundamentais para isso dar certo, mas tive a oportunidade de ver esse ciclo se formar no Japão. O que vem junto é a incorporação de profissionais mais específicos nos clubes, como fisioterapeutas e até preparadores de goleiros, profissional que os japoneses não tinham, entre outras coisas. Já na Itália, tínhamos, na década de 80, um futebol muito profissional nos bastidores, ainda que o Udinese fosse apenas um clube médio. Porém a estrutura era bem enxugada e tratava apenas de futebol. Foi o meu primeiro contato com uma liga realmente organizada.Todas as possibilidades disponíveis em ações de marketing são importantes. Mas num país onde há tanta bagunça no futebol é difícil falar dessas divisões claramente, como marketing e até planejamento. É complicado achar um parceiro que queira apoiar sem ter certeza de que o campeonato vai acabar, sabendo que você compete em desigualdade de condições e que há influência política muito intensa que, às vezes, atrapalha o esporte. Antes de falar em ações de marketing, parece fundamental resgatar a credibilidade. Tendo isso, todas as armas para benefício do esporte são válidas.

N.A. - Pedi para o Zico dar seu depoimento sobre nossas experiências conjuntas e recebi dele um belo relato sobre administração esportiva que, pode não parecer, é exatamente o que este livro mostra: a importância do profissionalismo no esporte.

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Copa Uniao Pela primeira vez, o futebol brasileiro na vanguarda com depoimentos de Juca Kfouri e Celso Grellet



E m 1º de maio de 1969, no primeiro Dia dos Trabalhadores depois da publicação do AI-5, o governo militar mandou os principais estados do país organizarem jogos de futebol, de graça, entre duas equipes populares de suas cidades. No Rio, por exemplo, houve um Fla-Flu, enquanto em São Paulo foi marcado um Corinthians x Palmeiras. O objetivo desses “amistosos biônicos” era o de atrair o povo para a sua grande paixão, o futebol, e ajudar a desmobilizar qualquer movimento popular de protesto contra o ato institucional mais cruel e repressor da história da ditadura brasileira, promulgado em dezembro do ano anterior.

Foi um dos primeiros – e, certamente, não o único – plano de uso político do futebol por parte do regime de exceção que se instaurou no Brasil, entre 1964 e 1985. A estratégia se intensificou claramente depois que a seleção brasileira conquistou o tricampeonato mundial, em 1970. A euforia dos brasileiros com o escrete canarinho teria de ser canalizada para que fosse revertida a favor do país, mais especificamente a favor do governo do país. Assim como o petróleo, o esporte, e suas conquistas, eram coisas nossas, um patrimônio que enchia a pátria de orgulho e nos faziam, de certa forma, conviver melhor com as nossas fragilidades. Esse conceito era a base de uma enorme campanha institucional lançada pelos militares, na mesma linha ufanista já usada em outras frentes.

A Arena, partido de sustentação do governo militar, foi aconselhada a usar o futebol como tema de suas campanhas. Em todo o país, os governos estaduais eram estimulados a construir estádios para mais de 60 mil pessoas que, mais tarde, principalmente no Norte e no Nordeste, se transformariam em elefantes brancos, graças à ociosidade e ao anacronismo de suas instalações. Mas, acima 31


de tudo, era necessário criar um campeonato de abrangência efetivamente nacional, ou seja, que representasse todos os estados da União.

Em substituição à “elitista” Taça de Prata, o Campeonato Brasileiro foi lançado com pompas, em 1971, ainda com um número aceitável de participantes. Eram 20, mas já incluía mais clubes do Nordeste, do Sul e de Minas Gerais. Aos poucos, a competição foi inchando, até chegar ao absurdo de 96 times na edição de 1979. “Onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional”, dizia um adágio popular da época que resumia bem a intenção do governo de incluir equipes modestas para agradar ao povo.

Neste cenário, o Campeonato Brasileiro foi se tornando altamente deficitário para a CBF, que tinha de arcar com os custos das viagens e hospedagem dos times, e para os clubes, que só conseguiam encher os estádios em partidas decisivas ou em clássicos contra rivais de tradição. É interessante ressaltar que isto acontecia numa época em que nossos craques estavam, em sua maioria, jogando no Brasil.

Os novos ventos trazidos pela redemocratização no país começaram a ser sentidos no futebol no primeiro semestre de 1987. Era um momento político importante no país, discutia-se a nova Constituição, que seria promulgada no ano seguinte, e a excessiva participação do estado em diversos setores da sociedade. Neste período, o então presidente da CBF, Otávio Pinto Guimarães, reconheceu publicamente a impossibilidade financeira de arcar com mais um campeonato. O dinheiro da Loteria Esportiva, que bancava boa parte desses gastos, era cada vez menor depois que estouraram escândalos de fraudes e armação de resultados.

Já insatisfeitos com os prejuízos acumulados durante anos e com o que classificavam de “falta de representatividade” na decisão dos rumos do futebol brasileiro, os principais clubes do país aproveitaram o momento favorável para levar adiante o antigo sonho de fundar uma liga independente da CBF.

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Anteriormente, o ex-presidente do Fluminense Francisco Horta já havia tentando criar uma associação de 26 clubes, mas a iniciativa esbarrou na falta de união dos clubes. Nessa nova tentativa, o objetivo dos dirigentes era o de aumentar o poder de negociação dos clubes com a CBF, tratar o futebol como uma atividade econômica que precisava ser lucrativa para sobreviver e resgatar a credibilidade dos dirigentes, altamente desgastada por casos de corrupção e de incompetência administrativa.

Depois de longas negociações, em que foram superadas divergências e rivalidades, assinaram, em 11 de julho de 1987, a ata de fundação desta liga quatro clubes de São Paulo (Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos), quatro do Rio de Janeiro (Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo), dois do Rio Grande do Sul (Grêmio e Internacional), dois de Minas Gerais (Cruzeiro e Atlético) e um da Bahia (Bahia). O número de participantes deu ao grupo o nome de Clube dos 13, mantido até mesmo quando foram admitidos mais sete membros, já nos anos 90 (Sport Recife, Portuguesa-SP, Coritiba, Goiás, Atlético-PR, Guarani-SP e Vitória-BA).

A iniciativa foi muito bem recebida pela grande imprensa, que em sua maioria criticava o inchaço do campeonato e o modelo de administração ultrapassado de Otávio e de seu vice-presidente, Nabi Abi Chedid. O Jornal do Brasil chegou a fazer uma matéria lembrando que os 13 clubes representavam 95% dos torcedores brasileiros e, por isso, tinham força, sim, para superar os obstáculos que apareceriam pela frente, entre eles uma suposta ilegalidade da iniciativa, uma vez que a legislação não permitia a criação de ligas independentes da CBF. Esta era uma das alegações para que a entidade, mesmo reconhecendo sua incapacidade de financiar e organizar o campeonato nos moldes antigos, tivesse relutado até o fim contra a ideia de um campeonato nacional fora de seu controle. A CBF ainda não entendia que, antes de ser um movimento de rebeldia, o Clube dos 13 era um movimento de sobrevivência das principais agremiações esportivas do país. 33


O Clube dos 13 representava uma ideia, ao mesmo tempo tão radical e sensata, que deu crias: no ano seguinte, ajudei a montar o Clube dos Seis, que reunia os principais times paranaenses daquela época (Coritiba, Atlético, Colorado, Grêmio Maringá, Londrina e Cascavel). Os clubes começavam a acreditar que poderiam dar o seu grito de liberdade.

Apesar da disposição de se libertar da CBF, os clubes perceberam que, da teoria para a prática, um outro obstáculo tão grande quanto a sua “ilegalidade” teria de ser superado: a falta de dinheiro. Sucessivas reuniões da associação foram incapazes de descobrir um meio de levantar algo em torno de US$ 1 milhão, quantia de que eles precisavam para fazer o papel financeiro da CBF, ou seja, pagar as despesas do campeonato. Quase todos os clubes estavam quebrados, bem como a credibilidade dos seus dirigentes. O problema era tão grave que alguns membros do Clube dos 13 já admitiam ceder à CBF, que a esta altura levantava a possibilidade de organizar um outro tipo de competição. Foi o caso de Fluminense, Botafogo e Internacional. Seria um racha fatal para o recém-nascido movimento.

Uma reunião marcada para segunda-feira, dia 24 de agosto, na sede do Flamengo, tornou-se crucial para o futuro do Clube dos 13. Seus membros colocariam todas as cartas na mesa e teriam de decidir se, de fato, seguiriam desafiando a CBF. Lembro que, na sexta-feira anterior, eu estava conversando com o Márcio Braga, na sala dele, e perguntei informalmente sobre o assunto. O Márcio me revelou toda a sua preocupação. Despretensiosamente, eu disse a ele que não entendia como uma entidade que reunia os maiores clubes do país fosse incapaz de encontrar uma agência de publicidade para vender um projeto de marketing, assim como tínhamos feito com o Zico e a Blue Cross alguns meses antes. Naquele mesmo ano, uma reportagem da revista Business Week, com a chamada de capa: “Nada vende mais do que o esporte”, mostrava que 3.400 empresas americanas estavam investindo US$ 1,35 bilhão em atividades e/ou entidades esportivas. O momento era propício para grandes

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investimentos na área. Então, o presidente do Flamengo virou-se de repente para mim e me lançou o desafio: “Ah, é fácil? Pois então você tem até segunda-feira para elaborar um projeto e apresentar aos clubes na reunião.” Flavio Rodrigues/Editora Abril

Reunião do Clube dos 13, em 1987, com a presença dos dirigentes do Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco, São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos, Cruzeiro, Atlético, Internacional, Grêmio e Bahia.

Confesso que me deu um frio na barriga. Eu tinha apenas um fim de semana pela frente para dar uma solução para o Campeonato Brasileiro. Lembro que passei na IBM e peguei um projeto nosso de comunicação e imagem. Depois fui para casa, sentei em frente ao meu computador e passei a adaptar o projeto à realidade do nosso futebol. Havia uma similaridade importante: assim como a IBM era líder no mercado de informática, o Clube dos 13 era líder no mercado do futebol brasileiro, afinal eram os maiores clubes reunidos ali. Ao mesmo tempo, martelava na minha cabeça a figura da apresentadora Xuxa, uma ex-modelo gaúcha sem qualquer apelo popular que, em poucos anos, havia se tornado uma febre nacional. Graças a quê? A uma caixa retangular chamada televisão. 35


Naquela época, a televisão ainda era um tabu para os clubes de futebol. Na cabeça dos dirigentes, uma transmissão ao vivo afugentaria ainda mais os torcedores do estádio, o que diminuiria consequentemente a já insuficiente arrecadação de bilheteria. Até então, poucos jogos eram transmitidos ao vivo, em geral apenas decisões de campeonatos em que o estádio estaria lotado. As emissoras não anunciavam a transmissão. De repente, poucos minutos antes do apito inicial, a partida era inserida na programação. As câmeras eram da TV Educativa, do Governo Federal, que não pagava direitos de transmissão e retransmitia o sinal para canais privados. De tempos em tempos, havia rebeliões isoladas de dirigentes contra essa prática. A primeira de que tenho notícia aconteceu num Fla-Flu do Campeonato Brasileiro de 1977. Em seu primeiro mandato, Márcio Braga conseguiu na Justiça que as câmeras da TV Globo fossem impedidas de entrar no Maracanã para filmar o jogo. Se quisessem, os clubes, isto é, os responsáveis pelo espetáculo, teriam que ser pagos por isso. Como não houve acordo, não há imagens registradas deste clássico. Por esta história, dá para ter uma noção do tamanho do meu desafio na tal reunião de segunda-feira: eu teria de convencer 13 dirigentes a permitir a transmissão dos jogos de seus clubes desde a primeira rodada.

Quando entrei na sala, percebi um clima tenso no ar. O Clube dos 13 estava mesmo a ponto de rachar. Do lado de fora, a imprensa toda estava à espera de uma solução que salvasse o futebol brasileiro da falência mas, até então, só levaria para as suas redações notícias ainda mais preocupantes. De início, já dei a diretriz do meu projeto: “Se vocês precisam mesmo de US$ 1 milhão, é bom entenderem que só com a televisão isso será possível”.

Foi bom até a luz estar apagada, para a exibição das transparências na parede, porque eu poderia ter me desestimulado com a expressão descrente de alguns dirigentes. “Vocês precisam da televisão porque os seus clubes, em vez de aparecerem para 100 mil pessoas no estádio, vão aparecer para 30, 40 milhões. E as empresas patrocinadoras vão pegar carona nessa ex36


posição toda. É uma questão de amplificação da mensagem”. Então usei o exemplo da Xuxa, que não saía da minha cabeça. Uma moça que de repente virou Rainha dos Baixinhos, cujo toque transforma qualquer produto em ouro. Naquela época, ela venderia gelo para esquimó. A massificação pela televisão, portanto, era um fenômeno inexorável, não podíamos lutar contra ela. Cabia a nós explorar o seu potencial da melhor maneira possível. Assim, a TV não tiraria público do estádio, mas ajudaria a consolidar ainda mais a paixão do torcedor pelo seu time. Já acontecia isso com outros esportes, como o boxe, o futebol americano e o beisebol, no Estados Unidos, e com o próprio futebol na Europa. No ano anterior, a Copa do México havia sido acompanhada por 12 bilhões de espectadores graças à TV. A Fifa e as confederações nacionais lucraram bastante com toda essa exposição. A televisão, enfim, não era um mal em si.

Ali mesmo, eu também expliquei aos dirigentes a necessidade de organizar um campeonato em que todos soubessem, de antemão, quando e contra quem os times jogariam até o fim do ano. Para vender um produto, o comprador tem que saber exatamente o seu conteúdo e, até então, calendário era uma palavra pouco importante para dirigentes de futebol.

Quando terminei a apresentação, senti reações positivas e negativas que mostravam bem a divisão interna que existia naquela sala. O então vice-presidente de futebol do Vasco, Eurico Miranda, foi um dos que me apoiaram. Mas lembro que o presidente do Internacional, Gilberto Medeiros, usou uma expressão bem gaúcha para mostrar o seu descontentamento com a entrada da televisão no futebol: “Eu quebro, mas não envergo”.

Hoje, anos depois, entendi sua reação: eu estava propondo, simplesmente, que a televisão deixasse de ser a inimiga número um para se tornar a maior aliada dos clubes de futebol. Era uma mudança e tanto. Pelo menos eu tinha argumentos convincentes buscados do outro lado do Atlântico. Naquele ano, 37


a bilheteria era apenas a sétima principal fonte de renda dos clubes italianos, cujos jogos eram transmitidos ao vivo no Brasil pela TV Bandeirantes. Havia um cálculo de que, para se manterem com aquele modelo de arrecadação baseado na venda de ingressos, os maiores clubes brasileiros precisariam de uma média de 35 mil torcedores por jogo. Desde o início do Campeonato Brasileiro, em 1971, a maior média de público havia sido de 22 mil pagantes por partida, em 1983.

Deixei a sala de reunião sem saber da decisão final dos dirigentes. Passei incógnito pelos repórteres que aguardavam uma notícia do lado de fora. Só os jornalistas que cobriam o Flamengo poderiam me conhecer. No dia seguinte, eu teria uma feira da IBM em São Paulo. Quando cheguei lá, um amigo me procurou e perguntou: “Você viu os jornais de hoje?”. Então ele me mostrou as manchetes, que seguiam todas a mesma linha: “Clube dos 13 anuncia plano de salvação do futebol brasileiro”. E vinha o meu projeto ali, explicado nos mínimos detalhes. Eu gelei na hora: “Vou ser demitido da IBM”. Liguei imediatamente para o Márcio Braga para saber o porquê de toda essa exposição e ele me acalmou. Disse que decidiu usar o projeto para pressionar os dirigentes que pensavam em abandonar o Clube dos 13. Agora, havia um plano de salvação, encampado pela imprensa, e seria mais difícil um clube roer a corda. Mas cabia a mim fazer desse projeto uma realidade.

No mesmo dia, eu liguei para o Celso Grellet, diretor de marketing do São Paulo, com quem me encontrei no dia seguinte. No primeiro semestre, ele havia negociado com a TV Globo a transmissão da final do Campeonato Paulista de 1987, entre São Paulo e Corinthians. Os clubes cobraram US$ 70 mil. Poderia ser um parâmetro para a negociação com a emissora. Pensamos também já num calendário de transmissões, com jogos só no fim de semana. Nos Estados Unidos, havia o Monday Nigth Game, um jogo de futebol americano transmitido para todo país na segunda-feira à noite, inclusive para a cidade onde ele seria realizado. Nós poderíamos adaptá-lo para o Brasil. Aqui, o campeonato de futebol poderia ter jogos apenas na sexta-feira, sábado e domingo.

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Já estava decidido que o campeonato não teria 13, mas 16 clubes. Era um número que permitia uma tabela mais racional, com número par, e dava uma abrangência geográfica mais representativa do país. Foram convidados Goiás, Coritiba e Santa Cruz. Assim, calculei que seria possível vender 42 jogos para a TV Globo, ao preço de US$ 70 mil cada um. Daria um total de US$ 3,4 milhões, ou seja, US$ 2,4 milhões a mais do que o Clube dos 13 necessitava para organizar o campeonato.

A primeira reação do Celso foi altamente compreensível: “Mas, João, você vai querer vender todos os jogos pelo preço de uma final de Campeonato Paulista?”. Aí eu dei a ele o argumento que usaria em todas as negociações dali para frente, fossem com emissora de TV ou com anunciantes: “Celso, nós não estamos vendendo um jogo de futebol, pura e simplesmente, mas um conceito. Estamos oferecendo a salvação do futebol brasileiro”. Não tínhamos nada a perder.

Três dias depois da reunião no Clube dos 13, estávamos sentados numa sala eu, o Celso e um diretor da TV Globo, o Ivan Borges. Ele parecia não acreditar no que estávamos lhe propondo: “João, US$ 3,4 milhões é mais do que pagamos para transmitir a Copa do Mundo de 1986”. Argumentou ainda que pagaram US$ 70 mil porque a final do Campeonato Paulista era um jogo único que despertava interesse no Brasil inteiro. Então eu disse a ele que, de fato, o futebol brasileiro, naquele momento, não valia nem um dólar mas era outra coisa que estava em jogo ali: “Queremos recuperar um bem do povo brasileiro, a sua maior paixão, e fazer parte disso não tem preço”.

Naquela época, início da redemocratização do país, a TV Globo tinha uma imagem que, de certa forma, me remetia à IBM. Ambas eram líder de mercado e, por isso, despertavam uma certa antipatia de parcela da população. Os brasileiros, como a maioria dos latinos, tendem a simpatizar com o mais fraco e repugnar o líder. Por isso, se a emissora se engajasse no resgate 39


de uma paixão popular, poderia melhorar muito a sua imagem. Este era um valor intangível e o único preço que eu tinha ali como referência para negociar eram os US$ 70 mil da final do Campeonato Paulista.

Já tínhamos mais de duas horas de conversa com o Ivan. Entre nós, o Celso ponderava se não era o momento de recuarmos, mas eu insisti. Talvez tenha sido favorecido pela técnica comum dos japoneses que sentam à mesa para negociar. Eles o fazem até que o outro lado fique cansado, uma estratégia também comum no judô, por exemplo. Acredito nisso porque, de repente, o Ivan abriu a guarda com uma frase: “João, eu não posso falar para as pessoas que estão me esperando que vocês estão pedindo tudo isso.”

Pois então havia gente graúda esperando o fim dessa negociação, era um negócio que despertara mesmo o interesse da alta cúpula da TV Globo. O Ivan se referia ao Boni, todo-poderoso da emissora, ao Armando Nogueira, diretor de jornalismo, ao Roberto Buzzoni, diretor de programação, e ao Ricardo Scalamandré, diretor comercial. Então eu apostei minhas fichas numa provocação: “Ivan, se eu estivesse no seu lugar, eu ligaria agora para essas pessoas e diria que um maluco está propondo um valor insano pela compra do Campeonato Brasileiro. Mas ele quer ter a chance de convencê-los pessoalmente disso”.

No dia seguinte, de volta ao Rio, eu e o Celso nos sentamos com o Armando, o Buzzoni e o Scalamandré que, depois de muita negociação, aceitaram pagar os US$ 3,4 milhões, num contrato de cinco anos. Deram US$ 2,1 milhões em dinheiro, o dobro do que necessitavam os clubes, e US$ 1,3 milhão em espaços comerciais institucionais de 15 segundos. Em contrapartida, a Globo participaria do planejamento do calendário, seguindo obviamente critérios que lhe facilitassem a venda das suas cotas de publicidade.

Dali mesmo eu liguei para o Márcio e pedi que ele avisasse aos clubes que o campeonato estava garantido. Na reunião seguinte do Clube dos 13, eu

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e o Celso explicamos exatamente os termos do contrato e, apesar de uma ou outra resistência, todos assinaram.

Nossa ideia era sair dali e voltar às nossas vidas de profissionais em nossos empregos e de dirigentes amadores de clube. Mas, então, fomos convidados a sair da sala e, quando voltamos, eles nos chamaram para ser diretores profissionais de marketing do Clube dos 13. A partir de então, todos os contratos de publicidade que arrumássemos seria dividido em 17 cotas, 16 para os clubes e uma para mim e o Celso. O contrato com a TV Globo não estava incluído. Desta maneira, nós nos tornávamos os primeiros dirigentes remunerados do futebol brasileiro.

Então eu me licenciei do Flamengo e, algum tempo depois, também me licenciaria da IBM. Precisávamos concentrar as nossas forças na busca de patrocinadores para o campeonato e, assim, poderíamos provar que o futebol era capaz de sobreviver sem o paternalismo governamental ou da CBF. Tínhamos um mês para completar a missão porque a Copa União tinha início previsto para 6 de setembro e fim em 13 de dezembro, às 17h. Mudar o calendário, como tinha se tornado hábito até então, causaria um desgaste e tanto para todos nós, uma vez que já seria uma contradição à nova mentalidade que tentávamos implantar naquele momento.

Nossa primeira ideia foi procurar o Açúcar União, para aproveitar o nome do torneio, que deixaria de ser Campeonato Brasileiro para ser tornar Copa União, uma alusão ao entendimento, até então inédito, de todos os participantes. Mas a empresa estava ainda traumatizada com o esporte por causa do fracasso e dos prejuízos da Copersucar, até hoje a única equipe brasileira da história da Fórmula-1.

Num fim de semana, uma reportagem da Veja me chamou a atenção. Ela dizia que a Pepsi estava preparando uma agressiva campanha publicitária 41


no Brasil em que usaria como garoto-propaganda dois astros da música pop internacional: Rod Stewart e Tina Turner. Ou seja, num país xenófobo como o Brasil dos anos 80, eles estavam importando cultura para vender refrigerante. Liguei para o Celso e ele havia tido a mesma ideia: precisávamos procurar a Coca-Cola urgentemente.

O alto escalão da Coca-Cola nos recebeu no Rio. O que nós tínhamos a oferecer? O uniforme, placas nos estádios, os anúncios institucionais oferecidos pela TV Globo e até o espaço do círculo do meio-campo, como o Celso já havia visto no Campeonato Mexicano. E, é claro, estávamos oferecendo também o nosso conceito. Enquanto a sua maior concorrente recorre a ídolos estrangeiros para tentar crescer no mercado brasileiro, a Coca-Cola investiria num produto tipicamente nacional, o futebol. Era a hora de uma multinacional mostrar mais carinho pelo Brasil para vencer todas as resistências que existiam contra marcas internacionais. A IBM já tinha passado por isso no início dos anos 80, quando sofreu com a Lei da Informática criada pelo governo militar, que proibia a produção de computadores por empresas estrangeiras. Foi quando decidiu mudar seu nome aqui de IBM “do” Brasil para IBM Brasil. Era como se dissesse aos seus clientes que era estrangeira, sim, mas vivia aqui como um cidadão naturalizado que também trabalha para o desenvolvimento do país.

A Coca-Cola comprou a ideia, embora tenha sido necessário superar alguns obstáculos. A TV Globo não queria aceitar a forma como a empresa de refrigerantes usaria os anúncios institucionais. Eram mensagens neutras, de apoio ao futebol e de serviço ao torcedor, mas sempre aparecia uma chapinha do refrigerante, o que foi considerado comercial. Porém a emissora acabou cedendo, embora no ano seguinte tenha pago aos clubes US$ 1,3 milhão em dinheiro e negociado diretamente com a Coca-Cola os anúncios, sob o argumento, correto, de que a empresa já era sua cliente comercial. Ou seja, os clubes estavam pegando uma verba que já seria da TV Globo, só que sob outras circunstâncias.

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De qualquer forma, somados os contratos da TV Globo e da Coca-Cola, tínhamos levantado US$ 6 milhões em apenas um mês. Os clubes nunca haviam visto tanto dinheiro assim, de uma hora para outra. Pela primeira vez desde a criação do Campeonato Brasileiro, em 1971, eles entrariam numa competição sabendo que ela seria superavitária. E isso independentemente da classificação final da equipe.

No contrato da Coca-Cola, houve ainda uma barreira que se tornou um case mundial de marketing dentro do próprio case da Copa União. Aconteceu no Mofarrej Sheraton, em São Paulo, onde combinamos assinar os contratos da TV Globo e da Coca-Cola. Havia, ainda, algumas arestas a serem aparadas. MacCann Erikson

Anúncio da Coca-Cola: ao contrário da concorrente, a empresa investiu em um produto tipicamente nacional 43


O Vasco, por exemplo, reivindicava que os clubes de maior torcida tivessem participação maior na fatia do bolo, até com certa razão. Enquanto se discutia isso, o presidente do Corinthians pediu a palavra e todos nós levamos um susto. Vicente Matheus, um dos dirigentes mais folclóricos e queridos da história do futebol brasileiro, disse que não assinaria o contrato porque se sentiu maltratado no Morumbi na tal decisão de US$ 70 mil do Campeonato Paulista. O presidente do São Paulo era o mesmo do Clube dos 13, o Carlos Miguel Aidar, que também havia passado à frente do Corinthians numa negociação com um jogador chamado Renatinho. E ainda soltou uma frase que seria divertida se não fosse trágica naquela ocasião: “O que é bom para o São Paulo não pode ser bom para o Corinthians”. Ou seja, por rivalidade clubista, ele ameaçava melar todo o negócio.

Nesse momento, até o Eurico Miranda, que estava questionando a divisão de cotas, esqueceu isso e entrou no grupo dos que tentavam convencer Matheus a assinar o contrato. De outra forma, todo mundo continuaria quebrado.

Vicente Matheus, enfim, cedeu, mas o nosso maior desafio naquela tarde ainda estava por vir. Estávamos já chegando ao acordo final quando o presidente do Grêmio, o Paulo Odone, me chamou reservadamente num canto e me disse que estava com um problema grave. Os conselheiros do seu clube acabavam de decidir que não aceitariam pôr o logotipo da Coca-Cola na camisa da equipe pelo simples fato de que era vermelho, a cor do arqui-inimigo Internacional. Eu não acreditava no que estava ouvindo. A Coca-Cola já tinha mais de cem anos de existência e sempre exibiu aquela logomarca, qualquer criança sabe que ela é vermelha. O Odone, um homem corretíssimo, disse que me entendia, mas não podia resolver nada sem a aprovação do seu conselho.

Então, nós fomos na sala ali ao lado conversar com o Jorge Gigante, o presidente da Coca-Cola que participava da reunião. O Odone começou a explicar as origens da rivalidade entre Grêmio e Internacional, que a torci-

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da gremista jamais entenderia qualquer traço vermelho na camisa do clube. Por sorte, o Gigante era argentino e entendia muito bem até onde chegavam rivalidades como a que existe entre Boca Juniors e River Plate. Se fosse um executivo americano ali, o contrato iria por água abaixo, porque lá essas paixões não se sobrepõem aos interesses comerciais.

E, então, a Coca-Cola aceitou mudar a cor de seu logotipo na camisa do Grêmio. Seria preto e branco. Depois, outros clubes reivindicaram o mesmo direito, como o Coritiba, o Santos e o Botafogo. Tudo em nome do futebol brasileiro. O Mc Donald’s já teve de tomar uma decisão parecida na Turquia. No bairro onde se situa o time de futebol Fernerbahce, a cadeia de fast food tem a sua única loja preta e branca no mundo porque amarelo e vermelho são as cores do maior rival do clube, o Galatasaray.

O que não teve solução foi a nossa tentativa de vender o espaço do meiocampo para a Coca-Cola. A Fifa proibiu oficialmente de se expor publicidade dentro do campo. Para manter o contrato nos mesmos valores, nós então cedemos o espaço na camisa dos times para o ano todo, e não apenas entre setembro e dezembro, tempo de duração do campeonato.

A ideia de vender o meio-campo, aliás, levantou uma polêmica tão grande que serve para mostrar o quanto havia de inovador em toda aquela história da Copa União. Lembro que o João Saldanha, um de nossos ícones do jornalismo esportivo, gostava de criticar a “onda mercantilista” que estava invadindo o futebol. Dizia, com o seu sarcasmo genial, que esses “rapazes do marketing”, depois de tentar vender o meio-campo para a Coca-Cola, poderiam agora botar um sutiã gigantesco da DeMillus na meia-lua da grande área e cobrir as bandeirinhas de corner com preservativos Jontex.

Na primeira semana de Copa União, fui convidado a participar de uma mesa-redonda com ele na TV Manchete, onde trabalhava como comentarista. 45


Eu expliquei ao João os nossos propósitos, que o marketing era só um meio de capitalizar os clubes sem nenhuma intenção de interferir no que acontece dentro das quatro linhas. Acho que, no final, ele acabou entendendo, pois não soltou mais nenhuma piada nem sugeriu que cobríssemos a rede da trave com lençóis Santista.

Com a Coca-Cola e a TV Globo na retaguarda, tínhamos mais força para ir atrás de outras empresas que nos ajudaram a viabilizar a Copa União. A Varig nos deu desconto de 50% em todas as passagens que foram usadas nas viagens das equipes. A Editora Abril lançou o álbum de figurinhas do campeonato, que virou uma febre da garotada. Vendeu 180 mil exemplares em apenas uma semana e, ao fim do ano, a venda total foi de 480 mil unidades e 20 milhões de pacotinhos de figurinhas. Superou tanto a expectativa da empresa que não raro faltaram figurinhas em vários estados brasileiros. Além disso, o álbum da Abril foi pioneiro ao pagar pela primeira vez direitos de imagem a atletas brasileiros.

Para fortalecer a marca dos clubes, fomos atrás de uma empresa que fabricava plásticos e adesivos, a Dover, e aí temos mais um exemplo de como os clubes estavam atrasados em termos de marketing. O presidente da Dover, Dov Kamenetz, estava interessado em lançar produtos com símbolos dos 16 times da Copa União. Na época, o licenciamento das marcas era um negócio pouquíssimo explorado pelos dirigentes brasileiros. Nos Estados Unidos, esse mercado era dos mais promissores: havia crescido mais de mil por cento entre 1977 e 1986, chegando a cifras superiores a US$ 60 bilhões anuais. Aqui, pedimos 6% de royalties sobre a venda dos produtos e um adiantamento de US$ 85 mil, sendo que US$ 5 mil seriam para mim e para o Celso, os intermediários. Foi o primeiro contrato de licenciamento coletivo da história do futebol brasileiro.

No meio do negócio, descobrimos que a maioria dos clubes não tinha registrado suas marcas e símbolos, como os mascotes, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Ou seja, descobrimos, de repente, que ha-

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víamos vendido a Dover um produto que não nos pertencia. Para não melar o negócio, fomos tentar a regularização no INPI, que tem 41 classes de produtos. Os clubes, em geral, estavam registrados apenas na classe 41, que tratava de agremiações recreativas, mas precisavam ter registro em outras, como a de vestuário, relógios, adesivos etc. As grandes empresas se registram em todas as classes e depois pedem marca notória, o que impede que alguém use o seu nome em qualquer outro produto. Os clubes precisavam fazer a mesma coisa.

Naquela época, os dirigentes pareciam ignorar que a marca era o que eles tinham de mais valioso, o que chamamos de valor intangível. Era como a Coca-Cola: a sua marca vale mais que todos os seus bens tangíveis somados, incluindo todo o seu patrimônio. Pior: alguns usavam como mascotes símbolos que não lhes pertenciam. O Botafogo, por exemplo, tinha adotado o Pato Donald, o Bahia usava o Super-Homem e o Palmeiras gostava do Zé Carioca.

Foram vendidos 480 mil exemplares e 20 milhões de pacotinhos de figurinhas do álbum da Copa União 87, lançado pela Editora Abril.

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Elegantemente, o Dov entendeu o amadorismo dos clubes e renegociou o contrato, aceitando pagar os novos registros no INPI. Contratamos um profissional especialista na área de licenciamento, Dr. Pedro Bhering, e um artista excepcional, o Ziraldo, que redesenhou os mascotes dos 16 clubes. O Botafogo usou a estátua do Manequinho, que fica em frente à sede do clube. O Bahia ganhou um super-herói estilizado e o Palmeiras, um outro periquito.

Tão importante quanto o trabalho de Bhering junto ao INPI foi a briga que seu escritório de advocacia, o Pestalozzi e Bhering, ganhou naquele ano contra a indústria de calçados Fighter, que tentou registrar os escudos dos clubes para usá-los em seus produtos. A vitória na Justiça criou jurisprudência na questão e é um marco até hoje na luta contra a pirataria das marcas esportivas.

Foi uma grande sacada do Dov e do Clube dos 13 e, de certa forma, um pontapé inicial na exploração de produtos licenciados, um dos mercados de maior potencial de crescimento no esporte. Em 1988, já houve um salto no faturamento com licenciamento no Brasil, que atingiu a marca de US$ 190 milhões. Hoje, o Flamengo, por exemplo, arrecada R$ 1 milhão com royalties por ano e poderia arrecadar muito mais. Vinte anos depois, os clubes ainda não aproveitam bem a sua popularidade para vender produtos e ainda não dispõem de meios eficientes para combater a pirataria.

Note-se que as negociações com todos os parceiros e patrocinadores não duraram mais que duas semanas. Não foi, porém, uma questão simplesmente de mérito dos negociadores, mas havia claramente uma demanda reprimida por um produto altamente vendável, como o futebol brasileiro.

Com tudo pronto, agora tínhamos que confirmar que o nosso produto era mesmo bom, ou seja, a Copa União precisava ser um sucesso também dentro de campo. E foi. No menor campeonato nacional da história, com apenas 126 jogos, conseguimos extrair o sumo do futebol brasileiro, com confrontos quase sempre atrativos. A tabela, elaborada pelo matemático Oswald de 48


Souza, apresentava uma característica muito interessante: todas as rodadas tinham dois jogos no Rio, dois em São Paulo, um em Porto Alegre e um Belo Horizonte. Isso fez com que os torcedores dessas cidades voltassem a ganhar o hábito do futebol, ou seja, já soubessem de antemão que tal dia haveria um jogo ou dois jogos num estádio perto da sua casa.

O modelo de disputa previa uma semifinal em jogos de ida e volta e a grande decisão no mesmo sistema. Mesmo com TV, a média de público (20.887 pagantes) só foi menor que a do Brasileiro de 1983 (22.953 pagantes). Em ambos, o Flamengo foi o campeão, o que certamente puxou essa média para cima, mas, em 1987, o Corinthians, segundo clube mais popular do país, teve campanha decepcionante e uma média de “apenas” 16 mil torcedores. Somados os ganhos dos clubes com os contratos de marketing, teríamos o equivalente a uma média de 41 mil torcedores por jogo, seis mil a mais que o Campeonato Italiano daquele mesmo ano.

Elaboramos com a TV Globo um inteligente sistema de transmissão dos jogos. Eram três por semana. O primeiro, toda sexta-feira, às 21h30, num horário que ficou conhecida como Sexta-Super. No sábado, transmitia-se uma partida às 16 horas, nunca para a praça onde ele estava acontecendo. E, no domingo, também às 16 horas. Para que os outros jogos do dia não sofressem concorrência, foi criado um sorteio ao vivo, 15 minutos antes do apito final, para que ninguém soubesse previamente que partida seria transmitida. Havia poucos jogos no meio de semana, o que permitia que os jogadores se preparassem melhor fisicamente e houvesse mais tempo para a recuperação de lesões.

Uma pesquisa do Ibope com 2.300 pessoas mostrou que 72% dos homens acompanharam a Copa União, seja diretamente no estádio ou pela televisão. Considerando as mulheres, este número caía para 52%, mas ainda era muito significativo. Bem mais surpreendente – pelo menos para os presidentes de 49


clubes – foi que apenas 7% dos entrevistados afirmaram que a transmissão dos jogos pela TV mudara o hábito delas de ir ao estádio. Esse número era um golpe na crença de que a televisão afastava os torcedores. Em contrapartida, 60% dos entrevistados afirmaram que não tinham o hábito de ir aos estádios, o que significativa um enorme potencial de crescimento de público pagante, algo que poderia ser fomentado justamente pela TV. Dos entrevistados homens, 85% disseram que viram os jogos pela televisão. Cruzando com outros dados, chegamos à conclusão de que 43 milhões de telespectadores brasileiros acompanharam a recém-criada Copa União pela TV Globo.

O futebol da Copa União conseguiu a façanha de manter as médias de audiência da TV Globo quando exibido em horário nobre. Em São Paulo, os jogos tiveram 31% de audiência contra 29% dos programas que iam ao ar no mesmo horário. No Rio, esta mesma relação foi de 35% contra 36%. O primeiro jogo da decisão, entre Flamengo e Internacional, deu 63% de audiência no Rio e 43% em São Paulo, uma praça sem ligação com os dois finalistas. Estes números eram a prova de que as partidas eram uma alternativa altamente viável e lucrativa para as emissoras de TV.

Outro dado importante foi tirado do segundo jogo da decisão, em 13 de dezembro, no Maracanã. Todo mundo sabia que haveria transmissão do jogo ao vivo, direto para o Rio, mas mesmo assim 90 mil pessoas foram ao estádio. Ficou claro que, se o espetáculo for bom e tiver atrativos, existe público para ir ao estádio e para ficar sentado numa poltrona assistindo ao jogo.

O temor inicial dos dirigentes, que acreditavam piamente que a televisão afastaria ainda mais o público dos estádios, estava devidamente afastado. Pesquisas feitas depois do torneio mostraram que uma população jovem e feminina passou a se interessar mais pelo futebol por causa da transmissão dos jogos e até se animou mais a ir aos estádios. Nada mais era do que o aparecimento de um novo público e o crescimento do mercado consumidor

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da bola. Hoje não se imagina um grande campeonato sem a presença de uma grande emissora. É como se ele não acontecesse de fato. A Copa União, pois, estava legitimada como o novo Campeonato Brasileiro pela aceitação ampla e irrestrita do público, estivesse ele nos estádios ou em frente à TV.

Como um dos objetivos da Copa União era o de atrair de novo o público para os estádios, o preço dos ingressos foi o mesmo cobrado nos campeonatos estaduais, que tinham no máximo quatro clubes de qualidade. Mesmo com a inflação galopante da época, conseguimos manter congelado o valor do ingresso durante toda a fase classificatória. Houve reajuste de 100% apenas nas semifinais e finais. Hoje, dobrar o preço do bilhete soa absurdo, mas devemos lembrar que, naquela época, o índice de inflação girava em torno de 240%.

A Copa União praticamente baniu um mal que parecia crônico no futebol brasileiro: o atraso dos jogos. Com a entrada da TV, eles se tornaram passíveis de pagamento de multas pelos atrasos, porque havia uma grade de programação a ser cumprida. As boas condições de jogo provocaram uma onda de fair play no Módulo Verde. Em todo o campeonato, houve apenas 12 processos disciplinares para serem julgados, contra 89 do Módulo Amarelo, que teve o mesmo número de clubes e de jogos. De imediato, imaginamos que o impacto da transmissão ao vivo pela TV tenha feito os jogadores pensarem duas vezes antes de cometer uma indisciplina, uma vez que agora sua imagem estava sendo vista por todo o Brasil. É uma hipótese.

A CBF atrapalhou um pouco o sucesso do campeonato. Primeiro, ameaçou não ceder os árbitros, tanto que, na primeira rodada, ainda pairava a dúvida sobre se os jogos realmente aconteceriam. Finalmente vencida na queda de braço com os clubes – e percebendo que a Copa União foi aceita pelo público e pela mídia – , a entidade aceitou negociar. Foi feita uma composição para oficializar o campeonato, que recebeu a alcunha de Módulo Verde do Brasileiro. No meio do torneio, a CBF quis empurrar um cruzamento contra o 51


campeão e o vice da Segunda Divisão (Sport-PE e Guarani), chamada de Módulo Amarelo. Os 16 clubes não aceitaram isso, porque não estava no regulamento inicial e até hoje se discute quem, de fato, é o campeão brasileiro de 1987. A CBF insiste que é o Sport, uma vez que os times do Módulo Verde se recusaram a fazer o cruzamento, mas o Flamengo ganhou o reconhecimento dos torcedores e da imprensa.

Os contratos todos tinham duração de cinco anos, mas o nome de Copa União só sobreviveu até o ano seguinte. Infelizmente, as mudanças foram mais profundas que apenas a substituição de nome. Em 1988, com o apoio da CBF começaram a pressionar os clubes para que ampliassem o número de participantes do Campeonato Brasileiro. O Clube dos 13, de início, resistiu, com um argumento totalmente racional: havia contratos em vigor cujos valores não seriam aumentados caso a competição fosse inchada, mesmo porque a tendência era cair a qualidade do espetáculo. Em outras palavras, o bolo seria o mesmo para ser dividido em mais fatias.

O ideal teria sido organizar uma Segunda Divisão também com 16 clubes, para que houvesse rebaixamento e ascensão entre as divisões. No fim, o Clube dos 13 cedeu e o campeonato de 1988 teve 24 equipes. A média de público pagante caiu quase pela metade (13.811), sem contar a queda na qualidade dos jogos. Além da inclusão de equipes menos fortes, voltaram com força os jogos no meio de semana, que sacrificavam os jogadores. Mesmo assim, o calendário voltou a ser desrespeitado, a ponto de a decisão entre Bahia e Internacional ter sido disputada apenas em janeiro de 1989.

Em 1988, também houve um problema de desrespeito ao contrato com a Coca-Cola: Flamengo, Corinthians e Internacional, que já tinham patrocinadores de camisa antes da primeira Copa União, haviam se comprometido a adotar a Coca-Cola na edição seguinte. Só o clube gaúcho, que usava a marca Aplub, cumpriu. A diretoria do Flamengo achou que a Lubrax já fazia parte

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do uniforme rubro-negro e o Corinthians manteve o logotipo da rede de papelaria Kalunga, mesmo depois de a revista Placar mostrar que o nome significava “cemitério” no linguajar da umbanda. Curiosamente, o clube paulista se enterrou na Copa União de 1987. Ficou em último lugar.

Para nós que participamos de todo o processo de elaboração da Copa União, ficou um enorme sentimento de frustração porque a ideia foi perdendo, aos poucos, o seu conceito original. Foram retirados do torneio os atributos que levavam mais gente ao estádio, o que, no fim das contas, é o objetivo principal do marketing esportivo. São mais pessoas consumindo o seu produto. É claro que o dinheiro é bom e é importante, mas ele acaba traduzindo, na verdade, que o seu produto é bom. Eu sempre dizia que a gente estava vendendo um calendário com produtos de altíssimo nível, que eram os 16 maiores clubes do Brasil. Quando entram outros de qualidade bem inferior, todo o conjunto se desvaloriza.

Sempre defendi também um sistema de disputa simples, que todo torcedor entendesse, com turno e returno. Em 1987, os 16 clubes foram divididos em dois grupos, que disputavam dois turnos. Os vencedores de cada turno, em cada grupo, faziam uma semifinal e, em seguida, a final. A Copa União de 1988 mexeu no regulamento e chegou a criar um sistema de desempate esdrúxulo em que todas as partidas que terminassem empatadas teriam de ser decididas nos pênaltis.

Mas, hoje em dia, eu compreendo melhor o que ocorreu naquele período. Na verdade, a Copa União era uma passo grande demais na estrutura amadora que imperava no futebol daquela época – e ainda impera, em menor proporção, nos dias de hoje. Talvez estivéssemos à frente do nosso tempo, como estavam o Chateaubriand e o seu Diamante Negro lá nos anos 30. Na Espanha, por exemplo, só foi criada uma liga profissional nestes moldes em 1993, quando a Real Federação Espanhola passou a cuidar somente da sele53


ção nacional, deixando o campeonato para os clubes. Foi uma pena porque hoje poderíamos ter um nível de receita semelhante a de países europeus. É verdade que a renda das pessoas é maior no Velho Continente, mas o nosso mercado publicitário é do mesmo tamanho, potencializado com uma televisão fortíssima. Em 1987, os clubes só eram completamente profissionais dentro das quatro linhas.

Ironicamente, de lá para cá, foi a CBF quem mais deu passos no caminho da profissionalização. Seus dirigentes são remunerados e a entidade deixou de ser deficitária. Pelo contrário, é riquíssima, principalmente porque aprendeu a vender o seu melhor produto, a seleção brasileira. Mas a Copa União deixou o seu legado. Apesar das crises e desentendimentos, o Clube dos 13 representa até hoje o interesse dos principais times do país graças à Coca-Cola e à TV Globo, que nunca mais deixou de transmitir o Campeonato Brasileiro.

Mais importante que tudo isso foi que a Copa União fez os clubes entenderem que era fundamental buscar novos tipos de receita para sobreviver. Do ponto de vista institucional, ela foi uma mensagem clara da importância da iniciativa privada no crescimento do futebol. Até os anos 70, só se sentavam à mesa dos clubes para negociar duas figuras: o diretor social, para tratar da arrecadação com as mensalidades dos sócios, e o diretor de futebol, que contabilizava a receita com a bilheteria dos jogos. Até a venda de jogadores não era tão frequente quanto hoje. Ainda era possível decorar os times, que se mantinham praticamente inalterados por anos.

Era um modelo de gestão extremamente simples e pouco flexível. A partir de meados dos anos 80, começaram a se sentar nessa mesa profissionais de maior conhecimento comercial, incluindo representantes de TVs e de anunciantes. A Copa União reforçou bastante a necessidade de se ter esses profissionais trabalhando junto com os clubes.

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Evidentemente, nem todos os clubes aproveitaram da mesma forma o legado da Copa União. Houve alguns como São Paulo, Flamengo, Grêmio e Internacional, que incorporaram melhor e mais rapidamente as ações de marketing no seu dia-a-dia. Ainda assim, todos têm muito a melhorar. E há outros que continuam emperrados num modelo de gestão completamente amador.

Nos anos 90, surgiu uma outra figura para compor essa mesma mesa: o investidor. Foi o caso da Parmalat, da ISL (uma agência de marketing esportivo suíça), do Nations Bank, da Octagon, entre outros, que injetaram recursos no futebol de grandes clubes, à espera de retorno financeiro de marketing e na venda de novos talentos para o exterior. Mas eles entregaram o dinheiro na mão de amadores e o fracasso foi completo. Não é uma questão necessariamente de desonestidade ou incompetência, mas este investidor foi vítima de um modelo antiquado de gerência esportiva, que não permite ao dirigente se dedicar integralmente ao futebol e não lhe imputa responsabilidades civis ou jurídicas sobre os negócios dos clubes. Ao mesmo tempo em que um dirigente amador não será recompensado caso exerça uma administração brilhante, propiciando títulos e ganhos financeiros ao seu clube, ele também não será punido caso o leve à bancarrota.

O futebol brasileiro ainda espera um movimento que vá além do ventos de progresso levados pela Copa União de 1987. Precisa urgentemente de um modelo profissional de gestão que ponha mais gente capacitada e comprometida com o sucesso dos clubes dentro e fora das quatro linhas. Sobre este novo modelo, trataremos com mais profundidade em um capítulo específico sobre o assunto neste livro.

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Juca Kfouri jornalista esportivo, ex-diretor de redação da revista Placar

Depois de todo este tempo, a Copa União merece algumas reflexões. Em primeiro lugar, consigo diagnosticar dois pecados grandes: a inexistência de um sistema de acesso e descenso e a ausência de Guarani e América, respectivamente segundo e terceiro colocados no Campeonato Brasileiro de 1986. Mas tenho certeza de que os avanços que o torneio trouxe são mais importantes que suas falhas. Não consigo me lembrar de nenhum jogo adiado na Copa União. Havia por trás uma obrigação dos clubes com a TV Globo que não permitia mudanças repentinas tão comuns até então. A emissora fazia sorteios ao vivo minutos antes do início da rodada para decidir que jogo transmitiria e, por isso, não admitia ser surpreendida. Até o horário das partidas passou a ser respeitado. Em relação ao regulamento e ao horário, portanto, a Copa União já cumpria o Estatuto do Torcedor 16 anos antes de sua promulgação. Nós, da revista Placar, compramos a ideia da Copa União desde o início. A Editora Abril lançou o álbum de figurinhas oficial do campeonato, que foi um sucesso. Como a CBF estava de fora, a Placar também decidiu entregar a taça ao campeão. Criado pelo artista plástico Carlos Fajardo, o troféu, desenhado com quatro colunas gregas, era belíssimo. A posse da taça era transitória, como na Copa do Mundo, e o Flamengo a devolveu para que fosse colocada em disputa no ano seguinte. Mas como, em 1988, a Copa União já havia perdido muito de sua ideia original, o troféu ficou na Placar. E, para que continuasse em boas mãos, eu decidi entregá-lo ao Zico na sua festa de despedida do futebol. Até hoje me espanto ao lembrar como os dirigentes cederam à pressão da CBF e permitiram que o Brasileiro voltasse aos absurdos de antigamente. Lembro que a TV Globo estava disposta a brigar ao lado dos clubes para que a Copa União fosse mantida em suas propostas originais. Mas os cartolas preferiram dar adeus a um campeonato que, em seu primeiro ano, atraiu mais de 20 mil torcedores por partida. Coisas do nosso futebol.

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Celso Grellet diretor da Prime Licensing, que representa a marca Pelé, e ex-diretor de Marketing do Clube dos 13

A Copa União foi um movimento pioneiro e revolucionário. Anos antes de os clubes europeus se organizarem em torno do G-14, os brasileiros tomaram a decisão de se emancipar da CBF e das federações regionais para organizarem, eles mesmos, o Campeonato Brasileiro. Além disso, também ficaria a cargo deles a negociação dos contratos publicitários que viabilizariam a competição. Naquela época, a maioria dos dirigentes ainda não enxergava o poder que os clubes têm quando estão unidos. Por isso, ficaram maravilhados quando fechamos contratos de valores astronômicos com grandes empresas, como a Coca-Cola, TV Globo e a Varig. Obtivemos também um grande resultado técnico, capaz de atrair a maior média de público da história do Campeonato Brasileiro. Até hoje tenho na boca o gosto amargo da frustração porque a Copa União não resistiu às pressões políticas do futebol brasileiro. Foi uma conquista que durou pouco tempo. Mesmo assim, acredito que o torneio tenha deixado um legado muito positivo: a certeza de que, unidos, os clubes podem ser muito poderosos. Ainda mais quando decidem fazer uma administração voltada para o marketing.

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Na selecao do tetra Na seleção do tetra, craques também da propaganda com depoimento de Gilmar Rinaldi



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Assim, com 24 adjetivos e uma frase direta estampados num folheto verde, azul e amarelo, a imagem dos jogadores tetracampeões do mundo foi oferecida a agências de publicidade do Brasil e dos Estados Unidos. Eram craques do futebol mundial como Romário, Bebeto, Raí, Aldair e Taffarel que se abriam à possibilidade de associar suas imagens a uma empresa ou produto às vésperas da Copa do Mundo de 1994. A oferta fazia parte de um dos mais completos planos de marketing envolvendo a seleção brasileira, algo que ia desde a distribuição deste simples folheto até ações de ambush marketing, ou “marketing de emboscada”. Foram fechados dez contratos publicitários, entre individuais e coletivos, colaborando para o forte espírito de união que dominava aquele grupo vitorioso.

Eu ainda não tinha a dimensão do tamanho e da repercussão do projeto em que iria me envolver quando vislumbrei a primeira chance de trabalhar com a Copa de 94, nos Estados Unidos. Aconteceu no início dos anos 90, quando eu me juntei ao Pelé na fundação da Pelé Sports & Marketing, uma empresa de negócios na área esportiva que pretendia aproveitar melhor a marca do maior jogador de todos os tempos.

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Graças, principalmente, ao prestígio do Pelé, nós conseguimos com o Comitê Organizador da Copa a representação para a venda de ingressos no Brasil para os jogos do Mundial. Foi a última vez em que uma empresa de marketing recebeu essa tarefa porque depois a CBF passou a ceder os direitos de comercialização de pacotes a agências de turismo.

Nessa época, nós tínhamos de viajar muito para Nova York, onde o Pelé tinha um escritório no prédio da toda poderosa Warner Brothers. Desde os tempos em que jogou no Cosmos, no fim de sua carreira, ele cultivou amizade com o dono da WB, o Steve Ross, que foi quem, nos anos 70, bancou o projeto de incrementar o soccer nos Estados Unidos. Fiquei tão encantado com aquela cidade cosmopolita que, um ano e meio depois, quando vendi minha parte na empresa para o Pelé por motivos pessoais, decidi me mudar de vez para lá.

Em Nova York, meus principais objetivos eram o de estar mais próximo dos negócios da Copa de 94 e o de fazer cursos de marketing esportivo na New York University, uma referência mundial nesse mercado. Acabei incentivando muitos jovens brasileiros a fazer o mesmo, pois, realmente, o curso era excelente. Como ainda trabalhava como diretor de marketing do Clube dos 13, eventualmente eu passava uns dias no Brasil, geralmente para cuidar da renovação de contratos dos clubes com TVs ou patrocinadores.

Minha vida parecia estar se consolidando nos Estados Unidos quando, em 1993, a Editora Abril me convidou para ir ao Brasil preparar o álbum de figurinhas da Copa do Mundo de 94. Eles já me conheciam da Copa de União de 1987, que foi o primeiro de vários álbuns em que trabalhamos juntos. Como confiava no meu know-how na área, a Abril me daria a missão de negociar com os jogadores da seleção a cessão das suas imagens para estampá-las em milhares de figurinhas.

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Lembro que eu cheguei bem cedo ao Hotel Intercontinental, em São Conrado. A seleção estava concentrada ali para um jogo das eliminatórias da Copa. Ou seja, o Brasil ainda nem estava classificado de fato para o Mundial, mas já tínhamos que negociar quanto valia a imagem de cada jogador com potencial de estar na convocação final do técnico Carlos Alberto Parreira. Já havia explicado à comissão técnica da CBF o propósito da minha visita e fui muito bem recebido. Reunimos os jogadores numa sala e não houve muitas dificuldades para fechar o negócio. Expliquei a eles que o valor a ser pago pela Editora Abril seria o mesmo para todos os jogadores. Já naquela época não havia mais o conceito de figurinha carimbada, isto é, aquela que é mais difícil de ser encontrada no envelope. Por lei, as editoras eram obrigadas a produzir a mesma quantidade de figurinhas de cada posição no álbum, o que Sportlink

A imagem dos tetracampeões foi oferecida às agências de publicidade num folheto verde e amarelo com 24 adjetivos e uma frase direta.

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possibilitava que um jogador menos conhecido, como o Paulo Sérgio, pudesse provocar a mesma procura que o Bebeto, por exemplo. Portanto, o valor da imagem de todos seria o mesmo.

Os jogadores da seleção receberam, cada um, US$ 40 mil pela assinatura de quatro contratos. Além da Editora Abril, nós negociamos a imagem deles com outras três empresas de figurinhas ou cards (espécie de figurinhas de papelão muito comum nos Estados Unidos): a americana Upper Deck, a brasileira Multi Editora e a italiana Panini. A Abril comercializaria o álbum no Brasil, a Upper Deck teria o direito de fazer o mesmo nos Estados Unidos, a Multi Editoria imprimiria cards no Brasil e a Panini publicaria as figurinhas na Europa.

Para negociar um contrato de licenciamento de imagem nesses termos é necessário estabelecer alguns critérios com a editora. Além de determinar os limites geográficos do direito de publicação, deve-se determinar o percentual de participação sobre as vendas, que varia de 4% a 12%. Para estimar a previsão de vendas, a empresa precisa dizer que tipo de campanha publicitária vai lançar, se vai usar TV, rádio ou jornal. O jogador pode pedir também um adiantamento baseado numa garantia mínima de vendas.

Bem, todos os jogadores estavam de acordo, menos um. Depois da apresentação, o Romário, com aquele seu jeito particular que ainda era desconhecido para mim, me chamou num canto e disse: “Aí, amigo, se eu não aceitar eu vou prejudicar alguém?”. Respondi a ele a verdade: é até certo ponto comum que algum jogador não aceite os termos do contrato e, nem por isso, ele deixa de ser assinado. Ou seja, a Editora Abril faria o álbum com ou sem o Romário e os outros jogadores receberiam o mesmo valor que eu havia proposto. “Então não vou assinar não”, completou rapidamente o Baixinho, que parecia aliviado.

Eu é que não estava muito aliviado. O Romário tinha todo o direito de achar que sua imagem valia mais do que o valor que a Abril estava oferecen-

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do – ou, por que não, valia mais que a dos outros jogadores. Depois de uma ausência longa, o atacante estava voltando à seleção brasileira com a responsabilidade de desempenhar o papel de salvador da pátria, título que ele assumiu com toda a sua personalidade e o confirmou alguns dias depois ao fazer os dois gols que classificariam o Brasil para a Copa, diante do Uruguai, no Maracanã. Mesmo sem saber que tudo isso aconteceria, eu não poderia deixar de lamentar a ausência de um craque do quilate do Romário no álbum de figurinhas da Copa do Mundo. Era uma perda e tanto.

Ainda no Intercontinental, alguns jogadores me procuraram para ajudálos a resolver um abacaxi internacional. Um ano antes, eles haviam jogado um amistoso pela seleção em Los Angeles, onde foram procurados por uma empresa chamada Upper Deck, especializada em cards de beisebol, basquete e futebol americano. Esses atletas, entre eles o Bebeto e o Leonardo, aceitaram ceder suas imagens para figurinhas em nível mundial por apenas US$ 6 mil e queriam saber a minha opinião sobre os termos do contrato. Eu olhei o documento e disse, bem-humorado: “Bem, o contrato está correto, a Upper Deck é uma empresa séria mas, realmente, vocês poderiam ter pedido mais. Vocês venderam suas imagens até a quinta geração de seus descendentes”.

Então eles me pediram para tentar negociar de novo com os americanos. Foi o que eu fiz. Por sorte, a Upper Deck estava interessada em incluir mais jogadores da seleção no contrato, por ocasião da aproximação do Mundial na terra deles, e eu pude reajustar o contrato de todo mundo para valores mais justos. Os jogadores ficaram tão felizes que me chamaram, a partir daí, para representá-los em outros contratos publicitários que começavam a aparecer cada vez com mais frequência.

Olhando para trás, eu ainda me surpreendo com aquele episódio, ocorrido há menos de 15 anos. Como alguns dos principais jogadores do futebol mundial, às vésperas de uma Copa do Mundo, simplesmente não dispunham 65


de nenhum profissional de marketing para assessorá-los em contratos de publicidade? No mundo de atletas-celebridades que ganham mais anunciando produtos do que pelo que fazem com a bola, essa situação hoje parece completamente irreal. Nos Estados Unidos, onde eu morava, já era absolutamente inconcebível que um esportista de alto nível não tivesse um agente para representá-lo comercialmente.

Eu estava ali sendo não só chamado para representar os jogadores da seleção brasileira, como também o técnico Carlos Alberto Parreira e o coordenador Mário Jorge Lobo Zagallo. Os dois perceberam que eu surgia como um útil anteparo para os seus jogadores, que não precisariam negociar diretamente com as empresas nem encher o saguão dos hotéis com representantes, gerando críticas da imprensa e tumultuando o ambiente. Estaria tudo centralizado em mim. Talvez por isso nosso trabalho tenha recebido ampla aceitação – e colaboração – da comissão técnica. Isso tudo pode tê-los animado também a me dar autorização para negociar suas imagens com eventuais interessados.

Desde o início, eu avisei aos jogadores que, sempre que possível, eu tentaria fechar contratos coletivos de publicidade. Isso significava que, se uma empresa me procurasse interessada em ter um ou dois atletas como garoto-propaganda, eu ofereceria os outros também, por um outro valor, para que todos saíssem ganhando. A estratégia funcionou na prática já no primeiro contrato, o dos álbuns de figurinhas. As empresas estavam interessadas em comprar a imagem de, no máximo, 17 atletas, que é geralmente o que cabe em duas páginas deste tipo de publicação. Mas eu insisti para que eles fechassem com os 22 que faziam parte do grupo naquele momento, o que acabou acontecendo. Dessa forma, a seleção brasileira foi, disparada, a que mais faturou com álbum de figurinhas na Copa de 94: US$ 880 mil (US$ 40 mil vezes 22 atletas), seguida da Alemanha (US$ 250 mil) e dos anfitriões americanos (US$ 200 mil).

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Mais do que uma simples imposição comercial, a opção por contratos coletivos se enquadrava no espírito de grupo daquela seleção a partir do jogo contra a Bolívia, em agosto de 1993, no Estádio do Arruda, em Recife, pelas eliminatórias da Copa de 94. Naquela partida, os jogadores entraram em campo pela primeira vez de mãos dadas, como uma corrente, e golearam os bolivianos por 6 a 0, no início da arrancada rumo à classificação para o Mundial. O gesto seria repetido até a final da Copa, dia 17 de julho de 1994, contra a Itália, em Los Angeles. Era uma reação ao início preocupante do Brasil nas eliminatórias, que incluiu a primeira derrota da seleção verde-e-amarela na história da competição, um 2 a 0 para a mesma Bolívia, na altitude de La Paz. Os maus resultados e a consequente pressão da imprensa e da torcida quase levaram o técnico Carlos Alberto Parreira a pedir demissão. Arquivo pessoal

Raí, Areias e Mauro Silva: o espírito de grupo da seleção de 94 começou nas eliminatórias com a Bolívia.

Pois, então, havia se tornado uma necessidade pensar numa estratégia de marketing que seguisse essa mesma linha. O conceito dos contratos coletivos, uma inovação para o esporte naquela época, seria o mesmo da seleção: união e sacrifício pelo companheiro. Ou todos assinam ou ninguém assina, porque o 67


pacto de cooperação firmado por aquele grupo também deveria ser espelhado nos contratos publicitários. Os valores, é claro, seriam os mesmos para todo mundo.

Talvez a coisa mais prazerosa desse trabalho foi ter percebido que os jogadores compraram a ideia dos contratos coletivos. Eles confiaram que eu estava representando o grupo homogeneamente, não havia predileção por ninguém. E quando você conquista a confiança dos jogadores, eles te ajudam com a mesma disposição que mostram em campo. Todos eles, inclusive... Romário.

Sim, o álbum da Copa de 94 teve a figurinha de Romário. E a imagem daquele que seria o maior jogador daquele Mundial também estaria associada a várias outras empresas. Romário, por fim, cedeu e se juntou aos seus companheiros, no mesmo espírito de união.

Aconteceu de maneira curiosa, bem ao estilo do Baixinho. Uma semana depois de ter fechado o contrato do álbum de figurinhas, eu voltei para Nova York, onde tinha uma série de compromissos. Estava em casa quando tocou o telefone: “Areias, aqui é o Romário”.

É claro que, de início, eu não acreditei. Só poderia ser alguém brincando, talvez um amigo que soubesse da negativa de Romário e que estivesse querendo me provocar. Pensei no Luiz Augusto Veloso, então presidente do Flamengo: “Que Romário, o quê, pára com isso”, respondi.

Mas aquela língua presa continuou a falar, como se estivesse já habituada a que duvidassem dela. E, no fim das contas, ela era verdadeiramente de Romário, que ligou para me contar que havia praticamente acertado um contrato com a Brahma por telefone, que já havia combinado valores mas estava receoso de fechar tudo sozinho. Pedia, então, a minha colaboração. Minha reação foi compreensível: “Mas, Romário, por que eu? Até semana passada você não quis nem assinar o contrato do álbum de figurinhas!”

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O craque, como sempre, não perdeu o rebolado e respondeu de primeira: “Mas eu andei me informando por aí e queria a sua assessoria. Quanto você cobra?” Disse a ele que cobraria 10% do valor do contrato, mesma porcentagem que eu estava cobrando de todos os outros jogadores. Para ele não seria diferente, à exceção de um detalhe: teria de pagar também as despesas da minha viagem ao Brasil: “Então está fechado”, ele respondeu, antes de me dar o prazo. “O problema é que o encontro com o pessoal da Brahma é amanhã. Eu estou saindo hoje de Barcelona. Consegui uma liberação porque ganhei uma aposta do Cruyff (técnico do Barcelona). Ele me disse que só me liberaria para passar dois dias no Rio se eu marcasse dois gols no último jogo. E eu marquei”, contou ele, antes de soltar aquela sua conhecida gargalhada.

Era a primeira demonstração que eu tinha do peculiar modo de raciocínio de Romário. Dali até a final da Copa teria muitas outras. Num dia, ele não quer saber de papo, parece convicto de que não vai negociar. Depois ele se informa com os outros jogadores, confirma a seriedade e transparência das minhas negociações e, então, muda de opinião. Para isso, aposta gols com o seu treinador, em mais uma prova de que é movido a desafios. Assim funciona a cabeça de um dos jogadores mais inteligentes e espirituosos que eu já conheci.

Cabia a mim, então, pegar um vôo no mesmo dia de Nova York para o Rio. No dia seguinte, teríamos um encontro na churrascaria Porcão, da Barra da Tijuca, com o publicitário Eduardo Fischer, cuja agência tinha a conta da Brahma. Antes de ele chegar, repassei com o Romário o que ele queria do contrato. O Fischer já me conhecia e, quando chegou, perguntou ao Romário: “Ué, o que o Areias está fazendo aqui? Ele vai conversar com a gente?”. E o Baixinho respondeu mais uma vez de bate-pronto: “Não, ele vai conversar com você, porque eu vou ali jantar com uns amigos”.

E assim ficamos, eu e o Fischer, na mesa. Quando vi o contrato, percebi que, mesmo sem ter estudado muitos anos, Romário é um sujeito muito pre69


parado, pois já havia pedido para incluir alguns itens que lhe favoreciam. É como se fosse guiado por seu instinto, a exemplo do que acontece dentro de campo. Tive que acertar apenas alguns detalhes com o Fischer. Fiz toda a negociação sem assinar um contrato de representação com o Romário, que me pagou tudo corretamente. Depois disso, ele quis que eu continuasse trabalhando para ele, assim como já fazia com os outros jogadores da seleção, mas aí eu pedi um contrato. Não era por desconfiança, é claro, mas as pessoas poderiam achar que eu estava blefando se chegasse para negociar em nome do melhor jogador do mundo sem apresentar nenhum documento.

Apesar do acerto com o Fischer, aquele contrato com a Brahma não estava me agradando por completo. Além do Romário, a cervejaria estava interessada apenas nos outros jogadores de frente da seleção que, provavelmente, seriam os titulares na Copa: Bebeto, Raí e Zinho. Não estava exatamente de acordo com o conceito implantado no contrato com a Editora Abril. Se possível, todos os jogadores deveriam participar, a fim de reforçar o espírito de união daquele grupo. Foi o que eu disse ao Fischer mais tarde. E ele comprou a ideia. A campanha da Brahma para a Copa ficou centrada em Romário, Bebeto, Zinho e Raí, que tinham uma cota maior, mas os outros jogadores também receberam, embora muitos sequer tenham participado de qualquer anúncio.

Só dois jogadores se recusaram a entrar no contrato com a Brahma, por motivos diferentes. O Leonardo não concordara com os valores e, educadamente, pediu para não entrar. E o outro lateral, o Jorginho, não quis porque já tinha enfrentado problemas com bebida alcoólica na família.

Nessa negociação, acabei intervindo em outra questão importante. O Fischer tinha pensado em incluir no contrato um item que orientava os jogadores a comemorar o gol com o dedo indicador levantado. Era o símbolo da cerveja “número um”, mote da campanha da Brahma. Precavido por já estar trabalhando com futebol há anos, alertei a ele que, se o contrato vazasse, essa exigência seria

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um prato cheio para a imprensa. Mas eu me comprometia a pedir aos atletas que, caso se lembrassem, que comemorassem o gol dessa forma. Alguns fizeram, outros não, mas tudo ficou muito mais natural do que se estipulado num documento. Por coincidência ou não, o jogador mais jovem daquele grupo, o Ronaldo, costuma comemorar até hoje os seus gols com o número um da cerveja.

O contrato coletivo com a Brahma representava, acima de tudo, um contragolpe certeiro na Coca-Cola, que tinha comprado da CBF o direito de imagem da seleção brasileira na Copa de 94. Ou seja, a empresa de refrigerantes poderia usar a equipe como um todo, numa imagem de um jogo, por exemplo, mas só a cervejaria poderia usar os jogadores individualmente em

Gilmar e Dunga, na volta olímpica, fazendo com a mão o número um, marca da patrocinadora Brahma. 71


suas campanhas publicitárias. Foi uma bela saída da Brahma, que não havia conseguido comprar uma cota de publicidade das duas TVs brasileiras que transmitiriam a Copa de 94, a Globo e a Bandeirantes. Ficaria totalmente fora da festa. Para participar de alguma coisa, a empresa patrocinou o programa do Jô Soares no SBT nos Estados Unidos durante a competição. Com o direito adquirido sobre a imagem individual dos jogadores, deu a volta por cima sobre a Coca-Cola. Dez anos depois, nas Olimpíadas de Atenas, a Coca-Cola passaria por um problema idêntico. Ela tinha o direito de imagem da seleção brasileira de ginástica olímpica, adquirido junto à confederação deste esporte, mas a Brasil Telecom comprou o direito de imagem da principal atleta da equipe, a gaúcha Daiane dos Santos. A briga foi parar na Justiça.

Em 1994, no entanto, o estrago na Coca-Cola foi muito maior. Afinal, com toda a badalação em torno de Romário, Bebeto e companhia na campanha da cerveja número um, ficou a impressão de que era a Brahma, e não a Coca-Cola, a patrocinadora oficial da seleção brasileira e, consequentemente, do tetracampeonato mundial. Para entender como isso aconteceu, é preciso regredir um pouco no tempo.

Desde muito antes dos preparativos finais para a Copa dos Estados Unidos, a cervejaria já procurava, inteligentemente, aproveitar os buracos deixados pela concorrência. Um ano antes, num amistoso da seleção disputado na Europa, por exemplo, a Brahma tinha contratado uma torcida uniformizada (a chamada “Torcida Número Um”) e, junto com os promotores do jogo, conseguiu um bom número de ingressos numa posição privilegiada pelas câmeras de TV locais, responsáveis pela transmissão. Ao mesmo tempo, a cervejaria comprou o direito de botar uma pessoa ao lado do diretor de imagem, que ficava num caminhão do lado de fora do estádio. Dessa forma, havia a possibilidade de direcionar as câmeras para a Torcida Número Um quando a bola estivesse parada. Não satisfeita, a Brahma ainda conseguiu credenciais de amplo acesso ao estádio para os músicos da sua banda. Eles foram orientados

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a ficar perto da tribuna de imprensa, onde o Galvão Bueno narrava a partida ao vivo para o Brasil. O som da bandinha vazava frequentemente para o áudio da TV Globo. A trilha sonora, é claro, era a música da cerveja número um. Eu soube depois que houve diretor da emissora brasileira ligando para a cabine do Galvão para tentar conter o vazamento, mas nada pôde ser feito. Já nos Estados Unidos, outra tacada de mestre: a Brahma comprou as placas estáticas de todos os estádios onde a seleção faria amistosos antes do Mundial.

Quase todas essas ações de marketing só foram possíveis porque o mando de campo pertencia aos adversários, e não à CBF, e os direitos de transmissão eram de emissoras estrangeiras, e não da TV Globo. Eu lembro que, certa vez, a Globo tentou um enquadramento que cortava as placas publicitárias na transmissão do jogo mas acabou cortando junto a perna dos jogadores, o que causou uma chiadeira danada dos telespectadores. Atualmente, as emissoras usam cláusulas nos contratos que impedem esse tipo de incompatibilidade entre o anunciante da TV e o do estádio.

Uma das situações mais tensas dessa disputa velada entre Brahma e CocaCola envolveu os uniformes vestidos pelos jogadores nas campanhas da cervejaria. A empresa de refrigerantes foi à Justiça alegando que as camisas eram muito parecidas com as da seleção brasileira, que só poderiam ser usadas por ela, de acordo com o contrato firmado com a CBF. Então, pensamos num modelo verdee-amarelo com duas faixas verticais largas. Estampada na frente da camisa havia uma mão com o dedo indicador levantado, ou seja, o número um. Com os jogadores como modelo, foi o suficiente para fazer a associação entre a Brahma e a seleção brasileira sem usar as marcas da CBF, que de fato pertenciam à Coca-Cola.

Em todo caso, a estratégia da Brahma antes e durante a Copa de 94 foi tão eficiente que foi classificada entre os quatro maiores casos de ambush marketing (“marketing de emboscada”) do século passado, segundo a revista americana Time. Vale a pena relatar os outros, especialmente para os estu73


dantes de marketing entenderem até onde vão os limites da criatividade de um profissional dessa área em situações adversas. Basta o concorrente deixar buracos no “guarda-chuva” da sua exposição para a mídia.

Um dos casos estava acontecendo concomitantemente à disputa entre Brahma e Coca-Cola na Copa de 94. Como patrocinador oficial da Fifa, a Mastercard detinha o monopólio dos cartões de crédito no torneio. Mas a gigante das comunicações Sprint comprou uma cota do Mundial para divulgar o seu novo cartão telefônico, que também tinha função de crédito. A briga continuou muito depois do fim da Copa nos tribunais americanos.

Apenas dois anos antes, talvez tenha ocorrido o caso mais famoso de ambush marketing. A Olimpíada de 1992, em Barcelona, foi a primeira disputada por jogadores de basquete profissionais dos Estados Unidos, país que até entáo só mandava equipes universitárias. Era o chamado Dream Team, formado, entre outros, por Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird e outras feras da NBA, a liga profissional de basquete americano. Acontece que a convocação para os Jogos Olímpicos é feita pela federação americana de basquete, isto é, nada tem a ver com a NBA.

Isso significava que, enquanto todos os principais jogadores da NBA eram patrocinados pela Nike, a seleção usava material da Reebok. Nos Estados Unidos, isso é muito mais sério do que aqui e a polêmica se instalou até o jogo final, vencido, como era de se esperar, pelos inventores do esporte da bola laranja. Campeões olímpicos, os jogadores se recusaram a subir no pódio vestindo o agasalho da Reebok. Essa era a imagem que iria para o mundo inteiro e seria perpetuada como a consagração do melhor time de basquete de todos os tempos. O impasse estava criado enquanto o mundo esperava, no ginásio ou pela TV, a entrada da equipe campeã na quadra. As diretorias das duas empresas tiveram que chegar a um acordo e, em nome da pátria, o Dream Team recebeu a medalha de ouro enrolada numa ban-

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deira dos Estados Unidos. Foi o típico caso de ambush marketing em que a Nike, se não conseguiu expor a sua marca para o mundo inteiro, pelo menos evitou que a concorrente fizesse o mesmo.

Nas Olimpíadas seguintes, em Atlanta, as bandeiras Visa e American Express, num caso parecido com o da Mastercard e Sprint, também foram parar na Corte de Justiça americana por causa de uma situação de ambush marketing. A Visa era a patrocinadora oficial dos Jogos mas a American Express fez um contrato com a prefeitura de Atlanta em que ganhou o direito de se anunciar ao público como o “cartão de Atlanta” durante a competição.

Houve ainda um caso famoso de ambush marketing que, se não entrou na lista da revista Time, ao menos causou muita polêmica no Brasil. Aconteceu na transmissão do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, nos anos 90. A empresa de cosméticos Nívea conseguiu aparecer quase tanto quanto os donos de cotas de publicidade da Liga das Escolas de Samba, a Liesa, e da TV Globo, por ter distribuído umas ventarolas na entrada do Sambódromo. Fez muito calor nesse carnaval e, toda vez que a câmera de TV mostrava o público, lá estava a ventarola da Nívea em destaque.

Não chega a ser considerado ambush marketing, mas até há uns dez anos as emissoras de TV brasileiras davam brechas para que outras empresas disputassem espaço com seus anunciantes oficiais. Elas não se preocupavam em adquirir os direitos sobre as placas estáticas do campo de jogo. Dessa maneira, uma empresa qualquer que comprasse as placas exibia a sua marca durante a transmissão do jogo com quase a mesma frequência que o anunciante da TV. E fazia isso por uma mixaria, se comparado com os milhões cobrados pelas emissoras por uma cota publicitária de um evento esportivo. Os anunciantes oficiais aparecem basicamente na hora do intervalo, quando o telespectador muitas vezes troca de canal ou vai ao banheiro, enquanto o outro poderia aparecer em vários momentos durante o jogo. Em 1987, quan75


do vendemos a Copa União, eu já falava desse perigo para a TV Globo. Em grandes eventos, não se pode deixar aberturas.

Com os contratos da Brahma e da Editora Abril, preparei o tal folheto de venda da imagem dos jogadores, em inglês e em português, como relato no primeiro parágrafo deste capítulo. Enviei-os a agências de publicidade daqui e dos Estados Unidos. Ainda morava em Nova York e tinha em mãos jogadores de enorme potencial, com características diferentes que permitiam vender suas imagens para os mais variados produtos ou para participar de ações institucionais.

O Bebeto, por exemplo, poderia vender produtos que tivessem como característica a agilidade, a rapidez. Com seu jeito simpático, era adorado também pelas crianças. O Taffarel, por ser goleiro, transmitia um ideia de segurança, ideal para um banco, por exemplo. Já o Raí era, notoriamente, o galã da seleção brasileira e venderia bem roupas ou artigos de estética.

Algumas dessa ideias prévias vingaram na prática, outras não. Convém lembrar que aquela seleção, antes do Mundial, nunca gozou de prestígio absoluto do torcedor/consumidor brasileiro. Além do péssimo início nas eliminatórias, a equipe ainda carregava a pecha de fazer parte da Era Dunga, como ficou conhecida pejorativamente a equipe treinada por Sebastião Lazaroni na malfadada Copa de 90, na Itália. Só depois do tetra, Dunga virou um modelo positivo de raça, liderança e determinação.

Independentemente dessa certa resistência em relação aos jogadores, a ideia simples do panfleto atingiu diretamente os meus objetivos. Para facilitar as negociações, eu encartei uma tabela com a base de preços, a qual reproduzo na página seguinte.

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SELEÇÃO BRASILEIRA Tabela Indicativa de Preços de Publicidade PUBLICIDADE TV ................................................................. US$ 50.000,00

Revista ........................................................... US$ 30.000,00 Jornal ............................................................ US$ 20.000,00 Rádio, outdoor .............................................. US$ 15.000,00 EVENTOS & PROMOÇÕES Sessão de autógrafos ...................................... US$ 5.000,00 Palestras ........................................................ US$ 5.000,00 LICENCIAMENTO Imagem, nome, apelido ................................... US$ 5.000,00 (mínimo garantido)

MATERIAL ESPORTIVO Utilização de artigos do cliente ........................ US$ 5.000,00 (média mensal)

Evidentemente, era uma base para começar a negociação, sem contar os impostos (de 10,62%) e a comissão do agente. Assim, fechamos mais cinco contratos individuais antes de o Mundial começar. Com o Romário, acertamos com a Phillips e com a Grendene, que estava promovendo o chinelo Rider. O Bebeto virou garoto-propaganda da Alpargatas, num comercial engraçadíssimo com o ator Luís Fernando Guimarães. O Parreira vendeu televisões Mitsubishi em comerciais impressos e de TV. E os zagueiros Ricardo Rocha e Antônio Carlos acertaram com a Gillette. Este último acabou ficando fora da lista final de convocados para a Copa, mas pelo menos faturou. Ele se juntou a Edmundo e Palhinha, que também receberam sua parte pelo álbum de figurinhas de um Mundial do qual não participaram.

Resumindo, foram, no total, dez empresas que se associaram à imagem dos tetracampeões mundiais: Editora Abril, Upper Deck, Multi Editora, Panini, 77


Brahma, Phillips, Grendene, Alpargatas, Mitsubishi e Gillete. Mais uma vez, os contratos com o Romário merecem comentários à parte. Com a Phillips, foi mais fácil, uma vez que o Baixinho já tinha sido garoto-propaganda deles no tempo em que jogou no PSV Eidhoven, da Holanda. Já o contrato com a Grendene foi um pouco mais difícil, nós não estávamos conseguindo chegar a um acordo com a W/Brasil, a agência de publicidade da empresa aqui no Brasil. Para ter o craque como estrela do comercial do chinelo Rider, o presidente da Grendene, Pedro Grendene, foi pessoalmente a Los Angeles, pouco antes da Copa começar, para acertar o contrato comigo e com o Romário.

O mais interessante é que o Baixinho sempre nos ajudou muito a fechar os contratos. Se na hora de acertar os último detalhes ele deixava comigo, como fez com a Brahma, antes disso ele participava com sugestões inteligentes. Lembro que, quando foi assinar um contrato de renovação com a Nike, ele me pediu para dar uma consultoria, extra-oficialmente. O documento tinha 20 páginas em inglês. Eu li, fiz algumas anotações e entreguei a ele de volta. Não dei muita importância porque eu sabia que o Romário não falava inglês, mas esqueci que tinha um holandês fluente, devido ao tempo em que morou lá. Então o craque, numa rápida olhada, descobriu que havia um item incluindo sandálias no rol de produtos da Nike que poderia ser divulgado por ele. “Que sandália, João! O meu negócio com eles é só tênis e chuteira. Vamos tirar isso”. E tiramos. Se não o fizéssemos, o Romário não poderia ter assinado o contrato com a Grendene, pois haveria compromisso de exclusividade com a Nike também com sandálias.

É lógico que todos esses contratos, individuais ou coletivos, só valeriam se o Brasil se classificasse para a Copa. Então dá para imaginar o meu estado de nervos naquela partida contra o Uruguai, no Maracanã, a última das eliminatórias sul-americanas. Além do nervosismo natural por ser um dos milhões de torcedores brasileiros, também estavam em jogo os contratos com a Brahma e com a Abril. Mas o Romário estava lá em campo, inspiradíssimo, e todo mundo deixou o estádio satisfeito: os jogadores, os torcedores e os patrocinadores.

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Durante a Copa, os jogadores da seleção brasileira colheram os benefícios de contratos de publicidade bem conduzidos por eles e pelas empresas. A Brahma, por exemplo, lançou um projeto de marketing super bem-sucedido nos Estados Unidos. Construída na cidade de Los Gatos, perto da concentração da seleção brasileira, a Casa da Brahma era o lugar onde os jogadores se reuniam com seus familiares nos dias de folga. Atraía a imprensa brasileira e estrangeira, torcedores e, é claro, levava o nome da cerveja para o mundo todo. Era um ambiente familiar e alegre em que todos se confraternizavam, sem extrapolar para o clima de oba-oba. A empresa levou o Dartangnan e o Bola Sete, dois torcedores famosos da seleção, para animar a festa. Foi ali a comemoração dos jogadores pela conquista do tetracampeonato. A festa oficial da CBF, promovida pela Coca-Cola, contou basicamente com a presença de dirigentes.

A cervejaria deu ainda um celular para mim e outro para o Gilmar Rinaldi, o terceiro goleiro da seleção brasileira, num tempo em que os apaArquivo pessoal

Areias e Romário, em Barcelona

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relhos não eram tão comuns, mesmo nos Estados Unidos. Aquele era nosso meio de comunicação com os jogadores, que ficavam a maior parte do tempo isolados na concentração da CBF, em Los Gatos. Assim, a gente podia combinar de pegá-los de carro nos dias de folga para dar um passeio na Casa da Brahma ou em outro lugar.

Cabe aqui uma referência à coragem e à imensa colaboração do Eduardo Fischer e da Brahma no dia-a-dia dos jogadores, durante a Copa de 94. Se a seleção brasileira perdesse, a cerveja poderia passar pela mesma experiência do Pacheco. No Mundial de 1982, na Espanha, a Gillette criou o personagem para ser o torcedor símbolo da seleção brasileira e, graças à dolorida eliminação da maravilhosa equipe de Telê Santana pela Itália, o Pacheco virou uma figura pejorativa. A Brahma teve uma postura sempre positiva com os jogadores, ajudando-os, inclusive, com benefícios que não estavam em contrato. No fim, foi recompensada com os dividendos financeiros e de imagem trazidos pelo tetracampeonato mundial.

Da minha parte, além da satisfação natural por negociar contratos bem-sucedidos, vivi uma alegria especial pelo reconhecimento dos jogadores ao longo da Copa. A maior prova disso foi que, pouco antes do torneio, fui nomeado por eles diretor de marketing do grupo. Os autores da “nomeação” eram os chamados “dinos”, como que eles se referiam ao grupo formado por Romário, Branco, Ricardo Rocha, Dunga e outros “dinossauros” que fizeram parte da seleção brasileira na Copa anterior, em 1990, na Itália. Eles eram, verdadeiramente, os líderes daquele grupo, os responsáveis para que não fossem repetidos os erros de quatro anos antes. O único “dino” que não esteve no Mundial de 90 foi o Gilmar Rinaldi, incluído no grupo por seu equilíbrio e inteligência.

De vez em quando, os “dinos” procuravam seu diretor de marketing para dar uma opinião, em geral, sobre assuntos extra-campo. Lembro, por exemplo, que eles me ligaram para saber o que eu achava da homenagem

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que fariam ao piloto Ayrton Senna, morto tragicamente naquele ano, caso conquistassem o tetracampeonato. Eles entrariam com uma faixa no campo em que estaria escrito: “Senna... Aceleramos juntos. O tetra é nosso!”. A frase estava perfeita, não tinha o que tirar nem pôr. E a bonita homenagem foi feita, no meio do campo do Coliseu de Los Angeles, em meio ao êxtase pela conquista do quarto título mundial do Brasil.

Antes disso, depois do empate do Brasil com a Suécia (1 a 1), ainda na primeira fase, foi o Romário quem me deu uma, até certo ponto inesperada, prova de confiança. A gente estava se falando por telefone quando, antes de desligar, ele fez um desabafo sobre os problemas que via no time. Aquela, de fato, viria a ser a pior atuação da seleção em toda a campanha do tetra. “Pô, Areias, assim não vai dar”. O Romário não se conformava com aquele empate, embora tivesse sido um dos poucos a se salvar na equipe, marcando até um belo gol de bico, bem ao seu estilo. O Baixinho me apontou alguns problemas de posicionamento dos jogadores, muitas deles pertinentes. Então eu perguntei se ele já tinha conversado essas coisas com o Parreira: “Eu não, não posso fazer isso”.

Acredito que, na sua cabeça, ainda estavam vivos os problemas de relacionamento que teve com a comissão técnica um ano antes do Mundial. Num amistoso em Porto Alegre, contra a Alemanha, Romário reclamou publicamente por ter começado o jogo no banco de reservas e, a partir daí, deixou de ser convocado. Só voltou, como se sabe, no último jogo das eliminatórias, contra o Uruguai, no Maracanã, mas o susto de quase ter ficado fora da Copa ainda o perturbava. Romário não queria falar nada com o Parreira porque poderia dar a impressão de que estava criticando o esquema do técnico ou, o que é pior, os seus companheiros.

“Que isso, Romário, você não está falando mal de ninguém. Está apenas fazendo algumas observações. Quer que eu dê um toque no Parreira?”, perguntei. O Baixinho não se opôs. Quando tive uma oportunidade, de81


pois de um treino, chamei o treinador da seleção num canto e disse a ele que o Romário tinha algumas observações interessantes a fazer sobre o posicionamento da equipe. Na hora, o Parreira não me respondeu nada, mas soube que depois ele foi procurar o Romário para conversar. Era o procedimento que eu esperava de um técnico que, como ele, cultiva a conversa com os jogadores.

Certa vez, tive o privilégio de participar de uma confraternização interna dos jogadores, comissão técnica e suas famílias, dentro da concentração. Era um churrasquinho com pagode. Fui com os meus dois filhos, Paula e Gustavo, então com nove e dez anos, e, como nunca, pude constatar que havia uma química positiva movendo aquele grupo.

O momento mais emocionante que eu vivi com os jogadores naquela Copa aconteceu antes do jogo de estreia da seleção brasileira, contra a Rússia. Eu estava indo para o estádio de carro, com a minha família e Rosana, mulher do Gilmar Rinaldi, nossa amiga. Então liguei para ele, a fim de desejar boa sorte, e peguei o grupo já no meio de uma grande batucada dentro do ônibus. Para me ouvir, o goleiro pediu aos jogadores que dessem um tempo no pandeiro e no tamborim. Quando eles souberam quem estava do outro lado da linha, o samba recomeçou com um coro: “Aí, João, uh tererê, uh tererê!”. Depois eu soube que a cena está gravada no vídeo que o Gilmar fez dos bastidores da seleção do tetracampeonato.

Diante desses reconhecimentos, eu me lembrei do que havia comentado com o Eduardo Fischer ainda naquela primeira conversa no Porcão, antes de fechar o contrato do Romário. Disse a ele que, pela minha experiência no futebol, eu já tinha percebido que o jogador de futebol sabe quando o dirigente ou o patrocinador o trata de forma honesta, transparente. E retribui com a mesma honestidade e transparência. É óbvio que, em todas as atividades, existem as exceções, mas aquele grupo de 94 estava comprometido a trabalhar positivamente. Não existe uma maneira melhor de perder o coman-

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do de um time de futebol do que prometer a ele algo que não pode cumprir. Ali, naquele momento, o Fischer entendeu e a Brahma foi mais do que uma patrocinadora, foi uma parceira dos atletas. E eles perceberam isso.

Na Copa de 1998, pelo que fiquei sabendo, não havia esse mesmo compromisso de sacrifício entre os jogadores. Chegaram muitos atletas que não viveram aquela experiência bem-sucedida de quatro anos antes. Permaneceu até um grupo de 1994, que chegou a me pedir para reeditar o modelo de trabalho, mas o momento era outro. A esta altura, muitos deles já contavam com empresários que cuidavam também da sua imagem.

Nunca mais foram feitos tantos contratos publicitários, ainda mais coletivos, quanto no Mundial dos Estados Unidos. Assim como num time de futebol, no marketing esportivo as jogadas só dão certo quando existe entrosamento. Apesar de divergências pontuais, todo mundo tem que se mover para o mesmo lugar, guiado pelo mesmo conceito.

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Gilmar Rinaldi goleiro da Seleção Brasileira tetracampeã mundial em 1994. Atualmente, é agente de jogadores.

Eu fui um dos primeiros jogadores da seleção brasileira de 1994 que ouviu falar do projeto de marketing do João Henrique. Por incrível que pareça, muitos ali nunca tinham feito contratos para ceder sua imagens e então, naturalmente, surgiram algumas dúvidas. Mas eu confiava muito no João e ajudei a convencer os outros atletas de que seria um ótimo negócio para o grupo e para cada um individualmente. O argumento mais forte talvez tenha sido a ideia dele de fazer contratos coletivos, ou seja, tentar estender para todo o grupo um contrato de patrocínio que fosse oferecido a dois ou três jogadores, inclusive no badalado patrocínio da Brahma. Isso reforçava o espírito de união que existia naquela seleção. O mais legal foi que o pessoal entendeu o espírito da coisa. Usamos desse mesmo raciocínio sugerido pelo João para negociar a premiação por fase na Copa do Mundo. Quando o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, nos perguntou se tínhamos alguma dúvida sobre o que foi oferecido, dissemos que o bicho deveria ser dividido também com a comissão técnica, do treinador ao roupeiro. O Ricardo ficou de pensar, mas argumentamos que, se não fosse possível, preferíamos diminuir nosso prêmio para que todos ganhassem igual. Então, ele cedeu. Durante a Copa, ouvimos algumas pessoas dizerem que os contratos de publicidade atrapalhariam o grupo, pois tirariam o nosso foco da competição. Mas aconteceu o contrário. Foi mais um fator de integração da Seleção. Quando cheguei a Los Gatos, onde ficava a concentração da CBF nos Estados Unidos, ganhei um celular da Brahma. Era um artigo raro na época e serviu para que tivéssemos, com antecedência, notícias do Brasil, e nos preparássemos para elas. Esses encontros sempre foram muito familiares, era o nosso lugar preferido para relaxar nos dias de folga e recarregar as baterias em busca do tetracampeonato.

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A trajetor i a de Sa VI O Como planejar a carreira de um jogador com depoimento de Sávio



E mpresário, procurador, agente, representante... São diversas as denominações para o profissional responsável por cuidar dos contratos de um atleta. Foi se tornando figura obrigatória à medida que se intensificava o troca-troca de jogadores de futebol entre os clubes, principalmente para o mercado internacional. Ao negociar contratos muitas vezes milionários, com ganhos também consideráveis, ele se valorizou mas, ao mesmo tempo, passou a ser visto com desconfiança pela mídia e pelos torcedores. Afinal, o agente é, em tese, um dos maiores interessados na transferência dos jogadores, pois recebe uma comissão pelo negócio e, frequentemente, é acusado de manter relações pouco transparentes com dirigentes de futebol.

Como já está claro até agora no livro, minha área de atuação no esporte sempre se concentrou em ações de marketing esportivo voltadas para clubes ou competições. Representar atletas nunca foi o meu foco. Mesmo na Copa de 94, minha formação profissional me levou a priorizar contratos coletivos, isto é, trabalhar mais com a seleção brasileira como um todo do que com um jogador isoladamente. Mas às vezes as situações da vida nos levam por caminhos não planejados que, nem por isso, deixam de ser gratificantes.

Durante todos esses anos de trabalho no futebol, o capixaba Sávio Bortolini Pimentel é o único jogador que decidi representar. Jamais me arrependi, muito pelo contrário. Esse meio-atacante me deu diversas demonstrações de caráter e de profissionalismo numa parceria que já dura muitos anos. Não precisei de muito tempo para perceber que Sávio logo deixaria de ser um cliente para virar um amigo e parceiro.

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Foi uma oportunidade de trabalho que, literalmente, bateu à minha porta, em 1994. Eu tinha acabado de chegar da temporada de estudo e trabalho nos Estados Unidos e decidi abrir no Rio a Sportlink Marketing Esportivo. Com 20 anos, o Sávio estava despontando como uma promessa de craque no Flamengo e sofria um assédio absurdo de empresários, uma situação típica de jogador de futebol em início de carreira. Até então, era o seu pai, Seu Mazinho, quem cuidava dos interesses do filho, que anos antes havia se mudado de Vila Velha, no Espírito Santo, para tentar a vida num grande clube carioca. Os contratos, porém, logo começariam a ficar mais complexos e os dois concordaram que seria necessário alguém com mais experiência na área. Depois de fazerem consultas na Gávea e com jogadores da seleção brasileira da Copa de 94, o meu nome foi sugerido.

Lembro como se fosse hoje o dia em que Sávio entrou na minha sala. Era um menino tímido, como é até hoje, mas já se revelava inteligente e bem intencionado. Ele me explicou sua necessidade de ter alguém representando seus interesses no contrato profissional que, em breve, assinaria com o Flamengo. De início, eu fiquei um pouco reticente e dei a ele os meus motivos para isso: “Olha, Sávio, eu não sou empresário de jogador. Trabalho com marketing esportivo. Eu discordo da postura da maioria dos empresários, que trabalham para que o seu atleta mude de time constantemente. Não é uma questão de romantismo. Mas isso não permite que se crie uma identidade com o clube. A imagem do jogador nunca se firma e, assim, eu não posso fazer o marketing dele, que é o foco do meu negócio”.

Sávio não desistiu e foi enfático em sua resposta: “Pois é exatamente assim que eu penso. Quero continuar no Flamengo o máximo de tempo possível”. Mais tarde, eu constataria que essa convergência de mentalidades e de interesses não era um rompante do jovem atleta ou apenas um artifício para que fechássemos o contrato logo. Realmente, Sávio sempre se preocupou em trabalhar sua imagem, não objetivando apenas contratos de publicidade, mas

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por ser natural de sua personalidade. Ali, na minha sala da Sportlink, eu ainda não tinha certeza disso, mas apostei que poderíamos dar certo.

Naquele mesmo dia, eu disse ao Sávio que deveríamos fazer um planejamento de dez anos na sua carreira. Perguntei a ele quais eram seus planos pessoais e profissionais, concordamos que ele só sairia do Flamengo se todas as tentativas de fazer o contrário fossem esgotadas e falamos até de seleção brasileira. Aquilo tudo também era uma novidade para mim, mas fui guiado pelo meu instinto e pela experiência adquirida em outros trabalhos. Entre muitas dúvidas, eu tinha uma certeza: o Sávio seria um atleta de contratos longos, fossem eles com clubes ou com patrocinadores, o que significava caminhar na contramão da tendência de mercado. Dessa forma, sua família teria a estabilidade necessária para que ele pudesse desenvolver tranquilamente suas atividades profissionais.

Minha primeira prova de fogo com o Sávio foi negociar seu futuro no Flamengo. Eu propus ao então presidente do clube, Luiz Augusto Veloso, um contrato de cinco anos, duração raríssima na época. O salário era bastante razoável para a então grande promessa da Gávea. Não entrava naquela onda inflacionária do mercado pós Copa do Mundo de 1994. Mas o Sávio ganharia a cada ano uma parcela do valor do seu passe, ou seja, seria uma aposta no seu próprio desempenho dentro de campo. Se ele tivesse boas atuações, seria vantajoso para ele. Se decepcionasse, a desvalorização pesaria no seu bolso também. Todo jogador já tinha, por lei, direito a 15% do passe em caso de transferência para outro clube e, no caso dele, essa participação cresceria ano a ano. Era um risco que eu e o Sávio topamos propor ao Flamengo. A diretoria, porém, achou que era novidade demais e descartou a ideia. Acabamos fechando um contrato convencional.

Desde o início, nós também começamos a trabalhar a imagem do Sávio. Diferentemente do que aconteceu na Copa de 94, quando tive de represen89


tar atletas formados e consagrados, eu recebia agora um jogador “cru”, sem identidade formada junto à opinião pública. O primeiro passo para formá-la, até pela sua empatia com crianças, foi indicá-lo como embaixador do Brasil da S.O.S. Aldeias Infantis, uma organização não-governamental internacional voltada para meninos e meninas em situações de risco ou de abandono. Sávio exerceu a função durante todo o período em que esteve nos profissionais do Flamengo, de 1994 a 1997.

Isso coincidiu mais ou menos com um convite que o Sávio recebeu da Secretaria de Educação do Estado do Rio para estrelar um gibi que ajudaria na divulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não foi uma escolha à revelia. Foram as crianças da rede de ensino estadual que votaram nele, numa eleição que incluía o Romário, outro ídolo rubro-negro na ocasião, e o Renato Gaúcho, que brilhava no Fluminense. Estava, então, criado o Savinho, um personagem de histórias em quadrinho que fez sucesso na época com a criançada de escolas públicas do Rio. Foi o juiz da infância Siro Darlan quem lançou a revistinha, numa cerimônia emocionante.

Logo os contratos remunerados começaram a aparecer. O Sávio foi garoto-propaganda da Coca-Cola, da Unimed de Vitória (ES), do jornal A Crítica, o mais importante de Manaus, e cedeu seu direito de imagem para figurinhas e postais da empresa Topps do Brasil. Merece um comentário à parte seu contrato com a inglesa Umbro, que já era a fornecedora de material esportivo do Flamengo. Assim como ocorreu com o clube, sempre preferimos que ele se mantivesse fiel a Umbro, com o mesmo objetivo de criar uma identidade. A convicção continuou valendo quando ele se transferiu para o Real Madrid, que veste Adidas, e quando a Reebok lhe fez uma proposta tentadora: US$ 500 mil por dois anos e meio de contrato.

Em seu período no time profissional do Flamengo, entre 1995 e 1997, o Sávio jogou tão bem que rivalizava com o Romário no posto de ídolo maior

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dos rubro-negros. Em 1995, houve o baque pela derrota na final do Campeonato Estadual para o Fluminense, com um gol de barriga do Renato Gaúcho. No Brasileiro, formou com Romário e Edmundo o chamado melhor ataque do mundo, que, infelizmente, não deu certo. Mas, no Estadual do ano seguinte, o Flamengo fez uma campanha invicta e conquistou o título, com importante participação de Sávio, eleito o melhor jogador do Rio de Janeiro em 1996. Eram comuns as comparações com Zico, algo que sempre rejeitou: “O Zico é único”, dizia, com o respeito de quem se refere a um ídolo de infância. Arquivo pessoal

Sávio disputando um Fla-Flu debaixo de chuva

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Em 1997, o Sávio não tinha a menor intenção de deixar o Flamengo mas, certo dia, o então presidente Kleber Leite nos chamou para uma reunião no Hotel Copacabana Palace. Estava lá o presidente do Real Madrid, Lorenzo Sanz, que queria levar o jogador de qualquer jeito. O Flamengo já tinha aceitado a proposta e estávamos lá apenas para discutir o salário, nem tivemos muita liberdade para dizer sim ou não. De fato, era uma oferta incrível, tanto que nunca foi superada na história do clube rubro-negro: US$ 20 milhões. Metade era em dinheiro e metade com o passe de três jogadores: Palhinha, Rodrigo Fabri e Zé Roberto, este mesmo que jogou as Copas de 1998 e 2006. Pelo menos nós pudemos negociar a duração do contrato. Não abríamos mão de que fosse longo, como nos propusemos desde o início, mas dessa vez foi mais fácil. Ao contrário dos brasileiros, os clubes europeus já tinham essa cultura.

O Sávio ainda era novo, tinha 23 anos. Deixava dez anos de história no Flamengo, entre times amador e profissional para encarar um enorme desafio naquele que foi considerado pela Fifa o clube do século XX. Pelos valores e pela admiração do presidente do Real, chegava com status de ídolo e, como tal, seria cobrado mais que os outros. E ídolo ele foi nos quatro anos e meio em que vestiu a camisa merengue. No primeiro ano, dividiu com o espanhol Raul o posto de estrela maior da equipe. Vi diversas vezes torcedores no Estádio Santiago Bernabeu flexionarem o corpo em reverência quando Sávio se aproximava deles. Sua identificação com o Real Madrid não se deu apenas pelas suas atuações em campo, mas também por sua postura de respeito às tradições do clube.

Sávio é, até hoje, um dos jogadores mais vitoriosos da história do Real Madrid, rivalizando com Raul e Roberto Carlos. Dos nove títulos do clube na Liga dos Campeões da Europa, o mais valorizado do continente, o atacante participou de três (1997-1998, 1999-2000 e 2001-2002). Foi campeão mundial interclubes no Japão em 1998, numa vitória de 2 a 1 sobre o Vasco, arqui-rival do seu clube de coração. No Brasil, torcedores rubro-negros criaram a Fla-Ma-

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drid, cuja camisa tinha o nome e o número de Sávio (11). Além disso, venceu um Campeonato Espanhol (2000-2001) e uma Supercopa (2001-2002).

No último ano de contrato com o Real, quando se alternava entre o time titular e o banco de reservas, o Sávio recebeu uma ótima proposta do Chelsea, da Inglaterra. Receberia o dobro do salário que lhe pagavam na Espanha mas o diretor de futebol, o argentino Jorge Valdano, não o deixou sair. Mais tarde, como o Sávio foi ficando mais jogos na reserva, convencemos o Real a cedê-lo por empréstimo ao Bordeaux, da França. O clube espanhol continuaria pagando metade do seu salário. Com a substituição de Lorenzo Sanz por Florentino Perez na presidência, o clube merengue estava iniciando um projeto de reformulação do elenco em que a prioridade era contratar jogadores de renome internacional. Chegava a Era dos galácticos. O craque francês Zinedine Zidane foi o escolhido para o lugar de Sávio.

A partir daí, ficou mais difícil manter a nossa opção por contratos longos. O Sávio já estava chegando aos 30 anos e outros fatores começaram a influenciar a duração do acerto. De Bordeaux, onde recebeu a cidadania francesa, ele foi jogar de novo na Espanha, dessa vez no Real Zaragoza. Ali, levantou o único troféu que lhe faltou no Real Madrid, a Copa do Rei (2003/2004), justamente numa decisão contra seu ex-clube. Conquistou também a Supercopa da Espanha (2004/2005), contra o Valência. Nas duas finais, ele foi eleito o melhor jogador em campo.

Em Zaragoza, Sávio recebeu, provavelmente, a pior notícia de sua vida. Seu Mazinho, o pai e grande incentivador de sua carreira, havia falecido no Brasil. A tristeza fez com que crescesse a vontade de voltar a viver mais perto de sua família, sua mãe e irmãos. Essa passou a ser uma prioridade na sua vida. Coincidia com um desejo antigo de encerrar a carreira no Flamengo, a sua casa. Conversamos com a diretoria do Zaragoza e, a pedido nosso, ela o liberou sem qualquer custo para os rubro-negros, no meio do Campeonato 93


Brasileiro de 2006. Se fosse para qualquer outro clube, a multa seria de seis milhões de euros.

Desde o início, o Sávio sofreu certa resistência em seu retorno ao Flamengo. Pessoas da diretoria e da comissão técnica acreditavam que ele já não tinha condições físicas para aguentar o estafante calendário brasileiro, mas o presidente Márcio Braga assumiu a sua contratação. Infelizmente, ele teve um problema no púbis que não permitiu, de fato, que tivesse uma boa sequência de jogos. Fui com ele a 12 sessões de radioterapia no Hospital da Beneficência Portuguesa, no Largo do Machado. Mesmo assim, fizemos um levantamento interessante: Sávio jogou dez dos 20 jogos que restavam para a equipe no Brasileiro. Neles, o Flamengo teve o seu melhor aproveitamento, 60% dos pontos, o que impediu que o clube, mais uma vez, passasse a competição lutando contra o rebaixamento para a Segunda Divisão.

Os torcedores e parte da diretoria não sabiam ou não levaram nada disso em consideração. O vice-presidente de futebol, Kleber Leite, sempre viu no Sávio um investimento alto demais, mesmo depois que nós propusemos um contrato sob o conceito de salário variável. Ele voltou ao Flamengo ganhando R$ 90 mil fixos, mais ou menos o que ganhava o Obina. O Luizão recebia mais. Outros R$ 60 mil seriam pagos proporcionalmente ao número de partidas que disputasse na temporada. Era uma boa e justa ideia. Mas a lesão no púbis fez com que os dirigentes e a comissão técnica desistissem. O técnico Ney Franco deixou claro, várias vezes, que não contava muito com o Sávio.

Quando o time do Flamengo se reuniu para a pré-temporada, no início de 2007, já havia a decisão da diretoria de rescindir o contrato do Sávio. Ele, então, encerrava sua extensa carreira com a camisa rubro-negra, que vestiu 258 vezes e com a qual marcou 95 gols. Felizmente surgiu uma boa proposta do Real Sociedad. A equipe estava em último lugar no Campeonato Espanhol e queria se reforçar para fugir do rebaixamento. O Sávio ainda tem muito

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prestígio naquele país e foi um dos nomes lembrados. Tornou-se, então, um dos principais jogadores do clube basco.

Além de sua carreira nos clubes, Sávio tem muito orgulho de sua vida na seleção brasileira. Era um sonho como o de tantos garotos que ele conseguiu tornar realidade. Entre 1993 e 2000, disputou 44 jogos com a camisa amarelinha (equipes principal e amadoras) e marcou 25 gols. Na seleção principal foram 22 jogos e quatro gols. Foi campeão do Torneio Pré-Olímpico em 1996, na Argentina, e no mesmo ano medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atlanta. Xodó do técnico Zagallo, chegou a deixar Ronaldo Fenômeno no banco de reservas.

Fiz esse pequeno histórico da carreira do Sávio para mostrar que o sucesso de um jogador de futebol pode, sim, ser planejado, dentro e fora de campo. Nós começamos a planejá-la no primeiro dia, na minha sala na Sportlink. Claro que é essencial o talento do atleta: não se constrói uma carreira bem-sucedida com um perna-de-pau. Mas já aconteceram muitos casos de craques que se perderam pelo caminho porque não tiveram sua vida pessoal e profissional bem administradas. Cada leitor terá em mente um exemplo para dar.

Graças ao seu talento e inteligência, e com uma assessoria fora de campo, o Sávio pôde pautar a sua carreira pelo conceito que combinamos desde o início: estabilidade. A começar pelo nosso contrato de representação, provavelmente o mais longo do futebol brasileiro: 13 anos até agora. Nesse período, sempre tive a preocupação de cuidar de todos os aspectos da carreira dele. Esse é o ponto mais importante que deve ser entendido por alguém que se dispõe a cuidar da vida profissional de um atleta de ponta. O leque de atuação vai desde a parte burocrática, que inclui a familiaridade com contratos e regulamentos da Fifa, até os menores cuidados com a sua imagem, alguns que até parecem supérfluos.

Como exemplo deste ponto, cito o trabalho que fizemos logo no início de sua carreira, no Flamengo. Quase todos os jogadores de time grande recebem 95


um bom número de cartas de fãs que, geralmente, ficam abandonadas no departamento de futebol. Ninguém lhes dá a devida atenção, nem o clube nem os atletas. Nós montamos um esquema para responder às milhares de cartas que o Sávio recebia na Gávea. Fizemos uma carta-resposta padrão, com foto e assinatura dele, que era enviada aos torcedores, pedindo que eles entrassem num cadastro de fã-clube que chegou a quatro mil associados. Assim, a relação entre admirador e ídolo estaria mantida.

Mais do que um sinal de gratidão, o cadastro servia para formar uma base de dados que nos permitia entender quem era o consumidor/público alvo do Sávio. Quantos anos tinha, qual o sexo, onde morava, o que gostava de fazer... Ficamos impressionados com a quantidade de admiradores de fora do Rio. Graças a isso, conseguimos o patrocínio da Unimed do Espírito Santo e do jornal A Crítica, de Manaus. Além disso, era a prova de que o Sávio figurava como um ídolo nacional, o que lhe ajudou também em contratos com multinacionais como a Coca-Cola. Em 1997, chegamos a lançar uma linha de material esportivo com o seu nome, que não chegou a ser comercializada em lojas porque logo depois ele se transferiu para o Real Madrid.

Sávio e eu decidimos impor certos limites nesses contratos de publicidade. Eles deveriam se restringir a dois ou três ao mesmo tempo, no máximo. Em primeiro lugar para não desgastar sua imagem e, consequentemente, desvalorizá-la. Depois, e mais importante, para não interferir no seu dia-a-dia como jogador de futebol. Isso é fatal para um atleta de ponta que precisa manter uma rotina entre treinos e concentração, sem contar, é claro, com o tempo dedicado à família. Sessões de fotos e de filmagens e compromissos com patrocinadores são desgastantes. O leitor também deve ter na cabeça exemplos de esportistas que se atrapalharam porque não souberam conciliar a vida profissional e a de garoto-propaganda. As prioridades são a família e o futebol, sempre.

Outra preocupação minha era com a parte contábil e fiscal do Sávio,

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ainda mais depois que ele foi jogar na Espanha. São relativamente comuns as histórias de jogadores brasileiros que tiveram problemas com o fisco em países europeus. A legislação é outra, é necessário entender como se manda dinheiro para o Brasil etc. Faço questão de contratar os melhores assessores fiscais para o Sávio. No Brasil, quem faz o seu Imposto de Renda é a La Rocque, empresa conhecidíssima no mercado. Quando chegamos a Madri, em 1997, abrimos uma conta no Banco do Brasil e ali procuramos o responsável pela assessoria fiscal do banco. Era o Enrique Abella, um senhor profissional com livros publicados na área. Até hoje é ele quem cuida do Imposto de Renda do Sávio na Europa. Um problema nessa área é capaz de desconcentrar qualquer jogador, podem acreditar.

O mesmo princípio vale para a parte jurídica. Sempre falei que advogado bom normalmente é caro. Não serve o amigo da vizinha, o que faz um precinho Arquivo pessoal

Areias, Breno e Sávio, na casa do jogador, em Madri 97


camarada. O profissional precisa ter história, experiência. Um jogador de futebol famoso é uma figura muito visada, tem que estar resguardado juridicamente.

Sempre tivemos também um cuidado especial com o crescimento do patrimônio e a política de investimentos do Sávio. Hoje ele é um jogador informado sobre tudo o que existe no mercado financeiro, fundos de longo prazo, renda fixa, Bolsa de Valores, mercado imobiliário etc. Eu o estimulava a se informar sobre isso e ele, felizmente, se interessou pelo assunto. Ao longo dos seus anos de carreira, o Sávio construiu um patrimônio sólido, com investimentos diversificados, o que dará tranquilidade para ele e sua família depois que encerrar a carreira.

Este, aliás, é um assunto sobre o qual um bom agente deve pensar desde o início: o que seu jogador vai fazer depois que pendurar as chuteiras? É uma das perguntas que mais atormentam um atleta profissional, cuja carreira termina antes dos 40 anos. Creio que o Sávio não terá grandes dilemas quanto a isso. Ainda no Real Madrid, ele se interessou em participar do primeiro curso de gestão esportiva da Espanha, na Universidade Francisco de Vitória, em Madri, promovido pela Fundação Real Madrid. Na época, eu estava passando um tempo lá para dar uma assistência maior a ele e também decidi me inscrever no curso. O goleiro Casillas, que ainda joga no Real, foi nosso companheiro de turma.

Foram quatro meses de aula e, no fim, a tese final do Sávio foi sobre o Vila Velha F.C., um clube-empresa que pretende criar na sua cidade-natal. A agremiação terá uma forte preocupação social, com um trabalho envolvendo as crianças carentes do município capixaba. Até hoje o projeto está emperrado em entraves burocráticos, a prefeitura ainda não liberou o terreno, enfim, esses problemas típicos do Brasil. Quando sair, será mais um dos vários trabalhos sociais em que o Sávio se envolve, quase sempre sem fazer muito alarde.

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É fácil perceber que o Sávio, além de todo o talento em campo, é um jogador acima da média em suas atividades fora das quatro linhas. Quem o conhece de perto sabe que ele é também um chefe de família muito dedicado. Tem três filhos com a Suzana: o Breno, o Hugo e o Lucas. Como já disse, sou padrinho do Breno e o meu filho, Gustavo, é padrinho do Lucas. Como se vê, a relação de trabalho se transformou numa grande amizade, mas com um detalhe importante: sem perder o profissionalismo.

Olhando para trás, percebo que só consegui me tornar um empresário de jogador porque esse jogador estava afinado com os meus conceitos de trabalho. Não me vejo lidando com um atleta de horizontes curtos e necessidades imediatas. Essas características, definitivamente, são incompatíveis tanto com o marketing esportivo quanto com a boa gestão da carreira de um atleta de ponta. Arquivo pessoal

Primeira turma do Curso de Gestão Esportiva realizado pela Fundação Real Madrid em conjunto com a Universidade Francisco de Vitória. Na foto, à esquerda de Areias (na última fila), estão o Casillas (atual goleiro e ídolo do Real Madrid e da Seleção Espanhola) e o Sávio.

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Sávio Bortolini ex-jogador do Flamengo, da Seleção Brasileira, do Real Madrid e atual jogador do Levante de Valência, na Espanha.

Conheci o João Henrique

quando ainda estava no time de juniores do Flamengo, com toda aquela ansiedade de início de carreira. Lembro o dia em que cheguei na sala dele, no Leblon. Gostei da conversa desde o início. Ali eu já senti a seriedade, a confiança, o profissionalismo e a amizade que pautaram esses nossos 13 anos de convivência. Já naquela época, o João me falava da importância de fincar raízes nos clubes, não se tornar um daqueles andarilhos do futebol. Era, mais ou menos, o meu pensamento desde que comecei no futebol, o que mostrava que o nosso entrosamento seria muito bom. Já tinha também a preocupação com a minha imagem como ídolo e, juntos, participamos de várias ações de marketing e publicidade, sem nunca atrapalhar os meus compromissos como atleta profissional. O João também sempre fez questão de me preparar para os desafios da vida além das quatro linhas. Na Espanha, participamos juntos de um curso de gestão esportiva ministrado pelo ex-jogador Manolo Sanchez e, sempre que possível, conversamos sobre isso. Cada vez fica mais claro que, depois que eu terminar minha carreira de jogador, vamos trabalhar juntos nessa área de gestão empresarial, esportiva e de marketing, um terreno que ele domina como poucos. Por tudo isso, em pouco tempo, o João se tornou, além de meu primeiro e único procurador, um amigo e, muitas vezes, um pai. Foi muito importante o apoio dele em momentos mais difíceis, como quando o meu verdadeiro pai ficou doente. O João ia comigo ao hospital e conversava com o meu pai, que também era muito amigo dele. Até hoje, gosto de me aconselhar com o João, que também me pede opinião sobre determinados assuntos de vez em quando, numa troca bastante rica. Não foi à toa que o chamei para ser o padrinho do meu primeiro filho, o Breno. Nunca vou esquecer o dia em que chegamos a Madri pela primeira vez, depois de minha transferência do Flamengo para o Real. Minha mulher, a Suzana, havia ficado no Rio porque o Breno tinha apenas três meses. Havia toda aquela expectativa por um novo mundo que se abria e eu pude contar com o apoio do João em todos os momentos. No primeiro dia, procuramos um restaurante brasileiro no centro de Madri, que prometia uma feijoada completa. Nunca comi uma feijoada tão aguada, não havia um pedaço de carne. Mas rimos muito com aquilo tudo e até hoje me lembro dessa história como o início de uma nova fase da minha vida.

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De olhos a be r tos para o or ie nte O Fluminense e a Hyundai com depoimento do jornalista Paulo César Andrade



M aracanã, dia 25 de junho de 1995. Do lado direito das cabines de rádio, aquela camisa rubro-negra que, segundo Nélson Rodrigues, é uma bastilha inexpugnável. Com o número dez nas costas, o mesmo eternizado por Zico, Sávio, meu amigo e cliente, se aquecia para a grande decisão do Campeonato Carioca. Do lado esquerdo, estava o Fluminense. O estádio lotado aguardava ansiosamente o início do Fla-Flu, o clássico que começou 40 minutos antes do nada, para citar de novo o genial jornalista e dramaturgo. E, diante desse cenário, como estava o meu coração? Inacreditavelmente dividido.

Eu estava dividido naquele momento como nunca imaginei que ficaria um rubro-negro convicto. Pela primeira vez, e talvez única na minha vida, eu sentia aquilo que jogadores que enfrentam seu clube de coração tentam explicar aos repórteres, normalmente usando um clichê que não deixa de ser verdadeiro: profissionalismo acima das paixões. Diferentemente dos atletas, no entanto, eu poderia tentar tranquilizar a minha consciência com um argumento irrefutável: seja qual for o resultado, tenho motivos para comemorar. E para lamentar também, é verdade.

O meu dilema tinha origem num telefonema do então presidente do Fluminense, Arnaldo Santiago, poucos meses antes. Muito objetivo, ele convidada a minha empresa para ser a agência de marketing do clube. A Sportlink estava num momento de expansão, o trabalho com o Sávio prosperava e trabalhar com um clube com a visibilidade do Fluminense seria ótimo em todos os sentidos. Minha vida pessoal e profissional sempre estarão ligadas ao Flamengo, mas o jogador de futebol tem razão: somos todos profissionais.

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Desde o início eu já sabia que o desafio era enorme. Tinha conhecimento da situação financeira do Fluminense, que era muito ruim. O clube estava completando dez anos sem conquistar nenhum título, o que é muito para uma equipe de tanta tradição. O pior é que não se via muita perspectiva para tirar o pé da lama. O time que estava sendo formado era fraco e os salários viviam atrasados, o que quase sempre é fatal para quem quer ser vitorioso.

Foi um começo de trabalho arrastado, com muitas portas fechadas. A exposição da mídia estava toda voltada para o Flamengo, que montava uma equipe promissora. Num dos negócios mais ousados do futebol brasileiro, o presidente Kleber Leite havia tirado do Barcelona simplesmente o melhor jogador do mundo na época, Romário, que vivia o seu auge. Contratara também o lateral esquerdo Branco, outro tetracampeão mundial no ano anterior. E ainda tinha o Sávio, que surgia como a maior revelação da Gávea dos últimos anos. Com esse cenário, sobrava pouco espaço para os outros clubes, inclusive o Fluminense.

Certo dia, eu peguei o jornal pela manhã e me surpreendi com uma notícia que me saltou aos olhos: o Fluminense estava interessado em contratar o Renato Gaúcho, que jogava no Atlético-MG. Logo me veio à cabeça aquela história do Baile do Vermelho e Preto, em que eu usei o Renato como garoto-propaganda e foi o maior sucesso. Liguei na mesma hora para o Arnaldo: “Presidente, que história é essa de Renato?”. Sim, era verdade, o jogador havia sido oferecido ao clube, mas o próprio Arnaldo não parecia muito empolgado. Na verdade, ele me explicou que a diretoria tricolor estava dividida, uma parte queria o jogador e a outra considerava o investimento muito arriscado: “Presidente, só dá Flamengo na imprensa. Precisamos dar uma sacudida no Fluminense. Fecha esse negócio agora. O regime não é presidencialista? Pois, então, assume isso aí”.

Dias depois, a contratação foi fechada. Como incentivador dela, cabia a mim, naquele momento, me oferecer para ter uma conversa com o Renato. Eu

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já o conhecia do Flamengo e também tinha estado com ele na sua apresentação ao Atlético-MG, pois sou amigo do então presidente do clube, Afonso Paulino. Botei as cartas na mesa: “Renato, a situação aqui é difícil. Eu estou tentando cuidar das coisas do lado de fora, trazer dinheiro para o clube, mas preciso que você assuma a liderança do grupo. Tem que segurar as pontas enquanto os problemas não forem resolvidos. Você não estava no grupo na Copa de 94, mas sabe como era o espírito lá dentro. E sabe bem também como era na Copa de 90. Tem que ser o inverso”.

O Renato se colocou à disposição e não me decepcionou. Ele fez um trabalho de união fantástico, além até do que eu poderia imaginar. Quando os salários atrasavam, ele botava dinheiro do próprio bolso. Pagava até o sujeito que cuidava do gramado das Laranjeiras. Comprou a ideia de que, apesar dos problemas, o Fluminense poderia surpreender. Foi um líder em todas as acepções da palavra, não deixou a equipe esmorecer um só momento. Diria até que, por tudo isso, merecia até uma estátua nas Laranjeiras.

Mesmo assim, continuava difícil vender o Fluminense. Até o patrocínio de camisa parecia sem solução. Houve um momento em que tivemos que botar uma faixa branca na parte frontal do uniforme e aí começaram as gozações dos rivais e da imprensa, diziam que o tricolor estava usando esparadrapo. Então eu pensei em recorrer ao poder público. Sugeri ao Arnaldo que, se ele botasse uma inscrição em homenagem à nossa cidade, poderia atrair a atenção da prefeitura. E foi criado o slogan “Ame o Rio”, que ficou estampado na camisa tricolor durante a maior parte do Campeonato Carioca daquele ano.

E não é que a homenagem ao Rio surtiu efeito? Nas nossas andanças em busca de patrocínio, eu bati na porta da Petróleos Ipiranga. Na nossa proposta, de R$ 2,4 milhões por um ano de exposição da marca na camisa, nós lembramos a eles que um clube de futebol é um excelente canal de relações públicas porque tem acesso a autoridades do governo. Afinal, ele representa a cidade, 105


é naturalmente um garoto-propaganda. Mas a diretoria da Ipiranga nos informou que não tinha interesse em patrocinar times de futebol, pois provocaria muita confusão, os principais acionistas torcem para equipes diferentes etc.

Parecia mais uma resposta negativa mas eles deixaram uma abertura. A Ipiranga era proprietária de uma ilha na Baía de Guanabara e queria saber se a prefeitura tinha interesse nela. Em troca, cederia à empresa dez terrenos na cidade para a construção de postos de gasolina. Poderia ser em áreas do subúrbio. O importante era aumentar o número de postos no Rio. Levei a informação para Arnaldo que conversou com o então presidente da Fifa, João Havelange, que tem ótimas relações com o Fluminense e com o prefeito Cesar Maia. O Havelange foi, então, à prefeitura e recebeu uma avaliação positiva de Cesar. Ele não estava interessado na tal ilha, mas queria como contrapartida que a Ipiranga se comprometesse a recuperar a área no entorno do terreno que seria cedido. A empresa deveria construir uma creche e fazer obras de reurbanização. Na mesma hora, o prefeito chamou o seu então secretário de obras, Luiz Paulo Conde. “Conde, veja se há terrenos disponíveis”.

O acordo com o Fluminense dizia que, para cada terreno que a prefeitura cedesse, o clube receberia US$ 200 mil. Era, na verdade, uma comissão pelo trabalho de intermediário. O Conde disponibilizou quatro terrenos para a Ipiranga, que pagou, então, US$ 800 mil ao tricolor. Foi um dinheiro muito bem-vindo para pagar salários atrasados dos jogadores.

O mais importante é que, além de ter sido criativa, a solução foi benéfica não só para o Fluminense, mas para todas as partes envolvidas. Nesse caso, o Cesar Maia mostrou muita inteligência. Ele não só conseguiu reurbanizar áreas carentes cedendo terrenos ociosos como ajudou um clube da cidade a se reerguer. O prefeito entendeu que os times de futebol vendem uma imagem positiva da cidade para fora, não vendem violência. Além disso, fazem um trabalho social importante de formação de atletas. Na Europa, é comum uma

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cidade ajudar o clube local. Cesar Maia já havia ajudado o Flamengo, o Vasco e o Botafogo. Chegava a vez do Fluminense.

Ainda assim, o problema do patrocínio da camisa persistia. Nós continuávamos prospectando e nada. Até que um dia apareceu na minha sala um grande amigo, o Paulo César Andrade, repórter esportivo do TV Manchete. Ele foi para lá apenas para bater papo e, no meio da conversa, perguntou como estava o trabalho com o Fluminense. Eu disse a ele que estava difícil, mas o próximo passo seria procurar a agência de publicidade da Hyundai, a fabricante sul-coreana de automóveis. Então ele me disse, com a maior naturalidade, que conhecia o presidente da Hyundai. “Da Hyundai do Brasil?”, eu quis saber, já animado. “Não, da Hyundai mundial.” Na hora eu achei que ele estivesse brincando comigo.

Não estava. O PC Andrade realmente conhecia o Mr. Jo Moo John, presidente da Hyundai mundial e, naquela época, também presidente do comitê organizador da Copa do Mundo de 2002, que seria disputada sete anos depois na Coréia do Sul e no Japão. O encontro se deu alguns meses antes, no Estádio de Caio Martins, em Niterói. O time de futebol da Hyundai estava no Brasil fazendo alguns amistosos e, naquele dia, enfrentaria o Botafogo. O PC foi designado para cobrir o jogo, que não atraiu o interesse de muita gente. Lá em cima, sentado anonimamente na arquibancada, estava o todo-poderoso presidente da Hyundai. Depois do jogo, ele queria conversar com dirigentes alvinegros e não havia nenhum intérprete. Dono de um inglês fluente, o Paulo César foi chamado para ajudar na conversa. E saiu de lá com um cartão do Mr. Chong e do Mr. Hürr, presidente da Hyundai do Brasil.

Aqui no Brasil pouca gente sabe que a Hyundai não é apenas fabricante de automóveis. É, na verdade, um conglomerado de empresas que fabricam de navios a aparelhos eletrodomésticos. Seria um parceiro e tanto para o Fluminense. Na mesma hora, eu pedi ao PC para marcar uma reunião com o 107


Mr. Hürr, que ficava baseado em São Paulo. Fomos para lá poucos dias depois mas o acerto demorou mais dois meses para sair. Os orientais são muito cuidadosos e criteriosos quando tratam de negócios, eles queriam tudo bem explicado. Conversávamos, às vezes, de madrugada porque o fuso da Coréia é de 12 horas de diferença. Levamos ainda os coreanos para conhecer o centro de treinamentos do Fluminense, em Xerém, e mostramos a eles como seria importante investir também na formação de novos jogadores. No fim, todo o esforço valeu a pena.

O contrato, na verdade, só seria sacramentado do outro lado do mundo. Viajamos para a Coréia para conversar diretamente com o Mr.Chong. Lembro que fomos recebidos na sede da Hyundai com uma faixa de boas-vindas, em português, para o Fluminense e para a Sportlink. Foi mais uma prova de respeito dos coreanos não só pelo parceiro mas também pelo intermediário que possibilitava o negócio. Fechamos um contrato de três anos nos moldes do firmando entre Flamengo e Petrobras, que era o maior do Brasil. O Fluminense receberia cerca de US$ 2 milhões por ano. Era uma senhora ajuda para o clube se reerguer.

Quis o destino que o Fluminense estreasse o uniforme com o logotipo da Hyundai logo naquela decisão com o Flamengo, o que só servia para me deixar ainda mais dividido. Minha pessoa física era rubro-negra, mas minha pessoa jurídica, completamente tricolor. E o patrocínio deu sorte. Com a barriga, exatamente em cima do nome da empresa coreana, Renato Gaúcho empurrou a bola para dentro do gol a quatro minutos do fim da partida: 3 a 2 para o Fluminense. O jejum de dez anos sem títulos chegava ao fim. Com dinheiro começando a entrar em caixa, havia todos os motivos para uma perspectiva otimista dali para frente.

A campanha no Campeonato Brasileiro daquele ano só serviu para injetar mais ânimo na torcida. Depois de anos de performances vergonhosas, o Flumi-

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nense brigou até o fim pelo seu segundo título brasileiro. Chegou às semifinais, o que não ocorria desde 1988), mas foi derrotado pelo Santos numa partida que até hoje os tricolores não esquecem. Apesar da frustração, parecia claro que o clube das Laranjeiras estava reencontrando o seu caminho vitorioso.

Pena que, em se tratando de dirigentes voluntários, nunca é possível garantir que as coisas sairão como planejado. No fim de 1995, o Fluminense entrou em processo eleitoral. Venceu a chapa liderada por Gil Carneiro de Mendonça. Pedro Arantes, diretor de basquete na gestão de Arnaldo Santiago, foi escolhido para ser o novo vice-presidente de futebol a partir de janeiro de 1996.

Conheci o Pedro Arantes quando ele ainda dirigia o basquete tricolor. Ele me procurou para que eu arrumasse um patrocínio para a equipe nos moldes do que acabara de fechar com a Hyundai para o time de futebol. Expliquei a ele que eram duas realidades diferentes. Já tinha sido difícil conseguir o Fernando Maia / Agência O Globo

Com a barriga, exatamente em cima do nome Hyundai, Renato Gaúcho fez o histórico gol da vitória, dando ao Fluminense o campeonato carioca, após um jejum de dez anos. 109


contrato para o futebol e seria ainda muito pior para os chamados esportes olímpicos. A visibilidade era menor, não havia nenhuma grande competição à vista. Sugeri que ele entrasse num acordo com o departamento de futebol para que recebesse ao menos uma fatia do valor da empresa coreana para levantar o basquete. Acho que ele não gostou muito, deve ter pensado que eu dei pouca importância ao caso, porque meses depois, já na nova função, ele me ligou dizendo que precisava ter uma reunião comigo. O assunto: o contrato com a Hyundai.

O contrato com a Hyundai tinha duração de três anos, renovável ano a ano com reajuste de valores. Só a partir do terceiro ano seria possível uma nova negociação mas, ao fim desse prazo, ele já seria maior que o do Flamengo com a Petrobras. Estava muito bem pago. Mas Pedro achava que o Fluminense tinha de rever o contrato: “Como rever, Pedro? Demoramos dois meses e meio para fechar o negócio e você quer mudar agora, com menos de um ano de contrato?”, eu perguntei. Pelo seu raciocínio, o clube estava mais valorizado depois da conquista do Estadual de 1995 e da boa campanha no Brasileiro. Não conseguia entender que os coreanos estavam investindo exatamente para isso, para que o Fluminense fosse campeão, mas não fazia o menor sentido rever valores por causa da primeira conquista: “Ou você esqueceu que até o ano passado o Fluminense estava num jejum de dez anos sem ganhar nada? Os coreanos apostaram na gente”, argumentei, por fim. Não houve jeito de convencê-lo. Como ele tinha recebido carta branca da presidência, fui obrigado a marcar uma reunião com o Mr. Hürr.

Foi a primeira e talvez única vez em que vi um oriental se revoltar. Como o Pedro Arantes não falava inglês, tive de traduzir toda a negociação. Só me lembrava da magnífica recepção que tivemos em Seul, toda a consideração que merecemos dos coreanos no período de negociação. Mas fui em frente, como era minha obrigação na condição de representante de marketing do Fluminense: “Olha, Mr. Hürr, entrou um grupo novo na diretoria do Fluminense.

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Eles têm novos projetos, acreditam que o clube se valorizou ano passado, e gostariam de aumentar o valor do contrato”.

A princípio, o coreano pareceu não entender o que eu disse: “Como mudar? Não estava tudo certo, não estamos cumprindo o combinado?”, ele perguntou. Lá fui eu explicar tudo de novo, mais devagar, enquanto a expressão de Mr. Hürr mudava. Ao fim da reunião, ele estava visivelmente contrariado: “Em uma semana nós vamos dar uma resposta”, decretou ele.

Apesar da irritação do coreano, o Pedro Arantes deixou a sala de reunião tão tranquilo que eu imaginei que o Fluminense tivesse uma carta na manga. O João Havelange, o mesmo que nos ajudou na questão da prefeitura e da Ipiranga, havia apoiado o Gil Carneiro nas eleições e poderia ter conseguido alguma abertura com uma empresa japonesa, uma vez que estavam a pleno vapor as negociações da Fifa para viabilizar a Copa do Mundo de 2002, dividida entre Coréia e Japão. O Fluminense só poderia estar forçando a barra com a Hyundai para que esta desistisse e abrisse caminho para um contrato mais vantajoso com a Sony, Toshiba ou uma megaempresa do gênero. Só isso explicaria a confiança do Pedro Arantes ao fim do constrangedor encontro com o Mr. Hürr.

E foi exatamente o que aconteceu uma semana depois. Recebi no escritório uma carta do Mr. Hürr em que ele dizia que a Hyundai não renovaria com o Fluminense a partir de junho. Em fevereiro mesmo eles depositariam o que restava do contrato e encerraria qualquer vínculo com o clube: “Esse outro grupo que assumiu o Fluminense não nos interessa mais como parceiro”, escreveu o executivo coreano.

Eu estava enganado. Não havia nenhuma carta na manga do Fluminense. O clube perdeu o patrocínio, o dinheiro e, neste mesmo ano, caiu para a Segunda Divisão pela primeira vez, o que motivou a maior crise da história das La111


ranjeiras. Sem suportar a pressão, o Gil Carneiro renunciou e o Pedro Arantes saiu junto. Era só o início do calvário tricolor, que seria reconduzido à Primeira Divisão numa legítima virada de mesa mas que, em seguida, seria rebaixado de novo. Como se não fosse o suficiente, caiu em 1998 para a Terceira Divisão.

O episódio todo não é apenas uma crônica da decadência tricolor nos anos 90. É, principalmente, um dos exemplos mais evidentes de como uma administração amadora pode levar um clube de futebol ao fundo do poço. Sem o menor compromisso com metas, a nova diretoria se viu no direito de rever um contrato firmado pela administração anterior. Como ocorre com frequência na administração pública, um trabalho custoso e inteligente é interrompido depois de quatro anos porque tem a marca da gestão anterior.

Fosse o Fluminense um clube profissional, a nova diretoria, no máximo, pediria uma consultoria externa para avaliar a qualidade do patrocínio firmado por seus antecessores. Se houvesse alguma irregularidade ou um item absurdo, aí sim poderia tomar providências. Caso contrário, manteriam o contrato até o fim e negociariam uma mudança depois. Na situação específica da Hyundai, certamente chegariam à conclusão de que era altamente vantajoso para o clube. A Hyundai, por sua vez, não desistiu do futebol, apesar da decepção com o Fluminense. Por trás do amadorismo dos dirigentes, os coreanos enxergaram o enorme potencial dos clubes de futebol brasileiros para alavancar suas marcas, exatamente como nós tínhamos prometido durante os dois meses e meio de negociação. O investimento era relativamente pequeno se comparado com o retorno de mídia. Meses depois, eles fecharam contratos com Botafogo e Bahia.

Muito tempo depois, obviamente com outra diretoria, ainda intermediei dois negócios com o Fluminense. O primeiro foi com a Reebok, que forneceu o material esportivo do time de futebol. Mais tarde, ajudamos no primeiro contrato com a Unimed, que até hoje é patrocinadora do clube.

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Paulo Cesar Andrade jornalista esportivo

Era um dia tranquilo na TV Manchete. Eu fui cobrir um simples jogo-treino do Botafogo no Estádio de Caio Martins, em Niterói. O adversário era uma desconhecida equipe coreana que, no entanto, tinha um padrinho poderoso. Anônimo na arquibancada, o presidente mundial da Hyundai Motors, Mr. Jo Moo John, assistia à partida com todo o interesse. Era ele quem bancava aquele time. Depois do jogo, os coreanos precisaram de ajuda para conversar, em inglês, com o pessoal do Botafogo e fui chamado para ajudar na tradução. Jamais imaginei que aquele encontro fortuito seria muito útil para o Fluminense. Em 1995, eu já estava com vontade de sair da TV Manchete. Fui conversar com o João Henrique lá no escritório dele, no Leblon. O papo estava descontraído quando ele começou a me falar das dificuldades que estava encontrando para arrumar um patrocínio para o Fluminense. De repente, me deu um estalo: o Mr. Jo Moo John. Chegamos a ele através do presidente da Hyundai Brasil, Mr. Hurr, que vivia em São Paulo. Primeiro fomos para São Paulo e, em poucos dias, estávamos viajando para a Coréia do Sul, que vivia a febre do futebol por causa da sua escolha para sede da Copa do Mundo de 2002, junto com o Japão. O João Henrique, com toda a sua experiência, costurou bem o acordo, que foi bom para os dois lados. O Fluminense jamais imaginava que ganharia tanto dinheiro em tão pouco tempo. E tudo por causa de um simples jogo-treino de um clube rival.

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Na tabelinha com Pele Um gol para Flamengo e Santos com depoimento de Pelé



A inda nos anos 50, no início de sua carreira como jogador, Pelé recebeu uma proposta surpreendente de um amigo de seu pai, o ex-jogador Dondinho. O sujeito era diretor de uma usina de cana e, animado com o sucesso precoce daquele menino no time do Santos, teve a ideia de lançar a Caninha Pelé. O rótulo chegou a ser impresso, mas as garrafas nunca foram ao mercado. Na última hora, o menino virou-se para o pai e teve um lampejo de lucidez: “Propaganda de pinga não pega bem, né?”.

A história, lembrada pelo próprio Pelé numa entrevista à revista Isto É Dinheiro, em 2002, retrata bem duas coisas. Em primeiro lugar, o instinto do garoto, um atleta em início de carreira, para preservar a sua imagem. Em segundo lugar, a atração que o maior jogador de todos os tempos sempre exerceu sobre empresários dispostos a buscar um garoto-propaganda para anunciar o seu produto. Daquele dia para cá, o rosto de Pelé “pegou bem” em diversas campanhas publicitárias. Em outras, nem tanto.

Mesmo quem não gosta de futebol ou de esportes em geral tem, ao menos, uma ideia do que esse cidadão chamado Édson Arantes do Nascimento, o Pelé, representa para o Brasil, aqui mesmo e, principalmente, no exterior. Quem gosta de futebol, então, tem a nítida noção do poder que possui esse apelido recebido despretensiosamente na infância e que se tornou uma das marcas mais fortes do mundo. Pelé é Pelé, dispensa demais explicações.

Essa é uma das razões pela qual Pelé sempre foi um caso à parte no mundo do marketing esportivo. Mesmo em épocas em que o esporte era pouco usado para vender, o rei do futebol já era identificado como uma figura alta117


mente vendável e, por consequência, seria vendável também tudo o que ele anunciasse. No início do século XXI, Pelé já faturava mais de US$ 15 milhões anuais com publicidade graças ao seu rosto conhecido e ao físico invejável mesmo depois dos 60 anos.

É tarefa relativamente fácil lembrar, de cabeça, várias marcas que já estiveram associadas à imagem de Pelé: Time Warner, Viagra, Bombril, Vitasay, Petrobras, Nokia, Probel, Golden Cross, Mastercard... Não chegou a ser surpresa, portanto, sua escolha como o garoto-propaganda do Século XX pela International Advertising Association. Mais um prêmio para aquele que já havia sido eleito o Atleta do Século XX, vinte anos antes de o século terminar.

Por si só, Pelé já é um dos maiores cases do marketing esportivo mundial mas, nessa área, tive a honra de participar diretamente de alguns desdobramentos da vida profissional de um ídolo meu e de todos brasileiros. Fui um de seus primeiros sócios na Pelé Sports & Marketing, no início dos anos 90, quando o ex-jogador iniciou um projeto que tinha por objetivo explorar a sua marca de uma forma mais planejada.

A ideia nasceu pouco depois de Pelé disputar um amistoso da seleção brasileira em Milão, na Itália, em comemoração ao seu 50 o aniversário, em 23 de outubro de 1990. Fomos apresentados em seu retorno ao Brasil por um amigo comum, o Aloysio Santos, ex-diretor de futebol do Flamengo e do Corinthians. Apesar do poder de seu nome, o Rei do Futebol tinha obtido insucessos em alguns empreendimentos no mercado esportivo. Além do mais, seu enorme sucesso como garoto-propaganda não foi suficiente para consolidar seu apelido na área de licenciamentos. É sabido que até hoje ele não conseguiu lançar uma grife de material esportivo, um plano antigo. A única exceção de que se tem notícia é o Café Pelé, lançado nos anos 70 pela Companhia Cacique de Café Solúvel.

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Àquela altura, eu já tinha firmado o meu nome no mercado de marketing esportivo. Por causa do trabalho no Flamengo e no Clube dos 13, tinha bom trânsito com dirigentes dos principais clubes do país, além de conhecer bem diretores de televisão e de agências de publicidade. Já havia aberto a minha própria empresa, a Areias Sports & Marketing, que alcançava sucesso em seus negócios. Pelé estava em busca de know-how na área e, nisso, eu poderia atendê-lo. Ao meu lado, estaria também Celso Grellet, o amigo e competente companheiro de trabalho desde os tempos da Copa União. Também nos associamos ao empresário Hélio Viana, que já trabalhava com Pelé e que havia me procurado anos antes, no Flamengo, para montar um negócio deste tipo. Mas, na época, eu era ainda funcionário da IBM e, por isso, recusei o convite.

A primeira reunião de trabalho da equipe fundadora da Pelé Sports & Marketing aconteceu na casa de praia do Pelé, em Ubatuba (SP). Participaram também dois consultores da IBM, onde eu ainda mantinha bons contatos. Ali, elaboramos o planejamento estratégico da nova empresa, ou um plano de negócios, no qual estabelecíamos sua missão, seus objetivos e sua estratégia.

Mais do que tratar de negócios, aquela reunião serviu para eu começar a conhecer melhor o homem por trás do mito, seu modo de raciocínio, sua perspicácia que já tinha sido provada no episódio da Caninha Pelé, quando ainda era um garoto. Percebi que a imagem de Pelé só não é melhor entre os brasileiros porque sempre esperamos dele a mesma genialidade que demonstrou em 20 anos de carreira dentro dos gramados. Queremos que o Rei do Futebol seja gênio nos negócios, gênio na vida familiar, gênio nos comentários sobre futebol etc. Mas a verdade é que, nessas áreas, ele comete erros e acertos como qualquer um. Pelé só era perfeito com a bola nos pés. Mesmo assim, apesar de suas limitações naturais em outras áreas, entendi que ele pode até se enrolar no meio de um negócio mas, no fim, costuma dar a tacada certa. Como se diz no futebol, trata-se de um bom finalizador. 119


O melhor de tudo é que Pelé tem noção de seus limites no mundo empresarial, procura ajuda, ouve conselhos e sabe admitir seus equívocos. Tive logo uma prova disso nessa reunião em Ubatuba. Antes de começá-la, para descontrair, ele nos mostrou uma série de cartões de visita de empresas em que seu nome aparecia como presidente de honra, na verdade homenagens que executivos amigos lhe fizeram. Eram cartões chamativos, alguns em formato de bola, em cores berrantes. Ele estava nos mostrando os cartões para dizer que faria agora um cartão em que, de fato, seria o presidente da empresa, a Pelé Sports & Marketing.

Aproveitei a deixa para expor um pensamento que eu já carregava comigo muito antes de sonhar em conhecer pessoalmente o Pelé, quanto mais começar a trabalhar com ele. Reconheço que fui um pouco ousado para quem não tinha muita intimidade com o novo sócio: “Pelé, então eu vou pedir também para fazer um cartão com o seu nome como presidente da Areias Sports & Marketing, a minha empresa”, eu disse. Ele não entendeu muito bem, mas eu continuei: “Ué, dessa forma você vai me abrir portas em qualquer lugar”.

Ironicamente, eu estava dizendo a ele que não me parecia legal ficar emprestando o seu nome indiscriminadamente às pessoas, como se fosse brincadeira. Um cartão de visitas é a sua identidade corporativa, é a sua apresentação a pessoas com quem você pretende estabelecer negócios e a porta de entrada de sua empresa. Ele vai circular entre pessoas que não te conhecem. Por isso, esse hábito de rabiscá-lo antes de dá-lo a alguém: é uma forma de tornar mais pessoal um instrumento de trabalho tão importante. Diante de um japonês, você deve até se inclinar quando lhe entrega um cartão.

Aproveitei o embalo e fiz um comentário ainda mais “atrevido” para o meu ídolo que, a esta altura, eu já chamava de Édson: “Eu sei que é a nossa primeira reunião, talvez você não vá gostar do eu vou dizer, mas é mais ou menos o que acontece com alguns dos produtos que você anuncia. O Pelé

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é um líder na sua área de atuação. Em tese, nenhum outro atleta tem uma imagem tão poderosa quanto a sua. Então você só deve associar essa imagem a empresas líderes na sua área de atuação ou, no mínimo, algo perto disso. Existem algumas empresas de que você é garoto-propaganda que não estão à sua altura. Podem estar à altura do Édson, mas do Pelé, não”. Eu disse aquilo e esperei a reação dele. Achei que viesse um corte, mas ele concordou. Mais tarde, já com a Pelé Sports & Marketing na ativa, ele parou de fazer contratos com empresas de qualidade duvidosa e virou o foco apenas para empresas líderes em seus segmentos, como a Mastercard e a Umbro. Arquivo pessoal

Mesa redonda na TV Manchete, em 1991, com Armando Marques, Pelé, Alberto Léo, Marcio Guedes e Areias.

Nessa reunião, lembro que o Pelé ficou encantado com a diversidade de pessoas presentes para dar opiniões sobre como deveria se posicionar a empresa de marketing esportivo do maior jogador da História. Além dos dois consultores da IBM, convidamos profissionais de televisão, de marketing, de 121


esporte e de publicidade. Veio até gente da Argentina. Éramos umas 12 pessoas. Ficamos ali quase umas oito horas conversando, trocando ideias.

Durante todo o tempo, o Pelé se portou com a maior correção, sem o menor estrelismo. Em primeiro lugar, como um bom anfitrião, preparou ele mesmo um peixe delicioso e nos serviu com toda elegância. Depois fez a brincadeira: “Para vocês verem, o rei servindo os seus súditos”. Durante a exaustiva reunião, ele ouviu tudo, não reclamou de nada e apresentou o seu ponto de vista com simplicidade. No fim, deu uma declaração que eu achei fantástica: “Se eu tivesse feito uma reunião dessa há 30 anos, não teria cometido tantos erros”.

Era isso: o Pelé queria montar sua empresa de marketing para planejar melhor a sua vida como empresário e, assim, evitar outros equívocos. Nada além disso. Era a nossa missão ajudá-lo nessa empreitada. Precisávamos, logo de início, de um projeto de vulto para marcar a entrada da Pelé Sports no mercado e mostrar o conceito sob o qual a nova empresa trabalharia. Deveria ser um empreendimento ousado, de preferência num torneio disputado por importantes clubes brasileiros e estrangeiros.

A Supercopa dos Campeões da Libertadores era um torneio criado havia pouco tempo. Reunia todos os campeões da história da principal competição de clubes sul-americanos, a Copa Libertadores da América. Do Brasil, participavam Santos (campeão em 1962 e 1963), Cruzeiro (campeão em 1976), Flamengo (campeão em 1981) e Grêmio (campeão em 1983). Contava também com as principais forças do futebol do continente, como Boca Juniors, River Plate, Nacional de Montevidéu e Peñarol.

O torneio possuía, portanto, bons ingredientes para motivar os clubes e os torcedores. Mas não era o que acontecia e, basicamente, por um motivo. A Supercopa era deficitária. As cotas de TV eram pouco atraentes e as despesas, muito altas. Diante disso, os clubes passaram a disputar a competição

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com um time misto, o que só servia para torná-la ainda menos interessante, como num círculo vicioso. O público que comparecia aos estádios era bastante reduzido. Os times quase jogavam para sair logo. Entre os brasileiros, só o Grêmio mostrava um interesse maior no torneio, pela tradição gaúcha de disputar competições sul-americanas.

Não deixava de ser um bom desafio para que a Pelé Sports & Marketing entrasse com força no mercado, mesmo porque serviria para dar visibilidade ao nosso conceito de trabalho. Por motivos óbvios, Flamengo e Santos foram os primeiros clubes a abrir as portas para nós. Eu tinha ótima entrada no clube rubro-negro, que voltara a ser administrado pelo Márcio Braga, e o Pelé... bem, o Pelé, como todo mundo sabe, é um semideus na Vila Belmiro.

Então propusemos o seguinte negócio aos nossos clubes de coração: oferecemos US$ 600 mil para o Flamengo e US$ 400 mil para o Santos pelos quatro jogos que eles fariam em casa se fossem até a final da Supercopa. A diferença, é claro, era explicada pela previsão de retorno financeiro maior do time carioca, que possui mais torcedores/consumidores.

Para o Flamengo, era uma média de US$ 150 mil por jogo e para o Santos, US$ 100 mil, valores muito acima da média que recebiam por amistosos ou competições oficiais. Na primeira fase, a cota era de US$ 70 mil, valor que aumentava à medida que as equipes fossem passando de fase. Além disso, a Pelé Sports & Marketing arcaria com todas as despesas de viagens e estadias de rubro-negros e santistas nos jogos no exterior. Ou seja, ambos já entrariam na competição sabendo que ela seria lucrativa.

De repente, a Supercopa, que era o patinho feio dos campeonatos, tornou-se a menina dos olhos dos dois clubes. Era interessante se manter na competição não só para ganhar o título, mas para continuar faturando as cotas pagas pela Pelé Sports & Marketing. A diretoria do Flamengo ainda tomou 123


uma decisão inteligente: pegou metade da cota e deu aos jogadores. Sempre acreditei que, quando o atleta se torna um parceiro, as coisas costumam andar melhor para as equipes. Foi o princípio que eu usaria três anos depois, na Copa do Mundo de 1994.

Em contrapartida pelo nosso investimento, nós receberíamos do Flamengo e do Santos o direito sobre todas as receitas de estádio, como bilheterias e placas publicitárias, e poderíamos negociar a transmissão das partidas com uma emissora. Por isso, só era possível negociar os jogos cujo mando de campo fosse dos brasileiros. Estávamos, na verdade, fazendo uma aposta. Era uma aposta alta para uma competição que não havia ainda vingado: US$ 1 milhão, fora as despesas com passagens e estadias. Mas acreditávamos que, com um bom projeto de marketing, poderíamos ter retorno publicitário e de público.

Nossa primeira providência foi tirar os jogos do Rio e de Santos e leválos para o Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Primeiro porque as placas estáticas do Maracanã já tinham dono, ou seja, nós não poderíamos explorá-las. Além disso, os dois clubes têm torcedores na capital do Brasil, especialmente o Flamengo, e acreditávamos que estes teriam mais boa vontade com a Supercopa, uma vez que eles não têm muita oportunidade de assistir às partidas de seus times do coração.

Em seguida, partimos para a segunda etapa do nosso trabalho. Batemos na porta da TV Globo, que não se interessou. Também recebemos uma resposta negativa da TV Bandeirantes. E aí fomos na TV Manchete, que também não quis pagar pelos direitos de transmissão da Supercopa, mas aceitou fazer uma negociação diferente conosco, uma espécie de comercialização integrada. Ofereceríamos cinco cotas de publicidade e uma delas seria apenas para pagar os custos de produção do jogo. As outras quatro seriam divididas entre a Pelé Sports & Marketing e a TV Manchete.

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Nós, então, fomos atrás das empresas e conseguimos fechar quatro cotas: Brahma, Golden Cross, Correios e Vasp. A essas empresas, nós vendemos, além dos anúncios na televisão, as placas estáticas do Estádio Mané Garrincha. Isso evitaria o problema que comentamos no capítulo anterior, ou seja, que anunciantes que pagavam menos para ter suas marcas nos estádios estivessem mais expostos que os que compravam a cota de TV, bem mais caras. Era uma estratégia nova na época, de integração entre a publicidade de TV e a de estádio. Atualmente, as emissoras já tomam esse cuidado.

Para atrair mais público, vendemos ingressos que valiam para os dois primeiros jogos de Santos e Flamengo, que já estavam garantidos, independentemente dos resultados. Assim, conseguimos levar mais de 30 mil pessoas na partida entre Flamengo e Estudiantes de la Plata no Mané Garrincha. O time brasileiro venceu por 2 a 0 e, como tinha empatado em 1 a 1 no jogo de ida, na Argentina, passou para as quartas de final.

Já convencido de que a Supercopa salvaria o seu ano, o Flamengo acabou dando um passo maior que as pernas. Nas quartas de final, a diretoria rubro-negra, empolgada com os resultados dentro e fora de campo, procurou a Pelé Sports para solicitar uma mudança de planos. Dessa vez, eles queriam jogar no Maracanã, pois acreditavam na força da sua torcida num jogo difícil contra o River Plate. Na partida de ida, em Buenos Aires, os argentinos venceram por 1 a 0 e os brasileiros precisavam vencer de qualquer jeito no Rio. Segundo o raciocínio dos dirigentes (legítimo, diga-se de passagem), os rubro-negros lotariam o estádio, empurrariam os jogadores e proporcionariam uma renda maior do que a nossa cota.

A rigor, o mando de campo era nosso, da Pelé Sports, uma vez que pagamos ao Flamengo por isso. Para nós, seria mais interessante financeiramente manter o jogo no Mané Garrincha, mas acabamos aceitando o pedido dos dirigentes rubro-negros. Nós não pagaríamos a cota, que a esta altura já 125


passaria dos US$ 100 mil, e a renda seria dividida meio a meio entre o clube e a empresa. O Flamengo controlaria a bilheteria, que também teria a nossa supervisão, e arcaria com as despesas da partida. No fim das contas, o público foi aquém do esperado pelos rubro-negros e sobraram apenas US$ 60 mil de lucro, US$ 30 mil para o clube e US$ 30 mil para nós. Ou seja, um valor pelo menos três vezes menor do que pagaríamos se o jogo fosse disputado em Brasília. E o pior: a equipe carioca venceu por 2 a 1 nos 90 minutos, mas foi eliminada na disputa de pênaltis pelo River Plate.

O resultado da competição, no entanto, continuou sendo superavitário para o Flamengo e para nós, que tivemos um lucro de cerca de US$ 100 mil. Mais importante do que o dinheiro foi a consolidação da Pelé Sports & Marketing, então uma empresa recém-nascida no mercado do futebol. Demos uma prova de que era possível obter retorno com uma competição pouco popular. Para isso, é necessário que ela seja planejada racionalmente e comercializada com criatividade.

Outra inovação da Pelé Sports foi trazer para o Brasil o sistema Adtime, que havia surgido pouco tempo antes na Espanha e revolucionado a publicidade estática no campo. Na verdade, ela já não era tão estática assim. Graças a um sistema eletroeletrônico, a mesma placa anuncia de dois a 12 patrocinadores, pois ela é feita de palhetas giratórias que formam imagens diferentes.

Em 1992, nós fomos procurados por um inglês chamado Chris Jones, cuja empresa detinha os direitos de publicidade estática do Estádio de Wembley, em Londres. Eu havia conhecido o Chris alguns anos antes, quando fui a Londres com o Márcio Braga visitar a fábrica da Umbro, então fornecedora dos uniformes do Flamengo. Ele queria nos oferecer esse sistema Adtime para um amistoso entre Brasil e Inglaterra, que seria disputado naquele ano no lendário estádio londrino. Em seguida, poderíamos levar a novidade para o mercado brasileiro.

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De início, não achei que a ideia fosse vingar no Brasil. Aqui uma placa publicitária custava algo em torno de US$ 1 mil. Pelo Adtime, o valor pulava para aproximadamente US$ 40 mil. Não tínhamos mercado para isso. Foi o que eu disse para o Chris, mas ele insistiu: “João, vê o preço que você consegue.” E, por US$ 20 mil, nós conseguimos negociar o sistema para quatro clientes: Brahma, Sadia, Itaú e Mastercard.

O Adtime garante a exposição dos 12 patrocinadores na mesma placa, mas o mais interessante é que ele é, na sua essência, um tipo de ambush marketing. A explicação é simples: a empresa pode ser dona do estádio, da placa, mas não é da emissora. Mesmo assim, ela vende aquilo que não tem, que é tempo de TV. O patrocinador compra, por exemplo, a exposição da sua marca durante dois minutos no primeiro tempo e dois minutos no segundo. Com essa informação, o controlador do Adtime, munido de um monitor, pode controlar a placa de modo que a câmera de TV a exponha por um tempo determinado.

Infelizmente, com o passar do tempo, minha profecia acabou se confirmando. De fato, o Adtime não tinha mercado por aqui para se firmar como uma alternativa de publicidade de campo. Apesar das suas vantagens, era realmente muito mais caro que as placas tradicionais, o que o tornou inviável. Não era o caso da Pelé Sports & Marketing, que continuou caminhando com as próprias pernas por longos anos. E, se não foram pernas tão eficientes quanto as do próprio Pelé, ao menos colaboraram significativamente para o progresso do marketing esportivo no Brasil

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Edson Arantes do Nascimento rei do futebol

Tudo que ganhei na vida, como fazendo viagens pelo mundo inteiro, conhecendo culturas diferentes, me tornando conhecido, sendo respeitado em toda parte do mundo e, por fim, ganhando meu sustento e da família, obtive através do futebol, com a graça de Deus. Quando eu fui convidado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso para ser Ministro do Esporte, aceitei porque tinha o desejo de devolver ao futebol e ao povo brasileiro tudo que havia recebido. Eu queria profissionalizar e moralizar a administração do futebol brasileiro. Como é do conhecimento de todos, nos anos 70, estive no Cosmos de New York. Ali pude perceber a importância do marketing esportivo que veio a se consolidar nos anos 80, com as Olimpíadas de Los Angeles. Eu acreditava que esta era a solução para o nosso esporte, isso me fascinava e, por isso, nos anos 90, convidei João Henrique para trabalhar comigo e ser meu sócio na Pelé Sports e Marketing, no Rio de Janeiro. Na sua breve passagem (dois anos depois, João foi morar nos Estados Unidos), reformulamos a estratégia de exploração da imagem do Pelé (O João se dirigia a mim como Edson e dizia que Pelé era uma das marcas mais fortes no nosso segmento de atuação – o esporte – e que por isso só deveria se ligar a marcas líderes em seus segmentos), e fizemos um belo projeto de administração dos jogos do Santos e Flamengo na Supercopa, entre outros projetos. Mesmo assim, ainda falta muito e, por isso, concordo com o João quando diz em seu livro que, para o futebol e o esporte em geral avançar no Brasil, é necessário buscar um novo modelo de gestão baseado no profissionalismo e honestidade.

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Arena Petrobras Uma nova casa para Flamengo e Botafogo com depoimento de Carlos Augusto Montenegro



Q uantas vezes a gente já ouviu a seguinte pergunta: como pode um clube como o Flamengo não ter um estádio próprio? O espanto vale para Corinthians, Fluminense, Botafogo, Cruzeiro, Atlético-MG e outros grandes clubes brasileiros. Eu me refiro, é claro, a um estádio com capacidade e estrutura para receber jogos importantes, e não apenas para treinar. Mal comparando, são forças do futebol que não têm casa própria, vivem de aluguel. Vá contar isso para um italiano, espanhol ou um inglês que o espanto será ainda maior. Uma equipe capaz de reunir 100 mil pessoas em volta de um campo de futebol não tem uma arena particular.

No Brasil, os grandes clubes sem estádio são completamente dependentes do poder público para mandar seus jogos. O Maracanã tornou-se o palco de Flamengo, Fluminense e Botafogo. Cruzeiro e Atlético-MG usam o Mineirão e o Corinthians se reveza entre o Pacaembu e o Morumbi, que pertence ao arqui-rival São Paulo. Embora lendários, esses estádios acabam fazendo com os que os dirigentes se acomodem, como se não precisassem se preocupar em construir sua própria casa. Muitos ainda não entendem que ter um estádio próprio não é importante apenas do ponto de vista técnico ou de patrimônio, mas é também uma questão de sobrevivência. As rendas proporcionadas por um jogo na sua casa são cada vez mais importantes para o equilíbrio financeiro de um clube de futebol. Na Europa, são parte fundamental da receita.

Existem problemas mais imediatos para o fato de não se ter um estádio próprio. E quando, por exemplo, o seu senhorio pede o imóvel? Pois é, também acontece isso com os clubes que vivem de aluguel. Uma dessas situações me proporcionou um dos maiores desafios profissionais da minha carreira: 131


tocar o projeto de um novo estádio em apenas nove semanas. Estávamos em 2005 e o governo do Estado do Rio decidiu fechar o Maracanã para começar obras, já com vistas aos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007. O estádio ficaria interditado durante todo o Campeonato Brasileiro daquele ano. O Vasco, como sempre, não estava nem um pouco preocupado. Graças ao esforço e a paixão de seus torcedores, no fim dos anos 20, o clube ganhou São Januário, o maior estádio do Rio até a construção do Maracanã. O Fluminense foi rápido e fez um acordo com a prefeitura de Volta Redonda para usar o Estádio da Cidadania. A estratégia era idêntica à que tínhamos adotado com o Flamengo um ano antes, quando eu integrava a diretoria de futebol rubro-negra.

Mas e Flamengo e Botafogo? Eram legítimos sem-teto. Pensavam seriamente em fazer um bye-bye Brasil, ou seja, mandar seus jogos em outras cidades, especialmente no Nordeste, onde há bastante torcedores de equipes cariocas. Não era a solução ideal, é sempre muito impopular com a sua torcida local. Até que, no fim de fevereiro, o presidente do Botafogo, Bebeto de Freitas, me procurou com uma proposta ousada. Era tão ousada que, a princípio, eu a rejeitei: “João, eu tenho uma ideia para o Flamengo e para o Botafogo, mas você é a pessoa que tem que tocar o projeto. Vamos alugar o campo da Portuguesa da Ilha do Governador”, ele disse. Achei tão surpreendente que só me ocorreu responder com duas perguntas: “O campo da Portuguesa? Mas por que eu?”. O Bebeto não perdeu o entusiasmo. “A Portuguesa tem uma área boa para fazer as adaptações de que precisamos e você é a pessoa certa porque tem um bom trânsito nos clubes e vai saber equilibrar as emoções de uma parceria entre dois times rivais”, explicou.

O Bebeto já tinha passado por uma experiência parecida quando reformou o Estádio de Caio Martins, em Niterói, que pertence ao governo do estado. Toda a campanha de retorno do Botafogo à elite do futebol brasileiro aconteceu ali. Mas, com a Portuguesa, seria algo mais complexo. Embora simpático, o Estádio Luso-Brasileiro era acanhado demais, comportava não mais que cinco

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mil pessoas numa arquibancada de cimento. Não recebia jogos de Primeira Divisão havia muitos anos. Estávamos há nove semanas do início do Campeonato Brasileiro. Seria praticamente impossível deixar tudo pronto a tempo.

Para não dar uma resposta negativa logo de cara, eu quis saber mais dos planos do Bebeto. “Mas o que temos que fazer lá?”, perguntei. E o presidente alvinegro foi me listando as obras necessárias com a maior naturalidade: instalação de uma arquibancada tubular para 25 mil pessoas, reforma de vestiários, construção de cabines e sala de imprensa, troca de assentos velhos por cinco mil cadeiras novas, reforma do gramado, construção de novas entradas para os torcedores e abertura de lojas de venda de alimentos e produtos licenciados das duas equipes. Simples assim. Depois da lista, eu dei a resposta negativa que estava segurando na garganta: “Bebeto, só temos nove semanas para tudo isso. Você pode ser louco, mas eu não sou.”

Marcelo Carnaval

O estádio da Portuguesa, depois da reforma patrocinada pela Telemar e pela Petrobras, prontinho para o Flamengo e para o Botafogo.

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Mas o presidente do Botafogo tem a virtude da persistência. Com o apoio do Márcio Braga, ele me chamou para um almoço. Estavam acompanhados também do Paulo Odone, presidente do Grêmio e meu amigo. Os dois dirigentes cariocas praticamente me colocaram contra a parede. Começaram brincando comigo: “O João é um mal agradecido, não quer mais nos ajudar”. Aí eu fiz uma perguntinha provocadora. “Então está bom. Eu ajudo. Mas e o dinheiro?”. Então eles disseram que era só eu planejar a estratégia de marketing que eles corriam atrás dos recursos. E continuaram a pressão até que me arrancaram um “sim”. “Eu ainda acho maluquice, mas vamos tentar”, eu disse, por fim.

Naquele almoço, eu já tinha uma ideia por onde começar – era uma questão de lógica: numa visão mais imediatista, quem era o responsável pelo problema de Flamengo e Botafogo? O governo do Estado, que foi quem fechou o Maracanã para fazer as obras. Então ele teria que nos ajudar. Fomos até a então governadora Rosinha Garotinho, que entendeu nossos argumentos e viabilizou recursos através da lei de incentivo do ICMS para a cultura e o esporte. Ela nos explicou que teríamos um certificado para oferecer às empresas, que descontariam do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços o investimento que fariam no estado. Mas, fomos além: “Governadora, nós não temos tempo para correr atrás dessas empresas. Veja, por favor, com o seu secretariado uma grande empresa que recolha muito ICMS. Entenda, isso é uma questão de Estado, são dois dos maiores clubes do Rio que estão sem-teto.”

O apelo funcionou. Foi-nos indicado a Telemar, que aceitou ajudar os dois clubes. Dela recebemos R$ 2,4 milhões, que administramos na reforma do estádio da Portuguesa. Só ficou de fora a arquibancada tubular para 25 mil pessoas, que viabilizamos graças a um patrocínio da Petrobras. Nesse acerto com a estatal do petróleo, fomos beneficiados por algumas particularidades. Em primeiro lugar, eu sabia que a empresa se interessa em apoiar iniciativas do Estado do Rio, porque é aqui que ela extrai a maior parte de seu petróleo. Na ocasião, seu presidente era José Eduardo Dutra, botafoguense doente,

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e o presidente da BR Distribuidora era Rodolfo Landim, que não perde um jogo do Flamengo. A estatal gastaria, no total, R$ 3 milhões na montagem da arquibancada que seria feita diretamente por ela. Esse dinheiro não passou pela mão dos clubes, que durante todo o tempo de uso do estádio só tiveram de fazer um aporte de R$ 50 mil cada para o início das obras.

Em troca, nós daríamos à Petrobras algo extremamente valioso: o nome do estádio. O novo campo da Portuguesa seria chamado, naquele Campeonato Brasileiro, de Arena Petrobras. Era um conceito de marketing – e ainda é – muito pouco explorado no Brasil: o naming rights. Anteriormente, a única iniciativa de vulto nesse sentido tinha sido o Kyocera Arena, o belo estádio do Atlético-PR, em Curitiba. Mas por que não Arena Telemar? Porque demos à empresa de telecomunicações mais visibilidade na publicidade estática do estádio, enquanto a Petrobras, que gastou mais, ficou com o nome. Foi uma simples negociação comercial.

Marcelo Carnaval

Antonio Augusto, presidente da Portuguesa, Areias, José Carlos Salim, diretor do Portuguesa, e Raimundo Nonato, coordenador do estádio Arena Petrobras 135


O naming rigths é algo absolutamente banal na Europa e, principalmente, nos Estados Unidos. Em geral, pega-se um estádio que já existe e vende-se o seu nome para uma grande empresa num contrato longo, de pelo menos dez anos, para que os torcedores se acostumem a ele. Podemos lembrar de vários exemplos fáceis: Allianz Arena (Bayern de Munique), Delta Center (Utah Jazz), Phillips Stadion (PSV Eidhoven), Emirates Stadium (Arsenal), entre outros. O primeiro caso de naming rights que se tem notícia é de 1953, quando a cervejaria Anheuser-Busch deu o nome de Budweiser Stadium à arena do time de beisebol americano St. Louis Cardinal. Bem mais recentemente, o ator e governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, bancou um estádio com o seu nome em Viena, capital da seu país-natal, a Áustria. Numa situação semelhante, o estádio Palestra Itália, do Palmeiras, recebeu o nome de Parque Antarctica, quando a cervejaria ajudou na construção do estádio.

No Brasil, o naming rights é mais comum em casas de espetáculo como o Credicard Hall, Chevrolet Hall, Teatro Abril e Citibank Hall, que já foi Claro Hall e ATL Hall. No futebol, existe ainda um preconceito contra esse tipo de marketing. Basta ver que pouca gente chama o estádio do Atlético-PR de Kyocera Arena, enquanto a atual Arena da Baixada estava sob contrato. O mesmo aconteceu com a nossa Arena Petrobras, que foi chamada por muita gente de Arena da Ilha. Nesse ponto, a responsabilidade principal foi da mídia, que faz regulamente reportagens sobre a falta de patrocínio ao esporte e, quando ele acontece, argumenta que não pode fazer propaganda de graça. Como eu disse, é puro preconceito que, com o tempo, vai cair. Basta dizer que, há 20 anos, alguns jornais botavam uma tarja preta sobre o logotipo da Coca-Cola estampado na camisa dos clubes que disputaram a Copa União. Alguém imagina isso hoje? Mas persiste ainda uma visão completamente míope de editores e do departamento comercial dos veículos de comunicação. Eles não entendem que, com os patrocinadores, o espetáculo pode ter mais qualidade, o que vai se reverter em mais gente interessada em ler sobre o evento e, consequentemente, em mais anunciantes. É um círculo

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Marcelo Carnaval

O Botafogo levou para o Arena Petrobrás quase 260 mil torcedores. Marcelo Carnaval

Com uma taxa de ocupação de 52%, os jogos do Flamengo tiveram uma renda bruta de quase R$ 2, 5 milhões. 137


virtuoso. Se todos tivessem chamado o campo da Portuguesa de Arena Petrobras é possível que a empresa estivesse lá até hoje. Seria quase obrigada a fazê-lo. Então esses R$ 5,4 milhões gastos com a preparação do estádio poderiam ir diretamente para os cofres dos clubes. No acordo de naming rights com a Petrobras, fizemos um contrato curto porque o Maracanã ficaria pronto no fim do Campeonato Brasileiro. Flamengo e Botafogo disputaram na Ilha do Governador um total de 36 jogos, 16 dos rubro-negros e 20 dos alvinegros. Foi o segundo estádio a receber mais público na competição (491.632 pagantes), atrás apenas do Mineirão (733.808). No número de jogos, também só ficou atrás do estádio de Belo Horizonte, que recebeu 39. O Botafogo teve quase R$ 1,5 milhão de receita líquida e o Flamengo, mais de R$ 1 milhão.

Apesar de algumas previsões pessimistas da imprensa, as pessoas gostavam de assistir às partidas na Arena Petrobras, não tinham problema de estacionamento, tinham opções de alimentação e ainda compravam produtos licenciados do seu clube. Fazíamos o planejamento sistemático das partidas, cumprindo à risca o Estatuto do Torcedor. Tínhamos reuniões semanais com a Polícia Militar, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, CET-Rio, subprefeitura da Ilha etc. Envolvemos também a comunidade local, contando com a ajuda do pessoal da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Fundão. Mostramos ao moradores da Ilha do Governador que levar os jogos para lá seria interessante, mudaria um pouco a imagem do bairro, que tem sofrido muito com a violência. No mínimo, movimentaria o comércio da região.

Para a Portuguesa, a Arena Petrobras também foi um negócio e tanto. As arquibancadas tubulares saíram, mas ficou a de cimento totalmente reformada, além de vestiários e cabine de imprensa. Junto com as melhorias em seu estádio, a Portuguesa recebeu um aluguel de R$ 12 mil por partida. O valor era pago pelo Flamengo e pelo Botafogo, que gastariam bem mais se realizassem seus jogos no Maracanã. No estádio do governo, a despesa chegava a R$ 60 mil.

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A parceria entre Flamengo e Botafogo gerou até receitas pouco comuns no futebol. Em outubro, alugamos o estádio para filmagens de duas produtoras, a Zohar Cinema e a Tatu Filmes, ao custo de R$ 5 mil por dia de gravação.

É importante ressaltar que um empreendimento como este requer uma equipe de planejamento e execução que, no caso específico, precisou ser ainda mais eficiente por causa da falta de tempo para executá-lo. Flamengo e Botafogo não tinham dinheiro para contratar profissionais. Da minha parte, eu dispensei qualquer comissão sobre os contratos e recebi apenas um salário até dezembro pela coordenação do projeto. Para formar uma equipe, pedi ao Márcio e ao Bebeto funcionários dos clubes, seis de cada um. Não serviam dirigentes amadores, mas contratados que pudessem dedicar 100% do tempo à Arena Petrobras. Peguei profissionais de engenharia, segurança, departamento jurídico, finanças, marketing e operação de estádios. Tudo funcionou muito bem graças ao entrosamento e competência dessa equipe. Entre todas esses profissionais, a quem sou muito grato, gostaria de desMontagem sobre fotos de Marcelo Carnaval

Dirigentes e profissionais que fizeram a Arena Petrobras acontecer 139


tacar a figura do Raimundo Nonato, um homem ligado ao esporte que foi superintendente da Confederação Brasileira de Basquete. Ele foi a pessoa de confiança que eu chamei para ser o executivo da Arena Petrobras. Foi o tempo todo um profissional correto, inteligentíssimo e com uma firmeza capaz de barrar o Márcio Braga e o Bebeto de Freitas se essas fossem as instruções. Era uma espécie de capitão da equipe de profissionais dos dois clubes. Foi ele quem negociou com os fornecedores do estádio e conseguiu viabilizar duas mil vagas para carros com os comerciantes locais.

Toda essa negociação com a Petrobras e a Telemar contou com um jogo de bastidores interessantíssimo. Como se sabe, Flamengo e Botafogo sofrem até hoje por causa de suas dívidas milionárias com o Governo federal. Nenhum deles pode obter certidão negativa de débito, o que os impede de receber recursos públicos. Pois então como foram beneficiados com verba da maior estatal brasileira e pela isenção de impostos estaduais que seriam pagos pela Telemar? Bem simples: o contrato não foi feito diretamente com eles, mas com a Liga Carioca de Futebol, uma entidade jurídica que tinha sede mas estava inativa havia anos. Era formada por Flamengo, Botafogo, Fluminense, América e São Cristóvão, quando houve a ideia de fazer um campeonato à parte do da Federação de Futebol do Rio. Mas a iniciativa nunca saiu do papel e a liga perdeu a sua função. A Timemania, nova loteria que será administrada pela Caixa Econômica Federal, resolverá o problema dos clubes. Eles receberão a Certidão Negativa de Débitos em troca do uso de seus escudos na Timemania. A maior parte reverterá para os cofres públicos, para quitação das dívidas fiscais.

Decidimos, então, ressuscitar a liga para ajudar os clubes. Primeiro fomos aos outros integrantes, que aceitaram se licenciar da associação. Ficaram apenas Flamengo e Botafogo. Graças a um belo trabalho do advogado Vantuil Gonçalves, que refez a ata, regularizou as taxas e ativou-a novamente, em pouco tempo a liga estava de novo em atividade. E com essa nova entidade assinamos contrato com a Petrobras e com a Telemar, dentro da mais absoluta legalidade. 140


Além de muito gratificante, o projeto da Arena Petrobras foi importante porque reforçou no futebol brasileiro a necessidade de explorar melhor as receitas de estádio. Poucos clubes aqui fazem isso direito, talvez apenas São Paulo, Atlético-PR, Internacional e Grêmio. Naquele ano, Flamengo e Botafogo se juntaram a esse grupo. Mas, um ano antes, o Flamengo também já tinha dado um passo à frente nesse sentido quando realizou os seus jogos no Brasileiro no então recém-inaugurado Estádio da Cidadania, em Volta Redonda, no Sul fluminense.

Em 2004, eu fazia parte da diretoria do Fla-Futebol, como chamamos o embrião de um departamento de futebol profissional, até certo ponto independente da presidência do clube. Trabalharam ao meu lado meus amigos José Maria Sobrinho e Leovegildo Lins Gama Junior, o Junior. Quando começamos a planejar a participação do Flamengo no Brasileiro daquele ano, nos deparamos com um estudo assustador sobre as receitas do clube no Brasileiro de 2003. A equipe tinha jogado 23 partidas no Maracanã e faturado R$ 2,2 milhões brutos. Mas só levou para casa R$ 200 mil, menos de 10%. Em valores aproximados, a CBF e a Federação do Rio ficaram com R$ 500 mil, a Suderj ficou com R$ 500 mil e R$ 1 milhão foram gastos com impostos, com a organização do jogo em si e com despesas diversas. Em outras palavras: o Flamengo, dono do espetáculo, foi o sócio minoritário nesse negócio.

O Estádio da Cidadania foi criado com a fama, justíssima, de ser um dos melhores do Brasil. Eu sabia que a Prefeitura de Volta Redonda estava interessada em promover eventos lá, até para justificar o investimento. E eles sabiam que os jogos do Flamengo no Maracanã eram deficitários. Para resolver o problema dos dois lados, decidimos nos unir. Acertamos que todas as receitas de estádio (ingressos, bares, restaurante, publicidade) seriam divididas meio a meio entre a cidade e o clube. Mas, se o faturamento do jogo ficasse abaixo do esperado, nós receberíamos da prefeitura uma cota mínima de R$ 100 mil líquidos. O Maracanã não proporciona essa receita de estádio, que fica basicamente com a Suderj. 141


Eu disse que a prefeitura de Volta Redonda sabia que o Flamengo tinha recebido algo em torno de R$ 10 mil por jogo no campeonato passado. Por que, então, aceitou pagar R$ 100 mil? Porque entendeu a importância de ter na sua cidade o clube mais popular do Brasil. Neste ponto, faço minha deferência ao então prefeito Antonio Francisco Neto, que conosco sempre se mostrou um político inteligentíssimo. O Flamengo faria parte do conceito de estádio público que ele queria implantar na cidade. O Estádio da Cidadania funciona sete dias na semana. Tem universidade, atendimento à terceira idade, clínica de fisioterapia, atividades com crianças, enfim, ele serve à população. E o clube rubro-negro levaria entretenimento a ela, seria o recheio do bolo. Sem contar que Volta Redonda passaria a ser falada no Brasil inteiro. Sempre que se referissem ao jogo do Flamengo, os jornais, rádios e TVs do norte a sul do país teriam que citar o nome da cidade. Isso não tem preço. Na verdade, a cota de R$ 100 mil passou a ser barata. A cidade espanhola de La Coruña, por exemplo, só ficou conhecida internacionalmente por causa do maravilhoso time capitaneado por Bebeto nos anos 90. Até então, era apenas a vizinha sem graça de Santiago de Compostela. Até o turismo lá ganhou fôlego.

Como era interessante e lucrativo para ambos, o clube e a prefeitura coordenaram diversas ações para promover os jogos no Estádio da Cidadania Quem recebia os torcedores eram crianças, idosos e deficientes físicos. Fizemos promoções de tudo quanto foi tipo para atrair a torcida. Não tivemos problemas de violência, havia sempre um clima familiar nas partidas. Naquele ano, o Flamengo jogou 16 vezes em Volta Redonda porque a diretoria fez questão de manter os clássicos com Vasco, Fluminense e Botafogo no Maracanã. Pelo acordo, o rubro-negro já garantia R$ 1,6 milhão mas, graças à boa bilheteria, o valor quase dobrou. O Flamengo bateu o recorde brasileiro de venda de carnês, superando o São Paulo e o Atlético Paranaense, com cerca de 3 mil carnês vendidos.

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A Arena Petrobras e o Estádio da Cidadania foram, portanto, duas soluções altamente proveitosas e lucrativas para Flamengo e Botafogo. Mas insisto que, numa gestão profissional, esse tipo de problema não deveria nem existir. Um estádio próprio é requisito básico para um clube que pretende ser superavitário. Quem não entende isso, fica cada vez mais para trás.

Este relatório, com os resultados esportivos, técnicos e econômicos do projeto, encontra-se no site http://www.arenapetrobras.com

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Carlos Augusto Montenegro vice-presidente do Botafogo e presidente do Ibope.

Quem ainda duvida da necessidade de um clube grande possuir estádio próprio deve olhar para a Europa. Lá, muitas vezes, a equipe arrecada mais com as receitas de estádio do que de TV – algo ainda inconcebível no Brasil. É possível lucrar com naming rights, placas publicitárias, venda de artigos esportivos, lanchonetes, entre outros. Sem contar com a possibilidade de arrendar o estádio para outros fins. É claro que uma empresa disposta a investir no futebol vai olhar com bons olhos para um clube assim. No Botafogo, passamos por experiências importantes até chegarmos à administração do Engenhão, o estádio mais moderno do Brasil. Na disputa da Segunda Divisão, um momento difícil para os alvinegros, a diretoria reformou o Caio Martins, em Niterói, e o colocou em condições de atender às exigências do Estatuto do Torcedor. A medida foi muito importante para o retorno do clube à elite do futebol brasileiro, de onde nunca deveria ter saído. Em 2005, o Botafogo apostou numa parceria com o Flamengo para a remodelação do Estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador. O tempo mostrou que foi outra decisão acertada, sob todos os pontos de vista. A torcida compareceu, o time venceu a maioria dos jogos lá e o clube arrecadou mais por isso. Foi também uma prova de que os times cariocas só precisam ser rivais dentro de campo. Fora dele, Flamengo e Botafogo se uniram e mostraram sua força. Este ano, demos um passo ainda mais importante neste sentido. Com o Engenhão, arrendado junto à Prefeitura, o Botafogo mostra, de uma vez por todas, que não abre mais mão das receitas obtidas apenas pelos clubes que contam com estádio próprio.

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No basquete Virando o jogo com depoimentos de Ary Vidal e Renato Brito Cunha



Q ual o esporte mais popular do Brasil? Ninguém tem dúvidas de que é o futebol. E qual o segundo lugar? Bem, eu diria que também é o futebol, seguido, naturalmente, do futebol. A discussão começa com o quarto lugar, que sempre foi disputado pelo vôlei e pelo basquete. Pelo menos de um 30 anos para cá, o vôlei tem se sobressaído até com certa folga, seja no aspecto técnico, administrativo, financeiro e no que mais for possível comparar. Esta é a realidade brasileira. Agora eu conto uma história que nos ajudará a compreender a potencialidade do nosso basquete e também uma das razões para a sua decadência.

A época de ouro do basquete brasileiro masculino aconteceu entre os anos 50 e 60, quando a seleção sagrou-se bicampeã mundial (1959 e 1963) e foi duas vezes medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos (1960 e 1964). A equipe tinha jogadores inesquecíveis como Amaury, Rosa Branca, Algodão, Wlamir Marques, entre outros. De lá para cá, vivemos ainda bons momentos com a geração de Oscar, responsável pelo feito histórico da medalha de ouro no Pan-Americano de Indianápolis, em 1987, numa vitória épica sobre os americanos. No comando desta equipe, estava Ary Vidal.

No basquete feminino, o melhor momento aconteceu a reboque do nascimento de uma geração de ouro capitaneada por Paula e Hortência, em especial nos anos 90. Com elas, o Brasil foi campeão mundial em 1994, na Austrália, e vice-campeão olímpico em 1996, em Atlanta. Mesmo nessa época, porém, o Campeonato Nacional Feminino se limitava a poucas equipes do interior de São Paulo, com investimentos limitados.

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Mas, a despeito dos grandes jogadores que formamos, os resultados da seleção brasileira, em geral, não são bons há bastante tempo. Os campeonatos nacionais também vivem numa montanha-russa, cheios de altos e baixos. Estávamos num período de baixos quando, em 1995, o presidente da Confederação Brasileira de Basquete (CBB), Renato Brito Cunha, convidou a Sportlink para ser a agência de marketing esportivo da entidade. O objetivo principal era revitalizar o Campeonato Nacional e buscar investimentos para a seleção brasileira em todas as suas categorias, do infantil até o adulto, tanto no masculino e quanto no feminino.

A CBB estava numa situação financeira delicada. A confederação acabara de perder o patrocínio do Banco do Brasil para o vôlei, um esporte que já dava muito mais alegrias para o torcedor e retorno financeiro para o investidor. A Converse, responsável pelo material esportivo da seleção, também tinha pedido para sair e a Penalty, insatisfeita com a pouca visibilidade, havia reduzido o número de bolas. Só restava a Caixa Econômica Federal, que pagava na época US$ 600 mil por ano, mas queria diminuir o valor para US$ 300 mil. Era toda a receita que o dirigente dispunha para gerir o basquete brasileiro.

A evasão de patrocinadores se deu, notadamente, pela insatisfação sobre a forma como o basquete brasileiro estava sendo gerido. Não havia sequer um acompanhamento constante do retorno de imagem que o esporte estava lhes dando. Não foram feitas pesquisas antes e durante a vigência do patrocínio para saber se a marca estava sendo mais lembrada pelos consumidores nem tampouco se estava medindo a mídia espontânea nos veículos de comunicação. Empresas especializadas nesse tipo de medição calculam quanto seria gasto em verba de publicidade para se obter uma exposição desse tamanho. Se o marketing for bem feito, o esporte costuma dar um retorno até dez vezes maior que o valor investido.

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O Campeonato Nacional Masculino de 1995 havia sido altamente deficitário. Contava com 21 equipes, muitas delas de baixa qualidade técnica. As viagens eram feitas de ônibus porque não havia dinheiro para passagens de avião. A decisão foi transmitida apenas em videotape por uma TV fechada, tamanho o desinteresse que a competição provocava. Não havia mais que 700 pessoas no ginásio no dia da final. Eu estava bem mais acostumado a trabalhar com futebol, mas aceitei o desafio. Afinal, o basquete era apenas um outro produto esportivo. Tínhamos de desenvolvê-lo para vendê-lo. Antes de mais nada, precisávamos criar uma cultura comercial, de marketing e de comunicação na CBB. Para isso, era fundamental que eu fizesse uma imersão neste esporte, conhecesse as virtudes, os problemas, os sistemas de disputas etc. Isso me permitiria pensar num novo formato para o calendário dos clubes e da seleção brasileira, de modo que este fosse atrativo técnica e comercialmente. A grosso modo, eu tinha que pensar numa nova Copa União, ou seja, um torneio atraente e vendável, só que agora para o basquete.

Por uma feliz coincidência, a seleção brasileira começaria, naquela época, uma série de amistosos pelo país com vistas ao Pré-Olímpico que seria disputado na Argentina. O vencedor se classificaria para os Jogos de Atlanta. Eu me juntei à delegação numa viagem de duas semanas e, assim, pude ter contato com os mais variados profissionais que vivem em torno do basquete: dirigentes, técnicos, jogadores, comissão técnica, jornalistas, torcedores etc. Conversando com essas pessoas, como num brain storm, surgiram várias ideias. Às vezes, a solução não vem do dirigente, mas de um simples batepapo com o roupeiro ou um torcedor.

Voltei da excursão com uma pesquisa informal sobre o basquete brasileiro. A CBB, é claro, não tinha recursos para encomendar pesquisas de marketing, quantitativas ou qualitativas, com o consumidor/torcedor. Uma

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deficiência que ficou clara na conversa com os jornalistas, por exemplo, era a ausência de um sistema de estatísticas. Simplesmente não havia informações detalhadas dos jogos de clubes e da seleção, o que impedia uma análise mais profunda da partida, como acontece na NBA, a liga de basquete profissional americana. Era um produto caro, nem o vôlei tinha um serviço de estatística profissional. Mas eu me convenci de que era preciso buscar um patrocinador para viabilizar essa facilidade.

Minha primeira ideia foi recorrer à IBM, onde eu havia trabalhado. Mas seria muito caro para a realidade da CBB. Então consegui um acordo com uma de suas rivais, a Unisys. A empresa topou fornecer os computadores e a equipe de estatísticas em troca de espaço publicitário em todos os eventos da confederação. Não havia dinheiro envolvido, apenas troca de serviços. Tanto que a minha comissão foram dois computadores. Tempos depois, conseguimos um contrato com a Molten, que fornece as bolas do Mundial de basquete. Eles nos deram duas mil unidades em troca de uma placa de publicidade estática nos ginásios e do próprio merchandising da bola.

Obviamente que isso era ainda muito pouco. Na verdade, precisávamos criar uma revolução no basquete, uma reviravolta no modo como ele vinha sendo conduzido. Daí surgiu o nome do projeto e do conceito de marketing, a Volta Olímpica do Basquete. Era uma referência ao tipo de comemoração depois de um título. O nosso título seria a recuperação do basquete. Para isso, precisávamos do Oscar, que estava jogando na Europa. Precisávamos também da Paula e da Hortência. Maiores ídolos deste esporte no Brasil, os três abraçaram o projeto. São os ídolos que levam o torcedor ao ginásio. Na apresentação do projeto às empresas, eu já tinha botado logo a imagem da Hortência e do Oscar na capa. Era um senhor cartão de visitas.

Nesse projeto, o ano do basquete brasileiro já aparecia dividido em três. No primeiro quadrimestre seria disputado o Campeonato Nacional. O segundo

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seria reservado às atividades da seleção brasileira e o terceiro, às copas regionais. Era fundamental um calendário organizado com antecipação. Esse seria o produto que levaríamos aos eventuais patrocinadores e às emissoras de TV.

Desde o início, eu deixei claro ao Renato Brito Cunha que não havia mais possibilidades de se organizar um campeonato com 21 clubes. Como acontecia com o Campeonato Brasileiro de futebol antes da Copa União, eles não reuniam qualidade suficiente para atrair o público e a TV. O corte no número de participantes seria uma decisão politicamente desgastante para a CBB, mas era imprescindível para garantir a qualidade técnica e comercial dos jogos. Expliquei a ele que o novo foco da confederação seria o torcedor. Ele é o consumidor do basquete. Era uma mudança cultural e tanto no basquete, mas o Renato entendeu. Arquivo pessoal

Oscar e Areias com seus filhos, Gustavo e Paula.

O calendário deveria ser rigorosamente respeitado. Não havia mais espaços para mudanças de datas, W.O.s, viradas de mesa. Para atender à televisão você tem que garantir credibilidade. E a televisão é quem amplificaria o nos-

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so público. Quando eu comecei a visitar as emissoras, percebi que o basquete sofria com um descrédito na sua capacidade de organização. Foi esse o argumento da TV Bandeirantes para dizer não ao nosso projeto, por exemplo.

Por sorte, aquele era um momento de consolidação das TVs por assinatura no Brasil. Entre as esportivas, aumentava a concorrência entre a ESPN Brasil, do grupo TVA, e o SporTV, da Globosat. Sabíamos que as duas emissoras precisavam de bons produtos. Certo dia, saiu publicado num jornal que a ESPN Brasil tinha interesse em comprar o Nacional de basquete, com transmissão dos playoffs inclusive para a ESPN Internacional. Era um salto e tanto. No ano anterior, a final foi transmitida em videotape. Agora, chegaria até outros países. A Globosat, então, viu que poderia perder um mercado de muito potencial e entrou firme na briga.

Nossa proposta tinha dois diferenciais importantes. Em primeiro lugar, oferecíamos um calendário definido, uma grade de programação do primeiro ao último jogo, algo até então inédito no basquete. Depois, apresentamos também um projeto de mídia integrada, aquele sistema de marketing que une a publicidade de vídeo e de arena, como expliquei anteriormente. Ou seja, a emissora poderia dizer aos seus anunciantes que eles também teriam suas marcas expostas nas placas de publicidade estáticas do ginásio. Não havia mais espaço para ambush marketing, o marketing de emboscada.

Por tudo disso, vendemos para a Globosat as transmissões do Campeonato Nacional por US$ 2 milhões anuais, em quatro anos de contrato. Era um valor compatível com as negociações do futebol e bem acima do que era pago ao vôlei na época, algo em torno de US$ 300 mil. Era algo fantástico para o primeiro contrato. Naquele momento, lembrei uma frase ótima do Ary Vidal que, de certa forma, estava sendo contrariada: “Fazer marketing com vôlei é fácil, Bernard, Montanaro, Renan. Só nome bonito, com caras de dois metros de altura bem distribuídos. Agora vai fazer com Pai Nego, Pipoca, cada nome

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pior que o outro no basquete. E tudo mal distribuído”. Pois a Globosat vendeu três boas cotas de publicidade: Unisys, Reebok e Molten.

Em 1996, o basquete foi o segundo esporte de maior audiência do SporTV, ultrapassando o vôlei. A média de torcedores nos 172 jogos do campeonato foi de cerca de duas mil pessoas. Todos os times eram estimulados a fazer promoções para encher seus ginásios. Lembro que os mais criativos foram o Franca e o Joinville. A Panini, velha conhecida da Copa União e da Copa de 1994, também se interessou em fazer o álbum de figurinhas do campeonato, que foi bem sucedido. No fim do campeonato, a Sportlink organizou o primeiro All Star Game, uma versão brasileira para o jogo de estrelas da NBA. Até a TV Globo transmitiu essa partida.

Todo esse incremento no basquete nacional, no entanto, não serviria de muita coisa se o Brasil ficasse fora das Olimpíadas de Atlanta. Só assim a chamada Volta Olímpica poderia ser completada. O início do Pré-Olímpico foi preocupante para a seleção brasileira, que chegou a ficar muito perto da eliminação. Preocupado, chamei o Renato num canto e perguntei a ele quanto ele pretendia pagar de prêmio pela classificação para as Olimpíadas: “A princípio, mil dólares para cada jogador”, ele me disse. Então eu respondi na hora: “Renato, você vai pagar dez mil dólares para cada um. É hora de arriscar porque se o Brasil não for para a Olimpíada todo o nosso projeto de salvar o basquete brasileiro vai sofrer um golpe muito duro”.

O doping financeiro não é uma prática nova no esporte, mas ainda hoje é visto com preconceito, como se fosse coisa de mercenário. Não é isso. Ninguém decide jogar menos porque recebe menos, mas no fundo é uma motivação a mais. Quase sempre ajuda. O presidente hesitou um pouco, mas eu insisti: “Renato, vamos encarar isso de forma profissional. Não é mais esporte amador”. No fim, ele aceitou.

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Mas antes de anunciar a premiação, nós conversamos com o Ary Vidal e com o Oscar, o líder do grupo. Ambos disseram que estavam ali pela camisa do Brasil e não pelo dinheiro. Foi difícil convencê-los da importância da motivação extra, especialmente o Oscar: “Pode ser que para um não seja importante, mas para outro pode ser. Nós, profissionais, queremos reconhecimento e o dinheiro é uma forma de expressar isso”, eu ponderei. O Oscar disse, então, que chamaria o grupo para se juntar a nós. Lembro que quando o Renato disse que pagaria US$ 10 mil pela vaga nos Jogos de Atlanta, o Amaury falou: “Tudo bem, presidente, vai dar uns US$ 500 para cada um, acho que é justo.” Quando eles ficaram sabendo que era US$ 10 mil para cada um, quase tiveram um infarto. O basquete nunca tinha trabalhado com esses valores mas agora, graças aos novos patrocinadores, o dinheiro começava a aparecer. E o Brasil se classificou para as Olimpíadas.

A vaga nos Jogos também era fundamental para a definição do novo fornecedor de material esportivo da seleção. A equipe já estava vestindo uniformes da Reebok num acordo provisório fechado com a empresa americana, que eu já conhecia bem desde a negociação com o Fluminense. Se o Brasil se classificasse, a Reebok teria prioridade na renovação por mais quatro anos. E assim foi feito, por US$ 1 milhão. Da mesma forma, trabalhamos na renovação de contrato com a Caixa Econômica Federal. Seria o nosso principal patrocinador. Quando começamos a negociar, eles entenderam que era importante concentrar investimentos num esporte só, como o Banco do Brasil fazia com o vôlei. Até então, a Caixa diversificava muito a verba e não encontrava seu foco. Nós, então, renovamos com a estatal por US$ 3 milhões.

Em resumo, nós pegamos a CBB com um faturamento de US$ 600 mil, que era a verba da Caixa Econômica Federal. Em menos de nove meses, conseguimos mais cinco contratos (Unisys, Molten, Reebok, Panini e Globosat). A receita pulou para US$ 6 milhões.

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Era um trabalho valiosíssimo não só nosso, mas também da CBB, que esteve aberta às mudanças e se empenhou em, de fato, recuperar o basquete. Só que em 1997 havia eleições marcadas para eleger o novo presidente da entidade. O Renato se candidatou à reeleição contra o Gerasime Bozikis, conhecido como Grego, então presidente da Federação Carioca de Basquete. Os dois não se davam bem e foi uma disputa acirradíssima. Tanto que foi parar na Justiça, depois que o Renato perdeu por apenas um voto de diferença. Segundo Renato, o voto não era válido porque a federação não estava em dia com suas obrigações com a CBB e não podia votar. No empate, ele assumiria por ser o mais velho. A redução do número de vagas no Nacional, em favor do aumento da qualidade, teve, sem dúvida, um peso político contra ele. E o Grego acabou assumindo.

Começou, então, um processo bem similar ao que ocorrera um ano antes no episódio entre o Fluminense e a Hyundai, novamente fomentado pelo modelo amador de gestão do nosso esporte. A nova diretoria decidiu fazer uma reformulação em praticamente todos os departamentos, inclusive nos que estavam funcionando bem, como o marketing. Grego queria rever todos os contratos de patrocínio. O primeiro a ser rompido foi com a Reebok, que ainda tinha mais três anos pela frente. Outra medida foi demitir o técnico Ary Vidal.

Com a Sportlink não seria possível uma mudança tão rápida. Tínhamos à frente o Mundial Feminino Juvenil, que seria disputado em Natal, no Rio Grande do Norte. Aquela tinha sido uma das conquistas da gestão do Renato. Nossa empresa esteve sempre à frente da organização, cumprimos todo o caderno de encargos para sediar o torneio e não dava para abrir mão do nosso know-how. Pelo menos não naquela hora. Depois do campeonato, nós já sabíamos que haveria uma reunião definitiva com o Grego.

Quando começou o Mundial, a CBB já tinha suspendido o pagamento da Sportlink. Mesmo assim, trabalhamos normalmente. E como trabalha155


mos. Com a ajuda da Caixa, levamos os folclóricos Dartagnan e Bola Sete, que sabem animar uma torcida como poucos. Além disso, tivemos a ideia de convidar as escolas públicas de Natal para levar seus alunos aos jogos. A combinação transformou os jogos do Mundial numa festa, mesmo quando a seleção brasileira não estava em quadra. Conseguimos a maior média de público de todos os tempos na categoria. Foi um sucesso tão grande que o presidente da Federação Internacional de Basquete na época, o americano George Killian, afirmou no dia da final que nunca tinha visto um público tão alegre e participativo num campeonato de basquete, nem no Mundial masculino adulto. E, por causa disso, fez uma homenagem especial ao Dartagnan e o Bola Sete. Os Estados Unidos ficaram com a medalha de ouro e o Brasil terminou na quarta colocação.

Depois do Mundial, até o Grego reconheceu o nosso trabalho. E disse que, por isso, manteria a Sportlink, mas sob a condição de reduzirmos a nossa comissão de 20% para 10% sobre os contratos. Além disso, não teríamos mais exclusividade com a CBB, ou seja, ela poderia contratar outras agências de marketing: “Mas fique tranquilo, vocês não vão perder nada. Sou um homem de marketing, conseguiremos novos contratos”, ele disse. O Grego era dono de uma empresa de prestação de serviços de ar condicionado.

“Então, como homem de marketing, você deve saber que é fundamental ter uma só agência. Como é que eu e outra empresa vamos à Coca-Cola, por exemplo, pedir a mesma coisa? Como você vai separar isso?”. Não obtive resposta. Eu tinha montado uma equipe exclusiva para a CBB, profissionais especializados no mercado de basquete. Grego estava abrindo mão dessa experiência.

Não me restou outra coisa a fazer senão ir à Justiça. Rompemos o contrato unilateralmente. A decepção foi enorme porque já estávamos obtendo retorno do técnico e financeiro. Tive de despedir funcionários e ainda sofri um AVC. Decidi até passar um tempo na Espanha, acompanhando de perto

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o Sávio no Real Madrid. Foi uma fase muito difícil. Todo um planejamento sério foi desmanchado por um dirigente voluntário sem qualquer compromisso com resultados. Nos tribunais, pelo menos, fez-se justiça. Foram quase 30 processos, envolvendo desde falta de pagamento até quebra de contrato com patrocinadores. Eles contrataram o escritório dos Zveiter, um dos mais conhecidos do Rio de Janeiro, e nós contamos com a competência do doutor José Geraldo Costa. E ganhamos todas as ações, em todas as instâncias. Aos poucos, a entidade foi acumulando outras derrotas, a começar pelos patrocínios. Depois de romper com a Reebok, voltou para Penalty. Perdeu a Caixa Econômica, que hoje investe pesadíssimo no atletismo. Perdeu a Panini, que parou de produzir os álbuns. O contrato com o SporTV foi renovado, mas em bases bem inferiores a que obtivemos. Também houve reflexo nas quaAri Gomes

A presença dos alunos das escolas públicas de Natal e de tipos folclóricos como Dartagnan e Bola Sete, transformaram os jogos do Campeonato de Basquete Mundial Juvenil Feminino, em julho de 1997, numa festa.

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dras. Desde então, por exemplo, a seleção brasileira masculina de basquete não conseguiu mais se classificar para as Olimpíadas. Em resumo, o amadorismo do esporte brasileiro falou mais alto outra vez. A frustração com a CBB não impediu que a Sportlink mergulhasse de cabeça novamente no mundo do basquete. Apesar de tudo, eu percebera o potencial desse esporte fantástico que, quando bem planejado, dá retorno técnico, financeiro e de público. Por isso, não hesitei em aceitar o convite de trabalhar com a Universidade Salgado de Oliveira, a Universo, dois anos depois.

O empresário Wellington Salgado de Oliveira, pró-reitor da Universo, sempre foi apaixonado pelo basquete. Foi jogador quando jovem e, à frente de uma das universidades mais bem sucedidas do país, decidiu investir no esporte. Formou o primeiro time profissional para disputar o Campeonato Nacional na Unit, uma faculdade que comprou em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Mais tarde montaria outras equipes em cidades como Campos, Goiânia, Brasília e Recife. Apesar do entusiasmo,

Wellington estava ar-

cando sozinho com o todo o investimento. Além disso, estava encontrando resistências na prefeitura de Uberlândia e dentro da própria universidade. Os estudantes acreditavam que o dinheiro gasto com o basquete poderia ser investido na faculdade. Não entendiam o poder do esporte como uma ferramenta de marketing capaz de trazer benefícios inclusive para eles mesmos. Nos Estados Unidos, é assim, mas o Brasil não tem essa cultura. Em Uberlândia, passou a ter.

Fizemos um contrato de consultoria de um mês com a Unit. Fui para Uberlândia com o objetivo de, assim como fiz com a seleção brasileira, imergir nessa nova realidade. Precisava aprender como funcionava a cabeça de todos os personagens daquela história. Passei três dias em entrevistas com funcionários da prefeitura, diretores da universidade, alunos e patrocinadores em potencial. Havia um claro problema de desunião, estava todo mundo com uma visão muito limitada aos seus interesses. Com

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o problema identificado, desenvolvemos o conceito “Unidos pelo basquete de Uberlândia”. O slogan estava presente em todo o material que distribuímos, inclusive em outdoors.

Desde o início, tive a preocupação de não cometer o mesmo erro de outras equipes de basquete que mudavam de nome praticamente todo ano. Elas ficavam à mercê do patrocinador da vez. Essa deficiência permitiu situações esdrúxulas como a do Rio Claro (SP), por exemplo. Nos anos 90, foi bicampeão brasileiro, bicampeão sul-americano e chegou a derrotar o Real Madrid, campeão europeu, num torneio em Paris. Em suma, era uma máquina de jogar basquete, inferior apenas aos times da NBA. Mas pouca gente hoje se lembra disso porque em um ano ele se chamava Polt Vaporeto, no outro Blue Life e assim por diante. A equipe de Uberlândia teria, portanto, uma identidade definida. Seria o Unit Uberlândia.

Os estudantes de comunicação da Universidade de Uberlândia fizeram o álbum de figurinhas, que foi um sucesso.

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Na universidade, tivemos que fazer uma reunião com alunos, funcionários e professores para mostrar a eles que o time de basquete seria um parceiro. Poderia ser usado como laboratório para vários cursos. A turma de publicidade, por exemplo, nos ajudou a desenvolver a campanha que promovia o esporte na cidade. Os estudantes de design fizeram o álbum de figurinhas, que foi um sucesso. Os futuros fisioterapeutas aprenderam com os profissionais da equipe, os alunos de jornalismo produziram reportagens e assim sucessivamente. Incluídos no projeto, eles não só começaram a pagar para assistir aos jogos do time, como também ajudaram a criar uniformes, fizeram torcidas organizadas etc. Por fim, durante o mês em que estive lá, ajudamos a formar uma profissional, a Maria das Graças, que, mais tarde, assumiu o meu lugar na coordenação do projeto. Foi uma formação tão bem sucedida que, anos depois, ela foi trabalhar no Minas Tênis Clube.

Por outro lado, vencemos a resistência da prefeitura ao provar como é importante ter uma equipe esportiva associada ao nome da cidade. Foi como fizemos, anos mais tarde, com Volta Redonda na negociação de cessão do Estádio da Cidadania para o Flamengo. Uberlândia seria lembrada nacionalmente sempre que uma emissora de TV falasse do Campeonato Nacional de Basquete. Lembramos ainda que o time poderia atuar em ações sociais da prefeitura, fazer palestras, clínicas etc. O esporte, como todo mundo sabe, tira crianças da rua, afasta jovens das drogas, em resumo, é um poderoso instrumento de inclusão social. O basquete estaria a serviço da cidade, e não para sugar seus recursos. Era uma questão de mudança de ângulo. A prefeitura teria apenas que ajudar na reforma do ginásio.

Ao mesmo tempo, empresas interessadas em patrocinar o Unit Uberlândia comprariam uma cota e fariam parte do Clube dos 30, uma referência ao número de cotas disponíveis, divididas em séries ouro (R$ 5 mil mensais), prata (R$ 3 mil) e bronze (R$ 1 mil). Tivemos 24 cotistas, desde grandes empresas, como a Coca-Cola e a Souza Cruz, até comerciantes locais. Lembro

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que um dia bateu na porta do meu escritório, lá na universidade, um senhor que era motorista de táxi. Era da Cooperativa 1010. Além de colaborar com o time, ele fazia questão de distribuir adesivos do Clube dos 30 entre todos os motoristas cooperativados. Era um sujeito simples que entendeu perfeitamente o conceito do nosso projeto. Era como se pensasse: “...os meus passageiros saberão que estamos integrados na mesma comunidade e nós, taxistas, sabemos como é importante a promoção do nome de Uberlândia”. Foi uma excelente ideia dele. Cada motorista não pagou mais de R$ 30 por mês. Se todo esse trabalho não resultasse também numa evolução técnica da equipe de basquete tudo teria sido inútil. Mas o Unit Uberlândia, que ficara em nono lugar no Nacional de 1999, pulou para a terceira posição no ano seguinte. Dali em diante, até 2005, nunca mais deixou de figurar entre os cinco melhores times do país. Seu ápice aconteceu em 2004, quando conquistou o título mais importante do país numa decisão contra o Flamengo.

Por ter sido um desenvolvimento de marketing regional, embora com repercussão nacional, o Unit Uberlândia tem um lugar especial na minha vida profissional. Foi responsável por tantas alegrias quanto o trabalho com a CBB e, de quebra, não me decepcionou no fim. Acima de tudo, no entanto, as duas experiências me provaram de que a Sportlink seria capaz de vender qualquer esporte – e não apenas o nosso carro-chefe, o futebol. Era só manter a criatividade e o profissionalismo que a vocação brasileira para o esporte se encarregaria do resto.

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Ary Vidal ex-técnico da Seleção Brasileira Masculina de Basquete

Em 1995, nosso foco, à frente da Seleção Brasileira de Basquete, eram os Jogos Olímpicos do ano seguinte, em Atlanta (EUA). Além de minha natural preocupação com o trabalho junto aos jogadores em quadra, alertei ao presidente da CBB, Renato Brito Cunha, que a entidade precisava de um homem de marketing a fim de levantar recursos para os Jogos. O primeiro nome que me veio à mente foi o de João Henrique Areias, a quem eu já conhecia pela competência e profissionalismo. O trabalho que ele desenvolveu, então, na CBB, inclusive no relacionamento com os jogadores foi um grande sucesso. Graças às boas ideias que compartilhamos, dentro e fora de quadra, conseguimos a tão sonhada vaga nos Jogos Olímpicos. Tempos depois, também sugeri o nome de João Henrique quando fui contratado, como técnico, pela Unit Uberlândia. Foi novamente uma boa sugestão e outro enorme sucesso. O João inventou mil promoções esportivas e a cidade mineira literalmente “comprou” o basquete como esporte predileto. Os jogos lotavam as arquibancadas e, muitas vezes, ficava gente do lado de fora do ginásio. Hoje, em Uberlândia, o basquete já não atrai tantos torcedores como antes mas, em comparação com outras cidades, o público ainda é considerável.

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Renato Brito Cunha ex-presidente da Confederação Brasileira de Basquete

Quando assumi a CBB, em 1989, a entidade sequer tinha um departamento de marketing. Eu era obrigado a buscar patrocinadores para bancar os campeonatos dos clubes e das seleções, atividade que não está prevista nas atribuições da presidência. Nesse período, chegamos a fechar contratos com o Banco do Brasil, Topper e Telebras, que garantiram a participação brasileira em torneios mundiais. Em meu segundo mandato, percebi a necessidade de contratar profissionais de marketing. Chamei João Henrique e, durante uma ano, ele praticamente fez um estágio na confederação, desenvolvendo um trabalho profissional e eficiente. Em função de seu desempenho, fechamos com a Sportlink um contrato de quatro anos, durante os quais João conseguiu patrocinadores excelentes como a Globosat e a Reebok, entre outros. Em pouco tempo, a CBB estava na vanguarda do marketing esportivo brasileiro, atrás apenas da CBF. Depois que saí da presidência, temi pelo futuro da CBB. Minha única esperança era que a presença da Sportlink e dos patrocinadores fosse capaz de manter o ritmo de crescimento do basquete brasileiro. Mas, infelizmente, não foi isso que aconteceu. O contrato com a Sportlink foi rompido, em seguida a CBB perdeu o apoio da Reebok e, no ano seguinte, a Caixa Econômica Federal desistiu de patrocinar o basquete. Como se não bastasse, a confederação também perdeu o contrato com a Molten, que fornecia duas mil bolas de basquete por ano. A quebra do contrato com a Sportlink trouxe sérios prejuízos à CBB e ao basquete brasileiro.

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Entendendo o cliente A tática da vitória com depoimento de Márcio Braga



N a transição do regime militar para o democrático, em meados dos anos 80, empresas multinacionais sofriam muita resistência em áreas de influência da esquerda, como intelectuais e universitários. Nesse período, a IBM precisava tornar-se mais simpática aos olhos dos brasileiros e, para isso, tinha de conquistar os formadores de opinião. Ela não conseguiria isso fazendo comunicação de produto, ou seja, publicando anúncios de computadores. A IBM necessitava vender antes de tudo um novo conceito, reconstruir a sua imagem perante o público, mostrar a ele que, antes de incentivar os consumidores a comprarem computadores, ela os incentivava a serem cidadãos melhores.

À frente da gerência de Eventos e Promoções da IBM, eu e minha equipe chegamos à conclusão de que só conseguiríamos isso investindo em cultura. Foi mais ou menos na mesma época em que mudamos o nome da empresa de “IBM do Brasil” para “IBM Brasil”, acreditando que a ausência da preposição ajudaria a deixá-la mais brasileira. Num curto prazo, nós não venderíamos mais computadores por causa disso mas, aos poucos, com a consolidação desses conceitos, seríamos identificados como uma multinacional brasileira que apóia a cultura nacional.

A IBM entrou no mercado cultural do país ao promover um programa chamado Encontro Marcado. O nome já era uma referência literária brasileira, pois trata-se do título do famoso romance de Fernando Sabino. Conduzido pelo produtor Araken Távora, o projeto consistia basicamente em levar importantes autores brasileiros para dialogar com professores e universitários. Não seria uma palestra, ou um monólogo, mas um bate-papo, uma troca de experiências, um modelo de comunicação que esteve pratica167


mente ausente durante os anos de chumbo da ditadura. Convidamos o Luís Fernando Veríssimo, o Afonso Romano de Sant’Anna, Jorge Amado, Ferreira Gullar, entre outros expoentes da literatura brasileira. Eles falavam de seu processo de criação, suas inspirações, suas obras e se estendiam até sobre a realidade social e política do país, num debate riquíssimo com professores e estudantes. Antes de cada encontro era exibido um vídeo de dez minutos, sobre o escritor em seu habitat, contando sobre sua experiência, seu processo de criação etc. Quando ele entrava no palco, o público já havia se familiarizado com o autor e sua obra. Esses vídeos se transformaram num patrimônio cultural valiosíssimo. Tudo isso organizado e bancado por uma multinacional que vende computadores.

Relato essa experiência bem-sucedida como um exemplo típico de uma comunicação institucional bem desenvolvida. A ela se contrapõe a comunicação de produtos, muito mais comum e que em geral objetiva resultados de venda a curto prazo. Citei o caso de uma empresa em que trabalhei, que fez marketing cultural, mas clubes e entidades esportivas dispõem dos mesmos mecanismos para atingir seus objetivos, sejam eles de curto, médio e longo prazos. Para o estudante ou o profissional que deseja se debruçar sobre o marketing esportivo, vale a mesma lição: assim como um treinador deve conhecer bem sua equipe e o adversário, estudá-los, compreender o campeonato que estão disputando, é preciso que o profissional de marketing entenda o cliente em seu contexto, nunca isoladamente, pois só assim ele poderá atendê-lo bem.

Conhecer o cliente é primordial para que um profissional esteja apto a negociar com grandes empresas, que são geralmente as que se dispõem a investir em esporte. Primeiro deve-se entender que elas são pessoas jurídicas que, como as pessoas físicas, têm anseios, traumas, dificuldades de relacionamento, potencialidades, enfim, pontos fortes e pontos fracos. Em outras palavras, parodiando o filósofo espanhol Ortega y Gasset, uma empresa é ela e as suas circunstâncias. Quais são essas circunstâncias e por que elas

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se originaram é algo que o profissional deve ter na cabeça antes de visitar a empresa e propor um projeto de marketing ou de patrocínio.

Como se faz isso? Superficialmente, você pode observar os anúncios que essa empresa veicula, o tipo de mensagem que ela quer passar, que público tenta atingir, as informações por trás de um simples slogan. Em geral, não é difícil perceber quando ela está se promovendo institucionalmente, ou seja, vendendo a sua imagem como empresa, e quando está promovendo um produto específico. Também vale a pena ler os cadernos de economia dos jornais periódicos e, principalmente, publicações direcionadas ao mercado, como o jornal Meio e Mensagem. Ali a gente encontra uma relação dos maiores anunciantes, quanto eles têm para investir em propaganda, qual é sua agência de publicidade, o que eles querem vender etc. Não adianta chegar com o melhor produto de marketing do mundo se ele estiver fora do foco do cliente. Se me oferecerem um automóvel, por exemplo, por melhor e mais barato que ele seja, eu vou recusar, porque, por uma questão de qualidade de vida, tomei a decisão de andar apenas de táxi ou a pé.

MARKETING ESPORTIVO Agentes fornecedores Entidades de Administração (Fifa, CBF, COB, Federações). Clubes (direitos de TV, espaços publicitários) Atletas (direito de imagem) Estádios/arenas (espaços publicitários, camarotes etc)

mercado Canais

Comunicação (mídia, imprensa)

Torcedor, Sócio (consumidor) Anunciante (agências de publicidade)

Distribuição (TV, rádio, internet, estádio) Comercialização (agências de marketing esportivo, entidades esportivas)

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Apenas essa observação crítica e atenta das mídias é suficiente para perceber que, como aconteceu com a IBM nos anos 80, hoje em dia cresce a necessidade de as companhias associarem suas marcas a algo positivo, de mostrarem sua responsabilidade social com a comunidade que está à sua volta. É nesse sentido que o esporte tem se tornado um parceiro precioso dos empresários. Já está mais do que provado que associar-se a atletas, clubes e eventos esportivos, que é o nosso foco nesse livro, é altamente benéfico para uma empresa.

Um grande banco pode não se interessar, por exemplo, em patrocinar o Flamengo, por achar que sua marca na camisa rubro-negra não fará com que receba mais correntistas e investidores. Mas os bancos, em geral, têm uma imagem negativa junto à população, pois vivem de juros altos, cobram taxas para tudo e têm obtido recordes seguidos de lucros. Por isso, eles podem querer patrocinar o centro de treinamento do Flamengo, pois ali o clube estará formando atletas e cidadãos. Isso certamente ajudará a “limpar” a sua marca.

Deve-se se estar atento também a empresas que ainda não descobriram seu poder de marketing. Elas têm tudo para se vender bem, mas, por não desenvolverem uma boa comunicação com o público, sofrem com a falta de visibilidade. Dou o exemplo da Companhia do Caminho Aéreo do Pão de Açúcar, a CCAPA. É uma empresa que existe há 95 anos, trabalha com o símbolo da beleza do Rio e já transportou 40 milhões de passageiros sem registrar sequer um acidente. Enfim, é eficiente e tem uma boa imagem, mas pouca gente ouviu falar dela. Ela está precisando de um consultor que conheça a sua história e lhe apresente um projeto de marketing.

Com um projeto na cabeça e o cliente certo na mira, o profissional de marketing precisa, então, decidir outra questão: ele deve se dirigir diretamente à empresa ou à agência de publicidade que a representa? Cada caso é um caso, lógico, mas é necessário ter em mente como funcionam as agências. Normalmente,

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elas exercem muita influência sobre o cliente, com quem trabalham algumas vezes há 10, 20 anos. Quando recebem a verba de publicidade, elas fazem o planejamento de comunicação, indicando como a empresa deve aplicá-la. Em geral, as agências concentram os investimentos em mídia direta, ou seja, jornal, TV, rádio, pois estes são meios mais conservadores. É possível planejá-los e veiculá-los com total controle sobre o processo. É um procedimento altamente compreensível, eu faria o mesmo. Mas deve-se estar ciente de que é um tipo de comunicação mais fria, unilateral. Você manda a mensagem e tem mais dificuldades de ouvir o retorno do consumidor. É claro que existem pesquisas que tentam detectar se o produto atingiu o público-alvo, mas é sempre uma resposta um pouco vaga.

Por outro lado, a agência pode apostar num investimento em marketing, direcionando o seu cliente para o patrocínio ou o apoio de alguma entidade e/ou evento. Com isso, os publicitários buscam colar a imagem da empresa a algum atleta, a alguma atitude ou simplesmente a um modo de vida. É óbvio que esse investimento tem um grau de risco maior. Imaginem se a empresa resolve apoiar um show de música e chove torrencialmente no dia marcado. Esperava-se 80 mil pessoas e, no fim, só aparecem 20 mil. Isso, logicamente, é péssimo para os seus objetivos. Ou imaginem que a decisão é patrocinar um clube de futebol e, no ano seguinte, é eleito outro presidente que decide mudar toda a estratégia de marketing e rompe unilateralmente o contrato. Aconteceu comigo, como já relatei anteriormente, sobre o Fluminense e o Hyundai. É mais prejuízo para o patrocinador. Só que se a ação de marketing der certo, o resultado é muito mais significativo que a publicidade pura e simples. É mais eficiente até para mensurar o retorno do investimento. É só uma questão de risco.

Para que esse risco seja menor, convém tornar a ação de marketing a mais diversificada possível, ou seja, aumentar o seu leque de ação. A expressão que se usa hoje para isso é “ativação de patrocínio”, ou seja, potencializálo para que aquela marca exposta não atinja apenas o público visualmente. 171


No caso do show de música, por exemplo, uma medida obrigatória para ativar o patrocínio é dar exclusividade de venda aos patrocinadores. Se a Brahma bancou o evento, nada mais natural do que só se vender cerveja Brahma.

No esporte, isso também se aplica. Vou usar um exemplo real.

Em

2004, a Texaco manifestou interesse em substituir a Petrobras na camisa do Flamengo. Uma ação civil pública do Ministério Público estava impedindo a estatal de repassar recursos para um clube que devia milhões de reais em impostos ao governo federal. Por isso, a diretoria rubro-negra estava disposta a mudar de patrocinador.

Logo de cara, a Texaco tinha uma vantagem em relação à Petrobras: era vermelha e preta, como o Flamengo. Mas ela não estava satisfeita em apenas expor a sua marca na camisa do clube. Para vender mais óleo e gasolina, sabia que precisava promover atividades associadas ao clube, ou seja, ativar o patrocínio. Por exemplo: se fosse jogar fora do Rio, o Flamengo teria que reservar uma quantidade de ingressos para clientes diretos da Texaco, como donos de postos de gasolina. A empresa também teria direito a fazer promoções com a marca do clube nos postos com a sua bandeira, organizar sorteios de ingressos e camisas oficiais, marcar encontros com ídolos do time etc. Tudo isso garantido em contrato. O Flamengo poderia estar mal no campeonato e a promoção não vingar, mas é um risco que vale a pena.

Em várias situações, considerei mais interessante procurar diretamente as agências de propaganda para que elas fizessem publicidade direta com os meus clientes. Foi o que aconteceu quando comecei a representar a seleção da Copa 1994, como contei no capítulo dois. A equipe vivia um momento de imagem desgastada. A classificação para o Mundial havia sido apertada, falava-se muito na Era Dunga, um apelido pejorativo para designar um time mais tático e menos técnico, do jeito que o brasileiro não gosta. Imprensa e torcedores, em geral, duvidavam que aqueles jogadores pudessem quebrar um

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jejum de 24 anos sem títulos mundiais. Eu precisava, então, trabalhar com o que os jogadores representavam como garotos-propaganda. E cada um deles encontrou o seu nicho de atuação, de acordo com as suas características. No fim, fechamos dez contratos, entre coletivos e individuais.

Em outras situações, como no case do Fluminense/Hyundai, procurei a agência, no caso a W/Brasil, e a empresa. Por quê? Porque desconfiava que, nesse caso, a agência não seria minha aliada. Se eu procurasse somente a agência, ela vetaria a ideia de patrocinar um clube de futebol, antes de mais nada porque os US$ 2 milhões que eu propunha para o projeto sairiam diretamente da verba que os coreanos destinaram para a publicidade. Então se a verba da Hyundai para a W/Brasil fosse de US$ 5 milhões, só sobrariam INSTRUMENTOS DE COMUNICAÇÃO E MARKETING PATROCINADORES OFICIAIS

PRODUTOS OFICIAIS

DIREITOS /RETORNO: TV - direitos de transmissão nacional e internacional

FORNECEDOR OFICIAL

Espaços publicitários Inserção de vídeo, uniformes, placas, publicações, material impresso (ingresso, folhetos etc.)

APOIO OFICIAL

Licensing, franchising Produtos com marca e símbolos dos clubes Concessões e permutas Restaurante, estacionamento Eventos e promoções Intervalos dos jogos Imagem dos atletas e equipes Ingressos /Convites Títulos e expressões Produto oficial / fornecedor oficial patrocinador oficial TV(S) OFICIAL(IS)

TORCEDORES

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US$ 3 milhões para a publicidade direta. Mas a questão não é só financeira. Existe também uma preocupação compreensível de investir em clubes de futebol administrados de forma amadora, que sempre estão sujeitos a escândalos, derrotas, corrupção, brigas, enfim, desgaste de imagem. Agências de propaganda têm horror a isso.

Para não passar por cima de ninguém, eu fui até a W/Brasil e expliquei que estava negociando com o Mr. Hurr, o representante da Hyundai no Brasil, o patrocínio do Fluminense. Expliquei toda a estratégia de marketing e pedi a eles que não dessem um parecer negativo para os coreanos. E o que aconteceu? Como esperava, eles deram um parecer negativo. Como eu disse, não foi maldade da agência, eles apenas estavam pensando no seu faturamento e no risco de se associar a um clube de futebol. Mas cabia a mim conseguir o patrocínio assim mesmo.

Na Hyundai, eu mostrei, com números, que ter a marca da empresa na camisa do Fluminense equivalia a comprar uma cota de futebol da TV Globo, no valor de US$ 20 milhões, dez vezes mais que o contrato de patrocínio com o clube tricolor. Para isso precisava de US$ 2 milhões da sua cota de US$ 5 milhões. Com os outros US$ 3 milhões a empresa coreana ativaria a marca com publicidade direta, via W/Brasil. Dentro de um ano, eu apostava que a Hyundai seria conhecida pelo público brasileiro, que era o seu grande objetivo. Pois em um ano eles saíram do traço na pesquisa do Top of mind, que mede as marcas mais lembradas pelo consumidor, para o quarto lugar entre montadoras de automóveis importados. Perdia só para Toyota, Mercedes-Benz e BMW. Só saíram do Fluminense por causa do show de amadorismo dos dirigentes tricolores, como já contei, o que só serviu para justificar a preocupação da W/Brasil. Mas os coreanos ficaram no futebol e, depois, patrocinaram Botafogo e Bahia.

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Para tomar todas essas decisões, é claro que eu estudei a fundo os propósitos da Hyundai no Brasil. Só faltou aprender coreano. O conhecimento é sempre a melhor arma de um profissional de marketing que deseja apresentar um projeto a uma grande empresa. Em geral, o empresário espera uma proposta padronizada e terá uma agradável surpresa quando chegar às suas mãos uma ação de marketing personalizada, desenvolvida por alguém que estudou a fundo o seu negócio. Daí para frente, com uma competência e profissionalismo, tudo ficará mais fácil.

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Márcio Braga presidente do Flamengo

Até hoje existe gente que não vê com bons olhos a entrada de empresas privadas no futebol. Dizem que é uma forma de mercantilizar o futebol. Para mim, isso um grande equívoco, um pensamento conservador e reacionário. Sempre acreditei na profissionalização do futebol, talvez por isso tenha me dado tão bem com o João Henrique Areias. Em pelo menos três momentos, botamos em prática juntos essas nossas ideias, felizmente todas bem sucedidas. A primeira delas foi na Copa União, em 1987. Cuidei da parte política, convencendo os clubes de que nós todos precisávamos nos libertar da CBF e criar o nosso próprio campeonato. O João, por sua vez, foi atrás dos patrocinadores, aqueles que poderiam financiar o nosso sonho. Tudo correu maravilhosamente bem até a CBF voltar a se intrometer no campeonato. Em primeiro lugar, publicou um novo regulamento já com a Copa União em andamento, tentando obrigar o campeão e o vice a enfrentar os dois primeiros colocados do Módulo Amarelo, com times da Segunda Divisão. Nós nos recusamos a fazê-lo. No ano seguinte, a entidade voltou a inchar o campeonato. Infelizmente, os clubes cederam. Em 1991, o João Henrique nos propôs uma ótima alternativa de receita. Ele já trabalhava com o Pelé na Pelé Sports & Marketing e queria comprar os direitos de transmissão dos jogos do Flamengo na Supercopa dos Campeões da Libertadores. Era um torneio pouco atraente, do ponto de vista de financeiro, mas acabou sendo o mais lucrativo para o clube naquele ano. Por fim, mais recentemente, o João nos ajudou no projeto da Arena Petrobras, na Ilha do Governador. Foi a salvação do Flamengo e do Botafogo num Campeonato Brasileiro em que não tínhamos campo para jogar.

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Um Novo Mo de l o de gestao Profissionalizar para não morrer com depoimento do Junior



I magine o leitor uma empresa centenária, com centenas de funcionários e milhões de consumidores, quase tantos quanto a população da Argentina. Apesar de sua tradição e do enorme potencial, nos últimos 30 anos suas finanças tomaram uma curva descendente que parece interminável. As dívidas hoje somam mais de R$ 200 milhões. A maioria de seus executivos, no entanto, chega para trabalhar no início da noite e volta para suas casas antes das 21 horas. Eles não possuem muita responsabilidade com o negócio, uma vez que estão ali de passagem.

Na verdade, são voluntários não remunerados. Logo serão substituídos por outros e não responderão pelos erros que tiverem cometido em sua administração. Pois essa empresa existe: chama-se Clube de Regatas Flamengo. Modificando-se apenas as cifras, pode ser comparada a quase todos os grandes clubes brasileiros.

O exemplo resume bem o modelo de gestão do esporte nacional, que vai na contramão do mundo. É ele o maior inimigo do desenvolvimento dos nossos esportistas. O leitor deve ter reparado que, algumas ações de marketing expostas nos capítulos anteriores esbarraram num conceito de administração das entidades para as quais foram criadas. Esse conceito está atrelado a um amadorismo muitas vezes fatal para o seu crescimento.

Ficarei feliz se conseguir mostrar que, na grande maioria dos casos, a responsabilidade pela penúria do futebol brasileiro não está em nomes, isto é, na incapacidade ou desonestidade dos dirigentes, embora eles também tenham a sua parcela de culpa. O maior problema está no modelo de gestão não-profissional. Podemos convidar o Prêmio Nobel de Economia que ele não 179


dará jeito nas finanças do Flamengo ou de qualquer clube brasileiro afundado em dívidas com o governo, com seus fornecedores e seus funcionários.

Até os anos 70 e parte dos anos 80, esse modelo era suficiente para movimentar os clubes. Na mesa de negociações, havia de um lado, representando o clube, os dirigentes voluntários e, de outro, o mercado, representado por associados do clube e por torcedores. Não se exigiam grandes conhecimentos do dirigente voluntário. Mas, como dissemos anteriormente, esta mesa foi ganhando novos personagens.

Aos poucos, a partir do fim dos anos 80, apareceram os patrocinadores, a televisão, os homens de marketing, os investidores etc. Todos esses profissionais – eu friso o termo “profissionais” – vieram com conhecimentos técnicos e chegaram para dialogar com dirigentes-médicos, dirigentes-advogados, dirigentes-jornalistas, enfim, dirigentes voluntários. Estes não detinham qualquer experiência nessas questões técnicas e não tinham a quem recorrer. Junto a eles, também só havia amadores que dedicavam parte de seu tempo livre para o clube.

Neste sentido, a história dos investidores que desembarcaram no Brasil no fim dos anos 90 é emblemática. Gigantes como Nations Bank, ISL, Octagon, Hics&Muse, entre outras, chegaram com centenas de milhões de dólares para injetar em clubes amadores que careciam de qualquer capacitação para saber o que fazer com tanto dinheiro.

Mal comparando, é como você chegar com todos os tipos de inovações tecnológicas de plantio e entregá-las a um agricultor que usou a vida toda pá e enxada. Ele não saberá o que fazer com tantos recursos. Até hoje eu me pergunto onde esses executivos estrangeiros estavam com a cabeça? Perceberam a potencialidade do futebol brasileiro mas ignoraram o amadorismo de seus dirigentes.

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Lembro que, na época desse boom de investidores, fui convidado pelo grupo GP Investimentos, que também estava interessado numa parceria deste tipo, a fazer uma radiografia do futebol brasileiro. Deixei claro no estudo que o futebol é um ótimo investimento, mas desde que bem administrado.

Também no mesmo período, dei uma entrevista para o diário Lance! prevendo o fracasso das parcerias, sob os mesmos argumentos. Eu dizia que as empresas deveriam exigir a mudança no modelo de gestão dos clubes ou, então, quebrariam a cara. No dia seguinte, fui bombardeado por todos os lados. Alguns anos depois, ficou constatado que nenhuma, absolutamente nenhuma parceria desse tipo, deu o resultado esperado. Acredito que, para que esse investidor volte a se interessar pelo nosso futebol, ele tenha que encontrar do lado de cá da mesa profissionais como ele, tão comprometidos com o sucesso quanto sua empresa. Não é o que acontece ainda hoje, em pleno século XXI.

Sobre a foto da equipe Fla-Futebol, Campeã Carioca de 2005, de Ari Kaye, uma arte feita com os gigantes da equipe da Sportlink: Joana, Bernardo, George, Flávio e Nadia 181


Atualmente, nenhum grande clube brasileiro funciona com uma estrutura profissional. O São Paulo, sempre citado como exemplo de administração, ainda é gerido por dirigentes voluntários, embora com uma “cultura empresarial”. Em geral, são grandes empresários que procuram se cercar de profissionais de primeiro nível para tocar o clube, sem se deixar influenciar pelas politicagens que, em geral, atrapalham o andamento dos negócios. É um pequeno grupo fechado, que vem se revezando no poder há anos. Mas, ainda assim, trata-se de um modelo frágil, sujeito a chuvas e tempestades, porque o poder maior ainda é amador.

O Flamengo e o Botafogo propuseram recentemente um modelo bem intencionado mas que esbarra em empecilhos legais. É a criação de empresas de futebol que seriam independentes do clube: o Fla-Futebol e a Companhia Botafogo. Elas nasceriam sem as dívidas que emperram a administração dos clubes, herdariam apenas suas receitas, mas até hoje a ideia não saiu do papel por ser inviável legalmente e por ser considerada uma ameaça de calote pelos credores. Além do mais, pecam porque ficam no meio do caminho, ou seja, possuem departamentos profissionais que continuam visceralmente subordinados aos amadores.

Minha experiência no Fla-Futebol é um bom exemplo de como esse hibridismo entre profissional e amador pode ser perigoso. Em 2004, o presidente Márcio Braga sabia que algo precisava mudar na gestão do futebol, mas, no íntimo não confiava na profissionalização integral do departamento. Ele decidiu compor o Fla-Futebol com três profissionais. Eu seria o diretor de comunicação e marketing, o ex-jogador e ídolo Junior seria o diretor-técnico e o José Maria Sobrinho, o diretor administrativo e financeiro. Ao mesmo tempo, no entanto, colocou o Paulo Dantas como vice-presidente de futebol, estatutariamente

N.A. A maioria dos clubes tem eleição a cada três anos para eleger o presidente e o vice-presidente geral responsáveis por gerir o clube no dia-a-dia. O presidente eleito convida amigos e correligionários políticos para assumirem as outras vice-presidências (futebol, esportes olímpicos, social, administração, marketing, finanças etc.). São todos dirigentes voluntários.

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acima do Fla-Futebol. Além do mais, o vice-presidente geral, Artur Rocha, era contra o modelo profissional e, internamente, deixou isso claro desde o início e, imediatamente, começou a torpedear o modelo.

Quando o Márcio me convidou para o cargo, eu percebi que haveria uma convivência entre dois modelos opostos de administração, o que seria evidentemente um problema. Mas o presidente me disse que, em três meses, a estrutura estaria formalizada, garantindo a independência do Fla-Futebol. Passaram-se os três meses, nada aconteceu e eu anunciei minha saída: “Márcio, esse não é o modelo que vai ao encontro do que eu penso. Não vou ficar aqui no clube ganhando um bom salário por amizade a você porque, graças a Deus, não preciso disso”, afirmei. Mas ele me pediu para ficar até o fim de junho, que tudo seria resolvido. Nada aconteceu novamente e eu pedi o meu boné.

É óbvio que essa reestruturação profissional dos clubes passa por vários aspectos, desde os jurídicos até os culturais. Mas eu desenvolvi um modelo que, por questões óbvias, foram pensadas com relação ao Flamengo, mas podem ser aplicadas a qualquer clube brasileiro, de acordo com a realidade do país e a da própria agremiação. Penso que é possível uma revolução silenciosa no clube mais popular do Brasil se, na época da eleição, for montado um grupo de oito, nove rubro-negros reconhecidos e ilibados. Esse grupo escolheria um entre eles para ser lançado candidato à presidência.

Só que desde o início da campanha, ficará claro para o sócio que ele não estará votando num candidato, mas numa mudança de modelo. O escolhido será o último presidente eleito da história do Flamengo porque, no dia seguinte ao pleito, com a aprovação do Conselho Deliberativo, ele vai mudar o estatuto. Passará a ser o presidente de um conselho de Administração, que terá seu número de representantes reduzido de cerca de cem para nove. Esse conselho representará todas as áreas de interesse do clube, futebol, esporte amador, recursos humanos, departamento social, marketing, comunicação etc 183


NOVO MODELO ORGANIZACIONAL

Assembleia Geral

CONSELHO ADMINISTRAÇÃO (Até nove membros)

Conselho Deliberativo Conselho Consultivo Conselho Fiscal

DIRIGENTES VOLUNTÁRIOS ESTRUTURA PROFISSIONAL

CEO Presidente profissional

Diretor Social

Diretor Futebol

Diretor Esportes Olímpicos

Quando assumir suas funções, esse conselho vai recrutar no mercado um profissional que será o diretor-executivo do Flamengo, não necessariamente alguém ligado a esporte. Pode ser, por exemplo, um executivo da área de entretenimento que entenderá o clube como um negócio de entretenimento, que tem estrelas (jogadores) e produtos (sua marca e os jogos). Caberá a ele comercializá-los de forma que essas estrelas sejam as melhores disponíveis e os produtos os mais rentáveis possíveis. Esse diretor buscará no mercado outros três profissionais com experiências em gestão, todos remunerados, destinados às atividades fins, ou seja, àquelas que geram receitas: futebol, esporte olímpico e departamento social. Abaixo deles estariam gerentes, coordenadores e administradores. Dentro dessa estrutura, queria frisar a neces184


sidade de um departamento recursos humanos, inexplicavelmente ausente na maioria dos clubes. A filosofia de Recursos Humanos existente nas empresas é tão importante que vale até para a implantação de um centro de treinamento, de franquias de escolinhas, de núcleo de esportes. Tem que existir um profissional de recrutamento que, subordinado ao diretor do departamento, pode ajudar a definir prioridades na contratação de atletas, comissão técnica etc.

Desta forma, o voluntariado do clube ficará restrito ao Conselho de Administração, como é comum em grandes empresas. Esse grupo se reúne periodicamente para cobrar resultados e sugerir diretrizes para os executivos. Reunidos, conselho e diretores remunerados estabelecerão objetivos de curto, médio e longo prazos, tanto esportivos quanto financeiros. Muitas vezes, um clube prioriza temporariamente determinado objetivo em detrimento de outro. O São Paulo, por exemplo, deixou um pouco de lado a questão técnica quando se concentrou na construção do Morumbi. Isso faz parte, toda empresa passa por situações semelhantes. Se as metas determinadas não forem cumpridas, o conselho tem o direito e o dever de trocar o executivo. DIRIGENTE X MERCADO Evolução da relação Até os anos 70

Anos 80

Anos 90

1a década século XXI

Dirigente Voluntário

Dirigente Voluntário

Dirigente Voluntário

Dirigente Profissional

Torcedor

Torcedor

Torcedor

Torcedor

Sócio

Sócio

Sócio

Sócio

TV

TV

TV

Anunciante (patrocinador)

Anunciante

Anunciante

Agente do jogador

Agente do jogador

Investidor (foi embora)

Investidor (retornará com o novo modelo)

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É claro que outros conselhos, como o Fiscal, continuarão existindo, mas eles devem ficar livres da politicagem que costuma imperar nos clubes brasileiros. Para isso, podem ser contratados, por exemplo, auditores profissionais, comprometidos exclusivamente com o rigor das finanças e dos balanços e não com o jogo de poder interno da agremiação. Todas essas mudanças já serão de conhecimento dos eleitores durante a campanha. Eles sabem que, se votarem nesse candidato, estarão votando por essas mudanças.

Costumo conversar muito sobre tudo isso com três ex-jogadores rubronegros, todos meus ídolos além de amigos pessoais: Zico, Junior e Leonardo. Não é conversa jogada fora, porque os vejo inseridos neste modelo. Às vezes lembro a eles a responsabilidade que têm com o Flamengo. Os três retribuíram muito dentro de campo o que o clube lhes proporcionou, mas acho que falta alguma coisa fora de campo. Sempre digo a eles: ajudem o Flamengo ajudando a mudar o seu modelo de gestão. Não existem personagens melhores que ídolos para que, associados a outros profissionais competentes, se consiga dar uma guinada de 180 graus num gigante de 35 milhões de consumidores.

Os três são capazes de trabalhar como diretores profissionais do clube e, desde o início, deixar claro que, se determinado grupo ganhar a eleição, ele pode assumir um cargo de gestão no futebol. Não precisa ser necessariamente algum deles, mas alguém que, como os três, já tenha exercido alguma função executiva no futebol. O Zico fez isso no Japão, o Leonardo, na Itália e o Junior, no próprio Flamengo. Com os esportes olímpicos, que também podem gerar receita com patrocinadores e escolinhas, vale a mesma coisa. Tenho em mente nomes como o Radamés Lattari e a Patrícia Amorim que, além de conhecerem de esporte, têm experiência administrativa. A terceira atividade do clube que também merece um executivo é o departamento social. Neste caso, eu contrataria o diretor social de um desses clubes badalados da Zona Sul do Rio, como o Piraquê ou o Caiçaras, por exemplo. Os três setores se

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reportariam diretamente ao diretor-executivo. Seriam remunerados e, como os outros, receberiam um bônus por atingirem suas metas.

Essa estrutura evitaria o conflito de modelos que enfrentamos no Fla-Futebol. Bastaria que o executivo profissional tivesse, de fato, autonomia. O Paulo Dantas, por quem tenho o maior apreço, deveria fazer parte do tal Conselho de Administração e não ser um diretor voluntário. Isso resolveria o paradoxo que se formou no clube: o Márcio queria blindar o futebol mas não lhe deu autonomia suficiente para isso. Não conseguimos sequer abrir uma conta bancária exclusiva para o Fla-Futebol. Todo o dinheiro que entrava para o futebol, caía no saco sem fundo que é a conta de um clube deficitário.

Foram várias as consequências desse conflito. Logo no início do ano, o Paulo queria contratar o atacante argentino Cristian Castillo. Ele jamais havia visto o sujeito jogar, mas tinha recebido um DVD com os seus melhores momentos. Anunciou a contratação sem sequer nos consultar. Então o Junior se revoltou e disse que o argentino não viria. Foi um mal-estar danado. Meses depois, o Artur Rocha fez o mesmo, só que com o atacante Dimba. Contratou-o, por 30 meses, dando-lhe um adiantamento salarial de R$ 1,5 milhão. Foi um absurdo não só porque estava além das condições financeiras do Flamengo (o Sobrinho tinha encerrado as negociações com R$ 200 mil de adiantamento), como porque os outros jogadores estavam há três meses com os salários atrasados. Eles se sentiram desrespeitados, com razão, e o FlaFutebol teve muitas dificuldades para contornar a crise. O dirigente amador que faz isso ou está agindo no desespero, com o coração do torcedor, ou tem intenções duvidosas. Ambas as situações são reprováveis.

Por não ter sido firme na mudança para o sistema profissional, a diretoria do Flamengo deixou ainda que se perdessem ideias como a da venda antecipada de carnês. Em 2003, no primeiro ano em que o Campeonato Brasileiro foi disputado em pontos corridos, o clube vendeu apenas 70 carnês com 187


ingressos para todos os jogos. No ano seguinte, o Fla-Futebol fez uma bela campanha publicitária. Chamamos o Ziraldo, que desenhou o logo “Eu amo o Flamengo”. Artistas como Sandra de Sá e João Bosco também convidaram os torcedores a acompanhar os jogos do time. Vendemos três mil carnês, um recorde nacional. Em 2005, embora o presidente fosse o mesmo, tudo se perdeu. Novamente, a politicagem amadora mudou as diretrizes de trabalho como se muda de roupa, não deu continuidade a um projeto bem sucedido por pura vaidade, enfim, não teve nenhum compromisso com a eficiência. Com a gestão profissional que eu proponho, a política ficará limitada ao Conselho de Administração, que não participa do dia-a-dia do clube. A parte executiva e operacional estará blindada.

Outro flagelo do futebol também será frontalmente atingida pelo modelo profissional de gestão: a corrupção. Naquela mesa de negociação que eu já citei, os dirigentes voluntários são os únicos que negociam contratos milionários sem ganhar um centavo. O empresário, por exemplo, vai levar 10% do negócio, o jogador pode ficar milionário. Mas o dirigente voluntário que, depois de trabalhar o dia inteiro em sua empresa, passa a noite acordado decidindo a venda de um craque, faz isso de graça. É, sem dúvida, um campo fértil para corrupção, para aceitar investimentos duvidosos. Se esse dirigente ganhasse, digamos, R$ 20 mil por mês, mais uma premiação baseada em metas, ele seria muito menos tentado a aceitar um valor por fora, como ocorre hoje em dia.

Essas mudanças não significam que o clube estará se transformando em empresa. Ao contrário de muitos profissionais de marketing, sou contra o chamado clube-empresa, pelo menos num curto ou médio prazo. Não pelo conceito em si, mas porque se a mudança for feita de um dia para o outro, na canetada, o clube vai à falência no dia seguinte. Ele não tem uma cultura empresarial, está atolado em dívidas até o pescoço. Sou a favor da transformação gradual e cultural até que um dia a empresa possa se tornar uma realidade.

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Desde a Lei Zico, passando pela Lei Pelé, existe um equívoco sobre a tal obrigatoriedade de se transformar o clube em empresa. Não pode ser uma coisa assim, impositiva, da noite para o dia. Como você vai criar responsabilidades jurídicas para um dirigente voluntário? O mesmo ocorreu quando se começou a falar de Timemania, que também previa a obrigatoriedade da mudança como prerrogativa de participação na loteria. Em todas essas leis, o ideal é que fossem criadas condições para uma mudança gradual que objetivasse a profissionalização dos clubes. Nada mais do que isso, pelo menos nesse momento. Seria algo nos moldes da CBF, que tem dirigentes profissionais e remunerados sem que, para isso, tivesse que virar uma empresa. Hoje, a mesma entidade que há mais de 20 anos se declarou incapaz de organizar a principal competição do país tornou-se um oásis de riqueza no futebol brasileiro. Ela entendeu o que o Clube dos 13 fez naquela época e adotou o modelo para si, enquanto os próprios clubes andaram para trás em diversos aspectos.

Muitas vezes a defesa do clube-empresa é ancorada no exemplo dos grandes clubes europeus, a grande maioria funcionando sob esse modelo. Mas é uma realidade bem diferente da brasileira, como em quase todos os setores da economia. Conheço bem o mercado espanhol. Lá, por exemplo, apenas quatro clubes da Primeira Divisão não viraram empresas: Barcelona, Real Madrid, Athletic Bilbao e Osasuna. Os dois primeiros simplesmente porque não precisam, uma vez que têm suas dívidas controladas e geram os mais variados tipos de receitas no mundo inteiro. Os dois últimos por uma questão nacionalista: ambos pertencem ao País Basco e estão subordinados a uma legislação fiscal independente do resto do país. De qualquer forma, todos eles são geridos num modelo profissional, com executivos remunerados e condicionados a metas.

Curiosamente, o todo-poderoso Real Madrid, considerado o clube do século XX pela Fifa, não era um primor de organização quando o Sávio foi para lá, em 1997. Era meio parecido com o Flamengo, com politicagem para todos 189


os lados. Mas já era um clube rico, é claro. O dinheiro entrava como que por osmose. Quem fez a grande revolução administrativa lá foi o Florentino Perez, que assumiu o clube em 2000 e montou a famosa equipe de galácticos. Esportivamente, os resultados foram até aquém do esperado, mas ele implantou uma gestão altamente profissional, valorizou as ações de marketing e criou um Conselho Gestor, formado por ele e mais quatro pessoas de confiança. Como diretor remunerado de futebol, contratou o Jorge Valdano, um ex-jogador argentino que foi ídolo com a camisa merengue. Hoje, o Real Madrid transforma em ouro tudo o que toca.

Agora vamos falar da reestruturação do futebol brasileiro de um ponto de vista mais amplo. Porque adianta pouco fazer uma reformulação estrutural num clube se todos os outros à sua volta continuam submetidos a um modelo amador de administração. Embora ele tenha ganhos técnicos e financeiros, vai carecer de uma estrutura global condizente para que seu crescimento seja contínuo.

Para gerir um clube, é necessário que se tenha em mente uma pergunta que, por ser óbvia, parece ter uma resposta simples: qual o negócio do futebol? Para respondê-la, é inevitável a comparação com uma empresa. O que uma empresa busca? Aumentar o seu mercado. E qual o mercado do futebol? O torcedor. Então o torcedor é a razão de ser do clube, é a foto dele que deve estar à frente da mesa do presidente para que ele jamais se esqueça disso. Sem o torcedor, não há clube. E como fazer para aumentar esse mercado? A resposta é ídolos e títulos. Às vezes você atinge o objetivo com um ou com outro, mas o ideal é que se tenha os dois, até porque uma coisa está ligada a outra.

Vamos pegar novamente o exemplo do São Paulo, cuja torcida tem crescido a olhos vistos nos últimos anos. Ela está crescendo porque o São Paulo faz um bom marketing? Não, porque o marketing é só um meio. O fim é o futebol. Existem hoje mais torcedores do São Paulo porque, dos anos 90 para cá, este foi o clube brasileiro que mais conquistou títulos importantes (três

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Mundiais Interclubes, três Copas Libertadores, dois Brasileiros) e mais criou uma galeria de ídolos (Raí, Leonardo, Kaká, Rogério Ceni, entre outros). O São Paulo, como todo clube bem-sucedido, está ancorado num tripé fundamental para que esse mercado crescente de consumidores não seja sazonal, mas se realimente continuamente: time, estádio e centro de treinamento. Eu chamo esse tripé, ou triângulo, de Visão Sistêmica do Futebol. VISÃO SISTÊMICA Core Business

TORCIDA

TIME ÍDOLOS

TÍTULOS

ESTÁDIO

CT - Centro de treinamento

Volto à minha experiência no Fla-Futebol. Desde o início, eu insisti muito na necessidade de se concluírem as obras do centro de treinamento 191


de Vargem Grande, um projeto que existe há mais de 20 anos na Gávea. Quando conversava com o Junior e com Sobrinho sobre contratações, eu sempre fazia a brincadeira: “Nós temos que contratar um centroavante chamado CT (Centro de Treinamento)”. Fomos firmes nisso e, no dia 15 de novembro de 2004, o Flamengo inaugurou dois campos do Ninho do Urubu, como foi apelidado o centro. Lembro que, na época, o Kleber Leite chegou a dar uma entrevista em que dizia que não havia necessidade de CT porque o Botafogo havia sido campeão brasileiro anos antes sem CT e sem estádio. Hoje ele já pensa diferente.

Um CT bem administrado forma jogadores, gera renda e prepara melhor os seus atletas. Até empresários, técnicos e clubes pequenos já criaram o seu. O Paulo César Carpegiani tem um no Sul, o Oscar tem um em São Paulo, o Zico fundou o CFZ... Eles alugam o espaço para clubes, formam atletas e são bem remunerados por isso. O Nova Iguaçu, por sua vez, também tornou-se um pólo exportador de talentos porque conseguiu fazer um centro de treinamento na Baixada Fluminense. Os times mais bem-sucedidos do Brasil nos últimos anos têm CT próprio, podem reparar.

Já escrevi em outros capítulos sobre a importância de se ter um estádio próprio. É outra enorme fonte de receitas, sem contar com a parte técnica. É o seu time que conhece bem aquilo ali e a torcida adversária só terá direito a 10% das arquibancadas. Todo o G-14, o grupo dos 14 maiores clubes da Europa, administra um estádio, mesmo que não seja seu. O San Siro é cedido pela prefeitura de Milão ao Milan e ao Internazionale, que o administram como se fosse deles. No jogo do Milan estão lá os patrocinadores do Milan, o mesmo acontece no jogo do Inter. Em cada clube, existe um comitê de gestão que “passa a chave” de um para outro. Flamengo e Botafogo seguiram, a grosso modo, o mesmo conceito na Arena Petrobras, como já contei anteriormente. De volta ao Maracanã, eles ficaram de novo à mercê da Suderj.

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Flavio Espindola

Em 2004, Areias recebe um certificado do Márcio Braga, por seu inestimável trabalho de conscientização sobre a importância do Centro de Treinamento.

É bom lembrar que o Flamengo agora quer construir na Gávea um estádio próprio para 30 mil pessoas. Considero o projeto um equívoco. O clube tem torcida para levantar um estádio para 80, 100 mil pessoas, como têm o Real Madrid e o Barcelona. São 35 milhões de torcedores divididos igualmente pelas quatro classes sociais. Como será nos clássicos com Vasco, Fluminense ou Botafogo ou decisões de campeonato? A diretoria diz que estes jogos serão disputados no Maracanã. Mas como você vai explicar para o seu investidor que ele vai ajudar a construir um estádio que só vai receber partidas contra clubes pequenos ou de outros estados? Ou seja, os melhores shows não serão realizados lá. As contas desse novo estádio não vão fechar.

E a última parte da Visão Sistêmica do Futebol, o time? Bem, esse é o componente mais óbvio, todo clube precisa ter um bom time, mas às vezes os dirigentes não entendem isso muito bem. Dois clubes tradicionais do Brasil, por exemplo, apostaram num modelo de parceria que peca justamente nesse 193


lado do triângulo. No início dos anos 90, antes do boom dos investidores estrangeiros, o Palmeiras se associou à Parmalat, que começava a investir alto no Brasil. Já nos anos 2000, o Fluminense fez um contrato com a Unimed. Os dois casos apresentam vantagens e desvantagens semelhantes. O Palmeiras/ Parmalat montou um belo time de futebol, que conquistou dois títulos brasileiros. O Fluminense/Unimed também trouxe dinheiro e bons jogadores para o clube mas, por essas questões inexplicáveis do futebol, os resultados não são tão expressivos até agora.

A meu ver, no entanto, esse tipo de parceria erra gravemente porque cede a terceiros a atividade-chave do clube. Fluminense e Palmeiras nada mais fizeram que terceirizar seu time de futebol. Foi a Parmalat quem contratou craques como Rivaldo, Edmundo e Edílson. Tanto que, quando ela deixou o clube, já satisfeita com a entrada de sua marca no mercado brasileiro, o Palmeiras se desestruturou completamente. A Unimed faz a mesma coisa. Os principais reforços do Fluminense nos últimos anos (Romário, Edmundo, Roger, Carlos Alberto etc) foram levados pela empresa. Quando a parceria acabar, o que restará para o clube? Considero a Unimed um grande parceiro, mas o negócio dela é medicina e não futebol. Seu objetivo é divulgar a marca, passar uma imagem positiva e não ficar à mercê de resultado no campo, como os clubes. Não é por acaso que, quando o tricolor está em má fase dentro de campo, ouve-se coro contra a Unimed das arquibancadas.

O mesmo vale para centro de treinamento e estádio. O CT é a fábrica do clube, de lá saem seus talentos que, mais tarde, vão virar dividendos. O estádio significa venda de carnês, de lugares e da publicidade estática. Não vale a pena deixar que um terceiro o administre. Terceirização, como ensina qualquer livro de negócios, é para uma atividade acessória, não para a principal. O sucesso da Visão Sistêmica do Futebol passa também pela adoção de um modelo de campeonato que atenda às necessidades de todos os clubes e não apenas de alguns. Eu me refiro à miopia com que, durante

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muitos anos, os dirigentes voluntários enxergaram o Campeonato Brasileiro. O temor de implantar a competição em pontos corridos, com turno e returno, fez com que grandes clubes se afundassem ainda mais em dívidas e numa crise técnica que parecia sem fim. Eles acreditavam – e até hoje alguns acreditam – que só o mata-mata é capaz de levar emoção ao torcedor até o fim, pois os times podem aspirar por mais tempo à possibilidade do título. Aparentemente, o turno e returno é menos atraente porque não tem decisão. Apenas aparentemente.

Desde que eu “vendi” aos clubes o conceito da Copa União, há 20 anos, expliquei a eles a necessidade de se oferecer um produto fechado, com todo o calendário previamente divulgado. Além de facilitar a venda para os patrocinadores, permite ao dirigente o planejamento de sua receita. Com os pontos corridos, ele pode vender carnês com todos os jogos da equipe até o fim do ano. Chova ou faça sol, o torcedor sabe que seu time vai jogar no dia tal, às tantas horas, em tal lugar. É uma receita garantida que lhe permite se reforçar antes de o campeonato começar. Já está mais do que evidente que o sistema eliminatório é apropriado para competições curtas, com uma sede fixa, como a Copa do Mundo. Um campeonato grande como o Brasileiro necessita de turno e returno.

No tal estudo que eu fiz, em 1998, a pedido do grupo GP Investimentos, estudei longamente os dois sistemas. Peguei como referência o Campeonato Brasileiro, que tinha um modelo misto: a primeira fase era disputada em pontos corridos por todos os clubes e, na fase final, para as oito equipes classificadas era utilizado o sistema de eliminação simples (mata-mata). Percebi que o clube que era eliminado na primeira fase ficava até seis semanas sem jogar. Contando com um mês de férias e as duas semanas de prétemporada, são três meses de um ócio fatal para as suas finanças. É óbvio: o clube é como uma empresa que, durante o ano, pára de faturar por três meses. As despesas, no entanto, existem durante os 12 meses. Os patrocina195


dores até continuam pagando mas, como sabem que sua marca deixará de ser exposta esse tempo todo, já negocia previamente para diminuir o valor total do contrato.

Em 2001, voltei a me lembrar do meu estudo quando a CBF lançou, com pompas e circunstâncias, um tal calendário quadrienal. Foi considerado uma revolução no futebol brasileiro, que ao fim de cada ano vivia entre duas perguntas: quando serão os campeonatos e qual será o regulamento do ano seguinte? Certo dia, encontrei o supervisor Paulo Angione e ele me chamou para assistir à apresentação do calendário naquela tarde mesmo, no Hotel Caesar Park, em Ipanema. Seria um evento badaladíssimo, com a presença do João Havelange, do Pelé, entre outros. Cheguei lá mais tarde, sentei nas cadeiras atrás, anonimamente, até que encontrei o Fábio Koff, presidente do Clube dos 13: “Agora ninguém mais pode dizer que somos desorganizados, João. Nem a Europa divulga um calendário com tanto tempo de antecedência”, ele me disse. Não perdi a piada: “Na Europa não precisa nem lançar calendário, né, Fábio? Há cem anos que todo mundo sabe o que vai acontecer...”

Pouco depois, encontrei o presidente do Vitória, Paulo Carneiro. Ele me conseguiu uma cópia do calendário, enquanto o modelo ainda era apresentado para o público, e logo quis saber a minha opinião: “É pior do que o que tinha antes”, eu disse, secamente. Ele se espantou porque havia um consenso, mesmo na imprensa, de que a ideia era um avanço. Mas o calendário, apesar de ter a virtude do planejamento, continuava prevendo campeonatos em mata-mata. Havia clubes que poderiam ficar 18 semanas sem jogar. Se fosse na NBA, onde mesmo os clubes eliminados antes dos playoffs continuam recebendo os direitos de transmissão, tudo bem. Mas não seria assim aqui: perdeu, fica à míngua.

O temor dos dirigentes quanto à queda drástica do número de torcedores nos estádios com o sistema de turno e returno não se confirmou. Em 2002, último campeonato com mata-mata, a média foi de 12.886 de pagantes. À exceção

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de 2004, quando o público médio ficou em 7.556 pessoas, os outros anos variaram pouco, para mais ou para menos: 10.468 (2003), 13.630 (2005) e 12.300 (2006). E acho que, cada vez mais, esse número vai aumentar porque o torcedor vai entendendo que, no sistema de pontos corridos, cada jogo é uma decisão.

Em 2002, fui chamado pelo então secretário-executivo do Ministério do Esporte, José Luiz Portella, para defender o regulamento em pontos corridos durante a elaboração do Estatuto do Torcedor. Na reunião, estavam presentes o Marcelo Campos Pinto (TV Globo), o Fábio Koff (Clube dos 13), o Nabi Abi Chedid (CBF), o Walter Mattos Jr. Jornal (Lance!), o Raí (representante dos jogadores), entre outros. Expliquei a eles que o campeonato de pontos corridos deveria estar dentro do conceito de modernização trazido pelo estatuto, que nada mais é do que a legitimação do torcedor como consumidor, com todos os direitos a que a ele são garantidos por lei. O torcedor tem direito de, entre outras coisas, saber com antecedência quando seu time vai jogar, quando acabará o campeonato etc. Com esses argumentos, eu procurei mostrar que o Brasileiro poderia se estender por mais tempo e o Estadual deveria ter a sua duração reduzida.

O argumento mais convincente que eu levei para a reunião tinha a ver com a relação entre os clubes que menos tinham participado da fase final dos campeonatos e o destino deles num curto/médio prazo. O Bahia era o clube que menos tinha chegado à fase mata-mata na história do Campeonato Brasileiro. Portanto, era o clube que mais tinha ficado inativo nesse tempo todo. Na época da reunião, ele já estava na Segunda Divisão e, tempos depois, cairia para a Terceira. Depois do Bahia, vinha o Fluminense, que também viveu história parecida. Era um efeito bola de neve: o time está ruim, não se classifica, fica CALENDÁRIO IDEAL Sistema

Período

Receita

Eventos

pontos corridos

fim de semana

ordinária

Campeonato Brasileiro

eliminatório

meio de semana

extraordinária

Copa do Brasil, Libertadores etc. 197


sem jogar, não fatura, não tem como se reforçar, se enfraquece ainda mais e é rebaixado. Lembro que, durante a apresentação, citei o caso do Botafogo, que também tinha ficado fora de várias fases finais: “Não me surpreende se o Botafogo for rebaixado em breve”, eu disse. Pois, naquele mesmo ano, o Botafogo caiu para a Segunda Divisão. Não era adivinhação, era análise.

A CBF, pelo menos, entendeu o meu recado. A partir de 2003, a entidade jogou fora o tal calendário quadrienal e adotou o modelo de pontos corridos, como se faz há décadas nos campeonatos nacionais da Europa. De início, os clubes olharam com a mesma desconfiança que demonstraram em 1987, mas aos poucos muitos foram entendendo que só com esse regulamento eles podem se planejar. Ninguém mais vai ficar inativo durante dois, três meses. Além do mais, a emoção está garantida porque, até o fim, existem clubes brigando por uma vaga na Copa Libertadores, na Copa Sul-Americana e, na parte de baixo da tabela, lutando para continuar na Primeira Divisão no ano seguinte. No meio de semana, Copa do Brasil e Libertadores podem gerar receitas extraordinárias. As ordinárias, as que vão fechar as contas do mês, já estão garantidas no turno e returno.

Nesse novo cenário proposto, o papel desempenhado pela CBF também merece reflexões. Em quase todos os lugares do mundo, a federação nacional se ocupa basicamente da sua seleção. Os campeonatos são promovidos e administrados por uma liga de clubes independente. São eles que vão elaborar as tabelas, definir o regulamento, arrumar patrocínios e, é claro, dividir as despesas e as receitas. No Brasil, no entanto, a CBF atua como uma senhora paternalista que arca com as despesas e, por isso, se sente no direito de interferir na vontade dos clubes, os verdadeiros “donos do espetáculo”. Estes, por sua vez, acusam a CBF de levar seus jogadores para a seleção brasileira sem indenizá-los por os terem formado e por continuarem pagando seus salários. Não acredito que a confederação seja culpada disso, mas vejo outros caminhos para ela.

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No meu entender, a solução mais viável para as duas partes passa por uma redefinição do papel da CBF no futebol brasileiro. A seleção brasileira é o seu maior produto, foi ela quem a transformou na entidade milionária que é hoje, a despeito da situação tantas vezes calamitosa dos clubes. Pois, então, a CBF deveria se dedicar quase que exclusivamente a ela. No máximo, a confederação poderia promover a Copa do Brasil, que tem como particularidade a abrangência nacional, uma vez em que há representantes de todos os estados. O Campeonato Brasileiro deveria “pertencer” aos clubes. Por outro lado, como receptora de atletas dos times, a CBF poderia usar o seu prestígio para gerar receitas para os clubes. Se a seleção brasileira for convidada para disputar um amistoso na Ásia, por exemplo, algo cada vez mais comum, a entidade deveria condicionar sua presença ao convite de uma ou duas equipes brasileiras para também disputarem partidas neste país. Além da visibilidade internacional, o time ganharia uma participação na cota. Duvido que as federações estrangeiras não aceitassem.

Acredito que a CBF esteja disposta a abrir mão do Brasileiro se lhe for apresentada uma proposta séria. Digo isso porque, em 2004, quando eu compunha a diretoria do Fla-Futebol, fui até o presidente Ricardo Teixeira e mostrei a ele que, no ano anterior, o clube só havia ficado com R$ 200 mil dos R$ 2,2 milhões de receita gerada nos jogos. A maior fatia foi dividida entre CBF, impostos, Suderj, federação etc. Na mesma hora, o Ricardo Teixeira dispensou a parte da entidade não só para o rubro-negro mas para todos os clubes. Temo apenas que os dirigentes não tenham ainda a capacidade de organizar sozinhos um campeonato, como fizemos na Copa União, em 1987. Eles podem sofrer no início, mas a responsabilidade lhes fará bem. Volto a repetir, no entanto, que o rumo definitivo do futebol brasileiro só será tomado quando ele deixar de ser administrado por voluntários e chegar às mãos de profissionais capacitados. Deixemos a paixão apenas para os torcedores.

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Leovegildo Gama Junior ex-jogador (Flamengo, Seleção Brasileira, Torino, Pescara), técnico, dirigente e comentarista.

Quando joguei na Itália, aprendi a ver o futebol de outra forma. Não só o Torino e o Pescara, como todos os outros, são administrados num modelo profissional. Todos eles possuem um diretor esportivo que faz o intercâmbio entre a diretoria e os jogadores. Alguém responsável pelo planejamento técnico da equipe. Quando encerrei a minha carreira, decidi que esse era um caminho que eu poderia seguir. E foi pensando assim que aceitei o convite do Márcio Braga para integrar a diretoria do Fla-Futebol. Fiquei animado quando vi que tinha ao meu lado o João Henrique Areias. Eu e ele temos o pensamento bem afinado em relação à necessidade de os clubes serem administrados profissionalmente. Até hoje nos reunimos pelo menos uma vez por mês para conversar sobre o futuro do futebol. Somos convictos de que, se continuarem no amadorismo, os clubes brasileiros vão se afundar cada vez mais. A relação com o João Henrique e com nosso outro companheiro do Fla-Futebol, o José Maria Sobrinho, foi muito boa, mas encontramos várias resistências internas. Havia um vice-presidente, o Artur Rocha, que jogava contra o projeto de profissionalismo por puro medo de perder poder. Foi um sujeito que caiu de paraquedas no futebol e ajudou a minar o projeto de profissionalismo do Flamengo. No Fla-Futebol, era o João, por exemplo, quem tinha que negociar os contratos com a Nike e a Petrobras, mas a banda amadora do clube não deixava. No futebol, eles também se metiam em tudo,comprometendo a independência do Fla-Futebol. Perdemos uma grande oportunidade de profissionalizar o Flamengo. Tenho certeza de que o clube hoje seria outro se o Fla-Futebol estivesse ainda na ativa, não necessariamente pelas nossas qualidades pessoais, mas pelo modelo profissional de gestão que ele representava.

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Fla-Olimpico A história do Fla-Basquete, bi-campeão brasileiro com depoimentos de Paulo César Pereira Filho, Alexandre Franklin, Pedro Paulo Drumond, Jefferson, Paulo Chupeta, Arthur Repsold, Carlo Mossi e Sergio Ricardo de Almeida

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Como já ficou claro em outros capítulos deste livro, são nos momentos de crise que surgem as melhores oportunidades de se lançar uma semente de transformação. Foi o que passou pela minha cabeça quando vi estampada em todos os jornais uma entrevista bombástica do presidente do Flamengo, Márcio Braga. Naquela semana de janeiro de 2009, ele havia convocado a imprensa para dar uma notícia tão lamentável quanto previsível. Sem meias palavras, Márcio informou que o Flamengo estava abrindo mão de seus atletas de ginástica olímpica porque não tinha mais condição de pagá-los. Estrelas da modalidade como Diego Hypólito, Danielle Hypólito e Jade Barbosa estavam liberados para procurar outro clube para treinar. Ou então voltariam aos tempos de atletas amadores, sem receber salários. O cofre do departamento de esportes olímpicos estava vazio.

A situação da ginástica olímpica era apenas a ponta visível de um iceberg que estava afundando. Todo o departamento de esportes olímpicos rubro-negro já tinha deixado de ser autossustentável havia muitos anos. A equipe de basquete campeã brasileira, dona dos melhores jogadores do país, estava com quatro meses de salários atrasados. Nas outras modalidades, até a irrisória ajuda de custo dada aos atletas, entre R$ 400 e R$ 600, não estava sendo paga desde julho de 2008. Era uma situação completamente caótica para um clube que se acostumou a ser base de equipes olímpicas e pan-americanas do Brasil. Nos Jogos de Barcelona, em 1992, por exemplo, o Flamengo possuía a maior quantidade de atletas na delegação.

Foi naquela mesma semana de janeiro que recebi um telefonema de Márcio Braga. Ele queria que eu assumisse o departamento de esportes olímpicos no lugar da ex-nadadora Patrícia Amorim. Márcio confiava na minha capacidade de garimpar patrocínios, única possibilidade de sair do buraco. 203


A princípio, parecia um convite ao inferno. Não se desenhava à minha frente um horizonte propício para recuperar um departamento falido. Ao contrário do futebol, os esportes olímpicos têm poucas perspectivas de arrecadar recursos com patrocínio.

Algumas coisas, no entanto, me fizeram pensar além dos obstáculos que apareciam na minha frente. Primeiro, é claro, minha estreita relação com o Flamengo, clube que abriu as portas para o meu trabalho como profissional de marketing. Depois, eu vi surgir uma oportunidade de ouro de desenvolver o modelo de gestão profissional que exponho neste livro e nos meus cursos de marketing esportivo. É claro que me lembrei da minha experiência no Fla-Futebol em 2004, quando o modelo de gestão amador impediu que implementássemos uma administração profissional no departamento. Mas acreditei que, sem a paixão do futebol envolvida, eu encontraria mais autonomia para trabalhar. O Flamengo já abrigou 17 modalidades olímpicas de alto nível e agora só restavam sete (remo, futsal, basquete, vôlei, judô, ginástica artística, natação, pólo aquático e nado sincronizado). Não poderíamos deixá-las morrer também.

Por tudo isso, apesar do espanto de amigos próximos, disse sim ao convite de Márcio Braga. Eu abriria mão provisoriamente de minha convicção no trabalho profissional para assumir um cargo de vice-presidente voluntário. Ali, eu imaginava, poderia plantar a semente do profissionalismo nos esportes olímpicos do Flamengo. Minha única condição era ganhar autonomia total para implantar meu modelo de gestão.

Nosso primeiro passo foi dimensionar o tamanho do buraco dos esportes olímpicos do Flamengo. Posso afirmar que era bem grande. As sete modalidades custavam anualmente cerca de R$ 7 milhões aos cofres do clube. Como nenhuma tinha patrocínio próprio, a única receita fixa vinha das escolinhas, que faturaram R$ 1,2 milhão e gastaram R$ 700 mil no ano anterior. Com o lucro de R$ 500 mil, o rombo era de mais ou menos R$ 6,4 milhões. Quem pagava essa conta? O clube precisava se submeter a costuras políticas para que o departamento social e, principalmente, o futebol arcassem com o prejuízo dos chamados esportes amadores. A diretoria chegou a destinar 10% do valor de contrato com a Petrobras para essas modalidades, mas houve um momento

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em que o dinheiro parou de entrar. E era aí que eu entrava na história. Minha principal missão era criar receitas para as modalidades, num primeiro momento prioritariamente para a ginástica e para o basquete.

Devo confessar que o primeiro obstáculo superado nada teve a ver com conceitos de marketing esportivo. A solução apareceu graças a uma paixão nacional chamada Flamengo. Poucos dias depois que o presidente Márcio Braga expôs publicamente a falência dos esportes olímpicos do Flamengo, recebemos um telefonema salvador da prefeitura de Niterói. Sensibilizado com o drama do clube e dos atletas, o prefeito Jorge Roberto Silveira ofereceu o patrocínio do município para que Jade Barbosa e os irmãos Hypólito continuassem competindo com a camisa rubro-negra.

Seria a solução mais rápida para mais uma modalidade esportiva do clube que sofria com o que eu chamo de custo-Flamengo. Os três ginastas rubro-negros têm salários bem acima da média brasileira. A gaúcha Daiane dos Santos, por exemplo, ganha metade do que um deles recebia. Isso não significa que os atletas são mercenários ou que a diretoria anterior não teve cuidado com o dinheiro do clube na hora de negociar os contratos. A responsabilidade é da estrutura ultrapassada dos clubes brasileiros. Assim como acontece com outros esportes, incluindo o futebol, os atletas que assinam contratos com o Flamengo pedem mais porque sabem que não vão receber em dia. É uma forma de se proteger do calote. Por isso, o custo total da ginástica rubro-negra chegava a R$ 80 mil mensais.

A prefeitura de Niterói manteria todo o departamento de ginástica, mas não seria um patrocínio direto para o clube. O dinheiro seria repassado para um instituto que deveria ser criado pelos ginastas, assim como o município já fazia com o velejador Torben Grael, a triatleta Fernanda Keller, entre outros atletas de alto nível. Seria parte de um projeto de iniciação esportiva de Niterói chamado “Nomes”. O convênio seria assinado entre o instituto e a prefeitura. O Flamengo só entraria para ceder oficialmente a marca, as instalações esportivas e o vínculo com a federação de ginástica. Além disso, o clube se comprometeria a continuar cedendo para o departamento dois apartamentos no bairro do Flamengo, um para a família Hypólito e outro para um treinador. 205


Os ginastas poderiam criar um instituto próprio para cada um ou, então, se unir para montar uma estrutura comum. A segunda opção seria a mais barata para eles, por unificar as despesas. Mas foi aí que começaram os problemas. O pai de Jade, Cesar, e a mãe dos irmãos Hypólito, Geni, não conseguiam se entender de jeito nenhum. E mesmo a possibilidade de abrirem institutos independentes não foi adiante. O Flamengo deu toda a assessoria jurídica para que eles fizessem o convênio com a prefeitura de Niterói, mas, até agora, nada saiu do papel. Juntos, os ginastas estavam deixando de faturar R$ 80 mil todo mês por não terem conseguido se entender entre eles.

Por um lado, eu entendi a dificuldade dos três atletas. Eles estavam se sentindo como me senti no dia em que deixei a IBM para tentar meu primeiro voo solo como consultor esportivo. Eu estava abrindo mão da proteção que um empregador normalmente dá ao funcionário. Agora eles teriam de ir à luta por contra própria. Mesmo não pagando em dia, o Flamengo era o empregador deles. De qualquer forma, foi a única solução encontrada para que dessem continuidade à brilhante carreira de cada um. Só dependia deles.

A ginástica olímpica do Flamengo ainda vivia uma situação que eu resistia a aceitar. Os atletas não recebiam um centavo sequer da Confederação Brasileira de Ginástica, que tem um contrato com a Caixa Econômica Federal. Ora, quando a Daniele, o Diego e a Jade dão retorno ao patrocinador? Quando estão nos Mundiais e nas Olimpíadas, representando a seleção brasileira. Só que, nessas ocasiões, eles não podem usar o uniforme com os patrocinadores que o Flamengo, porventura, venha conseguir. Os clubes formam o atleta, dão moradia, instalações esportivas e não podem exibir seus patrocinadores nas melhores ocasiões. Parece óbvio, então, que a confederação pelo menos contribua com o salário do atleta. Só não é óbvio neste modelo de gestão amador em que vivemos. Cheguei a pedir à presidente da Federação de Ginástica do Rio, Andréa João, para marcar uma reunião na confederação para encontrar um caminho alternativo. Não deu tempo de chegar lá.

Felizmente, deu tempo para resolver outras questões até mais complicadas que a da ginástica. Não existia um desafio maior no departamento de esportes olímpi-

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cos do Flamengo que o basquete. Não só pela gravidade da crise financeira que a equipe passava, mas pela repercussão gigantesca dos problemas. Quando eu assumi o cargo de vice-presidente, o salário dos jogadores estava atrasado havia quatro meses. O time, o melhor do Brasil, estava ameaçando se desfazer e abandonar duas competições importantes: o Sul-Americano e o Campeonato do Novo Basquete Brasil. Não havia patrocínio e a receita com bilheterias era quase nula. Pouco antes, no período de transição entre a gestão da Patrícia Amorim e a minha, participei de uma reunião tensa. Na frente dos jogadores, ela responsabilizou as vice-presidências de finanças e de marketing pela falta de patrocinadores e, consequentemente, de dinheiro.

Não disse nada naquela ocasião porque não tinha assumido a função oficialmente, mas no meu primeiro encontro com os jogadores deixei logo claro a minha posição. Eu seria o responsável por arrumar os patrocinadores. Todos poderiam cobrar de mim. Mas precisava contar com a ajuda deles nos campeonatos. Na hora, me veio a lembrança do pacto que firmei em 1995. Eles tratariam de se doar ao máximo dentro de quadra que eu cuidaria de tudo fora dela. Como naquela vez, recebi uma resposta positiva dos jogadores.

Pouco depois desse encontro, os jogadores do Flamengo tiveram uma grande ideia para chamar atenção da mídia sobre os problemas dos salários atrasados. Em dois jogos disputados no Espírito Santo, eles entraram em quadra com uma camisa onde se lia: RESPEITO. A atitude provocou grande repercussão. Felizmente, não fui pego de surpresa. Numa atitude honesta dos jogadores, o ala-armador Marcelinho Machado, capitão e estrela do time, me ligou avisando da decisão deles e perguntando a minha opinião. Eu disse que era um protesto pacífico e justo, já que realmente a diretoria do Flamengo não estava sendo respeitosa com eles. Os atletas estavam fazendo a parte deles e nós, não. Tanto isso era verdade que, no final daquele mesmo mês, eles se sagrariam campeões sul-americanos sobre o Quimsa, da Argentina, jogando com os salários ainda atrasados.

A esta altura, eu já trabalhava para reestruturar o departamento de esportes olímpicos. Tentei fazer uma transição suave. Mas a Patrícia estava chateada porque o 207


Márcio Braga tirou o cargo dela e não quis ficar. Convidamos ainda para nossa equipe dois assessores próximos dela, um supervisor de escolinhas e outro de esportes olímpicos, mas eles também recusaram.

Fui, então, atrás de pessoas qualificadas para montar de novo o departamento. Para a coordenação esportiva, chamei o Hélio Barbosa, um executivo aposentado da Eletrobrás e ex-presidente do Grajaú Country Clube. Ele tinha as experiências de administração privada e esportiva. Da mesma forma que eu, o Hélio topou doar ao Flamengo 90 dias de seu trabalho. Convidei também dois jovens ex-alunos do meu curso para as coordenações de marketing e tecnologia, respectivamente o Paulo César Pereira e o Alexandre Franklin. Para comunicação, veio o George Milek. Outros ex-alunos meus também foram importantes como voluntários, como a Alia Maas, Rômulo Macedo, João Pedro Habib, Fernando Paz, Tatiana Azevedo, Rodrigo Calvoso, Mauricio Pelegrinetti, Fernanda Belém, a equipe liderada pelo Ronaldo Bouças, os diretores do voleibol, mais a Bárbara Moura. E, na parte financeira, aproveitei o Vitorino Silva, que já era funcionário do clube, além do Sérgio Silva e do Dário. Eu seria o diretor executivo e, como todo mundo da equipe, não seria remunerado.

Ao mesmo tempo, guardei um espaço para uma pessoa muito especial não só para o Flamengo como também para o basquete brasileiro. Eu enxerguei naquele momento uma oportunidade de resgatar o Ary Vidal, ex-técnico do clube e da seleção brasileira, para o ambiente que ele mais gosta: uma quadra de basquete. Alguns anos antes, ele havia sofrido um AVC que o manteve entre hospital e casa. Achava que seria um justo reconhecimento chamá-lo para o cargo de diretor de basquete rubro-negro. Sabia que ele teria uma aceitação enorme de jogadores e comissão técnica. O mais difícil foi convencer sua esposa, a minha amiga Heloísa, de que voltar ao esporte seria importante até para a saúde dele. E foi o que aconteceu. Os cinco meses em que passou lá representaram um sopro de vida para o Ary.

Mas como funcionaria, na prática, essa divisão de tarefas no novo departamento de esportes olímpicos do Flamengo? O coordenador esportivo teria de montar

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um time para produzir ídolos e conquistar títulos. Se dependesse só dele, ele contrataria um dream team. Só que ele tem que se sentar antes com o coordenador financeiro, que vai dizer quanto existe em caixa para pagar os jogadores e a comissão técnica. Normalmente, haverá menos dinheiro do que o necessário para montar o time mas, nesta mesma mesa, estará também o coordenador de marketing. É dele o papel de criar novas fontes de receita para atender ao coordenador esportivo sem quebrar o coordenador financeiro. A Patrícia Amorim, por exemplo, foi uma ótima coordenadora esportiva. Montou o melhor time de basquete da América do Sul, mas faltaram as outras duas pontas para poder pagá-lo. Era essa nossa grande missão.

Para começarmos o trabalho de captação de recursos, precisávamos de uma ferramenta de comunicação que nos possibilitasse conhecer melhor os nossos torcedoresconsumidores de basquete. Optamos, então, por um modelo que conheci num curso de marketing digital. Chama-se plataforma Ning, que consistia numa rede social de interatividade na internet. Com o endereço www.flabasquete.com, o canal de marketing tinha o objetivo de aproximar o basquete do Flamengo, incluindo aí os jogadores, de seu público. Em cinco meses, cadastramos mais de oito mil rubro-negros que gostam de basquete. Através do site, eles conversaram com os atletas, com a comissão técnica, trocaram informações, fotos e opiniões sobre os jogos e compraram produtos licenciados do clube. Tudo isso com um custo praticamente zero para o Flamengo, que finalmente entrava na Era 2.0.

Graças ao Flabasquete.com, podíamos consultar os torcedores sobre algumas decisões que precisávamos tomar. Em certo momento do campeonato, por exemplo, eu tive a ideia de levar os jogos do Flamengo para Macaé, onde certamente a gente teria mais público. Os membros da rede se mostraram contrários à mudança, mas então a gente passou a cobrar mais compromisso deles com a frequência nas partidas. Era, enfim, um espaço aberto, um fórum de discussões entre os fãs do basquete rubro-negro.

Eu fiz questão de criar no site uma seção de prestação de contas. Qualquer pessoa poderia acompanhar todas as receitas e despesas do basquete do Flamengo. Sempre considerei a transparência um componente essencial para o sucesso de um novo modelo de gestão. 209


A nossa rede social na internet foi fundamental para que pudéssemos lançar nosso primeiro grande projeto de arrecadação de recursos do basquete rubro-negro. Colocamos à venda cinco camisetas temáticas do Fla-Basquete, que eram usadas pelos jogadores e pela comissão técnica toda vez que entravam em quadra. A maioria das vendas era feita através de um link no site. No período em que estive lá, arrecadamos quase R$ 400 mil em venda das camisetas. Só nos dois primeiros jogos da final do NBB, a Fla Boutique vendeu R$ 20 mil em camisetas.

Precisávamos também, é claro, de um patrocínio na camisa da equipe, que estava vazia desde a saída da Petrobras. Acertamos, então, um contrato com a Cia. do Terno, uma das maiores redes de roupas sociais do Brasil. O valor do contrato aumentava à medida que o Flamengo passava de fase no Campeonato do NBB. Arrecadamos um total de R$ 450 mil em dois meses, sendo que só o jogo final injetou R$ 42 mil nos cofres do clube.

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Nesta negociação, vivemos uma situação semelhante àquela vivida na Copa União entre Coca-Cola e Grêmio, que não queria usar a cor vermelha da empresa de bebidas. A cor predominante do logotipo da Cia. do Terno é amarela e muita gente reclamou que a camisa do Flamengo tinha ficado parecida com a do Sport Recife. Tivemos que explicar a alguns conselheiros que o clube não poderia se dar ao luxo de ficar escolhendo cor de patrocinador. A um deles, cheguei a propor uma troca, é claro que ironicamente. Ele nos daria R$ 400 mil e eu estamparia o nome dele no uniforme. O contrato com a Cia. do Terno foi excelente, mas ainda precisávamos de mais. Decidi, então, recorrer ao governador do Rio, o vascaíno Sérgio Cabral. Afinal, o Flamengo era o único representante do estado no campeonato do NBB. Como não poderíamos receber dinheiro de empresas estatais, decidi ir atrás das concessionárias de serviços que já foram empresas públicas. Depois de algumas reuniões, conseguimos o apoio da Loterj, presidida pelo Sérgio Ricardo. Foram R$ 80 mil em troca de promoções e espaços publicitários.

Graças a esses recursos, somados à bilheteria dos jogos, conseguimos o que parecia impossível. Em quatro meses, pagamos oito meses da folha salarial, que girava em torno de R$ 215 mil. Faltou apenas quitar alguns prêmios por títulos de anos anteriores, mas tudo seria resolvido, no máximo, até julho. Enquanto trabalhávamos fora da quadra, lá dentro o time continuava fazendo a sua parte no NBB. O sucesso esportivo e os desafios da gestão me obrigaram a ficar mais dois meses além do prazo de 90 dias que eu dei ao presidente Márcio Braga para me dedicar ao clube. Aproveitei o tempo para desenhar um projeto que desse a sonhada autossustentabilidade para o esporte olímpico do Flamengo. Seria o Instituto Fla-Olímpico. Ele seria formado por um conselho com ex-atletas de credibilidade e sem ligações com a política no clube, de preferência até um não-associado. Este instituto faria um convênio com o Flamengo, que autorizaria o uso de sua marca, direitos federativos e instalações esportivas, num modelo semelhante ao que foi oferecido aos ginastas rubro-negros. Entreguei o projeto ao Márcio Braga, que ficou de analisá-lo.

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Com a parte financeira bem encaminhada e o planejamento para o futuro estabelecido, nossas atenções se voltaram para a parte esportiva, que é igualmente importante. Embora nossos objetivos fossem bem diferentes, havia uma prazerosa sintonia entre a equipe que trabalhava nos bastidores e a que entrava em quadra. Como o Flamengo não oferecia uma sala de ginástica ideal, conseguimos uma parceria com a Academia Body Tech, uma das melhores do Rio, para os atletas treinarem. Eles sentiam que estávamos comprometidos com eles. Vitória após vitória, chegamos aos playoffs finais do NBB contra nosso grande rival, o Brasília. Um ano antes, o Flamengo já havia derrotado a equipe do Distrito Federal na decisão do Nacional. Eles queriam a vingança; nós queríamos o bicampeonato brasileiro.

Antes de mais nada, precisávamos resolver uma questão logística. O Flamengo não tinha uma quadra de alto nível para mandar seus jogos decisivos contra o Brasília. Tínhamos feito um contato com a HSBC Arena, na Barra da Tijuca, mas o valor cobrado pelo aluguel era inviável para a realidade do clube: R$ 75 mil por jogo, fora as despesas. O diretor de esportes da TV Globo, Luiz Fernando Lima, ligou para mim preocupado. Com ele, voltamos ao presidente da HSBC Arena, Artur Repsold, com outra proposta. O ginásio seria cedido de graça, mas o Flamengo dividiria os lucros da bilheteria meio a meio. Se desse prejuízo, ele seria arcado pelo HSBC.

Parecia uma proposta desvantajosa para eles, mas aí eu apareci com um argumento que sensibilizou o Artur. A arena foi construída com o dinheiro dos nossos impostos para se transformar num legado esportivo para a cidade. Como o esporte olímpico dificilmente dá retorno financeiro, o lugar estava se transformando apenas numa casa de espetáculos. Lembrei a ele que o Flamengo seria a única instituição esportiva do Rio capaz de tornar o ginásio rentável. Eram argumentos fortes, mas que precisavam ser confirmados na prática.

Depois do acordo com a HSBC Arena, começamos uma campanha forte para chamar o público rubro-negro ao jogo, com faixas, outdoors e inserções publicitárias na TV Globo. Nesta parte, tivemos a ajuda da Squadro Comunicação e da Fla Filmes.

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Graças a este esforço -- e evidentemente ao talento dos nossos atletas em quadra --, a estratégia deu certo. Os três jogos da decisão renderam cerca de R$ 180 mil de lucro. A média de público foi de 12 mil pessoas. No terceiro e último jogo chegamos a 15 mil rubro-negros, mesmo com transmissão ao vivo da TV Globo e do SporTV. Foi o recorde da HSBC Arena, ultrapassando até os jogos do Pan-Americano de 2007 e dos espetáculos de música. Isso porque chegamos a colocar ingressos num setor VIP no valor de R$ 200. Algumas pessoas foram contra, mas eu confiei numa tese que carrego desde os tempos de Copa União: se o espetáculo é bom, o público aparece. Ainda mais num dos bairros mais ricos da cidade, a Barra da Tijuca. Tudo deu tão certo que a HSBC Arena decidiu receber o Flamengo como o time da casa nos próximos campeonatos de basquete.

Nos dois primeiros jogos na arena, cometemos alguns erros de organização. Por falta de experiência nossa, deixamos torcedores invadirem outros setores mais caros e não havia um local bem definido para a imprensa. No terceiro jogo, no entanto, corrigimos a grande maioria dos problemas. Foi neste último jogo que eu viveria a maior alegria destes meses de trabalho e também uma das maiores decepções da minha vida no esporte. Ginásio lotado, imensa maioria rubro-negra, o cenário estava perfeito para um dia apenas de festa. Dentro de quadra, confiávamos na capacidade dos nossos atletas, mesmo diante de uma equipe forte como o Brasília. Na véspera da decisão, eu tinha vivido uma experiência emocionante que me deu ainda mais fé na conquista do bicampeonato. O André Guimarães, que tinha assumido a coordenação esportiva no lugar do Hélio, me pediu para conversar com os atletas. A princípio, não gostei da ideia. Sempre achei que jogador não tem paciência para conversa de dirigente. Na decisão do Sul-Americano, não permiti que nenhum cartola acompanhasse os jogadores nas viagens à Argentina e fomos campeões. Fala você, eu disse ao André. Mas ele insistiu tanto que me convenceu.

Procurei ser o mais breve possível. Agradeci a eles todos os momentos que tivemos e, principalmente, o empenho que eles prometeram — e cumpriram — naquela nossa primeira reunião. Graças a eles, pudemos fazer um trabalho correto do lado de fora da quadra. Quando terminei, recebi um pedido emocionado do técnico 213


Paulo Chupeta e de seu assistente, João Batista. Em nome do grupo, eles pediram que o Ary Vidal estivesse na quadra, ao lado deles, no jogo decisivo. Foi uma ideia sensacional que, graças à compreensão do delegado da partida, Vander Lobosco Nunes, tornou-se possível. Ele entendeu que aquilo seria uma bela homenagem a um dos maiores nomes do basquete brasileiro. No dia da final, depois de ver o Ary bem acomodado ao lado da quadra, subi animado para os camarotes. Queria conversar com alguns patrocinadores, ver se tudo estava dentro do planejado. Passei, então, no camarote do Flamengo e me encontrei com o Márcio Braga. Ele estava ansioso para me contar uma novidade. Já sabia a quem convidar para presidente do Instituto FlaOlímpico, o projeto que apresentei a ele dias antes: Patrícia Amorim. “Márcio, não estou entendendo”, eu disse. “A Patrícia é candidata de oposição declarada contra o seu candidato nas próximas eleições, o Delair Dumbrosck”. A resposta dele resume bem como funciona um modelo de gestão amador. “João, eu estou fazendo política”.

Eu realmente não deveria ter me surpreendido. Antes de descer para ver o jogo, eu ainda o alertei: “Então convida a Patrícia, Márcio. Mas acho que ela não vai aceitar. A Patrícia quer ser presidente do Flamengo e não do instituto”. A incrível experiência que vivi durante a partida foi capaz de me fazer esquecer por alguns minutos a estratégia política do presidente do Flamengo. Costumo dizer que basquete é um esporte que faz mal à saúde tantas são as emoções que ele desperta. Graças a Deus e ao trabalho de todos, deu tudo certo. Com uma vitória de 76 a 68 sobre o Brasília, o Flamengo era o primeiro campeão do Novo Basquete Brasil. Como sempre acreditei que os atletas são os verdadeiros campeões, procurei me manter longe da quadra na hora da premiação. Só me aproximei uma vez para acompanhar a emocionante entrega das medalhas. Ary Vidal foi o escolhido para colocá-las no pescoço dos jogadores. Logo depois, chegou a taça. O Márcio, então, olha para mim, mas vai em direção à Patrícia Amorim e juntos pegam o troféu. É ela quem entrega a taça ao nosso capitão, Marcelinho Machado. Eu achei estranha a atitude do Márcio e logo me veio à cabeça a conversa que tivemos antes do jogo, no camarote. A Patrícia seria convidada para presidir o Instituto Fla-Olímpico. Fazia parte da estratégia dele. Mas ainda não tinha me tocado do cons-

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trangimento que aquela cena representava. Cheguei mesmo a dar uma entrevista para a Rádio Tupi lembrando mais uma vez que foi a Patrícia quem montou aquela bela equipe e que nosso trabalho tinha sido o de pagá-la. Até que alguns membros da minha equipe vieram reclamar comigo, dizendo que o Márcio deveria ter me convidado também para entregar a taça. Ao mesmo tempo, comecei a receber ligações de jornalistas querendo saber o que tinha acontecido, se a Patrícia havia retomado o cargo. Isso porque o locutor do SporTV Roby Porto tinha anunciado ao vivo, para todo o Brasil, que o troféu tinha sido entregue pelo presidente Márcio Braga e pela diretora geral de esportes olímpicos do Flamengo, Patrícia Amorim.

Só então a ficha caiu e comecei a entender a revolta de todos da minha equipe. Nós trabalhamos de graça durante cinco meses e o presidente do clube nos ignorou completamente na hora da premiação. As ligações de jornalistas não paravam. Por isso, decidi não ir com o grupo para o jantar de premiação. O assunto seria a crise causada pela atitude do Márcio e eu não queria estragar a festa do bicampeonato.

Só no dia seguinte, procurado ainda pela imprensa, eu decidi soltar o verbo. Disse que o gesto do presidente do Flamengo tinha sido um desrespeito não só comigo mas com toda uma equipe de profissionais que trabalhou cinco meses de graça para o clube. Tudo isso por causa de seu interesse político nas eleições gerais do clube que se realizariam naquele ano. Não fazia questão de que ele me chamasse para entregar a taça, mas alguém do departamento tinha de estar lá. O Márcio Braga respondeu dizendo que eu estava com ciúmes da Patrícia e que iria resolver o problema porque me contrataria como profissional do instituto que eu mesmo projetei. Aí é que eu fiquei ainda mais irritado. O presidente do Flamengo achava que calaria a minha boca com um cargo. Naquele momento, eu sentia que uma relação profissional e de amizade de 22 anos tinha ficado balançada. Prometi a mim mesmo nunca mais trabalhar com Márcio Braga, o dirigente que me introduziu no mundo do marketing esportivo. Eu aceitei comandar o departamento de esportes olímpicos do Flamengo para mostrar que era possível conduzi-lo baseado em princípios profissionais, mas o presidente deixou claro que o seu

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lado político falava mais alto. O Márcio Braga que já foi um grande estadista à frente do clube tinha decidido fazer uma política menor. Pelo acordo, eu deixaria o cargo oficialmente dia 30 de junho, mas pedi demissão dois dias antes, até para marcar posição.

Alguns dias depois, o Márcio emitiu uma nota oficial elogiando o trabalho do nosso departamento e o meu projeto do Instituto Fla-Olímpico. Mas preferiu dizer que houve uma falha protocolar na entrega da taça e que, por isso, ninguém da minha equipe tinha sido chamado. Ou seja, continuou sem reconhecer o seu erro. Tudo isso reforçou as minhas convicções de que é essencial separar o lado político do lado profissional de uma agremiação esportiva. Fazer política é necessário, mas ela jamais pode interferir no trabalho administrativo. Só num modelo profissional os clubes conseguirão caminhar para frente, a despeito do amadorismo e da politicagem reinantes no esporte brasileiro. Por mais que os dirigentes se esforcem em dar exemplos contrários, continuo acreditando que este dia chegará.

Finalmente não posso deixar de registrar o apoio do presidente em exercício, Delair Dumbrosck, e do diretor que convoquei para me ajudar, o Marcos Braz. O Delair, que substituiu o Márcio Braga, licenciado por problemas de saúde, em todo o período que estive à frente dos esportes olímpicos do Flamengo, apoiou todas as nossas ações, inclusive levar as finais para a HSBC Arena. O Marcos Braz, que depois viria a assumir a vice presidência de futebol do Flamengo, de forma competente, foi outro apoio importante, tendo participação decisiva na solução dos salários atrasados

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Paulo César Pereira Filho coordenador de marketing do departamento de esportes olímpicos

Quando conheci o João , já estava formado há mais de dez anos em Direito. Depois que fiz o curso dele, resolvi mergulhar de cabeça no marketing esportivo. O trabalho no basquete do Flamengo foi uma grande experiência. Não tinha ideia de que como a administração do clube era bagunçada. Tivemos que reestruturar o departamento de esportes olímpicos, às vezes pegando no pesado mesmo e usando nossos próprios equipamentos.

Alexandre Franklin coordenador de tecnologia do departamento de esportes olímpicos

O site flabasquete.com foi um dos pontos altos do nosso trabalho no Flamengo. Tínhamos uma comunicação direta com torcedores e clientes. O mais gratificante foi acompanhar a formação de uma comunidade do basquete rubro-negro, no Brasil e no exterior. Essas pessoas não se contentaram apenas com a interação virtual. Muitos se encontravam nos ginásios e, no fim, formaram uma torcida organizada nas arquibancadas chamada flabasquete.com.

Jefferson ala do Flamengo

Além da nossa capacidade dentro da quadra, o ponto forte do basquete do Flamengo foi a união entre jogadores, comissão técnica e diretoria. Passa-

mos muitas dificuldades, quatro meses de salários atrasados, mas todos estavam comprometidos com o clube. Aos poucos, a organização fora da quadra foi melhorando, ganhamos mais estrutura para trabalhar, os patrocinadores foram chegando e, é claro, os salários atrasados foram sendo quitados. Enfim, nós, jogadores, percebíamos que o basquete rubronegro estava ganhando uma cara mais profissional. Para completar, tivemos aquela festa maravilhosa nos três jogos finais na Arena HSBC, com cerca de 15 mil pessoas na partida decisiva. O Fla-Basquete está de parabéns.

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Pedro Paulo Drumond presidente da Cia. do Terno

Colocar a marca da nossa empresa na camisa do time de basquete do Flamengo foi uma grande oportunidade de marketing. Estávamos associando o nome da empresa à maior marca esportiva do país. Apesar do histórico de desorganização administrativa do clube, pudemos admirar o profissionalismo dos jogadores e a empolgação da diretoria. Só poderia resultar num título inesquecível dentro de quadra. Financeiramente, também foi altamente positivo. Só com as 13 transmissões ao vivo e 17 reprises do SporTV tivemos um retorno de marca pelo menos cinco vezes maior que o nosso investimento. Sem contar os 25 minutos finais da decisão na TV Globo e o espaço obtido em jornais e internet. Foi, portanto, uma parceria “ganha/ganha” que gerou benefícios para o Flamengo e para nossa empresa e que, dentro da sua proposta inicial de curto prazo, cumpriu o seu objetivo.

Paulo Chupeta técnico do Flamengo, bicampeão brasileiro de basquete

Assim que assumiu os esportes olímpicos do Flamengo, o João Henrique Areias veio falar com a comissão técnica e com os atletas. Explicou as dificuldades da diretoria, mas prometeu trabalhar muito para conseguir botar os salários em dia. E ele honrou todos os compromissos que assumiu, mesmo com os problemas que o time tinha com o patrocinador, no caso a Petrobras. Como acreditamos de cara na proposta dele, pudemos nos concentrar exclusivamente na competição. Sabíamos que tinha alguém do lado de fora pensando nos outros problemas. E o resultado, todo mundo já sabe. Fomos bicampeões brasileiros com uma festa jamais vista nos jogos decisivos na Arena HSBC. Todo aquele trabalho dentro de quadra, somado aos esforços da diretoria para quitar os salários e nos dar condições de trabalho, não poderia resultar em outra coisa. No fim de tudo, além de admirá-lo profissionalmente, o João se tornou um grande amigo.

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Arthur Repsold presidente da GL Events Brasil

Desde o início, as nossas conversas com o Fla-Basquete deram certo porque concordávamos num ponto fundamental: era preciso valorizar o espetáculo. O jogo de basquete seria a atração principal de uma série de eventos que atraíssem não só o torcedor comum, mas as famílias. Por isso, os três jogos das finais foram, além de um belíssimo evento esportivo, um show de entretenimento para crianças e adultos, com música, boa comida e diversão. Ao contrário do que muita gente pensa, baixar o preço do ingresso não é a melhor saída para atrair o público. Se as pessoas não apareceram é porque não fomos capazes de organizar um bom espetáculo. E as finais do NBB foram um excelente espetáculo, com rendas e público maiores a cada jogo. Na última partida, os ingressos se esgotaram com 48 horas de antecedência, inclusive os mais caros, de R$ 200. Por tudo isso, estamos acertando com o Flamengo para que a Arena HSBC seja a casa do time de basquete rubronegro também em outras competições, daqui para frente.

Carlo Mossi presidente da Braziline

O projeto Fla-Basquete foi bem sucedido por vários motivos: desde a transparência com que se realizou até a grande preocupação em satisfazer o torcedor (cliente). Tudo isso, é claro, reforçado pela ótima performance da equipe naquele período. Especificamente em relação às camisas, o negócio deu certo em função da seriedade com que foi conduzido. Foram vendidas cerca de 28.000 camisas do Fla-Basquete. Acredito que, no futuro, possamos atingir resultados bem superiores se o planejamento das ações for feito com mais antecedência. Para a Braziline, a experiência de trabalhar com o João foi valiosa, pois confirmamos que quando há vontade, talento e foco nos objetivos sempre conseguimos encontrar caminhos e alternativas para alcançá-los.

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Sérgio Ricardo de Almeida presidente da Loterj

Desde o primeiro contato que tivemos com o pessoal do Fla-Basquete eu percebi que existia ali uma proposta séria de patrocínio. Quando ouvi o João Henrique Areias explicar o projeto, ficaram claros o profissionalismo e a credibilidade de todos. Até então, nunca tínhamos pensado em patrocinar equipes esportivas porque poderia causar algum tipo de rejeição nos torcedores de clubes rivais. Mas o João apareceu com um argumento irrefutável: o Flamengo representava o Rio de Janeiro no Novo Basquete Brasil. E, de fato, a aceitação foi completa e o nosso retorno de mídia, muito bom. Foi o próprio João quem teve a ideia de expor a marca da Loterj no ferro que sustenta a tabela. As fotografias publicadas nos jornais quase sempre mostravam o nosso logotipo. A mesma coisa aconteceu com o prisma de publicidade que ficava ao lado da quadra. Essa experiência com o Fla-Basquete foi tão bem sucedida que decidimos colocar o esporte de vez na nossa pauta de patrocínio. Acabamos patrocinando o futebol do Vasco com a exposição da nossa marca em alguns jogos da Série B do Campeonato Brasileiro. Como me ensinou o João, o Vasco está ali representando o Rio nessa retorno à elite do futebol brasileiro.

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Sites interessantes sobre Esporte e Marketing

Entidades Governamentais Ministério do Esporte Ministério do Esporte - http://portal.esporte.gov.br/ Estatuto do Torcedor - http://www.esporte.gov.br/arquivos/noticias/plc1-l.pdf/

Secretaria de Estado de Esporte RJ - http://www.governo.rj.gov.br/ SP - http://www.sejel.sp.gov.br/

Secretaria Municipal de Esporte RJ - http://www.rio.rj.gov.br/smel/ SP - http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/esportes/

Entidades de Administração do Esporte Federação Internacional de Futebol – Fifa - http://www.fifa.com/ Confederação Sul Americana de Futebol - http://www.conmebol.com/ Confederação Brasileira de Futebol – CBF - http://cbfnews.uol.com.br/ Clube dos 13 - http://clubedostreze.globo.com/ Comitê Olímpico Internacional – COI - http://www.olympic.org/ Comitê Olímpico Brasileiro – COB - http://www.cob.org.br/ Confederação Brasileira de Desportos Universitários - http:// www.cbdu.com.br

Estádios Estádio da Cidadania, em Volta Redonda - www.portalvr.com/estadio Arena Petrobrás - http://www.arenapetrobras.com Arena da Baixada - http://www.atleticoparanaense.com/arena/index.php

Atletas Gilmar - http://www.gilmarsports.com.br/ Junior - http://www.sitedojunior.com.br/ Pelé - http://www.pele.com.br/ Sávio - http://www.saviobortolini.com Zico - http://www.ziconarede.com.br/

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Veículos de comunicação Diário Lance! - http://www.lancenet.com.br Jornal dos Sports - http://jsports.com.br Gazeta Esportiva - http://www.gazetaesportiva.net SporTV - http://sportv.globo.com ESPN - http://espnbrasil.uol.com.br Placar - http://www.placar.com.br Website Cidade do Futebol - http://cidadedofutebol.uol.com.br

Agências de Marketing Esportivo Sportlink Marketing Esportivo - http://www.jhareias.com Golden Goal - http://www.goldengoal.com.br/br/index.htm Top Sports - http://www.esporteinterativo.com.br/topsports Sport Plus - http://www.sportplus.com.br Traffic - http://www.traffic.com.br Tática Sports - http://www.taticasports.com

Institutos de Ensino Superior – Esporte e Marketing Administração Esportiva - FGV São Paulo - http://www.eaesp.fgvsp.br Universidade Gama Filho - Gestão e Marketing Esportivo - www.ugf.br/ Universidade São Marcos, São Paulo - http://www.smarcos.br/ Universidade de Caxias do Sul http://www.universia.com.br/

- MBA em Gestão Esportiva -

Trevisan Escola de Negócios – Gestão Esportiva - http://www.faculdadetrevisan.com.br/ Centro Universitário Adventista de São Paulo - http://www.unasp.br/ Centro Universitário Assunção – São Paulo - http://www.unifai.edu.br/ Centro Universitário Augusto Motta, Rio de Janeiro - http://www.unisuam.edu.br/ Centro Universitário Capital – Unicapital, São Paulo - http://www.capital.br/ Centro Universitário Carioca – Unicarioca - www.carioca.br/ Centro Universitário de Volta Redonda – UniFOA - http://www.foa.org.br/ Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM - http://www.espm.br/ Faculdade CCAA, Rio de Janeiro - http://www.faculdadeccaa.edu.br/ 222


Faculdade da Serra Gaúcha – www.fsg.br, Caxias do Sul - http://www.fsg.br/ Faculdade Gama e Souza, Rio de Janeiro - http://www.gamaesouza.edu.br/ Faculdades Integradas Anglo-Americano, Rio de Janeiro http://www.angloamericano.edu.br/ Instituto Belo Horizonte de Ensino Superior - http://www.jbhes.edu.br/ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - http://www.puc-rio.br/ Senac Rio - http://www.rj.senac.br/ Universidade Bandeirante de São Paulo - http://www.uniban.br/ Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro - http://www.ucam.edu.br/ Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro - http://www.castelobranco.br/ Universidade de São Paulo - http://www.usp.br/ Universidade do Grande Rio Professor José de Souza Herdy http://www.unigraniro.br/ Universidade Estácio de Sá - http://www.estacio.br/ Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro - http://www.estacio.br/ Universidade Federal de São Paulo - http://www.unifesp.br/ Universidade Federal do Rio de Janeiro - http://www.ufrj.br/ Universidade Fumec, Belo Horizonte, Nova Lima http://www.fumec.br/ Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro - http://www.ugf.br/ Universidade Paulista - http://www.unip.br/ Universidade Presbiteriana Mackenzie, Sâo Paulo http://www.mackenzie.br/ Universidade Salgado de Oliveira, Universo, Rio de Janeiro http://www.universo.edu.br/ Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro - http://www.uva.br/

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