Parque Memorial da Liberdade

Page 1

PARQUE

MEMORIAL

DA

LIBERDADE



O A

R E S S U R G I M E N TO DA M E M Ó R I A N E G R A E M S ÃO PAU LO PARTIR DE UMA ARQUITETURA FENOMENOLÓGICA

PARQUE MEMORIAL DA LIBERDADE

RENAN DOS SANTOS DE OLIVEIRA


CRÉDITOS TEXTO E PROJETO

RENAN DOS SANTOS DE OLIVEIRA ORIENTAÇÃO DE MONOGRAFIA

PROF. DR. RAFAEL MANZO ORIENTAÇÃO DE PROJETO

PROF. ESP. GUILHERME LEMKE MOTTA REVISÃO DE TEXTO

PROF. DR. EVANDRO REIS

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie do Estado de São Paulo como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.



R E S U M O


A monografia que se segue, objetiva estabelecer uma vinculação entre o conceito prático da fenomenologia relacionada à arquitetura e a narrativa de um resgate do apagamento da memória negra presente em camadas do bairro da Liberdade, em São Paulo. Identificado exclusivamente ao caráter oriental, o local contém em suas profundas origens, a forte presença cultural e histórica da comunidade negra de São Paulo, a qual foi notavelmente importante para sua formação. Em oposição à política da antinegritude e aos atos de racismo ainda praticados, o trabalho buscará expor a relevância de uma arquitetura sensorial e perceptível, para conscientização e imersão do indivíduo no contexto da temática abordada, educando-o juntamente com suas ambiências e percursos que remetem ao período escravocrata colonial. Para elaboração dos espaços projetados, buscaremos referências de edificações que tiveram sucesso no mesmo propósito, além de nos embasarmos em conceitos de renomados autores da área, como Zumthor (2009) e Pallasmaa (2011), que se tornaram fundamentais para o estudo fenomenológico.

Pa l av r a s - c h ave : Fe n o m e n o l o g i a ; P a rq u e ; M e m o r i a l ; E s c r av i z a ç ã o.


A B S T R A C T


The following monograph aims to establish a link between the practical concept of phenomenology related to architecture and the narrative of a rescue of the erasure of black memory present in layers of the Liberdade neighborhood, in SĂŁo Paulo. Identified exclusively to its oriental character, the place contains in its deep origins, the strong cultural and historical presence of the black community of SĂŁo Paulo, which was remarkably important for its formation. In opposition to the anti-blackness policy and the acts of racism still practiced, the work will seek to expose the relevance of a sensory and perceptible architecture, for the awareness and immersion of the individual in the context of the theme addressed, educating him along with his ambiences and paths that refer to the colonial slavery period. To elaborate the projected spaces, we will look for references of buildings that were successful in the same purpose, in addition to being based on concepts of renowned authors in the area, such as Zumthor (2009) and Pallasmaa (2011), who became fundamental for the phenomenological study.

Keywords:

Phenomenology;

Park;

Memorial;

Enslavement.


A G R A D E C I M E N T O S


Agradeço minha família, em especial meus pais e minha irmã, José, Celina e Rafaella, que juntos me deram todo o apoio e suporte para enfrentar todos os desafios que apareceram durante a faculdade e o trabalho. Agradeço minha avó Maria, por sempre acreditar no meu potencial e me colocar pra cima. Agradeço também aos meus pets, Bill, Willy, Bores e Mel, por me encherem de energia quando mais precisei. Agradeço aos meus professores orientadores Rafael Manzo e Guilherme Motta, que estiveram comigo no dia a dia, acreditando no trabalho e contribuindo para meu crescimento profissional e pessoal. Agradeço também ao professor Evandro, que ajudou nas correções dos textos. Aos amigos que fiz na faculdade e que dividiram as responsabilidades cotidianas durante esses cinco anos, em especial ao Rafael Mourão e Gabriel Ribeiro, muito obrigado. Sem vocês, teria sido muito mais difícil. E aos professores que sempre me apoiaram nos meus projetos: Mario Biselli, Paulo Emílio, Daniel Candia, Marcelo Barbosa, Catherine Otondo. Por fim, obrigado aos arquitetos que fizeram parte da minha formação, que serviram de inspiração e que me fizeram crescer a cada dia no trabalho: Isay Weinfeld, Felipe Zene, Alan Chu, João Matos, Eduardo Chalabi, Eduardo Gurian, Cesar Shundi, Bruno Salvador, Isadora Citrin, Jorge Konigsberger, Gianfranco Vannucchi. Vocês são demais! OBRIGADO!



“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo” Nelson Mandela, 2003.


INTRODUÇÃO

17

01

02

CONTEXTO DA ESCRAVIZAÇÃO

A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO NA CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS 1.1 FENOMENOLOGIA

22

1.2 OS SENTIDOS, AS PERCEPÇÕES E AS SENSAÇÕES

24

1.3 O ESPAÇO ARQUITETÔNICO

26

1.4 A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO

28

1.5 MEMÓRIA COMO DEPOSITÁRIA DA PERCEPÇÃO HUMANA

32

1.6 ESPAÇOS PÚBLICOS E AS CIDADES

34

2.1 A HISTÓRIA DA ESCRAVIZAÇÃO

42

2.2 A ESCRAVIZAÇÃO NO BRASIL

48

2.3 A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA

54

03

ESTUDOS DE CASO E REFERÊNCIAS ARQUITETÔNICAS 3.1 MUSEU JUDAICO DE BERLIM

63

3.2 MUSEU DO APARTHEID

71

3.3 MUSEU DE INHOTIM 3.4 MEMORIAL ÀS VITIMAS DA BOATE KISS

77 85

3.5 REFERÊNCIAS ARQUITETÔNICAS

92


05

04

PARQUE MEMORIAL DA LIBERDADE

BAIRRO DA LIBERDADE

4.1 HISTÓRICO

96

4.2 O LOCAL HOJE - A NOVA URBANIZAÇÃO 4.2.1 APAGAMENTO HISTÓRICO NEGRO

105

4.2.2 CAMINHO HISTÓRICO GLÓRIA-LAVAPÉS

108

4.3 INSERÇÃO URBANA 4.3.1 LOCALIZAÇÃO E SITUAÇÃO

114

4.3.2 USO, OCUPAÇÃO DO SOLO E SISTEMA VIÁRIO

116

4.3.3 VISÃO SERIAL

119

5.1 CONCEITO

122

5.2 CONTEXTO

124

5.3 PARTIDO

126

5.4 PROGRAMA E PEÇAS GRÁFICAS

130

5.5 EXPERIMENTO

190

CONSIDERAÇÕES FINAIS

199

LISTA DE FIGURAS

201

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

207


I N T R O D U Ç Ã O

16


O presente trabalho final de graduação visa investigar a arquitetura para além de seus atributos funcionais e estéticos, estimulando as percepções e os sentidos humanos por meio do estudo psicológico da fenomenologia, resultantes da presença e permanência do indivíduo em um determinado espaço arquitetônico.

mundo onde, infelizmente o racismo não se extinguiu, surge a ideia de desenvolver um parque narrativo, para uma população carente de equipamentos públicos, em conjunto com edificações sensoriais expositivas, implantado num bairro que rejeitou e substituiu a memória negra de seu antepassado: o bairro da Liberdade.

Como objeto de estudo para aplicação dos conceitos abordados, este projeto explorou diversas obras espalhadas pelo mundo, que utilizam a psicologia sensorial para relatar um contexto ponderoso para sociedade do local, a partir de uma arquitetura. O autor observou cuidadosamente a mudança no comportamento particular de cada pessoa inserida nesses ambientes, compreendendo a qualidade destes espaços sob o ponto de vista sensorial, perceptivo e cognitivo.

O objetivo geral consiste em expor a trajetória do negro-escravizado da África para o Brasil colonial, transformando a ideia para além de um simples parque, narrando e resgatando uma história traumatizante para um povo que a repele. Para isso, além das narrativas, o trabalho investiga a percepção do espaço através dos sentidos e percepções dos usuários.

A escolha pelo estudo foi resultante da soma do mencionado conceito com a análise do cenário mundial atual, alicerçado em situações conflituosas de preconceitos, racismo e intolerância. Em um

Para isso, no primeiro capítulo foram levantadas a questão sobre o conceito e a prática da fenomenologia, começando com sua primeira formulação teórica, do filósofo Edmund Husserl (2000), considerado o pai da termologia, passando por Hall (2005), Zumthor (2009), Pallasmaa (2011) e Lima (2010). Com isso, garantiram um 17


entendimento sobre a constituição do lugar e do habitar humano, explicando a ação conjunta da arquitetura sobre esses fenômenos. Provavelmente, ao nos depararmos com a palavra “escravidão”, nossa mente projeta ideologias preestabelecidas de um método desumano de trabalho praticado pelos negros africanos, os quais, colonizados pelo imperialismo europeu, eram trazidos para América. Para romper com esse paradigma, no capítulo 2 tratamos da história da escravatura em seus diferentes contextos, desde seu primeiro aparecimento registrado na antiguidade clássica, até o período das grandes navegações e sua abolição, com o foco principal no Brasil. Isto permitirá a inserção do leitor na temática, rompendo a ideia de um trabalho exclusivamente relacionado aos negros e fazendo-o compreender o atual cenário social de atos racistas e preconceituosos presentes até os dias de hoje. O Capítulo 3 demonstrará, a partir 18

da referência de edificações espalhadas pelo mundo, como a arquitetura, a fenomenologia e a temática antepassada de uma cultura local, podem se complementar em um único partido, educando e conscientizando o seu visitante. Para tal fim, analisaremos o Museu Judaico de Berlim, do arquiteto Daniel Libeskind, o Museu do Apartheid, de Mashabane Rose, na África do Sul, o Memorial às vítimas da Boate Kiss no Brasil, do arquiteto Felipe Zene, e o Parque Museu de Inhotim, localizado também em território nacional. Todos serão consideravelmente fundamentais para o desenvolvimento e concepção de um projeto que navega nas mesmas águas. Voltado exclusivamente para a pesquisa histórica do território para implantação do novo projeto, o capítulo 4 apresentará o bairro da Liberdade, popularmente conhecido como “bairro oriental”. Este capítulo identificará o apagamento da memória negra local, o qual está diretamente ligado ao processo de uma política que rejeita nosso passado e inviabiliza a história escravocrata brasileira. Ademais, de-


monstrará por meio de mapas e fotos, as situações e condições atuais do terreno escolhido. Por fim, o capítulo 5 exibirá o discurso utilizado para concepção do Parque Memorial da Liberdade, indicando seu contexto, partido, programa de necessidade e os desenhos arquitetônicos, bem como plantas, cortes e perspectivas abstratas. Ademais, serão expostos experimentos específicos de áreas da obra, que garantirão as sensações e percepções

unidas às narrativas projetuais, idealizadas pelo autor. Com isso, a monografia deseja ampliar o olhar sobre a forma como a arquitetura pode ser concebida e analisada, revelando ambientes e espaços que instigam os sentidos humanos, e pode conscientizar e inserir o visitante em um importante contexto histórico, do qual tinha ou não conhecimento prévio.

19


CAPÍTULO 1 A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO NA CONSTRUÇÃO DAS MEMÓRIAS



1.1 FENOMENOLOGIA

A Fenomenologia se originou como corrente e metodologia da filosofia e psicologia que procuravam investigar as per-

os, ambientes, cores, iluminação, dentre outros fenômenos, geram diferentes sensações e percepções no ser humano, e

cepções que um ambiente ou objeto pode causar no ser humano. Analisando a etimologia do termo, constatou-se que ela parte da junção de duas palavras gregas, sendo elas phainómenon (aquilo que se manifesta) e logia (estudo), resultando então, no estudo daquilo que se manifesta.

analisam os fatores que influenciam nessa significação, que geralmente envolvem um contexto histórico de um determinado local, seus aspectos culturais, sociais e experiência pessoal do indivíduo.

Segundo Husserl (2000), fundador dos estudos da Fenomenologia, ela consiste na busca por entender melhor como 22

Na arquitetura, esse conceito acontece quando uma edificação deixa de ser somente uma construção e passa a trabalhar como um objeto de comunicação causador de fenômenos, tanto pelo seu


aspecto visual e sua relação com o entorno, quanto pela percepção e participação do espectador na obra arquitetônica. Para isso, são usadas estratégias de projeto em que o visitante recebe fortes e sutis impressões visuais, tais como: manipulação da entrada de luz (natural ou artificial), exposição de materiais translúcidos, opacos, transparentes e o uso da tecnologia digital.

23


1.2 OS SENTIDOS, AS SENSAÇÕES E A PERCEPÇÃO

Para entendermos de fato os aspectos que envolvem a percepção do espaço arquitetônico pela sua dimensão

minam objetos próximos, como o tato e as sensações da pele – é possível captar as informações sensoriais presentes no es-

sensorial, é necessário compreender o conceito do sentido e o da percepção, para analisarmos posteriormente ambos os espaços e ambientes arquitetônicos projetados.

paço.

De Acordo com T. Hall (2005), através dos sentidos, classificados em receptores remotos – usados para examinar objetos distantes como olhos, ouvidos e nariz – e receptores imediatos – que exa24

Portanto, após receber um estímulo, o corpo absorve-o e interpreta-o, configurando um processo denominado percepção, a qual se manifesta de forma diferente para cada indivíduo. Isso ocorre, pois há vários fatores que interferem na percepção de um objeto, segundo Lima (2010). São eles, os estímulos sensoriais, a localização do objeto no tempo e no es-


paço e a influência das experiências prévias dos sujeitos, tais como a cultura e a educação. As particularidades do espaço arquitetônico, bem como sua escala, materialidade, programa e formalidade, propiciam de forma proposital ou impensada a mutação sensorial do usuário, interferindo diretamente no espaço perceptível. Logo, compreende-se que a sensação é a resposta instantânea dos órgãos sensoriais diante de estímulos externos e internos, germinando uma reação intrínseca, que sucede na percepção. Para mais, Lima (2010) afirma que o conhecimento do mundo exterior está diretamente relacionado com as sensações que captamos através dos órgãos dos sentidos e do sistema nervoso. Zumthor (2009) declara que, após vivenciarmos e experimentarmos o espaço, podemos absorver melhor o significado do conceito de atmosfera, o qual procu-

ra descrever a ambiência ou o sentimento gerado nos usuários e frequentadores de obras arquitetônicas dotadas de caráter fenomenológico. Nós a percebemos, em uma fração de segundo, ao entrar em um local de maneira rápida, emocional e intuitiva, reproduzindo um sentimento interior. Pallasmaa (2011) também discute o conceito de atmosfera de um ambiente. Segundo o autor, em seu livro “Os olhos da pele: A arquitetura e os sentidos”, ela é percebida na medida em que a experenciamos corporalmente, defendendo a ideia de que tal experiência se dá de maneira multissensorial, não apenas pelos cinco sentidos já mencionados, como também pela estabilidade, duração, movimento, orientação, gravidade, continuidade, escala e iluminação, ou seja, o espaço é captado por meio do corpo e seus sentidos, tornando-se memorável a partir de suas atmosferas.

25


1.3 O ESPAÇO ARQUITETÔNICO

Para entendermos claramente o que é o espaço arquitetônico, devemos voltar séculos atrás, onde surgiu a pers-

De acordo com Zevi (1996), em seu envolvente livro “Saber ver arquitetura, o espaço é o protagonista da arquitetura e

pectiva, conceito originário do período renascentista. Com seu aparecimento e presença em diversas obras de arte, imaginaram ter chegado a uma terceira dimensão para arquitetura, porém a revolução cubista mostrou uma quarta dimensão para arte, deslocando o ângulo visual, ou seja, o tempo. Logo, podemos concluir que a arquitetura possui quatro dimensões, sendo elas a altura, profundidade, largura e é claro, o tempo.

o vocabulário tridimensional que possui o papel de se comunicar com o seu usuário. Plantas, cortes e elevações servem como representações volumétricas e desenhos arquitetônicos, resumindo o todo em pequenos fragmentos a serem analisados e combinados na construção mental e prática do projeto.

26

Todavia, conseguimos salientar que a arquitetura não se limita a essas re-


presentações, indo além do comprimento, largura e altura de elementos construtivos. Sua essência parte do vazio, do espaço

Um edifício pode conter todos os detalhes, pranchas e desenhos que são necessários, e ainda assim ser arquiteturalmente

encerrado onde os humanos andam e vivem. Portanto a arquitetura, dessa forma, é uma arte funcional construída em torno do indivíduo e criada para a vivenciarmos, e não meramente voltada ao olhar.

pobre e desprovida.

Em suma, a natureza da arquitetura é o espaço, jamais meramente a arte ou imagem. Vida histórica ou vida vivida por nós, é também e sobretudo, o ambiente, a cena em que vivemos a nossa vida. 27


1.4 A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO

A percepção do espaço arquitetônico é compreendida mediante às sensações e dos sentidos, engrandecendo os

tência e identidade pessoal, e através da arquitetura, podemos habitar mundos criados pelo próprio ser humano. Desta

projetos de arquitetura, podendo interferir nos estados de espírito de seus usuários a partir das atmosferas presentes, provocando inúmeras reações psicológicas, gerando efeitos positivos e negativos, e induzindo a pensamentos que contestam a nossa experiência de mundo e significado das coisas.

maneira, segundo Hertzberger (1999), autor do livro “Lições de arquitetura”, ao percebermos o espaço, contemplamos o invisível, aquilo que não podemos ver, mas que sentimos, despertando associações de que não tínhamos ideia antes.

Por meio do edifício, o indivíduo vive a sensação de realidade, de exis28

Pallasmaa (2011) alega que quando unificadas, a arte e arquitetura reforça uma sensação de identidade pessoal e permite que o indivíduo se envolva to-


talmente nas dimensões mentais dos sonhos, imaginações e desejos. A arquitetura projeta significados, não é um mero

do espaço e torna-se crucial para alteração do humor nas pessoas e suas múltiplas reações psicológicas. Além do uso

objeto de sedução visual, e a proposta final de uma edificação ultrapassa sua barreira, direcionando a consciência pessoal, individual e a visão de mundo, com a impressão de obter uma identidade e estar vivo.

apropriado das cores e luz, um projeto arquitetônico pode expor uma série de texturas, materialidades, cheiros, emitir sons e sabores.

A maneira mais recorrente de explorar aspectos sensoriais em uma obra é o uso de cores. Este recurso, assim como os efeitos de iluminação, ajuda na criação

As texturas dos materiais selecionados em um edifício, podem guiar, instigar ao toque, e fazer com que um simples caminho seja cheio de surpresas e possibilidades. O tato se torna o contato direto da pele do usuário com a obra projetada, 29


e desta forma, a arquitetura deixa de ser um mero objeto construído, para se tornar algo palpável.

madeira, que geram diferentes sensações em cada sujeito.

Outro exemplo que podemos citar é o olfato, que tem o poder de fazer com que nossos olhos e mente lembrem-se de experiências passadas ou despertem sentimentos completamente novos. Abbud (2006), declara, em seu livro “Criando paisagens”, que em áreas ajardinadas, por exemplo, despertamos nosso olfato seja pelo odor da grama recém cortada, pelo perfume das flores, cascas e da própria

instrumento que transmite emoções, sensações e choques em seus percursos. Devemos estudá-la com muita atenção antes de qualquer concepção de projeto, para criarmos espaços fenomenológicos e ao mesmo tempo, trazer uma identidade de pertencimento e memória, aproveitando, mediante o edifício, melhores sensações para seu usuário.

30

A

arquitetura,

então,

é

um



1.5 MEMÓRIA COMO DEPOSITÁRIA DA PERCEPÇÃO HUMANA Após a compreensão de como podemos despertar os cinco sentidos através de um projeto arquitetônico, necessi-

autor do livro “História e Memória”, a memória é capaz de conservar informações, o que nos permite atualizar impressões

tamos entender o conceito da memória, e como estimulá-la em nossos partidos. A etimologia da palavra indica uma faculdade psíquica que conseguimos reter e (re) lembrar o passado. Refere-se à lembrança que temos de algo já ocorrido em nossas vidas, e à exposição de fatos, dados ou motivos que dizem respeito a um determinado assunto.

e informações, ou reinterpretá-las como passadas. Na perspectiva do filósofo Platão (2009), estaria relacionada com uma representação presente de algo ausente, sendo sempre seletiva, afinal, segundo ele, as pessoas só guardam aquilo que querem lembrar. Nesse sentido, não é possível categorizar a memória como um documento histórico, pois a história é mais objetiva e registrada.

De acordo com Le Goff (1996), 32


Como conceito, Le Goff (1996) classifica a memória em individual - com aspectos que remontam um passado vivido e resgatado, onde o indivíduo reconstrói lugares vividos de forma pessoal, por ele em seu passado – e coletiva - que pode ser compartilhada não apenas de forma pessoal,mas em grupo, ou seja, trata-se da vivência de um grupo no mesmo espaço durante um determinado tempo. No campo da arte e arquitetura, é necessário entender que cada indivíduo reage e recebe diferentes estímulos, de uma maneira estritamente particular, levando-se em conta os fatores que interferem em sua percepção. Nossas sensações ocorrem a partir destes estímulos, relacionados com a devida memória. Atualmente, com todo esse estudo vindo à tona, tornaram-se comuns concursos de memoriais para homenagearem acontecimentos históricos. A pergunta que surge é: qual a real diferença entre memoriais e museus? Para o senso comum, são a mesma coisa, porém mesmo

que ambos atendam aos interesses específicos de divulgação, conservação e valorização de uma memória específica, são totalmente diferentes. O museu é um local em que se reúnem exposições colecionáveis de objetos ou informações de um determinado evento histórico. Enquanto o memorial poderia ser considerado um espaço de homenagem a alguém ou uma memória coletiva de uma civilização, propagando informações históricas que podem compor dados, informações e principalmente, fazer parte de uma arquitetura fenomenológica, a qual faz seu visitante refletir sobre estipulado tema ou ingressar no próprio período do contexto. Ademais, em muitos casos o memorial pode abrigar um museu, um centro cultural, um parque, ou/e os mais diversos tipos de programas para a sociedade usufruir. Muitas referências de obras contemporâneas, torna-o um local de identidade, apropriação e repleto da presença de atmosferas. 33


1.6 ESPAÇOS PÚBLICOS E AS CIDADES

Dentre as mais variadas tipologias de espaços públicos que uma cidade pode oferecer, o foco do trabalho será - além da concepção de um projeto que garanta identidade a partir das suas atmosferas um Parque Urbano. E para isso, devemos saber de fato o que é um espaço público, um parque urbano e como eles podem enriquecer uma cidade.

çadas, praças, jardins ou parques; e ambientes fechados como bibliotecas, museus e centros culturais.

Os espaços públicos são rotulados como locais de uso público, ou seja, acessíveis a todos, agradáveis, gratuitos

Quando possuem uma identidade cognoscível, deixam de ser considerados apenas um espaço, e passar a ser definidos como “lugares”. Norberg-Schulz (2006), arquiteto que escreveu “O fenômeno do lugar”, declara que o lugar é mais do que uma banal localização geográfica. Ele é a manifestação tangível do habitar humano, ou seja, o mundo como lugar, é

e sem fins lucrativos. São todos os tipos de ambientes abertos ao povo: ruas, cal-

constituído por elementos que transmitem significado, atração, identificação e perso-

34


nificação. Segundo Rogers (2001), um espaço seguro e não excludente é fundamental para coesão social, servindo de palco para a expressão da democracia, onde a população exerce seu direito de estimular debates e discussões sobre o mundo, fazendo do espaço público algo maior que apenas entretenimento, um garantidor da cidadania. O mesmo autor (2001) reafirma que à medida em que há um crescimento populacional acelerado, suas expectativas e necessidades por opções de entretenimento, lazer e cultura, aumentam. Porém, o cenário atual das cidades aponta para o desaparecimento de espaços com caráter público, desmoronando a ideia de uma cidade definida como um lugar praticado. Esse desaparecimento pode consequentemente, acarretar problemas sociais e ocasionar o declínio da cidade, fazendo com que as pessoas não participem da vida urbana. Gehl (2013) escreve que a visão

de cidades vivas, seguras e sustentáveis, tornou-se um desejo universal e urgente. Além disso, o autor garante que o objetivo maior é fazer com que as pessoas caminhem por prazer, em um ritmo e velocidade desacelerados, sendo capazes de apreciar cada singularidade de um local onde há frequentes mudanças de suas atividades, intercalando a caminhada com a parada, o descanso, a permanência e o bate-papo. Outro fator influenciador na apropriação das cidades, é a segurança dos espaços públicos, que está diretamente ligada à presença de pessoas que os utilizam, ou seja, quando existem cidadãos caminhando pelo território, há também um aumento da segurança real, percebida de forma a tornar aquele local mais convidativo à novos possíveis usuários. Depois de analisarmos cuidadosamente o que são os espaços públicos e como eles interferem na vivência de uma cidade, podemos finalmente conceituar um específico equipamento urbano, o par35


que. Em concordância com Kliass (2006), os parques urbanos são vastas áreas em uma cidade, dispondo predominantemente de elementos naturais e coberturas vegetais. São destinados a recreação e ao lazer individual ou coletivo, configurando lugares de usufruto da população, onde a vegetação se torna responsável por criar ambiências mais agradáveis para realização de diversas atividades. Concordamos com Jacobs (2000) quando ela defende que um projeto de parque é definido por quatro elementos básicos: complexidade, centralidade, insolação e delimitação espacial. A complexidade é marcada pela multiplicidade de usos que sejam estimulantes; a centralidade diz respeito a um local de destaque que cria a identidade do parque; a insolação é um elemento que deve ser estudado a fim de ser explorado ou repelido, através dos raios solares; e a delimitação espacial está relacionada às edificações que as envolvem. Além dos conceitos citados, um 36

parque público funciona como um preservador da natureza local, estimulando áreas verdes e atuando como um patrimônio para a cidade, uma vez que se torna referência e símbolo de identidade social. Não menos importante, se torna um ambiente propagador de vínculos e relações sociais, integrando-se no tecido urbano, aprimorando a qualidade de vida e microclima em seu entorno, contribuindo para o prestigio da área onde for implantado, remodelando a imagem do local por ser um local de permanência. Quando pensamos em um parque público, devemos garantir a interação da população com ele, principalmente por tratar-se de um projeto com ampla área na cidade. A natureza, seja a vegetação, os animais e a água devem dialogar com o nosso mundo exterior, para que tudo se comunique e conviva em comunhão. Feito isso, a sensação de pertencimento e identidade fortalecerão no cidadão, trazendo um equipamento público ideal para a sociedade contemporânea, o qual será apropriado da maneira que convém.



CAPÍTULO 2 CONTEXTO DA ESCRAVIZAÇÃO



O assunto debatido sobre ambiências, atmosferas, memoriais e parques urbanos não teriam existido, se não fosse pela temática escolhida para o contexto central do projeto. No momento em que analisamos o cenário perturbador do mundo cotidiano, percebemos ainda hoje, a interminável presença de atos racistas e o constante extermínio dos direitos humanos. O contexto da escravização será fundamental para compreendermos uma das fontes de onde nasceu grande parte da intolerância racial e o preconceito. 40

Para isso, devemos analisar o significado de seu termo, sua trajetória e o sofrimento que essa palavra causou, manchando de sangue a história. Sua essência é a propriedade de um indivíduo por outro, rejeitando àqueles todos seus direitos. Os que são escravizados, denominados escravos na época, têm de trabalhar para os outros, fazendo tudo o que eles ordenam, sem qualquer garantia de qualidade de vida ou pagamento pelos seus serviços prestados. O que a grande maioria não sabe,


é que o termo generalizadamente associado à calamidade dos africanos, tem seu embrião muito longe do continente, originando-se dos ancestrais de poloneses, sérvios e ucranianos. A expressão que surgiu da Europa entre os séculos IX e X, vem do latim slavus, em que os prisioneiros de guerras do Leste Europeu eram escravizados em massa, após suas derrotas contra os germânicos. No passado, muitas sociedades possuíam escravos, sendo eles capturas

plesmente nascidos de pais escravizados, os quais eram comprados e vendidos como mercadoria de consumo. Atualmente, grande parte da sociedade considera essa condição um crime desalmado, e acreditam que a liberdade individual é um dos direitos humanos básicos que devem ser garantidos por todos acima de tudo. Todavia, lamentavelmente, com a abolição da escravidão, o racismo, a intolerância e a desigualdade pluralizaram descontroladamente.

de guerra, pagamentos de dívidas ou sim41


2.1 A HISTÓRIA DA ESCRAVIZAÇÃO

Figura 1 – Escravização na Antiguidade Clássica - Egito

42


Ao lermos livros e relatos de historiadores, chegamos à conclusão que a escravização é um tipo de relação de trabalho que existe há muito tempo na humanidade, se tratando de um fenômeno histórico extenso e diverso, pertencente a diferentes civilizações desde a antiguidade clássica, dentre elas os babilônios, egípcios, assírios, hebreus, gregos e romanos.

tes de humanos realizavam a compra dos capturados e, logo depois, tratavam de oferecê-los em pontos comerciais lucrativos.

Quando olhamos diretamente para Atenas, os escravos eram majoritariamente da Ásia Menor e Trácia, aprisionados por meio de guerras contra diversos

Na área urbana e doméstica de Atenas, em geral, alguns escravizados eram utilizados para formarem as forças policiais da cidade, outros participavam de atividades artesanais, e inúmeras vezes, por conta de suas habilidades técnicas, tinham uma posição social de destaque. Em certos casos, poderiam até mesmo possuir uma fonte de renda própria, que serviria posteriormente para comprar sua

povos de origem estrangeira. Os trafican-

própria liberdade. 43


Já no caso da cidade-Estado espartana, a escravidão tinha uma organização ainda mais distinta. Denominados hilotas, os escravos também eram obtidos através de vitórias militares, porém, devido sua cultura xenofóbica, não existiam comércios de pessoas no interior das cidades. Os aprisionados pertenciam exclusivamente ao Estado, e ninguém poderia ser considerado seu proprietário. Anos depois, o império romano se transformou na sociedade antiga em que a mão-de-obra escrava teve sua mais significativa importância. O trabalho era realizado nas propriedades dos patrícios – grupo social romano detentor do maior controle de terras cultiváveis do império – e exerciam diferentes funções, sendo capazes também de adquirir sua própria liberdade. Diferentemente da escravidão que conhecemos no século das grandes navegações, as relações entre o comandado e seu comandante possuíam leis rígidas as quais consistiam em dar uma boa 44

alimentação, manter seus escravos bem vestidos, sendo terminantemente proibido e havendo punição, se praticado o castigo até a morte. Ademais, em raras ocasiões, um senhor patrício poderia ceder parte de suas terras a um escravizado ou libertá-lo sem qualquer indenização. Essas medidas tomadas a favor dos prisioneiros, foram vistas como uma consequência imediata à mais famosa rebelião de escravizados da antiguidade, liderada por um bravo gladiador chamado Espártacus, em 70 d.C. Nos séculos decorrentes, as invasões bárbaras e a redução dos postos militares, ocasionaram o enfraquecimento do sistema escravista dentro da sociedade romana, perdendo sua predominância e dando lugar às relações servis. Séculos depois, a partir da descoberta, ou melhor, da invasão da América pelos europeus em 1492, o continente foi submetido a uma exploração brutal e ininterruptas de seus bens, provocando um extermínio completo do povo local, os


quais foram forçados a extraírem recursos naturais de suas terras natais. Destarte, inaugurou-se a escravidão na América Latina, inicialmente com os nativos e, ulteriormente com os africanos trazidos para o Novo Mundo, dominados pelo imperialismo europeu. No decorrer das invasões, a demanda por oferta de trabalho crescia intensamente, e como já não sobravam tantos indígenas mortos por guerras ou doenças, os conquistadores estrearam a importação de africanos, realizada por meio dos conhecidos navios negreiros, predominantemente pertencentes aos portugueses. O número inferior de escravizados pelos espanhóis justifica-se pelo fato de que os nativos tinham conhecimento prévio de técnicas de mineração, e por considerarem vultoso e desnecessário o investimento financeiro na reposição da mão de obra importada das embarcações. No Brasil, a exploração de africanos era operada, sobretudo nas lavouras de

exportação, dentro do sistema de plantation. O dinheiro desembolsado na compra do prisioneiro levou o colono a explorá-lo até a sua completa exaustão, resgatando num curto período, seu valor gasto. Segundo estudos recentes da Universidade de Emory, em Atalanta, o país atingiu o total de 4,8 milhões de escravizados, com o auxílio principalmente do tráfico negreiro. Este tráfico só foi possível graças ao baixo custo na entrada de produtos na Europa, como o açúcar, chá, cacau, tabaco, café, algodão, dentre outros, servindo aos interesses do capitalismo manufatureiro. Ele operou na mecânica do comercio triangular - Europa, África e América – juntamente com as embarcações que exerciam a rota marítima. Essas embarcações que levavam os negros destinados ao trabalho desumano no continente americano, eram chamadas de Navio Negreiro, afamadamente conhecida por tumbeiro – nome dado após incontáveis mortes durante as jornadas.

45


Figura 2 – Ilustração Navio Negreiro

46


Transportados e confinados em viagens que poderiam durar até dois meses, os escravizados eram mantidos nos calabouços e porões dos navios sob condições sub-humanas. Eram embarcados à força e aprisionados nestes locais que sequer davam para permanecer sentados, de tão apertado, onde eram mantidos nus e separados por gênero. Os homens deviam permanecer acorrentados até o final do trajeto, enquanto as mulheres sofriam abusos sexuais por parte da tripulação.

Esporadicamente, era permitido que reduzidos grupos subissem ao convés para um banho de sol, local onde o sadismo prevalecia, sendo obrigados a dançarem ou serem humilhados pelos marinheiros. Tais atitudes geravam revoltas e motins, que acabavam sendo contidos, ocasionando aos rebeldes punições severas ou morte por serem jogados no mar.

47


2.2 A ESCRAVIZAÇÃO NO BRASIL

Depois de entrarmos no contexto das invasões europeias e da importação de escravizados vindos do continente africano, devemos entender como esse modelo de trabalho se instalou em nosso país. Na primeira metade do século XVI, os portugueses começavam a trazer escravizados de suas colônias africanas para utilizá-los como mão de obra, preferencial48

mente nos engenhos de açúcar da região nordeste do Brasil. Ao embarcarem, eram vendidos pelos comerciantes, em grandes salões, e expostos para leilão, onde chegavam a arrecadar quase o dobro do valor por escravos saudáveis e fortes, em comparação aos velhos e fracos.


Figura 3 – Diagrama de um engenho de açúcar - Brasil

Logo após serem apossados, eram levados às enormes fazendas de açúcar ou para as minas de ouro, tratados da pior e mais inimaginável maneira, onde trabalhavam excessivamente, dia após dia, recebendo trapos e alimentações precárias nos finais dos turnos. Anoitecendo, recolhiam-se para as senzalas - galpões de porte médio construídos dentro do enge-

nho, tipificados como habitações rústicas feitas de madeira e barro, abafadas e desagradáveis – e dormiam no chão maciço, acorrentados para evitar possíveis fugas. Mesmo proibidos de praticar suas religiões e realizar rituais africanos, obrigados a seguir a religião católica e aprender a língua portuguesa, os prisioneiros não permitiram que sua cultura se extin49


guisse. Escondidos e sob ameaças de castigos físicos, exerciam suas festas e rituais, conservando suas representações artísticas e até mesmo originando uma luta marcial disfarçada de dança, a gloriosa capoeira.

Figura 4 – Como funcionavam as senzalas

50

As mulheres em especial, também sofriam muito com a escravidão no Brasil, ainda que utilizadas para certos serviços braçais, eram forçadas a trabalhar como cozinheiras, arrumadeiras e até amas de leite.


Durante o Século de Ouro XVII, alguns escravizados tinham a oportunidade de comprar sua liberdade através da compra da carta de alforria, que era feita após juntarem algumas moedas durante toda sua vida. Esta garantia tornava-se apenas um blefe, dado que as poucas oportunidades e o preconceito da sociedade acabavam fechando as portas para estas pessoas. Com todo o sofrimento hediondo ocasionado pelos brancos europeus, os negros passaram a reagir à escravidão, procurando por uma vida de paz e dignidade. Neste período tornaram-se comuns revoltas de escravizados nas fazendas de engenho, as quais grupos fugiam e formavam quilombos nas florestas da redondeza. Esses são caracterizados por comunidades organizadas e espelhadas nos moldes comunitários que existiam na África, onde seus integrantes viviam em liberdade, praticando rituais, a fala nativa e sua cultura.

ragem e inspiração à diversas outras, não esqueceremos jamais da sangrenta revolução do Haiti, que colocou no poder líderes negros no ano de 1804. Passado um ano, realizada a independência, instalou-se uma monarquia no país e, logo depois, institui-se uma república dirigida por ex-escravizados. Essa revolução é considerada um marco na história dos africanos nas Américas. No caso do Brasil, o quilombo de Palmares, dos anos 1630 a 1695, foi a mais notável comunidade de escravizados livres do continente. Resistiu aos ataques e emboscadas de expedições militares, se destacando devido à sua organização político-social e permanecendo cada dia mais sólida pela força de Zumbi, líder do quilombo. Para ter uma ideia de sua importância nos dias de hoje, o feriado da “Consciência Negra” é comemorado no mesmo dia de sua morte, 20 de novembro.

Uma vitoriosa revolta que deu co51


Figura 5 – Setorização do quilombo de Palmares 1- Entrada restrita; 2- alçapão humano; 3- mix religioso; 4-dieta; 5- casinhas de sapê; 6- diretas já; 7- conjunto habitacional

52



2.3 A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA

Durante o século XVIII, um grupo de ingleses na Grã-Bretanha começaram a entender que não era correto escravizar pessoas e colocá-las sob uma condição selvagem, dando início ao primeiro movimento abolicionista, que seria o primeiro pilar para pôr fim ao sistema escravocrata. Assim sendo, o país europeu e os Estados Unidos decretaram a cessação do comércio de pessoas em 1845, quando aprovaram a lei Aberdeen. Tal ordem concedia à marinha real britânica a au54

toridade para a apreensão de quaisquer navios envolvidos no tráfico humano, independentemente de sua bandeira. Nos Estados Unidos, a escravidão só teria seu fim com uma de suas guerras civis mais famosas da história: a Guerra da Secessão. Essa cravou a disputa entre os estados do sul que não concordavam com a exigência, e os estados do norte, os quais acreditavam ser a medida apropriada para o futuro da nação. Após término sangrento do combate, em 1965, os estadunidenses elaboraram a lei que proibiria definitivamente esse trabalho.


Já na América Latina, conforme as colônias declaravam suas independências, aboliam o sistema escravocrata. Infelizmente, o Brasil foi o último país ocidental a declarar seu fim, após uma série de campanhas e decretos internacionais apresentados. Dentre eles, a Lei Eusébio de Queirós (1850), que proibia oficialmente o tráfico negreiro, a Lei do Ventre Livre (1885), que garantia a liberdade imediata

dos filhos de escravizados e a lei dos Sexagenários, a qual libertava todos capturados com mais de 60 anos de idade. Por último, em 13 de maio de 1888, a então governanta do país, princesa Isabel, filha do imperador Dom Pedro ll, assinou a Lei Áurea, garantindo o desfecho da escravidão no Brasil.

Figura 6 – Ilustração princesa Isabel assinando a Lei Áurea

55


Ainda que tardio, por incrível que pareça, o país não foi o último a tomar a iniciativa. A escravidão duraria por mais algumas décadas na China e na Arábia Saudita, por exemplo, sendo formalmente derrubada em 1910 e 1960 respectivamente. Atualmente, em teoria, esse sistema está extinto, pertencente apenas em livros de história e relatos escritos, porém, em pleno século XXI, ainda há denúncias de trabalhadores, refugiados ou atraídos por ofertas de trabalho em regiões distintas, destinados a viver sob condições análogas à escravidão.

Portanto, podemos considerá-la ainda presente em nossa sociedade, e se não bastasse, a imensa população de libertos deparou-se com uma dura realidade marcada pela pobreza, falta de instruções, preconceito e inviabilidade social, fatores que podem explicar a atual desigualdade e o racismo praticado. Isto acabou acarretando intensas lutas pela igualdade étnica e resistências culturais por parte dos afrodescendentes, os quais buscaram respeito e reconhecimento mediante à contribuição na construção do mundo que hoje enxergamos.

Figura 7 – Liberação e dura realidade dos escravizados

56


Desde a assinatura convertida pela princesa Isabel, até os dias atuais, o caminho da inclusão social tem sido árduo quanto à luta contra o racismo – velado ou assumido -, e à intolerância às tradições africanas. Em suas múltiplas modalidades, a escravidão nos espreita e reinventa-se através de mecanismos exploratórios, subtraindo a liberdade do indivíduo e corroendo sua própria existência enquanto ser humano. Talvez o que seja mais vergonhoso é ainda existir comportamentos racista e discriminatório mesmo diante de uma história tão horripilante, presente em nossas raízes, desde muito antes da formação da nossa nação. O Brasil, diferentemente de países como a Alemanha e a África do Sul, que viveram contextos tão marcantes quanto o nosso, no Holocausto e no Apartheid respectivamente, queimou e eliminou praticamente todos os documentos sobre seu período colonial, escondendo histórias de massacres em territórios que abrigaram negros.

Para piorar, mais tarde, com a substituição da mão de obra negra escrava pela imigrante no país, a histórias das cidades e dos bairros, em especial os da cidade de São Paulo – local de estudo – passaram a serem identificadas como de origem europeia, reproduzindo a rejeição e o apagamento de seu passado histórico formado pela figura do negro. Mesmo depois do genocídio ocorrido neste planeta, nos deparamos constantemente com a luta pela igualdade étnica. Figuras como Zumbi de Palmares, Dandara, Nelson Mandela, Malcolm X, Martin Luther King, entre outros, participaram e guerrilharam para conscientização e reeducação social, tendo uma parcela importante na contribuição para um mundo igual. Ainda assim, recentemente se tornou necessário à criação do movimento ativista internacional “Black Lives Matter”, originário na comunidade afro-estadunidense que batalham contra a violência direcionada às pessoas negras, após uma série de atentados contra elas. 57


Figura 8 – Manifestação “Black Lives Matter”

No dia 8 de novembro de 2016, um carro passou buzinando na frente do estúdio panorâmico da rede Globo de televisão, quando um renomado, agora ex-repórter da emissora, se preparava para entrar ao vivo na reportagem, o mesmo proferiu a seguinte frase: “É coisa de preto” de-

Poderíamos dizer que a frase racista do jornalista se encaixaria em diferentes períodos da humanidade, para ilustrar feitos memoráveis de muitas das personalidades mundiais, todos pretos,como Jesse Owens, que desafiou a Alemanha nazista, se opôs ao regime e voltou para

monstrando uma lamentável atitude racista . Ofensas verbais e comentários infelizes como esses, não são mais aceitos. A nação brasileira, assim como a população

casa campeão mundial dos jogos olímpicos, deixando Hitler sem qualquer reação. “Isto é coisa de preto”.

mundial, repudia tais atos racistas. 58

Ter um sonho, como Martin Luther King, em que um dia filhos de brancos e fi-


lhos de negros se sentarão à mesa convivendo fraternalmente. “Isto é coisa de preto”. Nelson Mandela, libertador de milhões de negros no Apartheid na África do Sul, evitando mais sofrimento e mudando nossa história atual. “Isto é coisa de preto”. Lewis Hamilton, maior campeão da história da Fórmula 1 e recordista no número de poles. “Isto é coisa de preto”. Pelé, considerado o maior atleta do século. “Isto é coisa de preto”. Não é preciso citar as

vemos possuir. Nesse contexto, o trabalho terá por objetivo se tornar uma pequena ferramenta para a contribuição da arquitetura como um objeto narrativo educador, e assim como tantas figuras importantes que lutaram pela causa, combater, com seu amplo propósito, a ignorância e a intolerância presente em nossa sociedade.

outras dezenas de casos que comprovam que a igualdade é o direito que todos de59


CAPÍTULO 3 ESTUDOS DE CASO E REFERÊNCIAS ARQUITETÔNICAS


A partir de intensas pesquisas e análises de projetos arquitetônicos que tratassem uma arquitetura fenomenológica, educativa e cultural, foram listadas as principais obras e suas respectivas fichas técnicas, análises funcionais, estruturais e estéticas. 61



3.1 MUSEU JUDAICO DE BERLIM INTRODUÇÃO Fundado no ano de 1933 na rua central Oranienburger Straße em Berlim, na Alemanha, o Museu Judaico de Berlim é um museu que abriga a história, obras e atos dos judeus alemães ao longo de dois milênios. Foi obrigado a encerrar suas atividades em 1938, pela polícia secreta nazista Gestapo, a qual confiscou todo seu inventário. Em 1988, décadas após o final da Segunda Grande Guerra, o governo berlinês anunciou uma competição anônima

pelo design de um novo museu, que seria um anexo ao antigo edifício. Enquanto outros competidores alvitraram espaços frescos e neutros, Daniel Libeskind se destacou por sua proposta de desenho radical em formato ziguezague, ganhando o apelido de “Blitz” (Relâmpago). Este desenho induz uma narrativa entre a vida dos judeus no país com o formato de “ida e vinda”. A construção da obra iniciou no ano de 1992, e foi finalizada nove anos depois. 63


Na antiga edificação barroca, o Kollegienhaus, se encontram lojas e souvenires, exposições temporárias e um grande espaço para eventos. O anexo do concurso, denominado Libeskind, é acessado por meio de uma escada do antigo prédio, e exibe artes, relíquias, aspectos culturais, sociais e políticos da história dos judeus no país.

Figura 9 – Foto aérea – Jewish Museum Berlim

64


ANÁLISE FUNCIONAL O edifício Libeskind conta com aproximadamente 15.000 m². Embora aparente ser uma construção independente, não possui nenhuma entrada exterior formal, e para visitá-lo, há uma passagem subterrânea localizada no antigo prédio. Esta estratégia possibilitou preservar a característica construtiva de ambos, sem que houvesse qualquer interferência com

o entorno existente e sua implantação. O arquiteto organiza, com todo cuidado histórico, a setorização e programas existentes a partir de três eixos de extrema importância para compreender a trajetória antepassada. O primeiro, eixo da Continuidade, onde se localiza o corredor subterrâneo que leva para o acesso da exposição. O segundo eixo, Holocausto,

Figura 10 – Diagrama de fluxos – Jewish Museum Berlim

65


localiza-se em um caminho sem saída, onde nos faz parar na torre do Holocausto, a qual possui uma pequena passagem de luz em sua cobertura. Finalmente, o terceiro e último eixo, o Exílio, que oferece um ponto de escape até o Jardim do Exílio. Este local externo é composto por pilares quadrados de concreto, preenchidos com terra de Berlim e coroados com vegetação, que caracterizam o monumento às vítimas do genocídio. O projeto é baseado em duas estruturas lineares, que formam o corpo do edifício quando combinadas. A primeira delas é formada por várias torções, en-

66

quanto a outra rompe através de todo o museu. Nas intersecções dessas linhas estão os chamados “vazios”, espaços que se elevam vinte metros verticalmente desde o térreo à cobertura. Um dos mais famosos pontos “instagramáveis” do museu, é o vazio da Memória, que contém a instalação artística Shalechet de Menashe Kadishman, onde são distribuídas no chão esculturas de barro em formato de rostos expressivos, que emitem ruídos quando os visitantes pisam sobre elas, ocasionando um eco ensurdecedor através do vazio.


ANÁLISE TÉCNICA O edifício é revestido em zinco, material que possui uma tradição significativa na história arquitetônica da cidade. Quando não tratado, esse material muda de cor e oxida-se com sua exposição à luz e intempéries, gerando mudanças na fachada com o passar dos anos.

Nessa mesma fachada, destacam-se principalmente, as janelas em tiras, que aparentam cortar o edifício através dos painéis de zinco, banhando o interior do museu com lampejos de luz em todas as direções possíveis. O posicionamento dos rasgos das janelas, precisamente as estreitas fendas, segue uma matriz precisa.

Figura 11 – Vista da fachada – Jewish Museum Berlim

67


Durante o desenho do projeto e seu desenvolvimento, Daniel traçou as direções de cidadãos judeus e alemães de destaque em um mapa de Berlim anterior à Guerra, unindo os pontos para formar uma matriz irracional e invisível, em que se baseia a geometria e linguagem formal do edifício. A escadaria que emerge do eixo da Continuidade até a exposição permanente, se distende de forma linear seguindo

a fachada do edifício. Além disso, ela se apresenta como uma brincadeira de escadas e luzes, levando o visitante de espaços estreitos e sombrios, para espaços amplos e luminosos. As vigas dispostas em diferentes direções que a acompanham, possuem uma aparência desconstrutivista, todavia são funcionais e tem por objetivo contraventar a estrutura.

Figura 12 – Vista das vigas desconstrutivistas – Jewish Museum Berlim

68


ANÁLISE ESTÉTICA Libeskind projeta um edifício capaz de narrar uma história extremamente delicada. Mostra a impossibilidade de entender a história de Berlim, sem entender a enorme contribuição intelectual, econômica e cultural feita pelos cidadãos judeus que fizeram parte dessa cidade.

através dos eixos, podemos ser inseridos nos três grandes acontecimentos da vida judaica, especificamente na cidade alemã. Sendo eles, a continuidade da história alemã no pós-genocídio, a emigração da Alemanha no eixo do Exílio, e os acontecimentos do Holocausto.

Além disso, apresenta a necessidade de integrar, física e espiritualmente, o significado do Holocausto na consciência e memória da cidade. Somente quando estivermos cientes do apagamento da vida judaica em Berlim, a história da cidade e de toda a Europa pode ter um futuro mais humano e de igualdade.

Como consequência ao surpreendente desenho arquitetônico, o museu se tornou local para aprendizado, não só por conter obras e inventários da época, mas também por abrigar salas que conscientizam seus visitantes através dos sentidos e percepções espaciais da época, fazendo da memória uma grande arma para o combate à ignorância e ao preconceito.

A forma do projeto se concebeu a partir da deformação da Estrela de Davi, e

69



3.2 MUSEU DO APARTHEID INTRODUÇÃO Localizado próximo ao centro da cidade de Johannesburg, África do Sul, o Museu do Apartheid dedica-se à memória de um dos mais devastadores sistemas de discriminação racial, que se tornou um famoso marco do país em 1948, quando o partido Nacional, de minoria branca, foi alçado ao poder. O sistema, no qual os direitos da maioria dos habitantes foram delimitados pela minoria branca, prevaleceu até o ano de 1994. Neste ano, após as reformas do

regime não conseguirem conter a crescente oposição, o então presidente da época, iniciou negociações para acabar com o Apartheid. Dessa forma, as eleições passaram a ser multirraciais e democráticas, sendo vencidas pelo Congresso Nacional Africano, sob a liderança de uma das principais figuras históricas já existentes, Nelson Mandela. Portanto, a visita ao museu nacional nos conta a narrativa histórica do 71


sistema segregacionista e a transição pacífica do país para uma sociedade democrática e igualitária, sendo importante não só para os turistas, como também para os próprios sul-africanos.

ANÁLISE FUNCIONAL O Museu projetado pelo escritório Mashabane Rose Associates, possui um programa muito claro e dividido entre diversas salas expositivas, onde cada uma delas relatam um evento específico ocorrido durante o Apartheid. Tudo isso foi pensado para que o edifício servisse de aprendizado para seu visitante, acendendo fortes sensações de como era viver em 72

uma época de opressão. Antes mesmo de chegarmos a edificação, avistamos 7 grandes pilares projetados em seu jardim, que remetem ao coração da Constituição sul-africana, sendo eles: democracia, igualdade, reconciliação, diversidade, responsabilidade, respeito e liberdade.


Figura 13 – Vista dos 7 pilares – Museum do Apartheid

Talvez o que chame mais atenção aos turistas é como adentramos o museu. Seu acesso é feito pela classificação da etnia do visitante, ilustrando a realidade que existia no Apartheid, sendo necessária a apresentação de seus documentos para sua liberação. Logo após a divisão

em grupos, sejam eles brancos, nativos, pardos ou asiáticos, nos deparamos com documentos presos em grades de pessoas separadas pelas suas respectivas etnias.

Figura 14 – Entrada e ingressos que segregam os visitantes – Museu do Apartheid

73


O museu apresenta exposições que vão desde antes do regime, época em que existia o convívio conjunto independente de sua cor de pele, até o início da segregação, os mais significantes atos de violência, a vida cotidiana dos nativos.

Ademais, as últimas salas apresentam o crescimento da consciência negra de oposição, as execuções policiais e a chegada de Nelson Mandela ao poder.

ANÁLISE TÉCNICA

Ao observamos a fachada do edifício, presenciamos a forte presença da utilização do tijolo e concreto para sua construção, com raras aberturas de janelas no interior da edificação, beneficiando a ideia de um ambiente escuro, onde a iluminação artificial direcionada às obras predomina. As instalações de dutos e sistemas de luz são expostas por trilhos direcionais, deixando um clima ainda mais perturbador ao visitante. Existe a presença majori74

tária de grades por todas as salas, simulando o sistema opressor e discriminatório da época em questão. As paredes e divisas entre as salas expositivas são de concreto aparente e tijolos de barro escuro, expondo o material natural sem qualquer tipo de revestimento. Na área externa, os pilares da constituição são em concreto pré-fabricado diretamente chumbados em solo.


Figura 15 – Interior de uma das salas – Museu do Apartheid

ANÁLISE ESTÉTICA

Pode-se dizer que Mashabane obteve grande sucesso com a construção que narra um trauma histórico tão sensível para população local e mundial. O museu é o mais visitado do continente, sendo uma das mais importantes edificações culturais do continente.

ca e expositiva, se torna muito mais fácil o ensinamento ao visitante leigo inserido em um museu.

A estratégia em utilizar materiais tão frios e escuros reforçou uma ideia de

É importante salientar que o arquiteto teve um papel fundamental para a compreensão do desastre ocorrido na África do Sul, trazendo uma identidade única para o projeto, em que a partir de salas demonstrativas, foi capaz de

opressão e angústia, sentimentos que estavam presentes no período. Além disso,

descrever uma história tão complexa e delicada, dificílima de ser percebida por

com a junção de uma arquitetura simbóli-

quem não viveu esse terror. 75



3.3 MUSEU DE INHOTIM INTRODUÇÃO Inhotim é um mundo mágico em contínua transformação, onde a arte convive em relação exclusiva com a natureza presente. Situado na cidade brasileira de Brumadinho, o parque ocupa uma área equivalente a 45 hectares de jardins, onde grande parte deles foi desenhado pelo famoso paisagista brasileiro Roberto Burle Marx, possuindo uma coleção botânica de espécies tropicais raras e um acervo artístico de relevância internacional. Apresentado pela primeira vez ao

público no ano de 2004, o parque se tornou um dos mais visitados museus a céu aberto do mundo. Sua coleção botânica e acervo de arte contemporânea são aproveitados metodicamente para programas educativos e para profissionais de áreas ligadas à arte e ao meio ambiente. Desde 1980, o acervo do parque vem sendo formado, com principal foco na arte produzida entre os anos 60 até os dias de hoje. Das mais diversas obras artísticas, há presença de esculturas, desenhos, 77


fotografias, vídeos e instalações de renomados artistas brasileiros e internacionais, espalhados em galerias projetadas por grandes arquitetos, e espalhadas pelo Parque Ambiental.

Figura 16 – Vista aérea de Inhotim

78


ANÁLISE FUNCIONAL

Para compreendermos melhor seu funcionamento, os espaços expositivos atualmente são divididos em onze galerias dedicadas a obras permanentes, detendo vastos jardins com obras de arte espalhadas por eles. Bienalmente uma nova construção é instalada, fazendo de Inhotim um lugar em constante evolução e transformação. As galerias permanentes foram nomeadas e desenvolvidas para receber obras de artistas expressivos, dentre eles Tunga, Cildo Meireles, Adriana Varejão, Doris Salcedo, Victor Grippo, Matthew Barney,

Ivane Neuenschwander, Valeska Soares, Janet Cardiff & Gerorge Miller e Doug Aitcken. Já as temporárias batizadas por Lago, Fonte, Praça e Mata. O local ainda foi projetado para receber toda arte contemporânea já mencionada, além de um parque ambiental de reserva natural, gastronomia, ações educativas com laboratórios que promovem a aproximação da sociedade com os valores da arte, meio ambiente, cidadania e diversidade cultural.

79


Figura 17 – Mapa do parque – Inhotim

ANÁLISE TÉCNICA

Os pavilhões, que abrigam as artes contemporâneas temporárias, têm cerca de 1000m² cada um, e todas elas 80

possuem uma mesma leitura arquitetônica, ou seja, grandes vãos que permitem aproveitamento versátil dos espaços para


apresentação das pinturas, instalações, entre outros. Cada edificação permanente apresenta características únicas e inéditas na arquitetura, explorando luz e sombra como a simples quadrangular galeria Lydia Pape com seus fios dourados iluminados, ou como a galeria Adriana Varejão, que possui leveza em seu cubo de concreto em balanço acima de um espelho d’água. O Parque Ambiental de Inhotim, em constante crescimento, está distribuído em duas principais coleções: Reserva

Natural, com 600 hectares de mata nativa preservados, e o Parque Tropical, com 45 hectares de jardins de coleções botânicas e cinco lagos ornamentais que somam 3,5 hectares de área. Atualmente são cultivadas mais de 3 mil espécies de plantas pertencentes principalmente aos biomas do Cerrado e Mata Atlântica. Entre as espécies destacam-se as cicas, nolina, jerivás, butiás, tamareiras, macaúbas, babaçu e zâmia.

Figura 18 – Vista para a lagoa – Inhotim

81


ANÁLISE ESTÉTICA

Se imaginarmos museus a céu aberto dentro de parques públicos, talvez não consigamos pensar em algum tão completo e educativo pra diversas áreas como o museu de Inhotim. Esse se tornou uma verdadeira escola para arquitetos,

galerias de exposições, Inhotim se torna um museu para conhecer e reconhecer diversas vezes. Além disso, possui um programa e setorização claros, onde jardins estão diretamente ligados aos lagos, restaurantes e pavilhões. Podemos classifi-

artistas, pintores e ambientalistas.

cá-lo como um museu artístico, abrigado em um museu arquitetônico e inserido em um museu biológico de preservação de espécies raras, onde o transeunte pode usufruí-lo como um parque interativo. Possivelmente não haja hoje, nada mais significativo para arquitetura de parques tão completos quanto Inhotim.

O mais incrível do projeto, é a forma que as obras de arte, a preservação da paisagem natural, as ações educacionais e sociais conversam entre si, formando uma entidade única ao público que o visita. Por estar em constante transformação e apresentar bienalmente novas 82




3.4 MEMORIAL ÀS VITIMAS DA BOATE KISS INTRODUÇÃO Na madrugada dia 27 de janeiro de 2013, o Brasil passou por um dos maiores e mais mortais acidentes por incêndio numa boate da cidade de Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul. A tragédia matou um total de 242 pessoas e feriu outras 680.

a prefeitura da cidade de Santa Maria, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB RS) e a Associação dos familiares das vítimas e sobreviventes (AVTSM), criada logo após o desastre.

No dia em que o episódio completou 5 anos, em 27 de janeiro de 2018, foi

A proposta vencedora escolhida após a análise da comissão julgadora do concurso é de autoria do arquiteto Felipe Zene Motta, do escritório Motta e Zene

lançado o Concurso Público Nacional de Arquitetura para o Memorial às Vítimas

Engenharia e Arquitetura Ltda., de São Paulo.

da Kiss, envolvendo uma parceria entre

Além de possuir uma preocupação 85


simbólica com o local, o projeto também apresenta uma facilidade e simplicidade de execução de obra e manutenção do espaço, que podem ser favorecidas por conter todos os programas e organizações espaciais em um único e exclusivo pavimento, o nível da rua.

A edificação de 466 m² abrigará um auditório, um espaço expositivo e outro para atividades gerais, e além, é claro, um jardim central florido que reforça o sentido afetivo do lugar de memória. Sua proposta oferece à cidade uma narrativa do fato que tem por finalidade contribuir para a superação e o ensinamento.

Figura 19 – Imagem ilustrativa do jardim central – Memorial Kiss

86


ANÁLISE FUNCIONAL

O programa da obra está dividido em três salas principais de acessos independentes, que circundam um jardim circular de flores perenes, implantado no centro do lote. À sua volta, 242 pilares de madeira – cada um deles representando

auditório, composto por um palco central e arquibancada em lados opostos, viabilizando a interação entre as plateias e apresentadores. De um dos lados do terreno, foi projetada uma sala multiuso de caráter cultural, abrigando o acervo em

uma vítima específica da tragédia, com seus nomes e um suporte que servirá para guardar uma flor em sua homenagem – suportam uma cobertura radial em balanço que permite formar varandas de contemplação ao iluminado coração do projeto, o jardim.

formato de exposição multimídia permanente. Adjacente ao acervo, o arquiteto criou uma sala única que servirá como sede da Associação, para eventuais reuniões e atividades coletivas. Além disso, o projeto possui depósitos e sanitários para seu usuário.

Ao fundo do lote foi implantado o

O programa do Memorial foi distribuído

87


em um único pavimento, viabilizando a acessibilidade universal a todos os espaços, o que torna uma construção mais econômica e facilita futuras manutenções do conjunto, já que não possui elevadores e grandes estruturas.

Figura 20 – Planta e ambientes – Memorial Kiss

88


ANÁLISE TÉCNICA

Ao analisarmos as etapas construtivas do projeto, percebemos uma estrutura e um método de execução racional, limpo e rápido. A construção possui uma leitura clara e se define por um muro perimetral de concreto e tijolos, nos quais são distribuídas as instalações prediais, incluindo dutos de climatização das salas.

em uma viga metálica de perfil “C” circular, apoiada nos 242 pilares de madeira. Seja pela claraboia perimetral que a cobertura gera ou através dos vãos entre os pilares de madeira, todos os ambientes fechados recebem luz natural em quantidades suficientes para um bom conforto ambiental interno.

As vigas de madeira descarregam a carga da cobertura no muro perimetral e

Figura 21 – Diagrama da estrutura – Memorial Kiss

89


ANÁLISE ESTÉTICA

Ao transitarmos pela rua do lote, observamos um muro de concreto e tijolos que bloqueiam quase que por completo a visão do espaço interior. Por estratégia do Felipe, a representação do luto com a austeridade da fachada, exige do visitante respeito a tudo que aconteceu por lá. Em contraste à sua fachada robusta, ao atravessarmos e adentrarmos a edificação encontramos um espaço de surpreendentes luz e fluidez. Assim, o atravessar do arquiteto, remete à transformação e à potencialidade da ressignificação do luto e do pesar, abrindo-se as perspectivas para um futuro de menos dor e maior aco-

90

lhimento. Externamente, um objeto pesado e angustiante composto de concreto e tijolos, mas que internamente se torna leve com sua cobertura esbelta em balanço, desencontrada do muro perimetral, e seu jardim de flores coloridas e extremamente iluminado. Com a mesma cobertura apoiada em pilares de madeira, o ambiente se torna ainda mais acolhedor quando contemplamos o jardim em suas varandas, tornando um espaço para encontros e trocas, e um lugar de constante reflexão.


Figura 22 – Fachada ilustrativa – Memorial Kiss

91


3.5 REFERÊNCIAS ARQUITETÔNICAS

As referências expostas possuem grandes qualidades a serem absorvidas para o desenvolvimento do trabalho, desde suas concepções de programas e partido, o uso da materialidade como essência para obra, desenhos de implantação e ambiências introspectivas projetadas exclusivamente para o usuário e seu contexto.

definidos pelo seu contexto e intenção, um período histórico devastador vivido no regime alemão nazista. O arquiteto sabe setorizar com genialidade, os três mais importantes acontecimentos vivenciados pelos judeus na cidade.

O Museu Judaico de Libeskind traz grandes ensinamentos para arquitetura fenomenológica. Possui uma aparência

Não menos importante, o Museu do Apartheid atingiu um grau enorme de complexidade histórica, relatado em um único edifício. A partir de salas mescladas internas e externas, o visitante, do mais leigo ao nativo, pode presenciar e expe-

chamativa e marcante retratada através de sua materialidade, escalas e percursos

rimentar situações cotidianas vivenciadas em um dos períodos mais traumáticos da

92


humanidade. Com isso, o arquiteto se torna uma pessoa capaz de conscientizar outra, através de um projeto com narrativas e interações. O projeto nacional da Boate Kiss do arquiteto Felipe Zene, apresenta um significado único para um programa que foi desenvolvido principalmente aos familiares das vítimas de um dos mais trágicos acidentes já vistos no Brasil. Ao utilizar um muro robusto em sua fachada, bloqueando a vista interna do memorial, passa ao visitante a sensação de um acontecimento dolorido e obscuro. Todavia, em um piscar de olhos, quando adentramos o local, participamos de um verdadeiro túnel de esperança, aonde chegamos a um jardim absurdamente iluminado e colorido. As estratégias de percepção visual causam um impacto gigantesco para quem percorre o espaço.

do para abrigar edificações, servindo de alicerce para os desenhos de programas, instalações e galerias expositivas introspectivas. O objetivo é desenvolver uma estratégia que possua uma bem-sucedida comunicação entre parque, pessoas, museu, memorial e aprendizado. A partir dos estudos de caso, será possível desenvolver uma obra artística inserida em um período histórico polêmico e apagado pelo passado, utilizando a fenomenologia como ferramenta para conscientizar e instruir o visitante do parque. Além, é claro, fornece um equipamento público interativo e educativo, para uma população local carente disso.

Por último, e aparentemente menos envolvido com contextos históricos trágicos, foi estudado o parque de Inhotim. Isto, pois o projeto a ser executado se trata de um parque, que será desenvolvi93


CAPÍTULO 4 BAIRRO DA LIBERDADE



4.1 HISTÓRICO

Parece incongruente escolher o bairro da liberdade para o projeto uma vez que o mesmo é notoriamente conhecido por ser um reduto da comunidade japonesa, no entanto a escolha se deu porque o bairro tem em sua origem e formação a forte presença cultural e histórica da comunidade negra de São Paulo. Comunidade que, foi de imensa importância para se dar início ao que é hoje, um dos mais populares pontos turísticos da metrópole. O Bairro da Liberdade, local mar96

cado pelo turismo na cidade de São Paulo, está localizado no distrito de mesmo nome, e parte do distrito da Sé. O que é hoje uma área de notável comércio e cultura Nikkei, já foi, certo dia, uma região caracterizada por mortes e sombrias histórias sangrentas de assassinatos e torturas. Em sua formação, sequer possuía essa denominação, tampouco era a casa de imigrantes japoneses, coreanos e chineses. Para compreendermos sua consolidação como território, devemos voltar no passado e estudar suas primeiras ocupações.


No século XVI, precisamente em 1560, alguns anos após a fundação da cidade de São Paulo, a Liberdade foi capitaneada pelo Cacique Caiubi, mediante a implantação local de uma aldeia indígena, seguida pela aldeia de colonização do Colégio Jesuíta, a qual era constituída por portugueses e mestiços ao sul da matriz da Sé, na direção dos caminhos que levavam à Santo Amaro, reconhecidos atualmente por Caminho Histórico Glória-Lavapés. Percurso que, até hoje, permanecem intactos. Permanecida praticamente despovoada até o século XVII, mesmo sendo passagem de abastecimento de mercadorias no trajeto entre São Paulo, Santo Amaro e Santos. A região tinha como principal atividade econômica o fornecimento de gados que percorriam estradas. Até meados do século XIX, foi considerada como periférica à cidade, batizada como Bairro da Pólvora, devido à Casa da Pólvora construída em 1754, no atual Largo de mesmo nome.

A partir de 1850, com o crescimento populacional e após ser dominada por partilhas de sítios, as autoridades pressionaram os proprietários dos diversos terrenos para aproveitarem melhor seus lotes, impondo a construção de novas ruas, alamedas e largos, o que ocasionou em uma modelagem de território decisivo em sua estruturação. Quem passa hoje pela praça central da Liberdade, não imagina que ela foi o palco sombrio de execuções e angústia. Conhecida como Largo da Forca no Brasil colonial, nome dado devido ao funcionamento da forca da cidade nesta localidade no início do século XVII, era, juntamente com pelourinho regional. Local de morte e divulgação de criminosos, especialmente de escravos rebeldes, localizada na atual Praça João Mendes.

97


Figura 23 – Ilustração de reconhecimento do bairro

98


Os escravizados considerados criminosos eram mortos por lá e enterrados como indigentes, passando pela Capela dos Aflitos, Igreja dos Enforcados e Igreja das Almas, estrategicamente erguidas circunjacentes à forca. Obata (1999), pesquisadora do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, explica: As versões mais aceitas sobre a origem dessa denominação devem-se às punições ocorridas no século 19. Nessa época, as pessoas aguardavam a execução na Igreja dos Aflitos. Após a pena, os corpos eram velados na Igreja dos Enforcados. Na Igreja das Almas era feita uma missa aos condenados.

Nas redondezas, mediante ao recorrente número de mortos, foi arquitetado o primeiro cemitério público aberto de São Paulo, antecessor do cemitério da Consolação, entre as ruas Galvão Bueno, Glória e Estudantes, onde era destinado ao sepultamento dos carecidos. As mar-

cas do cemitério estão presentes até hoje, como relata o comerciante Nelson Ferreira Dias Rodrigues, para o Portal NippoBrasil(1999), morador que nasceu e vive no bairro: Lembro-me da época que achavam ossadas em terrenos onde foram instaladas muitas casas comerciais. Com certeza, ainda existem alguns terrenos onde ainda estão enterrados alguns corpos pertencentes ao extinto cemitério.

A alteração do nome do bairro surgiu em 1821 com o assassinato de soldado negro chamado Chaguinhas, líder da revolta contra os atrasos de salários da categoria. Pressionado e sufocado pela rebelião, assumiu a culpa, livrando os demais companheiros de um possível enforcamento. No dia da sua pena de morte, a corda teria sido supostamente, rompida três vezes consecutivas, e chocada com o acontecimento, a multidão interpretou o ocorrido como algo divino, gritando por 99


sua liberdade. Há relatos de desfechos em que, após o improvável, Chaguinhas foi estrangulado pelo carrasco ou espancado até a morte.

Figura 24 – Morte de Chaguinhas

100


Marz (2019), em seu livro ilustrado “Indivisível”, consegue narrar, a partir de imagens desenhadas e pequenos diálogos, como a presença da cultura e história negra fazem parte do passado do bairro. Dissemelhantemente de um texto corrido, a desenhista utiliza, com eficácia, histórias em quadrinhos que fazem usos de uma linguagem própria para promover essa narrativa, conduzindo o olhar do leitor, e consequentemente, proporcionando uma experiência visual inigualável.

a conscientização da dívida histórica de um país que carrega um passado escravocrata, pois ao chegarmos na Liberdade enxergamos apenas o bairro oriental. (Marz, 2019),

De acordo com a autora, somos capazes de obter experiência em caminhar pelas diferentes camadas históricas e identitárias da Liberdade, algo rejeitado e jamais percebido antes. Resumidamente, explica:

Esse olhar que temos atualmente, de um bairro consideravelmente oriental, nasceu durante a imigração japonesa, na década de 20, anos após a chegada dos imigrantes europeus no país. Os habitantes do bairro, sobretudo italianos e portugueses, prevaleceram no local até a primeira década do século XIX, construindo casarões, sobrados e palacetes que se transformaram em pensões e repúblicas – onde os japoneses imigrantes viveram inicialmente.

Os mitos oriundos de situações como essa – almas de escravos injustiçados que vagam pelo bairro – fortalecem o sentimento de resistência da população negra, mas enfraquece, para os outros 46% da população do Brasil,

Essa imigração cresceu no Brasil, em 1908, com a chegada do navio Kasatu Maru, no porto de Santos, trazendo diversos japoneses para região, que passaram a residir na rua Conde de Sarzedas, onde existiam imóveis com quartos nos porões, acessíveis para aluguéis. 101


Figura 25 – Chegada dos imigrantes ao bairro

102


Em 1932, já se somavam cerca de 2 mil japoneses na cidade, os quais buscavam oportunidades de emprego, criando das mais diversas atividades comerciais, entra elas hospedarias, empórios, docerias, responsáveis por batizar a “Rua dos Japoneses”. Assim, o bairro guarda muito da tradição japonesa e oriental, atraindo pessoas de toda parte do país, através

de festas típicas, comércio de alimentos, roupas e utensílios. Ademais, apresenta uma arquitetura peculiar, como as lanternas tradicionais japonesas que seduzem os visitantes e enfeitam a maior parte das ruas, os grandes pórticos situados na rua Galvão Bueno, com suas fachadas escritas com ideogramas nipo.

103


4.2 O LOCAL HOJE

O ano de 1968 representou o começo para a mudança do bairro. A Diametral Leste-Oeste impôs ao Cine Niterói, marco da prosperidade do bairro, mudar-se para a esquina da avenida Liberdade com a rua Barão de Iguape. A estreita e movimentada rua Conselheiro Furtado, foi alargada, diminuindo ainda mais sua força comercial. E se não bastasse, com a construção das estações Liberdade e São Joaquim do metrô em 1975, notáveis estabelecimentos da rua Galvão Bueno e avenida Liberdade desapareceram. Em razão disso, com o passar dos 104

anos, o bairro deixou de ser um reduto exclusivamente japonês, pois muitos abandonaram a localidade, conservando apenas seus estabelecimentos comerciais. Por consequência, coreanos e chineses passaram a ocupar o bairro, transformando-o popularmente, de “bairro japonês”, para “bairro oriental”. Além de lojas, restaurantes e bares típicos, o território é ocupado também por shows e manifestações culturais na Praça da Liberdade, somados às lanternas simbólicas suzurantô. Nas décadas de 80 e 90, as casas noturnas foram substituídas


pelos karaokês, a nova tendência adquirida, tornando-se um bairro reconhecidamente turístico.

4.2.1 Apagamento histórico negro 1.1.1

Finalmente, depois de entendermos como o território se transformou no decorrer de sua história, seu passado e seus primeiros habitantes, fica um questionamento: por que não há o reconhecimento de sua formação através dos negros, mesmo que ainda possua tantas cicatrizes referentes a seu passado? A primeira ressalva a ser feita, é que em múltiplas reportagens e relatos, a referência local vem apenas da imigração japonesa, ignorando que o bairro atualmente, também é ocupado por chineses, coreanos, imigrantes de outros países asiáticos e seus descendentes. O projeto de lei de Ota e Leite reforça: “O turista mais atento pode perceber que imigrantes de outros países do oriente também são

encontrados com frequência na região. Mas a despeito disso, o bairro ainda concentra manifestações culturais nipônicas”. Em 2018, a adição do “Japão” no nome original da estação de metrô da Liberdade, sansão do prefeito Bruno Covas, gerou debates e críticas por consagrar o apagamento de toda a história de resistência dos negros que fizeram parte da história, não só do bairro, como da cidade e do país. Após a aprovação da nomenclatura para “Liberdade-Japão”, o advogado Nikkei Renato Igarashi, indignado, divulgou em sua rede social: “A Praça da Liberdade (agora Liberdade-Japão), muito antes da chegada da comunidade japonesa, se chamava Largo da Forca, pois era palco de execução de escravos negros fugitivos e condenados à pena de morte. Foi, aliás, por causa de um negro que a praça e o bairro foram chamados de Liberdade. Em 1821, um soldado chamado Chaguinhas, condenado à morte por liderar uma rebelião por pagamento de soldo, sobreviveu a duas tentativas de enforcamento, ao que o público atribuía a um mi105


lagre e passava a gritar “liberdade” – só foi morto após o carrasco usar um laço de vaqueiro. Chaguinhas, então, se tornou um santo padroeiro do bairro e protetor da Capela dos Aflitos, onde esteve antes de ser levado à forca, e da Igreja Santa Cruz dos Enforcados, construída décadas mais tarde em frente à praça”.

Figura 26 – Estação Japão-Liberdade

106


A professora da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e coordenadora do LabRaça, Barone (2018) discorreu sobre a polêmica alteração do nome da praça, das origens do bairro e dos processos de ocultamento da memória negra na capital paulista: A memória do Bairro da Liberdade foi sendo esfumaçada à medida que se reforçou, a partir da década de 1970, a imagem da Liberdade como ‘bairro oriental’ da cidade, espelhando um pouco as ‘Chinatowns’ de algumas cidades norte-americanas, porém com forte apelo turístico e comercial, no caso paulistano. (BARONE, 2018)

De acordo com a pesquisadora, o esfumaçamento da memória do bairro está diretamente ligado ao processo de invisibilização histórica escravocrata. Logo após a Proclamação da República em 1889, incendiaram todos e quaisquer arquivos sobre o tema escravo no país foram incen-

diados, ação promovida pelo ministro da Fazenda Ruy Barbosa no ano seguinte. Barone (2018) aponta também, três tendências presentes na vida pública das cidades. A primeira e mais recente, é “a criação de notícias e fatos jornalísticos com apelo midiático, mas que em nada contribuem para a vida pública da cidade”. “Nesse caso, assim como em outros exemplos atuais, busca-se associar lugares da cidade à suposta concentração de imigrantes de determinada origem, para dar ares pretensamente cosmopolitas à cidade”, acrescentou a professora. A segunda tendência é o apagamento da memória negra na cidade, sobretudo a partir da ordem da destruição dos documentos, ocorrida um ano após a abolição da escravidão. A terceira e última, é a varredura do passado colonial brasileiro, bem como as estruturas e equipamentos que faziam parte do modo de vida colonial. A professora ainda informa que 107


“essa tendência se fundamenta no propósito de construção do Brasil como uma nação moderna, sobretudo a partir da década de 1930. Todas as três materializam uma atitude política que nega uma parte da história do país e favorece outra”. Recentemente, o deputado Moreira (2020), sugeriu um projeto para renomear o metrô para Estação Japão-Liberdade-África, reconhecendo que o povo africano foi tão importante quanto aos japoneses para formação do bairro. Ele considera uma “disputa desnecessária entre dois povos que ajudam muito para o crescimento do Brasil.”

4.2.2 Caminho histórico Glória-Lavapés 1.1.1

O “Caminho Histórico Glória-Lavapés” é constituído pelas ruas da Glória e do Lavapés, as quais entrelaçam os bairros da Liberdade, Glicério e Cambuci, fixados na região central do município de São Paulo. Embora tombado e homolo108

gado em 2019 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), o percurso enfrenta constantes polêmicas que reforçam o apagamento de significativas memórias como da ocupação negra, da morfologia do traçado urbano colonial e da topografia acidentada do terreno. Por mais notável que seja a compreensão desse território enquanto patrimônio, a preservação das camadas históricas está completamente enfraquecida. Embora se trate de um percurso com seu traçado preservado e inalterado, as edificações pertencentes à paisagem se encontram descaracterizadas e em ruínas, reafirmando a atual situação político-econômica quanto o escasso diálogo entre órgãos patrimoniais, políticos, urbanísticos e população.


Figura 27 – Mapa bens patrimoniais e caminho histórico

109


Denominado por duas das ruas mais antigas da cidade, o trajeto inicia-se no triângulo histórico do Centro e direciona-se ao litoral sul, garantindo a conexão entre São Paulo – porto de Santos, considerada a jornada diária dos tropeiros. Esse traçado intacto até os dias de hoje, segue um desenho em conformidade ao córrego Lavapés, resultando em um caminho de forte caráter paisagístico, seja pelo traçado propriamente dito, ou por sua conformação topográfica existente. A região compreendia os fundos da cidade colonial, onde se instalaram atividades e populações marginalizadas pelas classes de alto escalão. No século XIX, já mencionado anteriormente no histórico do bairro, a zona central definia-se pela vasta presença da população negra, chegando a um terço dos habitantes da cidade. Mesmo assim, na década de 70, com a intensificação da imigração japonesa, a região passa a reiterar apagamentos já existentes na região, fazendo com que a nova camada populacional ganhe total reconhecimento 110

de pertencimento ao bairro. Como representado no mapa de “Cartografia de Vulnerabilidade Social: Negros e Pardos por Setor Censitário no Perímetro IGEPAC-Liberdade” realizados com dados no censo do IBGE (2010), a presença negra centralizada no entorno é notável, porém popularmente é como se essa população não tivesse nunca existido por lá, reiterando o seu ofuscamento.


Figura 28 – Vulnerabilidade Social: Negros e Pardos

111


Além disso, infelizmente não são apenas as memórias dos negros que estão em processo de apagamento, há também, ameaças à preservação da memória dos visuais regionais morfológicas e arquitetônicas. Em 1900, o grupo empresarial Light e Power comprava a linha férrea para Santo Amaro, passando a implantar o sistema elétrico de tração nos bondes, gerando consideráveis transformações de traçado urbano.

vapés – o maior terreno perceptível em todos os mapeamentos pesquisados, no qual será implantado o projeto do Parque Memorial da Liberdade. No ano de 2014, os galpões que

Um ano depois, sua sede é insta-

compunham o complexo da companhia, são demolidos, configurando o maior terreno vazio em potencial construtivo do centro. Todavia, por se tratar de uma área com grande procura, tanto pelo tamanho quanto pela localização estratégica, torna-se alvo de grandes empreendimentos

lada em um grande terreno localizado no centro expandido da cidade na rua do La-

imobiliários, os mesmos que constantemente ignoram o passado e visa apenas,

112


e somente o capital. O poder público comete um equívoco com o descaso pela região, visto que está atualmente escassa de recursos e qualidades em sua infraestrutura urbana. Um país que rejeita sua história de pertencimento, em um bairro que a comunidade não tem força para manifestar-se contra empreendimentos imobiliários, qualquer construção habitacional soaria como uma alternativa bem recebida pelos morados regionais, justamente por não possuir a

não haver valorização à memória coletiva local. Com isso, a ideia do parque e do memorial, para o ressurgimento do passado negro, surge como alternativa para resgatar as camadas perdidas e/ou apagadas do território, além de servir como facilitador no melhoramento da infraestrutura urbana, na preservação de edificações históricas notáveis e na aceitação na nossa formação e pertencimento.

infraestrutura urbana necessária e por

113


4.3 INSERÇÃO URBANA

4.3.1 Localização e situação

O terreno de projeto localiza-se no Bairro da Liberdade, zona central da cidade de São Paulo, nas imediações das ruas Otto de Alencar, Justo Azambuja, Junqueira Freire e na já mencionada, rua dos Lavapés. A região hoje tem seu entorno composto por casarões antigos em péssimo estado de conservação, além de terrenos subutilizados. A população local carece de equipamentos e passeios públicos, contando com infraestrutura viária de baixa qualidade e ruas desertas de pedestres por todas as quatro frentes do lote, gerando forte presença de moradores de 114

rua por ali. Quanto ao transporte público, a população é bem servida, contando com as estações de metrô São Joaquim e Liberdade a 10 minutos do terreno, além da presença de diversos pontos de ônibus, que chegam de todas as regiões de São Paulo, provavelmente por estar localizado próximo ao centro do bairro. O transporte público para a próxima década será intenso no local, com o projeto da Prefeitura das novas linhas de metrô para a região central da cidade, dentre elas, a futura estação Cambuci, que será implantada, em breve, na região. Estão presentes também, ciclofaixas em grande parte do entorno, facilitando assim a mobilidade dessa área.


Figura 30 – Bairro da Liberdade com destaque para o terreno

Figura 29 – Mapa do Estado de São Paulo com destaque ao bairro da Liberdade

115


4.3.2 Uso, ocupação do solo e sistema viário

Figura 31 – Usos do solo

116


Figura 32 – Ocupação do solo - gabaritos

117


Figura 33 – Sistema viário e transporte

118


4.3.3 Visão serial

Figura 34 – Visão serial

119


CAPÍTULO 5 PARQUE MEMORIAL DA LIBERDADE


Parque Memorial da Liberdade


5.1 CONCEITO

A criação de um parque e memorial da Liberdade para a cidade de São Paulo acontece em momento oportuno: mais do que nunca temas ligados à construção e à preservação da memória de um antepassado completamente esquecido pela nossa sociedade, exigem atenção e cuidado. Assuntos voltados à conscientização e à história tão sensível, devem continuar sendo foco de estudo e reflexão por parte de todos, a fim de viabilizar nossa própria existência neste planeta e minimizar o racismo que ainda está presente em nossa sociedade contemporânea em pleno sé-

122

culo XXl. Um parque memorial deverá ser um lugar capaz de mobilizar a população em torno deste tema – sobretudo um local de conscientização, de aprendizado –, tanto por meio de sua arquitetura e de sua expografia, quanto pela própria história contida no terreno escolhido para sua implantação. Ademais, será uma possibilidade de retomar uma história esquecida pela política da antinegritude, unida a um parque, em um bairro carente de equipamentos públicos.



5.2 CONTEXTO

Inserido em um importante e privilegiado bairro da cidade, o local de vasta dimensão territorial, destinado à implantação do parque - a antiga sede de controle das linhas de bonde da companhia Light – faz parte do “Caminho Histórico Glória-Lavapés”, composto pelas ruas da Glória e do Lavapés, interligando os bairros da Liberdade, Glicério e Cambuci situados na região central do município de São Paulo.

portantes, compreendidas ao longo dessa extensão, como a memória de ocupação negra, a memória morfológica do traçado da cidade colonial e a memória visual e topográfica da condição acidentada do terreno.

Apesar de ter sido tombado em março de 2018 e homologado em julho de 2019 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), esse lugar ainda enfrenta

Atualmente pouco conhecida pela população, a área destinada à implantação deste museu não só abrigará os novos edifícios necessários aos novos programas do parque, como também se utilizará do seu entorno para requalificação dos antigos casarões e monumentos presentes hoje no caminho histórico, a fim de estabelecer um projeto que vá além de seu próprio lote, com o intuito da preser-

problemáticas que reiteram e reforçam o apagamento histórico de memórias im-

vação da memória local, e também de estabelecer uma conexão importante entre

124


o transeunte e o parque. Pensada como passagem urbana, tal disposição viabiliza o uso desta área verde – hoje subutilizada – como espaço público, aproveitando-se das demais instituições existentes em seu entorno ao propor um novo ‘agenciamento programático maquínico’, considerando o contato direto entre diversas instituições, cujas atuações específicas poderão se complementar mutuamente com as atividades deste novo Memorial.

125


5.3 PARTIDO

A partir do reconhecimento das preexistências deste território – edificações tombadas, caminho histórico e seu passado – propõem-se iniciar um processo de restabelecimento do caráter do bairro, criando-se um parque que servirá, não apenas para atividades de lazer à população local carente de equipamentos públicos, mas também proporcionará o ressurgimento da memória negra que foi completamente apagada da história da cidade.

período colonial brasileiro, que serão reformados e reinventados, para que desde antes da sua chegada ao parque, o transeunte possa mergulhar na história colonial da cidade, como em um museu a céu aberto.

Partindo da saída do metrô São Joaquim, o percurso que o pedestre irá experienciar até a chegada ao parque, passará pela rua do mesmo nome, e pelo

O parque será fracionado entre áreas de lazer, cultura, áreas verdes e áreas comuns, sempre dividindo o projeto em narrativas histórias que fornecerão reflexões e compreensões ao usuário quando percorrê-las. Presenciarão cenários que vão desde o início da escravidão humana até o neocolonialismo europeu na América. Além disso, será criado a partir dos córregos que passam próximos ao

caminho histórico Glória- -Lavapés, observando diversos edifícios que são do

terreno, um importante lago que servirá de alicerce não só para reforçar a memó-

126


ria do episódio do tráfico negreiro, como apresentará também espaços interativos de lazer à população, abrigando e contendo, o excesso de água pluvial presenciado por grandes enchentes hoje no bairro. A fragmentação do programa em inúmeros volumes propiciará ao visitante um contato alternado entre interior e exterior, entre arquitetura e paisagem, entre infraestrutura e espaços de usos públicos. Tais espaços, direta ou indiretamente conectados ao tema da escravidão e ao antepassado negro, e agora articulados por novos percursos em diferentes cotas, serão todos designados como espaços expositivos. Museu aberto e vivo que tanto

para as novas áreas destinadas ao estudo e reflexões pertinentes ao tema. A materialidade e as sensações do espaço, reforçados pelo conceito da fenomenologia, serão as bases fundamentais para que o projeto cause grande impacto. Serão exploradas aberturas de luz, a apropriação da água no projeto, e os materiais utilizados para compô-lo, que vão desde o concreto mais tenebroso, à madeira mais acolhedora. Será um parque temático onde as palavras conexão e experimentação estarão mais presentes e unidas.

valoriza a infraestrutura técnica em funcionamento, como também abre espaço 127



129


5.4 PROGRAMA E PEÇAS GRÁFICAS

A implantação do parque foi elaborada a partir dos fluxos estudados dos transeuntes e das ruas do entorno, além dos seguimentos das quadras existentes e que se encontram aparentemente recortadas, como se faltasse um pedaço delas, algo similar ao fato histórico a ser resgatado, em que a memória negra faz parte do bairro, mas é completamente esquecida, como se faltasse naquele local.

130


131


MASTERPLAN - PARQUE NARRATIVO

A partir das manchas e caminhos pré-estabelecidos, o parque memorial foi dividido em 3 grandes áreas, as quais representam os maiores acontecimentos da memória negra no mundo: o primeiro, a pré-colonização da África, seguida pelo episódio da escravidão e genocídio negro, e por último o local da liberdade conquistada com a abolição do sistema escravocrata. Dito isso, com a separação dos temas, foi estudado programas de necessidades que representasse cada um deles e suas características.

1

P R É C O L O N I Z A Ç Ã O

P O R T Ã O A

P O R T Ã O B


3 2

E S C R A V I Z A Ç Ã O

P O R T Ã O

L I B E R D A D E

P O R T Ã O

E

D

P O R T Ã O C

133


1. PRÉ-COLONIZAÇÃO No espaço da pré-colonização da África, temos um ambiente mais parecido com o continente, além de atividades ao ar livre e com a liberdade de escolhas, como era feito naquela época histórica. Entre os programas estão o lago principal do parque, a pista de corrida e caminhada e os pavilhões africanos, em memória à cultura das tribos que existiam ali, antes de suas colonizações pela Europa.

C

D

134

B

A


A LAGO INTERATIVO Ideia de canalizar os córregos da região em um único lago à céu aberto, que servirá não só como área de lazer interativo para o parque, mas também poderá abrigar grande parte da água pluvial que ocasiona enchentes pela região.

Referência 1

Referência 2

135


B PISTA DE CAMINHADA A pista de atletismo inserirá o transeunte no tempo em que os africanos conviviam em suas tribos e de maneira amigável, por isso, além de ter uma pista com tonalidades da seca africana e vegetação local, também será palco para piqueni-

Referência 3

136

ques e encontros familiares em decks de lazer próximos ao lago.

Referência 4


C PAVILHÕES AFRICANOS Os pavilhões servirão para atender a população com gastronomias como café e bares, além de livrarias e espaços para leitura, todos voltados à cultura africana.

Referência 5

137


D CALÇADA COLORIDA LAVAPÉS O caminho histórico Glória-Lavapés será qualificado de maneira que os casarões de interesse históricos poderão ser reformados para conter novos usos, fazendo com que essas ruas sejam de intenso caráter comercial e de permanência

Referência 6

138

do público, por isso a ideia de criar cores fortes presentes na cultura do povo afro.

Referência 7



2. ESCRAVIZAÇÃO Logo após, se encontra o episódio do tráfico negreiro e escravidão na América. Um ambiente mais assustador e que apavora o público, tentando fazer com que o visitante entre em uma máquina do tempo e veja como foi o genocídio africano. Nessa área existem programas como o espelho d’água vermelho (remetendo-se ao sangue africano), o memorial das vítimas do navio negreiro (em que se encontra submerso, fazendo alusão aos inúmeros mortos jogados ao mar e aos

F

140

náufragos nas viagens), o memorial da escravidão na América (mostrando as torturas e o desespero de quem passou por esse período e as relíquias expostas no pavilhão), e por último, o caminho da fuga para o quilombo (local onde o transeunte tem contato com uma floresta fechada e que pode explorá-la como em uma fuga). M U S E U E S C R A V I Z A Ç Ã O

N A V I O N E G R E I R O

E


E ESPELHO D'ÁGUA INTERATIVO Espelho d’água que trabalha em conjunto ao memorial do navio negreiro, fazendo menção à água do mar que o navio percorria. Como havia muitas mortes, punições por afogamentos e torturas, a ideia é trazer a coloração da água para tonalidade em vermelho ou pastilhas da mesma cor, como sangue.

Referência 8

Referência 9

141


F QUILOMBOS Fazendo analogia às fugas dos escravos das senzalas a caminho dos quilombos de resistência, a ideia é fazer com que o usuário percorra caminhos desconhecidos por uma floresta densa, explorando a natureza e os desafios do percur-

Referência 10

142

so. No final, chegará ao início da última etapa histórica (3 na implantação).



3. LIBERDADE Finalmente, há o caminho da liberdade supostamente conquistada, em que de cara temos o labirinto do jardim da esperança, recordando como os negros foram jogados na sociedade e se encontraram totalmente perdidos, sem informações e sem direitos. Quando o caminho certo é percorrido, você chega ao jardim central, local da conquista do seu propósi-

to, e um jardim de meditação e admiração às resistências. O terceiro e último espaço contém programas mais soltos e divertidos, caracterizando ao período, como as pistas de skate, a praia urbana, o jardim de memória aos mortos, o auditório multiuso e as áreas de estacionamentos e carga e descarga de equipamentos.

I J

G H M

L K

144


G SKATEPARK A ideia de implantar o skatepark na entrada principal do parque, é fazer com que ele nunca esteja vazio, pois skatistas constantemente estão presentes, além de projetar também com o uso de cores, em memória à cultura afro e à alegria da liberdade.

Referência 11

Referência 12

145


H QUADRAS POLIESPORTIVAS Como no skatepark, as cores serão protagonistas nas quadras esportivas, quebrando o tabu de quadras com dimensões e pinturas ideais.

Referência 13

146

Referência 14


I PRAIA URBANA A ideia é trazer uma praia urbana que é inexistente para uma cidade tão quente como São Paulo, retomando a ideia do litoral coadjuvante da colonização portuguesa na américa. Sendo próxi-

Referência 15

ma ao auditório, será projetado filmes em sua empena cega, como em um cinema de rua, podendo ser visto da praia urbana em botes.

Referência 16

147


J MEMORIAL AOS MORTOS A ideia do jardim é trazer lamentações de frases racistas nos tempos modernos, que causaram mortes e assassinatos. Além dos nomes de tribos africanas massacradas e de figuras marcantes que lutaram contra esse regime escravocrata.

Referência 17

148

Referência 18


K LABIRINTO JARDIM DA ESPERANÇA O projeto seria um labirinto, fazendo-nos sentir na pele o que foi a abolição da escravidão, em que os negros foram soltos, em uma cidade extremamente racista, sem direitos, sem educação, completamente perdidos e sem saber o rumo que tomariam em sua vidas, muitos até chegaram a implorar para voltar a trabalhar para seus patrões, mesmo após a questionável conquista de liberdade.

Os que não desistirem, poderão encontrar o jardim da esperança, o qual consiste no espaço central do labirinto, onde podemos meditar e repensar a vida em que vivemos, nos tirando completamente do mundo e da realidade de vida externa ao parque.

Referência 19

149


L ESTACIONAMENTO Tratando-se de um parque, a presença de um estacionamento para eventos é fundamental. Com isso, haverá uma ruptura nas vagas clássicas conhecidas, e será um local de intervenção artística, onde artistas usarão do grafite para expressar suas ideias de mundo com relação ao tema do racismo e do negro.

Referência 20

150

Referência 21


M AUDITÓRIO Projeto inspirado no auditório do Ibirapuera de Oscar Niemeyer, onde há a plateia interna como em um auditório convencional, mas que o palco pode ser aberto ao jardim para eventos, shows e palestras, contendo um o upgrade do cinema ao ar livre.

Referência 22

Referência 23

151


152



MEMORIAL DO NAVIO NEGREIRO

O projeto para o edifício parte da combinação de um espaço arquitetônico contemplativo com um lugar que guarda uma memória significativa para narrar os acontecimentos ocorridos nos navios negreiros que vinham para a América, transportando negros escravos no período neocolonial. O programa prevê um recinto vivo, que acolherá duas galerias de exposições, um percurso no subsolo semelhante ao porão dos navios tumbeiros - em que os escravos eram mantidos nas longas jornadas - e algumas plataformas 154

sobre a água que servirão como observatórios e local de permanência ao visitante. Nas mais variadas histórias descritas, os escravos eram mantidos aprisionados nos porões do navio com péssimas condições sanitárias, abusados e humilhados pelos marinheiros, e nas raras oportunidades que podiam tomar banho de sol, fracassavam na tentativa de fuga ou motim, sendo jogados ao mar ou mortos na presença dos outros como lição. A proposta do memorial parte da ideia de


juntar a história do genocídio negro com um objeto arquitetônico fenomenológico, que servirá de apoio para entendermos um pouco quais eram os sentimentos e sensações horripilantes da época. No percurso ao memorial, o transeunte “mergulha” em uma rampa que dará acesso ao nível do projeto enterrado, que se encontra 4 metros abaixo do térreo do parque, chegando ao deck principal. Seu circuito é circular – refere-se ao caminho percorrido, África, Europa, América

- cercado por pilares em madeira que sustentarão não só o deck como também a cobertura deslocada da parede de pedra lateral. Esse deslocamento foi pensado propositalmente para que pudesse haver a queda de água do nível superior do parque, ao inferior, provocando sons e formando espumas em toda volta do recinto - uma analogia ao mar, principal personagem das jornadas dos negros escravos. Além disso, o afastamento da cobertura permitiu também a entrada de efeitos de luz no deck de madeira. 155


No subsolo, as placas de cortén foram desenhadas a partir da análise do que seriam os porões do navio, bem como sua entrada por escadarias e as aberturas zenitais que permitem a passagem estratégica de luz no corredor que se afunila durante o circuito. E finalmente, as galerias expositivas abrangem experiências do usuário com o mundo histórico, bem como a circular, em que podemos observar o céu e a quadrangular, que podemos interagir com o barulho das águas.

156

Todas as composições de materiais e circuitos foram desenhadas conforme as interpretações das leituras dos livros de história da escravidão de Laurentino Gomes, e de enciclopédias que mostravam plantas e desenhos do navio. Tudo isso para trazer ao projeto experiências e consciência de uma história, à um mundo em que o racismo ainda está muito presente no dia a dia do cidadão negro.


cobertura maleável em alwitra iluminação zenital contemplativa

abertura zenital para dança das águas

vigas estruturais em madeira pilares de sustentação

galeria do santuário plataforma conectora

espaço som das águas

plataforma conectora

deck circular principal plataforma de chegada

rampa de acesso ao memorial

iluminação de cobertura

camas do porão do navio parede caída das águas espalhe d'água avermelhado

porão do navio

rampa de acesso ao memorial

157


B

A

B

A


159


B

A

A

PLANTA TÉRREO 0

5m

B

N


161


B A

A

PLANTA SUBSOLO 0

5m

B

N


Referência 24

Referência 25

163



CORTE A - A CORTE B - B 0

5m

0

5m

B-A B CORTE A 0 0

0

1m

5m 5m

165


MEMORIAL DA ESCRAVIZAÇÃO NA AMÉRICA

O projeto para o Memorial da Escravidão no Brasil é um anexo ao Memorial do Navio Negreiro, que serve para entendermos o que acontece após a chegada do navio em terra, o comércio e o trabalho da mão de obra negra escrava. Mantendo em mente sempre a diversidade cultural existente no mundo de hoje, a estratégia foi desenhar caixas de diferentes tamanhos, formatos, alturas e composições materiais, reforçando essa ideia de diversidade, introduzidas em uma cobertura de laje em grelha de madeira laminada colada livre, sustentada por pilares independentes em formato de cruzw, compostos também em madeira. 166

Cada uma dessas caixas possuem um programa diferente pré-dimensionado correspondente ao seu uso. O programa prevê um auditório multiuso com arquibancada retrátil inspirado nos clássicos da Lina Bo Bardi, com mezaninos alternativos para assistir ou debater naquele espaço, além de também poder ser uma expansão do pátio central arborizado, servindo de exposição temporária ao visitante.


167


Além disso, existe o bloco receptivo, administrativo, de funcionários, duas galerias de exposição permanente, biblioteca para pesquisas relacionadas ao tema, sanitários, restaurante suspenso no espelho d’água e próximo a um dos portões de acesso, e talvez o protagonista do edifício: a torre do observatório, que poderá nos levar às alturas para observarmos em diferentes cotas de nível as vistas surpreendentes do parque e da cidade, ora da floresta do quilombo, ora das paisagens do rio Tamanduateí. Após o levantamento e dimensionamento das caixas, elas foram distribuídas pela laje estrategicamente posiciona-

168

das conforme seu programa, formando assim, circuitos e corredores que serão percorridos pelo usuário do objeto. Além disso, com a formação dos corredores e posicionamento das caixas, surgiu a ideia de criar rasgos em alguns vãos da grelha, para que a luz também se tornasse um protagonista elegante no edifício. As caixas variam de alturas de 3 metros a 10 metros, sendo compostas por materiais em tijolos, madeira, ripas, taipa e concreto. A laje em grelha é formada por vigas de 1 metro de altura com vãos de 10 em 10 metros em cada pilar, sendo sua grelha de 2,5 x 2,5 metros.


torre do observatório

iluminção na cobertura

laje em grelha madeira laminada colada

laje nervurada biblioteca e pesquisa (lâminas de madeira)

espelho d'água plataformas multiusos (loja, restaurantes)

área funcionários e ateliê (tilojos)

exposição permanente Senzala acesso torre observatório exposição permanente Leilão e Trabalho

auditório (placas de concreto)

acesso ao memorial da América pátio exposições temporárias jardim central

foyer e espaço multiuso (feiras artesanais)

169


B B

C C

0

N

PLANTA SUBSOLO 5m


D D

A

0

N

PLANTA TÉRREO 5m

171


C

B

C

B


D D

A

0

N

PLANTA MEZANINOS 5m

173


5.000

10.000

10.000

10.000

5.000

5.000

10.000

10.000

10.000

10.000

1


10.000

10.000

10.000

7.500

2.500

10.000

2.500

7.500

5.000

175


CORTE B - B 0

5m


CORTE A - A 0

5m

CORTE C - C 0

5m

177


0

178

1m


DET 01 0

DET 02 50 cm

DET 03 0

50 cm

0

50 cm

DET 04 0

50 cm

179


B B

C C

0

N

PLANTA SUBSOLO 5m


D D

A

0

N

PLANTA TÉRREO 5m

181


B B

C C

0

N

PLANTA SUBSOLO 5m


D D

A

0

N

PLANTA TÉRREO 5m

183


CORTE D' - D' 0

5m

CORTE D'' - D'' 0

184

5m


185


B B

C C

0

N

PLANTA SUBSOLO 5m


D D

A

0

N

PLANTA TÉRREO 5m

187



189


5.5 EXPERIMENTO

A partir das pesquisas teóricas sobre os efeitos e qualidades espaciais que a luz pode gerar nos ambientes em que ela foi modelada, realizou-se primeiramente, um estudo da análise solar nos diferentes dias do ano, no inverno, verão, outono e primavera. Isto serviu posteriormente, para estudarmos se existem barreiras solares que impedem a luz de entrar no subsolo da edificação, no calabouço do navio.

190


Após este experimento, foi descoberto que, se tratando de um recinto com uma vasta abertura central, não há barreiras para entrada de luz no subsolo, e a luz natural está presente durante todo o dia, possibilitando a modelagem e a “brincadeira” de desenhar testes de diferentes tipos de claraboia na laje do subsolo do projeto. Esta liberdade no desenho da laje garantiu que fossem simulados três estudos de aberturas zenitais, fazendo-nos compreender o que cada uma poderia agregar para a diferente percepção do usuário na sua experiência ao adentrar o calabouço. Com isso, foram testados 3 desenhos de claraboia para a laje do subsolo, sendo eles: (1) três aberturas quadradas 1x1 metro, que seguem a modulação do recinto, o qual possui um centro estreito

com o rasgo central e dois outros no acesso da escada; (2) três aberturas retangulares 1,2x0,50 metros, que representam a continuidade e o caminho guiado para quem entra no ambiente; e finalmente, (3) um outro desenho com diversos rasgos, misturando entre os retangulares e quadrados dos outros dois primeiros estudos. O Software do Rhino e Grasshopper foi utilizado para o cálculo da irradicação e quantidade de horas recebidas de luz durante o ano. Juntamente com os números obtidos, a tabela de iluminância por classe de tarefa visual, serviu como parâmetro para criação do espaço intencionado no estudo. A partir dela, podemos afirmar o que é uma iluminação que causará efeitos positivos e negativos nas percepções do usuário no ambiente que estará inserido.

191


192


193


194


A partir dos experimentos registrados e analisados cuidadosamente, juntamente com os dados, efeitos fenomenológicos e símbolos, podemos observar que os três testes de aberturas possuem identidades próprias. Com o estudo e análise solar territorial, foi possível modelar a luz de uma forma mais flexível, pois não há qualquer interferência de sombras na projeção do subsolo. Isto só foi possível com o desenho da edificação contendo o átrio central circular, que fez com que a luz tivesse uma constante mudança em sua trajetória, mas imperceptível, por se tratar de um recinto na forma de uma circunferência. Depois dos resultados da luz direta, identificamos e circulamos a área

aonde a sombra não chegaria de nenhuma maneira nas claraboias do calabouço. Feito isso, foi concluído que três rasgos seriam suficientes para a laje, de forma que seguissem a modulação do projeto, e formassem dois rasgos nos acessos e um central. Com isso, a opção (3) acabou sendo descartada, pois além de gerar pequenas aberturas desnecessárias, como simbologia acaba trazendo uma sensação de muita luz e pouco foco. A dúvida então surgiu com as duas outras opções. A (2) traz um cenário que favorece pouco foco aos nichos do calabouço, informando com sua reta, as direções a serem tomadas, caminhando com o transeunte até a saída do recinto. Ela se movimenta rápido demais e não gera pontos de observação e curiosidade por 195


quem passa por ali, algo de fundamental importância na intenção projetual. Portanto, esta opção acabou sendo excluída também. A última opção (1) gerou grandes comentários de sensações e percepções em sua ambiência. Com a análise da irradiação direta nas claraboias quadradas, percebeu-se que a luz cria espaços contemplativos ao redor de cada uma delas, assumindo um papel fundamental para observação do indivíduo com o espaço. Além disso, em determinadas horas do dia, a luz indica os principais nichos de contemplação e interação para atividade humana no projeto, reforçando e trazendo grande identidade. 196

A fraca irradiação juntamente com seus pequenos rasgos, traz um caráter de peso histórico, se tratando da criação de um lugar robusto, agoniante e escuro, com suas frestas de luz que ajudarão o usuário perceber e sentir esse espírito de tempo. O desenho, além disso, se comunica com as formas geométricas dos acessos das escadas com maior iluminação e com os nichos que representam as camas dos escravizados nas embarcações. Estes nichos, com a intenção de contribuírem para um aspecto ainda mais escuro, perturbador e antigo, foram projetados em aço corten, destacando-se quando a luz o atinge diretamente.



C O N S I D E R Ç Õ E S F I N A I S


Por meio da pesquisa realizada, é possível concluir que uma arquitetura se torna muito mais curiosa e intrigante, quando analisada sob seus aspectos sensoriais e perceptivos, pois se bem executada, pode interferir no estado de espírito de seus usuários e frequentadores, provocando reflexões e até mesmo contestações sobre como o mundo atual se comporta.

entre os sujeitos e seus sentidos. Para isso, a preocupação com o entorno e sua história deve ser levados em conta, além das escolhas de suas materialidades, usos de cores, desenvolvimento dos programas e estudos de luz e sombra, que podem refletir imensamente nos sentimentos das pessoas que usufruírem do objeto.

Ao percebermos o espaço em que estamos inseridos, descobrimos que a arquitetura se manifesta para além do que podemos enxergar, seja por meio do olfato, tato ou audição. E, quando criada para narrar um contexto histórico, pode ser uma grande arma contra a ignorância, intolerância e preconceito.

A experiência de ambientar um espaço que vai além de uma simples edificação, une a conscientização e o aprendizado de um contexto histórico com um complexo programa funcional a ser desenvolvido. Portanto, podemos juntos lutar contra a ignorância e oferecer uma arquitetura que questione o pensamento de seus frequentadores.

Assim, o arquiteto deve, por meio de seus projetos, oferecer experiências interativas

199


L I S T A D E F I G U R A S


Figura 1 – Escravização na Antiguidade Clássica – Egito

Figura 7 – Liberação e dura realidade dos escravizados

Fonte: Biosom (2016)

Fonte: Mundo Estranho (2018)

Figura 2 – Ilustração Navio Negreiro

Figura 8 – Manifestação “Black Lives Matter”

Fonte: Mundo Estranho (2010) Figura 3 – Diagrama de um engenho de açúcar – Brasil Fonte: G.ladeira Estúdio (2014) Figura 4 – Como funcionavam as senzalas Fonte: Behance – Ilustração de Duda Oliva (2019)

Fonte: OutrasMídias (2020) Figura 9 – Foto aérea – Jewish Museum Berlim Fonte: Studio Libeskind (2011) Figura 10 – Diagrama de fluxos – Jewish Museum Berlim Fonte: NC State University (2011)

Figura 5 – Setorização do quilombo de Palmares

Figura 11 – Vista da fachada – Jewish Museum Berlim

Fonte: Mundo Estranho (2011)

Fonte: Archdaily (2016)

Figura 6 – Ilustração princesa Isabel assinando a Lei Áurea

Figura 12 – Vista das vigas desconstrutivistas – Jewish Museum Berlim

Fonte: Mundo Estranho (2018)

Fonte: Artforum (2019) 201


Figura 13 – Vista dos 7 pilares – Museum do Apartheid

Figura 19 – Imagem ilustrativa do jardim central – Memorial Kiss

Fonte: Apartheid Museum (2020)

Fonte: concursodeprojeto.org (2018)

Figura 14 – Entrada e ingressos que segregam os visitantes

Figura 20 – Planta e ambientes – Memorial Kiss

Fonte: Apartheid Museum (2020)

Fonte: concursodeprojeto.org (2018)

Figura 15 – Interior de uma das salas – Museu do Apartheid

Figura 21 – Diagrama da estrutura – Memorial Kiss

Fonte: Apartheid Museum (2020)

Fonte: concursodeprojeto.org (2018)

Figura 16 – Vista aérea de Inhotim

Figura 22 – Fachada ilustrativa – Memorial Kiss

Fonte: Organização Inhotim (2020) Figura 17 – Mapa do parque – Inhotim Fonte: Belvitur (2020) Figura 18 – Vista para a lagoa – Inhotim Fonte: Dourados News (2017)

Fonte: concursodeprojeto.org (2018) Figura 23 – Ilustração de reconhecimento do bairro Fonte: Catarse (2019) Figura 24 – Morte de Chaguinhas Fonte: Catarse (2019)

202


Figura 25 – Chegada dos imigrantes ao bairro Fonte: Mundo Estranho (2018) Figura 26 – Estação Japão-Liberdade Fonte: Estadão (2018) Figura 27 – Mapa bens patrimoniais e caminho histórico Fonte: Archdaily (2020) Figura 28 – Vulnerabilidade Social: Negros e Pardos Fonte: Archdaily (2020)

Fonte: Imagem do autor (2020) Figura 31 – Usos do solo Fonte: Imagem do autor (2020) Figura 32 – Ocupação do solo – gabaritos Fonte: Imagem do autor (2020) Figura 33 – Sistema viário e transporte Fonte: Imagem do autor (2020) Figura 34 – Visão serial do terreno Fonte: Imagem e fotos do autor (2020)

Figura 29 – Mapa do Estado de São Paulo com destaque ao bairro da Liberdade Fonte: adaptado de Prefeitura de São Paulo (2020) Figura 30 – Bairro da Liberdade com destaque para o terreno 203


Referência 1

Referência 8

Fonte: Landezine (2015)

Fonte: O Globo (2020)

Referência 2

Referência 9

Fonte: Sasaki (2015)

Fonte: Time (2015)

Referência 3

Referência 10

Fonte: História das artes (2016)

Fonte: Warmanwardhani

Referência 4

Referência 11

Fonte: Archdaily (2016)

Fonte: Skatepark Lugano

Referência 5

Referência 12

Fonte: Archdaily (2019)

Fonte: Ecoeficientes

Referência 6

Referência 13

Fonte: Archdaily (2012)

Fonte: Top Boy

Referência 7

Referência 14

Fonte: Fernando Carrasco

Fonte: The Ultra Lix (2018)

204


Referência 15

Referência 22

Fonte: Cristal Pool

Fonte: Parque Ibirapuera (2013)

Referência 16

Referência 23

Fonte: Insider (2020)

Fonte: Imesb (2019)

Referência 17

Referência 24

Fonte: Arizona Capitol Times (2013)

Fonte: Oásis (2019)

Referência 18

Referência 25

Fonte: Telegraph (2014)

Fonte: Archdaily (2016)

Referência 19 Fonte: The field (2017) Referência 20 Fonte: Materdei (2020) Referência 21 Fonte: Materdei (2020)

205


R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S


ABBUD, Benedito. Criando paisagens. São Paulo, Senac, 2006. GEHL, Jan. Cidades para Pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2013 HALL, Edward T.. A dimensão oculta. São Paulo, Martins Fontes, 2005. HERTZBERGER, Herman. Lições de arquitetura. 2. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1999. HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. Tradução Artur Morão. Rio de Janeiro, Edições 70, 2000. JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, Martins Fontes, 2000. KLIASS, Rosa. Rosa Kliass. Desenhando paisagens, moldando uma profissão. São Paulo: SENAC, 2006. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, Unicamp, 1996. LIMA, Mariana. Percepção visual aplicada à arquitetura e iluminação. Rio de Janeiro, Ciência Moderna, 2010 NORBERG-SCHULZ, Christian. O fenômeno do lugar. Cosac Naify, São Paulo, 2006. PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele. A arquitetura e os sentidos. 1. ed. Porto Alegre, Bookman, 2011.

no Planeta. Barcelona, Gustavo Gili, 2001. ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1996. ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. 1. ed. Barcelona, Gustavo Gili, 2009 GOMES, Laurentino. Escravidão Vol. 1 – Do primeiro eilão de cativos em Portugal Até a morte de Zumbi de Palmares. São Paulo, Globo, 2019. APARTHEID MUSEUM. Permanent exhibition, s.d. Disponível em: <https://www. apartheidmuseum.org/permanent-exhibition> Acesso em: 08/10/2020 ANDRADE, Ana Luíza Mello Santiago. Senzala. InfoEscola, s.d. Disponível em: <https:// www.infoescola.com/historia/senzala>. Acesso em: 10/04/2020. BEZERRA, Juliana. Tráfico Negreiro. Toda Matéria, s.d. Disponível em: < https://www. todamateria.com.br/trafico-negreiro>. Acesso em: 10/04/2020. BEZERRA, Juliana. Colonialismo. Toda Matéria, s.d. Disponível em: < https://www.todamateria.com.br/colonialismo>. Acesso em: 10/04/2020.

PLATÃO. Filebo. São Paulo. Edipro, 2009.

BEZERRA, Juliana. Neocolonialismo. Toda Matéria, s.d. Disponível em: < https://www. todamateria.com.br/neocolonialismo>. Acesso em: 10/04/2020.

ROGERS, Richard. Cidades para um peque-

BEZERRA, Juliana. Escravidão no Brasil. 207


Toda Matéria, s.d. Disponível em: <https:// www.todamateria.com.br/escravidao-no-brasil>. Acesso em: 10/04/2020. CONCURSO DE PROJETOS. Premiados – Concurso Público Nacional de Arquitetura para o Memorial às Vítimas da Kiss, 2018. Disponível em: < https://concursosdeprojeto. org/2018/04/27/premiados-concurso-publico-nacional-de-arquitetura-para-o-memorial-as-vitimas-da-kiss/> Acesso em: 08/10/2020

tórico Glória-Lavapés, 2019. Disponível em: < http://www.ipatrimonio.org/sao-paulo-caminho-historico-gloria-lavapes/#!/ map=38329& loc=-23.55994029145732,46.62523090839386,17> Acesso em: 08/10/2020 JUDISCHES MUSEUM BERLIN. The Libeskind Building, s.d. Disponível em: < https:// www.jmberlin.de/en/libeskind-building>. Acesso em: 08/10/2020.

DIÁRIO DO TRANSPORTE. Deputado quer mudar novamente nome da Estação Liberdade do Metrô de São Paulo. Diário do Transporte, 2020. Disponível em: < https:// diariodotransporte.com.br/2020/03/08/deputado-quer-mudar-novamente-nome-da-estacao-liberdade-do-metro-de-sao-paulo/

LIMA, Juliana. A mudança de nome da Praça da Liberdade e a memória negra em São Paulo. Nexo, 2018. Disponível em: < https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/08/07/A-mudança-de-nome-da-Praça-da-Liberdade.-E-a-memória-negra-em-São-Paulo>. Acesso em: 22/06/2020.

>. Acesso em: 10/07/2020.

MARTINS, Geiza. Qual foi o último país a abolir a escravidão?. Mundo Estranho, 2015. Disponível em: < https://super.abril.com.br/ mundo-estranho/qual-foi-o-ultimo-pais-a-abolir-a-escravidao>. Acesso em: 10/04/2020.

GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Museu do Inhotim, s.d. Disponível em: < https://www.mg.gov.br/conteudo/conheca-minas/turismo/museu-do-inhotim> Acesso em: 08/10/2020 HUBNER, Beatriz; GALLONI, Fernanda; NEVES, Paloma; MORI, Stela. Bairro da Liberdade: o apagamento histórico da memória negra em São Paulo. Archdaily, 2020. Disponível em: < https://www.archdaily.com. br/br/799056/classicos-da-arquitetura-museu-judaico-de-berlim-daniel-libenskind>. Acesso em: 18/02/2020. IPATRIMÔNIO. São Paulo – Caminho His208

NIPPOBRASIL. Crueldade marca início do bairro da Liberdade. NippoBrasil, 1999. Disponível em: <https://www.nippo.com.br/especial/n027.php>. Acesso em: 10/07/2020. PARRON, Tâmis. Como era um navio negreiro da época da escravidão?. Mundo Estranho, 2010. Disponível em: < https://super. abril.com.br/mundo-estranho/como-era-um-navio-negreiro-da-epoca-da-escravidao>. Acesso em: 10/04/2020.


REDAÇÃO MUNDO ESTRANHO. Como era a vida no quilombo dos Palmares?. Mundo Estranho, 2011. Disponível em: < https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-era-a-vida-no-quilombo-dos-palmares>. Acesso em: 10/04/2020. SILVA, Daniel Neves. Escravidão no Brasil. Brasil Escola, s.d. Disponível em: <https:// brasilescola.uol.com.br/historiab/escravidao-no-brasil.htm>. Acesso em: 10/04/2020.

de/?lang=pt>. Acesso em: 10/07/2020. YUNIS, Natalia. Clássicos da Arquitetura: Museu Judaico de Berlim / Daniel Libenskind. Archdaily, 2016. Disponível em: < https:// www.archdaily.com.br/br/799056/classicos-da-arquitetura-museu-judaico-de-berlim-daniel-libenskind>. Acesso em: 08/10/2020.

SILVA, Daniel Neves. Tráfico Negreiro. Brasil Escola, s.d. Disponível em: < https://brasilescola.uol.com.br/historiab/trafico-negreiro. htm>. Acesso em: 10/04/2020. SOUTH AFRICA. Cultura vibrante: Museu do Apartheid, s.d. Disponível em: < https://www. southafrica.net/br/pt/travel/article/museu-do-apartheid> Acesso em: 08/10/2020 TURCI, Érica. História da escravidão – Exploração do trabalho escravo na África. Uol, 2016. Disponível em: < https://educacao.uol. com.br/disciplinas/historia/historia-da-escravidao-exploracao-do-trabalho-escravo-na-africa.htm>. Acesso em: 06/04/2020. VEMPRALIBA. História do bairro Liberdade. Vempraliba, s.d. Disponível em: <https:// www.vempraliba.com.br/sobre-o-bairro-liberdade/historia-do-bairro-liberdade/>. Acesso em: 10/07/2020. VIVA SÃO PAULO. Cidade de São Paulo. Viva São Paulo, s.d. Disponível em: < http:// cidadedesaopaulo.com/v2/atrativos/liberda209





Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.