janeiro’ 19 l agosto’ 19 - semestral Associação Renovar a Mouraria www.renovaramouraria.pt directora l Inês Andrade distribuição gratuita
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O poder da definição “(...) A psicanálise trabalha com o inconsciente. Ela trabalha com as metáforas, com as imagens, com as associações. Não trabalha com o real aqui no consciente, mas trabalha com o real no que significa pra mim, como é representado para mim (...). É gráfica, é corpórea, e nas artes nós trabalhamos com esse inconsciente. Tu crias imagens que abstraem um conflito, uma violência, tu crias metáforas para. O racismo tem um poder muito perigoso que é trabalhar com o ilógico, o racismo trabalha com imagens e com palavras que não são reais. Trabalha com o irracional. E faz uma associação de imagens que embora não sejam reais, se tornam reais através dessa associação. É o que a psicanálise desconstrói. E dou um exemplo: quando falamos de imigrantes falamos sempre com duas palavras: imigrante ilegal. Se é ilegal é porque está fora da lei, se está fora da lei, é porque é criminoso, se é criminoso é porque é perigoso, se é perigoso tem que se ter medo, se tenho medo, mato. É a associação que se faz: imigrante é para matar. É uma associação muito rápida. Nós acreditamos em coisas que não são reais, nós criamos imagens que não são reais mas através da associação, tornam-se reais. No colonialismo português, a propaganda e a imagem assim como no nazismo e no fascismo sempre foi muito importante e é por isso que há um
grande investimento no cinema e no filme. O filme trabalha com associações de imagens e de palavras, cria-se um discurso de quem é quem e que não é válido, não é racional não é lógico mas que toda a gente acredita através da associação.(...) O que se passa cá, passa-se no Brasil, passa-se nos Estados Unidos, passa-se na África do Sul, passa-se na Alemanha, passa-se em todo lado e tem a ver com muitas coisas complexas mas principalmente com o poder da definição: quem é que pode definir e quem é que narra, quem é que conta a história.” Grada Kilomba é uma artista interdisciplinar, escritora e teórica, com raízes em Angola e São Tomé e Príncipe, nascida em Lisboa, onde estudou psicologia e psicanálise. Na esteira de Frantz Fanon e bell hooks a autora reflecte sobre memória, raça, género, pós-colonialismo, e a sua obra estende-se à performance, encenação, instalação e vídeo. O texto acima é um trecho da fala da autora no lançamento da primeira edição em língua portuguesa de seu livro Memórias da Plantação - Episódios de racismo quotidiano, realizado em maio de 2019, em Lisboa, 10 anos após a primeira edição do mesmo livro, originalmente publicado em inglês.
LUGAR DE FALA
ROSA MARIA · ESTATUTO EDITORIAL
Propositalmente, por convidar e honrar as diferentes formas de manifestação, a 11ª edição do Rosa Maria traz as vozes à frente de suas próprias narrativas. Aqui, a regra é a pluralidade e, por isso, cada texto tem o seu próprio código, o seu próprio acordo.
O ROSA MARIA é um jornal sobre as pessoas e os acontecimentos da Mouraria, mas também sobre assuntos nacionais e internacionais relacionados com os seus residentes, criado para preservar e divulgar o seu imenso património humano, histórico e cultural.
Este é o resultado de um processo colaborativo que envolveu mais de 80 pessoas, de 20 diferentes nacionalidades. Gente que expõe a dor e a delícia de materializar em palavras e imagens a sua identidade, ancestralidade e luta pela representatividade.
O ROSA MARIA é um jornal comunitário produzido por todos os que queiram participar (jornalistas, fotógrafos, ilustradores, designers gráficos, voluntários e moradores ou trabalhadores do bairro) e que se pautem pelos princípios da solidariedade, do rigor e da qualidade.
Gente que faz isso por si, e pelos outros.
O ROSA MARIA é parte integrante da comunidade em que se insere, mas totalmente comprometido com o código deontológico que enquadra o exercício da liberdade de imprensa e independente de facções religiosas, políticas e económicas.
Entre reuniões pela rua, encontros de colaboração e adversidades financeiras, esta publicação nos traz o desconforto do crescimento. Esta Rosa atrevida nos convida a falar dos assuntos silenciados. Nos convida a acostumar os nossos sentidos a perceber e a celebrar a presença de diferentes corpos e mentes nos lugares que ocupamos. A reivindicar, constantemente, a diversidade.
O ROSA MARIA é editado pela Associação Renovar a Mouraria desde 2010, com periodicidade semestral. O seu nome é inspirado na mítica Rosa Maria imortalizada no fado Há Festa na Mouraria – uma mulher atrevida e virtuosa, como esta publicação. A utilização do Acordo Ortográfico é deixada ao critério de cada redactor.
O mundo normatizado não tem cor. O nosso sim.
Ilustração: Tatiana Vieira (Brasil)
turquia Direcção: Inês Andrade Direcção Gráfica: Hugo Henriques Edição editorial: Taiane Barroso Revisão: Carolina Ribeiro, João Berhan, João Correia Tradução para Bengali: Nayem Hasan Tradução para Inglês: Taiane Barroso Tradução para Polaco: Aleksandra Janeczek Ilustração: Andreia Coutinho, Carolina Elis, Joana Campos, Laura Penez, Nuno Saraiva, Pablo Quiroga, Tatiana Vieira Passatempos: Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos Fotografia: Aleksandra Janeczek, Aline Macedo, Gabriela de Vicq, Hugo Valério, José Magro, Julia Schindler, Marcius Victoriano, Thiago Dantas Textos: Amina Bawa, Aurelie Rosado, Carla Fernandes, Carolina Ribeiro, Danilo Cardoso, Fabrício Reis, Fernando Alves, Francisco Melo, Grupo EducAR - Educação Antirracista, Inês Andrade, Ingrid Matta, João Correia, Julia Santalucia, Laura Sombra, Maraiama Injai, Margarida Paixão, Maria Joana Ferreira, Marília Gonçalves, Nathalia Gaiarim, Nayem Hasan, Pina Neto, Raquel Silva, Susana Simplício, Solange Salvaterra Pinto, Taiane Barroso, Telma Tvon, Thiago Dantas Capa: Aline Macedo Agradecimentos: Carolina Ribeiro, Fernando Alves, Grada Kilomba, Susana Neto Propriedade: Associação Renovar a Mouraria NIPC: 508519667 Redacção e administração: Beco do Rosendo, n° 8, 1100-460 Lisboa, Tel.: +351218885203, Tlm.: +351922191892, rosamaria@renovaramouraria.pt Impressão: Funchalense - Empresa Gráfica S.A. Rua da Capela da Nossa Senhora da Conceição, nº 50, Morelena, 2715-029 Pêro Pinheiro, Portugal Distribuição: Associação Renovar a Mouraria Versão digital: www.renovaramouraria.pt Tipos de letra: Atlantica, Lisboa e Tramuntana>Ricardo Santos Depósito legal: 310085/10 Periodicidade: Semestral Tiragem: 5.000 exemplares Número: onze, agosto 2019 N° Registro ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social): 126509 O conteúdo desta publicação é da exclusiva responsabilidade da Associação Renovar a Mouraria e não pode, em caso algum, ser considerado como expressão das posições da União Europeia.
co-financiado por:
retrato de família
Texto: Carolina Ribeiro (Brasil) Tradução: Taiane Barroso (Brasil) Fotografia: Aline Macedo (Brasil)
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Pожева Марія
Rosa Maria n.º 11 agosto ’19
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UMA FAMÍLIA EM MOVIMENTO Como é a vida portuguesa do casal M. Ziaur Rahman e Fow Zia Sunny, que escolheu Lisboa para morar, criar as duas filhas e montar o próprio negócio Com os olhos a brilhar, M. Ziaur Rahman mostra, na tela do computador, uma lista de países que visitou a trabalho ou lazer: Senegal, Mauritânia, Guiné Bissau, Cabo Verde, Somália, Madagascar, Serra Leoa, Turquia, Suíça, Alemanha, França, Portugal, Espanha, Estados Unidos, entre outros. Ao lado de cada nação tem apontada a quantidade de vezes em que lá esteve. Mauritânia é a campeã, com nove visitas; depois vem França (seu lugar preferido no mundo é Paris), com seis; e Emirados Árabes, com cinco No total da lista são 37. A título de curiosidade, se considerarmos que o bengalês tem 39 anos, é quase como se tivesse conhecido um novo destino a cada ano de vida. O que não é o caso. Nascido em Brahmanbaria no Bangladesh, Ziaur trabalha com comércio internacional e faz em média duas viagens de negócios por mês. De todos os países desbravados, por um simples motivo escolheu Portugal para dividir a vida com a família. - O clima é agradável, a temperatura é boa em todas as estações do ano - diz Ziaur, que estudou História e Cultura Islâmica. O retrato da família é multicultural. Há oito anos, o bengalês conheceu Fow Zia Sunny, de 35, com quem celebrou o amor numa cerimônia farta e colorida para 400 pessoas. Em 2013, mudaram-se para Lisboa, onde vivem com as duas filhas Samaah Binte Zia, de 6 anos, tem a mesma origem dos pais e a expressiva caçula Zarnish Rahman, de 2 anos, nasceu em Portugal. O casal também já morou no Senegal. - No casamento, nós usamos muitas cores e flores, e é também uma festa com muita comida. Eu estava de vermelho no dia em que nos conhecemos (que significa prosperidade), e foi a cor que eu escolhi para a roupa feita sob medida que usei na ocasião - lembra Sunny, enquanto exibe as fotos no computador. Durante a entrevista para a equipa do Jornal Rosa Maria, ela gentilmente oferece um lemon lassi, bebida tradicional de sua cultura, preparada com iogurte, limão, mel e cardamomo. E observa a nossa reação ao experimentar: “Gostaram?”. Ziaur e Sunny também estão sintonizados no campo profissional. O casal comanda a Sajeeb Group, uma importadora de produtos como noodles (de fabrico próprio), sumos, geleias, bolachas e creme de avelã para diversos países. Os principais clientes têm raízes asiáticas, árabes e africanas, e o artigo número um de vendas é o sumo
de manga e tamarindo. Licenciada em comércio, ela é o braço administrativo da empresa. Já o marido cuida da gestão e das vendas. Quando não estão a visitar clientes externos, trabalham em home office. A rotina do casal começa cedo. De manhã, o pai leva Samaah para a escola A Voz do Operário, na Graça. A miúda de sorriso tímido e olhos compenetrados é a única descendente asiática da turma. Em casa, é quem ensina a língua portuguesa aos pais. E é quem abre as portas para eles entrarem no grupo de WhatsApp do “Acantonamento” da escola para partilhar experiências culturais. - Todos os dias a Samaah chega da escola com uma palavra nova. Mamâ, papá, espera, laranja, banana, pão, arroz... - cita Ziaur, que fez um curso intensivo de português por três meses. A mais pequena ainda está aprendendo a falar. Sua especialidade, o casal mostra um vídeo no telemóvel, é inventar letras de música e tocar um violão de brinquedo. Quando os quatro conversam entre si, pipocam palavras em bangla, inglês e português. Nos fins de semana, a programação infantil é andar de bicicleta com Samaah. A família é assídua também em eventos culturais na Praça Martim Moniz e na Embaixada de Bangladesh, no Restelo. À noite, ainda arranjam tempo para jantar em restaurantes (italianos, brasileiros, chineses, indianos e nepaleses) e para espreitar alguma cena da típica portuguesa. - Já fomos numa casa de fado. Não entendemos a língua, mas gostamos da melodia. As músicas são dramáticas e emotivas - opina Ziaur. Abertos a visitar restaurantes pela cidade, o casal não esconde a sua preferência. O melhor jantar é o preparado por Sunny em casa. Ao final da entrevista, ela convida a equipa para uma nova experiência: a sua versão do biryani, prato típico do Bangladesh, que leva arroz, frango, vegetais, frutas secas e especiarias. Tai Barroso do Rosa Maria, que não consegue ficar para o jantar, leva uma “quentinha” para casa. Mais do que uma demonstração de afeto, a refeição revela a flexibilidade do casal. A entrevista foi marcada durante o Ramadão, período de 30 dias em que é praticado o jejum sagrado no calendário islâmico. Neste intervalo, do nascer ao pôr do sol, o ritual prevê que eles abram mão de comer, beber, fumar e ter relações sexuais. - Não somos rigorosos com a religião - reflete Ziaur, que vai ao Bangladesh pelo menos uma vez por ano com a família.
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Rosa Maria n.º 11 agosto ‘19
family portrait
Text: Carolina Ribeiro (Brasil) Translation: Taiane Barroso (Brasil) Photography: Aline Macedo (Brasil)
A How is the Portuguese life of the couple M. Ziaur Rahman and Fow Zia Sunny, who chose Lisbon to live, raise the two daughters and set up their own business
MOVING FAMILY in Brahmanbaria in Bangladesh, Ziaur works with international commerce and makes on average two business trips per month. From all of the countries that he has been, there is a simple reason he chose Portugal to share his life with his family. - The weather is nice, the temperature is good at all seasons - says Ziaur, who studied History and Islamic Culture. The family portrait is multicultural. Eight years ago, the Bangladeshi met Fow Zia Sunny, 35, with whom he celebrated his love in a colorful ceremony for 400 people. In 2013, they moved to Lisbon, where they live with their two daughters - Samaah Binte Zia, aged 6, who has the same origin as the parents and the expressive youngest Zarnish Rahman, 2 years old, who was born in Portugal. The couple also lived in Senegal. - In marriage, we use lots of colors and flowers, and it’s also a party with lots of food. I was wearing red on the day we met (which means prosperity), and it was the color I chose for the tailor-made clothing I used at the ceremony - recalls Sunny as she displays the photos on the computer. During the interview for the Rosa Maria team, she kindly offers a lemon lassi, a traditional drink of their culture, prepared with yogurt, lemon, honey, and cardamom. She watches our reaction while we taste it: “Did you like it?”
With his eyes blazing, M. Ziaur Rahman shows on the computer screen a list of countries he has visited for work or leisure: Senegal, Mauritania, Guinea Bissau, Cape Verde, Somalia, Madagascar, Sierra Leone, Turkey, Switzerland, Germany, France, Portugal, Spain, United States, among others. By each nation that is written, there is the number of times he has been there. Mauritania is the champion with nine visits; then comes France (his favorite place in the world is Paris) with six; and the United Arab Emirates, with five. The total of the list is 37 countries. As a curiosity, if we consider that the Bangladeshi is 39 years old, it is almost as if he had visited a new destination every year of his life. Which is not the case. Born
Ziaur and Sunny are also tuned in the professional field. The couple commands the Sajeeb Group, an importer of products such as noodles (of its own manufacture), juices, jams, biscuits and hazelnut cream for various countries. The main customers have Asian, Arab and African roots, and the number one selling item is the mango and tamarind juice. Licensed in commerce, she is the administrative arm of the company. The husband takes care of the management and sales. When they are not visiting clients, they work at a home office. The couple’s routine starts early. In the morning, the father takes Samaah to A Voz do Operário, in Graça neighborhood. The girl with a timid smile and concentrated eyes is the only Asian descendant in her class. At home, she is the one who teaches the portuguese language to the parents. And she is the one who opens the doors for them to join the WhatsApp group of the school’s “Acantonamento” to share cultural experiences. - Every day Samaah arrives from school with a new portuguese word. Mamá, papá, espera, laranja, banana, pão, arroz... - quotes Ziaur, who took an
intensive portuguese course for three months. The little one is still learning to speak. Her specialty, the couple shows a video on their cell phone, is to invent lyrics and play a toy guitar. When the four of them talk to each other, words are spelled in bangla, english, and portuguese. On weekends, the program is to go biking with Samaah. The family is also assiduous in cultural events at Martim Moniz square and the Bangladesh Embassy in Restelo. At night, they still find time to have dinner in restaurants (Italians, Brazilians, Chinese, Indians, and Nepalese) and to go on some typical Portuguese programs. - We already went to a fado house. We do not understand the language, but we like the melody. The songs are dramatic and emotional - Ziaur says. Open to visiting restaurants around the city, the couple does not hide their preference. The best dinner is the one prepared by Sunny at home. At the end of the interview, she invites us to a new experience: their version of the biryani, a typical dish from Bangladesh, which is made with rice, chicken, vegetables, dried fruits, and spices. Tai Barroso from Rosa Maria, who can not stay for dinner, receives a “take away” to bring home More than a manifestation of affection, the meal reveals the flexibility of the couple. The interview happened during Ramadan, a 30-day period in which the holy fasting is practiced on the Islamic calendar. In this interval, from sunrise to sunset, the ritual states for them to give up eating, drinking, smoking and having sex. - We are not strict about religion - reflects Ziaur, who goes to Bangladesh at least once a year with his family.
crónica
Pожева Марія
Rosa Maria n.º 11 agosto ’19
Texto: Pina Neto (São Tomé e Príncipe)
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Turistificação das Coisas Eu nem percebia nada de apetite imobiliário, tão pouco entendia isto da rotatividade de cidades que estão na "moda", mas já fazia conjeturas. Disse muitas vezes que o mundo tem girado tão rápido e convulsivamente que talvez chegasse a Lisboa sem que estivéssemos preparados para tal. Chegou em forma de atração turística. Desde que deitaram abaixo habitações, melhor, arranha-céus, lá nas longínquas terras do Tio Sam, que se sentiu a terra tremer por cá. Também disse, há mais de 15 anos, que dificilmente uma cidade tão bonita como Lisboa ficaria de fora da tão complexa coisa que é o apetite turístico. Demorou, mas chegou. E chegou com ventos fortes e terríveis para as ”gentes” das sete colinas. Chegou com pás e picaretas para arrancar gentes ou, melhor, gentrificá-las. Já muito se escreveu sobre a coisa, entretanto a coisa tem muitas coisas. A coisa mostrou, por exemplo, que a economia e as finanças podem, até, substituir ou perturbar a herança cultural. Vai-se deixando uma ou outra coisa para os ingleses e os amigos verem, mas os cifrões têm cá um peso mesmo que se estrebuche: vão descendo calçadas após calçadas. Não deixo, contudo, de salientar a importância que é mostrar as ruas e suas histórias aos outros. Sobretudo quando contar essas histórias traz saldo monetário para dentro das janelas. Aí surge a pergunta da coisa que é a coisa turística. E as suas gentes!? É que, por mais que se explique a coisa que é o dinheiro, ele nunca chega a ser convertido em salário e, consequentemente, qualidade de vida para os habitantes. Assim sendo, convém contar aos turistas, nas tours, a história do turismo.
Sabia que...
Pina Neto nasceu na Madalena, em São Tomé e Príncipe e é um cidadão global, interessado nas coisas do mundo e na história, especialmente sobre povos africanos. Activista e observador social não associado, vive em Oeiras por gostar de ver o mar todos os dias, fruto de uma infância vivida na maior baía das ilhas com vista para o mesmo. Ganha a vida a fazer arte num salão de cabeleireiro na Mouraria.
Texto: Francisco Melo (Portugal) Ilustração: Nuno Saraiva (Portugal)
Na Rua das Farinhas existe um conjunto de três prédios, bem ao centro, os mais típicos da artéria e do lugar. Aquele que tem os números 22 a 26, com empena de bico, mostra uma pedra com um corvo em relevo e uma legenda – «Sam Vecête» (São Vicente), vestígio do culto vicentino e da simpatia popular pelos corvos que acompanharam o corpo do santo a Lisboa desde o Cabo de São Vicente. Não há nada em Lisboa igual. Deve ter sido um prédio concedido em foro aos frades agostinianos. O foro passou, o corvo não. O outro prédio, dos números 28 a 30, mostra-nos dois registos: um em pedra, com São Mamede gravado, e, outro em azulejo de São Marçal, dos mais antigos entre as centenas que Lisboa possui. Registos como estes eram um poderoso auxílio para as famílias destes lares, que rogavam a intercessão dos santos a que eram devotas junto do Altíssimo, muitas vezes contra catástrofes naturais e surtos epidémicos. Do pequeno Largo dos Trigueiros sai o Beco das Farinhas, que vai dar a São Cristóvão, e no qual se encontra, à direita, metida na parede de um prédio, uma pedra em ângulo que diz de um lado «S. Cristóvão» e do outro «S. Lourenço», com data de 1700. Isto é: aquele mural marcava o local exato da separação das freguesias, hoje reunidas.
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Texto: Tai Barroso (Brasil) Ilustração: Hugo Henriques (Portugal)
Dicionário
de questões étnico-raciais Ações afirmativas > medidas políticas para reverter as tendências históricas que conferiram às minorias uma posição de desvantagem ou opressão, principalmente nas áreas políticas, de educação e emprego. Podem ser medidas desde o estabelecimento da igualdade de direitos básicos de cidadania até formas de valorização simbólica de culturas, raças e etnias. São exemplos: cotas, bolsas, etc.
Negritude > originária do francês négritude, refere-se a soma total das características dos povos negros do mundo todo. Considera-se não só um conjuto de teorias elaboradas contra o colonialismo mas também representa uma pró-africanidade como formação discursiva. O autor Aimé Césaire, por exemplo, cita o termo já em 1935 com a 3ª edição da revista L’Étudiant Noir (O Estudante Negro).
Branquitude > refere-se à identidade racial branca, seus aspectos culturais, históricos e sociais, assim como a sua construção ideológica atrelada ao status social, o privilégio e a supremacia branca. Alguns autores como W. B. Du Bois (1935) e Frantz Fanon (1952) abordaram em suas obras a problematização da identidade racial branca, porém o termo tornou-se amplamente reconhecido na academia a partir da década de 90, nos Estados Unidos, com o Critical Whiteness Studies (Estudos Críticos da Branquitude).
Raça > é uma categoria das espécies de seres vivos utilizada pela biologia como forma de classificação. Em termos sociais, o termo raça é usado enquanto senso comum para determinar grupos étnicos a partir de suas características genéticas, tais como a cor de pele, tipo de cabelo, conformação facial e cranial e ancestralidade.
Diáspora > qualquer comunidade étnica ou religiosa que vive fora do seu lugar de origem, seja por opção própria ou forçosamente em consequência de guerras, escravidão, colonialismo, preconceito, perseguição política, relígiosa ou étnica. Discriminação > é o tratamento de uma pessoa ou um grupo de forma menos favorável que outros devido às suas características pessoais, étnicas, sociais, religiosas, físicas, de gênero e outros.
Racismo > é uma construção ideológica que atribui a uma determinada raça ou grupo étnico uma posição de domínio sobre outros com fundamento em atributos físicos e culturais; Doutrina ou crença de superioridade racial. O racismo é um sistema de opressão relacionado ao poder e as diferenças hierárquicas. Em termos históricos e sociais, os grupos negros não apresentam poderio superior aos brancos, o que portanto inviabiliza a situação de opressão, ou o tal “racismo inverso”.
Raça
Reconhece a existência de discriminação com base na origem étnica
versus
Portugal e União Européia em números
Portugal 64% | UE 64% Reconhece a existência de discriminação com base na religião ou crenças
Portugal 32% | UE 50% Considera que a cor da pele ou origem étnica poderão desfavorecer um candidato a um emprego
Portugal 44% | UE 46% Se sentiria desconfortável se no cargo político mais elevado do país estivesse uma pessoa de uma religião diferente da maioria
Se sentiria desconfortável se no mesmo cargo político estivesse uma pessoa de origem étnica diferente da maioria
Portugal 12% | UE 18%
A discriminação racial configura crime como previsto no Artigo 240° do Código Penal Português, com pena de prisão variante de 6 meses a 8 anos dependendo da tipologia. A lei n° 93/2017 de 23 de agosto estabelece o regine jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem.
conceito socialmente construído para determinar grupos étnicos a partir de características biológicas.
Etnia
grupo definido pela mesma origem, afinidades linguísticas, sociais e culturais.
Portugal 9% | UE 16%
Etnia > é a coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir. Minoria > é um grupo de número inferior ao restante da população de um Estado e/ou que não se encontra em posições de domínio, cujos membros têm características étnicas, religiosas ou linguísticas que diferem das da restante população. Sendo assim, “minoria” não se refere somente ao numeral absoluto, mas também às posições de poder e representatividade ocupadas em uma sociedade.
Eurobarómetro* (2015)
Acredita que devem ser introduzidas novas medidas de proteção dos grupos em risco de discriminação
Portugal 76% | UE 62%
O conceito de raça não existe na genética, mas sim como construção social. O reconhecimento deste termo é fundamental para se debater, previnir e combater o racismo.
Poesia: Carla Fernandes Ilustração: Andreia Coutinho
V
Censos 2021 Questões étnico-raciais
agosto 2018
É o vapor
É criado, a partir de recomendações da ONU e através da Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade o Grupo de Trabalho (GT) Censo 2021 - Questões “étnico-raciais” composto por diferentes atores sociais, representantes de organizações e académicos.
março 2019
É na 11ª reunião do GT em que se decide, por maioria, a posição favorárel ao acréscimo a pergunta sobre origens e/ou pertenças étnico-raciais de resposta facultativa no recenseamento da população de 2021.
junho 2019
O INE recusa incluir a pergunta sugerida pelo GT, alegando, entre outros motivos, a necessidade de maior tempo para sua adesão, assim como a considerar uma “questão complexa”. Promete fazer inquérito sobre discriminação e desigualdades mas não se compromete com datas.
Alguns países da UE que recolhem a informação étnica-racial em recenseamento populacional: Reino Unido Espanha Itália Irlanda República Checa
Outros (grandes) países que também recolhem a informação:
A
É o vapor da quentura evaporada Em vidas desperdiçadas É o vapor É o vapor da arma apontada para o canto mais criativo da tua mente É o sentir É o sentir da avareza do sentimento Aqui, bem no meio do peito
Pожева Марія
P
É o sentir da bala invisível que arde em vidas coletivas ameaçadas Assaltada desde o momento da conceção É o coletivo enfraquecido com a falta de perspectiva de união Bairros entupidos de mim, de nós Vozes abafadas no grito do “Não!” “Não nos vão calar!” Gritamos no abismo de uma indiferença ecoante
Rosa Maria n.º 11 agosto ’19
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O
R
“Não nos vão matar!”
Gritamos ao som de balas ensurdecedoras da compaixão E volatizamos… Volatizamos pelos corredores apertados, húmidos e vigiados Por capatazes disfarçados de autoridade É o vapor É o vapor que se esvai em vidas não vividas nós Somos vapor
Brasil EUA Canadá Austrália México
Estónia Hungria Chipre Bulgária Croácia Polónia
Kleio Africae
Roménia
Para mais informações: Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) Dicionário de relações étnicas e raciais, Ellis Cashmore Geledés Instituto da Mulher Negra Glossário sobre migração, Organização Internacional para as Migrações (OIM) Observatório das Migrações (OM)
Carla Fernandes identifica-se como portuguesa e nasceu em Angola. É ativista, poeta, jornalista, radialista e criadora do audioblogue “Radio AfroLis” (2014) onde aborda questões relacionadas com comunidades afrodescedentes que vivem em Lisboa. Em 2018 a Associação Cultural Afrolis em que é presidente, publicou um livro de poesia coletivo chamado Djidiu uma herança do Ouvido, em que Carla é coautora e organizadora.
Andreia Coutinho, portuguesa, afrodescendente nascida e criada em Lisboa e vivida um tanto pela Europa fora. Ilustradora, educadora/ activista cultural, ainda um bocadinho pintora quando calha. Autora da zine Hair (SapataPress 2018) e uma das cabeças do novo colectivo de activismo curatorial FACA.
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reportagem
Texto e Fotografia: Aleksandra Janeczek (Polônia), Gabriela de Vicq (Brasil)
HÁ ROSTOS FRENT
TE À LOJA
Pожева Марія
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“Para mim, Lisboa é a Mouraria e Mouraria é Lisboa. Esta é a essência condensada de Portugal e, sem dúvida, o lugar mais fotogênico da cidade - fora do óbvio, surpreendente, multicolorido, cheio de contradições, mas, acima de tudo, verdadeiramente autêntico e único. Um diferente espaço-tempo. Esta é a minha forma de homenagear o que por aqui vejo com frequência - os rostos frente ao comércio e aqueles que ajudam a criar esta identidade do bairro.” Palavras da jovem polonesa Aleksandra Janeczek quando perguntada sobre a motivação do trabalho fotográfico com o comércio do bairro, criado exclusivamente e afetivamente para o Jornal Rosa Maria, em parceria com a fotógrafa brasileira Gabriela de Vicq. Dla mnie Lizbona to Mouraria- niejednoznaczna, różnorodna, pełna kontrastów, ale także spójna, autentyczna i charakterna. A oto ludzie, którzy współtworzą tę przestrzeń- właściciele barów, restauracji i sklepów.
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Mouraria nas Artes
Texto: Julia Santalucia (Brasil) Ilustração: Joana Campos (Portugal)
QUANDO FOI A ÚLTIMA VEZ QUE SE APAIXONOU POR UMA HISTÓRIA? Na Rua com Histórias – Uma Biblioteca Para Todos é o nome da iniciativa que, em modo itinerante, leva a literatura aos moradores dos bairros históricos de Lisboa. De acordo com Elsa Serra, idealizadora do projecto, estes locais são únicos na sua identidade e cultura popular, e têm um património rico em tradições, expressões, hábitos e histórias. “São as pessoas que os habitam que lhes dão matéria e sentido”. Era agosto de 2018 quando eu me apaixonei pelo projecto Na Rua com Histórias – Uma Biblioteca Para Todos. Idealizado por Elsa Serra, tem a missão de combater a solidão e a iliteracia através da leitura e dos laços humanos que nascem dela. Com um tuk-tuk eléctrico amigo do ambiente, a biblioteca itinerante percorre os bairros históricos de Lisboa. Há também voluntários treinados que vão até as casas de pessoas que se sentem isoladas para partilhar o prazer de uma boa leitura. Com um livro na mão, a equipa bate à porta e é recebida por quem se esconde atrás dela. “É nesta porta que eu quero bater”, pensei logo. Fiz a formação de voluntários com a Elsa, uma escritora e contadora de histórias que faz os pensamentos voarem longe. Experimentamos ler de várias formas: com voz de mistério, às gargalhadas, a imitar um animal, de forma quase sussurrada. Um mesmo livro contado de formas diferentes ganha tantos tons. E a Elsa tem este poder: faz a história ganhar cores, texturas, camadas. À medida que fui entrando mais no projecto, percebi que não era só sobre a história que está nos livros que se tratava a iniciativa. Mas sobre as histórias que vivem nas ruas, nas praças, atrás das portas, encostadas nas janelas, que descansam nos cafés. E o bairro que primeiro acolheu esta biblioteca foi a Mouraria.
há um trabalho fabuloso do mediador comunitário Nuno Franco, da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, que sinaliza os idosos que têm perfil para nos receberem. Mas também há a particularidade de ter sido neste bairro a primeira visita que fiz”. Foi na Mouraria que eu vivi o voluntariado. Toda quarta-feira eu subia as escadinhas rolantes e encontrava a Mafalda, parte da minha equipa. Portuguesa, estudante de Psicologia, com seus 20 e poucos anos e os olhos azuis que transbordavam. Ela era quietinha, mas quando abria a boca para ler, o ambiente ficava cheio de tudo que era preciso. Quem nos aguardava atrás da porta era a Dona Esmeralda, uma senhora-sorriso com as linhas do rosto que falavam por ela. Costureira de mão cheia, sonhadora e sábia, gentil com todos que por ela passavam. Um beijinho e uma cadeira e estávamos prontas para viver os livros. As histórias que líamos? Fernando Pessoa, Chico Buarque, José Saramago, Horácio Ramalho (mais conhecido como meu avô), e algumas vezes eu e a Mafalda partilhávamos textos da nossa autoria. Mas também ouvíamos a Dona Esmeralda, uma verdadeira narradora. A dor nas costas, o frio, o desânimo ou a saudade simplesmente fugiam quando ouviam uma história ser falada em voz alta. A fantasia assusta a realidade. Elsa costuma dizer que juntos somos mais fortes, e com um livro debaixo do braço ainda mais. Eu não só concordo, como me junto a essa multidão letrada. E convido-vos para juntarem-se também.
Quer apoiar o projecto? Dê um saltinho no site https://naruacomhistorias.pt/ e veja os dados A relação com este bairro, de acordo com a Elsa, vem muito das pessoas para donativos. Podes também comprar o livro “Monstra”, da autoria de que ali encontrou. “A maioria dos idosos que visitamos é da Mouraria, Elsa Serra. E, claro, espalhar a existência do projecto por aí!
Pожева Марія
Texto: Telma Tvon (Angola) Ilustração: Carolina Elis (Brasil)
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Breve História das ELAS do rap A produção do rap encontra-se, não fugindo ao seu historial, numa representação desequilibrada no que concerne ao género. Este artigo tem a intenção de dar-vos a conhecer os primórdios do rap com a estética feminina em Lisboa. O género que conhecemos pelo nome rap (rhythm and poetry, portanto ritmo e poesia) é a expressão musical da cultura hip-hop que tem como base quatro vertentes: a de MC (abreviação de mestre de cerimónias, porta-voz, aquele que compõe as músicas), a do DJing (ou DJ, que mistura e toca as músicas), a do breakdance (o elemento dança) e a do grafite (a expressão artística no campo visual). Mulheres, maioritariamente negras, de meios economicamente desfavorecidos, encontram no rap e na cultura hip-hop exactamente o mesmo que os seus pares: refúgio, desabafo, reivindicação dos Direitos Humanos. Desde o início, seja em Portugal ou nos Estados Unidos (país de origem do hip-hop), que é predominante neste meio uma mentalidade machista onde a mulher é vista como objecto sexual, como tal não será estranho perceber que as MC´s, nas suas letras, combatem de forma enérgica e constante essa mentalidade. Inicialmente todas as MC´s denunciaram este comportamento impositivo por parte dos colegas e uniram-se de forma a terem mais espaço, conforme frisaram aquelas consideradas mães do rap português o colectivo Djamal. O objectivo principal do movimento que se criou de forma espontânea era empoderar as que estão no activo e criar bases para que as que viessem a seguir continuassem activas por tempo indeterminado na cena musical. Se recuarmos para o ano de 1995 encontramos o grupo feminino de MC´s Divine a participar no álbum “Geração rasca” do grupo Black Company com a música “Ghetto”. Decorridos dois anos, fomos brindadas com o primeiro álbum do grupo Djamal, chamado “Abram espaço”. Assim como algumas MC´s a solo, como Shaheen Da Queen (com participações em mixtapes do DJ BomberJack) e Shainy (da crew do Nexo, Margem Sul), e MC´s que integraram grupos p re domin a n t e m ente masculinos, como Nzinga (do Gang Lírico, da Quinta do Mocho) e DaBomb (parte dos G Boys, na Margem Sul). Estas são as pioneiras do rap em Portugal.
Com trabalhos a nível de participações em músicas de outros colegas, mixtapes de DJ´s como Kronic, CruzFader e BomberJack, estas primeiras MC’s inspiraram uma nova geração que surgiu no final dos anos 1990 e início de 2000, com nomes como as Red Chikas (Vilma, Monik e Anokas da Arrentela, de Seixal), as Hard Hoofed (Jandira, Edinete, Oriana, Tricia e Carina, da Linha de Cascais) e a Nessa, actualmente conhecida como Chong Kwong (do grupo La Dupla). Incitadas pelos trabalhos reconhecidos das pioneiras, é em 2001 que conhecemos a primeira mixtape feminina produzida e editada pelo DJ Cruzfader: RAParigas na Voz do Soul. Escutamos nomes como Shiva (do grupo Nexo), Punguinha, CJay, Zion, Angie (do duo feminino Undervoices), Revelação (associadas a crew do Seixal Red Eyes Gang), Backwords (da Linha de Sintra), Cross The Breeds (estilo R&B), Melany (também R&B) e Kross (do colectivo GMS), nesta mixtape e tal como as precursoras do rap em Lisboa contam as suas experiências de vida e enfatizam a luta contra o racismo assim como a desigualdade de género que se evidencia no seio da cultura hip-hop. Em 2005 é lançado o álbum “Finalmente”, do duo Lweji, que conta com a participação de MC´s que fizeram parte da mixtape feminina de 2001. Dois anos após o lançamento, surge a comunidade virtual HIP HOP Ladies alavancada pelo grupo Black System (com elementos da soul music como Grace, Ana, Marlene e a MC Dama Bete). Comunidade esta que organizou eventos que possibilitaram MC’s, DJ’s, Fly Girls (nome dado às mulheres do breakdance) e as Writers (mulheres do grafite) exibirem a sua arte. Em 2008, Dama Bete lança o álbum a solo “De igual para igual”, ano em que também é iniciado o projecto HIP HOP Baton, com nomes como G Fema, Gata MC, Madalena e Gabriela. A partir de 2008, pode-se dizer que foram escassas as manifestações de MC’s enquanto movi-
mento autónomo e sustentável. Acrescendo a inexistência desse apoio entre todas, passam a ser menos. Porém, nesta altura, foram-nos dadas a conhecer nomes como A.M.O.R (Honey e Violet), UnderLiric, conhecida como Makeda (que presenteia-nos com o canal do YouTube “Rastas & ChitChat” com entrevistas com personalidades do hip-hop), Blaya, Tamin (que não obstante cantar soul music sempre esteve associada ao rap), Eva Rap Diva, Sharye e Blink, que se enfrentaram numa batalha de rimas da Liga Knockout e W Magic, que lançou a mixtape “Máscara”, em 2012, e o álbum “Bicho do Mato”, em 2015. Se em 2000, por exemplo, existiam mais de dez MC’s no activo, não constato o mesmo 10 anos depois. É apenas em 2017 que voltamos a ouvir falar de um trabalho conjunto de MC’s: o projecto Hellas, que conta com as presenças de Denise Sabença, Lady N, Kika G, Shiva, Lendária, Chininha e também elementos afectos ao R&B como Miss2Shae. Tenho conhecimento que actualmente, para além das referidas na mixtape Hellas, continuam activos nomes como Mynda Guevara (da Cova da Moura), Capicua e M7 (do Porto) e Canuca (do Alentejo) a partilharem suas vivências sob a bandeira rap. Mediante o histórico apresentado, pergunto vos: alguma vez se questionaram sobre a invisibilidade das MC’s e sua não continuidade? Compactuam com a ideia de que ao ser criada a base do rap no feminino estamos a fortalecer a presença das mulheres? Conhecem alguma MC no bairro da Mouraria? Apoiariam uma filha, esposa ou amiga MC de forma a continuar sua carreira? Este artigo é dedicado a todas as irmãs que pertencem e persistem neste universo hip-hop, principalmente as que não mencionei e as que não tive o privilégio de conhecer...ainda. A busca pelo conhecimento não termina.
Telma Tvon nasceu em Angola e reside em Lisboa desde os tempos de ensino básico. Licenciada em Estudos Africanos pela Universidade de Lisboa e mestre em Serviço Social pelo ISCTE-IUL é rapper, amante da cultura hip-hop, apaixonada pela defesa dos Direitos Humanos e leitora assídua de literaturas Africanas.
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notícias
Texto: Marília Gonçalves (Brasil) Fotografia: Julia Schindler (Brasil)
opinião
Texto: Solange Salvaterra Pinto (São Tomé e Príncipe) Ilustração: Andreia Coutinho (Portugal)
Que oportunidades para as mulheres negras? “O preconceito é um fardo que confunde o passado, ameaça o futuro e torna o presente inacessível” Maya Angelou
Festival Feminista de Lisboa Uma experiência inovadora que põe o feminismo na agenda da cidade pelo segundo ano consecutivo Em novembro de 2017, juntaram-se pela primeira vez cerca de trinta mulheres que nunca se tinham visto com o objetivo de organizar em Lisboa um festival feminista. A mais nova tinha menos de 20 anos, a mais velha, mais de 50. Algumas não sabiam bem o que queria dizer feminismo. Nenhuma sabia bem o que queria dizer organizar um festival. No dia 31 de maio de 2019, terminou a segunda edição do já consagrado Festival Feminista de Lisboa (FFLx). Por dois anos seguidos, este festival ocupou a cidade por um mês inteiro com uma surpreendente diversidade de eventos, propostos em uma chamada aberta por mulheres, pessoas trans, não binárias e, inclusive, homens. Brancxs e negrxs, mais ou menos jovens, portugueses e estrangeiros. Foram mostras de cinema, workshops, exposições, peças de teatro, festas, eventos infantis e outras modalidades. Todos os eventos realizados no âmbito do Festival foram gratuitos e aconteceram em espaços como a Ler Devagar, Casa da Achada, Sirigaita, Ferroviário, Escola de Atores Evoé, Fábrica Braço de Prata e outros, todos também cedidos gratuitamente. O FFLx é um processo. Um processo de construção feminista, anticapitalista, antirracista e antitransfóbica. A equipa organizadora está também sempre em construção, pois é totalmente voluntária e se organiza de forma autogestionária. Isso significa que pessoas estão sempre a chegar e a sair — a equipa que organizou a primeira edição do Festival é bastante diferente da que se formou para a segunda. Antes de se realizar os eventos essas pessoas estão em processo de amadurecimento, crescem e aprendem nas trocas que se dão. A Câmara Municipal elegeu o Festival Feminista de Lisboa como a melhor iniciativa no âmbito da igualdade de gênero realizada em 2018 na cidade, pelo que o grupo da primeira edição recebeu o Prémio Madalena Barbosa. Antes de pôr a cara na rua, há muitos níveis de vivência feminista nesta experiência: entre a equipa; entre a equipa e xs proponentes; entre a equipa e os espaços; e, por último, entre equipa, proponentes e o público. O objetivo é dar a conhecer diferentes feminismos. Dá-te a conhecer ao feminismo, conhece o Festival Feminista de Lisboa acedendo ao website: www.festivalfeministadelisboa.com
A luta das mulheres negras não é igual à luta das outras mulheres. Enquanto as outras mulheres lutam por um salário igual, por um trabalho melhor, nós, as mulheres negras, lutamos e clamamos por um dia de descanso. A nossa luta começou quando nos arrancaram das nossas casas e famílias e nos levaram para a América e a Europa. Não viemos de livre e espontânea vontade. “ Arrancaram-nos de nós”. Continuou com a colheita do algodão e com as torturas. Passados esses anos, aqui estamos nós. Continuamos a receber chibatadas que nos ferem a alma, o orgulho e o ego. Mas resistimos, porque afinal, existimos. Mulheres negras duplamente discriminadas. Por sermos mulheres e por sermos negras. Duplamente discriminadas, mas também com uma força incomensurável de vencer as barreiras e ultrapassar todos os obstáculos. A tarefa não tem sido fácil. Nada fácil. A luta pela igualdade e pela representatividade tem que continuar. Devemos isso aos nossos filhos, que infelizmente não têm grandes referências na sociedade portuguesa. Não podemos deixar que eles tenham como horizonte o universo dos empregos relacionados com obras, cozinhas e limpezas. Por isso ter a Joacine Katar Moreira e a Beatriz Dias no parlamento é importante. Por isso ter Francisca Van Dunem no governo é importante. Ter mais representatividade é a chave para a igualdade. Temos a obrigação de deixar esse legado às gerações vindouras. É preciso que elas acreditem que podem ser o que quiserem e que o fator “cor” não será um impeditivo. Temos que lhes dar ferramentas para que elas consigam transpor as diferentes barreiras que a vida reserva e para que a vida dura de trabalho incansável que as mães africanas e negras levam em Portugal não seja em vão. Porque as intermináveis horas a limpar escadas, a lavar loiça, a arrumar quartos de hotel, a cuidar dos filhos dos patrões têm que dar frutos. Esse é o legado, e é o único legado que podemos deixar: a educação. A educação cívica, cultural e social.
Solange Salvaterra Pinto é mãe, ativista antirracista, feminista interseccional e empreendedora social. Presença assídua em vários fóruns de debate público pelas causas das minorias étnico-raciais e de gênero, faz parte da Associação das Mulheres de São Tomé e Príncipe em Portugal - Mén Non. Há quem diga que é por ter nascido em 1974, ano dos movimentos de luta pela libertação e independência dos países africanos, que tornou-se uma eterna inquieta e inconformada.
Pожева Марія
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Presunção de Entrada Legal: o que mudou para os trabalhadores estrangeiros em Portugal? 1. Entrei em Portugal para efeitos de turismo ou outros, que não de residência. Tenho uma oportunidade de trabalho. O que devo fazer para regularizar a minha situação? a) Entrei com algum tipo de visto / Estou isento de visto – Tenho entrada legal em Portugal: Pode submeter uma manifestação de interesse de residência nos termos do n.º 2, do art.º 88 (trabalhador por conta de outrem - contrato ou promessa de contrato) ou do n.º 2, do art.º 89 (trabalhador independente - empresário ou recibos verdes), da Lei de Estrangeiros, com a documentação necessária, através do sistema online de pré-agendamento do SEF (Serviço Estrangeiros e fronteiras), o SAPA (Sistema Automático de Pré-Agendamento). É um procedimento que se conclui com o agendamento de uma marcação no SEF aonde deverás levar todos os documentos originais que já foram submetidos através da plataforma.
notícias
b) Entrei com visto caducado, fora do período autorizado de permanência / Não tenho qualquer documento para provar a minha entrada – Não tenho entrada legal em Portugal: Neste caso, se estiver a trabalhar há pelo menos 12 meses em Portugal e tiver a sua situação regularizada na Segurança Social assume-se a Presunção de Entrada Legal, o que permite que possa submenter a manifestação de interesse como descrito acima. 2. Desde quando existe esta Presunção de Entrada Legal? A Presunção de Entrada Legal na concessão de autorização de residência para o exercício de atividade profissional foi introduzida na Lei de Estrangeiros pela Lei n.º 28/2019, de 29/03, tendo entrado em vigor em 30/03/2019.
3. Não tenho prova da minha entrada legal, mas trabalho há mais de 12 meses em Portugal e tenho a minha situação regularizada na Segurança Social. Já iniciei um procedimento ao abrigo do art.º 123, da Lei de Estrangeiros. O que devo fazer? Dirija-se junto à delegação do SEF onde se deu a entrada ao seu pedido de concessão de autorização de residência ao abrigo do art.º 123, e confirme se a solicitação continua a se aplicar à sua situação. Em caso negativo deverá proceder à submissão dos seus documentos online, através do SAPA, como descrito anteriormente.
Mais informação: https://www.sef.pt/ SAPA: https://sapa.sef.pt/an/default
co-financiado por:
Texto: Margarida Paixão (Portugal) Fotografia: Reprodução Galeria de Arte Urbana - GAU
Vamos falar sobre o corte O corte é uma prática cultural que se estende por todos os continentes, especialmente comum em países da África subsariana e do Médio Oriente. Consiste no corte dos genitais femininos externos (clítoris e pequenos lábios). Dependendo do tipo de corte (atualmente são reconhecidos quatro diferentes tipos pela Organização Mundial da Saúde) também pode ser acompanhado do encerramento quase total da entrada vaginal. É conhecido por vários nomes sendo que, devido à gravidade da situação, em círculos de saúde e de Direitos Humanos é chamado de “mutilação genital feminina”. O corte é visto como um ritual de passagem para as meninas, para ficarem “puras” e prontas para o casamento. Pode ser efetuado desde o nascimento até à idade adulta. É importante realçar que o procedimento não é realizado por razões religiosas e não está descrito nos principais livros sagrados (Bíblia, Corão ou Torá). Esta tradição tem um impacto tremendo na saúde das meninas: desde o momento em que é praticada e com consequências para a vida toda. No momento do corte, a menina corre o risco de sangramento, infecção, inclusive contágio por HIV/SIDA, e pode até mesmo falecer. Já em vida adulta pode sofrer de dor menstrual intensa, incontinência urinária, ataques de ansiedade, transtorno de stress pós-traumático, relação sexual difícil/dolorosa e desenvolver outras doenças que necessitem de cirurgia. Durante o parto, estas mulheres têm vários riscos acrescidos, sendo comum partos mais complicados e cesarianas.
Existe, também, associação a problemas nos bebés devido ao trabalho de parto. Apesar de uma componente de várias culturas, a prática do corte surgiu devido a uma desigualdade de
fanadu, excisão, sunnah ou mutilação genital feminina
género e de poder do homem sobre a mulher dentro das sociedades. Ao impedir as mulheres de terem uma vida sexual saudável, os homens tentam garantir a fidelidade e a ausência de prazer sexual, aumentando a sensação de controlo dentro da relação. O corte representa uma violação grave dos direitos das mulheres: o seu direito a uma vida saudável, para além do seu direito à integridade física e a uma sexualidade completa. Devido às consequências graves que têm para as meninas/mulheres, todos temos o dever de acabar com o corte e de dar a oportunidade às nossas filhas, irmãs, primas, sobrinhas e vizinhas de viverem uma vida saudável. Para DENUNCIAR ou se estiver em RISCO contacte a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens da região:
Lisboa Central: 910 023 985, 930 418 511, 930 420 608 Outras regiões: www.cnpdpcj.gov.pt/cpcj/contatos-das-cpcj.aspx Se quiser saber mais, visite a página em inglês: http://www.endfgm.eu/ ou as seguintes páginas nacionais: https://www.ajpas.org.pt/, http://www. apf.pt/violencia-sexual-e-de-genero/mutilacaogenital-feminina, https://popdesenvolvimento.org/ praticas-nefastas/mutilacao-genital-feminina.html. Para esclarecimento de dúvidas, contate: ajpas. mgf@gmail.com
#nãoaocorte #endfgm
Rosa Maria nº 11 agosto ’19
Texto: Laura Sombra (Brasil) Fotografia: Tai Barroso (Brasil) Ilustração: Laura Penez (França)
A Ginjinha da Ana, como é conhecida pelos frequentadores locais, chama-se CherryourTrip e é na verdade uma bicicleta adaptada. Ela costuma atrair os turistas a caminho das festas na Baixa e, por isso, às vezes, fica a funcionar até as 4h da manhã! Depois de uma divertida conversa de quase 15 minutos acompanhada de doses de ginjinha em copinhos de chocolate, nos despedimos de Ana e seguimos para finalizar o nosso trajeto.
Já estava quase escurecendo quando fomos encontrar a Ana, uma grande amiga do casal que esbarramos mais cedo a caminho de seu carrinho de Ginja, Vinho do Porto e outras delícias, estacionado bem na Praça da Figueira, próximo à estátua de D. João I.
Chegando próximo ao Largo dos Trigueiros, paramos em frente a uma porta de ferro preta. Jaisri me fala que naquele centro há diversas atividades oferecidas gratuitamente pela Junta de Freguesia para os miúdos, como pinturas, dança, teatro, desporto, etc. Após encontrarmos Minesh, o casal vai cumprimentar os monitores que estão a sair também. “É como uma segunda casa e aqui faz-se de tudo. Hoje, por exemplo, ele teve aula de Hip Hop”, diz Jaisri.
Após sairmos do restaurante, pergunto sobre o filho deles, Minesh, de 13 anos. “Ele está agora no Centro de Atividades Extracurriculares, um espaço com atividades para os miúdos irem após a escola. Se quiseres podemos ir lá também.” Seguimos novamente pela Poço do Borratém até as escadas do Beco dos Surradores, onde uma multidão começa a formar-se para as festas dos Santos que iriam ocorrer mais tarde. “A Baixa era muito mais cheia antigamente. Durante as festas nem se conseguia andar.”
passeando com a família Maugi
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“São poucos os que conhecem o Caxemira, já que não há nenhum sinal ou letreiro lá fora avisando..., mas há clientes!”, diz Cantilal rindo enquanto cumprimenta o dono do estabelecimento, seu amigo de longa data. “Brincávamos juntos em Moçambique”.
De volta à Praça da Figueira, Jaisri e Cantilal me levam à entrada de um prédio aparentemente comum na rua Condes de Monsanto, até subirmos as escadas para o segundo andar, onde está o que, segundo eles, foi o primeiro restaurante indiano a abrir na Baixa e que serve a comida típica da região de Gujarat. Mal entramos no estabelecimento e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, me é oferecida uma deliciosa chamuça por conta da casa!
Rosa Maria nº 11 agosto ’19
Nosso passeio começou pelas Ruas do Benformoso e dos Cavaleiros. Enquanto seguíamos pela calçada do Poço do Borratém, eles me
Como de costume até então, Cantilal entra no estabelecimento para cumprimentar cada uma das pessoas. “Todos aqui nos conhecemos, morar na Mouraria é uma festa”, diz
Seguíamos nosso trajeto até Jaisri se lembrar de um novo ponto importante para ela ali mesmo, na Rua do Capelão. “Esse senhor aqui também é importante para mim porque ele é quem corta o cabelo do meu filho. Todos aqui o conhecem”, disse ela contente enquanto Niki, o barbeiro português de origem indiana e amigo do casal saía para falar conosco.
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Dicas, notícias e muitas ideias para irmos ficando cada vez mais amigos do ambiente.
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Suplemento ambiental do jornal Rosa Maria
0 “Um mar de Gente” de Pablo Quiroga (Colômbia)
Quando há embalagens que cabem em dois ecopontos - como é o caso dos envelopes com janela - caso não seja possível separar, deve ser colocado no contentor da maior quantidade, neste caso o azul
A famosa caixa de pizza de cartão, se não estiver muito contaminada com gordura, pode sim ir para o ecoponto azul, mas tenha a certeza de que ela não está molhada. Papéis e cartões molhados são extremamente prejudiciais para a reciclagem, portanto devem ficar também de fora desse ecoponto
Atenção para algumas excessões: de fora desse contentor deve ficar o papel vegetal, plastificado, encerado, autocolante e todo o papel que tem “uma contaminação de outro tipo de material”. Os guardanapos sujos, lenços usados e até toalhitas também devem ficar bem longe do ecoponto azul
Papéis como folhas de caderno, papel de escritório, impressões e os cartões são muito bem vindos a esse ecoponto
O que vai, ou não, para o ecoponto azul:
nº
Dicas sobre como separar seu lixo corretamente
O que vai, ou não, para o ecoponto amarelo:
Tudo o que for de plástico, metal e esferovite limpa
As caixas de leite e sumos que são do estilo Tetra Pak. Estas embalagens não precisam ser lavadas, apenas escorridas e espalmadas
Lembrem-se de retirar a tampa de plástico das caixas, junte-as e leve até um ponto de recolha como os presentes na rede Pingo Doce. Também recolhem cápsulas de café, rolhas e caricas. Estas doações apoiam projetos que adquirem cadeira de rodas para quem precisa
Latas, tampas de metal e papel alumínio também devem ser jogados nesse contentor
As embalagens de madeira (como as das caixas de morangos, por exemplo) devem ser depositadas no ecoponto amarelo
Tips on how to separate your trash correctly texto: Nathalia Gaiarim (Brasil)
Remember to remove the plastic lid from the boxes, put them together and take them to a collection point like the ones on the Pingo Doce supermarkets. They also collect coffee capsules, corkscrews and caricas. These donations support projects that get wheelchairs for those who need them Cans, metal caps and aluminum foil should also be thrown in this container
Papers such as sheets of paper, office paper, prints and cardboard are warmly welcomed at this ecopoint
What goes, or not, to the blue container:
Wood packaging (for example strawberry boxes) should be deposited in the yellow container also
A batalha contra os copos de plástico descartável continua, e este ano o nosso Arraial da Renovar a Mouraria no Largo da Rosa voltou a disponibilizar copos reutilizáveis, evitando com que milhares de copos acabassem nas ruas do bairro, repetindo as imagens a que já estamos habituados e que não deixam saudades a ninguém, nem àqueles que aqui moram, nem àqueles que nos visitam por ocasião das comemorações dos Santos. Reutilizar e partilhar os copos é muito importante para o início de uma mudança de comportamentos e hábitos, mas temos que perceber que o melhor mesmo seria não adquirirmos novos produtos feitos de plástico. A ideia dos copos reutilizáveis seria mais eficaz se os mesmos fossem neutros, ou seja, sem nenhum tipo de marca, data ou nome de festa que comprometesse a sua utilização futura em outros eventos. Isso faria com que os copos fossem reutilizados até ao final da sua vida útil, e não só naquela ocasião. Também faria com que as marcas não agissem de maneira arbitrária proibindo o uso de copos que foram comercializados por outras empresas ou mesmo, trazidos de casa. O que nos faz pensar que não estão lá muito interessadas em evitar o desperdício mas sim em vender mais produtos
e gerar mais visibilidade para si - o que temos de dizer: não é nada sustentável. E se a ideia de economia partilhada atingisse também o sistema de copos reutilizáveis? Honrando os “Rs” de Reduzir e Reutilizar, este ano, implementamos o sistema de depósito, onde, durante o Arraial, era possível devolver os copos e ter o seu dinheiro de volta. Mais um passo para a diminuição do desperdício realizado com sucesso. Avançando a fundo nesta luta, e se pudéssemos devolver estes copos em bares e restaurantes parceiros, identificados num mapa consultável através de uma aplicação móvel? Isto parece uma ideia um bocado futurista não? A verdade é que a Associação Lisboa Limpa, nossa parceira, já está a implementar um sistema idêntico em Lisboa e foi a pioneira na utilização de copos reutilizáveis. Agora, convidamos cada pessoa para fazer a sua parte, para que juntos, possamos conviver numa cidade mais limpa e sustentável.
Saiba mais em: https://lisboalimpa.org/
When there are packages that fit in two ecopoints - such as window envelopes - if it is not possible to separate, it should be placed in the container of the largest quantity, in this case blue
The milk cartons and juices that are Tetra Pak style. These packs do not need to be washed, just drained and flat
Não, obrigada.
The famous cardboard box, if it is not heavily contaminated with fat, you can go to the blue ecopoint, but make sure it is not wet. Wet papers and cards are extremely damaging to recycling, so they should also be kept out of the bin
Anything from plastic, metal and clean styrofoam
Copos descartáveis?
Attention to some exceptions: do not throw in this container the vegetal paper, plasticized, waxed, sticker and all the paper that has “a contamination of another type of material”. Dirty napkins, used handkerchiefs and even wipes should also be well away from the blue ecopoint.
What goes, or not, to the yellow container:
O que vai, ou não, para o ecoponto verde:
A Mouraria já tem vermicompostores comunitários
As embalagens de vidro, frascos, boiões e coisas que compramos em vidro devem ir para o ecoponto verde Não se esqueça de retirar a tampa, caso o frasco tenha. Provavelmente essa tampa é feita de outro material, portanto não deve ir junto para o ecoponto verde Atenção para os materiais que parecem vidro, mas não são, pois têm outros componentes misturados, como por exemplo: copos de cristal, pirex, vidros de janela devem ficar fora do ecoponto verde. Assim como a cerâmica, material dos pratos, canecas e chávenas que também devem ficar de fora desse contentor
Depois da instalação de dois compostores piloto, um na Associação Renovar a Mouraria e outro na Cozinha Popular da Mouraria, começa agora a formar-se a rede de compostagem comunitária no bairro da Mouraria.
comerciantes, podem inscrever-se para receber formação e tornarem-se guardiões dos compostores ou apenas para entregar os seus baldinhos de resíduos orgânicos.
Depois do Largo da Rosa* receber o primeiro vermicompostor, seguir-se-á o Largo dos Trigueiros e o Largo da Achada. Na vermicompostagem, são as minhocas que fazem a decomposição dos resíduos orgânicos, acelerando o processo e tornando o composto mais fértil, o célebre húmus de minhoca.
218 885 203 | 922 119 892 | www.mourariacomposta.pt
Para mais informações:
*O desenho dos compostores foi desenvolvido pelo Atelier de Arquitectura PARTO e integra a peça de arte pública RegenWasser, da autoria de Maja Escher.
Os lixos de grande dimensão como máquinas de lavar, colchões, móveis e outros, são de recolha gratuita em Lisboa. Basta ligar 808 203 232 para que os objetos de que se quer desfazer sejam recolhidos à sua porta pela Câmara Municipal
Considere ter um compostor doméstico para descartar os restos de alimentos crus (cascas, sementes, talos, etc.), ou participe da rede de compostagem do projeto Mouraria Composta, depositando estes resíduos nos compostores comunitários.
As lâmpadas contêm mercúrio em sua composição sendo extremamente contaminantes e, por isso, possuem um ecoponto especial só para elas
Pilhas e baterias tem seus próprios ecopontos de cor vermelha e amarela sempre bem sinalizados, pois esses materiais são extremamente contaminantes
Lixo extraordinário
O projecto Mouraria Composta é apoiado pelo proA adesão à rede é voluntária e todos podem con- grama BipZip, da Câmara Municipal de Lisboa. tribuir com os seus resíduos. Moradores, visitantes,
Para os itens cortantes que não vão ao ecoponto verde (como cerâmicas e afins, partidos), envolva-os em jornal ou em sacolas de papel e descartem em separado ao lixo domiciliar. Isto colabora para a segurança dos trabalhadores da higiene urbana na recolha dos resíduos
What goes, or not, to the green container:
O ECH2O-ÁGUA é um Projeto desenvolvido pela Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos e é co-financiado pela União Europeia e pelo Camões I.P, no âmbito do Projeto NoPlanetB-AMI.
The glass containers, jars, bottles and things we buy in glass should go to the green ecopoint
A ÁGUA EM JOGO 1 - Quando lavas os dentes deves fechar sempre a...
Attention to materials that look like glass, but are not, as they have other components mixed, such as: crystal glasses, pyrex, window glass should be outside the green ecopoint. As well as pottery, dishware, mugs and cups
3 - Para lavar o carro deves usar balde e esponja e nunca... 4 - Em vez de banho de imersão deves tomar... 5 - Não deves ligar a máquina da roupa sem que esteja bem...
DESCOBRE AS PALAVRAS
Large garbage such as washing machines, mattresses, furniture and others, are collected for free in Lisbon. Just call 808 20 3 232 so that the objects you want to get rid of are collected at your door by the City Hall.
CICLO HIDROLÓGICO EVAPORAÇÃO CONDENSAÇÃO PRECIPITAÇÃO ÁGUA VIDA POUPAR
The lamps contain mercury in their composition being extremely contaminating and, therefore, they have a special ecopoint just for them
Batteries have their own ecopoint of red and yellow colors always well signaled, because these materials are extremely contaminating
Extraordinary trash
For sharp items that do not go to the green ecopoint (such as ceramics that are broken), wrap them in newspaper or paper bags and dispose on the household waste separately. This contributes to the safety of urban hygiene workers in the collection of waste
2 - Como se chama o local onde se faz o tratamento da água?
Consider having a domestic compost to discard raw food remains (bark, seeds, stems, etc.), or participate in the composting network of the Mouraria Composta project, depositing this waste in community composting.
Do not forget to remove the cap if the bottle has one. Probably this cap is made of other material, so it should not go together to the green ecopoint
Terminamos nossa caminhada no mesmo ponto onde começamos: a papelaria Carisma. Talvez o lugar mais importante para eles, já que além de ser seu local de trabalho é também onde mora a família. A papelaria, que já existia antes mesmo de Cantilal chegar em Lisboa na década de 80, é não só um lugar onde se pode achar qualquer tipo de material escolar ou de escritório, como também é onde os amigos da família sabem que podem encontrá-los e contar com sua ajuda, mesmo durante os fins de semana. Além disso é onde Cantilal desempenha um outro ofício do qual tem muito orgulho: ele cria e confecciona decorações dignas de cenários cinematográficos para os casamentos celebrados na Comunidade Hindu. “Ele chega a receber mais elogios e parabéns que os próprios noivos!”, afirma Jaisri rindo enquanto ele me mostra algumas fotos impressionantes de seu trabalho.
Seguimos pela R. dos Fanqueiros até chegarmos à esquina da R. de Santa Justa, onde está localizada a farmácia em que Jaisri trabalha. A farmácia já tem 113 anos e foi uma das primeiras homeopáticas da região. O segredo para durar tanto é simples: o estabelecimento preza sobretudo pelo bom atendimento. E, de fato, quem lá for pode esperar ser atendido com atenção e simpatia.
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enez ura P © La
Era uma quarta-feira à tarde quando entrei na Papelaria Carisma, ali na Rua dos Douradores, próximo à Praça da Figueira. Um nome apropriado para um estabelecimento cujos donos, Jaisri e Cantilal Maugi, receberam-me com um grande sorriso logo que entrei. Em Portugal há cerca de 40 anos e morando da Mouraria há mais de 20, o casal foi testemunha de muitas das mudanças urbanas e culturais pelas quais o bairro passou. Em um rico passeio de quase duas horas, eles me levariam a conhecer pontos, pessoas e histórias que apenas alguém com laços tão estreitos com o território seria capaz de compartilhar. Nascida em Moçambique e de origem indiana, mais especificamente da região de Gujarat, no oeste da Índia, Jaisri conta que emigrou de Moçambique com sua família, assim como muitas outras da mesma origem, após a Revolução de 1975. Durante 15 anos viveu no Brasil, onde aprendeu a língua portuguesa e ainda tem parte da sua família. Ela veio para Portugal estudar Farmácia na Universidade de Lisboa e cá ficou. Já Cantilal nasceu em Dui, também na região de Gujarat e depois mudou-se com a família para Moçambique. Em 1980, veio para Portugal trabalhar sozinho, deixando a família para trás. Hoje, casados e com um filho, são bastante respeitados e queridos na região. Por diversas vezes ao longo do nosso passeio, amigos e conhecidos acenavam ou paravam para cumprimentá-los. Além de seus empregos diários (Cantilal fica na papelaria enquanto Jaisri trabalha em uma farmácia na Rua de Santa Justa), os dois também fazem parte da Comunidade Hindu de Portugal, cuja sede fica em Telheiras. A instituição é dedicada ao apoio à comunidade hindu residente em Portugal. Atualmente, Cantilal faz parte da direção da Comunidade, especificamente no setor de cultura, é responsável pela organização de eventos, feiras, concertos e encontros voltados não só para a comunidade, mas também para todos que estejam interessados em conhecer um pouco mais da cultura Hindu em Portugal.
Atualmente restam apenas duas das lojas originalmente fundadas por indianos a funcionar; as outras fecharam ou foram vendidas à época da mudança de moeda para o euro. “Hoje o comércio da Baixa já não é o mesmo de antes. As pessoas que estão cá hoje não são as mesmas de 30 anos atrás”.
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contavam como a chegada das famílias indianas vindas de Moçambique na década de 70 teve um profundo impacto na região. “Não sei como é que esse pessoal indiano descobriu aquele lugar, mas eles fizeram daquelas ruas um dos comércios mais importantes de Lisboa. Tudo se encontrava nas ruas do Benformoso e dos Cavaleiros”.
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Outras Mourarias
Texto: João Correia (Portugal) Fotografia: Reprodução Ajuntament Barcelona
DO RAVAL, SEM AMOR Mil e duzentos quilómetros separam Mouraria e El Raval, bairro no coração de Barcelona. A história, porém, aproxima-os. Breve viagem a um dos primeiros bairros a conhecer o significado de uma palavra hoje universal Inglesa nascida na Alemanha, Ruth Glass viveu 78 anos, não suficientes para ver o que aconteceria ao termo que criou em 1964. Na altura, a palavra inglesa ‘gentry’, usada para nomear os donos da terra, estava praticamente abandonada. A socióloga recuperou-a ao ver na capital do Reino Unido o que anos depois se estenderia a outras cidades da Europa: “Um a um, muitos dos bairros operários foram invadidos pelas classes médias — mais altas e mais baixas. Assim que este processo de ‘gentrificação’ começa num bairro, expande-se rapidamente, até que todos ou a maioria dos ocupantes oriundos da classe trabalhadora sejam deslocados, e todo o carácter social do bairro seja alterado.” Marxista, Glass acreditava no poder transformador da investigação sociológica. Morreu em 1990, quando a palavra chave do seu trabalho, a hoje famosa “gentrification”, começou a entrar nos dicionários, e nos imaginários, colectivos
Nessa altura, Barcelona estava a mudar “O El Raval é muito interessante, porque creio ser dos primeiros casos de revitalização urbana que se torna viral enquanto modelo”, conta Carla Narciso, doutorada em Urbanismo e com uma tese de mestrado chamada “Espaço público: desenho, organização e poder: o caso de Barcelona”. Nela, a investigadora portuguesa, há vários anos radicada no México, percebe como a “revitalização” de bairros como o Raval, em Barcelona, é também “uma estratégia para tirar as pessoas de baixos recursos e subir as rendas dos bairros, trazendo novos moradores através da especulação imobiliária”. A história recente do bairro, paredes meias com a grande artéria turística de Barcelona, La Rambla, onde todos os dias circulam milhares de visitantes, é
semelhante à de muitos outros bairros europeus, onde cabe também a Mouraria. Nos anos 40 e 50 do século XX, era “um bairro com muita migração espanhola, especialmente do Sul do país, e mais tarde, na década de 1980, de migração internacional, sobretudo de Marrocos e do Paquistão. Mas ao mesmo tempo era um bairro muito central”, recorda Narciso. As rendas baixas permitiam que esses imigrantes se instalassem, mas eram desproporcionais em relação ao valor potencial de mercado. Os investidores perceberam-no e é aí que, prossegue, “se leva o bairro a um estado de abandono (deliberado, não se investindo nele), construindo-se um discurso público do feio, sujo e perigoso, assente no medo e na violência, que legitima as intervenções e leva ao despejo de muita gente”. No início do novo século, “Barcelona estava na corrida para ser uma cidade global, por isso tinha de ser a ponta de lança do urbanismo neoliberal”, atira Narciso. Assim foi — o Raval começa a transformar-se ainda no final dos anos 80, inserindo-se depois num plano específico, o P.E.R.I. (Plan Especial de Reforma Interior), continuando a ser “revitalizado” até à construção da sua própria Rambla, entre 1996 e 2001. O processo envolveu a demolição de milhares de casas para fazer nascer a Rambla do Raval como hoje está, um corredor feito de cafés e restaurantes, ladeado por palmeiras, plátanos e jacarandás. Muito frequentados por turistas, alguns destes novos espaços seriam inacessíveis àqueles moradores iniciais. Tal como a praça do Martim Moniz na Mouraria, a Rambla do Raval é “uma peça chave para se justificar as intervenções, que não se aplicam só em termos habitacionais, mas em que o espaço público é determinante: sobretudo, os elementos estetizados de representação ideológica”, explica Carla Narciso. É dessas imagens, não raras vezes falsas, que vive o turismo: o espaço já não tem necessariamente a ver com a cultura local, mas com uma construção idílica e, para usar o termo de Narciso, “higienizada”. Para o confirmar basta uma pesquisa no Google sobre El Raval. Um exemplo, tirado de um portal de viagens português: “Se o seu passado sombrio afugentava os visitantes, a revitalização da zona feita pelo município permite que hoje atraia um elevado número de pessoas, seja para viver ou apenas para visitar.” De forma simples, é dada a verdade absoluta sobre um bairro: antes “afugentava”, hoje “atrai”. Para Carla Narciso, é preciso ver mais longe. “Quando estive em Barcelona a fazer trabalho de campo, as histórias eram terríveis, porque essa criação de uma cidade global exigiu mão de obra qualificada, mas também não qualificada e até ilegal, já que era isso que permitia pagar a reconversão urbana”. Sem lugar na cidade central, essa massa de população “vivia na periferia em condições inóspitas e com salários de miséria”, conta. Ainda há esperança de que seja possível transformar sem expropriar? “Creio que sim. Mas têm de se criar instrumentos que regulem as intervenções urbanas”, reforça a investigadora. “O que acontece é que o capital privado é muito forte e os municípios não têm capacidade de fazer frente a esse poder.” Resta esperar para ver se em Lisboa, como em Barcelona, haverá quem seja capaz de ser resistência.
Queer
Texto: Fabrício Reis (Brasil), Raquel Silva (Portugal) Fotografia: Aline Macedo (Brasil)
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Na edição anterior do Rosa Maria, inaugurámos a secção Queer, um espaço onde pessoas LGBTQI+ possam trazer discussões, reflexões, inspirações e arte. O primeiro texto foi o conto Estranha forma de vida, título a fazer referência a um dos fados que se imortalizou na voz de Amália Rodrigues.
“Isso não é fado!” “Pois não. É Fado Bicha.” Nesta edição, trazemos uma reflexão sobre a relação entre o tradicional e o novo a partir da conversa que tivemos com Tiago Lila (Lila Fadista), cantor e intérprete do Fado Bicha, projeto que conta com a presença de João Caçador na guitarra elétrica. O Fado Bicha surgiu a partir do desejo de Tiago em expressar a sua arte por meio do fado e da sintonia com o João em mexer nas estruturas normativas presentes no género. No nosso encontro de fim de tarde, em frente à Associação Renovar a Mouraria, escutamos um pouco da história. Tiago Lila contou-nos que sempre teve uma ligação especial com o fado. Durante o tempo em que viveu na Grécia, nos momentos de partilha cultural, chegou a apresentar algumas canções para colegas e amigos. Nelas, percebeu que poderia ser o fado um veículo de sua voz e de sua expressão artística. De volta a Portugal, Tiago procurou uma escola de fado. Ali não se demorou muito, pois sentiu o peso conservador que envolve o género. Queria cantar Ai, Mouraria, de Amália Rodrigues e foi repreendido por uma colega que dizia ser tal canção inapropriada para ele. Segundo ela, não cabia bem um homem cantar “Ai, Mouraria, do homem do meu encanto”. A isto, perguntou ele: “Porquê? Não posso ter um homem do meu encanto?” O ambiente conservador não foi motivo para desistência. Alguns meses depois, a convite do Favela Lx, projecto de John Kalagary, participou de uma apresentação que envolvia a presença de outros artistas do cenário queer. Poucos meses depois e já com uma pequena legião de fãs e curiosos, Tiago recebe uma mensagem de João Caçador, guitarrista profissional que se identificou com a voz e estilo de Lila Fadista. Juntos desenvolveram - e continuam a desenvolver o projeto artístico que vemos hoje como Fado Bicha. A história do Fado Bicha traz muitos elementos para se pensar. Em nosso encontro com Tiago, falamos sobre os constrangimentos presentes no fado; daquilo que se permite e não se permite fazer e da diferença entre o que é tradicional e o que é normativo. Nosso convidado comentou que nem tudo que permeia a tradição é necessariamente da ordem de regular as ações dos sujeitos. Disse que há um material muito rico na tradição, como por exemplo o jeito de expressar os sentimentos presentes no fado, que tem a ver com o seu povo. Agora, qualquer restrição em relação a género e expressão de género, sexualidade e corporalidades é da ordem de padrões normativos que, segundo ele, precisam ser questionados.
Obviamente, é refutável a ideia de tradição como as que são concebidas dentro de ambientes mais conservadores. A tradição não é algo inalterável ou estático, e o mesmo se aplica à cultura. Cultura e tradição são composições dinâmicas que se alteram ao longo do tempo devido às fricções e a atualizações das pessoas que vivem no presente. Daí ser imprescindível a força, beleza e desconstrução do projeto artístico Fado Bicha. Ao incluir os afetos, sentimentos e vida cotidiana de pessoas LGBTQI+ nas canções, dá-se visibilidade a um mundo que sempre existiu e que não tinha meios para se expressar no fado. Mas agora tem! Ao conversar com Tiago, nos questionamos como é possível que um projecto musical deste tipo não tenha surgido há dez anos, tal é a urgência em tomar de assalto uma parte integral e por vezes intocável da língua portuguesa. Tiago acredita que são vários os motivos para que agora fosse o momento certo, desde a nova geração de fadistas que ousou misturar fado com estilos musicais mais contemporâneos, trazendo uma lufada de ar fresco para um meio tradicionalmente quadrado e normativo. Passando pelas várias ações e reações da comunidade queer ao longo dos últimos anos, cansada de
ser invalidada, de ser violentada e morta, apenas por expressarem quem realmente são. Fado Bicha é o culminar de todas estas narrativas históricas e culturais, 50 anos depois dos motins de Stonewall, que deram início à luta da comunidade LGBTQI+ através das marchas do orgulho durante o mês de Junho, 13 anos depois do desaparecimento de Gisberta, um ano depois do assassinato de Marielle Franco. Lila Fadista invoca todas essas pessoas esquecidas e afastadas do centro para as margens das suas próprias vidas, cantando as suas histórias, as suas vozes e os seus amores, onde finalmente são os protagonistas destas identidades tão tradicionais quanto as raízes do fado. Se for para analisar o fado enquanto uma narrativa histórica, podemos dizer que o Fado Bicha talvez honre muito mais as bases tradicionais. Não era o fado um género que surgiu no meio de gente marginalizada? Não foi uma profissional do sexo o primeiro grande nome do fado? O Fado Bicha, neste sentido, seria uma espécie de devolução do fado às suas bases, dando visibilidade a corpos e vidas transgressoras na atualidade.
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Texto: Nayem Hasan (Bangladesh) Tradução para Português: Tai Barroso (Brasil) Fotografias: Reprodução heritageinbangladesh.blogspot.com
Do passado ao presente: um relacionamento de mais de 500 anos entre Portugal e Bangladesh Sob a liderança do marinheiro português João da Silveira, em 1512, quatro grandes embarcações chegaram ao porto de Chittagong, transformando a região em um local estratégico para o comércio internacional. Posteriormente foi batizada de Porto Grande de Bengala, tendo uma ocupação de 2.500 portugueses residentes em seu auge. No século XVII, o controle do território é perdido para os então mogóis e os arakans. Ainda há descendentes portugueses a viver na parte antiga de Chittagong, assim como ruínas e construções que remontam este período. O missionário e viajante português Frei Sebastião Manrique viveu nesta região durante seis anos, entre 1629 e 1635, e mencionou em seus textos várias cidades locais durante a estada em Chittagong e arredores. Uma delas era Deyang, onde havia uma forte base portuguesa e uma igreja. Ainda existem várias igrejas e escolas portuguesas na cidade, incluindo uma catedral, a Escola de Santa Escolástica e a Escola de São Plácido. No sopé da colina do Colégio Mohsin, existe uma fortaleza nas ruínas portuguesas. No entanto, as estruturas estão sendo destruídas ao longo do tempo devido à falta de manutenção.
de carne halal. O governo de Bangladesh estabeleceu a embaixada em Lisboa em 2013. Desde então, a representação está a trabalhar em várias questões, incluindo serviços consulares, expansão de negócios e desenvolvimento das relações bilaterais entre ambos os países. Dentre as principais zonas de residência da população bengalesa estão Lisboa, Porto e Faro, onde frequentemente se fazem celebrações de festividades e datas comemorativas.
Existe uma marca portuguesa na construção etnográfica do povo. O Bazar Ferringhi de Chittagong e o Patharghata, por exemplo, ainda são conhecidos como regiões de ancestralidade portuguesa. Foi o padre Manoel de Assunção quem escreveu a primeira gramática oficial do idioma bengali lançada em 1743 em formato de livro, em Lisboa. Existem mais de 1.500 palavras comuns entre ambos os idiomas como: janela, chave, fita, balde. Palavras que foram “emprestadas” do português, e que tornaram o idioma bangla muito mais rico. Se no século XVI, os marinheiros portugueses foram para o Bangladesh em busca de negócios, os bengaleses começaram a chegar a Portugal a partir do ano de 1991. Ao longo dos últimos anos, a quantidade de imigrantes deste país vem aumentando, devido ao bom clima, pessoas amigáveis e políticas de imigração facilitadas. Há bengaleses por todos os cantos do mundo: Bricklane na GrãBretanha, Gare Du Nord em Paris, Brooklyn nos Estados Unidos, assim como a área do Martim Moniz em Lisboa, onde há uma rua inteira reconhecida como “Pequena Bangladesh”, a Rua do Benformoso. Lá pode-se encontrar as necessidades básicas de qualquer bengalês: restaurantes, mercados e talhos halal, assim como uma grande quantidade de bengaleses a circular pela rua. Grande parte dos bengaleses que vivem em Portugal estão envolvidos em negócios, principalmente relacionados a turismo (em Lisboa), comércio atacadista, supermercados, cafés e comércio e certificação
Portugal tomou medidas muito eficazes para melhorar a vida dos imigrantes. De maneira geral, sente-se que os imigrantes neste país têm uma chance maior de aceitação e participação do que qualquer outro país da Europa. Como resultado, Portugal é um país único para diversas comunidades de estrangeiros. Para os bengaleses, além do clima similar, os locais são pacíficos e acolhedores. É por isso que tantos bengaleses amam este país: sentem-se confortáveis em viver aqui. A expectativa é que esta relação de mais de 500 anos entre ambos os países permaneça amigável ao longo do tempo.
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Ruínas no Colégio Mohsin
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Texto: Amina Bawa (Brasil) Fotografia: Hugo Valério (Portugal)
O empreendedor imigrante em Portugal... ...é um cidadão não português nascido no estrangeiro, que adquiriu ou não a nacionalidade portuguesa, que trabalha por conta própria, sendo titular formal ou informal de um negócio ou atividade independente, em situação de autoemprego ou de empregador, e atuando na economia formal ou informal. Malheiros, Padilha e Rodrigues (2010). Muitos trabalhos acadêmicos utilizam esta citação para falar sobre o imigrante que decide investir em um negócio em Portugal, país reconhecido como local de imigração e emigração. Um dos fenômenos migratórios mais recente teve início tímido nos anos 1980 (após o 25 de abril) com evolução lenta nos anos noventa até se transformar, na primeira década do século XXI, em termos de intensidade e composição de fluxos. Como exemplo, podemos citar o crescimento significativo de imigrantes de origem africana principalmente de Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau, concentrados em zonas urbanas e inseridos predominantemente em setores econômicos com remuneração mais baixa - para os homens, a construção civil e, para as mulheres, o serviço doméstico. Como em outros países de acolhimento, em Portugal, a maioria dos grupos imigrantes têm maior propensão para o trabalho autônomo que os nativos. Quando os imigrantes desenvolvem atividades empresariais, criam novos postos de trabalho e novas oportunidades fora do mercado tradicional. O desenvolvimento destas iniciativas expande a oferta de bens e serviços nas cidade.
Novos imigrantes e o investimento local A região da Mouraria reúne empreendimentos de imigrantes de diversas partes do mundo como podemos notar em uma rápida caminhada pelo bairro. Começando pelo Centro Comercial da Mouraria, em direção à Rua do Benformoso ou mesmo à Rua dos Cavaleiros observamos, além dos tradicionais restaurantes portugueses, opções de gelaterias, restaurantes especializados em comida italiana, moçambicana, indiana, nepalesa, bengali, chinesa, entre outras iniciativas menores como lojas que oferecem produtos dos mais diversos países de fora da Europa. Para estes empreendimentos tornarem-se sustentáveis, foi e ainda é necessário um processo de articulação entre os atores locais, sendo eles desde os moradores e até instituições governamentais como a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal. É importante
reforçar o poder de organização interna e ampliar níveis de autonomia para aumentar a qualificação e o poder de negociação deste grupo empreendedor. Todos devem estar inseridos no debate e planejamento destas ações, permitindo que a intervenção de empreendedores locais possa interagir com o potencial e as necessidades das comunidades. Este processo apenas pode se dar em um ambiente democrático em que todos sintam-se à vontade para abordar e resolver problemas sociais e econômicos, fortalecendo o elo entre sociedade civil, governo e setor privado. O que se tem com o objetivo de construção neste processo - a partir da compreensão das dinâmicas territoriais - são mecanismos de avaliação da qualidade da intervenção do Estado, usando como referência prática uma ação concreta em tempo e espaço definidos. Por outro lado, o território não é uma obra fixa, mas uma construção social contínua e condicionada por relações de poder locais e externas.
Pode-se considerar a Mouraria como um local privilegiado para a implementação e gestão de políticas públicas de desenvolvimento sustentável, por ser uma base organizativa primária para a análise das necessidades e potencialidades locais, e desta forma servir como espaço para novos empreendimentos. Que possamos ver neste bairro cada vez mais iniciativas para troca, aprendizagem e compartilhamento de cultura através da culinária, das artes, da tecnologia e tudo mais que as diversas etnias possam oferecer para que este espaço de efervescência torne-se referência para os demais bairros e cidades.
Amina Bawa é jornalista, mestranda em Cultura e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e desenvolve pesquisa sobre empreendedorismo associado a práticas culturais africanas.
notícias da Mouraria
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Texto: Susana Simplicio (Portugal) Ilustração: Nuno Saraiva (Portugal)
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Queremos um jardim no Martim Moniz Sabias que: 1 Este grupo de «pessoas empenhadas em viver num mundo mais saudável e sustentável» começou a organizar-se em Fevereiro, durante um Cordão Humano no Martim Moniz promovido pelas organizações locais Associação Renovar a Mouraria e Grupo Gente Nova, com apoio do Movimento Morar em Lisboa.
Imagina uma zona verde no coração de Lisboa, na artéria mais multicultural de todas. Saudável, sustentável. É isso que tem de ser a Praça Martim Moniz. O Movimento Jardim Martim Moniz nasceu de forma espontânea, no início de 2019, com o objectivo de transformar a Praça Martim Moniz numa zona verde, em alternativa ao projecto de instalação consessionado de um núcleo comercial com estrutura de contentores, o que reforçaria ainda mais a pressão urbanística, turística e sonora neste local.
Não há uma zona verde de qualidade em todo o eixo que liga o Rio Tejo à Alameda, onde residem milhares de pessoas e no qual as questões de saúde pública, (falta de) jardins e espaços públicos e de bem-estar social se tornam cada vez mais prementes. A Praça Martim Moniz é o local perfeito, e nós precisamos dela. Após meses de debates e intervenções, a 25 de Julho, na reunião pública da Câmara Municipal, o Presidente Fernando Medina, anunciou finalmente, uma decisão sobre o Martim Moniz: o projecto não irá avançar; em alternativa, será retirado o tapume das obras e lançado
Rua a Rua
um concurso de ideias, como sugerido por este movimento, a exemplo do concurso da elaboração do projeto do Parque Urbano na Praça de Espanha, promovido pela CML em 2018 e de intervenções similares em outras grandes cidades europeias. A população teve voz neste processo. Queremos que se dê a esta praça a dignidade que ela merece. Queremos que terminem os improvisos que se arrastam desde sempre. Queremos que o Martim Moniz seja um espaço aberto a toda a gente!
1 Em menos de cinco semanas, e sem versão electrónica, a Petição por um Jardim no Martim Moniz foi entregue na Assembleia Municipal de Lisboa, em 30 de Abril, tendo reunido mais de 1600 assinaturas de cidadãs e cidadãos que pretendem que a Câmara Municipal transforme aquela praça num espaço verde, na sequência de um processo assente num diagnóstico participado com ampla auscultação cívica. Agora que a primeira etapa está superada, vamos pensar em conjunto uma nova Praça Martim Moniz! Tod@s junt@s podemos fazer a diferença! #jardimartimoniz #lisboamaisverde #espaçopúblico #pensarapraçamartimmoniz
Mais informações em www.jardimartimoniz.pt
Texto: Francisco Melo (Portugal)
Sobre a Rua das Farinhas, Norberto de Araújo, nas suas Peregrinações em Lisboa, descreve em 1938: «Para o lado norte (banda do Castelo) abrem as Escadinhas – sempre escadas por aqui – que levam à Rua das Farinhas, a avenida do sítio, com o seu Rossio que é o Largo da Rosa.»
res ao Terramoto de 1755, na freguesia de São Lourenço, bem como o Beco das Farinhas em Santa Justa.
A rua subsiste com a mesma denominação e é acompanhada pelo Beco, o Largo e as Escadinhas da Rua das Farinhas. Seria aí que as faziam A rua, que hoje une o Beco das Farinhas ao ou vendiam? Largo da Rosa, terá sido um topónimo fixado na Lisboa seiscentista. Esta hipótese assenta no O Beco foi oficializado por edital do governo civil facto de já Cristóvão de Oliveira, ao descrever de Lisboa a 1 de setembro de 1859 e, não obsa Lisboa de 1551 no seu Sumário, já apresentar a tante assinalar-se que a denominação anterior Rua das Farinhas na freguesia de São Lourenço, deste arruamento era Beco do Forno, não enbem como o Beco das Farinhas na vizinha fre- contramos nessa localização nenhuma referênguesia de Santa Justa. E parece descortinar-se cia a tal. De qualquer forma, toda esta toponímia a continuidade do topónimo por se encontrar a parece indiciar a existência da atividade de panimesma rua, nas descrições paroquiais anterio- ficação e/ou moageira no local.
Texto: Joana Sá Ferreira (Portugal) Ilustração: Pablo Quiroga (Colômbia)
Ansiedade: não mata, mas mói “Quando me sinto assim estou tenso, não consigo relaxar. Não durmo bem e sinto-me constantemente cansado e esgotado. Os meus pensamentos voltam ao mesmo assunto. Tenho falta de ar... O meu coração bate de forma forte e acelerada… parece que vou ter um ataque do coração. Não consigo estar em sítios com muita gente!” A ansiedade é uma emoção desagradável caracterizada pela expectativa de estar a acontecer ou para acontecer qualquer coisa de negativo. O termo clínico ANSIEDADE tem um sentido diferente do seu uso no dia-a-dia, já que é comum dizerem “a ansiedade é um medo sem uma razão adequada”. Isto leva a que muitas pessoas neguem a ansiedade patológica, inclusive não a relacionando com as suas queixas físicas, pois associam-na apenas a problemas de vida/motivos fortes de preocupação. As perturbações da ansiedade patológica diferem do medo ou da ansiedade normal por serem excessivas ou por persistirem por períodos de tempo inapropriados.
O 1º Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental (integrado no World Mental Health Surveys Initiative, da Organização Mundial de Saúde e da Harvard University, 2009) documentou que Portugal é o segundo país com maior prevalência anual de perturbações psiquiátricas a nível europeu (22,9%). Em termos de doenças, predominam as perturbações da ansiedade (16,5%) e Humor (7,9%). Em 2017, em Portugal Continental, as perturbações da ansiedade afetavam uma proporção de 6,51% dos utentes inscritos nos Cuidados de Saúde Primários. Os estudantes com ansiedade grave, por exemplo, relatam sentir-se bloqueados, enganarem-se nos testes e não serem capazes de recuperar informação memorizada (“brancas”), sendo desta forma afectados na sua aprendizagem. Os eventos estressores e as tensões diárias podem ser tão prejudiciais à saúde quanto o consumo de álcool, entorpecentes ou de tabaco. Está cientificamente comprovado que pessoas expostas a muitas tensões diárias têm maior incidência de alterações na sua pressão arterial e possíveis perturbações, como acidentes vasculares cerebrais (AVC) ou complicações gástricas. A pessoa cuja ansiedade interfere com o bem-estar deve procurar ajuda clínica, pois existem tratamentos farmacológicos e psicológicos que podem aliviar os sintomas. O tratamento pode envolver diferentes estratégias consoante as perturbações específicas. A primeira atitude a tomar é consultar um médico percebendo se nenhum problema físico está relacionado com os sintomas. Caso seja necessário, o clínico poderá referenciá-lo para um psiquiatra e/ou psicólogo. A maioria destas doenças mentais regride bem ao longo do tempo e beneficiam satisfatoriamente com os tratamentos.
O que ajuda a produzir a ansiedade patológica: ● Fatores genéticos não modificáveis ● Acontecimentos de vida negativos ● Doenças da tiróide ● Arritmia cardíaca ● Uso excessivo do telemóvel e computador ● Consumo de álcool e drogas (incluindo o haxixe) ● Maus hábitos alimentares e de sono ● Pessoas e ambientes em que nos relacionamos Unidade de Apoio à Vítima Migrante e de Discriminação
Não permita que a situação se agrave. Se sente excesso de ansiedade e mal estar, procure o Centro de Saúde da sua região e/ou a Junta de Freguesia para uma consulta com um profissional. A auto medicação pode agravar a patologia.
notícias ARM
QUEM FAZ UM ARRAIAL COMPOSTO, FÁ-LO POR GOSTO
Este foi o nosso 12º Arraial, mais de 50 pessoas e mais de 10 organizações parceiras ajudaram a erguer este momento.
Texto: Fernando Alves (Portugal)
É um chamamento para a festa, para o arraial, é também um chamamento para a inclusão, e é, ainda, um sinal de revitalização num bairro antigo de Lisboa. Repondo a letra R, já inscrita aliás no nome da Associação Renovar a Mouraria, que dá vento à ideia. São 6, aliás, os R’s que enquadram e amplificam o sentido mais fundo deste arraial: Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar, Reaproveitar e Reciclar. Apetece perguntar, recuperando ressonâncias de outros festivais: "Quem faz um arraial composto, fá-lo por gosto?". A resposta é dada num texto agora produzido pela Renovar a Mouraria anunciando a oficina aberta (…) no Largo da Rosa: "Arraial Composto: ainda queremos ter planeta em Agosto". Há, pois, aqui, uma urgência. E ela faz convergir os gestos para a proposta de uma festa dos Santos Populares com boas práticas de sustentabilidade ambiental. Quem passar pelo velho bairro, há-de pousar os olhos no resultado destes "Sábados em Construção": mulheres migrantes, refugiadas, habitantes do bairro, todas tratam de decorar a Mouraria com material reutilizado: garrafas, sacos de plástico, latas de refrigerantes, pacotes de leite. Os Sábados em Construção começaram em Abril (…), inserem-se num programa que decorre em 8 países europeus, é aberto a todos, incluindo aqueles que passarem por mero acaso no largo da Rosa, esse Rossio com nome de flor com R, tantos outros verbos, tantos outros R’s poderiam ser acrescentados aos seis que enquadram o Arraial Composto: Reunir, Reflectir, Realizar, Renascer. A Associação Renovar a Mouraria merece, de qualquer modo, um vaso de manjericos no Santo António que se avizinha. Já leva muitos anos de arraial, sem arrastar os R’s, sem deixar cair os R’s. Nisso se alevanta e pousa no mais alto e radioso ramo, a ousada razão que a faz procurar a raiz. Está o Arraial Composto! Cortesia TSF, programa Sinais, emitido em 23 de Maio de 2019
Os “Sábados em Construção” são uma actividade do projecto WEMIN, co-financiado pelo AMIF
Foram vários meses de preparação, para 13 dias de muito convívio, alegria e partilha de culturas. No palco do Largo da Rosa houve um rodopio de músicos de vários cantos do mundo; nos balcões, serviu-se comida tradicional das festas, mas também iguarias trazidas por vizinhos de outros países. O cabeça de cartaz, esse, foi o carapau, introduzido no dia Mundial dos Oceanos (8 de junho) como forma de sensibilizar os visitantes para o consumo de pescado sustentável alternativo à sardinha. Para além de ser um evento cultural, social e ambiental ímpar, o Arraial é também crucial para a sustentabilidade financeira da Renovar a Mouraria, pois com a angariação de receitas próprias permite o desenvolvimento das inúmeras actividades de apoio à comunidade que decorrem ao longo do ano bem como o co-financiamento de projectos parcialmente apoiados, como o próprio Rosa Maria.
A Associação Renovar a Mouraria realizou em março, na Assembleia da República e Câmara Municipal de Lisboa, a Conferência Internacional “A Travessia – Mulheres e Meninas em Busca de Refúgio” dedicada a todas as mulheres refugiadas e às suas necessidades específicas. Ao longo de dois dias, percorremos o caminho de mulheres refugiadas pelos países de origem, trânsito e destino, através da sua voz e experiência e com o envolvimento de decisores políticos, académicos, profissionais e o público em geral. No final deste evento, foram lidas recomendações por uma mulher refugiada, entregues no Parlamento. A Travessia continua agora com refugiados ambientais e uma nova conferência agendada para o próximo dia 30 de novembro, na Fundação Calouste Gulbenkian. Uma pergunta se lança a todos os participantes: “Que futuro?” Que desafios enfrentamos e como os podemos ultrapassar num mundo onde as alterações climáticas, devido à ação humana, são já uma realidade? Todos os anos, milhares de pessoas são forçadas a deslocar-se das suas casas devido ao clima. Em 2016, mais de 24 milhões de pessoas, em 118 países e territórios, foram deslocadas por motivos de desastres naturais. O número é três vezes maior do que o de deslocados por conflitos. Este número tende a aumentar. Qualquer um de nós pode tornar-se refugiado e este tema diz respeito a todos. Fica assim o convite à participação no debate. A entrada é livre, sujeita a inscrição. Para mais informações, consulte o site e o facebook da Renovar. As conferências “A Travessia” realizam-se no âmbito do projeto NO BORDER, que é cofinanciado pela União Europeia.
VISITAS GUIADAS E HISTÓRIAS EM PRIMEIRA PESSOA
A Associação Renovar a Mouraria disponibiliza uma visita guiada única num dos bairros mais multiculturais de Lisboa, no âmbito do projecto europeu Migrantour – New Roots, o qual visa promover a integração de imigrantes e refugiados na criação de uma nova narrativa, em primeira pessoa, sobre suas histórias e o território. Neste contexto, e através de uma experiência imersiva pelas ruas da Mouraria, é dado a conhecer o olhar singular de cada guia imigrante e refugiado sobre a “sua” Mouraria, numa relação com as suas histórias pessoais e culturais. Assim é possível aprender novas palavras num idioma diferente, viajar ao som de música tradicional de paragens distantes ou conhecer novos alimentos, sabores e receitas. Os guias são oriundos do Brasil, Japão, Polónia, Roménia, Rússia, Ucrânia, Venezuela, Argentina, Angola e Cabo-Verde. Já está previsto o aumento da equipa com acompanhantes interculturais provenientes de países como Nepal, Bangladesh, Síria e Sudão. A visita guiada, com a duração estimada de 2h30, inicia-se no Largo de São Domingos e passa por locais como o mercado informal africano, praça Martim Moniz, Centro Comercial da Mouraria, Rua do Benformoso, Largo da Severa e o Beco do Rosendo. As visitas ocorrem por marcação, sete dias por semana em diferentes idiomas. Quem já embarcou nesta viagem destaca a humanidade, criatividade, alegria e partilha. Vem conhecer o bairro e as belas histórias daqueles que cá vivem, passam ou se sentem em casa. Para informações e inscrições, basta enviar um email para migrantour@renovaramouraria.pt.
Texto: Ingrid da Matta (Brasil) Fotografia: Marcius Victoriano (Brasil)
“No fim, ficou tudo lindo”
A Lolita é uma mulher linda e valente. Nasceu no Senegal, porém tem Portugal como sua casa há mais de 12 anos. Inicio a nossa conversa com a seguinte pergunta: “Porquê Portugal?”. Ela responde diretamente: “Eu vim para trabalhar!” Assim como muitos outros imigrantes, Loli, como é conhecida, percorreu um longo caminho até a abertura do próprio salão. Sua carreira na área da beleza teve início aos 15 anos de idade. Aos 19, completou a primeira formação em cabeleireiro no Senegal, onde dedicou-se um ano a trabalhar na área. Em seguida, mudou-se para Lisboa para dar continuidade aos estudos e trabalhar. Disse que ao acabar o curso sabia fazer “quase tudo”: cabelo, maquiagem, penteado, tranças, tissagem, etc… Peço a Loli que me conte um pouquinho de sua trajetória e ela diz: “Quando você me pergunta essa parte, estou mesmo à vontade para responder. É uma história muito linda, não tenho vergonha de contar sobre a minha vida. Porque no fim, ficou tudo lindo.” Quando chegou a Portugal sua ideia era continuar na profissão. Porém, não conhecia ninguém. Então, começou a trabalhar fazendo limpeza. “Nunca tinha feito isso. Com 20 dias de atividade, o patrão me mandou embora”. Após ter sido demitida, Loli ficou um tempo em casa. “Passados alguns meses, trancei uma rapariga”, ela conta. Um senhor a viu e perguntou: “Quem trançou seu cabelo?”. E a menina respondeu: “Uma menina chamada Lolita, que chegou do Senegal há pouco tempo”. “A trança está muito bonita”, ele disse. “Gostaria de conhecê-la para trabalhar no salão da minha mulher.” E foi assim que ela conseguiu seu primeiro trabalho na área. “Naquela altura, eu não sabia falar português, nem um bocadinho.” Pude imaginar o desafio de Loli com sua língua materna, o francês. E continua: “Minha ex-patroa percebia um pouquinho de francês e era assim que a gente se comunicava. Era ela também que mediava minhas conversas com as clientes. Naquela época, o salão ficava em Cidade Nova, perto de Loures. Eu morava
em Rio de Mouro, era longe. Fiquei no salão durante 4 anos. Eu não me sentia preparada ainda. Havia um bocadinho de confusão com o patrão. As coisas não andavam muito bem, estavam a mudar. Daí, decidi que tinha que fazer outra coisa e fui trabalhar numa fábrica de revista. Mas como não era minha profissão acabou não dando certo”, ela lembra. “Eu saí do salão, mas muitos clientes continuavam a me chamar. Lolita, estás aonde? Lolita, estás aonde? Se você anda num sítio por quatro anos e sempre trata bem os clientes eles vão te procurar. Eu perdi o gosto de trabalhar com patrões. Foi quando decidi exercer a profissão de forma independente e tive a certeza de queria ser cabeleireira. Os salões ligavam para mim e eu atendia clientes específicos. Fazia o serviço, recebia e ia embora. Ia nas casas delas ou elas vinham até mim. Trabalhei dessa forma durante dois anos. E quando já tinha feito um bom dinheiro e tinha um pouco mais de estabilidade, resolvi ter meu canto, abrir minha loja.” E lá se vão seis anos no endereço que fica na Rua Arco do Marquês do Alegrete, quase em frente à Praça Martim Moniz. “No salão, atendo a todas as raças. Todo tipo de gente vem aqui arranjar o cabelo. Também trabalho com estética. Vendo produtos, perucas e apliques de cabelos naturais”. Para encerrar o nosso bate-papo, pergunto à Loli quais são seus atuais desafios como uma mulher imigrante e empreendedora. Ela diz: “Portugal está a bombar. Hoje em dia há muito mais concorrência. Às vezes, o movimento do salão fica fraco, mas sei que logo melhora, pois tenho clientes que me acompanham desde que cheguei em Portugal, há 12 anos. Sou muito feliz e grata por cada uma delas”.
Nós também nos sentimos felizes e agradecidas por ter pessoas como a Loli no bairro da Mouraria.
ensaio
Rosa Maria n.º 11 agosto ’19
Texto: Mariama Injai (Portugal) Fotografia: Aline Macedo (Brasil)
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Mágica Mouraria Sou uma mulher negra, tenho 32 anos e pertenço à categoria de afrodescendentes já que nasci e cresci em Portugal e meus pais são da Guiné-Bissau. A integração foi difícil para todos da minha família. Desde nova, absorvi e aprendi que deveria corresponder às expectativas de um imaginário branqueado, no qual eu nunca me encaixei. A afrodescendência trouxe-me sempre muitas questões relativas à minha identidade. O facto de viver numa sociedade que tende a categorizar cada vez mais, torna difícil construir um sentimento de pertença a um lugar. Esta categoria onde a sociedade nos tende a colocar pode ser determinante muitas vezes de como seremos recebidos neste mundo. A consequência disto é que, nem sempre, essas mesmas categorias são inclusivas, sendo muitos os que se sentem excluídos. Lisboa é uma cidade que contempla diferentes nacionalidades, identidades, culturas e costumes. Mudei-me para cá recentemente e depois de alguns passeios em busca dos recantos desta nova cidade, deparei-me com a maravilhosa Mouraria. Um bairro super inclusivo, uma atmosfera particular com energia peculiar, culturalmente diversa e marcada por histórias e encontros impressionantes.
notícia
Texto: Inês Andrade (Portugal) Fotografia: Atelier Bugio
O Rosa Maria foi conversar com Nuno Almeida Pereira, responsável pelo projecto do Palácio da Rosa e da Quinta do Coleginho, e com João Favila Menezes, autor dos projectos de arquitectura. Desde 2004, quando a Câmara Municipal de Lisboa vendeu o imóvel em hasta pública, que nos perguntamos o que vai acontecer no enigmático Palácio do Largo da Rosa. Com uma história e um património riquíssimos, foi classificado como Imóvel de Interesse Municipal em 2012. Os incríveis painéis de azulejo da autoria de Pereira Cão, bem como o restante património azulejar, foram vítimas de pilhagem e hoje apresentam as marcas do tempo. O Rosa Maria sabe que esta história não cabe nas suas páginas e por isso foi saber do futuro. Agora nas mãos da empresa Mouraria Palace, S.A, que anda há quatro anos às voltas com os licenciamentos, soubemos que as obras irão ter início em Fevereiro de 2020 para o que virá a ser o 2º melhor hotel de Lisboa. Com 162 empregados previstos, o hotel terá 73 quartos com
A pluralidade cultural das pessoas que coabitam este bairro traz uma riqueza e nobreza a esta zona tão dinâmica que eu nunca havia experienciado antes. Várias são as pessoas que vivem, trabalham ou simplesmente passam neste local e que manifestam um senso de comunidade singular. As ruas estreitas, as escadarias alternadas com paredes cheias de cores e padrões, os sinais de antiguidade de alguns edifícios e a proximidade entre os moradores são atributos muito tradicionais e característicos que podemos ver numa caminhada exploratória pelo bairro.
A Mouraria foi um lugar que nunca me rotulou, sempre me incluiu e me fez acreditar que existem locais em que a multiculturalidade é vista como ponto positivo, sem hesitação, apenas aceitação. Depois de sentir a energia e a magia de vivenciar o bairro, maior se tornou a minha esperança de encontrar mais sítios em que a minha identidade não seja questionada e sim sempre acolhida tão bem. Mariama Injai é Engenheira do Ambiente e ativista e recentemente lançou o canal de YouTube, Afromary, onde cria conteúdos direcionados para a comunidade negra em Portugal. Tem como principal objectivo desconstruir ideias pré concebidas e criar novas narrativas para todos inseridos nesta comunidade.
Palácio da Rosa e Quinta do Coleginho vão ter cara nova preços diferenciados e uma diversa oferta de zonas comuns, desde majestosos salões, um jardim de inspiração árabe e uma zona de estar nas Catacumbas, um dos espaços mais mágicos do Palácio, onde, diz-nos Nuno Almeida Pereira, “entra-se e sente-se”. Nuno assegura que todo o restauro será feito com o máximo respeito pelo património existente, deixando visíveis, contudo, as tais marcas do tempo. Estão também previstas visitas ao Palácio, dando assim a possibilidade de dar a conhecer mais um pedaço da nossa história. A recuperação da Muralha Fernandina, que ladeia o Palácio junto às Escadinhas da Saúde é também uma das empreitadas em curso, com um rigoroso acompanhamento arqueológico a cargo de Artur Rocha. A muralha será então visível do lado de fora do Palácio e, dali, conseguir-se-á ver o Torreão de S. Lourenço e a Torre do Jogo da Péla, no Martim Moniz. Paralelamente à muralha haverá mais um lance de escadas rolantes integrado no plano de acessibilidades à Colina do Castelo. O arquitecto João
Favila Menezes, também responsável por este plano, salienta a sua importância na facilitação da mobilidade das pessoas, abrindo o bairro à circulação pedonal. Novos acessos serão criados com o projecto da Quinta do Coleginho, que fará ligação com a Calçada de Santo André.
Aqui, está prevista a construção de apartamentos para venda, um parque com cerca de 100 lugares de estacionamento, um miradouro, um elevador para a Costa do Castelo, um jardim e dois equipamentos com serviços de apoio à comunidade. Todos com início de obra marcado para Fevereiro de 2020 e com previsão de duração da mesma de 18 meses.
Texto: Thiago Dantas (Brasil) Fotografia: Thiago Dantas (Brasil), José Magro (Portugal)
O quiosque mais popular das redondezas
Entre os bairros da Mouraria e Graça, no Jardim da Cerca da Graça, há um quiosque diferente. Para além das imperiais e cafés, comuns nestes sítios informais da cidade, o Quiosque Popular é parte de um projeto social, sendo o filho mais novo da Associação Cozinha Popular da Mouraria.
por oito anos. Quando voltou à casa, em 2009, o bairro estava a ser revitalizado. Envolvida com o projeto de um livro de receitas empreendido pela Renovar a Mouraria, começou a pensar que podia ter também uma associação, “uma cozinha comunitária onde as pessoas pudessem partilhar receitas, a mesa, a vida”. Foi quando juntou sócios amigos que se candidatou e foi aprovada no Bip/Zip, programa de desenvolvimento local da Câmara Municipal de Lisboa.
das redondezas. A compota de laranja-amarga do quiosque, por exemplo, tem esta proveniência.
A Cozinha e o Quiosque estão envolvidos também no projeto Mouraria Composta, da Renovar a Mouraria. Na parte externa ao restaurante foi instalado um compostor piloto para promover o reaproveitamento dos ingredientes utilizados ali. O composto extraído torna-se adubo para hortas do bairro ou é vendido na loja Mouraria Composta. Além disso, a Cozinha Popular é uma das parceiras do projeto Muita Fruta, que cuida e reaproveita frutos de pomares públicos ou privados
O nome do Jornal Rosa Maria também tem ligações diretas com a Adriana. “Oh, Rosa Maria, vem já à casa”! Era assim que Adriana chamava a sua cadela da janela de casa. Ao ouvir o chamado, vizinhas homônimas apareciam para perceber o que se passava. Isto era tão recorrente que uma delas tornou-se sua comadre. Ligado à vida cotidiana do bairro, foi escolhido quando Adriana o sugeriu na votação para o nome do jornal.
Ao visitar o Quiosque Popular, portanto, já sabes que ele vai além de um quiosque comum em um jardim público. Consumir ali significa contribuir para uma Mouraria e uma cidade melhor. Desfruta.
Abriu junto à inauguração do Jardim, em junho de 2015, e possui em seu cardápio bolos caseiros, gaspacho, compotas, tostas mistas, de húmus, carne assada ou salmão, todos produzidos na equipada Cozinha Popular. Quem toca tudo isto é Adriana Freire, uma fotógrafa e jornalista especializada em gastronomia que aliou sua paixão pela cozinha e pelo bairro ao fundar a associação. “Sempre gostei do ambiente de uma cozinha e, sobretudo, de famílias grandes, uma mesa cheia de gente. Acho que isso é muito importante na vida das pessoas”, explica. E assim, funcionando como um restaurante e abrigando a diversidade de cultura e gastronomia da Mouraria, mensalmente oferece jantares à comunidade local e menus de almoço com preço reduzido. Moradora do bairro há 30 anos, Adriana conta que, por conta da recuperação de seu prédio, esteve fora
Receita do gaspacho do Quiosque Popular (sem glúten)
Ingredientes
Preparação
4 tomates médios maduros e rijos 1 pepino médio (sem casca e sementes) 1 pimento médio (sem sementes) 1 dente de alho 1 pitada de sal 1/2dl a 1dl azeite 1/2dl vinagre (de vinho tinto de preferência) 50 dl água
O segredo é deixar tudo cortado em pedaços e misturado no frigorífico na véspera. No dia seguinte, bate-se tudo em liquidificador (ou equivalente), ajustando o azeite, vinagre, água e sal de acordo com a cremosidade e o tempero pretendidos. Ao fim, se for necessário, coe para que não fique com pedaços grandes, mal batidos.
Muito obrigada, axé*! Há quem diga que jornais devem ser neutros. Pois este aqui tem cara. Muitas caras, mãos, mentes, cabeças e corações. Gente de toda cor, de todas idades, de toda religião, de todo gênero e orientação sexual, de toda etnia, crença e nacionalidade. Estas aqui são somente algumas das que participaram na construção desta edição. Esta é a nossa maneira de agradecer a todos aqueles que, continuamente, fazem com que o Rosa Maria seja real. São vocês, e cada um de vocês, a cara deste jornal.
Thank you, ase*! Some say newspapers should be neutral. Well this one has a face. Many faces, hands, minds, heads and hearts. People of all colors, of all ages, of every religion, of every gender and sexual orientation, of all ethnicity, belief and nationality. These are just a few of those who participated in the construction of this edition. This is our way of thanking all those who, continuously, make Rosa Maria real. It is you, and each one of you, the face of this newspaper. *Axé na língua Iorubá significa poder, energia, força, ou mesmo “o poder de fazer as coisas acontecerem”. *Ase in Yoruba language means power, energy, force, or even “the power of making things happen”
Como é que se faz um jornal comunitário? Com pessoas. Gente como tu e eu, que vive e trabalha no bairro, na cidade, no país. Gente que opina, escreve, fotografa, ilustra, observa e questiona. Gente que participa dos encontros, oficinas, visitas, reuniões. É assim que fazemos o Rosa Maria: entre tantos voluntários que trazem suas histórias, suas vivências, suas curiosidades, projetos e vontades. Vem também fazer parte desta grande família. Envia um email para rosamaria@renovaramouraria.pt e fica atento as redes sociais da Associação Renovar a Mouraria para saberes das próximas atividades.
How do you make a community newspaper? With people. People like you and me, who live and work in the neighborhood, in the city, in the country. People who think, write, photograph, illustrate, observe and question. People who participate in meetings, workshops, and visits. This is how we make Rosa Maria: among so many volunteers who bring their stories, their experiences, their curiosities, projects, and wishes. Come and also be part of this great family. Send an email to rosamaria@renovaramouraria.pt and watch out for the social networks of the Associação Renovar a Mouraria to know about upcoming activities.
Rosa Maria n.º 11 agosto ‘19
banda desenhada
pppp
Texto e Ilustração Nuno Saraiva
Texto: Danilo Cardoso (Brasil) Fotografia: Grupo EducAR
Por uma educação antirracista Conheça o Grupo EducAR, uma plataforma aberta, horizontal e multidisciplinar de pessoas dedicadas à Educação Antirracista por meio de três frentes de trabalho: formação, intervenção pública e produção de conteúdo. Criou-se a partir do primeiro ciclo de encontros de educadores antirracistas realizado em Lisboa entre outubro de 2018 e maio de 2019. Dezenas de participantes de diferentes cores, idades, origens, nacionalidades, profissões e posições, passaram pelos oito encontros mensais e temáticos, complementares e independentes, tendo uma exposição de rua e a construção de um manifesto inspirador e norteador como o fim e o começo. Desde o início, a coesão do grupo está na crença da urgência de uma Educação Antirracista não só na escola, mas também na universidade, não só para alunos e professores, mas para qualquer pessoa, não só em Portugal, mas em todos os espaços de produção de cultura e de po-
der. Porque a educação é um processo ininterrupto e (trans)formador onde todos nós (nos) educamos a todo momento. Todos agimos, todos sabemos, todos podemos - toda ação e todos os saberes são fundamentais e importantes. Só precisamos nos conhecer, dialogar e respeitar tanto o lugar de fala como o lugar de escuta. É preciso amplificar, humanizar e ressignificar a noção de educação para combater o racismo, obstáculo à garantia e ao gozo de direitos. Participaram já este ano da reunião do European Network Against Racism/ National Plan Against Racism (ENAR/ NAPAR), do Colóquio Nós: Capacitação, Diversidade e Inclusão Social, de uma residência de associações Distância Imaginada e organizam dois projetos de férias, em desenvolvimento: o Jardim de Verão, para pensar arte, artistas e educação antirracistas; e o OUT|AR, sobre religiões de matriz africana e racismo religioso. No segundo semestre de 2019, participarão do Festival Todos 2019 e já tem em
agenda: um seminário aberto acerca de teorias que os orientam, o segundo ciclo de encontros de educadores antirracistas, entre outubro e maio, e uma exposição voltada aos 30 anos pós-1989 em novembro sendo estes eventos na Associação Sirigaita, próximo ao Intendente.
Somos um coletivo informal e sem financiamento. Procuramos conhecer pessoas e realidades para pensar alternativas de Educação Antirracista – na teoria e na prática. Para acompanhar a atuação do Grupo EducAR, divulgar e participar das suas atividades, acessem: site/blog [grpeducar.wordpress.com], e-mail [grpeducar@gmail.com] e rede social [facebook/grpeducar]. Estamos sempre à disposição para (inter)agir. Rexistir!