Diálogos entre Arquitetura e Gastronomia

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RESUMO O diálogo entre Arquitetura e Gastronomia existe desde os primórdios, entretanto somente na contemporaneidade essa relação se torna explicita, principalmente no espaço urbano. A relação entre essas duas artes no âmbito científico possui poucos registros, ressalvo algumas obras escritas por autores como Strauss (1964), Flandin e Montanari (1996), Dória (2014), que implicitamente utilizam desse diálogo entre espaço e alimentação para construção de suas obras. O objetivo da pesquisa é analisar os diálogos entre a arquitetura, gastronomia, cultura e lugar, e propor diretrizes projetuais dialógicas para a arquitetura cultural gastronômica. A pesquisa compreende 4 etapas. A primeira, abordagem teórica: Diálogos da arquitetura: Arquitetura e Gastronomia; Cidades e Alimentação; Arquitetura e Dialogia. A segunda, o Método. E a terceira, Análise do contexto e texto: Distrito da República do centro histórico de São Paulo e Diretrizes projetuais para o Arquitetura Cultural Gastronômica. A quarta, Projeto de Arquitetura Cultural Gastronômica. PALAVRAS CHAVES: Arquitetura; Gastronomia; Centro histórico; Dialogia.

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INTRODUÇÃO O diálogo entre os campos da Arquitetura e da Gastronomia engloba diversos fatores, sejam eles de ordem artística, econômica, urbana, política ou cultural. A relação mutua entre os dois campos está presente no nosso cotidiano, seja da escala urbana ou do design. Visíveis ou não o espectro desses diálogos está presente na vida de todos, desde uma refeição a base de alimentos orgânicos ou até uma rápida passada em grandes redes de fast-food, o projeto arquitetônico e o gastronômico sempre andam em paralelo. A análise dos diversos diálogos entre Arquitetura e Gastronomia no presente trabalho foi dividida em 4 etapas. A primeira, abordagem teórica: Diálogos da Arquitetura e Gastronomia, que usa como bibliografia autores como Montanari (2004), Pollan (2013), Wrangham (2009), Brito (2018), Pitte (1996); Cidades e Alimentação, que utiliza de autores como Viana (2018), Flandrin e Montanari (1996), Kinch (2015), Costantino (2015), Krucken (2017), Collaço, Barbosa e Roim (2018), para construção da base teórica sobre projetos arquitetônicos gastronômicos; Arquitetura e Dialogia, que usa como bibliografia autores como Salcedo (2007, 2015, 2016), Ricouer (2003), Muntañola (2007), Bakhtin (1999), para construção de uma base metodológica do 14 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

projeto arquitetônico em centros históricos. A segunda o Método. A terceira, Análise do contexto e texto: Distrito da República do centro histórico de São Paulo e Diretrizes projetuais para o Arquitetura Cultural Gastronômica. O objetivo dessa etapa é analisar o lugar pautado nas dimensões física (ambiental, urbana, arquitetônica), social (cultural), simbólica e gastronômica, do distrito da República do centro histórico São Paulo, com ênfase no Largo de Paissandú, onde o projeto será executado no trabalho final de graduação. Além disso nessa etapa a Legislação vigente para espaços coletivos de alimentação, como a RDC Nº 2016 da ANVISA. A quarta, Projeto de Arquitetura Cultural Gastronômica, que será desenvolvido como Trabalho Final de Graduação. Essas etapas estão conectadas entre si, a divisão visa uma análise racional de como a gastronomia influencia na arquitetura e vice-versa. O objetivo da pesquisa é analisar os diálogos entre a arquitetura, gastronomia, cultura e lugar, e propor diretrizes projetuais dialógicas para a arquitetura cultural gastronômica, além de justificar a presença de um projeto dessa categoria no centro histórico de São Paulo, especificamente no bairro da República no Largo do Paissandú,

promovendo o dinamismo econômico e cultural da área.

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1.DIÁLOGOS DA ARQUITETURA E GASTRONOMIA 1.1.Arquitetura, Gastronomia, Cultura e Lugar Arquitetura e gastronomia caminharam lado a lado na história da evolução humana, quando o espaço é alterado pela intervenção humana, visando uma melhor adaptação, a alimentação paralelamente acompanha essa mudança. Um dos fatores que contribui para esse paralelismo dos dois campos é que o ato de ocupar o espaço e a alimentação constituem dois pilares da sobrevivência humana. Para antropólogos culturais como Tylor (1871), Strauss (1955), Geertz (1973), Benedict (1934) são certas características compartilhadas por todos os grupos sociais que caracterizam a natureza humana. A necessidade de abrigo ou demarcação do território conjuntamente com a alimentação são características que conformam a sobrevivência no espaço, não somente do homo sapiens, mas da grande maioria de todas espécies que vivem na superfície terrestre. Para Heidegger (1994), o processo de formação do ser humano dentro de uma sociedade se dá a partir do momento que ele ocupa, habita, e consequentemente cuida e cultiva um espaço, é uma forma exteriorizada de evolução pessoal. Esse cultivo do espaço desde a pré-história até os dias atuais sempre possuiu como funções básicas o abrigo e a alimentação. 16 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

Benedict (1934), afirma que em cada cultura surgem propósitos característicos não necessariamente compartilhados por outros tipos de sociedade. Em obediência a tais propósitos, cada povo vai consolidando a sua experiência, e na medida da urgência desses impulsos, os aspectos heterogêneos do comportamento vão se tornando cada vez mais congruentes. Segundo Geertz (1973), a vida humana pode ser analisada como um edifício, onde cada camada representa um aspecto estruturador da existência humana. Retiram-se as variegadas formas de cultura e se encontram as regularidades estruturais e funcionais da organização social. Descascam-se estas, por sua vez, e se encontram debaixo os fatores psicológicos — "as necessidades básicas" — que as suportam e as tornam possíveis: Retiram-se os fatores psicológicos e surgem então os fundamentos biológicos — anatômicos, fisiológicos, neurológicos — de todo o edifício da vida humana (GEERTZ, 1973, p.28).

Ao analisar a coexistência da ocupação do espaço com a busca por alimentos pode-se afirmar que tanto a arquitetura quanto a gastronomia encontram-se na intersecção das camadas desse edifício, uma vez que permeia, desde o

social até o nível biológico como aspectos básicos de sobrevivência no meio ambiente. Para Montanari (2004, p. 25), a própria invenção da cidade, percebida pelos antigos como lugar por excelência da evolução civil (como mostra a coincidência semântica, em latim, entre civitas e civilitas, “cidade” e “civilização”), não seria possível sem o desenvolvimento da agriculta, seja sobre o plano material (o acúmulo de bens, riquezas, tecnologias), seja sobre o plano mental (a ideia de que o homem se torna senhor de si e se separa da natureza, construindo um espaço seu para habitar). Ainda Montanari (2004), nesse processo de evolução, as sociedades humanas não se adequaram simplesmente às condições impostas pelo ambiente. Modificaram-nas vez ou outra, também de modo profundo, introduzindo culturas fora das áreas originárias e transformando a paisagem em função disso. Basta pensar na cultura do arroz no nordeste da Ásia ou na vinicultura na Europa centro setentrional, um verdadeiro desafio tecnológico diante das condições ambientais, iniciado na Idade Média e que continuou na Idade Moderna. Para o autor é nesse contexto cultural que as primeiras sociedades agrícolas, também

enraizadas nos ritmos naturais e no ciclo das estações elaboram a ideia de um “homem civil” que constrói artificialmente a própria comida. Mintz (2001), afirma que, o comportamento relativo à comida está diretamente ligado à nossa identidade social, e isso se aplica a todos grupos de seres humanos. Para o autor o fato de crescermos em lugares específicos cercados de pessoas com hábitos e crenças particulares, como a particular forma de preparo e cultivo dos alimentos, faz com que os membros desse grupo constituam um corpo substantivo cultural, ou seja promove a identidade dessas pessoas. Para Geertz (1973, p.29), se alguns costumes pudessem ser destacados no meio do que o mesmo chama de “catálogo da cultura mundial” como comuns a todas as variantes locais, algum progresso poderia ser feito para especificar quais traços culturais são essenciais a existência humana. A necessidade do abrigo (casa) atualmente é um dos traços comuns em todas as culturas, presente em todas as variantes locais, seja o abrigo fixo ou móvel (no caso de populações de culturas nômades), assim como o ato de cocção e reprodução. Montanari (2004, p.16), afirma que comida é cultura quando produzida, porque o homem DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 17


não utiliza apenas o que encontra na natureza, mas ambiciona também criar a própria comida, sobrepondo a atividade de produção à de predação. Comida é cultura quando preparada, porque, uma vez adquiridos os produtos base da sua alimentação, o homem os transforma mediante o uso do fogo e de uma elaborada tecnologia que se exprime nas práticas de cozinha. Comida é cultura quando consumida, porque o homem, embora podendo comer de tudo, ou talvez justamente por isso, na verdade não come qualquer coisa, mas escolhe a própria comida, com critérios ligados tanto às dimensões econômicas e nutricionais do gosto quanto aos valores simbólicos de que a própria comida se reveste. Mintz (2001, p.2), afirma que o comportamento relativo à comida revela repetidamente a cultura em que cada um está inserido. Para isso o autor cita como o aprendizado da cultura alimentar na fase infantil exemplifica esse processo da inserção do ser dentro da cultura e identidade do grupo social que habita. “O aprendizado que apresenta características como requinte pessoal, destreza manual, cooperação e compartilhamento, restrição e reciprocidade, é atribuído à socialização alimentar das crianças por sociedades diferentes”. Comer é uma atividade humana central não só por sua frequência, constante e necessária, mas também porque cedo se torna a esfera onde se permite alguma escolha. Para cada indivíduo representa uma base que liga o mundo das coisas ao mundo das ideias por meio de nossos atos. Assim, é também a base para nos relacionarmos com a realidade (MINTZ, 2001, p.2).

Segundo Montanari (2004), a cozinha é símbolo da civilização e da cultura, ou seja, a forma de obtenção e cocção dos alimentos de um grupo representa como o mesmo ocupa o espaço. A negação da cozinha representa a contestação de valores da sociedade a qual se pertence. O alimento cru é associado ao selvagem, é assumido como símbolo de escolhas não-culturais que, todavia, mais uma vez se revelam fortemente 18 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

impregnadas de cultura. Um exemplo disso é a forma de alimentação dos eremitas, que com consciente coerência intelectual assumem e às vezes ostentam um modelo de comportamento alimentar que representa a distância do mundo, e para finalidade exclui, antes de qualquer coisa, o uso do fogo e das práticas de cozinha consideradas fundamentais da identidade civil. Entretanto segundo o autor eles ao tomar essa postura propõem somente uma variação de sua cultura, uma utopia pautada em crenças. Segundo Strauss (1964) e Montanari (2004), em todas as sociedades o sistema alimentar se organiza como um código linguístico portador de valores. Os autores afirmam que a carga simbólica da comida é ainda mais forte quando ela é percebida como instrumento de sobrevivência diária. A fome certamente não permite muitas divagações para além da atenção imediata à detecção dos recursos. Dessa forma consegue-se analisar diversos grupos sociais na sua forma mais primitiva de funcionamento. [..] toda cultura, toda tradição, toda identidade é um produto da história, dinâmico e instável, gerado por complexos fenômenos de troca, de cruzamento, de contaminação. Os modelos e as práticas alimentares são o ponto de encontro entre culturas diversas, fruto da circulação de homens, mercadorias, técnicas, gostos de um lado para o outro do mundo (MONTANARI, 2004, p.189).

Strauss (1964), afirma que de acordo com diversos mitos analisados em sua obra, a descoberta da culinária afetou profundamente as relações até então existentes entre o céu e a terra. Para o antropólogo antes de conhecer o fogo e o cozimento dos alimentos o homem estava reduzido a colocar a carne sobre uma pedra para expô-la aos raios solares, reduzindo o à uma condição selvagem de sobrevivência. Por meio da carne se atestava a proximidade entre o céu e a terra, ou seja, entre as divindades e a humanidade. Wrangham (2009), na última década publicou a “hipótese do cozimento”, essa teoria propõe uma nova visão sobre a evolução humana.

O autor defende que o acontecimento que originou a espécie homo sapiens foi a prática da cocção. Uma vez que a prática de cozinhar os alimentos promoveu diversas transformações no homem, como alterações anatômicas no sistema digestivo, uma vez que os alimentos passaram a ser mais fáceis de serem digeridos com a prática do cozimento, além de diversas outras mudanças, sendo elas biológicas e sociais. Acredito que o momento da transformação que deu origem ao gênero homo sapiens, uma das grandes transições na história da vida, brotou do controle do fogo e do advento de refeições cozidas. O cozimento aumentou o valor da comida. Ele mudou nossos corpos, nosso cérebro, nosso uso do tempo e nossas vidas sociais. Transformou-nos em consumidores de energia externa e assim criou um organismo com uma nova relação com a natureza, dependente de combustível (WRANGHAM, 2009, p.4).

Pollan (2013), afirma que o ato de cozinhar proporcionou ao homem não apenas uma alimentação melhor, mas também a ocasião. O costume de comer em grupo num momento e lugar determinado. Isso representa um fenômeno novo, já que o homem caçador vivia de alimentos crus e provavelmente se alimentava sozinho após a obtenção da caça, como todos os outros animais. Porém, o ato de sentar para fazer uma refeição em comum, olhar nos olhos um dos outros, compartilhar a comida com certo decoro, tudo isso contribuiu para a civilização. Diante disso é visível que a alimentação influenciou na mudança dos hábitos construtivos, uma vez que o homem viu a necessidade de estabilizar-se em um lugar e explora-lo visando os suprimentos para a cocção. Portanto, cozinhar nos transformou, e não apenas por nos tornar mais sociáveis e corteses. Uma vez que o ato de cozinhar permitiu que expandíssemos nossas capacidades cognitivas à custa da capacidade digestiva, não havia mais como voltar atrás: nossos cérebros grandes e intestinos pequenos dependiam agora de uma dieta à base de alimentos cozidos. (Os adeptos dos alimentos crus devem tomar nota disso.) Isso quer dizer que cozinhar tornou-se compulsório, está por assim dizer, cozido na nossa bio-

logia. O que Winston Churchill afirmou um dia a respeito da arquitetura (“Primeiro damos forma às nossas construções, e então elas dão forma a nós”) também poderia ser dito sobre o ato de cozinhar. Primeiro, cozinhamos nossa comida, e depois ela nos cozinhou (POLLAN, 2013, p.13).

O medo da falta de alimentos fez com que a humanidade desenvolvesse técnicas relacionadas ao espaço ocupado visando o maior aproveitamento e preservação da comida que tinha em mãos. Carneiro (2004, p.13), na introdução da obra de Montanari (2004) afirma que para o homem medieval no éden original a cozinha não precisava existir, pois, assim como nas mitologias os alimentos já vinham prontos da própria natureza. O vinho, o leite e o mel corriam nos regatos, e também não era preciso conservar os alimentos, pois não havia inverno no paraíso. Entretanto no mundo terreno, para vencer a fome foi preciso lidar com o tempo, conservando e estocando. Para essa finalidade, muitos recursos, além do fogo, foram usados: defumação, fermentação, secagem e particularmente a conservação em sal ou mel. Além de vencer o tempo, também foi necessário vencer o espaço, transportando os alimentos de sua origem para distantes locais de consumo. Para Montanari (2004, p.136), entre as várias formas de identidade sugeridas e comunicadas pelos hábitos alimentares a que mais é visível atualmente é a do território. O historiador denomina isso de “comer geográfico”, conhecer ou exprimir uma cultura de território por meio da cozinha, dos produtos, das receitas, já se tornou senso comum. Entretanto esse habito merece ser melhor analisado, deve-se distinguir entre os produtos e os pratos (receitas isoladas), de um lado, e a cozinha (entendida como o conjunto de pratos e regras) de outro. Os pratos locais, ligados a produtos locais, evidentemente existem desde sempre. Sob esse ponto de vista, a comida é por definição ligada diretamente aos recursos do lugar. É essa “regionalidade” (ou melhor: essa dimensão local, que se agrega em torno das DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 19


cidades e de seus territórios) que faz, hoje, a força da cozinha italiana, que a torna não apenas competitiva, mas em geral, mais atual que outras cozinhas, como a francesa, historicamente afirmadas sob um modelo unitário, “nacional”, de regras culinárias. A franqueza da Itália-nação transformou-se, com o tempo, em um ponto forte (MONTANARI, 2004, p.141).

Montanari (2004), afirma que esse comer geográfico não pertence ao passado. Somente no decorrer dos últimos dois séculos uma verdadeira mutação cultural, porém muitíssimo lenta, começou a inverter o critério de avaliação. O momento de desenvolvimento das cozinhas que hoje chamamos de regionais de fato é o século

XIX, ou seja, exatamente o período da industrialização. Esse paradoxo ocorreu como um sistema de defesa cultural. O início do processo de uniformização e globalização dos mercados e modelos alimentares estimulou uma nova prática em relação às culturas locais. Com base em fragmentos transmitidos pela história de sistemas denominados “cozinhas regionais” fez com que a territorialidade se torne um dos aspectos para a invenção desses novos modelos gastronômicos.

Para Abourezk (2017), Kasko se aproxima de cada sobremesa como um arquiteto se aproxima do projeto. A abordagem criativa e imaginativa da chef é única para a confeitaria e teve seu início com sua busca pela arquitetura, pois por formação é arquiteta pela Escola de Arquitetura da Universidade de Kharkov, e depois de trabalhar na área por 3 anos, decidiu seguir sua verdadeira paixão: a confeitaria. A base em arquitetura de Kasko é evidente em cada uma de suas criações. Ao conectar confeitaria e arquitetura, ela criou um nicho específico no mundo da gastronomia.

Os resultados são belos modelos em pequena escala com linhas limpas e formas geométricas cativantes que oferecem um deleite não apenas ao paladar, mas também à vista (ABOUREZK, 2017).

Segundo Patrick Lynch (2016), as sobremesas de Dinara Kasko criam uma ponte entre arquitetura e confeitaria. Para o autor a chef aborda seus bolos e sobremesas como se fossem modelos de edifícios, principalmente por usar da linguagem arquitetônica e de softwares de modelagem 3D para executar suas ideias.

1.2. Diálogos artísticos entre Arquitetura e Gastronomia Um dos movimentos que a pesquisa se deparou diante dessas questões foi o da confeitaria paramétrica, entretanto antes de ilustrarmos o que vem a ser a confeitaria paramétrica se faz necessário uma breve definição do que seria o design paramétrico. Segundo Veloso, Scheeren e Vasconselos (2017, p.5), o design paramétrico é um processo de desenho que requer a atribuição de definições explícitas que permitem um nível de controle por meio da indicação de relações entre as partes que podem ser editadas a partir de um conjunto de parâmetros, elemento variável e fator quantificável capaz de configurar um sistema de relações. Geralmente os projetos de design paramétricos são realizados com softwares de modelagem 3D, como o Rhinoceros e Grasshopper. Barrios (2011, p.204), afirma que se deve distinguir o modelo paramétrico do design paramétrico. O primeiro é caracterizado como um grupo de componentes geométricos que contêm atributos variáveis (parâmetros), e outros fixos (estáticos ou limitados). O segundo é uma representação de um processo que se utiliza desses modelos para adotar um modo de edição flexível, ou seja, é um processo de exploração formal e descoberta de variações que operam sobre o 20 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

espaço do modelo paramétrico (geralmente softwares), podendo ou não gera resultados complexos. Para Kolarevic (2000, p.4), “o que importa no design paramétrico, são os parâmetros de um projeto particular que são declarados, não a sua forma”. Diante da definição do que seria a parametria e o design paramétrico uma chef pâtissier e arquiteta ucraniana chamada Dinara Kasko passou a utilizar os softwares de modelagem por algoritmos, geralmente utilizados em projetos de arquitetura, para produzir suas sobremesas, criando obras de artes que devido as ferramentas utilizadas aproximam de forma literal esses dois campos. Segundo Alya Abourezk (2017), em um artigo para o archdaily, a chef confeiteira está fazendo uma arquitetura tão pequena, que cabe em seu prato de sobremesa. Com sua criação nomeada de “Algorithmic Modeling Cake”, ela une chocolate e geometria de um modo nunca antes visto. No primeiro contato a obra confunde a percepção do espectador se é uma sobremesa, uma escultura ou até mesmo uma maquete arquitetônica. Abourezk (2017), afirma que o Algodithmic Modeling Cake é uma escultura dinâmica e saborosa.

Figura 01 - Algorithmic Modeling Cake.

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Buscando encontrar seu próprio nicho, Kasko se esforça para conectar confeitaria e arquitetura através de formas geométricas e cuidadosas composições, diluindo os limites entro os dois campos. Segundo Brito (2018), na contemporaneidade a gastronomia se revela como uma área de atuação potencial do design. Visando o aprimoramento da experiência dentro do campo da gastronomia, as relações com o design se tornam mais evidentes se comparadas a outras áreas de intersecção. Isso se reflete no projeto de utensílios, ambientes, comunicação, e processos projetuais da estética de um prato, fato que ganha relevância nos tempos atuais. Para Brito (2018, p.15), as práticas gastronômicas adotadas pela sociedade atual envolvem questões econômicas, sociais, culturais e

emocionais que combinados com o design, podem suprir um conjunto de expectativas fisiológicas, psicológicas e simbólicas relacionadas ao sujeito. Para a autora diante desse cenário o design pode se integrar à gastronomia, ajustando-se às mudanças e buscando soluções e inovações em benefício de ambas as áreas, e sobretudo da sociedade. Profissionais do design e da gastronomia, entre outros de diversas áreas, estão cada vez mais expostos às influências de outros saberes e disciplinas, devido aos projetos e desenvolvimento de produtos e ser viços que exigem uma equipe de especialistas de diferentes áreas, cujo trabalho busca um objetivo ou propósito comum e são cada vez mais exigidos a atuarem além dos limites de uma área ou das bordas das disciplinas tradicionais (DYKES, RODGERS E SMYTH, 2009 apud BRITO, 2018, p.30).

Figura 02 - Processo de criação de Dinara Kasko, valendo-se de modelagem e impressão 3D.

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Atualmente no Brasil dentro todos os grandes nomes que podem ser citados perante esse movimento, de divulgação da gastronomia através de uma persona na mídia, três chefs se destacam pelo empenho didático em ensinar a população a importância de receitas culturais e pela busca de uma melhor alimentação, são as culinaristas e também escritoras, Rita Lobo, Bela Gil e Raiza Costa. As três tornaram-se bastante conhecidas nos últimos anos pela divulgação da gastronomia em diversas mídias e por possuírem toda uma estética própria que incentiva a população a se alimentar melhor diariamente. Seguindo os moldes de eternos nomes da gastronomia televisiva e midiática como a renomada chef e apresentadora americana Julia Child. Segundo Brito (2018, p.46), nesse sentido a cozinha se assume como uma linguagem artística, trazendo a atividade cotidiana de comer para um nível intelectual e sensorial, aproximando gastronomia da arte. Assim, a gastronomia contemporânea passa a se expressar através de uma linguagem estética e expressiva, em que o chef é o autor da comunicação, responsável não mais por só elaborar receitas para a reprodução, mas por criar composições que tragam harmonia e prazer ao paladar. Para Brito (2018, p.47), em confluência com outros autores, o território da comida e da bebida expandiu suas fronteiras, com áreas como arquitetura, engenharia e design, integrando seus conhecimentos em um mesmo projeto como forma de intervenção transdisciplinar. Assim se constitui uma das vertentes da contemporaneidade, a interação entre design e gastronomia. Segundo Brito (2018), as relações entre design e gastronomia promove no setor alimentício a busca por novas abordagens da relação entre comida e consumidor, através de projetos experimentais numa disciplina denominada food design, que mesmo recente atrai diversos profissionais pelo seu potencial nas discussões que abordam o futuro da alimentação. Brito (2018), afirma que de acordo com o Design Dictionary (ERLHOFF E MARSHALL, 2008),

food design envolve: 1. Design industrial, pelos objetos, equipamentos e produtos alimentícios, que podem influenciar na forma e funcionalidade da comida e facilitar seu preparo e degustação; 2. Design gráfico e de embalagens, capazes de estimular o apetite do consumidor; 3. Design editorial, importante na ilustração de receitas e no meio publicitário; 4. Design de interiores, que concebe e planeja os ambientes onde o alimento pode ser manipulado e degustado; 5. Design de serviços, cuja preocupação envolve todos os aspectos da experiência do sujeito durante a interação com determinado serviço prestado. Diante dessa definição o Food design é composto por uma diversidade de conhecimentos que relacionam várias áreas, como designers, chefs, arquitetos, químicos e cientistas. Um exemplo de restaurante que trabalha com o design do ato de comer é o renomado Alinea, localizado em Chicago e considerado por muitos críticos gastronômicos como o melhor restaurante dos Estados Unidos, é liderado pelo chef Grant Achatz, que pesquisa como a comida pode adquirir infinitas formas e influenciar na percepção de seus clientes. O chef foi um dos pioneiros na chamada gastronomia molecular ou culinária progressiva, que utiliza de técnicas de conhecimento cientifico para criar pratos que são considerados por muitos como obras de arte ou até mesmo experimentos científicos. O espaço do restaurante segue a ideologia do chef de exploração da percepção humana através da gastronomia, brincando muitas vezes com o raciocínio humano. Para Brito (2018), a composição do prato é feita para despertar o interesse do sujeito, convencê-lo esteticamente, enquanto a composição além do prato, como o mobiliário e o espaço ao redor, é feita para localizar o prato, podendo fazer referência à origem, cultura ou resgatar memórias do sujeito. Assim o ambiente atua como um suporte para o prato, acentuando sua finalidade e identidade do restaurante.

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1.3. Diálogos econômicos entre Arquitetura e Gastronomia Segundo o renomado chef norte americano Dan Barber (2015), proprietário do famoso Blue Hill em Nova York, existem diversas visões quando o assunto é alimentação, seja de um nutricionista, de um economista, de um ecologista, etc.; porém onde todas essas visões que o chef classifica como míopes (importantes, porém não claras) se unem, ou se relacionam, é no prato. Um simples prato possui um universo de informação por traz de sua criação. Uma das formas de análise da relação entre arquitetura e gastronomia é através de aspectos econômicos e políticos, pois na contemporaneidade possuem influência direta na cultura alimentar das pessoas, uma vez que o mercado e a indústria alimentar constituem um dos pilares da economia e sobrevivência atualmente nas grandes cidades. Segundo Fischler (1996, p.851), em seu artigo “A McDonaldização dos costumes”, os modos de vida foram modificados profundamente pela urbanização, pela industrialização dos anos 1950-1960, pela profissionalização das mulheres, pela elevação do nível de vida e de educação, pela generalização do uso do carro e pelo acesso mais amplo da população ao lazer, férias e viagens. Esses aspectos que caracterizam a vida moderna aumentaram regularmente 24 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

o número de refeições tomadas fora de casa. Para Fischler (1996), a industrialização, racionalização, funcionalização crescentes desde o final do século XIX, de maneira ofuscante modificaram e perturbaram nossa alimentação. Da produção ao consumo, passando pelo abastecimento, sua realidade é incontestável. Mas as realidades ofuscantes não devem nos confundir ou ignorar sua complexidade. Segundo o autor para apreender toda complexidade das mudanças em ação na civilização moderna e no mundo desenvolvido, convém levar em consideração alguns de seus aspectos paradoxais. Com toda a certeza, nossa alimentação situa-se, hoje, dentro de uma corrente tecnológica, industrial e funcional. Mas reveste-se também de outras dimensões, sem as quais a primeira não poderia desenvolver-se plenamente. A mais importante, à primeira vista, é paradoxal: a do prazer. Para compreender os processos que estão em ação atualmente, devemos apreender as relações estreitas entre esses dois polos aparentemente opostos da alimentação moderna: a funcionalidade e o prazer (FISCHLER, 1996, p.845).

Fischler (1996), afirma que a industrialização da alimentação e o surgimento, no nosso século, da distribuição em grande escala constituem

fenômenos recentes deste em algumas regiões do mundo, entretanto esses fenômenos já são centenários na América. Segundo o autor a América antecipa tendências surgidas mais tardiamente em outras partes. Assim, a compreensão dessa realidade americana deveria permitir apreender melhor os fenômenos que, em matéria de alimentação, estão se processando há cerca de trinta anos no Velho Mundo. Segundo Fischler (1996), nos Estados Unidos alguns produtos alimentares industrializados, entre os quais a Coca-Cola, encontram-se no mercado há cem anos ou mais. Heinz, Nabisco, Kellogg, Campbell, figuram já entre as maiores empresas americanas na década de 1880 ou 1890, e a indústria agroalimentar revela-se, no final do século XIX, a primeira do país. A descoberta das bactérias e a obsessão subsequente em relação aos germes favorecem, paradoxalmente, uma concentração da indústria de laticínios. No início do século XX impõe-se a obrigação de pasteurizar o leite e só conseguem sobreviver as empresas capazes de fazerinvestimentos consideráveis. Desde os anos 1930 desenvolve-se no país a distribuição em grande escala. Na maioria das regiões desenvolvidas, a mudança dos hábitos alimentares parece, em parte, orientada segundo as mesmas tendências: sem dúvida, porque estas surgiram e se desenvolveram mais cedo e muito mais nos Estados Unidos do que em qualquer outro país. Assim, como vimos, a industrialização e a desestruturação das práticas alimentares, consideradas hoje, por unanimidade, os principais processos em curso na Europa ocidental, já tinham sido detectadas na América do Norte no decorrer dos anos 1960. Obser vam-se, atualmente, em menor grau, em diversos países europeus, no meio urbano, certas características originárias da alimentação nos Estados Unidos. Traço dominante dessa evolução: está a impor-se de forma segura a transformação crescente dos produtos, de um extremo ao outro da cadeia de produção, tanto agrícolas como industriais (FISCHLER, 1996, p. 846).

Para Fischler (1996), sobretudo a partir da segunda metade do século XX, a produção

agrícola não cessa de se concentrar e se intensificar. As zonas de produção especializam-se. A policultura acompanhada de um forte autoconsumo tende a ceder lugar à monocultura em vastos espaços. As trocas comerciais internacionalizaram-se e diminui a autoprodução. Os produtos da agricultura são cada vez mais transformados pela indústria. Para o autor a distribuição passa, igualmente, por profundas mudanças. Na Europa ocidental, sobretudo a partir dos anos 1960, espalham-se os supermercados, assim como o carro, a televisão, o lazer, a elevação do nível de vida e de educação. Essa revolução da distribuição em grande escala tem consequências pelo menos tão importantes quanto a industrialização da produção agroalimentar, que, por isso, acaba passando por uma considerável inflexão. Com efeito, a alimentação torna-se, propriamente falando, um mercado de consumo de massa: a partir de então processa-se como produto altamente transformado por procedimentos industriais de vanguarda. Concebidos e comercializados com o apoio das mais modernas técnicas do marketing e publicidade, são distribuídos por redes comerciais que não cessam de aperfeiçoar seu poder e complexidade, colocando em ação uma logística extremamente elaborada. Segundo Fischler (1996, p.847), em duas ou três décadas, uma parte crescente do trabalho culinário, tanto em casa como no restaurante, deslocou-se da cozinha para a fábrica. Esses alimentos transformados e divulgados pela publicidade, são também produtos que incorporam um valor agregado cada vez mais elevado, já presente no nível da preparação: a indústria toma à sua conta o essencial do trabalho doméstico; uma vez transformados pela indústria, os alimentos tornam-se “alimentos-serviço”. Para Fischler (1996), no momento em que a alimentação se torna um mercado de consumo de massa, as refeições servidas em restaurantes passam por uma evolução, em parte, comparável. Enquanto ao longo da evolução histórica a casa foi assimilada ao lar, isto é, à cozinha, na proximidade do terceiro milênio a alimentação se identifica cada DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 25


vez menos necessariamente com o universo doméstico. Mas o fast-food de inspiração norte-americana não aparece na Europa ocidental antes do final dos anos 1970, inclusive do início dos anos 1980. Tinha-se difundido nos Estados Unidos, desde os anos 1950, sob a forma de grandes redes em sistema de franchising, ao longo dos eixos rodoviários, na periferia das cidades, centros comerciais, e depois, cada vez mais, nos malls, que se tornam o âmago da vida comercial das grandes conurbações americanas, sob forma de food courts. Trata-se de verdadeiros centros comerciais de alimentação: num espaço único, é proposta toda espécie de fórmulas rápidas – pizzas e hambúrgueres, tortillas ou tacos mexicanos, fast-foods chineses, japoneses, gregos, pittas, falafels, croissants e outros sanduíches variados (FISCHLER, 1996, p.851).

Segundo Fischler (1996, p.852), os americanos dão provas de um feroz apetite; por outro, obstinam-se a comer o mais rápido possível, em particular os homens de negócios de Chicago ou de Nova York. Desde o início do século, nessas duas cidades, alguns self-services servem refeições para colarinhos brancos que as encomendam num balcão e as consomem à mesa, tudo isso num ritmo tão rápido que são conhecidos pelo apelidode smash-and-grab places (algo como “lugares do esmaga e agarra”). Para Fischler (1996), a forma como os americanos se relaciona com a alimentação constitui uma fonte de espanto constante para os europeus: o tempo de comer não é isolado, delimitado; não existe necessariamente por si mesmo, como tal. É possível trabalhar e comer ao mesmo tempo, comer e empreender, aparentemente, qualquer outra atividade. Na velha Europa, a refeição é um tempo e um espaço ritualizados, protegidos contra a desordem e as intrusões: o decoro proibia telefonar na hora das refeições ou, mais ainda, fazer uma visita. Era impensável comer na rua, dirigindo, ou num elevador. Uma das empresas responsáveis em difundir esse novo estilo de alimentação, principalmente nos grandes centros urbanos é o McDonald’s. 26 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

Segundo Fischler (1996, p.855) depois de se estruturar nos Estados Unidos, o fast-food começou sua expansão mundial, com uma aceitação diferenciada. Do mesmo modo que, nos anos 1950, a Coca-Cola tinha sido descoberta pela Europa convalescente da guerra com uma mistura de delícia e horror ideológico, assim também o fast-food esbarrou em obstáculos políticos e consideráveis. Na Suécia, no início dos anos 1970, na época da Guerra do Vietnã, ergueram-se vozes veementes para criticar os americanos que pretendiam forçar a saudável juventude sueca a engolir “alimentos plásticos” estranhos à tradição local. Muito mais tarde, na Itália, quando a rede McDonald’s desejou abrir um discreto restaurante na Piazza di Spagna, em Roma, alguns milhares de pessoas manifestaram seu protesto. Tratava-se de defender a tradição culinária local contra a invasão dos americanismos bárbaros, desse modo surgiu o movimento intitulado slow food, que atualmente é umas das principais vozes na divulgação e políticas de alimentação saudável. Fischler (1996), conclui seu artigo deparando-se com uma questão: existirá no futuro uma uniformização planetária da alimentação? Sem dúvida, o sucesso planetário da McDonald’s e do fast-food em geral deve-se a um certo número de alimentos universais. O fast-food não é puramente funcional, e o cliente não o consome unicamente por motivos de comodidade, preço e tempo. De fato, o repertório de sabores e texturas ao qual ele faz apelo reduz-se a uma espécie de menor denominador comum das preferências. Assim, na maciez dos pãezinhos do hambúrguer, na carne moída, nos molhos doces e ketchups agridoces confluem sensações infantis, regressões e transgressões. Na presença dos pais e com sua enternecida aprovação, as crianças podem manifestar pela primeira vez, em idade bastante precoce, uma independência suficiente para encomendar no balcão, com algumas moedas na mão, um hambúrguer e uma Coca-Cola. Em contrapartida à essa universalização da alimentação surge os movimentos políticos de alimentação regional, ou seja, que repudiam o

estrangeiro que ameaça a tradição. Movimentos como Slow food, Do-campo-à-mesa, Agricultura urbana, entre outros, são o lado oposto a essa padronização difundida pelos fast-foods. Diante das mudanças na alimentação nos grandes centros urbanos promovidas pelo fast-food, alguns chefs e ativistas da alimentação saudável começaram a divulgar suas ideias, seja através de manifestos ou no caso do renomado chef Dan Barber com sua excelente pesquisa “O terceiro prato: observações sobre o futuro da comida”, livro publicado em 2015 que surgiu através de questionamentos sobre como os indivíduos que moram nas cidades vão se alimentar nos próximos anos. O chef Dan Barber do estrelado restaurante Blue Hill em Nova York é um dos principais nomes do movimento do-campo-à-mesa, seu livro teoriza esse movimento atual e tão necessário para a alimentação urbana. Barber (2015), afirma que a saúde das pessoas que vivem desse modelo alimentar estadunidense também sofreu. Índices crescentes de doenças transmitidas por alimentos, desnutrição e males relacionados à dieta, tais como obesidade e diabetes, estão ligados, pelo menos em parte, à produção de alimentos em massa. As advertências são claras: como comem de uma maneira que sabota a saúde e abusa dos recursos naturais (isso sem sequer mencionar as implicações econômicas e sociais), o sistema alimentar convencional não pode ser sustentável. Os métodos do agronegócio, como monoculturas de grãos de mais de 2 mil hectares e animais confinados em criação intensiva, não são o futuro da agricultura tanto quanto fábricas do século XVIII, emitindo fumaça negra, não são o futuro da indústria. Segundo Barber (2015), a maioria dos chefs deve apoiar mercados e feiras livres de pequenos produtores no espaço urbano. Enxergar um chef como um ativista é uma ideia relativamente nova. Foram os chefs da nouvelle cuisine dos anos 1960 que, rompendo com uma onerosa tradição da cozinha francesa clássica, deixaram os limites da cozinha e inauguraram a

gastronomia moderna. Criaram novos estilos, baseados em sabores sazonais, porções menores e apresentação artística dos pratos. Ao fazê-lo, estabeleceram a autoridade do chef, dando-lhe uma plataforma de influência que apenas continuou a se expandir. Cinquenta anos depois, chefs são conhecidos pela habilidade em criar modas e moldar mercados. O que aparece no cardápio de um restaurante alta cozinha num dia, no dia seguinte passa para o bistrô e no fim acaba por influenciar a cultura da comida cotidiana. Agora, temos o poder de popularizar rapidamente certos produtos e ingredientes – em alguns casos, como com certos peixes, a ponto da extinção comercial. E cada vez mais o fazemos, com velocidade e efeito estonteantes. Mas também temos potencial para fazer com que as pessoas repensem seus hábitos alimentares (BARBER, 2015).

Para o chef as pessoas esqueceram que durante a maior parte da história humana a coleta era a base da alimentação, pois transformava-se o que era encontrado através da cocção em pratos mais fáceis de digerir e armazenar. Os restaurantes do-campo-à-mesa promovem seus cardápios como tendo evoluído nesta ordem: primeiro coletar, talvez com uma caminhada matinal pela feira de pequenos produtores, depois criar. A promessa da cozinha do-campo-à-mesa é de que os cardápios tomarão forma a partir dos limites da agricultura local para homenageá-la. Em alguns pontos de sua pesquisa Barber toca diretamente na questão entre alimentação/agricultura e sua relação com o espaço urbano, por mais que essa interseção esteja subentendida ao longo de toda obra, uma vez que o movimento da qual tanto o ativismo quanto o trabalho no Blue Hill do chef fazem parte (Do-campo-à-mesa) esteja nitidamente relacionado a aspectos econômicos e políticos que ocorrem diretamente na cidade. Ao tratar da importância do solo, como base para esse movimento, Barber (2015), recorre ao trigo como “construtor de comunidades”. Para o chef esse alimento simboliza a cooperação da nossa organização social, numa cadeia onde agricultores o cultivavam, moleiros o moíam e DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 27


padeiros o transformavam em alimento. Para o chef todos os três grandes grãos do mundo (trigo, milho e arroz) criaram fundações para a civilização. Entretanto para ele enquanto as fundações criadas pelo milho e pelo arroz foram suficientes para construir paredes, as qualidades inerentes e comunais do trigo “forneceram as pedras angulares dos arcos que sustentariam os edifícios das civilizações urbanas”. Barber afirma que “a história do trigo é a história de quem nós somos”. Esse é só um dos diversos exemplos que o chef aborda em sua pesquisa, de como um simples alimento pode servir como base de análise da história da humanidade e de como ela ocupa o espaço que o cerca. Barber (2015), cita o movimento da contracozinha dos anos 1960 e 1970, como um exemplo de ativismo para se repensar a alimentação das pessoas dentro dos centros urbanos. Na esperança de recuperar os sabores de um sistema de alimentação pré-industrializado, o movimento demonizou os alimentos brancos, que representavam não só os ingredientes altamente processados e sanitizados, mas também a falta de sabor da cultura americana. (“Don’t eat white; eat right; and fight”: “Não coma branco; coma direito; e lute”). A contracozinha começou a corporificar o comer de forma ética em termos mais amplos, não só ao abraçar certos alimentos e hábitos em particular (vegetarianismo, comer em refeitórios ou áreas comunais), mas também ao examinar de perto a cadeia alimentar inteira. Quem cultiva a comida? Como esta comida chega as pessoas? Tudo importava. Segundo Barber (2015), as cozinhas típicas não mudavam de acordo com modas ou preferências, isso só acontece com a alta cozinha, que floresceu durante os últimos 60 anos. Os chefs de hoje têm a liberdade de misturar ingredientes e técnicas do mundo inteiro numa refeição. Ou em um prato. Mas não estão reinventando nada. Podem apresentar e impulsionar novas ideias, mas não criam novas cozinhas. Na verdade, apenas constroem em cima do que 28 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

outras culturas inventaram ao longo de milhares de anos, quando camponeses cultivavam a terra, e o que ela podia produzir ditava o que as pessoas comiam. A localização costumava ser tudo; agora é apenas mais um ingrediente. A verdadeira cozinha é mais do que um estilo de cozinhar ou uma combinação de técnicas e sabores. É a fundação da cultura. Ela determina um estilo de vida. Nós somos tão complexos – ou tão monótonos – quanto os alimentos que cultivamos e consumimos. Como o grande gastrônomo Jean Anthelme Brillat-Savarin disse: “Dize-me o que comes e te direi quem és” (BARBER, 2015).

Um dos movimentos já citados que contribui para o fortalecimento dessas relações entre toda a cadeia alimentar é o Slow Food. Segundo o manual do movimento de 2015, quer se esteja de pé num churrasco, ajoelhado num tapete tatami ou sentado num restaurante elegante, comer é fundamental para viver. Melhorar a qualidade da nossa alimentação e arranjar tempo para a saborear, é uma forma simples de tornar o nosso quotidiano mais prazeroso. Esta é a filosofia do Slow Food. Fundado em 1986 na Itália, o Slow Food tornou-se uma organização internacional sem fins lucrativos em 1989, e é atualmente composto por cerca de 1.000 “Convivia” ou células locais do movimento, cuja força reside na sua vasta rede de 80.000 associados. A sede internacional do Slow Food é em Bra, Itália. O Slow Food opera tanto localmente, como junto de instituições internacionais como a FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Estabelece laços de amizade com governos em todo o mundo, prestando consultoria para o Ministério da Agricultura italiano, trabalhando com o presidente da câmara de Nova Iorque e colaborando com o governo Brasileiro. O Slow Food incentivou e incentiva mudanças na alimentação das pessoas que moram no espaço urbano, promovendo mudanças na estrutura física das cidades, como o advento da agricultura urbana, que visa diminuir ao máximo a distância do produtor e consumidor dos alimentos.

Segundo Gaete (2013), a agricultura urbana nos últimos anos tornou-se uma ferramenta de desenvolvimento urbano, demonstrando o interesse das pessoas por opções de alimentação mais saudáveis através de mecanismos amigáveis ao meio ambiente. Os recentes projetos de agricultura urbana se realizam sob o princípio “faça você mesmo” e ocorrem graças à iniciativa das comunidades. No entanto, segundo a revista online Cities Magazine e o centro de investigação holandês Trancity, este modelo de organização não permite a criação de um movimento social unificado capaz de gerar mudanças em escala global. Gaete (2013), afirma que com o objetivo de mudar esse panorama, o livro “Cultivando a Cidade: A alimentação como ferramenta para a urbanização de hoje” foi publicado. A ideia é conectar ativistas e especialistas internacionais para que troquem conhecimentos e aumentem o impacto dessa forma de cultivo na sociedade. A mensagem central do livro é como a comida pode ser utilizada como ferramenta para o desenvolvimento urbano. Ele argumenta que com um planejamento cuidadoso, a execução desses projetos pode eliminar o paradoxo urbano de que “quanto mais nos agrupamos nos centros urbanos, mais longe estaremos das nossas fontes de sustento” (GAETE, 2013).

Gaete (2013), exemplifica com a história do FoodShare, um lugar que se baseia na organização da seguridade alimentar em Toronto. Também este é o caso de Debra Solomon e Mariska Van den Berg, do escritório holandês de desenho social Urbania Hoeve, especializado em realizar transformações de espaços públicos desde as comunidades, para impulsionar socialmente os mesmos. O escritório estabeleceu esta experiência com o projeto Foodscape, em Haia, onde se ensinou àqueles que tomam decisões a superar os abismos culturais e profissionais. Com o tempo, a burocracia municipal, que de acordo com seus criadores, pode ser um processo longo, traz uma maior criatividade para a formação de espaços públicos socialmente coesos, aumentando

a diversidade e com alimentos de qualidade. Para Gaete (2013), a comida pode ser utilizada como uma ferramenta para o desenvolvimento urbano. Ressaltando a diversidade das agriculturas urbanas, seu desenvolvimento nas cidades define a importância de estabelecer um “campo de alimentos locais”, parecido ao campo criativo que foi atrativo para os planejadores urbanos na década passada. Um campo com os alimentos agrupados, com seu próprio conjunto de demandas urbanas, articulações espaciais e interdependências sociais é capaz de chegar aos vazios da cidade e incentivar o desenvolvimento de novas redes e comunidades urbanas. Um exemplo de projeto voltado para a agricultura urbana é o Tainan Wholesale Fruit and Vegetable Market (Mercado de frutas e vegetais de Taiwan), projetado pelo escritório holandês MVRDV, localizado no distrito de Tainan (Taiwan), investimento do departamento de Agricultura do governo da cidade no ano de 2016. O mercado de atacado e leilão de 80.000m², inclui 11.510m² de área coberta, abrangendo 180 lotes de mercado e espaço para leilão, logística, armazenamento em freezer e instalações de serviços, escritório administrativo, e um restaurante. Segundo Walsh (2019), em um artigo para o site Archdaily o projeto do MVRDV transforma um aspecto muitas vezes prosaico da indústria de alimentos em uma experiência pública com os alimentos e a natureza. Localizado em uma posição estratégica entre a cidade e as montanhas, com boas conexões com transportes públicos, o edifício fica em um ponto conveniente para os comerciantes, compradores e visitantes. O projeto é composto por uma estrutura aberta simples, com tetos altos ondulados que permitem a ventilação natural, e um telhado verde com terraço ondulado que desce ao nível do solo para oferecer acesso público. O dinâmico terraço, abrigando diferentes produtos da região, assume a aparência de colinas verdes, tornando-se uma continuação da paisagem. De um lado, uma estrutura de quatro andares contém os escritórios DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 29


administrativos do mercado, um restaurante e um centro de exposições de produtos agrícolas. Este edifício simples cruza com a estrutura principal, oferecendo assim acesso secundário ao telhado paisagístico.

1.4. Diálogos urbanos entre Arquitetura e Gastronomia

Figura 03 - Tainan Wholesale Fruit and Vegetable Market, por MVDRV.

Figura 04 - Tainan Wholesale Fruit and Vegetable Market, por MVDRV.

30 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

Segundo a conferência internacional sobre governança alimentar urbana, realizada em 2012 em Paris (França), e organizada pela International Urban Food Netwoork, mais do que as pessoas querem admitir a comida molda nossos territórios e áreas urbanas. Com o tema “Hungry City: Feeding the city of tomorrow”, o congresso discutiu muitos temas relacionados a alimentação na cidade e como atualmente é uma questão política construir um sistema sustentável de alimentação para as cidades do futuro. Segundo o relatório publicado pela conferência (2012) de mesmo nome do tema, que une artigos e análises de diversos pesquisadores do impacto da alimentação nos centros urbanos, pode-se entender que o gerenciamento dos suprimentos de alimentos sempre foi uma condição essencial não apenas para a sobrevivência de uma cidade, mas também para um desenvolvimento adicional das cidades. A proximidade direta de terras cultiváveis de alta qualidade e o desenvolvimento dos meios de transporte de alimentos são alguns dos principais fatores na origem da criação de muitas cidades. Segundo Steel (2008), as primeiras cidades foram construídas em torno de um forte centro de distribuição de alimentos e cercadas pela agricultura. A cidade de Roma, por exemplo, desenvolveu-se

facilmente graças ao seu acesso para o mar e porque os alimentos eram enviados para países estrangeiros. Da mesma forma durante o século XIX, o crescimento urbano de muitas cidades foi possível graças à expansão das ferrovias, e o transporte de alimentos por elas, caracterizados por não possuir limites geográficos de transporte rápido entre grandes distâncias. Para Steel (2008), no século XX, o carro toma esse papel do trem, possui uma função fundamental na organização urbana. As pessoas não caminham mais para o mercado de alimentos. Elas saem da cidade e vão a supermercados. Tradicionalmente, a maioria das cidades era alimentada predominantemente pelo interior vizinho, hoje o suprimento de alimentos é global. Para atender às necessidades dos moradores da cidade, o governo deposita confiança em um sistema industrializado. Steel (2008), afirma que o atual sistema de suprimento de alimento desconecta os consumidores de seus alimentos a partir dos espaços físicos que habitamos. Isso acarreta em muitos impactos ambientais, sociais e econômicos, como aquecimento global, esgotamento de recursos, degradação do solo, desigualdades no acesso a alimentos e pôr fim à crise na saúde. Segundo Brito (2018), com a reconfiguração DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 31


do cenário contemporâneo, no âmbito dos espaços para alimentação, foram inseridos novos hábitos, como a refeição em espaços públicos, praças, parques, entre outros locais, normalmente abertos. Assim, o notável número de comércios ambulantes e feiras que servem seus produtos nas ruas tem importante caráter econômico e cultural, pois oferecem opções acessíveis. O sucesso dessas atividades incentivou chefs a investirem nesse modelo de negócio, através de food trucks. Em “Cidades e consumo alimentar: dinâmicas socioculturais do comer no espaço urbano”, coletânea organizada por Collaco, Barbosa e Roim (2017), o consumo no espaço urbano na contemporaneidade adquire dinâmicas sociais

e culturais que radicalizam certos aspectos da globalização cosmopolita, conformando sujeitos e patrimônios híbridos, produtos das culturas em movimento entre fluxos locais e globais, entre as singularidades de cada cidade.

1.4.1. Restaurantes Segundo Flandrin (1996, p.701), entre as indústrias de comida pronta, deve-se falar dos restaurantes, embora estes não correspondam cabalmente à ideia que se tem das fábricas. Com efeito, não é somente por um novo nome que, nos séculos XIX e XX, eles se distinguiram das estalagens, mas sobretudo por suas funções. Por um lado, os restaurantes possuem uma função gastronômica, cuja novidade já tem sido sublinhada amplamente pelos historiadores: alguns restaurantes tornaram-se os templos da alta cozinha, e é aí que exercem a profissão os grandes cozinheiros, outrora a serviço dos príncipes e senhores. Essa transformação foi favorecida, na sociedade burguesa, pelo novo estatuto da gastronomia. Mas ela deve também algo ao estreitamento da escala das rendas, mesmo se, com toda a evidência, foi sempre necessário ter muito dinheiro para frequentar esses renomados estabelecimentos. Para Flandrin (1996), a função gastronômica não diz respeito aos restaurantes de luxo: quando não se é suficientemente rico para frequentá-los, é sempre possível escolher restaurantes mais modestos onde se consegue um prazer convivial e a satisfação do paladar, assim como a ilusão de alcançar um status social mais elevado. Mas os restaurantes tiveram, igualmente, outra função: a 32 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

de alimentar cotidianamente uma clientela cada vez mais numerosa de homens e mulheres que deixaram de fazer as refeições em casa para se alimentar no centros urbanos, porque já não existe alguém para prepará-las ou porque trabalham muito longe de casa. Em ambos os casos, esse exílio dos consumidores remete às transformações da economia, ao trabalho feminino e à expansão das aglomerações urbanas. Pitte (1996), afirma que o “restaurante” é uma das instituições alimentares mais difundidas no mundo, isto é, um estabelecimento no qual, mediante pagamento, é possível sentar-se à mesa para comer fora de casa: na pior das hipóteses, uma refeição trivial, sem preparação especial; ou, na melhor, para viver um momento de intensa criação artística. De maneira geral, a situação é intermediária e conjuga, em proporções variáveis, o agradável ao útil, a qualidade à modicidade do preço. Segundo Pitte (1996), as origens do restaurante recuam aos limites da pré-história e da história. Esse tipo de comércio surgiu com os mercados e as feiras, que obrigam camponeses e artesãos a deixarem seu domicílio durante um ou vários dias e, portanto, a se alimentarem ao mesmo tempo que estabelecem ou mantêm relações sociais, de amizade ou de negócios. Tomou amplitude e

diversificou-se no mesmo ritmo da urbanização à qual, de modo especial, permaneceu ligado. Todavia, desde a Antiguidade, tanto no Império Romano, quanto na China, existem estalagens ou postos de correio situados nas principais estradas, às vezes em plena zona rural. Ali, se procede à mudança das montadas, as pessoas repousam, restauram suas forças comendo e bebendo, distraem-se graças ao pessoal da casa ou aos encontros fortuitos que venham a ocorrer; enfim, podem pernoitar. Pitte (1996), afirma que foi no século XVIII que nasceu o restaurante moderno. Se a França comporta sobretudo estabelecimentos fixos é por se a pátria do que passou a ser designado pelo nome de “restaurantes”, que, pouco a pouco, tomaram o lugar de todas as outras instituições anteriores. O acontecimento remonta ao final do século XVIII. Para ao autor esses estabelecimentos surgiram com o intuito de prover refeições a trabalhadores fora de suas casas, assim como as estalagens proviam aos viajantes. Pitte (1996), cita um exemplo de 1674, onde o napolitano Francesco Capelli, dito “Procope”, abriu o primeiro café de Paris, na rue de Tournon. Em 1684 este foi transferido para a rue de l”Ancienne-Comédie, local onde atualmente existe um restaurante que mantém a mesma denominação. Em pouco tempo de Veneza a Viena, passando por São Petersburgo, Londres e Paris, os cafés tornaram-se espaços onde sopra o espírito, pelo menos o das Luzes. A exceção ao surgimento desse novo estabelecimento, que futuramente alteraria a alimentação no meio urbano, é a Londres do século XVIII. Com efeito, essa capital conta com um número respeitável de tavernas, as quais nada têm a ver com seus homônimos do resto da Europa. Trata-se das casas muito bem decoradas, inclusive luxuosas, nas quais são servidas iguarias escolhidas, regadas, no final da refeição, com o queijo, por french clarete, sherry ou port. Esses estabelecimentos têm como clientela os homens da alta burguesia e da aristocracia, em particular os lordes com assento no Parlamento. De fato, residindo em geral nas suas terras,

em Londres usufruíam de uma pequena moradia relativamente modesta e um número reduzido de serviçais, assim recorreriam as tavernas para alimentação. Esses estabelecimentos possuíam a principal função de restaurar as forças do povo, seja de qualquer classe social. A própria etimologia das palavras “restauro” e “restaurante” possuem a mesma origem, o de restaurar aquilo ou aquele que precisa de renovação. Para exemplificar isso Pitte (1996) faz uso da história de um Boulanger (padeiro) francês que popularizou o conceito de restaurante como ambiente de restauro das energias para o trabalho. Por volta de 1765, um certo Boulanger, dito “Champ d’Oiseaux” ou “Chantoiseau”, abre uma butique nas proximidades do Louvre (na rue des Poulies ou rue Bailleal, conforme os autores). Vende aí “restaurats” ou “caldos restauradores”, isto é, caldos à base de carne, propícios a restaurar as forças debilitadas. Desde o final da Idade Média a palavra “restaurant” designa esses caldos ricos que incluem carne de aves e boi, diversas raízes, cebolas, er vas e, segundo as receitas, especiarias, açúcar-cande, pão torrado ou cevada, manteiga, assim como produtos de aparência tão insólita quanto pétalas secas de rosa, passas, âmbar, etc. Para atrair o cliente, Boulanger inscreveu na fachada esta sentença evangélica: “Venite and me omnes qui stomacho laboratis et ego vos restaurabo”. (PITTE, 1996, p. 755).

Segundo Pitte (1996), nos anos que precederam a Revolução, multiplicam-se os restaurateurs que servem, em porções, pratos requintados, não mais em mesa malcuidada comportando várias pessoas, mas em mesinhas cobertas de toalhas, individuais ou reservadas para determinado grupo de clientes. As iguarias disponíveis estão inscritas numa folha com moldura; além disso, no final da refeição apresenta-se ao cliente a “nota a pagar”, isto é, a conta. Pitte (1996), afirma que até o século XX a palavra “restaurant” se impôs não só na França, mas em toda a Europa: em inglês, sem qualquer alteração, em italiano (ristorante), em espanhol (restaurante), etc. Neste final do século XX, já deu DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 33


a volta ao mundo e é possível descobri-la na fachada dos melhores estabelecimentos de Tóquio, Hong Kong, Bangkok, Rio de Janeiro ou Cairo, inclusive, às vezes, na fachada de casas mais modestas, em alguns países pobres, com surpreendentes deformações ortográficas. Ainda Pitte (1996), afirma que no estado atual do mundo da alimentação servida em restaurante, o mais difícil de compreender não é a saúde excelente da alta cozinha, comparável à da alta costura, das artes plásticas, da música ou da literatura. Em compensação, a evolução dos restaurantes populares não deixa de ser inquietante pelo fato de se ter voltado tanto para o estereótipo, o asséptico e o insípido. Para o autor não

1.4.2.

adianta acusar a América, mãe da fórmula do fast-food que arrasta multidões, de Des Moines, pátria do McDonald’s, a Paris, Moscou e Pequim, cidade onde prospera o maior estabelecimento desse tipo no mundo. Se a fórmula é bem-sucedida, é porque corresponde a certas necessidades.

Assim comer na rua, se diferencia do comer em casa ou restaurante, em vários aspectos, mas que de forma geral trata-se de uma refeição que é realizada em um espaço exterior, sem formalidades próprias de uma mesa. Segundo Contreras (2012), o ato de comer na rua não é um fenômeno próprio ou exclusivo do modo de vida urbano contemporâneo. Sem dúvida alguma, o crescimento urbano e a porcentagem da população urbana cada vez maior têm contribuído para a ampliação da prática de comer na rua, mas isso não significa que o fenômeno seja novo, próprio e exclusivo da alimentação moderna.

Para Pitte (1996), no mundo inteiro, e em todas as épocas, as cozinhas de rua se impõem como o principal comércio de venda de refeições. Por uma módica quantia serve-se quase imediatamente um prato feito ou um certo número de alimentos já cozidos. Tais cozinhas existiram sempre na China e mantiveram-se em toda a Ásia, inclusive nos países industrializados e pós-industrializados, por exemplo, no Japão. Nas cozinhas móveis das ruas de Tóquio (yatai) podem ser encontradas as melhores sopas de lámen ou de udon, ou ainda os diversos componentes do oden cozidos numa sopa de soja e acompanhados por saquê morno. Sua função social é essencial: funcionários, estudantes, homens de negócio, ficam sentados em bancos, lado a lado, protegidos da rua por cortinas curtas, fazendo brincadeiras entre si e com o cozinheiro. Contreras (2012), afirma que atualmente o costume de levar comida preparada em casa para refeições fora de casa, na rua, inclusive, está voltando. As razões habituais que são dadas para justificar o comer fora de casa são a falta de tempo, a distância entre a casa e o local de trabalho e de estudo que se juntam a outras razões mais especificas e próprias das novas necessidades do presente, como por exemplo, crises econômicas, manutenção de determinadas dietas e, até mesmo, o fato de poder comer mais à vontade e mais livremente.

Comer na rua ou em praça ao ar livre sem as formalidades próprias das refeições a mesa tem sido uma pratica característica de de-

As maneiras de comer, ao longo dos anos, foram modificadas e diversificadas, adaptando-se as restrições impostas pelas trans-

Street Food

Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), as comidas de rua podem ser definidas como o conjunto de alimentos e bebidas prontos para consumo, preparados ou vendidos, por vendedores ambulantes, especialmente nas ruas e/ou lugares públicos. Contreras (2012), para compreender o que é a street food se deve questionar diversos aspectos que envolvem tanto a gastronomia quanto o urbanismo. A primeira pergunta que o autor faz em seu artigo é o que significa comer na rua? Ao que nos referimos, exatamente, quando empregamos essa expressão? Nos referimos apenas ao lugar onde se come e/ou, também, a uma maneira de comer? Ainda, poderíamos nos perguntar o que se entende por rua. Segundo Contreras (2012), entende-se por rua nesse contexto o espaço público não edificado nem coberto situado no entorno urbano. Para o autor diferenciamos a rua da casa, entendida como espaço doméstico e privado. Desse modo comer na rua pode significar comer em pé ou sentado no chão, na calçada, em escadas ou em bancos públicos. Significa comer com as mãos ou com os dedos, sozinho ou acompanhado.

34 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

terminadas situações que, por umas e outras razões, implicavam na reunião de um grande número de pessoas que se deslocavam de seus lugares de residência, como, por exemplo, a celebração de feiras e mercados ou celebrações religiosas como romarias e peregrinações ou outras celebrações de culto. São encontrados em todos os continentes e em todos eles, praticamente, encontramos formas de cozinhar e/ou de comer na rua. Desse modo, na antiga Roma, por exemplo, bancas de rua ofereciam pães com azeitonas, no Oriente Médio, faláfel; e, na Índia, pakoras, vadapav, papri chaat etc (CONTRERAS, 2012, p.22).

O que é comido não importa. De fato, podemos comer na rua e podemos comer “qualquer coisa”. Obviamente, qualquer coisa que se possa comer sem mesa, sem cadeiras. Pratos? Talheres? Sim, podem tê-los, descartáveis ou de plástico. Copos e tacas? Normalmente, não. Bebemos diretamente da garrafa ou da lata. E a comida? A comida pode ser trazida de casa ou adquirida em qualquer estabelecimento dedicado à sua venda ou em uma “barraca de rua” com ou sem equipamentos para cozinhar (CONTRETAS, 2012, p.19).

formações produzidas em uma sociedade cada vez mais industrializada e, sobretudo, mais urbanizada. Entre essas transformações cabe citar uma certa individualização e simplificação das refeições, em um triplo sentido: 1) o aumento do número de refeições que se faz solitário; 2) o horário e inter valos das refeições foram consideravelmente ampliados; e 3) os lugares onde se realizam as refeições, tanto em casa como fora dela, também foram ampliados e diversificados (CONTRERAS, 2012, p.27).

Para Contreras (2012), um dos condicionamentos mais importantes da alimentação contemporânea, sobretudo nos âmbitos urbanos, é a gestão do tempo ou, melhor dizendo, dos tempos. Enquanto a alimentação cotidiana tende a estar vinculada ao mundo do trabalho, que se resolve na esfera doméstica com produtos cada vez mais processados e fora, com os diversos tipos de serviço de alimentação (refeitórios, catering etc.) e com a comida de rua, a comida ritualizada e socializada se inscreve no tempo do ócio ou do lazer, que e investido de novos significados, convertendo-se em uma forma de consumo cultural. Agora, não e mais o alimento que estrutura o tempo, mas sim os tempos das diferentes atividades que estruturam a alimentação, que hoje se estabelece entre dois extremos: o trabalho e os diferentes tipos de ócio ou de festa e celebração. Outro aspecto que deve ser levado em consideração ao analisar a relação da gastronomia com os grandes centros urbanos é o impacto econômico que o street food possui nessas regiões. A FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) reconhece que, em algumas cidades da África, Ásia e América Latina, a venda de bebidas e refeições completas nas ruas constitui um meio importante para obtenção de renda, especialmente entre as mulheres pobres. As comidas de rua baratas são amplamente consumidas e muitas vezes representa uma parte importante da ingestão diária de alimentos de crianças e adultos, além disso, afirma-se que as vendas de rua possuem um papel substancial, uma vez que são importante fonte de alimentos DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 35


para muitas pessoas. Os vendedores de comida também têm se transformado em uma parte importante da vida social urbana e, com frequência, uma atração da cidade. O documentário americano “Street Food” (2019) dirigido por David Gelb, mostra como principalmente no continente asiático a comida de rua constitui a base da alimentação de grande parcela da população. O diretor destaca principalmente o trabalho feminino nessa área, pois nos países asiáticos muitas mulheres se sustentam através dessa atividade, uma vez que existe uma enorme demanda já internalizada na cultura dessas sociedades. Nesses países e em muitas regiões do mundo em que a street food vêm ganhando espaço as cozinhas móveis e as bancas de comidas podem ser encontradas reunidas nas proximidades de locais de trabalho, escolas, hospitais, estações ferroviárias, terminais de ônibus etc. São pontos de convergência ou de grandes aglomerações. São baratas em comparação aos alimentos do setor formal e, de fato, são muitas vezes mais baratas que os alimentos feitos em casa. A comida de rua é muito transversal. Possui poucas barreiras. É própria de todas as identidades e de diferentes estratos sociais. É também um reflexo da globalização. Em muitos aspectos. Por exemplo, alguns alimentos, em princípio originários e mais ou menos exclusivos de um país ou uma região, foram universalizados como “comida de rua”: pizza, falafel, kebab, taco, sushi, crepe, hot-dog, batata frita, salchipapas e sanduíches dos mais diversos tipos (...) são, atualmente, um patrimônio universal que podemos encontrar nas ruas de qualquer país do mundo (CONTRERAS, 2012, p.36).

Segundo Brito (2018), com a reconfiguração do cenário contemporâneo, no âmbito dos espaços para alimentação, foram inseridos novos hábitos, como a refeição em espaços públicos, praças, parques, entre outros locais, normalmente abertos. Assim, o notável número de comércios ambulantes e feiras que servem seus produtos nas ruas tem importante caráter econômico e cultural, pois oferecem opções acessíveis. O sucesso 36 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

dessas atividades incentivou chefs a investirem nesse modelo de negócio, através de food trucks.

1.5. Cidades e Alimentação A intenção dessa etapa da pesquisa é entender como os espaços públicos de alimentação surgiram na cidade e na sociedade. Entende-se aqui por espaços públicos os espaços livres edificados ou não, que são voltados para alimentação de pessoas na cidade. Para isso, abordam-se os conceitos de comensalidade e socialização da alimentação; contrapõe-se a alimentação no espaço privado x a alimentação no espaço público; e a relação comida e cidade, visando analisar como isso ocorre atualmente. Como o foco dessa etapa é o entendimento da formação do espaço livre ou público de alimentação é necessário a definição desse conceito. Macedo (1995) afirma que os “espaços livres” podem ser interpretados como as ruas, os jardins e às áreas de lazer. De um modo preciso para o autor se pode definir os espaços livres como todos aqueles não contidos entre as paredes e tetos dos edifícios construídos pela sociedade para moradia ou trabalho. Viana (2018), ressalta que o espaço público é também formado por uma propriedade e não só por uma afetação de uso. Pode-se considerar espaço público todo aquele que é acessível ao público de forma geral, onde se manifesta a esfera pública, mesmo que esses sejam espaços privados ou espaços intermediários (semipúblicos),

como os restaurantes, bares, shopping centers e clubes. Esses espaços são tão relevantes na cultura contemporânea que são chamados por Oldenburg (1999) de third places, terceiros lugares na hierarquia quotidiana, situando-se logo após o local de residência e o de trabalho. Percebe-se que essa visão, que considera como público todo local de apropriação pública, é bastante aceita em algumas culturas, em especial no hemisfério norte e junto aos países centrais. Em outras realidades, entretanto, a questão da natureza da propriedade é imperante e decisiva, especialmente nas quais há bastante desigualdade social (VIANA, 2018, p.87).

Para Viana (2018), considera-se assim como públicos apenas aqueles espaços que sejam de propriedade pública e cuja responsabilidade de manutenção recaia sobre o poder público, seja ele municipal, estadual ou federal. Acredita-se que esses espaços, por serem mais dissociados das atividades de consumo, sejam menos excludentes dos grupos menos favorecidos, sendo efetivamente mais públicos do que os demais espaços coletivos. Segundo Viana (2018), uma atividade rotineira e tradicional no espaço público é o consumo de gêneros alimentícios. Nesse caso, refere-se DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 37


tanto aos produtos alimentícios de abastecimento primário, como os hortifrutigranjeiros comercializados em feiras e por vendedores ambulantes, quanto aos produtos de consumo imediato (alimentos preparados), como sanduíches, sucos, entre outros. Observa-se que as praças e largos das cidades antigas sempre foram espaços de trocas, pois sediavam feiras bem antes da existência de lojas e outros equipamentos comerciais responsáveis por grande parte da animação urbana. Assim, a disponibilidade de comércios e, em especial, de comércios e serviços alimentícios, ainda é considerada como um grande influenciador da permanência dos espaços públicos, atraindo e retendo usuários e incentivando a socialização. Na clássica obra de William H. Whyte, The social life of small urban places (1980), o autor nos apresenta o resultado de um trabalho de anos de obser vação do movimento quotidiano de praças urbanas na cidade de Nova York (EUA), nas quais a maior parte das atividades era do tipo de lazer passivo e consumo. Nessa pesquisa, ele identifica como elementos-chave para a apropriação dos espaços públicos a existência de áreas assentáveis (não necessariamente bancos, mas também degraus, canteiros e muretas), de elementos de qualificação ambiental (áreas ensolaradas e sombreadas, circulação de ar, a presença de ár vores e também de elementos aquáticos tangíveis), de oportunidades de alimentação (fixa ou ambulante), de proximidade de vias com fluxos razoáveis de pedestre e de elementos de triangulação (elementos como artistas de rua, monumentos, alguma coisa ou assunto comum que possa fazer com que um contato inicial entre estranhos aconteça) (VIANA, 2018, p.100).

Diante disso entende-se que a alimentação é um fator de dinamismo do espaço público, e possui uma distinta relação com o mesmo, pois atua como elemento permanente para a ocupação e socialização da população nessa parcela do espaço urbano.

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1.5.1.

Comensalidade: socialização do ato de comer

Flandrin e Montanari (1996), afirmam que o comportamento alimentar do homem se distingue dos outros animais não apenas pela cocção, ligada em maior ou menor grau, a uma dietética e a prescrições religiosas, mas também pela comensalidade e pela função social das refeições. A socialização do ato de comer, conhecida como comensalidade, data desde a antiguidade, no terceiro milênio antes de cristo na Suméria e no mais tardar no segundo milênio em outras regiões da Mesopotâmia e da Síria segundo inúmeros textos já existiam inúmeros banquetes com ritos precisos. Para Flandrin e Montanari (1996) embora eles descrevam principalmente banquetes dos deuses ou dos príncipes, referem-se também às festas das pessoas comuns. Comer e beber juntos já servia para fortalecer a amizade entre os iguais, para reforçar as relações entre senhor e vassalos, seus tributários, seus servidores e, até os servidores de seus servidores. Da mesma forma, em um nível social mais baixo, os mercadores selavam seus acordos comerciais na taberna, diante de uma panela. Segundo Flandrin e Montanari (1996, p.33), surgiram na mesma época as refeições servidas diariamente nos templos dos deuses: “grande refeição da manhã”, “pequena refeição da manhã”, “grande refeição da noite”, “pequena

refeição da noite”. Para os homens, os horários eram menos estritos e as refeições menos numerosas: eles se contentavam com uma pequena refeição de manhã e uma grande a noite que era o momento adequado para os banquetes. Para os autores antes mesmo da antiguidade, no período pré-histórico especificamente no paleolítico superior estruturou-se uma organização socioeconômica, que reunia várias famílias, para tocar rebanhos inteiros de grandes animais. Isso necessariamente implicava uma partilha da carne entre as famílias que tinham contribuído para a caça, tarefa, sem dúvida, coletiva; em alguns momentos ao menos, depois da caça, por exemplo, é provável que grandes festas reunissem essas famílias para consumirem juntas uma parte da caça abatida. E antes desse período a uma época ainda mais antiga, cerca de 500 mil anos a.C., quando o homem começou a usar diariamente o fogo para cozer os alimentos: a preparação dos alimentos em um fogo coletivo favorecia o seu consumo em comum, donde a função social da refeição e o desenvolvimento da comensalidade. Ou seja, a comensalidade acompanha o homem desde os primórdios, talvez seja até o fator que tornou o homem um animal sociável. Para Flandrin e Montanari (1996, p.108), DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 39


entre todos os aspectos que definem a cultura alimentar do que se denomina como “mundo clássico”, um dos mais significativos é a vontade de o apresentar como o domínio da civilização, como uma zona privilegiada e protegida, em oposição ao universo desconhecido da barbárie. O regime alimentar tem um papel essencial nesse processo de definição de um modelo de vida civilizado (modelo já por si profundamente ligado à noção de cidade); e pode-se dizer que ele funda sua própria “diferença” no que diz respeito ao não-civilizado e ao não-citadino em três valores decisivos: a) a comensalidade, b) os tipos de alimento consumidos; c) a cozinha e a dietética. A alimentação em coletividade no sistema de valores da civilização grega e romana é o primeiro elemento que distingue o homem civilizado dos bárbaros, o homem civilizado come não somente por fome, mas para satisfazer uma necessidade de sociabilidade, uma ocasião ou momento com grande poder de comunicação. Uma das clássicas frases de Plutarco é “Nós não nos sentamos à mesa para comer, mas para comer junto”. Ou seja, a comensalidade carrega consigo um aspecto político, produto da socialização do ato de comer. Flandrin e Montanari (1996, p.109) afirmam que a comensalidade é percebida como um elemento “fundador” da civilização humana em seu processo de criação. O convivium é a própria imagem da vida em comum (cum vivere). O banquete torna-se, assim, o sinal, por excelência, da identidade do grupo, que se trate do núcleo familiar ou de toda a população de uma cidade que se reúne em torno de uma mesa comum, seja com a presença física de todos os seus membros, seja por uma representação simbólica. As mesas separadas significam, ao contrário, uma diferença de identidade, segundo símbolos que regem não apenas as relações entre os homens, mas, também entre homens e as divindades: se, num passado mítico, os homens e os deuses sentavam-se à mesa e comiam da mesma comida, o pecado e a queda provocaram, em seguida, a separação das mesas e a diferenciação dos alimentos (FLANDRIN; MONTANARI, 1996, p.109).

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Flandrin e Montanari (1996), ressaltam que a mesa funciona não apenas como agente de agregação e de unidade, mas também de separação e de marginalização. O fato de ser aceito na mesa comum ou de ser excluído dela tem um forte significado, quer se trate do banquete oligárquico, que é uma forma de representação da identidade política da cidade governada por poucos, ou do banquete democrático, do qual todos em última instância participam, segundo diferentes mediações ou somente por meio de representantes. A participação no banquete e a integração na comunidade continuaram estreitamente ligadas na sociedade ocidental durante a Idade Média e nas épocas seguintes. A excomunhão, no sentido literal de exclusão da comunidade, tomou frequentemente a forma de um afastamento da mesa comum, tanto nas sociedades laicas como eclesiásticas e monásticas. Segundo Pantel (1996), a prática do banquete na Grécia Antiga caracterizava a civilização, e no sistema de representação dos gregos, os seres não-civilizados ignoram ou faziam mau uso dessa prática. Para a autora o surgimento de refeições em comum está, na verdade, nos textos dos autores gregos ligados à instituição de regras que dão uma real coesão à comunidade, como no tempo do rei Minos em Creta ou, para retomar o exemplo da Itália, no momento em que os enotrianos deixam de ser pastores para se dedicar à vida agrícola, segundo Aristóteles. A invenção dos banquetes é paralela ao domínio do sacrifício cruento alimentar, e as refeições são, desde então, apresentadas como uma estrutura básica do grupo social e como o fermento da sociabilidade. É o que afirmam muitos textos de Platão, Aristóteles, Teofrasto, entre outros, nos séculos IV e III. As refeições na Grécia antiga tinham seu lugar em uma história cultural e sua instituição marca o início das relações comunitárias de um povo, que coincidem, em maior ou menor grau, com a constituição de uma identidade política. Na Idade Média, segundo Althoff (1996), comer e beber junto foi uma prática que marcou

a civilização assim como no mundo clássico. Segundo o autor compartilhar a mesa era mais importante do que de fato o que se consumia. Quando a alimentação ia ser compartilhada em sociedade utilizava-se tudo que havia e estivesse à disposição na cozinha e no celeiro. Qualquer preocupação com economia ou moderação era considerada imprópria, uma ofensa aos convidados, e a menor mostra de avareza comprometeria seriamente o sucesso do convivium. Aqui vale ressaltar que a sociedade medieval foi organizada em todos seus aspectos com base na religião cristã, onde o maior exemplo era Jesus Cristo, e em diversas cenas que marcaram sua vida a comensalidade estava presente, desde o milagre da multiplicação dos pães, peixes e vinho até a conhecida última ceia com seus 12 apóstolos dispostos em uma única mesa. Segundo Carneiro (2005), comer não é e nunca foi um ato solitário ou autônomo do ser humano, ao contrário, é a origem da socialização,

pois, nas formas coletivas de se obter a comida, a espécie humana desenvolveu utensílios culturais diversos, talvez até mesmo a própria linguagem. O uso do fogo há pelo menos meio milhão de anos trouxe um novo elemento constituidor da produção social do alimento. A comensalidade é a prática de comer junto, partilhando (mesmo que desigualmente) a comida. Sua origem é tão antiga quanto a espécie humana.

Figura 05 - A última ceia. Afresco de Leonardo da Vinci, datada aproximadamente de 1495.

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1.5.2.

Cozinha: Alimentação no espaço privado

A tipologia arquitetônica relacionada a gastronomia que mais se aproxima do imaginário popular é a cozinha, como a socialização de todas pessoas começa dentro do lar o primeiro contato com o espaço gastronômico que grande parte da sociedade tem é a cozinha. Para Heidegger (1994), o processo de formação do ser humano dentro de uma sociedade se dá a partir do momento que ele ocupa, que ele habita, e consequentemente cuida e cultiva um espaço, seria uma forma exteriorizada de evolução pessoal. A forma que o homem habita o espaço está intrinsecamente relacionada a cultura do local, diante disso é importante analisar a relação dos fatores socioculturais com a configuração do espaço gastronômico, partindo do privado, representado aqui pela cozinha, até o público. Segundo Kinch (2015), a cozinha é o espaço doméstico que simboliza a nossa complexa relação com a alimentação, pois reúne em um único espaço lazer, sociabilidade, alimentação, mas também desperdício, caos e neuroses. Para a autora a nossa relação com a alimentação, algo que todas as pessoas devem adquirir, preparar e consumir é moldada diariamente no contexto do espaço da cozinha. Segundo Homem (1997), a cozinha é 42 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

considerada como o compartimento da habitação em que se preparam os alimentos. Sua atividade básica, e a etimologia do vocábulo o indica, é o cozer, isto é, o preparo de alimentos pela ação do fogo ou do calor, havendo diversos processos para a obtenção do fogo para a cocção, bem como do segundo elemento essencial, a água, o que explica, desde sempre a mobilidade da cozinha. Contudo, o que concede a função ao espaço é o equipamento, cuja presença será indicativa das operações que aí se desenvolvem. São várias as operações que se vinculam à cocção: limpeza, preparo, cozimento e serviço, além da recepção, armazenamento, conservação e distribuição dos gêneros alimentícios ou dos alimentos preparados, as quais, com o decorrer dos séculos, desenvolveram-se tanto nos exteriores quanto nos interiores e articularam-se com o local onde estava o fogo. Homem (1997), afirma que a evolução do equipamento ocorreu por etapas, com a Revolução Industrial, ele se articulou com a urbanização, quanto à instalação da rede de água e de esgotos, conduzindo a água corrente para os interiores e fazendo escoar as águas servidas, com a indústria de beneficiamento dos gêneros, e a de embalagens e conservação dos alimentos, assim como com a regularização do sistema de

transportes. Tais fatores possibilitaram a diminuição do número de tarefas desenvolvidas na cozinha e em seus anexos, primeiros passos rumo à cozinha pequena, organizada, limpa e bonita, isto é, à cozinha moderna, racional. Segundo Kinch (2015, p.86), nas décadas de 1920 e 30, a fábrica e o laboratório serviram de inspiração geral para designs de cozinha mais higiênicos e eficientes, sinônimo dos princípios do movimento moderno internacional. “A racionalização do trabalho na cozinha requer acima de tudo o posicionamento correto do mobiliário e do equipamento para poupar tanto tempo como energia”, escreveu o modernista checoslovaco Karel Teige (1900-1951), no seu estudo de 1932 The Minimum Dwelling. “A disposição de uma cozinha moderna deve ser concebida para racionalizar todos os processos, desde o armazenamento de alimentos e preparação dos alimentos, para cozinhar no fogão e servir a refeição acabada na mesa da sala de jantar, para a lavagem da louça e o armazenamento dos talheres e pratos,”. Para Teige (1932), a cozinha é o centro nevrálgico da casa e do apartamento. É a sala mais bem desenhada e racionalizada da casa moderna, simplesmente porque como local de produção, oficina ou fábrica em miniatura, foi o local mais óbvio para aplicar as experiências organizacionais da fábrica moderna e os métodos de produção. A trajetória do design moderno deste interior tem sido impulsionada tanto pela necessidade de eficiência e higiene na preparação dos alimentos, como por uma ligação visceral e emocional com o combustível da vida. A um nível funcional, a cozinha funciona como o tubo digestivo da casa: aqui os alimentos são ingeridos, transformados - com a ajuda de numerosos aparelhos tecnológicos, esforço humano, e um fluxo constante de água, eletricidade e gás – e os subprodutos resultantes evacuados como resíduos. Durante mais de um século, este espaço absor veu engenhocas engenhosas, novos materiais, utilidades e economia de trabalho layouts que tornaram o tratamento dos alimentos mais fácil e mais agradável (em pelo menos em teoria). O material co-

mestível de longe e largo pode agora ser canalizado para a casa como se fosse por magia virada numa caixa à porta, ou entregue canalização quente por mensageiros a qualquer hora do dia e da noite (KINCH, 2015, p.84).

Para Homem (1997), definia-se, assim, a cozinha racional: aquela que é especialmente organizada e ocupa um espaço reduzido, em vista da economia de tempo e de energia humana. Deve ser clara, arejada e bem iluminada por janelas e luzes noturnas, e ter aspecto alegre. Considera três grandes centros de atividades: armazenamento e conservação; limpeza e preparo; cozimento e serviço, apresentando-os em perfeita conexão entre si, mediante a melhor disponibilidade do equipamento e das janelas, além de relacioná-los com as peças que compõem a habitação. O trabalho será simplificado pela disposição e pela automação dos aparelhos auxiliares. Móveis e aparelhos se integram às superfícies contínuas e compactas, contidos todos em um espaço menor e mais bem utilizado, apto a atender à necessidade de economia de passos e de movimentos do usuário. Segundo Kinch (2015), a cozinha de Frankfurt desenhada pela arquiteta austríaca Grete Lihotzky em 1928 é a epítome destas ideias. Racionais, despretensiosas e socialmente orientadas, foram concebidas como o primeiro passo para a construção de um mundo melhor e mais igualitário. Para Lihotzky e os seus colegas do departamento de edifícios da cidade de Frankfurt, a cozinha estava no centro de um programa ambicioso para proporcionar a habitação. O seu ponto de partida foi a consideração não só das habitações internas da cozinha, mas também do arranjo, mas também a sua relação com as outras divisões da casa, e a infraestruturas urbanas necessárias para o abastecimento de água corrente e combustíveis limpos. Kinch (2015), ressalta que as unidades modulares compactas da cozinha e as superfícies de trabalho contínuo poderiam ser expandidas ou contraídas para se adaptar a uma gama mista de habitações e, tal como os próprios edifícios, DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 43


poderia ser em grande parte pré-fabricado. Outro modelo que viria depois da cozinha de Frankfurt como exemplo de cozinha futurista seria a “Kitchen of Tomorrow” exibida pela Libbey-Owens-Ford Glass Company (sediada em Toledo, Ohio) em 1944. Três modelos à escala real foram equipados com aparelhos e vistos por mais de 1,6 milhões de pessoas, alguns elementos foram comercializados posteriormente em lojas populares a começar pela Macy’s em Nova Iorque. Os visitantes podiam votar pelas características que eles mais queriam ver realizadas na “Cozinha do Amanhã”. Segundo Homem (1997), tais atividades criaram condições para o nascimento da cozinha moderna. Foi quando a indústria do equipamento incorporou a ideia de racionalidade. Inicialmente na Europa e posteriormente por influência norte-americana, a indústria nacional desenhava a “cozinha americana”. Representada pelas marcas Fiel e Securit, era composta por módulos de aço, mesa de fórmica com cadeiras forradas de plásticos Plavinil ou Vulcan, e pés de aço. Os módulos dessas cozinhas aproveitavam a parte superior e inferior das paredes, obedecendo a uma medida padrão, representada pela altura da cintura, integrando o equipamento alternado com as superfícies contínuas, a exemplo da supracitada cozinha elétrica GE, norte-americana. As cozinhas americanas eram dispostas em I, em L ou em U, ao longo das paredes, devendo a geladeira ficar próxima à porta de serviço e, o fogão, perto da sala de jantar. Para Costantino (2015), outro modelo que marca o desenvolvimento da cozinha moderna foi o da economista doméstica e engenheira Christine Frederick. Patrocinada pelo Ladies Home Journal, Frederick procurou racionalizar a disposição da cozinha de forma a otimizar a utilização doméstica visando aumentar a eficiência do espaço. Nos planos de 1913 de Frederick para a cozinha Eficiente, o trabalho doméstico era reduzido a dois procedimentos básicos: preparação e limpeza. Para permitir isto, os componentes da cozinha (fogão, lava-louça e superfícies de trabalho) 44 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

foram dispostos em linha contínuas e horizontais, como estações numa montagem de fábrica fordista. A noção de eficiência tem continuado a dominar a formas e desenhos das cozinhas contemporâneas que efetivamente excluem preparar ou cozinhar qualquer coisa mais complexa do que um prato único, porque para fazer mais acarreta em um tempo maior para limpeza. Costantino (2015), ressalta que a cozinha contemporânea continua a ser concebida e comercializada para parecer funcional, racional e eficiente quando, na realidade, se trata de uma tecnologia dispendiosa e de um espaço que é superdimensionado para a maioria das atividades que agora constituem o espaço da cozinha. O equipamento contemporâneo cozinha tem, sem dúvida, menos a ver com a função ou eficiência reais na produção e consumo de alimentos, e mais relacionado com o consumo da própria cozinha equipada. Para a autora a indústria alimentar permite-nos “cozinhar”, simplesmente reaquecendo alimentos pré-preparados, mas a cozinha contemporânea equipada continua a reiterar as noções anteriores de eficiência e funcionalidade, ainda que os materiais, as tecnologias e a escala de muitos equipamentos contemporâneos tornaram-se demasiado específicos para apenas duas tarefas. Segundo Costantino (2015), um modelo de cozinha que estruturou um dos princípios da cozinha contemporânea foi o concebido pelo design alemão Otl Aicher no início da década de 1980, marcado pela ilha, a cozinha da ilha é um das formas e espaços mais desejados pelos consumidores atualmente. Na sua essência, a ilha é uma mesa de cozinha com puxadores, e não é mais funcional do que qualquer outra cozinha. Apesar de ocupar uma parcela espacial significativamente maior, esta não é necessariamente um espaço para o trabalho ou para o cozimento. Para Costantino (2015), a ilha se tornou um elemento desejado nas cozinhas contemporâneas pois permite uma visão panorâmica do espaço e de quem o usa. O proprietário pode então tornar-se parte do próprio espetáculo visual, tal

Figura 06 - Cozinha de Frankfurt, por Grete Lihotzly.

como um chef de televisão que se dirige a audiência diretamente através da câmera. A ilha da cozinha para o consumidor doméstico significa que eles, como cozinheiros, são sempre o ponto focal. Através desse aspecto panóptico da cozinha o ato de cozinhar é transformado em espetáculo. Costantino (2015), afirma que a cozinha é agora moldada pelo desejo de mais espaço. A cozinha contemporânea é equipada e requer um espaço muito maior do que qualquer um dos modelos citados porque hoje não se pensa em quanto espaço se precisa para cozinhar, mas quanto espaço se deseja ter e acredita merecer dentro da casa. Na realidade, cozinhas cada vez maiores são desejadas porque, tal como nas representações midiáticas, esse ambiente tornou-se um marcador da capacidade de possuir o espaço. Homem (1997), afirma que após a criação desses modelos pautados na industrialização dos espaços na cozinha atual assiste-se à diminuição do tempo despendido com referência à sua atividade principal, qual seja, a cocção, existindo

mesmo a tendência à sua supressão na vida cotidiana. Essa atividade está sendo substituída pelo simples aquecimento dos alimentos adquiridos ou armazenados pelo processo de congelamento ou pela vulgarização do fast food, isto é, da comida comprada a quilo. Sob esse prisma o fogão vai a cada dia desaparecendo, eclipsado pelo forno micro-ondas. Isso acarreta na diminuição do espaço destinado à cozinha, a exemplo do que se via nas antigas kitchenettes e nos flats atuais. Nos últimos cinco anos alguns arquitetos e arquitetas passaram a discutir o modelo de casas sem cozinha, pautado na ideia de coliving, onde a cozinha é compartilhada dentro de uma comunidade. Para Baldwin (2020) a ascensão do coliving começou a moldar radicalmente o design de interiores. Em projetos residenciais e empreendimentos comerciais, o coliving está ligado ao surgimento da ideia de uma moradia Segundo Krucken (2017), a gastronomia é uma forma de expressão cultural que se constrói diferentemente em cada território. Ela representa as identidades de cada comunidade, a relação DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 45


sem cozinha. Iniciada pela arquiteta espanhola Anna Puigjaner, essa ideia está conectada a uma série de inovações em design de interiores e coliving construídas nos últimos cinco anos. Por sua vez, esses novos interiores começaram a contar uma história de habitação e experiência espacial enraizada na vida moderna. Segundo Baldwin (2020), o trabalho de Anna Puigjaner intitulado “Kitchenless” de 2016 defende a ideia de residências comunitárias em todo o mundo. Ou seja, moradias sem cozinhas individuais pautadas numa culinária comunitária. A proposta de Puigjaner era criar casas “sem cozinha” com uma cozinha compartilhada central para o coletivo, para resolver os problemas da falta de meios sociais da população crescente e formar uma comunidade dentro de um edifício. Ligada à criação de bairros saudáveis e sustentáveis, a ideia também está enraizada na direção de uma vida ambientalmente consciente. Somente nos Estados Unidos, os americanos desperdiçam 30% dos alimentos consumíveis anualmente. Da mesma forma, jovens e idosos carecem cada vez mais de meios de socialização. Com o objetivo de desenvolver novos modelos de habitação coletiva, Puigjaner acredita que centralizar a culinária em edifícios residenciais e promover a convivência pode começar a abordar essas questões (BALDWIN, 2020).

Em uma entrevista para a Metropolis Maganize a arquiteta Anna Puigjaner afirma que a ideia não é construir uma tipologia que desvalorize o espaço da cozinha, mas que o coloque como núcleo de uma comunidade. Para Puigjaner “A cozinha é a parte mais provocativa da casa. Foi utilizada como uma ferramenta política durante muito tempo, até o ponto em que hoje em dia não podemos aceitar viver sem uma cozinha”. Para Thorns (2018) o conceito de Puigjaner pode ser difícil de ser compreendido, mas a proposta de criar lares “sem cozinha” com uma cozinha central compartilhada para uma comunidade aborda os problemas da falta de meios sociais e formas de crescimento de uma comunidade dentro de um edifício. Durante sua viagem ao sudeste da Ásia, Escandinávia e América Latina, 46 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

percebeu que muitas culturas compartilham os deveres culinários e erradicam a necessidade de uma cozinha individual. Suas soluções variam muito em escala; os refeitórios populares no Peru são responsáveis pela alimentação diária de meio milhão de pessoas e muitas dessas redes podem ser encontradas na Cidade do México e Quebec. Diante de tais pesquisas percebe-se que cada vez mais a alimentação nas cidades caminha para uma alimentação em coletivo nos espaços públicos, interferindo até na tipologia padrão do que se considera a casa.

Figura 07 - “You and Your Kitchen, from Experience by Mrs. Christine Frederick,” The Hoosier Manufacturing Co., New Castle, 1915

Figura 08 - Barnes & Reinecke (Chicago, established 1934). Publicity photo for Future Kitchen scale model. c. 1946.

Figura 09 - H. Creston Doner, “Cozinha do Amanhã” para a Companhia de Vidro Libbey-Owens-Ford. DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 47


cozinha (um instrumento global), conseguir-se-ia criar um produto distinto, com um forte poder de atração de um público global e cosmopolita, que busca conhecer tradições locais (MARTINHO, 2012, p. 109).

1.5.3.

Cidade: Alimentação no espaço público

Segundo Krucken (2017), a gastronomia é uma forma de expressão cultural que se constrói diferentemente em cada território. Ela representa as identidades de cada comunidade, a relação com a terra e os seus insumos a partir dos alimentos produzidos e pela comensalidade construída em torno da mesa. Essa relação entre sociedade, cultura e espaço expressada na gastronomia reflete a região onde ela é construída. Para Krucken (2017), ao mesmo tempo em que as cozinhas saíram do uso doméstico e se tornaram comerciais, os indivíduos que migraram do meio rural para as cidades procuram pontos de referência nas suas antigas raízes. Nessa procura por pontos de referência às suas identidades locais, surgem as cozinhas regionais. Mas o que são as cozinhas regionais? São uma forma de expressão de um grupo de indivíduos que se identificam com determinada região da cidade. Essa forma de expressão se torna um símbolo daquele grupo e uma forma de ser reconhecido e distinguida. Martinho (2012), afirma que o ato de cozinhar é uma das formas mais tradicionais de transmissão de cultura e patrimônio, que tem a capacidade de chegar, virtualmente, a todas as pessoas. Em paralelo, muito do ambiente urbano está diretamente relacionado com a produção, armazenamento, venda e serviço de refeições. Um exemplo é a renovação da base socioeconômica de antigos bairros em diversas cidades do mundo que tem sido rejuvenescida devido à 48 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

organização em torno da produção e consumo de produtos alimentares ou refeições e a combinação estratégica de gastronomia e arquitetura tem sido fundamental para esta renovação. Para Martinho (2012), a abertura de cafés, restaurantes ou lojas gourmet tem sido um motor de regeneração urbana, e a combinação estratégica de gastronomia e arquitetura tem sido fundamental para esta renovação. Os recursos urbanos locais são a herança histórica, industrial e artística, representados através da arquitetura, da paisagem ou de landmarks. Mas são também transmitidos através das pessoas, símbolos, atividades, habilidades ou produção local. Muitas das vezes, recursos como comer ou cozinhar são esquecidos enquanto formas de expressão cultural, por serem dados adquiridos e necessários à sobrevivência humana. Nesse sentido, esses recursos podem ser repensados no sentido de reforçar a identidade local e de modo a gerar novos produtos ou serviços. A gastronomia, por ser patrimônio cultural, tem então todas as características para ser uma ferramenta da cidade criativa: permite estabelecer uma identidade cultural forte, potência o orgulho cívico, é veículo de transmissão de tradições [...] No contexto das Cidades Criativas, a fusão de uma tradição gastronômica local com novas técnicas de

Para Collaço, Barbosa e Roim (2018), radicalizadas nas cidades contemporâneas (especialmente, nas megalópoles), tais características desafiam as ciências sociais e os estudos culturais em geral, tanto devido a sua diversidade cultural e informacional em profusão, quanto por uma sincronia e uma sintonia nunca antes vistas entre fenômenos espacialmente deslocados no globo terrestre, mas conectados por redes de culturas, ideias, imagens, mercadorias e pessoas, revelando diferentes formas de consumo e de uso do espaço urbano. E, nesse atual repertório de práticas e simbolismos, entrevê-se também formas sociais de modernidades alternativas, em diferentes arranjos e que não se limitam à imitação de modelos urbanos hegemônicos, mas híbridos destes com um variado espectro multicultural de tradições. Para os autores diante disso, aparece também uma nova forma de consumo nas cidades, que é o turismo cultural ligado aos processos políticos de patrimonialização. A tradição passa então a ser consumida e traz novas formas de disposição urbana, formulando novas apropriações e experiências ao explorar um imaginário pautado na alegoria de cidades históricas, onde o consumo do lugar e da cultura local se concretiza na contemplação dos monumentos e prédios históricos, e no consumo de amostras do patrimônio cultural, em performances artísticas, artesanato e na gastronomia, que se constituem enquanto formas emblemáticas de uma identidade tradicional e local. Collaço, Barbosa e Roim (2018), ressaltam que além desses processos de formação da identidade do consumo no espaço urbano (radicalizados pelas novas tecnologias de informação e comunicação), outro aspecto que se exacerba na atualidade é a ética e o poder no consumir, pois uma escolha alimentar individual a favor da coletividade constitui também uma forma de

moralidade e de fazer política no espaço urbano. Atualmente, essas características se radicalizam, por exemplo, nos movimentos ambientalistas em rede, que se opõem ao consumo de veículos a combustão e de muitos outros produtos que influenciam no aquecimento e contaminação do planeta; ou também os movimentos veganos, com sujeitos que consomem somente produtos de base vegetal e livres de sofrimento animal em sua produção. Assim, por exemplo, surgem práticas ligadas ao discurso do saudável, ao mesmo tempo relacionada às práticas tradicionais em oposição à vida industrial e a à ultramodernidade do discurso nutricional e médico, cientificista, nem sempre apreendendo as dimensões socioculturais da alimentação, criando uma cultura da musculação, da prática de esportes em parques e das comidas tecnicamente consideradas saudáveis; ou, no caso de grupos veganos, por exemplo, seus membros vão estabelecendo símbolos, pontos de encontro e circuitos específicos de consumo da cidade, frequentando apenas lojas, feiras, mercados e restaurantes que ofereçam produtos orgânicos e de origem vegetal, evitando espaços, produtos ou serviços ligados de alguma forma ao sofrimento animal. E, assim como estes, outros grupos e indivíduos vão criando relações próprias com a cidade e constituindo suas identidades através de consumo de bens culturais e do uso do próprio espaço urbano. Em 2015 uma exposição chamada “Food: Dal Cucchiaio al Mondo” em Roma no MAXXI (Museu Nacional das Artes do século XXI) reuniu trabalhos de toda Europa que discutiam sobre a relação da alimentação com o espaço urbano e social. Segundo Oraá (2015), a mostra fez um percurso multidisciplinar através do espaço social dos alimentos, desde a pequena escala do corpo aos rituais, do ambiente doméstico, das ruas, da cidade, da paisagem e da geopolítica dos cenários mundiais. E passou por obras de arquitetura, esculturas, desenhos gráficos e fotografias que dão aos alimentos a importância que cabe na configuração do espaço de vida, das DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 49


relações pessoais e da comunidade. Para Oraá (2015), no espaço aberto, os alimentos chegam à rua e transformam o espaço público em um lugar social, porque na rua se come, se compra e se vende alimentos que formam toda uma arquitetura da cidade ao redor da alimentação. O curador da mostra, Pippo Ciorra, disse à Agência Efe que no corpo, na cidade, na casa, na cidade e na paisagem, os alimentos são um dos principais agentes através dos quais as pessoas projetam e vivem o espaço. Um nome que não pode deixar de ser citado quando o assunto é gastronomia e sua relação com a cidade é a do chef e crítico norte-americano Jonathan Gold, primeiro crítico gastronômico a receber o maior prêmio do jornalismo, o Pulitzer. Gold celebrava a diversidade cultural das grandes metrópoles refletidas na gastronomia do espaço urbano. Em sua obra “Counter Intelligence: Where to eat in the real Los Angeles” (2000), laureada com o Pulitzer, Gold reúne uma coletânea de críticas gastronômicas organizadas em ordem alfabética sobre restaurantes populares de Los Angeles, dando visibilidade a boa comida de estabelecimentos antes anônimos. São 243 críticas ao todo, divididas em ordem alfabética contendo a localização dos estabelecimentos na cidade, atuando como um mapeamento da metrópole californiana através de seus restaurantes populares. No Brasil a alimentação no espaço público faz parte da cultura do país desde os primórdios de sua sociedade. Alguns pratos estão tão presentes no cotidiano de metrópoles brasileiras que se tornaram elementos da identidade urbana desses locais. Quem já frequentou a praia do Rio se Janeiro certamente viu vendedores oferecendo queijo coalho ou camarão grelhados, chá mate e biscoito Globo, lanches clássicos da orla carioca. Em São Paulo, feiras ser vem caldo de cana e pastel frito, adaptação local de um prato trazido originalmente pelos chineses e popularizado pelos japoneses. Em Minas, o pão de queijo e o pastel, também de queijo. Em Salvador, impossível não mencionar o acarajé (com ou sem pimenta), inclusive declarado como bem cultu-

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ral imaterial pelo IPHAN. A capital baiana também já conta com um Guia de Comida de Rua próprio, tamanha a diversidade encontrada na cidade. Nas ruas do Nordeste encontramos a tapioca, que já se espalhou pelo país. Em Porto Alegre, ambulantes vendem heranças dos vizinhos uruguaios como o pancho (pão francês com linguiça) e os churros, assim como o entrevero, sanduíche recheado de restos variados do churrasco. E, em boa parte do Brasil, lanches como espetinhos, cachorro quente (o já tradicional “dogão”) e milho verde procuram os melhores pontos de venda, além do sor veteiro e do pipoqueiro, que cada vez menos podem ser vistos nas calçadas (LING, 2019).

Para Ling (2019), a experiência social e urbana brasileira, assim como em muitas cidades do mundo, é marcada pela comida, oferecida por pequenos empreendedores que sustentam suas famílias através dessa atividade. Esse aspecto tradicional da cidade não é recente mas, segundo João Luiz Máximo da Silva, no texto “Comida de rua e transformações urbanas na São Paulo do século XIX“, “no Brasil, a comida de rua sempre esteve presente em nossos centros urbanos desde os primeiros séculos de colonização”. Na época, mulheres escravas eram protagonistas da comida nas ruas com seu tabuleiro de quitanda onde, no Rio de Janeiro, andavam pela cidade e, em São Paulo, tradicionalmente atuavam estacionadas nos locais que pareciam mais lucrativos. Segundo Ling (2019), ao redor destes ambulantes, o espaço público se torna o salão do refeitório, não apenas um espaço de passagem. Baixios de viadutos, protegidos do tempo e espaços valiosos esquecidos pelo poder público muitas vezes são ocupados por estes comerciantes que, não apenas oferecendo uma alternativa de alimentação, tornam estes espaços mais seguros. Um exemplo de movimento que discute a alimentação no meio urbano e todas suas problemáticas, sejam elas econômicas, sociais ou políticas, é o “Gastromotiva”. Fundada em 2006, pelo chef e empreendedor social David Hertz, a Gastromotiva é co-criada do Movimento da Gastronomia Social. Uma iniciativa global que

conecta pessoas, projetos, empresas, universidades, agências internacionais, governos e a sociedade civil em torno do poder transformador da comida. Para o movimento a fome, desperdício, falta de oportunidades, obesidade e má nutrição são desafios globais da vida urbana atual que demandam ações conjuntas. A partir da experiência acumulada em mais de uma década de trabalho e impacto no Brasil, no México, na África do Sul e em El Salvador, a Gastromotiva segue transformando vidas nos locais em que atua e cada vez mais amplia sua visão e ação global de cooperação com os objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU. O projeto do espaço foi desenvolvido e assinado por Gustavo Cedroni da METRO Arquitetos, além de artistas como Vik Muniz, irmãos Campana e Maneco Quinderé que se voluntariaram para desenvolver a cenografia e mobiliário. O fotógrafo francês JR e os artistas Pas e Spear também contribuíram com peças para o espaço. Atualmente outro aspecto que está modificando continuamente a alimentação no espaço urbano são os serviços de delivery e a utilização de aplicativos que mediam o contanto entre restaurantes e consumidores, como o desenvolvido pela empresa brasileira iFood (2011), tornando-se líder desse setor na América Latina, e a plataforma norte-americana Uber Eats (2014). Segundo Yassuda (2020), o delivery mudou a rotina da cidade impulsionado pelas plataformas digitais, o hábito de pedir refeições vem transformando o cenário gastronômico e até a arquitetura de cidades como São Paulo. Antes uma ação esporádica — aquela pizza no jantar de domingo —, encomendar uma refeição para ser entregue em casa ou no trabalho virou uma constante de muita gente da capital. O almoço da firma, anteriormente no bandejão da empresa ou em um bufê por quilo, agora pode ser feito na mesa do endereço comercial — e com sushi e hambúrguer recém-desempacotados. O pijama, quem diria, pode virar o figurino de um jantar com pratos vindos do restaurante fino — mas no conforto do sofá de casa. Nem é mais necessário fer ver a água de manhã — o cafezinho nosso de cada dia chega de

motoca, pronto para ser tomado (YASSUDA, 2020).

Essa forma de consumo está alterando a sociabilização do ato de comer, assim como diminuindo cada vez mais a comensalidade da alimentação à mesa. O delivery vem mudando essas e outras cenas do cotidiano da cidade. Para Yassuda (2020), solicitar comida pronta deixou de ser um ato contra a preguiça de cozinhar e se tornou uma comodidade desfrutada 24 horas por dia, isso ocorre com força extraordinária atualmente, onde caminha-se para a era digital. Segundo Yassuda (2020), de acordo com a pesquisa Crest, realizada pela GS&NPD em parceria com o Instituto FoodService Brasil, os pedidos movimentaram 20,5 bilhões de reais no país em 2019. Esse movimento acarreta mudanças até na arquitetura de diversos espaços da cidade. Alguns prédios comerciais, residenciais e shoppings vêm recebendo adaptações estruturais para se adequar à rotina do trânsito de produtos alimentícios entregues por delivery. O ponto de partida e o de destino dos entregadores que rodam a cidade sobre motos e bikes e até em patinetes e automóveis nem sempre estão preparados para recebê-los. Em prédios comerciais quem tomou a dianteira da organização do fluxo foi o próprio iFood. Há um ano, a empresa instala, em edifícios onde a concentração de pedidos é grande, armários em que a comida é depositada e o cliente os abre com um QR code. No ano de 2020 devido a pandemia mundial provocada pelo vírus COVID-19 provavelmente mudanças vão ocorrer na forma de consumo de alimentos no espaço urbano, principalmente em relação a comensalidade, que já passava por um processo de supressão pelo individualismo oriundo de um mundo digital, com os aplicativos de delivery. Agora com a necessidade de um distanciamento social a relação entre alimentação e espaço público vai ser alterada, havendo uma retomada da valorização dos espaços privados representados pelas cozinhas.

DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 51


Figura 10 - Refettorio Gastromotiva.

Figura 11 - Refettorio Gastromotiva.

52 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

Com o isolamento social dentro de suas respectivas casas as pessoas passam a se aventurar na cozinha, redescobrindo a importância da conexão com os alimentos. Além do uso de aplicativos para consumo de pratos que agora não são mais possíveis de consumir em restaurantes. A Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN) divulgou em março de 2020 um “Guia para uma alimentação saudável em tempos de COVID-19”, esse é o conteúdo mais recente que discute o consumo em tempos de pandemia. Segundo o guia nesse momento é necessário que a sociedade repense novas formas de viver e de se alimentar. Para os nutricionistas uma alimentação saudável nesse ano é primordial para manter a saúde e imunidade em ótimas condições. Além disso com a pausa do transporte, trabalho, e vida no espaço urbano as pessoas podem refletir sobre a alimentação e a produção dos alimentos. Segundo Tonon (2020), para a revista online “Nossa” a pandemia nitidamente está transformando a arquitetura dos restaurantes, um exemplo são as medidas tomados por um dos restaurantes mais renomados do mundo, o Noma, do chef René Redzepi, em Copenhague, que alterou não só o menu para se enquadrar no cenário atual, mas o próprio espaço do restaurante que agora ocupa uma área externa em frente para um lago da região. Para Tonon (2020), com um menu focado em hambúrgueres e vinhos naturais o Noma deixou de lado as receitas de apresentações primorosas e de técnicas apuradas para se adaptar a uma configuração ao ar livre. Bancos de madeira foram distribuídos pela longa passagem de acesso à construção principal, enquanto outros foram estrategicamente colocados com vista para o lago. Nos gramados, entre as sombras das árvores, cabanas de galhos e tecidos foram montadas, e cadeiras de praia de madeira foram dispostas em torno de toalhas no chão. Segundo Tonon (2020), enquanto alguns restaurantes optam por soluções mais informais para promover o distanciamento dos clientes (como o uso de manequins e bichos de pelúcia

nas mesas), outros adotam medidas que envolvem uma nova arquitetura de seus espaços. Especialistas acreditam que a arquitetura de interiores voltada para restaurantes vai ter que se reinventar para o período pós pandemia. O designer francês Patrick Jouin, reconhecido por seus projetos das primeiras estações de bicicletas compartilhadas Vélib aos novos restaurantes do renomado chef francês Alain Ducasse, defende o uso do que ele chama de dispositivos “pragmáticos” para o regresso da quarentena. Segundo Patrick Jouin (2020), para uma entrevista ao jornal francês “Le Monde”, mais do que uma simples distância entre mesas para instalar confiança, é necessário recriar uma arquitetura de interiores com as barreiras físicas mais elegantes e leves possíveis, para evitar a morte do amor pelos restaurantes ou a perda da alma do lugar. Tonon (2020), afirma que entre as iniciativas pensadas pelo designer, que é parceiro de Ducasse em restaurantes como o Allard, em Paris, até o novo restaurante Blue em Bangkok, estão a delimitação dos espaços com telas móveis e translúcidas, que podem bem ser feitas com molduras de madeira em que são esticados ou penduradas películas transparentes, como plástico filme, do tipo usado por floristas. Outra solução apontada por arquitetos e arquitetas que trabalham com projetos de restaurantes é a utilização do espaço urbano, principalmente das calçadas nessa nova fase em que se encontra o mundo, além da criação de pontos de higienização de mãos em todo o salão, evitando aglomeração em qualquer espaço do layout, assim como a separação da área de entrada e saída. O restaurante holandês Mediamatic ETEN localizado em Amsterdã é um exemplo de como estender a área útil do restaurante para o espaço urbano, criando cabines que ressaltam o distanciamento social, em vez de mesinhas próximas umas às outras, pequenas casas com paredes e telhado de vidro foram instaladas no deck próximo ao restaurante. Diante desse novo cenário mundial uma questão que sempre esteve presente na sociedade, DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 53


mas agora se evidencia é a desigualdade de consumo oriunda da desigualdade social que é gritante no Brasil. Uma grande parcela da sociedade já é desemparada economicamente e atualmente encontram-se sem a oportunidade de ganhar seu sustento, que em grande parte é voltado para a compra de alimentos. A pandemia mostra que devemos pensar e se preocupar não só com nossa alimentação, mas com o coletivo. Esse é um momento oportuno onde a alimentação no espaço urbano da coletividade deve ser repensada.

Figura 13 - Cabines chamadas “Serres Séparées” pelos criadores, pequenas estufas para o restaurante holandês ETEN (2020).

Figura 12 - Barreiras criadas pelo designer Patrick Jouin para o restaurante de Alain Ducasse.

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Figura 14 - Cabines chamadas “Serres Séparées” pelos criadores, pequenas estufas para o restaurante holandês ETEN (2020). DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 55


filosófica da dialogia trata de ver as relações entre o corpo e a arquitetura numa relação cronotópica e fenomenológica descrita por Bakhtin e teorizada por Paul Ricouer. A tripla natureza das relações entre corpo e arquitetura articula: o projeto, a construção e o uso social, numa estrutura cronotópica entre realidade e representação do espaço sociofísico.

1.6. Arquitetura e Dialogia Segundo Salcedo (2007, p.15), os centros históricos representam principalmente o traçado inicial da cidade, são estruturas urbanas e arquitetônicas que expressam as manifestações políticas, econômicas, sociais, culturais e tecnológicas, das formações sociais dos diferentes períodos históricos. O centro histórico por ser uma estrutura urbana consolidada deve ser resguardado principalmente com relação a novas intervenções que não levam em consideração o contexto e acabam desconfigurando o espaço existente. Segundo o Governo da Itália, que é um exemplo da gestão do patrimônio arquitetônico e urbano o conceito de centro histórico está associado à origem do núcleo da cidade. Todos os assentamentos humanos cujas estruturas unitárias ou fragmentárias, ainda que se tenham transformado ao longo do tempo, se hajam constituído no passado ou, entre muitos, os que eventualmente tenham adquirido um valor especial como testemunho histórico ou características urbanísticas ou arquitetônicas particulares (GOVERNO DA ITÁLIA, 1972 apud IPHAN, 2004, p.166 apud SALCEDO, 2015, p.3).

Para Salcedo (2007, p.23), a categoria urbana se remete a formação inicial da cidade 56 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

representada pelo traçado urbano, às edificações, os espaços livres e seu mobiliário. Segundo Castells (1982, p.141) o espaço urbano é um produto material relacionado com outros elementos, entre eles os homens, os quais adquirem determinadas relações sociais, que dão ao espaço uma forma, uma função, um significado social. Segundo Chamma e Salcedo (2016) o processo de declínio vivenciado nos centros históricos tem comprometido a memória e a identidade dos centros históricos, em face da descaracterização que sofrem. As áreas centrais urbanas, ainda que com toda carga histórica que contêm, estão tornando-se cada vez mais decadentes e abandonadas. Desse modo os projetos para construções novas, em contextos históricos, deveriam ser integrados à paisagem edilícia do contexto, respeitando suas características, seus gabaritos de altura e aspectos formais das edificações existentes. Diante da compreensão do que se trata o centro histórico de uma cidade e de métodos para sua intervenção Ricouer (2003) e Muntañola (2007) fundamentados na filosofia de Bakhtin (1999), desenvolvem a teoria do método dialógico, que compreende duas etapas: o contexto do centro histórico e o texto ou arquitetura. Salcedo (2015), afirma que a base teórica

Essa relação (diálogo) entre o projeto, a sua leitura, o seu contexto e o objeto final é caracterizada por Mikhail Bakhtin (1999), como a Dialogia de uma obra. Portanto, a dialogia inicia-se pela compreensão do texto arquitetônico, ou seja, o estudo do projeto, o seu percurso, até a realização da obra; terminando no uso. Essa análise só pode ser realizada e interpretada dialogicamente entendendo o contexto histórico e interpretando os fatos políticos e sociológicos em que a obra está inserida (ZÚQUETE, 2000 apud SALCEDO, 2015).

Chamma e Salcedo (2016) afirma que o método dialógico se apresenta como um processo de reflexão para o campo disciplinar da arquitetura, como pressuposto projetual marcado pela importância simbólica do conceito de lugar como resultado das expressões sociais, históricas, culturais, políticas, econômicas da sociedade e da interpretação desse contexto e da própria arquitetura (o texto). O objetivo do método proposto caracteriza-se pela ideia que a obra de arquitetura deve considerar as dimensões do tempo mental, ou seja, a etapa projetual (prefiguração), o tempo cosmológico ou construção propriamente dita (configuração) e o tempo histórico ou tempo de uso (refiguração). Portanto o objetivo do método é desenvolver uma arquitetura dialógica que considere o texto, o contexto a fundamentação teórica e metodológica. Essas três etapas foram denominadas pelo filosofo francês Paul Ricouer (2003) e foram postuladas como a narratividade de Ricoeur, que faz paralelismos entre Linguagem e Arquitetura. Segundo Chamma e Salcedo (2016) a analogia da arquitetura com a narratividade é organizada em três dimensões sucessivas: prefiguração,

configuração e refiguração; definidas em tempo e relato com a denominação de mimesis, isto é, representação criativa. A prefiguração na linguagem é a conversação usada na vida cotidiana, antes de transformar-se em forma literária. Na Arquitetura, prefiguração é a ideia do projeto. A configuração na linguagem é aquela em que o ato de narrar se liberta do contexto da vida cotidiana e penetra no campo da literatura, ou seja o registro pela escrita. Na Arquitetura a configuração é a construção do espaço do projeto arquitetônico. A refiguração na linguagem é a compreensão e interpretação do texto escrito. Na arquitetura o uso social, ou seja, o confronto dos usuários com o espaço concebido. A arquitetura seria para o espaço o que a história é para o tempo, ou seja, uma operação de “configuração”; um paralelismo entre, por um lado, o ato de construir, ou seja, construir no espaço, e, por outro lado, o ato de narrar, arranjar a trama no tempo (RICOUER, 2003, p.11).

Segundo Chamma e Salcedo (2016) no método dialógico outro conceito importante que deve ser abordado é o Cronotopo, consolidado por Bakthin (1999). O termo provém dos termos gregos “Kronos”, cujo significado é tempo e “Topos”, que significa lugar e se refere às relações que existem entre tempo e espaço nas obras literárias, mas que também podem ser percebidas na arquitetura. O diálogo arquitetônico, ou seja, a relação entre o projeto, a sua leitura, o seu contexto e o objeto final é caracteriza por Mikhail Bakhtin (1999), como a Dialogia de uma obra. Portanto, a dialogia inicia-se pela compreensão do texto arquitetônico, ou seja, o estudo do projeto, o seu percurso, até a realização da obra; finalizando assim, com seu uso [...] Bakhtin, com sua teoria aplicada à arquitetura, sugere um método de projeto fundamentado nas relações cronotrópicas que constituem, identidade, memória e história do lugar e de seus habitantes (CHAMMA; SALCEDO, 2016).

Outra contribuição para o método dialógico DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 57


é do arquiteto espanhol Joseph Muntañola Thornberg, professor catedrático da Universidade Politécnica de Cataluña, com o conceito de Topogênesis. Para Muntañola (2000), o lugar é o elo entre a história e o sujeito, sem o qual rompe a razão entre a história e o sujeito. O momento em que o espaço ganha o significado de lugar é quando nele se estabelecem as relações afetivas, a identidade e a memória. Chamma e Salcedo (2016), afirmam que a topogênesis orienta o desenvolvimento da arquitetura considerando o lugar habitado, com sua a tríplice natureza dialógica e assim valorizando os aspectos estéticos, científicos e éticos. Assim a

1.6.1.

relação entre Arquitetura e Dialogia Social é definida por Muntañola (2002, p.37) em três tempos diferentes: o tempo mental (projeto), tempo cosmológico (construção) e o tempo histórico e social (apropriação social do lugar), constituindo as três dimensões fundamentais da arquitetura como um elo entre o corpo humano, entre o entorno e a história social dos seres humanos.

Projetos gastronômicos dialógicos em centros históricos

O intuito da pesquisa ao utilizar o método dialógico é ressaltar a importância de novos projetos em centros históricos que valorizem e tomem o contexto como partido arquitetônico. A requalificação de centros históricos, seja através da reabilitação, restauro ou novos projetos é necessária como estratégia econômica para uma demanda que se intensifica perante a globalização das cidades. Exemplos consolidados são cidades europeias como Paris e Roma (estruturadas tanto estética como economicamente) que fazem de seus centros históricos uma importante fonte de renda para o país, levando em consideração a história e atrativos turísticos como a gastronomia no espaço urbano. O projeto arquitetônico produto da pesquisa é uma centro cultural gastronômico no centro histórico de São Paulo, no bairro da República no contexto do Largo do Paiçandu, para compreensão de um projeto dessa magnitude se faz necessário a análise de alguns estudos de casos que se assemelham à esse nicho de projeto arquitetônico, focado na gastronomia. 1.6.1.1. Markthal Rotterdam (Holanda) O Markthal Rotterdam foi projetado pelo premiado escritório holandês MVRDV e executado em 2014, após vencer um concurso em 2004 58 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

organizado pela cidade de Rotterdam para a concepção e construção de um mercado municipal em Binnenrotte. O município queria estender o mercado ao ar livre existente com a adição de uma cobertura, já que de acordo com as rigorosas normas europeias, no futuro a venda ao ar livre de alimentos frescos e refrigerados não será mais permitida, além disso o município queria aumentar a quantidade de habitantes no centro da cidade, a fim de criar mais capacidade para os serviços em um lugar histórico junto ao Binnenrotte, muito próximo da estação Blaak e do maior mercado ao ar livre do país. O projeto foi construído como o maior mercado coberto da Holanda segundo a descrição da equipe do projeto para o site Archdaily. Este projeto consta de um enorme espaço fechado no nível da rua, rodeado por um edifício residencial em forma de arco. Sua forma, seu interior colorido e sua altura tornam o Markthal um grande espetáculo. O projeto é único não apenas pela forma e tamanho, mas especialmente pela maneira como as diferentes funções são combinadas. A combinação entre um prédio de apartamentos que cobre um mercado de alimentos frescos com praça de alimentação, um supermercado e um

estacionamento subterrâneo. O edifício trata-se de um ícone no centro de Rotterdam que despertou um grande interesse nos diversos meios internacionais. O edifício possui raízes históricas: situado junto a igreja medieval Laurenskerk, na beira do antigo rio Rotte. O novo mercado procura criar um importante impulso para o mercado ao ar livre de Binnernrotte, e ele contribui também para melhorar a economia urbana. O mercado intensifica a conexão com o centro histórico da cidade. O projeto trouxe impactos urbanos positivos para o centro da cidade, posto que após sua conclusão como o fluxo de pessoas aumentou na região a prefeitura iniciou um projeto de reurbanização de Binnenrotte, com mais áreas verdes e espaço para terraços, a fim de convertê-lo em um lugar mais atrativo e animado, também nos dias em que o mercado não está funcionando. O mercado é um edifício sem fachada posterior, por todas as partes existem entradas e janelas. Por isso, todo o fornecimento para o mercado, lojas e estabelecimentos é feito nos pavimentos subterrâneos. No primeiro pavimento foi instalada uma grande plataforma de distribuição com acesso ao estacionamento para veículos de entrega e monta-cargas. Assim os residentes não são incomodados pelos momentos de carga e descarga que acontecem geralmente de manhã bem cedo. O fornecimento do supermercado é feito com grandes caminhões através dos monta-cargas ocultos na praça Binnenrotte, que sobem até a praça para descarga. Neste mesmo pavimento, também existem despensas e o bicicletário para os residentes. Os moradores podem chegar aos seus apartamentos através de seis entradas separadas que levam aos elevadores e escadas. Devido à curva da estrutura, o hall dos elevadores gradualmente, andar por andar, muda de tamanho e localização. No piso térreo o elevador está localizado na fachada interior, no último andar na fachada exterior. Cada hall de serviços dos elevadores serve no máximo quatro apartamentos, dois dos quais têm janelas para o mercado e todos têm

grandes fachadas de vidro para o exterior. Segundo a equipe do projeto o Markthal Rotterdam é um conceito completamente novo, o primeiro edifício desta forma, um híbrido entre mercado e residência. Rotterdam experimenta um novo modo de habitar com esta nova tipologia, utilizando os apartamentos para criar um volume que abrange o mercado e um novo edifício público, que não seria tão grandioso sem a habitação.

DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 59


Figura 15 - Edifício Markthal Rotterdam.

Figura 17 - Planta Markthal Rotterdam.

Figura 16 - Interior do Markthal Rotterdam.

Figura 18 - Corte do Markthal Rotterdam.

60 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 61


1.6.1.2.

Chelsea Market NY (Estados Unidos da América)

O Chelsea Market é um edifício gastronômico localizado em um dos bairros históricos da ilha de Nova York. Segundo o próprio site do empreendimento o Chelsea é um mercado de bairro com uma perspectiva global, com o tempo se tornou um destino culinário icônico e um edifício de renome internacional quando se trata de gastronomia em centros urbanos. O Chelsea Market é considerado um dos maiores mercados de varejo e alimentação do mundo. Localizado no coração do Meatpacking District da cidade de Nova York, a área sempre foi o locus de alimentação da cidade, os trens da High Line serviam antigamente aos açougueiros atacadistas que se alinhavam nas ruas sob os trilhos e resfriavam suas provisões com blocos de gelo do rio Hudson. O edifício histórico foi também uma das primeiras fabricas da National Biscuit Company. O Chelsea Market atrai 6 milhões de visitantes nacionais e internacionais anualmente, é um dos destinos mais frequentados e comentados da cidade de Nova York. Atualmente o edifício também é sede de grandes empresas em Nova York como Google, Youtube, EMI Music, entre outras. A construção do local preserva o estilo industrial com tijolinhos tradicionais, assim como os edifícios do contexto, 62 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

com decoração rústica interna que cria o estilo do Chelsea Market.

Figura 19 - Chelsea Market em Nova York.

Figura 20 - Planta do Chelsea Market.

DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 63



2. Método: Dialogia e Arquitetura O método aplicado é a arquitetura e dialogia, que tem como fundamentação filosófica e teórica a dialogia e cronotopo de Bakhtin (1988; 2018), a hermenêutica e narratividade de Ricoeur (2003) e a Topogênese de Muntañola (2007) e Salcedo (2007, 2015), que relacionam o Texto (Diretrizes projetuais para a arquitetura cultural gastronômica) e seu Contexto (centro histórico de São Paulo). O método proposto é complementado com dados de outros autores, tais como: Strauss (1964), Flandin e Montanari (1996), Dória (2014), que implicitamente utilizam desse diálogo entre espaço e alimentação para construção de suas obras. Contexto: Distrito da República do Centro histórico de São Paulo, com ênfase no Largo de Paiçandu (Local do terreno do projeto para restaurante), a análise é realizada segundo as dimensões física (ambiental, urbana, arquitetônica), social (grupos sociais, cultural), simbólica, gastronômica e gestão (legislação). Texto: Diretrizes projetuais para a arquitetura cultural gastronômica, compreende a seleção do terreno, as diretrizes projetuais para a arquitetura gastronômica e o programa de necessidades que responde a demanda do entorno. As diretrizes projetuais: tem como base os temas abordados no primeiro capítulo: Diálogos 66 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

entre a arquitetura e gastronomia; o Centro histórico de São Paulo nas suas dimensões (fisica, social, simbólica, gastronômica e gestão). O programa de necessidades tem como base os temas abordados no primeiro capítulo: Diálogos entre a arquitetura e gastronomia; o Centro histórico de São Paulo e as diretrizes projetuais.

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alimentos surgia. Fato que provavelmente ligado ao desenvolvimento de um fenômeno cada vez mais presente no cotidiano da sociedade aqui estudada: o hábito de se alimentar fora de casa. Ao focarmos neste ponto, não há como ignorar a estreita relação entre o aumento progressivo dos estabelecimentos responsáveis pela venda e produção alimentar e as transformações vivenciadas pela capital paulistana (BASSO, 2016, p.4).

3. Diálogos do contexto e texto: Centro histórico de São Paulo e Diretrizes Projetuais para Arquitetura Cultural Gastronômica Seguindo os conceitos abordados pelo método dialógico o contexto do local onde o projeto será realizado é analisado em duas etapas. Primeira, é a análise do contexto e identificação das categorias potenciais para a elaboração do projeto, pautada nas dimensões física (ambiental, urbana, arquitetônica) social,(cultural), simbólica e gastronômica, do distrito da República do centro histórico São Paulo, com ênfase no Largo de Paiçandu (Local do terreno do projeto para restaurante). Segunda, a seleção do terreno e as diretrizes projetuais para a arquitetura gastronômica e o programa de necessidades do edifício que responde a demanda do entorno. 3.1. Centro histórico de São Paulo 3.1.1. Dimensão física 3.1.1.1. Análise histórica Segundo Basso (2016) para falar de alimentação no espaço público da urbe paulistana é necessário nos reportarmos às mudanças ocorridas no século XVIII, onde em 1765 ocorre a autonomia administrativa da capitania de São Paulo, antes anexada ao governo do Rio de Janeiro por 17 anos. Nessa data o governo passou a reorganizar a capitania, seja do ponto de vista administrativo e militar, seja do ponto de vista econômico, com incentivos ao comércio, à 70 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

pecuária e à produção agrícola, especialmente do açúcar. Basso (2016) afirma que tal quadro atraiu negociantes de diversas procedências, até mesmo do exterior para a região, fato que foi potencializado com a chegada da Corte em 1808. Assim não só o Rio de Janeiro, mas diversas cidades do território luso americano conheceram uma grande afluência de estrangeiros que trouxeram novos hábitos, além de produtos e alimentos. Essa dinamização socioeconômica trouxe consigo a necessidade de toda uma estrutura para atender o contingente populacional que circulava nos espaços públicos da cidade. Ou seja, um complexo circuito de atividades comerciais ligadas aos gêneros alimentícios. Essa estrutura economia possibilitou a sobrevivência de grupos compostos por pequenos comerciantes, como negras de tabuleiros, donos de vendas que se aproveitavam do intenso fluxo diário de pessoas nas ruas para angariar sua subsistência. O resultado dessa dinâmica cotidiana foram o surgimento e ampliação do comércio de alimentos na cidade. O desenvolvimento de um trabalho cruzado com diferentes fontes documentais tem nos permitido perceber que à medida que o perímetro urbano se expandia, uma maior diversidade de categorias de comércio de

Segundo Masano (2011), as mudanças ocorridas no período colonial provocaram o início da diversidade culinária paulistana. É essencial remontar à formação da mesa colonial, somada aos fluxos imigratórios e migratórios com destino à cidade, dando origem a uma população fortemente mestiçada que contribuiu para uma expressiva variedade gastronômica. Basso (2016) afirma que de fato, nota-se a existência de uma diversidade cultural de pessoas responsáveis por garantir o abastecimento alimentar na São Paulo de outrora, tais como pequenos comerciantes, quitandeiras, donos de tavernas e botequins, grupos estes que acabaram dando novas amplitudes à produção e consumo de alimentos nas ruas da capital paulistana. Segundo Basso (2016) no caso de São Paulo, dois estabelecimentos aparecem de maneira mais constante na documentação da Câmara Municipal: as vendas e as tavernas. Com relação às primeiras, nota-se que elas eram as principais responsáveis pelo abastecimento de gêneros comestíveis e bebidas para a população de um modo geral e, conforme outros lugares da Colônia. Ao que tudo indica as vendas ou casas de vendagens, como também eram denominadas, podiam ser locais de compra e até mesmo de consumo de mercadorias básicas o que incluía, além dos gêneros molhados (bebidas e comestíveis em geral), também os secos (tecidos, armarinhos, instrumentos de trabalho, utilidades domesticas, etc.). Diante disse percebe-se que o mercado de alimentação esteve presente no território paulista desde sua origem. Atualmente segundo Masano (2011) do ponto de vista econômico a magnitude

e a importância do mercado de alimentação na cidade de São Paulo se expressa pelo número de estabelecimentos que congrega, são 4,5 mil padarias, 3 mil açougues, 3,4 mil supermercados e 12,5 mil restaurantes; devendo-se observar ainda sua posição de destaque no contexto internacional como uma das maiores metrópoles do mundo (GEOGRAFIA DE MERCADO, 2010; ABRASEL, 2009). Além da presença desse sistema econômico, no que diz respeito a alimentação no espaço urbano da cidade, outro aspecto marca a história da alimentação em São Paulo, os fluxos migratórios. Estrangeiros vindos de diversas partes e brasileiros de outros Estados ou do próprio interior paulista que juntos contribuíram para a formação dessa mesa miscigenada. Masano (2011) afirma que além desses fluxos, uma variedade de outros toma forma nos dias atuais, caracterizando a globalização contemporânea, e consequentemente vão modelar a economia e a sociedade, tendo impacto também no âmbito da alimentação. Dessa forma, compreender ainda que em linhas gerais esses processos de migrações internas e globalização é condição fundamental para que se possa refletir sobre a gastronomia da cidade de São Paulo. Heck e Belluzzo (1999) afirmam que os muitos imigrantes que desembarcaram em São Paulo desde meados do século XIX traziam na bagagem sua cultura, seus hábitos e suas memórias. Nesse sentido, a comida é um elemento de destaque, porque o imigrante logo é obrigado a adaptar-se às formas locais de sociabilidade e trabalho, de modo que a culinária se estabelece como um meio de resistência a completa aculturação. Entre as diferentes formas de memória coletiva, uma das mais persistentes é a memória culinária, com sua variedade de sabores, aromas e cores que resistem ao impacto do tempo e até mesmo ao desenraizamento cultural e geográfico. Por isso, a lembrança dos pratos feitos pelos antepassados ocupa um lugar tão importante nos relatos dos imigrantes, obrigados a se adaptarem a novas relações sociais, novos costumes e, sobretudo, novos hábitos alimentares, quando trocam de país. O sabor de certos alimentos DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 71


e a singularidade de certos temperos são um testemunho do passado. Eles reafirmam, pela materialidade dos sentidos, que esse passado a cada dia mais distante não se perdeu, que ele sobrevive na maneira especial de assar o pão no formato gracioso de biscoitos que marcam as lembranças da infância, ou no odor forte de ingredientes que, não sendo encontrados no novo país são preparados em casa, impregnando os quartos e corredores da memória (HECK; BELUZZO, 1999, p.13 In: MASANO, 2011, p.74).

Um exemplo desse processo é a proximidade da culinária desenvolvida em São Paulo à gastronomia portuguesa até o século XIX. Para Masano (2011) na metrópole paulista, foram as dificuldades de acesso a produtos importados e uma economia com base de subsistência que aproximaram o paladar português. Segundo Silva (2010, p,74), a cozinha paulista nascia “com hábitos ibéricos associados a práticas e alimentos indígenas, repassados, posteriormente, aos negros escravos”. Espalhou-se também na direção de Minas Gerais, acompanhando a subida da serra por parte dos paulistas, tendo chegado, ligeiramente modificada pela introdução de gêneros locais, ao Mato Grosso e Goiás. Para a autora, a sobrevivência dos paulistas dependeu de seus hábitos itinerantes, flexibilidade e assimilação de costumes indígenas. Segundo Masano (2011), no mesmo século XIX que São Paulo vê o tripé feijão, farinha e carne seca ganhar a companhia de hábitos imigrantes que aqui desembarcaram e começaram a ser incorporados a cidade começa a se deslocar da realidade das comidas de tabuleiro e da informalidade do comércio de rua para a dos primeiros restaurantes, cafés e confeitarias. Já o século XX que assiste aos intensos fluxos migratórios e à multiplicação desse contingente, em virtude do crescimento da população, vai ser palco também para o florescimento da indústria de alimentos, a transformação do mercado varejista, o aumento no consumo de alimentos fora do lar, dentre tantas outras mudanças no comportamento do consumidor, consolidando São Paulo como principal polo gastronômico do Brasil. 72 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

Para Masano (2011) parece válido afirmar que a culinária brasileira desde o estabelecimento dos portugueses até o final do império é, majoritariamente, uma culinária portuguesa que se desenvolvera nos trópicos, que se valeu de ingredientes locais e incorporou técnicas indígenas, sobretudo como forma de sobrevivência; que trouxe ao Brasil produtos africanos e fez deles executores enquanto escravos; em que os estratos sociais mais baixos vão tentar se aproveitar ao máximo daquilo que a terra lhes oferece, enquanto as elites vão buscar se aproximar daquilo que existe além-mar, com o objetivo de se diferenciarem culturalmente dos demais habitantes do país. Masano (2011) afirma que a relevância da cidade de São Paulo como principal polo de alimentação do Brasil pode ser avaliada tomando por base alguns indicadores do município e de sua região metropolitana, ao demonstrarem a magnitude e a importância desse mercado no cenário nacional, não somente no ramo de alimentação, mas também como centro econômico-financeiro do país. Um dos indicadores da importância desse polo é o número de restaurantes presentes atualmente no espaço urbano da cidade. Segundo Masano (2011), os restaurantes de São Paulo acompanham e refletem não só as mudanças do mercado de alimentação como também as alterações socioculturais que se desenvolvem na cidade. Nesse sentido, é pertinente salientar a magnitude desse mercado na atualidade. Somente em São Paulo, há cerca de 12,5 mil estabelecimentos, com diferentes características; número este que vem crescendo de maneira acelerada, acompanhando a tendência de aumento das refeições realizadas fora do domicílio. Deve-se notar, igualmente, o importante papel desses restaurantes na composição de uma imagem de cidade cosmopolita, sendo destacados ainda como valiosos diferenciais do município e ajudando a consolidar São Paulo como polo gastronômico brasileiro. Assim, mesmo sem qualquer intenção de se contar a complexa história dos restaurantes da cidade, ou parte dela, convém realçar o

envolvimento e a influência de estrangeiros na multiculturalidade dessa oferta desde os primórdios de sua consolidação, destacando-se também o ecletismo da oferta paulistana veiculada pela mídia desde o terceiro quartil do século XX (MASANO, 2011, p.152).

Para Masano (2011) foi através dos restaurantes que São Paulo deu seus primeiros passos para uma cidade cosmopolita. Na década de 1930, surgiram na cidade os restaurantes franceses, como símbolo de um alinhamento da elite paulistana com a europeia, um dos primeiros sinais da transformação desse tipo de estabelecimento. Os restaurantes franceses se tornaram os mais sofisticados da cidade até mesmo nas décadas seguintes. Dória (2014) afirma que em São Paulo a internacionalização do gosto precisou ser levada às últimas consequências para empreender o caminho de volta. Assim, um lugar bastante próprio para se estudar as tendências modernas da culinária brasileira é a capital paulista. Talvez a razão disso seja a dimensão cosmopolita que a sua culinária acabou por adquirir, por obra e graça do gigantismo metropolitano e da origem múltipla dos seus habitantes. Nesse processo, seu desenvolvimento cortou os vínculos com qualquer cozinha regional própria (caipira ou caiçara) e passou a dar livre curso aos vários estilos de comer. Houve, de maneira involuntária, uma perda do enraizamento étnico da culinária brasileira, na medida em que a cidade oferece de modo nivelado várias opções étnicas banalizadas, distantes dos sentimentos que a ancoragem numa culinária própria pode suscitar. Na metrópole paulista come-se à italiana, à francesa, à japonesa, chinesa ou tailandesa, e mesmo à brasileira, com um sentido lúdico forte, mas livre do compromisso cultural profundo com a origem dessas dietas. 3.1.1.2. Análise urbana A região escolhida para a execução do projeto é o bairro da República, parte do centro histórico da cidade de São Paulo. O lote que vai

receber o projeto do edifício de um centro cultural gastronômico se localiza no Largo do Paiçandu, importante espaço público dessa região. Em conjunto com o distrito da Sé o distrito da República forma o Centro Histórico da capital paulista. A região surge com a expansão do núcleo principal do município que era composta principalmente pelo bairro da Sé (atualmente conhecido como Centro Velho). A expansão se deu inicialmente em direção a oeste para o Rio Anhangabaú (atual Vale do Anhangabaú), especialmente durante a segunda metade do Século XIX e as primeiras décadas do XX, acabou sendo conhecida como Centro Novo em contrapartida ao velho. Segundo Carrilho (2010), as cidades modernas desafiam a noção de harmonia e de unidade. São constituídas pela superposição de sucessivas camadas e tomam forma como o resultado da reunião de muitos fragmentos que persistira ao longo do tempo. Sobre o traçado urbano inicial, edifícios são continuamente construídos e reconstruídos. Novas estruturas urbanas se sobrepõem sobre a configuração original em resposta a novas demandas e novas áreas são abertas à expansão das fronteiras urbanas, se integrando à velha estrutura. E se o traçado urbano inicial permanece, os edifícios são continuamente construídos e reconstruídos sobre ele. A cidade de São Paulo é talvez um dos exemplos mais agudos desse processo de crescimento e das diversas configurações urbanas que ele pode gerar. Para Carrilho (2010), o centro histórico de São Paulo é formado por uma estrutura urbana e um parque edificado que constituem um notável acervo de bens culturais. A atual estrutura urbana apresenta uma configuração que guarda relações com os principais delineamentos de um processo de ocupação que remonta as origens da formação da antiga vila colonial. Mas, além disso, documenta as transformações sucessivas por que passou a cidade, notadamente aquelas que testemunham sua transição de vila colonial a cidade cosmopolita na virada do século XIX para o século XX. DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 73


Figura 22 - Traçado Urbano do Distrito da República

Figura 21 - Distrito da República (Centro Histórico de São Paulo)

Percebe-se que o traçado urbano do centro histórico de São Paulo não segue um padrão, como os modelos de cidades modernas, mas seu traçado expressa uma morfologia urbana de sobreposição de tempos e de diversos traçados, que de certa forma acompanha os bairros vizinhos. Por se tratar do centro da cidade a região possui uma imensa variedade de espaços culturais para a população, que são em sua maioria contidos por edifícios históricos como museus e teatros, assim como projetos de requalificação como o recente Sesc 24 de maio projetado por Paulo Mendes da Rocha e o escritório MMBB. A infraestrutura urbana dessa região também é bastante desenvolvida, por ser uma região 74 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

central se tornou com o tempo bastante desenvolvida economicamente o que contribuiu para sua infraestrutura e consequentemente acesso por outras regiões da cidade. O bairro da República é bastante amparado no quesito de transporte, possui tanto acesso por ônibus municipais, trêm com a estação da Luz e metrô com a estação República.

Figura 23 - Infraestrutura Metroviária

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3.1.1.3. Análise arquitetônica Carrilho (2010), afirma que o acervo de edifícios da região cobre um largo espectro de manifestações da arquitetura, desde alguns vestígios de obras ainda do século XVIII, especialmente edifícios religiosos, até exemplares significativos de vários períodos do século XIX aos quais se acrescenta uma expressiva quantidade de edificações que marcam a transição da Arquitetura Eclética para a Arquitetura Moderna na primeira metade do Século XIX. Segundo Carrilho (2010), a área abrigou historicamente o centro de negócios de uma vasta região polarizada pelas atividades econômicas de São Paulo. Somente na década de setenta a hegemonia deste centro começou a ser alterada, com a transferência gradativa de parte das atividades financeiras e de serviços para o eixo da Avenida Paulista, processo que prosseguiu mais adiante em direção à zona sul. Entretanto parte considerável da atividade financeira persistiu no centro histórico. Para Carrilho (2010), a desvalorização econômica constante do centro histórico de São Paulo decorre da decadência motivada pelos efeitos típicos dos ciclos de obsolescências das estruturas físicas existentes no local, ou seja, o envelhecimento dos edifícios históricos sem preservação, resultando na ociosidade considerável de edificações na região e sua progressiva degradação. Além disso a descaracterização arquitetônica perante a necessidade do marketing do comercio existente, resultou em ocupações de cunho predatório que provocam reformas desconfiguradoras das fachadas. Alguns edifícios ícones do bairro são exemplos internacionais do estilo modernista como o imponente Copan projeto de Oscar Niemeyer ou o edifício Esther, ícone da arquitetura moderna paulista. Assim como a arquitetura eclética bastante presente no bairro exemplificada pelo edifício Caetano de Campos (sede da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo), Galeria do Rock e a igreja Nossa Senhora do Rosário dos homens 76 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

pretos no Largo do Paissandú. 3.1.2. Dimensão Social Socialmente o bairro da república não possui um adensamento populacional grande pois por se tratar do centro histórico contém mais edifícios culturais e comerciais, assim como religiosos. O adensamento populacional é marcante em bairros vizinhos como mostrado no mapa. Economicamente também não possui uma alta taxa de população com risco de vulnerabilidade, pois essa população se concentra em regiões mais afastadas do centro. 3.1.3. Arquitetura e Gastronomia no centro de São Paulo Masano (2011) afirma que quando se trata de caracterizar a cidade de São Paulo e especialmente sua oferta gastronômica, o adjetivo “cosmopolita” é utilizado pela maioria dos profissionais que trabalham e estudam o tema, acompanhada de questões como a magnitude da oferta, o profissionalismo encontrado em São Paulo, diversidade e multiculturalidade da alimentação. Para Masano (2011), a cidade de São Paulo é considerada, sob qualquer visão, o principal polo gastronômico do país. Definir a comida brasileira, contextualizá-la versus a oferta observada na mesa paulistana, avaliar movimentos associados à valorização da gastronomia brasileira e discutir o local e o global na cidade de São Paulo são temas que abriram uma série de reflexões nos últimos anos. A cidade de São Paulo, conforme demonstrado, tem um processo de composição sociodemográfica particular e extremamente dinâmico, com reflexo direto sobre a mesa paulistana. A população da cidade cresceu 180 vezes em menos de um século, em decorrência de intensos fluxos imigratórios e migratórios que a ela se destinaram, reforçando, assim, o caráter fortemente mestiçado de sua população. Segundo Ortigoza (2001), atualmente São Paulo é considerada uma cidade global, numa escala criada pela Globalization and World Cities:

Inventory of World Cities (GAWC, 2016) em conjunto com a ONU, que vai de 1 a 12, São Paulo marcou 8 pontos, o que coloca a cidade no nível 2, atrás de cidades como Nova York, Londres e Paris. Para a autora o que encerra um novo significado, e por esta razão vem ganhando ainda mais importância nas pesquisas. A administração municipal, através de políticas públicas, procura manter esse novo papel que São Paulo vem exercendo nas redes mundiais, buscando acelerar os mecanismos de mudança em função de facilitar os fluxos econômicos. Para isso adota estratégias de uma nova racionalidade espacial que segue padrões globais de desenvolvimento. Pellerano (2017) afirma que São Paulo é a capital econômica, populacional e cultural do Brasil, graças aos seus 12 milhões de habitantes (21 milhões na região metropolitana). A cidade brasileira mais importante e influente é também uma das que mais atrai migrantes de outros estados do país, trata-se da capital do estado em que vive o maior contingente de pessoas nascidas em outros lugares, com 10,5 milhões de migrantes nacionais segundo a PNAD de 2015. Para Ortigoza (2001) nessa nova dinâmica das cidades mundiais, o centro da metrópole de São Paulo vem desempenhando um papel de destaque. Várias questões ao se tratar do centro da metrópole devem ser revistas, pois esse é um espaço que por excelência vem sendo valorizado nessa nova dinâmica das redes globais. No contexto da requalificação do centro o setor de alimentação é também revalorizado, tanto pelo poder público como privado, pois engloba atividades que promovem a atração cultural para esse espaço. Tudo isso faz parte de um projeto maior que tem como pano de fundo o novo papel que o centro da metrópole deverá desempenhar no futuro. Segundo Pellerano (2017), São Paulo é um importante centro de conexão entre sua região, que possui certa relevância econômica, à economia mundial. Assim, a cidade é um chamariz para pessoas de outras regiões de um país em que a mobilidade é uma constante: a Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2014) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima que um terço dos 32,1 milhões de brasileiros – 15,8% da população do país – que não vivem na unidade federativa em que nasceram estão no estado de São Paulo, sendo a capital sua maior e mais diversa cidade. Como são oriundos de todas as partes do Brasil, esses novos moradores de São Paulo podem trazer para esse convívio diferentes visões e gostos relacionados à alimentação, o que pode ser conectado a uma nova visão de identidade. Ortigoza (2001) afirma que a metrópole de São Paulo e mesmo seu centro possui suas especificidades, e nesse sentido o conceito de lugar urbano deve estar atrelado ao conceito de cotidiano, pois ambos possibilitam a compreensão do consumo do espaço da metrópole. Para a autora tomando o cotidiano como categoria de análise, se faz necessário considerar o uso social do espaço e por isso o sentido mais amplo de sua reprodução. A supervalorização do poder da globalização econômica é notável em muitos estudos, o que acaba gerando interpretações que desconsideram o social na construção do espaço. Pode-se até admitir que com toda a dinâmica produtivista, dada pelo processo de produção, se instaura nos lugares uma nova ordem espacial, que é resultado da globalização econômica, mas não só dela. E a abordagem do cotidiano mostra isso. São Paulo é considerado por muitos que estudam a temática alimentação-espaço urbano um Santuário Gourmet e é frequentemente reconhecido como um dos melhores e mais complexos centros gastronômicos do mundo. O centro da cidade revela essa qualidade, basta observar a quantidade de restaurantes presentes nesse espaço. Em suma, o centro metropolitano de São Paulo se apresenta como o ponto de articulação entre o global que avança e o local que resiste.

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3.1.4. Dimensão Simbólica Para Dória (2014) no tocante à culinária, e com todos os riscos implicados no esforço de sistematização, especialmente o de simplificação, parece possível identificar aos menos cinco diferentes tendências de estilização, nessa cidade que se mostra pronta para a tarefa de reencantamento. O importante é que as aproximações com a culinária e com os ingredientes brasileiros se dão de uma perspectiva multiclassista, isto é, não se limitam ao movimento em direção às formas populares ou históricas de comer e incluem a reinterpretação moderna, conferindo-lhe uma universalidade que antes não apresentavam. Do mesmo modo, é importante registrar que a transformação não se limita às panelas. Quase sempre está associada ao desenvolvimento de uma linguagem arquitetônica e decorativa que também faz referências à brasilidade; ou seja, comida e decoração andam juntas na reaproximação com um certo Brasil. Os cinco estilos referidos pelo autor são: a) Estilo Naïf: apresentação de uma concepção espontânea da alimentação, sob a diretriz de que “sempre foi assim” que se comeu no Brasil. É de grande importância aqui a seleção do cardápio segundo preferências populares indiscutíveis. Há vários restaurantes desse tipo na cidade, predominando aqueles de inspiração nas dietas nordestinas sertanejas. É de exemplo dessa tendência o recém-celebrado restaurante Mocotó, sob direção do jovem Rodrigo Oliveira, há apenas cinco anos no comando da casa, que tem 35 de existência. Sua formação técnico-profissional permitiu-lhe posicionar o estabelecimento num novo patamar, como uma autêntica novidade, pois conseguiu estabelecer pontes com o público gourmet e a crítica especializada. O fato de estar situado na Zona Norte da cidade, fora do circuito in, faz da experiência gastronômica uma exploração de “outra São Paulo” e, por extensão, de “outro Brasil”, para um público de alta renda, restrito geograficamente a outras regiões 78 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

da cidade. Até mesmo na decoração despojada trata-se de uma novidade para esse público; “experiência nova” que inclui a aceitação de pratos como tripa de porco, bucho, torresmo, caldo de mocotó, fava e pratos com “bode” (cabrito). Segundo o site Galeria da Arquitetura o conceito e partido inicial do escritório LAB Arquitetos para a construção do restaurante Esquina Mocotó localizado na Zona Norte de São Paulo, partiu de um ambiente enraizado na forte tradição nordestina, mas com espaços integrados e ares contemporâneos, com uma riqueza de encontros inesperados e casuais. “A ideia foi projetar um restaurante moderno sem perder a identidade cultural”, comentou o arquiteto Rodrigo Giraudon Leopoldi. b) Estilo etnográfico: visa atender um olhar ao mesmo tempo erudito e tradicionalista sobre a culinária brasileira. Parte do pressuposto que a modernidade tem destruído formas de comer historicamente associadas à identidade da cozinha brasileira. Na base da culinária está, portanto, a pesquisa etnográfica de receitas, ingredientes e técnicas tradicionais – eruditamente justificada como trabalho de “resgate cultural”. O estabelecimento mais importante dessa tendência é o restaurante Tordesilhas, de Mara Salles, assim como o Suruí Restaurante. Segundo a resenha da Veja São Paulo sobre o restaurante Tordesilhas liderado pela renomada chef Mara Salles o estabelecimento desenvolve um trabalho exemplar no resgate da culinária tradicional brasileira. A chef ressalta a nobreza de pratos clássicos da gastronomia nacional, com pratos como a moqueca capixaba, cozido ancestral de origem indígena apresentado fumegante na panela de barro, composto por peixe, camarão, tomate, coentro e urucum, elementos básicos da alimentação indígena.

Figura 24 - Restaurante esquina Mocotó, projeto de interiores escritório LAB Arquitetos (2013).

Figura 25 - Restaurante Tordesilhas em São Paulo.

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c) Estilo alegórico: nessa vertente, cozinhar é dar materialidade a pensamentos, ideias e qualidade de forma figurada. Busca-se apresentar de modo exemplificativo e tropológico, uma outra realidade brasileira que não aquela normalmente vivenciada pela clientela. O restaurante que melhor encarna esse estilo é Brasil a Gosto, de Ana Luiza Trajano. Nele, uma pesquisa acurada da cultura brasileira tradicional é apresentada de maneira estilizada e figurativa, inclusive na decoração do espaço, e realisticamente, através de vídeos em projeção continuada que focalizam o trabalho de artesãos brasileiros. Assim, a ênfase no trabalho e nos ingredientes contrasta com uma interpretação estática mais livre e moderna que invade os apetrechos de mesa e os pratos, suavizando-os. Uma resenha do site Bares SP afirma que o Brasil a Gosto localizado em uma tranquila rua dos Jardins, e conhecido pelo trabalho detalhado da chef Ana Luiza Trajano na pesquisa e difusão dos costumes e da culinária do Brasil. Foi considerado o melhor restaurante de culinária brasileira pela revista “Veja São Paulo” em 2006, 2008 e 2011, a chef cria cardápios inovadores, sempre baseados no conhecimento adquirido por anos de viagens por 20 Estados brasileiros. O ambiente se destaca pela luminosidade natural com janelas de vidro e jardim interno. As paredes possuem tons claros que valorizam a decoração e harmonizam com às cores vivas e alegres dos detalhes, como cortinas e mesas com tampo colorido.

Distingue-se claramente do estilo experimental do outro restaurante de Alex Atala ao optar por um cardápio brasileiro “tradicional”, já enraizado no gosto das elites nacionais, como aquele que remete a uma cozinha generosa “de fazenda” ou dominical, assimilando também gestos enraizados na culinária urbana. Diante disso nota-se como a gastronomia do centro de São Paulo reflete o aspecto brasileiro da multiplicidade cultural e da miscigenação do paladar. Atualmente existem restaurantes que se encontram nas duas faces do embate local versus global, alguns estabelecimentos na metrópole cosmopolita optam em seguir uma demanda internacional e outros na valorização do tradicional, entretanto ambos constituem a conformação da gastronomia paulista, ressaltando ainda mais seu caráter de cidade global.

Figura 26 - Restaurante Brasil à gosto, projeto do escritório Amima Arquitetura (2006).

d) Estilo experimental: apresentado inicialmente como uma ruptura radical com os modos tradicionais de tratamento dos ingredientes brasileiros, esse veio, inaugurado no restaurante DOM, de Alex Atala, que começa a se ampliar, sendo sua mais recente adesão a do restaurante Dois – Cozinha contemporânea. e) Estilo Juscelinista: tendência recentíssima, a partir da inauguração de Dalva e Dito, restaurante dos chefes Alex Atala e Alain Poletto. 80 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

Figura 27 - Restaurante DOM, do chef Alex Atala, localizado no bairro de Jardins em São Paulo. DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 81


3.1.5. Gestão e Legislação O bairro da república é classificado pela lei de Zoneamento da cidade de São Paulo (Lei 16.402/16) como uma ZC (Zona de Centralidade). Para a gestão urbana da cidade Zonas de Centralidades são porções do território localizadas fora dos eixos de estruturação da transformação urbana destinadas à promoção de atividades típicas de áreas centrais ou de subcentros regionais ou de bairros, em que se pretende promover majoritariamente os usos não residências, com densidades construtiva e demográfica médias e promover a qualificação paisagística e dos espaços públicos. A ZC está dividida em: ZC (porções do território localizadas na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana com atividades de abrangência regional); ZCa (porções do território localizadas na Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental com atividades de abrangência regional); ZC-ZEIS (Porções do território formadas pelos lotes lindeiros às vias que exercem estruturação local ou regional, lindeiras a ZEIS-1, destinadas majoritariamente a incentivar os usos não residenciais, de forma a promover a diversificação dos usos com a habitação de interesse social, a regularização fundiária de interesse social e a recuperação ambiental. O terreno escolhido, que na esquina entre Avenida Rio Branco e Rua Antônio de Godói, está inserido na qualificação de ZC (Zona Comercial). Segundo o quadro de gestão urbana para Parâmetros de ocupação dos lotes da Prefeitura de São Paulo. O coeficiente de aproveitamento mínimo para o terreno é de 0,3 e o máximo de 2. O terreno possui mais de 500m² então sua taxa de ocupação se enquadra em 0,7 com gabarito máximo de altura de 28m. Os recuos frontal e laterais segundo a tabela (g) O recuo frontal será dispensado conforme disposições estabelecidas no art. 30. (h) Os recuos laterais e de fundo serão dispensados conforme disposições estabelecidas no art. 29. Segundo Carrilho (2010), é necessário 82 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

desenvolver programas e projetos para interromper o processo de deterioração da área central histórica e assim promover sua constante recuperação. O abandono da área devido à sua decadência constitui enorme prejuízo social, contudo é condição para alcançar a recuperação da área central a demonstração de sua potencialidade econômica e dos consideráveis benefícios que poderiam resultar da retomada do dinamismo característico de sua antiga vocação, que não é apenas de centro de negócios, mas também de área de apropriação diversificada, seja para fins sociais como habitação, seja para fins culturais de lazer e turismo. Para Carrilho (2010), a reabilitação efetiva de uma área tão vasta e complexa depende de uma ampla interação de agentes e de fatores capazes de colocar em movimento cadeias de ações de efeito cumulativo e multiplicador. A percepção do potencial econômico da área constitui um dos principais fatores que podem desencadear tais efeitos e, da mesma forma, é preciso encontrar um equilíbrio adequado entre as iniciativas da administração pública e do setor privado. Sobre a legislação para construção de espaços gastronômicos a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) possui uma resolução especifica para esse tipo de projeto que é a RDC nº 216 que legisla sobre as boas práticas para serviços de alimentação. A RDC nº 2016 possui em seu texto um trecho que fala somente como edifícios, instalações, equipamentos, móveis e utensílios, devem ser para um bom espaço de alimentação, descritas a seguir. EDIFICAÇÃO, INSTALAÇÕES, EQUIPAMENTOS, MÓVEIS E UTENSÍLIOS 4.1.1 A edificação e as instalações devem ser projetadas de forma a possibilitar um fluxo ordenado e sem cruzamentos em todas as etapas da preparação de alimentos e a facilitar as operações de manutenção, limpeza e, quando for o caso, desinfecção. O acesso às instalações deve ser controlado e independente, não comum a outros usos. 4.1.2 O dimensionamento da edificação e das instalações deve ser compatível com todas as operações. Deve existir separação entre as diferentes

atividades por meios físicos ou por outros meios eficazes de forma a evitar a contaminação cruzada. As instalações físicas como piso, parede e teto devem possuir revestimento liso, impermeável e lavável. Devem ser mantidos íntegros, conser vados, livres de rachaduras, trincas, goteiras, vazamentos, infiltrações, bolores, descascamentos, dentre outros e não devem transmitir contaminantes aos alimentos. 4.1.4 As portas e as janelas devem ser mantidas ajustadas aos batentes. As portas da área de preparação e armazenamento de alimentos devem ser dotadas de fechamento automático. As aberturas externas das áreas de armazenamento e preparação de alimentos, inclusive o sistema de exaustão, devem ser providas de telas milimetradas para impedir o acesso de vetores e pragas urbanas. As telas devem ser removíveis para facilitar a limpeza periódica. 4.1.5 As instalações devem ser abastecidas de água corrente e dispor de conexões com rede de esgoto ou fossa séptica. Quando presentes, os ralos devem ser sifonados e as grelhas devem possuir dispositivo que permitam seu fechamento. 4.1.6 As caixas de gordura e de esgoto devem possuir dimensão compatível ao volume de resíduos, devendo estar localizadas fora da área de preparação e armazenamento de alimentos e apresentar adequado estado de conser vação e funcionamento. 4.1.7 As áreas internas e externas do estabelecimento devem estar livres de objetos em desuso ou estranhos ao ambiente, não sendo permitida a presença de animais. 4.1.8 A iluminação da área de preparação deve proporcionar a visualização de forma que as atividades sejam realizadas sem comprometer a higiene e as características sensoriais dos alimentos. As luminárias localizadas sobre a área de preparação dos alimentos devem ser apropriadas e estar protegidas contra explosão e quedas acidentais. 4.1.9 As instalações elétricas devem estar embutidas ou protegidas em tubulações externas e íntegras de tal forma a permitir a higienização dos ambientes. 4.1.10 A ventilação deve garantir a renovação do ar e a manutenção do ambiente livre de fungos, gases, fumaça, pós, partículas em suspensão, condensação de vapores dentre outros que possam comprometer a qualidade higiênico-sanitária do alimento. O fluxo de ar não deve incidir diretamente sobre os alimentos. 4.1.11 Os equipamentos e os filtros para climatização devem estar conser vados. A limpeza dos componentes do sistema de climatização, a troca de filtros e a manutenção programada e periódica destes equipamentos devem ser registradas e realizadas conforme legisla-

ção específica. 4.1.12 As instalações sanitárias e os vestiários não devem se comunicar diretamente com a área de preparação e armazenamento de alimentos ou refeitórios, devendo ser mantidos organizados e em adequado estado de conser vação. As portas externas devem ser dotadas de fechamento automático. 4.1.13 As instalações sanitárias devem possuir lavatórios e estar supridas de produtos destinados à higiene pessoal tais como papel higiênico, sabonete líquido inodoro antiséptico ou sabonete líquido inodoro e produto anti-séptico e toalhas de papel não reciclado ou outro sistema higiênico e seguro para secagem das mãos. Os coletores dos resíduos devem ser dotados de tampa e acionados sem contato manual. 4.1.14 Devem existir lavatórios exclusivos para a higiene das mãos na área de manipulação, em posições estratégicas em relação ao fluxo de preparo dos alimentos e em número suficiente de modo a atender toda a área de preparação. Os lavatórios devem possuir sabonete líquido inodoro anti-séptico ou sabonete líquido inodoro e produto anti-séptico, toalhas de papel não reciclado ou outro sistema higiênico e seguro de secagem das mãos e coletor de papel, acionado sem contato manual. 4.1.15 Os equipamentos, móveis e utensílios que entram em contato com alimentos devem ser de materiais que não transmitam substâncias tóxicas, odores, nem sabores aos mesmos, conforme estabelecido em legislação específica. Devem ser mantidos em adequado estado de conser vação e ser resistentes à corrosão e a repetidas operações de limpeza e desinfecção. 4.1.16 Devem ser realizadas manutenção programada e periódica dos equipamentos e utensílios e calibração dos instrumentos ou equipamentos de medição, mantendo registro da realização dessas operações. 4.1.17 As superfícies dos equipamentos, móveis e utensílios utilizados na preparação, embalagem, armazenamento, transporte, distribuição e exposição à venda dos alimentos devem ser lisas, impermeáveis, laváveis e estar isentas de rugosidades, frestas e outras imperfeições que possam comprometer a higienização dos mesmos e serem fontes de contaminação dos alimentos (RDC N° 216 ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária Resolução da Diretoria Colegiada nº. 216 Regulamento Técnico de Boas Práticas para Ser viços de Alimentação, 2004, p.4 a 6).

Além da RDC 216 existem orientações técnicas, legais e normativas para espaços destinas a DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA | 83


alimentação coletiva. Segundo Somavilla e Lopes (2013), os estabelecimentos que trabalham com produção e distribuição de alimentação para coletividades recebem a denominação de Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN). Para Somavilla e Lopes (2013), a estrutura básica de uma cozinha industrial pode ser dividida nos seguintes espaços: recepção e armazenamento; pré-preparo; copa; preparo; higienização; distribuição; serviços; administração. Além disso para o planejamento de uma cozinha industrial devem ser levados em conta os aspectos de: flexibilidade e modulação, a fim de atender mudanças ou implantações de novos processos de trabalho; circulações e fluxos bem definidos, a fim de se evitar a contaminação dos alimentos; construção de espaços que facilitem a integração e a supervisão, com o princípio de projeto aberto; simplicidade e eficiência, a fim de garantir um ambiente limpo. Outra norma que deve ser pensada também em espaços para alimentação coletiva é a ISSO 14001 que regulamenta as questões ambientais e fundamenta sistemas e processos, certificando a cozinha verde. O conceito de cozinha verde busca formas de minimizar o impacto ambiental, garantindo a segurança alimentar e espaços ideais para operadores e usuários. 3.2. Diretrizes projetuais para arquitetura cultural gastronômica O terreno escolhido para análise e realização do projeto se localiza no Largo do Paissandú (Bairro da República em São Paulo). O local até o ano de 2018 era ocupado pelo histórico edifício Wilson Paes de Almeida (fig.54), um dos marcos arquitetônicos do centro histórico de São Paulo. Porém no dia 1º de maio de 2018 o mesmo desabou em decorrência de um incêndio. O edifício foi projetado em 1961, e tombado em 1992, e era ocupado irregularmente desde 2003, entretanto por não possuir resguardo das instituições patrimoniais, mesmo sendo tombado, o edifício que era construído em estrutura metálica e com 84 | DIÁLOGOS ENTRE ARQUITETURA E GASTRONOMIA

fachada inteira de vidro, não suportou a deterioração promovida pelo tempo e pelo uso indevido dos usuários. A área do terreno é de 660m² e possui como proprietário o Governo Federal. Por estar inserido no centro histórico e estar em frente ao Largo do Paissandú, importante espaço público do bairro em conjunto com a praça da República o local escolhido é cercado por equipamentos coletivos, principalmente culturais, o que gera um fluxo de usuários bastante intenso para a região. 3.2.2. Programa de Necessidades O programa de necessidades do edifício levou em consideração seu contexto, distrito da República do centro histórico de São Paulo nas suas dimensões: ambiental, física, social, simbólica, gastronômica, gestão e legislação, e as diretrizes projetuais geradas pela análise do levantamento bibliográfico. O objetivo do edifício é se tornar um centro cultural sobre a gastronomia paulista, valorizando sua dimensão simbólica. Economicamente a ideia é fazer com que o novo projeto no bairro da república se torne um polo de vendas além de pratos de restaurantes típicos, mas também para pequenos agricultores, assim um pavimento do edifício vai ser dedicado a feiras públicas para a região, o que atrai pessoas de outros bairros para o local, promovendo o dinamismo econômico e social. Arquitetonicamente o edifício segue o gabarito da região e de seu entorno, para que se insira de forma dialógica no contexto, e urbanisticamente foi pensado para ser público para que não se volte contra a cidade, mas se integre a ela.

Figura 28 - Edifício Wilson Paes de Almeida (antigo edifício que existia na área do projeto).

Figura 29 - Terreno analisado para projeto.

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Descrição do Projeto:

O principal partido do edifício foi criar um espaço dentro da cidade para a discussão dos diversos diálogos que existem entre Arquitetura e Gastronomia. Aspectos históricos, simbólicos, urbanos, econômicos e artísticos foram usados na reflexão do projeto para criar esse edifício. Outro aspecto que foi bastante pertinente para a criação do projeto foi a necessidade de espaços para pequenos produtores e agricultores nos centros urbanos e históricos, para que possam vender seus produtos mais saudáveis dos que se consomem tradicionalmente pela população urbana. A falta de projetos arquitetônicos que despertem a reflexão do diálogo histórico existente entre Arquitetura e Gastronomia também foi um dos fatores para a criação do edifício. O intuito é que o projeto seja um edifício educativo sobre a relação entre o comer e o construir e para isso se validou de teorias e classificações como a de Dória (2014), para que de forma didática o projeto comportasse ambientes que despertem essa reflexão no usuário. Assim cada pavimento vai representar um período histórico e um estilo da alimentação e arquitetura brasileira, valendo-se de seus respectivos elementos na decoração. Esteticamente o edifício como se insere em um contexto de centro histórico, no caso o de São Paulo, e tem como principal filosofia a Dialogia, comporta vários elementos que são presentes no contexto (Largo do Paiçandu). A arquitetura do centro histórico de São Paulo tem como predominância tons acobreados (devido ao envelhecimento dos matérias), logo para um diálogo coerente com o ambiente existente o projeto utiliza do concreto tingido em sua composição com uma tonalidade mais amarelada, para que não seja um elemento heterogêneo na área que vai ser inserido. As esquadrias foram pensadas de forma que criem visuais para o Largo do Paiçandu, enquadrando a paisagem do local, além disso utiliza do ferro em sua estrutura. Outro elemento importante na fachada foram as lâminas de tipos de terra e solos brasileiros, a ideia é que a própria fachada do edifício seja um expositor do principal elemento que nos garante a alimentação e a construção dos espaços, a Terra. Essas molduras que enquadram os tipos de solos brasileiros servem para promover a reflexão de como nas cidades a tendência é esconder esse elemento que faz parte de qualquer tipo de construção arquitetônica e que serve como base para todo e qualquer tipo de produto alimentício, ou seja, um elemento que está diretamente ligado ao dialogo entre Arquitetura e Gastronomia. A outra metade da fachada é composta por pequenos jardins de espécimes alimentícias, como alecrim, hortelã, manjericão, entre outras. Assim o próprio projeto da fachada já representa a filosofia que foi usada para projetar o edifício como um todo, despertando o interesse do usuário para a reflexão sobre o diálogo entre o ambiente construído e a alimentação.

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Descrição do Projeto:

O pavimento térreo do edifício foi dedicado para o comércio de pequenos produtores e agricultores, dessa forma incentiva economicamente e possibilita um espaço dentro da cidade e no centro histórico para a agricultura urbana. O partido arquitetônico principal desse pavimento foi criar um ambiente dinâmico e que possibilite diversos usos. O mobiliário foi usado como próprio elemento decorativo, como as mesas que formam o painel modular e os bancos que criam uma escultura no ambiente. O espaço foi pensado para que seja usado para venda de alimentos produzidos por pequenos agricultores e produtores e para a discussão pública da importância de se pensar sobre a Agricultura Urbana nos grandes centros urbanos e históricos. Outro elemento importante para a decoração do espaço é o painel que foi criado para expor os principais produtos alimentícios que estão sendo produzidos sazonalmente, como exemplos a soja, o milho, o feijão, etc. Desse modo o alimento dialoga de forma literal com a arquitetura criando uma valorização do produto nacional.

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Descrição do Projeto:

O primeiro pavimento segue os aspectos simbólicos do estilo Naif descritos por Dória (2014). Os elementos da arquitetura brasileira foram ressaltados no projeto desse pavimento e nos demais para criar ambientes educativos sobre a cultura nacional do comer e do construir. Foram usados o ferro, em elementos como a malha que recobre todo ambiente do Salão 01; a palha que está presente no mobiliário nacional desde o período colonial; o couro nos assentos, elemento esse bastante frequente na região nordeste na qual o projeto se baseia; o piso de Taipa; os Cobogós; e a vegetação cactácea. Todos ambientes foram pensados de forma que façam alusão a cultura do construir e do comer em diversas épocas da historiografia brasileira.De forma literal os pavimentos representam os períodos históricos onde através dos elementos arquitetônicos cria-se cenários para o diálogo entre Arquitetura e Gastronomia.

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Descrição do Projeto:

O segundo pavimento segue os aspectos simbólicos do estilo Etnográfico descritos por Dória (2014). Os elementos arquitetônicos que foram usados na decoração remetem de forma erudita aos aspectos tradicionais da gastronomia brasileira, como a panela de ferro e de barro, as compotas que são tão frequentes em diversas regiões do país. O projeto desse pavimento busca ressaltar características das principais culturas que formaram e formam a população brasileira ( portuguesa, indígena e africana), representadas em elementos da decoração.

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Descrição do Projeto:

O terceiro pavimento segue os aspectos simbólicos do estilo Alegórico descritos por Dória (2014). Nesse pavimento foram ressaltadas de forma literal as três principais culturas que formaram a população brasileira e consequentemente a influência destas (portuguesa, africana e indígena) na alimentação e construção arquitetônica no país. Elementos da cultura indígena e africana foram usadas para criar a decoração do ambiente, como a parede de sapê que divide os salões, assim como o ladrilho hidráulico português que serve como elemento decorativo do teto no Salão 01 e a pedra portuguesa no chão de todo ambiente.

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Descrição do Projeto:

O quarto pavimento foi projetado com o intuito de ser uma pausa na linha histórica representada pelos pavimentos e como um ambiente de reflexão sobre a importância da agricultura e hortas urbanas nas cidades. Esse pavimento segue exemplos de edifícios como o CCSP que tem uma belíssima horta urbana que é administrada pela própria população da cidade. O intuito do espaço é incentivar a discussão dessa prática no espaço urbano e possibilitar um local para aprendizado de jardinagem e paisagismo, assim como a presença de um silo, onde a população pode comprar sementes de diversas espécies alimentícias para o plantio em outros ambientes urbanos, como o doméstico.

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Descrição do Projeto:

O quinto pavimento segue os aspectos simbólicos do estilo Experimental descritos por Dória (2014). A principal ideia desse pavimento é representar vários elementos que estão sendo utilizados pela produção arquitetônica brasileira na contemporaneidade, como o Policarbonato, o Granilite, o Cimento Queimado, entre outros, e consequentemente servindo para uma produção gastronômica mais moderna e científica, representando a sociedade atual.

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Descrição do Projeto:

O sexto pavimento segue os aspectos simbólicos do estilo Juscelinista descritos por Dória (2014). Esse pavimento foi projetado seguindo aspectos do historicismo, ou seja, a valorização do tradicional em contrapartida ao contemporâneo experimental, assim como na Arquitetura que temos as vertentes do contemporâneo mais radical representadas por arquitetos como Peter Eisenman, Rem Koolhaas, Frank Gehry, entre outros, e por outro lado os arquitetos contextualistas como Álvaro Siza e Aldo Rossi, que defendem uma analise mais aprofundada da história da cidade e do contexto, também existe esse dualismo na gastronomia, e o propósito desse espaço é representar os chefs que pensam pelo lado do historicismo. A decoração faz uso de elementos arquitetônicos históricos no brasil como o Muxarabi e o taco no piso, assim como o painel de cana-de-açúcar, tão importante para a economia brasileira desde o período colonial, e um dos produtos produzidos através dela, a cachaça, que é utilizada como elemento decorativo do Salão.

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Descrição do Projeto:

O sétimo pavimento foi projetado para comportar um café. O café é um dos produtos alimentícios mais importantes para a história e economia do Brasil, e esse pavimento foi dedicado especialmente para esse grão que ainda hoje é um dos alicerces da população brasileira, desse modo é utilizado como elemento decorativo e entra no painel que foi projetado para expor a riqueza das variedades de cafés presentes no país. Assim como uma atraente padaria que culturalmente é o principal acompanhamento do café para o brasileiro.

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Considerações Finais:

O propósito desse trabalho final de graduação, tanto no levantamento teórico quanto no projeto foi aproximar mesmo que de forma modesta dois campos que aparentam estar distantes, mas que ao fazer uma análise histórica, sociológica e antropológica, notou-se vários diálogos que podem resultar em diversos outros trabalhos, no caso desse em específico o resultado foi um projeto arquitetônico de um centro cultural gastronômico no centro histórico de São Paulo, buscando despertar a discussão da agricultura urbana, da alimentação saudável e da importância e riqueza da cultura alimentícia e arquitetônica nacional . O método dialógico foi utilizado na pesquisa teórica e no projeto e serviu como norte em todos momentos para o levantamento dos dados em textos sobre arquitetura e gastronomia, assim como no desenvolvimento do edifício.

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