Patrimônio urbano no bairro da lapa

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Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação

PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Renata Cima Campiotto Orientação: Profª. Dra. Beatriz Mugayar Kühl

São Paulo, junho de 2015



AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço à professora Beatriz, pelas conversas, o interesse e a cuidadosa orientação; Às professoras Fernanda e Manoela, por terem aceitado o convite; A todos os professores, funcionários e colegas que participaram e contribuíram imensamente para a minha formação; Aos colegas do Estúdio Sarasá, especialmente Toninho e Magda, pelos dois anos de aprendizado; Agradeço aos amigos Felipe, Fernanda, Gabriel e Laura, pelas conversas e pelo apoio de todas as horas; à minha família, Waldir, Rosane, Juliana e Rodrigo, por estarem sempre presentes; aos lapeanos Orestes e Norma e os lapeanos de coração, Libânia e Rodolpho, pela inspiração; ao Arthur, pela paciência e companheirismo incondicionais.



SUMÁRIO introdução

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01 o bairro da lapa 01.1 revisão bibliográfica 01.2 problematizando a cartografia

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02 preservação e planejamento

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02.1 a questão da memória e a população 02.2 análise de mapas e dados

03 proposta e conclusões bibliografia

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“O ser abrigado sensibiliza os limites de seu abrigo. Vive a casa em sua realidade e em sua virtualidade, através do pensamento e dos seus sonhos. Por consequência, todos os abrigos, todos os refúgios, todos os aposentos têm valores de onirismo consoante... O verdadeiro bem-estar tem um passado”

G. Bachelard, A Poética do Espaço

“Industrialização na cidade de São Paulo - Lapa em direção à Av. Pompéia”. Casa da Imagem, 2002. ◄


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introduçãO Localizado na zona oeste de São Paulo, o bairro da Lapa possui origens que remontam ao século XVI, quando do processo de povoamento da cidade. De rota de tropeiros a reconhecido polo industrial e comercial, a região passou por diversas transformações, haja vista as mudanças dos processos produtivos decorridas na metrópole nas últimas décadas. Restam, como testemunho dessa passagem, exemplares arquitetônicos e urbanos, que contam a história da formação e das tradições do bairro: são objetos de estudo de grande interesse não somente para a história da arquitetura, mas também para a história social, econômica, da técnica, da ciência, da engenharia, da indústria, entre outros; dado que várias destas edificações demonstram o papel de introdução de novas (ou renovadas) técnicas construtivas e tipos arquitetônicos, relacionados principalmente ao uso da alvenaria de tijolo e de outros materiais industrializados, evidenciando o fenômeno do

processo ao qual estão associados. São objetos de estudo tais exemplares, objetivando a uma proposta fundamentada de preservação a fim de que seja mantida a memória coletiva da população do bairro. Dessa maneira, pretende-se focar na chamada ‘arquitetura menor’, resultante da formação de conjuntos urbanos típicos de bairros operários, assim como traçados urbanos e locais de memória – que, aos poucos, acabam sendo suprimidos da cidade por estarem ligados a uma população marginalizada, trabalhadora, e, portanto, esquecida. Este Trabalho Final de Graduação pretende, a partir da identificação deste patrimônio, buscar formas de salvaguardá-lo através de uma proposta pautada nas experiências nacionais e internacionais, visando a possibilidades de intervenções projetuais sob a luz da conservação integrada.

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01 o bairro da lapa Esta primeira etapa de trabalho não se propõe a reescrever a história da Lapa, mas a analisar de quê formas ela é apresentada pelas fontes bibliográficas disponíveis, de modo a obter um conhecimento mais consistente para a elaboração das propostas e análises na fase posterior desta pesquisa. Logo, a partir de um breve apontamento dos fatos descritos por autores historiadores, arquivos de jornais, acervos de imagens e monografias; será traçado um panorama geral que elucida as proposições pretendidas. Pretende-se, assim, a uma abordagem analítica e de problematização das questões levantadas pela bibliografia, de acordo com as abordagens de cada uma dessas fontes. As origens, agentes e formas de ocupação do bairro da Lapa são assuntos pouco tratados na literatura atual. Para a elaboração de uma análise contundente, recorreu-se aos textos publicados pelo Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo (DPH-SP) em estudos acerca da evolução histórica do

bairro1; além de processos e estudos de tombamento existentes de exemplares da área de análise e teses que tratam de elementos presentes no bairro2. Buscaram-se, também, em obras de renomados historiadores da cidade de São Paulo, os primeiros indícios do reconhecimento da Lapa enquanto bairro e de suas relações com a cidade – tendo em vista que os modos pelos quais se dá o povoamento dos bairros da cidade estão diretamente relacionados aos processos evolutivos nela decorridos. Ainda assim, fez-se necessária uma pesquisa mais elaborada a respeito da história do bairro, desenvolvida principalmente através de fontes cartográficas, visando à elaboração de uma composição gráfica para análise. A produção de uma cartografia específica foi capaz de fornecer insumos para a elaboração de um mosaico comparativo da evolução da mancha urbana da área de estudo, processo fundamental para leitura da história da morfologia do bairro e entendimento das suas formas de ocupação e de consolidação.

SANTOS, W. Lapa. História dos Bairros de São Paulo. São Paulo: DPH, 1980 e SEGATTO, J. A. (coord.) Lapa - Evolução Histórica. São Paulo: DPH, 1988. 2 É o caso da tese de Rafael de Abreu e Souza, que realiza um estudo arqueológico no terreno da antiga Fábrica de Louças Santa Catharina/ Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. 11 1


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Buscou-se, dessa forma, identificar os diferentes tecidos urbanos relacionados aos usos do bairro, através da relação entre os espaços públicos e privados, densidades construtivas, largura das vias e calçadas, etc. É evidente que, apesar de se constituírem como fonte primária de pesquisa, os mapas apresentam questões a serem problematizadas: o contexto de sua elaboração; as intenções e os interesses de seu autor; entre outros. Há, portanto, intencionalidades na representação, na escolha dos elementos representados e suprimidos, das referências apresentadas, do enquadramento da imagem. Mapas compõem discursos, possuem função explícita e implícita a partir de determinados pontos de vista (PASSOS, 2009:20). É notável que muitos dos mapas encontrados referentes à cidade de São Paulo no século XIX e início do XX limitam-se à área central da cidade, embora já houvesse um povoamento incipiente de seus subúrbios. Da mesma maneira, o grande número de mapas elaborados em diferentes períodos no decorrer das décadas possibilita uma leitura comparativa dos processos de ocupação e de desenvolvimento da cidade e, por conseguinte, do bairro em estudo – e são, portanto, essenciais para a elaboração deste estudo. É apenas na Planta Geral da Capital de São

Paulo, elaborada em 1897, que a região da Lapa aparece, pela primeira vez, nas proximidades da Água Branca (Figura 1). Entretanto, as origens do bairro remontam ao período colonial, mais precisamente à década de 1560, quando os jesuítas recebem uma sesmaria junto ao rio Emboaçaba (do tupi, “lugar por onde se passa”) (SANTOS, 1980: 15). Durante alguns séculos, o local cumpriu tal função: serviu de caminho de ligação entre a área central da cidade de São Paulo, o Triângulo, e o interior paulista através do “Caminho de Jundiaí”3. Sendo constantemente atravessado por tropeiros e viajantes em suas rotas a caminho de Santana do Parnaíba, Jundiaí e Campinas, a paragem do Emboaçaba tem sua primeira ocupação ligada a fazendas e sítios dispersos no território. No início do século XVIII, os jesuítas estabelecem na região uma colônia conhecida como “fazendinha da Lapa”, fundando uma Ermida em homenagem a Nossa Senhora da Lapa de Lisboa. Entretanto, em 1743, pelo fato de não atingirem o intento de transformar a área numa fazenda próspera, trocam-na por outra em Cubatão com o Mestre de Campo Coronel Diogo Pinto do Rego, que passa a ser o proprietário daquelas terras (SANTOS, 1980). Em 1765, a paragem do Emboaçaba é arrolada como bairro no

O bairro da Lapa ainda hoje é reconhecido por se constituir como um local de passagem daqueles que se dirigem ao centro da cidade a partir da zona oeste e noroeste da periferia paulistana e vice-versa. O chamado “Caminho de Jundiaí” é composto pelas atuais ruas Carlos Vicari, Guaicurus, Nossa Senhora da Lapa e Barão de Jundiaí. 12 3


Figura 01: Planta Geral da Cidade de São Paulo, de 1897. ►

Figura 02: Detalhe da Planta Geral da Cidade de São Paulo. São destacadas a “Estrada de Água Branca a Pinheiros”, a “Estrada da Ponte do Anastácio” e a construção “Pouso Alegre”. ► 13


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primeiro senso populacional de São Paulo: contava com 5 casas e 31 habitantes. Em 1767, apenas dois anos depois, é realizado um novo senso, indicando naquele mesmo local a existência de 12 casas, dispersas no território, e totalizando 67 habitantes (SEGATTO, 1988). O “Caminho de Jundiaí” torna-se muito movimentado, em virtude da existência das fazenda, fazendo-se necessária a abertura de valos. Em 1775, devido à morte do Coronel Pinto do Rego, o sítio de Emboaçaba é então divido entre seus parentes – o Coronel Anastácio de Freitas Trancoso, seu genro, passa a administrar uma porção da fazenda. E é em razão das precárias condições da ponte sobre o rio Pinheiros que a ponte sobre o rio Tietê, localizada na área do sítio do Coronel Anastácio (e portanto denominada “Ponte do Anastácio”4), até então utilizada somente para fins particulares, passa a fazer parte da rota do caminho que ligava a Vila de Itu a São Paulo, principalmente a partir de 1805. O desmembramento da área da fazenda em diversas porções leva ao surgimento de algumas olarias junto às margens do Rio Tietê, devido principalmente à qualidade do barro nessa região e ao crescimento da população em toda a cidade, que passa a dispor de grande oferta de mão de obra. Além disso, com as transformações da

estrutura econômica da cidade, quando à época há um incremento da lavoura voltado para a exportação, intensifica-se o fluxo de tropas que atravessa o então bairro de Emboaçaba, que passa a abrigar um povoado incipiente, dada a necessidade de proteção das cargas a caminho do porto de Santos, notadamente o açúcar (CHIURATTO, 2010). No fim do século XVIII, o local vive exclusivamente do caminho para o interior: surgem novos ranchos e pousadas, como resposta ao aumento da circulação na região e como forma de aparelhamento dessa nova dinâmica. Em 1800, são levantados 221 habitantes pela autoridade eclesiástica da Sé. Anúncio de jornal sobre venda de uma olaria no caminho que segue para a Lapa. Fonte: O Estado de São Paulo, edição de 18 de outubro de 1879, p. 03. ◄

A região permanece constituída por sítios, chácaras e olarias até a chegada da ferrovia, em 1867, sendo habitada principalmente por trabalhadores locais e agricultores de pequenas propriedades rurais, caracterizando um pequeno núcleo populacional na

Em 1819, em visita a São Paulo, August Saint Hilaire relata a existência de uma ponte de madeira sobre o rio Tietê, sendo esta a ponte do sítio do Coronel Anastácio (SANTOS, 1980). 4

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área hoje conhecida como ‘Lapa de Baixo’. Em 1811, o sítio do padre Antônio Joaquim de Araújo Leite, onde se localizava a Ermida de Nossa Senhora da Lapa (CONDEPHAAT, 2013), é transformado na estalagem ‘Pouso Alegre’. Tal construção recebe destaque na Planta Geral da Capital de São Paulo, de 1897 (Figura 2). Com os melhoramentos da ponte do sítio do Coronel Anastácio em 1822, é promovida uma grande festividade, contando com uma procissão em honra a Nossa Senhora da Lapa, na Ermida abandonada há mais de 80 anos. A partir daí, Emboaçaba começa a ser reconhecida pelo nome “Lapa”. A partir da segunda metade do século XIX, com a expansão da indústria cafeeira e recursos técnicos financeiros ingleses, é inaugurada a São Paulo Railway, em 1867. A construção da estrada de ferro, que ligava Santos a Jundiaí com algumas estações intermediárias, visava ao escoamento da produção para o porto, e dali, para o mercado externo. A oeste da cidade, a única estação implantada era a da Água Branca – contudo, pouco após a inauguração, o trem passou a fazer uma parada simples próxima à ponte do Anastácio, para atender a população do então incipiente bairro da Lapa. Poucos anos depois, em 1875,

é inaugurada a ferrovia da Companhia Sorocabana, financiada por agricultores da cidade de Sorocaba e aproveitando o traçado favorável já realizado pela estrada de ferro inglesa, que percorria a várzea do Tietê através dos bairros da Água Branca e da Lapa. Apesar de se constituir como fator primordial de progresso para o bairro, ao contrário do que se previa, a instalação das ferrovias acarretou na decadência do lugarejo da Lapa, devido ao consequente abandono da estrada de rodagem para o interior, tornando-se cada vez mais escasso o movimento dos tropeiros (SANTOS, 1980). Em decorrência do intenso processo de mudanças pelo qual o país passa a partir da segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento da economia cafeeira e o afluxo de capital internacional, o processo de industrialização acelera-se e são instaladas as primeiras indústrias. Em São Paulo, estas foram alocadas em diversas regiões, acompanhando, geralmente, o traçado da ferrovia – sendo instalados na Lapa um número significativo de edifícios fabris8. A implantação das indústrias no bairro se deu, sobretudo, pela presença de duas estradas de ferro na região (São Paulo Railway e Sorocabana), pela disponibilida-

Em relação a área de estudo, até a década de 1930 as novas fábricas são localizadas, em grande parte, ao longo das estradas de ferro. Posteriormente, começam a se expandir em direção a outras áreas (Vila Leopoldina, Vila Hamburguesa e Anastácio). Após os anos 40 e 50, a implantação das atividades industriais nesta área está relacionada à construção das marginais dos rios Tietê e Pinheiros, estabelecendo conexões com diversas rodovias. 8

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de de mão de obra e pelo grande número de terrenos baratos e em grande quantidade, à época. Assim, em 1887, sitiantes e chacareiros da Lapa requerem junto à municipalidade a mediação e a demarcação de suas propriedades. Olarias são substituídas por empreendimentos industriais9 e as pequenas propriedades rurais, sítios e fazendas passam a ser loteadas por iniciativa de seus proprietários, que visavam atrair a crescente massa de imigrantes – que em grande parte se constitui como mão de obra para as indústrias e fonte de renda de aluguéis10. É notável, neste contexto, o primeiro loteamento realizado no bairro, ocorrido em 1888. O italiano Dr. Luiz Bianchi Bertholdi dividiu suas terras recém adquiridas, criando um arruamento de lotes agrícolas. Denominou a área de “Vila Romana” e nomeou os logradouros com evocações à civilização romana. Com características totalmente rurais, este loteamento não representou o princípio da urbanização do bairro. É somente em 1890, quando cogita-se um projeto de bondes ligando São Paulo a Santana de Parnaíba, que é realizado um loteamento visando

à ocupação urbana, contando com lotes comerciais e residenciais – o Gram Burgo da Lapa (Figura 3). A especulação acerca da criação da nova linha de bondes, juntamente à existência da capela de Nossa Senhora da Lapa, das ferrovias e da localização estratégica, motivaram a realização do loteamento. No ano seguinte, o proprietário de um dos lotes agrícolas da Vila Romana realiza um parcelamento de suas terras, criando o loteamento da Vila Sofia. Estes loteamentos eram realizados conforme a infraestrutura implantada e as conveniências especulativas (garantia de retorno do capital investido)11. O bairro passa a receber infraestrutura e novos usos, decorrente de sua rápida urbanização: “Surgem o comércio, as escolas, o bonde, a nova matriz, os cinemas, a imprensa, a iluminação pública, o saneamento básico, etc” (SEGATTO, 1988: 21). As indústrias contribuem, em grande parte, para o avanço das melhorias da região, gerando desenvolvimento econômico e captação de mão de obra, resultando em um notável crescimento demográfico. Desde 1892 já havia se instalado no bairro a

É importante ressaltar que a presença das fábricas não extingue subitamente as antigas chácaras, sítios e olarias, que coexistem com a atividade industrial por cerca de 40 anos e desaparecem da paisagem do bairro apenas a partir da década de 1930 (RAMOS, 2001:65). 10 Com o fim do trabalho escravo em 1888, substituído pelo trabalho livre do imigrante, cresce vertiginosamente o número de estrangeiros que adentram o país, notadamente o estado de São Paulo. Muitos destes viriam a se instalar no bairro da Lapa, em grande parte italianos. 11 Destaca-se, neste contexto, a Companhia City, mais importante urbanizadora da época. Realizava loteamentos destinados às classes abastadas segundo padrão urbanístico cidade-jardim, até então inédito no país. Em parte do bairro da Lapa é implantado o loteamento denominado ‘Alto da Lapa’ ou ‘City Lapa’, datado de 1920, cujos projeto e concepção serão analisados mais à frente. 16 9


Figura 03: Planta do loteamento do Gram Burgo da Lapa, datada de 1891. Em destaque, edificações pré-existentes ao arruamento proposto: são identificadas a estação,uma vinha, diversas olarias e a ermida de Nossa Senhora da Lapa. ►


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Cerâmica Paulista e o Curtume Franco Brasileiro; em 1896, a Fábrica de Vidro Santa Marina; entre 1898 e 1899, as Oficinas da São Paulo Railway; em 1900, a Fábrica de Tecidos e Bordados Lapa; em 1913, a Fábrica de Louças Santa Catharina; em 1913, a Fundição Progresso; em 1916, a Fiat Lux e em 1919, a Companhia Melhoramentos (SOUZA, 2010: 27). A transferência das oficinas da São Paulo Railway influenciou fortemente as atividades do bairro: as ruas passam a ser designadas por denominação inglesas, ou de ingleses e até de brasileiros ligados à companhia12; o futebol de várzea passa a ser uma das principais atividades recreativas da região, sendo a maioria dos times composta por imigrantes ingleses trabalhadores das oficinas; e a é construída a primeira igreja presbiteriana da cidade de São Paulo, em 1924. Após a Primeira Guerra Mundial, são realizados novos loteamentos, expandindo os limites do bairro. A Vila Anastácio, urbanizada em 1919, e a Vila Ipojuca, em 1921, recebem imigrantes do Leste Europeu; a partir de 1920, a Cia City realiza os loteamentos do Alto da Lapa e Bela Aliança; a Vila Leopol-

dina é reloteada em 1926. Como contraponto aos lançamentos imobiliários e loteamentos destinados à aristocracia paulista, surgem diversos cortiços e casas operárias devido a uma crise habitacional que se inicia na década de 1910 (SEGAWA, 2004: 163). Sendo polo urbano de ligação entre os bairros e municípios da zona oeste, ocorre um notável incremento no comércio do bairro. Dessa maneira, a partir da década de 1930, dados os limites de sua expansão territorial, o bairro da Lapa passa por um processo de adensamento do seu núcleo principal, adquirindo características de um grande bairro industrial e comercial da cidade de São Paulo. Atrai grande contingente de mão de obra, provocando aumento considerável de sua população, que passa a ser constituída principalmente de trabalhadores das oficinas, das estradas de ferro, das indústrias13 da região e do comércio: se contava com 22 mil habitantes em 1920, já em 1950 a população era de 50 mil pessoas. (SEGATTO, 1988: 59). A partir da década de 1943, com a inauguração da rodovia Anhanguera, o bairro sofreu grandes transformações, acelerando-se novamente o cresci-

É o caso das ruas Albion, Antônio Fidélis, Engenheiro Aubertim, Engenheiro Fox, George Dronsfield, John Harrison, Moxei, Trindade e William Speers (SANTOS, 1980). 13 Estes trabalhadores eram submetidos a condições de trabalho duras, levando-os a se organizar em sociedades, com fins de ajuda mútua. No caso da Lapa, diversas associações desse tipo foram fundadas. A Cooperativa Internacional Beneficente da Lapa é criada em 1908 por trabalhadores da São Paulo Railway, com intenção de manter uma caixa de socorros mútuos. Instalaram seu primeiro armazém na Rua 12 de Outubro. Em 1932 a Cooperativa passou a denominar-se Cooperativa de Consumo da Lapa Ltda e foi liquidada em 1975 por conta de uma prolongada crise e intervenção federal (SANTOS, 1980). 18 12


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mento comercial. Em 1954 foi criado o Mercado Municipal no mesmo local onde se realizava a maior feira livre da capital. Em 1966 o CEASA é transferido para a Vila Leopoldina e em 1968 foi inaugurado na Rua Catão o segundo Shopping Center do município.

“Lapa - visita do prefeito Dr. Paulo Lauro e seus assessores a área da periferia”. Casa da Imagem, 1947. ►

O crescimento vertiginoso do bairro proporcionou muitas melhorias, tornando-o um dos mais bem servidos de infraestrutura urbana. Da mesma forma, o adensamento e a forma de supri-lo através da verticalização de suas construções vêm trazendo profundas transformações, fazendo com que perca,

paulatinamente, seu caráter residencial. A partir dos anos 1970 e durante toda a década de 1980, ocorre um intenso processo de desindustrialização, recorrente em diversos bairros operários que se industrializaram em decorrência da chegada da ferrovia, como o Brás, o Bom Retiro e a Mooca. As indústrias saem das áreas centrais em busca de terrenos mais vantajosos economicamente e impulsionadas pela política rodoviarista estimulada pelo governo brasileiro a partir da década de 1960. As novas rodovias e autoestradas passam a desempenhar um fator locacional antes desempenhado pelas ferrovias, atraindo as indústrias. Além deste último, são diversos os motivos para a migração da atividade industrial, relacionados diretamente às vantagens econômicas das novas localidades (LANGENBUCH, 1971): os setores pouco urbanizados possuíam amplos espaços potencialmente disponíveis para a instalação de grandes estabelecimentos, aliados a novas tecnologias que requerem espaços maiores – que a cidade consolidada e saturada já não podia oferecer. Além disso, o transporte das cargas era facilitado pelas autoestradas, de fácil acesso à metrópole e aos subúrbios, promovendo melhores condições de acessibilidade em locais onde a ferrovia não havia chegado. Por fim, havia o fator publicitário, já que os empreendimentos localizados ao longo das rodovias atraíam maior visibilidade. Este processo de substituição de usos, de19


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corrente da nova dinâmica do processo produtivo contemporâneo metropolitano14, tem se dado de forma precária nas últimas décadas, através da implantação de novos condomínios fechados que acabam por definir-se como barreiras no tecido urbano, sendo totalmente alheias a ele. Assim ocorre na Lapa: os antigos galpões, fábricas, vilas e conjuntos operários são paulatinamente abandonados e passam a dar lugar a grandes edifícios habitacionais, em sua grande maioria de padrão elevado, devido ao tamanho dos lotes ali existentes – além da grande oferta de infraestrutura, da rede consolidada de transporte, do intenso movimento comercial nas proximidades e da localização privilegiada, relativamente próxima ao centro.

“Industrialização na Cidade de São Paulo - Rua José Teixeira de Miranda ao fundo, primeiro plano Rua Coriolano”. Casa da Imagem, 2002. ◄

Transformação funcional metropolitana relacionada à desindustrialização difusa das áreas centrais da metrópole (REIS, 2006). 20 14


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Revisão bibliográfica Através do resumo apresentado anteriormente, elaborado a partir da bibliografia disponível, pode-se chegar a algumas conclusões relevantes: primeiramente, é notável o escasso número de livros que se propõem a um estudo aprofundado e focado especificamente no bairro da Lapa. A amostragem é, dessa maneira, bastante limitada e é preciso se apoiar nas obras de apenas dois autores para que seja possível realizar uma leitura geral dos processos evolutivos decorridos nesta porção de território – é curioso, inclusive, o fato de que ambos os títulos utilizados, tanto aquele elaborado por W. Santos quanto o de J. Segatto15, são resultantes de estudos realizados pelo Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo (DPH-SP) na década de 1980, denotando um interesse particular, pontual e, até então, inovador acerca da história do bairro. Outro fato relevante diz respeito às demais obras consultadas, que tratam acerca da história da cidade de São Paulo, seja através de narrativas, crônicas ou estudos técnicos: os livros consultados, em sua grande maioria considerados “clássicos” consagrados e abrangentes, sequer chegam a abordar o bairro de estudo, mesmo este

apresentando-se como portador de diversas singularidades e de grande relevância para a história da formação da cidade – seja por suas significações culturais, sociais ou econômicas, como visto anteriormente. Tal fato revela-nos a falta de um olhar atento a uma porção da cidade que passou e passa, ainda hoje, por uma série de questões relacionadas à sua transformação urbana, em grande parte ligada ao processo de industrialização paulistana. Dentre os títulos analisados, a obra de Alfredo Moreira Pinto, intitulada A Cidade de São Paulo em 1900 (1900), relata pontos de interesse e exemplares significativos reconhecidos durante sua viagem à capital realizada no início do século XX. Neste contexto, são citadas as oficinas da São Paulo Railway, naquele ano recém construídas, a Fábrica de Curtumes e a Fábrica de Vidros, todas situadas na Lapa que, segundo o autor, era, à época, subúrbio de São Paulo. Em sua visita aos galpões, Alfredo Moreira Pinto descreve alguns dos mecanismos relativos ao funcionamento das oficinas, relacionados ao maquinário e seus procedimentos de uso. Não há, todavia, qualquer referência a qualquer um dos edifícios enquanto elemento arquitetônico dotado de qualquer qualidade estética, suas técnicas de construção ou sua relação com o proces-

O primeiro, Lapa. História dos Bairros de São Paulo, é lançado na série de histórias dos bairros e é o último volume da coleção; o segundo, Lapa – Evolução Histórica, faz parte da série Registros (volume doze). 21 15


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so de industrialização, enquanto elemento diretamente decorrente deste processo. O mesmo ocorre em relação às fábricas, o Curtume (situado à esquina das ruas Guaicurus e do Curtume) e a Vitraria (localizada no distrito da Água Branca, à Avenida Santa Marina). Descreve, assim, a Fábrica de Curtumes: “Compõe-se de um grande edifício, coberto com zinco e telha, possuindo differentes secções, entre as quaes uma de surradores, outra de escarnadores, outra para a fabricaço de correias para machinas, e outra onde estão distribuídos os tambores destinados a curtir o couro. Em seguida à sala dos tambores ficam as machinas, que produzem a força motora e em seguida a esta a fábrica, a de extracto, montada com todos os machinismos, os mais aperfeiçoados. Dispõe a fábrica de um pessoal de 40 operários. É iluminada à luz eléctrica. É seu proprietário o Dr. Antônio da Silva Prado” (PINTO, 1900: 220) Em São Paulo de Outrora, de Paulo Cursino de Moura (1932), é proposta uma evocação do passado da cidade através de uma série de crônicas sobre suas ruas, publicadas no jornal S. Paulo – Jornal. Não há, em toda a obra, qualquer citação ou referência ao bairro da Lapa. A coleção de Nuto Sant’Anna, 22

São Paulo Histórico (Aspectos, Lendas e Costumes) (1937), assim como a de Paulo Cursino de Moura, reúne diversos artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo, com o intento de contribuir para a divulgação de aspectos relativos à história da cidade. Em todo o conjunto da obra, o bairro da Lapa é referenciado apenas duas vezes: primeiramente, aparece num contexto de ocupação dos bairros periféricos, quando o autor apresenta os bairros ditos industriais. Entretanto, ao citar a Lapa, acresce que a maior parte da ocupação está ligada ao uso residencial, diferentemente do Brás e da Mooca, por exemplo. Depois, já em outro contexto, enuncia a conformação e completude da mancha urbana, quando descreve o crescimento da cidade – a Lapa, bairro antes periférico e considerado suburbano, é absorvido ao núcleo central. A Lapa é referenciada, nesse momento, como um jogo de escalas para denotar o crescimento da mancha urbana: quando a urbanização se completa até o bairro do subúrbio, demonstra-se um crescimento notável. Já, em toda a obra de Ernani da Silva Bruno, História e Tradições de São Paulo (1954), cuja narrativa apresenta-se como um intenso estudo acerca do desenvolvimento da cidade desde sua fundação até o ano anterior ao lançamento do livro, o bairro da Lapa é citado cinco vezes: primeiramente, há uma referência à obra de Bandeira Júnior, A Indústria no Estado de


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São Paulo em 1901 (1901), em que há uma descrição das casas consideradas ‘infectas’ dos bairros proletários, e compara-as às casas suntuosas e aos primeiros edifícios da cidade. Posteriormente, volta a citar a obra de Bandeira Júnior, que denuncia a precariedade e o desconforto dos bairros fabris, contando com a Lapa. Excetuando-se a referência à Fábrica de Vidros Santa Marina16, as outras duas vezes em que o autor faz menção ao bairro da Lapa estão relacionadas ao crescimento da cidade para oeste e da presença maciça da atividade fabril, citando, para isso, outras duas obras: Nova Contribuição para o Estudo Geográfico da Cidade de São Paulo, de Caio Prado Júnior (1941) e Subúrbios Orientais de São Paulo, de Aroldo de Azevedo (1945). Na obra de Benedito Lima de Toledo, São Paulo: Três Cidades em um Século (1983), o bairro é citado apenas uma vez, no capítulo dedicado aos projetos idealizados para a metrópole: o projeto de grandes avenidas conformaria uma ligação natural entre a Praça Antônio Prado em direção a Lapa, a partir da Avenida São João. Assim, o bairro aparece apenas como referência de orientação geográfica; não é descrito qualquer elemento agregador de valor ou de importância daquele local.

É evidente que a maior parte destes autores se dedica a descrever o desenvolvimento da cidade de São Paulo relacionado aos polos centrais da capital, e, portanto, não cabe a suas obras um estudo aprofundado sobre a Lapa. De todo modo, mostra-se como uma questão a ser considerada o fato de estar ausente, em grande parte das obras, qualquer descrição do bairro, que à época de elaboração destes livros, já se apresentava com uma população crescente e bastante notável – população esta em grande parte proletária e ligada às atividades fabris e comerciais da região. Além disso, o bairro recebe, em meados do século XIX, a maior feira livre da capital, localizada onde seria inaugurado, em 1954, o Mercado Municipal da Lapa – é curioso como tal fato passa despercebido para autores que estudam as tradições, hábitos e culturas da cidade. Nenhum dos autores consultados vê, na Lapa, qualquer exemplar significativo ou particularidade relevante, seja pelas formas de apropriação daquele espaço por seus moradores ou pela própria dinâmica do bairro, a ponto de estar presente em suas narrativas: ele é evidenciado somente a partir de suas características industriais, da presença maciça de fábricas e de intenso uso residencial, o que denota uma singularidade para um bairro fabril da época.

“Fábrica Santa Marina, na Água Branca, fundada em 1897 por Antônio Prado e Elias Fausto Pacheco Jordão, com 200 trabalhadores italianos e franceses. Era essa vitraria a única no Brasil e a segunda no continente sul-americano” (BRUNO, 1954: 1181). 23 16


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Problematizando a cartografia A análise cartográfica deste trabalho mostrou-se de extrema relevância para seu desenvolvimento, dado que ofereceu informações importantes que permitiram a identificação de diversos pontos de vista sobre a situação do território estudado em momentos diferentes – e, para isso, o acesso a um grande número de mapas foi favorável às intenções pretendidas, pois forneceu recortes temporais abrangentes e possibilitou, assim, a elaboração de uma leitura comparada dos processos urbanos decorridos no bairro de estudo. Durante todo o processo de análise da cartografia selecionada, manteve-se a postura de tratar dos mapas enquanto discursos e não como representações fiéis da realidade. Nesse sentido, a cartografia assume papel analítico, representativo e interpretativo. A cartografia de São Paulo utilizada neste trabalho parte de mapas da cidade desde 1810 até as imagens de satélite extraídas do Google Maps, de 2011. O conjunto amostral utilizado tem origem em discursos bastante heterogêneos entre si, evidenciando diversas realidades e apreensões do espaço. Ao contrário do esperado, até os primeiros anos do século XX, não há qualquer representação gráfica que apresente a formação da Lapa enquanto núcleo habitacional do subúrbio da cidade: o bairro surge, com 24

seus arruamentos e como de uma só vez, na Planta Geral da Cidade de São Paulo, de 1905 (Figuras 4 e 5). Tal fato possivelmente deriva de diversos fatores: a localização do bairro à época, descontínuo da mancha urbana e relativamente distante do centro da cidade. Os mapas anteriores ao ano de 1905 são, em sua grande maioria, realizados por encomendas – e por tal motivo, mostra-se de extrema relevância pesquisar quem são os responsáveis por sua elaboração, dado que seus interesses demonstram o discurso por eles defendido, o que reflete na presença ou ausência de certos elementos e localidades. Aqueles produzidos até meados do século XIX, geralmente confeccionados por engenheiros militares, possuem objetivos claros de reconhecimento topográfico, identificação dos pontos de defesa e dos recursos naturais existentes, demarcação de terras e de rotas de circulação (EMÍDIO, 2009:24). É por tal razão que a área onde se localiza o bairro da Lapa não está presente nos mapas, mesmo tendo um núcleo habitacional considerável para um subúrbio, com cerca de 220 habitantes já em 1800. É interessante notar, no mapa de 1842, intitulado Carta da Capital de São Paulo, a existência de uma demarcação ao fim da Rua da Consolação, sinalizando o chamado “Caminho de Sorocaba, Pinheiros, Anastácio, Água Fria e outros pontos observados”, o que representa o reconhecimento de povoações e caminhos importantes de ligação dignos


Figura 04: Planta Geral da Cidade de São Paulo, de 1905. ►

Figura 05: Detalhe da Planta Geral da Cidade de São Paulo, de 1905. São destacados alguns edifícios, entre eles: as oficinas da São Paulo Railway e da Sorocabana, a ‘Capela da Lapa’, a Fábrica de Vidros e outros edifícios industriais. ►

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de citação para além da ocupação do Triângulo central da cidade (Figura 6). Já ao fim do século XIX, os mapas assumem outra finalidade: além de estarem presentes em guias e almanaques destinados à população crescente da cidade, são largamente produzidos para companhias prestadoras de serviços públicos para a elaboração de projetos urbanísticos. Os mapas passam a ser elaborados por cartógrafos, topógrafos, tipógrafos e desenhistas para a instalação de linhas de bondes elétricos, de redes de esgoto e de postes de iluminação pública, entre outros. Assim, na Planta de Locação de Linhas

Aéreas nos Bairros de Água Branca e Lapa de 1911 (Figura 7), realizada pela The São Paulo Tramway, Light and Power Company, são discriminadas as ruas a receberem instalação de linhas aéreas de energia elétrica, sugerindo uma demanda bem distribuída pelas ruas do bairro. O traçado urbano corresponde àquele apresentado no projeto de loteamento “Gram Burgo da Lapa”, evidenciando sua conclusão e ocupação. Também aparece demarcada nesta planta do arruamento correspondente à Vila Romana, contando com projeto de instalação na maioria de suas vias. O trecho referente à Água Branca, por sua vez, recebe

Figura 6: Detalhe da Carta da Capital de São Paulo, de 1842. ◄

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linha área de eletricidade apenas na Rua Itapicuru, possivelmente para dar continuidade à rede que seguia para a Lapa, uma vez que não apresenta indícios de adensamento. Outro fator a ser considerado acerca da ausência do bairro nos mapas produzidos antes de 1905 é apresentado na Planta da Cidade de São Paulo, de 1913 (Figura 8), que representa a Lapa num desenho à parte, como Distrito de Paz (Figura 9). Pressupõe-se, assim, que a Lapa não estava inserida no município enquanto bairro – não fazia parte da “cidade legal”. Até a década de 1930, a cidade representada nos mapas correspondia à cidade formal, onde incidem as normativas legais. As áreas ocupadas mais periféricas

à época, como é o caso do bairro de estudo, não são incluídas nesses desenhos – apesar de a infraestrutura urbana, realizada por companhias privadas, já fazer-se presente ali. Assim, “as rígidas normativas do poder público para urbanização no perímetro urbano da cidade e sua completa ausência nas áreas suburbanas contribuíram para a conformação das feições das periferias da cidade. Nesse sentido, o não representar no mapeamento não é nada inocente, sobretudo na medida em que ele abre mão de registrar um bem passível de ser calculado para a comercialização” (RODRIGUES, 2013:58).

Figura 07: Localização de Linhas Aéreas nos Bairros de Água Branca e Lapa, de 1911. ► 27


Figura 8 : Planta da Cidade de São Paulo, de 1913. ◄

Figura 9: Detalhe da Planta da Cidade de São Paulo, de 1913, denominada Planta do Districto de Paz da Lapa. Recebem destaque na representação: as estações Lapa e Água Branca, as oficinas da São Paulo Railway, diversas fábricas, a capela da Lapa, um grupo escolar, entre outros. ◄

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Já na Planta da Cidade de São Paulo, de 1916 (Figura 10), realizada para uso da Prefeitura Municipal, o bairro da Lapa insere-se na área limítrofe da zona suburbana da cidade e define-se ainda como uma mancha isolada, não contígua ao centro. Em relação à planta anterior, levantada apenas dois anos antes, são notadas algumas alterações no traçado urbano: o número de vias aumenta, sendo que estas aparecem com mais

manchas de ocupação17, notadamente na região relativa ao loteamento da Vila Romana (Figura 11). Da mesma maneira, é interessante notar a ausência de algumas vias na Água Branca que haviam sido demarcadas na planta anterior, confirmando a problemática das intenções presentes nas representações cartográficas.

Figura 10: Planta da Cidade de São Paulo, de 1916. ►

Figura 11: Detalhe da Planta da Cidade de São Paulo, de 1916. O Grupo Escolar da rua Antônio Raposo é destacado. ► Conforme evidenciado nos mapas relativos aos anos de 1913 e 1916, são representadas as áreas ocupadas pelas edificações nas quadras, havendo, inclusive, destaque em algumas. 17

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

É, assim, essencial entender como se dá a ocupação da área do bairro de acordo com o que é representado na cartografia consultada. A análise resultante da comparação dos mapas temporais sucessivos mostra uma ocupação dispersa no território e marcada pelo interesse do capital privado, conforme evidenciado pelos loteamentos executados ao final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Num segundo momento, com a retificação do Tietê, é reforçado o uso de suas margens com atividades ligadas à atividade industrial, o que acaba por contribuir para a conformação de áreas produtivas da metrópole. Nos mapas produzidos a partir da segunda década do século XX, essas características já são facilmente evidenciadas pelo próprio traçado urbano delineado. Na Planta da Cidade de São Paulo de 1924 (Figura 12), são evidenciados os loteamentos realizados até então na área de estudo: Bela Aliança, Alto da Lapa (ambos empreendidos pela loteadora Cia City), Lapa (referente ao loteamento denominado “Gram Burgo da Lapa” apresentado anteriormente) e Vila Romana (Figura 13). Ainda nota-se entre estes e os demais loteamentos existentes a leste, Água Branca e Vila Pompeia, um espaço significativo sem qualquer tipo de ocupação, evidenciando a não contiguidade do bairro ao centro da cidade: a ligação era feita somente por uma via, a Rua Guaicurus, adjacente às linhas férreas. Há, todavia, projeções de novos caminhos em 30

direção ao centro, através das ruas Faustolo e Clélia – reforça-se que em 1920, o bairro da Lapa já contava com 20 mil habitantes, mostrando-se inviável a presença de apenas uma via de ligação entre a região e a área central. À norte, o bairro limita-se às margens inundáveis do rio Tietê. Com os projetos de arruamento e loteamento já realizados, é possível partir para uma leitura mais aprofundada do tecido urbano resultante destas intervenções e de suas formas de ocupação. O levantamento executado em 1930 pela empresa Sara Brasil a serviço da Prefeitura Municipal, intitulado Mapa Topográfico do Município de São Paulo (Figura 14), permite que diversos outros fatores relacionados à ocupação do bairro sejam evidenciados, tais quais: reconhecimento dos diferentes tecidos urbanos provenientes de cada loteamento realizado no distrito, identificação do tamanho dos lotes e das edificações e compreensão das características do espaço urbano, ou do padrão de urbanização, através da relação entre espaços públicos e privados, densidades construtivas, quantidades de áreas verdes e de lazer, largura das vias e calçadas, etc. Sendo este mapa elaborado através de técnicas aerofotogramétricas, considerou-se, nesta pesquisa, que ele seja praticamente livre de intenções ou discursos – e apresente-se, assim, como uma versão bastante precisa da conformação do bairro na década de 1930.


Figura 12 : Planta da Cidade de São Paulo, de 1924. ►

Figura 13: Detalhe da Planta de São Paulo de 1924. Nota-se o loteamento do Alto da Lapa, já completamente realizado e o da Vila Romana, parcialmente concluído. Destacam-se alguns edifícios: oficinas da São Paulo Railway, estações Lapa (da São Paulo Railway e da Sorocabana) e indústrias ao longo das linhas férreas. ► 31


Figura 14: Mapa Topográfico do Município de São Paulo, de 1930, realizado pela empresa Sara-Brasil. ◄


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Temos, então, padrões muito diferentes de implantação dos loteamentos realizados, denotando a divisão, ainda hoje corrente, das regiões que compõem a Lapa. Primeiramente, mais a oeste, encontra-se o arruamento realizado pela loteadora Cia City, denominado City Lapa (Figura 15). Apresentando traçado mais orgânico e que acompanha as curvas de níveis com quarteirões extensos (eventualmente cortados por vias de pedestres), conforme os preceitos do modelo cidade-jardim, foi realizado em 1920. Além das benfeitorias públicas, como fornecimento de água, luz, redes de esgoto e amplas áreas verdes, o projeto estabelecia terrenos amplos, grandes o suficiente para abrigar casas e jardins espaçosos. As residências de-

viam seguir uma taxa de ocupação padrão do terreno e sua construção era supervisionada por uma equipe técnica da própria loteadora, composta por arquitetos e engenheiros. Em 1930, a região apresenta uma ocupação dispersa e rarefeita, com poucos lotes ocupados. Para fazer a análise deste grau de ocupação, partimos para uma leitura em escala mais aproximada, capaz de identificar as tipologias de ocupação lote a lote. Assim, em comparação com as demais edificações da área de estudo, as casas localizadas no loteamento da Cia City apresentam dimensões razoáveis e seguem os critérios estabelecidos pela empresa, como obrigatoriedade de recuos e ocupação máxima de 50% da área do terreno.

Figura 15: Planta do loteamento do Alto da Lapa e Bela Aliança, realizado pela Companhia City em 1920. ► 33


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Outro traçado que se destaca no mapa de 1930 diz respeito à área central da Lapa, que corresponde às chamadas “Lapa de Baixo” e “Lapa de Cima”, separadas pela presença das linhas férreas. Ambas constam nos arquivos cartográficos já em 1905, apresentando-se como primeiras áreas de povoamento do bairro, devido principalmente à existência, naquela região, do Caminho de Jundiaí, da ponte do Coronel Anastácio e da instalação da Ermida da Lapa, ainda no século XVIII, conforme já visto. A tipologia da implantação desta área corresponde àquela projetada em 1891, no loteamento denominado “Gram Burgo da Lapa”. Além de quarteirões ora extensos, ora curtos, é possível reconhecer uma ocupação claramente industrial ao longo das linhas férreas, conforme previsto no projeto de arruamento – enquanto outros lotes destinados ao uso fabril foram subdivididos, como pode se notar na porção adensada mais central da Lapa de Cima (arredores da rua Doze de Outubro). As edificações representadas indicam ao menos duas tipologias de implantação: uma com exemplares de maiores dimensões – indicando uso industrial, e outra, em maior quantidade, de menores dimensões e por vezes geminadas, correspondendo ao usos residencial e comercial. Era bastante recorrente, nesta

área, edificações geminadas em série num lote único, geralmente de um único proprietário. É possível fazer essa inferência, uma vez que os depoimentos colhidos durante a pesquisa, somados àqueles reunidos na bibliografia de apoio, indicam tal fato. Em conversa com antigos moradores do bairro, a Sra. Norma Cedini conta: “Eu morava num cortiço na Lapa de Baixo e a mulher achava ruim que falava que era cortiço... Tinha que falar que era vila, a dona Alzira. Porque do lado tinha um que era vila, tinha casa dos dois lados, e o que nós morávamos tinha casa só de um lado. Cada um tinha sua casa, mas o quintal era um só. E ela achava ruim porque falavam que era cortiço...”18 . Por fim, a leste, destaca-se o traçado referente ao loteamento da Vila Romana. Conforme já apresentado, o arruamento data de 1887 e foi proposto pelo Dr. Luiz Bianchi Bertholdi, imigrante italiano que pretendia facilitar a aquisição de terras pelos seus conterrâneos durante o grande movimento migratório da época. O padrão de implantação adotado se definiu numa malha ortogonal, alinhada à orientação norte-sul19, e conformando grandes quarteirões e largas vias, por possuir características rurais. Nesta área, é curiosa a forma como se dá a ocupação, mais concentrada nas vias próximas à linha férrea e mais esparsa nas suas outras extremidades (leste, oeste e

Depoimento obetido em 13 de novembro de 2014. A Vila Romana e a Vila Buarque são as únicas cujo traçado urbano é concebido segundo a teoria de Hipodamo de Mileto (CHIURATO, 2012:58). 18 19

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sul). Assim, é reforçada a importância dada a única via de conexão do bairro ao centro da cidade, a rua Guaicurus – que era, também, rota da linha do bonde 35 (Lapa – Praça do Correio). A disponibilidade de lotes de dimensões avantajadas influenciou uma ocupação de caráter industrial, ainda que a certa distância da linha férrea, como é perceptível na porção mais a sul do loteamento. Os parcelamentos presentes nas demais quadras apresentam-se em terrenos menores, similares àqueles existentes na área central do bairro, e neles é designando uso misto ou estritamente residencial. Neste contexto – uso industrial e residencial num perímetro muito próximo, percebe-se, novamente, a existência de conjuntos de casas geminadas, indicando sua possível ocupação por operários ou comerciantes da região. Além de se constituírem como fonte de renda para seus proprietários, alguns desses conjuntos foram concebidos pelos próprios donos das fábricas, a fim de alojar seus funcionários nas proximidades do trabalho, segundo legislação que impulsionava a construção de vilas operárias através de incentivos fiscais favoráveis aos capitalistas. Ainda que contasse com um adensamento notável na década de 1930, o bairro da Lapa não se apresenta conectado à mancha urbana da cidade, havendo, como se percebe no mapa, um grande espaço desocupado entre o loteamento da Vila Romana e da Vila Pompeia. Este não completamento se deve,

muito possivelmente, à existência do córrego Água Preta, ainda à céu aberto naquele ano. Há, todavia, indicações da canalização dos corpos d’água, possibilitando a ocupação destas áreas e estabelecendo novas ligações entre a porção oeste da cidade e o centro. No mapa datado de 1943, Planta da Cidade de São Paulo e Municípios Circumvizinhos (Figura 16), já são perceptíveis diversas mudanças na região: a Lapa passa a integrar a mancha urbana diretamente ligada ao centro da cidade através de novas conexões viárias; o rio Pinheiros apresenta-se totalmente retificado, perdendo seus meandros e ganhando novas áreas, de forma a abrir espaço para o crescimento horizontal e espraiado da mancha urbana paulistana. Seguindo a mesma lógica, já aparece, neste mapa, o projeto da retificação do rio Tietê (Figura 17). Em relação às mudanças dos processos de ocupação dessa área, o levantamento aerofotogramétrico realizado em 1954 pelas empresas Vasp e Cruzeiro do Sul (Figura 18) apresenta-se de grande utilidade, dado que, assim como aquele de 1930, sinaliza o espaço ocupado e o perímetro de cada uma das construções em seus respectivos lotes. Comparando os dois mapas, de duas décadas distantes entre si, é possível delinear as mudanças que ocorreram, tanto no traçado urbano, quanto no surgimento ou desaparecimento de certas edificações e os usos a elas associados. 35


Figura 16: Planta da Cidade de São Paulo e Municípios Circumvizinhos de 1943. ◄

Figura 17: Detalhe da Planta da Cidade de São Paulo e Municípios Circumvizinhos. São destacadas somente as edificações relativas às oficinas da São Paulo Railway e às estações ferroviárias existentes no recorte. ◄

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Figura 18: Levantamento aerofotogramétrico ‘Vasp-Cruzeiro’, de 1954. Folha 13-2, relativa à área central do bairro. ►

Juntamente aos levantamentos analisados, a imagem aérea de 195820 (Figura 19) permite evidenciar as diferenças decorridas na área de estudo entre as décadas de 1930 e 1960. A mais notável dentre elas diz respeito à densidade construtiva das quadras: praticamente todas aquelas situadas no recorte apre20

sentado aparecem totalmente ocupadas, com presença de edificações em cada um dos lotes existentes. Apesar da porção referente ao loteamento City Lapa apresentar menor densidade construtiva e com ocupação mais rarefeita em relação ao restante do bairro (devido principalmente aos custos de obtenção dos

Disponível em: <www.geoportal.com.br/memoriapaulista>. 37



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terrenos); fica evidente o fato de que a Lapa já se integrava ao restante da cidade de forma muito clara e com uma população bastante expressiva. Na imagem área de 1958, outros acontecimentos indicam tal fato: o trecho do rio Tietê mais próximo ao bairro já aparece em processo de retificação, gerando novos terrenos disponíveis para uso; a ponte sobre as linhas férreas apresenta-se em construção, com a instalação dos pilares de sustentação e permitindo uma nova conexão viária entre as chamadas ‘Lapa de Cima’ e ‘Lapa de Baixo’ sem necessidade de transposição em nível. O Mercado Municipal da Lapa já está presente no mapa de 1954, o que também contribui para a constatação da existência de uma centralidade no bairro, que passa a se tornar o ‘centro’ de bairros mais afastados, a oeste, como a Vila Leopoldina. Apesar de a grande maioria das quadras compreendidas no recorte apresentarem-se ocupadas em 1958, não aparecem, na imagem aérea, sombras que evidenciem o processo de verticalização do bairro, que já se fazia presente e de forma muito intensa no centro da cidade21. Os únicos elementos que se destacam por conta de suas alturas elevadas são as chaminés de algumas fábricas, o Hospital Central Sorocabana, situado à rua Faustolo, e cerca de 4 edificações localizadas na Lapa de Cima. Figura 19: Imagem aérea do bairro da Lapa em 1958.

Apesar de apresentar-se praticamente consolidada já ao fim da década de 1950, a Lapa ainda passaria por diversas mudanças nos anos que seguiram, dado que, com a retificação do rio Tietê e a canalização de corpos d’água que atravessavam a área, novas vias puderam ser abertas, de modo a facilitar os acessos e auxiliar a relação dinâmica entre o bairro e o centro da cidade. No levantamento aerofotogramétrico de 1972 realizado pelo governo do estado e denominado GEGRAN (Figura 20), são apontadas diversas alterações e características relevantes. Apesar de este levantamento não exibir as edificações existentes lote a lote, são destacados diversos exemplares institucionais e equipamentos públicos, além de igrejas, indústrias e até mesmo o Shopping Center Lapa, recém-inaugurado à época do levantamento. Em relação ao tecido urbano do bairro, novos arruamentos são realizados nas antigas áreas alagáveis da várzea do rio Tietê, gerando novos terrenos, de grandes dimensões, destinados ao uso industrial – que se beneficiam, naquela região, das infraestruturas já instaladas e, principalmente, das novas pistas de rolagem das marginais, facilitando acessos e conexões em escala macrometropolitana através das rodovias estaduais. A ferrovia já não se apresentava como solução economicamente vantajosa desde a década de

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Verticalização associada ao processo de metropolização de São Paulo, sobretudo a partir da década de 1950 (MORSE, 1970). 39


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1960, quando o governo passa a priorizar e incentivar a construção de autoestradas. Neste contexto, destaca-se, mais a oeste, a ocupação industrial fortemente presente na região da Vila Leopoldina, ponto de confluência de diversas rodovias (além das marginais dos rios Tietê e Pinheiros, a região possui acesso facilitado às rodovias Anhanguera, Bandeirantes, Castelo Branco e Raposo Tavares), justificando a escolha do local para abrigar, nesta mesma época, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP). A mesma leitura é obtida quando se analisa o levantamento aerofotogramétrico realizado pela Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S. A. (Emplasa), datado de 1981 (Figura 21). Além de possuir comunicação visual muito semelhante ao levantamento anterior, ambos realizados a serviço do governo do estado, também são destacados, neste último, os edifícios de maior interesse público. As mudanças mais perceptíveis aparecem na área mais a norte, entre o eixo ferroviário e o rio Tietê: em relação ao traçado viário, são realizados novos arruamentos como forma de completamento da porção recém ocupada dos antigos meandros do rio; novas edificações, notadamente de uso industrial,

são demarcadas nas novas quadras delineadas e os acessos às vias expressas de maior capacidade de tráfego são aprimorados através de alças e rotatórias. Comparando as edificações destacadas em cada um dos levantamentos aerofotogramétricos, apenas uma década distantes em relação às suas datas de elaboração, outras diferenças podem ser apreendidas, principalmente quanto às permanências ou ausências de determinados usos. A fábrica identificada no levantamento de 1972, das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo22 e cuja chaminé se destaca na imagem aérea de 1958, já não aparece no levantamento de 1981 – sendo o antigo terreno reloteado, recebendo duas novas travessas entre as ruas Fábia e Coriolano. Outras indústrias destacadas no levantamento de 1972, localizadas nos arredores da Vila Romana e próximas à linha férrea, também não estão presentes no levantamento realizado pela Emplasa em 1981. Por não terem sido identificadas, não é possível afirmar se foram, de fato, substituídas por novas construções relacionadas a novos usos. No restante da área de estudo, os destaques mantém-se similares em ambos os levantamentos, principalmente no que se refere aos edifícios destinados a equipamentos públicos.

Figura 20: Levantamento 22 aerofotogramétrico Tal fábrica é conhecida, pelos antigos moradores do bairro, como a ‘Fábrica de Biscoitos do Matarazzo’. Em conversa com o Sr. Orestes Avona, GEGRAN, de 1972. muitos iam à fábrica aos fins de semana para comprar biscoitos quebrados, mais baratos. Depoimento obtido em 13 de novembro de 2014. ◄



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Por fim, as imagens de satélite disponibilizadas pelo Ikonos (Figura 22) e pelo Google Earth (Figura 23), realizadas respectivamente nos anos 2002 e 2011, permitem analisar, em relação à foto aérea de 1958, as grandes mudanças decorridas nos últimos 50 anos, evidenciando ainda mais os processos evolutivos e transformativos decorridos no bairro. Dentre as

mudanças mais notáveis, destacam-se os grandes empreendimentos imobiliários que passam a ocupar antigos lotes industriais, notadamente aqueles localizados na Vila Romana (conforme já começava a se evidenciar no levantamento realizado pela Emplasa, em 1981), entre outros que se apropriam da área de corridos de conjuntos residenciais. A área que compreende o lote-

Figura 21: Levantamento aerofotogramétrico Emplasa, de 1981. ◄

Figura 22: Imagem de satélite Ikonos, de 2002. ► 43


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amento da Companhia City, a City Lapa, apresenta-se totalmente ocupada e contando com diversas áreas verdes públicas e arborizadas, mantendo o sistema viário e a estrutura fundiária adotada no projeto inicial23. Na área central da Lapa, por sua vez, que corresponde à ‘Lapa de Cima’ e à ‘Lapa de Baixo’, as construções aparecem bastante alteradas, a julgar pelo seu tipo de cobertura, indicando que as edificações antigas foram demolidas para dar lugar a novas, mais modernas e provavelmente relacionadas a novos

usos. Isso ocorre principalmente nos principais eixos viários comerciais do bairro, como é o caso das ruas Nossa Senhora da Lapa e Doze de Outubro. A verticalização também se faz presente de forma bastante intensa, a julgar pelas sombras dos prédios de altura elevada. Entre as duas imagens de satélite, distantes uma década entre si, nota-se apenas uma alteração, relacionada ao processo de substituição de usos e à verticalização do bairro.

Figura 23: Imagem de satélite Google Earth, de 2011. ► Vale lembrar que o conjunto urbano da City Lapa foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico de São Paulo (CONPRESP) em março de 2009. A partir de então, ficou proibida a alteração do sistema viário, a supressão de áreas verdes e a verticalização. Tal processo será analisado no capítulo destinado à postura dos órgãos patrimoniais, a seguir. 23

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02 preservação e planejamento A partir do exame das transformações e dos processos de consolidação decorridos no bairro, é notória a presença marcante de agentes e/ou iniciativas que foram (ou ainda são) responsáveis pela produção e pela regulação do espaço urbano naquela região. Diversos mecanismos e parâmetros urbanísticos podem ser usados a favor da preservação e da manutenção de um bairro cuja paisagem se mostre de interesse para a salvaguarda enquanto bem patrimonial. Assim, o estudo e análise dessas normativas são de extrema relevância para determinar a dinâmica da área de estudo. Dentre elas, destacam-se o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e o Plano Regional Estratégico da Lapa, a Operação Urbana Lapa-Brás e a própria produção do mercado imobiliário. Cada uma dessas propostas delineia diretrizes projetuais, estratégias e parâmetros distintos, que precisam ser analisados em função de suas reais intenções. Partindo de um breve estudo acerca das proposições em relação à paisagem urbana pretendida em cada uma dessas iniciativas, através de tendências volumétricas e espaciais, proporções de espaços livres públicos e privados, etc; temos um posicionamento mais claro frente ao conjunto de propostas que influenciam em

grande parte as formas e os métodos de reestruturação da cidade. De certa maneira, todas essas iniciativas trabalham em conjunto: enquanto diversas regiões do bairro foram enquadradas como área de Operação Urbana – regulamentadas pelo próprio Plano Diretor Estratégico de 2004, e somadas aos incentivos fiscais de adensamento, intensifica-se o interesse do mercado imobiliário em atuar nestas áreas. Em contrapartida às ações acima citadas, surgiram nas últimas décadas diversos movimentos populares contra a chamada “verticalização predatória” que tem mudado drasticamente a paisagem do bairro. Foi neste mesmo contexto que grandes áreas urbanas foram tombadas pelos órgãos de preservação, também em decorrência da iniciativa de movimentos de amigos e moradores de bairro, começando pelos Jardins (em 1986), que se destacou como uma experiência pioneira na discussão da preservação na escala urbana. Assim, no campo institucional brasileiro, quando se leva em consideração a posição adotada pelos órgãos de preservação, o alargamento da noção de patrimônio cultural é demonstrado de forma marcante a partir da década de 1970, quando as ações 47


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relacionadas à preservação deixam de se restringir aos centros históricos e edifícios isolados e passam a considerar a perspectiva urbana, diretamente ligada às mudanças da cidade contemporânea24. Com o reconhecimento da relação da preservação com a cidade enquanto uma questão urbana, a percepção do patrimônio urbano se insere como uma inflexão do debate patrimonial: ocorre um entendimento de que a legislação patrimonial se torna mais eficiente se incorporada às leis de uso e parcelamento do solo urbano – essa prática, segundo Cervellati, corresponde à terceira fase do reconhecimento do patrimônio25, da cidade contemporânea, quando a conservação urbanística aparece como forma de preservar a qualidade de vida urbana. A Declaração e o Manifesto de Amsterdã26, datados de 1975, são referenciais quando se discute essa mudança de perspectiva da preservação. Partindo da intenção de conjugar as iniciati-

vas do planejamento territorial e urbano com as de preservação, é realizado, ainda na década de 1970, um inventário de bens de interesse arquitetônico realizado pelos arquitetos Carlos Lemos e Benedito Lima de Toledo, resultando numa nova definição no zoneamento: surgem as zonas Z8-200. Assim, permitia-se ao município definir áreas e conjuntos urbanos como bens culturais de valor histórico e artístico para a cidade, já com a intenção de preservá-los enquanto parte da memória de sua evolução. O mapa de zoneamento de 1972 já insinua a presença das Z8, cuja definição seria ainda estudada e aprimorada. Até então, eram definidas como zonas especiais em que o governo municipal avaliaria projetos de reconstrução ou renovação, podendo estes ser destinados para recreação e lazer. No mapa disponibilizado no jornal Folha de São Paulo quando da divulgação do zoneamento (Figura 24), é perceptível que grande parte do bairro da Lapa

Durante a década de 1970, são realizados o Programa de Preservação e Revitalização do Patrimônio Ambiental Urbano, desenvolvido pela Secretaria de Estado e Economia e Planejamento (SEP), o Inventário dos Bens Arquitetônicos de Interesse Cultural e Ambiental, realizado pela Coordenadoria Geral de Planejamento (COGEP) e o debate intitulado Patrimônio Ambiental Urbano, promovido pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A (Emplasa). 25 Esta divisão de fases é atribuída a Pier Luigi Cervellati, arquiteto italiano e um dos responsáveis pela revitalização do centro histórico de Bolonha entre os anos de 1960 e 1970. O primeiro e o segundo estágio das práticas de preservação são, respectivamente: a monumentalista, que considerava como patrimônio o edifício isolado que se sobressaísse ou fosse emblemático; e a centro historicista, em que o centro histórico se constituía como grande monumento (PRATA, 2013: 34). 26 É importante considerar que as cartas patrimoniais são um conjunto complexo de documentos elaborados em congressos produzidos por organismos internacionais, locais de intensa disputa de poder, acordos e discussões, com o intuito de estabelecer critérios e/ou diretrizes referentes à tutela do patrimônio cultural. Reconhecida essa problemática, é notável a situação emergencial naquele momento de tratar a questão urbana no âmbito patrimonial: nos anos 1970 e 1971, nos encontros de Brasília e Salvador, respectivamente, é discutida a importância de envolver as ações do planejamento urbano na política de preservação, sendo incentivada a criação de órgãos de tutela estaduais e municipais. 48 24


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

apresenta demarcação de Z1 (em amarelo, corresponde ao uso estritamente residencial, de densidade demográfica baixa), principalmente na área ocupada pelos bairros planejados pela Cia City, como é o caso da chamada “City Lapa”. Na área mais central do bairro é demarcada a única Z4 a oeste do centro da cidade, (em vermelho; corresponde ao uso misto, de densidade demográfica média alta) o que demonstra o caráter de centralidade deste trecho, nas proximidades de ruas comerciais, como a 12 de Outubro e adjacências. Já, em alguns trechos da Vila Romana, da Vila Ipojuca e da Lapa de Baixo, são demarcadas

algumas Z3 (em azul, corresponde ao uso predominantemente residencial, de densidade demográfica média), podendo caracterizar centralidades de menor abrangência. Já, envolvendo toda a área acima da Lapa de Baixo, a norte da estrada de ferro, são designadas as Z6 (em roxo, corresponde ao uso predominantemente industrial), onde se instalaram diversas fábricas e galpões, sobretudo a partir da década de 1960, devido em grande parte à canalização do trecho do rio Tietê naquela região, possibilitando a demarcação de novos lotes, de maiores dimensões, para abrigar novas estruturas de uso industrial.

Figura 24: Mapa de zoneamento da cidade de São Paulo de 1972. Elaboração própria sobre imagem. Fonte: Folha de São Paulo, Edição Especial de novembro de 1972. ► 49


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Assim, na Lei de Zoneamento de 1975, as Z8 são divididas em diversas categorias, apresentando uma definição mais clara de seu enquadramento no tecido urbano. A categoria Z8-200 passou a englobar áreas e conjuntos urbanos de caráter histórico ou de excepcional valor artístico, cultural ou paisagístico, destinados à preservação, conforme descrito no texto da legislação vigente à época. Já, na Lei de Zoneamento de 1984, a própria categoria Z8-200 é subdivida de acordo com os níveis de preservação dos bens de interesse: “I – Nível de preservação 1 (P1): para edifícios cuja arquitetura deva ser preservada, tanto externa quanto internamente, sendo admitidos:

a) Reparos externos, sem modificação da forma, vãos, estrutura e material utilizado, relativos a: 1. consertos em pisos, paredes, muros, forros e revestimentos; 2. consertos em esquadrias, escadas e gradis; 3. reposição de telhas e elementos de suporte da cobertura, avariados ou deteriorados; 4. consertos em instalações hidráulicas, elétricas, de gás, de telefonia, de preservação e combate a incêndios, de climatização e rede de lógica. b) Modificações internas, desde que respei50

tadas as características e os elementos arquitetônicos que motivaram o enquadramento do imóvel na Zona de Uso Especial Z8-200 e sua classificação neste nível de preservação; II – Nível de preservação 2 (P2): para edifícios cuja arquitetura externa deva ser preservada, admitidos os reparos externos relacionados no item I-a, podendo ser objeto de reformas internas compatíveis com a preservação externa; III – Nível de preservação 3 (P3): para imóveis que são objetos de restrições especiais quanto a gabarito de altura e recuos, quando necessárias à preservação da volumetria dos conjuntos arquitetônicos classificados como P1 ou P2. Parágrafo único: As modificações internas dos imóveis de Nível de Preservação 1 (P1) serão analisadas, caso a caso, pela Secretaria Municipal de Planejamento – SEMPLA e só serão admitidas se as diretrizes não implicarem alteração dos elementos arquitetônicos que motivaram sua proteção como Zona de Uso Especial Z8-200.” Fonte: camaramunicipalsp.gov.sp.br Com relação ao nível de preservação P3, observa-se um ligeiro avanço em relação à leitura


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

dos conjuntos urbanos enquanto bens de relevante interesse para preservação, cujo reconhecimento está diretamente associado às relações volumétricas, gabaritos de altura e recuos, capazes de compor uma paisagem urbana diferenciada. No entanto, tal reconhecimento de proporções e composições ocorre somente naqueles conjuntos previamente classificados nos níveis de preservação P1 e P2, sendo necessariamente imposta a preservação das características arquitetônicas externas dos edifícios. Com a elaboração do Plano Diretor de São Paulo em 2004, são extinguidas as Z8-200 e suas áreas ficaram sob regulamentação das ZEPECs (Zonas Especiais de Interesse Cultural). As ZEPECs foram criadas com o intuito de unificar todos os imóveis, áreas e conjuntos urbanos da cidade protegidos pelos órgãos de preservação do patrimônio e também aqueles classificados como Z8-200 pelo zoneamento anterior. Pode-se considerar, portanto, a instituição das ZEPECs enquanto uma tentativa do poder público de concentrar os imóveis tombados e também aqueles em processo de tombamento sob uma legislação única. Dessa maneira, as edificações particulares enquadradas como ZEPEC poderiam transferir seu potencial construtivo, excetuando-se aquelas localizadas em bairros tombados. A partir daí, estas zonas especiais são classificadas em subgrupos que guiam suas diretrizes de intervenção:

“I. Bens Imóveis Representativos (BIR) – imóveis ou conjuntos de imóveis de caráter histórico ou de excepcional valor artístico, cultural ou paisagístico, inclusive os que tenham valor referencial para a comunidade; II. Áreas de Urbanização Especial (AUE) – Conjuntos urbanos com características homogêneas de traçado viário, vegetação e índices urbanísticos, que constituem formas de urbanização de determinada época, que devem ser preservados por suas qualidades ambientais;

III. Áreas de Proteção Paisagística (APP) – sítios e logradouros com características ambientais, naturais ou antrópicas, tais como: parques, jardins, praças, monumentos, viadutos, pontes, passarelas e formações naturais significativas, entre outras. (...) Art. 117. Os usos permitidos em imóvel enquadrado como ZEPEC são aqueles permitidos na zona de uso ou categoria de via em que se situa o imóvel desde que compatíveis com as normas estabelecidas na resolução de tombamento, quando houver.” Fonte: Lei 13.885 de 2004, PDE 51


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

A partir daí, já se veem incluídos os conjuntos urbanos de relevante interesse para preservação enquanto uma classificação à parte do bem arquitetônico isolado, sendo claramente consideradas as características urbanas que o constituem. Outras questões abordadas pelo Plano Diretor de 2004 (e que ainda se fazem presentes no Plano Diretor de 2014) são questionadas por diversos autores – é o caso da mudança de coeficientes de aproveitamento de acordo com o enquadramento da região em uma das Macroáreas definidas pelo próprio plano. Toda a orla ferroviária metropolitana, a área central da cidade e os grandes corredores viários com oferta de transporte coletivo foram enquadrados na Macroárea de Reestruturação e Requalificação (Figura 25), cujo principal objetivo é o adensamento através de mudanças no uso do solo, segundo parâmetros urbanísticos especificados nos Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras. Para Cândido Campos Malta Filho27, a mudança do coeficiente de aproveitamento destas áreas é inaceitável, uma vez que, quando da elaboração destes planos, não foi realizado qualquer cálculo ou estudo de capacidade de suporte, de densidades locais e de impactos ambientais para tal adensamento – inclusive em escala metropolitana, o que se apresenta como uma medida problemática. Além disso,

a ausência de inventários e análises técnicas transparece a falta de um critério previamente estabelecido para tais alterações nos parâmetros urbanísticos, favorecendo segmentos econômicos interessados no adensamento rápido destas áreas, resultando num grande movimento especulativo. Deve ser questionado, ademais, qual é o tipo de substituição de usos que está sendo proposto e incentivado pelos próprios Plano Diretor e Plano Regional Estratégico, uma vez que estes processos tem causado danos irreversíveis ao patrimônio dos bairros localizados na orla ferroviária metropolitana, como o Brás, a Mooca e a Lapa. Os principais objetivos contidos no Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Lapa, elaborado em 2004 e que abrange diversos bairros adjacentes à própria Lapa, conforme disposto no texto do primeiro capítulo da própria legislação, são: regulamentação das áreas destinadas às Operações Urbanas Consorciadas e disciplina do uso e ocupação do solo. Neste contexto, é válido lembrar que são muitas as críticas que envolvem as Operações Urbanas, tendo em vista o incentivo econômico que elas encampam, geralmente produzindo áreas de valorização e, consequentemente, novos conflitos (PÁDUA, 2011: 138). Isto porque, através da compra de CEPACs (Certificados de Potencial Adicional de Construção) por par-

Em depoimento feito durante o evento “Semana do Patrimônio”, realizado pelo Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo no dia 18 de dezembro de 2014. 52 27


Figura 25: Mapa do município de São Paulo com definição das Macroáreas definidas pelo Plano Diretor de 2004. Em vermelho, macroárea de Reestruturação e Requalificação. Fonte: PMSP. ► 53


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

te de empreendedores privados que pretendessem investir na área alvo da intervenção, seriam gerados recursos para serem aplicados na execução de obras estruturais e locais, de modo a adequar a infraestrutura ao adensamento previsto na Operação Urbana. Assim, estes instrumentos de intervenção criariam “exceções” à lei em troca do custeio de obras de estruturação, qualificação e melhorias das áreas definidas como território de atuação. A Operação Urbana Consorciada, enquanto instrumento de intervenção de cooperação entre o Poder Público e o setor privado, sob esse ponto de vista, dependeria do interesse do mercado nas áreas de ação, denotando um valor de “mercadoria” do espaço urbano, inserido nos mecanismos de crescimento econômico da cidade. Entretanto, enquanto estratégia de regulação das atividades do mercado por parte do Estado e condução de seus interesses à requalificação de determinados setores da cidade em processo de transformação, as Operações Urbanas se apresentam como uma possibilidade efetiva de implementação de melhorias urbanas e ganhos sociais a partir da indução do mercado, desde que acompanhem um estudo efetivo das particularidades e dinâmicas de cada uma de suas áreas de intervenção. No caso do bairro da Lapa, é proposta a

Operação Urbana Consorciada Lapa-Brás, que, juntamente às Operações Urbanas Diagonal Norte, Diagonal Sul e Centro, faz parte de um grande conjunto de intervenções a serem realizadas ao longo de toda a orla ferroviária da cidade. O texto presente no Termo de Referência da OUC Lapa-Brás28 apresenta a operação enquanto uma tentativa de melhoria da mobilidade urbana das regiões que são atravessadas pela “cicatriz ferroviária”, resultando no isolamento e na segregação de diversos bairros. Assim, planeja-se o enterramento dos trilhos das linhas ferroviárias 7 e 8 da CPTM (respectivamente, linha Rubi Luz - Jundiaí e linha Diamante Júlio Prestes – Amador Bueno) e a criação de uma nova avenida que percorreria todo o trecho enterrado entre os bairros da Lapa e do Brás, com destino ao ABC Paulista (Figura 26).

Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/trouc_lapa-bras_-_versao_consulta_publica_1289322011.pdf> 54 28

Figura 26: Imagem de divulgação do projeto de enterramento dos trilhos e construção de nova avenida da Operação Urbana Consorciada LapaBrás. Fonte: CPTM. ◄


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Além disso, propõe-se o adensamento da região a partir da ocupação de terrenos vazios e subutilizados e, também, de áreas já urbanizadas, com novos padrões fundados no aumento da densidade populacional; de acordo com a infraestrutura prevista. Seriam definidos, também, novos parâmetros urbanísticos, como altura das edificações, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, recuos e volumetria. Contudo, não é esclarecido no Termo de Referência de quê forma este adensamento poderia ser feito, deixado margem a diversas interpretações. Outra proposta contida no Termo de Referência da OUC Lapa-Brás, no trecho referente ao “Subperímetro Lapa”, diz respeito à denominada “re-ocupação” da Lapa de Baixo, de forma a consolidá-la

como polo regional. Justifica-se que a região garante fácil acesso às rodovias Anhanguera e Bandeirantes, tendo assim potencial para estruturar-se enquanto uma porta de chegada à porção oeste da cidade. Mais uma vez, não é esclarecida a forma pela qual essa intenção poderia ser realizada; contudo, nas ilustrações do Plano de Expansão divulgado pela CPTM, com o projeto da nova estação intermodal da Lapa, é possível obter uma rápida noção do que se pretende para a área (Figura 27). Nas ilustrações disponibilizadas, torna-se bastante evidente a proposta de re-ocupação da Lapa de Baixo: primeiramente, dois quarteirões são inteiramente reloteados, abrigando grandes edifícios de altura discrepante ao restante do tecido urbano. Ao mesmo tempo, no projeto da nova esta-

Figura 27: À esquerda, a situação atual do entorno das estações da Lapa. À esquerda da linha férrea, a chamada “Lapa de Baixo”. À direita, proposta da nova estação intermodal da Lapa e projetos de novas torres e edifícios no entorno. Fonte: CPTM. ► 55


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

ção intermodal, aparecem duas torres, que destacam-se completamente na paisagem urbana presente no bairro. O quarteirão adjacente ao Mercado Municipal da Lapa também apresenta mudanças consideráveis, passando a integrar uma praça, conforme é apresen-

tado numa das ilustrações do projeto (Figura 28). É válido ressaltar que as imagens apresentam projetos diferentes, indicando soluções diversas para uma mesma intenção de intervenção no bairro – enquanto os desenhos perspectivados priorizam a cria-

Figura 28: Imagem de divulgação do projeto da Operação Urbana Consorciada Lapa-Brás. Fonte: CPTM. ◄

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

ção da nova avenida sobre os trilhos enterrados da ferrovia, criando novas áreas verdes e grandes áreas de convivência, a montagem sobre foto “Lapa Unificada” prioriza o projeto da nova estação intermodal, assim como a possibilidade de novas ocupações em seu entorno. É curioso observar, inclusive, que na perspectiva divulgada pela CPTM a linha férrea mantém-se no nível da rua e é criado um túnel sob ela, ligando a Lapa de Baixo à porção mais central do bairro. No Termo de Referência da Operação Urbana, por outro lado, o enterramento dos trilhos é um dos principais objetivos do projeto, sendo esta uma diretriz que deve ser problematizada dentro do contexto em que se insere. Enterrar linhas férreas a fim de otimizar o transporte de massas requer estudos e cuidado, principalmente quando se considera a importância desta mesma ferrovia para a compreensão histórica da cidade. Entretanto, no texto do Termo de Referência, a justificativa para tal diretriz diz respeito à divisão física que a faixa ferroviária gera, resultando em “quadras de grandes dimensões, sistema de circulação descontínuo, áreas subutilizadas, drenagem deficiente, densidades demográficas baixas” (SÃO PAULO, 2010:3). Todavia, além do enterramento, o projeto prevê a criação da grande avenida de interligação entre a Lapa

e o Brás que, efetivamente, também pode se mostrar como uma barreira urbana. Além de extremamente custosa29, a solução parece ainda pouco eficaz, tendo em vista que existem outras maneiras de promover a transposição da linha férrea e diversas possibilidades de resolver os problemas referentes ao sistema de circulação, subutilização e parcelamento de quadras e melhoramentos no sistema de drenagem pluvial. No que diz respeito às edificações pré-existentes do bairro e às estruturas urbanas de relevante interesse para preservação, o Termo de Referência dispõe enquanto proposta: “o resgate da identidade do Largo da Lapa como espaço público ligado às origens do bairro. A volumetria e a forma de implantação das novas edificações nas suas proximidades deverá valorizar a horizontalidade e os alinhamentos das antigas edificações ainda existentes” (SÃO PAULO, 2010: 35). Essa mesma preocupação com a paisagem urbana aparece em outra parte do texto, já na seção referente às diretrizes gerais: é ressaltada a intenção de preservar a qualidade do bairro, relacionando-a às volumetrias das edificações ali existentes e à relação entre cheios e vazios, que proporciona diversas percepções da paisagem natural. Dessa maneira, seriam delineadas áreas a serem mantidas e recuperadas e

“Especialistas estimam que o valor mais baixo para o enterramento de 12 quilômetros da linha férrea da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), entre as Estações Lapa e Brás, chega a R$ 960 milhões. Dependendo do método e modo de construção, os custos quintuplicam: R$ 4,8 bilhões.” Disponível em: <http://www.revistaferroviaria.com.br/index.asp?InCdEditoria=2&InCdMateria=10400> 57 29


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

também áreas passíveis de verticalização – sendo esta a alternativa de adensamento. Contudo, nos produtos gráficos obtidos, ocorre o inverso: há a completa renovação de diversas quadras lindeiras à estrada de ferro, muitas delas contendo exemplares arquitetônicos de extrema relevância para a apreensão do bairro em sua história e conformação. Ainda que seja abordada, diversas vezes, a necessidade de estudos e diagnósticos mais específicos e aprofundados acerca dos projetos a serem implementados em cada uma das áreas da Operação Urbana, percebemos que há uma falta de congruência entre as propostas apresentadas em texto e em produto gráfico. A proposta principal, de adensamento incentivado, mostra uma permissividade aos setores privados para a ocupação de áreas residenciais tradicionais, ainda remanescentes na região da Lapa, principalmente na Lapa de Baixo, que gradativamente vão dando lugar a grandes condomínios residenciais de classe média-alta. Há, na realidade, uma neutralização de conflitos no texto elaborado para a Operação Urbana Consorciada Lapa-Brás – e, uma vez que não foi implementada, a conduta da política urbana pauta-se,

simplesmente, na agilização das práticas do mercado imobiliário, o que estimula a verticalização mediante venda de potencial adicional do direito de construir para os empreendimentos imobiliários. Não há, todavia, a aplicação dos recursos obtidos30, posto que não há projeto urbano implementado. Em relação aos demais objetivos dispostos no Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Lapa de 2004, relativos à disciplina do uso e ocupação do solo, são percebidas algumas incoerências com o que é previsto pelo PRE e com o que de fato ocorre. De maneira geral, todo o perímetro da subprefeitura da Lapa está inserido na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, na macroárea de Urbanização Consolidada, que prevê: a transformação de antigas áreas industriais subutilizadas em zonas mistas, além da manutenção e permanência de indústrias existentes; a proteção do caráter residencial dos chamados “bairros jardins”; a permissão, nas zonas mistas, onde não há controle máximo de gabarito das edificações, direito adicional de construção mediante outorga onerosa, até o coeficiente de aproveitamento máximo 2,531; e a revitalização do centro da Lapa por

Segundo consta no Plano Diretor de 2004, todas as edificações inseridas na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, que é o caso todo o perímetro da Subprefeitura da Lapa, podem ter aplicação regular de outorga onerosa de potencial construtivo adicional (excetuando-se as ZEPECs). Assim, é permitido o aumento do coeficiente de aproveitamento mediante contrapartida financeira. No caso da Operação Urbana, a aplicação destes recursos deve ser feita nas proximidades do empreendimento, diferentemente do que ocorre no Plano Diretor, onde não necessariamente há retorno para o mesmo bairro. 31 Diferentemente do que é previsto no Termo de Referência da Operação Urbana Consorciada Lapa-Brás, que prevê Coeficiente de Aprovei58 30


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

meio de novos instrumentos (tal como a implantação de espaços públicos de lazer e convívio de moradores e usuários da região). Dentre as diretrizes apresentadas, a mudança do uso do solo industrial para misto foi fundamental para a implantação de condomínios residenciais, fazendo com que a Lapa se tornasse o bairro que mais recebeu lançamentos imobiliários entre os anos de 2007 a 2014 (Figura 29). Entretanto, ao invés de trazer a diversificação do solo urbano, conforme era previsto, acabou por conformar a mesma situação de “barreira” antes causada pelos próprios edifícios fabris, uma vez que os novos empreendimentos acabam por ocupar todo o lote industrial e construir altos muros, isolando-os do nível da rua. É clara a intenção de adensamento de algumas áreas, em contrapartida à proteção de outras, a fim de que se preserve a qualidade ambiental dos bairros de classes mais elevadas, como é o caso dos chamados “bairros jardins”, enquanto os demais recebem o adensamento sem qualquer critério, além da implantação de zonas mistas sem justificativas claras. Figura 29: Gráficos Demolições na Cidade e Apartamentos Lançados. Fonte: Folha de São Paulo Online, reportagem de 20 de julho de 2014. ► tamento máximo 4,0 59


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Na seção “Do Plano Urbanístico Ambiental” são listadas diversas diretrizes e propostas que visam à preservação e à fruição dos espaços livres públicos, através da implantação de parques lineares, recuperação de áreas degradadas, entre outros. Assim, no mapa referente à rede hídrica ambiental proposta, disponibilizada no próprio PRE (Figura 30), é perceptível a preocupação em garantir a permeabilidade aliada à qualidade ambiental de algumas das áreas do bairro, que aparecem hachuradas nas cores azul e verde. Entretanto, nota-se que estas ações estão concentradas na área a sul da linha férrea – enquanto que os remanescentes das várzeas do Tietê, que ainda sofrem com inundações e baixa qualidade de drenagem na rede hídrica, não fazem parte de qualquer proposta de solução. Assim, mais uma vez, as regiões que tem recebido mais valorização do solo urbano continuam recebendo ações de melhorias, enquanto as áreas menos valorizadas, inclusive aquelas destinadas às ZEIS, continuam sem receber esse tipo de obra, arcando com as consequências da falta de infraestrutura. Ainda que fosse realizado o adensamento pretendido na Operação Urbana, a região continuaria a enfrentar esses problemas – e possivelmente de forma ainda mais intensa. Em relação ao zoneamento, o PRE da Lapa estabelece divisões nas seguintes categorias de uso: residencial, centralidade linear, industrial, misto e es60

pecial. Destas últimas, são especificados três tipos: ambiental (ZEPAM), cultural (ZEPEC) e social (ZEIS). As ZEPAMS destinam-se à proteção de ocorrências ambientais isoladas, como remanescentes de vegetação significativa, paisagens naturais notáveis, áreas de reflorestamento, áreas de risco e de recuperação. No Plano, são determinados mecanismos para requalificar estes espaços, além de programas de educação ambiental, de coleta seletiva e de tratamento de resíduos. As ZEPECs, por sua vez, são unidades urbanísticas que abrangem áreas de edifícios tombados e suas respectivas áreas envoltórias, além das antigas zonas Z8-200, conforme visto anteriormente. São incluídas nesta categoria também as áreas em processo de tombamento e as unidades indicadas pela população nas reuniões promovidas pela Subprefeitura da Lapa até 2004 (cujo estudo de tombamento foi realizado posteriormente pelos órgãos de preservação). Nota-se que a ação das ZEPECs ainda se limitou a edifícios isolados e a algumas áreas urbanas privilegiadas, como é o caso dos “bairros jardins”. Por fim, as ZEIS são destinadas à recuperação urbanística, regularização fundiária, produção de habitação de interesse social, recuperação de imóveis degradados e provisão de equipamentos sociais e culturais (segundo o texto do próprio PRE). Numa visão geral, observa-se uma maior implantação e efetivação da proposta de ZEIS em bairros periféricos, desfavorecendo a democrati-


PATRIMテ年IO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Figura 30: Mapa Rede Estrutural Hテュdrica Ambiental do PRE da Subprefeitura da Lapa. Fonte: PMSP. 笆コ

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Figura 31: Mapa de zoneamento da Subprefeitura da Lapa. Fonte: PMSP. ◄

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zação do solo urbano, concentrando, nas áreas mais centrais e com maior porte de infraestrutura, a ocupação de famílias de renda mais elevada. No mapa de zoneamento fornecido pela Subprefeitura (Figura 31), são destacadas áreas de ZEIS em ruas de acesso às marginais Tietê e Pinheiros, onde o alcance aos equipamentos e estruturas urbanas é dificultado – além das grandes distâncias que o morador teria de percorrer para poder ser atendido, dado que os edifícios que oferecem serviços básicos para cidadãos, como educação, saúde e cultura, em grande parte encontram-se instalados nas áreas mais centrais dos bairros, a oferta de transporte público nestas ruas de acesso às marginais é extremamente escassa e deficiente. A partir do Plano Diretor de 2004 passa totalmente aos órgãos patrimoniais a responsabilidade de selecionar, estudar e classificar os bens antes enquadrados como ZEPEC. Para muitos autores, no entanto, a prerrogativa do tombamento enquanto

instrumento para a manutenção e preservação dessas áreas não parece um método efetivo: “A iniciativa das ZEPECs talvez fosse melhor aproveitada se o zoneamento não dependesse do tombamento para determinar uma área de preservação cultural, possuindo suas próprias diretrizes de ocupação para essas áreas” (CHIURATTO, 2010: 29). Coube ao Conpresp abrir processo de tombamento, a fim de vistoriar e analisar os bens enquadrados como ZEPEC, juntamente àqueles indicados pela população quando da elaboração do Plano Regional Estratégico – que também foram classificados como ZEPEC no zoneamento, para, por fim, decidir sobre seu tombamento ou não. Foram listadas, ao todo, 50 edificações a serem preservadas em toda a Subprefeitura da Lapa – e, ao fim, apenas 20 delas receberam efetivamente algum instrumento garantindo sua preservação. Em relação aos imóveis situados no perímetro da área de estudo, são listados:

Edificação Antiga Metalúrgica Martins Ferreira

Endereço Avenida William Speers, 1180

Indicação População - PRE

Tombamento Sim - resolução 05/09

Antiga Vidraria Santa Marina Casa à Rua Antônio Fidélis Casa à Rua Emílio Goeldi

Avenida Santa Marina, 405 Rua Antônio Fidélis, 55 Rua Emílio Goeldi, 182

População - PRE População - PRE População - PRE

Sim - resolução 05/09 Não Não - demolida

Casa à Rua Engenheiro Fox

Rua Engenheiro Fox, 392

População - PRE

Não 63


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Edificação Casa à Rua Guaicurus Casa Sede da Corporação Operária Musical da Lapa Casarão à Rua Engenheiro Fox Casarão e comércio Casario à Rua Coriolano e Caio Graco Colégio Guilherme Kuhlmann EE Pereira Barreto EEPSG Colégio Anhanguera Espaço Cultural Aúthos Pagano Estação Ciência Fábrica Companhia Melhoramentos Galpão Industrial à Rua Caio Graco Galpão Industrial à Rua Fáustolo Galpão Industrial à Rua Félix Guilhem Galpão Industrial à Rua Félix Guilhem 64

Endereço Rua Guaicurus, 634 Rua Joaquim Machado, 99

Indicação População - PRE População - PRE

Tombamento Não Sim - resolução 05/09

Largo da Lapa, 178

População - PRE

Não

Rua Guaicurus, 755 Rua Coriolano, 866, 874, 876, 884, 886 e Rua Caio Graco, 345 e 349 Largo da Lapa, 124

População - PRE População - PRE

Não Não

População - PRE

Sim - resolução 05/09

Rua Nossa Senhora da Lapa, 615 Rua Antônio Raposo, 87 Rua Tomé de Souza, 997

População - PRE População - PRE ZEPEC

Sim - resolução 05/09 Sim - resolução 05/09 Não

Rua Guaicurus, 1270 Rua Tito. 479 e Rua Vespasiano, 182 Rua Caio Graco, 111

ZEPEC População - PRE População - PRE

Sim - resolução 05/09 Parcial - resolução 05/09 Não - demolido

Rua Fáustolo, 512

População - PRE

Não - demolido

Rua Félix Guilhem, 900

População - PRE

Não

Rua Félix Guilhem, 940

População - PRE

Não


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Edificação Galpão Industrial da Antiga Fábrica de Tecidos e Bordados da Lapa Igreja Nossa Senhora da Lapa Igreja São João Maria Vianney Mercado Municipal da Lapa Oficinas da Antiga São Paulo Railway

Endereço Rua Engenheiro Fox, 474-B

Indicação População - PRE

Tombamento Não - demolido

Rua Nossa Senhora da Lapa, 296

População - PRE

Sim - resolução 05/09

Praça Cornélia

População - PRE

Sim - resolução 05/09

Praça Malvin Jones Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, s/n

População - PRE CONDEPHAAT

Quartel do Exército Batalhão de Suprimentos SESC Pompéia Sobrados à Rua Coriolano Sobrados à Rua Fáustolo Sobrados à Rua Guaicurus Sociedade Beneficente União Fraterna Tendal da Lapa

Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, 147 Rua Clélia, 93 Rua Coriolano, 833 e 839 Rua Fáustolo, 623, 637, 667 Rua Guaicurus, 577 e 579 Rua Guaicurus, 1 a 59

População - PRE

Sim - resolução 05/09 Abertura de estudo sessão ordinária 1712, 07/2013) Não

População - PRE População - PRE População - PRE População - PRE Conpresp

Sim - resolução 05/09 Não - demolidos Não - demolidos Não Sim - resolução 06/94

Rua Guaicurus, 1016

Conpresp

Sim - resolução 10/07

Na resolução 05/2009 do Conpresp são justificadas cada uma das escolhas para tombamento de acordo com o respectivo edifício, assim como o nível de preservação a ele atribuído. Nas considerações gerais da resolução, a relevância da paisagem fabril da Lapa é listada enquanto elemento relevante para

a compreensão da história e da identidade do bairro, sendo assim necessária sua preservação. É relevante a grande presença de edifícios indicados pela população para serem preservados, em contrapartida àqueles que já possuíam um estudo preliminar elaborado pelos órgãos de preservação – tal fato nos evidencia 65


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

o reconhecimento das atribuições estéticas, históricas e memoriais que a própria população atribui ao patrimônio arquitetônico e urbano do bairro, incluindo, em grande parte, edifícios relacionados a atividades cotidianas, como casas, comércios, escolas e galpões de trabalho. Contudo, quando se analisa as escolhas do próprio órgão de preservação, nota-se um contraste: são aprovadas para tombamento somente as edificações de grande porte, como igrejas, escolas e grandes fábricas. Tal postura gera alguns questionamentos: se, de fato, a arquitetura cotidiana e de menor escala não possui, dentro da leitura dos órgãos de preservação, alguma relevância para ser preservada; ou se o tombamento é o instrumento adequado para ser aplicado sobre ela – discussão essa que será abordada mais à frente. Alguns dos bens excluídos do tombamento por não apresentarem valores significativos para sua preservação, segundo alega a resolução, encontram-se atualmente demolidos e substituídos por novas edificações. De toda forma, o posicionamento adotado pelo Conpresp, ao selecionar bens indicados pela sociedade civil, demonstra uma ampliação no debate patrimonial, com compartilhamento social cada vez maior e uma democratização efetiva das escolhas relacionadas à preservação das cidades. Em relações aos instrumentos garantidos pelos órgãos de preservação com o intuito de salvaguardar o patrimônio urbano das cidades, podem ser 66

utilizados, nesta escala, o tombamento ambiental e a área envoltória do bem tombado. O primeiro designa a proteção de imóveis, áreas ou bairros pelo valor ambiental e incide, geralmente, sobre características urbanísticas e áreas verdes, não implicando na preservação das edificações existentes, excetuando-se aquelas já tombadas. A segunda se define enquanto mecanismo de menor uso na escala urbana, dirigindo-se ao entorno do bem tombado e sujeita a restrições de ocupação e intervenção, determinadas caso a caso. No caso das aprovações realizadas pelo Conpresp, conforme consta na resolução 05/2009, em apenas um dos casos as edificações do entorno do bem tombado recebe níveis de proteção para garantir a visibilidade e a apreensão do edifício. A Igreja São João Maria Vianney é tombada como conjunto, incluindo a praça à frente da edificação (Praça Cornélia) e os sobrados geminados lindeiros a ela (Figura 32). No entanto, nos lotes ao redor da praça, o tratamento da paisagem urbana é outro: as antigas casas que a circundavam (Figura 33) foram gradativamente dando lugar a novos edifícios, principalmente na última década. É interessante o fato de que, na própria propaganda divulgada pelas incorporadoras imobiliárias, a Praça Cornélia é apresentada como elemento agregador de valor (Figura 34), mas, ao mesmo tempo em que a “vista” da praça oferecida para os apartamentos


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Figura 32: Igreja São João Maria Vianney e o conjunto de casas lindeiro à igreja, classificado como área envoltória. ►

Figura 33: Vista da Praça Cornélia e do conjunto de edificações à Rua Clélia, em 1939. Acervo: Casa da Imagem. ►

Figura 34: Propaganda do edifício “Vista Praça – Vila Romana”, ao lado da Praça Cornélia. Divulgação impressa. ► 67


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do novo edifício é um ponto positivo, o badalar do sino da igreja causa incômodo a estes mesmos novos moradores32. Neste mesmo contexto, notam-se, nos canteiros da praça, placas alegando que a manutenção daquele espaço é de responsabilidade da mesma construtora deste novo edifício, sinalizando algum tipo de contrapartida oferecida em troca da verticalização excessiva do novo empreendimento. Questiona-se, assim, a validade deste tipo de instrumento, uma vez que, mesmo com a tentativa de se preservar a percepção do conjunto formado pela igreja, casario e praça, é permitida a verticalização sem critérios do entorno imediato. Podemos concluir, dessa maneira, que os esforços de integração entre zoneamento e preservação são recentes e demandam ajustes e estudos para que incidam em ações e instrumentos eficientes. Existem, ainda assim, mecanismos que, se aplicados de maneira criteriosa, podem garantir um crescimento ordenado do bairro, sem necessidade de substituição maciça de casas e sobrados por edifícios. Além disso, a discussão acerca do quê deve ser protegido deve ser mais ampla, dando espaço para novos reconhecimentos e novas formas de preservação. Seria ideal se

as ZEPECs tivessem maior liberdade de atuação enquanto instrumentos da lei de zoneamento em escala maior, com diretrizes e parâmetros urbanísticos simples, como recuos, gabaritos e remembramento de lotes. Assim, em conjunto com o crivo dos órgãos de preservação e com a consulta da população, através de Planos de Bairro, por exemplo, poderia ser revista a necessidade de tombamento e poderiam ser preservadas as características e paisagens que compõem bairros da cidade em suas particularidades e especificidades, correspondendo a sua devida importância na conformação da metrópole – sem a necessidade de “congelar” os imóveis, critica muitas vezes ligada ao ato do tombamento. Assim, observa-se que, muitas vezes, a discussão caminha no sentido de favorecer grandes empresas, “higienizando” bairros inteiros, saturando vias em toda a cidade e negligenciando questões como democratização do solo e aumento nos investimentos de transporte público, além da exclusão da população do processo de regulamentação da cidade33. Como resultado, temos uma cidade que dá as costas ao seu passado e nega o espaço público enquanto local de convívio e de possibilidades múltiplas de relações.

Notícia disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/materia/igreja-multada-36-mil-reais-por-causa-do-sino-zona-oeste-vila-romana/> O Plano Diretor elaborado entre os anos de 2010 e 2014 contou com intensa participação popular: diversas reuniões em conjunto com moradores realizadas nas Subprefeituras da cidade, indicando um potencial inicial para o processo de democratização da cidade. Assim, em escalas menores, de bairros e regiões, foi possível ser realizado um debate acerca das reais necessidades dos moradores. 68 32 33


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Imagens: Área da construção do edifício “Vista Praça – Vila Romana”, em ordem: fevereiro de 2011, abril de 2014 e setembro de 2014. Fonte: Google Street View ►

Imagem: Casa situada à Praça Cornélia antes da demolição, em janeiro de 2014. Fonte: <www.saopauloantiga. com.br> ►

Imagem: Placa no canteiro da Praça Cornélia. Lê-se: “Esta área é conservada por REM Construtora e Incorporadora”. ► 69


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A questão da memória e a população Existem atualmente no bairro da Lapa grupos, associações e movimentos que tem como objetivo a manutenção e a zeladoria da região, que vão desde reparos necessários na infraestrutura até a preservação da memória social dos edifícios e espaços considerados relevantes pelos seus moradores. Buscou-se, nesta etapa de trabalho, inserir o bairro e seus elementos constitutivos dentro de seu próprio circuito, através da compreensão dos vínculos que existem entre aquele território e sua população. Foi fundamental, portanto, reconhecer a dinâmica na qual o patrimônio se insere, no cotidiano e nas vivências e experiências sociais dessas pessoas. Juntamente à bibliografia, à cartografia e aos registros documentais analisados, espera-se retomar um sentido de patrimônio que seja compreendido como prática social e cultural de diversos e múltiplos agentes. A partir de idas a campo, foram traçados dois objetivos iniciais: observar as relações estabelecidas entre os elementos presentes no bairro e as pessoas que nele convivem, e conversar informalmente com elas, buscando compreender quais eram suas apreensões acerca daquele lugar. Baseando-se nas obras de Ecléa Bosi, Memória e Sociedade: Lembranças de Relato do Sr. Antônio Rossi dos Santos, morador do bairro. 70 34

Velhos e O Tempo Vivo da Memória, buscou-se focar na questão da memória viva, que se faz presente nas relações de pertencimento que algumas pessoas possuem com a Lapa. Não houve a intenção de registro ou entendimento desses testemunhos enquanto base de dados estatísticos, apenas a tentativa de compreensão das relações dinamicamente estabelecidas entre o passado, o presente e o futuro do bairro sob a ótica de seus moradores e frequentadores; tendo em vista que “lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado” (BOSI, 1994: 55). Nos testemunhos relatados pela grande maioria daqueles com quem foi possível conversar, é recorrente a identificação do bairro da Lapa enquanto área central, mas dotada de “ares de interior”. São citados hábitos cotidianos, como idas à missa na Igreja Nossa Senhora da Lapa em datas festivas ou a feira livre, que ocorria no local onde mais tarde foi instalado o Mercado Municipal da Lapa. “Além da missa e do culto protestante havia a feira livre da Lapa, que tomava literalmente a Rua Monteiro de Melo. Os dois bondes transportavam dezenas de passageiros com as sacolas sortidas de frutas, legumes e verduras que iriam completar a macarronada dominical” 34.


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Além das edificações de grande porte, como igrejas, cinemas, escolas, hospitais e fábricas, que são pontos de referência do bairro devido às próprias funções que exercem, tendo grande participação no cotidiano das pessoas, as casas simples e modestas são citadas enquanto elementos de constituição da paisagem daquele lugar. Além disso, essas residências, que formam um conjunto uniforme característico, estão diretamente relacionadas aos processos de ocupação de bairros que, assim como a Lapa, desenvolveram-se em grande parte devido à instalação de indústrias e fábricas. São, portanto, resultantes de um processo diretamente relacionado a uma etapa fundamental da história da cidade de São Paulo. As casas e pequenos centros urbanos ligados à atividade fabril possuem características muito peculiares e dotadas de valor enquanto ambiente único na cidade. Tal fato está presente na fala da população quando são reconhecidas as qualidades ambientais e urbanas do bairro, que o remetem a uma cidade interiorana, denotando não somente um valor simbólico, mas também afetivo. “Há nos habitantes do bairro o sentimento de pertencer a uma tradição, a uma maneira de ser que anima a vidas das ruas e das praças, dos mercados e das esquinas. A paisagem do bairro tem uma histó-

ria conquistada numa longa adaptação” (BOSI, 2004: 76). É com a tentativa de manter os laços memoriais com o bairro, de modo a proteger referenciais importantes para a construção, o reconhecimento e a valorização de identidades sociais e culturais da própria população que ali reside, que as associações de moradores foram criadas. No caso do bairro da Lapa, destaca-se a Comissão Ana de Carvalho, representante dos habitantes da região do bairro denominada Vila Ipojuca. Além da iniciativa em evitar a descaracterização promovida pelas grandes construtoras imobiliárias, resultando em calçadas de largura reduzida, trânsito intenso e poluições sonora e atmosférica, há o objetivo de preservar a paisagem urbana e a qualidade de vida do bairro, evitando processos de expulsão de seus moradores. Neste sentido, a Comissão é responsável pela elaboração de diversos dossiês encaminhados ao Conpresp e ao Condephaat, com intenção de que sejam aprovados os pedidos de tombamento da Igreja de São João Batista, construída por imigrantes do Leste Europeu entre as décadas de 1920 e 1940, e do ponto de ônibus da Praça Coronel Cipriano de Morais, tido como o mais antigo da cidade35, existentes nas imediações do bairro. Quanto

Datado da década de 1960 e “construído pela extinta CMTC, o abrigo é uma robusta construção de ferro, fixada na calçada com concreto. Estes pontos de ônibus com abrigos de ferro eram muito comuns especialmente em praças e grandes locais abertos, como no Vale do Anhangabaú. (...) Estes pontos foram desaparecendo da cidade a partir de meados da década de 70, mas por alguma razão este da Lapa foi preservado 35

71


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ao conjunto de casas existentes no bairro, que “não são arquitetura erudita, mas simbólica dos mestres de ofícios que erguiam com suas famílias e amigos” 36, procura-se, através de reuniões e eventos realizados entre os próprios moradores, promover o reconhecimento e a conscientização da importância da manutenção das mesmas enquanto referenciais para o conhecimento do passado e para a construção coletiva do presente e do futuro. Dessa maneira, a partir do afloramento das relações de pertencimento e afetividade das pessoas com as suas próprias casas, é incentivada a sua preservação, sem que haja necessidade de ação dos instrumentos dos órgãos de preservação, como o tombamento. Há, portanto, uma expectativa de que a própria população seja responsável pela zeladoria e salvaguarda do patrimônio urbano presente no bairro. Outra iniciativa da Comissão Ana de Carvalho é a coleta de documentos gráficos acerca dos elementos do bairro, como casas, praças e ruas. Pretende-se reunir as cópias destes arquivos enquanto acervo, a fim de que, futuramente, façam parte de uma espécie de memorial da Vila Ipojuca. “Quando elogiamos, não se trata de mero

saudosismo ou questão sentimental, mas de um tipo de arquitetura que expressa a simplicidade e o bem viver possíveis e prezados pelos operários que fundaram o bairro no início do século XX. Não somos passadistas, mas valorizar essa herança é legar às próximas gerações e futuros moradores o direito de ter e ver a história viva do bairro materializada em casas, oficinas antigas, esquinas, praças e na própria Igreja. Existe um equilíbrio volumétrico, ambiental e social numa paisagem dessas. Não dá pra verticalizar mais, aliás, nunca deu” 37. No caso da iniciativa do poder público, em 2009, a Biblioteca Infantil Cecília Meirelles, situada no bairro da Lapa, justamente na região da Vila Ipojuca, foi desativada e passou a abrigar o Centro de Memória e Convívio da Lapa Cecília Meirelles. Um dos motivos para a transição do equipamento se deveu à transferência do acervo Miguel Dell’Erba, antes exposto numa ala da Biblioteca Mário Schenberg, na área central do bairro. Tratam-se de diversas fotografias, recortes de jornais, objetos e manuscritos que retratam a história do bairro da Lapa em diferentes décadas, todos reunidos por Miguel Dell’Erba, antigo morador do bairro, e doados à Prefeitura Municipal

e está nesta praça até os dias de hoje. Apesar de antigo, encontra-se em boas condições e bem preservado, servindo de abrigo a passageiros que esperam sua condução no local”. Disponível em: <http://www.saopauloantiga.com.br/o-ponto-de-onibus-mais-antigo-de-sao-paulo/>. 36 Relato de Maria Paula Skromov, integrante da Comissão Ana de Carvalho. 37 Relato de Maria Paula Skromov, integrante da Comissão Ana de Carvalho. 72


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na década de 1970. Apesar da intenção de preservar e tornar público um material tão importante sobre a história e o cotidiano da Lapa, algumas implicações fizeram com que todo o acervo ficasse armazenado numa das salas do referido Centro de Memória, sem receber qualquer tratamento, catalogação ou acondicionamento apropriados. Não foram divulgados os reais motivos para tal desdobramento38, o que motivou as associações de moradores do bairro a cobrar justificativas da Subprefeitura quanto a utilidade e a real função do próprio equipamento público enquanto Centro de Memória e Convívio, uma vez que não há cronograma de atividades definido, nem quadro de funcionários para atender a população. Nas reuniões organizadas pela Subprefeitura da Lapa para tratar a respeito da dificuldade da gestão do Centro de Memória, foram expostas diversas sugestões de solução por parte das associações e dos moradores do bairro. Dentre elas, a mais recorrente propunha a criação de um museu do bairro, vi-

sível e acessível a todos, abrigando o acervo Miguel Dell’Erba. Dessa maneira, o Centro de Memória e Convívio, subutilizado e em más condições de funcionamento, passaria por uma deliberação acerca de seu destino, de modo a atender demandas reais dos moradores, já que não cumpre nenhuma das funções nominais efetivamente. Houve também a proposta de transferir o acervo para um dos colégios particulares do bairro, como forma metodológica de aproximar os alunos das questões museológicas e da própria história da Lapa. A memória é transgressora, emancipadora e fundamental na construção da história e da identidade de uma comunidade. É, portanto, notável que exista um esforço tão grande da própria população em preservar não somente o acervo do museu do bairro, mas também as relações existentes entre elas e a paisagem que ali sobrevive, marcando um sentimento de pertencimento e identidade que devem ser reconhecidos e também preservados.

Foi marcada uma reunião em 7 de maio de 2015 pela Subprefeitura da Lapa para tratar das dificuldades pelas quais o Centro de Memória tem passado desde sua fundação – no entanto, apenas uma pessoa apareceu (Fonte: Jornal da Gente, edição de 9 a 15 de maio de 2015). Posteriormente, em 28 de maio de 2015, durante reunião com o secretário municipal de cultura, Nabil Bonduki, também convocada pela Subprefeitura da Lapa, as questões relativas ao tratamento do acervo foram retomadas. Decidiu-se, por fim, que todos os documentos e objetos seriam transferidos para o Museu da Cidade de São Paulo, a fim de que recebessem tratamento adequado para sua preservação, e, posteriormente, retornassem para o bairro. O secretário ressaltou a dificuldade da obtenção de verbas na atual gestão e que tal fato implicaria em dificuldades para a realização dos procedimentos prometidos. 73 38


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Análise de mapas e dados A partir da análise da cartografia consultada, foi necessário elaborar um produto específico que pudesse servir de base para a leitura geral do território, condensando, dessa maneira, as diversas informações extraídas de cada um dos mapas anteriormente apresentados, no capítulo referente à problematização da cartografia. Sobrepondo as informações contidas em cada um dos mapas históricos e com o apoio da bibliografia, é facilitado o processo investigativo que busca compreender as formas de ocupação e a própria história do bairro. Além disso, foram elaborados mapas baseados em dados urbanos, que revelam a real situação da área de estudo e permitem a realização de uma análise mais objetiva das informações obtidas: uso e ocupação do solo em relação ao zoneamento proposto pelo Plano Regional Estratégico, imóveis enquadrados como ZEPEC comparados aos bens tombados ou em processo de tombamento pelos órgãos de preservação, localização dos empreendimentos imobiliários residenciais de médio e alto padrão lançados nos últimos 10 anos e leitura dos gabaritos de altura das edificações. A partir da análise

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geral de cada um desses produtos, torna-se possível constatar e relacionar os problemas que o bairro enfrenta cotidianamente, dando bases para traçar as diretrizes propositivas a serem apresentadas. A base cartográfica escolhida é a do Mapa Digital da Cidade, realizada pela Prefeitura do Município e datada de 2004. A escolha do enquadramento do mapa foi fruto do desenvolvimento da pesquisa e considerou as diversas dinâmicas sociais e temporais dos diferentes tecidos urbanos envolvidos – além da escolha de abrigar produções do espaço diferentes (originadas de loteamentos diversos). Num primeiro momento, pretende-se focar o olhar em toda a área delimitada pela linha tracejada, que compreende uma porção do loteamento City Lapa, as quadras referentes à primeira ocupação da Lapa de Cima e Lapa de Baixo e parte da Vila Romana (Figura 35). Posteriormente, selecionado um recorte mais específico e que se mostre de maior relevância, será realizada uma proposta contundente e que possa ser aplicada caso a caso, de acordo com as particularidades de cada um desses territórios, muito peculiares entre si, apesar de sua proximidade física.


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Figura 35: Mapabase de estudo com área delimitada de aprofundamento. Elaboração própria, sem escala. ►

Área de estudo delimitada

A partir da compatibilização da cartografia pesquisada, bem como das informações contidas na bibliografia, foi possível produzir um redesenho que evidenciasse a evolução urbana do bairro numa mesma linguagem gráfica, permitindo uma leitura comparativa mais direta das transformações ali decorridas ao longo das décadas. Assim, o processo de elaboração desses novos mapas buscou ilustrar as mudanças do espaço construído e os diversos momentos de implantação de cada uma das tipologias que compõem o bairro, permitindo a compreensão e a comparação das dinâmicas populacionais e de uso do solo em dife-

rentes épocas num mesmo território. Para tanto, foram utilizadas as informações contidas nos mapas históricos e levantamento aerofotogramétricos que dispunham de detalhes mais precisos para o redesenho, como densidade construtiva, áreas ajardinadas, vias existentes, entre outros. São eles: a Planta Geral da Cidade de São Paulo, de 1905, que apresenta manchas relativas à ocupação do bairro; o levantamento aerofotogramétrico realizado pela empresa Sara-Brasil em 1930, cujo desenho evidencia cada uma das construções existentes à época; a imagem aérea de 1958, disponibilizada pelo Geoportal, que também permite uma análise lote a lote e o Mapa Digital da Cidade, datado de 2004, e que contém o desenho de cada uma das edificações existentes. No caso do produto de 1820, as referências utilizadas foram obtidas através da bibliografia, sendo destacadas, portando as principais vias de ligação do bairro, como o “Caminho de Jundiaí”, o “Corredor da Lapa” e o “Estrada para Pinheiros”. Juntamente o traçado viário, foram desenhados os corpos d’água, até então não canalizados, e as construções que foram indicadas na planta do loteamento “Grão Burgo da Lapa”, que evidenciam a presença de diversas olarias nas proximidades do rio Tietê. Excetuando-se as imagens aéreas, os mapas foram obtidos junto ao CESAD, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. 75


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1820

1905

1930

Imagem: Evolução urbana - tecido urbano existente nos anos 1820, 1905, 1930, 1958 e 2004. ◄

1958 76

2004


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1820

1905

1930

Imagem: Evolução urbana - construções existentes nos anos 1820, 1905, 1930, 1958 e 2004. ►

1958

2004 77


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As vias ocupadas apresentam dois padrões muito diferentes de implantação. O primeiro, retilíneo, formando quarteirões ora extensos, ora bastante curtos, muitas vezes interrompidos por cursos d’água que, à época, ainda não se encontravam canalizados. O segundo, de traçado mais orgânico, acompanhando as curvas de nível com quarteirões extensos e, em sua grande maioria, cortados por travessas pedonais, conforma diversas praças, geralmente associadas a rotatórias e esquinas angulosas decorrentes do próprio desenho do parcelamento das quadras. De maneira análoga ao traçado viário do bairro, as edificações indicam ao menos duas tipologias de ocupação: uma de maiores dimensões, indicando o uso industrial, e outra, em maior quantidade e mais esparsa em todo o território ocupado do bairro, de dimensões menores e por vezes geminada, indicando o uso residencial e/ou comercial. É possível fazer essa inferência uma vez que, conforme visto na bibliografia base acerca da história do bairro, estas edificações de pequeno porte multiplicaram-se na região principalmente a partir do crescimento da atividade fabril e da instalação das oficinas da São Paulo Railway, que proporcionou a criação de um centro urbano no bairro. Em relação à forma de ocupação do território estudado, na imagem referente ao ano de 1905 é notável uma concentração de construções ao longo da linha férrea e das vias que já existiam em 1820, sendo 78

bastante diversa a tipologia construtiva de cada uma delas. Em 1905, conforme visto, algumas indústrias já haviam se instalado no bairro, bem como as Oficinas da São Paulo Railway, o que justifica o surgimento de edificações fabris na região. São identificadas no mapa a Vidraria Santa Marina e o Curtume, lindeiros à linha férrea, à norte dos trilhos. As demais construções, esparsas num perímetro ainda bastante reduzido, aparecem com dimensões menores, indicando usos muito possivelmente associados ao cotidiano dos moradores do bairro. Assim como no mapa de 1930, a maioria dessas construções está concentrada ao longo dos eixos de ligação do bairro e nas áreas mais centrais, notadamente a Lapa de Baixo, que já em 1905 apresentava ocupação bastante considerável. Na imagem referente ao ano de 1958, temos uma homogeneidade na distribuição das construções do bairro, preenchendo quase que totalmente as vias ali existentes: os lotes desocupados em 1930 passam a ser edificados. Entretanto, há ainda uma grande área não ocupada, correspondente à várzea não drenada do rio Tietê, naquele momento parcialmente retificado. Com as obras de drenagem das várzeas do rio, é realizado um novo parcelamento desse grande terreno vazio, gerando quadras retilíneas de grandes dimensões, relacionadas a um novo uso industrial, como é visto na imagem do ano de 2004, justamente por se tratar de uma área estrategicamente localizada,


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próxima às principais rodovias da cidade. O mapa de uso do solo (Figura 36) constitui elemento essencial para o conhecimento das principais atividades exercidas no bairro de estudo. Os usos predominantes em cada uma das quadras são condicionantes antrópicos de sua qualidade ambiental, uma vez que a presença de áreas verdes, de infraestrutura urbana, de qualidade do ar, entre outros, dependem

de fatores que variam em função do tipo do uso do solo e da intensidade de ocupação. Nesse sentido, o mapa de uso do solo permite variadas leituras, abordagens e relações que podem subsidiar análises e diagnósticos para a elaboração de políticas públicas de desenvolvimento e de planos urbanos regionais, cujo resultado deve aparecer, portanto, nos mapas de zoneamento. mais de 60% residencial horizontal de baixo padrão mais de 60% residencial horizontal de médio/alto padrão mais de 60% residencial vertical de baixo padrão mais de 60% residencial vertical de médio/alto padrão mais de 60% comércio e serviços mais de 60% indústria e armazéns entre 40% e 60% residencial e comércio/serviços entre 40% e 60% residencial e indústrias/armazéns entre 40% e 60% comércio/serviços e indústrias/armazéns

Figura 36: Uso do solo predominante por quadra fiscal. Elaboração própria, sem escala. Fonte: Atlas Ambiental do Município de São Paulo, 1999 ►

mais de 60% equipamentos de uso público mais de 60% escolas terrenos vagos 79


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Em relação à área de estudo, nota-se primeiramente uma grande distinção de usos predominantes por quadra em cada porção do bairro. Há uma grande incidência de residências verticais de médio e alto padrão dispersas pela região da Vila Romana, Vila Ipojuca e na região central do bairro mais próxima ao loteamento realizado pela Companhia City, denotando a implantação de condomínios fechados. Na área mais central do bairro, há uma predominância do uso comercial, indicando a presença de certa centralidade, associada também à localização da estação de trem do bairro. Os usos associados à ocupação industrial se desenvolvem principalmente nas proximidades do rio Tietê e da linha férrea, correspondendo aos padrões construtivos de grandes dimensões observados nos mapas de evolução urbana do bairro. Assim, é curioso observar o relevante número de quadras cujo uso predominante é residencial e industrial/armazéns, em bege no desenho, podendo indicar resquícios de conjuntos urbanos residenciais operários ou edificações remanescentes da época da industrialização do bairro. Em comparação ao zoneamento proposto pelo Plano Diretor de 2004 (Figura 37), onde é priorizado o uso misto de alta densidade por todo o bairro, notam-se discrepâncias com a realidade. Não há mais zonas voltadas especificamente para o uso industrial, denotando uma iniciativa de diversificação de usos que corresponde ao gradativo processo de reti80

rada da atividade industrial das áreas mais centrais da cidade. Há uma grande área classificada como Zona Exclusivamente Residencial, correspondente ao loteamento realizado pela Companhia City em 1920 e inserida em uma Zona Especial de Preservação Cultural. Sendo assim, conta com um número maior de parâmetros urbanísticos e restrições quanto à tipologia construtiva das edificações ali existentes, uma vez que é tombada. Ainda que a área esteja delimitada em uma zona estritamente residencial, nota-se que há uma diversidade de usos, principalmente na área mais próxima à região central do bairro. Outro aspecto interessante em relação à proposição de usos disposta no zoneamento, diz respeito aos centros comerciais do bairro, conforme verificado no mapa de uso e ocupação, indicados em vermelho e localizados na área do Largo da Lapa, na Lapa de Baixo, e na região da Lapa de Cima, nos arredores da rua 12 de Outubro: são designadas tipologias diferentes no zoneamento, favorecendo a verticalização da área central da Lapa de Cima, de uma porção da Vila Romana e de quadras ocupadas por conjuntos habitacionais e sobrados, à norte da linha férrea. De toda forma, excetuando-se a área designada como Zona Estritamente Residencial, todo o bairro está classificado como Zona Mista e, em sua grande maioria, de alta densidade demográfica. Trata-se de um incentivo à lógica desenfreada de substituição de usos, resultan-


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do em um grande número de demolições, mudando completamente toda a paisagem urbana do bairro, sem que haja um estudo da real capacidade de absorver esse possível adensamento.

ZM-1: zonas mistas de densidades demográfica e construtiva baixas, com coeficientes de aproveitamento mínimo igual a 0,20, básico e máximo iguais a 1,0

Figura 37: Zoneamento estabelecido pelo PRE. Elaboração própria, sem escala. Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, PMSP. ►

ZM-2: zonas mistas de densidades demográfica e construtiva médias, com coeficiente de aproveitamento mínimo igual a 0,20, básico igual a 1,0 e máximo variando de 1,0 até o limite de 2,0 ZM-3a: zona mista de densidades demográfica e construtiva altas, com coeficiente de aproveitamento mínimo igual a 0,20, básico igual a 1,0 e máximo variando de 1,0 até o limite de 2,5 ZM-3b: zona mista de densidades demográfica e construtiva altas, com coeficiente de aproveitamento mínimo igual a 0,20, básico igual a 2,0 e máximo variando de 2,0 até o limite de 2,5 ZER 1: zona exclusivamente residencial, com densidade demográfica e construtiva baixa 81


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Em relação aos edifícios considerados relevantes para preservação, nota-se um grande número de exemplares indicados pela população quando da elaboração do Plano Regional Estratégico do bairro, que os classificou como Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPECs) (Figura 38). Comparando com o mapa de edifícios tombados (Figura 39), nota-se que foram selecionados pelos órgãos de preservação somente edifícios de grande porte e uso institucional: igrejas, escolas, mercado municipal e indústrias. Além disso, as Oficinas da Lapa, que não foram enquadradas como ZEPEC antes, têm processo de abertura

de estudo para tombamento datado de poucos anos após a elaboração do PRE. Os galpões fabris, residências e conjuntos urbanos, apontados como relevantes pela população do bairro, foram sumariamente excluídos do estudo. Conforme já visto, tal fato implicou na demolição de alguns destes exemplares, incitando questões que devem ser postas em debate: até que ponto a escolha e a indicação da população são levadas em consideração quando da seleção dos bens? Existem outros métodos ou instrumentos que poderiam ser utilizados a fim de que fossem preservados os edifícios que foram demolidos?

Figura 38: Identificação das Zonas Especiais de Preservação Cultural na área de estudo. Elaboração própria, sem escala. Fonte: PRE-Lapa. ◄

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Em relação à localização dos bens, é relevante o fato de estarem relativamente bem distribuídos pelo bairro, indicando uma variedade de edificações de diferentes tipologias em diversos pontos, e não localizados em uma região específica. Indica, também, a predominância por um determinado período histórico, quando comparados aos mapas de evolução urbana: são, em sua grande maioria, decorrentes do processo de industrialização do bairro e relacionados aos modos de construir e habitar num bairro operário. Todavia, é notável que as residências e conjuntos

Figura 39: Bens tombados nas esferas municipal e estadual. Elaboração própria, sem escala. Fonte: Resoluções Conpresp e CONDEPHAAT. ►

urbanos selecionados pela população para serem preservados são oriundos de uma produção arquitetônica ligada a uma população mais abastada, uma vez que as edificações possuem características que permitem tal interpretação: geralmente de grande porte, com ornamentação mais elaborada e materiais mais prestigiados do que aqueles utilizados pelos operários para construírem suas residências. Ainda assim, aparecem alguns casos, como a Casa Sede Operária da Lapa e uma outra simples, localizada no Largo da Lapa.

Tombado - Conpresp Área envoltória do tombamento Conpresp Em estudo de tombamento CONDEPHAAT 83


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Para ilustrar e identificar cada um desses edifícios, foi realizado um levantamento fotográfico em campo, não somente como forma de registro, mas também na tentativa de compreender o ponto de vista da população ao indicar estes exemplares para se-

rem preservados. Nesta linha de pensamento, a partir do recurso disponibilizado pelo Google Street View, foi possível obter imagens destas mesmas construções datadas de 2010, permitindo uma análise de seu estado de conservação.

5 3 1

4

2 6

Antiga Metalúrgica 1 Martins Ferreira Antiga Vidraria Santa 2 Marina Casa à Rua Antônio 3 Fidélis Casa à Rua Emílio 4 Goeldi Casa à Rua Engenheiro 5 Fox 6 Casa à Rua Guaicurus

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1

Antiga Metalúrgica Martins Ferreira

2010 2

5

2010

6

2015

2015

Casa à Rua Engenheiro Fox

2010

2015

Casa à Rua Antônio Fidélis

Casa à Rua Emílio Goeldi (demolida)

2010

2015

Antiga Vidraria Santa Marina

2010 3

4

2015

Casa à Rua Guaicurus

2010

2015

85


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

2

5

6

1 3

4

Casa Sede da 1 Corporação Operária Musical da Lapa Casarão à Rua 2 Engenheiro Fox 3 Casarão e comércio Casario à Rua Coriolano 4 e Caio Graco Colégio Guilherme 5 Kuhlmann 6 EE Pereira Barreto

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1

Casa Sede da Corporação Operária Musical da Lapa

2010 2

3

2010 5

6

2015

2015

Colégio Guilherme Kuhlmann

2015

Casarão e comércio (Rua Guaicurus)

2010

Casario à Rua Coriolano e Caio Graco

2015

Casarão à Rua Engenheiro Fox

2010

4

2010

2015

2010

2015

EE Pereira Barreto

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

1

EEPSG Colégio Anhanguera Espaço Cultural Aúthos 2 Pagano

1

3 5

6

3 Estação Ciência 2 4

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Fábrica Companhia 4 Melhoramentos Galpão Industrial à Rua 5 Caio Graco Galpão Industrial à Rua 6 Fáustolo


1

EEPSG Colégio Anhanguera

2010 2

5

6

2010

2015

2015

Galpão Industrial à Rua Caio Graco (demolido)

2010

2015

Estação Ciência

Fábrica Companhia Melhoramentos

2010

2015

Espaço Cultural Aúthos Pagano

2010 3

4

2015

Galpão Industrial à Rua Fáustolo (demolido)

2010

2015

89


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

1

3 2

6

1 2

4

3 5

4 5 6

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Galpão Industrial à Rua Félix Guilhem Galpão Industrial à Rua Félix Guilhem Galpão Industrial da Antiga Fábrica de Tecidos e Bordados da Lapa Igreja Nossa Senhora da Lapa Igreja São João Maria Vianney Mercado Municipal da Lapa


1

Galpão Industrial à Rua Félix Guilhem

2010 2

5

2010

2015

6

2015

Igreja São João Maria Vianney

2010

2015

Galpão Industrial da Antiga Fábrica de Tecidos (demolido)

Igreja Nossa Senhora da Lapa

2010

2015

Galpão Industrial à Rua Félix Guilhem

2010 3

4

2015

Mercado Municipal da Lapa

2010

2015

91


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

1 5 4 3 2

92

Quartel do Exército 1 - Batalhão de Suprimentos Sobrados à Rua 2 Coriolano 3 Sobrados à Rua Fáustolo Sobrados à Rua 4 Guaicurus 5 Tendal da Lapa


1

Quartel do Exército - Batalhão de Suprimentos

2010 2

Sobrados à Rua Guaicurus

2015

Sobrados à Rua Coriolano (demolidos)

2010 3

4

5

2015

2010

2015

2010

2015

Tendal da Lapa

Sobrados à Rua Fáustolo (demolidos)

2010

2015

93


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Relacionando os últimos desenhos apresentados (uso e ocupação do solo, zoneamento, ZEPECs e bens tombados) e a imagem aérea com demarcação dos empreendimentos imobiliários verticais de alto padrão existentes (em vermelho), ou em construção (em laranja) na área de estudo e adjacências (Figura 40), podemos observar algumas peculiarida-

des. Primeiramente, é notória a maciça presença de novas construções, sobretudo na área da Vila Romana, onde a maior parte dos exemplares indicados pela população foi excluída do estudo para tombamento. No mapa de zoneamento, por sua vez, a área já é demarcada como zona mista de alta densidade, ainda que o coeficiente de aproveitamento destes terrenos

Figura 40: Ação do mercado imobiliário no bairro da Lapa: em vermelho, empreendimentos já construídos; em laranja, empreendimentos em construção. Elaboração própria sobre imagem de satélite. ◄

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

seja maior do que o estipulado pelo Plano Diretor, denotando algum tipo de contrapartida. Por outro lado, a área referente à Lapa de Baixo não apresenta nenhum empreendimento, o que nos permite concluir que esteja mantida, de certa forma, uma paisagem no bairro, seja pela falta de interesse do mercado imobiliário naquela região até este momento, ou pela consciência de seus moradores de não haver necessidade de mudar aquela paisa-

gem. Para confirmar tal pensamento, recorreu-se ao levantamento dos gabaritos de toda a área de estudo (Figura 41), como forma de comparar as diferentes regiões e como tentativa de definir um recorte mais específico para ser aprofundado. De maneira análoga, a elaboração de um modelo tridimensional digital permitiu uma leitura mais aproximada da realidade, possibilitando interpretações diversas em relação às formas de distribuição das tipologias edificadas no bairro.

1 pavimento

2 pavimentos

3 pavimentos

4 pavimentos

5 pavimentos

6 ou mais pavimentos 95


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

1 pavimento 2 pavimentos 3 pavimentos 4 pavimentos 5 pavimentos 6 ou mais pavimentos Figura 41: Mapeamento dos gabartios de altura na área de estudo. Elaboração própria, sem escala. ◄

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Imagem: modelo volumétrico da área de estudo. Vista a partir da Vila Romana em direção à Lapa. A área livre ao centro corresponde à faixa ocupada pela linha férrea. ►

Imagem: modelo volumétrico da área de estudo. Vista a partir da Lapa de Baixo em direção à Vila Romana. Na extrema direita, o loteamento da City Lapa.


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA Imagem: Corte longitudinal: Lapa de Baixo, Lapa, Vila Romana e City Lapa. ◄

Lapa de Baixo

Lapa de Cima

Vila Romana

City Lapa

Imagem: Lapa de Baixo à esquerda e área central do bairro à direita. ◄

O resultado da análise, comparado ao mapa de evolução histórica do bairro, em conjunto com a base teórica aprofundada pela bibliografia, evidencia as formas de ocupação do bairro e os processos de mudança pelos quais ele tem passado nas últimas décadas. De maneira geral, é perceptível a predominância de edificações baixas (de até dois pavimentos, ou aproximadamente 6 metros de altura), distribuídas de forma homogênea por todo o bairro. Já, em relação 98

às construções que apresentam 6 ou mais pavimentos, denotando um processo de verticalização recente, aparece de forma mais concentrada, sobretudo a sul da linha férrea, nas áreas relativas à Vila Romana e à Lapa de Cima, onde a elevada altura das novas edificações está diretamente ligada ao lançamento de empreendimentos imobiliários. Por sua vez, o núcleo da Lapa de Baixo, que já em 1905 apresenta um grande número de construções, mantém pouca ou quase


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

nenhuma verticalização. As construções localizadas na região da City Lapa obedecem aos parâmetros urbanísticos designados pelo zoneamento, enquanto Zona Exclusivamente Residencial I. São mantidos, portanto, os limites e restrições impostos pela Companhia City quando do loteamento do bairro, sendo assim preservadas as características únicas daquele lugar. Nessa mesma linha de pensamento, buscou-se localizar, refletindo sobre as informações disponíveis e análises realizadas através dos mapas apresentados, uma porção do bairro onde seria mais interessante discorrer acerca da possibilidade de sua preservação, levando em consideração suas formas de ocupação, permanências e significâncias para a população. Dessa forma, a região da Lapa de Baixo foi selecionada para um estudo mais aprofundada acerca de seu patrimônio ambiental urbano, para o qual serão sugeridas diretrizes de conservação integrada e desenvolvimento sustentável levando em consideração as relações ali existentes entre as edificações, os moradores e as atividades exercidas. Nesta etapa, as idas de campo e conversa com moradores foi fundamental para a compreensão daquele local como potencial para a aplicabilidade de instrumentos de preservação que considerem toda a dinâmica do local. Percorrendo as ruas do bairro, pode-se observar a diferença de pavimentação entre as vias, já que uma significativa parcela ainda conserva o piso

original de paralelepípedos. O próprio traçado urbano e os usos a ele atribuídos estão repletos de valores memoriais e simbólicos, seja pela apropriação dos espaços livres, com idosos sentados em cadeiras de praia ao longo das calçadas e praças conversando, ou crianças jogando bola no Largo da Lapa depois do horário escolar; seja pelo movimento diário de caminhões ligados à atividade fabril ainda existente no bairro, ou pelo som do trem percorrendo os trilhos. As dinâmicas cotidianas e modos de interação da população naquele espaço também são relevantes como forma de registro de seu valor simbólico. Além disso, foram identificados diversos exemplares relevantes, conforme demonstrado no mapa a seguir (Figura 42). Muitos dos edifícios e conjuntos urbanos selecionados através deste levantamento apresentaram-se relevantes para preservação por comporem uma harmonia significativa, seja ela de volumes, escalas, estilos e até mesmo por seus significados relativos à história do bairro, uma vez que apresentam as características das tradicionais edificações do período da industrialização, testemunhando determinada estrutura socioeconômica, bem como sensibilidades, práticas, crenças e tradições. Sua preservação é, portanto, essencial para a manutenção não somente da paisagem urbana, mas também da identidade e da memória coletiva de toda uma população. 99



PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Figura 42: Localização e registro dos conjuntos urbanos de relevante interesse para preservação na Lapa de Baixo. Elaboração própria, sem escala.

Rua Alves Branco

Rua Alves Branco

Rua Alves Branco

Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

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Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

Rua Antônio Fidélis

Rua Belchior Carneiro

Rua Belchior Carneiro

Rua Belchior Carneiro

Rua Belchior Carneiro

Rua Belchior Carneiro

Rua Engenheiro Aubertin

Rua Engenheiro Aubertin

Rua Engenheiro Aubertin

Rua Engenheiro Aubertin


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Rua Engenheiro Aubertin

Rua Engenheiro Aubertin

Rua Engenheiro Aubertin

Rua Engenheiro Aubertin

Rua Engenheiro Aubertin

Rua Engenheiro Fox

Rua Engenheiro Fox

Rua Engenheiro Fox

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

104

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Félix Guilhem

Rua Heliodoro Ébano Pereira

Rua Moxei

Rua Moxei

Rua Moxei

Rua Moxei

Rua Moxei

Rua Moxei

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PATRIMテ年IO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

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Rua Moxei

Rua Moxei

Rua Moxei

Rua Moxei

Rua Moxei

Rua Moxei

Rua Werner Von Siemens

Rua William Speers

Rua William Speers

Rua William Speers

Rua William Speers

Rua William Speers


PATRIMテ年IO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Rua William Speers

Imagens extraテュdas do Google Street View. 笆コ

Rua William Speers

Rua William Speers

Rua William Speers

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03 prOPOSTA E CONCLUSÕES Reconhecida a importância de se preservar a paisagem urbana do bairro da Lapa, que não é composta somente por monumentos excepcionais, mas também, e principalmente, por conjuntos urbanos de diferentes épocas que conformam o ambiente daquele local, fazendo parte da história e da identidade de um determinado grupo social, buscaram-se soluções que condissessem com a escala urbana e com o nível de proteção adequado a esse patrimônio. Para tanto, buscou-se compreender de que forma isso ocorre em outros países, tendo como base as experiências decorridas na França e na Itália, de forma que pudessem auxiliar as diretrizes a serem desenvolvidas. Na França, são regulamentadas as Zonas de Proteção do Patrimônio Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico (ZPPAUP), instrumento existente desde 1983 que assegura a proteção do patrimônio paisagístico e urbano de bairros locais e centros históricos. As ZPPAUP foram criadas numa tentativa de “descentralizar” as atribuições governamentais, resultando na repartição de competências de gestão urbana para as cidades. Dessa maneira, é estabelecido um perímetro no qual qualquer obra que vir a alterar a aparência dos edifícios está sujeita a recomendações ou prescrições

específicas (Figura 43). As ações preservacionistas do patrimônio urbano praticadas na Itália estão ligadas à salvaguarda dos centros históricos através de instrumentos técnicos, meios jurídicos e intervenções sociais, de modo a interligar as ações de planejamento às de preservação. Assim, na legislação italiana são designados diferentes níveis de proteção, bem como especificações de definições de sítios (natural, histórico, científico, urbano e misto), possibilitando uma variedade de alternativas que se adequam a especificidade de cada um. Em relação aos centros históricos, considerados qualquer estrutura de assentamento que constitua uma unidade ou testemunha cultural, há, nos Planos Reguladores elaborados por cada um dos municípios, critérios de conservação, consolidação e restauro, além da abordagem de questões de habitação, tráfego, novos usos e compatibilidades (Figura 44). Dessa maneira, os planos de preservação estabelecem uma ligação real com a legislação do planejamento, demonstrando uma boa perspectiva tutelar. No Brasil, por sua vez, o instrumento mais utilizado para a proteção do patrimônio é o tombamento que, embora cumpra seu papel na preserva109


PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Figura 43: ZPPAUP do centro histórico da cidade de Lyon, na França. ◄

Figura 44: Piano Regolatore da cidade de Cerignola, na Itália. ◄

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ção dos bens, tem se revelado insuficiente tamanha a complexidade atribuída à ampliação do conceito e à gestão do patrimônio urbano. Há, atualmente, uma série de questões que envolvem as chaves legais do tombamento, sendo visto por alguns como um instrumento autoritário por incidir sobre o valor do imóvel, impor limites à especulação imobiliária e ao direito de propriedade. Além disso, não é complementado por instrumentos ágeis que garantam uma compensação adequada, sendo apenas na esfera municipal esta questão parcialmente resolvida (isenção parcial de impostos municipais, como IPTU e ISS39). O debate acerca dos instrumentos adequados de preservação do patrimônio urbano vem se ampliando desde 2007. A Carta de Bagé, que regulamenta o conceito de paisagem cultural em âmbito federal40, reconhece o tombamento como instrumento inadequado para a preservação dessas paisagens, pois é limitado e não dispõe de diretrizes de uso e gestão. Assim, o documento propõe a instituição de uma chancela, criada pelo IPHAN em 2009 (Portaria

127/09 – Chancela da Paisagem Cultural) e um sistema de avaliação periódica da qualidade das paisagens culturais. Trata-se, portanto, de uma declaração de valor deste patrimônio, não garantindo efetivamente sua proteção, mas dando bases e fundamentando, ainda que de forma elementar, a aplicação de outros instrumentos, como registro em inventário, planos de desenvolvimento, instrumentos urbanísticos ou tombamento. Ainda se mostra necessário o aprofundamento da questão, com definições e possibilidades de ações práticas mais desenvolvidas. A questão colocada como basilar para este trabalho trata de como seria possível preservar estes espaços, edificações e conjuntos de forma harmoniosa e integrada ao planejamento da cidade. Acredita-se que, além dos instrumentos associados às práticas de planejamento e preservação operadas pelos órgãos públicos, é necessário que haja o reconhecimento dos cidadãos na identidade e nos símbolos preservados, equilibrando o conflito entre interesses e direitos e permitindo, assim, que a sociedade seja também

“Em dezembro de 1990 foi instituída a Lei Municipal de Incentivo à Cultura (Lei Mendonça) que estabelece isenção parcial do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) - e do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) - para aplicação em obras de conservação e restauração de bens tombados. Além deste incentivo municipal, poderão ser utilizados os de âmbito estadual e federal, quais sejam: a Lei de Incentivo à Cultura da Secretaria de Estado da Cultura (LINC) e a Lei de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura (Lei Rouanet).” Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/patrimonio_historico/preservacao/index.php?p=430> 40 Paisagem cultural como “um bem cultural, o mais amplo, completo e abrangente de todos, que pode apresentar todos os bens indicados pela Constituição, sendo o resultado de múltiplas e diferentes formas de apropriação, uso e transformação do homem sobre o meio natural”. (Artigo 3, Carta de Bagé, 2007). 111 39


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agente no campo preservacionista. Neste contexto, a política de educação patrimonial aparece como uma alternativa à difusão do conhecimento da população acerca da conservação de bens culturais arquitetônicos de interesse histórico, artístico, memorial e simbólico41. Através do reconhecimento da importância da manutenção dos conjuntos urbanos para a constituição de uma paisagem única, sendo cada uma das edificações um elemento particular e essencial para a leitura e a compreensão da história e dos processos de formação e ocupação do bairro, pode ser efetivamente estabelecido um vínculo identitário. Assim, poderia ser dispensado um instrumento tão rígido como o tombamento para casos não excepcionais, mas que são componentes de paisagens urbanas, delimitadas por zonas de proteção onde ficassem estabelecidos os critérios de preservação. A propagação do conhecimento acerca dos valores de cada um dos elementos poderia, assim, propiciar um verdadeiro afeto do proprietário com a sua residência, da rua onde está inserida e da articulação da via com o bairro. Além disso, delimitadas as áreas de proteção, seria essencial a divulgação de ações de conservação que poderiam ser fornecidas pelas Subprefeituras, com o objetivo de promover o entendi-

mento acerca dos métodos de restabelecimento e salvamento das estruturas de imóveis relevantes para preservação, dispensando demolições ou reformas desnecessárias e muitas vezes descaracterizadoras. Em relação à legislação, o estabelecimento de determinadas normativas é capaz de garantir a manutenção de áreas consideradas patrimônio urbano. Há um avanço já no Plano Diretor de 2014, que dispõe o não remembramento de lotes, evitando, assim, que conjuntos de casas situadas em lotes pequenos sejam “varridos” pelas incorporadoras a fim de que sejam lançados novos empreendimentos imobiliários de grandes proporções. Ficam sujeitos à ação do mercado, entretanto, os lotes relativos à ocupação industrial de uso fabril, que, com grandes dimensões, poderiam atender à demanda das construtoras. Nestes casos, deveria ser avaliado caso a caso cada um desses remanescentes, estudados e avaliados sobre a necessidade de sua proteção – nesta situação, caso haja de fato excepcionalidade na edificação e seja evidente a importância de se preservá-lo naquelas condições, o tombamento mostra-se como um instrumento adequado. Contudo, vale ressaltar que é possível adequar edificações industriais para outros usos, inclusive residencial.

Uma experiência que progrediu nesse sentido é a do Projeto Oficina-Escola de Artes e Ofícios, na cidade de Santana de Parnaíba, que desenvolve ações de educação patrimonial, formação e capacitação de jovens em obras de conservação e restauro. 41

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

Além disso, a fixação de parâmetros urbanísticos quando da elaboração das normativas operantes nas áreas de preservação, de modo a não permitir a demolição desenfreada que possa vir a acabar com a percepção da paisagem de bairros como o da Lapa de Baixo, pode ser uma solução rápida e eficaz. Esclarecidos os valores de altura máxima, taxa de ocupação, área construída, recuos e taxa de permeabilidade, é possível incentivar a preservação, uma vez que reformular ou reciclar um edifício é menos custoso e pode, mesmo assim, gerar lucros significativos, além de produzir menos resíduos de obras e preservar a arquitetura de uma época. Em conjunto à formulação das especificidades de planejamento, sugere-se ainda que haja uma maior difusão do inventário enquanto prática de preservação constante e sistemática, referencial para o planejamento da cidade. Assim, apesar de não se constituir efetivamente como instrumento de salvaguarda, pois não impõe restrições físicas de proteção, o inventário enquanto procedimento de análise, registro e reconhecimento pode fornecer bases para orientar novas edificações, pois subsidiaria a definição de áreas a preservar. Além disso, a manutenção e a atualização constante de um inventário geral de imóveis garante a produção de documentação gráfica e a recolha de informação histórica elementar. Com o objetivo de integrar as ações de pla-

nejamento e preservação, e retomando as análises realizadas nos capítulos anteriores, que identificam os diversos contextos em que o bairro da Lapa está inserido, são propostas diretrizes que possam servir como documento de registro, além de orientar e subsidiar futuros estudos e propostas a serem elaboradas na porção relativa à Lapa de Baixo. São elas: - reconhecimento do patrimônio urbano como procriador de sentidos, produto da sociedade e de suas práticas, sendo, portanto, parte do imaginário urbano. Deve haver um estudo aprofundado de suas apropriações, materialidades, significações cultural e social e articulações com a sociedade, de forma a promover sua identidade e reapropriação. - formulação de um plano de gestão no bairro, elaborado em parceria entre a sociedade civil e o poder público, em ambas as instâncias de planejamento e preservação. No Plano Diretor de 2004, são sugeridos os Planos de Bairro, que permitem maior participação local nas iniciativas e decisões do processo de transformação da cidade. - reversão do quadro da substituição desenfreada, a partir da suspensão da construção de edifícios que não guardam relação com o caráter arquitetônico do entorno. Devem ser avaliadas as novas edificações, com um objetivo único e comum: estabelecimento de diálogo entre o pré-existente e o novo. Os novos projetos devem se inserir de forma 113


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harmoniosa no contexto urbano, num equilíbrio de mudanças e permanências. - a questão dos parâmetros urbanísticos a serem aplicados quando da elaboração de novos planos e projetos deve ser analisada caso a caso, de acordo com as características dos demais edifícios do entorno. No caso da Lapa de Baixo, conforme levantamento realizado lote a lote, a mais elevada das edificações não ultrapassa dois pavimentos. Os prédios de maior altura são conjuntos habitacionais para população de baixa renda, localizados já próximos à ponte sobre a ferrovia, possuem quatro pavimentos. Nesse sentido, foi observado que a morfologia média do tecido construído do bairro possui um limite máximo de gabaritos de três pavimentos, ou aproximadamente nove metros de altura. Com isso, define-se esta a altura máxima para as novas edificações, excetuando-se os lotes lindeiros aos conjuntos urbanos e exemplares arquitetônicos selecionados no levantamento de edifícios relevantes para preservação – nestes casos, a altura da nova edificação deve dialogar com o entorno, permitindo a continuidade da leitura daquela paisagem. O mesmo vale para os recuos: devem condizer com o padrão característico do tecido pré-existente. No caso de alinhamentos na calçada, como ocorre na maior parte das edificações da Lapa de Baixo, devem ser aconselhadas as construções de jardins internos e/ ou maior permeabilidade na parte posterior dos lotes, 114

de forma a garantir a salubridade das novas edificações. - as edificações indicadas pela população como significativas deveriam passar por um novo estudo, onde seriam estipulados níveis de proteção para sua salvaguarda a serem regulamentados com plena participação dos órgãos de preservação na elaboração do Plano Diretor. O tombamento fica, portanto, restrito aos imóveis de valor excepcional, sendo incluída a questão da escala urbana na discussão dos órgãos de preservação. Ainda que o tombamento não seja a melhor alternativa, poderiam ser traçadas diretrizes simples de manutenção de suas fachadas, volumetrias, além do incentivo contra demolições e descaracterizações. Isenções de impostos prediais podem servir como uma espécie de benefício aos proprietários que preservem seus imóveis ou executem reformas ou obras de conservação periódicas, orientadas por profissionais competentes. No caso das edificações e conjuntos apontados no capítulo anterior, acredita-se que a própria educação patrimonial e difusão do conhecimento acerca da história do bairro sejam, por si só, favoráveis à manutenção de suas características. De toda forma, as diretrizes referentes aos parâmetros urbanísticos, bem como a inventariação desses exemplares, podem contribuir para sua perpetuação. Os órgãos de planejamento e preservação, a partir de uma iniciativa interligada de ação, deve abrir diálogo


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com os moradores e ouvir suas sugestões acerca do que é considerado relevante para a manutenção da memória do bairro, propondo e traçando planos alternativos de preservação e conscientização popular. A partir das diretrizes propostas, espera-se uma configuração urbana mais democrática e integrada, com o desenvolvimento ocorrendo junto à preservação. É evidente que, para soluções e alternativas mais adequadas, é necessário que sejam realizadas análises técnicas, principalmente em escala de bairro, para que haja uma verdadeira integração das ações de planejamento e preservação em conjunto com a participação da população. Embora este trabalho tenha tido como foco um recorte específico do bairro da Lapa, ao abordá-lo como paisagem urbana, percebeu-se que é impossível dissociá-lo do conjunto da cidade, principalmente quando sua identidade cultural está diretamente relacionada ao processo de industrialização que possibilitou a formação e a caracterização de outras porções de território em São Paulo. Sendo assim, estes núcleos deveriam ser articulados em um projeto conjunto de identificação e reconhecimento, permitindo um avanço na leitura do patrimônio industrial desses antigos bairros operários, resultando num projeto de patrimônio em rede, propiciando seu conhecimento e preservação. Por fim, espera-se que este trabalho possa

dar insumos a práticas futuras de conservação integrada, em que sejam levadas em consideração as especificidades do território estudado para dar resultado a projetos e planos como os ilustrados aqui, das ZPPAUP, na França, ou dos Planos Reguladores, na Itália. Neste sentido, há um grande avanço por parte desses países de integrar as normativas do planejamento às de preservação, conforme pôde ser visto na complexidade do mapas resultantes de anos de elaboração, entendimento e leitura. Assim, espera-se que o estudo aqui apresentado possa fornecer direções para um plano tão elaborado e que efetivamente proteja o patrimônio de nossas cidades e bairros.

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PATRIMÔNIO URBANO NO BAIRRO DA LAPA

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