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Treating Cancer With Eletrical Fields
Dr. Nichal Gentilal
Possui um mestrado Integrado em Engenharia Biomédica e Biofísica na FCUL, completo em Outubro de 2018 e um doutoramento em Engenharia Biomédica e Biofísica, iniciado em Março de 2019 e concluído em Julho de 2022, também na FCUL. Bolsa financiada pela Novocure (Israel). Desde Setembro de 2022, trabalha como Drug Product Development Scientist na Hovione. Basicamente, integrando projetos de investigação e desenvolvimento de medicamentos para inalação.
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Enquanto aluno do secundário, quais foram as expetativas que o levaram a seguir uma carreira de engenheiro biomédico e biofísico? Como se relacionam com a sua visão atual? Posto isto, no que tange esta engenharia, quais são as grandes mal interpretações, ou até mesmo, disparidades, que são frequentemente cometidas?
Na altura em que comecei a ver cursos estava bastante confuso sobre o que escolher, principalmente por falta de conhecimento acerca do que cada possibilidade me podia oferecer. Eu sabia que queria continuar na área das ciências, que era o ramo que tinha seguido no secundário, mas não tinha sequer definido se seria engenharia ou não.
Sinceramente durante vários anos, mesmo após ter entrado na faculdade, me questionei se teria sido mesmo a opção certa. Por outro lado, na altura de escolher um curso há sempre a questão de ter a média para entrar, e de certa forma isso também definia indiretamente aquilo que podia escolher. Isto tudo para dizer não sou daquelas pessoas que desde pequeno que sei exatamente aquilo que quer fazer para o resto da vida. Quando chegou a altura de escolher, optei por um mestrado integrado em engenharia biomédica e biofísica na FCUL, por ser perto de casa, por ter média, e por se enquadrar nos gostos que tinha na altura.
Nesta altura, e tendo em conta que todo o meu percurso académico me levou a um sítio em que gosto imenso do que estou a fazer e me sinto realizado, consigo ver que foi a melhor opção que podia ter to- mado. No entanto, também tenho noção que este é um curso ainda meio desconhecido em Portugal, onde poucas pessoas fora da área sabem quais são as saídas profissionais, especialmente se pretendem continuar no país.
Pelo nome do curso, a primeira coisa que vem à cabeça das pessoas provavelmente é que é algo que irá permitir à pessoa formada trabalhar num hospital, ou numa outra profissão que esteja intimamente ligada à saúde. Infelizmente, isto não é completamente verdade. A maioria das pessoas que conheço que tiraram este curso e que continuaram em Portugal ou foram trabalhar para consultoras e ficaram a programar ou seguiram para doutoramento.
No entanto, existem também (poucos) casos de pessoas que ficaram ligadas à saúde, seja através de startups ou em ambiente hospitalar a trabalhar por exemplo na manutenção de equipamentos médicos. Em Portugal, é muito comum um engenheiro biomédico ser posto num patamar onde o que é lido com mais ênfase é a parte do “engenheiro” e não a do “biomédico”.
Consequentemente, quem tira este curso normalmente desempenha as mesmas funções (especialmente em consultoras) que uma pessoa que tirou engenharia informática, engenharia química, ou qualquer outra engenharia.
Uma das suas áreas de pesquisa são os TT Fields (Tumor Treating Fields). Em que consistem? Qual é a sua importância na prática clínica e, consequentemente, vida dos pacientes?
Os TTFields foram o tema principal de estudo da minha tese de mestrado e de doutoramento. Basicamente, coloca-se uma touca com eletrodos na cabeça do paciente, injeta-se corrente elétrica e através desta gera-se um campo elétrico.
Se este campo elétrico tiver uma certa frequência e uma certa intensidade, consegue interferir com o processo mitótico das células tumorais e assim ser usado para tratamento de cancro. Esta é a ideia principal por detrás dos TTFields, que já foram aprovados pela FDA para o tratamento de glioblastoma multiforme nos EUA, sendo que também já estão a ser usados em alguns países da Europa e da Ásia para o mesmo propósito.
É importante esclarecer que quando se diz que esta é uma técnica de tratamento de cancro, a palavra tratamento deve vir entre várias aspas. Como se sabe, o glioblastoma multiforme é o tumor mais agressivo que aparece no cérebro e a esperança média de vida de um paciente com esta condição é muito reduzida.
O que os estudos clínicos mostraram foi que quando esta técnica é usada, o paciente consegue ter uma qualidade de vida superior e um ligeiro aumento da esperança média de vida comparativamente a quando não se opta por esta técnica.
E aqui entra um dos maiores contras dos TTFields: o tempo que a terapia tem de ser administrada. Idealmente, os campos elétricos são aplicados de forma constante durante todo o dia, o que faz com o que o paciente tenha de andar com um gerador de corrente elétrica consigo para todo o lado, que tenha que dormir com o aparelho a funcionar, e que tenha certos aspetos da vida mais limitados.
O preço da técnica também é outra das barreiras que limitam muito um maior uso desta terapia. As estimativas apontam que o custo seja de cerca de 21000 dólares por mês, o que é insuportável para a pessoa comum, especialmente se não tiver um seguro de saúde que cubra boa parte destas despesas.
Atualmente, o seu foco de investigação são os medicamentos de inalação. Na sua perspetiva, qual é o ponto científico ou técnico mais desafiante nesta área?
Na realidade, essa é apenas uma parte do que eu faço na Hovione. A minha posição lá é a de drug product development scientist e as minhas responsabilidades podem ser divididas em duas grandes áreas sendo uma delas a de investigação, tal como mencionaram.
No entanto, aquilo que mais gosto de fazer é sem dúvida a de trabalhar em projetos com clientes. Basicamente, a Hovione é contratada por outras empresas, muitas vezes farmacêuticas, que pedem para se desenvolver um produto com determinadas características. O meu papel é a de estudar e definir condições de processo que levam ao melhor desenvolvimento possível deste produto.
Isto envolve um contacto com vários departamentos da empresa, mas também um contacto muito próximo com os clientes e a um desafio constante de tentar arranjar uma solução para problemas inesperados.
Durante a sua carreira, decerto que já se encontrou em situações para as quais atualmente a investigação e o conhecimento científico são insatisfatórios. A seu ver, quais são as temáticas que urgem atenção e mobilização de recursos?
Isto é um dos temas mais sensíveis para quem faz investigação e especialmente para quem fez/quer fazer um doutoramento em Portugal. Quem realmente gosta e quer continuar a carreira de investigação em meio académico é muitas vezes sujeito a ter de se candidatar a uma vaga de professor universitário, o que só por si já é um grande desafio devido ao número muito limitado de vagas que existem.
Por outro lado, a alternativa é concorrer a bolsas de pos-doc, que na prática são contratos de investigação com uma duração média de 3 ou 4 anos. Claramente, esta opção não é viável a longo prazo para a maioria das pessoas devido à instabilidade e incerteza associadas.
No entanto, a falta de uma carreira profissional dedicada apenas à investigação é só um dos fatores que me fez desmotivar ao longo do meu percurso académico. O outro, e talvez o mais comum de quem trabalha no mundo cientifico, é todo o processo envolvido na publicação dos resultados que se obtêm.
Na prática, um investigador é avaliado pelo número de citações que os seus papers têm, mas todo o processo de publicação de um bom artigo científico é muito demorado e exigente. Quem publica, não recebe nada por isso para além de um possível reconhecimento científico que pode demorar anos a ser obtido.
Eu percebo e aceito a premissa dos autores não receberem dinheiro, porque a ciência, especialmente em meio académico, não deve ser vista como um negócio.
No entanto, não concordo com o facto das editoras e dos jornais científicos pedirem valores absurdos para os leitores interessados terem acesso a estes papers, numa altura em que os custos de publicação são cada vez mais reduzidos e mais digitalizados.
Mesmo o processo de revisão de artigos é feito de forma gratuita por especialistas na área que abdicam do seu tempo livre para que a ciência avance.
Por último, enquanto investigador, quais são as recomendações que tem para os leitores desta revista, futuros médicos, na sua prática clínica?
Um médico tipicamente tem um dia-a-dia em que está a acontecer muita coisa ao mesmo tempo, tem um número exagerado de pacientes para atender o que exige uma ginástica mental absurda e ainda por cima não é recompensado devidamente por todo o esforço que coloca no trabalho.
Tendo isto em conta, é normal que ao final do dia, um médico não queira ir ler papers científicos para se pôr a par do tratamento inovador que apresentou resultados promissores a semana passada. No entanto, acho que é importante manter sempre um espírito crítico relativamente às coisas.
Só porque algo sempre foi feito de uma certa maneira, não quer dizer que seja a melhor solução nem que se aplique a todos os casos. Como se sabe, um médico muitas vezes é visto como alguém que tem que ter a resposta na ponta da língua, mas às vezes é necessário parar um pouco e pensar sobre o que está a acontecer à nossa volta.
Queria também aproveitar esta ocasião para deixar uma mensagem que acho que é importante as pessoas não esquecerem, especialmente pessoas que têm de lidar no seu dia-a-dia com doentes e em ambientes em que está muita coisa a acontecer ao mesmo tempo: ninguém consegue dar 100% de si o tempo inteiro e não sofrer com isso.
Para os médicos, e na realidade qualquer pessoa, exercerem a sua profissão da melhor forma possível precisam de desanuviar, o que muitas vezes permite pôr as situações em perspetiva e encontrar soluções para os problemas.
Isto permite também que a pessoa mantenha a motivação porque tem outras coisas em que se agarrar quando algo no trabalho não corre bem.