CARTA-MANIFESTO EM MEMÓRIA DE DOM PHILLIPS E BRUNO PEREIRA
Ao Estado brasileiro e À Igreja Brasileira, Como Movimento Nós na Criação Abya Yala (América Latina) nos apresentamos aqui, para primeiramente demonstrar nosso profundo pesar, tristeza e revolta com os acontecimentos recentes, sentidos desde o desaparecimento anunciado no dia 05 de Junho de 2022 até a posterior constatação da morte de Dom Phillips e Bruno Pereira, na região amazônica do Vale do Javari (AM). Bruno e Dom foram mortos por traumatismo causado por munições típicas de armas de caça. Dom Phillips era britânico, jornalista, e estava no Brasil para escrever um livro sobre a Amazônia. Acompanhado pelo indigenista Bruno Pereira, licenciado da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), que trabalhava assessorando a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari). Ambos viajavam com o objetivo de colher materiais para a escrita do livro de Dom. Bruno já atuava há mais de 10 anos diretamente com os povos isolados e recém-contatados. Em segundo lugar, jogar luz e destaque aos crimes e mortes que não são casuais na região, e, não por coincidência, quando ocorrem possuem as mesmas motivações: ataque e/ou silenciamento dos que defendem direitos dos povos indígenas. Lembremos de Maxciel Pereira dos Santos, indigenista da FUNAI e defensor dos habitantes do Vale do Javari, que recebia constantemente ameaças de mortes. Em 2019 Maxciel foi assassinado na frente da esposa e da enteada. Esse cenário tem como palco as tensões da luta dos povos indígenas e ambientalistas que se opõem a garimpeiros, madeireiros ilegais e contra a expansão do agronegócio em terras que deveriam já estar demarcadas e protegidas. De acordo com o relatório anual (2020) do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) a Univaja havia expedido diversos ofícios com intuito de chamar a atenção do Poder Público tanto para a invasão de sua sede quanto para as constantes ameaças de grileiros que tentam explorar ilegalmente as terras da região e ainda denunciar missionários proselitistas que promovem contatos forçados com os grupos isolados. Abrir as terras indígenas para práticas que fujam do gerenciamento das etnias, se mostra como um exemplo claro do extermínio institucionalizado de diversos povos que são responsáveis por manter, incansavelmente, a mata e a biodiversidade preservadas nesse país, mesmo com todo histórico de invasão e exploração européia à Pindorama. Como Bruno bem já havia mencionado em entrevista à Folha de São Paulo, “tirar terra de índio, é matar índio” e, consequentemente, é matar também a terra. Segundo a CNN Brasil, o Brasil está em 4º lugar no ranking dos países que mais matam ativistas ambientais. Em janeiro de 2022, o Escritório Regional para a América do Sul da ONU Direitos Humanos emitiu um comunicado à Imprensa em que explicitamente condena os recentes assassinatos de ativistas ambientais e de defensoras/es da terra no Brasil; convoca o Estado a proteger quem defende o meio ambiente e o território e solicita realizar investigações de maneira rápida, exaustiva e imparcial. No entanto, apesar das solicitações da ONU, o Estado brasileiro permaneceu inerte, comprometendo integralmente a vida de
indígenas e defensores das florestas, mesmo com todo legado histórico de Chicos, Dorothys, Maxs, que foram assassinados por ousar desafiar a engrenagem que mata em favor do mercado da exploração. Afirmamos e denunciamos aqui que os assassinatos de Bruno e Dom não foram surpresa, são continuidade de uma política higienista genocida! E é por isso que nutridos por toda indignação, perguntamos: a gestão pública brasileira permitirá que mais defensores das causas ambientais e indígenas tenham suas vidas ceifadas por colocarem o próprio corpo no fronte de batalha para manter vivo o que faz a vida ser possível? https://acnudh.org/pt-br/cidh-e-onu-direitos-humanos-condenam-assassinatos-de-ativistas-a mbientais-e-quilombolas-no-brasil/ Não menos urgente, o apelo também se reporta à Igreja de Cristo. Essa dor precisa doer no corpo que tem por chamado anunciar as boas novas de salvação. Boas novas que trazem uma promessa de esperança, renovo e libertação de todos os seres que estão sob o jugo da opressão. A Igreja precisa assumir uma espiritualidade responsável, que conversa com todas as dimensões da vida e assumir esse lugar é também se colocar nos enfrentamentos que ameaçam a proposta de sociedade contida no projeto de Reino de Deus, que é de justiça, paz e alegria (Rm 14: 17). Portanto, não haverá justiça, enquanto as etnias da Amazônia e demais territórios tiverem suas terras usurpadas. Não haverá paz, enquanto a morte estiver à espreita da próxima voz que se levante em denúncia e não haverá alegria enquanto não houver coexistência harmônica na criação, onde todos os seres se encantem com a beleza da interdependência na casa comum. Enquanto movimento, nos levantamos em voz profética para chamar à Igreja a se reposicionar na Missão deixada por Deus: a missão de não se conformar com este mundo (sistema), mas transformá-lo, para que toda criatura viva a plenitude de vida que Deus criou. Aproveitamos também para clamar por um arrependimento desta mesma Igreja, que se calou e não se apropriou de seu lugar de veículo da encarnação do Evangelho, lutando com os irmãos e irmãs que combateram o bom combate, mas que hoje não estão mais aqui, como é o caso de Bruno e Dom. Choremos com os que choram, mas também adicionemos, com toda força que temos, na luta por transformação e justiça, assim como fez Jesus em sua passagem pela terra. Rogamos à Igreja Brasileira que incentive as suas instituições missionárias que estão nas florestas ao comprometimento de lutar, junto aos indígenas e ambientalistas, pela preservação das suas terras e cultura, prosseguindo assim a mesma luta dos que se foram, mas também dos que ainda estão aqui.
Por fim, cabe a nós, como cidadãos e cidadãs, honrar a memória de Bruno, Dom e de tantos/as defensores/as da Amazônia e de seus Povos Indígenas, ribeirinhos e extrativistas que padeceram ao longo das décadas, pela luta e pelo amor à floresta, nas urnas. O Movimento Nós na Criação expressa aqui o luto, mas também a indignação contra um projeto de morte que banaliza a vida. Brasil, 24 de junho de 2022 Dia da despedida de Bruno Pereira