UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO CURSO DE ARTES VISUAIS - LICENCIATURA
RENATA DAMUS
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS SIGNIFICATIVAS NO ENSINO DE ARTES VISUAIS: ALGUMAS REFLEXÕES
Campo Grande, MS 2017
RENATA DAMUS
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS SIGNIFICATIVAS NO ENSINO DE ARTES VISUAIS: ALGUMAS REFLEXÕES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito para conclusão do curso de Artes Visuais Licenciatura. Orientadora: Prof. Ma. Aline Sesti Cerutti
Campo Grande, MS 2017
RENATA DAMUS
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS SIGNIFICATIVAS NO ENSINO DE ARTES VISUAIS: ALGUMAS REFLEXÕES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito para conclusão do curso de Artes Visuais Licenciatura.
Campo Grande, MS, 15 de dezembro de 2017.
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________________ Prof. Ma. Aline Sesti Cerutti Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
__________________________________________________ Prof. Ma. Maria Célene de Figueiredo Nessimian Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
__________________________________________________ Prof. Ma. Nilva Heinbach Instituto de Ensino Superior da FUNLEC (IESFUNLEC)
Ao Caio, metadinha de mim.
RESUMO
Por meio da observação das aulas de Artes durante o Estágio Obrigatório realizado pela pesquisadora, foi percebido que alguns professores repetiam certas práticas artísticas que há muito são apontadas como ultrapassadas pelos estudiosos do ensino de arte, como, por exemplo, oferecer aos alunos desenhos impressos para colorir com lápis de cor. Desta falta de diversificação das estratégias pedagógicas, resulta a formação de alunos desinteressados e apáticos durante as aulas de Artes. Ao rever a história do ensino da Arte, foi possível levantar alguns aspectos considerados importantes na relação professor/aluno para uma efetiva aprendizagem desta disciplina, a saber: a experiência; a empatia e a mediação. Para refletir sobre o assunto, buscou-se embasamento nos estudos teóricos de John Dewey e Herbert Read, cuja influência para o ensino de arte pode ser sentida tanto no Brasil quanto no exterior. A partir dos pontos observados nos estudos dos dois autores, criou-se um diálogo com o pensamento de autoras contemporâneas brasileiras, como Ana Mae Barbosa, Maria Rezende e Fusari, Maria Heloísa Ferraz, Mirian Celeste Martins e Rosa Iavelberg. Para fazer um contraponto com as observações realizadas durante o Estágio Obrigatório e compreender a importância dos aspectos levantados durante a pesquisa, foi realizada a observação participante das aulas de Artes com duas turmas de 3ºs e uma turma de 5º ano da Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, em Campo Grande. Além disso, realizou-se uma entrevista com o professor de Artes da instituição. A reflexão feita a partir da análise dos dados mostrou a importância para que o processo de ensino e aprendizagem em Artes Visuais fosse de qualidade, e o resultado obtido nesta pesquisa visa contribuir para que professores e acadêmicos de Artes Visuais questionem e reflitam sobre suas práticas, naquilo que tem sido a presença nas aulas de Arte nas escolas e (re)pensem a prática com novas estratégias para, justamente, evitar a repetição de fórmulas e pensamentos de outros tempos que, muitas vezes, não funcionam mais com o perfil dos alunos da contemporaneidade. Palavras-chave: Professor. Aluno. Mediação. Experiência. Empatia. Aula de Artes.
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
AAI
Ambiente de Aprendizagem Integrador
ACC
Atividades Curriculares Complementares
AIBA
Academia Imperial de Belas Artes
DC
Diário de Campo
E
Entrevista
EAB
Escolinha de Arte do Brasil
ETI
Escola de Tempo Integral
FACSUL
Faculdade Mato Grosso do Sul
IESFUNLEC Instituto de Ensino Superior da Fundação Lowtons de Educação e Cultura LAO
Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro
LAOSP
Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo
LDBEN
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MS
Mato Grosso do Sul
PCN
Parâmetros Curriculares Nacionais
PPP
Projeto Político Pedagógico
REME
Rede Municipal de Ensino de Campo Grande
UEMS
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
UFMS
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 –
Atividade prática com alunos do 1º ano em uma escola pública de Campo Grande: desenhos impressos para colorir com lápis de cor. ............................... 23
Figura 2 –
Henrique José da Silva, Quatro estudos, cópia de Michelângelo ........................ 26
Figura 3 –
Desenho produzido por criança, pertencente à coleção de Mário de Andrade. .. 30
Figura 4 –
Desenhos criados pelas crianças da Escolinha de Arte do Brasil-RJ, orientadas pelas professoras Silvia Aderne e Maria Luiza Santos, s/d................................. 32
Figura 5 –
Atividade prática com alunos 8º ano em uma escola particular de Campo Grande: colorir com lápis de cor um desenho da pintura “Quarto de Arles”, de Vincent Van Gogh ............................................................................................... 38
Figura 6 –
Bancada com pias no Laboratório de Artes na ETI Ana Lúcia ........................... 59
Figura 7 –
Bancada, armários e escaninhos no Laboratório de Artes na ETI Ana Lúcia ..... 60
Figura 8 –
Janelas do Laboratório de Artes na ETI Ana Lúcia. ........................................... 60
Figura 9 –
Varal para secagem dos trabalhos dos alunos. .................................................... 61
Figura 10 – Alunos sentados e deitados no chão do corredor desenhando. ........................... 61 Figura 11 – Alunos pesquisando poemas de Manoel de Barros nos computadores. .............. 62 Figura 12 – Alunos prestando atenção na explicação do professor Henrique sobre pintura com textura. ......................................................................................................... 63 Figura 13 – Fundo da pintura feito com a técnica do esponjado. ........................................... 64 Figura 14 – Compilação de alguns dos trabalhos feitos pelos alunos do 5º ano B, da ETI Ana Lúcia de Oliveira Batista. .................................................................................... 64 Figura 15 – Professor conversando com os alunos, resolvendo uma situação de conflito. .... 66 Figura 16 – Professor Henrique fazendo observações sobre o desenho do aluno. ................. 66 Figura 17 – Desenho de uma taça com canudo dentro feito pela aluna. ................................ 68 Figura 18 – Modelo de mapas cartográficos feitos por alunos. .............................................. 93 Figura 19 – Detalhe de uma das páginas da HQ “Amor Sobre Rodas”, de Wanick Correia. 95 Figura 20 – Circulação, de Wagner Thomaz. Série Sublimação. Impressão sublimática sobre azulejo, 2014, 20 x 20 cm. .................................................................................. 96 Figura 21 – Modelo de ficha de auto avaliação ...................................................................... 99
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Quadro dos professores de Artes do Ensino Fundamental I da ETI Ana Lúcia de Oliveira Batista .................................................................................................... 58 Quadro 2 – Horário das aulas observadas na ETI Ana Lúcia de Oliveira Batista. ................ 77
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 19
2
REFLEXÕES SOBRE O APRENDER E ENSINAR ARTES VISUAIS ............ 22
2.1
BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO ENSINO DE ARTE NO BRASIL ...................................................................................................................... 24
2.1.1
A Missão Artística Francesa e a Academia Imperial de Belas Artes ......................... 24
2.1.2
O Liceu de Artes e Ofícios e o ensino de desenho na educação popular ................... 26
2.1.3
A virada modernista: Escola Nova e a Escolinha do Brasil ....................................... 28
2.1.3.1 Escola Nova ................................................................................................................ 28 2.1.3.2 Escolinha de Arte do Brasil (EAB)............................................................................. 30 2.1.4
Virada pós-moderna: da escola tecnicista ao movimento arte-educação ................... 33
2.1.5
O ensino de arte na atualidade: entre permanências e rupturas .................................. 38
3
UMA REVISITA ÀS TEORIAS DE JOHN DEWEY E HERBERT READ ...... 40
3.1
JOHN DEWEY: A EXPERIÊNCIA E O APRENDER FAZENDO ......................... 41
3.2
HERBERT READ: A EDUCAÇÃO PELA ARTE ................................................... 43
3.3
DIÁLOGO CONTEMPORÂNEO COM AS IDEIAS DE DEWEY E READ.......... 46
3.3.1
Experiência ................................................................................................................. 47
3.3.2
Empatia....................................................................................................................... 50
3.3.3
Mediação .................................................................................................................... 51
4
O ENSINO DE ARTE NA ETI ANA LÚCIA DE OLIVEIRA BATISTA ......... 54
4.1
PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................. 54
4.2
A ESCOLA................................................................................................................. 55
4.3
O ENSINO DE ARTES VISUAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL I NA ETI ANA LÚCIA DE OLIVEIRA BATISTA ............................................................................ 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 70 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 72 ANEXO A – Carta de Apresentação da Pesquisa ...................................................... 75 APÊNDICE B – Entrevista com o Professor Henrique de Oliveira Batistote (E) .... 83 APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ................. 85 PROJETO DE CURSO PARA O ENSINO DE ARTES VISUAIS: Novos olhares sobre o patrimônio cultural de Campo Grande .......................................................... 87
19
1 INTRODUÇÃO No ano de 2015 decidi retornar à graduação, depois de ter concluído o bacharelado em Educação Artística há quase 20 anos. Várias situações foram vivenciadas ao longo desse período, tanto no campo pessoal como no profissional, ocasionando a perda de sentido de alguns dos assuntos aprendidos naquela época. O mundo se transformou e, com isso, boa parte daquilo que eu sabia, ou pensava saber, já deixou de ser viável. O mesmo serve para falar sobre o que tenho percebido em relação ao ensino de Arte nas escolas. O que me impeliu a regressar à universidade, para obter a licenciatura desta vez, teve sua gênese nas observações informais das aulas de Artes do meu filho Caio, hoje com 11 anos. Desde seu ingresso no ambiente escolar, aos seis meses de idade, até o momento, Caio esteve sob a responsabilidade de vários profissionais, muitos deles ex-colegas do curso de Educação Artística da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), onde me graduei e, até mesmo, ex-alunas do curso de licenciatura em Artes Visuais do Instituto de Ensino Superior da Fundação Lowtons de Educação e Cultura (IESFUNLEC), em Campo Grande, onde lecionei de 2010 a 2013. Ele, que gosta tanto de desenhar e se mostra criativo nas atividades propostas por mim em casa, não demonstra tanto interesse quando essas práticas acontecem no ambiente escolar. Confesso minha frustração ao perceber que muitas das professoras repetiam com ele, e, consequentemente com toda a sua turma, as mesmas práticas experimentadas por mim na época em que frequentei a educação básica, na década de 1980. A hipótese surgida dessa observação é que o ensino de arte pouco ou nada havia mudado no decurso desses anos todos. Nestes últimos meses, durante a etapa de vivência, observação e coleta de dados do estágio obrigatório para a conclusão do curso de licenciatura, minhas percepções e o relato dos meus colegas corroboraram para reforçar a hipótese de que, ainda nos dias atuais, essa reprodução de saberes e a falta de diversificação das estratégias pedagógicas eram uma constante em algumas aulas. O resultado disso, também observado pelos meus colegas de faculdade durante seus estágios, de modo geral, é a formação de alunos desinteressados e apáticos durante as aulas de Artes Visuais. Não há como negar as mudanças em todos os níveis relacionais geradas desde os últimos anos do século XX. A geração que frequenta a escola nos dias atuais tem um modo de aprender que difere daqueles que viveram a infância no século passado. Todas as transformações na sociedade, entre as quais as tecnológicas, têm um enorme peso, influenciando significativamente a forma como funciona o sentido, o raciocínio desses jovens
20
e, por consequência, o modo como eles aprendem. Por isso que a apatia e a falta de engajamento não combinam com esses jovens de hoje, mesmo diante do ambiente escolar. Dessa forma, propus realizar uma pesquisa com o intuito de levantar aspectos considerados importantes na relação professor/aluno para uma efetiva aprendizagem dessa disciplina na contemporaneidade. O principal desafio deste estudo foi verificar o quê, ou quais práticas poderiam fazer a diferença junto com os alunos, a partir das principais correntes e concepções que guiaram o ensino de Arte no Brasil. Assim, busquei na história do ensino da arte no Brasil alguns itens para serem analisados com um pouco mais de profundidade. A base bibliográfica da análise se sustenta nos estudos teóricos de John Dewey (1859-1952) e Herbert Read (1893-1968), por terem influenciado sobremaneira o ensino de arte, tanto no Brasil como no exterior. Além desses autores, busquei criar relações com as propostas de Ana Mae Barbosa, Maria Rezende e Fusari, Maria Heloísa Ferraz, Mirian Celeste Martins e Rosa Iavelberg, por serem as estudiosas de destaque no campo do ensino da Arte no Brasil. A abordagem adotada para a pesquisa foi a qualitativa. Segundo André (2012), os estudos qualitativos são importantes por proporcionarem uma relação entre teoria e prática, uma vez que oferecem ferramentas eficazes para interpretação das questões didáticopedagógicas. A coleta dos dados, para a verificação da qualidade das experiências resultantes da aplicação efetiva das concepções e práticas analisadas (mediação, experiência e empatia), no contexto da prática escolar, foi feita durante as aulas de artes realizadas com os alunos de 3º e 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, em Campo Grande. Além disso, foi realizada uma entrevista com o professor de Artes Visuais dessa escola, para verificar, concomitantemente, se a sua prática era condizente com a sua fala e com as observações. Assim sendo, essa pesquisa, que tem como título “Concepções e práticas significativas no ensino de Artes Visuais: algumas reflexões”, apresenta os seguintes capítulos: O capítulo “Reflexões sobre o aprender e ensinar artes visuais” apresenta uma breve revisão histórica do ensino de arte, com o intuito de verificar como que se davam os processos de ensino e aprendizagem nas principais tendências e concepções que guiaram o ensino de Arte nas escolas brasileiras. No capítulo seguinte, “Uma revisita às teorias de John Dewey e Herbert Read ”, apresento uma reflexão sobre algumas ideias dos dois autores, para verificar como que o processo de ensino e aprendizagem era visto por eles. A partir dessas observações, crio um
21
diálogo entre os conceitos apresentados e o pensamento de autoras como Ana Mae Barbosa, Maria Rezende e Fusari, Maria Heloísa Ferraz, Mirian Celeste Martins e Rosa Iavelberg. No capítulo “O ensino de Arte na Escola de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista”, apresento um histórico da escola, a problematização e a metodologia adotada pelos professores, assim como os dados coletados durante as aulas de Artes com os alunos de 3º e do 5º ano do Ensino Fundamental I e da entrevista com o professor. A análise dos resultados mostra a relação com o referencial teórico, apontando os aspectos considerados importantes no processo educacional e as possíveis ligações com as correntes e concepções que guiaram o ensino de Arte. No final do TCC, apresento o Projeto de Curso (PC) “Novos Olhares sobre o patrimônio cultural de Campo Grande”, que tem como foco a arte e a cultura regional, com recorte no patrimônio cultural artístico da cidade de Campo Grande, a ser desenvolvido em dez aulas junto com os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II. O objetivo geral do PC é fazer com que os alunos sejam capazes de conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio cultural artístico da cidade, aproximando o conceito de sua vivência. Entre os objetivos específicos: oportunizar a descoberta do universo do patrimônio cultural artístico da cidade; desenvolver a sensibilidade estética; e experimentar o fazer artístico, expressando ideias, sentimentos e pensamentos, por meio de linguagens artísticas. Como resultado desse TCC, espero que, de alguma forma, ele possa ser aproveitado por professores e acadêmicos de Artes Visuais questionadores sobre aquilo que se tem presenciado em algumas das aulas de artes nas escolas, para justamente, ajuda-los a (re)pensar a prática do ensino da arte com novas estratégias, incorporando as concepções aqui apresentadas, a experiência, a empatia e a mediação, e evitar a repetição de fórmulas e pensamentos de outros tempos que, muitas vezes, não funcionam mais com os alunos de hoje.
22
2 REFLEXÕES SOBRE O APRENDER E ENSINAR ARTES VISUAIS Apesar de todas as transformações ocorridas na sociedade desde o último século, ao adentramos uma sala de aula nos dias atuais, um adulto desavisado pode ter a impressão de que a instituição escola é a mesma dos tempos em que ele próprio, ou seus pais, frequentaram o colégio. Seja o modo de organizar o tempo e o espaço escolar, classificar e avaliar os alunos, até a divisão do conhecimento em disciplinas e os discentes em turmas, parece, aos olhos dos envolvidos no ambiente educacional, não apenas natural, mas, sobretudo, inevitável, como se não fosse possível fazer de outra maneira (MARTINS, 2017; ASSIS, 2017). Inclusive o andamento das aulas, como aponta Requeijo (2017, p. 76), segue quase sempre o mesmo padrão: “[...] chamada, sumário, exposição de conteúdos, dúvidas, resolução de exercícios do manual”, que resultam no que pode ser visto em praticamente todas as salas de aula: Turma [...], aparentemente atenta, mas sem capacidade de questionar, de colocar dúvidas, muito pouco participativa, formatada para passar do quadro para o caderno fórmulas e definições, e preocupada desde o primeiro momento com «o que sai [sic] no exame» (REQUEIJO, 2017, p. 76).
Os modelos pedagógicos, que outrora revolucionaram a educação, parecem não estar dando conta das necessidades da nova geração, a do século XXI. Como observa Miranda (2013, p. 13): “há uma descontinuidade perceptível entre o modelo de formação escolar que se instituiu ao longo dos últimos séculos e o tipo de formação que a sociedade, o mercado e outras instâncias sociais requerem hoje do indivíduo”. Essa questão, que vai além do escopo desta pesquisa, mas que, ainda assim, revela pontos essenciais à reflexão aqui proposta, mostra que há tempos existe a necessidade de realizar uma crítica radical ao modelo educacional vigente na maioria das escolas brasileiras. Isso se torna evidente quando a atenção é voltada especificamente para as aulas de Artes. E não é de hoje que esse assunto incomoda. Ana Mae Barbosa menciona que métodos e conteúdos que se originaram no século XIX, e que se afirmaram educacionalmente no início do século XX, ainda eram vistos nas escolas públicas em São Paulo no final dos anos 1970: Nas artes visuais ainda domina na sala de aula o ensino de desenho geométrico, o laissez-faire, temas banais, as folhas para colorir, a variação de técnicas e o desenho de observação, os mesmos métodos, procedimentos e princípios ideológicos encontrados numa pesquisa feita em programas de ensino de artes de 1971 e 1973 (BARBOSA, 1989, p. 172).
23
Passados mais de trinta anos da constatação da Ana Mae Barbosa, ainda são encontradas evidências dessas práticas de ensino1, que se perpetuam ano após ano sem qualquer reflexão, sendo realizadas ainda nos dias atuais, tais como: produção de desenho livre; atividades artísticas sem qualquer proposta; cópia de conteúdo do livro didático; atividades voltadas para datas comemorativas (Figura 1) pintura de desenhos e figuras xerocopiadas e/ou estereotipadas, etc. Figura 1 – Atividade prática realizada com alunos do 1º ano em uma escola pública de Campo Grande: desenhos impressos com tema de Natal para colorir com lápis de cor.
Fonte: Arquivo pessoal, 2016.
Assim, os relatos dos profissionais corroboraram com as minhas percepções iniciais, de que uma das causas para vermos tantos alunos indiferentes durante as aulas de Artes Visuais é a reprodução de saberes e a falta de diversificação das estratégias pedagógicas. Sigo, então, as orientações da professora Maria Celéne Nessimian: Como o novo só existe em referência a algo, para termos clareza sobre esse novo, é importante o conhecimento e mesmo domínio de nossa trajetória e das diferentes propostas para a educação em Arte. O conhecimento do passado como reflexão e articulação entre presente e futuro é premente, a fim de não ficarmos numa ignorância teórica. Para um professor compromissado com o seu trabalho, é fundamental o conhecimento dessa trajetória, como forma de articular permanentemente o que fez, com o que faz e com o que pretende fazer (NESSIMIAN, 2001, p. 14). 1
As informações sobre as práticas realizadas em sala de aula foram obtidas por meio dos relatos das experiências dos acadêmicos durante a apresentação dos Seminários de Avaliação das disciplinas Estágio Obrigatório I, II e III, ocorridos em 18 de janeiro, 31 de maio e 2 de outubro de 2017, respectivamente, realizados nas dependências do curso de Artes Visuais da UFMS.
24
Assim, com o intuito de refletir sobre quais aspectos ligados ao ensino e a aprendizagem poderiam ter alguma significância para os alunos dos dias atuais, senti a necessidade de voltar à história do ensino da arte. Para isso, recorri aos textos das principais estudiosas nesse campo: Ana Mae Barbosa, Maria Rezende e Fusari, Maria Heloísa Ferraz, Mirian Celeste Martins e Rosa Iavelberg. 2.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO ENSINO DE ARTE NO BRASIL É importante reconhecer que, historicamente, a arte sempre esteve presente na humanidade em praticamente todas as formações culturais, sendo transmitida de geração em geração, por tradição ou por ensino. No Brasil, notadamente, não há como desvincular o ensino da Arte dos movimentos que desencadearam as transformações na educação neste país, uma vez que a Companhia de Jesus, o principal agente da educação escolar até 1759, se apropriou da linguagem artística como estratégia para chegar ao objetivo da catequese dos “povos bárbaros”. Contudo, o ensino sistematizado de Arte no Brasil tem um passado um pouco mais recente. Dessa forma, minhas reflexões, aqui expostas de forma breve, tiveram como início a chegada da Missão Francesa ao país e a criação da Academia Imperial de Belas Artes, para então seguir até os dias atuais. 2.1.1 A Missão Artística Francesa e a Academia Imperial de Belas Artes Analisando o fio histórico, as primeiras instituições de ensino de arte que surgiram no país foram criadas a partir da chegada da vinda da família real portuguesa, por ocasião da invasão do exército napoleônico em Portugal. O acontecimento foi um divisor de águas para a história e para a sociedade brasileira: de colônia, o Brasil se transformou em sede da Coroa Portuguesa e, com isso, tornou-se imprescindível adequar a educação e a cultura do país aos novos padrões exigidos pela monarquia. Por isso, em 1816 foi decretada a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, que deveria ter suas aulas ministradas por artistas franceses, chefiados por Joachim Le Breton. O grupo ficou conhecido como Missão Artística Francesa, marco inicial do ensino sistematizado das artes no Brasil (BARBOSA; COUTINHO, 2011). Pelo projeto inicial, Le Breton pensava em criar uma instituição nos moldes franceses dos séculos XVII e XVIII, com a intenção da “elevação da condição do artista na sociedade, procurando aliar suas habilidades manuais ao conhecimento intelectual que somente
a
formação
acadêmica
[...]
poderia
proporcionar
naquele
momento”
(CORTELAZZO, 2004, p. 28). Contudo, o decreto nem chegou a ser implantado: logo nos
25
primeiros anos da chegada dos artistas franceses ao Brasil, suas atividades ficaram praticamente restritas aos ofícios particulares e às pinturas para a Corte. Em 1820, um decreto alterou o nome da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios para Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. Por conta de rixas artísticas entre portugueses (impregnados pelo Barroco/Rococó) e franceses (adeptos do Neoclássico), além de problemas financeiros, a escola só saiu do papel em definitivo em 1826, quatro anos após a declaração da Independência do Brasil, já com o nome de Academia Imperial de Belas Artes (AIBA). O ensino da AIBA, primeira instituição pública de formação para as Artes no Brasil, dividia-se nas especialidades de escultura, pintura histórica, pintura de paisagem e arquitetura. Além dessas quatro divisões, havia também aulas de desenho, anatomia e fisiologia, funcionando como disciplinas complementares aos quatro cursos da escola. Os alunos frequentavam as aulas seguindo os mesmos preceitos das Academias europeias, em que se destacavam o ensino e aprendizado do desenho observado. Segundo Patrícia Cortelazzo (2009, p. 144), doutora em Artes e com pesquisas sobre o ensino de desenho na Academia Imperial de Belas Artes, os estudos do desenho eram iniciados pelo aprendizado mais elementar sobre a geometria: linhas, circunferências, ângulos, polígonos e, a partir desses conhecimentos, a perspectiva, as proporções e o equilíbrio. Depois, vinha o estudo da figura humana, que era aprendida em partes separadas e completas. Cortelazzo (2004, p. 39) conta que, embora fosse aconselhável o estudo ao ar livre, os alunos praticavam o desenho (Figura 2) através de cópias de estampas, réplicas de quadros e modelos em gesso da coleção da academia, pois “a cópia dos grandes mestres da Antiguidade era aconselhada, para que o artista [...] conseguisse captar sua essência”. Ela complementa: Os modelos utilizados nas aulas eram réplicas de pinturas, estampas e trabalhos dos próprios professores. [...] Os alunos eram incentivados a imitálos, para adquirirem conhecimento e, também, para aprenderem a desenhar conforme os grandes artistas da Antiguidade e do Renascimento. [...] A imitação não significava necessariamente copiar um modelo [...] implicava remodelar a estética da imagem em estudo. Porém, para que o aluno chegasse ao ponto esperado, era necessário que treinasse seu desenho, primeiramente, através de cópias de desenhos dos professores e dos modelos clássicos para, em seguida, aplicar seus conhecimentos de maneira a superar o original (CORTELAZZO, 2004, p. 39).
Como a pesquisadora conclui, o sistema de ensino imposto por Le Breton aos alunos era bastante rígido, pois ele acreditava que a imaginação e o sentimento eram controlados pela
26
“concepção histórica”, dessa forma, se os alunos fossem deixados ao seu próprio instinto ou sentimento, jamais se tornariam “grandes artistas” (CORTELAZZO, 2004, p. 55). Figura 2 – Henrique José da Silva, Quatro estudos, cópia de Michelângelo
Fonte: (Cortelazzo, 2009, p. 145.
O que se constata pelo material pesquisado, é que o uso das cópias como ferramenta didática era uma característica geral das academias. Naquele momento, foi um método de grande importância para o desenvolvimento artístico dos alunos daquela escola, já que é possível constatar que muitos deles, depois que concluíram os estudos na AIBA se tornaram professores naquela instituição. 2.1.2 O Liceu de Artes e Ofícios e o ensino de desenho na educação popular O período compreendido do final do século XIX ao início do XX foi marcado pela importância atribuída ao desenho na educação popular, sendo o desenho técnico considerado uma das mais importantes matérias da escola primária e secundária, seguindo uma orientação tecnicista. Foi desse período a criação do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro (LAO), em 1856. Segundo Ferraz e Fusari (2009, p. 43), o LAO do Rio de Janeiro, assim como os demais liceus2 criados, surgiram para atender a “demanda de preparação de habilidades técnicas e mão de obra especializada, consideradas fundamentais à urbanização e expansão da 2
Considerada, durante muitas décadas, a principal escola profissionalizante do Brasil, o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro serviu de modelo para a criação de instituições similares em diversas cidades do país, como Salvador, São Paulo, Recife, Fortaleza, Juiz de Fora e Petrópolis, entre outras, ainda que nenhuma delas tivesse qualquer vínculo institucional com a escola carioca (COUTO, s/d).
27
indústria nacional”. O ensino de arte, nesse contexto, assumiu o papel de preparar mão de obra para o mercado de trabalho. O objetivo do Liceu era formar o operariado que redesenharia a cidade para o novo século que se iniciava, ou seja, transformar a cidade em uma obra de arte, tornando a própria cidade uma vitrine da escola. Das atividades oferecidas no LAO, as aulas de Desenho de Figuras e de Ornatos eram as principais, no entanto, no currículo constavam, ainda, aulas de arquitetura naval, português, aritmética, álgebra, geometria, francês, inglês, música, geografia, estatuária e escultura, caligrafia, história das artes e ofícios, estética, mecânica aplicada, física, química inorgânica e orgânica. Enquanto o Liceu do Rio de Janeiro valorizava o lado artístico e a expressão, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo (LAOSP), criado em 1873, privilegiava o ensino técnico científico, voltado para o cotidiano e formação profissional. O objetivo da instituição paulista era formar artesãos e trabalhadores para as oficinas, por isso a ênfase no desenho técnico. Depois da criação do LAOSP, ideia de educar a nação para o trabalho industrial se propagou, fazendo com que o ensino do desenho geométrico também fosse ensinado nas escolas primárias e secundárias. Nesse período, saber copiar as figuras, objetos ou outros desenhos, que era aprendido nas aulas de desenho, era uma habilidade de grande importância. Reconhecia-se o valor do traço, do contorno e da configuração do desenho, além “do perfeito conhecimento das formas como a reprodução de desenhos de ornatos (estilização de elementos naturais), a cópia e o desenho geométrico” (FERRAZ; FUSARI, 2009, p. 45), justamente com vistas à preparação do estudante para a vida profissional. De acordo com Fusari e Ferraz (2001, p. 27), nas aulas de Arte predominava a teoria estética mimética, isto é, relacionada a cópias de modelos que os alunos simplesmente imitavam. o ideal era que os alunos apresentassem os desenhos “como "cópias" do ambiente circundante (produções artísticas mais realistas) ou como gostariam que ele fosse (produções artísticas mais idealistas)”. Esse tipo de exercício era uma recomendação vinda a partir das propostas da corrente liberal, encabeçadas por Rui Barbosa. Foi nesse período que surgiu a cartilha Geometria Popular, escrita pelo professor Abílio César Pereira Borges. O livro, com exercícios de memória idênticos aos propostos no livro Teacher's manual for free hand drawing, do pedagogo estadunidense Walter Smith (1873), recomendava o ensino do desenho com exercícios da observação, por meio da cópia de estampas e modelos sólidos. Segundo Barbosa (2015b), o livro de Abílio César Pereira Borges, do qual se extraiu a metodologia do desenho geométrico teve, no mínimo, 41 edições, e foi usado nas escolas até 1959,
28
aproximadamente. No entanto, o ensino de desenho geométrico continuou sendo visto em muitas aulas de arte, atravessando várias reformas educacionais, até fins do século XX. Ana Mae Barbosa (1978) conta que as aulas eram encaminhadas através de exercícios, com reproduções de modelos propostos pelo professor, que seriam fixados pela repetição, buscando sempre o seu aprimoramento e destreza motora. Os conteúdos trabalhados eram o estudo das formas geométricas, ditados e exercícios de memória; depois se seguiam os estudos de ornamentos e análises de folhas em superfície plana. Eram propostos também o desenho de ornamentos e elementos arquitetônicos em diagrama (portais, arcos, colunas) de diferentes períodos, principalmente Barroco e Neoclássico, entre outros exercícios de cópia e repetição. O que se observa nos textos pesquisados é um domínio da tendência pedagógica tradicional do ensino de arte em todos os períodos relatados, desde os tempos coloniais, cuja didática era pautada na reprodução de modelos prontos e treino exaustivo da habilidade e da técnica, e com o ensino e aprendizagem centrados no professor e na transmissão de conteúdos reprodutivistas, desvinculados da realidade social e das diferenças individuais. Ao aluno, por consequência, competia umaN atitude passiva, ser preparado para o domínio técnico, com habilidade e precisão. No início do século XX, porém, desponta um modelo de ensino em reação ao modelo tradicional, impulsionado por teorias psicopedagógicas inovadoras. 2.1.3 A virada modernista: Escola Nova e a Escolinha do Brasil Na contramão do que vinha sendo visto nas aulas de artes, surge a partir dos anos 1920-1930, aproximadamente, uma tendência sustentada pela estética modernista e com base nos estudos pedagógicos e psicológicos que marcaram o período. Nesse novo modelo, as práticas pedagógicas, que antes enfatizavam a repetição de modelos, são revistas, e passam a focar os processos de desenvolvimento do aluno e sua criação. 2.1.3.1 Escola Nova Um grupo de intelectuais, que via no sistema estatal de ensino público, livre e aberto, o único meio efetivo para combater as desigualdades sociais do país, divulgou, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, embasado nas ideias do filósofo John Dewey (algumas das quais serão abordadas no próximo capítulo deste trabalho). O movimento, que ficou conhecido pelo nome de Escola Nova, defendia a educação como o elemento verdadeiramente eficaz para a construção de uma sociedade democrática,
29
respeitando a individualidade da pessoa, tornando-a apta a refletir e a se inserir na sociedade; e a arte “como instrumento mobilizador da capacidade de criar ligando imaginação e inteligência” (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 15). A estética modernista, que se expandiu nos fins dos anos 1920, influenciada pela Semana de Arte Moderna, favoreceu ainda mais essa nova interpretação, a partir dos debates que sucederam sobre a importância da livreexpressão como um fator da formação artística e estética (ABDALA; VIDAL, 2016). Na Escola Nova, os professores utilizavam encaminhamentos que consideravam o ensino e a aprendizagem, basicamente, como um processo de pesquisa. A ênfase era dada na expressão, isto é, os alunos eram vistos como seres criativos, a quem se deveria oferecer todas as condições possíveis de expressão artística, supondo-se que, assim, ao "aprender fazendo", saberiam fazê-lo, também, cooperativamente, na sociedade. O desenho e as artes eram incentivados, porém, com orientação dos professores para que os alunos desenvolvessem cognitivamente a percepção e a crítica: O desenho como atividade espontânea e criadora, e os trabalhos manuais, com os novos processos adotados pela reforma, devem levar as crianças à convicção de que podem desenhar, modelar e construir o que querem sem necessidade de copiar, proporcionando-lhe a oportunidade de se exprimirem, por meio do desenho ou da massa plástica, com as características fundamentais de seus trabalhos, sinceros e ingênuos, que tendem a perder o caráter infantil à medida que se vão aproximando das manifestações artísticas dos adultos (AZEVEDO, 1931 apud ABDALA; VIDAL, 2016, p. 18).
Assim, a pedagogia escolanovista rompeu com a usual cópia de modelos e partiu para a criatividade e a livre-expressão, privilegiando a inspiração, a sensibilidade e acentuando o respeito à individualidade do aluno. O ensino era centrado no aluno, voltado para seu desenvolvimento natural, com valorização da sua expressão e respeito às suas necessidades e aspirações. As aulas, em que os alunos aprendiam brincando, passaram a ter um caráter mais expressivo, através da busca pela espontaneidade do aluno. “As atividades de Artes Plásticas mostram-se como espaço de invenção, autonomia e descobertas, baseando-se principalmente na auto expressão dos alunos” (BRASIL, 1998, p. 24). A Escola Nova apontava o desenho espontâneo como um dos pilares da educação. O desenho infantil (Figura 3) era celebrado pelo “valor da expressão livre de amarras sociais e de dogmas estéticos” (BARBOSA, p. 310). Alguns artistas modernos, como Mário de Andrade e Anita Malfatti, entusiasmados com as ideias propagadas no período e motivados pelas produções artísticas das crianças, criam ateliês e classes de arte, e promovem exposições com esses trabalhos.
30
Figura 3 – Desenho produzido por criança, pertencente à coleção de Mário de Andrade.
Fonte: Itaú Cultural/Reprodução.
Porém, quando o movimento Escola Nova estava no auge e se tentava incluir a livreexpressão nas escolas primárias como proposta de arte-educação, o Estado Novo3 desencadeou a repressão no campo educacional, fazendo com que os métodos escolanovistas deixassem de ser utilizados nas escolas. Além disso, algumas das ideias de John Dewey foram mal interpretadas, fazendo com que vozes críticas despontassem, acusando o movimento escolanovista de abrir mão dos conteúdos tradicionais e de não exigir nada dos alunos, aceitando apenas a sua espontaneidade. Segundo Nessimian (2001, p. 17), “isso provocou um retrocesso em relação à arte-educação, diminuindo-se o interesse por ela e gerando um crescimento do valor dado aos estereótipos em sala de aula”. 2.1.3.2 Escolinha de Arte do Brasil (EAB) A Escolinha de Arte do Brasil (EAB) foi criada em 1948, no Rio de Janeiro, e começou a funcionar nas dependências da Biblioteca Castro Alves. Ela nasceu ancorada no princípio de que a educação é o fundamento da arte, por iniciativa do artista pernambucano Augusto Rodrigues, da artista gaúcha Lúcia Alencastro Valentim e da escultora estadunidense Margareth Spencer. As inspirações para essa experiência, partiram das ideias de pedagogos
3
Estado Novo é o nome que se deu ao período em que Getúlio Vargas governou o Brasil, de 1937 a 1945. Este período ficou marcado, no campo político, por um governo ditatorial.
31
como Helena Antipoff e Anísio Teixeira4, influenciadas pelos princípios dos filósofos e teóricos de Viktor Lowenfeld e Herbert Read5. Segundo Barbosa e Coutinho (2011, p. 25), três mulheres fizeram das EABs a grande escola modernista do ensino da arte no Brasil: as já citadas Margareth Spencer e Lúcia Alencastro Valentim, juntamente com Noêmia Varela, ex-aluna de Herbert Read, criadora da Escolinha de Arte do Recife e, posteriormente, diretora técnica da Escolinha de Arte do Brasil, “grande influenciadora do ensino da arte em direção ao desenvolvimento da criatividade, que caracterizou o modernismo em Arte/Educação”. Apesar de estar ligada à educação fora do espaço da escola formal, a EAB foi de grande importância para o ensino escolar de arte, pois, além das aulas voltadas fundamentalmente para o público infantil, oferecia, ainda, cursos para professores de arte, “chegando mesmo as Escolinhas a serem uma espécie de consultores de arte-educação” (BARBOSA, 1984, p. 15). A EAB adotava um método pouco convencional de ensino, em que a criança “guiava” as experiências educacionais. Os objetivos buscados pelos métodos da Escolinha eram: [...] conseguir, de qualquer maneira, o prazer da criança, quando lhe dão um lápis ou pincel e lhe permitem plenamente que explore, a seu modo, a riquíssima combinação de cores e tons. Só se consegue isso deixando que a atividade se torne instintiva. Em outras palavras: cumpre deixar que a criança descubra seu próprio potencial artístico. A função principal do professor passa a ser sugerir. Antes de mais nada, é preciso criar uma atmosfera que induza a criança a exteriorizar a fantasia rica e cheia de vida que está na sua mente (BRASIL, 1980, p. 28).
Dessa forma, as atividades artísticas propostas pelos professores das Escolinhas de Arte eram lúdicas, ou seja, a criança brincava de experimentar dentro de diferentes modalidades artísticas, como a dança, a pintura, o desenho, o teatro e a poesia. A atmosfera receptiva também incluía elementos da arte popular e do folclore. Uma inovação que a EAB trouxe foi a produção de materiais específicos para o ensino de arte e, também, a sistematização de técnicas pouco conhecidas, que hoje são bastante utilizadas nas aulas de Artes: lápis de cera e anilina; desenho de olhos fechados;
4
Importante ressaltar que Anísio Teixeira teve suas ideias inspiradas pelos princípios humanistas do filósofo estadunidense John Dewey, de quem foi aluno, amigo e tradutor (PRADO, 2000).
5
Segundo Barbosa e Coutinho (2011, p. 24), Herbert Read era frequentemente citado como influenciador do movimento, mas, pela análise dos programas da época, as autoras referenciam que raramente ele utilizado como embasamento teórico.
32
impressão e pintura de dedo, fabricação de brinquedos, mosaico de papel; recorte e colagem coletiva sobre papel preto; carimbo de batata; desenho raspado e de giz molhado, entre outras (EAB, 2017). Uma das responsáveis pela atividade mostrada na figura 4, a professora Silvia Aderne ministrou aulas na Escolinha de Arte do Brasil do Rio de Janeiro de 1962 a 1970. Depois de encontrar essa imagem em uma publicação sobre a Escolinha de Arte do Brasil produzida pelo MEC (BRASIL, 1980), por curiosidade, busquei no Google6 os nomes que apareciam no desenho e consegui localizar o perfil da professora na rede social Facebook. Mandei uma mensagem privada com perguntas sobre essa atividade e ela respondeu. A título de registro, transcrevo aqui suas palavras: Figura 4 – Desenhos criados pelas crianças da Escolinha de Arte do Brasil-RJ, orientadas pelas professoras Silvia Aderne e Maria Luiza Santos, s/d.
Fonte: Brasil, 1980, p. 49.
Eu nem saberia te dizer com precisão como foi feito esse trabalho... mas ao ler os nomes das crianças e da outra professora Maria Luiza Santos sei sim que se trata de trabalho realizado na Escolinha de Arte do Brasil de Augusto Rodrigues e Noêmia Varela, onde tive diversos cursos de Arte na Educação e onde trabalhei por 8 anos como professora nas classes de Atividades Artísticas para crianças e jovens. [...] Lembro-me bem dos nomes dessas “então crianças" com seus nomes ali gravados nesses trabalhos de criação coletiva que eram muito realizados por nós a partir de um tema escolhido. Cheguei na EAB em 1962 onde permaneci até 1970. Era um grande espaço de aprendizagem e vivência da arte voltada para a educação e para a vida. Com muito respeito pelo poder criador e pela livre expressão da criança, do jovem, do ser humano. [...] Hoje tenho 82 anos bem vividos, repleta, repleta de lindas lembranças ainda presentes. O que te passei é fruto de minha vivência. Não estou defendendo uma tese, nem sei se foi certo ou errado... mas é verdadeiro para mim. O que sempre afirmo é que EAB abriu e ampliou minha visão de mundo. Até ali eu era uma professora saída da Escola Normal, sem nenhuma experiência de ensino... a EAB me 6
http://www.google.com.br.
33
enriqueceu, me apontou muitos caminhos, através das diversas formas de expressão, me colocou em contato com incontáveis e bem sucedidos profissionais de diversas áreas como músicos, psicólogos, antropólogos, indigenistas, escritores, poetas, mímicos, artesãos, artistas, arteeducadores...está difícil lembrar seus nomes neste momento: Lea Kauffman, Cecilia Conde, Maria Fux, Noel Nutells, Caetano Veloso, Angel e Klaus Viana...não estou conseguindo lembrar mais nomes agora, mas eram dezenas...inúmeros.. que não só nos davam cursos, palestras, como apenas participavam como convidados especiais semanalmente, dos almoços numa longa mesa montada no pátio externo. Onde todos se comunicavam e trocavam ideias...tudo muito informal e tranquilo (ADERNE, 2017, s/p).
O relato de Silvia Aderne reforça como as Escolinhas de Arte do Brasil pensavam o trabalho com a arte, da necessidade de deixar a criança se expressar livremente usando uma variedade de materiais, como lápis, pincel, tinta, argila etc., e técnicas. Quando a Escolinha de Arte do Brasil se tornou uma multiplicadora de experiências na área de arte e educação, mudou o panorama do ensino artístico no Brasil. Foi a partir daí que foram criados os cursos de licenciatura em educação artística, instituídos em 1973. Contudo, apesar da fundamentação em sólidas teorias, como as propostas por Herbert Read, muitas das ideias propostas pela EAB foram compreendidas de maneira equivocada, levando ao laissez-faire7 que acabou dominando as salas de aula enquanto o ensino de educação artística foi implementado nas escolas brasileiras. 2.1.4 Virada pós-moderna: da escola tecnicista ao movimento arte-educação Em 1971, por meio da Lei n. 5.692, de 11 de agosto8, em seu artigo 7º, a Educação Artística é incluída nos currículos obrigatórios das escolas de 1º e 2º graus. Mesmo que, pela lei a Educação Artística fosse considerada como “atividade educativa”, não como disciplina, a sua inserção foi considerada um avanço, especialmente pelo aspecto de sustentação legal para a prática, e por considerar que houve um entendimento em relação à arte na formação dos indivíduos. No entanto, o resultado desse ato foi contraditório e paradoxal. Por exigência da Lei, de acordo com o artigo 30, passou-se a demandar formação mínima para os docentes9. Dessa forma, foram criados os primeiros cursos de licenciatura em
7
Laissez-faire é uma expressão francesa que significa literalmente "deixar fazer". Termo utilizado para designar uma metodologia que privilegiava a livre-expressão sem maiores compromissos com o conhecimento em arte.
8
Art. 7º - Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969. (BRASIL, 1971).
9
Art 30 - [...] b) no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de 1º grau obtida em curso de curta duração; c) em todo o ensino de
34
Artes na década de 1970, que tinham como objetivo formar professores polivalentes (Artes Cênicas, Desenho, Artes Plásticas e Música). Como havia, ainda, poucos professores habilitados, uma vez que os cursos superiores de licenciatura em Educação Artística recém haviam sido criados, o resultado foi a proliferação de aulas com baixo padrão de qualidade no ensino, práticas diluídas, pouco ou nada fundamentadas, com atividades superficiais e espontâneas; os professores, inseguros por não dominarem as várias modalidades artísticas exigidas, se apoiavam em livros didáticos (FUSARI; FERRAZ, 2001). Cada aula era um acontecimento único e a ênfase era dada na técnica, sem um embasamento da história da arte, ou outros conhecimentos que possibilitassem a contextualização. Com isso, o princípio que norteou a Educação Artística visava apenas desenvolver o talento e criatividade do aluno, preocupando-se somente com “[...] a expressividade individual, com técnicas, mostrando-se, por outro lado, insuficiente no aprofundamento da arte, de sua história e das linguagens artísticas propriamente ditas” (FUSARI; FERRAZ, 2001, p. 21). Essas são as características da escola tecnicista: organização do ensino priorizando técnicas específicas voltadas para aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos. Passados sete anos da inclusão da educação artística no currículo escolar, Ana Mae Barbosa (1984, p. 24) avaliou que aquele período “foi um caos, uma inutilidade, uma excrescência no currículo, com professores despreparados, deslocados e menosprezados pelo sistema escolar”. Depois disso, iniciou um grande período de análises críticas sobre como andava o ensino de Arte nas escolas. A insatisfação acometia toda a sociedade, devido à Ditadura Militar10, e aquele tempo acabou ficando fortemente marcado pela crítica à educação. A partir daí, iniciou-se um ciclo de discussões sobre a valorização e o aprimoramento do professor de arte, com reconhecimento à sua insuficiência de conhecimentos na área, em diversos eventos (encontros, seminários, congressos) em todo o país, promovidos por universidades, associações de arte-educadores e outras entidades. Novos encaminhamentos ao ensino de arte foram propostos, nascendo daí o movimento Arte-Educação. 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente a licenciatura plena (BRASIL, 1971). 10
Ditadura Militar foi o regime instaurado em 1 de abril de 1964 e que durou até 15 de março de 1985, sob comando de sucessivos governos militares. De caráter autoritário e nacionalista, teve início com o golpe militar que derrubou o governo de João Goulart. Foi um período bastante conturbado para a educação brasileira, com escolas e universidades sob forte vigilância, professores aposentados compulsoriamente, alunos expulsos e livros censurados.
35
Como consequência, a corrente progressista, que designa as tendências que partem de uma análise crítica das realidades sociais para sustentar as finalidades da educação, começa a ganhar força. As linhas pedagógicas advindas desse pensamento, que se apresentam por meio das tendências libertadora, libertária e a crítico-social dos conteúdos, trazem o ensino da arte através de práticas não-diretivas, como objeto de reflexão. Por meio do conhecimento e da análise da realidade, os alunos se reconhecem como pertencentes ao meio e, com base em suas práticas, refletem sobre essa realidade, transformando-a. A tendência crítica, no ensino de artes, foi responsável pela introdução da problemática da democratização da cultura, que se produz no embate entre cultura popular versus cultura erudita. A busca da superação das relações de opressão/dominação passa necessariamente pelas questões culturais. De acordo com Iavelberg (2010), essa tendência pode apresentar algumas diferenças na condução do debate e nas propostas, que, para fins didáticos, podem, assim, ser sistematizadas de duas formas, a saber: - A primeira, na qual os teóricos defendem o resgate do saber popular e a valorização da cultura produzida pela classe trabalhadora; trabalham com temas geradores, com destaque aos saberes de cada grupo ou comunidade, considerando os saberes externos como invasão cultural; aprendizagem a partir da realidade, através da análise e consciência das problematizações, como base para a militância política. Identifica-se nessa perspectiva a Pedagogia Libertadora, que tem por expoente o teórico Paulo Freire; - E, a segunda, na qual os estudiosos defendem que a classe trabalhadora se aproprie do saber produzido e acumulado pela humanidade; compreendem que cabe à escola instrumentalizar os alunos para uma participação social e o exercício da cidadania consciente. São representantes dessa tendência os professores José Carlos Libâneo e Demerval Saviani. Identificada com a corrente progressiva de tendência crítica, desponta, no início dos anos 1990, a Proposta Triangular, idealizada pela arte-educadora Ana Mae Barbosa (1998, p. 33). Inicialmente conhecida como Metodologia Triangular, mas depois renomeada, porque, segundo a própria autora, “metodologia é a construção de cada professor em sua sala de aula”, foi concebida como uma revisão dos problemas do ensino e da aprendizagem das artes encontrados até aquele momento, uma vez que ainda predominava nas escolas o ensino geométrico, a livre expressão, os desenhos prontos, as produções baseadas nas datas comemorativas e o estímulo aos estereótipos ou à disciplina a serviço das demais disciplinas. A triangulação proposta por Barbosa tem como fundamentação educacional as concepções dos pensadores John Dewey, Paulo Freire e Elliot Eisner. Os três têm em comum a valorização da experiência: para Dewey, experiência é conhecimento; para Freire, a
36
consciência da experiência é conhecimento; e Eisner enfatiza a imaginação (BARBOSA, 2010). Apesar de ter sido criada a partir dessas bases, como esclarece Barbosa e Coutinho (2011, p. 31), a Proposta Triangular é uma “manifestação pós-moderna brasileira”, respondendo à uma necessidade local, “especialmente a de ler o mundo criticamente [...] sistematizada a partir das condições estéticas e culturais da pós-modernidade”. Em arteeducação, a pós-modernidade caracterizou-se pela entrada da imagem, sua decodificação e interpretações na sala de aula junto com a já conquistada expressividade. A Proposta Triangular, portanto, vem na direção de designar os componentes do ensino artístico por três ações mentalmente e sensorialmente básicas: a produção (fazer artístico), a leitura da obra ou imagem e a contextualização: A Proposta Triangular com esta base conceitual ganha uma amplitude sistêmica, ou seja, passa a ser entendida como um sistema que busca dar conta da epistemologia da arte para o ensino de arte na contemporaneidade. [...] A proposta indica três ações: ler, fazer e contextualizar. Porém não indica uma ordem, o que pode nos levar a uma aparente desordem! Inicialmente, quando da divulgação das experiências com esta nova abordagem, a questão da leitura era uma novidade, pois o ensino até então estava centrado em atividades práticas. Neste contexto, o eixo da proposta passou a ser a leitura contextualizada da obra ou imagem [...] não apenas como leitura crítica da materialidade da obra e de seus princípios decodificadores, mas também como leitura de mundo [...]. Neste sentido, este princípio de leitura está mais próximo da ideia de interpretação cultural e a ação contextualizadora está intrinsecamente relacionada ao ato de ler, ouvir ... perceber e significar o mundo (BARBOSA; COUTINHO, 2011, p. 50).
Em 1988, com a promulgação da nova Constituição, iniciam-se as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN); até sua sanção, foram 8 anos de discussão. Com a Lei n. 9.394/96, publicada em 20 de dezembro de 1996, revogam-se as disposições anteriores e a arte passa a ser considerada disciplina obrigatória na educação básica11. É importante mencionar que, quando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram estabelecidos, segundo Ana Mae Barbosa, os idealizadores utilizaram as ideias, porém, desconsideram todo o seu trabalho com a Proposta Triangular. Segundo Barbosa e Coutinho (2011, p. 32):
11
Art. 26, § 2º - O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos (BRASIL, 1996).
37
[...] desistoricizam nossa experiência educacional para se apresentarem como novidade e receita para a salvação da educação nacional. A nomenclatura dos componentes da aprendizagem triangular designados como fazer arte (ou produção), leitura da obra de arte e contextualização foi trocada para produção, apreciação e reflexão (da primeira à quarta séries) ou produção, apreciação e contextualização (na quinta a oitava séries).
Apesar desse desentendimento, o ensino de arte ganhou um novo direcionamento com os PCNs, uma vez que estes, de acordo com Arslan e Iavelberg (2011, p. 4), “não são uma metodologia nem uma proposta de currículo, e sim um conjunto de princípios que reorientam a visão de ensino da arte, [...] indicando objetivos, conteúdos, orientações didáticas e avaliação”. Os Parâmetros definiram o ensino de arte como uma área de conhecimento, e trouxe propostas para que o professor pudesse “refletir sobre os processos de produção e legitimação da arte e da cultura em uma nova perspectiva” (ARSLAN; IAVELBERG, 2011, p. 4). Enfim, a Arte ocupou o seu espaço no currículo escolar após a promulgação da Lei nº 9.394/96, vigente até os dias atuais, e seu ensino passou a dar ênfase às linguagens das artes visuais, dança, música e teatro. Dentro de cada um dos conteúdos específicos, o refletir, o fazer e o apreciar tornaram a aprendizagem mais significativa. Nestes últimos anos vinte anos, o ensinar/aprender arte sofreu diversas reformulações. Não só os conteúdos mudaram, mas também a interação professor/aluno e os direcionamentos para as propostas metodológicas a serem desenvolvidas em salas de aula; ou deveria ter acontecido dessa maneira, pois, se observarmos algumas aulas de artes mais de perto, ainda é possível enxergar “tradição e inovação [...] imbricadas na articulação entre teorias da arte, educação, práticas sociais e ensino da arte” (ARSLAN; IAVELBERG, 2011, p. 1). Até o conceito sofreu uma pequena mudança. Desde meados de 2000, tem-se utilizado o termo arte/educação (com barra), sugerido por Ana Mae Barbosa em seu livro Arte/Educação Contemporânea (2010): [...] uso as expressões ensino da Arte e Arte/Educação como equivalentes. Prefiro a designação Arte/Educação (com barra) por recomendação de uma linguista, a Lúcia Pimentel, que criticou o uso do hífen como usávamos em Arte-Educação, para dar o sentido de pertencimento. Já a barra, com base na linguagem de computador, é que significa “pertencer a” (BARBOSA, 2010, p. 21).
Muita coisa ainda precisa ser redefinida, mas o que se vê é que o caminho para as mudanças foi aberto e o direcionamento foi dado.
38
2.1.5 O ensino de arte na atualidade: entre permanências e rupturas Olhando pelo decurso da história do ensino da arte é possível compreender de onde vêm muitas das repetições que ainda têm tido presença nas aulas de artes nos dias atuais. Das práticas de outros tempos, o que praticamente não se vê mais nas salas de aula são exercícios de desenho geométrico, diferente do que ocorria ainda na década de 1990. Um exemplo disso é que não foi constatado esse tipo de conteúdo em nenhum relato durante os seminários de estágio dos acadêmicos do curso de Artes Visuais da UFMS neste ano de 201712. Porém, a metodologia tradicional e as práticas com pouca ou nenhuma fundamentação, com atividades superficiais e espontâneas (Figura 5), resquícios do período em que a Educação Artística foi recém incluída nos currículos obrigatórios nos anos 1970, ainda são vistas com mais frequência do que gostaríamos. Figura 5 – Atividade prática com alunos do 8º ano em uma escola particular de Campo Grande: colorir com lápis de cor um desenho da pintura “Quarto de Arles”, de Vincent Van Gogh
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
Esse é um dos motivos para a apatia dos alunos durante as aulas de Artes, como já havia constatado Nessimian: A prática mais comum nas aulas de arte hoje, pela ausência quase que total de materiais específicos, é o professor escolher aleatoriamente um artista – na maioria das vezes um que ele tenha alguma reprodução de obra em casa, pois lhe falta também material pedagógico –, passar a biografia do artista em poucos minutos, dar o conceito do principal movimento artístico que ele 12
Vide nota de rodapé 1 (p. 10 deste TCC).
39
representou em poucas linhas para os alunos copiarem, perguntar aos alunos o que eles mais gostam e menos gostam na obra e, às vezes, quando possível, solicitar aos alunos para que façam uma “releitura” numa folha de sulfite (ou metade dela) com lápis de cor. Para completar, normalmente, os alunos não entendem o que vem a ser uma releitura e o professor também não consegue explicar. A atividade acaba num vazio, sem qualquer forma de avaliação, gerando um desinteresse total do aluno e mesmo do professor pela disciplina (NESSIMIAN, 2001, p. 80).
Entretanto, o lado positivo é que é possível perceber que as coisas estão mudando. É fato observado que novas práticas aplicadas por muitos professores têm feito a diferença durante as aulas de artes: mais alunos estão sendo levados por seus professores para desfrutar de mostras e exposições instituições culturais (principalmente nos grandes centros urbanos), (FERRAZ; FUSARI, 2009; ARSLAN; IAVELBERG, 2011); há uma maior integração das Artes Visuais com as tecnologias contemporâneas, os meios audiovisuais e a web (BARBOSA, 2015b); e até um envolvimento maior do aluno com a arte, seja através das obras de artistas visuais ou de seus colegas, “para compreender o sistema da arte, saber contextualizar poéticas e emitir julgamentos críticos sobre elas” (IAVELBERG, 2016, p. 157). O desafio do professor contemporâneo é fazer com que os alunos percebam a arte por meio de sua própria experiência, pois somente dessa forma ela terá algum significado para ele. E, para que uma experiência educativa seja efetiva, a proposta de trabalho com os alunos precisa ser algo além de uma simples atividade. O professor deve possibilitar encontros sensíveis com a arte, nos quais o aluno descubra e identifique, durante a percepção estética, seus próprios sentimentos e emoções por meio dos elementos artísticos aos quais ele é exposto. Voltando novamente o olhar para a história do ensino da arte, é possível encontrar duas correntes educativas bastante marcantes, que atribuíram um lugar central à experiência, reconhecendo que ela é uma das bases e também a condição para a aprendizagem e o desenvolvimento, a Escola Nova e a Escolinha de Arte do Brasil, que foram influenciadas de forma significativa pelas teorias de John Dewey e Herbert Read, respectivamente. Dessa forma, no capítulo a seguir, continuo a reflexão fazendo uma revisita às teorias de Dewey e Read. Com base nessa fundamentação, levanto algumas concepções e habilidades que tenham alguma significância para que a aprendizagem de artes se concretize a contento.
40
3 UMA REVISITA ÀS TEORIAS DE JOHN DEWEY E HERBERT READ No início do século XX, o funcionamento da mente infantil e o desenvolvimento natural da criança tornaram-se foco de diversas investigações científicas, influenciando o surgimento de novas teorias psicopedagógicas. Vários foram os teóricos que contribuíram para destacar a relevância do ensino da arte para despertar a sensibilidade dos alunos e, dessa maneira interferir, favoravelmente, no processo ensino-aprendizagem como um todo. Porém, de todos os nomes que a extensa bibliografia sobre a história do ensino da arte revela, selecionei dois para um estudo um pouco mais atento, por acreditar que suas ideias são bastante contemporâneas e contribua com essa nova geração de alunos que frequenta as aulas de Arte nos dias atuais: John Dewey (1859-1952) e Herbert Read (1893-1968). Ambos, Dewey e Read, acreditavam que a educação enobrece a alma, da mesma forma que defendiam a utilidade da arte como propósito educativo, no sentido de que a arte amplia a percepção das pessoas, por um processo de aperfeiçoamento dessa percepção e, consequentemente, ao amadurecimento. Mesmo que ambos tenham contribuído para o progresso dos estudos educacionais, seus nomes têm sido pouco mencionados nos cursos de licenciatura de Artes do país, em virtude das diversas descontinuidades entre as teorias e as práticas construídas em cada período da história do ensino da arte no Brasil. De acordo com Barbosa (2015a, p. 17), com a política anti-escolanovista empreendida por certos grupos do meio educacional, John Dewey, foi banido dos estudos educacionais, “por ter sido inspirador do que pejorativamente se chamou no Brasil de escola novismo”; durante um tempo, Dewey foi tido pelos renovadores “como defensor de uma educação elitista”, e pelos conservadores “como um esquerdista americano que era preciso rasurar”. Contudo, Westbrook e Teixeira (2010, p. 13) consideram que “ambos os lados tendem a ler Dewey erroneamente, superestimando sua influência e subestimando os ideais democráticos que animam sua pedagogia”. Já, com Herbert Read, interpretações equivocadas ou leituras apressadas das teorias propostas na Escolinha de Arte do Brasil, inspiradas em suas ideias, ocasionaram a banalização da livre-expressão proposta por ele, resultando no laissez-faire visto nas salas de aula, nos fins do século XX. Assim, o pensamento do autor foi deixado de lado no meio acadêmico após a ascensão das vertentes críticas na gestão do pensamento e da prática pedagógica brasileira. Deste modo, o que apresento, a seguir, é uma breve compilação das ideias dos dois teóricos, sem a pretensão de uma análise aprofundada sobre a vasta obra dos estudiosos. A
41
revisita, a qual me proponho, tem o intuito, apenas, de trazer para a discussão alguns tópicos e pensamentos que entram em consonância com as tendências contemporâneas para o ensino de arte. 3.1 JOHN DEWEY: A EXPERIÊNCIA E O APRENDER FAZENDO John Dewey foi um importante filósofo e pedagogo estadunidense, sendo considerado o expoente máximo da escola progressiva de seu país natal13. Ao longo de sua carreira, desenvolveu uma filosofia que defendia a unidade entre teoria e prática, tendo sua própria ação, enquanto intelectual e militante político, como exemplo de seu pensamento. Adepto à convicção moral de que “democracia é liberdade”, dedicou toda a sua vida elaborando uma argumentação filosófica e promovendo a sua divulgação. Interessava-se pelos problemas da educação, destinando ao assunto obras como “A escola e a sociedade” (1899), “Como pensamos” (1910), “Democracia e Educação” (1916) e “Experiência e Educação” (1938) (WESTBROOK; TEIXEIRA, 2010). De um modo geral, o Movimento Escola Nova, surgido nos fins do século XIX e início dos anos XX, é resultante da influência da ciência moderna na educação. Nesse âmbito, o pensamento de John Dewey trouxe uma nova visão tanto do papel da criança enquanto aluno, como do papel do professor, como um intermediador entre os conhecimentos e a experiência do aluno. No Brasil, o principal divulgador das ideias de Dewey foi Anísio Teixeira. A educação, para Dewey, é, fundamentalmente, uma prática social apoiada na ação, que ele chama de experiência, que é a base da sua filosofia. Assim, a educação, no pensamento deweyano, não é um pensar sobre o homem à parte do mundo; é um pensar sobre a ação e sobre as consequências dessa ação diante da experiência do aluno no mundo ao qual ele pertence. Seguindo esse pensamento, o aluno não é um receptor de informações, ele é um atuante diante da informação e do conhecimento. Para ele, todas as crianças que frequentam a escola têm experiências, porém, para que essa experiência contribua no aprendizado requer uma certa qualidade, pois “tudo depende da qualidade da experiência por que se passa” (DEWEY, 1976, p. 16, grifo do autor). A educação, para ele, é um fenômeno direto da vida, através da contínua reorganização e reconstrução da experiência pela reflexão: 13
Apesar da relevância do pensamento do John Dewey para o ensino de Arte no Brasil, não consta nenhum título do autor no catálogo do Sistema de Bibliotecas da UFMS [Nota da autora].
42
Na descoberta minuciosa das relações entre os nossos atos e o que acontece em consequência deles, surge o elemento intelectual que não se manifestara nas experiências de tentativa e erro. À medida que se manifesta esse elemento aumenta proporcionalmente o valor da experiência. Com isto muda-se a qualidade desta; e a mudança é tão significativa, que poderemos chamar reflexiva esta espécie de experiência - isto é, reflexiva por excelência. O cultivo deliberado deste elemento intelectual torna o ato de pensar uma experiência característica. Por outras palavras - pensar é o esforço intencional para descobrir as relações específicas entre uma coisa que fazemos e a consequência que resulta, de modo a haver continuidade entre ambas (DEWEY, 1979b, p. 159).
A ideia de Dewey é que todo o conhecimento se faz de maneira reflexiva a partir de um problema, sendo “problema” um termo técnico, que significa uma situação que desafia o aluno a encontrar uma solução. Então, toda a metodologia de Dewey se baseia em colocar os alunos em ação, individualmente ou em grupo, em situações-problema, a partir das quais eles levantam informações, pesquisam, articulam hipóteses de solução, testam essas hipóteses, para chegar a uma resposta. Quando uma criança participa ativamente da análise pessoal de seus próprios problemas e dos métodos para resolvê-los, por meio de tentativas e erros, ela percebe, e essa percepção tem um papel importante ante a execução. Deste modo, a decisão intelectual está associada à prática criativa: Para um leigo, um volume de água significa, provavelmente, coisa com que se lava ou que se bebe; para outra pessoa, constituirá uma união de dois elementos, não líquidos, mas gasosos; ou significará coisa que não deve ser ingerida, pelo perigo de tifo. Para uma criança, as coisas são, a princípio, meras amostras de cor e luz, fontes de som; adquirem significado só quando se tornam sinal de experiências possíveis, mas ainda não presentes e reais (DEWEY, 1979a, p. 29).
Quando a criança estabelece conexões entre pensamentos, sentimentos e intuições, ela se transforma e é nessa dinâmica entre o sentir e o fazer em toda e qualquer situação de experiência que, segundo o pensamento do filósofo, se instala a criatividade. “A criatividade não se mede por parâmetros convencionais, sejam pedagógicos ou artísticos, mas sim pela intensidade da experiência vivida e esta é a ideia por ele expressa para arte” (LINS, 2015, p. 31). A experiência estética é fundamental para o desenvolvimento humano e não é possível destituir o pensamento intelectual da imaginação e da criação. Ela é a forma mais elaborada de apreender o conhecimento, pois unifica e potencializa processos de inteligência: O pintor tem de vivenciar conscientemente o efeito de cada pincelada que dá ou não saberá o que está fazendo nem para onde vai seu trabalho. Além disso, tem de discernir uma relação particular entre o agir e o suportar em
43
relação ao todo que deseja produzir. Apreender tais relações é pensar, uma das modalidades mais exigentes do pensamento (DEWEY, 2010, p. 124).
Esse “aprender fazendo”, máxima do pensamento de Dewey, que coloca a criança como protagonista de suas experiências frente à materialidade dos objetos artísticos que cria, transforma o papel do professor, colocando-o numa posição de estimulador que acompanha e orienta os processos inerentes à experiência artística. Dessa forma, embora o agente central da perspectiva da experiência e criatividade seja o aluno, é do professor a responsabilidade da ação educativa. É o professor “que oferece a mão ao aluno, mostra-lhe o mundo ao redor e ao mesmo tempo deixa que ele caminhe sozinho e busque a construção de seu próprio ser” (LINS, 2015, p. 33). Uma educação eficaz requer que o professor explore as habilidades e os interesses do aluno ao máximo, em todas as matérias, sejam elas científicas, históricas ou artísticas. As atividades construtoras de conhecimento devem ser contínuas, a escola não deve ser separada da vida: Em vez de uma escola localizada separadamente da vida, como lugar para se estudarem lições, teremos uma sociedade em miniatura, na qual o estudo e o desenvolvimento sejam os incidentes de uma experiência comum. Campos de jogos, oficinas, salas de trabalho, laboratórios, não só orientam as tendências ativas naturais da adolescência, como também significam intercâmbio, comunicação e cooperação - tudo isto atuando para aumentar a percepção de conexões (DEWEY, 1979b, p. 394).
O professor, portanto, deve criar momentos de aprendizado que possam desenvolver o interesse para fora dos muros da escola. 3.2 HERBERT READ: A EDUCAÇÃO PELA ARTE Herbert Read foi um poeta e crítico de arte inglês. Seus estudos, baseados no ideário de Platão, tratam do papel das Artes na educação, da mesma forma que apontam caminhos para levar a aplicação dessas ideias às práticas educacionais. Entre os seus principais trabalhos14, se encontram: Arte e Sociedade (1937), Educação pela Arte (1943), A Filosofia da Arte Moderna (1952), Arte e Alienação (1968), entre outros. Para esta pesquisa, me aterei, de forma sucinta, apenas ao texto do livro “A educação pela arte”, com o qual tive um breve 14
Constam os seguintes títulos de Herbert Read no catálogo do Sistema de Bibliotecas da UFMS: “A arte de agora agora: uma introdução a teoria da pintura e escultura modernas” (1933), “A educação pela arte” (1943), “História da pintura moderna” (1952), “Escultura moderna: uma história concisa” (1965), “As origens da forma na arte” (1967).
44
contato durante minha primeira formação e uma reaproximação com suas ideias agora, com meu retorno aos estudos universitários. O autor, um anarquista que reconhecia a necessidade de um novo tipo de educação que fosse capaz de preparar o homem a aceitar e preservar sua liberdade 15, defendia a tese de que “a arte deve ser a base da educação” (READ, 2011, p. 1). É pela arte que o indivíduo se apropria da cultura, a interpreta por experiências próprias, desenvolve sua imaginação, percepção e expressão, não para “[...] produzir mais obras de arte, mas pessoas e sociedades melhores” (READ, 2001 p 63). E ainda afirma que: Minha asserção é que o desenvolvimento dessas qualidades positivas elimina, inevitavelmente, seus opostos. Evitamos o ódio pelo amor; evitamos o sadismo e o masoquismo pela comunhão de sentimentos e de ação. Não teremos de nos reprimir por termos feito da educação um processo que, no antigo e literal sentido da palavra, nos impede de seguir o caminho do mal. Os impulsos que a educação propiciará precedem e impedem a formação daqueles impulsos egoístas e anti-sociais que constituem o atual produto do processo social (READ, 2001, p. 7).
Para Read, a educação estética era de fundamental importância. Realizada a partir da integração de todas as faculdades biológicas, a educação estética, como ele mesmo explica, seria “a educação dos sentidos nos quais a consciência e, em última estância, a integração e o julgamento do indivíduo humano estão baseados” (READ, 2001, p. 8). Na prática, os seres humanos experenciam as coisas da vida por meio de seus órgãos sensoriais: olhos, tato, ouvido, músculos, fala e pensamento; todos juntos “estão presentes em qualquer apreensão unificada do mundo externo” (READ, 2001, p. 10). Como o indivíduo apreende o mundo que o rodeia de forma simultânea pela percepção, cada indivíduo encontrará um padrão diferente como resultado dessa experiência. A arte deve ser a base da educação. [...] o que tenho em mente não é meramente a ‘educação artística’ como tal, que deveria ser denominada, mais propriamente, por educação visual ou plástica; a teoria a desenvolver abrange todos os modos de auto-expressão, literária e poética (verbal), assim como musical e auditiva, e forma uma abordagem integral da realidade que deveria chamar-se de educação estética – a educação daqueles sentidos em que se baseiam a consciência e, finalmente, a inteligência e raciocínio do indivíduo humano. É apenas na medida em que estes sentidos se relacionam harmoniosa e habitualmente com o mundo exterior que se constrói uma personalidade integrada (READ, 2001, p. 13).
15
No pensamento educacional de Herbert Read está implícito uma concepção libertária de democracia, porém, em “Educação pela Arte” ele assinala expressamente seu desejo de excluir as discussões políticas do livro (READ, 2001, p. 6).
45
Com isso em mente, Read reflete: “se a criança aprende a organizar sua experiência por meio dos sentimentos estéticos, então, obviamente, a educação deveria ser direcionada para o fortalecimento e desenvolvimento desses sentimentos” (READ, 2001 p 66). É por meio dessa educação estética que a criança se torna consciente do “[...] “instinto de relação” que, antes mesmo do advento da razão, capacitará à criança a distinguir o belo do feio, o bem do mal, o padrão correto de comportamento do padrão errôneo, a pessoa nobre da ignóbil”. (READ, 2001 p 75). Por isso que, para Read, a arte no sistema educacional é de extrema importância: [...] nenhuma outra disciplina é capaz de dar a criança não apenas uma consciência de que a imagem e o conceito, a sensação e o pensamento são correlatos e unificados, mas também, ao mesmo tempo, um conhecimento instintivo das leis do universo, e um padrão de comportamento em harmonia com a natureza (READ, 2001 p 76).
Para desenvolver a expressão estética nos alunos, Herbert Read esclarece que o professor deve servir como “atendente, guia, inspirador” (READ, 2001 p. 231), ou seja, seu papel deve ser o de direcionar a criança para uma experiência estética de qualidade: [...] Os sentidos devem primeiro ser educados para apreciar a qualidade do material, as proporções visuais das medidas, as relações táteis entre as áreas e as massas. O desejo de fazer coisas bonitas devem ser mais forte que o desejo de fazer coisas úteis; ou antes, deve haver uma percepção instintiva do fato de que a beleza e a utilidade, cada uma em seu grau mais elevado, não podem ser concebidas separadamente (READ, 2001, p. 239).
Read destaca a importância do professor para o efetivo aprendizado de Artes pelas crianças. Para ele, o professor deve aprender gradualmente a distinguir e antecipar as reais necessidades de seu aluno (trabalhar com empatia). Assim: “ele aprende sua responsabilidade pela partícula de vida confiada a seus cuidados, e à medida que aprende, ele educa a si mesmo” (READ, 2001, p. 325). Em qualquer que seja o aspecto da educação “a ligação estabelecida entre o professor e a criança é o fator de maior importância. O aumento da confiança, a eliminação do medo, a força unificadora do amor e da ternura – são estes com que o professor deve trabalhar” (READ, 2001 p 260). O professor deve criar o vínculo com a criança e direcionar as atividades para que o conteúdo aplicado seja prazeroso, lúdico e criativo: [...] o método lúdico, se seguido adequadamente, não deveria sugerir mera falta de coerência e direção no ensino – isso é brincando de ensinar, e não ensinar brincando; dar coerência e direção ao lúdico significa convertê-lo em arte, e foi por este motivo que se levantou uma objeção no último capítulo ao
46
tratamento teórico da arte como forma de diversão. Brincar é mais uma atividade informal, capaz de se transformar em atividade artística e, assim adquirir significado para o desenvolvimento orgânico da criança. (READ, 2001 p 246).
Por isso a sua crítica ao sistema educacional, que, além de não educar para a liberdade, separava a arte da ciência, estabelecendo fronteiras invioláveis: “A arte é representação, a ciência é explicação - da mesma realidade” (READ, 2001, p. 12). Em determinado momento, Read fala sobre a importância de se trabalhar com a criança as várias linguagens artísticas juntas: […] a organização ideal de uma escola secundária baseada em nosso modelo integral. Sob as ordens do diretor haveria quatro professores principais, ou mestres do método, encarregados das quatro atividades principais: drama, planejamento, música, trabalho artístico. (READ, 2001 p 272).
É que o autor afirma que é difícil separar as experiências, seja ela visual, plástica, sensorial, uma vez que elas “estão presentes em qualquer apreensão unificada do mundo externo” (READ, 2001, p. 10).
3.3 DIÁLOGO CONTEMPORÂNEO COM AS IDEIAS DE DEWEY E READ Nos subitens anteriores, trouxe, brevemente, algumas das ideias de John Dewey e Herbert Read que continuam expressivas para a contemporaneidade. Embora os estudos desses dois autores terem sido formulados antes da primeira metade do século XX e, apesar, também, das contínuas transformações teóricas e metodológicas acontecidas na arte/educação, seus conceitos continuam válidos e dialogam com a realidade observada nos dias atuais. A partir do que foi apresentado, de maneira bastante sucinta e generalizada, é possível extrair algumas ideias dos pensamentos de Dewey e Read, são elas: - Todas as coisas pelos quais o ser humano aprende são experienciadas por ele por meio dos órgãos sensoriais. Como o indivíduo apreende o mundo que o rodeia de forma simultânea pela percepção, cada indivíduo encontrará um padrão diferente como resultado dessa experiência. Dessa forma, como a aprendizagem se dá por meio da experiência, para que se aprenda com ela é preciso que essa experiência tenha qualidade; quanto maior o valor da experiência, maior a chance dela se tornar uma experiência reflexiva, e, assim, tornar-se um aprendizado. - A experiência estética é a forma mais elaborada de apreender o conhecimento, pois é preciso vivenciar conscientemente aquilo que se cria, ou não saberá o que está
47
fazendo, nem para onde vai o trabalho artístico. Ao “aprender fazendo” o ser humano é colocado como protagonista de suas experiências frente à materialidade dos objetos artísticos que cria. A arte deve ser a base de toda a educação, uma vez que é pela arte que o indivíduo se apropria da cultura, a interpreta por experiências próprias, desenvolve sua imaginação, percepção e expressão; e a criatividade, então, está ligada à decisão intelectual de estabelecer conexões entre pensamentos, sentimentos e intuições, ligados às experiências vividas. - Diante da maneira como o ser humano aprende, o papel do professor, ao ensinar, é promover experiências de qualidade, que possam se tornar experiências reflexivas. O professor deve ser um estimulador que acompanha e orienta os processos inerentes à experiência artística; ele deve ser um atendente, guia, inspirador, ou seja, direcionar o ser para uma experiência estética de qualidade. Para ser eficaz e assertivo no que se propõe, o professor deve aprender gradualmente a distinguir e antecipar as reais necessidades de seus alunos. Ao estabelecer uma ligação, um elo com eles, cria-se um aumento da confiança e diminuem-se os medos deste diante das experiências a serem vividas. Além disso, como as atividades construtoras de conhecimento devem ser contínuas e a escola não deve ser separada da vida, as propostas do professor devem ser prazerosas, lúdicas e criativas, para que os alunos tenham vontade de continuar o aprendizado quando não estiverem na escola. Por esse resumo, acredito ter encontrado três pontos-chave com os quais é possível criar um diálogo com o pensamento autoras brasileiras Ana Mae Barbosa, Maria Rezende e Fusari, Maria Heloísa Ferraz, Mirian Celeste Martins e Rosa Iavelberg: experiência, mediação e empatia. 3.3.1 Experiência Dewey (1976, p. 26) fala que “toda experiência modifica quem a faz e por ela passa e a modificação afeta, quer o queiramos ou não, a qualidade das experiências subsequentes, pois é outra, de algum modo, a pessoa que vai passar por essas novas experiências”. No dia-adia, as crianças, por meio de seu próprio planejamento, coordenação de ideias e abstrações, são capazes de extrair significados de suas experiências vividas. Assim sendo, na escola, o papel dos professores deve ser o de ativar essa habilidade das crianças, de modo que ela participe ativamente de sua aprendizagem, com autonomia. Era isso que defendia John Dewey: uma aprendizagem partindo da experiência.
48
Para o autor, experiência não é estanque, com começo e fim, mas apresenta-se como um todo, e está intimamente ligada com o conjunto dos sentidos (tato, audição, paladar, visão, olfato), que, por sua vez, interagem com a cognição. Mais precisamente, quando Dewey aborda o vínculo entre experiência e educação, ele utiliza a expressão “conexão orgânica” (DEWEY, 1976, p. 13) para indicar a estreita relação existente entre os dois termos, que são, para ele, mutuamente dependentes, inseparáveis, constituindo uma só unidade. Portanto, para aprender é preciso vivenciar com os sentidos. Ferraz e Fusari apontam a importância do compromisso do professor nesse processo: O maior compromisso do professor é, portanto, adequar as suas ações para a ampliação das expressões e percepções sensoriais infantis [...] Por meio deste trabalho com o aprimoramento das potencialidade perceptivas das crianças, podem-se enriquecer suas experiências de conhecimento artístico e estético. E isto se dá quando elas são orientados para observar, ver, ouvir, sentir, tocar, enfim perceber as situações, a natureza e os objetos à sua volta (FERRAZ; FUSARI, 2006, p. 87).
As aulas de Arte, então, constituem-se como um dos espaços onde as crianças podem exercitar suas potencialidades perceptivas e imaginativas. Os pensamentos de Herbert Read sobre experiência podem complementar essa questão. Para o autor: Quando um aluno aprende fazendo, ele está revivendo, mental e fisicamente, uma experiência que se mostrou importante para a raça humana; ele passa pelos mesmos processos mentais pelos quais passaram as pessoas que fizeram essas coisas originalmente. [...] Assim, vemos que é erro supor que as atividades práticas só têm um valor utilitário na sala, ou principalmente nela. Elas são necessárias para que o aluno entenda os fatos que o professor deseja que ele aprenda; para que esse conhecimento seja real, e não verbal; para a que a sua educação forneça parâmetro de julgamento e comparação (READ, 2001, p. 271).
Mas Dewey (1976, p. 14) assinala um ponto importante: “A crença de que toda educação genuína se consuma através de experiência não quer dizer que todas experiências são genuínas e igualmente educativas”. O autor pontua a existência de experiências “deseducativas”, que são aquelas que têm “o efeito de parar ou destorcer [sic] o crescimento para novas experiências posteriores” (DEWEY, 1976, p. 14). E como diferenciar experiências de valor educativo e experiências sem tal valor? Dewey fala que um dos critérios para conseguir essa distinção é perceber se a “[...] experiência desperta curiosidade, fortalece a iniciativa e suscita desejos e propósitos suficientemente intensos para conduzir uma pessoa aonde for preciso no futuro” (DEWEY, 1976, p. 29), totalmente diferente dos tão famosos e conhecidos “desenhos prontos para
49
colorir”. E joga para o professor a importância de avaliar se o que está sendo ofertado tem essa qualidade: Cada experiência é uma força em marcha. Seu valor não pode ser julgado se não na base de para que e para onde se move ela. A maior maturidade de experiência do adulto, como educador, o coloca em posição de poder avaliar cada experiência do jovem de modo que não pode fazê-lo quem tenha menos experiência. Sua tarefa é, pois, ver em que direção marcha a experiência (DEWEY, 1976, p. 29).
Dessa maneira, Dewey evidencia uma questão bastante importante: a experiência considerada pelo ponto de vista de quem participa dela e de quem a produz. Então, a experiência educacional tem esses dois lados: o lado do aluno, que vai passar pela experiência mediada pelo professor; e a experiência do próprio professor, que, a partir de seu próprio repertório, será o mediador entre o aluno e o conhecimento. Dessa forma, a qualidade da experiência estética mediada pelo professor está relacionada, diretamente, com a experiência pessoal do docente. E, como a aprendizagem se dá por meio da experiência, para que se aprenda com ela é preciso que essa experiência tenha qualidade; quanto maior o seu valor, maior a chance dela se tornar uma experiência reflexiva, e, assim, tornar-se um aprendizado. Sobre isso, Herbert Read (2001, p. 325) fala que “a educação de um aluno é, assim, sempre a autoeducação do professor”. Como um reforço a esse pensamento, Iavelberg também evidencia a necessidade do professor de estar em constante aprendizado quando diz que: A atualização do professor em relação à cultura é importante, pois poderá apresentar aos alunos os conhecimentos mais avançados de sua época. Ao mesmo tempo que seus conhecimentos prévios merecem todo o respeito, o papel do professor só se completa no exercício de uma atividade constante de pesquisa, de estudo e de produção escrita reflexiva, de modo que ele possa avançar, garantindo um conteúdo substantivo e atualizado, em relação à cultura e à educação, para si e para aqueles a quem pretende educar, ampliando progressivamente seu círculo de experiência (IAERLBERG, 2010, p. 54).
Nesse sentido, a formação continuada, seja por cursos, seminários, palestras, etc., ou mesmo com a leitura e pesquisa constantes, é um meio do professor enriquecer seu próprio repertório de saberes e desenvolver, ainda mais, suas próprias experiências. Para os problemas que se apresentam no ensino contemporâneo de arte, essa atualização do professor poderia levar a um abrir mão das práticas vazias, uma vez que a troca de ideias que ocorrem nesses encontros auxilia na instituição de uma criatividade pedagógica.
50
3.3.2 Empatia A eficácia da experiência estética proposta pelo professor no processo de ensino/aprendizagem de Artes Visuais passa, não apenas pelos conhecimentos práticos e teóricos, mas também pela relação pedagógica existente entre professor/aluno, o que torna a empatia um elemento primordial dessa relação. O aluno não é um receptáculo de informações, como era tratado antigamente. Por isso, segundo Vidal (2013, p. 26), é fundamental estabelecer um clima “promotor da aprendizagem ativa dos alunos através do seu envolvimento nas atividades escolares, responsabilizando-os e orientando a sua participação”. Dewey (1979a, p. 65) marca a importância da influência do professor no relacionamento com os alunos: Tudo o que o mestre faz, bem como o modo por que o faz, incita a criança a reagir de uma ou de outra forma e cada uma de suas reações tende a determinar uma atitude em certo sentido. [...] A influência da personalidade do professor funde-se intimamente com a influência da matéria e a criança não as separa nem distingue. Como a reação desta a aproxima ou afasta de tudo que lhe apresentam, ela mantém um comentário paralelo, quase inconsciente, de prazer ou desprazer, de simpatia e aversão, não só pelos atos do professor, mas também pela matéria de que se ocupa o professor.
Nesse caso, ligo a questão da empatia com a sedução estética que o “professor apaixonado”, de quem Nessimian (2001) nos fala em sua dissertação. A relação empática com a arte pode ser despertada pela ação daquele professor que desperta nos alunos a própria sensibilidade pelo modo como trabalha. Para Herbert Read, a empatia, além de indicar a ideia de colocar-se no lugar e na ação do outro, também se refere a um modo da percepção estética em que o aluno descobre elementos do sentimento na arte e identifica seus próprios elementos com esses: Por “empatia” referimo-nos a um modo de percepção estética em que o espectador descobre elementos do sentimento na obra de arte e identifica seus próprios sentimentos com esses elementos – isto é, descobre espiritualidade, aspiração, etc. nos pontudos arcos e torres de uma catedral gótica, podendo então contemplar essas qualidades em uma forma objetiva ou concreta: não mais como sentimentos subjetivos vagamente apreendidos, mas como massas e cores definidas. Mas obviamente essas percepções “enfáticas” variam de indivíduo para indivíduo, segundo suas emoções emotivas ou psicológicas. Este é, na verdade, o próximo fato importante a ser reconhecido: ou seja, a apreciação da arte, não menos que a sua criação, é colorida por todas as variações do temperamento humano (READ, 2001, p. 27).
51
Quando voltamos a atenção para o ensino de Artes, a empatia é um fator importante para o desenvolvimento do processo criativo dos alunos. O aluno deve ser valorizado individualmente, avaliado pela sua autonomia e desenvoltura na resolução de problemas. Segundo Bassi (2016, p. 10): A empatia ativa multiplica a potência de sentir e agir. Desempenha um papel fundamental na criação de novas ideias e na transformação da realidade, já que significa a capacidade de compreender os problemas complexos de hoje sob muitas perspectivas e a capacidade de colaborar para resolvê-los. Também significa ser capaz de ouvir as ideias dos outros tanto quanto articular as suas próprias; ser capaz de liderar uma equipe num dia e participar como membro da mesma equipe no outro. Demanda capacidade para conhecer seus próprios sentimentos e ideias a fim de conhecer os sentimentos e ideias dos outros.
Quando, então, um professor entra em sintonia com os alunos, com as formas como cada um deles se vincula com o saber, ele “está mais apto a instigar o aluno a atribuir significado à arte, resolver problemas no fazer artístico e propor questões com suas poéticas pessoais, desenvolvendo critérios de gosto e valor em relação às suas atividades artísticas” (IAVELBERG, 2010, p. 10). 3.3.3 Mediação Nem Dewey nem Read utilizam o termo mediação, mas eles falam sobre a importância do trabalho do professor fazer a intermediação entre o conteúdo e o aluno. A partir da teoria de Dewey é possível entender o professor como mediador, uma vez que este auxilia no desenvolvimento e organiza a estrutura do aprendizado da criança, tendo, como função primordial, compartilhar da educação na direção do aprendizado da criança. Já, Herbert Read (2001) chama o professor de atendente, guia e inspirador, uma vez que é sua competência é incentivar a aquisição de habilidades estéticas nos alunos.
Mediação, em termos genéricos, é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação. Mirian Celeste Martins define, de maneira bastante completa, o termo: É uma intervenção, um intermédio. Pode ser visto envolvendo dois pólos que dialogam por meio de um terceiro, um mediador, um medianeiro, o que ou aquele que executa os desígnios de intermediário. Mas, a mediação ganha hoje um caráter rizomático, isto é, num sistema de inter-relações fecundas e complexas que se irradiam entre o objeto de conhecimento, o aprendiz, o professor/ monitor/ mediador, a cultura, a história, o artista, a instituição cultural, a escola,
52
a manifestação artística, os modos de divulgação, as especificidades dos códigos, materialidades e suportes de cada linguagem artística [...] Mediação/ intervenção que mobiliza buscas, assimilações, transformações, ampliações sensíveis e cognitivas, individuais e coletivas, favorecendo melhores qualidades na humanização dos aprendizes - alunos e professores (MARTINS, 2002, p. 56).
Arslan e Iavelberg (2011, p. 8) complementam: “É o professor quem promove o fazer artístico, a leitura dos objetos estéticos e o refletir sobre arte a fim de que o aluno se construa como sujeito governado por si mesmo, interagindo com os símbolos de sua cultura”. O professor mediador é aquele que ensina privilegiando o diálogo e o encontro de novas respostas. Coutinho explica que o mediador é: [...] um provocador estético, um questionador das verdades estereotipadas, mobiliza os educandos em um emaranhado de percepções, imaginações, observações críticas, memórias; ouve e promove trocas com o repertório cultural do seu educando; incita a leitura do mundo ironicamente com o intuito de não absorver tudo como uma resposta definitiva, universal (COUTINHO, 2013, p. 59).
Assim, o professor mediador é aquele que seleciona os meios acessíveis de acordo com a realidade dos alunos, inventando possibilidades para os materiais existentes. A mediação pode provocar a disponibilidade e a empatia. Independente das possibilidades físicas e materiais, no encontro com a Arte enquanto objeto de conhecimento, haverá sempre a necessidade de um educador sensível, capaz de criar situações em que, possa ampliar a leitura e a compreensão dos alunos com a sua cultura. Dessa forma, o professor, então, deve possibilitar encontros sensíveis com a arte, nos quais o aluno descubra e identifique, durante a percepção estética, seus próprios sentimentos e emoções por meio dos elementos artísticos aos quais ele é exposto. É preciso atenção, entretanto, para evitar uma deturpação no que diz respeito à aplicação prática da ideia de mediação. Por acreditarem que o aprendizado se dá apenas na relação entre indivíduos, alguns educadores apressam-se em organizar aulas em que todas as atividades são realizadas em grupo. Trata-se de um entendimento incorreto do conceito: não é porque a aquisição de conhecimentos ocorre, sobretudo, nas interações que estar sempre em contato com o outro é uma prerrogativa essencial às aulas. Os momentos de internalização são essenciais para se consolidar o aprendizado. Eles são individuais e reflexivos por definição e precisam ser considerados na rotina das aulas.
53
Tudo isso que foi dito até agora, me fez lembrar de um dos primeiros textos lidos pelos acadêmicos de licenciatura em Artes Visuais da UFMS, logo no primeiro semestre16 do curso. Em “O Papel do Professor”, Rosa Iavelberg (2010) fala sobre a importância do papel do professor para que os alunos aprendam a fazer arte e a gostar dela ao longo da vida. A autora diz que “tal gosto por aprender nasce [...] da qualidade da mediação que os professores realizam entre os aprendizes e a Arte” (p. 10) e requer do professor “sensibilidade e aguda observação sobre a qualidade do vínculo de cada um dos seus alunos nos atos de aprendizagem em Arte” (p. 10). Mais à frente Iavelberg (2010, p. 10) complementa: Um professor que entra em sintonia com as formas de vinculação de cada estudante com o saber está mais apto a instigar o aluno a atribuir significado à Arte, resolver problemas no fazer artístico e propor questões com suas poéticas pessoais, desenvolvendo critérios de gosto e valor em relação às suas atividades artísticas – e de seus pares – e aos objetos de Arte.
Além disso, o professor deve se atentar às práticas propostas aos alunos, uma vez que “é necessário que o aluno participe das atividades com consciência de suas finalidades, cabendo ao professor explicitar o para quê e o porquê das tarefas” (IAVELBERG, 2010, p. 11), para que a experiência faça sentido. O texto mostra o tamanho da responsabilidade que os professores têm: ensinar os alunos a gostar de Arte e, mais ainda, a gostar de aprender arte. Ensinar, portanto, não é simplesmente “passar conteúdo”, é necessária a existência de uma relação entre professor e aluno para que seja criada uma ponte entre o conhecimento e eles. Ou seja, de nada vai adiantar um professor na frente da sala de aula e uma lousa cheia de conteúdo, se não houver elo entre as partes, o aluno precisa sentir que existe uma certa conexão com o seu professor para que a “magia” educacional aconteça. Com isso posto, proponho, agora, uma análise dessas ideias no contexto educacional, através da observação das aulas de Artes Visuais realizadas com os alunos do 3º e 5º ano do Ensino Fundamental I da Escola Municipal de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, em Campo Grande, com o intuito de verificar, justamente, como a experiência, a empatia e a mediação podem ser vistos na prática.
16
A leitura deste texto foi realizada no 1º semestre do curso de licenciatura em Artes Visuais, na disciplina Seminário de Práticas de Ensino de Artes Visuais, orientada pela professora Mestra Maria Celéne de Figueiredo Nessimian.
54
4 O ENSINO DE ARTE NA ETI ANA LÚCIA DE OLIVEIRA BATISTA A pesquisa trata de aspectos considerados importantes na relação professor/aluno para uma efetiva aprendizagem na disciplina de Artes Visuais neste atual momento em que vivemos, verificando práticas significativas no ensino de arte a partir das principais correntes e concepções que guiaram o ensino de Arte no Brasil. Segundo Minayo (2009, p. 16), pesquisa é a atividade básica da ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo. Para que pesquisa tenha êxito, é preciso que ela se sustente em técnicas e instrumentos metodológicos adequados, que permitam a aproximação ao objeto de estudo. Portanto, a seguir, descrevo o percurso metodológico estabelecido para esta pesquisa. 4.1 PERCURSO METODOLÓGICO Optei por uma pesquisa qualitativa, pois ela permite trabalhar com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (MINAYO, 2009), classificada como pesquisa exploratória, pois “têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses” (GIL, 2002, p. 41). De acordo com Gil (2002), o planejamento da pesquisa exploratória envolve: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos. Assim, a pesquisa foi iniciada a partir do levantamento bibliográfico que perpassou toda a elaboração deste trabalho, com o propósito de compreender o assunto para explicar a realidade estudada. Em decisão conjunta com minha orientadora, ficou decidido que os dados seriam colhidos na Escola de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, em Campo Grande, uma vez que os professores de Artes daquela escola estão em constante aprendizado, fazendo parte, entre outros, do Grupo de Estudos: Diálogos Visuais e Culturais no Ensino de Arte, promovido pelo Arte na Escola – Polo UFMS, vinculado ao Instituto Arte na Escola17, nas dependências do Curso de Artes Visuais da UFMS. 17
O Instituto Arte na Escola, que tem a Fundação Iochpe como principal mantenedora, é uma associação civil sem fins lucrativos criada em 1989 com o objetivo de incentivar e qualificar o ensino da Arte. A Rede Arte na Escola hoje com 39 Polos localizados em universidades, instituições culturais e educacionais, que atuam na formação continuada de professores da Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos – EJA. A UFMS campus Campo Grande sedia o Polo UFMS, sob a Coordenação Geral
55
No primeiro momento, foi levada uma Carta de Apresentação da Pesquisa ao Diretor da escola (Anexo A), que autorizou a realização da mesma. Em seguida, conversei com a professora-coordenadora de Artes, que definiu que as observações seriam realizadas durante as aulas de Artes do currículo regular da REME, juntamente com o professor Henrique de Oliveira Batistote. Depois iniciei o processo de coleta de dados. A coleta de dados foi desenvolvida de 29 de agosto a 21 de setembro de 2017, envolvendo observação participante das aulas de Artes das turmas 3º B, 3º D e 5º B do Ensino Fundamental I, da Escola de Tempo Integral Ana Lúcia de Oliveira Batista, em Campo Grande. Segundo André (2012, p. 24), a observação é chamada de participante porque “parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado”. Assim, observei as aulas, mas também auxiliei o professor em algumas situações, como, por exemplo, distribuir tintas aos alunos, arrumar as mesas e ajudar alguns alunos, quando solicitada. O método de coleta dos dados nas observações feitas em sala de aula foi o diário de campo (Apêndice A). Em determinado momento, realizei uma entrevista com o professor Henrique Batistote (Apêndice B), com a finalidade de aprofundar certas questões e esclarecer alguns fatos observados. Ele foi informado sobre as condições da coleta de dados e entrevista, autorizou a divulgação do seu nome na pesquisa e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice C). Em termos específicos, busquei observar: a) como o professor de Artes Visuais trabalhava o conteúdo da disciplina em sala de aula; b) como os alunos se mostravam durante as aulas; c) como se dava a relação professor-aluno em sala de aula. A ideia era verificar se e de que maneira o professor fazia uso de algumas das concepções e práticas apontadas no levantamento bibliográfico, a saber: a experiência, a mediação e a empatia. 4.2 A ESCOLA A Escola Municipal de tempo Integral Professora Ana Lúcia de Oliveira Batista (ETI Ana Lúcia) está localizada à Rua Perciliana Barbosa Ferreira, 540, bairro Paulo Coelho Machado, como unidade escola integrada à Rede Municipal de Educação (REME) e tem como instituição mantenedora a Prefeitura Municipal de Campo Grande. da Profa. Ma Aline Sesti Cerutti e Coordenação Pedagógica da Profa. Dra. Simone Rocha de Abreu (ARTE NA ESCOLA, 2017)
56
De acordo com o seu Projeto Político Pedagógico (PPP), a escola foi criada durante a gestão da Secretária Municipal de Educação Prof. Maria Cecília Amendola da Motta, alicerçada nos pressupostos teóricos do Dr. Pedro Demo, consultor da Secretaria Municipal de Educação no período de 2005 a 2008, com o apoio do então Prefeito Municipal de Campo Grande, Nelson Trad Filho (ETI ANA LÚCIA, 2016). Fundada em 21 de maio de 2008, teve suas portas abertas aos alunos pela primeira vez em 9 de fevereiro de 2009. Mas, como escola de tempo integral, o início das atividades só se deu em 2014. A área total do terreno da escola é de 17.000 m2, com uma área construída de 5.342,83 m2, dividida em 3 (três) blocos: 1) Bloco administrativo; 2) Bloco de Ambientes de Aprendizagem, com 21 salas de aula; e 3) Bloco de serviços e de apoio alimentar. A escola, que atende os alunos da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental I, funciona durante um período de oito horas e vinte minutos diários, de segunda a quinta-feira, e de quatro horas na sexta-feira, mais especificamente nos seguintes horários: Entrada: 7 horas e 40 minutos; Saída: 16 horas. Nas sextas-feiras, os alunos têm sua saída às 11 horas e 40 minutos. Intervalo de almoço assistido: das 11 horas às 12 horas ou das 12 horas às 13 horas, conforme o nível de escolaridade atendido. Os docentes atuam com carga horária de 40 horas semanais para a promoção de atividades pedagógicas, como, tempos de estudo, de atividades curriculares complementares, de práticas educativas de hábitos sociais, de atendimento a grupos de alunos com defasagem de aprendizagem e, ainda, para o desenvolvimento de pesquisas, planejamentos e de estudos para a formação continuada. Um dos compromissos assumidos pela escola em seu PPP está “ a qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos, promovida por meio da pesquisa e autoria dos docentes e discentes” (ETI ANA LÚCIA, 2016, p. 9) e tem como princípios: [...] a autoria docente e discente; a pesquisa; a utilização da metodologia da problematização; uma base tecnológica a serviço da aprendizagem e uma educação ambiental que se propõe a ir além dos estereótipos largamente disseminados pela mídia e pelos livros didáticos (ETI ANA LÚCIA, 2016, p. 25).
Na escola, os professores, em suas aulas, seguem a Metodologia da Problematização, de Neusi Berbel (1995 apud ETI ANA LÚCIA, 2016), porém, com algumas adaptações para que o professor tenha mais familiaridade com a aplicação. Dessa forma, a sequência de aplicação da metodologia na escola é feita do seguinte modo:
57
O tema ou módulo [...] é gerado por uma necessidade social, como também, necessidade de conhecimento para a turma ou ano que está sendo trabalhado; o(s) ambientes de aprendizagem(ns), responsável pelas áreas do conhecimento. A problematização é o disparador da pesquisa e suas respectivas etapas, sempre considerando a realidade atual para que possa ser transformada e/ou gerado um novo conhecimento; Os conteúdos assuntos a serem trabalhados conforme os referenciais curriculares da REME, ou conforme as necessidades da turma em que o professor trabalha; A contextualização ou teorização, é o passo em que o professor situa historicamente o assunto para gerar o Interesse do aluno para a pesquisa. É o passo responsável por desencadear a mobilizaçao para o conhecimento e o desencadeador de possíveis hipóteses acerca do objeto em estudo. Nessa etapa o professor deve estar preparado teoricamente para despertar no aluno o desejo de aprender; Os objetivos-orientadores de onde se quer chegar com a pesquisa (o objetivo geral está relacionado com o problema e os objetivos específicos com os conteúdos que serão trabalhados para responder o problema); Metodologia e suas tecnologias, são os caminhos a serem percorridos pelos alunos e professores para dar conta de resolver o problema proposto. [...] é para levantar novos questionamentos e gerar o desenvolvimento de atividades e açõesque levem a solução do problema com a transformação da realidade encontrada. Podemos, também, denominar essa fase de (re)construção do conhecimento [...]. Avaliação, momento em que o professor vai detectar por meio de vários instrumentos se os objetivos foram alcançados e se houve por parte do professor e alunos a aprendizagem, que será demonstrada por meio de mudanças de atitudes e de novos conhecimentos (ETI ANA LÚCIA, 2016, p. 47-48, grifos do autor).
Os passos da metodologia utilizada pelos professores da escola não representam um caminho fechado a ser seguido, mas uma orientação para a elaboração dos planos de estudos e de pesquisa a serem desenvolvidos por eles em atendimento as necessidades reais de sua turma. A aprendizagem dos conteúdos curriculares, a partir da metodologia da problematização, demanda um preparo do professor para elaborar problemas que sejam pertinentes e significativos à vida dos alunos, uma vez que eles precisam ser colocados como provocação para estimular os alunos a se envolverem com o assunto proposto. 4.3 O ENSINO DE ARTES VISUAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL I NA ETI ANA LÚCIA DE OLIVEIRA BATISTA Segundo o PPP, o objetivo das aulas de Arte na ETI Ana Lúcia é envolver todas as formas de expressão que utilizam a produção de imagens visuais bidimensionais ou tridimensionais, com o uso de tecnologias diversificadas que abarquem as formas de expressão como escultura, pintura, gravura, cinema, vídeo, instalação, fotografia, interferência, performance, desenho, colagem, história em quadrinhos, grafite entre outros.
58
Com intuito de atender os objetivos propostos, a disciplina de Artes para o Ensino Fundamental I é organizada em: a) Ambiente de Aprendizagem Integrador (AAI), que seria a disciplina de Arte do currículo regular da REME; b) Atividades Curriculares Complementares (ACC), que são os projetos desenvolvidos para a exploração de diferentes linguagens artísticas, articuladas ou não entre si, por meio de oficinas, realizados no contra-turno. Na ETI Ana Lúcia as atividades complementares em Arte são dividida em três linguagens artísticas: artes visuais, música e teatro. Segundo o PPP (ETI ANA LÚCIA, 2010, p. 95), “esta preocupação em separar as aulas por linguagens distintas dentro da Arte representa a qualidade e a excelência que se busca no ensino e na aprendizagem dos alunos desta escola”. O Quadro 1 mostra os professores de Artes da ETI e suas devidas formações: Quadro 1 – Quadro dos professores de Artes do Ensino Fundamental I da ETI Ana Lúcia de Oliveira Batista
Ambiente de Aprendizagem Integrador (AAI)
Atividades Curriculares Complementares (ACC)
Nome do professor
Formação
Instituição
Evellyn
Licenciatura em Artes Cênicas
UEMS
Fernando
Licenciatura em Artes Cênicas
UEMS
Henrique
Licenciatura em Artes Visuais
UNIASSELVI
Jimmy
Licenciatura em Artes Visuais
UNIASSELVI
Paulo
Licenciatura em Música
UFMS
Mairon Felipe
Licenciatura em Música
UFMS
Wanick
Licenciatura em Artes Visuais
UFMS
Fonte: Elaboração própria, com base nas informações concedidas pela Coordenação de Artes da ETI Ana Lúcia de Oliveira Barista, 2017.
Para a pesquisa, observei somente as aulas com o professor Henrique Batistote, por ser o único que dava aulas no Ambiente de Aprendizagem Integrador com formação específica em Artes Visuais. O professor Henrique de Oliveira Batistote, 35 anos, tem formação em Administração, pela Faculdade Mato Grosso do Sul (FACSUL), em Artes Visuais, pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci (Uniasselvi)/Polo Libera Limes, e pós-graduação em Gestão Escolar. Atualmente, está cursando pós-graduação à distância em Coordenação
59
Escolar, pelo Instituto Prominas. Ele participa dos cursos de formação continuada “Aprendendo com Arte18”, Arte na Escola (UFMS) e Ensino Híbrido na Educação. As aulas de Artes na ETI Ana Lúcia acontecem em um espaço destinado para esse fim. Arslan e Iavelberg (2011) falam sobre a importância de se trabalhar as Artes em um espaço físico próprio: A organização do espaço tem que estar relacionada ao tipo de trabalho que se pretende realizar: um espaço versátil, onde os alunos possam interagir com o local, trabalhar em diferentes conformações e agrupamentos. Mais importante que os equipamentos, a sala deve ser aconchegante. Um espaço onde os alunos se sintam confortáveis os levará a cuidar dele. [...] Os trabalhos dos alunos podem tornar o ambiente mais pessoal. Um varal ou um mural pode ser afixado nos corredores para conscientizar a comunidade da importância da aula de arte (ARSLAN; IAVELBERG, 2011, p. 63).
É exatamente isso o que é visto no Laboratório de Artes da ETI Ana Lúcia. A sala é bastante ampla e possui duas grandes bancadas de mármore com pias (Figura 6). O grande armário branco ocupa a parede toda (Figura 7), com muitas portas, prateleiras e escaninhos. Dentro de uma das portas, gavetas para a guarda de papeis de diversos tipos. Figura 6 – Bancada com pias no Laboratório de Artes na ETI Ana Lúcia
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
18
O projeto Aprendendo com Arte é fruto de uma parceria entre a Fundação Volkswagen, o Instituto Arte na Escola e a Secretaria de Estado de Cultura e Cidadania do Governo do Estado de MS. É um projeto de formação continuada para professores de arte, coordenadores pedagógicos e gestores de escola oferecido em duas modalidades: semipresencial e totalmente à distância (APRENDENDO COM ARTE, 2017).
60
Figura 7 – Bancada, armários e escaninhos no Laboratório de Artes na ETI Ana Lúcia
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
O laboratório tem janelas bem grandes e é bastante ventilada (Figura 8). Nos dias em que estive presente para fazer a observação e coleta de dados para a pesquisa, mesmo sem ar condicionado (pois estava quebrado), deu para suportar o calor campo-grandense dentro da sala. Figura 8 – Janelas do Laboratório de Artes na ETI Ana Lúcia.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
Na parede do lado esquerdo da porta de entrada da sala, existe uma pequena lousa branca, um painel, onde haviam alguns trabalhos expostos, e um varal ao fundo, bem próximo da janela, para secagem dos trabalhos (Figura 9). Os trabalhos expostos dos alunos mostra um ambiente com vida, que ali é um espaço onde as crianças podem produzir arte do jeito deles, porque não há nenhum trabalho igual ao outro.
61
Figura 9 – Varal para secagem dos trabalhos dos alunos.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
Durante as aulas pude observar que as crianças sentam-se em banquetas, com apoio para os pés, mas nada impedia que elas se espalhassem pela sala e pudessem criar no lugar onde se sentissem mais confortáveis. Além disso, em determinados momentos, o professor autorizou que o trabalho fosse realizado no corredor, com as crianças sentadas e deitadas no chão (Figura 10). Figura 10 – Alunos sentados e deitados no chão do corredor desenhando.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
62
Ao todo, estive presente em 12 aulas em sete dias de observação, dentro do Laboratório de Artes da ETI Ana Lúcia. Os relatos completos de todas as observações podem ser encontrados no Apêndice A – Diário de Campo (DC). Para complementar as informações e esclarecer alguns fatos observados, realizei uma entrevista com o professor Henrique Batistote, que pode ser lido na íntegra no Apêndice B deste trabalho. Como foi evidenciado, busquei observar a maneira como o professor trabalhava o conteúdo em sala de aula, como os alunos participavam dessas aulas e a relação entre professor e alunos, como era. A ideia era observar as aulas e verificar se e de que maneira o professor fazia uso de algumas das concepções e práticas apontadas no levantamento bibliográfico, a saber: a experiência, a mediação e a empatia. Logo de início, o que me chamou a atenção foi a questão da autonomia dada às crianças durante as aulas de Artes. Pude observar que os alunos puderam decidir o que eles queriam aprender (DC1), pesquisar sozinhos (DC1) os poemas com os quais queriam trabalhar (Figura 11) e decidir o que cada um queria fazer artisticamente (DC2). A constatação pode ser comprovada na fala do professor: “Procuro respeitar o momento de cada aluno, dando autonomia e deixando a criatividade fluir” (E). Figura 11 – Alunos pesquisando poemas de Manoel de Barros nos computadores.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
É o que John Dewey (1976) fala da aprendizagem partindo da experiência: no momento que o professor dá autonomia para que os alunos decidam, planejem, eles participam ativamente da própria aprendizagem.
63
Uma experiência de qualidade “desperta curiosidade, fortalece a iniciativa [...]” (DEWEY, 1976, p. 29). Isso pode ser visto quando, por exemplo, o professor deu uma aula especial sobre textura, com o objetivo de mostrar como os alunos poderiam trabalhar a textura nas telas que seriam pintadas nas aulas seguintes. Ensinou a técnica de misturar massa corrida com cola e passar com rolinho texturizado. Os alunos prestaram bastante atenção na explicação do professor, que fez perguntas e era prontamente respondido (Figura 12). Figura 12 – Alunos prestando atenção na explicação do professor Henrique sobre pintura com textura.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
Então, foi bastante satisfatório ver que, depois da explicação do professor, alguns alunos se dispuseram a fazer textura em suas pinturas, coisa que eles não haviam programado anteriormente (DC7), utilizando a técnica do esponjado (batidas leves de esponja umedecida com tinta sobre o papel) para fazer o fundo (Figura 13).
64
Figura 13 – Fundo da pintura feito com a técnica do esponjado.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
Quando o aluno faz a atividade prática, ele “aprende fazendo” o que o professor deseja que ele aprenda. Dessa forma, a experiência serve como parâmetro de julgamento de comparação, como Read (2001, p. 271) descreve: “porque ele as fez, ele sabe o valor do resultado”. Assim, os alunos se mostraram sempre bastante interessados na execução das atividades propostas pelo professor, demonstrando entusiasmo no manuseio com o material artístico. Isso, aliás, foi uma constante em todas as aulas observadas. Mesmo com a quantidade de material reduzida para trabalhar, uma vez que a tinta guache disponível era pouca, disponibilizada aos alunos em pequenas porções, foi possível ver produções bastante criativas (Figura 14). Não havia, de fato, muita tinta disponível, mas o material disponibilizado aos alunos foi o suficiente para todos trabalhassem livre e criativamente. Figura 14 – Compilação de alguns dos trabalhos feitos pelos alunos do 5º ano B, da ETI Ana Lúcia de Oliveira Batista.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
65
As experiências estéticas propostas pelo professor foram eficientes junto aos alunos, não somente pelos conhecimentos teóricos e práticos transmitidos por ele durante o processo de ensino/ aprendizagem, mas também pelo vínculo existente entre ele – o professor – e seus alunos, o que torna a empatia um elemento essencial dessa relação. A relação empática promovida durante as aulas pode ser observada em vários momentos, seja na capacidade do professor de falar e ouvir os alunos, fazê-los refletir sobre o próprio aprendizado, mas também na criação das pontes entre o seu conhecimento e o deles. Ao meu ver, o professor percebe que os alunos gostam de sua aula, quando ele diz: “Acredito que tenha um bom relacionamento com os alunos e que gostem da minha aula, porque quando temos que ir embora, eles não querem ir” (E). Em diversas situações, o professor demonstrou respeito para com alunos, o que é bastante relevante, uma vez que as atitudes e os atos do professor têm uma importante influência nas crianças. Dewey (1979a, p. 66) aponta que “a amplitude, a força desta influência sobre a moralidade e as maneiras, sobre o caráter, o modo de falar e procedimento social, é quase geralmente reconhecida”. Assim, destaco as seguintes ocasiões: em uma situação de conflito entre os alunos, no corredor, ao intervir na discussão dos alunos, o professor conversou em tom baixo e inaudível para mim que estava a apenas um metro de distância deles (DC1) (Figura 15); quando em outro embate, o professor conversou com os alunos em separado, chamando as crianças para uma conversa com ele no canto da sala (DC4); outra vez, em que um dos alunos disse que não queria participar das atividades em grupo, o professor se agachou na altura dele e perguntou se ele queria fazer a atividade sozinho (DC1); e até mesmo quando ele fazia considerações sobre o trabalho que os alunos estavam executando, sempre em particular, falando em tom baixo (DC4), o que demonstra o interesse dele sobre os trabalhos que estão sendo executados e consideração com a individualidade do aluno.
66
Figura 15 – Professor conversando com os alunos, resolvendo uma situação de conflito.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
Essas atitudes respeitosas do professor para com os estudantes, por sinal, foram uma constante em todas as aulas observadas, sendo que não foi notado, em nenhuma ocasião, críticas em tom jocoso ou gritos pedindo silêncio, comportamentos que outros professores de outras escolas tiveram, presenciados por mim durante o período de observação, vivência e coleta de dados dos Estágios Obrigatórios nos ensinos fundamental I e II e ensino médio. Era perceptível que os alunos se sentiam valorizados individualmente pelo professor Henrique. A produção dos alunos era vista e apreciada por ele, que sempre ia passando por todos os grupos, orientando e vendo o andamento dos trabalhos (DC3) (Figura 16). Essa é a empatia descrita por Bassi (2016, p. 10), a que “multiplica a potência de sentir e agir”. Figura 16 – Professor Henrique fazendo observações sobre o desenho do aluno.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
67
A maneira do professor Henrique Batistote trabalhar com os alunos na sala de aula, condiz com a metodologia aplicada na escola, a Metodologia da Problematização, de Berbel. Por ser uma metodologia ativa, que busca superar a memorização e a mera transferência de conhecimentos, a ideia é trabalhar a construção do conhecimento a partir da vivência de situações reais. Isso pode ser observado logo no primeiro dia: quando perguntei sobre o processo de aula, e o professor relatou que no início do semestre fez uma pesquisa com os alunos para que eles decidissem o que eles queriam aprender. Dentre os pedidos, haviam muitos para estudar sobre os animais. O professor, então, propôs trabalhar com Manoel de Barros e perguntou aos alunos se eles conheciam algo do poeta, com algumas respostas positivas (DC1). De acordo com o planejamento, que segue o Referencial da Secretaria Municipal de Educação, o professor pediu que os alunos fizessem um texto, relatando o que gostariam de estudar no 3º bimestre, para definir uma proposta de trabalho. Em muitos relatos, o professor percebeu o interesse dos alunos em desenhar bichos. Assim, ele fez a ligação entre o que os alunos queriam aprender, com os objetivos das aulas daquele bimestre: com os 3os anos, reconhecer manifestações artísticas e obras, por meio das histórias literárias: como contos, folclore, costumes, crenças, gêneros e histórias do patrimônio cultural familiar do aluno; e com o 5º ano, identificar a diversidade das formas de arte e concepções estéticas da cultura popular. Ao propor conteúdos mais próximos da realidade dos alunos, como o hino de Campo Grande (DC2), com os 3os anos, e os poemas de Manoel de Barros (DC1), com o 5º ano, com o propósito de criar “uma ponte entre o conhecimento dos alunos, proporcionando uma linha de pensamento para que possam refletir sobre suas práticas” (E), o professor Henrique conseguiu promover o fazer artístico e a reflexão dos alunos pelo reconhecimento. Segundo Dewey (2010, p. 134), “no reconhecimento existe o começo de um ato de percepção”. Um professor-mediador, ao selecionar os meios acessíveis de acordo com a realidade dos alunos, inventando possibilidades para os materiais existentes, consegue ampliar a leitura e a compreensão deles com a sua cultura. Os conteúdos essenciais da disciplina tornam-se relevantes quando faz sentido ao aluno, de modo que possa vivenciá-lo em seu cotidiano. Dessa forma, mediar é estar entre, estar ativo, flexível e propositor, estar como uma ponte entre obra e leitor, entre aquele que produz e aquele que lê, entre aquele que sabe e o que não sabe, em constante diálogo estimulando os alunos na conexão entre conteúdos e interesses (MARTINS, 2014). E isso pode ser visto durante as aulas.
68
Um fato interessante aconteceu durante uma das aulas: em dado momento, um aluno estava tentando desenhar uma taça e queria “colocar uma colher dentro” e não sabia como resolver a transparência. Em princípio o professor começou a riscar o desenho no papel, mas preferiu mostrar o trabalho feito por outra aluna da turma, para que o aluno resolvesse sozinho por meio da observação (Figura 17). Segundo Soares (2013), é importante que o professor crie situações de observação e diálogo com os colegas, estimulando o olhar e possibilitando experimentações individuais e coletivas. Ao intermediar o contato entre os colegas, o professor apresentou condições para que o próprio aluno encontrasse a solução gráfica que precisava. Figura 17 – Desenho de uma taça com canudo dentro feito pela aluna.
Fonte: Arquivo pessoal, 2017.
Uma questão bastante importante que precisa ser apontada, é o contínuo aprendizado que o professor busca, ao participar dos grupos de formação continuada e dos cursos de pósgraduação que ele fez. Exemplifica a fala de Herbert Read (2001, p. 325) de que “a educação de um aluno é, assim, sempre a autoeducação do professor”, ou seja, a formação continuada faz com que o professor desenvolva uma atitude investigativa e reflexiva, tendo em vista que a atividade profissional docente é um campo de produção do conhecimento. O contínuo aprendizado do professor Henrique Batistote é percebido em cada uma de suas aulas, em suas atitudes e propostas, que fazem com que os alunos se mostrem interessados pelo aprender e fazer artístico. Durante os dias em que estive presente na escola, pude acompanhar as aulas de artes com alunos interessados, participativos, diante das propostas bem embasadas do professor Henrique Batistote. A comparação com as aulas observadas durante o período de observação,
69
vivência e coleta de dados do Estágio Obrigatório foi inevitável. Se por um lado vi professores desmotivados, dando atividades vazias para os alunos passarem o tempo durante o meu Estágio Obrigatório, por outro lado pude perceber que existem experiências interessantes e com qualidade no ensino de arte com as crianças de hoje. Porque o que eu presenciei e pude ver no rosto dos alunos em praticamente todas as aulas em que estive presente junto com o professor Henrique Batistote na ETI Ana Lúcia, é o que Bassi (2016, p. 11) descreve na frase: “Quem já testemunhou sabe: uma criança que consegue transformar uma ideia em frutos a partir de sua própria ação é contaminada por uma alegria e uma abertura para o novo que a mudará para sempre”.
70
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em minhas observações nas aulas de Artes Visuais na ETI Ana Lúcia, presenciei um professor em “sintonia com os alunos” (IAVELBERG, 2010), que os instigava a “resolver problemas no fazer artístico e propor questões com suas poéticas pessoais” (IAVELBERG, 2010), que os respeitava, tornando-se exemplo por meio de atitudes (DEWEY, 1979a), e que serviu como “atendente, guia, inspirador” (READ, 2001), disponibilizando aos seus alunos experiências estéticas de qualidade. Quando me propus a levantar alguns aspectos considerados importantes na relação professor/aluno para uma efetiva aprendizagem dessa disciplina neste atual momento em que vivemos, o que mais me incomodava era, justamente, a apatia dos alunos diante de aulas de artes vazias. Assim, o levantamento bibliográfico realizado nesta pesquisa, corroborado pelas observações efetuadas nas aulas de artes do prof. Henrique Batistote na ETI Ana Lúcia de Oliveira Batista, mostraram que é de fundamental importância que o professor compreenda suas responsabilidades por meio do conhecimento e reflexão sobre o processo do ensino de Artes. Os três pontos que analisei neste trabalho – a experiência, a mediação e a empatia – estão entrelaçados: a experiência do professor deve ser alimentada por meio de contínuos estudos na área, para que ele possa promover experiências de qualidade para seus alunos e que o gosto por aprender e fazer arte nasça da qualidade da mediação que este professor realiza entre os alunos e a Arte. Com a finalidade de garantir uma aula consistente e prazerosa, como as que eu presenciei na ETI Ana Lúcia, além do conhecimento metodológico, é necessário, por parte do professor, sensibilidade sobre o que vem a ser Arte e consciência sobre a importância do ensino no desenvolvimento pessoal e social do aluno. Ao refletir sobre essa área ao longo da história, é possível repensar e reconstruir sua prática, rompendo com paradigmas tradicionais e concepções que não proporcionam mais uma aprendizagem significativa. As mudanças necessárias devem passar necessariamente pela sala de aula e pela efetiva aprendizagem realizada pelos alunos. Os professores são elementos fundamentais neste processo porque deles depende a diversificação das estratégias pedagógicas, com a introdução de uma multiplicidade de registros, de linguagens e de modos de intervenção. Só o professor pode inventar, experimentar e construir junto com os alunos novas formas de trabalhar com eles.
71
Ao assumir o papel de professor-mediador, o professor tem em sua mão o potencial de instigar, provocar e inspirar seus alunos, consciente de que os mesmos já possuem um conjunto de experiências e conhecimentos. Mas, conscientes também de que, somente por meio de experiências de qualidade, poderá haver uma nutrição desse conhecimento, convertendo-o em conhecimento adquirido efetivamente.
72
REFERÊNCIAS
ABDALA, Rachel Duarte; VIDAL, Diana Gonçalves. A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova nos anos 1920 e 1930. In: ARANHA, Carmen; IAVELBERG, Rosa. Espaços da mediação: A arte e suas histórias na. São Paulo: MAC USP, 2016. p. 11-26. ADERNE, Silvia. Silvia Aderne: depoimento sobre a Escolinha de Arte do Brasil. Entrevista concedida à Renata Damus em 18 set. 2017: Meio eletrônico, 2017. ANDRÉ, Marli Eliza D. A. Etnografia da prática escolar. 18. ed. Campinas, SP: Papirus, 2012. APRENDENDO COM ARTE. Sobre o projeto, <http://aprendendocomarte.org.br/>. Acesso em: 10 nov. 2017.
2017.
Disponivel
em:
ARSLAN, Luciana Mourão; IAVELBERG, Rosa. Ensino de Arte. São Paulo: Cengage Learning, 2011. ARTE NA ESCOLA. Institucional, 2017. Disponivel em: <http://artenaescola.org.br/ institucional/>. Acesso em: 14 nov. 2017. ASSIS, Maria de. Porquê e como intervir no processo de ensino-aprendizagem. In: ASSIS, Maria de; GOMES, Elisabete Xavier; PEREIRA, Judith Silva; PIRES, Ana Luísa Oliveira. 10 X 10 Ensaios entre Arte e Educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2017, p. 2137. BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil: das origens ao modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1978. BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação: conflitos/acertos. São Paulo: Max Limonad, 1984. BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil: realidade hoje e expectativas futuras. Estudos Avançados, São Paulo, v. 3, n. 7, p. 170-182, Dez. 1989. Disponivel em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141989000300010>. Acesso em: 24 fev. 2017. BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. BARBOSA, Ana Mae. Uma introdução à Arte/Educação contemorânea. In: BARBOSA, Ana Mae. Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 11-22. BARBOSA, Ana Mae. Redesenhando o desenho: educadores, política e história. São Paulo, Cortez, 2015. BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Ensino da arte no Brasil: Aspectos históricos e metodológicos. Rede São Paulo de Formação Docente, Cursos de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP. São Paulo: UNESP, 2011.
73
BASSI, Flávio. A potência e a alegria de agir. In: YIRULA, Carolina Prestes. A Importância da Empatia na Educação. São Paulo: Instituto Alana/Ashoka, 2016. p. 7-11. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte (5ª a 8ª séries). Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SE, 1998. BRASIL. Escolinha de Arte do Brasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Brasília: MEC/INEP, 1980. CORTELAZZO, Patrícia Rita. O ensino do desenho na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro e o acervo do Museu D. João VI: (1826-1851). Dissertação (mestrado). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2004. CORTELAZZO, Patrícia Rita. Um dia de aulas na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro: entre 1826 a 1951. Tese (Doutorado). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, 2009. COUTINHO, Rejane Galvão. Desafios para a docência em arte: teoria e prática. São Paulo: Universidade Estadual Paulista: Núcleo de Educação a Distância, 2013. DEWEY, John. Experiência e educação. Tradução de Anísio Teixeira. 2ª. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1976. DEWEY, John. Como pensamos: como se relaciona o pensmento reflexivo com o processo educativo, uma reexposição. Tradução de Haydée Camargo Campos. 4ª. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1979a. DEWEY, John. Democracia e Educação: intrudução à filosofia da educação. Tradução de Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. 4ª. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1979b. DEWEY, John. Arte como experiência. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010. EAB. Escolinha de Arte do Brasil. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponivel em: <http://enciclopedia. itaucultural.org.br/instituicao209047/escolinha-de-arte-do-brasil-eab>. Acesso em: 02 jul. 2017. ETI ANA LÚCIA. Projeto Político Pedagógico: Escola Municipal em Tempo Integral Professora Ana Lúcia de Oliveira Batista. Campo Grande: ETI Ana Lúcia, 2016. FERRAZ, Maria Heloisa Correa de Toledo; FUSARI, Maria Felisminda de Rezende e. Metodologia do ensino de arte: fundamentos e proposições. 2. ed. rev. e ampl. ed. São Paulo: Cortez, 2009. FUSARI, Maria Felisminda de Rezende e; FERRAZ, Maria Heloisa Correa de Toledo. Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 2001. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002. IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2010.
74
IAVELBERG, Rosa. Contribuições de Thierry de Duve à arte/educação contemporânea. In: ARANHA, Carmen; IAVELBERG, Rosa. Espaços da mediação: A arte e suas histórias na educação. Simpósio Internacional Espaços da mediação (3., 2016, São Paulo.). São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2016. p. 147-164. LINS, Maria Judith Sucupira da Costa. A Filosofia da Educação de John Dewey: reflexões e perspectivas atuais para a escola brasileira. Filosofia e Educação, Campinas, v. 7, n. 2, p. 1946, jun./set. 2015. Disponivel em: <http://dx.doi.org/10.20396/rfe.v7i2.8637547>. Acesso em: 2 jul. 2017. MARTINS, Catarina S. E agora, vai voltar tudo a ser como era? - Por uma crítica às Artes na educação. In: ASSIS, Maria de; GOMES, Elisabete Xavier; PEREIRA, Judith Silva; PIRES, Ana Luísa Oliveira. 10 X 10 Ensaios entre Arte e Educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2017, p. 13-20. MARTINS, Mirian Celeste. Conceitos e terminologia: aquecendo uma transforma-ação: atitudes e valores no ensino da arte. In: BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002. p. 49-60. MARTINS, Mirian Celeste. (Org.). Pensar juntos mediação cultural: [entre]laçando experiências e conceitos. São Paulo: Terracota Editora, 2014. MIRANDA, Gustavo Alexandre de. Uma reflexão sobre a Escola e o século XXI: descontinuidades de uma sociedade em transição. Revista InterAção, v. VII, n. 1, jan./jun. 2013. Disponivel em: <http://vemprafam.com.br/wp-content/uploads/2016/11/1_Uma-reflex-o-sobre-a-escola-e-o-seculo-XXI.pdf>. Acesso em: 2017 mai. 2017. NESSIMIAN, Maria Celéne de Figueiredo. Em busca do foco: a educação escolar em arte através de um olhar estético e psicanalítico. Dissertação (Mestrado em Educação). Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2001. PRADO, Ricardo. Anísio Teixeira, o guerreiro da sala de aula. Nova Escola. 1 jun. 2000. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/1672/anisio-teixeira-o-guerreiro-da-salade-aula>. Acesso em 27 nov. 2017. READ, Herbert. A educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001. REQUEIJO, Catarina. Roteiro para navegar em águas científicas. In: ASSIS, Maria de; GOMES, Elisabete Xavier; PEREIRA, Judith Silva; PIRES, Ana Luísa Oliveira. 10 X 10 Ensaios entre Arte e Educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2017. p. 75-82. SOARES, Margarete Barbosa Nicolosi. Desenho e desígnoio: devaneios de toques e olhares, poemas da visão e do tato. In: ROSENTHAL, Dalia; RIZZI, Maria Christina de Souza Lima. A reflexão e a prática no ensino: Artes. São Paulo, Blucher, 2013, p. 19-31. VIDAL, Ângela Vieira. Desenvolvimento da Criatividade nos Alunos de Artes Visuais. Dissertação [Mestrado em Ensino das Artes Visuais]. Lisboa: Creative University, Instituto de Arte, Design e Empresa - Universitário, 2013. WESTBROOK, Robert B.; TEIXEIRA, Anísio. John Dewey. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
75
ANEXO A – Carta de Apresentação da Pesquisa
APÊNDICE A – Diário de Campo (DC) Quadro 2 – Horário das aulas observadas na ETI Ana Lúcia de Oliveira Batista.
HORÁRIO 8h às 9h 9h às 10h 10h às 11h
SEGUNDA 3º D 5º B
TERÇA 3º B
QUARTA 3º B -
QUINTA 3º D 5º B
SEXTA -
Fonte: Elaboração própria.
DC1 - 29 de agosto de 2017, terça-feira 9h. As primeiras impressões da escola e do Laboratório de Artes. A escola é bastante ampla e bem estruturada. Correntes de vento podem ser sentidos quando se anda pelos corredores largos. Caminho até o final do corredor para encontrar o Laboratório de Artes, que fica bem próximo da Coordenação de Artes. O Laboratório é uma sala bem grande, com janelas bem grandes também. Na falta de cortinas, improvisaram um corta-luz com TNT Rosa. No meio da sala duas grandes bancadas de mármore, com pias. Um grande armário branco ao funcho, com escaninhos para os materiais, que são guardados em caixas e potes visíveis a quem está no ambiente. Embaixo das bancadas, banquetas com apoio para os pés e algumas caixas com materiais para serem utilizados durante as aulas. Uma pequena lousa branca está fixada na mesma parede que um grande varal onde alguns trabalhos dos alunos estão secando, segurados por pregadores de roupa. Meu objetivo hoje era conversar com a professora-coordenadora para a decisão das aulas de qual professor eu faria as observações. Ela indicou as aulas do prof. Henrique Batistote, que por sorte tinha uma aula às 9h nesse dia. Presenciei a aula com a turma do 3º B. O prof. Henrique pediu que as crianças escolhessem na internet e copiassem no caderno um poema de Manoel de Barros. O professor deu autonomia para que as crianças, em grupo, pesquisassem sozinhos nos notebooks disponíveis na sala, qualquer poema de Manoel de Barros que quisessem. Eles pesquisaram pelo Google. Perguntado sobre o processo, o professor relatou que no início do semestre fez uma pesquisa com os alunos para que eles decidissem o que eles queriam aprender. Dentre os pedidos, haviam muitos para estudar sobre os animais. O professor, então, propôs trabalhar com Manoel de Barros e perguntou aos alunos se eles conheciam algo do poeta, com algumas respostas positivas. Depois desse esclarecimento, continuei a observação. Os alunos participavam ativamente e discutiam bastante entre si para definir o poema para ser ilustrado. Alguns grupos, depois de terminar a pesquisa e copiar o poema escolhido no caderno, começaram a fazer a ilustração com lápis grafite. Um aluno começou a implicar com outro, disputando o acesso ao computador. O professor chamou a criança que havia começado a briga para fora da sala, agachou para ficar da altura dos olhos da criança e, em tom baixo e inaudível para mim que estava a apenas um metro de distância deles, conversou e, em seguida, pediu para que ele retornasse às atividades. Chamou atenção também um aluno que não queria participar das atividades em grupo.
Durante a pesquisa no computador, ele se afastou e sentou-se no chão atrás da bancada grande. O professor Henrique foi até ele, se agachou na altura da criança e perguntou se ele queria fazer a atividade sozinho. Ele acenou com a cabeça dizendo que sim. Então o professor o levou até o computador e ele começou a pesquisar [nota da observadora: aluno possível Aspenger].11h. DC2 - 31 de agosto de 2017, quinta-feira 9h. Cheguei e o Laboratório de Artes ainda estava vazio. Logo chegou o professor com a turma do 3º D bem agitada e barulhenta. Ao todo, 23 dos 26 alunos dessa turma estavam presentes. O professor deu um aviso para a turma e alguns alunos gritaram que já haviam terminado o trabalho. O professor então pediu que os que já tinham terminado deviam se sentar na bancada grande (que não tinha os computadores em cima). Um a um, o professor foi chamando os alunos pelo nome e entregou os cadernos, que estavam guardados dentro do armário. Os alunos que haviam faltado nas aulas anteriores, ficaram na bancada menor para terminar de escolher o poema de Manoel de Barros e copiar no caderno. Todos os alunos participam da aula ativamente, sem a necessidade de cobrança. O professor perguntou para todos os alunos quais os grupos que já haviam terminado de copiar o poema, algumas crianças levantaram a mão. Então, o professor conversou com cada grupo individualmente sobre a próxima etapa de trabalho, enquanto outros alunos conversavam alto e arrastavam as banquetas. Após alguns minutos de agitação, o professor, falando baixo com cada grupo individualmente, conseguiu com que todos os alunos começassem a ilustrar o poema escolhido. O professor deu a opção para as crianças escolhessem o local onde queriam desenhar: se no laboratório de artes ou no corredor, fora da sala. Algumas crianças pegaram seus cadernos e lápis e se espalharam no corredor, que estava bem fresquinho. Enquanto o professor orientava alguns grupos dentro da sala, houve um princípio de conflito entre os integrantes de um grupo que estava no corredor. Uma das crianças alegou não ter nem escolhido nem entendido o poema que o grupo estava ilustrando. Os demais falaram que ele não havia se manifestado durante a escolha, então deveria aceitar o que o grupo tinha escolhido. Para apartar a briga, o professor se abaixou na altura das crianças e, em tom baixo, esclareceu que o próprio grupo deveria resolver o embate, conversando entre si, de forma tranquila. Faltando cerca de cinco minutos para a aula acabar, o professor chamou os alunos que estavam no corredor, guardou os cadernos, pediu que os alunos aguardassem em fila perto da porta do Laboratório, depois os levou de volta para a sala de aula deles. Permaneci na sala aguardando a chegada da próxima turma. O professor trouxe os alunos do 5º B. Eles entraram e já foram se sentando em volta da bancada grande. O professor falou om dia para a turma, me apresentou e começou a recapitular o conteúdo de aulas anteriores. Em outra aula o professor discutiu com os alunos sobre o significado do hino de Campo Grande. A atividade do dia seria fazer uma ilustração tendo como base o hino da cidade. Uma aluna não entendeu e o professor explicou novamente e deixou a decisão do que cada aluno queria fazer artisticamente, tendo como base o hino de
MS. O professor então perguntou: “O que fala o hino?”, os alunos responderam “Sobre a cidade!”, “O que mais fala no hino?”, os alunos foram respondendo. Os cadernos foram distribuídos e os alunos começaram a desenhar. O professor tirava dúvidas daqueles que solicitavam e passou olhando o que cada aluno estava fazendo, fazendo sempre algum comentário. Todos os alunos da sala estavam desenhando, sem a necessidade de cobrança para a execução da atividade. Um pouco antes da aula acabar, orientou os alunos a devolverem os cadernos, arrumarem a sala e esperarem em fila, depois os levou de volta para a sala. 11h. DC3 - 11 de setembro de 2017, segunda-feira 9h. O professor trouxe os alunos do 3º D, que foram entrando na sala esse sentando em volta das bancadas. Logo no início da aula, o professor passou alguns recados, que a partir do mês que vem [outubro], os alunos irão pintar as telas para a exposição que acontecerá no dia 17 de novembro. O tema da tela será o mesmo que eles estão trabalhando no caderno, que é Manoel de Barros. O professor continuou a orientação: que eles permaneceriam com o mesmo grupo da atividade de pintura no caderno, mas hoje eles iriam pintar no papel A3. Disse que eles fizeram o esboço no caderno e que tinham que prestar atenção na hora de desenhar porque a folha A3 era maior. Ele, então, passou as orientações sobre os procedimentos da aula e pediu que as tintas fossem colocadas em potinhos, tarefa que eu ajudei a fazer. Foram colocadas as cores primárias para que os alunos fizessem a mistura em bandejas de isopor. O professor orientou os grupos para ler os poemas e entender antes de realizar a pintura e fez observações durante a execução. Os alunos iniciaram a atividade e o professor foi passando por todos os grupos, orientando e vendo o andamento dos trabalhos. Todos os alunos de todos os grupos estavam desenhando e algumas das crianças já iniciaram a pintura. Antes de terminar a aula, pediu que os alunos arrumassem os materiais e a sala, limpassem os pinceis e potinhos e depois ficassem na fila na porta para serem levados de volta a sala de aula. O professor saiu levando a turma do 3º D e trouxe para o Laboratório a turma do 5º B. Iniciou fazendo a chamada e dando o recado sobre as telas de pintura a quinze reais. Caso os pais preferissem, também poderiam adquirir as telas em papelaria e, na impossibilidade da compra, os alunos poderiam pintar no papel A3 fornecido pela escola. O tema da aula foi a continuação da aula anterior, que os alunos ilustraram o hino de Campo Grande no caderno. Os alunos hoje pintaram as ilustrações do caderno com tinta guache. A aula transcorreu com tranquilidade com todos os alunos participando ativamente da atividade de ilustração. Antes do final da aula, como sempre, o professor orientou os alunos a arrumarem a sala, devolverem os cadernos e esperarem em fila para serem levados de volta a sala de aula. 11h. DC4 - 13 de setembro de 2017, quarta-feira 8h. Os alunos do 3º B entraram no Laboratório de Artes junto com o professor e se dirigiram para as bancadas. Como era continuação das aulas anteriores, os grupos que ainda não haviam terminado a pesquisa e a cópia do poema de Manoel de Barros foram para a bancada aonde estavam os computadores. Os alunos deveriam terminar a ilustração do poema do Manoel de
Barros no caderno. Quem já havia terminado, podia começar a pintura com guache. O desenho que foi feito no caderno, agora está sendo trabalhado no papel A3. Assim que os alunos se organizaram pegando as tintas e preparando seu material para começar o trabalho, o professor iniciou fazendo considerações sobre o tamanho do desenho feito no papel A3, perguntando sobre o conceito de proporção e fez algumas observações no trabalho dos alunos. Enquanto todos os alunos pintavam com bastante animação, o professor chamou um a um para fazer as observações sobre o desenho de forma individual. Somente quando a observação não dissesse respeito somente ao aluno, a fala dele se direcionava para a sala inteira, por exemplo, sobre o local da assinatura do artista na pintura. Junto com outro aluno, fez observações sobre a forma de segurar o lápis e a quantidade de pressão para a execução do esboço. Com frequência o professor se direcionava para a sala toda fazendo questionamentos para saber se todos haviam compreendido os procedimentos para a execução da atividade. Em particular, falando em tom baixo, continuou fazendo as considerações sobre o desenho ou da pintura dos alunos. Da distância onde eu estava, não era possível ouvir com clareza o que o professor apontava. Ouvi um “... pode melhorar...” e em seguida ele apontou qual item do desenho era o motivo da crítica construtiva. Novamente, em particular, o professor pediu que um grupo de alunos descrevessem o poema para ver se eles haviam compreendido ou apenas haviam se apropriado de uma única frase para ilustrar (compreensão do texto). Dois alunos começaram a discutir durante a aula. O professor os chamou para o canto da sala e perguntou para eles “o que está acontecendo?”. Os alunos conversaram com o professor e o conflito foi resolvido. A coordenadora de Artes entrou na sala para avisar o professor Henrique sobre uma aluna que começou a passar mal e a mãe veio buscar. Depois de dar o recado, aproveitou a oportunidade para olhar os trabalhos que os alunos estavam fazendo, elogiando com frequência: “Que lindo!”. Em dado momento, um aluno estava tentando desenhar uma taça e questionou o professor porque ele queria colocar uma colher dentro e não sabia como resolver a transparência. Em princípio o professor começou a riscar o desenho no papel, mas preferiu mostrar o trabalho feito por outra aluna da turma, para que o aluno resolvesse sozinho por meio da observação. Os alunos foram avisados sobre o fim da aula, arrumaram os materiais e foram para a fila para serem levados de volta para a sala de aula. 9h. DC5 - 14 de setembro de 2017, quinta-feira 9h. O professor trouxe o 3º D. Enquanto os alunos se arrumavam, puxando as baquetas para perto da bancada, o professor fez a chamada. A sala estava bastante agitada. O professor está ficando rouco e pediu silêncio para a turma e foi temporariamente atendido. O professor distribuiu o papel A3 e pediu que os alunos primeiramente desenhassem com lápis para depois pintarem com tinta guache. Depois o professor deu um recado dizendo que na próxima semana eles receberiam a visita de uma artista do bairro, os alunos vibraram e gritaram de felicidade depois do aviso. Todos os alunos fizeram o desenho no papel A3 e iniciaram a pintura com a tinta guache e trabalharam assim até o final da aula, sempre conversando bastante entre si. O professor observou as pinturas e fez observações de forma individual e tirou dúvidas.
A aula inteira foi praticamente assim, sem nenhum fato marcante. Ao final da aula, os alunos arrumaram a sala, lavaram os pinceis e formaram a fila para serem levados de volta a sala de aula. O professor levou a turma e trouxe o 5º B. Ele iniciou a aula dando os recados e avisando sobre a visita da artista da comunidade e também sobre a tela para a pintura. Depois o professor distribuiu os desenhos feitos na folha A3 iniciado na segunda-feira e os alunos continuaram desenvolvendo a atividade. Todos os alunos participaram ativamente da aula, bastante compenetrados no que estavam fazendo. Com frequência, os alunos iam até o professor para mostrar o andamento da pintura e, assim, obter a aprovação dele. A aula transcorreu sem percalços e, ao final, os alunos recolheram seus materiais, limparam os pinceis e formaram a fila para serem levados de volta para a sala de aula. 11h. DC6 - 18 de setembro de 2017, segunda-feira 9h. Os alunos do 3º D chegaram e o professor chamou a atenção de algumas alunas sobre ir ao banheiro em grupo, o que não é permitido na escola. O professor avisou a turma que a artista que viria, precisou desmarcar a visita, mas mostrou algumas obras dela no Datashow e avisou que ela remarcou para a próxima segunda-feira. Também avisou a turma que eles deviam terminar o desenho, começado em aulas-anteriores, até quinta-feira. O professor começou a distribuir os trabalhos para os alunos terminarem e nomeou dois alunos, um menino e uma menina, responsáveis por distribuir as tintas para os colegas. Ele precisou alterar a altura da voz para que os alunos prestassem atenção ao recado sobre as tintas, porque eles estavam bem agitados. Aliás, na aula de hoje com essa turma, o professor precisou alterar o volume da voz várias vezes, seja para dar algum recado, avisos sobre o uso da tinta ou a bagunça na sala. Mesmo com toda a agitação, todas as crianças da sala realizaram a atividade com bastante disposição. Um aluno se aproximou de mim há alguns dias. O professor já havia apontado que aquele era um aluno que causa atrito com frequência. Nas primeiras vezes que ele se aproximou, ele tentou testar minha paciência, fazendo provocações, como, por exemplo, não atendendo a um pedido meu para arrumar o material e entrar na fila como o professor havia mandado, porém sem sucesso. Hoje ele veio até mim e perguntou: “A senhora xinga seu filho?”, respondi negativamente, dizendo que na minha casa não faltamos com respeito uns com os outros, “É que minha mãe me xinga às vezes e eu fico triste”. Pela primeira vez desde o início das minhas observações, o aluno não precisou ter sua atenção chamada para recolher o material e ir para a fila. Quando o professor avisou, ele prontamente arrumou tudo, veio me dar um abraço e foi para a fila. O professor levou o 3º D e trouxe o 5º B. O professor iniciou a aula dando os recados usuais e fazendo a chamada. Avisou também sobre a ausência da artista convidada e mostrou os trabalhos dela no datashow. Em seguida, distribuiu os trabalhos dos alunos, para que eles continuassem a pintura iniciada na semana passada. A aula transcorreu sem contratempos, com todos os alunos participando ativamente da atividade executada.
Ao final da aula, os alunos arrumaram a sala, formaram a fila e voltaram para a sala levados pelo prof. Henrique. 11h. DC7 - 21 de setembro de 2017, quinta-feira 9h. O professor entrou com a turma bastante agitada. Assim que os alunos se sentaram nas banquetas junto a bancada, o professor definiu os ajudantes do dia e fez a chamada. A turma estava muito barulhenta e irrequieta, fazendo com que o professor tivesse muita dificuldade de manter a sala quieta. Ele alterou o volume da voz várias vezes para fazer a chamada. Ele pediu que a turma ficasse em silêncio para ouvir um recado importante, e esperou um minutinho para que os alunos se aquietassem. O recado é que na próxima semana será iniciada a pintura em tela, então, quem não trouxer o dinheiro ou a tela vai pintar em papel. O professor precisou falar o nome de dois alunos, Davi e Israel, para pararem com a bagunça, pois eles estavam no meio da sala arrastando as banquetas e fazendo muito barulho. Os ajudantes distribuíram as tintas e todos os alunos começaram a pintar. A fala foi enfática, em tom enérgico, mas sem gritar. Ao final da aula, as crianças arrumaram a sala e foram para a fila. Hoje a turma estava realmente muito agitada! O professor levou o 3º D e trouxe o 5º B. Antes da aula iniciar, a coordenadora entrou na sala para conversar com o professor sobre o andamento das aulas futuras, na questão da técnica de pintura a ser trabalhada com o 5º ano. Em seguida, a coordenadora se voltou para a sala toda para dar um recado sobre o Festival de Canto. Depois do recado dado e dos inúmeros abraços recebidos, a coordenadora saiu e o professor iniciou a aula. Hoje, o professor deu uma aula especial sobre textura, com o objetivo de mostrar como os alunos poderão trabalhar a textura nas telas que serão pintadas a partir da próxima semana. Ensinou a técnica de misturar massa corrida com cola e passando o rolinho texturizado. Os alunos prestaram bastante atenção à explicação do professor, que fez perguntas e era prontamente respondido. Depois da demonstração, os alunos continuaram a pintura iniciada em aulas anteriores. Observei que alguns alunos se dispuseram a fazer textura em suas pinturas, coisa que eles não haviam programado anteriormente, utilizando a técnica do esponjado (batidas leves de esponja umedecida com tinta sobre o papel) para fazer o fundo. A aula transcorreu sem nenhum problema e, ao final da aula, recolheram e limparam os materiais, se puseram em fila e voltaram para a sala junto com o professor. 11h.
APÊNDICE B – Entrevista com o Professor Henrique de Oliveira Batistote (E)
Nome completo: Henrique de Oliveira Batistote Idade: 35 anos Tempo de experiência como professor de Artes Visuais: 5 anos de experiência
1) Qual é a sua formação? Fez algum curso de pós-graduação? Se sim, qual? Sou formado em Administração pela FACSUL e em Artes Visuais pela Uniasselvi polo Libera Limes, pós-graduação em gestão escolar. Cursando pós-graduação em coordenação escolar pelo Instituto Prominas. 2) Você participa de algum curso de formação continuada? Se sim, qual/quais? Sim, Aprendendo com Arte, Arte na Escola (UFMS), Ensino Hibrido na Educação. 3) Se você respondeu sim à questão anterior, você sente diferença na sua prática depois que começou a participar? Com certeza, o aprender deve fazer parte diariamente do professor, “ensina o que aprende e aprende o que ensino” (Cora Coralina), essa prática deveria fazer parte de todo arte educador. 4) Conte um pouco da sua história com o ensino de Arte. O que te trouxe para esse mundo? Desde os nove anos que sou envolvido com as artes, mais precisamente com a música, fiz e faço parte de bandas sertanejas e bandas marciais. Mas, a arte me encanta desde sempre, pegar uma tela em branco e transformá-la em uma obra prima é surreal. No primeiro momento achei que a arte era somente decorativa, contudo com o decorrer da vida e com a entrada na faculdade, pude perceber o real sentido de transformação que a arte possui. Na minha família tive a influência de algumas pessoas, minha mãe é professora, minha sogra é artista plástica e minha esposa pinta e é fotógrafa nas horas livres. Acredito que a arte possibilita vários caminhos de ensino aprendizagem, e que nos dá um leque de informações incríveis para se trabalhar em sala de aula. 5) Como você descreve o seu relacionamento com os alunos? De que maneira você se posiciona diante da sala de aula? Primeiro me coloco no lugar deles, e tendo entender como eu gostaria que fosse uma aula de arte. Procuro respeitar o momento de cada aluno, dando autonomia e deixando a criatividade fluir. Coloco o aluno de igual para igual, construindo os saberes de forma coletiva, integrada com a metodologia da escola. Acredito que tenha um bom relacionamento com os alunos e que gostem da minha aula, porque quando temos que ir embora, eles não querem ir.
6) Como você prepara suas aulas? Segue algum referencial? Se sim, qual? As aulas são preparadas por quinzenas, dando assim uma flexibilidade se precisar. Nos seguimos a teoria da problematização, os referenciais da REME, o PPP e a proposta triangular de artes. 7) Quais são as suas principais referências bibliográficas para a preparação do seu conteúdo de aula? Ana Mae Barbosa, metodologia da problematização da Berbel, 8) Como você avalia as atividades dos alunos? Como é o seu processo avaliativo? Avaliação processual, atitudinal, conceitual, pelo caderno de desenho, pelo portfólio e pela interação com o grupo. 9) O que você entende por mediação? Você diria que é um professor-mediador? É você fazer uma ponte entre o conhecimento dos alunos, proporcionando uma linha de pensamento para que possam refletir sobre suas práticas. Estou tentando ser um professor mediador, tenho muito a aprender ainda. 10) O que você acha que mudou do tempo em que você frequentava a escola e tinha aulas de Artes aos dias atuais? Muita coisa, primeiro quando tive aulas de arte era só desenho livre e sem contextualização nenhuma. Não se tinha mediação muito menos conhecimento histórico e cultural. Não me lembro de nada dessa época, uma pena. Hoje procuro ser um professor que estimula os alunos a pensar e trago sempre novidades nas aulas, como artistas ou uma ferramenta de ensino diferenciada para que eles se motivem a estudar sempre.
APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
RENATA DAMUS
PROJETO DE CURSO PARA O ENSINO DE ARTES VISUAIS: NOVOS OLHARES SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL DE CAMPO GRANDE
Projeto de curso para o ensino de Artes Visuais, sob a orientação da Prof.ª Ma. Aline Sesti Cerutti apresentado como parte dos requisitos para a aprovação no curso de Artes Visuais – Licenciatura.
Campo Grande, MS 2017
89
APRESENTAÇÃO
Durante o período de observação, vivência e coleta de dados do estágio obrigatório (Ensinos Fundamental I e II e Ensino Médio), pude perceber que os professores, quando propõem atividades envolvendo a questão do patrimônio cultural artístico de Mato Grosso do Sul (MS) para seus alunos, acabam, com certa frequência, seguindo o caminho “seguro” da arte indígena, dos bichos do Pantanal e dos pontos turísticos. Esses temas podem – e devem – ser trabalhados em sala de aula, porém, a meu ver, o professor, ao se dispor a algo que envolva a cultura regional em sala de aula, precisa ter em mente o que Menegazzo (2006, p. 19) aponta: “A arte sul-mato-grossense em todas as suas linguagens não precisa ser uma arte sobre Mato Grosso do Sul, mas necessariamente, há que se impor frente às noções ingênuas da representação cultural”. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte (BRASIL, 1997, p. 69), a preocupação em promover o patrimônio cultural aparece na orientação para que os professores selecionem os conteúdos para “que os alunos possam produzir, compreender e analisar os próprios trabalhos e aprender noções e habilidades para apreciação estética e análise crítica do patrimônio cultural artístico”. Já, o Referencial Curricular do Estado de MS (MATO GROSSO DO SUL, 2012, p. 163), orienta para que o professor desenvolva com seus alunos “critérios de percepção, observação e compreensão crítica das expressões artísticas, baseados nas experiências cotidianas e do entorno, articulando-os com informações e conhecimentos científicos que reflitam usos e funções da arte”. Na perspectiva cultural, patrimônio refere-se ao conjunto de bens, materiais e imateriais (objetos, construções, costumes, vestimentas) ligados à identidade, à cultura e à história de um povo, formando uma memória coletiva. Mas, só são assim considerados se a comunidade, ou alguém, lhes conferir um valor. Segundo Arruda (2006, p. 89), é o patrimônio cultural que “materializa e torna visível esse sentimento evocado pela cultura e pela memória”. Cada habitante carrega em si imagens repletas de significados e recordações das experiências vividas, portanto, trabalhar com a questão do patrimônio em sala de aula é uma forma de sensibilizar e proporcionar aos alunos a compreensão da sua própria cultura por meio da arte. O patrimônio da cidade de Campo Grande representa a sua cultura. São realizações do trabalho e criatividade de seu povo formado por pessoas de diversas regiões, por isso ele é
90
tão rico em diversidade. Essa riqueza é o que possibilita inúmeras formas de apropriação de suas manifestações. Diante do exposto, minha proposta neste Projeto de Curso (PC) tem como foco a arte e a cultura regional, com recorte no patrimônio cultural artístico da cidade de Campo Grande, a ser desenvolvido em dez aulas junto com os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II. O objetivo geral é fazer com que os alunos sejam capazes de conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio cultural artístico da cidade, aproximando o conceito de sua vivência. Entre os objetivos específicos: oportunizar a descoberta do universo do patrimônio cultural artístico da cidade; desenvolver a sensibilidade estética; e experimentar o fazer artístico, expressando ideias, sentimentos e pensamentos, por meio de linguagens artísticas. A metodologia para a aplicação do projeto privilegia três pontos principais, focos da pesquisa do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC): experiência, empatia e mediação, com base nas teorias de John Dewey (2010) e Herbert Read (2001): ao selecionar os objetos estéticos de acordo com a realidade dos alunos, a experiência estética proposta pelo professormediador torna mais acessível o encontro do aluno com o fazer artístico e a reflexão sobre arte. Ao propor esse encontro sensível com a arte, o professor possibilita ao aluno, principal envolvido na atividade proposta, vivenciar conscientemente e participar ativamente do processo, fazendo com que ele descubra e identifique, durante a percepção estética, seus próprios sentimentos e emoções por meio dos elementos artísticos aos quais ele é exposto. A avaliação acontece em três momentos: no início do projeto, para diagnosticar o nível de conhecimento artístico e estético de cada um dos alunos; durante a execução das atividades, considerando não só a atividade prática em si, mas também as reflexões dos alunos, expostas em seus relatos verbais; e, a auto avaliação do desempenho, ao final das atividades, para a compreensão de como a aprendizagem ocorreu em cada um dos alunos. Os critérios avaliativos são: a capacidade de iniciativa, a participação e envolvimento nos trabalhos; a concretização das atividades práticas propostas e a auto avaliação. Assim sendo, as atividades propostas são divididas em três etapas, a saber: Sensibilização, Intervenção, Produção: - Etapa de Sensibilização (3 aulas): nessa etapa são propostos exercícios como o Olhar de Turista e o Mapa Cartográfico, que tem como objetivo convocar a participação e promover o envolvimento dos alunos com a temática proposta; - Etapa de Intervenção (3 aulas): os alunos entram em contato com as obras de dois artistas campo-grandenses que trabalham com a temática do patrimônio cultural de Campo Grande: Wanick Correia e Wagner Thomaz, bem como com as linguagens artísticas
91
trabalhadas por eles: o desenho das histórias em quadrinhos e a fotografia, respectivamente. Também está programado uma saída fotográfica nas redondezas da antiga Estação Ferroviária; - Etapa de Produção (2 aulas): nessa etapa, os alunos serão estimulados a produzir fotografias com a temática do patrimônio cultural de Campo Grande e, a partir delas, desenhos ou intervenções fotográficas que representem a ligação entre o aluno e sua cidade. A culminância e a avaliação final do projeto acontecerão na 9ª e 10 aulas e serão realizadas, respectivamente, na forma de uma exposição das fotografias e dos desenhos criados pelos alunos, e uma Roda de Conversa, para reforçar os temas trabalhados anteriormente e para ver o quanto cada aluno assimilou durante o processo.
OBJETIVO GERAL: Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio cultural da cidade de Campo Grande.
CONTEÚDO: Patrimônio Cultural da cidade de Campo Grande.
PROCEDIMENTOS: ETAPA DE SENSIBILIZAÇÃO (AULAS 1 A 3) (3 H/A) Aula 1 - Objetivos específicos: Conhecer os objetivos, as etapas e os critérios de avaliação do projeto; Exercitar e ampliar o olhar mais atento, por meio do desenho de observação. - Conteúdos específicos: Roda de conversa; Exercício Olhar de Turista; Desenho de observação. - Desenvolvimento: O trabalho se inicia com a explicação da proposta geral do projeto e de todas as etapas a serem desenvolvidas junto com os alunos. Esse passo é necessário para que os alunos compreendam o modo de trabalho e os critérios avaliativos, justamente para que possam participar de forma ativa durante todo o processo, como sujeitos da experiência estética mediada pelo professor.
92
Em seguida, inicia-se uma Roda de Conversa. O objetivo da Roda é motivar a construção da autonomia dos sujeitos por meio da problematização, da socialização de saberes e da reflexão voltada para a ação que será promovida pelo professor. Nesse momento, os alunos contam suas próprias experiências com a cidade. Perguntas que podem ser feitas pelo professor: Quem nasceu em Campo Grande? Quem veio de outra cidade? Quais são os lugares que vocês conhecem na cidade? Quem já foi ao Centro? O que encontramos lá? Etc. Essa primeira Roda de Conversa serve como parâmetro de comparação para verificar o quê e quanto cada aluno assimilou durante o processo. Depois da roda de conversa, será proposto um primeiro exercício de sensibilização, intitulado Olhar de Turista para ser realizado no pátio ou, se possível, dando a volta no quarteirão da escola. Os alunos devem portar cada um deles um pequeno bloco de papel sulfite e lápis grafite, para fazer desenhos de observação de coisas e lugares que eles não haviam reparado antes. De volta à sala de aula, esses desenhos serão apresentados para que eles exponham quais critérios foram levados em consideração para a escolha daquele determinado objeto ou lugar. Na sequência, como tarefa de casa, os alunos devem fazer o mesmo exercício do Olhar de Turista só que no trajeto rotineiro que eles fazem de casa para a escola. Na aula seguinte, devem trazer imagens criadas por eles de objetos e lugares que eles nunca haviam reparado antes, anotando, se possível, os nomes de ruas e pontos de referência. Ao propor ao aluno um novo olhar durante o trajeto casa-escola, cria-se uma relação com o patrimônio escondido de uma cidade, cuja população passa em frente sem enxergar. Nesse sentido, a ação mediadora exercida pela professora, ao fazer os alunos perceberem algo que faz parte do cotidiano de forma diferente, tem o intuito de exercitar e ampliar o olhar mais atento. Uma variação possível desse exercício é propor que os alunos utilizem câmeras fotográficas ou o próprio celular para fazer os registros imagéticos e trazer para a aula seguinte uma impressão dessas imagens. - Recursos: Lápis grafite, bloquinhos feitos com papel sulfite, grampeador.
Aula 2 - Objetivo específico: desenvolver a habilidade espacial; trabalhar a espacialidade. - Conteúdo específico: Desenho cartográfico. - Desenvolvimento: Com os desenhos ou cópias impressas das imagens feitas do trajeto que os alunos produziram, a sequência é a criação de um grande mapa tendo a escola como centro, uma vez que ela é o ponto de encontro de todos daquela sala (Figura 18).
93
Em grupo, os alunos alimentam esse mapa com o trajeto deles até a escola, incluindo as imagens que elas produziram. O grande mapa poderá ser pintado, trabalhado com colagens, etc. Os alunos observam os trabalhos de todos e verificam quem mora perto de quem, onde os caminhos se encontram, como cada um registrou seu percurso e assim por diante. Figura 18 – Modelo de mapas cartográficos feitos por alunos.
Fonte: https://cartografiaescolar.wordpress.com
O mapa criado pelos alunos será usado na etapa seguinte para o apontamento de alguns patrimônios da cidade. Ao final da aula, cada criança receberá um questionário que deve ser respondido fora da sala de aula, por qualquer pessoa mais velha que o aluno tivesse contato (podem ser os pais, avós, irmãos mais velhos, etc.). O questionário tem por objetivo levar a criança a buscar lembranças da cidade, de lugares que existiram e hoje não existem mais ou que mudaram ao longo do tempo. Deve ficar claro para os alunos que eles farão uma exposição oral das respostas que obtiverem. Sugerir que tragam fotografias ou imagens para ilustrar a fala deles. - Recursos: Lápis grafite, tesoura, papel sulfite, cola, papel pardo, caneta hidrocor, caneta preta para retroprojetor, imagens impressas e/ou fotografias.
Aula 3 - Objetivo específico: Conhecer e refletir sobre o patrimônio cultural de Campo Grande; Trabalhar a memória afetiva da cidade.
94
- Conteúdo específico: Patrimônio cultural de Campo Grande; Exposição oral. - Desenvolvimento: A aula se inicia com o professor explicando a questão da memória afetiva que cada um tem da cidade. Segundo Arruda (2006, p. 88): “[...] a memória é importante fator para a construção de identidades coletivas e para o estabelecimento de relações entre o passado e o presente. É, portanto, elemento vivo, sujeito a modificações e alterações, interagindo com o presente e permitindo visões do futuro”. Depois começa a apresentação oral dos alunos. O professor deve marcar na lousa cada um dos lugares que os alunos trouxerem para que no final das exposições seja possível verificar as semelhanças e diferenças na fala de todos. Também é interessante marcar cada um dos pontos apresentados no mapa feito pelos alunos, com o intuito de identificar as referências culturais e compreendê-las no espaço. Esse exercício visa despertar nos alunos um maior entendimento sobre a cidade, estimulando a memória coletiva e fortalecendo os vínculos de identidade e pertencimento. - Recursos: Giz ou caneta para quadro branco, lousa, caneta preta retroprojetor. ETAPA DE INTERVENÇÃO (AULAS 4 A 6) (3 H/A) Aula 4 - Objetivos específicos: Conhecer a biografia e as obras do desenhista Wanick Corrêa; Exercitar a criatividade por meio da criação de desenho artístico; Refletir sobre a memória afetiva da cidade. - Conteúdos específicos: Patrimônio cultural de Campo Grande; Representação bidimensional: desenho; História em Quadrinhos. - Desenvolvimento: Inicia-se a aula com a apresentação da biografia e obras do desenhista Wanick Corrêa e, mais especificamente, sobre sua obra “Amor sobre Rodas”, cuja história se desenrola em lugares conhecidos de Campo Grande. Nessa história, além dos patrimônios culturais da cidade, como a Praça das Araras (Figura 19) e o Relógio Central, servirem de cenário para a trama, outros elementos da cultura regional também foram incorporados ao enredo, como a chipa, o sobá e o tereré, que aparecem no dia-a-dia dos personagens.
95
Figura 19 – Detalhe de uma das páginas da HQ “Amor Sobre Rodas”, de Wanick Correia.
Fonte: CORRÊA, 2018.
A questão do resgate da memória por meio dos desenhos é um dos aspectos relevantes da escolha da obra Amor Sobre Rodas para este projeto. Os desenhos da cidade de Campo Grande na HQ, trazem em si o poder de guardar um pouco da memória dos lugares onde se ambientam as cenas da história. É uma forma de perpetuar a recordação e preservar a identidade e a memória coletiva da cidade e do Estado de Mato Grosso do Sul. Como proposta de atividade artística, cada aluno, a partir de sua memória afetiva, deve escolher algum local da cidade que ele quer que seja preservado e criar um desenho propondo medidas para que o projeto desses se aplique no futuro. A ideia é que cada um olhe para a cidade através do afeto, dos sentimentos e das lembranças e compreenda que o patrimônio cultural está ligado permanentemente com a relação que a comunidade tem com a sua cidade. Os desenhos, feitos em cartolina, não precisam ser realistas dos locais da cidade, apenas representar de forma artística o que e/ou o porquê eles querem preservar aquele lugar especificamente. - Recursos: Data show, slides com as imagens das obras de Wanick Correia, Lápis grafite, lápis de cor, caneta hidrocor, giz, cartolina.
Aula 5 - Objetivos específicos: Conhecer a biografia e as obras do fotógrafo Wagner Thomaz; Realizar a leitura da imagem “Circulação”, de Wagner Thomaz. - Conteúdos específicos: Leitura de imagem; Fotografia.
96
- Desenvolvimento: A aula é iniciada com a leitura da obra “Circulação”, do fotógrafo campo-grandense Wagner Thomaz (Figura 20). Segundo Arslan e Iavelberg (2011), na apreciação, a leitura da imagem é aberta e o aluno pode manifestar-se de múltiplas formas, cabe ao professor a orientação dessa leitura, levando em consideração os níveis de aprendizagem dos alunos. A fotografia pertence à série “Sublimação”, onde o fotógrafo Wagner Thomaz retrata o que restou de uma casa de arquitetura eclética, localizada nas redondezas da antiga estação ferroviária. O complexo ferroviário de Campo Grande tem uma imensa importância, uma vez que foi ao redor da estação que se deu o início do processo formador do complexo urbanocentral da cidade (MARQUES, 2014). Figura 20 – Circulação, de Wagner Thomaz. Série Sublimação. Impressão sublimática sobre azulejo, 2014, 20 x 20 cm.
Fonte: THOMAZ, 2014.
Como base para a leitura, será usado o sistema Image Watching, de Robert Ott (apud ARSLAN; IAVELBERG, 2011), com cinco níveis de leitura: descrevendo, analisando, interpretando, fundamentando e revelando, descritos a seguir: a leitura é iniciada a com um aquecimento ou sensibilização do olhar, apenas percorrendo os olhos na imagem para ver os elementos que nela estão contidos. Depois, segue para a leitura em cinco fases: 1) Descrevendo: é o momento em que a percepção é priorizada e descreve-se o que está sendo visto; 2) Analisando: enfoca os aspectos conceituais da leitura da obra de arte. É hora de perceber os detalhes, objetivando estimular o aluno a prestar atenção na linguagem visual, com seus elementos, texturas, dimensões, materiais, suportes e técnicas; 3) Interpretando: é o momento das respostas pessoais à obra de arte, objeto da apreciação, quando os alunos
97
expressam suas próprias interpretações, sensações, emoções e ideias a partir do contato com a materialidade da obra, seu vocabulário, gramática e sintaxe; 4) Fundamentando: é o momento de trazer o conhecimento adicional disponível no campo da História da Arte. A intenção é de ampliação do conhecimento para conhecer mais sobre a vida do artista, sua carreira artística, seu processo de produção ou analisar recortes com reportagem sobre o artista ou a obra analisada, catálogos de exposição, enfim materiais que possa ampliar o conhecimento, textos de diversas áreas do conhecimento para pesquisa, bibliografia, sites para consulta, selecionando os textos de acordo com os interesses e o nível de conhecimento da classe. A 5ª fase, Revelando, é o momento que o aluno tem a oportunidade de revelar, através do Fazer Artístico, o processo de construção de conhecimento por ele vivenciado. Essa etapa será feita nas aulas seguintes. - Recursos: Data show, slides com as imagens das obras de Wagner Thomaz, sulfite, lápis grafite, lápis de cor,
Aula 6 - Objetivos específicos: Discutir a relação entre memória e história. - Conteúdo específico: Fotografia - Desenvolvimento: Como essa é uma aula passeio, é necessário que seja programado um dia específico para esta atividade. O grupo será levado para uma saída fotográfica para a antiga Estação Ferroviária de Campo Grande. A saída deve ser avisada com antecedência, para obtenção das autorizações e avisos sobre os equipamentos necessários. Munidos de celulares ou câmeras fotográficas, a proposta é que eles fotografem coisas e lugares que chamem a atenção deles por algum motivo e que servirão de base para a ilustração que eles devem criar nas aulas seguintes. A antiga Estação Ferroviária revela-se de grande importância para a discussão, uma vez que o complexo foi tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Cultural (IPHAN) em 2010, porém, conforme aponta Marques (2014, p. 86), “o patrimônio ferroviário de campo Grande não recebeu um apelo voltado ao seu significado enquanto símbolo de memória coletiva”. Por isso, se faz importante levantar essa questão com os alunos, para que eles reflitam sobre a relação entre a preservação patrimonial de bens e a valorização da memória de uma cidade. Ao voltar para a escola, os alunos farão a seleção das fotografias que serão reveladas ou impressas pelos próprios alunos (no máximo 3 por aluno, trazer na aula seguinte).
98
- Recursos: Celular ou câmera fotográfica, fotografias ou impressões das imagens. ETAPA DE PRODUÇÃO (AULAS 7 E 8) (2 H/A) - Objetivos específicos: Expressar-se através da linguagem do desenho e fotográfica. - Conteúdos específicos: Fotografia; Arte com fotografia; Desenho/ Ilustração. - Desenvolvimento: Nas aulas seguintes, os alunos, usando as imagens como base para a criação de uma produção artística que represente a ligação entre o aluno e a cidade. Para a criação artística dos alunos, várias técnicas podem ser desenvolvidas com as fotografias: elas podem servir como referência para uma ilustração ou as próprias fotografias podem sofrer algum tipo de intervenção, como pintura sobre a fotografia ou colagem. - Recursos: Folha sulfite ou canson, lápis grafite, lápis de cor, caneta hidrocor, cola, tintas, pinceis, materiais diversos, cola, tesoura. CULMINÂNCIA E AVALIAÇÃO (AULAS 9 E 10) (2 H/A) Aula 9: - Objetivo específico: Organizar a exposição dos trabalhos produzidos; apreciar os trabalhos produzidos na exposição. - Conteúdo específico: Montagem de exposição pedagógica - Desenvolvimento: Após a finalização das atividades por parte dos alunos, os trabalhos deles são expostos na escola. A aula será dedicada para a montagem da exposição, que é feita juntamente pelo grupo, emoldurando as imagens em papel cartão preto. O local para a montagem deve ser definido junto com a coordenação, em local visível a todos os outros alunos da escola. Importante que sejam criadas etiquetas de identificação das obras, com o nome do aluno, título da obra, dimensão e técnica, para ser fixada junto do trabalho. - Recursos: Trabalhos dos alunos, papel cartão preto, cola, fita adesiva.
Aula 10: - Objetivo específico: Refletir sobre o conhecimento adquirido nas aulas. - Conteúdo específico: Avaliação final - Desenvolvimento: Na última etapa, novamente é feito uma Roda de Conversa, para que os alunos possam expor o que aprenderam durante as etapas do projeto. O professor poderá realizar perguntas para ajudar os alunos recordarem as situações vivenciadas e
99
estimulá-los a falar, como por exemplo: como foi para você a visualização do mapa? O que vocês entenderam por patrimônio cultural artístico? Como foi para vocês a saída fotográfica?, etc. O professor deve estar sempre atento àqueles alunos mais tímidos, que necessitam ser encorajados a falar e a serem ouvidos, garantindo-lhes a liberdade de expressão. Ao final, os alunos preenchem as fichas de autoavaliação (Figura 21). A auto avaliação serve como meio para os alunos refletirem sobre a sua experiência durante o projeto. Nessa ficha, eles devem marcar X em uma das opções (Sim, Não ou Às vezes) para os seguintes quesitos: a) Participei das aulas falando ou escrevendo sobre minhas ideias; b) Participei ativamente dos trabalhos propostos; c) Concluí todas as atividades práticas de arte propostas; d) Fiz perguntas ao professor para compreender melhor ou tirar dúvidas; e) Pedi ajuda ao professor e aos colegas nos trabalhos práticos, se necessário; f) Ajudei os colegas, quando solicitado; g) Fui organizado e cuidadoso com os materiais de arte. Figura 21 – Modelo de ficha de autoavaliação
Fonte: Elaboração própria.
- Recursos: Trabalhos dos alunos, papel cartão preto, cola, fita adesiva, ficha de auto avaliação.
AVALIAÇÃO: A avaliação acontece em três momentos: no início do projeto, para diagnosticar o nível de conhecimento artístico e estético de cada um dos alunos (Roda de Conversa); durante
100
a execução das atividades, considerando não só a atividade prática em si, mas também as reflexões dos alunos, expostas em seus relatos verbais (Exercícios e atividades práticas, pesquisa e apresentação oral); e, a auto avaliação do desempenho, ao final das atividades (Roda de Conversa e Auto avaliação). Para saber se os objetivos da proposta foram alcançados, serão levados em consideração os seguintes critérios avaliativos:
a) Rodas de Conversa (Inicial e final) - Participação - Utilização de linguagem adequada - Respeito para com os colegas b) Exercícios e atividades práticas, pesquisa e apresentação oral - Participação e envolvimento durante a atividade - Concretização da atividade proposta - Apresentação dos materiais solicitados (tarefas de casa) - Utilização de linguagem adequada - Realização e conteúdo da pesquisa - Respeito para com os colegas c) Autoavaliação - Preenchimento da autoavaliação
REFERÊNCIAS ARRUDA, Ângelo. Patrimônio histórico e memória. In: NESSIMIAN. M. C. F. (Org.). Cultura e Arte em Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Editora da Secretaria da Cultura do MS, 2006, p. 87-111. BOUGHTON, Doug. Avaliação: da teoria à prática. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2010. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. CORRÊA, Wanick. Amor sobre Rodas. Campo Grande: Life, 2018 (no prelo). DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. MARQUES, Helder Gustavo. Memória e transformação urbana: uma análise do patrimônio ferroviário em Campo Grande. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo, USP, 2014.
101
MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Educação. Referencial Curricular da Rede Estadual de Ensino do Mato Grosso do Sul: Ensino Fundamental. Campo Grande: Estado de Mato Grosso do Sul, Secretaria de Estado de Educação, 2012. MENEGAZZO. Maria Adélia. Introdução. In: NESSIMIAN. Maria Celéne de Figueiredo (Org.). Cultura e Arte em Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Editora da Secretaria da Cultura do MS, 2006, p. 13-24. READ, Herbert. A educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001. THOMAZ, Wagner. Sublimação: exposição de fotografias de Wagner Thomaz: catálogo. Campo Grande: [s.n.], 2014. Disponível em: <https://issuu.com/wagnerthomaz/ docs/sublimacao>. Acesso em 03 nov. 2017.