Interface - Comunicação, Saúde, Educação é uma publicação interdisciplinar, trimestral, editada pela Unesp (Laboratório de Educação e Comunicação em Saúde, Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu e Instituto de Biociências de Botucatu), dirigida para a Educação e a Comunicação nas práticas de saúde, a formação de profissionais de saúde (universitária e continuada) e a Saúde Coletiva em sua articulação com a Filosofia e as Ciências Sociais e Humanas. Dá-se ênfase à pesquisa qualitativa. Interface - Comunicação, Saúde, Educação is an interdisciplinary, quarterly publication of Unesp - São Paulo State University (Laboratory of Education and Communication in Health, Department of Public Health, Botucatu Medical School and Botucatu Biosciences Institute), focused on Education and Communication in the healthcare practices, Health Professional Education (Higher Education and Inservice Education) and the interface of Public Health with Philosophy and Human and Social Sciences. Qualitative research is emphasized. Interface - Comunicação, Saúde, Educação es una publicación interdisciplinar, trimestral, de Unesp – Universidad Estadual Paulista (Laboratorio de Educación y Comunicación en Salud, Departamento de Salud Pública de la Facultad de Ciencias Medicas, e Instituto de Biociencias, campus de Botucatu), destinada a la Educación y la Comunicación en las practicas de salud, la formación de los profesionales de salud (universitaria y continuada) y a la Salud Colectiva en su articulación con la Filosofía y las Ciencias Humanas y Sociales. Enfatiza la investigación cualitativa.
EDITORES/EDITORS/EDITORES Antonio Pithon Cyrino, Unesp Lilia Blima Schraiber, USP EDITORA SENIOR/SENIOR EDITOR/EDITORA SENIOR Miriam Celí Pimentel Porto Foresti, Unesp EDITORAS ASSISTENTES/ ASSISTENT EDITORS/ EDITORAS ASISTENTES Denise Martin Covielo, Unifesp Vera Lúcia Garcia, Interface - Comunicação, Saúde, Educação Editores convidados PET-SAúde/Invited editors/ EDITORES CONVIDADOS Alcindo Antônio Ferla, UFRGS Angélica Maria Bicudo, Unicamp Cristina Maria Garcia de Lima Parada, Unesp Flavio Adriano Borges Melo, USP Maria Antônia Ramos Azevedo, Unesp Maria de Fátima Lima Santos, UFRJ Sylvia Helena Souza da Silva Batista, Unifesp Tiago Rocha Pinto, EMCM/RN Colaboração Especial/SPECIAL COLLABORATIONS/ COLABORACIÓN ESPECIAL Eliana Goldfarb Cyrino, SGTES/MS Mara Regina Lemes De Sordi, Unicamp EDITORES DE AREA/ÁREA EDITORS/EDITORES DE ÁREA Ana Flávia Pires Lucas D’Oliveira, USP Charles Dalcanale Tesser, UFSC Claudio Bertolli Filho, Unesp Eliana Goldfarb Cyrino, Unesp Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli, USP Janine Miranda Cardoso, FioCruz Maria Antônia Ramos Azevedo, Unesp Maria Dionísia do Amaral Dias, Unesp Neusi Aparecida Navas Berbel, UEL Roseli Esquerdo Lopes, Ufscar Silvio Yasui, Unesp Sylvia Helena Souza da Silva Batista, Unifesp Victoria Maria Brant Ribeiro, UFRJ Editora de Resenhas/ Reviews Editor /Editora de Reseñas Francini Lube Guizardi, Fiocruz
Editora de Criação/Creation Editor/Editora de Creación Elisabeth Maria Freire de Araújo Lima, USP Equipe de Criação/Creation staff/Equipo de Creación Eduardo Augusto Alves Almeida, USP Eliane Dias de Castro, USP Gisele Dozono Asanuma, USP Paula Carpinetti Aversa, USP Renata Monteiro Buelau, USP EDITORA EXECUTIVA/EXECUTIVE EDITOR/EDITORA EJECUTIVA Mônica Leopardi Bosco de Azevedo, Interface - Comunicação, Saúde, Educação PROJETO GRÁFICO/GRAPHIC DESIGN/PROYECTO GRÁFICO Projeto gráfico-textual/Graphic textual project/Proyecto gráfico-textual Adriana Ribeiro, Interface - Comunicação, Saúde, Educação Identidade visual/Visual identity/Identidad visual Érica Cezarini Cardoso, Desígnio Ecodesign Editoração Eletrônica/Journal design and layout/Editoración electrónica Adriana Ribeiro PRODUÇÃO EDITORIAL/EDITORIAL PRODUCTION/ PRODUCCIÓN EDITORIAL Assistente administrativo/Administrative assistent/Asistente administrativo Juliana Freitas Oliveira Normalização/Normalization/Normalización Enilze de Souza Nogueira Volpato Luciene Pizzani Rosemary Cristina da Silva Revisão de textos/Text revision/Revisión de textos Angela Castello Branco (Português/Portuguese/Potugués) David Elliff (Inglês/English/Inglés) María Carbajal (Espanhol/Spanish/Español) Web design IDETEC Manutenção do website/Website support/ Manutención del sitio Nieli de Lima
Capa/Cover/Portada: Cenas de projetos PET Saúde. Imagens cedidas pelos autores deste suplemento, criação de Eduardo Almeida.
Saúde Pública
Educação interprofissi o
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Políticas Públicas de Saúde
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Saúde
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Atenção Primária à Saúde
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Capacitação docente
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Redução de danos
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Vigilância em Saúde
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO 2015; 19 Supl 1
Intersetorialidade
Int
educação
e
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Educação permanente
Foto: Rita de Cássia Ribeiro Gonçalves
ISSN 1807-5762
Interface - comunicação, saúde, educação/ Unesp, 2015; 19 Supl 1 Botucatu, SP: Unesp Trimestral ISSN 1807-5762 1. Comunicação e Educação 2. Educação em Saúde 3. Comunicação e Saúde 4. Ciências da Educação 5. Ciências Sociais e Saúde 6. Filosofia e Saúde I Unesp Filiada à A
B
E
C
Associação Brasileira de Editores Científicos
comunicação
685
apresentação
687
editorial artigos
695
Tematizar o impacto na educação pelo trabalho em saúde: abrir gavetas, enunciar perguntas, escrever
Renata Castro Gusmão; Ricardo Burg Ceccim; Maria de Lourdes Drachler
709
PET-Saúde: micropolítica, formação e o trabalho em saúde
817
O potencial da avaliação formativa nos processos de mudança da formação dos profissionais da saúde
Mara Regina Lemes De Sordi; César Vinicius Miranda Lopes; Sidney Marcel Domingues; Eliana Goldfarb Cyrino
743
Formação em Saúde: reflexões a partir dos Programas Pró-Saúde e PET-Saúde
Sylvia Helena Souza da Silva Batista; Beatriz Jansen; Elaine Quedas de Assis; Maria Inês Barreiros Senna; Geraldo Cunha Cury
753
831
765
Com a palavra, o trabalhador da Atenção Primária à Saúde: potencialidades e desafios nas práticas educacionais Tiago Rocha Pinto; Eliana Goldfarb Cyrino
779
Desafios e possibilidades no exercício da preceptoria do Pró-PET-Saúde
Patrícia Acioli de Barros Lima; Célia Alves Rozendo
793
Contribuições do PET-Saúde/Redes de Atenção Psicossocial à Saúde da Família
Larissa de Almeida Rézio; Thais Nagano Moro; Samira Reschetti Marcon; Cinira Magali Fortuna
ISSN 1807-5762
O PET-Saúde da Família e a formação de profissionais da saúde: a percepção de estudantes
Educação interprofissional no Programa PETSaúde: a percepção de tutores
Reorientação na formação de cirurgiões-dentistas: o olhar dos preceptores sobre estágios supervisionados no Sistema Único de Saúde (SUS) Franklin Delano Soares Forte; Talitha Rodrigues Ribeiro Fernandes Pessoa; Claudia Helena Soares Morais Freitas; Camila Araujo Lins Pereira; Paulo Marcondes Carvalho Junior
845
Interferências criativas na relação ensino-serviço: itinerários de um Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) Mírian Ribeiro Conceição; Maria Cristina Gonçalves Vicentin; Bianca Mara Maruco Lins Leal; Marcos Martins do Amaral; Andreia Badan Fischer; Edna Maria Peters Kahhale; Elisa Zaneratto Rosa; Jussara Spolaor; Debora Saes
857
Modos de cuidar e educar a partir do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde
Vitória Solange Coelho Ferreira; Cristina Setenta Andrade; Ana Maria Dourado Lavinsky Fontes; Maria da Conceição Filgueiras de Araújo; Soraya Dantas Santiago dos Anjos
869
Percepção de monitores do PET-Saúde sobre sua formação e trabalho em equipe interdisciplinar Simone Cardoso Lisboa Pereira; Vanessa de Oliveira Martins Reis; Célia Regina Moreira Lanza; Ivana Montandon Soares Aleixo; Monica Maria de Almeida Vasconcelos
O Pró-PET-Saúde frente aos desafios do processo de formação profissional em saúde Marcelo Viana da Costa; Flávio Adriano Borges
2015; 19 Supl 1
Ana Maria Chagas Sette Camara; Suely Grosseman; Diana Lucia Moura Pinho
Kathleen Tereza da Cruz; Emerson Elias Merhy; Maria de Fátima Lima Santos; Maria Paula Cerqueira Gomes
731
educação
Luciana Margarida de Santana Madruga; Kátia Suely Queiroz Silva Ribeiro; Cláudia Helena Soares de Morais Freitas; Ingrid de Almeida Becerra Pérez; Talitha Rodrigues Ribeiro Fernandes Pessoa; Geraldo Eduardo Guedes de Brito
Pró-Saúde e PET-Saúde como espaços de educação interprofissional
Marcelo Viana da Costa; Karina Pavão Patrício; Ana Maria Chagas Sette Câmara; George Dantas Azevedo; Sylvia Helena Souza da Silva Batista
721
805
saúde
879
A intersetorialidade como estratégia para promoção da saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes
Elza de Fátima Ribeiro Higa; Fernando Henrique Bertolin; Larissa Fernandes Maringolo; Thais Fernanda Silva Almeida Ribeiro; Liliana Harumi Kuabara Ferreira; Vanessa Aparecida Sanches Campassi de Oliveira
espaço aberto 893
PET-Saúde: uma experiência potencialmente transformadora no ensino de graduação
Marize Melo dos Santos; Otacílio Batista de Sousa Nétto; José Ivo dos Santos Pedrosa; Lúcia da Silva Vilarinho
903
Nós em rede: vivências da parceria ensino-serviço produzidas pelo Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde Rita de Cássia Ribeiro Gonçalves; Luana Gaigher Gonçalves; Luanna Covre; Welington Serra Lazarini; Maristela Dalbello-Araujo
913
Indicadores e Rede de Atenção: uma experiência do Programa de Educação pelo Trabalho em Vigilância em Saúde
Selma Regina de Andrade; Ana Cristina Vidor; Janara Caroline Ribeiro; Cely Edna Pereira Ribeiro
923
941
965
Grupo PET-Saúde/Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário: vivência compartilhada
Maria de Fátima Ferreira Queiróz; Ana Paula Nunes Viveiros Valeiras; Rafaela dos Santos Lerin; Francine de Souza Lino; Vivian de Castro Pires Fornazier; Ubiratan de Souza Dias Junior; Vinicius Akio Yano; Juliana Rebecca Capelletti Imperatore Nogueira
Grupo Informativo: estratégia de redução de danos para pessoas apreendidas por consumo/ porte de drogas ilícitas Leila de Oliveira Pinto; Daniele Jesus de Oliveira; Fabia Maria Ribeiro Duarte
975
Saúde e educação pelo trabalho: reflexões acerca do PET-Saúde como proposta de formação para o Sistema Único de Saúde André Luís Façanha da Silva; Marcos Aguiar Ribeiro; Geilson Mendes de Paiva; Cibelly Aliny Siqueira Lima Freitas; Izabelle Mont’Alverne Napoleão Albuquerque
985
Formação em saúde e produção de vínculo: uma experiência PET-Saúde na rede de Niterói, RJ, Brasil
Carla de Gouvêa dos Santos; Fernanda Tosta de Alcântara Portugal; Maria Alice Bastos Silva; Ândrea Cardoso de Souza; Ana Lúcia Abrahão
995
Construindo saberes no trabalho em saúde mental: experiências de formação em saúde
Roberta Pereira Furtado da Rosa; Ana Lúcia Freitas de Andrade; Sheila Prado de Oliveira; Arthur Gomes Leite da Silva; Arthur Marilac Ferreira; Juliana de Sousa Inácio; Sandra Maria dos Santos da Silva Araújo
PET-Redes de atenção à saúde indígena: além dos muros da universidade, uma reflexão sobre saberes e práticas em saúde
Maria Rita Macedo Cuervo; Mariane Brusque Radke; Elaine Maria Riegel
Avaliação do Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde - PET-Saúde/Vigilância em Saúde pelos seus atores Liziane Maahs Flores; Ana Luiza Trindade; Daiane Rodrigues de Loreto; Beatriz Unfer; Marinel Mór Dall’Agnol
931
953
Integralidade e redes de cuidado: uma experiência do PET-Saúde/Rede de Atenção Psicossocial
Maria Lenz Cesar Kemper; Jessica Prado de Almeida Martins; Sabrina Felipe Serra Monteiro; Thaisa da Silva Pinto; Fernanda Resende Walter
1005
A experiência de alunos do PET-Saúde com a saúde indígena e o programa Mais Médicos
Reijane Pinheiro da Silva; Aline Costa Barcelos; Bruno Queiroz Luz Hirano; Renata Sottomaior Izzo; Jaqueline Medeiros Silva Calafate; Tássio de Oliveira Soares
comunicação
686
691
presentation
Thematizing the impact of health work on education: opening drawers, enunciating questions, and writing
Renata Castro Gusmão; Ricardo Burg Ceccim; Maria de Lourdes Drachler
709
721
817
831
845
PET-Health: micro-policy, education, and health work
The potential of formative evaluation on the change processes of professional healthcare education
Education in Health: reflections from the ProHealth and PET-Health Programs
Sylvia Helena Souza da Silva Batista; Beatriz Jansen; Elaine Quedas de Assis; Maria Inês Barreiros Senna; Geraldo Cunha Cury
753
The Pro-PET-Health and the challenges of the professional education in health Marcelo Viana da Costa; Flávio Adriano Borges
765
Listening to the primary health care worker: potential and challenges in educational practices Tiago Rocha Pinto; Eliana Goldfarb Cyrino
779
Challenges and opportunities in the Pró-PETHealth preceptorship
Patrícia Acioli de Barros Lima; Célia Alves Rozendo
793
Contributions of the PET-Health/Psychosocial Healthcare Networks to Family Healthcare Larissa de Almeida Rézio; Thais Nagano Moro; Samira Reschetti Marcon; Cinira Magali Fortuna
The PET-Family Health and the education of health professionals: students’ perspectives
Interprofessional education in the PET-Health Program: perception of tutors
Reorienting dental education: the preceptor’s view of supervised internship in the Brazilian Health System (SUS)
Creative interference in the teaching-service relationship: itineraries of an Education by Work for Health Program (PET-Health)
Mírian Ribeiro Conceição; Maria Cristina Gonçalves Vicentin; Bianca Mara Maruco Lins Leal; Marcos Martins do Amaral; Andreia Badan Fischer; Edna Maria Peters Kahhale; Elisa Zaneratto Rosa; Jussara Spolaor; Debora Saes
857
Healthcare and education from the Education by Work for Health Program
Vitória Solange Coelho Ferreira; Cristina Setenta Andrade; Ana Maria Dourado Lavinsky Fontes; Maria da Conceição Filgueiras de Araújo; Soraya Dantas Santiago dos Anjos
Mara Regina Lemes De Sordi; César Vinicius Miranda Lopes; Sidney Marcel Domingues; Eliana Goldfarb Cyrino
743
ISSN 1807-5762
Franklin Delano Soares Forte; Talitha Rodrigues Ribeiro Fernandes Pessoa; Claudia Helena Soares Morais Freitas; Camila Araujo Lins Pereira; Paulo Marcondes Carvalho Junior
Kathleen Tereza da Cruz; Emerson Elias Merhy; Maria de Fátima Lima Santos; Maria Paula Cerqueira Gomes
731
2015; 19 Supl 1
Ana Maria Chagas Sette Camara; Suely Grosseman; Diana Lucia Moura Pinho
Pro-Health and PET-Health as interprofessional education spaces Marcelo Viana da Costa; Karina Pavão Patrício; Ana Maria Chagas Sette Câmara; George Dantas Azevedo; Sylvia Helena Souza da Silva Batista
educação
Luciana Margarida de Santana Madruga; Kátia Suely Queiroz Silva Ribeiro; Cláudia Helena Soares de Morais Freitas; Ingrid de Almeida Becerra Pérez; Talitha Rodrigues Ribeiro Fernandes Pessoa; Geraldo Eduardo Guedes de Brito
editorial articles
695
805
saúde
869
PET-Health monitors perceptions regarding their education and interdisciplinary teamwork
Simone Cardoso Lisboa Pereira; Vanessa de Oliveira Martins Reis; Célia Regina Moreira Lanza; Ivana Montandon Soares Aleixo; Monica Maria de Almeida Vasconcelos
879
Intersectorality as a strategy for promoting adolescent sexual and reproductive health
Elza de Fátima Ribeiro Higa; Fernando Henrique Bertolin; Larissa Fernandes Maringolo; Thais Fernanda Silva Almeida Ribeiro; Liliana Harumi Kuabara Ferreira; Vanessa Aparecida Sanches Campassi de Oliveira
open space 893
PET-Health: a potentially transforming experience in the undergraduate course Marize Melo dos Santos; Otacílio Batista de Sousa Nétto; José Ivo dos Santos Pedrosa; Lúcia da Silva Vilarinho
903
Experiences of the teachin-service integration produced by the Education by Work for Health Program (PET-Health Networks)
Rita de Cássia Ribeiro Gonçalves; Luana Gaigher Gonçalves; Luanna Covre; Welington Serra Lazarini; Maristela Dalbello-Araujo
913
Indicators and Care Network: an experience of the Education for Work in Health Surveillance Program
Selma Regina de Andrade; Ana Cristina Vidor; Janara Caroline Ribeiro; Cely Edna Pereira Ribeiro
923
941
965
PET-Health/Surveillance of port workers: a shared experience Maria de Fátima Ferreira Queiróz; Ana Paula Nunes Viveiros Valeiras; Rafaela dos Santos Lerin; Francine de Souza Lino; Vivian de Castro Pires Fornazier; Ubiratan de Souza Dias Junior; Vinicius Akio Yano; Juliana Rebecca Capelletti Imperatore Nogueira
Informative group: harm reduction strategies for people apprehended for illicit drug consumption and/or possession Leila de Oliveira Pinto; Daniele Jesus de Oliveira; Fabia Maria Ribeiro Duarte
975
Health and education by work: reflections about the PET-Health as an educational proposal for the Brazilian Health System André Luís Façanha da Silva; Marcos Aguiar Ribeiro; Geilson Mendes de Paiva; Cibelly Aliny Siqueira Lima Freitas; Izabelle Mont’Alverne Napoleão Albuquerque
985
995
Constructing knowledge in mental health work: experiences of health education
Roberta Pereira Furtado da Rosa; Ana Lúcia Freitas de Andrade; Sheila Prado de Oliveira; Arthur Gomes Leite da Silva; Arthur Marilac Ferreira; Juliana de Sousa Inácio; Sandra Maria dos Santos da Silva Araújo
PET-Health/Networks for indigenous people: beyond the university, a reflection on knowledge and health practices
Maria Rita Macedo Cuervo; Mariane Brusque Radke; Elaine Maria Riegel
Evaluation of the Education by Work for Health Program PET-Health/Surveillance Public Health by their participants Liziane Maahs Flores; Ana Luiza Trindade; Daiane Rodrigues de Loreto; Beatriz Unfer; Marinel Mór Dall’Agnol
931
953
Health education and bonding: an experience with Education by Work for Health Program (PETHealth) in the health service network of Niterói, Rio de Janeiro State, Brazil Carla de Gouvêa dos Santos; Fernanda Tosta de Alcântara Portugal; Maria Alice Bastos Silva; Ândrea Cardoso de Souza; Ana Lúcia Abrahão
Comprehensive and care networks: experience in PET-Health/Health Attention Networks Maria Lenz Cesar Kemper; Jessica Prado de Almeida Martins; Sabrina Felipe Serra Monteiro; Thaisa da Silva Pinto; Fernanda Resende Walter
1005
The experience of PET-Health students with indigenous health and the More Doctors Program Reijane Pinheiro da Silva; Aline Costa Barcelos; Bruno Queiroz Luz Hirano; Renata Sottomaior Izzo; Jaqueline Medeiros Silva Calafate; Tássio de Oliveira Soares
DOI: 10.1590/1807-57622015.0447
apresentação
É uma honra abrir uma produção construída, elaborada com tamanha dedicação e intensidade, como este Suplemento da revista Interface sobre “Experiências exitosas de formação em Saúde nas Redes de Atenção à Saúde e a interprofissionalidade: os grupos PET-Saúde e a mudança nos cursos de graduação em Saúde.” Muito pelo esforço de todo o coletivo que esteve envolvido com a produção editorial do suplemento; mais por todas as mãos que tomaram para si o desafio de narrar e refletir sobre as experiências contidas nas centenas de trabalhos enviados. E mais ainda pelas ações, afetações e reflexões produzidas e vividas por milhares de pessoas que constroem os PET-Saúde e os Pró-Saúde no dia a dia. E, sinceramente, com o tipo de vivência que o PET-Saúde proporciona, não se poderia esperar nada diferente. Ele mobiliza sujeitos e coletivos com diferentes expectativas, mas todos com iniciativa e desejo de fazer avançar a atenção e educação em saúde. Transitar pelos trabalhos presentes nesta publicação revela para nós sujeitos comprometidos com a construção de cenários inovadores de práticas de saúde integrais e generosas, com tanta capacidade de cuidar quanto de educar todos os envolvidos – trabalhadores, usuários, estudantes e docentes; sujeitos comprometidos com a experimentação de modos de pensar e constituir o percurso formativo em serviço e a partir do serviço, mobilizando importante processo de educação permanente a influenciar positivamente tanto a graduação quanto a residência; sujeitos comprometidos com a intervenção nos modos como os serviços se organizam, como coletivos organizados para cuidar da saúde e para desenvolver, enquanto profissionais e seres humanos, os sujeitos que cotidianamente atuam no serviço; em síntese, sujeitos prontos a experimentar, aprender com o fazer, acumular forças e contagiar sujeitos para repensarem e transformarem os modos de ensinar, pesquisar e construir as relações da escola com o SUS. Todas essas experiências e todos esses estudos parecem engrossar o caldo de cultura que aponta para um agir cada vez mais potente e comprometido com importantes mudanças e transformações a serem efetivadas em nossas escolas de formação de profissionais de saúde. Cada vez mais os PETSaúde precisam deixar de ser vivências de alguns, embora muitos, para serem práticas cotidianas do conjunto dos estudantes e professores; precisam deixar de ser ações paralelas ou semi-integradas aos currículos e se traduzirem em inovações permanentes no processo de formação dos educandos; precisam deixar de ser exemplos de serviços de saúde que se beneficiam da boa relação de seus trabalhadores com docentes comprometidos e dedicados e passarem a ser expressão de relações e modos de organização estáveis e sustentáveis entre escola e serviço. E o momento que vivemos é oportuno. Somam-se à luta que vem sendo desenvolvida nas últimas décadas de mudança nos cursos de graduação em saúde, os novos instrumentos da Lei 12.871 que criou o Programa Mais Médicos e concedeu ao Estado brasileiro ferramentas inovadoras para orientar a formação dos profissionais de saúde conforme as necessidades do SUS e da população brasileira. Ressalto a expressão “profissionais de saúde” pois a Lei dá condições de fazer avançar a formação não só dos futuros médicos, mas de todos os profissionais da área. Vivemos um momento muito rico, de implantação de novas Diretrizes Curriculares, de qualificação da avaliação de educandos e instituições, de maior integração ensino-serviço, de inovação da formação nos diversos campos da prática de saúde e de ampliação de programas de residência - médica e multiprofissional. Tudo isso exigirá cada vez mais uma rede de saúde cuidadora e educadora e o desafio do PET-Saúde é refletir sobre si mesmo e se pensar como parte integrante e fortalecedor deste amplo movimento! Eis um bom desafio para os milhares de sujeitos e coletivos que ousam se reinventar a cada dia para a construção de práticas de cuidado e educação cada vez mais comprometidas com a produção de vida. Hêider Aurélio Pinto Secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde-SGTES/Ministério da Saúde
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
2015; 19 Supl 1:685
685
DOI: 10.1590/1807-57622015.0447
presentation
It’s a honor to present a scientific publication that has been prepared and constructed with such intense dedication as this supplement of Interface on “Successful healthcare educational experiences within healthcare networks and interprofessionalism: PET-Saúde groups and the change on the undergraduate healthcare courses.” Much of this is due to the efforts made by the entire team involved with the editorial production of the supplement; more of this is due to all the hands that took up the challenge of writing up and reflecting on the experiences contained in the hundreds of studies sent in; and even more so, through the actions, emotions and reflections produced and experienced by the thousands of people who are constructing PET-Saúde and Pró-Saúde within the day-to-day routine. And, sincerely, with the type of experience that PET-Saúde provides, what else could be expected? It mobilizes individuals and groups with different expectations, but all with initiative and the desire to move health education and care forward. Looking through the studies presented in this issue reveals individuals who are committed to constructing innovative scenarios for generous comprehensive healthcare practices, with the capacity both to care for and to educate all those involved: workers, users, students and teachers. These are individuals with a commitment towards experimenting with ways of thinking about and constituting educational paths that are conducted in-service and starting from the service, thereby mobilizing an important process of continuing education, so as to positively influence both at the undergraduate and the residency level. These individuals have a commitment to intervene in the way that services are organized, as collective entities for caring for health and for developing the individuals who work in these services every day, as professionals and human beings. In short, these are individuals who are prepared to experiment, to learn from what they do, to gather strength and to enthuse people to rethink and transform their ways of teaching, doing research and constructing relationships between the school and SUS. All these experiences and all these studies seem to thicken the cultural broth that leads towards action of increasing power that is committed to the important changes and transformations that are to be effected in Brazilian teaching institutions for healthcare professionals. PET-Saúde increasingly needs to cease to be the experience of only some people, even though this is large number, so that it can become the daily practice of all students and teachers. It needs to cease to consist of actions that are parallel to or only partly integrated with the curriculum, so as to become translated as continual innovation within the student training process. It also needs to cease to be an example of healthcare services that are benefited simply through the good relationship between its workers and teachers who are committed and dedicated and to start to be an expression of stable and sustainable relationships and ways of organization between teaching institutions and healthcare services. This is a timely moment. The new instruments of Law 12871, which created the “More Doctors” program and gave to the Brazilian State innovative tools for guiding the education of healthcare professionals in accordance with the needs of the Brazilian Health System (SUS) and the Brazilian population, have added to the struggle for changes to undergraduate healthcare courses that has been developed over recent decades. The expression “healthcare professionals” should be emphasized because this law provides the conditions for education to be moved forward, not only for future doctors but also for all profesionals in this field. We are going through a very rewarding time, with implementation of new curricular guidelines, qualified assessments on students and institutions, greater integration between teaching and service, innovative education within different fields of healthcare practice and expansion of residency programs (both medical and multiprofessional). All of this will require a healthcare network that is increasingly caring and educative. The challenge of PET-Saúde is to adopt a reflective approach so as to envisage being an integral and strength-providing part of this broad movement. This is a good challenge for the thousands of individuals and groups that dare to reinvent themselves every day in order to construct care and education practices that are increasingly committed towards production of life. Hêider Aurélio Pinto General Secretary for Healthcare Work and Education (SGTES), Ministry of Health
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
2015; 19 Supl 1:686
686
DOI: 10.1590/1807-57622015.0583
editorial
Olhares avaliativos informais: o PET-Saúde - Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - em tela Há sempre uma multiplicidade de olhares possíveis quando se intenciona avaliar um programa de governo. Várias ênfases podem ser escolhidas e nos ajudarão a perceber as repercussões de programas que respaldam políticas públicas de interesse social tais como as da saúde e da educação, entre outras. Devidamente referenciadas aos objetivos que justificam a formulação dos programas, muitas formas de avaliação podem ser concebidas, diversificando os ângulos de análise dos fenômenos. Olhares avaliativos ora mais estruturados e formais, ora informais, tentando capturar a adesão dos atores institucionais implicados em programas, tais como o Pró-Saúde e o PET-Saúde, que buscam reorientar o eixo da formação dos profissionais da saúde. No momento em que esta chamada pública de artigos para Suplemento temático e livro foi lançada, em julho de 2014, havia 902 grupos PET-Saúde em desenvolvimento, com 15.975 bolsistas entre estudantes, trabalhadores universitários da saúde (preceptores) e professores das diversas instituições de ensino superior (tutores e coordenadores) de todos os estados da federação brasileira. A publicação do dossiê e do suplemento sobre o PET-Saúde (Pró-Saúde e PETSaúde, PET-Saúde /Vigilância em Saúde, PET-Saúde/ Redes) que visou incentivar a produção sobre a formação nas graduações em saúde nas redes de atenção à saúde e a interprofissionalidade no Sistema Único de Saúde (SUS), na perspectiva da produção compartilhada nos processos de ensino e experimentação no âmbito do SUS, promovendo o diálogo entre saberes, a integralidade do cuidado e o protagonismo dos usuários - despertou o interesse em exercitar nosso olhar avaliativo e buscar evidências indiretas que pudessem traduzir como tais programas têm impactado os cenários de aprendizagem em saúde e as práticas de atenção à saúde. Para tal nos debruçamos sobre a totalidade de submissões recebidas em atenção ao edital. Foram 397 manuscritos submetidos, com aprovação de 28 manuscritos para a revista Interface e 53 manuscritos para a coletânea no formato de livro, pela editora da Rede Unida (Série Vivências e Educação em Saúde). Independente dos trabalhos encaminhados terem sido ou não selecionados para publicação (dadas as exigências formais e os limites de espaço disponíveis) chamou nossa atenção a forma como a comunidade reagiu ao chamamento para compartilhar suas intervenções, implicações e provocações na mudança de currículos e das práticas nos serviços e redes de atenção à saúde, pesquisas, reflexões críticas e experiências derivadas da adesão ao PET-Saúde. Um número expressivo de submissões nos fala da importância que este programa tem na realidade das instituições de ensino e dos serviços de saúde. Ler os trabalhos selecionados como tradutores das repercussões positivas do PET-Saúde no cotidiano dos serviços e das escolas de saúde, assim como explicitadores dos pontos vulneráveis que afetam a sustentabilidade do programa, constituiu-se momento impar e de grande celebração. Ao apreciarmos as experiências que não puderam ganhar visibilidade nos limites das publicações ora em tela, intensificouse nossa confiança na potência desses programas como indutores de mudanças qualificadas no eixo da formação dos profissionais da saúde. Um grande número de profissionais da saúde, diferentemente situados, decidiram socializar avanços, limites, desafios do viver o PET-Saúde de modo implicado. Profissionais e estudantes que corajosamente se engajaram no processo de mudar o eixo da formação em saúde. Reportaram-se direta COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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ou indiretamente à meta de uma rede colaborativa em saúde fortemente comprometida com a sustentação do SUS e com as Diretrizes Curriculares Nacionais da área, como atestam os resumos dos trabalhos examinados. Relatos produzidos por estudantes bolsistas PET-Saúde isoladamente ou em conjunto com trabalhadores da saúde (preceptores do PET-Saúde) e professores (tutores e coordenadores do PET-Saúde) registram experiências vividas ou resultados de pesquisas visando alavancar as categorias-chave do programa, tais como a educação interprofissional; a educação permanente; a relação, articulação, interação e integração ensino e serviços de saúde na formação pelo trabalho; a mobilização para mudanças curriculares nos cursos da saúde; a construção conjunta de projetos de intervenção entre instituições de ensino, gestores, trabalhadores da saúde e comunidade; o cuidado em redes de atenção; a construção de relações horizontais e com maior autonomia dos usuários dos serviços, dos pacientes, famílias e comunidade; a perspectiva do trabalho nas redes de atenção; e a vigilância em saúde. Predominam trabalhos qualitativos com diversidade de abordagens metodológicas que incluem múltiplos respondentes desde profissionais da saúde, lideranças populares, acadêmicos, comunidade. Todos, de algum modo, chamados a vocalizar o que pensam sobre o alcance do PET-Saúde. Os objetivos proclamados que norteiam os trabalhos (pesquisas ou relatos de experiências) concentram-se no desejo de potencializar a atenção básica como ordenadora do cuidado; subsidiar uma formação inovadora com a visão de território formativo; e processos de ensino a partir da educação interprofissional como campo de aprendizagem, diálogo e de negociação de sentidos e troca de saberes e afetos. Observa-se certa prevalência de trabalhos que focam mais os efeitos do PET-Saúde do que as contribuições do Pró-Saúde. Alguns temas mostram-se fortemente enviesados pela pesquisa, sem relação direta com o interesse maior do programa consoante às politicas indutoras em tela e a decorrente mudança dos processos formativos em saúde. Mesmo assim subsidiam a avaliação informal do programa, anunciando vulnerabilidades que podem estar presentes no formato dos editais e que tendem a ser sanadas via avaliação formativa, tônica que rege as visitas in loco desenvolvidas pelos assessores do Ministério da Saúde. O que importa, no entanto, é não subestimar a mensagem presente nos inúmeros trabalhos submetidos que versam sobre o sentimento de que o PETSaúde se constitui numa experiência de formação exitosa para os acadêmicos, ampliando conhecimento sobre saúde e gerando direcionamento do interesse profissional para o contexto da integração ensino-serviço, redes de atenção, vigilância e o trabalho no SUS. Como desconsiderar testemunhos de que o programa induz/produz compromisso com a melhoria dos serviços da saúde na perspectiva da integralidade do cuidado? Que promove certa mudança na micropolítica do trabalho com implicação dos sujeitos com seu fazer? Que permite o exercício de práticas dialógicas e problematizadoras? Que ajuda a transformar práticas pedagógicas e assistenciais, valorizando trabalho interprofissional e troca de saberes interdisciplinares? O que se percebe ao focarmos o olhar nos trabalhos submetidos (selecionados ou não) é que não lhes falta qualidade política e ética do ponto de vista do registro do vivido no esforço de mudar o cenário da formação de nível superior em saúde. Os trabalhos não aceitos - alguns por não terem atendido às exigências da submissão estabelecidas pela revista - mostram-se igualmente sintonizados com os objetivos do PET-Saúde e revelam a forte repercussão deste na realidade das escolas e serviços de saúde. 688
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Este olhar para o PET-Saúde e suas repercussões, mesmo na condição de apenas um singelo olhar avaliativo, informalmente engendrado, nos permite anunciar o alto valor pedagógico e político presente no PET-Saúde e nos incita a defendê-lo como programa capaz de acelerar nossos passos na direção de um sistema público de saúde que valoriza a humanização, a integralidade, a equidade, o protagonismo de gestores, trabalhadores e usuários dos serviços e o cuidado resoluto para todos os brasileiros. Mara Regina Lemes De Sordi Departamento de Estudos e Práticas Culturais, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, SP, Brasil. Eliana Goldfarb Cyrino Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), Ministério da Saúde. Brasília, DF, Brasil. Antonio Pithon Cyrino Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina, UNESP - Univ Estadual Paulista. Botucatu, SP, Brasil. Miriam Foresti Departamento de Educação, Instituto de Biociências, UNESP - Univ Estadual Paulista. Botucatu, SP, Brasil.
Tiago Rocha Pinto Escola Multicampi de Ciências Médicas do Rio Grande do Norte. Caicó, RN, Brasil.
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DOI: 10.1590/1807-57622015.0583
editorial
Informal evaluative views: PET-Saúde, the educational program for healthcare work, in the spotlight A multiplicity of views is always possible when it is intended to evaluate a government program. Various emphases can be chosen, and these aid in perceiving the repercussions of programs that support public policies of social interest, such as those relating to health and education, among others. Many forms of evaluation that are duly referenced to the objectives that justify formulation of programs can be envisaged, thereby diversifying the angles from which phenomena can be analyzed. Evaluative views may be more structured and formal or may be informal, with the aim of ascertaining the adherence of the institutional players implicated in programs such as Pró-Saúde (towards healthcare) and PET-Saúde (educational program for healthcare work), which seek to reorientate the lines along which healthcare professionals are trained. At the time when the public call for articles for this thematic supplement and book was launched, in July 2014, there were 902 PET-Saúde groups under development, with 15,975 bursary-holders, comprising students, university-level healthcare workers (preceptors) and teachers in a variety of higher-education institutions (tutors and coordinators), in all states of the Brazilian federation. PET-Saúde (Pró-Saúde and PET- Saúde, PET-Saúde/Vigilância em Saúde [health surveillance] and PET-Saúde/Redes [educational program networks]) had the aim of stimulating production on healthcare education at undergraduate level within the healthcare networks and interprofessionalism within the Brazilian Health System (SUS), from the perspective of shared production within the processes of teaching and experimentation in the sphere of SUS, thereby promoting dialogue between forms of knowledge, comprehensiveness of care and protagonism of users. Publication of the dossier and supplement on this program stems from our interest in casting an evaluative eye over it, in order to seek indirect evidence that might translate the way in which it has had an impact on the scenarios of healthcare learning and practices. For this, we addressed the total number of submissions that were received in response to the call for papers. These comprised 397 manuscripts, from which 28 manuscripts were approved for the journal Interface and 53 for a compilation in book format, to be issued by the Rede Unida publishing house (series on healthcare experiences and education). Independent of whether the studies submitted have or have not been selected for publication (given the formal requirements and the limits on the space available), our attention was drawn to the way in which the community reacted to the call to share their experiences, critical reflections and studies derived from joining PET-Saúde, in relation to the interventions that they had undertaken towards changing curricula and healthcare practices in services and networks, along with the implications and provocations involved. A significant number of the submissions spoke of the importance that this program has, within the realities of teaching institutions and healthcare services. The studies selected can be read as translations of the positive repercussions of PET-Saúde on the day-to-day routine of services and healthcare teaching institutions, and also as reports that make it clear what the vulnerable points affecting the sustainability of the program are. This constitutes an unparalleled moment of great celebration. Through our appreciation of the experiences that could not be given visibility within the limits of the present publications, our confidence in the power of these programs as means for inducing qualified changes to the lines along which healthcare professionals are trained is intensified. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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From a different perspective, a large number of healthcare professionals decided to socialize the advances, limits and challenges of experiencing PETSaúde, in an implicated manner. These were professionals and students who courageously engaged in the process of changing the lines of healthcare training. This relates directly or indirectly to the target of a collaborative healthcare network that is strongly committed to sustaining SUS and the national curriculum guidelines in this field, as the abstracts of the studies examined can attest. Reports produced by students holding PET-Saúde bursaries separately or in conjunction with healthcare workers (preceptors of PETSaúde) and teachers (tutors and coordinators of PET-Saúde) have registered experiences or results from studies that aimed to draw out the key categories of the program, such as: interprofessional education; continuing education; correlation, connection, interaction and integration of teaching and healthcare services through education for work; mobilization for curricular changes in healthcare courses; joint construction of intervention projects between teaching institutions, administrators, healthcare workers and the community; networked care; construction of horizontal relationships with greater autonomy for service users, patients, families and the community; the perspective of working in care networks; and health surveillance. Qualitative studies predominated, with a diversity of methodological approaches that included multiple respondents comprising healthcare professionals, public leaders, academics and the community. All of them were in some manner called on to give voice to what they thought about the reach of PET-Saúde. The proclaimed objectives that guided the studies (research or reports on experiences) concentrated on the desire to give greater power to primary care as the driver of care; to provide support for innovative training with a formative overview; and to enable teaching processes starting from interprofessional education as a field for learning, dialogue, negotiation of meanings and exchange of knowledge and attitudes. There was a certain prevalence of studies focusing more on the effects of PET-Saúde than on the contributions of Pró-Saúde. Some topics were seen to be strongly biased towards research, without any direct relationship with the broader interests of the program consonant with the inductive policies under examination and resulting from changes in healthcare training processes. Even so, these studies provided support for the informal evaluation of the program, through highlighting vulnerabilities that might be present in the format of public announcements and which tend to be resolved through training evaluations, the tonic that governs in loco visits developed by inspectors from the Ministry of Health. However, what matters is to avoid underestimating the message present in the very many studies submitted that discuss the feeling that PET-Saúde constitutes a successful educational experience for academics, through expanding knowledge about healthcare and guiding professional interest towards the context of integration between teaching and services, care networks, surveillance and work within SUS. How would it be possible to ignore testimonies that the program induces and produces commitment towards improvement of healthcare services from the perspective of comprehensiveness of care? Or that it promotes certain changes in the micropolicies of the work, with implications for the individuals doing it? Or that it enables practices involving dialogue and problem definition? Or that it helps to transform pedagogical and care practices, through placing value on interprofessional work and exchange of knowledge between disciplines? What can also be seen through casting an eye over the studies submitted (whether selected or not) is that there is no lack of quality regarding policies or 692
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ethics, from the point of view of registering experiences of efforts to change the scenario of healthcare educationat university level. The studies that were not accepted (some because they did not meet the submission requirements established by this journal) were seen to be just as much in tune with the objectives of PET-Saúde and revealed the strong repercussion that this has had on the realities of teaching institutions and healthcare services. This view of PET-Saúde and its repercussions, even under the condition of just a simple evaluative look-over that was set up informally, allows us to proclaim the high pedagogical and policy value of PET-Saúde and leads us to advocate this as a program capable of accelerating our steps towards a public healthcare system that places value on humanization, comprehensiveness, equity, protagonism among administrators, workers and service users and resolute care for all Brazilians. Mara Regina Lemes De Sordi Departamento de Estudos e Práticas Culturais, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, SP, Brasil. Eliana Goldfarb Cyrino Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), Ministério da Saúde. Brasília, DF, Brasil. Antonio Pithon Cyrino Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina, UNESP - Univ Estadual Paulista. Botucatu, SP, Brasil. Miriam Foresti Departamento de Educação, Instituto de Biociências, UNESP - Univ Estadual Paulista. Botucatu, SP, Brasil.
Tiago Rocha Pinto Escola Multicampi de Ciências Médicas do Rio Grande do Norte. Caicó, RN, Brasil.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0830
artigos
Tematizar o impacto na educação pelo trabalho em saúde: abrir gavetas, enunciar perguntas, escrever Renata Castro Gusmão(a) Ricardo Burg Ceccim(b) Maria de Lourdes Drachler(c)
Gusmão RC, Ceccim RB, Drachler ML. Thematizing the impact of health work on education: opening drawers, enunciating questions, and writing. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:695-707.
The impact of health work on education involving health public policies was investigated. The study was focused on the Education by Work for Health Program, sponsored by the Ministry of Health, to develop questions concerning the teaching-service integration. The study aims to fuel thinking, contribute to an open dialog, raise questions, and point out the importance of a network of thinking, instead of providing readymade questions, methods, and techniques. It suggests that the development of questions requires opening of drawers by discussing basic concepts to enunciate questions that invite innovative challenges and to deduce a disruptive reasoning. This is likely to provide the research study, analysis, or program evaluation with the basis to raise issues, challenges, and disruptions potentially useful for new arrangements of knowledge and practices.
Keywords: Education by Work for Health Program. PET-Saúde. Teaching-service integration. Education in health. Impact.
O tema do impacto, frequente na discussão envolvendo políticas públicas de saúde, foi tomado em consideração. Ponderou-se o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde, incentivo político-financeiro do Ministério da Saúde, para questionar o dimensionamento da integração ensino-serviço. Pretendeu-se instigar ao pensamento, não apresentar métodos e técnicas, entretanto, usou-se um programa orientado pela ação das redes de atenção e objeto de um estudo de impacto. O objetivo foi contribuir com uma espécie de diálogo aberto, levantando questões e apontando a importância de uma rede de pensamento. O impacto, tornado uma pergunta, foi o impulsionador, concluindo-se que faz-se necessário: abrir gavetas (problematizar concepções de base), enunciar perguntas (acolher desafios inovadores) e escrever (elaborar raciocínios disruptores), de modo que uma pesquisa, análise, ou avaliação lance problemas, desafios e disrupturas quando se quer novos arranjos de conhecimentos e práticas.
Palavras-chave: Educação pelo Trabalho para a Saúde. PET-Saúde. Integração ensino-serviço. Educação na saúde. Impacto.
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(a,b,c) Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Antônio Carlos Guimarães, 155, 1º Andar. Porto Alegre, RS, Brasil. 90050-382. renatagusmao.poa@gmail.com; ricardo@ ceccim.com.br; malu.drachler@gmail.com
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Das gavetas e daquilo que sai delas Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?1 (p. 15)
Interação universidade-sociedade no campo da saúde, integração ensino-trabalho-cidadania na área da saúde, correspondência formação-trabalho em saúde ou outras designações para a aproximação entre ensinar e atuar nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Estes fios de tessitura, escolhendo o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde como motivador, por sua importância e prioridade nesse tipo de trama entre ensino universitário, política pública de saúde e demandas sociais, coseram nosso objeto. O Programa, uma iniciativa do Governo Federal, coopera, de modo técnico-financeiro, para a integração do ensinar com o trabalhar em prol da aprendizagem e valorização da Atenção Básica e da atuação em Redes Estratégicas, para a resolutividade das ações e serviços e a resolubilidade do sistema de atenção à saúde. Somente nesta introdução, já anunciam-se questões de confronto quando a pergunta de nossa entrada no campo formulava-se como Qual o impacto do PET-Saúde como estratégia de ensino em serviço, na perspectiva dos participantes dos projetos desse Programa?, pois o recorte trazia implícita uma epistemologia da prática: o ensino em serviço. A perspectiva dos participantes apresentava a suposição sobre quais os seus operadores: docentes, preceptores e estudantes. Outros mais? De pronto, a escrita começou pela colocação de uma vírgula. Se, ao buscar o impacto, não se pode ter a pretensão de saber tudo, todas as faces de um problema ou todos os fatores intervenientes, também não nos ocorrem todas as lacunas de saberes prévios, todas as interferências que nossa presença em campo ou capacidade de interpretação podem causar, todas as sutilezas e delicadezas que tempo e objetividade podem descartar. Para Merhy2, todo processo de conhecimento é inacabado e desejante, onde a relação sujeito e objeto é sempre um acontecendo. Para expressar esse processo inacabado e desejante no processo de pesquisa e escrita, utilizamos, em uma reunião do grupo de pesquisa, imagens linguísticas oferecidas pela escritora Clarice Lispector, e deparamo-nos com uma escrita de intensidade, capaz de incidir sobre o sentido do impacto, na medida em que fez-nos sentir o seu intangível, o plano onde o debate das teorias e ações abala não apenas a estrutura das práticas, mas a motivação subjetiva, o impulso para a ação, não racional, não deliberado, mas acionado a cada movimento natural da ação humana (individual ou social), isto é, desejo incontrolável. Tomando emprestado os contos da escritora ou passagens das suas comunicações (que se fazem por sensações), percebe-se, de uma maneira intensiva, aquilo que se configura (as formas de um conhecimento ou prática) e a desfiguração daquilo que é naturalizado, projetado como esperado nos modos de ser e de estar nos lugares. Pensamos tornar visíveis aspectos de intensidade, mesmo que dirigidos às compreensões formais sobre o ensino-aprendizagem e o trabalho na saúde. Terminamos por colocar a noção de impacto em um patamar mais exigente, abalo às coisas naturais, aceitando o inacabado, fechando, com dois pontos, uma tematização que começou com uma vírgula. Esta reflexão está inserida no projeto Impacto do Pró-Saúde e PET-Saúde como estratégia de educação permanente em serviço: a experiência do PET-Saúde na UFRGS, aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), chamada MCTI/CNPq/MS-SCTIE nº 08/2013 – Pesquisa em educação permanente para o SUS e dimensionamento da força de trabalho em saúde. Tendo como cenário os territórios do sistema municipal de saúde de Porto Alegre, dos Distritos Glória/Cruzeiro/Cristal e Centro, distribuição geoeducacional dos cursos de graduação em saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tendo como pano de fundo o SUS, foram estampados desenhos sobre o PET-Saúde UFRGS, mais especificamente, sobre o PET - Redes de Atenção à Saúde. Uma costura deveria envolver os fios fortes dos conceitos que sustentam e dão forma à integração entre ensino, sistema de saúde e cidadania, integralidade da atenção e formação-ação, uma tessitura de metas-intenção e planos intensivos de ação na realidade. Pensar/problematizar as políticas de integração ensino-serviço-sociedade no âmbito do SUS, mas aceitando que existe uma microgênese das práticas que as faz proliferarem por suas
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normas antecedentes, não apenas pelos esforços de mudança e reorientação, em especial aportados desde seu exterior. A palavra impacto começou a ser desmontada entre nós (a desfiguração inicial de um acontecendo) e começamos a verificar quais elementos arrolaríamos numa eventual apreciação do impacto que reconhecesse normas antecedentes, seu poder microgenético e as tarefas de compromisso com um sistema de saúde que diga respeito à integralidade, ao trabalho em equipe e à resolutividade (configuração), com características de qualidade, acolhimento, responsabilidade e acessibilidade.
Abrindo as próprias gavetas […] Proponho-me a que não seja complexo o que escreverei, embora obrigado a usar palavras que vos sustentam. A história – determino com falso livre arbítrio – vai ter uns sete personagens e eu sou um dos mais importantes. Não se trata apenas de narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira […].1 (p. 17)
Pensar problematicamente é mostrar as surpresas provenientes de leituras ou da observação participativa das práticas e os questionamentos nascidos do confronto de ideias. Nesse sentido, escrever também é abrir gavetas, inclusive, as mais internas e secretas. Para tal, recorremos às palavras de outros autores, ao olhar de outras pessoas, e procuramos o que é nosso. Pesquisamos para ajudar a tramar ideias, embaralhadas pelo conteúdo de diversas gavetas; neste caso, importa que a pesquisa não contenha um único e aferrado roteiro de investigação, descartando tudo quanto dele se afaste ou que o ameace. Importa que um processo de pensamento, surpresa e questionamento mantenhase vivo e pulsante ao entrar em campo, pelo menos se aquilo de que se quer falar vier contemplar processos de mudança, processos de subjetivação, processos instituintes: saber sobre o que fazemos, por que e para que o fazemos, como faríamos se nos soubéssemos em avaliação, saber o que condiciona nossos modos de trabalhar e ensinar. Acrescentamos: em saúde, no SUS, em um país que fez uma reforma sanitária recente, ensejando que o acesso seja universal e as ações sejam equânimes e os resultados tenham em vista atenção integral. As gavetas são uma escolha para representar os métodos de controle minucioso das operações do corpo/pensamento, realizando sujeições constantes de suas forças, impondo uma relação docilidadeutilidade, que Foucault3 denomina disciplina. Para desfigurar as disciplinas, percorremos a arte e a literatura, amparados na ideia de Deleuze4, de acreditar na superioridade da arte como um contraponto aos signos que rodeiam o mundo do pensamento. Buscando transgredir os sentidos ocultos que normatizam, hegemonizam, controlam e conformam a vida cotidiana, ilustramos as gavetas com uma imagem do surrealismo de Salvador Dalí. Por meio de sua obra Girafa em Chamas, erigida em gavetinhas (Figura 1), debatemos as diversas formas de fragmentação e as possibilidades da integralidade. Ao se revirarem gavetas, para se pensar e tomar a escrita, muitas leituras, discussões, conceitos, sentimentos, vivências, memórias, artistas e autores precisam ser chamados, e mais gavetas são abertas. O incômodo que mobiliza é, também, o material da análise. Sujeito e objeto em produção, em ato militante2. A primeira gaveta aberta é a da equipe de saúde, seja como multiprofissionalidade e interdisciplinaridade6 seja como campo e núcleo de conhecimentos e práticas7. Gaveta que, ao ser aberta, interroga o limite de fronteira na ocupação das profissões. Campo (setor/área do conhecimento) e núcleo (profissão/especialidades) mutantes se interinfluenciariam, não sendo possível detectar limites precisos entre um e outro7 ou ocorrendo a entredisciplinaridade6. Transformação da noção profissional para uma noção de saber coletivo, criando uma nova postura na forma de ser profissional no setor da saúde, repensando o papel do médico como centro das práticas de cura e cuidado, provocando um abrir e remexer constante de gavetas. A experiência das residências integradas em saúde, em seu período de maior ebulição (2002-2005), colocou a multiprofissionalidade em evidência8. As Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS), no auge no mesmo período, também destacaram a interdisciplinaridade em face da necessidade de saberes profissionais demandados à análise de sistemas e serviços de saúde e à intervenção em territórios (múltiplos e vivos). Tais experiências/vivências foram responsáveis por COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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manter entreabertas tantas gavetas em nossos corpos de trabalhadores, professores e usuários do setor da saúde, que embaralham ensinar e aprender, ensino e serviço9. De certas gavetas escapam inquietações, que insistem em aparecer. Muitas delas, relacionadas com o ensinar e aprender. Esbarrando, frequentemente, na formação de profissionais e sua adequação ao SUS.
Figura 1. Girafa em chamas, Salvador Dalí Fonte: The Salvador Dalí Society5
Impacto e coprojetação Como reproduzir em palavras o gosto? O gosto é uno e as palavras são muitas. Quanto à música, depois de tocada para onde ela vai? Música só tem de concreto o instrumento. Bem atrás do pensamento tenho um fundo musical. Mas ainda mais atrás há o coração batendo. Assim o mais profundo pensamento é um coração batendo.10 (p. 53)
Partindo de um desconforto com a palavra impacto, seu estranhamento por um minuto, resolvemos brincar com ela, constranger seus sentidos. Esse estranhamento foi suficiente para abrir a gaveta etiquetada monitoramento e avaliação e, com isso, brincar com as possibilidades de olhares, de definições, de vigílias. Que impacto é esse? A palavra impacto, no seu sentido de dicionário11, significa aquilo que foi “empurrado, impelido contra; metido à força. Também ação ou efeito de impactar; ponto de penetração de um projétil; choque, embate, encontrão; choque de um corpo em movimento com outro em repouso; choque emocional; expectativa; ponto terminal da trajetória de um míssil”. Im.pac.tar – em.pacotar – em.pactuar – em.pacto – in.pacto Impacto é o efeito do encontro de dois ou mais corpos (por exemplo, os formuladores e os executores, ou formuladores, executores e controle social, ou, ainda, os atores do cotidiano local: profissionais, professores, estudantes). No presente caso: o ensino no serviço, como propõe o Programa, ou, na integração docência e assistência, o encontro da política pública com as instituições de ensino e de saúde, confronto entre docentes, trabalhadores e órgãos profissionais etc. Nessa medida, podemos ponderar o que porta cada ator (individual, institucional, da política); como oferece 698
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aquilo que porta; como se deixa tocar pelos aportes do outro; o que reportam quando narram esse encontro. Esse impacto abre gavetas? Fecha gavetas? Produz práticas (de ensino, de assistência, de apoio)? Traz novas possibilidades de desenhos, dobras e fluxos à rede? Ao SUS? “[…] tem uma coisa bem importante, neste processo, […] nenhum preceptor veio trazer as coisas prontas pra vocês. […] vocês vão conhecer os serviços e se inserir nessa rede. Vocês vão podendo propor […] de repente ter ideias que vão fazer mudar totalmente nosso trabalho […] isso é uma construção do trabalho que nunca está pronto […].” (Preceptora_grupo2)
Para construir possibilidades na forma de pensar/sentir/querer – o impacto –, este texto utiliza: alguns conceitos de sustentação, o olhar de outros estudos, o nosso próprio e as falas de alguns atores que representam os cenários de ensino-aprendizagem, registradas em encontros iniciais, de coprojetação. Desperta-nos a possibilidade de que o impacto se refira à composição de pactos, a composição de compromissos e empenhos de cada parte, a coprojetação do que se levará a efeito: por quê? Qual(is) o(s) empenho(s) de uma parte com a(s) outra(s), em coprojetar futuros?
SUS: linha de aço desta escrita […] Há uma linha de aço atravessando isso tudo que te escrevo. [...].10 (p. 42)
O SUS é a linha de aço mais resistente que atravessa esta escrita. Por ser o sistema nacional de saúde brasileiro, também deve(ria) ser a linha de aço para guiar os serviços e os cursos de graduação na área. O SUS surgiu de um histórico de lutas, transformando muitos valores da sociedade. Saúde é direito humano fundamental e expressão de cidadania nacional; mas, também, por meio da ampliação do conceito de atenção (tratamento-cuidado-escuta ou promoção de qualidade de vida, ações intersetoriais e a integralidade das abordagens: o ponto de vista das singularidades e da pluralidade). No entanto, apesar disso, se perpetuam os modelos conservadores, além disso, pouco permeáveis ao controle social. Desde a Constituição Federal12, torna-se evidente a necessidade de articulação entre a formação dos profissionais e o sistema de saúde. Passa a ser uma das competências do SUS orientar o perfil da formação dos profissionais de saúde. Buscando alcançar este objetivo, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação passaram a desenvolver ações interministeriais. No entanto, apesar dos avanços, ainda é tênue, na formação profissional, a apropriação do SUS, vigorando um imaginário de saúde como prestação de serviços altamente tecnificados, com uma formação orientada por uma concepção pedagógica que estabelece: o centro das aprendizagens no hospital universitário, hierarquização dos adoecimentos em critérios biologicistas, e dissociação entre clínica e política9. “[...] conhecer também a comunidade, saber das necessidades deles […] quais as necessidades das pessoas, não só fazer procedimentos”. (Aluno6_grupo1)
As Instituições de ensino, ao formarem, também configuram muitas gavetas. As disciplinas organizam lugares; criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos3. Para Foucault, a repartição disciplinar permite, ao mesmo tempo, a caracterização do indivíduo e a colocação em ordem de uma multiplicidade dada. Ela é a condição primeira para o controle, a base para uma microfísica de um poder que poderíamos chamar celular. A disciplina fabrica indivíduos3, poderíamos dizer fabrica pessoas automáticas10. […] então sonhei com uma coisa que vou tentar reproduzir. Trata-se de um filme a que eu assistia. Tinha um homem que imitava artista de cinema. E tudo que esse homem fazia era por sua vez imitado por outros e outros […] É um filme de pessoas automáticas que sabem aguda e gravemente que são automáticas e que não há escapatória [...].10 (p. 36)
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Todas essas gavetas configuradas desafiam o cenário a encontrar um eixo integrador dos conteúdos de trabalho das diferentes disciplinas que se apresentam separadas umas das outras (cada uma em sua gaveta), fragmentando e isolando o conhecimento, proporcionando saberes descontextualizados, um mundo acadêmico distante do mundo de inscrição e realização da prestação de serviços13. “[...] o que eu achei muito legal deste Programa [...] é porque traz o que a gente não tem durante a formação [sobre Crack, álcool e outras drogas] […] como é que tu vais trabalhar no SUS sem saber lidar com esse tipo de pessoas? [...]”. (Aluno10_grupo1)
Para Ceccim e Feuerwerker14, a mudança na graduação transformou-se em bandeira geral da integração ao sistema de saúde, construindo arranjos de inovação em direção a uma formação geral, humanista e orientada à integralidade. Operação que não se dá sem conflitos; pelo contrário, ela é disputada, em meio a concordâncias e divergências. “[...] a perspectiva de aprender com quem vem buscar conhecimento comigo […] porque é esse conhecimento que eu tenho, de trabalho, mas também de aprender, porque as pessoas trazem ideias novas, que talvez no meu dia-dia de trabalho, eu não me dê conta, então é isso, trazer coisas novas, aprender mais [...]”. (Preceptora_grupo2)
É preciso experimentar outras formas de intervenção nas práticas de saúde15. Estudantes, professores, profissionais de saúde e usuários podem ser atores protagonistas da produção de novos modos de aprender, atender e produzir conhecimento16.
Integralidade: abrindo e revirando a gaveta da integração ensino-serviço [...] Ter um corpo único circundado pelo isolamento, tornava tão delimitado esse corpo, sentiu ela, que então se amedrontava de ser uma só […].17 (p. 19)
Nosso olhar e nossos corpos são educados por um conjunto de processos que nos subjetivam e pelos quais somos transformados em sujeitos de uma cultura (uma cultura de saúde, de profissional de saúde, daquilo que se exercita no âmbito do sistema de saúde do Brasil)15. “[...] é uma prática nossa ter estudantes, estagiários, alunos […] eu acho que alunos oriundos do projeto PET é um diferencial, porque vem com outro olhar, com outra proposta, de tirar algumas pessoas que estão dentro da casinha, para fora da casinha […] vai fazer um contraponto com os estagiários oriundos de outra lógica [hospitalar/biomédica]. Vamos ver o que vai dar essa mistura”. (Preceptor6_grupo1)
A disciplina define cada uma das relações que o corpo deve manter com o objeto que manipula, cuidadosa engrenagem entre um e outro3. As gavetas que fragmentam o exercício das profissões do campo da saúde consequentemente também fragmentam as pessoas, seus órgãos, seus membros, seus ossos e seus sentimentos, colocando cada fragmento em uma gaveta18. O exercício da disciplina (o exercício recortado das profissões, por exemplo) perpetua a caracterização do indivíduo, seja em relação aos termos da disciplina, seja em relação aos outros indivíduos, seja em relação a um tipo de percurso. “Eu senti a mesma coisa que senti com o VER-SUS […] quando cheguei aqui a dinâmica foi parecida […] me identifiquei com os sentimentos dos colegas, os questionamentos foram se complementando [...]”. (Aluno5_grupo1)
A garantia de uma intervenção processual que estimule novos modos de subjetivação, que singularize, não caracteriza o modo conservador. Precisamos uma busca a cada passo, a cada ato, 700
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partir dos agenciamentos que possibilitam cada passo, cada ato. Na intervenção, modos de referência e modos de prática19. “[…] acho que meu papel é “Vamos colocar essa teoria em prática, ou a gente faz espaço de produção de autonomia, ou não faz sentido” […] isso, para nossa formação de saúde, é uma coisa bem interessante, porque a gente vê muita gente isolada, mas não autônoma. Para ser autônomo, eu sento com o outro para produzir”. (Preceptora_grupo2)
Todas as profissões que consistem em se interessar pelo discurso do outro se encontram numa encruzilhada clínica e política fundamental. Reproduzem modelos que não permitem criar saídas para os processos de singularização ou, ao contrário, trabalham para o funcionamento desses processos na medida de suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para funcionar19. Como uma estratégia de qualificar os processos formativos em saúde, torna-se essencial proporcionar, ao estudante e aos docentes, a tematização da formação e da integralidade da atenção, tendo em vista a população, a educação permanente e a competência profissional19. Tal tematização requer que se problematizem os saberes e as práticas vigentes, e que se ativem processos de formação-ação no desenvolvimento das competências específicas de cada trabalho20. As ações do PET-Saúde enfocam o fortalecimento de áreas estratégicas para o SUS por meio da formação implicada com a atenção integral. Seus grupos são formados pelo professor universitário na função de tutor, profissionais da saúde na função de preceptores, e estudantes dos cursos da área da saúde, sob a coordenação do tutor21. Feuerwerker16 (p. 140) afirma que “mesmo antes de analisar as estratégias de mudança” – em programas de reorientação da formação profissional – pode-se verificar que “seu impacto é limitado”, pelo menos desde um ponto de vista da contribuição significativa à “mudança no perfil dos profissionais que se formam”, uma vez que ações programáticas – em função de sua lógica de articulação – têm uma capacidade limitada de envolver o conjunto de atores e comprometer, estruturalmente, as instituições de ensino, ou seja, como processo, abrem mão da disputa por projetos de vida em todos os campos da saúde, não investem na produção de atores portadores de futuro, e não buscam inovar as práticas de cuidado em saúde16.
Situando o PET-Redes na tessitura de redes […] a fazenda já não era um mero tecido, transformava-se em matéria de coisa e era esse estofo que com seu corpo ela dava corpo – como podia um simples pano ganhar tanto movimento?17 (p. 16)
O conceito de Rede de Atenção à Saúde (RAS)22 contribui para fortalecer a sustentação dessa linha de aço que é o SUS. Além das redes de atenção, projetam-se as redes de atenção estratégicas, resultado de objetivos estratégicos presentes na política nacional de saúde, onde o atendimento aos usuários deve ser prestado por todas as portas de entrada dos serviços de saúde do SUS, possibilitando a resolução integral da demanda ou transferindo-a, responsavelmente, para um serviço de outra complexidade, dentro de um sistema intercomplementar e regulado, organizado em redes regionais de atendimento. “[...] quem já botou o pé no seu ponto da rede? Eu queria escutar mais vocês. [Por exemplo,] vocês acham que tem futuro esse negócio? [...]”. (Tutora_grupo2)
A RAS está definida, normativamente, como “aqueles arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas que, integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado”22 (p. 4). Uma composição “de relações horizontais entre os pontos de atenção com o centro de comunicação na Atenção Primária à Saúde”²² (p. 4), tendo em vista assegurar orientação às necessidades em saúde da população, tal como de responsabilidade da Atenção Básica: responsabilização na atenção contínua e integral, atendimento multiprofissional, compartilhamento de objetivos e compromissos com os resultados sanitários21,22. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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Não é a extensão de cobertura das práticas médicas que configura uma rede, antes, a sua substituição por arranjos da intervenção em saúde, que correspondam às necessidades sociais, históricas e imaginárias16, consistindo em uma articulação de ações e serviços em torno de objetivos comuns, mesmo que os meios e as tecnologias sejam diferentes. Espera-se um dispositivo vivo, porque encarnado no próprio campo social, em relações de complementaridade, de escoramento: relações rizomáticas, diriam Guattari e Rolnik19. “[...] acompanhei a recepção, o acolhimento, né? Como é que chega ali e tal […] para eu ter uma atividade que eu pudesse pensar de onde vem e para onde vai [...] eu pensei em fazer uma oficina, porque tem uma ONG ali perto [...] que talvez seja um ponto de encontro peculiar dessa rede, não sei o quanto [...] fazer uma oficina de percussão, porque é uma coisa que sei fazer e que a gurizada talvez goste. E para “conhecer” a criançada que está por lá, porque por enquanto eu só vi as crianças chegarem lá por causa da mãe, porque a mãe vai consultar ou porque a criança está doente”. (Aluno_grupo3)
No que se refere à noção de rede-rizoma, contribui a imagem da mandala, proposta por Ceccim e Ferla23, cuja intenção pretendia outra imagem da rede assistencial à formação dos profissionais de saúde, esforço por desmontar a imagem da pirâmide, impregnada, na mente de gestores e professores, como transposição didática das redes. Os autores explicam que, em uma pirâmide, a hierarquização é vertical e por níveis, a forma é pesada e fixa. Em uma mandala há fluxos, desenho, dobra, movimento, criação. A hierarquia é por fluxos, não por fixos, e a forma é criativa, não pesada. A proposta da mandala traz possibilidades, caleidoscópicas, de mutações faiscantes10 à rede, desenhos que só serão experimentados no deslocar de foco dos lugares instituídos como centro e alvo das intervenções; do contrário, corre-se o risco de – por distração, apesar das faíscas – não se ver a produção de vida, ali onde ela é potente24. [...] sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro [...].10 (p. 38)
Impacto por ser o efeito do encontro entre corpos institucionais e instituintes? Entre corpos de pensamento e de razão? Podemos ponderar o que “porta” cada cultura institucional, cada racionalidade gerencial? Podemos dimensionar cada serviço como ator-rede-rizoma? Podemos supor agenciamentos coletivos de enunciação, uma vez atores-rede-rizoma? Estes que portam discursos e práticas de discurso, o que reportam quando falam do PET e do exercício do PET? “[…] uma das perspectivas desse projeto PET Redes, é acompanhar um pouco mais os processos, os fluxos da rede, mas, também, pensar que o acompanhamento de uma situação, de um caso, pode nos mostrar aonde tem entraves, aonde essa rede está efetiva. Pode ser bem interessante [...]”. (Tutora_grupo3)
O que sai de algumas gavetas em busca do impacto [...] E aos instantes eu lhes tiro sumo de fruta. Tenho que me destituir para alcançar o cerne e semente de vida. O instante é semente de vida.10 (p. 11)
Reviramos algumas gavetas no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) para conhecer os olhares sobre o PET-Saúde, por meio de pesquisas produzidas em programas de pós-graduação stricto sensu. Na busca de quais gavetas abrir e revirar, em maio de 2014, utilizando os termos PET-Saúde e Educação pelo Trabalho, encontramos cinco e três registros, respectivamente, dois se repetiam em ambos os buscadores e um não tinha o PET como objeto do estudo. Também realizamos uma busca pelo termo ensino-serviço, encontrando vinte estudos, apenas um relacionado ao PET-Saúde, constante da identificação anterior. 702
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Do conteúdo das gavetas, todas eram dissertações de mestrado acadêmico (2011 e 2012), três tratavam da avaliação do programa25-27, uma consistia de uma avaliação da influência dos processos formativos na prática de Atenção Primária para o curso de odontologia28, e outra buscava identificar e analisar as competências para a preceptoria29. A interdisciplinaridade desta integração ensino-trabalhocidadania, proporcionada pelo PET, mostrou-se, no estudo de Fonseca27, como sua grande potência. Outros pontos fortes apontados foram a quebra de preconceitos com o SUS27 e a ampliação do olhar do estudante em direção ao processo saúde/doença, contribuindo com a formação de profissionais mais preparados para atuar no SUS26,27. Seria necessário, para tanto, tornar-se mais orgânico à universidade e ao sistema de saúde26. A atenção básica, porquanto disciplina vivenciada apenas na sala de aula, revelou-se descontextualizada e pouco interessante no que diz respeito: ao conteúdo, às estratégias de ensino-aprendizagem e à aplicabilidade. Quando campo de atuação profissional, a vivência junto à Saúde da Família colaborou para a identificação de fatores que comprometem a efetivação do SUS26. “Acredito que o PET vai acrescentar muito na minha formação pessoal e profissional. Vou levar o conhecimento para os colegas do Hospital. Acho que contribuirá para valorizar a atenção primária, que é pouco valorizada [na medicina]”. (Aluno9_grupo1)
No que se refere aos serviços-cenário do PET-Saúde, Fonseca27 percebeu que a integração ensinoserviço estimula os profissionais a aprenderem ensinando, o que serve como um provocador da educação permanente nos serviços. Os resultados de Rodrigues29 indicam que os preceptores sentemse comprometidos com a formação dos futuros profissionais da área da saúde. “O PET [...] mobiliza uma equipe, lá tem outros preceptores, com outras experiências de PET, mas cada experiência é singular, no que mobiliza, no que os monitores mobilizam na gente, de ter que se movimentar”. (Preceptora_grupo3)
Quanto às limitações do PET-Saúde, Fonseca27 apontou como principais: a incompatibilidade de horários entre os atores do Programa e a distância dos cenários de prática, além da ausência de diretrizes operacionais claras e da heterogeneidade de organização das atividades pelas unidades de saúde. “[...] na reunião, os alunos trouxeram essa questão dos ajustes da agenda e de vida [...]”. (Preceptora_grupo2)
O PET-Redes na UFRGS Entre pretexto e contexto, jogamos com as palavras despejadas das gavetas quando do encontrão (impacto) do estudo teórico com os atores sociais da integração/interação/correspondência formaçãoatenção. O PET-Redes deveria: ser multiprofissional e interdisciplinar, intensificar a interação entre os cursos da área da saúde na Universidade, e contribuir para a consolidação da RAS no município (seleção pelo Edital Ministério da Saúde nº 14, de 08/03/2013). Envolve 92 atores sociais, 11 profissões e cinco ações programáticas em saúde (Quadro 1). “[...] neste espaço foram faladas coisas que nunca foram faladas no curso de enfermagem. É um conhecimento que só tive parecido no Diretório Acadêmico. Considero uma formação paralela”. (Aluno2_grupo1) “[…] O PET é uma das melhores bolsas que já fiz na faculdade inteira […] foi o que mais me deu ferramentas para eu trabalhar depois – no futuro – como profissional […] acho que o PET te coloca num nível de humanização que é difícil tu achar isso em outros lugares […].” (Aluno2_ grupo1)
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Quadro 1. Composição por programas, profissões e atores no PET Redes - UFRGS Programa
Preceptores
Tutores
Aluno 6 Enfermagem, 3 Nutrição, 1 Fonoaudiologia, 1 Medicina e 1 Odontologia
Amamentação na Rede Cegonha
1 professora/enfermeira do curso de Enfermagem
Linha-Guia de critérios e orientações para abordagem integral à saúde da pessoa com deficiência
2 fisioterapeutas, 2 1 professora/ fisioterapeuta do curso de terapeutas ocupacionais, 1 assistente social e 1 Fisioterapia médico
4 Saúde Coletiva, 2 Fisioterapia, 2 Fonoaudiologia, 1 Educação Física, 1 Medicina e 1 Odontologia
Linha de Cuidado em saúde mental da criança e do adolescente
1 professora/psicóloga do 3 psicólogas e 3 curso de Psicologia enfermeiras
3 Enfermagem, 3 Psicologia, 2 Fisioterapia, 1 Educação Física, 1 Medicina, 1 Nutrição e 1 Serviço Social
Linha de Cuidados em saúde mental, álcool, crack e outras drogas - jovens e adultos
1 professor/psicólogo e 1 professora/médica, ambos do curso de Saúde Coletiva
2 psicólogas, 1 enfermeira, 1 educadora física, 1 médica e 1 terapeuta ocupacional
4 Enfermagem, 3 Medicina, 3 Saúde Coletiva, 1 Nutrição e 1 Odontologia
Gestão e educação na rede de urgência/emergência
1 professora/enfermeira do curso de Saúde Coletiva
5 enfermeiras e 1 farmacêutica
4 Medicina, 3 Enfermagem, 1 Fonoaudiologia e 1 Saúde Coletiva
4 enfermeiras, 1 nutricionista e 1 médica
Fonte: Elaborado pelos autores.
No que se refere à Universidade, mesmo reconhecendo avanços, os atores acreditam que o diálogo entre a universidade, professores e alunos precisa avançar; reconhecem a prática como extracurricular, havendo pouca ou nenhuma flexibilização de horários por parte da Universidade. As vivências do PET foram consideradas como opostas ou formações paralelas no que se refere ao currículo. “[...] o que eu quero é essa interdisciplinaridade de equipe, a odonto tem muito preconceito com o SUS, o pessoal prefere trabalhar em consultório, mesmo com o mercado saturado […]”. (Aluno6_grupo1) “[...] eu venho de uma outra realidade, tudo aquilo [no VER-SUS] era muito novo para mim […] quem vê minhas fotos no Facebook, coloquei no álbum “saindo da bolha” [...] minha família ficou apavorada, nunca senti tanto frio, mas foi ótimo. É isso que eu quero!”. (Aluna5_ grupo1)
É preciso conferir, no PET-Saúde, seu contato com serviços, mas, também, com gestão, controle social e as inversões na prática de ensino. A invenção de metodologias e tecnologias, em realidade, fica por conta de quem quer mudar, ou seja, é no cotidiano e em território que saber-se-á do PET. Uma pesquisa de impacto será das capacidades enunciadas, mas comprometidas com perfis de pergunta que, às vezes, só são possíveis em cada PET. Quantas gavetas foram abertas e por quê? Quais e por que as suas linhas de aço. O desmanchamento ou não de corpos de pensamento, sensação e ação dependerá das perguntas em cada PET e do PET, que se põem a todos os atores de suas interfaces: trabalhadores, docentes, discentes, gestores, usuários, conselheiros locais de saúde, conselheiros municipais de saúde e corporações profissionais. Questionamentos têm orientado o trabalho de campo, que ainda encontra-se em processo de acontecendo. Este artigo pretendeu discutir onde procurar o impacto. No território? Na Rede? Nas políticas de ensino da saúde? Nas práticas de trabalho em saúde? Nos pensamentos sobre ensinar 704
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ou atender ou sofrer um aprendizado em saúde? Como medir? Assim, gavetas abrem-se; em lugar de respostas, perguntas se enunciam e a teorização passa a um exercício de escrita do tempo (dos acontecendos). […] Cada momento do dia se futuriza para o momento seguinte em nuances, gradações, paulatino acréscimo de sutis qualificações da sensibilidade. Às vezes ela perde a coragem, desanima diante da constante mutabilidade da vida. Ela coexiste com o tempo.30 (p. 52-3)
Das gavetas reviradas, saem considerandos e entãos; das perguntas, saem desafios intelectuais e a apresentação dos a seguir; da escrita saem textos, contextos, paradoxos e usos dos conceitos, das práticas e das reflexões, tais como. Assim, se, para começar, nos encontramos com a introdução da pausa, uma vírgula, verificamos que o aprofundar é pelo pedido de desenvolvimento, a colocação de dois-pontos.
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Lispector C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: José Olympio; 1979. 2. Merhy EE. O conhecer militante do sujeito implicado: o desafio de reconhecê-lo como saber válido [Internet]. 2004 [acesso 13 jun 2014]. Disponível em: http://www.uff.br/ saudecoletiva/professores/merhy/capitulos-02.pdf 3. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 41a ed. Petrópolis: Vozes; 2013. 4. Deleuze G. Proust e os signos. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense; 2006. 5. Salvador Dali Society [Internet]. 2011 [acesso 26 jul 2014]. Disponível em: http://www. dali.com/blog/2011/03/ 6. Ceccim RB. Equipe de saúde: a perspectiva entre-disciplinar na produção de atos terapêuticos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Abrasco; 2004. p. 259-78. 7. Campos GWS. Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Ciênc Saúde Colet. 2000;5(2):219-30. http://dx.doi.org/10.1590/S141381232000000200002 8. Ceccim RB, Kreutz JA, Mayer Júnior M. Das residências Integradas às residências multiprofissionais em saúde: vasculhando fios embaraçados entre 2005 e 2010 para destacar o componente educação. In: Pinheiro R, Silva Junior AG, organizadores. Cidadania no cuidado: o universal e o comum na integralidade das ações de saúde. Rio de Janeiro: Abrasco; 2011. p. 257-92.
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9. Ceccim RB, Ferla AA. Educação e saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. Trab Educ Saúde. 2009;6(3):443-56. 10. Lispector C. Água viva. São Paulo: Círculo do Livro; 1973. 11. Michaelis: dicionário de português online. São Paulo: Melhoramentos; 2009 [acesso 23 maio 2014]. Impacto. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/ portugues/index.php?lingua= portugues-portugues&palavra=impacto 12. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado; 1988 13. Ceccim RB, Pinheiro R. Experienciação, formação, cuidado e conhecimento em saúde: articulando concepções, percepções e sensações para efetivar o ensino da integralidade. In: Pinheiro R, Ceccim RB, Mattos RA, organizadores. Ensinar saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. Rio de Janeiro: Abrasco; 2006. p. 14-35. 14. Ceccim RB, Feuerwerker LC. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. 2004;14(1):41-65. http://dx.doi.org/10.1590/ S0103-73312004000100004 15. Meyer D, Félix J, Vasconcelos MFF. Por uma educação que se movimente como maré e inunde os cotidianos de serviços. Interface (Botucatu). 2013;17(47):973-86. http:// dx.doi.org/10.1590/S1414-32832013005000033 16. Feuerwerker LC. Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede Unida; 2014. 17. Lispector C. Uma aprendizagem ou livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco; 1998. 18. Ceccim RB, Merhy EE. Um agir micropolítico e pedagógico intenso: a humanização entre laços e perspectivas. Interface (Botucatu). 2009;13 Supl. 1:531-42. http://dx.doi. org/10.1590/S1414-32832009000500006 19. Guattari F, Rolnik S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes; 1996. 20. Ceccim RB. Educação dos profissionais de saúde e compromissos públicos com a integralidade: as disposições do AprenderSUS. In: Pinheiro R, Silva Junior AGS, organizadores. Por uma sociedade cuidadora. Rio de Janeiro: Abrasco; 2010. p. 131-54. 21. Ministério da Saúde (BR), Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde e dá outras providências. Diário Oficial União. 3 mar 2010;Seção 1:53. 22. Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial União. 30 dez 2010;seção 1:89. 23. Ceccim RB, Ferla AA. Linha de cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede de práticas cuidadoras para uma outra educação dos profissionais em saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Gestão em redes: práticas de avaliação, formação e participação em saúde. Rio de Janeiro: Abrasco; 2006. p. 165-84. 24. Merhy EE, Gomes MPC, Silva E, Santos MFL, Cruz KT, Franco TB. Redes vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua: implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde. Divul Saúde Debate. 2014; (52):153-64. 25. Sant’Anna HD. A implementação da política de reorientação da formação em odontologia: dependência de trajetória e estímulos institucionais na UFBA [dissertação]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2011. 26. Rezende R. Avaliação do Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde desenvolvido em instituições públicas de ensino superior de Fortaleza (CE), na perspectiva de seus atores [dissertação]. Fortaleza; Universidade Federal do Ceará; 2011.
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artigos
27. Fonseca GS. Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde, da Universidade de São Paulo: estudo avaliativo [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2012. 28. Gaspar GS. Avaliação do processo de planejamento para melhoria da atenção à saúde bucal [dissertação]. Recife: Fundação Universidade de Pernambuco; 2011. 29. Rodrigues CD. Competências para a preceptoria: construção no programa de educação pelo trabalho para a saúde [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2012. 30. Lispector C. Um sopro da vida. Rio de Janeiro: Rocco; 1999.
Gusmão RC, Ceccim RB, Drachler ML. Tematizar el impacto en la educación en el trabajo para la salud: abrir gavetas, enunciar preguntas, escribir. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:695-707. El tema del impacto, frecuente en la discusión envolviendo políticas públicas de salud, fue tomado en consideración. Se ponderó el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud, incentivo político-financiero del Ministerio de la Salud, para cuestionar el dimensionamiento de la integración enseñanza-servicio. Se pretendió instigar al pensamiento, no presentar métodos y técnicas, a través de un Programa orientado por la acción de las redes de atención y objeto de un estudio de impacto. El objetivo fue contribuir con una especie de diálogo abierto, levantando cuestiones y apuntando la importancia de una red de pensamiento. El impacto, como pregunta, fue el impulsor, concluyéndose que se hace necesario abrir gavetas (problematizar concepciones de base), enunciar preguntas (acoger desafíos innovadores) y escribir (elaborar raciocinios separadores), de modo que una investigación, análisis o evaluación propongan nuevos arreglos de conocimientos y prácticas.
Palabras clave: Educación en el Trabajo para la Salud. PET-Saúde. Integración enseñanzaservicio. Educación en la salud. Impacto. Recebido em 03/11/14. Aprovado em 10/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0994
artigos
Pró-Saúde e PET-Saúde como espaços de educação interprofissional Marcelo Viana da Costa(a) Karina Pavão Patrício(b) Ana Maria Chagas Sette Câmara(c) George Dantas Azevedo(d) Sylvia Helena Souza da Silva Batista(e)
Costa MV, Patrício KP, Câmara AMCS, Azevedo GD, Batista SHSS. Pro-Health and PET-Health as interprofessional education spaces. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:709-20. This paper aims to reflect on the National Reorientation Program for Health Professional Education (Pro-Health), as articulated with the Education by Work for Health Program (PET-Health); this was the main mobilizing set for interprofessional education adoption based on the challenges identified in the higher education institutions (HEI) that participated in PROPET. The data were obtained from reports (educational institutions and advisers of the Ministry of Health) using the FORMSUS platform. The data analysis consisted of a quantitative systematization and content analysis. It was emerged as themes: concepts and practices in interprofessional education: multi or inter? Interprofessional education and PROPET: unveiling potencies. The analysis indicated that PROPET induced new ways of interaction between the courses and their agents that were involved in real-life scenarios and identified important key points of health education, such as the articulation between education/health service and qualifications for teamwork.
Keywords: Health education. Teaching care integration services. Public health policy.
Este artigo pretende refletir sobre o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PróSaúde), articulado ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) como cenário mobilizador para a adoção da educação interprofissional a partir dos desafios identificados nas instituições de Ensino Superior (IES) pelos participantes do PROPET. Os dados foram produzidos a partir de relatórios das IES e de assessores do Ministério da Saúde, via plataforma FORMSUS. A análise dos dados consistiu de uma sistematização quantitativa e análise de conteúdo. Emergiram como temas: concepções e práticas na educação interprofissional: multi ou inter? Educação Interprofissional e PROPET: desvelando potências. A análise indica que o PROPET vem induzindo novas formas de interação entre cursos envolvidos e seus atores, em cenários reais, enfrentando importantes pontos nevrálgicos da formação em saúde: a articulação ensino/serviço e a qualificação para o trabalho em equipe.
Palavras-chave: Educação em saúde. Serviços de integração docente-assistencial. Políticas públicas de saúde.
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(a) Departamento de Enfermagem, Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. BR 405, Km 3, Arizona. Pau dos Ferros, RN, Brasil. 59900-000. vianacostam@yahoo.com.br (b) Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP – Univ Estadual Paulista. Botucatu, SP, Brasil. pavao@fmb.unesp.br (c) Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil. anasettecamara@gmail.com (d) Departamento de Morfologia, Centro de Biociências e Escola Multicampi de Ciências Médicas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, Brasil. georgedantas.faimer@gmail.com (e) Departamento Saúde, Educação e Sociedade, Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista. Santos, SP, Brasil. sylvia.batista@unifesp.br
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Introdução No contexto atual, é cada vez mais necessário pensar que mudanças significativas na realidade dos serviços de saúde – capazes de provocar maiores impactos nas condições gerais de vida e saúde das pessoas – somente serão possíveis frente a um processo de reforma do modelo de formação da força de trabalho em saúde1-3. Um dos pontos de fragilidade do processo de formação dos profissionais de saúde é a pouca capacidade na formação de profissionais aptos ao efetivo trabalho em equipe, reproduzindo um modelo de atenção à saúde muito fragmentado e pouco resolutivo. Nesse sentido, alguns esforços para fortalecer essa discussão emergem no cenário global. Em 1988, por exemplo, foi apresentado o documento “Learning Together to work together for health”, que deu início a uma série de iniciativas e articulações voltadas para a necessidade de se formarem profissionais mais aptos ao trabalho colaborativo nas equipes de saúde, a partir da lógica da educação interprofissional (EIP)4. As ações e movimentos disparados pela “The network towards unity for health” também têm contribuído para a disseminação dos fundamentos da EIP, propondo que o termo multiprofissional seja substituído por interprofissional, para enfatizar a importância de serem criadas e implementadas situações de aprendizagem “com, para e sobre” diferentes profissões da saúde. Recentemente, esse debate ganhou uma produção teórica importante, e que tem contribuído para retomar e fortalecer as reflexões sobre o processo de formação em saúde: o relatório produzido pela Comissão de Educação da Lancet1,5. O relatório traz, com muita propriedade, os atuais problemas enfrentados pelos países na configuração dos serviços de saúde, e os desafios a serem assumidos pela educação dos profissionais de saúde. Essa assertiva impõe importantes desafios quando a realidade brasileira é posta em discussão. No Brasil, há importantes dispositivos de luta pela consolidação e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir dos pressupostos da reforma sanitária brasileira, que colocam como pontos centrais do sistema6: o atendimento das necessidades de saúde da população, ênfase na transformação dos perfis epidemiológicos e mudanças do modelo assistencial. Nesse sentido, as políticas de promoção de processos de mudanças na formação dos profissionais de saúde no Brasil têm assumido papel importante frente a esses desafios. As diretrizes curriculares nacionais dos cursos da área da saúde conseguem expressar a intenção de formar um novo perfil profissional, capaz de assumir seu importante papel na mudança das condições gerais de vida e saúde da população brasileira7. Outro ponto que merece destaque, no contexto brasileiro, foi a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde – SGTES, que fortaleceu o debate sobre a necessidade de reorientação da formação profissional, promovendo uma abordagem integral do processo saúdedoença, valorizando a atenção primária à saúde e integração entre as Instituições de Ensino Superior (IES) e os serviços públicos, na busca de fortalecer o SUS8. No entanto, há uma série de problemas complexos que vão além da reestruturação curricular, como: inovação das estratégias de ensino e de aprendizagem; fortalecimento das relações ensino/ serviço na perspectiva da coparticipação em ambos os processos; redefinição dos papéis dos profissionais de saúde; fortalecimento do trabalho em equipe a partir da lógica colaborativa; e resgate da responsabilidade social dos profissionais em formação sobre o contexto em que se inserem9. O contexto atual do processo de formação em saúde fortalece a lógica da separação das áreas do conhecimento, constituindo as ‘tribos profissionais’10, estabelecendo áreas que podem/devem ou não dialogar – realidade muito presente nos departamentos acadêmicos. Os silos profissionais se fortalecem como estratégia para assegurar as identidades profissionais, com fortes implicações para o trabalho em saúde11, até mesmo negando sua essência: o trabalho colaborativo e compartilhado. Diante das problemáticas relatadas, a EIP tem sido discutida como importante abordagem para a efetivação de mudanças das práticas profissionais, e, consequentemente, do modelo assistencial. A EIP se mostra necessária, na realidade brasileira, na medida em que busca qualificar os profissionais, gestores e instituições para o trabalho colaborativo em saúde, fundamental para a integralidade do cuidado12.
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Sendo assim, a perspectiva da EIP e do trabalho colaborativo, e suas bases teóricas e metodológicas, garantem aderência aos princípios da reforma sanitária brasileira, na medida em que apresentam elementos para mudanças importantes na dinâmica de produção dos serviços de saúde, a partir da ressignificação dos papéis profissionais, bem como de todos os atores envolvidos. Outrossim, permite (re)situar a figura do usuário e de suas necessidades, na centralidade do processo13. Este artigo tem como objetivo refletir sobre o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-Saúde) articulado ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) como cenário mobilizador para a adoção da educação interprofissional, a partir das potências e desafios identificados na IES participantes do PROPET.
Educação interprofissional: uma breve incursão Como proposta de formação, a educação interprofissional vem sendo discutida nos últimos trinta anos, especialmente nos Estados Unidos e Europa, com o intuito de estimular o aprimoramento do cuidado em saúde por meio do trabalho em equipe. Os princípios da educação interprofissional se aplicam tanto para a graduação das diferentes profissões de saúde como para a educação permanente dos profissionais componentes de uma equipe de trabalho14. Inicialmente, foi definida como: Proposta onde duas ou mais profissões aprendem juntas sobre o trabalho conjunto e sobre as especificidades de cada uma, na melhoria da qualidade no cuidado ao paciente.15 (p. 460) Estilo de educação que prioriza o trabalho em equipe, a interdisciplinaridade e o compromisso com a integração das ações que deve ser alcançado com um amplo reconhecimento e respeito às especificidades de cada profissão.16 (p.7)
Com a ampliação do debate, outros conceitos começam a ser elaborados com o objetivo de ampliar a compreensão da EIP e evidenciar aspectos importantes que permeiam a efetivação dessa abordagem. Exemplo desses esforços são as revisões sistemáticas que trazem importantes contribuições, a partir da colaboração, comunicação e da centralidade do usuário como pontos centrais da EIP. Uma intervenção em que os membros de mais de uma profissão da saúde ou assistência social, ou ambos, aprendem em conjunto, de forma interativa, com o propósito explícito de melhorar a colaboração interprofissional ou a saúde/bem-estar de pacientes/clientes, ou ambos.17 (p. 5)
Estas concepções permitem reconhecer a possibilidade de inverter a lógica mais usual de pensar a formação em saúde – cada profissão pensada e discutida em si – descortinando espaços e cenários para a incorporação da perspectiva do interprofissionalismo, percebendo que as diferentes áreas profissionais podem constituir um campo mais integrador de práticas de atenção à saúde. Gyamarti18, Casto e Julia19, Carpenter20 e Freeth21, por sua vez, ressaltam que o inteprofissionalismo abrange comunicação entre as diferentes profissões, como forma de assegurar uma atenção integral, opondo-se ao reducionismo e fragmentação da visão de uma profissão isolada. Nessa perspectiva, há a necessidade de desenvolvimento da competência colaborativa para que o trabalho em equipe possa se efetivar e a EIP se apresente como capaz de reforçar essas competências22. Vale ressaltar, ainda, que esses esforços não devem estar centrados apenas na Universidade, e que suas bases teóricas e metodológicas devem subsidiar mudanças/melhorias também nos serviços de saúde23. A EIP vem se apresentando internacionalmente como uma abordagem sólida, e a maior parte das investigações mostra impacto positivo, com evidências de satisfação dos estudantes, dos pacientes e da melhoria de prestação de serviços, como estudo no qual avaliaram-se 21 publicações identificando potencialidades e fragilidades na efetivação da EIP24.
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Outro levantamento, que analisou seis estudos sobre os efeitos da EIP na prática profissional e na melhoria do cuidado, conclui que, embora tenham sido encontrados resultados positivos, não foi possível afirmar a efetividade da EIP em virtude: do pequeno número de publicações incluídas no estudo, da heterogeneidade das amostras e dos métodos utilizados25. No Brasil, estudos realizados por Willians et al.26 e Aguilar-da-Silva et al.27 trazem pistas promissoras a respeito das percepções e atitudes interprofissionais, sugerindo um impacto positivo a longo prazo, bem como a abertura dos estudantes para a aprendizagem compartilhada. Rossit et al.12, também no contexto brasileiro, em um estudo com egressos de cursos de saúde formados em um currículo baseado na EIP, afirmam que a aprendizagem da prática colaborativa implica: a análise do contexto, o planejamento, a intervenção propriamente dita e a avaliação das ações de saúde de forma compartilhada. Essa efetividade, considerada como essencial para melhorar a qualidade do cuidado em saúde, é influenciada pelas atitudes dos profissionais em relação à sua própria profissão e aos outros grupos profissionais28. Sobre esse aspecto, a literatura debate, como ponto importante, o período em que as atividades de EIP são introduzidas no processo de formação, com vistas a mobilizar atitudes positivas dos estudantes em relação à sua própria profissão e dos outros grupos profissionais. McNair15, por exemplo, descrevem um estudo-piloto de EIP para estudantes de profissões da área da saúde (medicina, enfermagem, fisioterapia e farmácia), realizado na zona rural de Victoria, Austrália, entre 2001 e 2003. A experiência do estágio melhorou as habilidades de autorrelato e conhecimentos no trabalho em equipe, e apoiou a “crença” dos estudantes quanto ao valor da prática interprofissional. Outro estudo, que relata uma intervenção, baseada na EIP, envolvendo estudantes do 1º ano de graduação em medicina, fisioterapia, enfermagem e terapia ocupacional, constrói dados qualitativos que mostram o aumento da confiança dos alunos na sua própria identidade profissional, que os ajudou a valorizar as diferenças, tornando-os melhor preparados para a atuação clínica. Os achados corroboram com o debate em torno da necessidade de se inserir a EIP desde o início da formação dos alunos29. Além do período de introdução de iniciativas da EIP, a literatura também discute amplamente os métodos de ensino e aprendizagem mais adotados e suas potencialidades na efetividade da EIP. Goelen et al.30 desenvolveram uma investigação que teve como objetivo avaliar a melhoria de atitudes para a colaboração interprofissional de estudantes da área da saúde em um módulo de aprendizagem baseada em problemas (PBL), utilizando pacientes reais como desencadeadores de integração curricular para graduandos em medicina, enfermagem e fisioterapia. No grupo de intervenção, melhorias estatisticamente significativas puderam ser identificadas nas atitudes gerais dos estudantes do gênero masculino e nas atitudes relativas à competência e autonomia dos indivíduos na própria profissão, no grupo como um todo. Bridges et al.31 apresentaram uma investigação sobre três modelos para formação interprofissional. O primeiro tratou de uma proposta curricular enfatizando: as habilidades didáticas, a aprendizagem e o conhecimento das profissões necessárias à formação interprofissional. O segundo, de uma experiência baseada na comunidade, e demonstrou como as colaborações interprofissionais influenciam o serviço e a qualidade do atendimento aos pacientes. O terceiro, de uma atividade de simulação interprofissional, que demonstrou como esta experiência pode desenvolver habilidades de comunicação e liderança. No entanto, Olson e Bialocerkowsk32 chamam a atenção – numa revisão sistemática que buscou identificar a melhor abordagem de EIP para a graduação na área da saúde – para os aspectos mais adequados para proporcionar experiências de aprendizagem ideais. Os resultados dos estudos revisados indicam que a EIP funciona, mas a compreensão do que funciona, para quem e em que circunstâncias é limitada. As autoras defendem a reconceituação da EIP como processo de socialização interprofissional dentro de um sistema, em vez de intervenções transferíveis; e propõem uma agenda de pesquisa que priorize abordagens metodológicas que permitam compreender as complexidades desses processos. Nesse sentido, a EIP precisa ser pensada na realidade em que vai ser adotada, buscando formas, métodos e parceiros que possam avançar na efetividade dos princípios da interprofissionalidade.
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A construção da pesquisa O campo empírico do presente estudo foi constituído por cento e vinte Relatórios Técnicos Anuais (RTA) de Projetos PROPET e 119 Relatórios de Autoavaliação (RAV), os quais foram preenchidos pela própria IES participante. Além disto, foram analisados os 99 Relatórios de Acompanhamento (RA) realizados por assessores do Ministério da Saúde durante visitas in loco a cada IES. Os três instrumentos foram preenchidos por meio do FORMSUS. Nos RTA, realizados no final de 2013, as IES descreviam como estavam sendo desenvolvidas suas ações, destacando avanços e fragilidades. Os RAV, elaborados pelos coordenadores dos projetos aprovados, juntamente com as Comissões Gestoras Locais (CGL), expressaram a autoavaliação do processo de implantação e desenvolvimento das ações em 2013, frente às diretrizes apontadas no edital. Estes RAV buscavam conhecer as percepções das equipes sobre o trabalho que desenvolveram no âmbito do PROPET, avaliando cinco categorias centrais: Comissão de gestão e Acompanhamento local (Espaço de pactuação, negociação e deliberação), Integração ensino/serviço (Educação pelo trabalho, interprofissionalidade e pesquisa), Reorientação do eixo da formação em Saúde, Sustentabilidade e Mudanças nas práticas de cuidado. Os RA elaborados a partir de visitas de acompanhamento e interlocução crítica, realizadas de junho a dezembro de 2013, abrangem os registros de avaliadores dos projetos PROPET, os quais compõem a Comissão Assessora Nacional ao PRÓ-Saúde e PET-Saúde, orientado pelas mesmas categorias já referidas no RA, mas de forma descritiva. O acesso aos relatórios foi possível por meio da disponibilização dos mesmos pela SGTES na plataforma do FORMSUS. A análise dos dados compreendeu uma sistematização quantitativa e uma análise de conteúdo, do tipo temática, na busca dos sentidos atribuídos às atividades interprofissionais no âmbito dos Projetos PROPET33. As seguintes categorias temáticas emergiram nos RTA, RAV e RAA: (1) concepções e práticas na educação interprofissional: multi ou inter?; e (2) EIP e PROPET: desvelando potências.
Educação interprofissional: aprendendo com os projetos PROPET
Concepções e práticas na educação interprofissional: multi ou inter? A discussão sobre educação interprofissional vem ganhando espaço no âmbito dos programas PróSaúde e PET-Saúde, desde 2011, estimulando instituições formadoras a adotarem estratégias baseadas nessa abordagem, tendo em vista sua capacidade de dar respostas a muitos problemas vivenciados no âmbito do processo de formação em saúde5,34. No entanto, refletir sobre as bases teóricas e metodológicas que embasam a educação interprofissional, desvela a necessidade de se dar destaque à confusão conceitual que ora remete à multiprofissionalidade ora à multidisciplinaridade. Não se trata apenas de uma preocupação semântica, mas sim, de esforços no sentido de se compreender a lógica que sustenta a aprendizagem efetivamente compartilhada e colaborativa35. O uso do radical ‘disciplinar’ se refere a campo ou núcleo do conhecimento ou de estudo, enquanto o ‘profissional’, a campos ou núcleos de práticas. Associada a esses radicais, há a adoção dos prefixos ‘inter’ e ‘multi’, que traduz o nível ou intencionalidade de articulação/interação entre diferentes áreas do conhecimento ou de práticas36. A perspectiva ‘multidisciplinar’ e ‘multiprofissional’ aponta para relações independentes entre diferentes áreas do conhecimento ou de práticas, respectivamente. Já a lógica ‘interdisciplinar’ ou ‘interprofissional’ está associada à ideia de que diferentes campos do conhecimento e de práticas interagem entre si, de forma colaborativa37. Merece destaque, também, que, não raro, os termos interdisciplinar e interprofissional são utilizados como sinônimos, o que é um equívoco. A interdisciplinaridade pode ser uma ferramenta da
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formação de uma única categoria profissional. Por exemplo, a interação de diferentes disciplinas ou áreas de estudo na formação de uma categoria profissional, a fim de ampliar a compreensão sobre determinado fenômeno. A interprofissionalidade, por sua vez, aponta para a articulação intencional e colaborativa entre diferentes profissões, tendo como resultado ações mais resolutivas e integrais. Assim, a interdisciplinaridade se configura como importante ferramenta da formação interprofissional, mas não devem ser adotadas como sinônimos35. O relatório autoavaliativo aponta importantes aspectos que, por sua vez, demandam a busca por maior detalhamento, presentes nos relatórios técnicos e de acompanhamento. A Tabela 1 traz a percepção dos coordenadores sobre a adoção da interdisciplinaridade e da educação interprofissional na formação dos tutores e preceptores e nas pesquisas desenvolvidas pelas IES.
Tabela 1. Autoavaliação dos coordenadores do PROPET saúde em relação à educação interprofissional e a interdisciplinaridade, julho 2013.
Respostas
Formação de tutores e preceptores interprofissionais e interdisciplinares
A – Acontece regularmente B – Acontece parcialmente C – Não acontece D – Não foi previsto NF - não responderam
Pesquisas contribuem para a formação interdisciplinar e interprofissional
No
%
No
%
54 63 10 1 2
41,5 48,5 7,7 0,8 1,5
104 16 7 1 2
80 12,3 5,4 0,8 1,5
Fonte: Relatório Autoavaliativo – FORMSUS.
Um primeiro olhar permite afirmar que as IES consideram que vêm adotando, em sua grande maioria, a educação interprofissional e a interdisciplinaridade como instrumentos para a formação dos tutores e preceptores e para o desenvolvimento das pesquisas. É importante salientar que essas respostas podem estar se referindo muito mais a uma perspectiva multiprofissional/multidisciplinar do que à compreensão de ‘inter’. As realidades das IES que participam do PROPET, nos instrumentos pesquisados, evidenciam a confusão conceitual (inter e multi), podendo ser compreendida como uma limitação para a adoção de estratégias mais sólidas, na direção da EIP. Embora pareça óbvio essa diferenciação, muitas vezes, os termos são utilizados de forma indiscriminada, o que justifica a preocupação em delimitar as diferenças e, assim, assegurar que os princípios orientadores da perspectiva interprofissional sejam adotados de uma forma muito clara. Essa confusão conceitual é uma dimensão importante que aparece quando as IES detalham as iniciativas das atividades interprofissionais, impulsionadas pelo PROPET. “Dentre as atividades interdisciplinares desenvolvidas, destacam-se: Realização de Jornada; Disciplinas interdisciplinares em saúde; Ações multiprofissionais de Saúde semestrais na comunidade; Problematizações interdisciplinares em saúde nos cenários de prática e estágios”. (IES 2) “Os treinamentos multiprofissionais para coleta de dados...”. (IES 28)
Os pontos trazidos pelas IES apontam que a materialização das ações fundamenta-se: na busca de possibilitar a aprendizagem compartilhada, a interação entre os diferentes atores na discussão de cenários reais e suas necessidades. Esses pontos apresentam muita aderência com a educação interprofissional, no entanto são apresentados como iniciativas interdisciplinares ou multiprofissionais. 714
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Outra dimensão observada nos relatos das IES é a pouca clareza ou descrição breve das ações efetivadas na perspectiva da EIP, o que pode apontar para a inexistência de iniciativas ou dificuldades na execução de propostas interprofissionais. “O trabalho é totalmente multiprofissional e integrativo, posto que é baseado no âmbito da promoção e prevenção. Há nove cursos envolvidos, sempre mesclados no contexto de cada grupo de trabalho”. (IES 34) “No que diz respeito à definição de problemas, objetos e objetivos de pesquisa estão sendo realizadas atividades interdisciplinares, envolvendo tutores, preceptores e alunos de todos os cursos envolvidos. Além disso, estão sendo criados campos de estágio supervisionados para alunos de alguns cursos de graduação”. (IES 37)
Por outro lado, os relatórios de acompanhamento (RAA) dos projetos PROPET também trazem os desafios, da realidade atual, frente aos cenários políticos e institucionais complexos, e, muitas vezes, tensos, para a adoção da EIP. É importante que esses aspectos sejam discutidos como forma de se refletir sobre as atuais políticas e planejar estratégias capazes de inserir com mais força a EIP enquanto abordagem importante no cenário de reorientação da formação profissional em saúde. O enfrentamento das dificuldades trazidas nos relatórios aponta para dimensões distintas, como: o apoio institucional, mudanças na lógica do processo de formação e mudanças atitudinais38. É bem verdade que não são questões de fácil superação, mas o PROPET tem demonstrado boa capacidade de mudanças nos contextos das IES que participam dessa política39,40. “Organizam os bolsistas de forma diferente, fazem reuniões coletivas, na qual fazem discussão de artigos juntos, cada um prepara um sobre sua área. Os projetos de pesquisa são meio coletivos também, mas depois eles subdividem”. (IES 8)
Os trechos evidenciam importantes dificuldades que se constituem barreiras para a EIP: a dificuldade de pensar em ações que envolvam cursos com diferentes desenhos curriculares, distinção entre duração dos cursos; estruturas físicas das universidades; qualificação docente para estimular a aprendizagem e a prática interprofissional e colaborativa, e realidade do trabalho em saúde, fortemente marcado pela divisão e fragmentação dos atos41. Os desafios que se impõem, no contexto do debate da EPI, reforçam a necessidade de se revisitarem: os desenhos curriculares; os programas dos cursos; a qualificação docente; a reorientação das ações de extensão, pesquisa e ensino, de forma a fortalecer a indissociabilidade; a aproximação com a realidade de vida e saúde, e o fortalecimento dessas ações pelo envolvimento de atores de diferentes cursos da área da saúde e das demais áreas42.
EIP e PROPET: desvelando potências É possível reconhecer que muitas IES trazem uma descrição detalhada de algumas iniciativas e demonstram aproximação com alguns princípios da EIP, destacando um processo de aprendizagem compartilhado e que se fundamenta nas bases teóricas e metodológicas de um novo profissionalismo e do trabalho colaborativo. “Os alunos dos vários cursos tem desenvolvido as atividades de maneira integrada, cada um reconhecendo as capacidades e os limites de atuação de sua formação e entendendo que o trabalho integrado beneficia o serviço e a clientela”. (IES 3) “Na medida em que o PET SAÚDE agrega estudantes e profissionais de diferentes cursos da área da saúde em um projeto de trabalho e de pesquisa, todas as atividades são discutidas a partir de diferentes perspectivas. Isto permite que, neste momento, o aluno vivencie uma
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experiência de trabalho inter e multidisciplinar durante o curso de graduação. Este intercâmbio faz com que os alunos tragam para a unidade de saúde, um novo olhar para as atividades em desenvolvimento, como também levam para a graduação a vivência na unidade e o lidar com a comunidade”. (IES 42)
Os trechos dos relatórios apontam que o PROPET vem estimulando o enfrentamento de uma forte barreira para a EIP: a construção sócio-histórica da identidade profissional. As categorias profissionais, buscando construir uma identidade socialmente legitimada, estabelecem limites profissionais a partir de um corpo de conhecimentos que lhes atribui relevância social43. As profissões, por meio de seus instrumentos legais, buscam construir limites profissionais muito fortes, dificultando sobremaneira: a abertura para tomada de decisões compartilhadas, o gerenciamento de conflitos, para o reconhecimento da importância do papel dos outros profissionais no contexto do trabalho coletivo em saúde. Nesse sentido, as experiências trazidas pelas IES demonstram o importante impacto do PROPET como política capaz de inserir e fortalecer o debate da EIP no cenário nacional. As instituições já trazem aspectos que evidenciam avanços na superação do modelo tradicional de formação que baliza os silos profissionais. A perspectiva apontada avança no sentido de superar as tribos acadêmicas, e (re) situa o usuário como ator central da dinâmica da produção dos serviços de saúde. As IES afirmam que a interação possibilitada pelo PROPET permite uma maior visão do contexto em que os alunos estão inseridos, e assegura que profissionais e alunos conheçam outras formas de ver e agir sobre o mundo e suas necessidades44. A dinâmica apresentada nos relatórios sustenta o argumento de que iniciativas dessa natureza contribuem para a formação de profissionais mais aptos ao trabalho colaborativo no âmbito das equipes de saúde. Essas evidências, porém, demonstram a necessidade de se ampliarem os efeitos do PROPET para todos os alunos e cursos da área da saúde, construindo uma nova cultura de profissionalismo no âmbito das IES, com impactos em todos os sujeitos envolvidos. “São estudantes de diferentes anos de formação e de diferentes carreiras, os preceptores também possuem diferentes formações, o que foi relatado como de extrema importância para o processo de trabalho e para a construção do conhecimento. Tal dinâmica de trabalho possibilita, segundo as avaliações dos preceptores e alunos, a geração de aprendizados diversos daqueles obtidos apenas nas aulas teóricas, além de propiciar um envolvimento, vínculo e por parte de muitos preceptores o desejo pela especialização ou pela pós-graduação”. (IES 93) “Este processo tem acontecido e entendemos que a simples implicação dos tutores em prol da execução de atividades conjuntas (interdepartamental) já tem sido um enriquecimento no sentido da multiprofissionalidade, visto que antes da existência destes projetos isto não ocorria. Os demais projetos, por serem uniprofissionais, ainda seguem uma linha de execução de atividades ligadas ao núcleo. Contudo, os campos de práticas coincidem, fazendo com que haja alunos de diferentes cursos em períodos semelhantes nos serviços, proporcionando, minimamente, encontro entre eles”. (IES 83)
Os relatos têm mostrado que o direcionamento dado às ações adotadas pelas IES investem em competências colaborativas, incentivam o rompimento de relações hierárquicas, a reflexão sobre a relevância do trabalho em equipe, competências relevantes no contexto da colaboração e das relações interpessoais, corroborando com experiências trazidas pela literatura45. Muitas instituições no mundo têm desprendido esforços no sentido de descreverem as competências centrais da educação interprofissional, que são pensadas, na maioria das vezes, em cenários da prática clínica46,47. Embora sejam contribuições de muita relevância, seria um equívoco adotar essas competências como normas, na medida em que há a necessidade de se rediscutirem as EIP e seus desafios nos diferentes cenários da educação dos profissionais de saúde.
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É possível identificar a potência do PROPET, trazida pelos relatórios de acompanhamento, no sentido de: se conhecer com maior clareza o papel do outro na equipe de saúde; respeitar a importância dos demais profissionais; melhorar a comunicação na discussão dos problemas e na busca de respostas, de forma coletiva; incorporar a compreensão de interdependência entre os membros de uma equipe de saúde; saber conduzir conflitos e tolerar as diferenças entre os profissionais22.
Considerações finais O PROPET tem uma história significativa de incentivos às mudanças curriculares em diversas IES, em todo o país, configurando-se como importante política que induz a ampliação dos apoios institucionais em torno de temas centrais nos processos de reorientação da formação em saúde. É bem verdade que um processo de mudança, que aponte para mudanças em atitudes historicamente legitimadas, não se configura como tarefa simples. Mas é preciso compreender que a EIP se apresenta como abordagem potente para mudanças tanto nas realidades de produção dos serviços de saúde, quanto no contexto da formação profissional em saúde. Seus princípios se articulam com os propósitos de se avançar na perspectiva da integralidade da atenção e fortalecer a lógica do trabalho em equipe centrado nas necessidades dos usuários, em suas dimensões individual e coletiva. A análise produzida neste estudo permite reconhecer que o PROPET vem induzindo novas formas de interação e comunicação entre os cursos envolvidos, e seus atores. Além disso, a política favorece que essa interação, como um exercício do trabalho colaborativo nas equipes de saúde, aconteça nos cenários reais de vida e saúde das pessoas, enfrentando dois importantes pontos nevrálgicos da formação em saúde: a articulação ensino/serviço e a qualificação para o trabalho em equipe. É preciso reconhecer também que o PROPET precisa encontrar mecanismos para aprofundar o debate da EIP no contexto nacional. As IES, embora apresentem importantes avanços, demonstram a necessidade de suporte para a superação das limitações apresentadas e para garantir a sustentabilidade destes avanços. Dessa forma, a SGTES tem um papel importante no sentido de legitimar no nível macro, por meio das políticas de reorientação da formação profissional em saúde, a EIP como proposta potente na luta pela melhoria da qualidade dos serviços de saúde no âmbito do SUS.
Colaboradores Marcelo Viana da Costa participou de todas as etapas da elaboração do artigo: idealização, confecção, padronização e submissão. Karina Pavão Patrício participou da idealização e confecção, com destaque para o levantamento dos dados dos relatórios, elaboração e adequação da metodologia do estudo, análise dos dados, e teve importante participação na submissão do artigo. Maria Chagas Sette Câmara participou da idealização do artigo e teve relevante participação na discussão dos resultados. George Dantas Azevedo participou da idealização do artigo, da revisão do texto e da padronização de acordo com as normas da revista. Sylvia Helena Souza da Silva Batista participou de todas as fases de elaboração do artigo: idealização e confecção, e teve participação importante na elaboração da revisão da literatura, ajustes no texto e elaboração dos resumos. Referências 1. Demarzo MMP. Transforming health professionals’ education. Lancet. 2011;377(9773):1235. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60492-3
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Costa MV, Patrício KP, Câmara AMCS, Azevedo GD, Batista SHSS. Pro-Salud y PET-Salud como espacios de educación interprofesional. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:709-20. Este articulo pretende reflexionar sobre el Programa Nacional de Reorientación de la Formación Profesional en Salud (Pro-Salud), vinculado al Programa de Educación en el Trabajo para la Salud (PET-Salud) como marco movilizador para la adopción de la educación interprofesional, a partir de los retos identificados en las instituciones de educación superior (IES) participantes en el PROPET. Se investigó a partir de informes de las IES y de asesores del Ministerio de Salud, utilizando la plataforma FORMSUS. El análisis de datos comprendió la sistematización cuantitativa y el análisis de contenido. Emergieron como temas: “Concepciones y prácticas en la educación interprofesional (EIP): ¿multi o inter?” así como” EIP y PROPET: identificando fortalezas. El análisis mostró que el PROPET viene induciendo nuevas formas de interacción entre los cursos involucrados y sus actores, en entornos reales, encarando puntos neurálgicos de la formación en salud: articulación enseñanza/servicio y cualificación para el trabajo en equipo.
Palabras clave: Educación en salud. Servicios de integración docente assistencial. Políticas públicas de Salud. Recebido em 27/10/14. Aprovado em 16/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.1001
artigos
PET-Saúde: micropolítica, formação e o trabalho em saúde
Kathleen Tereza da Cruz(a) Emerson Elias Merhy(b) Maria de Fátima Lima Santos(c) Maria Paula Cerqueira Gomes(d)
Cruz KT, Merhy EE, Santos MFL, Gomes MPC. PET-Health: micro-policy, education, and health work. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:721-30.
This paper analyzes the effect of the daily experiences of tutors, preceptors, and students who participated in the Education by Work for Health Program (PET-Health) when using those to create transformations in the higher education micro-political dimension and in health work. Its guiding question was: Is the PET-Health with its daily processes capable of producing effects that extend the education matrix whose main characteristic is the teaching process? Rather than polarizing between yes or no, this paper attempt to discuss the existing stakes in education and healthcare production, the framework of the Brazilian education system, and the reinvention of education processes that adopt much more the unlearning and the potentialities of the different actors involved.
Keywords: Health education. National health programs. Teaching care integration services.
O presente artigo analisa os efeitos que podem ser coletados das múltiplas experiências cotidianas vivenciadas pelos tutores/as, preceptores/as e alunos/as participantes do Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-Saúde) quando se trata de utilizá-las para se pensarem transformações na micropolítica da formação universitária e no trabalho em saúde. Tem como eixo uma pergunta: O Programa Pet-Saúde, nos seus processos cotidianos, é capaz de produzir efeitos que alargam a matriz de formação que tem como característica principal os processos de ensignação? Mais do que polarizar entre o sim e o não, temos como objetivo colocar em discussão as apostas na formação e atuação do campo da produção do cuidado em saúde, tentando pensar o que têm sido esses campos no âmbito da educação brasileira, e como é possível re-inventar processos de formação que tomam muito mais as desaprendizagens e as potencialidades dos diferentes atores envolvidos.
Palavras-chave: Educação em saúde. Programas nacionais de saúde. Serviços de integração docente-assistencial.
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
Curso de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, campus Macaé. Cidade Universitária, Av. do Aloízio, 50, Granja dos Cavaleiros. Macaé, RJ, Brasil. 27930-560. emerson.merhy@gmail.com; keke.kathleen@gmail.com; fatimalima4@gmail.com (d) Instituto de Psiquiatria – IPUB, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. paulacerqueiraufrj@gmail.com
(a,b,c)
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pet-saúde: micropolítica, formação e o trabalho em saúde
“Por que todos os alunos não têm a oportunidade de fazer o que estamos fazendo, só os alunos do PET? Por que eu, que estou vivendo na experiência do PET, não vivo esta mesma experiência na sala de aula, quando estou no meu curso?” (aluna bolsista do PET Saúde) Em suma, tudo é político, mas toda política é ao mesmo tempo uma macropolítica e uma micropolítica.1 (p.90)
Apresentação O presente artigo tem como proposta discutir os efeitos que podem ser coletados das múltiplas experiências cotidianas vivenciadas pelos tutores/as, preceptores/as e alunos/as participantes do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde)2 quando se trata de utilizá-las como material para pensar transformações na micropolítica da formação universitária e no trabalho em saúde. Tem como fio condutor uma pergunta: O Programa Pet-Saúde, nos seus processos cotidianos, é capaz de produzir efeitos que alargam a matriz de formação que tem como característica principal os processos de “ensignação”1? Mais do que produzir respostas que polarizem entre o sim e o não, este texto tem como objetivo colocar em discussão as apostas na formação e atuação do campo da produção do cuidado em saúde; tentando pensar o que tem sido o campo da formação em saúde no âmbito da educação brasileira, e como é possível reinventar processos que tomam muito mais as desaprendizagens e as potencialidades dos diferentes atores envolvidos. Quando tomamos os processos de formação e, consequentemente, o mundo do trabalho de uma perspectiva micropolítica, estamos assumindo que diferentes linhas de força compõem os processos sociais e suas dinâmicas. Ora essas linhas são mais endurecidas, segmentarizadas e molares, ora são mais moleculares. Como nos diria Deleuze e Guattari1: [...] toda sociedade, mas todo indivíduo, são pois atravessados pelas duas segmentaridades ao mesmo tempo: uma molar e outra molecular. Se elas se distinguem, é porque não têm os mesmos termos, nem as mesmas correlações, nem a mesma natureza, nem o mesmo tipo de multiplicidade. Mas, se são inseparáveis, é porque coexistem, passam uma para a outra [...]. (p. 90)
Assim são os processos de formação em saúde e, também, o mundo do trabalho. Tomá-los, nesta perspectiva, é olhá-los a partir dos processos mais moleculares, micropolíticos, entendendo que “[...] cada um de nós passamos pelas mais variadas micropolíticas e, em cada uma delas, muda nossa maneira de pensar, sentir, perceber, agir – muda tudo. Além disso, cada momento de nossas vidas é feito, simultaneamente, de várias micropolíticas [...]”3 (p. 55). A partir desta perspectiva, que traz a micropolítica desses arranjos, é possível perceber a presença de linhas mais duras e segmentarizadas que reforçam algumas dicotomias como, por exemplo, a separação entre a formação e o mundo do trabalho, bem como linhas de fuga, re-invenções que colocam ou que tentam colocar esses campos em diálogos, interações e interferências. Assim, há uma certa “biologia”, a do corpo biológico, e seu imperativo no campo da saúde, conectada a um processo de formação, que trabalha fortemente a “ensignação” que separa o sujeito “sabedor” do “sujeito que não sabe”, que qualifica o conhecimento deste “sabedor” como o único válido, seja na relação entre professor/a e aluno/a, seja na relação profissional de saúde e sujeitos que demandam cuidados. Ao mesmo tempo, disputando esse sentido, outras possibilidades emergem nas mais diferentes práticas cotidianas que alargam o imperativo biológico na formação e na atuação no campo da saúde e apostam muito mais no encontro e em sua potência criativa, do que na ensignação e no distanciamento. Este texto é um esforço de fazer esses processos visíveis (possíveis de serem vistos, visibilizados) e dizíveis (possíveis de serem ditos, verbalizados). 722
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artigos
Percorrendo os encontros nas experimentações PET As falas que conduzem as discussões aqui levantadas vêm de várias experiências/experimentações: partem das experiências de tutorias em diferentes contextos e ofertas do PET (Saúde, Redes e Vigilância) onde, por meio de diferentes processos avaliativos com participantes do PET ou no cotidiano das atividades de tutoria do programa, podemos recolher falas como as que abrem nosso artigo tanto quanto as que aparecem ao longo do texto. Mas o que estas falas querem mesmo dizer? O que suas polifonias e polissemias revelam? O que estas questões posicionam e são capazes de ofertar para os debates nas escolas de formação em saúde? Queremos trazer para o debate a variedade/multiplicidade destas experiências e o que elas repetem (reiteram) ou interrogam e produzem inventivamente tanto nas instituições de ensino quanto nos serviços de saúde; movimento que nos remete, muito mais, a uma dobra entre repetição e diferença, onde aquilo que é repetição, de tanto se repetir, produz em si mesma a diferença4. Tanto alunos, como docentes e preceptores que atuam neste programa recolhem vivências muito interessantes. São relatos ricos, intensos, que não cansam de afirmar o quanto trabalhar junto com professores de outros cursos fazendo um trabalho comum é um grande aprendizado; que conhecer e trabalhar com os profissionais da rede permite ter outra visão de como é o mundo do trabalho nos serviços; que atuar como formador dos alunos traz um repensar da prática do profissional no serviço constantemente; que construir com os alunos atividades juntos aos serviços produz outro sentido em relação aos cenários de prática. Como nos diz Franco5 (p. 227): “[...] o processo de trabalho em saúde, na sua micropolítica, quando esta funciona sob uma certa hegemonia do trabalho vivo, vão-nos revelar um mundo extremamente rico, dinâmico e criativo, não estruturado e de alta possibilidade inventiva”. Nesse sentido, o encontro no PET-Saúde, ao trabalhar as questões que interessam ao SUS, produz outro sentido para pesquisa, onde desenvolver atividades com alunos/as, professores/as e preceptores/as de outros cursos é uma descoberta de encontros, porosidades e de troca. Em muitos casos, foi a organização do PET que produziu a entrada dos docentes na rede de saúde do município. Em outros, redesenhou os espaços de docência e do trabalho em saúde. Enfim, recolhemos vários aspectos potentes, que repercutem na formação e reconfiguração de todos os envolvidos. Docentes, estudantes e profissionais de saúde que atuam como preceptores relatam quanto este programa tem mudado cada um deles. Mas do que todos estes relatos estão falando? Quais os enunciados e seus agenciamentos coletivo de enunciação? E, mais ainda, que efeitos podemos recolher desses processos? O PET se desenha como um fabricador de experiências e experimentações. Experiência “[...] como aquilo que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece”6 (p. 22). A experiência é pessoal e grupal, intransferível, se dá no encontro, no entre, fala sobre como determinado acontecimento é enfrentado por aqueles que dele participam. Tutores, preceptores e alunos recolhem diferentes experiências de cada acontecimento vivido nos cenários do PET. Diz de um saber que não pode ser separado do indivíduo concreto em quem encarna. O saber da experiência não está, como o conhecimento científico, fora de nós, e, só tem sentido, no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo).7 (p. 11)
Assim, descortinam-se múltiplas narrativas para cada experiência recolhida. Em uma das narrativas que iluminam e transversalizam as questões aqui levantadas, sobre uma determinada situação que envolveu um “grupo PET” e uma equipe de trabalhadores num determinado território, recolhemos as seguintes falas: “Pensei que não ia suportar o nível de tensão da equipe. É visível que os alunos do PET colocam as relações e dinâmicas antigas da equipe em análise”, diz um preceptor de um serviço para o tutor. “Não sei não, acho que eles não querem mais que a gente abra a boca. Quando vamos falar fica um silêncio danado. Antes do PET eu só tinha estagiado na clínica escola, nunca tinha COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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participado de uma reunião de equipe e mesmo assim sempre tenho alguma coisa para falar, por que eles não têm? É só informe”. (Fala de aluno sobre o mesmo acontecimento)
Nestes contextos, os encontros que o PET-Saúde possibilita entre professores/as (tutores/as), preceptores/as e alunos/as constituem espaços aberto ao acontecimento onde, muitas vezes, os imponderáveis aparecem como matéria-prima rica em tensões, produtividade e, por vezes, estagnações e retrocessos. Assim, os espaços das reuniões de acompanhamento do PET desenham-se como espaços de educação permanente. Nesses encontros, o mundo do trabalho, em sua micropolítica, invade a cena. Experiências sobre o cuidado prestado, a relação das equipes, o trabalho cotidiano, a abertura ou o fechamento para o cuidado no território, as parcerias institucionais, as disputas dos planos de cuidado são tomadas em análise por todos: tutores, preceptores, alunos. Esses espaços produzem um deslocamento importante nos processos formativos e de produção de conhecimento. Deslocam a formação e a produção do conhecimento como solução de problemas para o exercício da problematização e invenção de si e do mundo, na medida em que cada um é partícipe ativo nesse processo. A experiência, a experimentação são os motores e o centro da aprendizagem. A experiência como elemento dinamizador da formação implica colocar-se à disposição do exercício de apreender com e no mundo do trabalho, enquanto um campo essencialmente micropolítico. A formação nos convoca a experimentar durante o cuidar, durante o ato do trabalho; despertar sensações e afetos produzindo-se no cuidado.8 (p. 317)
O PET quando se produz como dispositivo facilitador da experiência e experimentação não reduz o processo formativo à função de potencializar a cognição e\ou solução de problemas. Ele é tomado como ação política, ativa e em produção, construída coletivamente e por cada um, e, por isso, capaz de fazer emergir o sujeito e o mundo. As narrativas recolhidas dos diversos integrantes do PET indicam que ensinar, aprender, produzir conhecimento deixa de ser entendido como transmissão e aquisição de competências, mas como viver uma experiência. Trata-se, muitas vezes, de certo exercício de estranhamento daquilo que se imaginava já sabido e, como efeito, do encontro com o próprio processo de desaprendizagem. É uma experiência composta por desaprendizagens que nos convoca a desautomatizar, muitas vezes, a nossa percepção das coisas e de nós mesmos. Assim, toda espécie de automatismo – do saber, do dizer, do pensar e do cuidar –, aos poucos, passa a ser questionada. As falas a seguir, de dois estudantes do PET- Redes Saúde Mental Crack, Álcool e outras Drogas, ilustram com propriedade esses processos de desaprendizagens: “[...] Nossa, são os seis meses mais intensos da minha vida! Um monte de coisas que eu pensava sobre o que era tratar foram por água abaixo. Essas coisas não se aprendem em sala de aula”. (estudante de psicologia) “[...] Eu sempre quis conhecer o tratamento com dependentes químicos. Agora eu vejo que eu tinha a ideia de que a droga era uma doença que era como se tomasse conta das pessoas. Agora eu vejo que é justamente o contrário, cada sujeito tem uma forma diferente de se relacionar com a droga. Perceber isso é muito importante no tratamento. Não tem livro que explica isso”. (estudante de enfermagem)
As narrativas acima trazem a potência das vidas, dos sujeitos e suas produções. Produz um deslocamento na lógica que perfaz grande parte das formações acadêmicas que coloca a ensignação como característica principal, sempre reforçando uma hierarquização entre quem sabe e quem não sabe e tem que aprender e, mais do que isso, produz, no campo da formação em saúde um deslocamento da centralidade no biológico e na anatomofisiologia como espaço que responde pela vida dos sujeitos. Isso só é possível porque o PET-Saúde ativa-se nos encontros e na produção constante de si e do outro ou de si no outro. Como nos diz Abrahão e Merhy8, formar é produção, é produzir-se. 724
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[...] Tal afirmação implica processos que se tornem imanentes e referentes às multiplicidades do encontro. Ou seja, a partir do encontro, estamos em produção, produção de diferentes formas de ser no mundo, diferentes formas de cuidar de si e do outro. [...] O ato da formação convoca vários meios, não só o conhecimento racional e lógico. Convida também aquilo que está no entre os sujeitos que participam do processo. Elementos que passam a ser produzidos durante o encontro e que não existam, e incidem no processo pedagógico ou de cuidado e, muitas vezes, não encontram linguagem falada capaz de expressar o seu significado, mas que conferem sentido ao ato. Porém, quando se expressam como ideias, adquirem sempre uma dimensão polissêmica, habitadas por sentidos diferentes. É comum ouvir, durante estes encontros, alguém dizer: “Nossa! Nunca havia pensado desta forma. Ah! Agora entendi”. Ou seja, durante o ato, estabeleceu-se um processo único e singular que promoveu a produção de algo que passou a fazer sentido e que não havia antes. (p. 318)
Todos interrogam um cotidiano que experimentam em seus cursos, vivendo como alunos, como docentes ou como aqueles que os recebem nos serviços. A experiência do PET se dá em um mergulho na micropolítica e nas tensões produtivas do mundo do trabalho em saúde. Afirma a experiência na radicalidade do processo formativo, fabrica outros tipos de saberes e conhecimentos capazes de desenhar uma caixa de ferramentas facilitadoras da produção de práticas de saúde. O PET-Saúde é uma prática de formação que toma o encontro entre aquele que demanda um cuidado e aquele que cuida como o centro do agir em saúde. Inverte a lógica comum de produzir uma formação em série na qual o profissional age como teórico do outro, ele é que sabe o que o outro tem e quais são suas reais necessidades, pois o conhecimento é dado como a priori. O PET é uma fábrica de experimentação e de produção de conhecimento porque, nele, o conhecimento se produz ali, a cada vez, em ato, com base nas perguntas e reflexões que faço a partir das experiências que estou vivendo e dos significados que dou a elas. Por vezes, somam-se às experiências PET, que consideramos com muita potência, outras que têm reproduzido lógicas não tão produtivas assim, tanto no âmbito da formação como no âmbito dos serviços de saúde, como uma dobra em constante movimento (devir) que possui seus entraves, suas repetições, seus endurecimentos, suas molaridades. Entre estas, podemos citar: 1) Diferente da perspectiva de criar um espaço de Educação Permanente, os grupos multiprofissionais investem seu desejo e sua energia na produção de capacitações para os profissionais que atuam nos serviços de saúde, partindo do princípio de que, se existem problemas de qualidade nos serviços de saúde, isso é devido a uma falta na formação da equipe que está atuando. Toda a energia é utilizada para montar os manuais, os materiais e realizar as capacitações das equipes de saúde. E isso se repete com os mais variados temas, como: doenças crônicas, transmissíveis, rede Cegonha, dentre tantas outras frentes que atuam nas equipes de todos os PET’s. Também temos encontrado, nestas experiências, uma posição semelhante em relação aos usuários, e também os grupos PET, com toda a sua equipe, desenvolve ações para educar os usuários para aprenderem a cuidar de suas doenças, e se repetem as atividades onde os encontros acontecem de forma diferente das narrativas anteriores, onde tem um que está falando e sabe do assunto que está sendo tratado, e de outros que estão ali para “aprender e tirar dúvidas”, sendo esta a sua atuação mais ativa na atividade, identificar quais dúvidas devem ser abordadas. 2) Ainda neste grande leque de experiências, encontramos grupos que, apesar de trabalharem no mesmo espaço físico, de pertencerem aos mesmos grupos tutoriais, mas de profissões diferentes, se organizam conforme suas corporações estão acostumadas, e fazem uma agenda de trabalho com os mesmos usuários, fragmentando a ação em uma escala de horário para a realização de procedimentos. 3) Outros grupos ainda têm um posicionamento ainda mais diferente, se organizam como grupos de pesquisa, que investem o tempo inicial para se apropriarem das teorias em relação ao objeto que querem pesquisar, desenvolvem os instrumentos, e aí sim, vão para os serviços realizarem a atividade prática do PET, que está centralmente focada na aplicação dos instrumentos de pesquisa. Algumas pesquisas fazem, inclusive, parte de projetos dos docentes, e muitos expressam que precisam destes COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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bolsistas para serem realizados o projeto x ou y, muitas vezes relacionados à pesquisa de mestrado ou doutorado do próprio professor. Identificamos, nestes últimos três arranjos de PET, operando fortemente em uma outra face destas experimentações, que vem também por um caminho de experimentações, reproduzindo o que já é descrito por Ceccim e Feuerwerker9 sobre o que são os cursos da saúde hoje: […] a abordagem biologicista, medicalizante e procedimento-centrada; […] O modelo pedagógico hegemônico de ensino é centrado em conteúdos, organizado de maneira compartimentada e isolada, fragmentando os indivíduos em especialidades da clínica, dissociando conhecimentos das áreas básicas e conhecimentos da área clínica, centrando as oportunidades de aprendizagem da clínica no hospital universitário, adotando sistemas de avaliação cognitiva por acumulação de informação técnico-científica padronizada, incentivando a precoce especialização, perpetuando modelos tradicionais de prática em saúde. Na abordagem clássica da formação em saúde, o ensino é tecnicista e preocupado com a sofisticação dos procedimentos e do conhecimento dos equipamentos auxiliares do diagnóstico, tratamento e cuidado, planejado segundo o referencial técnico-científico acumulado pelos docentes em suas respectivas áreas de especialidade ou dedicação profissional. (p. 1402)
Assim, um dos grandes enfrentamentos que os PETs é o fato de lidarem com este preponderante na formação no campo da saúde: um modelo centrado na doença, no biológico e, consequentemente, muitas vezes, não tomando o cuidado em saúde e a integralidade como elementos imprescindíveis. Por outro lado, este modelo reforça o modelo que separa a formação acadêmica e o mundo do trabalho e, ainda, no âmbito da formação acadêmica, a separação entre professores/as e alunos/as. Essa matriz de formação encontra-se ancorada na emergência e consolidação: da medicina moderna, do processo de medicalização da sociedade, da modernização das universidades e, sobretudo, da criação e consolidação dos diferentes campos de formação na saúde.
Percorrendo as grades nas suas fissuras Percorrendo o cotidiano da docência, encontramos, quando se produzem encontros para falar sobre as vivências dos alunos no cotidiano das disciplinas curriculares, relatos que aprofundam a discussão acima sobre os processos de produção de conhecimento. É possível perceber, nas falas de dois alunos de 1º período, com que os demais presentes concordaram, aspectos das questões levantadas sobre a ensignação: “[...] Estudamos muito para prova, até fui bem, e a minha turma foi mais ou menos […] mas eu tenho certeza que amanhã não me lembrarei de mais nada.. É isso que é se formar? O que a gente vai fazer quando precisar de tudo isso? Ou a gente não vai precisar, por isso que é dado assim?”. “[...] Não sei o que acontece, estudo todos os dias, leio os livros, mas não vou bem nas provas, não sei mais o que fazer”.
Por outro lado, os docentes, quando falam do desempenho dos discentes, julgam que “os alunos estão muito desinteressados, faltam aulas para estudar para as provas, e, depois, reclamam que vão mal” (docente do 1º período). Quando avançamos nos períodos adiante, continuamos recolhendo, dos estudantes, os efeitos que vão se multiplicando em relação as suas dúvidas sobre sua formação e atuação. “[...] Na teoria fazer uma história completa parece importante, mas na prática já vi que não dá tempo... Tem mesmo que saber isso tudo da história?” (aluno do 5º período). E quando conversamos com os profissionais de saúde sobre a relação com as atividades da universidade em serviços de saúde, frequentemente recolhemos falas como a da preceptora, quando analisa a diferença entre o PET e as outras entradas da universidade no serviço onde trabalha; se 726
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referindo às atividades das disciplinas, nos diz: “Todos vem pra cá, os alunos e os professores, ficam aí fazendo suas coisas e depois se vão e a gente nunca sabe direito o que fizeram e o que deixaram...”. Nos processos avaliativos do PET também recolhemos outros relatos que dão visibilidade aos processos micropolíticos das atividades formais das grades curriculares dos cursos da saúde, aos relatos anteriores, como as duas questões levantadas por estas duas alunas bolsistas do PET-Saúde, como: “- Por que todos os alunos não têm a oportunidade de fazer o que estamos fazendo, só os alunos do PET? - Por que o que eu estou vivendo na experiência do PET não vivo na sala de aula quando estou no meu curso?” Do que tratam estas questões? O que elas posicionam em relação às atividades desenvolvidas nas disciplinas obrigatórias dos cursos da graduação? O que fazemos diante desta questão levantada pelos alunos que interrogam “por que o meu curso não é como o PET?”. Esta questão é reiterada por alunos que vivem os vários tipos de experiências PET.
Os processos de formação em Saúde: limites e desafios No que se refere aos enfrentamentos dos processos de formação – seja na saúde ou extrapolando suas fronteiras, nas Universidades, por meio de suas diferentes instâncias e representações –, são perceptíveis duas linhas molares de produção preponderantes: prolongados processos de mudanças nas grades curriculares no âmbito dos cursos de graduação, e a introdução de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, acrescidas de diversificação dos cenários de práticas. A primeira fórmula, como seu problema, uma inadequação da grade curricular, e investe sua energia na reformulação dos currículos, que, para serem formulados e implantados, requerem um intenso trabalho coletivo e uma ampla negociação dentro de suas várias instâncias de governo. Encontram, no seu caminho, espaços colegiados engessados, por vezes burocratizados, por vezes colonizados por disputas autofágicas, que pouco contribuem ou pouco se interessam pelo conteúdo do que está tramitando, operando, na maioria das vezes, como força conservadora. Perdem potência e não conseguem manter ativados os coletivos interessados, bem como não conseguem ampliá-los o suficiente para enfrentar o instituído. São também fortemente atravessados pelo conservadorismo que organiza e segmenta os trabalhadores em diferentes profissões, reproduzindo, dentro das IES, as disputas por fatias de mercado que mitigam os esforços de produção de coletivos e o desenvolvimento de projetos integrados entre os cursos. A outra elabora, como seu problema, uma inadequação das metodologias de ensino-aprendizagem utilizadas pelos docentes; e propõe, como ponto de partida, a capacitação de todos os docentes em metodologias chamadas ativas. Para pensar como isto significa, vamos olhar como a universidade atua para fora de seus muros, na relação com outras instituições que a consomem. Por exemplo, no encontro entre a universidade e secretarias de saúde, observamos que a principal ação em termos de formação se dá por meio da multiplicação das capacitações realizadas pelos docentes e/ou estudantes para os profissionais de saúde. Mas de que problemas estão falando com esta ação? Merhy10 identifica que o problema é enunciado como uma “falta de competência dos trabalhadores”, e que, por consequência, deva ser suprida por “cursos compensatórios” que preencham esta falta. Posiciona, ainda, esta formulação dentro de uma matriz gerencialista de organização, que desencadeia suas ações por meio de uma política baseada em “cursinhos à exaustão, que consomem recursos imensos e que não vêm gerando efeitos positivos e mudancistas nas práticas destes profissionais” (p. 172). Seria a falta de competência o problema, tanto dos trabalhadores em saúde como dos docentes das universidades? Ou seria o tipo de competência que se tem? O problema não seria exatamente o contrário? Porque se tomam como já sabidos, por serem empreendedores de si, os profissionais de saúde e docentes aprenderam muito bem, em seus cursos de graduação, a desempenharem suas funções como competentes interditores das vidas que se apresentam, para si10. Há excelência nesta atuação, especialistas que já sabem a priori o que o outro tem, ou o que o outro precisa saber para atuar, e que desqualificam a informação circunstanciada sobre os modos como se vive e se aprende, bem como separam a experimentação da vida, da produção do conhecimento. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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Nesta competência, a atuação no encontro com o paciente está centrada no recorte do problema do outro em termos de anormalidades/disfunções/inconformidades/ inadequações, que requerem intervenções específicas, no caso dos profissionais de saúde, sob a forma de procedimentos: exames, medicamentos, cirurgias, técnicas de correção de várias ordens do corpo, dos hábitos, do cotidiano. Desenhos que se centram no saber que a prática em saúde é resultado da lógica cientificista, classificatória, protocolar, circunscrita em uma produção única do sofrimento como doença, em que os distintos modos de sofrimento e de existir estão ausentes, juntamente com a produção de territórios identitários do usuário.8 (p.315). Ou seja, uma infinidade de bens e serviços amplamente comercializados no mercado da saúde, tomando o ter saúde como um ato de consumo e bem privado. No caso dos docentes, o encontro com o estudante, por um lado, está centrado na aplicação de [...] tecnologias pedagógicas aos alunos, sob um ponto de vista que opera a partir de um saber cientificamente comprovado. Um produto pronto para ser consumido e reproduzido. Um aprendizado que estimula muito pouco o exercício de autonomia e de crítica, pois parte do princípio de que expor o aluno ao conteúdo é suficiente para a formação. Uma ciência aplicada que, fracionadamente, vai sendo exposta e é assumida como centro do aprendizado, com pouca margem para outros tipos de conexões existenciais e de produção de conhecimento, durante o processo de formação.8 (p. 314)
E, por outro, está voltado para ensignar como ser empreendedor de si e tirar o máximo de proveito privado do mercado da saúde. Não seria isso que estamos produzindo em nossas universidades? Necessitamos avariar a máquina de formar os profissionais da saúde, que operamos desde os tempos da ditadura. Não é possível mudar a formação em saúde sem se discutirem e produzirem vários dispositivos que sejam capazes de questionar toda espécie de automatismo do saber, do dizer, do pensar e do cuidar, criando um processo de estranhamento daquilo que se imaginava já sabido, e, como efeito, do encontro com o próprio processo de desaprendizagem. É uma experiência composta por desaprendizagens que nos convoca a desautomatizar, muitas vezes, a nossa percepção das coisas e de nós mesmos. É necessário interferir nos processos produtivos, criando dispositivos vários que atuam diretamente no que é produzido nos encontros entre docentes/alunos/profissionais de saúde/usuários, de forma a criar uma dinâmica na micropolítica que se abra à disputa por outros processos produtivos, na formação e no modo de cuidar. Para construir uma nova universidade, é necessário ir para dentro da natureza dos processos produtivos, e não ficar apenas na agenda ideológica geral de grupos políticos, intensamente molarizados, fixados no horizonte das condições trabalhistas, como o central do processo de mudança nas organizações. Por fim, diríamos que o programa PET-Saúde sinaliza, tensiona, atua nas fissuras; mas necessitamse de outros dispositivos e transformações para se pensar o que o PET muda e se muda os processos produtivos, na formação em saúde.
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Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. 12a ed. Rio de Janeiro: Editora 34; 2002. Vol. 3. 2. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde. Diário Oficial União. 25 jun 2007. 3. Rolnik S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a ed. Porto Alegre: Sulina; 2011. 4. Merhy EE, Feuerweker LCM, Gomes MPC. Da repetição à diferença: construindo sentidos com o outro no mundo do cuidado. In: Franco TB; Ramos VC, organizadores. Semiótica, afecção e cuidado em saúde. São Paulo: Hucitec; 2010. p. 60-75. 5. Franco TB. As redes na micropolítica do processo de trabalho em saúde. In: Franco TB, Merhy EE, organizadores. Trabalho, produção do cuidado e subjetividade. São Paulo: Hucitec; 2013. p 226-42. 6. Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev Bras Educ. 2002;19(2):20-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003 7. Bondía JL. Experiência e alteridade em educação. Reflex Acao. 2011;19(2):4-27. 8. Abrahão AL, Merhy EE. Formação em saúde e micropolítica: sobre conceitosferramentas na prática de ensinar. Interface (Botucatu). 2014;18(49):313-24. http:// dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0166 9. Ceccim RB, Feuerwerker LCM. Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad Saude Publica. 2004;20(5):1400-10. http://dx.doi. org/10.1590/S0102-311X2004000500036 10. Merhy EE. O desafio que a Educação Permanente tem em si: a pedagogia da implicação. Interface (Botucatu). 2005;9(16):161-77. http://dx.doi.org/10.1590/S141432832005000100015
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Cruz KT, Merhy EE, Santos MFL, Gomes MPC. PET-Salud: micro-politica, educación y el trabajo en salud. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:721-30. Este artículo analisa los efectos que pueden ser recogidos a partir de múltiples experiencias vividas por los participantes del Programa de Educación por el Trabajo para la Salud (PETSalud), para pensar transformaciones en la micropolítica de la formación universitaria y el trabajo en la salud. Existe como hilo conductor una pregunta: El PET-Salud, en sus procesos diarios, puede producir efectos que amplían la matriz de formación que tiene como característica principal los procesos de ensignación? Más que polarizar entre el sí y el no, nuestro objetivo es poner en discusión las participaciones en la formación y actuación del campo de la producción en la atención de la salud; tratando de pensar en lo que han sido estos campos en el ámbito de la educación brasileña y cómo se pueden reinventar los procesos de formación que toman mucho más los desaprendizajes y las potencialidades de los distintos actores involucrados.
Palabras clave: Educación en salud. Programas nacionales de salud. Servicios de integración docente assistencial.
Recebido em 01/10/14. Aprovado em 31/01/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.1079
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O potencial da avaliação formativa nos processos de mudança da formação dos profissionais da saúde Mara Regina Lemes De Sordi(a) César Vinicius Miranda Lopes(b) Sidney Marcel Domingues(c) Eliana Goldfarb Cyrino(d)
Sordi MRL, Lopes CVM, Domingues SM, Cyrino EG. The potential of formative evaluation on the change processes of professional healthcare education. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:731-42.
This paper presents an evaluation model aimed at inducing changes in professional healthcare education in line with the principles of the Brazilian Health System (SUS). We discuss the strengths and weaknesses of the Pro-PET-Health program from the perspective of local players, expressed in reports that guided evaluation visits conducted by advisors from Brazil’s Ministry of Health. The data confirm positive effects in the relationship between schools and health services with differentiated advances in the curriculum and courses, and in the involvement of institutions and students in healthcare networks by expanding commitment to the SUS. Weaknesses were identified in the sustainability of programs that require guaranteeing conditions from institutions for large-scale involvement of all students in the programs and activities developed by the expansion of partnerships with municipalities and health regions to empower this program.
Keywords: Educational Evaluation. Processes and results evaluation (Health care). Health Education. Health National Programs.
Apresenta-se um modelo avaliativo voltado para a indução de mudanças da formação dos profissionais da saúde em consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Discutem-se potências e fragilidades dos programas Pró-PET-Saúde a partir das percepções dos atores locais, expressas em relatórios que nortearam a visita de avaliação realizada por assessores do Ministério da Saúde, conduzida na perspectiva formativa. Os dados confirmam repercussões positivas: na relação escolas e serviços de saúde, com avanços diferenciados na dinâmica curricular dos cursos; e no envolvimento de instituições e estudantes nas redes de atenção à saúde, com ampliação do compromisso com o SUS. Fragilidades são apontadas na sustentabilidade dos programas que requerem, das instituições, garantia de condições para o envolvimento, em larga escala, de todos os estudantes nas atividades desenvolvidas pelos programas, e ampliação das parcerias com os municípios e as regiões de saúde para firmação desta agenda.
Palavras-chave: Avaliação educacional. Avaliação de Processos e Resultados (Cuidados de Saúde). Educação em saúde. Programas nacionais de saúde.
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Departamento de Estudos e Práticas Culturais, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Rua Bertrand Russell, 801, Cidade Universitária Zeferino Vaz. Campinas, São Paulo, Brasil. 13083-865. maradesordi@uol.com.br (b) Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), Ministério da Saúde. Brasília, DF, Brasil. cesarviniciuslopes@gmail.com (c) Departamento de Gestão da Educação na Saúde, SGTES, Ministério da Saúde. Brasília, DF, Brasil. smdomi@yahoo.com.br (d) SGTES, Ministério da Saúde. Brasília, DF. Brasil. eliana.cyrino@saude.gov.br (a)
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Introdução Vivemos tempos marcados pelo culto à avaliação, que, muitas vezes, tem sido confundida com mera mensuração dos resultados descolados dos processos que os originam e dos fatores que nestes interferem. Muitos advogam que posturas avaliativas centradas no controle dos resultados põem a perder os efeitos benéficos propiciados pela avaliação quando esta formativamente instiga momentos de parada reflexiva, que provoca os atores a discutirem: as intencionalidades do processo, os fins almejados que os induzem a processos decisórios consequentes, responsavelmente negociados em nome de aprendizagens igualmente isentas de neutralidade. A Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde (MS), ao pronunciar-se sobre o modelo de avaliação desejado para monitorar os desdobramentos de um de seus programas, o Programa de Reorientação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) – articulado ao Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-Saúde), o PET-Vigilância à Saúde e o PET-Redes de atenção1-4 –, realça a avaliação como espaço pedagógico e político a serviço de aprendizagens significativas do ponto de vista social e dependente dos atores que atuam nos programas selecionados pelos editais do MS. Para tal, delibera pela inclusão dos assessores do referido programa no processo de formulação e implementação de ações avaliativas capazes de acelerar as mudanças desejadas. Ao se pronunciarem sobre as características da avaliação a serem assumidas nas visitas in loco, amplia-se o pertencimento e a implicação dos assessores com a política ministerial. Tratou-se de delinear modelo avaliatório que, propositivamente, reagisse às formas de controle que comumente levam as IES a se comportarem de modo dúbio frente às avaliações externas5,6. A ideia era produzir outras relações no binômio avaliador/avaliados, levando-os a exercitarem novos posicionamentos capazes de impulsionar os programas a avançarem na direção das políticas do MS. As políticas do MS colocam em relevo um novo agir em saúde pela adoção dos princípios: da educação pelo trabalho, da interprofissionalidade, da articulação entre escolas e serviços, da diversificação dos cenários de aprendizagens, de práticas pedagógicas inovadoras que se apoiam em metodologias inovadoras4, entre outras. Estes pressupostos requerem mudanças substantivas na forma de gestão dos Projetos Pedagógicos dos cursos, e buscam reestabelecer parcerias entre escolas e serviços de saúde para que a histórica cisão teoria e prática possa ser enfrentada. Este texto apresenta os contornos do modelo avaliatório adotado pela política ministerial, e realça as similitudes deste com os princípios do SUS na condição de ordenador da formação dos profissionais da saúde. A seguir, examina as potências e as fragilidades dos programas captadas pelos assessores ao conduzirem o processo de avaliação na perspectiva de uma parceria crítica com os atores locais. Finalmente, discute as contribuições de processos de responsabilização participativa para a efetivação de politicas públicas de alta repercussão social.
A concepção do modelo de avaliação: princípios e processos Não há como negar o apoio decisivo que o MS, por intermédio da SGTES, tem dado para que mudanças no eixo da formação dos profissionais da saúde se efetivem de modo aderente às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). Apoio este que tem ocorrido de modos múltiplos, inclusive, na forma de editais que convocam as IES a apresentarem projetos de ensino e de pesquisa que garantam condições objetivas para que experiências inovadoras possam ser implementadas. Espera-se, gradualmente, construir a sustentabilidade destes programas, o que sinalizaria uma adesão não pró-forma das universidades e, menos ainda, condicionada ao aporte de verbas que podem, eventualmente, sofrer descontinuidades em função de mudanças políticas incontroláveis. Isso se coaduna com a necessidade de se fortalecerem os atores locais, pois será a partir de suas intervenções que a realidade se transformará. A avaliação pode servir para intensificar as trocas entre atores sociais diferentemente situados, porém, igualmente comprometidos com a reconfiguração dos processos de trabalho e de ensino em saúde.
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Desta forma, a reprodução dos modelos usuais de avaliação de programas ensejaria a repetição das mesmas respostas institucionais, mantendo em plano secundário as estratégias de compromisso com as mudanças7. Compreendida esta questão pelos assessores, assumiu-se como postura metodológica pensar um modelo avaliativo que se identificasse com os pressupostos do SUS presentes nos diferentes programas indutores de mudanças nos cursos de graduação em saúde criados pelas políticas ministeriais. Um modelo avaliativo que fosse edificado enfrentando as históricas dicotomias: centro/periferia; externo/ interno; produto/processo; quantidade/qualidade. A avaliação deve ensejar ações de acolhimento entre os atores, independente do lugar que ocupam na cena avaliativa. Neste cenário, as relações comportam diálogo, escuta e confronto honesto de posições como suas marcas típicas. Nem por isso a avaliação deixa de ser rigorosa, pois ambiciona rupturas substantivas que “tocam” os atores de modo singular. Sua radicalidade reside naquilo que define como inegociável, ou seja, a aderência aos novos valores da formação dos profissionais da saúde em função das necessidades e direitos da população brasileira, admitindo-se a historicidade dos processos locais. A avaliação como processo intersubjetivo e expressão de práticas sociais conflituosas precisa reconfigurar-se para não constranger encontros entre atores, que, mesmo diferentemente situados, valorizam a comunicação e a participação plural que comporta o respeito à alteridade e a contratualização de estratégias que acenem para as possibilidades de mudanças coletivamente assumidas. Os processos subjetivos não se encontram ao lado, como componente interveniente ou indesejável do/ no processo avaliativo. Eles compõem o objeto avaliado e compõem as práticas de humanização: a produção de serviços (inovados) dá-se de forma inseparável da produção de sujeitos e essa produção de novos sujeitos singulares passa necessariamente pela construção de um novo plano de subjetivação, forçosamente coletivo.8 (p. 261)
Pretende-se, à semelhança dos mecanismos de humanização presentes no SUS, que a avaliação dos programas ministeriais engendre processos de trabalho horizontalizados, polifônicos, que conduzam a consensos capazes de fazer avançar a experiência inovadora da formação em saúde. A polifonia é sempre derivada da multiplicidade de atores que dialogam e, assim, exercitam a interprofissionalidade em ato. A hegemonia do avaliador externo cujo olhar se superpõe à realidade dos avaliados é contestada, cedendo espaço à participação e comunicação responsáveis e comprometidas entre avaliadores e avaliados, ambos a serviço do novo processo de formação dos profissionais da saúde referenciado pelas DCN e pelas diretrizes do SUS. Não há como desconsiderar o efeito nem sempre positivo da “presença do avaliador externo” nos cursos, quando este subestima a importância do vínculo com os atores locais. Em nome de um modo pretensamente neutro de avaliar, opta-se pela penalização do processo relacional, comprometendo-se o entendimento da avaliação como ato de comunicação com os outros. Deriva daí que, tão logo cessa a visita, retorna-se ao rotineiro jeito de fazer. A opção pela exterioridade do olhar e do julgamento impede que movimentos de interpelação do vivido possam acontecer entre os atores, subtraindo a potência formativa do encontro. Múltiplos protagonistas em ação devem somar-se na leitura entrecruzada que fazem da realidade vivida. As relações de poder historicamente instituídas precisam ser problematizadas e superadas, no entanto, cada ato avaliativo deve ser analisado de modo multidimensional, buscando a integralidade da cena, rompendo com a cisão todo/parte. Não se pretende anular a contribuição dos avaliadores externos no que tange ao acréscimo de outras percepções e eventuais contradições presentes nos processos locais que ancoram os programas ministeriais. Trata-se apenas de os colocar em relação dialógica, sem que se desperdice a experiência dos avaliadores (connoisseurship no dizer de Eisner)9.
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O pilar que sustenta a avaliação que busca reafirmar as politicas públicas de saúde e seus respectivos programas inicia-se com o esforço de autoconhecimento local. Este autoconhecimento é respaldado por um roteiro que faz circular alguns quesitos que orientam (não restringem) o processo reflexivo desenvolvido pela Comissão de Gestão e Acompanhamento Local (CGAL), prevista no edital de seleção1 e lócus considerado pela SGTES como estratégico para a gestão dos processos de mudança. Este movimento interno rumo à identificação de potencialidades e fragilidades prepara o diálogo com o avaliador designado pelo ministério (assessor), que assume a figura do amigo/parceiro critico10. Nesta condição, o diálogo é construído de forma horizontal entre os atores que simultaneamente aprendem, ensinam e se avaliam mutuamente, assim como avaliam o processo de implementação dos programas e o contexto local, regional e nacional que o afetam. Ao ponto de partida proposto (autoavaliação interna), se acrescem momentos descritos por Afonso11 como de justificação e responsabilização. Ou seja, uma vez tendo a CGAL reconhecido seu estágio atual na implementação do programa, compete, aos membros atuantes nesta instância, em diálogo com o parceiro crítico designado pelo MS, examinarem e problematizarem conjunta e complementarmente as razões técnicas, éticas e ou políticas que interferiram nos resultados parciais do processo. Isso posto, ganha-se condição para juntos ainda exercitarem a responsabilização participativa. Neste estágio, o grupo, já na fase do confronto honesto de posições12, discute com rigor o processo, exercendo o controle social sobre o combinado, e, com legitimidade, questiona compromissos, estabelece demandas multilaterais, sinalizando os caminhos a percorrer, bem como as condições objetivas a serem garantidas pelo poder público local ou central para garantir o avanço dos programas em uma linha de tempo claramente demarcada, a qual referencia nova aproximação avaliativa (natureza formativa da avaliação). Nesta sequência, o movimento é dialógico e a responsabilização deixa de ser vertical e meritocrática, como ocorre nas formas de accountability, que tem sido a tônica da avaliação de politicas públicas na atualidade. A responsabilização participativa é reconhecida como forma de accountability inteligente, que aproxima os atores e os coloca em sinergismo rumo à qualificação do processo. Podemos entender que este modelo de avaliação, pensado a partir das categorias valorizadas pelas DCN, e perpassado pelos princípios do SUS, é, de certa forma, híbrido, posto que se engendra de modo a que os assessores mantenham sua responsabilidade externa junto aos programas, exercendo sua autoridade técnica e política sem autoritarismo sobre os avaliados. Orientados pelo compromisso da formatividade, nem por isso se descuidam dos aspectos somativos (resultados da intervenção). A mediação do parceiro crítico se assemelha às duas faces de Janus, exercitando olhares ora para o passado ora para o futuro. Neste movimento, faz emergir o “entre” das coisas, que os modelos verticais da avaliação-controle teimam em fazer desaparecer. Segundo Santos Filho et al.8, o “entre” é fazer aparecer uma dimensão da realidade que não se expressa a partir de limites rígidos definidos por identidades e formas instituídas. O “entre” aponta para um plano de constituição da realidade em que múltiplas forças se agenciam para compor e dar forma aos objetos formalizados e instituídas resultantes das práticas. “[...] a avaliação pode desestabilizar os objetos instituídos e liberar, explicitar, potencializar as forças instituintes que esteja interferindo vivamente naquela realidade e que podem engendrar novas realidades. Existe nesta aposta, uma inseparabilidade entre avaliar e intervir” (p. 262). Outra analogia com os princípios do SUS e das DCN é conceber e implementar uma relação avaliativa movida pelos princípios da educação pelo trabalho e no trabalho. Ou seja, o avaliador mergulha na realidade local e constrói possibilidades de contratualização com os “nativos”13, e leva a ambos os atores (nativos e estrangeiros) a se desafiarem mutuamente a produzirem novos conhecimentos, saberes e sabores na ruptura paradigmática que enfrentam de modo solidário, não necessariamente harmônico, mas na perspectiva da amorosidade ensinada por Freire14.
Um olhar para a realidade dos programas: a avaliação a serviço das aprendizagens Descreveremos, na sequência, resultados preliminares de pesquisa avaliativa que desenvolvemos junto a projetos aprovados pelo edital do Pro-Pet Saúde1, de 2011. Trata-se de um estudo transversal, 734
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descritivo e exploratório, que utilizou, como fontes de pesquisa, os relatórios do primeiro ano de execução dos projetos produzidos pelos participantes dos programas e que descrevem as atividades e encaminhamentos realizados. A estratégia adotada para avaliação das informações contidas nos relatórios foi a análise documental, que consiste na organização do conteúdo pesquisado em fontes oficiais, porém, não cientificamente trabalhadas15. A pesquisa contou com a elaboração de um questionamento inicial – o problema da pesquisa –, o qual orientou a análise das informações. Desta forma, foi possível a realização de uma leitura hermenêutica, e não apenas literal, da documentação, com uma compreensão real e contextualizada do que se intencionou estudar16. A análise documental passou pela etapa de localização das fontes e sua catalogação, criando arquivos individualizados, e sua organização significou processar a leitura segundo critérios da análise de conteúdo, comportando algumas técnicas, tais como: fichamento, levantamento quantitativo e qualitativo de termos e assuntos recorrentes, criação de códigos para facilitar o controle e manuseio, resultando em quadros, ou banco de dados de informações, que sintetizassem todo conteúdo de interesse17. Segundo Sá-Silva et al.18, o processo de análise de conteúdo dos documentos deveria contemplar os seguintes pontos: o contexto da elaboração do documento; as intenções do autor; a autenticidade; a confiabilidade e a natureza do texto; e, por fim, os conceitos-chave e sua lógica interna. Ainda segundo os autores, a decisão, pelo pesquisador, sobre a unidade de análise é que define a forma de apropriação da informação: na unidade de registro, importam os segmentos específicos do conteúdo, determinando, por exemplo, a frequência com que aparece no texto (uma palavra; um tema; ou um determinado item); enquanto, para unidade de contexto, pode ser mais importante explorar o contexto em que um determinado fenômeno ocorre, e não apenas sua frequência. Neste estudo, optou-se pela análise a partir da unidade de contexto, orientando-se com base em cinco eixos que compõem o relatório: desenvolvimento do projeto; articulação ensino-serviçocomunidade; sustentabilidade; vinculação do estudante com o serviço; e as prioridades locorregionais, articulação da pesquisa com a proposta e com o curso de graduação envolvido. Inicialmente, foi estabelecido um critério de inclusão para análise, o qual consistia em selecionar aleatoriamente os relatórios, buscando contemplar as cinco regiões brasileiras de forma equânime, e respeitando, também, a saturação das informações coletadas a partir do questionamento estabelecido para a leitura dos mesmos, ou seja, identificar quais eram as fragilidades e potencialidades na execução e acompanhamento dos projetos submetidos ao Pró-Pet Saúde. Assim, de um universo de cento e vinte relatórios que foram submetidos à SGTES/MS, concluiu-se a leitura de 44 relatórios (37%), estando distribuídos da seguinte forma: região norte (sete); região nordeste (11); região centrooeste (quatro); região sudeste (13) e região sul (nove). É importante salientar que foi preservado o anonimato das IES, garantindo, assim, a privacidade das informações. Nossa hipótese era a de que a relação de confiança construída pela díade avaliador/avaliados, consoante os princípios do modelo avaliativo ora em xeque, repercutiria no teor dos relatórios, levando-os a transcender a qualidade formal e avançar na qualidade política, contribuindo para iluminar os processos decisórios do MS e das IES implicadas. A leitura dos relatórios permitiu discutir os dados a partir das categorias a seguir:
Mudanças no projeto pedagógico dos cursos fomentadas pelo Pró-PET Nesta categoria, observamos que a repercussão dos programas pode ser considerada significativa se levarmos em conta a presença ainda hegemônica de uma forma de pensar o ensino na área da saúde como algo ligado às especialidades no locus preferencial do hospital, e quase sempre centrada em práticas profissionais isoladas e hierarquizadas. As falas denotam vários avanços concretos (instituição de disciplinas integradas, proposição de projetos articuladores, mudanças curriculares mais densas ou, pelo menos, o início das reflexões no interior dos cursos). Admite-se certa resistência no âmbito dos colegiados dos cursos no sentido de se mudarem as práticas pedagógicas e as formas de relação com os serviços, mas, também, se levantam as dificuldades de ordem logística para se apoiarem as mudanças em curso. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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a Mudou o preconceito com relação ao SUS e há maior número de professores envolvidos com as atividades na atenção básica de saúde. a Contribuiu para ampliar a discussão sobre o perfil do profissional de saúde. Alunos mais comprometidos com os problemas de saúde da população e com maior autonomia na atuação profissional. a Ainda estamos em fase de reflexão, discussão e amadurecimento sobre os ajustes curriculares necessários nos cursos. a Todos os 11 cursos participam de atividades integradas de estimulo à profissionalização docente e institucionalização dos programas de avaliação curricular. a Compreendemos que a estruturação da universidade em unidades de saúde isoladas, independentes, por curso, é um entrave e um elemento limitante da prática multidisciplinar e interprofissional para além da experiência PET. a Criação de disciplina complementar de graduação intitulada formação profissional interdisciplinar para o SUS, ofertada para os acadêmicos de todos os cursos da área. a Vivências nos cenários de prática permitem avaliar o desenvolvimento do Projeto, por meio dos relatos de experiências bem-sucedidas acerca do contato dos alunos com as necessidades de saúde dos usuários dos serviços de saúde. a A reforma curricular que aconteceu recentemente levou em consideração a possibilidade de fazer o PET-Saúde quando da distribuição de turnos livres dentro da grade curricular. a Alguns professores modificaram as estratégias de atividades na rede municipal de saúde e passaram a discutir a proposta metodológica com os técnicos da secretaria. a As dificuldades impostas pelo modelo de formação tradicional ainda necessitam de movimentos para a sensibilização de diversos professores da graduação. a A proposta tem gerado mudanças efetivas nos planos pedagógicos dos cursos envolvidos, pois o olhar acadêmico fica mais sensível para os problemas de Saúde Pública.
Articulações entre Pró-PET e as instâncias colegiadas locorregionais Nesta categoria, nos interessou auscultar como os programas que o MS subsidia se inserem na dinâmica institucional tanto das escolas como dos serviços de saúde. Nosso pressuposto foi o de perceber se a inserção dos programas ocorre de modo central ou periférico, tanto em relação ao projeto pedagógico dos cursos como das politicas locorregionais. Vemos que deriva destas alianças a própria sustentabilidade dos programas pela via da institucionalidade. Uma vez mais o quantum de avanços varia de realidade para realidade. O que desperta interesse é o fato de que, por meio do diálogo avaliativo entre os assessores do MS e os partícipes da CGAL, estas alianças passam a ser examinadas de modo mais rigoroso e estratégico, incorporando esta preocupação no plano de intervenção pós-avaliação. Observa-se que a atitude do amigo crítico que perpassa o processo de avaliação auxilia a esclarecer os atores locais acerca de aspectos ainda dúbios presentes nos editais do MS, legitimando a atuação dos assessores in loco. Esta nova característica da visita avaliativa passa a ser valorizada pelos participantes dos programas que, de modo frequente, passam a convidar o assessor para outras atividades, construindo, de certo modo, um círculo virtuoso da avaliação no qual cabem: o diálogo, a interpelação sobre as práticas e a formulação de demandas multilaterais, permitindo antever sinais de uma responsabilização participativa, horizontal e includente. a Todos os coordenadores dos programas da universidade que atuam em parceria com o MS compõem a CGAL, uma vez que o reitor achou prudente fazer apenas uma comissão sob a coordenação da UNASUS. a Articulação com o Núcleo Docente Estruturante (NDE) está possibilitando diálogo, porém as mudanças ainda não puderam ser implementadas por questões financeiras. a Na subcomissão de ensino de atenção primária, estão em discussão as possíveis interações entre os cursos como medicina, fisioterapia, enfermagem, fono e terapia ocupacional, com a intenção de compatibilizar as grades para maior interação entre os alunos.
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a Os PP não refletem os avanços ocorridos nas atividades práticas dos estágios e nos projetos de extensão que acontecem na rede do SUS. a Os preceptores têm atuado na academia para a reorientação da formação profissional em cada um dos cursos para que esta ocorra em sincronismo com as principais demandas da rede de saúde local. a Estamos numa fase ainda incipiente. Os tutores se insinuam nos colegiados de curso procurando sensibilizar os atores para aproveitar, na matriz curricular, o esforço do Pró-PET, busca-se maior acolhimento por parte da gestão das IES. a Surgiram vários espaços de negociação, discussão, planejamento e estratégias de melhoria para a atuação conjunta da universidade e serviço junto à comunidade. A parceria permitiu que os profissionais que atuam na rede do SUS se envolvessem na formação dos graduandos e se reaproximassem da academia buscando pós-graduação. a Estabelecemos parceria mediante termo de compromisso entre as instituições. a A secretaria participou desde a elaboração do projeto para concorrer ao edital trazendo demandas, escolhendo preceptores e locais da prática. Entretanto as constantes mudanças ocorridas na gestão dificultaram o melhor andamento das ações. a A parceria foi consolidada pela definição pactuada dos espaços de atuação dos grupos tutoriais e da exploração de linhas temáticas de interesse dos serviços de saúde do município. a A SMS, a partir de suas demandas institucionais, elaborou projetos e procurou a universidade para ela encaminhar o Pró-Saúde. a A criação da Comissão de gestão foi mecanismo importante para assegurar a permanência, confirmar a participação das pessoas no processo de planejamento, e dar credibilidade e formalidade ao trabalho de todos. A aproximação ensino-serviço deve ser pactuada por ambos e não pode ser pautada de forma personalizada, pois há rotatividade das pessoas nas IES e nos serviços. a Há dificuldades para compor o comitê gestor com membros representativos dos Conselhos Municipais locais. a O envolvimento está relativamente bom com pequena descontinuidade no período de troca de gestão municipal. a Para estimular a participação do controle social, marcamos reuniões itinerantes do conselho gestor nos diferentes espaços institucionais.
Sustentabilidade dos programas Esta categoria recolhe excertos que dão conta da disposição das IES para garantir condições objetivas para que os programas ministeriais não sofram descontinuidades, posto que estes qualificam o processo de formação dos profissionais da saúde e requerem certa assunção de responsabilidades das instâncias locais para que os mesmos não sejam ad infinito dependentes das verbas externas para poderem acontecer. a Estabelecemos discussões continuas e articuladas com coordenadores de curso, órgãos colegiados, NDE, diretoria, assessoria pedagógica, na tentativa de complementação das bolsas, tendo em vista a importância dos projetos e a transformação curricular, integração ensino-serviço e ampliação dos cenários de prática. a Têm sido estimulados projetos de avaliação destes programas para ver a contribuição na inovação /mudança curricular. a A ampliação destas bolsas tem sido discutida de maneira ampla com os candidatos à reitoria dentro das reinvindicações dos cursos da saúde . Em paralelo, existem iniciativas para reforçar e valorizar a participação dos profissionais das Secretarias de Saúde municipais e estaduais nos cursos de graduação. a Os auxílios financeiros concedidos aos preceptores são fundamentais para o acolhimento de acadêmicos nas unidades de saúde e, para acadêmicos, um fator motivacional para seu engajamento nessa atividade.
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a No próximo ano, a universidade abrirá cotas de bolsa para os cursos da saúde na proposta PETSaúde. a Todos os monitores voluntários foram contemplados com bolsas institucionais para desenvolverem ações do PET-Saúde. a Não há movimento na instituição para a complementação de bolsas ou institucionalização das mesmas a Não existe este movimento e os cursos envolvidos não acreditam que haverá em algum momento, pois a Secretaria Municipal de Saúde não dispõe de orçamento. a A universidade conseguiu bolsas para preceptoria de internos e residentes. A Secretaria busca oficializar sistema de pagamento de bolsas de educação pelo trabalho para a realização de projetos locais. a Há discussão de como instituir forma diferenciada para os profissionais envolvidos no projeto que não seja, necessariamente, na forma de bolsa. a Possibilidade de se configurarem, pelas SMS, planos de carreira para os profissionais ligados ao ensino. a A iniciativa do Pró-PET apenas foi parabenizada pelas Pró-Reitorias, mas sem apoios efetivos, sem recursos. a Não há boa articulação com as Pró-Reitorias, e estas assumem papel passivo conhecendo o Pró-PET, permitindo e apoiando seu funcionamento mas não assumindo um papel de promoção e incorporação. a A proposta Pró-PET é um desdobramento de todo um processo que se iniciou com o Pró-Saúde I e II e com o PET-Saúde da Família. Desta forma, este processo de aproximação e articulação com as instâncias formais de instituição de ensino vem evoluindo e se consolidando ao longo dos anos. a A articulação com os colegiados do curso sofre resistências. Em reuniões com o NDE, foram abordados o projeto, metas, indicadores, e solicitada participação ativa do colegiado por meio de ideias e ações; contudo, a adesão não foi a esperada.
As repercussões para os estudantes Nesta categoria, objetivou-se destacar em que aspectos os programas ministeriais apontam para melhoria nas experiências de ensino e aprendizagem dos estudantes da saúde. É bastante presente a valorização da atividade investigativa a partir dos problemas que emanam dos serviços e que afetam a rede de cuidados. Os estudantes parecem beneficiados com as experiências que compartilham com os preceptores e que os aproximam do princípio educativo da educação no e pelo trabalho. Ainda é tímida a aprendizagem da educação interprofissional, porém, em algumas realidades, esta meta já é pautada, confirmando a heterogeneidade dos cursos, contextos locorregionais e protagonismo dos atores que buscam ativar mudanças nos cenários da saúde. a Formamos grupos interdisciplinares que atuam nos serviços tendo a ferramenta da pesquisa para a fixação nos serviços. a Alguns estudantes têm desenvolvido seus projetos de TCC em articulação com o Pró-PET. a Eles participam das decisões sobre o que pesquisar, em que aspectos intervir no serviço mediante as necessidades existentes e percebidas pelo grupo. a Após o desenvolvimento das ações, os resultados são transformados em dados que poderão gerar publicações, favorecendo o desenvolvimento do pensamento critico do estudante e do profissional dos serviços. a Ainda há muita queixa de colisão com as atividades acadêmicas regulares. a Equipes mais antigas no projeto ajudam nos processos de mudanças com inserção gradual dos ingressantes. Estes são acolhidos em rodízio de atividades para conhecerem o percurso vivido e inserção no momento atual do projeto. a Ocorre aprendizado contínuo no cotidiano das atividades de pesquisa- ação, que é uma metodologia que mais se adequa aos propósitos do PET-Saúde. 738
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a Tem sido reforçado que o projeto é do grupo, da equipe de saúde, e este tem sido um dos elementos de extremo sucesso nos nossos grupos PET. a A integração entre as disciplinas ocorre por meio da articulação das atividades entre preceptores e alunos. Em alguns cenários de prática onde reúnem-se alunos bolsistas e não bolsistas, há dificuldades com a integração das atividades, inclusive nos mesmos cursos de graduação. a As atividades interprofissionais/multiprofissionais têm oportunizado o desenvolvimento de ações conjuntas entre alunos de cursos distintos da graduação, assim como de profissionais preceptores e tutores de distintas áreas da saúde. a Ações entre alunos de diferentes cursos estão dificultadas devido à grade horária, de modo que os estudantes vão em momentos distintos aos serviços de saúde. a Há considerável evasão discente por motivos diferentes (atração por outras bolsas, PIBIC, Ciência sem Fronteiras).
Repercussões do Pró-PET nos serviços de saúde Há sinalizações expressivas de mudanças positivas produzidas pelo Pró-PET na realidade dos serviços, estimulando o engajamento dos profissionais de saúde na formação dos futuros egressos dos cursos e recuperando a importância da educação permanente como um dos braços estratégicos das politicas de saúde. a A inserção no PET-Saúde da família influenciou preceptores na decisão de fazerem cursos de capacitação. a A inserção do PET nos serviços identificou problemas nos processos de trabalho das equipes; e as questões foram discutidas e pactuadas entre os grupos e a direção dos serviços, na perspectiva de colaborar para a resolução de problemas e aperfeiçoamento do processo de trabalho. a O maior benefício tem sido acostumar os funcionários dos SUS com os estudantes, transformando o espaço acadêmico e tornando o cenário mais receptivo. a Os dados levantados têm contribuído para a caracterização da rede de atenção à saúde com o processo de des-hospitalização e ao geoprocessamento nos óbitos materno-infantis no território. a Tem possibilitado a ampliação da visão da preceptoria com relação à responsabilização da formação profissional, o que reflete na proposição de oficinas elaboradas pela preceptoria e estudantes. a Outra forma de qualificar os serviços foi acolher outros projetos que já aconteciam na UBS fortalecendo o trabalho dos profissionais. a Investimentos na rede têm sido priorizados para os locais de atuação do PET-Saúde. aA SMS está instituindo a Rede SUS-ESCOLA visando à integração ensino-serviço-comunidade.
As repercussões do Pró-PET prejudicadas pelo atraso das verbas ministeriais Muitos gestores apontam que os reconhecidos e esperados avanços decorrentes dos Programas têm sido penalizados pelos trâmites administrativos ligados ao MS e que afetam o custeio. Esta categoria colocou novos desafios aos assessores quando da visita in loco. E confirmou a riqueza de processos de responsabilização participativa nos quais as demandas são sempre multidirecionais. Observa-se que, no modelo avaliativo proposto, o assessor cumpre dupla função: avaliar o que ocorre na realidade dos cursos e serviços envolvidos nos programas financiados; e, simultaneamente, avaliar o apoio logístico que o próprio MS deve garantir para que as atividades possam ser desenvolvidas e avaliadas em seu alcance numa determinada linha de tempo. Esta postura mediadora exigiu que fossem reportados, também, ao MS os lapsos na condução do processo e a necessidade de rever e destravar os pontos de estrangulamento, sob pena de se prejudicar o alcance dos objetivos do Pro-Pet. a Esta articulação ainda está falha, pois não recebemos recursos e temos feito poucos eventos de integração. aAtraso na execução por causa da greve e dos recursos que não foram repassados. Não recebemos nada ainda. a Inúmeras atividades foram prejudicadas pelo atraso no repasse, desfavorecendo a integração. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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À guisa de conclusão Cabe uma palavra acerca dos desdobramentos destes dados obtidos pela leitura dos relatórios enviados pela comissão gestora dos programas. Estes foram importantes para organizarem o diálogo avaliativo entre assessores do MS e os atores locais, permitindo trocas vivas e intensas sobre seus significados em termos de forças propulsoras e/ou refreadoras dos projetos de mudança na área da saúde. Os avaliadores comprometidos com a assunção do papel de amigo crítico junto aos programas exercitaram a escuta sensível dos argumentos que a CGAL apresentava, apontando fragilidades e zonas de conflito na forma de implementação dos programas ministeriais. Simultaneamente, ouviram as formas criativas com que cada CGAL enfrentou as vicissitudes locais e avançou na forma de produzir saúde, e uma rede de cuidados humanizada e equânime no SUS. Como amigo crítico, os assessores desenvolveram papel ativo e propositivo, negociando com os atores locais possibilidades e estratégias no sentido de fortalecer a CGAL como instância de pactuação, deliberação e monitoramento das metas dos programas; e, assim, o que se viu foi um resgate da avaliação como categoria a serviço de aprendizagens inovadoras presentes nas DCN para os cursos da saúde e de acordo com os princípios, o desenvolvimento e a qualificação do SUS. Coube ainda, aos assessores, na condição de amigo crítico, reportarem, ao nível central, as contradições do processo de implementação destas políticas, dando visibilidade às demandas locais sempre que estas fossem consideradas legítimas. Este processo avaliativo, encetado pela SGTES para cumprir função inequívoca de monitoramento responsável dos programas em desenvolvimento, se inscreve como esforço de avaliação formativa, inspirado nos princípios da responsabilização participativa defendida por Freitas5. Dada a complexidade que afeta os processos de mudança paradigmática no ensino da saúde, podemos antever que não faz sentido desperdiçar nenhuma oportunidade para esclarecer os sentidos inequívocos das mudanças em curso e em disputa. Para tal, o uso político da avaliação não pode ser desprezado, em especial, por seu forte poder indutor, pois como nos aponta Chaves19: A formação brasileira na área da saúde, ao longo dos tempos, avança no sentido de atender as orientações políticas do setor da saúde, sobretudo se pensarmos as necessidades impostas pela implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, a imposição política, mesmo que advinda de movimentos sociais, que marcaram fortemente o campo das políticas públicas no setor, não garante o movimento de mudanças na formação. (p. 327)
A proposição de modelos avaliativos orientados pela vocação formativa e dialogada com os atores favorece que, também neste espaço, se possa aprender e ensinar uma nova cultura de avaliação que escape ao burocratismo e que possa ser explorada de modo intenso, claramente referenciado aos fins que postula e que, em nosso caso, envolvem os princípios do SUS como ordenadores da formação em saúde. Tal aprendizagem ocorreu processualmente a partir da postura relacional estabelecida entre assessores e avaliados desde o inicio da interação, mediados por instrumento avaliativo construído pelos assessores, e que fomentava a compreensão das categorias-chave do Pró-PET-Saúde. Usouse a força indutora da avaliação para que atores locais e centrais dialogassem de modo implicado e plural, ressignificando os sentidos da avaliação como categoria qualificadora de projetos inovadores no campo da formação em saúde. Estes abarcam um processo avaliativo na perspectiva de se avançar na produção de práticas de cuidado abrangentes e que possam “adequar-se à realidade de cada usuário de saúde e seu contexto social”20 (p. 253), de cada território, de cada cidade, de cada região. Um encontro que contribua para a produção de serviços de saúde que ultrapassem o anunciado, o delineado, o prescrito19, na complexa relação e integração entre IES e serviços, que necessita da rede de saúde4, do trabalho interprofissional, em grupo e intersetorial, para abranger o cuidado integral, universal e igualitário preconizado pelo SUS. Enfim, como nos apresenta Santos21 (p. 322) “... só há uma saída: reinventar o futuro, abrir um novo horizonte de possibilidades, cartografado por alternativas radicais às que deixaram de ser”.
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Colaboradores Todos os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Ministério da Saúde (BR); Ministério da Educação (BR). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) articulado ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde). Edital de Convocação nº 24, de 15 de dezembro de 2011. Brasília, DF: SGTES; 2011. 2. Ministério da Saúde (BR). Portaria n° 754, de 18 de abril de 2012. Altera a Portaria n° 1.111/GM/MS, de 5 de julho de 2005, que fixa normas para implementação e a execução do Programa de Bolsas para a Educação pelo Trabalho. Diário Oficial União. 20 abr 2012;Seção 1:47. 3. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital nº 28, de 22 de novembro de 2012. Seleção para o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde/ Vigilância em Saúde PET/VS - 2013/2014. Diário Oficial União. 23 nov 2012;Seção 3:171. 4. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital nº 14, de 8 de março de 2013. Seleção para o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde/ Redes de Atenção à Saúde - Pet-Saúde/Redes, 2013/2015. Diário Oficial União. 11 mar 2013;Seção 3:116-9. 5. Freitas LC. Qualidade negociada: avaliação e contra-regulação na escola pública. Educ Soc. 2005;26(92):911-33. 6. Sordi MRL, Ludke M. Avaliação institucional participativa em escolas de ensino fundamental: o fortalecimento dos atores locais. In: Leite D, organizador. Avaliação participativa e qualidade: os atores locais em foco. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 155-72. 7. Ângulo FR. O planejamento da qualificação da escola: o leigo graal da mudança educacional. In: Javier Murillo F, Munoz Repiso M, organizadores. A qualificação da escola: um novo enfoque. Porto Alegre: Artmed; 2007. p. 103-33. 8. Santos Filho S, Souza TP, Gonçalves L. Avaliação como dispositivo de humanização em saúde. Considerações metodológicas. In: Campos RO, Furtado JP, organizadores. Desafios da avaliação de programas e serviços em saúde. Campinas: Editora da Unicamp; 2011. p. 257-78. 9. Eisner EW. The art of educational evaluation: a personal view. London: Falmer; 1985. 10. Meuret D, Macbeath J, Jakobsen L, Schartz M. A história de Serena: viajando rumo a uma escola melhor. Portugal: Asa; 2000. 11. Afonso AJ. Para uma conceptualização alternativa de accountability em educação. Educ Soc. 2012;33(119):471-84. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302012000200008 12. Babier R. A pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1985. 13. Batista ND, Silva SHB. O professor de medicina. São Paulo: Loyola; 1998. 14. Freire P. Pedagogia da esperança. 15a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2008. 15. Victora CG, Knauth DR, Hassen MNA. Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução ao tema. Porto Alegre: Tomo Editorial; 2000. 16. Corsetti B. A análise documental no contexto da metodologia qualitativa: uma abordagem a partir da experiência de pesquisa do Programa de Pós-graduação em Educação da Unisinos. UNIrevista. 2006;1(1):32-46.
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Sordi MRL, Lopes CVM, Domingues SM, Cyrino EG. El potencial de la evaluación formativa en los procesos de cambio de la formación de profesionales de salud. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:731-42. El estudio presenta el modelo de evaluación enfocado a inducir cambios en la formación de los profesionales de la salud con los principios del Sistema Brasileño de Salud (SUS). Permite evaluar los beneficios y debilidades de los programas Pro-PET-Salud, desde la percepción de los actores locales, expresada por medio de informes que guiaron la visita de evaluación realizada por los asesores del Ministerio de Salud. Los datos confirman efecto positivo: la relación entre escuelas y servicios con avances diferenciados en el plan de estudios y el curso; participación de los estudiantes en las instituciones y las redes de atención de salud mediante la ampliación del compromiso con el SUS. Las debilidades se identifican en la sostenibilidad de los programas que requieren condiciones para participación masiva de estudiantes en los programas en asociación con los municipios y regiones de salud para confirmación de este programa.
Palabras clave: Evaluación educacional. Evaluación de Procesos y Resultados (Atención de Salud). Educación en salud. Programas nacionales de salud. Recebido em 03/11/14. Aprovado em 13/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0996
artigos
Formação em Saúde: reflexões a partir dos Programas Pró-Saúde e PET-Saúde
Sylvia Helena Souza da Silva Batista(a) Beatriz Jansen(b) Elaine Quedas de Assis(c) Maria Inês Barreiros Senna(d) Geraldo Cunha Cury(e)
Batista SHSS, Jansen B, Assis EQ, Senna MIB, Cury GC. Education in Health: reflections from the Pro-Health and PET-Health Programs. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl:743-52.
This paper aims to reflect on the National Reorientation Program of Professional Education in Health (Pro-Health) and the Education by Work for Health Program (PET-Health). This is a descriptive study using qualitative tools of document analysis. From the acquired documents and data, we developed the following analytical axes: (1) historical roots: exploring origins; (2) Pro-Health and PET-Health: knowledge trajectories; (3) integrating teaching and service: structuring key ideas; and (4) from the desire to change to the actual practice of interprofessional integration and learning: discussing powers and limits. We concluded that the Pro-Health and PETHealth Programs have significant power to act as health reorientation policies that indicate progress regarding the integration of teaching/service and interprofessional education.
Keywords: Health education. Teaching care integration services. Public policies.
Tem-se como objetivo refletir sobre o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - PróSaúde e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde. Trata-se de um estudo descritivo com o uso das ferramentas qualitativas da análise documental. A partir dos documentos e dados apreendidos, foram construídos como eixos analíticos: (1) raízes históricas – explorando origens; (2) Pró-Saúde e PET-Saúde: conhecendo trajetórias; (3) integração ensino-serviço: uma ideiachave estruturante; (4) do desejo de mudança às práticas de integração e aprendizagem interprofissional: e por falar em potências e limites. Conclui-se que os Programas Pró-Saúde e Pet-Saúde têm potência significativa para atuarem como políticas indutoras da reorientação em saúde que sinalizam avanços no tocante à integração ensino-serviço e à formação interprofissional.
Palavras-chave: Educação em Saúde. Serviços de integração docente-assistencial. Políticas públicas.
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Departamento Saúde, Educação e Sociedade, Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista. Edifício Central, Rua Silva Jardim, 136. Santos, SP, Brasil. 11015-020. sylvia.batista@unifesp.br (b) Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Estadual de Campinas Campinas, SP, Brasil. beatrizjansen@terra.com.br (c) Curso de Medicina, Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. elaine.boger@unicid.edu.br (d) Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG, Brasil. senna@odonto.ufmg.br (e) Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina, UFMG. Belo Horizonte, MG, Brasil. gcury@medicina.ufmg.br (a)
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Introdução Nos últimos trinta anos, o governo brasileiro tem implementado programas de qualificação da formação de profissionais de saúde1-5. Esses articulam duas grandes áreas: a Saúde e a Educação, cuja interlocução e complementaridade são fundamentais para garantir a formação da força de trabalho para o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. A promulgação da Constituição Federativa Brasileira, em 1988, possibilitou a explicitação da opção pelo modelo de atenção baseado na promoção à saúde, situando a integralidade do cuidado, da equidade e da universalidade como eixos nucleares das políticas de saúde6,7. A defesa da saúde como direito, do modo como a vida se expressa e é percebida – lazer, afeto, cultura – abrange, também, o reconhecimento do protagonismo e da autonomia dos homens e mulheres em seus processos cotidianos de produção do humano, da saúde e do adoecimento. Portanto, a luta pela consolidação do Sistema Único de Saúde, ancorada nos princípios da reforma sanitária brasileira, implica assumir uma nova compreensão de saúde como prática social e direito, com ênfase na promoção e educação em saúde, na atenção básica e na perspectiva da integralidade7. O percurso histórico das políticas públicas evidencia quanto foram (e são) demandados novos saberes e práticas de atenção à saúde, impondo desafios às instituições formadoras no que refere aos processos de formação dos profissionais, na perspectiva do SUS8,9. Este artigo, considerando as ações estruturadas de reorientação da formação em saúde no âmbito do Governo Federal a partir da década de 1990, momento subsequente ao nascimento do SUS, tem como objetivo central refletir sobre o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde).
Metodologia Trata-se de um estudo descritivo com o uso da análise de documentos10 que abrangeram o PróSaúde e o PET-Saúde. A opção por estes programas traduz, de um lado, o reconhecimento dos movimentos de transformação que têm possibilitado nas instituições formativas; de outro, a experiência dos autores no processo de acompanhamento de, aproximadamente, cento e vinte experiências em todo o território nacional, no âmbito da Comissão Assessora de Avaliação e Acompanhamento do Pró-Saúde e do PETSaúde. O foco nos programas Pró-Saúde e PET-Saúde foi construído, desta forma, pela identificação da potência da integração ensino-serviço e da abordagem integral do processo saúde-doença para a reorientação da formação em saúde, constituindo instrumento central para responder às necessidades concretas da população brasileira na formação de profissionais, na produção do conhecimento e nas práticas de atenção à saúde, comprometidos com o fortalecimento do SUS. Os eixos analíticos abrangeram: (1) raízes históricas – explorando origens; (2) Pró-Saúde e PETSaúde: conhecendo trajetórias; (3) integração ensino-serviço: uma ideia-chave estruturante; (4) do desejo de mudança às práticas de integração e aprendizagem interprofissional: e por falar em potências e limites.
Processos de formação em Saúde: conhecendo espaços de construção As análises empreendidas do Pró-Saúde e PET-Saúde, a partir dos documentos privilegiados, permitiram desdobrar como eixos analíticos: (1) Raízes históricas - explorando origens O itinerário analítico permite reconhecer que as raízes históricas do Pró-Saúde e PET-Saúde apresentam âncoras importantes no Programa de Integração Docente Assistencial (IDA)11 lançado em 744
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1981, seguido do Projeto UNI – Uma Nova Iniciativa, financiado pela Fundação Kellogg. Desta forma, ao longo da década de 80 do século XX, experiências de integração ensino-serviço foram construídas, possibilitando se apreenderem as dificuldades e limites frente ao modo de produção do trabalho acadêmico, bem como à organização das ações nos serviços de saúde. Em 1991, a Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico – Cinaem – traz uma discussão fecunda sobre a qualidade do ensino médico com avanços importantes para além da medicina, oportunizando uma reflexão importante para as demais profissões da saúde. Já em 2000, é criado o Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (Profae), que se configurou numa ação extremamente assertiva no âmbito da formação dos profissionais de nível médio da enfermagem, com visíveis contribuições para a qualificação da assistência à saúde. No contexto das Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN12 nasce, em 2002, o Programa de Incentivos às Mudanças Curriculares dos Cursos de Medicina – Promed, lançado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação e a Organização Pan-americana de Saúde – OPAS. Em 2003, a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES)13 no Ministério da Saúde (MS), com o objetivo de se constituir em um espaço para a formulação de políticas públicas orientadoras da gestão, formação e qualificação dos trabalhadores e da regulação profissional na área da saúde no Brasil, representa um importante avanço no que se refere à ordenação da formação a partir do SUS, pois resulta na articulação estratégica entre a saúde e a educação14. É fundamental pontuar esta forma exitosa de concepção da SGTES. Da mesma maneira que a Secretaria de Ensino Superior (SESu) do Ministério da Educação (MEC) sempre foi muito necessária para a formação dos profissionais da saúde, uma Secretaria correspondente no MS – espaço que contemplasse as questões da formação e do trabalho no campo da saúde – constituía imperativo para as especificidades da formação em saúde. A interlocução dessas duas Secretarias vem, ao longo desses mais de dez anos, contribuindo sobremaneira para o fortalecimento do SUS e da qualificação de sua força de trabalho. A concepção do Pró-Saúde expressa, assim, o acúmulo de conquistas e desafios que foram sendo enfrentados e superados, ainda que novas questões e dilemas emerjam no cotidiano das propostas formativas. Nesta direção, o PET-Saúde, ao concretizar a aprendizagem construída nos espaços de trabalho em saúde, criando redes de interlocução entre os estudantes, docentes e profissionais de serviço, ampliando as possibilidades de aprendizagens problematizadoras e significativas. Garcia15 afirma: O ato visado por cuidar/educar é o ponto de partida e de chegada desta ação. Dele se parte; e nele se constitui o produto, o cuidado e o aprendizado. No cuidar também há uma interação (uma relação inter-subjetiva) que busca uma internalização de conhecimentos e intervenções mediadas pela palavra e por atitudes. (p. 96)
E ainda afirma que investir na educação pelo trabalho em saúde implica assumir que esta proposta [...] diferencia-se fundamentalmente da educação formal, dita escolarizada, pois a integração ensino/trabalho não se limita ao processo dado institucionalmente, mas se impõe no cotidiano, nas relações entre sujeitos e na comunicação/interação de seus projetos.15 (p. 96)
Nesta perspectiva, a autora defende que no [...] aprendizado em serviços, no ‘quem’ e no ‘para quem’ se ensina entrariam não só os docentes, como também os funcionários, os demais profissionais, os alunos e as pessoas em cuidado. No ‘o que’ se ensina se incluiriam os conhecimentos técnicos informativos, mas também e, principalmente, as habilidades técnicas, a interdisciplinaridade, o participar, o ser cidadão, o ser sujeito, ou seja, conteúdos técnicos, políticos e éticos. E no ‘onde’, entraria o cotidiano organizado como trabalho, respondendo às necessidades sociais de atendimento a problemas de saúde.15 (p. 97)
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As origens rastreadas neste estudo, portanto, remetem a uma rede de movimentos, rupturas e dispositivos que expressaram, nos últimos trinta anos no contexto brasileiro, como ideias-chave relativas à articulação com o mundo da prática: a imbricação com as questões das profissões em seus espaços reais; a construção de identidades profissionais; a aprendizagem em contextos de práticas: interdisciplinaridade e interprofissionalismo e a integração ensino-serviço. Nestas ideias, as origens de trajetórias! (2) Pró-Saúde e PET-Saúde: conhecendo trajetórias O Pró-Saúde16 foi implementado por meio da Portaria Interministerial MS/MEC nº 2.101, de 03 de novembro de 2005, como trabalho conjunto entre a SGTES, a SESu e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), e com o apoio da OPAS. O objetivo do programa pautou-se pela integração ensino-serviço, visando à reorientação da formação profissional, assegurando uma abordagem integral do processo saúde-doença com ênfase na Atenção Básica, promovendo transformações na prestação de serviços à população. Os processos de reorientação da formação no Pró-Saúde foram estruturados em três eixos de transformação: 1. Orientação teórica – Prioridade dos determinantes de saúde, biológicos e sociais da doença; ênfase na realização de pesquisa clínica-epidemiológica, baseada em evidências para uma avaliação crítica do processo de Atenção Básica, sustentada pelas melhores práticas gerenciais facilitadoras do relacionamento, e realce especial para a educação permanente em saúde, não restrita à pós-graduação especializada. 2. Cenários de prática – À luz da educação de adultos, é a utilização de processos de aprendizado ativo, aprendendo o fazer com o sentido crítico da análise da prática clínica, na própria atividade dos serviços, problematizando-o e empregando a avaliação, na perspectiva formativa e somativa. 3. Orientação pedagógica – Trata-se da diversificação dos ambientes de aprendizagem, considerando os distintos níveis de atenção, com maior ênfase na atenção primária, com possibilidade de referência e contrarreferência; distribuição de ênfase equitativa da excelência técnica e relevância social, com ampla cobertura da patologia prevalente, e desenvolvimento da interação com a comunidade, assumindo, os alunos, responsabilidade crescente diante da evolução do aprendizado, com fortalecimento do trabalho conjunto das equipes multiprofissionais. Para cada um dos três eixos citados, foram desenhados vetores identificadores do estágio das IES participantes, o que contribuiu para o desenvolvimento do Programa, aproximando as possibilidades de superação e as realidades conjuntural e/ou estrutural. Podemos perceber que a estruturação deste Programa foi ampla e atenta a responder três aspectos centrais quando se fala em formação de profissionais de: Como se compreende o processo de saúde/ doença? Como se faz saúde nos serviços na perspectiva formativa? Como se constrói conhecimento neste campo? Outro aspecto concebido na formulação do Pró-Saúde e que deve ser destacado foi a constituição da Comissão Gestora Local (CGL): um órgão colegiado deliberativo e de natureza permanente que tem por finalidade atuar na gestão política, administrativa e com foco no acompanhamento do desenvolvimento dos projetos. A CGL é um espaço que proporciona o relacionamento democrático entre o SUS e as IES, identificando limites e possibilidades, e atribuindo responsabilidades. Merece destaque, entre os objetivos específicos do Pró-Saúde, o que estabelece uma reorientação do processo de formação do profissional no intuito de ofertar à sociedade profissionais que sejam capazes de responder às demandas da população e aos processos de operacionalização do SUS17. Como uma estratégia de amplificar as ressonâncias do Pró-Saúde, foi instituído o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde)18, regulamentado pela Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010. Como uma das ações intersetoriais direcionadas para o fortalecimento de áreas estratégicas para o SUS, de acordo com seus princípios e necessidades, o Programa tem, como pressuposto, a educação pelo trabalho e, como premissa, a integração ensino-serviço. Disponibiliza bolsas para tutores, preceptores (profissionais dos serviços) e estudantes de graduação da área da saúde. 746
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Dentro do eixo “Cenários de Prática”, o PET-Saúde configura-se como uma das estratégias do PróSaúde que visa à interação ativa da universidade com o serviço e a população. Ou seja: induzir que a escola integre, durante todo o processo de ensino-aprendizagem, a orientação teórica com as práticas de atenção nos serviços públicos de saúde, em sintonia com as reais necessidades dos usuários do SUS14. O PET-Saúde encontra-se consonante com os pressupostos do Pró-Saúde, situando-se como um arranjo institucional e político, dotado de potência para o alcance dos objetivos propostos. Considera-se o Programa de Educação pelo Trabalho – Saúde (PET-Saúde) uma política pública desafiadora à consolidação do SUS. Isto ocorre por meio da valorização da atenção primária à saúde, especificamente na Estratégia de Saúde da Família (ESF); da formação permanente de todos os sujeitos envolvidos; da possibilidade de mudança na formação do profissional da área de saúde no nível universitário; e, principalmente, da implantação de projetos coletivos na ESF.19
Em sua primeira edição, caracterizou-se como PET-Saúde/Saúde da Família, e foi constituído por grupos formados por: um tutor acadêmico, trinta estudantes – sendo 12 estudantes monitores que, efetivamente, recebem bolsas – e seis preceptores. Em 2011, foram selecionados 484 grupos PETSaúde/Saúde da Família. Neste mesmo ano, foram iniciadas ações do PET-Saúde/Saúde Mental/, com mais oitenta grupos selecionados. No final de 2011, a SGTES, a partir dos processos de avaliação e acompanhamento dos PET anteriores, que indicaram a necessidade de articular Pró Saúde e Pet Saúde, decide por um Edital conjunto Pró-Saúde/PET-Saúde, considerando o planejamento da saúde segundo as regiões de saúde e as redes de atenção à saúde, bem como a atenção às necessidades locorregionais, articulando-as entre as IES e SMS e SES. Foram selecionadas 119 propostas, observando-se a participação de cursos das 14 profissões da saúde, com ênfase na expansão do número dos cursos de psicologia, farmácia, nutrição e fisioterapia. (3) Integração ensino-serviço: uma ideia-chave estruturante O Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde apresentam como convergência estruturante a integração ensino-serviço como um dispositivo fundamental da formação em saúde. Nesse sentido, Radis20 afirma que vivenciamos um movimento característico de ampliação e fortalecimento da área do ensino e da formação em saúde, indutor de mudanças na aproximação do ensino ao sistema de saúde. Albuquerque et al.17, por sua vez, explicitam uma compreensão sobre integração ensino-serviço: Entende-se por integração ensino-serviço o trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formação na área da saúde com trabalhadores que compõem as equipes dos serviços de saúde, incluindo-se os gestores, visando à qualidade de atenção à saúde individual e coletiva, à qualidade da formação profissional e ao desenvolvimento/satisfação dos trabalhadores dos serviços. (p. 357)
As DCN privilegiaram o estudante como sujeito ativo no processo de ensino e aprendizagem. Esse novo espaço discente articula-se com novos papéis dos professores e requer metodologias que instiguem os estudantes a construírem conhecimento21. Nesse contexto, os serviços de saúde inscrevem-se como cenários de prática. Peres et al.22 os concebem como: [...] locais de aprendizagem e de trabalho com um papel transformador, e não apenas como um espaço físico de realização de novas práticas pedagógicas e assistenciais; constituem ambientes onde os estudantes podem considerar os sujeitos sociais neles presentes, a natureza,
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o conteúdo e a finalidade destas práticas, perante a sociedade e as políticas de formação e de assistência à saúde. (p. 137)
A integração ensino-serviço emerge, assim, como pedra angular dos investimentos históricos que vêm sendo desenvolvidos no campo da formação em saúde, objetivando a reorientação da formação profissional, visando promover transformações no ensino e aprendizagem, nos processos de produção do conhecimento e assistência à população21,22. (4) Do desejo de mudança às práticas de integração e aprendizagem interprofissional: e por falar em potências e limites Jaeger e Cecim23 afirmam que a transformação da formação e da gestão do trabalho em saúde não implica somente uma questão técnica, uma vez que ela requer mudanças nas relações, nos processos de trabalho, nos atos realizados em saúde. Nessa linha de pensamento vai Garcia23, ao afirmar que, nos serviços de saúde, há o transcender das informações técnicas da sala de aula, pois os serviços expõem a possibilidade de discussões em diversos patamares, sobretudo aqueles inscritos nas relações sociais que neles se apresentam. No potencial gerado a partir da integração entre ensino e serviço e a formação em saúde, Albuquerque et al.17 identificam: Os espaços onde se dá o diálogo entre o trabalho e a educação assumem lugar privilegiado para a percepção que o estudante vai desenvolvendo acerca do outro no cotidiano do cuidado. São espaços de cidadania, onde profissionais do serviço e docentes, usuários e o próprio estudante vão estabelecendo seus papéis sociais na confluência de seus saberes, modos de ser e de ver o mundo. (p. 358)
E Vasconcellos24 destaca: “[...] a leitura da realidade que o sujeito fará depende da finalidade que tem, qual seja, não analisará a realidade como um todo, o que seria uma operação interminável, mas aqueles elementos da realidade sobre os quais sua finalidade incide, o que os torna relevantes” (p. 77). Pertinente à relevância da inserção do aluno no serviço, ainda na graduação, Mardsen25 acentua: Com a inserção precoce, o aluno entra em contato, desde o início da sua graduação, com situações reais de trabalho e tem a oportunidade de vivenciar as mais diferentes circunstâncias de vida da população atendida, o trabalho em equipe e o cotidiano das instituições de Saúde Pública. Espera-se que, ao relacionar diretamente o ensino aos problemas de saúde da comunidade adstrita à unidade de saúde usada como campo de estágio, o aluno passe a ter um maior comprometimento com a população atendida e que egresse da Universidade exercendo uma prática profissional mais humanista e reflexiva. (p. 33)
Henriques26 lembra que os serviços de saúde proporcionam um conhecimento construído em meio à experiência vivida, e consequente reflexão sobre ela. Ressalta que os serviços de saúde são espaços que podem vir a transformar e proporcionar a consolidação dos modelos de atenção, pautados nos pressupostos do SUS. Souza et al.27, por sua vez, identificaram que as principais motivações dos profissionais quanto à implementação de políticas indutoras estão diretamente relacionadas: às possibilidades de melhorias nas condições de trabalho, às oportunidades de aprendizado, à valorização profissional e às transformações nos processos de trabalho. Outra questão reside na formação pedagógica de docentes e preceptores; com frequência, bons técnicos e, por assim serem, “viram” professores28,29. Cada vez mais, esse processo se mostra falho e insuficiente, mas, felizmente, sustenta a necessidade e exigência da fundamental formação pedagógica específica, aspecto crescentemente reconhecido pelas IES tanto nacional como internacionalmente30. 748
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O processo de ensino/aprendizagem guarda uma transformação que combina profundidade e agilidade. Metodologias problematizadoras, como demandam as políticas indutoras em foco neste estudo, exigem conhecimento profundo de vários aspectos pedagógicos, como o processo cognitivo e as contribuições da avaliação, entre outros. A aprendizagem significativa31,32, compreendida como um “processo por meio do qual uma nova informação relaciona-se, de maneira substantiva (nãoliteral) e não-arbitrária, a um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo” (p.10), passa a ser uma estratégia potente do processo de ensino/aprendizagem na formação em saúde. Reconhece-se, assim, que as parcerias estabelecidas entre os Ministérios da Saúde e da Educação, na perspectiva da reorientação da formação do profissional de saúde, proporcionam novas possibilidades, pois desvelam que a “combinação de critérios utilizada na parceria universidade/serviço é julgada adequada frente ao proposto pelo Ministério da Saúde e da Educação, e às diretrizes do PróSaúde”19. O PET-Saúde inscreve-se como uma inovação pedagógica de integração dos cursos de graduação da área da saúde, e de fortalecimento da prática acadêmica que integra a universidade, em atividades de ensino, pesquisa e extensão, com demandas sociais de forma compartilhada33. Neste sentido, parece que o PET-Saúde tem avançado no contexto da formação em saúde ao incorporar e compreender a educação interprofissional como pressuposto de suas atividades. As contribuições do PET são importantes para o reconhecimento da interdisciplinaridade e do trabalho em equipe colaborativo. O PET-Saúde assume que: Realiza-se como educação interprofissional, onde estudantes de diferentes formações e que estão em diversos períodos em suas graduações, mediados por professores de várias formações e profissionais dos serviços, aprendem e interagem em conjunto visando à melhoria da qualidade no cuidado à saúde das pessoas, famílias e comunidades. Valoriza o trabalho em equipe, a integração e as especificidades de cada profissão.33 (p.2)
Experiências relatadas por diferentes grupos PET-Saúde já têm enfocado a interprofissionalidade com uma característica do aprendizado e das práticas cotidianas. Rossit et al.34 (p.2) relatam que: “um dos grupos preza o trabalho em equipe interprofissional, favorece as trocas, respeita a diversidade de opiniões e conhecimentos, e oportuniza a prática nos princípios da educação interprofissional”. No estudo de Reis35, emerge a percepção de que as atividades desenvolvidas contribuíram para a formação profissional interdisciplinar, estabelecendo estratégias de aprendizagens pautadas no diálogo, respeito, vínculo e colaboração. O desenvolvimento do PET-Saúde, fundamentado na educação interprofissional, parece contribuir para: a concretização de desafios no âmbito da formação em saúde no Brasil como integração curricular, diversificação de cenários de aprendizagem, articulação da universidade com os serviços de saúde, dimensão ética, humanista, crítico-reflexiva e cuidadora da prática, dentro de uma concepção ampliada de saúde4. O autor ainda explica que: Associada a estes desafios, vivenciamos a discussão atual sobre a necessidade de ampliar o ensino universitário para além da profissionalização específica, a assunção da problematização na proposta de ensino, com consequentes mudanças de atitude de professores e estudantes e a integração e interdisciplinaridade como direcionadoras da proposta de formação.4 (p. 25)
Costa et al.36 afirmam que, ao lado de várias potências e possibilidades, é possível identificar como nós críticos: carga horária não efetiva do PET-Saúde; estudante não disponível, efetivamente, para as atividades decorrentes de suas atividades acadêmicas; aluno sem perfil para atuar no programa; insumos materiais e recursos didáticos insuficientes e não disponibilizados pela coordenação do PETSaúde e gestão municipal de saúde; tutores pouco ou não participativos das atividades realizadas, e falta de integração da gestão municipal de saúde às atividades e equipes do PET-Saúde. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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Assim, é preciso transformar programas exitosos, como os que inspiraram este artigo, em políticas sólidas de formação de profissionais, que, para além dos acertos teóricos de nosso SUS, tragam de forma expressiva as marcas de um sistema de saúde construído e, portanto, de fato, para todos!
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Campos GWS. Reforma da reforma: repensando a saúde. São Paulo: Hucitec; 1992. 2. Ferreira BJ. Inovações na formação médica: reflexos na organização do trabalho pedagógico [tese]. Campinas (SP): Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas; 2004. 3. Vieira-da-Silva LM. Conceitos, abordagens e estratégias para a avaliação em saúde. In: Hartz ZMA, Vieira-da-Silva LM, organizadores. Avaliação em saúde: dos modelos teóricos à prática na avaliação de programas e sistemas de saúde. Salvador: EDUFBA; 2005. p. 15-39. 4. Batista NA. Educação interprofissional em Saúde: concepções e práticas. Cad FNEPAS. 2012;2(2):25-8. 5. Haddad AE, Morita MC, Pierantoni CR, Brenelli SL, Passarella T, Campos FE. Formação de profissionais de saúde no Brasil: uma análise no período de 1991 a 2008. Rev Saúde Pública 2010;44(3):383-93. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010005000015 6. Campos FE, Pierantoni CR, Machado MH. Introdução. Cad RH Saúde. 2006; 3(1):8-11. 7. Campos GWS, Guerrero AVP, organizadores. Manual de práticas de atenção básica: saúde ampliada e compartilhada. São Paulo: Aderaldo & Rothschild; 2008. 8. Freitas LC. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. Campinas: Papirus; 1995. 9. Chaves M, Kisil M. Origens, concepção e desenvolvimento. In: Almeida MJ, Feuerwerker L, Llanos M, organizadores. A educação dos profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento de mudança. Tomo 1: um olhar analítico. São Paulo: Hucitec; 1999. p. 1-16. 10. Ludke M, Meda A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU; 1986. 11. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria do Ensino Superior. Programa de Integração Docente-Assistencial - IDA. Brasília (DF): MEC/SESU/CCS; 1981. (Caderno Ciência Saúde, nº 3). 12. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Diretrizes Curriculares Nacionais. Brasília (DF): MEC/CNE/CES; 2000. 13. Decreto Presidencial nº 4.726, de 9 de junho de 2003. Institui a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde – SGTES. Brasília (DF): Presidência da República; 2003.
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Batista SHSS, Jansen B, Assis EQ, Senna MIB, Cury GC. Formación en Salud: reflexiones de los Programas Pro-Salud y PET-Salud. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl:743-52. El objetivo de este trabajo es reflexionar sobre el Programa Nacional de Reorientación de la Formación Profesional en Salud – Pro-Salud y el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud - PET-Salud. Se trata de un estudio descriptivo con el uso de las herramientas cualitativas del análisis documental. Se construyeron como ejes analíticos: (1) raíces históricas - explorando orígenes; (2) Pro-Salud y PET-Salud: conocimiento de trayectorias; (3) integración enseñanza-servicio: una idea-clave estructurante; (4) del deseo de cambios a las prácticas de integración y aprendizaje interprofesional: y por hablar en potencias y límites. Se concluye que los Programas Pro-Salud y PET- Salud tienen potencial significativo para actuar como políticas inductoras de la reorientación en salud que señalan avances en lo que se refiere a la integración enseñanza-servicio y a la formación interprofesional.
Palabras clave: Educación en salud. Servicios de integración docente asistencial. Políticas públicas. Recebido em 04/11/14. Aprovado em 11/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.1057
artigos
O Pró-PET-Saúde frente aos desafios do processo de formação profissional em saúde Marcelo Viana da Costa(a) Flávio Adriano Borges(b)
Costa MV, Borges FA. The Pro-PET-Health and the challenges of the professional education in health. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:753-63.
This paper aims to explore the major changes induced by the current reorientation policies of health professional education, specifically the National Program for Reorientation of Professional Education in Health and the Education by Work for Health Program (Pro-PETHealth). Reports from these institutions and spokespeople from the Ministry of Health were used as source data, which are available on the FORMSUS platform. We analyzed the data with content analysis. We found that Pro-PET-Health is inducing key changes in health education – for example, strengthening teaching and service, diversifying scenarios for practice and innovation in teaching methods that foster research along with social and healthcare needs, and ultimately stimulating interprofessional education.
Keywords: Health education. Teaching care integration services. Public policies.
Este artigo busca explorar as principais mudanças induzidas pelas atuais políticas de reorientação da formação profissional em saúde, mais especificamente, o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PróPET Saúde. Foram utilizados como fonte de dados os relatórios das instituições e de assessoria do Ministério da Saúde que se encontram disponibilizados na Plataforma FORMSUS. Foi adotada a análise de conteúdo temática como técnica de análise dos dados. O Pró-PET-Saúde vem induzindo mudanças nevrálgicas na formação em saúde: fortalecimento da articulação ensino/serviço; diversificação dos cenários de práticas e inovação dos métodos de ensino; fomento à pesquisa em articulação com as necessidades sociais e de saúde e estimulando a educação interprofissional.
Palavras-chave: Educação em saúde. Serviços de integração docente-assistencial. Políticas públicas.
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(a) Departamento de Enfermagem, Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. BR 405, Km 3, Arizona Pau dos Ferros, RN, Brasil. 59900-000. vianacostam@yahoo.com.br (b) Doutorando, Programa de PósGraduação em Enfermagem em Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. flavioborges.enf@gmail.br
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Introdução Em anos recentes, países ao redor do mundo têm dedicado importantes esforços na reflexão sobre os desafios que as mudanças atuais da sociedade impõem aos serviços de saúde e, por consequência, ao processo de formação dos profissionais de saúde. O debate tem apontado evidências relevantes que tornam incoerente pensar em mudanças nos serviços de saúde, sem a necessária articulação com processos sólidos e sustentáveis na lógica que fundamenta a formação profissional em saúde1,2. A literatura mais recente, que aborda a problemática da formação dos profissionais e das práticas em saúde, traz como importante referência o relatório elaborado pela Comissão de Educação da Revista Lancet, que se configura como independente e que se debruçou sobre importantes gargalos diante da temática, a partir das perspectivas globais3. O escopo desse momento não é esgotar a discussão dos pontos-chave trazidos pelo relatório, mas tê-lo como dispositivo capaz de disparar a reflexão do cenário brasileiro, tendo a clareza do caráter inacabado desse debate. Entre os desafios apontados pela literatura, estão: a má distribuição dos profissionais de saúde entre diferentes países e no interior de um mesmo território; dificuldade de fixação de profissionais em regiões pobres ou de difícil acesso; pouca aproximação dos profissionais com a realidade de vida e saúde das pessoas; limitada responsabilidade social dos profissionais, acompanhada pela dificuldade na formação do pensamento crítico; formação centrada nas habilidades específicas das categorias profissionais; intensa divisão do trabalho em saúde, forte influência do mercado de trabalho na ordenação dos processos formativos; tendências pedagógicas tradicionais que reproduzem modelos assistenciais também tradicionais, tendo como principal cenário de aprendizagem hospitais ou laboratórios de ensino, entre outros determinantes3,4. Os problemas anteriores são determinados por diversos elementos históricos, sociais, econômicos, culturais, onde se evidencia forte relação de forças de interesses distintos e, por vezes, diversos. Por outro lado, as inúmeras transformações que ocorrem na sociedade têm exigido, cada vez mais, um outro perfil profissional, capaz de efetivar práticas em saúde de forma eficiente e resolutiva, configurando a primeira tensão de forças a ser mencionada5. Por um lado, as necessidades sociais e de saúde, que se manifestam de forma individual e coletiva. Por outro lado, serviços de saúde centrados na oferta de procedimentos. Essa lógica de produção de serviços de saúde procedimento-centrado ou médico-centrado encontra como suporte o processo de formação que apresenta as características anteriormente citadas, e que, numa permanente articulação, desenha um cenário de enfrentamento difícil e complexo6,7. Pensando neste cenário, é possível considerar como fio condutor, que provoca outras análises, a forte tendência de formar profissionais de saúde em suas habilidades e competências específicas, constituindo o que é definido como silos profissionais. Para essa realidade, podem ser atribuídos, entre outros elementos, as identidades profissionais definidas e legitimadas pela sociedade, agregando, às profissões, status e relevância social diferenciadas8. Ainda como desdobramento desse novelo e como legado da perspectiva produtivista da sociedade capitalista, a divisão do trabalho em saúde acentuou os problemas já existentes. A divisão do trabalho se reproduzia no processo de formação, sendo o contrário uma verdade. O trabalho dividido é a herança de toda essa problemática. As categorias profissionais não se veem como parte do trabalho coletivo em saúde, mas como um mundo à parte deste9. O usuário – e suas necessidades – assume papel de mero objeto de intervenção, e o trabalho em equipe passa a não ter sentido numa lógica em que cada profissional faz o que lhe compete, sem a preocupação de (re)significar as relações estabelecidas na produção dos serviços de saúde. A colaboração, o agir comunicativo, a interação passam a não fazer parte da dinâmica do processo de trabalho em saúde, com forte agravante para todo o Sistema de Saúde10,11. As problemáticas apresentadas, por sua vez, demandam um processo de enfrentamento articulado e a formação profissional em saúde possui papel determinante neste processo. Neste sentido, este artigo tem como objetivo explorar as principais mudanças induzidas pelas atuais políticas de reorientação da formação profissional em saúde, mais especificamente, o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde e o Programa de Educação pelo Trabalho para a 754
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Saúde – Pró-PET-Saúde, a partir dos relatórios das instituições e de assessoria do Ministério da Saúde e à luz da literatura científica.
Pró-PET-Saúde: importantes acúmulos históricos na reorientação do processo de formação dos profissionais de saúde A preocupação com o processo de formação dos profissionais em saúde no Brasil não é recente. O país acompanhou o movimento global com o escopo de adequar os perfis profissionais às necessidades de saúde da população e ao fortalecimento dos Sistemas Nacionais de Saúde12,13. Assim, a discussão em torno da elaboração de propostas que pudessem se configurar como contra-hegemônicas, antecede até mesmo a criação e implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo contemporânea do movimento da medicina comunitária, que ganhou força no âmbito dos departamentos de medicina preventiva. O processo de formação ganha destaque nesse momento histórico, à medida que se discutia a incoerência de uma reforma do setor saúde, sem a necessária reforma do processo de formação da força de trabalho, que seria a sustentação deste14. O processo de formação dos profissionais de saúde começa a ocupar espaço nas conferências nacionais de saúde, sendo um dos temas incluídos na proposta da Reforma Sanitária Brasileira. Deste período até a atualidade, as iniciativas, movimentos e políticas com foco na reorientação da formação em saúde assumiram configurações distintas, muitas vezes, mudando o tom por força das concepções de grupos. Essa realidade, presente na literatura nacional, mostra a fragilidade, em alguns momentos da história, das iniciativas enquanto política de Estado, à medida que transitava de formato à mudanças de governo15. Porém, o propósito não é explorar à exaustão todas as iniciativas/políticas que induziram importantes reflexões e mudanças sobre a formação dos profissionais de saúde no Brasil. Todas as políticas foram relevantes para acumular experiências no sentido de, cada vez mais, se pensar na viabilidade de vários processos de mudanças coerentes com as necessidades de transformações na lógica dos serviços de saúde, e, consequentemente, na vida e saúde das pessoas. Nesse sentido, será dada centralidade às políticas mais recentes, sem desconsiderar, e nem é possível, o acúmulo histórico das conquistas viabilizadas em momentos anteriores. Assim, serão trazidos aspectos do Programa de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró- Saúde, e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde, para esta explanação. As atuais políticas de estímulo às mudanças na formação em saúde tomam como instrumento orientador as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) que, por sua vez, representaram um grande avanço nos movimentos para reorientarem a formação dos profissionais de saúde, por atentarem para a necessidade de se formar um profissional humanista, com competências não apenas técnica, mas, também, ética e política; pela intenção de se formar um profissional de saúde apto a assumir a responsabilidade frente à consolidação do SUS; formar a capacidade crítica e reflexiva dos profissionais, para que os mesmos possam identificar as necessidades de saúde de uma forma mais ampliada, e pela ênfase dada à integralidade da atenção, valorizando todos os níveis de atenção, assim como todas as categorias profissionais, dando centralidade às necessidade do usuários, expressas nas dimensões individuais e pedagógicas16,17. É claro que a efetivação dessas diretrizes varia muito em decorrência das diferentes visões de mundo e da identificação com as bases ideológicas que fundamentaram a formulação das DCN, mas, sem dúvida, é uma ferramenta indispensável na superação de um dos maiores entraves para o SUS: a formação de seus profissionais16,18. Nesse sentido, outras políticas começam a ser elaboradas para que as limitações das iniciativas anteriores possam ser superadas, efetivando sucessivos processos de avaliação e discussão do tema. Dentre as políticas mais recentes, merece destaque o Pró-Saúde – Programa de Reorientação da Formação Profissional em Saúde, instituído pela portaria 2.101 de 3 de novembro de 2005. A primeira chamada do Pró- Saúde envolveu apenas os cursos de medicina, enfermagem e odontologia, por serem as categorias profissionais que integram as equipes de referência na Estratégia Saúde da Família. Porém, a portaria 3.019 de 26 de novembro de 2007 amplia o Pró-Saúde para todos os cursos da área da saúde. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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A política se configura como relevante ferramenta de incentivo à superação do tradicional modelo de formação em saúde, dando importância aos processos sociais e econômicos da população, a partir da compreensão ampliada de saúde; fortalecimento da articulação com os serviços públicos de saúde, fortalecendo as ações de prevenção e promoção da saúde; reconfiguração da pesquisa, com foco na produção do conhecimento voltado para o fortalecimento do sistema de saúde; adoção de novas estratégias pedagógicas e da atenção básica como importante espaço de formação19,20. O Pró-Saúde se fundamenta em três grandes eixos: orientação teórica com foco no fortalecimento da compreensão dos determinantes sociais do processo saúde-doença. Este eixo tem como escopo, valorizar os perfis epidemiológicos e as intervenções com vistas à transformação destes; produzir conhecimento coerente com as demandas apontadas pela realidade de vida e saúde da população, bem como pelas necessidades de fortalecimento do SUS; e viabilizar a pós-graduação e educação permanente para que os processos de educação e formação estejam atrelados às necessidades de fortalecimento de áreas estratégicas do SUS19,21. Outro eixo é o Cenário de Práticas que objetiva fortalecer a articulação ensino/serviço, diversificação dos cenários de práticas, de forma que a realidade sirva como espaço de formação, reflexão e integração dos serviços próprios das instituições formadoras com o SUS. Esse eixo fortalece a ideia de articulação e entende a grande relevância da realidade dos serviços para a formação do perfil profissional adequado para o enfrentamento dos problemas apresentados nas realidades19. O último eixo é a orientação pedagógica que se debruça sobre as mudanças curriculares e das práticas pedagógicas que fundamentam o processo de ensino-aprendizagem. Esse eixo fundamenta a construção do perfil crítico e reflexivo, valorizando estratégias ativas de aprendizagem, colocando o aluno como sujeito na construção do conhecimento, problematizando a realidade, amparado na lógica da ação-reflexão-ação. Como propostas para a mudança nos desenhos curriculares, é sugerido que a atenção seja inserida como importante espaço de formação, para dar suporte à lógica de formação do perfil generalista19. Porém, outras iniciativas, como desdobramento do Pró-Saúde, asseguram oportunidades de aproximação entre diferentes atores das diversas profissões, a exemplo do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde (PET-Saúde)22. O programa é produto das avaliações das estratégias adotadas no Pró-Saúde e entendido como ferramenta de seu fortalecimento. A proposta tem como eixo condutor a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, e deixa mais clara a intenção de adotar a interdisciplinaridade como estratégia para experienciar a realidade como um processo de formação20,23. Outra inovação proposta pelo PET-Saúde foi a introdução da pesquisa como estratégia de formação e reconhecimento das necessidades dos serviços de saúde e da população. Nesse intuito, tem ampliado as ações de pesquisa clínica, pesquisa-ação e pesquisa sobre o ensino-aprendizagem e gestão. Esta iniciativa permite a permanente articulação entre os processos de formação e a realidade do SUS, tanto em nível de graduação como de pós-graduação23-25. A iniciativa tem como pretensão o estímulo a novos métodos de ensino-aprendizagem, à medida que adota o ensino tutorial e permite a aproximação, nos espaços de produção dos serviços de saúde da atenção básica, de alunos e professores de diferentes cursos da área da saúde26. No entanto, ainda se faz necessária a ampliação das pesquisas em torno do PET-Saúde como forma de entender e avaliar como se materializa a articulação e interação entre esses diferentes personagens e suas contribuições para o trabalho colaborativo24.
Metodologia Pela natureza do trabalho e do objetivo desta pesquisa, optou-se por um estudo exploratório de abordagem qualitativa. O estudo tem como objeto de investigação dados secundários obtidos pela consulta aos relatórios produzidos pelas Instituições de Ensino Superior – IES que participam do Pró-PET-Saúde: relatório técnico e de visitas da equipe assessora do Ministério da Saúde. O acesso a estes relatórios foi possível por meio da plataforma FORMSUS. 756
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Foram pesquisados cento e vinte relatórios técnicos anuais do Pró- Saúde e PET-Saúde/Redes de Atenção e 99 relatórios de visita do Pró-PET-Saúde. Os relatórios técnicos anuais são preenchidos pelas coordenações dos projetos na IES e trazem, de forma descritiva, as repercussões do Pró-PET-Saúde em diversos âmbitos do processo de formação em saúde. Os relatórios de visita são preenchidos pela equipe assessora do Ministério da Saúde que acompanha a execução dos projetos. Os dados obtidos foram analisados a partir da análise de conteúdo temática categorial, observando: as etapas de leitura flutuante, constituição do corpus da pesquisa, elaboração de hipóteses e objetivos27,28. A leitura dos relatórios permitiu categorizar os resultados em quatro principais temas, que coincidem com os objetivos das duas políticas: fortalecimento da articulação ensino-serviço como estratégia de diversificação dos cenários de práticas e fortalecimento da atenção primária, mudanças curriculares e adoção de métodos de ensino e aprendizagem ativos, educação interprofissional como estratégia para qualificar os profissionais de saúde para o trabalho em saúde, e reorientação da pesquisa no âmbito das mudanças no processo de formação.
Resultados O processo de categorização dos dados permitiu construir unidades de análises muito semelhantes aos objetivos das políticas. Embora estes objetivos já sejam conhecidos e, por sua vez, espera-se que naturalmente sejam alcançados, a leitura dos relatórios aponta que alguns deles são relatados de forma mais contundente, apontando para o entendimento de que são os principais impactos da política. Outros aparecem com menos frequência, fornecendo elementos de reflexões relevantes. A articulação ensino-serviço é, sem dúvida, o principal ponto forte trazido nos relatórios. As IES direcionam para o fato de que o Pró-PET-Saúde induziu os cursos a adotarem a articulação ensinoserviço como estratégia de reorientação da formação em saúde. Essa articulação tem permitido o desencadeamento de um processo de inserção do aluno na realidade de vida e saúde da população e da produção dos serviços de saúde, com relevantes ganhos para a formação de um profissional que conheça as demandas que emergem destes cenários. “O maior avanço foi o da adequação das práticas da comunidade com os conteúdos dos módulos curriculares e a construção de instrumento de avaliação em cenários reais na APS”. (IES 2) “O Pró-Saúde e PET-Saúde fortalecem a integração Ensino - Serviço - Comunidade e incentivam a ampliação dos cenários de prática na medida em que docentes e discentes dos cursos envolvidos e profissionais de saúde trabalham integrados em disciplinas afins e nos projetos”. (IES 5) “A articulação dos cursos de graduação com o Pró-Saúde e PET-Saúde vem se materializando e dando visibilidade à integração ensino- serviço-comunidade como uma estratégia de mudança na formação em saúde”. (IES 12)
É interessante relatar que as mudanças expressas no relatório acontecem de forma muito articulada, sendo possível identificar os impactos da política em diversos aspectos da formação. O fortalecimento da articulação ensino-serviço impulsionou a adoção de novas estratégias metodológicas, bem como de mudanças nos desenhos curriculares. Cursos da área da saúde que historicamente mantinham relação mais distanciada dos serviços passaram por algumas mudanças curriculares para assegurar coerência com as diretrizes do Pró-PETSaúde, incorporando mudanças significativas no processo de formação.
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“Desde a implantação do Pró-Saúde e PET-Saúde o curso de Nutrição propôs um novo Projeto Pedagógico, com inserção precoce dos estudantes nos cenários de prática no SUS e na sua área de territorialização, com o fortalecimento dos componentes orientação teórica, pedagógica e cenários de prática”. (IES 31) “As iniciativas de integração ensino-serviço no período que antecedeu a participação do curso de Farmácia no programa foram pontuais e sem sustentação. A inserção do curso no programa Pró-Saúde e PET-Saúde motivaram mudanças que foram desde a reorientação de algumas disciplinas à contratação de mais docentes com o perfil para a saúde pública e APS”. (IES 19) “Os projetos pedagógicos atuais de todos os cursos já contemplam disciplinas curriculares obrigatórias baseadas na comunidade, reforçadas pelo edital Pró- Saúde II, PET Saúde/ Saúde da Família e Saúde Mental. Com as mudanças curriculares, estes passaram a ampliar a diversificação dos cenários de prática e as redes sociais de apoio”. (IES 43)
Outro aspecto identificado nos relatórios é a interação entre os diversos cursos da área da saúde, estimulada pelo Pró-PET-Saúde. As mudanças curriculares com adoção de novas estratégias metodológicas de ensino-aprendizagem têm estimulado a aproximação destes cursos. Embora, nos relatos, se perceba certa confusão conceitual, sobretudo, com relação à interprofissionalidade, fica clara a intenção de viabilizar momentos compartilhados de aprendizagem, com importantes ganhos para a mudança da lógica da educação profissional em saúde. “Além disso tem promovido eventos para discutir a integração dos cursos e as tendências de mudança na para da saúde, com destaque para o Primeiro Fórum de Ensino da Saúde. O PróPET-Saúde tem desencadeado forte movimento de articulação e integração dos cursos da área da saúde e outros”. (IES 7) “Implantação de módulo integrado interprofissional; Modificação de autopercepção dos cursos como integrantes da área da saúde (educação física)”. (IES 12) “Criação de uma Disciplina Complementar de Graduação (DCG) intitulada Formação Profissional Interdisciplinar para o SUS, ofertada para os acadêmicos dos diferentes cursos da área da saúde. O PET-Saúde permitiu a atuação multiprofissional com integração de diferentes cursos”. (IES 21)
Por fim, outra frente de mudanças está no desenvolvimento de pesquisas a partir das experiências vivenciadas pelos alunos nos diversos cenários e estratégias de aprendizagem. A pesquisa assume papel relevante nesse processo de mudanças por estimular os atores envolvidos a produzirem conhecimentos capazes de refletir e encontrar respostas, ou estratégias de enfrentamento, para os problemas de vida e saúde das pessoas, estimulando a capacidade de crítica, reflexão e responsabilidade social. “Os temas de pesquisa foram delineados a partir de discussões coletivas entre tutores, preceptores e bolsistas inseridos nos grandes projetos. Para tanto, foram acolhidas sugestões de outros profissionais dos cenários de prática, não inseridos diretamente na proposta do Pró-PETSaúde”. (IES 16) “Todos os projetos de pesquisa selecionados foram construídos a partir da identificação de necessidades de saúde pelos preceptores e alunos, com a supervisão acadêmica dos tutores”. (IES 17)
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“Os temas de pesquisa apresentam correlação com demandas geradas no âmbito das redes de atenção à saúde do Município [...], tendo sido definidos de forma coletiva. Houve participação dos profissionais na identificação/concepção do problema de pesquisa? Sim, os dois primeiros seminários Pró-Saúde e PET-Saúde foram realizados para agregar potenciais ideias e propostas para subsidiar a elaboração dos projetos de pesquisas, contanto com a participação de: tutores, preceptores, alunos bolsistas e voluntários”. (IES 47)
Os relatórios têm apontado, com riqueza de detalhes, a potência do Pró-PET-Saúde frente aos desafios atuais do processo de formação dos profissionais de saúde. São mudanças relevantes e que repercutem em toda a dinâmica do processo. As IES também relatam problemas ou dificuldades na execução de um novo projeto de formação, mas que se configura como algo esperado, frente à histórica tendência da formação tradicional. Porém, os projetos têm demonstrado boa capacidade de enfrentamento destes problemas e apresentam-se robustos e sustentáveis. Essa sustentabilidade está assegurada pela forte relação com os serviços de saúde, à medida que os processos vêm se complementando de forma natural, criando laços significativos para a formação, para os serviços e gestores.
Discussão Os dados apresentados apontam para relevantes avanços no processo de formação profissional na área da saúde. Como mencionado anteriormente, o Pró-PET-Saúde é resultado de diversos esforços históricos no sentido de assegurar novos perfis profissionais mais coerentes com as demandas que emergem no contexto social. Seus princípios e diretrizes são frutos de um contínuo amadurecimento de outras políticas, num processo permanente de avaliação e melhoria constante para aperfeiçoar as ações em torno da formação em saúde20,26. Desta forma, vê-se necessária a ênfase dada ao processo de fortalecimento da articulação ensinoserviço, marcadamente presente nos relatórios do Pró-PET-Saúde. Essa articulação vem sendo desejada desde as primeiras iniciativas de reorientação da formação profissional em saúde, por entender que os profissionais de saúde precisam vivenciar o contexto sociocultural e a dinâmica de produção dos serviços de saúde como uma condição para uma formação profissional de qualidade. A vivência da dinâmica da produção dos serviços de saúde, no processo de formação, assegura uma formação mais ampliada na medida em que os atores envolvidos são estimulados a orientarem os processos de ensino e aprendizagem pelas demandas visualizadas na realidade prática. Docentes, alunos, preceptores, gestores e usuários se veem compelidos a adotarem uma nova perspectiva de educação muito próxima das necessidades sociais e de saúde26. Esse aspecto contempla um dos grandes problemas identificados na formação em saúde: o pouco conhecimento das realidades, que é consequência de uma formação com forte apelo tecnicista e isolacionista. Produções teóricas têm trazido, com forte ênfase, a necessidade de se qualificarem os estudantes para realizarem análises mais amplas das condições de saúde, de vida e da dinâmica dos sistemas e serviços3. O processo de articulação do ensino ao serviço, incentivado pelo Pró-PET-Saúde, pode ser identificado como a principal característica e ganho desta estratégia política. Não apenas pela adoção de novos cenários de prática, ou de novas estratégias mais ativas e dinâmicas de ensino e aprendizagem, mas pela capacidade de estimular o pensamento crítico, a reflexão e a responsabilidade social diante dos problemas e experiências vivenciadas29. Um dos principais desafios da formação profissional de saúde está exatamente na necessidade de formar sujeitos comprometidos com o fortalecimento do SUS e com a melhoria de vida e saúde de todas as pessoas. Para tanto, superar a lógica de formação centrada, exclusivamente, nas competências e habilidades específicas, sem a necessária formação da competência politica e ética, deve ser a lógica do processo de mudança da educação dos profissionais de saúde30.
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Nesse sentido, é possível afirmar que o Pró-PET-Saúde vem cumprindo seu papel quando diversifica os cenários de aprendizagem, dando oportunidade à formação de outras habilidades e competências importantes ao profissional de saúde. Da mesma forma, a adoção de metodologias ativas tem tido enorme relevância no conjunto das mudanças implantadas, à medida que as perspectivas tradicionais não conseguem manter coerência com um grande projeto de mudanças na área de formação dos profissionais de saúde31. Também é necessário destacar que, no conjunto de mudanças estimuladas pelo Pró-PET-Saúde, a educação interprofissional vem ganhando visibilidade quando se percebe a necessidade de estimular, ainda no processo de formação, habilidades e valores que deem sustentação ao trabalho colaborativo nas equipes de saúde. Experiências demonstram que alunos que vivenciam processos de formação compartilhados apresentam maior interesse e abertura para trabalhar em equipe, entendendo sua função e relevância, bem como dos demais sujeitos envolvidos no trabalho em saúde32. A educação interprofissional é potente na superação dos estereótipos e na redução das relações hostis impostas pela cultura da hierarquia nas equipes de saúde33-35. Outro ganho da adoção da educação interprofissional no contexto das atuais políticas é o resgate do lugar dos usuários, e suas necessidades, na centralidade do processo de produção dos serviços de saúde36. Nessa perspectiva, se fortalecem os processos de mudança da lógica assistencial pelo resgate da perspectiva do trabalho coletivo em saúde, base de sustentação da integralidade da atenção. A pesquisa, por sua vez, se configura como um potente instrumento dessas mudanças. A produção do conhecimento se aproxima da realidade dos serviços e da vida das pessoas, elaborando produções que são capazes de iluminar mudanças na realidade destes serviços de saúde37. Além disso, a pesquisa estimulada no âmbito do Pró-PET-Saúde possui uma outra característica que merece destaque, que é a de aproximar os profissionais de saúde dos alunos, retomando um ritmo de qualificação importante para a melhoria da qualidade da atenção à saúde38.
Considerações finais As mudanças no processo de formação profissional em saúde se constituem como processos complexos e dinâmicos, assim como as necessidades sociais e de saúde. Nesse sentido, é coerente afirmar que o Pró-PET-Saúde vem exercendo papel determinante na indução de mudanças significativas no âmbito das IES. O estudo demonstrou que os desafios para a efetiva implementação dos objetivos propostos pelos projetos em questão vêm sendo enfrentados de forma muito sólida e sustentável pelas atuais políticas, à medida que instalam uma nova lógica de formação que envolve serviços de saúde e instituições formadoras. Embora esteja muito evidente a força do Pró-PET-Saúde no fortalecimento da articulação ensinoserviço, é verdade que esse aspecto tem provocado outras mudanças relevantes, tais como: a forma de ensinar e aprender, de se relacionar e refletir sobre os problemas de saúde, além da interação com os usuários e com os atores das demais categorias profissionais. É evidente a necessidade de fortalecer os ganhos impulsionados pelo Pró-PET-Saúde, bem como de se aproximar das limitações ou dificuldades na execução dos projetos. Os relatórios trazem, com riqueza de detalhes, a forte articulação das políticas atuais com o debate cotidiano que envolve a educação dos profissionais de saúde. Não se podem perder de vista esses resultados, pela capacidade de provocarem mudanças na realidade dos serviços e da Educação Superior. Contudo, o atual artigo não tem a pretensão de esgotar essa discussão a partir dos resultados e das análises aqui expostos. Pretende-se desencadear novos processos e novas análises por meio da problematização em torno da configuração das políticas públicas indutoras de uma formação mais coerente com a prática profissional em saúde, tendo como perspectivas, por exemplo: estudos sensíveis à identificação de como tem sido, para os alunos e IES, a implementação deste processo contra-hegemônico de formação em saúde. 760
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artigos
Colaboradores Marcelo Viana da Costa participou de todas as etapas da elaboração do artigo (idealização, confecção, padronização e submissão). Flávio Adriano Borges participou das etapas de confecção, padronização, e auxiliou no processo de submissão do artigo, segundo as normas padronizadas pela revista. Referências 1. Stiqler FL, Duvivier RJ, Weggemans M, Salzer HFJ. Health professionals for the 21st century: a students’ view. Lancet. 2010;376(9756):1877-8. http://dx.doi.org/10.1016/ S0140-6736(10)61968-X 2. Horton R. A new epoch for health professionals’ education. Lancet. 2010;376(9756):1875-7. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(10)62008-9 3. Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, et al. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet. 2010;376(9756):1923-58. http://dx.doi.org/10.1016/S01406736(10)61854-5 4. Boelen C, Dharamsi S, Gibbs T. The social accountability of medical schools and its indicators. Educ Health. 2012;25(3):180-94. http://dx.doi.org/10.4103/13576283.109785 5. Barbosa MA, Brasil VV, Sousa ALL, Monego ET. Refletindo sobre o desafio da formação do profissional de saúde. Rev Bras Enferm. 2003;56(5):574-6. http://dx.doi.org/10.1590/ S0034-71672003000500022 6. Feuerwerker LCM, Cecílio LCO. O hospital e a formação em saúde: desafios atuais. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(4):965-71. http://dx.doi.org/10.1590/S141381232007000400018 7. Amâncio Filho A. Dilemas e desafios da formação profissional em saúde. Interface (Botucatu). 2004;8(15):375-80. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832004000200019 8. Kreindler SA, Dowd DA, Dana Star N, Gottschalk T. Silos and social identity: the social identity approach as a framework for understanding and overcoming divisions in health care. Milbank Q. 2012;90(2):347-74. http://dx.doi.org/10.1111/j.14680009.2012.00666.x 9. Matos E, Pires DEP, Sousa GW. Relações de trabalho em equipes interdisciplinares: contribuições para novas formas de organização do trabalho em saúde. Rev Bras Enferm. 2010;63(5):775-81. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672010000500013 10. Weller J, Boyd M, Cumin D. Teams, tribes and patient safety: overcoming barriers to effective teamwork in healthcare. Postgrad Med J. 2014; 90(1061):149-54. http://dx.doi. org/10.1136/postgradmedj-2012-131168 11. Peduzzi M. Trabalho e educação na saúde: ampliação da abordagem de recursos humanos. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(6):1539-41. http://dx.doi.org/10.1590/S141381232013000600005 12. Feuerwerker LCM. Educação na saúde: educação dos profissionais de saúde - um campo de saber e de práticas sociais em construção. Rev Bras Educ Med. 2007; 31(1):3-4. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022007000100001 13. Batista CB. Movimentos de reorientação da formação em saúde e as iniciativas ministeriais para as universidades. Barbaroi. 2013;38:97-125. 14. González AD, Almeida MJ. Movimentos de mudança na formação em saúde: da medicina comunitária às diretrizes curriculares. Physis. 2010;20(2):551-70. http://dx.doi. org/10.1590/S0103-73312010000200012
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Costa MV, Borges FA
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32. Freitas PH, Colome JS, Carpes AD, Backes DS, Beck CLC. Repercussões do PET-Saúde na formação de estudantes da área da Saúde. Esc Anna Nery. 2013;17(3):496-504. http:// dx.doi.org/10.1590/S1414-81452013000300013 33. DeMatteo DJ, Reeves S. Introducing first year students to interprofessionalism: exploring professional identity in the “enterprise culture”: a Foucauldian analysis. J Interprof Care. 2012;27(1):27-33. http://dx.doi.org/10.3109/13561820.2012.715098 34. Baker L, Egan-Lee E, Martimianakis MA, Reeves S. Relationships of power: implications for interprofessional education. J Interprof Care. 2011;25(2):98-104. http://dx.doi.org/10. 3109/13561820.2010.505350 35. Mandy A, Milton C, Mandy P. Professional stereotyping and interprofessional education. Learn Health Soc Care. 2004;3(3):154-70. http://dx.doi.org/10.1111/j.14736861.2004.00072.x 36. Mickan S, Hoffman SJ, Nasmith L. Collaborative practice in a global health context: Common themes from developed and developing countries. J Interprof Care. 2010;24(5):492-502. http://dx.doi.org/10.3109/13561821003676325 37. Haddad AE, Campos F, Freitas M, Brenelli S, Passarela T, Ribeiro T. Programa de educação pelo trabalho para a saúde-PET-Saúde. Cad ABEM. 2009;5(1):6-12. 38. Abrahão AL, Cordeiro BC, Marques D, Daher DV, Teixeira GHMdC, Monteiro KA et al. A pesquisa como dispositivo para o exercício no PET-Saúde UFF/FMS Niterói. Rev Bras Educ Med. 2011;35(3):435-40. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022011000300019
Costa MV, Borges FA. El Pro-PET-Salud frente a los retos de la educación profesional en salud. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:753-63. Este trabajo trata de explorar los principales cambios inducidos por la actual reorientación de las políticas de formación profesional en la salud, en particular el Programa Nacional para la Reorientación de la Formación Profesional y el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud – el Pro- PET-Salud. Utilizaron como fuente de datos los reportes de las instituciones y de la asesoría del Ministerio de la Salud, que están disponibles en la plataforma FORMSUS. Fue adoptado el análisis de contenido temático como técnica de análisis de datos. El Pro-PET-Salud está induciendo cambios neurálgicos en educación para la salud: fortalecimiento de la articulación enseñanza/servicio; diversificación de los escenarios de las prácticas y la innovación de los métodos de educación; fomento de la investigación en conjunto con las necesidades sociales y de salud y estimulando la educación interprofesional.
Palabras clave: Educación en salud. Servicios de integración docente assistencial. Políticas públicas. Recebido em 27/10/14. Aprovado em 05/01/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0991
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Com a palavra, o trabalhador da Atenção Primária à Saúde: potencialidades e desafios nas práticas educacionais Tiago Rocha Pinto(a) Eliana Goldfarb Cyrino(b)
Pinto TR, Cyrino EG. Listening to the primary health care worker: potential and challenges in educational practices. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:765-77.
This study investigated the potential of and obstacles to the consolidation and implementation of teaching and learning activities experienced in the interaction between students and workers in Primary Health Care Services (APS). We conducted qualitative research using semi-structured interviews with professionals from different categories and APS services of a mediumsized municipality of São Paulo, Brazil. Data were analyzed according to a historicalcultural approach and the explanatory method developed by Vygotsky. This study found that APS scenarios have been established on a key educational basis that meets the principles of the Brazilian Health System (SUS). However, adjustments and agreements are necessary between constituent organizations, health units, and managers in charge of this joint effort so that the students, workers, and population can benefit.
Keywords: Health education. Primary health care. Patient care team.
Este estudo buscou analisar as potencialidades e os entraves na consolidação e operacionalização das atividades de ensino e aprendizagem vivenciadas na interação entre estudantes e trabalhadores dos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS). Realizou-se pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas semiestruturadas com profissionais de diferentes categorias e serviços da APS de um município de médio porte do estado de São Paulo. Os dados foram analisados segundo a abordagem histórico-cultural, de acordo com o método explicativo de Vigotski. Constatou-se que os cenários da APS têm se constituído enquanto campo fundamental de aprendizagem para uma formação que atenda aos preceitos do SUS. Entretanto, faz-se necessária uma série de ajustes e pactos entre os órgãos formadores, unidades de saúde e gestores encarregados desta articulação, para que alunos, professores, trabalhadores e população possam ser beneficiados com essa intervenção.
Palavras-chave: Educação em saúde. Atenção primária à saúde. Equipe de assistência ao paciente.
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Escola Multicampi de Ciências Médicas do Rio Grande do Norte. Avenida Doutor Carlindo de Sousa Dantas, 540, 2º andar. Caicó, RN, Brasil. 59300-000. tiagorochapinto@hotmail.com (b) Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), Ministério da Saúde. Brasília, DF, Brasil. eliana.cyrino@saude.gov.br (a)
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com a palavra, o trabalhador da atenção primária ...
Introdução Com a constituição do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos princípios doutrinários e organizativos que o orientam, foi desencadeada uma série de transformações no modo com que são ofertados os cuidados em saúde. As Instituições de Ensino Superior (IES), por sua vez, também foram levadas a rever a maneira com que vinham formando seus alunos, na tentativa de se adequarem a estas novas exigências. Neste ideário, nas últimas décadas, o Ministério da Saúde (MS), em parceria com o da Educação (MEC), têm formulado várias propostas destinadas a promoverem mudanças na formação, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos da Área de Saúde (DCNs), assim como para o desenvolvimento da Política de Educação Permanente dos trabalhadores, tais como: Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina (Promed); Aprender-SUS; Ativadores de processos de mudança; VER-SUS; Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PETSaúde)1-6. Mais recentemente, o Programa de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica (PROVAB), o PET-Redes de Atenção e a Lei do Mais Médicos também passaram a integrar estas ações e, de forma distinta, buscam responder à falta de programas e profissionais em áreas remotas ou de maior vulnerabilidade social1-6. De modo geral, a perspectiva adotada nestes programas se coaduna às bandeiras de luta dos diversos movimentos sociais surgidos nas últimas décadas, ponderando a importância da integração ensino-serviço para uma formação voltada para as necessidades de saúde da população e do sistema de saúde vigente no país6. Com o apoio das políticas indutoras de mudança, as IES vêm buscando reorganizar seus currículos e cenários de formação, o que tem passado diretamente pela articulação com a rede de atenção à saúde7,8. Nas novas DCNs do curso de graduação em medicina de 2014, a Atenção Primária à Saúde (APS) é colocada na centralidade deste processo, desde o início da formação, constituindo-se como cenário obrigatório em 30% da carga horária no internato5. Estudos apontam para as potencialidades da inserção longitudinal de alunos na APS na perspectiva da educação pelo trabalho, que, aliada ao uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, revelam-se como estratégias fundamentais para o desenvolvimento de uma concepção ampliada do processo saúde-doença, com possibilidades de uma abordagem integral e contextualizada dos pacientes, famílias e comunidade9-11. Em razão das DCNS e de iniciativas políticas do MS e MEC, é importante destacar que as possibilidades de se produzirem maiores ou menores mudanças dependem do modo como se inaugura o processo, com que se constrói a agenda de discussão e as propostas de inovação12. As dificuldades reais do sistema e os embates entre ensino e cuidado no exercício de uma nova lógica sanitária em curso, carregam conflitos, instabilidades e incertezas entre políticas e organizações fortemente instituídas. Deste modo, a relação entre IES e serviços também pode gerar tensionamentos decorrentes: da dicotomia entre o ensino e a produção de cuidados em saúde, da heterogeneidade de necessidades e interesses institucionais na integração do ensino com a rede de serviços12,13. No que diz respeito à articulação entre ensino e assistência nos cenários da APS, alguns autores já apresentaram complicadores que se fazem presentes nesta relação, tais como: a escassez e a pouca interlocução com equipamentos comunitários; infraestrutura inadequada das unidades de saúde; alta rotatividade de profissionais, além da falta de compreensão sobre a necessidade de educação permanente como forma essencial para a reflexão sobre o processo de trabalho e qualificação das práticas assistenciais14-16. Muitos profissionais que atuam na APS consideram que atividades pedagógicas e de preceptoria fazem parte das suas atribuições, e gostariam de desempenhá-las adequadamente. Todavia,
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responsabilizam as IES e gestores pela pouca valorização e estímulo a estas ações, dificultando o desenvolvimento de competência técnica para se trabalhar e problematizar a realidade com os alunos. Num contexto de crescente demanda e ocupação da APS por alunos de diferentes cursos, disciplinas e momentos da formação, torna-se indiscutível a necessidade de construção de espaços de compartilhamento de saberes e de modos de ver o cotidiano do cuidado entre docentes, estudantes, usuários e profissionais dos serviços. Ao se ouvir a percepção dos profissionais sobre a interação com alunos, espera-se contribuir com a literatura existente, apresentando alguns reflexos das políticas indutoras de mudança em saúde no cotidiano de trabalho das equipes. Assim, o presente artigo tem por objetivo analisar as potencialidades e entraves na consolidação e operacionalização das atividades de ensino e aprendizagem vivenciadas na interação entre estudantes de graduação em formação na saúde e trabalhadores dos serviços de APS.
Metodologia O presente manuscrito é parte da investigação do projeto: “Integração Universidade, Serviços de Saúde e Comunidade na FMB-UNESP: construindo novas práticas de formação e pesquisa”, financiado pela CAPES (Edital nº 024/ 2010). Na perspectiva de estudantes, professores e profissionais de saúde, o projeto contempla diferentes frentes de análise, como: a formação em educação permanente de professores tutores (docentes da universidade e profissionais da saúde e da educação que atuam na APS); o desenvolvimento da clínica e da medicina narrativa no ensino na APS, e a visita domiciliar na formação médica. Trata-se de estudo exploratório de natureza qualitativa, desenvolvido por meio de trabalho de campo na forma de entrevistas semiestruturadas. Foram escolhidos, por conveniência, profissionais de diferentes categorias e serviços de APS do município de Botucatu-SP, sendo: quatro Unidades de Saúde da Família (USF); duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e dois Centros de Saúde Escola (CSE). Em cada um destes equipamentos, privilegiou-se a escuta de, pelo menos, dois profissionais de nível Superior (médicos (as), enfermeiros (as) e cirurgiões dentistas) e de, pelo menos, um profissional de nível Médio e/ou Fundamental (técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde), num total de 24 entrevistas. Todos os sujeitos entrevistados estavam envolvidos no processo de ensino no momento da realização da pesquisa. A pesquisa foi desenvolvida conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde17, após ter recebido aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FMB-Unesp. O marco teórico-conceitual está pautado na abordagem histórico-cultural com base no método explicativo de Vigotski18,19. Este referencial compreende que, quando um homem desenvolve uma atividade, ele não se apropria automaticamente de seus conteúdos. Ao serem internalizados, os significados construídos socialmente transformam-se num instrumento subjetivo da relação do indivíduo consigo mesmo, adquirindo, assim, um sentido pessoal. A trajetória analítico-interpretativa dos depoimentos obedece a uma organização do material em pré-indicadores, que irão compor um quadro amplo de possibilidades de categorização. A partir de um movimento que busca captar temas e questões centrais relatadas pelos indivíduos, é possível estruturar a base para a criação de ‘núcleos de significação do discurso’20,21. O passo seguinte é a sua análise propriamente dita, que se inicia por um processo intranúcleo e avança para uma articulação internúcleos. Tal processo perpassa pela apreensão das determinações, motivações e necessidades que constituíram tais formas de significar, para, com isso, poder se compreender a produção dos sentidos, suas contradições e relações com o contexto social, cultural, político e econômico20,21. A própria construção e o nome dado a cada núcleo já constituiu um movimento de análise, tendo em vista que reúnem e evidenciam questões relevantes para a compreensão dos aspectos pesquisados20.
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Apresentação e discussão dos resultados O contexto A realização deste trabalho ocorreu em cooperação ao desenvolvimento de uma prática de ensino da FMB/Unesp na APS, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu: a Integração Universidade, Serviços e Comunidade (IUSC). Iniciada como um projeto, a IUSC é hoje caracterizada como um conjunto de disciplinas curriculares, ministradas de forma interprofissional, do primeiro ao terceiro ano, aos cursos de graduação em medicina e enfermagem22. A instituição articula as referidas disciplinas obrigatórias das graduações aos projetos Pró-Pet/ Pet-Redes e Pet-Vigilância, que se fazem presentes na rede de saúde por meio de 14 projetos, com a colaboração e participação de: três coordenadores (professores da IES), 14 tutores (professores da IES), sessenta preceptores (trabalhadores das redes de atenção do município) e 132 estudantes (dos cursos de medicina, enfermagem e nutrição), em suas diferentes atividades e ações23. Cabe salientar que toda experiência acumulada pela IUSC ao longo dos anos foi e continua sendo fundamental para o desenvolvimento dos projetos Pet em geral. Em um percurso marcado por momentos de formação, articulação e operacionalização das atividades de ensino na rede de atenção à saúde, colaboraram significativamente para o estreitamento das relações entre IES e SMS, reconhecendo e potencializando o papel formador do sistema de saúde.
Análise dos Núcleos de Significados e de Sentidos “A construção do SUS ideal condicionado à necessária vivência na APS” Neste núcleo de significação, são trazidos elementos sobre a pertinência e relevância da formação dos profissionais de saúde associada ao conhecimento e particularidades que são inerentes ao cenário da APS. Como podemos observar no relato de MED 3: “Eu penso que o aluno passa a ter uma visão mais geral da saúde. Sai daquele modelo medicocêntrico. Aqui, eles passam a conhecer e a trabalhar com outros profissionais e isso faz bastante diferença. Aprende a lidar e a conversar com outro tipo de população que eles não estão acostumados”.
Ressalta-se que a experiência dos alunos na APS colabora para que haja um maior diálogo e aprendizado com outras categorias, assim como no conhecimento de uma realidade diferente da que estão familiarizados. Além disso, destaca a importância de destronar o médico como único protagonista da saúde, tendo a oportunidade de reconhecer o outro e desenvolver a capacidade de trabalho em equipe. Como pode ser observada no relato do ACS 2, a inserção de alunos nos cenários da APS favorece o estreitamento relacional e de formação de vínculo com os pacientes, com possibilidades de diminuir barreiras sociais existentes entre médicos e pacientes: “Caiu àquela coisa do médico no patamar de “santo”, o intocável... A gente já tem a intimidade de conversar com ele, já quebra aquela barreira de achar que o doutor é o intocável e eu não sou nada. Então o paciente aproxima mais”.
Ressalta que, ao ter uma compreensão ampliada dos pacientes em seu próprio território, conseguem aproximar sua linguagem e condutas de forma mais condizente com as necessidades e anseios da população. Na medida em que não se sentem inferiorizados e intimidados pela disparidade de poder, os pacientes podem encontrar abertura para explicitar verdadeiramente o que pensam e sentem sem medo de possíveis represálias, e a não mais falar aquilo que o “doutor” quer e espera ouvir.
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Já a ENF 4, explicita o papel dos equipamentos de saúde como campo necessário de formação e aprendizagem, vivência que não teve e poderia ter contribuído muito para os conhecimentos e habilidades que lhe são exigidas no trabalho cotidiano. “Acho que todo mundo tinha que tá ciente que vai receber alunos, um dia a gente precisou disso... Da mesma forma, todos os alunos precisam aprender e adquirir experiência pra entrar no mundo do trabalho. Se eu tivesse essa experiência que eles têm hoje, teria melhorado muito a minha situação. Tive que correr atrás de um monte de coisas que eu não tive na faculdade”.
Compreende-se que a desconstrução do modelo hospitalocêntrico, mediconcêntrico e biologicista também é vislumbrada por meio do conhecimento e contato dos alunos nos cenários da APS. Do mesmo modo, também enfatizam a possibilidade de se conhecerem e incorporarem saberes oriundos de outros campos e categorias profissionais, além de uma maior valorização da APS, e, em particular, da Saúde da Família enquanto um campo em evidência e cada vez mais valorizado na atuação dos futuros profissionais de saúde. MED 1 também corrobora essa visão ao afirmar que: “O papel do médico não é mais aquele que eu mando e você obedece. É o de esclarecer o paciente sobre o que ela está fazendo, quais são as possibilidades de tratamento, você negociar e discutir mesmo. Eles aprendem a lidar com esse lado mais humanitário do médico. Aprendem a desenvolver o exercício da escuta, porque médico geralmente não gosta muito de escutar, gosta mais de falar...”.
Destaca-se a vivência e aprendizados proporcionados na APS como condição para o desenvolvimento de uma postura mais humanizada e dialógica com a comunidade. MED 1 referenda a necessidade de construção conjunta do tratamento, o que passa pelo desenvolvimento de habilidades de escuta e de reconhecimento do saber prévio trazido pelos pacientes. Ao integrar o cenário real do SUS, a universidade tem condições de solidificar um arranjo institucional, num processo real de fortalecimento das práticas, assim como, em projetos e pesquisas que envolvam profissionais como autores de fato, e não apenas em agradecimentos ao final dos estudos. “O contínuo aprendizado e crescimento profissional proporcionado pela interação com os alunos” Na configuração deste segundo núcleo, estão reunidas falas que ilustram não apenas a valorização da experiência na formação dos futuros profissionais, mas, também, uma série de benefícios advindos desta interação, que se refletem numa maior instrumentalização técnica e qualificação do cuidado ofertado à população. MED 4 aponta a valorização do conhecimento novo adquirido no contato com os alunos que estão em processo de formação: “Eles chegam e trazem novidade pra gente de dentro da universidade. Então nós também aprendemos muitas coisas com eles. – Oh Professora! Fui numa palestra e fulano falou isso... É claro que você não acha isso num livro, nem no trabalho do dia-a-dia”.
A entrevistada ressalta que, embora seja reconhecida como professora no cenário da APS, sente que sua prática é enriquecida num processo dialético de ensino-aprendizagem, apropriando-se de conhecimentos oriundos de espaços pertencentes ao universo dos alunos e que vão muito além das possibilidades vislumbradas em seu trabalho cotidiano. Do mesmo modo, ENF 6 aponta que a relação com os alunos lhe coloca a necessidade de estudar e se atualizar constantemente, conferindo maior envolvimento e comprometimento com
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o próprio trabalho: “Acho que os alunos me exigem mais, vão te questionar mais, vão trazer novos conhecimentos, novos procedimentos. Eu acho que os profissionais ficam mais envolvidos e estimulados pelo contato”. De maneira semelhante, DENT 2 referenda a possibilidade de desenvolvimento e qualificação profissional para uma abordagem integral dos indivíduos: “Foi ampliando muito mais a minha visão na questão de saúde geral das pessoas, da integralidade do cuidado. Antes eu ficava muito fechada só na minha área e não conseguia enxergar a relação de outras coisas que estão interferindo... Como tutora do IUSC tive que abrir muito a minha cabeça, aprender sobre várias coisas que eu não tinha conhecimento e vejo que agregou e melhorou a minha prática”.
Tendo de problematizar com seus alunos a configuração de novas modalidades de cuidado em saúde, se viu desenvolvendo uma nova prática que incorporou saberes no seu trabalho cotidiano, como numa maior compreensão e atenção as múltiplas determinações do processo saúde-doença. Este cenário revela que a presença de alunos em contato com os profissionais da APS não é, por si só, garantia de mudanças e transformações no cotidiano de trabalho. A Educação Permanente adquire papel fundamental como eixo transversal e transformador desta realidade, contribuindo na regulação da formação em saúde conforme as necessidades do SUS, o que deve envolver as dimensões política e pedagógica fundamentadas em mecanismos de problematização e instrumentalização para uma prática mais refletida e qualificada. “O aprendizado na comunidade no presente como estratégia para um futuro retorno social” Neste núcleo, repousam as concepções dos profissionais de saúde quanto à relevância da formação em serviço para a comunidade na qual os alunos estão inseridos, assim como para toda a sociedade em geral. Tais aspectos podem ser observados no relato de ENF 5, ao afirmar que: “Quando eu faço as visitas e solicitamos a possibilidade de acompanhamento dos alunos, a gente coloca o propósito do trabalho, e fala que é pra futuramente ter um profissional que conheça o local, a realidade daquela população, e não vai ficar fechado lá no hospital sem saber o que tá acontecendo aqui fora... Elas acham ótimo e se sentem felizes por estar recebendo”.
Seu discurso destaca que a população é solidária à importância do aprendizado, sobretudo quando o caráter da proposta é da relevância de seu papel nesta experiência. Ter a oportunidade de favorecer a construção de uma saúde pública mais humanizada e atenta aos anseios e problemáticas enfrentadas pela população no cotidiano da assistência é vista com bons olhos por aqueles que podem e gostariam de colaborar com o processo formativo. MED 8 aponta que, pela posição que o aluno ocupa, uma série de aspectos envolvidos na abordagem com o paciente são facilitados: “Eu acho que eles ficam mais confortáveis pra falar com os alunos. Porque eles não têm coragem de falar com os médicos que não têm condições de comprar o remédio... Acho que a comunidade ganha quando o médico compreende mais a realidade e o jeito de ser do paciente, a dificuldade que é ter que tomar um remédio para o resto da vida, que alguns pacientes encaram um diagnóstico com pesar, outros com naturalidade, outros vão fazer um esforço pra comprar e outros já não vão fazer isso”.
O médico corrobora a necessidade de aproximação com os pacientes como fator essencial para a responsabilização com sua própria saúde. A falta de aderência ao tratamento não deve ser vista como uma afronta ao médico ou descaso com a própria saúde, mas, sim, compreendida a partir das idiossincrasias de cada paciente em dada situação, onde uma série de mecanismos de defesa e 770
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questões de ordem econômica pode incidir no modo como o indivíduo recebe o seu diagnóstico e se engaja no tratamento proposto. Já DENT 2, apresenta a possibilidade de ganhos da população que será atendida por futuros profissionais com uma ampliação do diálogo com médicos que se tornam mais humanos ao lidarem com os pacientes: “Pra sociedade é muito bom. Porque você vai formar um profissional que sabe escutar, sabe se comunicar. Muitas vezes a gente vai se consultar com médicos e nem olha na sua cara. Então eu passo isso para os meus alunos, porque a gente sabe que hoje em dia as doenças são muito psicossociais”. Percebe-se o cuidado em desenvolver uma atitude empática com os pacientes tendo como base a reflexão quanto à experiência de cada um quando tratados de modo negligente e fortuito em momentos de fragilidade e adoecimento. Para tanto, a diversificação dos cenários e a utilização de metodologias problematizadoras são compreendidas como estratégias para a transformação curricular, pois aproximam os estudantes da vida cotidiana e contribuem para desenvolver olhares críticos e voltados para os problemas reais da população. Mesmo que os benefícios ainda não sejam totalmente evidentes, no momento em que estão sendo desenvolvidos os trabalhos, estão colocadas as potencialidades desta experiência na construção de um profissional de saúde menos autoritário, mais seguro e mais consciente de seu papel social. “O cenário de possibilidades de aprendizagem limitado pelo espaço físico das unidades de saúde” A centralidade deste núcleo de significação versa sobre os apontamentos quanto aos reflexos e interferências da presença de alunos no processo de trabalho e na dinâmica de funcionamento da instituição como um todo. “A gente tem que se organizar pra isso, porque embora talvez pareça que posto é amplo tem momento que a gente não tem aonde todo mundo atender... Mas tem uma contribuição, porque às vezes traz outro olhar, pode contribuir de uma outra maneira que na correria do diaa-dia a gente não tem tempo pra tocar uma atividade de promoção e prevenção...”
Conforme podemos perceber, ENF 1 reconhece as limitações estruturais do seu local de trabalho ao não apresentar condições satisfatórias aos alunos. Contudo, observa-se que a mesma não lhes apresenta um ideário de trabalho condizente com as particularidades da APS, delegando aos alunos propostas tidas como secundárias e negligenciadas pela equipe de saúde. Outros aspectos são apresentados por MED 2: “Você tem que ter toda equipe preparada e capacitada pra receber alunos... A partir do momento que o IUSC ficou com disciplina obrigatória, acabou tendo que aluno atender em dupla e isso é ruim... Como a gente tinha grupos menores eles tinham mais disponibilidade de espaço... Se você tem um menor número de alunos você consegue dar uma atenção maior...”.
Sua concepção aponta que a transformação da IUSC em disciplina trouxe consigo outras problemáticas na interação entre profissionais e alunos que se repercutem na organização do serviço. Ressalta que essas tensões podem ser minimizadas pela preparação prévia e envolvimento de todos os profissionais da equipe. Mais do que isso, sugere que esta tarefa não é reconhecida dentro do rol de atribuições, devendo ser engendrada na forma de capacitação e educação continuada de seus trabalhadores. Apesar de todas essas dificuldades, as equipes de saúde têm procurado se adequar perante este contexto de trabalho por meio da improvisação de salas, rodízio em dias alternados, assim como na realização de supervisões em grupo, que, embora ajudem a minimizar, não resolvem, de fato, os problemas. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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O relato de ENF 3 corrobora essa visão, ressaltando as dificuldades vivenciadas pela unidade diante de condições inadequadas de infraestrutura, que também se refletem em sua menor capacidade de incorporar alunos em suas atividades: “Se tivesse mais estrutura física, tivesse mais salas, eu acho que daria pra mais alunos estarem atendendo... Tem dia que um dos alunos atende lá na sala de eletro, faz um consultório lá...”. A problemática revela que estas estruturas não têm sido construídas de maneira a atender as prerrogativas de cuidado na APS. Isso se verifica na incongruência destes dispositivos que, por não se verem em condições favoráveis, acabam por abdicar de uma série de ações que deveriam ser parte integrante do seu processo de trabalho, a exemplo das atividades em grupo e de educação em saúde. Tais constatações clarificam contradições presentes nas políticas públicas que enfatizam a APS e, em especial, a ESF como estratégias fundamentais para a ampliação do acesso e no modo em que são ofertados os cuidados em saúde no Brasil, mas que, ainda, encontram condições nem sempre adequadas para se efetivarem. “Interferências e incongruências da gestão municipal de saúde e da mudança da mesma na execução de atividades pedagógicas na APS” Neste núcleo, são apresentados apontamentos e insatisfações dos profissionais quanto às mudanças e direcionamentos dados pela gestão municipal de saúde em relação às atividades de cunho pedagógico na APS. Ao se referir às implicações da gestão nas atividades, MED 6 coloca que: “A mudança de gestão atrapalha sim. Agora nós estamos sendo cobrados por produtividade. É acordado que nós temos que atender um certo número de pacientes por período, desenvolver tais e tais ações...Na medida que a gente fica amarrado só na produção, acaba tendo que abrir mão e não pode se dedicar a outras coisas”.
MED 6 ressalta a preocupação com a mudança na gestão municipal e com as prioridades no trabalho que também se modificam. Conforme a cobrança por produtividade aumenta, outras ações e frentes de trabalho sofrem prejuízos, a exemplo das atividades de ensino. Questões que também são partes indecomponíveis na organização e operacionalização dos preceitos do SUS são negligenciadas e secundarizadas, o que demonstra o desconhecimento na legitimação do papel formador do sistema, assim como na ausência de interlocução e construção de um projeto de trabalho a médio e longo prazo com os profissionais de saúde. MED 1 corrobora tal perspectiva e argumenta que as mudanças de uma administração para outra afetam o processo de trabalho, com consequências para todos os envolvidos: “Tem aqueles programas do MS que a gente procura cumprir. Não cumpre ao pé da letra, mas a gente tem que passar isso pros alunos... Aí muda a gestão com uma ideia que foge completamente a tudo que a gente fazia e acredita que deva ser o Programa. Isso atrapalha? Atrapalha. Porque você tá falando uma coisa pro aluno e tá fazendo outra...”.
Diante da desconstrução dos projetos e ações em curso quando novos personagens assumem a gestão, os relatos trazem à tona um perverso “jogo” de vaidades e de interesses políticos que, mesmo que não sejam totalmente explícitos, interferem no modus operandi das diversas ações executadas pelas unidades de saúde. Tais interferências, além de não demonstrarem preocupação quanto aos reais beneficiários da assistência, colaboram para o desgaste e sofrimento emocional dos profissionais, que, em muitos momentos, sentem-se hipócritas em defender uma visão de mundo e de proposta de trabalho que se mostram incoerentes com o que de fato desenvolvem.
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“Os projetos indutores de mudança do MS e suas implicações na sustentabilidade das atividades de ensino na APS” Estão apresentadas, neste núcleo, questões referentes à pactuação de ações entre responsáveis pela coordenação e condução das atividades acadêmicas no âmbito da universidade junto a gestores e profissionais que atuam na APS. Quanto aos aspectos que dizem respeito à coordenação e operacionalização da disciplina, profissionais como a DENT 1 manifesta que: “A gente acaba escutando muito boato que vai acabar o PET, pelo menos aqui no município... Eles estariam meio revoltados, porque é muita pressão pra colocar tal pessoa como coordenador, tal como tutor, quem eles quisessem da secretaria... Eu não sei nem se isso é verdade, mas daí eu acho que interfere nesse ponto...”.
Sua percepção revela que comentários que circulam nos bastidores das Unidades de Saúde na forma de boatos também interferem no andamento das ações. Tal constatação alerta que propostas como a da IUSC e do PET-Saúde geram, em algumas situações, desentendimento e disputas entre funcionários e assessores da SMS, profissionais da rede e os responsáveis pela coordenação dos projetos. Embora a “bolsa” disponibilizada aos profissionais envolvidos diretamente com os projetos tenha um caráter de incentivo pelo MS, é notório que suas repercussões podem chegar muito além. Tendo em vista o histórico de participação e envolvimento das equipes com as propostas de ensino pactuadas entre as IES e SMS, o auxílio financeiro passa a adquirir status de complementação salarial para os profissionais que se veem mal remunerados com o piso básico oferecido na contratação, particularmente os profissionais não médicos. De modo semelhante, DENT 3 coloca que: “Acho que as ACS se sentem muito sobrecarregadas... Falta uma motivação maior pra elas também. No ano passado tinha uma bolsa pra as ACS e parou de vir... Mas não só o dinheiro, falta também capacitação, cursos... Na parte médica e de enfermagem tem bastante, mas as outras áreas ficam um pouco de lado...”
Mesmo os profissionais que atuam diretamente como tutores e recebem gratificações financeiras, percebem o descontentamento e se solidarizam com os demais colegas de equipe que não têm ou deixaram de ter esse “privilégio”. Além disso, apresentam a necessidade de valorização e empoderamento das ações pedagógicas dos outros profissionais da equipe para além da questão financeira. Este cenário demonstra que as políticas indutoras de mudanças na educação e na prática da saúde pública brasileira ainda encontram aspectos limitantes, e que necessitam maior reflexão, tendo em vista uma transformação maior, haja vista que um sistema de saúde universal, integral e equânime não se efetiva sem que todos sejam vistos como parte fundamental de um mesmo projeto. “A desvalorização da APS como campo de atuação profissional do médico” Aqui, estão reunidos relatos que trouxeram questionamentos quanto ao processo de transformação curricular da universidade local e de como as mudanças almejadas ainda não eram consensuais dentro da própria academia. É importante destacar que, a partir de 2013, iniciou-se um novo movimento de reforma na grade curricular do curso de graduação em medicina da IES. Sua construção está em fase de finalização e tem sido permeada por inúmeras oficinas, debates e propostas de integração disciplinar e departamental, sendo valorizados e incorporados muitos dos preceitos teórico-metodológicos que dão sustentação à IUSC.
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Mesmo trabalhando como um profissional na ponta da assistência, a ACS 4 revela que sente os reflexos das tensões e divergências na formação apontadas acima, que se fazem presentes na resistência e postura dos alunos: “Eu sei por vários alunos que já passaram por aqui, que eles tinham uma comunidade na internet: “eu odeio Saúde Pública” e eu perguntava por quê? Aí alguns disseram que era porque na teoria quando eles têm aula, falam que é horrível, era desorganizado. Quando eles iam pra unidade, por ter essas aulas que são meio desgastantes, já vêm com aquela má vontade. Mas depois quando chega aqui eles têm uma outra visão, mas depende muito do aluno”.
MED 1 revela sua experiência enquanto profissional que renunciou à própria especialidade e pactua com a necessidade de revisão dos currículos para uma formação que faça jus aos princípios do SUS. Seu discurso alerta que ainda é muito forte a visão negativa do trabalhador da APS, visto como menos qualificado e mal remunerado: “Está sendo discutido o novo currículo da medicina, estão tendo várias oficinas pra adequação do currículo. Os médicos da minha época têm uma ideia diferente e eu também tinha até vir trabalhar na Saúde da Família. Inclusive fui super criticada por largar tudo, o pessoal achava que eu tava regredindo, renunciando a minha especialidade... Os colegas que têm o mesmo tempo de formação que eu acham inútil... Falavam coisas absurdas. Tipo, o médico é soberano, ele manda você abrir a boca tomar o remédio e pronto. E hoje em dia o povo tem muito mais acesso à informação. Eles discutem com você sobre a sua conduta...”.
Sua constatação nos apresenta que esse ideário também repercute na postura do médico, colocando-o numa condição acima dos demais, desconsiderando o saber prévio da população e a necessidade de uma postura dialógica com os pacientes. Mais do que isso, explicita o desconhecimento da Saúde Pública enquanto grande campo de atuação dos futuros profissionais de saúde, assim como da necessidade de revisão dos currículos que ainda não se adequaram a estas novas configurações.
Considerações finais Embora a proposição, os fomentos e incentivos para reformas nos currículos do ensino na saúde estejam transformando antigas concepções e práticas alicerçadas no modelo biomédico em todo território nacional, são grandes os desafios a serem enfrentados e superados, demonstrando tensões em um movimento de mudança ainda contra-hegemônico. A necessidade de uma formação inserida na concretude prática dos serviços na rede de atenção, no cuidado responsável do paciente, família e comunidade, comprometida com demandas sociais – que possa questionar os caminhos do desenvolvimento da medicina tecnológica, da fragmentação do cuidado e a mercantilização do trabalho na saúde – está em construção. Diante desse quadro, revela-se a importância de um estreitamento comunicacional entre os coordenadores dos projetos, gestores e profissionais, assim como uma maior preocupação com a inserção de docentes e alunos para o trabalho na APS, articulando ações que aliem a formação no e pelo trabalho, às demandas e necessidades da população e da equipe de saúde. Como podemos constatar, as IES articuladas com equipamentos e serviços de saúde cumprem papel primordial para que o SUS funcione em consonância com seus princípios. Além das normas e legislações que norteiam a organização e funcionamento da saúde, o preparo técnico e o compromisso ético do estudante, desde os primeiros anos da graduação, poderão contribuir para que se materializem, de fato, ações condizentes com as demandas e necessidades da população. Frente os inúmeros desafios que concorrem para a consolidação do SUS necessário, torna-se crucial efetivar espaços de Educação Permanente, a partir de caminhos de reflexão sobre a prática 774
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cotidiana, norteadas por aportes teóricos que fundamentem o trabalho em concepções dialógicas e compromissadas com a integralidade do cuidado. Apesar das limitações do estudo, salienta-se que o objeto de investigação desenvolvido a partir da metodologia empregada, permitiu identificar a necessidade de uma série de ajustes e negociações entre órgãos formadores, unidades de saúde e gestores encarregados desta articulação, para que alunos, professores, trabalhadores e população possam ser beneficiados com esta intervenção.
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Políticas de Saúde, Coordenação Geral da Política de Recursos Humanos. Programa de incentivos às mudanças curriculares para as escolas médicas (PROMED). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2002. 2. Ministério da Saúde (BR); Ministério da Educação (BR). Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - PRÓ-SAÚDE. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2005. 3. Ministério da Saúde (BR). Portaria n° 754, de 18 de abril de 2012. Altera a Portaria n° 1.111/GM/MS, de 5 de julho de 2005, que fixa normas para a implementação e a execução do Programa de Bolsas para a Educação pelo Trabalho. Diário Oficial União. 20 abr. 2012. 4. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital nº 14, de 8 de março de 2013. Seleção para o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde/Redes de Atenção à Saúde - 2013/2015. Diário Oficial União. 11 mar. 2013;Seção3:116-8. 5. Ministério da Saúde (BR). Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Estabelece Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em medicina. Brasília (DF): Conselho Nacional de Educação Superior; 2014.
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artigos
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Pinto TR, Cyrino EG. Con la palabra, el trabajador de la atención primaria de salud: potencialidades y desafíos en las prácticas educativas. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:765-77. Este estudio investiga el potencial y los obstáculos en la consolidación e implementación de actividades de enseñanza y aprendizaje en la interacción entre los estudiantes y los trabajadores de atención primaria de salud (APS). Se realizó una investigación cualitativa mediante entrevistas semi-estructuradas con profesionales de diferentes categorías y servicios de APS de un municipio de tamaño medio de São Paulo. Los datos se analizaron según el enfoque histórico- cultural, de acuerdo con el método explicativo de Vygotsky. Se encontró que los escenarios de APS se han establecido como un campo de aprendizaje clave para una educación que cumpla con los principios del SUS. Sin embargo, es necesaria una serie de ajustes y acuerdos entre los órganos formadores, unidades de salud y gestores a cargo de esta articulación, para que los estudiantes, los profesores, los trabajadores y la población puedan ser beneficiados con esta intervención.
Palabras clave: Educación em salud. Atención primaria de salud. Grupo de atención al paciente. Recebido em 23/09/14. Aprovado em 11/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0542
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Desafios e possibilidades no exercício da preceptoria do Pró-PET-Saúde Patrícia Acioli de Barros Lima(a) Célia Alves Rozendo(b)
Lima PAB, Rozendo CA. Challenges and opportunities in the Pró-PET-Health preceptorship. Interface (Botucatu). 2015;19 Supl 1:779-91.
The Brazilian Health System (SUS) and the National Education Guidelines (DCNs) provide direction to both healthcare and education. To accomplish such integration, the Ministry of Education and the Ministry of Health initiated the National Program for Reorientation of Professional Education in Health (Pro-Health) and the Education Program for Working for Health (PETHealth), which require qualified tutors to manage their practices. The objective of this study was to analyze challenges and opportunities in the Pro-PET-Health preceptorship program. Subjects included 30 preceptors of the Pro-PET-Health/ Ufal (Alagoas University). Data were collected by a semi-structured interview and analyzed through content analysis. Results indicate the possibilities in interprofessional work, reassessment of practices, and contribution to education. The main challenges included pedagogical unpreparedness, interprofessional work, and infrastructural disability.
Keywords: Preceptorship. Teacher Education. Interprofessional Education.
O Sistema Único de Saúde (SUS) e as Diretrizes Nacionais de Educação (DCNs) direcionam o cuidado e a formação em saúde. Para fazer essa integração, o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde criaram o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET/Saúde), que necessitam de preceptores aptos a gerir suas práticas. O objetivo deste trabalho foi analisar os desafios e as possibilidades no exercício da preceptoria do Pró-PET-Saúde. Os sujeitos foram trinta preceptores do Pró-PET-Saúde/Ufal. O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi a entrevista semiestruturada, e esses foram analisados por meio da análise de conteúdo. Os resultados indicam que as possibilidades seriam: o trabalho interprofissional, reavaliar as práticas e a contribuição com a formação. Entre os desafios, estão: o despreparo pedagógico, trabalho interprofissional e a deficiência na infraestrutura.
Palavras-chave: Preceptoria. Capacitação Docente. Educação Interprofissional.
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(a) Unidade de Saúde da Família São Jorge, Secretaria Municipal de Saúde de Maceió. Rua Santa Madalena, 45, Barro Duro. Maceió, AL, Brasil. 3315-6429. paciolifranca@gmail.com (b) Escola de Enfermagem e Farmácia, Universidade Federal de Alagoas. Maceió, AL, Brasil. celia.rozendo@gmail.com
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Introdução A Legislação Brasileira, por meio da Lei 8.080/1990, preconiza o papel ordenador do Sistema Único de Saúde (SUS) na formação de recursos humanos para a saúde. Na Portaria nº 6.482, o profissional do setor público deve ter perfil adequado às necessidades de saúde da população1. Preocupado com a consolidação das ações do trabalho multiprofissional e interdisciplinar, e visando aproximar a graduação das necessidades da atenção básica, o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Saúde (MS) vêm construindo políticas públicas para efetivar mudanças na formação dos profissionais de saúde.Tendo, como princípio norteador, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação da área da saúde publicadas em 2001, 2002 e 20042-5. Esse processo de transformação na formação envolve a integração ensino-serviço com o trabalho coletivo entre gestores das Instituições de Ensino Superior (IES), da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), docentes, discentes e os profissionais do serviço. Sua aplicação visa: à formação profissional, à qualificação e satisfação do preceptor, e a possibilidade de uma melhor assistência ao usuário, implicando um novo modo de ensinar, aprender e fazer6,7. Outras importantes iniciativas foram tomadas pelos ME e MS, dentre as quais: • Criação dos Polos de Educação Permanente em Saúde (PEPS), em 20028. • Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina (Promed), criado em 20029. • Programa de Reorientação Profissional (Pró-Saúde I e II), criados em 2005 e 2008, respectivamente10. • Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), criado em 2008. O PET-Saúde é composto por docentes das IES, discentes e profissionais dos serviços, visando: ao fortalecimento da atenção básica, a vigilância em saúde e as DCN e o desenvolvimento de novas práticas de atenção e de experiências pedagógicas que contribuam para formação de profissionais de saúde com perfil adequado aos princípios e às necessidades do SUS11,12. Em 2012, ocorreu a junção do PET-Saúde com o Pró-Saúde, o que resultou no Pró-PET-Saúde, que vem desenvolvendo ações de promoção, prevenção, controle social e pesquisa nos serviços de saúde, na busca de oferecer, à comunidade, uma assistência na perspectiva da integralidade. Contribui, também, com a formação, por promover a integração ensino-serviço, e tornou possível o contato com a realidade do SUS e a experiência da Educação Interprofissional (EIP). A EIP ocorre quando duas ou mais profissões desenvolvem trabalho em conjunto, respeitando a especificidade de cada uma, em benefício do usuário13. Este contato simultâneo do discente com o SUS e com a EIP só é possível devido à preceptoria, atividade de caráter pedagógico, comum na área da saúde, que é guiada pelo profissional do serviço denominado preceptor, que incorpora o ofício de ensinar em função de outro para o qual foi preparado, ou seja, de cuidar14-16. O preceptor deverá integrar conceitos e valores da escola e do trabalho ao ensinar, aconselhar, inspirar no desenvolvimento dos futuros profissionais, servindo-lhes como exemplo e referencial para a futura vida profissional e formação ética17. A preceptoria, assim como o preceptor, inserem-se num contexto de compromisso ético e politico, responsabilidade e vínculo. A preceptoria exige qualificação pedagógica, tanto nos aspectos teóricos quanto práticos. Nesse sentido, o preceptor é um facilitador e mediador no processo de aprendizagem e produção de saberes no mundo do trabalho. Nessa perspectiva, assume papel fundamental, levando os estudantes a problematizarem a realidade, refletirem sobre as soluções e agirem para responder as questões do cotidiano do ensino/servico. Diante do exposto e pela importância da preceptoria na formação profissional, este estudo teve como objetivo analisar os desafios e as possibilidades no exercício da preceptoria do Pró-PET-Saúde/UFAL. 780
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Percurso metodológico Trata-se de estudo do tipo descritivo, com abordagem qualitativa. Para coleta dos dados, utilizou-se entrevista semiestruturada (apêndice A), as quais foram realizadas nos locais de trabalho dos preceptores e gravadas em mp3. A pesquisa foi desenvolvida em 13 Unidades de Assistência à Saúde (UAS) com Equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), e em Centros de Saúde e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), distribuídos em cinco das oito Regiões Administrativas (RA) de Maceió, nas quais existiam profissionais desenvolvendo atividades pelo Pró-PET-Saúde/UFAL. Os sujeitos foram trinta preceptores do Pró-PET-Saúde/UFAL, sendo : médicos, enfermeiros, odontólogos, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos e assistentes sociais, convidados a participarem como voluntários durante reunião geral do Pró-PET-Saúde/UFAL, sendo colhidos contatos telefônicos e eletrônicos. Após aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em cumprimento à resolução CNS 466/2012, as entrevistas foram realizadas de julho a setembro de 2013. Uma vez coletados, os dados foram explorados por meio da análise de conteúdo. Entende-se por análise de conteúdo um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a conteúdos extremamente diversificados18. Foi realizada uma pré-análise, em que os dados foram organizados e sistematizados com exaustividade, representatividade, homogeneidade, pertinência e exclusividade18. Após a exploração os dados, foram organizados em três Unidades Temáticas (UT): • UT1 - possibilidades na visão do preceptor, sendo as unidades de registro: Trabalho interprofissional; Crescimento pessoal e profissional; Oportunidade para repensar as práticas, e Contribuição para a formação. • UT2 - dificuldades e desafios na visão do preceptor, sendo as unidades de registro: Despreparo para atuar com metodologias ativas, carência de formação adequada para a realização de pesquisas e para o trabalho interprofissional; Infraestrutura inadequada e deficiente; Dificuldades relacionadas à comunidade; e Dificuldades relacionadas à gestão do processo. • UT3 - enfrentamento das dificuldades, sendo as unidades de registro: Enfrentamento do despreparo pedagógico e do trabalho interprofissional; enfrentamento das dificuldades de infraestrutura; enfrentamento da desmotivação da comunidade; e, ainda, enfrentamento das dificuldades na gestão do processo. Os sujeitos da pesquisa foram identificados pela letra “P”, representando o preceptor, e pela numeração de acordo com a ordem em que foram entrevistados. Na análise, os dados apontaram que a vivência dos preceptores no Pró-PET-Saúde/UFAL revela uma gama de experiências e possibilidades, as quais serão apresentadas e discutidas a seguir.
Resultados e discussão Possibilidades na visão do preceptor Trabalho interprofissional O exercício da preceptoria do Pró-PET-Saúde promove a troca de saberes entre os preceptores, estudantes e usuários, melhorando o relacionamento entre eles. Esse intercâmbio de saberes respeita as limitações de cada um e aproxima o estudante de práticas profissionais que não são específicas de sua formação. Essa vivência tem favorecido a Educação Interprofissional (EIP), favorecendo uma assistência ao usuário de forma integral, de modo a contribuir para melhorar a qualidade da assistência.
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P1: “A preceptoria no Pró-PET permite que o aluno vivencie mais cedo o contato com a comunidade, as demandas, contextualize e vivencie o trabalho interprofissional”. P8, P13: “É uma troca de saberes, trabalhar com outros profissionais, discutindo e planejando as ações, além de agregar valores para a comunidade e, consequentemente, proporcionar a ele uma melhor qualidade no serviço”.
Uma parte considerável das ações realizadas no exercício da preceptoria está relacionada à promoção em saúde e prevenção de doenças, tendo o trabalho interprofissional como um de seus enfoques. Esses profissionais, ao considerarem as necessidades de saúde individuais e coletivas com o intuito de apresentar medidas para melhorar a assistência ao usuário, aprendem a aprender sobre si e o outro e sobre a prática interprofissional13. A EIP, além de possibilitar, aos estudantes e profissionais, o exercício das ações em saúde compartilhadas, cria condições favoráveis para uma melhor assistência nos serviços e tende a aumentar a resolubilidade das ações, por possibilitar evitar omissões ou duplicações de cuidados, esperas e adiamentos desnecessários, ampliando e melhorando a comunicação entre os profissionais, bem como o reconhecimento das contribuições de cada área e seus limites19,20. Partindo-se do princípio de que o conhecimento é um processo de construção coletiva, as ações realizadas coletivamente levam a valorização do saber do outro, proporcionando um maior entendimento do trabalho interprofissional em saúde, além de favorecer a produção de vínculo entre a equipe21,22. Assim, no cenário estudado, o trabalho interprofissional surge como uma oportunidade real. E, nessa direção, possibilidade para (re)conhecimento do outro, para integração e troca de saberes, para a construção do fazer coletivo. Crescimento pessoal e profissional O exercício da preceptoria no Pró-PET-Saúde permite a convivência com profissionais e discentes de vários cursos, e dá oportunidade ao compartilhamento de saberes, dúvidas e ações. Além disso, a presença dos discentes no serviço mostra-se como um estímulo para atualização, torna as atividades mais dinâmicas, prazerosas e humanas, proporcionando crescimento pessoal e profissional dos envolvidos. P11, P28: “Vejo a possibilidade de crescimento pessoal e profissional; é uma troca de saberes entre os alunos, preceptores e a comunidade. É uma forma de estar me reciclando com a presença dos alunos, hoje penso em fazer mestrado. A preceptoria do Pró-PET-Saúde mudou a minha vida profissional”.
A preceptoria contribui para o crescimento profissional por promover troca fortalecendo a aprendizagem; por renovar o desejo de aprender com a presença do estudante no serviço, estimulando a busca do conhecimento, do pensamento reflexivo; por permitir influenciar na prática e participar do crescimento e desenvolvimento de novos profissionais23. A preceptoria é uma atividade de ensino necessária, que favorece um processo de construção de conhecimento mais significativo para a formação humana e profissional, destacando-se: o compromisso com a aprendizagem do aluno, o conhecimento do papel do preceptor como formador e a capacidade de incentivar o estudante a ser responsável por sua aprendizagem24. Vale a pena destacar que viver a experiência da preceptoria no Pró-PET-Saúde faz diferença na vida dos profissionais, como aponta o depoimento acima (P11). A convivência com os estudantes, docentes, e a proximidade com a universidade podem gerar, nos profissionais, o desejo de buscar aprimoramento, o que pode ser alcançado por meio do mestrado. Nesse sentido, é importante que as universidades estimulem e ofertem tal aprimoramento. 782
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Oportunidade para repensar as práticas A experiência na preceptoria do Pró-PET-Saúde tem estimulado a efetivação de mudanças nas práticas, pela presença do estudante, de profissionais de outras áreas da saúde, pela troca de saberes em momentos de aprendizagem coletiva. P11, P15: “Me instiga a pesquisar, a refletir, a reavaliar minhas práticas como técnico e educador”.
Preceptores que avaliam e refletem seu modo de ser preceptor e que, com autonomia, modificam sua prática, alteram seu ambiente de trabalho, ressignificam o seu fazer, influenciando futuros profissionais a agirem de forma semelhante, com responsabilidade e ética sobre suas ações14. A preceptoria é um espaço privilegiado de discussão, construção de conhecimento, e reflexão sobre o fazer cotidiano. À medida que se colocam em contato com as várias dimensões de sua prática profissional, mediadas pela presença do estudante e do professor, os preceptores podem se ver confrontados com seu próprio fazer, questionando-o, revisitando-o e refazendo-o. As tensões cotidianas que a própria preceptoria e o trabalho interprofissional produzem podem ser propulsores da reflexão e recondução da prática, seja ela clínica ou pedagógica. Contribuição para a formação Foi constatado que a preceptoria contribui para a formação dos estudantes na medida em que facilita o contato do discente com os usuários e suas necessidades, como, também, favorece a aproximação com a realidade epidemiológica e social da comunidade e a interação com os profissionais do serviço. Como mediador do processo de aprendizagem, sua atuação contribui para a troca de saberes e para o desenvolvimento de perfis profissionais capazes de responder às necessidades do SUS. P10: “A preceptoria no PET contribui muito para a formação pelo contato com a unidade, com a comunidade, trabalhando junto com estudantes de outras áreas”. P17: “Nós aprendemos muito, e existe essa possibilidade de contribuir para a formação de futuros profissionais”.
O papel dos preceptores na formação é fundamental, por serem os profissionais que, com sensibilidade, paciência, habilidade, conhecimento e experiência, desempenham o papel de mediadores no processo de formação em serviço24. A preceptoria ofereceu a possibilidade de encontro com a realidade social e de saúde da comunidade, com o trabalho interprofissional e com as demandas concretas dos servicos de saúde, e é, sem dúvida, uma grande contribuição para a formação de profissionais com o perfil desejado pelas DCN. Contudo, de igual maneira, o encontro com o profissional/preceptor, competente, comprometido, responsável, produtor de vínculos e detentor de uma prática dialógica e solidária, promove impacto na formação dos estudantes. Do mesmo modo que o exercício da preceptoria traz satisfação, enriquecimento e crescimento profissional, traz também dificuldades e muitos desafios que exigem enfrentamento e esforço para sua superação.
Desafios e dificuldades na visão do preceptor Despreparo para atuar com metodologias ativas, para a realização de pesquisas e para o trabalho interprofissional Dentre as principais dificuldades e desafios no exercício da preceptoria, está o despreparo pedagógico para planejar e avaliar atividades educativas. Tal despreparo tem origem na formação acadêmica baseada em um modelo curricular voltado para as especialidades e no modo fragmentado e desarticulado de agir em saúde.
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Dentre os trinta preceptores entrevistados, 76,6% são formados há mais de dez anos, ou seja, a maioria não alcançou as mudanças propostas pelas DCNs, que ocorreram a partir de 2001. Porém, a dificuldade foi percebida, também, naqueles que se formaram após as proposições indicadas nas DCNs. Observou-se, ainda, o despreparo para trabalhar com grupos com metodologias ativas e, também, dificuldade para orientar os estudantes quanto à mudança de abordagem. Além disso, percebeu-se que, apesar de o cenário ser fértil e exigir o desenvolvimento de pesquisas, os profissionais afirmam não estar preparados para desenvolver esta atividade proposta pelo Pró-PET. P3: “O preceptor ainda não está preparado para lidar com questões de educação, nós estamos muito afastados da universidade, eu tenho dificuldade em avaliar os alunos”. P6: “Nós não tivemos nenhum curso de capacitação para ser preceptor, em pesquisa, em metodologias ativas, nem quando estávamos na graduação”.
A inadequação dos serviços à docência, sua ineficiência em atender aos princípios do SUS, e a não-habilitação para o fazer pedagógico estão entre os principais entraves à efetivação dos estágios26. Estudo realizado em 2011 identificou que, dentre os profissionais entrevistados, mais da metade informou que não teve capacitação formal para docência durante seu curso universitário ou depois de formado, e que, mesmo assim, atua como preceptor27. Apesar de estar em um dos eixos do Pró-PET-Saúde, observa-se que, na prática, o trabalho de promoção e prevenção por meio do trabalho interprofissional não ocorre tão facilmente em todas as equipes. Percebe-se a existência de práticas individuais e com foco nos aspectos curativos, motivada pelo fato de que esses profissionais não tiveram experiência interprofissional na formação, uma vez que os projetos pedagógicos dos cursos do cenário em questão não favorecem o trabalho interprofissional. Além disso, a inexistência de flexibilidade curricular em relação aos horários e o excesso de demanda para o atendimento individual nos serviços de saúde dificultam a ocorrência de experiências de EPI nas atividades do Pró-PET-Saúde. P5: “Não temos muito tempo para os trabalhos de promoção em equipe, a demanda é muito grande no atendimento”. P9, P13: “Tem o dia a dia no consultório, o atendimento individual, a urgência. Trabalhamos um pouco com os outros profissionais, mas temos certa dificuldade porque não estávamos acostumados, é uma experiência nova, me vejo nesta experiência como um desafio”.
Alguns profissionais parecem resistir ao trabalho interprofissional, justificando-se por sua formação acadêmica/profissional deficitária com enfoque acadêmico em práticas técnico-curativas e excesso de demanda para os atendimentos ambulatoriais nas unidades de saúde. Nota-se que as deficiências na formação acadêmica do preceptor remetem à atuação deste28. Conforme os preceptores e discentes aprendem apenas os aspectos técnicos da profissão sem articularem-se com outras categorias profissionais, a formação acadêmica por si só não possibilitará a atuação interprofissional29. Do mesmo modo, a atuação isolada em consultórios, restrita a uma única categoria profissional, não se mostra como um exemplo de aprendizagem real de trabalho interprofissional. Assim, mesmo que se tenha esse conceito na dimensão do ensino/escola, se não for conduzido no serviço como prática efetiva, dificilmente será incorporado como elemento do trabalho cotidiano. Infraestrutura inadequada e deficiente Percebeu-se que o espaço físico nas UAS, para desenvolver as atividades em grupo e acolher o estudante, é inadequado. A falta de recursos materiais, desde escritório até audiovisual, dificulta, e muitas vezes impossibilita, a realização das ações de promoção e educação em saúde, controle social e planejamento das atividades. 784
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Além disso, os entrevistados relataram que não existe apoio da SMS e do Pró-PET para solucionar essas limitações. P1: “Não temos material como audiovisual, cartolinas e até o lanche para desenvolver as ações. Então compramos. Sentimos falta do apoio da SMS e do PET para nos ajudar nessas ações”. P5: “A estrutura física da Unidade de Saúde, é deficiente, não há espaço físico para realizar as ações”.
Essa realidade dramática dos serviços de saúde constitui um desafio importante para todos que estão envolvidos com o desenvolvimento do Pró-PET, mas não se restringe a esse grupo em particular. Tampouco parece ser um caso isolado. Estudo realizado em 2010 sobre satisfação do usuário do SUS constatou que, dentre as reclamações dos usuários e profissionais, aparece, com frequência, a necessidade de mais investimento na aquisição de materiais e na melhora da estrutura física dos serviços de saúde30. Assim, não basta que os usuários, profissionais, estudantes e professores tenham clareza e se preocupem com essa realidade. Tampouco basta que os profissionais e estudantes adotem soluções domésticas para a solução dos problemas, mas faz-se necessário o envolvimento e a responsabilização daqueles que ocupam posições de decisão e cargos de gestão. No cenário onde esse estudo foi desenvolvido, essa é, ao mesmo tempo, uma dificuldade e um desafio particularmente importante, dada a alta rotatividade dos gestores da saúde na esfera municipal. Dificuldades relacionadas à comunidade Os depoimentos dos entrevistados apontam para uma certa resistência da comunidade em participar das ações de promoção e controle social. Relacionam esse fato a questões culturais da própria comunidade, a qual não teria clara a importância da promoção à saúde. Além disso, a violência urbana nas áreas onde o estudo foi desenvolvido tem aumentado, deixando as pessoas temerosas de saírem de casa, optando em só ir à UAS em caso de necessidade ou quando têm atendimento agendado. Essa dificuldade tem evidenciado duas questões: a falta de apoio de instituições envolvidas com a segurança pública, saúde, IES e outras; e a angústia dos profissionais por perceberem seu despreparo para trabalhar estas questões. P13: “O desafio, é a mobilização da comunidade para participar das atividades, além da questão cultural, de tirar do foco só curativo, tem nosso despreparo para trabalhar com grupos”. P25: “A violência na área dificulta nossas ações com grupos que hoje estão esvaziados, as pessoas por medo, só saem quando têm atendimento agendado”.
A demanda da população por consultas, medicamentos, exames, tem respaldo na incorporação do modelo tradicional de saúde, o qual é curativo, individual e fragmentado. Assim, continua a perspectiva da fila para ser atendida e de só procurar o serviço quando está doente31. Contudo, a incorporação do modelo tradicional de saúde não é uma prerrogativa dos usuários, estando presente na prática dos profissionais de saúde e na dos docentes. Deste modo, modificar essa visão, assim como, preparar-se e buscar alternativas para trabalhar as demandas que se originam das condições sociais, culturais e econômicas da comunidade, talvez seja o maior desafio dos sujeitos imbricados no ensino/serviço. Dificuldades relacionadas à gestão do processo Dentre as dificuldades aparecem: a incompatibilidade curricular com a lógica do serviço; a desvalorização da preceptoria. Quanto ao primeiro aspecto, observou-se que os cursos têm matrizes
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curriculares e horários que não dialogam entre si, o que dificulta o encontro para planejamento, organização e desenvolvimento das ações de forma interprofissional. P4: “Outra dificuldade é a questão de horário dos alunos. Devido à grade curricular de cada curso fica difícil eleger um dia em que todos estejam juntos”.
Tal realidade não parece ser exclusiva do cenário investigado nesse estudo. Experiência semelhante aconteceu no Pró-PET-Saúde do Rio Grande do Sul, em que, entre as principais dificuldades, apontaram-se a diversidade de horários dos estudantes e inexistência de disciplinas comuns, dificultando a efetivação do trabalho interprofissional32. Quanto ao segundo aspecto, desvalorização da preceptoria, observou-se que alguns profissionais do serviço desconhecem a atividade e importância do preceptor e do estudante na UAS, afirmando que o estudante atrasa as consultas, o andamento do serviço e que não tem obrigação de colaborar porque não recebe salário para exercer essa atividade. Este desconhecimento e desvalorização da preceptoria só traduz a deficiente integração IES/SMS/serviços de saúde, refletindo negativamente na organização e no planejamento das atividades desenvolvidas nos serviços de saúde. P16, P26: “Existe a dificuldade de integração de outros membros da equipe que não fazem parte do PRÓ-PET, eles dizem que não têm obrigação de participar das ações, não recebem para isso não temos o reconhecimento dos profissionais da UBS e da SMS”.
O desconhecimento sobre a preceptoria, bem como, sua importância para a formação de profissionais de saúde, gera uma urgência para as IES e serviços de saúde em reconhecer e regulamentar a função do preceptor e propiciar meios para o desenvolvimento das habilidades necessárias ao seu adequado desempenho33. Estudo anterior mostrou que falhas no planejamento e na comunicação entre as IES e os serviços de saúde foram considerados importantes empecilhos para o reconhecimento e a valorização do preceptor no que diz respeito a sua contribuição para a formação dos profissionais de saúde34.
Enfrentamento das dificuldades As alternativas de solução apontadas encontram-se numa dimensão mais interna, mais doméstica, que estão no âmbito da governabilidade do próprio grupo. São alternativas mais imediatas. Com relação ao despreparo para atuar com metodologias ativas, para a realização de pesquisas e para o trabalho interprofissional, os preceptores discutem e planejam as ações entre si e com os tutores e discentes. Reconhecem não ser um processo fácil, mas demonstram disponibilidade interna para atingir os objetivos propostos. P1: “Não é fácil, mas estamos conseguindo desenvolver as ações com reunião de planejamento com outros preceptores, tutores e estudantes definindo objetivos comuns”. P3: “A universidade, em parceria com o PET, deveriam cursos para tratar as questões da educação, em como trabalhar mais com grupos”.
Importante observar que os preceptores entrevistados apontam a necessidade de que a universidade coloque-se como responsável pela promoção de capacitações que atendam às demandas que surgem no exercício da preceptoria, como, por exemplo, trabalhar em grupos. O Pró-PET-Saúde tem se mostrado uma experiência muito rica, espaço de imenso aprendizado, e uma potência para a transformação do trabalho individual em interprofissional. Mostra-se, ainda, de 786
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grande importância para despertar, no profissional, a necessidade de atualização, de cooperação, de superação dos próprios limites. A docência em saúde demanda um novo perfil de competências, o que torna imprescindível a reflexão sobre a formação pedagógica dos sujeitos imbricados no processo ensino-aprendizagem, dentre eles, professores e preceptores35. Para que ocorram mudanças para se ter profissionais com o perfil adequado para a docência em saúde, é necessário capacitá-los em novas metodologias de ensino-aprendizagem, redirecionando-os para a atenção básica e para o trabalho interprofissional36. No que diz respeito às dificuldades de infraestrutura (recursos materiais e estrutura física), utilizam espaços sociocomunitários (associações, igrejas, escolas) para a realização das atividades de promoção, ou limitam o número de usuários quando utilizam o espaço físico da UAS por ser pequeno. Quanto à falta e/ou insuficiência de recursos materiais (cartolinas, canetas, data show e outros), referem utilizar recursos próprios para comprá-los ou pegam emprestado. P8: “Nós proporcionamos brindes, lanches, além dos materiais que são comprados com nosso dinheiro”. P14: “Nós utilizamos as associações, as escolas. Se fizermos na unidade, só pode ter 15 pessoas devido o espaço”.
Percebe-se que as estratégias de enfrentamento advêm, em geral, do esforço dos envolvidos nas ações. Desse modo, esses sujeitos utilizam estratégias paliativas que não contribuem de forma efetiva para a resolução dos problemas. Além disso, podem reforçar a deficiente integração entre as IES/SMS/serviços, uma vez que não se discutem, não se definem a responsabilidade e contrapartida da gestão envolvida. É fundamental que as IES e a SMS considerem a importância de assumir, entre outras responsabilidades, a promoção de condições adequadas de trabalho (estrutura física e recursos materiais), favorecendo o trabalho da equipe e o conforto do usuário37. Quanto a desmotivação da comunidade, os preceptores realizam reuniões de planejamento com a equipe e estudantes, buscando meios para superar as deficiências pedagógicas com o trabalho, com metodologias ativas e as novas tecnologias de ensino-aprendizagem, tornando as salas de espera e reuniões com grupos mais atrativas, para a comunidade compreender a importância da promoção e prevenção, e participar das atividades desenvolvidas na UAS. P13, P14: “Realizamos salas de espera mais dinâmicas possíveis com a ajuda dos estudantes para mobilizar a comunidade, mostrar a importância da promoção à saúde, tirar do foco curativo. Mas precisamos de capacitação”.
Percebe-se, aqui, a utilização de estratégias na mesma lógica das demais, ainda assim, é importante reconhecer que a população se beneficia com as contribuições do profissional, pela troca de experiências entre eles nos grupos e a possibilidade de repensar atitudes em nível individual e coletivo38. Para superar as dificuldades relativas à gestão do processo ensino-aprendizagem, mais uma vez, os preceptores utilizam soluções restritas ao seu domínio e ao dos estudantes. Para minimizar as incompatibilidades de horário provocadas pela diversidade das matrizes curriculares dos cursos, alguns preceptores afirmaram ter mudado a rotina de atendimento dos serviços para possibilitar o acolhimento às necessidades dos estudantes. Outra estratégia foi a utilização de recursos tecnológicos, como a criação de grupos de e-mail e página no Facebook, para facilitar o planejamento, a organização e a distribuicão das ações. Recursos que, antes da preceptoria, não eram utilizados por alguns preceptores. P6, P13: “A carga horária dos estudantes dificulta, tentamos resolver mudando nossos horários de atendimento, criamos um grupo no Facebook, e-mail onde muitas vezes planejamos e dividimos as atividades pela disponibilidade dos alunos para que todos participem e tenham o contato interdisciplinar”.
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A articulação com as IES não foi apontada como alternativa para a resolução da incompatibilidade de horário dos estudantes. O posicionamento dos profissionais dos serviços e as ações produzidas podem contribuir para redefinição dos currículos dos cursos de graduação da saúde. Nesse sentido, é importante que se definam espaços, nas matrizes curriculares, para encontros entre os cursos, visando uma troca de conhecimentos, técnicas e práticas que levem a uma nova construção do trabalho em saúde39. Para superar a desvalorização da preceptoria, os preceptores afirmaram convidar os profissionais do serviço não vinculados ao Pró-PET, para participarem das ações e, assim, conhecerem o trabalho realizado, como tentativa de promover maior integração da equipe e valorização do trabalho do preceptor. Além disso, estes preceptores apontam para a necessidade de apoio e maior presença da coordenação do Pró-PET. P15: “Temos solicitado mais apoio da coordenação do PRÓ-PET nas reuniões para que eles se façam mais presentes nas Unidades, convidem a direção da UAS para as reuniões”.
A preceptoria é uma atividade importante na formação, pois favorece a passagem do estudante para o profissional. Assim sendo, o preceptor deve ser reconhecido e suas ações devem ser motivo de debate e reflexão40,41.
Considerações finais Os dados deste estudo apontam que, dentre os principais desafios no exercício da preceptoria do Pró-PET-Saúde, estão: o despreparo pedagógico em avaliar, planejar, desenvolver pesquisas, em trabalhar com grupos, com metodologias ativas, em planejar e em desenvolver ações com profissionais e discentes de outros cursos. Os preceptores relacionam essa deficiência à falta de formação, afirmando que não tiveram oportunidade de EIP que o Pró-PET tem proporcionado aos discentes inseridos no programa e que assumiram a preceptoria, mas não passaram por nenhuma capacitação pedagógica. Os dados apontaram, também, para deficiência de infraestrutura, como a falta de recursos materiais, e deficiente estrutura física, o que dificulta a realização das ações de promoção, controle social e pesquisa. Para superar estas questões, os preceptores utilizam estratégias restritas ao âmbito interno das equipes, ou seja, soluções domésticas que, em geral, não envolvem nem responsabilizam os gestores. Em muitas ocasiões, lançam mão de recursos próprios para resolver dificuldades de infraestrutura, por exemplo. Dentre as possibilidades, observou-se que o exercício da preceptoria no Pró-PET-Saúde contribuiu para a integração ensino-serviço e para o desenvolvimento do trabalho interprofissional, favorecendo o (re)conhecimento do trabalho do outro. O Pró-PET proporcionou aos preceptores, pela presença do discente no serviço, a oportunidade de repensarem as práticas, tanto técnicas quanto pedagógicas. Isso favoreceu, ainda, o conhecimento de suas limitações e, também, de sua importância para o processo de formação profissional, por meio de sua atuação como mediador e facilitador da aprendizagem no mundo do trabalho. Este estudo, portanto, demonstrou que o exercício da preceptoria do Pró-PET-Saúde se constitui em uma experiência muito valorosa, que apresenta inúmeras possibilidades de desenvolvimento dos sujeitos envolvidos. Os resultados apontados nesta pesquisa não finalizam a discussão sobre o tema em questão, mas se pretende que ofereçam: subsídios para a sensibilização dos profissionais e gestores em relação à importância da formação, condições de trabalho e capacitação profissional. Neste sentido, esta pesquisa aponta para novos estudos.
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Colaboradores A autora Patricia Acioli de Barros Lima responsabilizou-se pela coleta, análise dos dados e produção do artigo; a autora Célia Alves Rozendo responsabilizou-se por orientar todo o trabalho desde sua concepção. Referências 1. Oliveira ML, Mendonça MK, Alves Filho HL, Coelho TC, Benetti CN. PET-Saúde: (In) formar e fazer como processo de aprendizagem em serviços de saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 Supl 2):105-11. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000300016 2. Ministério da Educação (BR), Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Parecer CNE/CES nº 1.133, de 7 de agosto de 2001. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares da Medicina, Enfermagem e Nutrição. Diário Oficial União. 3 out 2001;Seção1:131. 3. Ministério da Educação (BR), Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em odontologia. Diário Oficial União. 4 mar 2002;Seção1:10. 4. Ministério da Educação (BR), Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 8, de 7 de maio de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em psicologia Diário Oficial União. 18 maio 2004. 5. Campos H apud Cyrino EG, Cyrino APP, Prearo AY, Popim RC, Simonetti JP, Boas PJFV et al. Ensino e pesquisa na estratégia de saúde da família: o PET-Saúde da FMB/Unesp. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 supl. 1):92-101. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000200013 6. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CH, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais de saúde. Rev Bras Educ Med. 2008;32(3):356-62. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022008000300010 7. Ferreira JB, Foster AC, Santos JS. Reconfigurando a interação entre ensino, serviço e comunidade. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 Supl 1):127-33. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000200017 8. Trajman A, Assunção N, Venturi M, Tobias D, Toschi W, Brant V. A preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: opinião dos profissionais de Saúde. Rev Bras Educ Med. 2009;33(1):24-32. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022009000100004 9. Silva TN, Borges NMTF, Santana MM, Pereira MN, Pignaton PN, Sacramento JS et al. A equipe na estratégia de saúde da família: uma experiência do PET-Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 Supl 2):50-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000300008 10. Rodrigues AAAO, Juliano IA, Melo MLC, Beck CLC, Prestes FC. Processo interação ensino, serviço e comunidade: a experiência de PET-Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 Supl 2):184-92. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000300027 11. Almeida MM, Morais RP, Guimarães DF, Machado MFAS, Diniz RCM, Nuto SAS. Da teoria à prática da interdisciplinaridade: a experiência do Pró-Saúde Unifor e seus nove cursos de graduação. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 Supl1):119-26. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000200016 12. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.802, de 26 de agosto de 2008 [acesso 2 jun 2014]. Institui o Programa de Educação pelo trabalho para a Saúde – PET-Saúde. Disponível em: http://www.saude.gov.br/sas/.htm 13. Aguilar-da-Silva RH, Scapin LT, Batista NA. Avaliação da formação interprofissional no ensino superior em saúde: aspectos da colaboração e do trabalho em equipe. Avaliação (Campinas). 2011;16(1):167-84. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772011000100009
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Lima PAB, Rozendo CA. Retos y oportunidades en el ejercicio de la maestría del Pro-PET-Salud. Interface (Botucatu). 2015;19 Supl 1:779-91. El Sistema Brasileño de Salud (SUS) y las Directrices Nacionales de Educación (DCN) direccionan los cuidados en salud y formación. Para hacer esta integración, el Ministerio de Educación y el Ministerio de Salud crearon el Programa Nacional de Reorientación de la formación profesional en Salud (Pró-Salud) y el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud (PET/Salud), que requieren preceptores capaces de gestionar sus prácticas. El objetivo de ese estudio fue analizar los retos y oportunidades en el ejercicio de educador del Pro-PET-Salud. Los sujetos fueron treinta profesores del Pro-PET-SaludUFAL (Universidad de Alagoas). El instrumento utilizado para la colecta de datos fue la entrevista semi-estructurada, analizada a través del contenido. Los resultados indican que las posibilidades serían: trabajo interprofesional, reevaluar las prácticas y contribución a la formación. Entre los retos están la falta de preparación educativa, el trabajo interprofesional y la infraestructura deficiente.
Palabras clave: Educación. Formación del Profesorado. Educación Interprofesional. Recebido em 17/07/2014. Aprovado em 13/03/2015
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0673
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Contribuições do PET-Saúde/Redes de Atenção Psicossocial à Saúde da Família Larissa de Almeida Rézio(a) Thais Nagano Moro(b) Samira Reschetti Marcon(c) Cinira Magali Fortuna(d)
Rézio LA, Moro TN, Marcon SR, Fortuna CM. Contributions of the PET-Health/Psychosocial Healthcare Networks to Family Healthcare. Interface (Botucatu). 2015;19 Supl 1:793-804.
This study aimed to analyze the contributions of the PET-Health/ Psychosocial Health Care Networks to a Family Health Strategy Unit in Cuiaba, Mato Grosso, Brazil. This was a descriptive study employing a qualitative approach by interviews with five health professionals and two scholarship students as well as the records of activities conducted in the Health Service. Through thematic content, four sub-themes were systematized: “the network connection,” “qualification of mental healthcare,” “improvement of professional knowledge,” and “overcoming stigmas about patients in psychological suffering.” The result suggested that there was sensitization of professionals and scholarship students with regard to the importance of monitoring people with mental distress in primary care in coordination with mental health services.
Keywords: Mental Health. Staff Development. Primary Healthcare. Health Personnel. Education by Work for Health Program.
O estudo objetivou analisar as contribuições do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde/Redes de Atenção Psicossocial à Saúde - a uma unidade de Estratégia de Saúde da Família em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa, utilizando entrevista com cinco profissionais de saúde e dois acadêmicos bolsistas e registros de atividades realizadas no serviço. À luz da análise de conteúdo temática, sistematizamos quatro subtemas: “articulação da rede”; “qualificação da assistência à saúde mental”, “melhora do conhecimento dos profissionais” e “superação de estigmas sobre o paciente em sofrimento psíquico”. Houve sensibilização dos profissionais e bolsistas sobre a importância do acompanhamento das pessoas com sofrimento mental na atenção básica, em articulação com serviços de saúde mental.
Palavras-chave: Saúde Mental. Desenvolvimento de Pessoal. Atenção Básica à Saúde. Pessoal de Saúde. Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde.
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(a,c) Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Mato Grosso. Av. Fernando Corrêa da Costa, nº 2367, Bairro Boa Esperança. Cuiabá, MT, Brasil. 78060-900 larissarezio@hotmail.com; samira.marcon@gmail.com (b) Hospital Santa Rosa. Cuiabá, MT, Brasil. thais.n.moro@gmail.com (d) Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. fortuna@eerp.usp.br
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Introdução Diante da evidência das precárias condições em que viviam as pessoas em sofrimento psíquico no mundo e no Brasil, a partir do século XIX, foram desencadeados, mundialmente, movimentos contrariando o modelo psiquiátrico vigente. No Brasil, entre os anos 1970 e 80, o movimento de mudança denominado Reforma Psiquiátrica se fortaleceu influenciado, sobretudo, pela experiência italiana, por meio dos Centros de Saúde Mental, que assumiam o cuidado integral em saúde mental e a reconstrução das formas como a sociedade lidava com o paciente em sofrimento psíquico1, facilitando, dessa forma, a inclusão social. Embora a Reforma Psiquiátrica seja um movimento com foco na reinserção social e desinstitucionalização dos usuários1, ainda existem obstáculos para a superação da hegemonia do modelo médico-psiquiátrico e sua efetivação, como, por exemplo: o tempo de tramitação da Lei nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, aprovada, apenas, em 06 de abril de 20012; assim como, a criação de legislações que amparem a criação de serviços especializados, como a Portaria Reguladora dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), aprovada somente em 2002. Em Mato Grosso, a trajetória da Reforma Psiquiátrica teve um retardo em relação a outros estados brasileiros, tendo a sua Política Estadual de Saúde Mental regimentada e aprovada, apenas, em dezembro de 2011 (Resolução nº 14/2011) – muito tardiamente, se comparada ao movimento da Reforma Psiquiátrica que ocorreu na década de 1980 no restante do Brasil3. Nesse processo de transformação legislativa e política, o Ministério da Saúde (MS), em parceria com o Ministério da Educação, criou o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET Saúde), regulamentado pela Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010. Esse programa busca a integração ensino-serviço-comunidade, e objetiva: o incentivo à formação do discente com perfil adequado para atuar nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS); a inserção/articulação da academia nos serviços, e a qualificação de profissionais e docentes4. Nesta lógica, em março de 2013, foi lançado o PET-Saúde/Redes de Atenção à Saúde (PET/Redes), que busca o desenvolvimento de intervenções no modelo de rede, com vistas a qualificar as ações e os diferentes serviços de saúde oferecidos à população5. Especificamente na atenção à saúde mental, dentre as diferentes configurações em Rede, foi proposto o PET/Redes de Atenção Psicossocial (PET-RAPS), pautado na proposta da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), pactuada na reunião da Comissão Intergestores Tripartite de 24 de novembro de 2011. A RAPS procura garantir a atenção às pessoas em sofrimento mental e as necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, com foco na efetivação do cuidado integral, considerando as dimensões biológicas, psicológicas e sociais6. A constituição da Rede possibilita a superação de dificuldades na articulação efetiva entre a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e os serviços de saúde mental/ CAPS. Tais dificuldades decorrem de: escassez de pessoal qualificado, formação profissional incipiente em saúde mental, desarticulação dos serviços e o trabalho fragmentado, não-valorização e qualificação da escuta e do acolhimento do sujeito em sofrimento psíquico, falta de apoio matricial, ferramenta importante de aproximação entre ESF e CAPS, além de práticas vinculadas ao modelo biomédico e o estigma que permeia o campo da saúde mental7-9. Deste modo, a criação do PET-RAPS é uma estratégia importante para a efetivação da reforma psiquiátrica, para a qualificação do cuidado e para a articulação da RAPS de modo geral, com enfoque na atenção básica, considerando que este é um espaço importante de acolhimento e proximidade, além de ser de fácil acesso à população10. Ressalta-se, ainda, que a atenção básica também constitui um local importante para o desenvolvimento de atividades de extensão por instituições formadoras, fortalecendo a relação ensino-serviço-comunidade10 e formando trabalhadores para esse nível de atenção. A partir do exposto, compreendendo a importância da constituição da RAPS no município de Cuiabá-MT, assim como, a efetivação de práticas de saúde mental na atenção básica que acolham o usuário integralmente, objetivamos analisar as contribuições do PET-RAPS em uma Unidade de Estratégia de Saúde da Família do município de Cuiabá-MT. 794
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Metodologia Essa é uma pesquisa de natureza exploratória e descritiva, de abordagem qualitativa, desenvolvida em uma ESF do município de Cuiabá-MT, no primeiro semestre de 2014. A escolha do serviço se deu por ser, esse, um espaço onde têm sido desenvolvida, há mais de seis meses, extensão universitária, por meio do PET-RAPS, pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ao iniciarmos as atividades do Programa, utilizamos a metodologia da problematização, com a qual, ao realizarmos o levantamento de problemas, evidenciamos que não havia ações de saúde mental nesta unidade. Deste modo, o PET-RAPS foi responsável pela indução: de um diagnóstico coletivo e implantação da ficha de busca ativa, de estudo de caso, de reuniões conjuntas entre ESF e CAPS, discussão de textos, visitas domiciliares de acompanhamento em saúde mental, e implantação da ficha de acompanhamento dos usuários ao serviço. Para que o desenvolvimento do programa fosse efetivo, foram realizados encontros quinzenais entre tutores (docentes da UFMT), discentes bolsistas de diferentes cursos, e preceptores (profissionais dos serviços), para discussão e avaliação das ações realizadas. Desse modo, a pesquisa emergiu da necessidade de se analisar a parceria PET-RAPS e os serviços envolvidos. A população de estudo foi constituída por: cinco profissionais da equipe da ESF (uma enfermeira, um médico, duas agentes comunitárias de saúde e uma técnica de enfermagem), e duas discentes bolsistas do PET-RAPS, dos cursos de Enfermagem e Psicologia da UFMT. Foram incluídos todos os profissionais que estiveram no serviço durante os últimos seis meses, independente do tipo de vínculo empregatício, e as bolsistas vinculadas ao PET. Esse período foi definido considerando-se o início das intervenções do projeto no serviço. O material empírico constituiu-se das entrevistas transcritas dos profissionais e bolsistas, e de livros de registro contendo informações acerca de todas as atividades desenvolvidas pelo PET, ou seja: atendimentos, visitas domiciliares, discussão de textos, participação em alguma ação do serviço, dentre outras. Utilizamos, como instrumento de coleta de dados, um roteiro de entrevista semiestruturada, com questões relacionadas: à inserção do PET na Unidade e suas ações, a articulação da RAPS, e a incorporação da saúde mental na atenção básica. As entrevistas foram realizadas em ambiente reservado, com duração média de uma hora. Ainda como fonte de dados, foram verificados os livros de registros das atividades diárias dos bolsistas e preceptor/profissionais vinculados ao PET, em que utilizamos um roteiro direcionado para as ações de saúde mental realizadas pelos bolsistas e suas respectivas contribuições para o serviço. Para análise dos dados, utilizamos a técnica de análise de conteúdo do tipo temática, originando temas e subtemas. A análise de conteúdo é uma técnica de análise das comunicações por meio de procedimentos objetivos e sistemáticos, podendo ser qualitativos ou quantitativos, que permitem a inferência de conhecimento relativo às condições de produção dessas mensagens. Neste tipo de análise, é possível encontrar os núcleos de sentido das mensagens11. Após a leitura exaustiva de todos os dados coletados, foi possível encontrar quatro subtemas: Articulação da rede; Qualificação da assistência à saúde mental; Melhora do conhecimento dos profissionais e Superação de estigmas sobre o paciente em sofrimento psíquico. A partir dos subtemas, identificamos o tema central, denominado contribuições do PET para a unidade de ESF, o qual foi analisado conforme: literatura disponível referente à RAPS, trabalho em saúde mental, saúde mental na atenção básica, e articulação da RAPS. Com o objetivo de manter o anonimato dos entrevistados, as falas foram apresentadas no texto com siglas e números, sendo: T (1 a 5) para trabalhadores/ profissionais, B (1 e 2) para as discentes bolsistas do PET, e LR para os dados coletados no livro de registros das atividades diárias das bolsistas e preceptor/profissionais. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller, respeitando a Resolução nº 466 do Conselho Nacional de Saúde, de 2012.
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Resultados e discussão Contribuições do PET para a equipe da ESF Articulação da Rede Estudos têm mostrado que, apesar dos esforços do MS em incluir ações de saúde mental na atenção básica, essa realidade ainda é pouco frequente12-14, embora seja essencial para efetivação da Reforma Psiquiátrica, assim como para a atenção integral do ser humano. Entretanto, conforme preconizado pelo MS, a consolidação da Reforma Psiquiátrica depende, necessariamente, da construção de uma rede comunitária de cuidados, com diferentes serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico, articulados entre si de modo a formar um conjunto de referências com a capacidade de acolher e de cuidar das pessoas em sofrimento psíquico15. Essa articulação em rede supera o conceito de centralidade de cuidados, oferecendo dinamismo e flexibilidade aos serviços, gerando melhores resultados na assistência15. A constituição da rede, implica: uma série de pontos de encontros, de trajetórias de cooperação, de simultaneidade de iniciativas e atores sociais envolvidos, pois, nessa lógica de funcionamento, se concretiza a implementação do modelo de atenção psicossocial1. As falas abaixo ilustram esse aspecto: “A articulação só tá existindo hoje, dessa forma, assim bem organizada por causa do PET. [...] A gente teve reuniões com grupos de estudos que são de educação permanente, reuniões de subgrupos, rodas de conversa, articulações entre as redes, entre CAPS e o PSF. [...] O PSF foi para o CAPS para conhecer o local, para ter uma relação direta com os profissionais, para conhecer o serviço, para promover mesmo a articulação entre as redes, e depois em outro momento a equipe do CAPS veio até o PSF para conhecer [...] e aí a gente discutiu os temas juntamente entre as duas equipes”. (T1) “Nos reunimos no CAPS para iniciarmos nossas intervenções. A equipe da ESF estava presente no CAPS juntamente com a equipe de lá. Iniciamos a roda de conversa [...]”. (LR) “Para o usuário proporcionou ele ter um serviço que serve de referência, porque antes não era comum, por exemplo, um paciente esquizofrênico procurar um PSF pra ser atendido”. (T4)
Assim como outros estudos que apresentam a necessidade de um trabalho pautado na articulação em Rede, e a realização de um atendimento mais singularizado como meio de aumentar a capacidade resolutiva dos problemas13,14, também percebemos que a inserção do PET-RAPS na ESF, foi fator essencial para iniciar o trabalho de corresponsabilização dos casos de saúde mental do território; o que, além de singularizar o tratamento, reduziu os encaminhamentos da ESF para o CAPS, possibilitando o empoderamento dessa equipe para resolução de problemas. A noção de território não deve se restringir apenas ao espaço geográfico, mas, sim, de pessoas, instituições, redes e cenários onde ocorrem as relações de vida diária de uma dada sociedade1. O território é a área sobre a qual o serviço deve assumir a responsabilidade relacionada às questões de saúde mental16; e essas ações proporcionam a construção do papel terapêutico inerente ao vínculo e permitem o acompanhamento qualificado aos usuários pela ESF13. Sobre o papel do CAPS, embora seja um de seus objetivos oferecer suporte em saúde mental à atenção básica, além de supervisionar e capacitar as equipes de saúde da família17, essas ações só foram impulsionadas com a implantação do PET-RAPS, conforme evidenciado nas falas acima. Desse modo, o trabalho interprofissional pode se constituir a partir da possibilidade de encontros de trabalhadores dos serviços de saúde mental e de serviços de atenção básica, sendo o PET-RAPS um 796
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disparador dos mesmos. Estudo18 mostra a importância da formação para o aprendizado do trabalho interprofissional que carece de investimentos, podendo ser favorecida por estratégias que colocam estudantes de diferentes cursos juntos em situações reais de trabalho. “O programa trouxe essa atividade em relação à saúde mental que antes não tinha [...]. Por que foi através do PET que começou”. (T3) “Realizamos um grupo para discussão da temática rede, juntamente com a equipe do CAPS e ESF, sob coordenação das bolsistas”. (LR)
A partir disso, ressaltamos a importância do PET como articulador dos encontros sistematizados entre CAPS e ESF ao longo do desenvolvimento do projeto, proporcionando: não só o conhecimento da localização geográfica do CAPS, mas a aproximação dos profissionais da ESF com a temática de saúde mental, a compreensão desses quanto à finalidade de um serviço de atenção à saúde mental, as atividades oferecidas, assim como, os papéis dos profissionais da equipe interdisciplinar, facilitando, portanto, a articulação da Rede. Também permite, à equipe de saúde mental, compreender o trabalho da equipe de atenção básica em seus desafios. Qualificação da assistência à saúde mental A ESF é um componente essencial para efetivação das ações de saúde mental na atenção básica, pois valoriza os princípios: da territorialização, do vínculo com a população, do trabalho em equipe e da participação democrática, participativa e solidária da comunidade19. Essa nova forma de lidar com as pessoas em sofrimento psíquico auxilia no estabelecimento de uma equipe multiprofissional mais preparada e comprometida com os usuários, podendo proporcionar um atendimento mais qualificado. Nesse contexto de qualificação da assistência, no qual há a incorporação do cuidado em saúde mental na atenção básica, se faz necessário um diagnóstico da população da área de abrangência quanto a possíveis casos de sofrimento psíquico; e, para tal, a ficha de busca ativa pode ser um importante instrumento direcionador. Essa consiste em nove questões relativas a problemas de saúde mental, com linguagem simples, respostas dicotômicas (sim ou não), e pode ser aplicada pela Agente Comunitária de Saúde (ACS) no momento do cadastro das famílias20. A ficha de busca ativa possibilita obter um cadastro das famílias que precisam ser avaliadas, além de ser importante no conjunto de ações em vigilância epidemiológica, de investigação de campo e identificação de pessoas em condições de sofrimento psíquico. Sua utilização permite, também, confirmar casos suspeitos, possibilitando decisões mais adequadas em relação a encaminhamentos e à assistência21. “Não existia a ficha de busca ativa, então a partir do momento que teve a aplicação da ficha da busca ativa nós já tivemos um olhar assim mais amplo né? [...] E a partir daí gente já começa a fazer os acompanhamentos. [...] com estudos de casos voltados para os usuários que a gente acompanha, visitas domiciliares, acompanhamento na unidade e nas casas, atendimento de saúde mental, aplicação da ficha de busca ativa e a ficha de acompanhamento também voltado para saúde mental”. (T1) “Sim, busca ativa, a articulação do PSF com o CAPS e reuniões entre a gente que não tinha antes, e consultas voltadas pra saúde mental também antes não tinha”. (T3) “Foi criada a parte de saúde mental, que as agentes comunitárias fazem a busca ativa na comunidade”. (T4) “A gente discute os casos e tem também a busca ativa, mas aí quem faz são as agentes junto com as alunas que também participaram”. (T5)
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“Realizamos busca ativa de usuários em sofrimento psíquico com a ACS”. (LR)
A inserção do PET no serviço determinou a incorporação da ficha de busca ativa na prática da equipe da ESF; e essa atitude não só possibilitou identificar e cadastrar os usuários que necessitavam de atendimento em saúde mental, como, também, aproximou a equipe da população e auxiliou no acompanhamento dessas pessoas. Outra estratégia importante para acompanhamento comunitário em saúde mental é a visita domiciliar. Com a sua realização na rotina do serviço, os profissionais da ESF têm a possibilidade de conhecer a real situação das famílias e de seus membros individualmente, dando condições para que sejam efetivadas intervenções que possam ajudar no ambiente familiar, além de essa estratégia auxiliar na construção e fortalecimento do vínculo entre os profissionais e familiares22. “Fomos ao PSF e conversamos com a preceptora e com a ACS sobre o caso de um paciente de saúde mental. Saímos para visita na casa desse paciente e de uma outra paciente, depois voltamos para conversar sobre o caso e planejar ações para intervir”. (LR) “Teve uma vez que uma paciente veio até as meninas [na ESF] [elas] orientaram, ligaram lá no CAPS perguntaram certinho como seria o atendimento e orientaram tudo certinho”. (T2)
Observamos que, após a inserção do Programa, bem como das bolsistas na unidade, algumas ações de saúde mental começaram a se efetivar, dentre elas: a visita domiciliar visando não somente evidenciar situações de sofrimento psíquico, mas, frente a essas, a responsabilização pela equipe quanto ao acompanhamento e encaminhamentos necessários para estes usuários. Embora o relato acima demonstre o olhar do profissional para as necessidades de acompanhamento às pessoas em sofrimento psíquico, se refere a essas como ‘usuários de saúde mental’, denotando, ainda, a separação entre o físico e o psíquico, como se essas necessidades não fossem únicas e sobrepostas no ser humano. Portanto, a visão integral do usuário e a incorporação dessa prática pelos profissionais ainda precisam ser trabalhadas, tendo o PET papel fundamental neste processo. A fala nos permite evidenciar que as visitas domiciliares e o acompanhamento dos usuários se intensificaram, e estão sendo incorporados pela equipe de forma contínua. Outro aspecto importante relacionado à qualificação da assistência é o acolhimento, considerado um recurso terapêutico importante na ESF8, e que deve ser entendido de modo mais amplo do que o empregado na prática tradicional, pois é um recurso que pode garantir o acesso aos serviços de saúde, no qual os mesmos terão responsabilidade com as necessidades de saúde da população atendida23. Entendemos, portanto, que há necessidade de se estabelecerem vínculos afetivos e profissionais com as pessoas em sofrimento psíquico, para que se sintam realmente ouvidas e cuidadas, sintam que os profissionais que as escutam estão efetivamente focados em seus problemas, dispostos a ajudá-las, e a se responsabilizarem pelo seu cuidado1. Aspectos estes possibilitados pelo ato de acolher. “Antes eles [equipe multiprofissional da unidade] tinham um olhar diferente do usuário com transtorno mental e hoje já conseguem fazer um acolhimento de forma mais humanizada, dar as informações mais esclarecidas e assim o paciente fica mais é satisfeito com a unidade”. (T4)
Assim, identificamos que a nova forma de agir dos profissionais resultou em mudanças no atendimento e cuidado dos usuários em sofrimento psíquico. Em consonância com as Políticas Ministeriais23, essas ações contribuem para a efetivação da saúde mental na atenção básica, pois possibilitam qualidade da assistência, por meio do acolhimento e aproximação da equipe com os usuários, construindo e fortalecendo os vínculos. Essas novas práticas são primordiais não apenas para a efetivação dos princípios e diretrizes da Reforma Psiquiátrica, mas, também, para a atenção integral da pessoa em sofrimento psíquico no local que se constitui como porta de entrada para o sistema de saúde – e essas ações ocorreram após 798
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a inserção do PET-RAPS. Portanto, o programa teve uma contribuição importante no processo de qualificação da assistência. Melhora do conhecimento dos profissionais Além das contribuições referentes à criação de novas práticas no serviço voltadas à saúde mental, estudos têm reafirmado que o programa PET repercute positivamente em relação à qualificação da assistência, ao estímulo dos profissionais a uma prática reflexiva, reorientando o serviço e aumentando a acessibilidade, e, consequentemente, melhorando o acolhimento12,24. Deste modo, considerando que a Reforma psiquiátrica é um movimento social complexo, envolvendo aspetos indissociáveis nas dimensões teórico-conceitual, técnico-assistencial, jurídico-político e sociocultural, entendemos que o PET contribui com aspecto técnico-assistencial, na medida em que amplia a noção de integralidade no campo da saúde mental e atenção psicossocial, e auxilia na construção de dispositivos estratégicos, onde é possível acolher, cuidar, socializar e produzir novas subjetividades1. “A gente fez alguns estudos de caso, a gente estudou a temática voltada pra saúde mental que as tutoras cobraram muito isso da gente e isso é muito bom. Acaba fazendo você buscar o seu autoconhecimento. Porque tem muitas coisas que você deixa a desejar, então você vai sempre estar pesquisando, atualizando seus conhecimentos [...] E também da forma que eu tenho que oferecer uma assistência de qualidade para o usuário, porque se eu to preparada, hoje eu me sinto preparada, lógico que não 100%, porque é no dia a dia a gente vai aprendendo, as coisas vão mudando. Eu já não vou ter mais aquela total insegurança de atender como eu tinha antes né?” (T1) “Hoje eu percebo que a equipe tem um conhecimento a mais voltado para saúde mental e que foi um grande ganho assim depois da atuação do PET. [...] Proporcionou o aprendizado individual de cada uma delas”. (T2)
Diante do exposto, podemos afirmar que o PET auxiliou na formação dos profissionais, estimulando-os à reflexão sobre o seu papel, com ênfase nos aspectos socioculturais, contrariando o modelo tecnicista15,24; além de contribuir para o aprendizado individual, com profissionais mais preparados, ativos e críticos de sua aprendizagem, colaborando para a solução de problemas de saúde de forma mais efetiva. Estudos têm evidenciado que a maioria das ESF apresenta dificuldades em realizar atendimento em saúde mental, não realizando atividades referentes a esta área18,24,25; essa também era a realidade dessa equipe, como demonstram as falas a seguir: “A gente sabia que tinha os usuários com sofrimento mental, mas a gente fazia o acompanhamento assim, quando precisasse de uma renovação de receita, daí o usuário vinha marcava a consulta, renovava a receita e ai deixava o acompanhamento a desejar né?” (T1) “Sempre que era alguma coisa relacionada à saúde mental busca o antigo Adauto [Hospital Psiquiátrico Estadual de MT] e nada aqui. [...] E agora já tem, nesse sentido de uma resposta aos anseios deles, um lugar onde eles podem vir para conversar”. (T3)
Antes do PET-RAPS iniciar na ESF, as ações de saúde mental eram bem limitadas e/ou não ocorriam. Os usuários em sofrimento psíquico não eram acompanhados, e as ações não eram fundamentadas nos princípios da Reforma Psiquiátrica, e sim no modelo biomédico, com foco na medicalização. Por isso, enfatizamos que a formação de profissionais mais aptos e preparados para atender as pessoas em sofrimento psíquico e o conhecimento adquirido por esses profissionais contribuíram para que o acolhimento da população com demandas de saúde mental se aperfeiçoasse e, consequentemente, também a assistência.
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Superação de estigmas sobre o paciente em sofrimento psíquico Embora, pontualmente, a implementação de cuidado em saúde mental na atenção básica esteja sendo realizada, ainda é presente o preconceito às pessoas em sofrimento psíquico na maioria das equipes de saúde da família8,10,24. O desafio de atualizar as equipes a pensarem e agirem quebrando os estigmas do modelo biomédico, não é tarefa fácil; entretanto, com o aperfeiçoamento da equipe, o conhecimento e o recurso do acolhimento – ferramentas essas que visam ampliar a capacidade de escuta dos trabalhadores – possibilitam que a equipe, família e usuários possam pensar juntos em intervenções que ajudem a superar as dificuldades presentes13. No tocante à reflexão anteriormente feita sobre a complexidade da Reforma Psiquiátrica, bem como de seus aspectos, é relevante retomarmos o contexto sociocultural, que envolve a desconstrução de estigmas. Esse aspecto tem, como princípio fundamental, o envolvimento da sociedade na discussão da reforma psiquiátrica e da saúde mental, visando à participação social e política de todos os atores envolvidos, objetivando a mudança de mentalidade, atitudes, relação sociais e a construção de reciprocidade e solidariedade1. Portanto, a inclusão das ações de saúde mental na atenção básica possibilita avançar no processo de desinstitucionalização, contribuindo para a desmistificação da loucura16, na medida em que se trabalha com a dimensão sociocultural. “A saúde mental pra mim, antes de ter contato com o PET, antes de ter essas conversas, pra mim era coisas de outro mundo. Dava medo, na hora que o pessoal falava sobre saúde mental. Eu pra mim tinha como um louco né, aí com essas explicações, com essas conversas e reuniões, a gente teve aquela separação da doença, das pessoas assim, como que era a reação né, tudinho”. (T5) “Eu acho muito importante porque a gente teve assim uma diferenciação, porque no começo quando a gente começou a trabalhar tinha um olhar diferente com relação aos pacientes que tinha sofrimento mental e depois que o PET veio pra cá abriu nossos horizontes, a gente está percebendo como tratar esse paciente, como passar uma informação mais correta pra ele, orientar para onde ele possa ir depois daqui da unidade”. (T2) “Agora eu acredito que não só as ACS, mas a enfermeira e o médico têm outro olhar em relação à saúde mental”. (T3) “A gente começou a criar intervenções para a equipe, para tentar fazer com que a equipe olhasse de uma forma totalmente diferente para a saúde mental [...] e tirar assim, desconstruir a ideia de que eles tinham de louco e reconstruir uma ideia de ressocializar essa pessoa, de acolher essa pessoa em sofrimento e eu acho que está mudando”. (B1)
Sentimentos como medo da loucura e agressividade foram trabalhados, na medida em que o PET contribuiu para a desconstrução de estigmas e preconceitos relacionados à pessoa em sofrimento psíquico por meio de discussões com a equipe. Desta forma, também contribuiu para a implementação do modelo de atenção psicossocial, ao passo que valorizou os aspectos socioculturais. Com a problematização de estereótipos sobre a loucura, o PET possibilitou a aproximação dos profissionais às famílias e/ou pessoas em sofrimento psíquico ou dependentes de substâncias psicoativas, superando a referência do modelo biomédico, construindo diariamente novas maneiras de auxiliar os usuários em suas dificuldades, estimulando-os quanto ao próprio cuidado com mais autonomia16. É importante ressaltar que, embora tenha sido desencadeado um processo de desmistificação da “loucura” na unidade pesquisada, e que algumas ações de cuidado à saúde mental começaram a ser incorporadas na prática daqueles profissionais, os serviços de atenção à saúde, isoladamente, não são capazes de construir mudanças significativas, pelo fato da necessidade de articulação em rede. Por isso, são necessárias práticas articuladas entre diferentes saberes e níveis de complexidade na produção do 800
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cuidado, para que se potencialize e operacionalize a integralidade da atenção, que é necessária para auxiliar na construção de novos rumos para o campo da atenção psicossocial16. Entendemos que o PET-RAPS auxiliou nesse processo de construção, além de possibilitar a problematização dos preconceitos trazidos do modelo hospitalocêntrico, por meio da contribuição referente à formação de profissionais para o trabalho em saúde mental, possibilitando maior segurança e autonomia na assistência. Diante disso, podemos constatar que a Reforma Psiquiátrica brasileira é um processo em movimento de construção, a partir de reflexões e mudanças que ocorrem, a um só tempo, nos campos assistencial, cultural e conceitual. Assim, esse processo social complexo objetiva mudar as relações que a sociedade, os sujeitos e as instituições estabeleceram com o sofrimento psíquico, conduzindo-as no sentido de superação do estigma, de integração, de estabelecer com a loucura uma relação de coexistência, troca, solidariedade, positividade e de cuidados1. Apesar de o PET-RAPS ter contribuído de várias maneiras para a melhora da assistência aos usuários em sofrimento psíquico, ainda existem desafios para a implementação de ações de saúde mental na atenção básica. Esses desafios estão relacionados, sobretudo, ao despreparo das equipes para lidarem com o paciente em sofrimento psíquico, e à falta de profissionais na equipe, que, em muitas situações, encontra-se em número mínimo, o que influencia diretamente na realização das ações de saúde mental, e, consequentemente, na efetivação da Reforma Psiquiátrica. Para superar esses desafios, se faz necessário compreender o processo social em toda a sua complexidade, desconstruindo e reconstruindo conceitos fundantes da psiquiatria (campo teórico-conceitual); com a criação de espaços de sociabilidade, trocas e produção de subjetividades (técnico-assistencial); as legislações sanitárias, civil e penal (jurídico-político), e, ainda, transformar o imaginário social, como o campo mais importante de todos (sociocultural)1.
Considerações finais O PET-RAPS foi importante para desencadear o processo de articulação entre a ESF e o CAPS, estratégia necessária para: a efetivação da Reforma Psiquiátrica, a consolidação da rede e corresponsabilização pelo usuário, em função da aproximação dos profissionais de serviços diferentes, fortalecendo a importância da inclusão e da execução de ações de saúde mental na atenção básica. O desenvolvimento do projeto contribuiu consideravelmente para a qualificação da assistência prestada e expansão das ações aos usuários em sofrimento psíquico no âmbito da equipe estudada, proporcionando o repensar de paradigmas originários do modelo hospitalocêntrico, aprimorando o conhecimento sobre a temática de saúde mental, e estabelecendo uma ressignificação do olhar voltado ao paciente, com ênfase na construção da autonomia, cidadania e reinserção social. Apesar das contribuições, o PET-RAPS ainda enfrenta desafios que precisam ser superados para que suas ações sejam mais efetivas. Entre eles, a falta de profissionais na equipe, que é um desafio a ser vencido – porém, o PET-RAPS não tem governabilidade para solucioná-lo sozinho, por ser relacionado a instâncias maiores, como a Secretaria de Saúde Municipal e Prefeitura do município de Cuiabá-MT. Fica evidente a importância dos projetos de ensino, extensão e de pesquisa para a qualificação da assistência, sendo de grande importância continuar investindo na construção de novas relações ensino-serviço-comunidade, instigando a reorganização e reflexão da prática de saúde mental na atenção básica, gerando sujeitos mais críticos, ativos e com visão diferenciada, capazes de mudar a realidade da saúde mental e da atenção básica, contribuindo para a efetivação dos princípios e diretrizes da Reforma Psiquiátrica e do Sistema Único de Saúde. Embora este estudo tenha uma importante contribuição na avaliação da repercussão do projeto desenvolvido, algumas limitações se referem: a poucas informações sistematizadas registradas em prontuários, e à escassez de trabalhos que avaliem e discutam a atuação do PET na intersecção entre a ESF e os serviços de saúde mental. Por isso, consideramos fundamental continuar desenvolvendo trabalhos relacionados a essa temática.
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Rézio LA, Moro TN, Marcon SR, Fortuna CM. Contribuciones del PET-Salud/Redes de Atención Psicosocial en la Salud de la Familia. Interface (Botucatu). 2015;19 Supl 1:793-804. Este estudio tuvo como objetivo analizar las contribuciones del Programa de Educación en el Trabajo para la Salud – PET-Salud/Redes de Atención Psicosocial en la Salud - de una Unidad de Estrategia de Salud de la Familia en Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Se trata de un estudio descriptivo, con abordaje cualitativo, a través de entrevistas de cinco profesionales de la salud y dos estudiantes becados y los registros de actividad utilizadas en servicio. A la luz del análisis de contenido temático hemos sistematizado cuatro subtemas: “Articulación de la red”; “Calificación de la atención de la salud mental”, “mejora del conocimiento de los profesionales” y “la superación del estigma del sufrimiento psicológico del paciente”. Hubo una conciencia de los profesionales y estudiantes sobre la importancia del seguimiento de personas con enfermedad mental en la atención primaria con relación a los servicios de salud mental.
Palabras clave: Salud mental. Desarrollo Personal. Atención Primaria de la Salud. Trabajadores del Sector Salud. Programa de Educación en el Trabajo para la Salud.
Recebido em 29/09/2014. Aprovado em 10/03/2015.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0161
artigos
O PET-Saúde da Família e a formação de profissionais da saúde: a percepção de estudantes Luciana Margarida de Santana Madruga(a) Kátia Suely Queiroz Silva Ribeiro(b) Cláudia Helena Soares de Morais Freitas(c) Ingrid de Almeida Becerra Pérez(d) Talitha Rodrigues Ribeiro Fernandes Pessoa(e) Geraldo Eduardo Guedes de Brito(f)
Madruga LMS, Ribeiro KSQS, Freitas CHM, Pérez IAB, Pessoa TRRF, Brito GEG. The PET-Family Health and the education of health professionals: students’ perspectives. Interface (Botucatu). 2015;19 Supl 1:805-16.
This qualitative study aimed to analyze the contribution of the Education Program by Work for Health (PET–Family’s Health) for educating future health professionals at a public university in northeastern Brazil. Secondary data were derived from the semiannual assessment tool that was answered by 67 physical education, nursing, physiotherapy, medicine, nutrition, and dentistry students. The results were organized under two categories: interprofessional work and teaching–service integration. The present study highlighted the importance of interprofessional and collaborative work; integration of learning, service, and the community; and reflection of practices promoted by PET–Family’s Health to bring about changes in the educational process. Strategies such as this are essential for the education and improvement of health professionals in the Brazilian Health System (SUS).
Keywords: Human Resources. Teaching-Service Integration. Interprofessional Education. Primary Healthcare. Health Integration.
Trata-se de estudo com abordagem qualitativa, cujo objetivo foi analisar a contribuição do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET– Saúde da Família) para a formação dos futuros profissionais de saúde de uma universidade pública do Nordeste do Brasil. Foram utilizados dados secundários do instrumento de avaliação semestral do programa, respondido por 67 estudantes dos cursos de: Educação Física, Enfermagem, Fisioterapia, Medicina, Nutrição e Odontologia. Os resultados foram sistematizados em duas categorias de análise: o trabalho interprofissional e a integração ensino-serviço. O estudo evidenciou: a importância do trabalho interprofissional e colaborativo, a integração ensino-serviço-comunidade, e a reflexão das práticas impulsionadas pelo PET-Saúde da Família para a mudança no processo formativo em saúde. Estratégias como essa são essenciais para a formação e o aperfeiçoamento de profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Palavras-chave: Formação de Recursos Humanos. Integração Ensino-Serviço. Formação Interprofissional. Atenção Primária à Saúde. Integralidade em Saúde.
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Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Departamento de Odontologia, Centro de Ciências da Saúde, Campus Central, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Av. Sen. Salgado Filho, 1787, Lagoa Nova. Natal, RN, Brasil. 59056-000. lucianamadruga.fisio@gmail.com (b,f) Departamento de Fisioterapia, Centro de Ciências da Saúde, campus I, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, PB, Brasil. katiaqsribeiro@yahoo.com.br; eduardo.guedes.ufpb@gmail.com (c,e) Departamento de Clínica e Odontologia Social, Centro de Ciências da Saúde, campus I, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, PB, Brasil. chsmfreitas@hotmail.com; talitha.ribeiro@yahoo.com.br (d) Fisioterapeuta. João Pessoa, Paraíba, Brasil. ingridperezz@gmail.com (a)
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Introdução O Sistema Único de Saúde (SUS) representa uma importante conquista social para o Brasil, efetivada por seus princípios: o acesso universal e igualitário, a integralidade, a equidade, a descentralização, a hierarquização e a participação popular. Esses preceitos buscam construir um novo modelo de organização do Sistema de Saúde e uma nova forma de produzir o cuidado e de formar os profissionais da área de saúde. A partir da década de 1990, surgiram movimentos que visavam ao processo de reorientação da formação de profissionais para a saúde. É inquestionável que o modelo biomédico limita a compreensão do processo saúde-doença. Logo, nos currículos e nas práticas formativas elaborados e/ou executados nessa lógica, há ausência ou insuficiência de conteúdos que possibilitem a (re)configuração da saúde em seu conceito ampliado1-3. Vários dispositivos trouxeram respaldo e orientações nesse contexto, tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB de1996) e o Plano Nacional de Educação de 2001. Para a Educação Superior, foram propostas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), que, para a área da saúde, foram publicadas entre os anos de 2001 e 2004. As DCN representaram um avanço na formação de profissionais da saúde, com o desenvolvimento de habilidades e competências que garantam um perfil generalista, humanista, crítico e reflexivo, utilizando-se de metodologias de ensino-aprendizagem centradas nos estudantes e nas necessidades de saúde da população e do SUS4-9. Um dos desafios enfrentados pelas Instituições de Ensino Superior (IES) para alcançarem este perfil de formação é a construção e operacionalização de currículos que possibilitem o desenvolvimento de atividades de caráter interprofissional. Essas são entendidas como aquelas em que dois ou mais profissionais desenvolvem competências juntos, ou seja, conhecimentos, habilidades e atitudes baseadas no trabalho colaborativo – valorizam o trabalho em equipe, a integralidade das ações de cuidado e respeitam as especificidades de cada profissão10. Ultrapassar a lógica disciplinar na formação em saúde é uma necessidade, uma vez que gera espaços formadores desconectados da vida e do contexto social e, na maioria das vezes, separa o ciclo básico do profissionalizante e atribui mais valor às especialidades em detrimento das humanidades. Assim, urge apostar em desenhos curriculares para a área da saúde alicerçados na inter/transdisciplinaridade e no pensamento complexo11. Segundo Ceccim12, a Educação Permanente em Saúde (EPS) também pode corresponder à educação formal de profissionais, quando esta consegue incorporar a múltipla complexidade da realidade das vivências profissionais e integra o mundo do trabalho ao mundo do ensino. Defende que a introdução da EPS é estratégia fundamental na recomposição das práticas de formação, de gestão, atenção, formulação de políticas e controle social, pois estabelece relações regulares com o setor educação, submetendo, dentre outros, os processos de mudança na graduação às necessidades e aos direitos da população à saúde. Visando impulsionar e fortalecer o processo de reorientação da formação, os Ministérios da Saúde e da Educação vêm formulando políticas indutoras dessa mudança. Entre elas, destacou-se o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde da Família, regulamentado pela Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de agosto de 200813. O PET-Saúde da Família se configurou como uma proposta de favorecer as mudanças na formação em saúde, por meio da interdisciplinaridade e da integração ensino-serviço-comunidade, desenvolvidas no contexto da Saúde da Família. Teve como pressuposto a educação pelo trabalho, e seu objetivo foi o de fomentar a formação de grupos de aprendizagem tutorial em áreas estratégicas para o SUS. Configurou-se como instrumento para qualificação em serviço dos profissionais de saúde, bem como de iniciação ao trabalho e vivências dirigidas aos estudantes das graduações em saúde, de acordo com as necessidades do Sistema de Saúde14. Os processos avaliativos são fundamentais para o acompanhamento da implantação/implementação de programas, além de fornecer subsídios para o seu aperfeiçoamento15. O objetivo do estudo foi o de identificar as contribuições do PET-Saúde da Família à formação dos profissionais de saúde 806
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na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a partir da percepção dos estudantes participantes do programa.
Percurso metodológico Elegeu-se a abordagem qualitativa para o estudo, tendo em vista a necessidade de interpretação e reflexão que os fenômenos sociais exigem16. O estudo foi desenvolvido na UFPB nos anos de 2011 e 2012. O PET-Saúde da Família foi implantado na UFPB, em parceria com a Secretaria de Saúde do Município de João Pessoa (SMS/JP), no ano de 2009. Envolveu, na vigência de 2011/2012, os cursos de Educação Física, Enfermagem, Fisioterapia, Medicina, Nutrição e Odontologia, com, aproximadamente, duzentos e quarenta estudantes, entre bolsistas e voluntários, inseridos em 24 Unidades de Saúde da Família (USF) da área urbana de João Pessoa, sob a orientação de 42 preceptores, profissionais de nível Superior, vinculados às USF. Contou com oito tutores docentes atrelados ao programa, que facilitava as atividades de um grupo tutorial, intermediava as reuniões e desempenhava função organizativa e na condução das pesquisas. Na prática, os estudantes foram divididos em grupos interprofissionais e foram introduzidos em uma das 24 USF, sob a supervisão/orientação de um preceptor e um tutor. Durante quatro horas por semana, articulados com o preceptor e as Equipes Saúde da Família (ESF), desenvolviam atividades individuais e coletivas no território. Essas atividades eram discutidas em um ambiente virtual de aprendizagem, criado especificamente para o projeto, numa concepção pedagógica de metodologia da problematização e de sistematização das experiências. Além disso, os estudantes e os preceptores desenvolviam atividades de pesquisa no território. Foram utilizados dados secundários do instrumento de avaliação do programa, respondido por 67 estudantes dos cursos de: Medicina, Enfermagem, Odontologia, Nutrição, Fisioterapia e Educação Física. O instrumento foi construído e disponibilizado online na plataforma Google docs. Todos os estudantes participantes do programa foram convidados, por meio de e-mail, para realizarem a avaliação. Quando os estudantes acessavam a página com o instrumento, a página de rosto lhes esclarecia que as informações fornecidas por eles poderiam ser utilizadas para pesquisas e que o anonimato das respostas seria garantido. Aqueles que aceitaram esses termos, depois de clicarem no comando “aceito participar da avaliação”, acessaram e responderam ao instrumento. O instrumento foi composto por treze questões, sendo 12 objetivas e uma subjetiva. O presente estudo analisou apenas a questão subjetiva referente à contribuição do PET-Saúde da Família para a formação dos estudantes, a saber: “Como o PET-Saúde da Família contribuiu para a sua formação”? O material foi sistematizado e categorizado para compor um banco de dados. As categorias de análise foram o trabalho interprofissional e a integração ensino-serviço. O método de análise foi o de conteúdo de Bardin17. Buscou-se compreender os aspectos que compõem as categorias de análise considerando as opiniões mantidas (recorrentes) e, frequentemente, expressas, bem como os dissensos e consensos presentes nas discussões. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da UFPB, na observância da resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE).
Resultados e discussão Participaram do estudo 67 estudantes: 15 do Curso de Nutrição (23,4%), 13, do de Enfermagem (19,4%), 13, do de Odontologia (19,4%), 12, do de Medicina (17,9%), nove, do de Fisioterapia (13,4%), e cinco, do de Educação Física (7,5%). Nesse grupo, predominou o sexo feminino (73,3%), com média de idade de 22 e 23 anos (DP = 2,66); 55,2% estavam entre o segundo e o quinto períodos, e os demais, entre o sexto e o oitavo períodos do curso. A seguir, serão apresentados os
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resultados considerando-se as seguintes categorias de análise: Trabalho interprofissional e Integração ensino-serviço.
Trabalho interprofissional Trabalhar em equipe interprofissional significa atuar com profissionais de diversas áreas. Assim, entende-se por Educação Interprofissional (EI) aquela em que duas ou mais profissões aprendem com, a partir e sobre o outro, agindo de maneira colaborativa para melhorar o cuidado com a população10. Portanto, para que o trabalho interprofissional se concretize, não basta que os profissionais diversos estejam juntos, é preciso que tenham disponibilidade para interagir e participar de encontros para planejar suas ações e refletir sobre suas práticas. Alguns elementos são fundamentais para se implantar a atenção integral à saúde. A abordagem biopsicossocial é imprescindível para atender a todas as necessidades de saúde dos indivíduos e para que se efetive a interação entre diferentes núcleos profissionais. O trabalho interprofissional surge como ferramenta para tal implementação. Esta forma de agir foi citada frequentemente pelos estudantes como uma grande contribuição do programa para a formação, uma vez que possibilitou a troca de saberes entre estudantes e profissionais: “[...] o contato com profissionais e estudantes de outros cursos proporciona uma rica troca de conhecimentos e uma ampliação da visão de mundo e sociedade [...]”. (Estudante 47)
A educação tradicional e as práticas profissionais não favorecem a operacionalização dos princípios do SUS18. Barr19 assinala que a Educação Interprofissional inverte a lógica da educação verticalizada, conteudista e tradicionalmente estabelecida, na proporção em que promove o aprendizado em grupo sobre o trabalho conjunto e sobre o trabalho específico de cada profissão, aperfeiçoando o cuidado em saúde. Os estudantes ressaltaram, ainda, a importância da vivência entre estudante-estudante e estudante-trabalhador de outras profissões, promovida pelo PET-aúde da Família, tendo em vista que a matriz curricular dos cursos não oferece o elemento interprofissional no processo formativo ou oferta deficitariamente20, como pode ser observado a seguir: “A participação no projeto PET-SAÚDE proporcionou um conhecimento diferenciado daquele proposto na grade curricular do meu curso, pois permitiu a interação de estudantes de vários cursos de saúde assim como a troca valiosa de saberes, além de um maior contato com profissionais da atenção básica que contribuiu na minha formação e também me permitiu aprender com os estudantes [...]”. (Estudante 4)
Analisando o trabalho em equipe, Peduzzi21 expõe que o conceito de trabalho, na perspectiva habermasiana, é constituído de dois componentes – o trabalho como ação racional dirigida a fins e a interação – e que esses componentes se relacionam reciprocamente. A interação refere-se ao agir comunicativo, com vistas a um entendimento mútuo. É um elemento importante para a integração no trabalho em equipe. A interação mencionada na fala apresentada aponta nessa direção, uma vez que destaca a “troca de saberes” como um traço valioso da experiência. Alguns autores defendem a formação como nó crítico para a transformação da assistência à saúde. Para que ocorra tal mudança, o elemento interprofissional é fundamental no processo formativo, pois se opõe ao reducionismo da visão especializada18,22. Assim, o PET-Saúde da Família apostou no trabalho interprofissional como promotor de transformações na forma de pensar/agir a prática profissional, tendo em vista os benefícios gerados tanto para a população quanto para os estudantes: “Participando do PET nós temos a oportunidade de saber como é o trabalho em equipe, juntando o conhecimento de cada com um objetivo de favorecer a população [...]”. (Estudante 7)
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Reeves23 sugere que o trabalho interprofissional gera entusiasmo entre os estudantes, pois eles valorizam a oportunidade de se relacionarem com um grupo diversificado de profissionais. Porém, os estudantes apontaram que a existência de equipes “uniprofissionais” representa uma fragilidade do programa, o que interfere na motivação, consoante a seguinte afirmação: “[...] Com relação ao trabalho com estudantes de outros cursos tive pouca oportunidade, pois nos dois anos que participo do Pet sempre encerro o projeto com 1 estudante do meu curso e ninguém mais (Isso desestimula!!!)”. (Estudante 8)
A dificuldade de conciliar os horários dos estudantes, diante da extensa carga horária curricular, aliada à reduzida disponibilidade dos preceptores para recebê-los, é uma barreira que se apresenta para o projeto, especialmente durante o segundo período do ano, quando os horários dos estudantes mudam devido à mudança de semestre. Isso acaba se refletindo na composição das equipes e prejudicando a vivência interprofissional. O excesso de conteúdo teórico dos currículos da graduação em saúde foi apontado por Silva24 como um empecilho para a implantação de modificações curriculares, incluindo nesse grupo as estratégias de Educação Interprofissional, o que reforça o conteúdo do relatório do II Seminário Nacional do Pró-Saúde a respeito da inflexibilidade curricular20. É evidente que essa situação representa um obstáculo para operacionalizar as iniciativas interprofissionais como o PET-Saúde da Família, pois ainda se perpetua a ênfase nas práticas isoladas das profissões25. Nesse contexto, os participantes do programa exaltaram a importância de interagir com a ESF para suprir a necessidade de se inserir em uma equipe interprofissional durante a graduação, como se verifica no relato a seguir: “[...] Na USF que estou inserida tive a oportunidade de conhecer o processo de trabalho dos profissionais da equipe e conhecer o trabalho de outros profissionais de saúde. Considero que esse contato é muito interessante [...].” (Estudante 22)
Estar inserido em uma equipe, interagindo com profissionais e estudantes de diversas áreas, possibilitou, aos estudantes, reconhecerem a importância do trabalho interprofissional e o papel de cada um, preparando-os previamente para uma tendência do futuro profissional, tendo em vista a crescente complexidade da organização e da prestação do cuidado em saúde26. Segundo estudo feito por Silva et al.22, o preconceito de formar juntos profissionais que trabalharão juntos foi desfeito entre os estudantes. O trecho apresentado abaixo também reflete a valorização da atuação intercursos pelos estudantes: “[...] Acredito que a maior lição para nossa formação é que nós precisamos um do outro, e quando fazemos as coisas juntos, quando compartilhamos, todos saem ganhando [...]”. (Estudante 7)
De acordo com Peduzzi21, a ‘equipe integração’ se contrapõe à concepção de ‘equipe agrupamento’. Enquanto esta última se caracteriza pela fragmentação das ações, a equipe de integração é caracterizada pela articulação das ações e pela interação dos agentes que compõem a equipe. É possível identificar, nos relatos dos participantes, o reconhecimento da interdependência das profissões e, ao mesmo tempo, a valorização da autonomia de cada uma, características que caminham em direção à equipe de integração. Autores como Silva24, Silva et al.22 e Hafner et al.27 encontraram resultados positivos em experiências interprofissionais, no sentido de lograr mudanças na maneira de pensar dos estudantes, na perspectiva de valorizar o trabalho em equipe, de construir o respeito e de reconhecer o papel de cada um na produção do cuidado integral. Atualmente, as políticas de educação em saúde buscam incentivar a formação com base na integralidade, com o intuito de vencer o paradigma tradicional da organização do cuidado em saúde18. A reconfiguração sociopolítica que vem ocorrendo mundialmente não comporta mais o
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modelo assistencial de saúde que predominou no último século; por isso, o campo educacional deve acompanhar essa mudança, e o isolamento dos profissionais deve ser desestimulado em detrimento do desenvolvimento de competências e habilidades voltadas para o trabalho colaborativo28. A Educação Interprofissional e o trabalho em equipe almejado pelo PET-Saúde da Família contribuíram com a expansão da visão de cuidado. Nesse sentido, termos relacionados com o princípio do SUS – como integralidade, por exemplo, palavra polissêmica que traduz um olhar ampliado sobre a produção do cuidado29 – emergiram nos relatos: “[...] O fato de estar vinculada ao PET-saúde com estudantes de outros cursos me forneceu uma visão do cuidado integral do usuário [...]”. (Estudante 50)
Uma das características que sinalizam para a integração de uma equipe profissional é a elaboração de um projeto assistencial comum. Este projeto é construído com base nas necessidades de saúde identificadas pelos usuários e pelos profissionais, em um contexto de diálogo21. O registro seguinte ilustra essa perspectiva: “O trabalho interdisciplinar desenvolvido pelos estudantes mostra como o trabalho em equipe pode ser alcançado, e como os resultados são positivos quando pensa na contribuição de todos os saberes para disponibilizar uma assistência integral para um indivíduo, a partir da percepção das reais necessidades apresentadas”. (Estudante 42)
Conforme assinala Peduzzi21, “o trabalho em equipe ocorre no contexto das situações objetivas de trabalho” (p. 105), e é nesse mesmo espaço onde as mudanças no processo de trabalho podem acontecer. Destaca-se, então, a relevância da vivência interprofissional para impulsionar essas mudanças. Em meio a iniciativas pontuais de treinamento conjunto e aprendizagens compartilhadas, Batista25 considera o PET-Saúde da Família como um potencial espaço de Educação Interprofissional. A integração do interprofissionalismo na formação de profissionais de saúde se apresenta como uma estratégia para consolidar habilidades profissionais voltadas para o cuidado integral e, consequentemente, para a execução de práticas transformadoras, na perspectiva de mudar a realidade social e a saúde da população.
Integração ensino-serviço A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre a responsabilidade do Sistema Único de Saúde de ordenar a formação dos profissionais para a área da saúde30. Mais recentemente (entre os anos de 2005 e 2007), foi instituída uma parceria estratégica entre os Ministérios da Saúde e da Educação, na perspectiva de aperfeiçoar a formação inicial e os processos de educação permanente. O PET-Saúde da Família é fruto dessa ação intersetorial, com pretensões de potencializar a formação e a qualificação de trabalhadores do setor saúde. A inserção dos estudantes nas USF pressupõe o estabelecimento da articulação ensino-serviço, compreendida pela integração da universidade com os serviços de saúde, favorecendo os conhecimentos, as expectativas e as experiências dos estudantes no processo ensino-aprendizagem31. Nesse sentido, essa integração, oficialmente instituída, requer os esforços da Academia e dos serviços para obter sucesso, haja vista que a corresponsabilização dos pares favorece a ambos, no que concerne à transformação do processo formativo em saúde e ao aperfeiçoamento dos serviços públicos de saúde. Por suas características, a Atenção Primária à Saúde (APS) é considerada um cenário privilegiado para promover mudanças na formação20,32. Tendo em vista que, para se adequar aos novos padrões de produção do cuidado, a educação dos profissionais da saúde deve ser pautada em uma formação generalista, humanizada, inteirada com a realidade sociocultural da população e corresponsável pelo processo de saúde-doença do indivíduo e da coletividade. Assim, a parceria ensino-serviço é 810
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imprescindível para reorientar as práticas na formação em saúde, sobretudo quando a integração se processa nos centros de APS, devido à posição estratégica que ela ocupa na rede de atenção à saúde. Nessa perspectiva, não basta apenas transformar as práticas profissionais, é preciso estruturar o processo de trabalho a partir de sua problematização e estimular o desenvolvimento da autonomia das pessoas, consolidando uma concepção de que a produção de conhecimento deve estar intimamente ligada à realidade locorregional33. Ceccim et al.33 introduzem a ideia do quadrilátero da formação em saúde, afirmando que, para que o setor educação acompanhe as mudanças que vêm ocorrendo no setor saúde, é imprescindível não só uma integração entre os atores intrincados nesse processo, mas, também, o comprometimento de cada um deles com a formação de profissionais aptos a trabalharem no SUS. As estruturas de gestão da saúde, as instituições de ensino, os órgãos de controle social e os serviços de atenção são os vetores que compõem o quadrilátero e que devem trabalhar em um modelo de gestão colegiada onde todos são protagonistas. A interação com os profissionais das equipes de saúde, a inserção no processo de trabalho e o contato com a comunidade preparam os estudantes para o futuro profissional. As vivências nos períodos iniciais do curso nas USF são uma realidade para a maioria dos participantes desse programa. Segundo Morais et al.18, oferecer precocemente a inclusão do estudante no mundo do trabalho é dever da universidade e fundamental para uma formação generalista. O trecho apresentado a seguir ilustra essa questão: “O PET está contribuindo muito para minha formação acadêmica, principalmente no sentido de poder me fazer sentir integrante e atuante da atenção primária. Nunca participei de nenhum outro projeto de extensão até participar do PET, além do mais na grade curricular do curso de Fisioterapia o contato com a atenção básica acontece nos períodos mais a frente, até o 3º período só “estudamos a atenção primária e o SUS” sem nenhum contato real. Na USF que estou inserida tive a oportunidade de conhecer o processo de trabalho dos profissionais da equipe e conhecer trabalho de outros profissionais de saúde [...]. O que mais me motiva no PET é a vivência com a comunidade, esta vem sendo a experiência mais gratificante [...]”. (Estudante 22)
Um dos desafios destacados por Gil et al.34, no âmbito da integração ensino-serviço, é o aprofundamento das questões relativas à função dos trabalhadores da rede na formação em saúde e a importância da corresponsabilização dos serviços pela formação de profissionais da saúde. Em vários momentos, os estudantes citaram os profissionais de saúde como personagens importantes na interface ensino-serviço-comunidade, pois as experiências obtidas por meio do contato com os profissionais geraram aprendizado, reflexão e, até, frustrações, como se percebe nos seguintes relatos: “[...] Vale ressaltar também a contribuição dos profissionais das USF (Médicos, enfermeiros, técnicos, ACS), pois eles são responsáveis por grande parte do nosso conhecimento prático”. (Estudante 39) “[...] Observando os profissionais de saúde, temos a oportunidade de aprender a lidar com o usuário de forma humanizada ou até aprender o que não devemos fazer ao lidar com o usuário [...]”. (Estudante 38)
O último relato revela que ainda há certo despreparo por parte dos profissionais em relação à prática profissional, e, por consequência, também para intermediar as vivências dos estudantes nos cenários de atuação. Não obstante, tal trecho demonstra a capacidade crítica dos estudantes de distinguirem as atitudes mais adequadas frente ao usuário. Essa é uma das habilidades e das competências gerais expressas pelo artigo 4º das DCN. De outro lado, como a integração ensino-serviço é uma via de mão dupla, há que se evidenciar a contribuição dessa interface para a formação pedagógica dos profissionais, sobretudo dos preceptores, viabilizando o aperfeiçoamento e especialização em serviço destes35. Com efeito, alguns dilemas estão presentes na articulação ensino-serviço, especialmente no que tange à competência da ESF em estabelecer uma relação mútua de troca com os estudantes, em virtude: da execução de práticas
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reducionistas, da não-valorização do trabalho em equipe, resistência dos profissionais em relação à interação ensino-serviço, entre outros motivos. Isso se reflete na visão e nas experiências vivenciadas pelos estudantes, como se observa no seguinte trecho: “[...] Os funcionários da USF eram, em sua maioria, distantes de nós, pelo simples fato de que não gostam de estudantes [...]”. (Estudante 31)
É possível perceber que ainda há certa resistência, por parte dos profissionais dos serviços, em inserir os estudantes no processo de trabalho das equipes. Essa atitude, provavelmente, é fruto da visão, ainda influenciada pelo modelo biomédico, da passividade dos profissionais em relação às atividades integradas com a universidade, e da percepção distorcida do papel dos discentes e dos docentes nos serviços vistos como fiscalizadores20. Quando o estudante é inserido no processo de trabalho, passa a compreender a dinâmica dos serviços e visualiza o funcionamento de uma ESF. No PET-Saúde da Família, as atividades desenvolvidas nas unidades foram iniciadas pela cartografia para o reconhecimento do território, porém os estudantes e os preceptores ficavam livres para construir outras ações durante o período de vigência do programa. Logo, puderam ser desenvolvidas atividades preventivas, educativas, de promoção ou recuperação da saúde, com predomínio das primeiras. O trecho abaixo ilustra a vivência dos participantes na dinâmica de trabalho das ESF: “[...] permitiu compreender melhor o processo de trabalho das USF, o trabalho multiprofissional, a participação em atividades de grupo, visitas às famílias, realização de atividades educativas em creches, escolas, grupos de idosos e mulheres [...].” (Estudante 3)
Estar inserido nas USF possibilita, aos participantes do projeto, a aproximação com a realidade sanitária e social do país, em virtude do contato com a comunidade, onde pode ser visualizado o cerne de muitos problemas de saúde, mas, também, pode ser percebida uma riqueza cultural e de saberes imensurável. Portanto, a vivência nos territórios das ESF pode ofertar, aos futuros profissionais, a obtenção de experiências para além de um saber eminentemente técnico32. É o que revela o seguinte relato: “[...] Através das experiências que o Programa me proporcionou pude estar participando de eventos científicos e divulgando o quanto é importante, nós como estudantes, já estarmos inseridos nesse tipo de atuação para que possamos nos transformar em profissionais mais humanizados deixando as meras técnicas um pouco de lado e valorizando mais o ser humano em sua integralidade [...].” (Estudante 24)
Saber identificar as necessidades de saúde da população e ter uma visão ampliada do processo de saúde-doença para traçar estratégias de cuidado adequadas são algumas das competências estipuladas pelas novas DCN dos cursos da área de saúde. Nessa perspectiva, os participantes do programa assinalaram a relevância da inserção na comunidade, ao contrário dos resultados encontrados por Moretti-Pires36, que analisou o discurso de estudantes de três cursos da área da saúde, para identificar o perfil da formação profissional, e verificou uma visão ainda reducionista dos entrevistados, com foco no trabalho individual. Nesse contexto, os estudantes do PET-Saúde da Família destacaram a importância do estreitamento em sua relação com a realidade das periferias de João Pessoa, no sentido de conhecer de perto os condicionantes e determinantes sociais de saúde, como relata o estudante 42: “[...] Além disso, permitiu conhecer as possibilidades de cenários onde vivem os indivíduos no âmbito dos territórios das Equipes de Saúde da Família e os determinantes sociais que influenciam e afetam a vida de uma determinada população [...]”. (Estudante 42)
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Corroborando os resultados de Gil et al.34, que evidenciaram, em seu estudo, que a parceria ensino-serviço-comunidade favoreceu o desenvolvimento de habilidades voltadas para a humanização do atendimento e o cuidado centrado no paciente, o presente estudo sugere a adoção de uma postura dos participantes do programa adequada aos princípios e às diretrizes do SUS diante do processo de saúde-doença, por meio do contato com a comunidade. O trecho abaixo ratifica a influência positiva da relação mais próxima dos estudantes com a população, proporcionada pelo PET-Saúde da Família: “Aprofundamento do conhecimento sobre os serviços de saúde e como estes interferem na vida da comunidade. Aproximação do estudante com a população, fazendo com que o processo de humanização em minha formação seja muito mais significativo”. (Estudante 54)
São vantagens da articulação ensino-serviço a possibilidade de aplicar os conhecimentos teóricos nas experiências práticas e aprender com o que está além da teoria. Portanto, a valorização da oportunidade de produção/construção de conhecimentos nos cenários de prática foi ressaltada em vários relatos, o que se coaduna com os achados de Souza et al.(1)31, em que os sujeitos da pesquisa consideraram a prática a parte mais importante, ao proporcionar um olhar crítico sobre Sistema Único de Saúde, baseado no aprendizado contextualizado. O relato citado abaixo pontua essa questão: “[...] Ganhamos experiência quanto à realização das atividades dentro de uma USF, saímos do “nosso mundo” de dentro da universidade para nos deparar com a realidade de como é lá fora, na cidade, nos bairros. Isso nos enriquece bastante como futuros profissionais da saúde. Nós começamos a ter idéias novas sobre saúde, sobre o que a população sabe, pensa ou espera do sistema de saúde. [...]”. (Estudante 7)
O contato com a realidade oportuniza a vinculação da teoria às circunstâncias do cotidiano profissional37. O Programa de Educação pelo Trabalho investe na associação da teoria à prática para construir um conhecimento sólido, porquanto a dissociação delas limita o aprendizado, pois a prática possibilita a aplicação do conhecimento teórico-científico, além da construção e da troca de saberes e de experiências que ultrapassam o que está nos livros. Já a teoria dá suporte à prática para que ela se efetive.
Considerações finais Mudanças no modelo de atenção à saúde obrigam transformações, também, na prática profissional, que, por sua vez, requer mudanças no modo de pensar e de agir dos profissionais da área de saúde. Sendo assim, modificações nos processos formativos são iminentes. Os resultados apontaram para a importância do trabalho interprofissional e da integração ensino-serviço-comunidade, o que contribui para aproximar o estudante da realidade social e sanitária da população e do processo de trabalho dos serviços de atenção primária à saúde, extrapolando os limites da teoria por meio do contato com o cotidiano das USF. Tais ações têm o potencial de expandir a visão do processo de saúde-doença e a assistência integral na produção do cuidado. Pode-se, então, depreender que o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde caminhou em direção às novas DCN, a fim de auxiliar o processo de reestruturação da formação em saúde e o aperfeiçoamento do SUS. Algumas fragilidades foram evidenciadas pelos integrantes do programa, por exemplo, a dificuldade de estabelecer grupos interprofissionais e a resistência dos profissionais dos serviços de saúde em receber os estudantes. Essas são dificuldades decorrentes de problemas estruturados, como: formação incipiente para o atual Sistema de Saúde, deficiência no processo de educação permanente e matrizes curriculares com alta carga horária. A reconfiguração do Ensino Superior em saúde depende, em grande parte, de ações macropolíticas. Porém, para que mudanças estruturais ocorram, é necessário que os sujeitos envolvidos desejem realizá-las. Os estudantes do PET–Saúde da Família da UFPB se mostraram motivados a participar ativamente desse processo.
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Agradecimentos À Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, aos preceptores e aos demais profissionais das Equipes de Saúde da Família que receberam os estudantes do PET nas unidades de saúde.
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências
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Madruga LMS, Ribeiro KSQS, Freitas CHM, Pérez IAB, Pessoa TRRF, Brito GEG. El PET-Salud de la Familia y la formación de profesionales de la salud: la percepción de los estudiantes. Interface (Botucatu). 2015;19 Supl 1:805-16. Este estudio cualitativo tuvo como objetivo analizar la contribución del Programa de Educación en el Trabajo para la Salud (PET - Salud de la Familia) para la formación de los futuros profesionales de la salud de una universidad pública en el noreste de Brasil. Fueron utilizados datos secundarios del instrumento de evaluación semestral del programa, contestado por 67 estudiantes de Educación Física, Enfermería, Fisioterapia, Medicina, Nutrición y Odontología. Los resultados fueron organizados en dos categorías de análisis: el trabajo interprofesional y la integración enseñanza-servicio. El estudio reveló la importancia del trabajo interprofesional y colaborativo, de la integración enseñanza-servicio-comunidad y de la reflexión de las prácticas impulsadas por el PET - Salud de la Familia para el cambio en el proceso formativo en salud. Estrategias como ésta son esenciales para la formación y perfeccionamiento profesional en el Sistema Brasileño de Salud (SUS).
Palabras clave: Formación de Recursos Humanos. Integración Aprendizaje-Servicio. Educación Interprofesional. Atención Primaria de Salud. Integralidad en Salud.
Recebido em 15/07/2014. Aprovado em 13/08/2014.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0940
artigos
Educação interprofissional no Programa PET-Saúde: a percepção de tutores
Ana Maria Chagas Sette Camara(a) Suely Grosseman(b) Diana Lucia Moura Pinho(c)
Camara AMCS, Grosseman S, Pinho DLM. Interprofessional education in the PET-Health Program: perception of tutors. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:817-29.
The Minas Gerais Federal University (UFMG) PET-Health Program was the first institutional experience for education through work with interprofessional tutorial groups in a primary health care setting that involved all health courses. It was developed in Belo Horizonte health centers, Brazil, health centers from 2009 to 2011. The aim of this study was to evaluate how PET-Health teachers and tutors from UFMG understood the interprofessional educational process at PET-Health using the narratives of 14 PET-Health tutors. Majority of the teachers were pleased with the teaching-learning process in the service interprofessional groups and even considered it a challenging experience. The study identified key elements and allowed us to consider the UFMG PET-Health Program as a successful educational innovation and that primary health care was a favorable context for interprofessional education.
O PET-Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi a primeira experiência institucional de educação pelo trabalho em grupos tutoriais interprofissionais na atenção básica, envolvendo todos os cursos da saúde. Foi desenvolvido em centros de saúde de Belo Horizonte, Brasil, entre 2009 a 2011. O objetivo deste estudo foi compreender como os docentes/tutores do PET-Saúde da UFMG perceberam a Educação Interprofissional (EIP) presente no PETSaúde, a partir da narrativa de 14 tutores do PET-Saúde. A maioria dos docentes foi favorável ao processo de ensinoaprendizagem em grupos interprofissionais no serviço, mesmo considerando a experiência desafiadora. O estudo identificou elementos importantes e nos permite considerar o PET-Saúde na UFMG como inovação educacional exitosa, e a atenção básica um contexto favorável para a educação interprofissional.
Keywords: Health education. Teaching care integration services. Faculty. Health personnel.
Palavras-chave: Educação em saúde. Serviços de integração docente-assistencial. Docentes. Pessoal de saúde.
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(a) Departamento de Fisioterapia, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Pres. Antônio Carlos, 6627, campus Pampulha. Belo Horizonte, MG, Brasil. 31270-901. anasettecamara@gmail.com (b) Departamento de Pediatria, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil. sgrosseman@gmail.com (c) Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologia em Saúde/ PPGCTS, campus Ceilândia, Universidade de Brasília. Brasília, DF, Brasil. mourapinhodl@gmail.com
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Introdução A educação interprofissional (EIP), como estratégia educacional para desenvolver a prática colaborativa, está cada vez mais incorporada em programas de formação de profissionais de saúde1,2, e tem sido definida como “ocasião em que duas ou mais profissões aprendem com, para e sobre a outra para melhorar a colaboração e a qualidade dos cuidados”2 (p. 237). O objetivo da EIP é qualificar os alunos para o trabalho em equipe, na perspectiva colaborativa3-5. A EIP difere da educação profissional tradicional, pois a produção do conhecimento acontece a partir de interações com os outros profissionais e envolve atitudes e habilidades colaborativas únicas, e, portanto, ela requer um novo modo de pensar o processo de ensino-aprendizagem. A literatura4-6 propõe a psicologia social e a teoria da complexidade como orientadoras para o desenvolvimento e implementação de EIP. Três estratégias de aprendizagem fornecem um arcabouço teórico para o ensino da prática colaborativa interprofissional: a aprendizagem colaborativa6,7, a aprendizagem no serviço6,8 e a aprendizagem reflexiva6,9. A aprendizagem colaborativa é eficaz para ensinar o trabalho em equipe; apresenta a independência positiva, interação face a face, responsabilidade individual, habilidades interpessoais e de pequenos grupos, e o processamento de grupo. A aprendizagem no serviço (experiencial) é realizada no cenário de prática, dentro dos princípios da educação de adultos e formação profissional. Presume-se que a aprendizagem ocorra como um resultado de uma prática planejada, na qual a oportunidade de adquirir e aplicar conhecimentos, habilidades e sentimentos tem lugar em um cenário real, relevante. Kolb8 sugere um quadro de aprendizagem no cenário de prática com quatro fases: planejamento, observação, ação e reflexão. Os alunos planejam uma resposta à situação e, em seguida, implementam o seu plano. Por meio da observação e reflexão dessas experiências, desenvolvem-se regras, princípios e o aprendizado. Em vários países, experiências de EIP na graduação em saúde10-15 indicam mudanças no perfil dos profissionais de saúde, os quais tornam-se mais aptos para uma prática colaborativa no mundo do trabalho, que resulta em melhoria na assistência e resultados de saúde5,16. O papel do docente tem sido considerado determinante no êxito dessas experiências2,17,18. Estudos1,2,5,15,17 evidenciam que dificuldades na implementação e desenvolvimento da EIP são organizacionais, estruturais e atitudinais. O impasse atitudinal parece ser o mais difícil de se alterar. É por isso que a finalidade da EIP, em um primeiro momento, é limitar ou reduzir os preconceitos que possam existir entre os profissionais, e, em um segundo momento, buscar reduzir o desconhecimento sobre os papéis e as funções dos outros profissionais, e, assim, aumentar o conhecimento e a compreensão dos outros. Em um terceiro momento, objetiva-se melhorar o trabalho em equipe e as competências colaborativas. Para Carbonell Sebarroja19, a inovação educativa está vinculada à mudança, e caracteriza-se como: um conjunto de intervenções, processos e decisões que buscam modificar atitudes, ideias, culturas, modelos e práticas pedagógicas, introduzindo novos projetos curriculares, programas e estratégias de ensino-aprendizagem, uma outra forma de gerir o currículo, a escola e a dinâmica da sala de aula. Segundo esse autor,19 o desenvolvimento da inovação, a partir do professor, tende a acontecer quando ele exerce sua prática com paixão e compromisso pelo magistério, e, sendo assim, a ação inovadora não é algo que ocorre involuntariamente. A relação entre a inovação educacional e a formação docente é determinante no sucesso das políticas educacionais. No Brasil, entre os mecanismos para introduzir a EIP nos cursos de graduação em saúde, destaca-se o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde do Ministério da Saúde (PET-Saúde)20, destinado a fomentar grupos interprofissionais de aprendizagem tutorial pelo trabalho, visando à formação dos profissionais da saúde para uma prática colaborativa, necessária para a integralidade do cuidado, um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta é aproximar o estudante de processos de trabalho comuns a todos os profissionais da saúde, não só os específicos de sua área de formação, no período de um a dois anos. Esta aproximação acontece em grupos de estudantes de diversos cursos e promove experiências interprofissionais. A tutoria e preceptoria desses grupos interprofissionais é realizada por profissionais e docentes de diferentes áreas da saúde. Essa é uma política pública que
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exige o fortalecimento de uma prática acadêmica integrada aos serviços de saúde, atendendo às demandas da sociedade, visando que se restabeleça a coerência entre a formação do profissional da saúde e o SUS. Embora as atividades de EIP estejam sendo introduzidas para alunos de graduação de saúde em todo o Brasil, ainda não foi possível avaliar a atitude dos docentes frente a essa intervenção educativa. O PET-Saúde de Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)21 foi a primeira experiência institucional de educação pelo trabalho em grupos tutoriais interprofissionais na atenção básica, envolvendo todos os cursos da saúde (Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia e Terapia Ocupacional), e foi desenvolvido nos centros de saúde de Belo Horizonte entre 2009 a 2011. No biênio 2010/2011 participaram 21 tutores, 84 preceptores, 168 bolsistas e um número variável de estudantes voluntários. A definição dos professores considerou sua afinidade com a proposta e sua inserção docente na atenção primária; os preceptores foram selecionados entre aqueles atuantes junto à Estratégia de Saúde da Família. As bolsas dos estudantes foram distribuídas proporcionalmente entre todos os cursos. A estrutura do projeto da UFMG, assim como o modelo teórico- educacional, está demonstrada na Figura 1.
Figura 1. Estrutura e modelo teórico do PET-Saúde UFMG
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Estudos que exploram a disponibilidade dos docentes e profissionais à EIP2,5,12,17 sugerem uma atitude positiva e receptiva. Valorizar a complexidade das adaptações e incorporações das estratégias de EIP no processo de trabalho docente, nos parece um potente mecanismo para identificar as possíveis implicações entre os objetivos da EIP enquanto inovação educacional e a maneira como cada docente, a partir de sua experiência, os transforma na sua prática pedagógica. Assim, o objetivo deste estudo foi compreender como os docentes/tutores do PET-Saúde da UFMG perceberam a EIP na atenção básica presente no PET- Saúde.
Percurso metodológico Optamos por utilizar os pressupostos metodológicos da pesquisa de abordagem qualitativa de cunho narrativo22-24 por entendermos que a narrativa possibilita dar voz e proporcionar tempo para que os docentes narrem suas próprias histórias profissional e pessoal a partir da ótica com que as percebem. No campo da educação, as narrativas têm sido utilizadas na construção de conhecimentos sobre o desenvolvimento pessoal e profissional de capacidades e atitudes de professores25,26. Segundo Reis27, a narrativa dos professores é algo mais do que um relato dos acontecimentos. É momento de reflexão sobre sua experiência e uma oportunidade de reconstrução de suas práticas. O estudo foi desenvolvido com tutores do Pet-Saúde UFMG (2009 e 2010-2011). Todos os 21 tutores foram convidados a participar do estudo por representarem todos os cursos de graduação da área da saúde e terem orientado grupos interprofissionais por 1 ano ou mais no projeto. Esta opção se deu pelo interesse nas pessoas que realmente estiveram envolvidas com a questão em estudo22,24,28. A coleta de dados ocorreu nos meses de outubro e novembro de 2012 e foi realizada por meio de entrevista semiestruturada. As questões norteadoras foram: 1 Como foi a experiência de tutoria dos grupos interprofissionais do Pet-Saúde? 2 Quais foram os desafios? 3 Quais foram os facilitadores? 4 Quais estratégias pedagógicas foram utilizadas? As entrevistas foram realizadas por dois entrevistadores contratados e realizadas nos espaços e horários definidos pelos docentes, no intuito de favorecer um clima favorável e ambiente natural em que realizavam suas práticas. As narrativas foram gravadas e transcritas. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados colhidos foram analisados separadamente por três pesquisadores, que identificaram categorias e temas consensuais, com base na Análise Temática de Conteúdo proposta por Minayo29, que operacionalmente desdobra-se em pré-análise, exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados obtidos/interpretação. A etapa da pré-análise compreende a leitura flutuante, constituição do corpus, formulação e reformulação de hipóteses ou pressupostos. A leitura flutuante requer do pesquisador o contato direto e intenso com o material de campo, em que pode surgir a relação entre as hipóteses ou pressupostos iniciais, as hipóteses emergentes e as teorias relacionadas ao tema. Finalmente, o pesquisador realiza a classificação e a agregação dos dados, escolhendo as categorias teóricas ou empíricas, responsáveis pela especificação do tema. A partir daí, ele propõe inferências e realiza interpretações, inter-relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente, ou abre outras pistas em torno de novas dimensões teóricas e interpretativas, sugeridas pela leitura do material.
Os tutores e sua percepção sobre o processo vivenciado no PET-Saúde O perfil dos participantes Participaram 14 docentes, dos 21 docentes convidados (dois de enfermagem, um de fonoaudiologia, cinco de medicina, um de medicina veterinária, dois de nutrição, dois de odontologia e um de terapia ocupacional). Três homens e 11 mulheres. Todos tinham doutorado, com tempo médio de atividade docente de 14 anos. 820
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Os demais docentes não participaram por incompatibilidade de agenda, a saber: três do curso de medicina, um de medicina veterinária, um de odontologia, um de educação física, e um do curso de fisioterapia, este por integrar o grupo de pesquisadores. A disponibilidade dos docentes Os docentes fizeram uma retrospectiva de suas vidas profissional e acadêmica, sua motivação, e dos fatos vivenciados no PET-Saúde, suas incertezas sobre os caminhos eleitos e até uma certa surpresa com os resultados alcançados. Alguns agradeceram a oportunidade de manifestar livremente sua opinião e impressões sobre a experiência, e outros se surpreenderam com o fato de sua prática profissional ser de interesse na produção de conhecimento. A motivação, o conhecimento prévio e a experiência em tutoria foram fatores de envolvimento com o projeto. Para uns, o grande motivador foi o desafio ao novo, aliado à paixão pela docência e oportunidade de realização profissional, enquanto, para outros, a motivação era o próprio SUS e a sua consolidação. A maioria dos docentes foi favorável ao processo de ensino-aprendizagem em grupos interprofissionais no serviço na atenção básica, mesmo considerando a experiência desafiadora, trabalhosa e extremamente difícil. Refletiram que ela foi uma oportunidade de aprendizado e aproximação entre os docentes dos cursos, profissionais do serviço e estudantes, o que gerou satisfação, sentimento de realização, crescimento pessoal e profissional, como ilustrado a seguir: “[...] Olha, foi extremamente interessante. Tanto no convívio com os alunos que eram de diferentes áreas – e isso no início foi um desafio – [...] mas teve um lado também muito interessante na relação com o serviço, porque eu também convivia com preceptores de diferentes categorias... médicos, enfermeiros, e com a própria gerente da unidade. Então pra mim foi um crescimento muito grande... poder perceber o momento de cada um, os interesses de cada um e como que juntos a gente podia trabalhar em função do crescimento, tanto do serviço quanto dos profissionais como dos alunos...”. (tutor 4)
A insegurança frente ao novo e ao desconhecido, a visão ainda corporativa do trabalho no campo da saúde provocou, em um dos entrevistados, desconforto e desconfiança. “[...] É...bom, eu vou começar com um diagnóstico final assim... não me senti confortável. É uma experiência que eu teria que rever, reestudá-la pessoal e institucionalmente, se necessário... eu deveria reestudá-la porque eu acho que ela deveria de ter outras direções... Eu não sei se foi a questão multiprofissional, mas eu tenho de colocar da dificuldade de multiprofissional, a ausência de outras diretrizes, de outras direções”. (tutor 11)
Facilitadores para o desenvolvimento do projeto Os docentes que já tinham experiência prévia de tutoria, atuação na atenção primária e já faziam uso de metodologias ativas relataram mais facilidade na condução do projeto. A motivação de todos os envolvidos, o apoio do serviço, a receptividade dos profissionais e usuários das unidades de atenção básica, o trabalho colaborativo, o contato diário com a rede de saúde, a disponibilidade dos estudantes, os cursos de capacitação promovidos pela coordenação do projeto e a metodologia utilizada na condução dos grupos foram, também, identificados como facilitadores. “[...] eu tinha algumas questões pedagógicas e tudo mais, mas a formação que eu tive pra ser professora foi toda prática no sentido de dar aulas no mestrado, dar aulas no doutorado, tudo prático. Acho importante falar do curso de capacitação dos preceptores que a gente participou como orientador de aprendizagem... foi onde aprendi muita coisa... Ele foi um facilitador por trazer questões que a gente vivencia, que a gente faz e nunca deu nome... não é que a gente
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nunca ouviu falar, mas nunca aprofundou. Foi onde aprendi sobre tutoria, aprendizagem de adultos e metodologias ativas, que já estávamos fazendo intuitivamente”. (tutor 8)
O perfil dos estudantes também foi apontado como um facilitador, pois, além de motivados, eles eram abertos para o novo. Os estudantes mais novos eram mais disponíveis, e os mais avançados em seus cursos compartilhavam suas experiências e contribuíam muito com todo o grupo e com o serviço. Promoveram reflexões sobre o processo de trabalho dos profissionais, sobre a gestão e estrutura dos serviços de saúde. A convivência entre profissionais e estudantes de áreas diferentes promoveu uma reflexão sobre papéis profissionais, diminuindo o preconceito e as diferenças. Os docentes e preceptores aprenderam muito com os alunos, sobretudo novas tecnologias de comunicação. “[...] Então assim, os alunos questionavam muito a rotina do trabalho, de uma forma bem tranquila, entendeu? E isso fazia com que os profissionais pudessem refletir sobre a sua prática [...] e o melhor foi a oportunidade dos alunos vivenciarem o serviço, essa integração com os profissionais e usuários, fez com que os alunos pudessem conhecer de perto o nosso sistema de saúde, a nossa rede municipal e também um pouco da atuação de profissionais de outras áreas”. (tutor 9)
O perfil do coordenador do projeto e sua forma de conduzir o grupo de tutores e as demandas de todos os envolvidos foram ressaltados como determinante do sucesso do projeto. O estilo de liderança foi a referência para os demais tutores, servindo como modelo de condução de um grupo com diversidade. As reuniões quinzenais com todos os tutores mantiveram a coesão e motivação do grupo de tutores e serviu como espaço de trocas de experiência e alinhamento metodológico dos grupos tutoriais. “[...] foi fundamental para o sucesso do trabalho interprofissional a condução da coordenadora do PET que foi o ponto-chave para que as coisas não “desandassem” ao longo do percurso. Foi tão difícil o início do processo, foi tão trabalhoso e tão perdido, que se não fosse a presença dela, a gentileza, as suas qualidades que eu acho que têm que ser ressaltadas: gentileza, simpatia e trabalho são o sobrenome dela, ela foi muito dedicada. Então eu acho que se não fosse esse tipo de condução que ela teve, talvez o grupo teria sofrido perdas, pessoas boas e que estavam ficando desmotivadas porque realmente a gente tinha um norte muito pequenininho pra gente conseguir encontrar”. (tutor 10)
O sucesso das iniciativas do PET-Saúde tem sido atribuído ao trabalho individual e à motivação dos docentes envolvidos, que contam com pouco ou nenhum apoio institucional. Os resultados encontrados sugerem a necessidade de maior envolvimento institucional, para evitar o amadorismo ou processos assistemáticos, e para fortalecer as ações de EIP desenvolvidas nos projetos.
Fatores que dificultaram o desenvolvimento do projeto A falta de uma direção clara e objetiva do PET-Saúde e dúvidas sobre a efetividade do projeto, da sua capacidade de promover os resultados pretendidos foram críticas ao processo e ao projeto. Também foram listadas a estrutura rígida da universidade, a pouca disponibilidade de horário dos alunos e a dificuldade de comunicação com a gestão municipal. Mesmo tendo uma Comissão Executiva, com representantes da universidade e da gestão municipal, o contato com os gestores locais foi difícil e muitos gerentes dos centros de saúde desconheciam o projeto ou não se comprometiam com as atividades, como se o projeto fosse apenas da universidade e não uma parceria ensino-serviço. “[...] Outro dificultador, talvez o mais importante, foi a não integração com a gerência do centro de saúde... o PET acho que ele traz consigo esse problema...ele acaba sendo um projeto das pessoas, mas é um projeto da instituição, né? O gerente vai abraçar o PET de acordo com
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a sua disponibilidade pessoal, mas ele não encara aquilo como um projeto da unidade... da mesma forma, os departamentos e professores da universidade também não liberam os alunos para participarem das atividades...”. (tutor 1)
A burocracia universitária limitou muitas iniciativas e propostas que surgiram no desenvolvimento do projeto, dificultou a criação de disciplinas compartilhadas entre os diversos cursos e os departamentos pouco valorizaram as atividades de EIP desenvolvidas pelos docentes no projeto. A falta de recursos de financiamento para as atividades de pesquisa e intervenções propostas foi, definitivamente, um dos maiores desafios, exigindo uma mobilização da Coordenação do PET-Saúde junto às Pró-Reitorias de Graduação, de Pesquisa e de Extensão. A rede municipal de saúde não disponibilizou nenhum recurso para as atividades específicas do PET-Saúde, que foram, muitas vezes, financiadas pelos tutores, preceptores e estudantes.
Desafios vivenciados Foram diversos os desafios vivenciados pelos docentes: participar de um projeto novo, sem roteiro específico, foi como se lançar para o desconhecido e assumir os riscos; orientar grupo interprofissional; integrar ações com o serviço; e a inexperiência de tutoria na atenção primária. “[...] Porque na verdade eu me deparei com uma situação que eu nunca tive uma oportunidade prévia de me preparar e sem assim conhecimento do que exatamente eu iria enfrentar. E foi o tipo da coisa que eu aprendi fazendo mesmo”. (tutor 3) “[...] A tutoria multiprofissional, no início foi um desafio. Tem até um fato muito interessante no meu grupo. Escutei uma conversa entre os estudantes de medicina, logo no início do PET-Saúde quando um dos alunos falou assim: “entrei no PET, mas a minha tutora não é médica... mas graças a Deus consegui um preceptor médico. Ele era bolsista do meu grupo, e era um aluno ótimo. De maneira interessante, este aluno permaneceu no grupo por um ano e meio e fez um relato no seu portfólio que muito me emocionou: “ainda bem que fiquei com um tutor de outra área porque além de aprender coisas novas, ampliei meu olhar e pude produzir com colegas de outras áreas. Vou ser um médico melhor”. (tutor 12)
O desconhecimento da EIP e de seus pressupostos teóricos, foi o superado com o apoio das reuniões quinzenais da Coordenação com o grupo de tutores, com as trocas de experiências e alinhamento metodológico sobre aprendizagem de adultos, tecnologias de trabalho em equipe e avaliação formativa. Foi um trabalho colaborativo e um espaço importante de reflexão sobre a formação e desenvolvimento de uma linguagem comum.
Oportunidades percebidas O desafio foi disparador de novas estratégias de trabalho docente e de reflexão sobre a articulação de suas atividades e saberes com as experiências dos outros profissionais do grupo tutorial e com o contexto dos docentes de diversos cursos. Mesmo relatando dificuldade em lidar com incertezas, a maioria dos docentes encontrou um caminho e acabou considerando um processo muito produtivo e gratificante. O PET-Saúde provocou uma mudança no olhar sobre a relação dos docentes com os seus alunos e alunos de variados cursos, com os outros profissionais, sobre o serviço, o processo de ensinoaprendizagem e o cuidado. Orientar alunos de outros cursos despertou interesse sobre outras áreas e ampliou a discussão e as possibilidades de ação. A convivência com o serviço, a aproximação com a comunidade e com as demandas dos usuários despertou o interesse por novas estratégias, assim como a admiração pelo trabalho dos agentes comunitários de saúde que se revelaram como atores estratégicos no projeto.
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“[...] eu ouvi vários depoimentos dos alunos em outras disciplinas do curso dizendo que o PET foi importante porque eles conheceram de perto o NASF, os centros de saúde, as academias da cidade, sempre acompanhados pelos ACS, que traziam experiências tão distintas pra nós de vivência porque a todo instante do nosso dia a dia eles estavam presentes... e fazendo coisas diferentes... de visitas domiciliares ao acolhimento”. (tutor 8)
O aprendizado sobre o serviço, sobre o SUS e a atenção primária foi um aspecto importante registrado pelos docentes, confirmando o que já vem sendo evidenciado na literatura12,13,16, ou seja, que a atenção básica é um rico cenário para a EIP. A percepção da importância do saber-fazer e do conhecimento específico do profissional do serviço estabeleceu novas formas de interação entre docentes e profissionais do serviço. “[...] nas reuniões eu escutava e aprendi muito com os preceptores nesse primeiro ano. Muita coisa sobre o SUS que eu não sabia eu aprendi com eles. Nisso eu comecei a colocá-los também pra ensinar pra gente. Então houve as primeiras reuniões de apresentação de palestras, que hoje eu aprendi que elas chamam reuniões dialogadas, que não são palestras, mas são rodas de conversa conduzidas pelos preceptores... sobre atenção primária, sobre a rede de fluxos dentro da secretaria de saúde, sobre o próprio SUS [...] e isso tudo pra mim era novidade e eu acho que foi uma forma, uma estratégia pedagógica, pra poder nivelar o grupo e ver onde que a gente podia avançar, onde que a gente podia voltar e repetir... eu achei que foi bom”. (tutor 10)
Uma das oportunidades importantes percebidas pelos docentes foi a possibilidade de novas parcerias institucionais e continuidade das atividades iniciadas pelo PET-Saúde em novos projetos de ensino, pesquisa extensão. “[...] Eu só queria falar da relevância também da gente ter aprendido a trabalhar em parceria com outros colegas da UFMG e com os profissionais da rede. Eu acho que isso também é um diferencial que não pode ser desconsiderado, sabe? Porque efetivamente a distância da universidade com o serviço ela é muito ruim, negativa, e quando a gente se aproxima dá pra gente notar isso de forma mais clara”. ( tutor 14)
A gestão compartilhada do projeto transformou docentes, preceptores e estudantes protagonistas do projeto, desde a concepção até a análise dos resultados. Os docentes envolvidos desenvolveram competências para o trabalho com grupos e, no final do projeto, mostraram-se capacitados e polivalentes, capazes de atuar em equipes interdisciplinares, em diferentes níveis de atenção, adequando seus saberes de acordo com diferentes situações na busca da construção coletiva do conhecimento para solução de problemas que se apresentam cada vez mais complexos.
Atividades realizadas e estratégias pedagógicas A coordenação promoveu atividades de capacitação e aprofundamento em temas diversos no sentido de qualificar o grupo para as atividades de pesquisa, de ensino e intervenção na atenção primária. Estas atividades aconteceram, também, de acordo com a demanda de cada grupo tutorial. A realidade vivenciada pelos estudantes nos centros de saúde foi o elemento disparador de aprendizagem e, também, da reflexão sobre a produção de cuidados. Os docentes fizeram uso de muitas estratégias de ensino- aprendizagem, ou de forma intuitiva ou a partir da construção coletiva entre os demais tutores e preceptores. Aprenderam e aplicaram metodologias ativas e muitos instrumentos de avaliação, adotando o portfólio para avaliação formativa dos estudantes e preceptores. Para os docentes inexperientes em tutoria, esse processo de construção coletiva se tornou indispensável. As reuniões regulares entre a coordenação e tutores, e as reuniões específicas de cada grupo tutorial, foram consideradas essenciais para o projeto, sendo espaço de construção coletiva e avaliação 824
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de todo o processo, momento de troca de experiências, saberes e reflexão. A partir da identificação das necessidades, se estabeleciam os pactos do grupo, como a negociação de espaços, horários e tecnologias adequadas para as atividades no serviço e no projeto. “[...] Eu vejo pelos meus preceptores, os caminhos que eles foram escolhendo... e em muitas reuniões a gente fez um balanço, sobre nós... sobre nossa formação, sobre o nosso grupo. E eram momentos importantes... às vezes a gente dá muito pouca importância à essa estratégia educativa, de se avaliar, de se rever...e foram muito importantes para as pessoas reconhecerem seu potencial, suas falhas, o quê que precisa ser melhorado... então eu acho que isso também foram os momentos principais do projeto”. (tutor 6)
A incorporação das “rodas de conversa” foi um dispositivo considerado fundamental e estratégico. Todos aprenderam muito, inclusive, sobre a importância de um projeto terapêutico singular e tomada de decisão compartilhada. O uso do portfólio, como instrumento de avaliação formativa promoveu um melhor acompanhamento de cada estudante, e da capacitação dos preceptores. “[...] eu achei essa experiência riquíssima dos estudantes apresentarem o portfólio para os outros... E eles se deram conta de que de uma mesma visita eram narrados aspectos completamente diferentes... E eu não falei nada... eles disseram: nossa, mas que coisa interessante! Olha o quê que você falou, nada disso eu prestei atenção!! E como é que tudo isso que você está falando é importante, interessante e relevante!!!”. (tutor 14)
Os tutores demonstraram consciência profissional à medida que reconheceram a oportunidade de troca de conhecimentos e crescimento profissional, identificando, ainda, a possibilidade de conhecer outras realidades formativas e outras práticas clínicas. O projeto favoreceu o conhecimento sobre outras profissões e discussão sobre papéis profissionais, o que é um dos elementos centrais da prática colaborativa, objetivo final da EIP.
Um olhar sobre as experiências A literatura1,2,5,12 indica que o sucesso de iniciativas de EIP pode depender de uma cultura que reflete e promove uma prontidão para a mudança e educação permanente e a capacidade de identificar melhorias nas relações interprofissionais, no processo de trabalho e em melhores resultados para os pacientes2,4,30,31. Os resultados encontrados indicam, assim, que o PET-Saúde é um contexto favorável, uma vez que o envolvimento do docente e sua capacidade de criação e adaptação frente à adversidade, e a melhoria na colaboração entre os atores envolvidos são os que mais se destacaram. O desenho do projeto, os estudantes em pequenos grupos, a interação com profissionais de serviço e usuários tornaram o programa em uma experiência única e desafiadora. A partir dos relatos, temas importantes emergiram, identificando, na proposta de EIP do PET-Saúde, indicadores de inovação educacional que corroboram os achados de estudos nacionais e internacionais2,5,32,33. Albuquerque et al.34 definem como integração ensino-serviço: “o trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formação na área da saúde com trabalhadores que compõem as equipes dos serviços de saúde, incluindo-se os gestores, visando à qualidade de atenção à saúde individual e coletiva, à qualidade da formação profissional e ao desenvolvimento/ satisfação dos trabalhadores dos serviços” (p. 357); e propõem os espaço de integração ensinoserviço como cenários privilegiados de formação dos profissionais da saúde. De fato, nossos resultados indicam que estar no cenário real possibilitou uma aprendizagem espontânea, constante e crítica, possibilitando momentos ricos de problematização e reflexão sobre a prática profissional, constituindose, assim, um espaço de diálogo entre o trabalho e a educação, podendo o estudante perceber o cotidiano do cuidado. Facilitou a construção de perspectivas ampliadas sobre a complexidade do campo da saúde, que exige um modo de organização mais centrado no usuário, e não somente na técnica e no procedimento. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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Assim como identificado nos estudos de Olson e Bialocerkowski2 e Bennett et al.17, é importante e necessária uma liderança presente, coordenando os projetos com um estilo de liderança apreciativa, pois a complexidade da atividade requer acompanhamento e avaliação permanentes. Os resultados sugerem uma série de estratégias pedagógicas potentes, para facilitar a aprendizagem de colaboração interprofissional e ultrapassar barreiras estruturais e funcionais, encontradas nos ambientes educacionais e na prática clínica, que também foram identificadas em outros estudos2,5,17: ensino no cenário real de prática, pequenos grupos tutoriais, metodologias ativas e rodas de conversa. As barreiras identificadas para a incorporação de atividades de EIP nos cursos foram: a pouca disponibilidade de horários dos alunos, a burocracia universitária e a comunicação precária entre docentes do próprio curso e de outras disciplinas, reforçando os resultados de Olson e Bialocerkowski2, Bennett et al.17 e Barnsteiner et al.35. O mérito acadêmico centrado na produtividade em pesquisa também tem sido identificado como desafio para a captação de outros docentes para iniciativas de EIP15,36, o que nos faz refletir sobre a lógica do ensino universitário brasileiro, em suas estruturas e processos, e o mérito acadêmico. Os resultados evidenciam aspectos importantes para o debate: por um lado, a estrutura das IES; e, por outro, a frágil legitimidade do programa pelos serviços de saúde. Ambas estão assentadas na lógica do apoio institucional, mas são cenários distintos, com diferentes possibilidades de enfrentamento dos desafios. O apoio institucional é de fundamental importância para o êxito da EIP, pois a integração ensino-serviço-comunidade e mudanças na estrutura universitária são ainda grandes desafios. O estudo identificou elementos importantes de inovação educacional apontados na literatura19,32,33, e nos permite considerar a proposta de EIP do PET-Saúde como inovação educacional exitosa. O desenvolvimento do projeto em grupos interprofissionais envolveu um conjunto de intervenções, processos e decisões que buscaram modificar atitudes, ideias, culturas, modelos e práticas pedagógicas. A motivação e compromisso dos docentes foram características importantes, assim como o protagonismo, compreendido como a participação dos docentes, estudantes e profissionais nas decisões pedagógicas, e a valorização da produção pessoal, original e criativa, estimulando processos intelectuais mais complexos e não repetitivos. O projeto estimulou: a reconfiguração de saberes relacionados com o ensinar e o aprender; a reorganização da relação teoria/prática, rompendo com a clássica proposição de que a teoria precede a prática; a necessidade da aprendizagem constante e da reflexão sobre a realidade, com cidadania e solidariedade social; além de se constituir em espaço de pesquisa, como espaço de construção de conhecimento interdisciplinar, como espaço de desenvolvimento de aprendizagem e como espaço e tempo de uso das tecnologias de informação e comunicação. A proposta de EIP no PET-Saúde na atenção primária se configura como uma prática educacional inovadora, potente para sensibilizar os envolvidos para a redução dos preconceitos que possam existir entre os profissionais, e reduzir a ignorância dos papéis e funções dos outros profissionais, assim como promover o desenvolvimento de competências colaborativas, objetivos centrais da EIP. O estudo tem algumas limitações, entre elas, a seleção da amostra. Ela foi intencional, porque nos interessava docentes diretamente envolvidos. No entanto, somente alguns professores do corpo docente demonstraram interesse em participar do projeto PET-Saúde, havendo uma notável resistência de professores à integração da EIP no currículo. Há evidências de viés de gênero na amostra, prevalecendo docentes do sexo feminino. Pesquisas futuras devem também se concentrar tanto no desenvolvimento do corpo docente para a EIP, como na avaliação do desenvolvimento das competências colaborativas nos estudantes participantes das atividades de EIP. Estudos sobre a complexidade da comunicação e liderança devem ser desenvolvidos, pois a importância da coordenação e problemas de comunicação foram revelados neste estudo. Enfim, os achados empíricos deste estudo identificam alguns aspectos que obstaculizam o alcance de melhores resultados a partir das experiências vividas no PET-Saúde, convocando as instituições envolvidas com os programas ministeriais a assumirem responsabilidades maiores com a sustentabilidade dos mesmos. A percepção dos tutores sob essa questão parece ser estratégica para recuperar a relação do PET-Saúde com o projeto formativo dos cursos. 826
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artigos
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. World Health Organization. Learning together to work together for health: report of a WHO Study Group on multiprofessional education of health personnel: the team approach. Geneva: World Health Organization; 1988. (Technical report series, vol. 769). 2. Olson R, Bialocerkowski A. Interprofessional education in allied health: a systematic review. Med Educ. 2014;48(3):236-46. http://dx.doi.org/10.1111/medu.12290 3. Cooper H, Spencer-Dawe E, Mclean E. Beginning the process of teamwork: design, implementation and evaluation of an inter-professional education intervention for first year undergraduate students. J Interprof Care. 2005;19(5):492-508. http://dx.doi. org/10.1080/13561820500215160 4. Thistlethwaite J. Interprofessional education: a review of context, learning and the research agenda. Med Educ. 2012;46(1):58-70. http://dx.doi.org/10.1111/j.13652923.2011.04143.x 5. Reeves S, Goldman J, Gilbert J, Tepper J, Silver I, Suter E et al. A scoping review to improve conceptual clarity of interprofessional interventions. J Interprof Care. 2011;25(3):167-74. http://dx.doi.org/10.3109/13561820.2010.529960 6. Sargeant J. Theories to aid understanding and implementation of interprofessional education. J Contin Educ Health Prof. 2009;29(3):178-84. http://dx.doi.org/10.1002/ chp.20033 7. Johnson DW, Johnson RT, Smith KA Cooperative learning returns to college: what evidence is there that it works? Change. 1998;30(4):26-35. http://dx.doi. org/10.1080/00091389809602629 8. Kolb DA. Experiential learning: experience as the source of learning and development. Englewood Cliffs: Prentice-Hall; 1984 [acesso em 4 jan 2015]. Disponível em: http:// academic.regis.edu/ed205/kolb.pdf 9. Schön DA. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed; 2000. 10. Hind M, Norman I, Cooper S, Gill E, Hilton R, Judd P, Jones S. Interprofessional perceptions of health care students. J Interprof Care. 2003;17(1):21-34. http://dx.doi. org/10.1080/1356182021000044120 11. Freeth D, Hammick M, Reeves S, Koppel I, Barr H. Interprofessional education: development, delivery and evaluation. Oxford: Blackwell; 2005. 12. Barr H, Koppel I, Reeves S, Hammick M, Freeth D. Effective interprofessional education: argument, assumption, evidence. Oxford: Blackwell Publishing; 2005. 13. McNair R, Stone N, Sims J, Curtis C. Australian evidence for interprofessional education contributing to effective teamwork preparation and interest in rural practice. J Interprof Care. 2005;19(6):579-94. http://dx.doi.org/10.1080/13561820500412452 14. Goelen G, De Clercq G, Huyghens L, Kerckhofs E. Measuring the effect of interprofessional problem-based learning on the attitudes of undergraduate health care students. Med Educ. 2006;40(6):555-61. http://dx.doi.org/10.1111/j.13652929.2006.02478.x 15. Hammick M, Freeth D, Koppel I, Reeves S, Barr H. A best evidence systematic review of interprofessional education: BEME Guide no. 9. Med Teacher. 2007;29(8):735-51. http://dx.doi.org/10.1080/01421590701682576
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artigos
34. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da Saúde. Rev Bras Educ Med. 2008;32(3):356-62. http://dx.doi. org/10.1590/S0100-55022008000300010 35. Barnsteiner JH, Disch JM, Hall L, Moore SM. Promoting interprofessional education. Nurs Outlook. 2007;55(3):144-50. 36. Curran VR, Sharpe D, Flynn K, Button P. A longitudinal study of the effects of an interprofessional education curriculum on student satisfaction and attitudes towards interprofessional teamwork and education. J Interprof Care. 2010;24(1):41-52. http:// dx.doi.org/10.3109/13561820903011927
Camara AMCS, Grosseman S, Pinho DLM. La Educación interprofesional en PET-Salud: la percepción de los tutores. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:817-29. El PET-Salud de la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG) fue la primera experiencia institucional de trabajo para la enseñanza de la educación en grupos interprofesionales tutoriales en la atención primaria, involucrando la participación de todas las carreras en el area dela salud. Fue desarrollado en los centros de salud de Belo Horizonte, Brasil, entre 2009 y 2011. El objetivo de este estudio era comprender cómo los docentes/tutores PETSalud percibieron la educaciõn interprofesional (EIP) actual en el PET-Salud, a partir de la narrativa de 14 tutores del PET-Salud. La mayoría de los profesores fueron favorables a los elementos clave del processo de enseñanza-aprendizaje en grupos interprofesionales en el servicio. El estudio identifica y nos permite considerar el PET-Salud en la UFMG como innovación educativa exitosa y que la atención primaria es un contexto favorable para la educación interprofesional.
Palabras clave: Educación em salud. Servicios de integración docente assistencial. Docentes. Personal de salud. Recebido em 03/11/14. Aprovado em 11/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.1013
artigos
Reorientação na formação de cirurgiões-dentistas: o olhar dos preceptores sobre estágios supervisionados no Sistema Único de Saúde (SUS)
Franklin Delano Soares Forte(a) Talitha Rodrigues Ribeiro Fernandes Pessoa(b) Claudia Helena Soares Morais Freitas(c) Camila Araujo Lins Pereira(d) Paulo Marcondes Carvalho Junior(e)
Forte FDS, Pessoa TRRF, Freitas CHSM, Pereira CAL, Carvalho Junior PM. Reorienting dental education: the preceptor’s view of supervised internship in the Brazilian Health System (SUS). Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:831-43. The insertion of the preceptor in the process of dental education brings a new perspective to the teaching-learning process. The goal of this research was to understand the preceptor’s perception of supervised internships. This was a qualitative study which collected data from a focus group of preceptors. To interpret the data, we used Bardin content analysis. The preceptor reported that shares with students are important to strengthen the bond with the community, reaching also a population that does not attend the service; in addition to the diversification and strengthening of the actions developed. Preceptors understand the integration of teaching and service as a potentiating tool of the actions already developed and the importance of building a learning environment that gives space for reflection and action planning.
Keywords: Health education. Teaching care integration services. Education, Dental. Preceptorship.
A inserção do preceptor no processo de formação de cirurgiões-dentistas traz uma nova perspectiva na abordagem do processo ensino-aprendizagem. O objetivo deste trabalho foi compreender a percepção de preceptores sobre as vivências dos estudantes nos estágios supervisionados. Trata-se de estudo com abordagem qualitativa, com a adoção de grupo focal com preceptores para coleta dos dados. Para interpretação dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin. Os preceptores relataram que as ações junto com os estudantes são importantes para o fortalecimento do vínculo com a comunidade, alcançando, também, uma população que não frequenta o serviço; além da diversificação e potencialização das ações desenvolvidas. Os trabalhadores compreendem a integração ensino-serviço como ferramenta potencializadora das ações já desenvolvidas e a importância da construção de um cenário de aprendizagem que dê espaço à reflexão e ao planejamento de ações.
Palavras-chave: Educação em saúde. Serviços de integração docente-assistencial. Educação em odontologia. Preceptoria.
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(a,b,c) Departamento de Clínica e Odontologia Social, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba, campus universitário I. Castelo Branco I. João Pessoa, PB, Brasil. 58051-900. fdsforte@terra.com.br; talitha.ribeiro@yahoo.com.br; chsmfreitas@hotmail.com (d) Cirurgiã-dentista. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail. camilaalp@gmail.com (e) Disciplina de Informática em Saúde, Faculdade de Medicina de Marília. Marília, SP, Brasil. E-mail. marcondes. paulo@gmail.com
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Introdução
Historicamente, o ensino da odontologia tem se baseado na transmissão de conhecimento com foco no desenvolvimento de habilidades técnicas, nas doenças bucais e na clínica privada. Um dos desafios, na atualidade, é uma formação contextualizada com a realidade e com base em dados epidemiológicos. Dessa forma, é importante considerar, para uma formação de qualidade em odontologia, o desenvolvimento econômico, social e cultural como um novo processo de educação na saúde no Brasil1,2. Muitas mudanças foram propostas na formação de profissionais de saúde a partir da Declaração de Bolonha, com o objetivo de estabelecer competências a serem desenvolvidas pelos egressos dos cursos de odontologia na Europa, dentre as quais se destacam: profissionalismo, comunicação, habilidades interpessoais, análise crítica, planejamento e diagnóstico clínico3. No Brasil, as exigências oriundas das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) apontam para o desafio de uma formação mais qualificada, voltada para a prática, a fim de abordar os sujeitos, famílias e a comunidade dentro de seu contexto socioeconômico e cultural, respeitando os valores, hábitos e costumes, o que exige mudança na forma do exercício da docência4-6. Assim como nas outras profissões da saúde, a formação em odontologia passa por mudanças significativas, não só em função das DCN, como, também, das políticas de saúde bucal e das mudanças no exercício da profissão e dos novos postos de trabalhos para os profissionais, especialmente nas Redes de Atenção à Saúde5. De forma, que há expectativa de mudança na formação e no perfil do egresso formado. A formação em odontologia com base no território onde a instituição de ensino está inserida tem proporcionado diversas experiências no mundo do trabalho, aproximando a formação da realidade na futura do egresso. Essa inserção pode fazer a diferença na autoconfiança, na tomada de decisão, na elaboração do diagnóstico situacional, no planejamento de ações com base nesse diagnóstico, na liderança1,5-7. Dentro desse contexto, a aproximação da realidade e as novas ferramentas pedagógicas alicerçadas em metodologias ativas exigem habilidades do docente na mediação entre a problematização do cotidiano, nas relações educando e trabalhadores da rede, e educando e comunidade8. Dessa forma, a relação e o papel docente passam a ser o de mediar o processo de ensino-aprendizagem do estudante, pois se entende que o conhecimento é construído pelo sujeito na sua relação com os outros e com o mundo9,10. Assim, percebe-se que, ao se romperem os muros da universidade e se ampliarem os cenários de aprendizagem, surgem outros atores importantes no desenvolvimento das habilidades e competências: trabalhadores da rede de saúde, gestores dos serviços de saúde e a comunidade. Isso exige dos docentes um constante exercício de pactuações, de mediação e de respeito à autonomia dos sujeitos, e respeito aos espaços de produção do cuidado em saúde. Compreende-se a produção do cuidado como: o acolher, escutar, comunicar-se com sujeitos, famílias, grupos e comunidades9. O preceptor exerce o trabalho pedagógico no ambiente de trabalho. Estudo realizado por Botti e Rego11 relatou que o preceptor assume vários papéis: planeja, controla, guia, estimula o raciocínio e a postura ativa, analisa o desempenho, aconselha e cuida do crescimento profissional e pessoal, observa e avalia o estudante ao executar suas atividades, atua na formação moral. É grande a importância do preceptor como educador, pois oferece, ao aprendiz, ambientes que lhe permita construir e reconstruir conhecimentos. O papel do preceptor tem como função auxiliar graduandos na construção de soluções para os problemas com os quais eles se defrontarão na sua prática em saúde, além de articular os conhecimentos e valores da escola e do trabalho10. Em função das diversas demandas, os cursos vêm mudando os seus projetos pedagógicos. Pensar nessa questão impõe a necessidade de reconhecer que esse processo dialógico plural, entre os atores, pressupõe mudanças na forma de trabalhar os conteúdos e nas relações pessoais12. O curso de graduação em Odontologia da Universidade Federal da Paraíba modificou seu projeto pedagógico em 2002, sendo observadas as DCN5,13. Os estágios supervisionados do curso de
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odontologia do I, II, III e IV e a odontologia em saúde coletiva nos dois primeiros anos visam a inserção do estudante de forma gradativa no sistema de saúde, com vistas à formação de profissionais mais reflexivos e críticos da sua própria realidade. A metodologia pedagógica utilizada nos estágios é a problematizadora, a qual fundamenta a construção do conhecimento. A problematização é entendida como metodologia ativa de ensinoaprendizagem, visando motivar o discente, a partir da reflexão sobre o problema, com base na autonomia e liberdade na realização de escolhas e na tomada de decisões14-16. O processo educacional não é mais baseado na transmissão de conhecimentos, mas na construção significativa dos saberes, com base na metodologia ativa, e isto exige uma reflexão crítica constante do processo de trabalho. Esta mudança de concepção por parte da maioria dos docentes ainda constitui um grande desafio. Desde 2005, o curso de odontologia da UFPB participa dos Programas de Reorientação da Formação (Pró-Saúde). Diversos movimentos foram disparados desde a publicação das DCN, da instituição do PPC em 2002 e da inserção do Pró-Saúde; e desde 2008, com o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde): Saúde da Família, PET-Vigilância em saúde (2009), PET-Saúde mental (2010), Pró-PET-Saúde em 2012 e o PET-Redes de atenção à saúde em 201317. Ao longo desses anos, os cenários de aprendizagem onde se realizam os estágios supervisionados foram se estruturando e são os mesmos do Pró-Saúde e PET-Saúde. Ambos os Pró-PET-Saúde e estágios supervisionados têm instrumentalizado os trabalhadores do SUS para o exercício da preceptoria. Portanto, a organização no processo de trabalho do docente e do preceptor foi e ainda é necessária, constantes pactuações entre a equipe de saúde da família e os docentes e discentes para a discussão de fluxos, protocolos, normatizações sobre os estágios e os serviços de saúde. Esse movimento vem transformando as práticas pedagógicas dos docentes na condução do processo ensino-aprendizagem. Isso implicou movimentos para criar espaços de diálogo e parceria entre a instituição formadora e a prestadora de serviços, numa perspectiva de autonomia e criatividade com base numa gestão democrática. Essa articulação exige, também, a corresponsabilização dos atores, o envolvimento e a disposição para o novo e o não experimentado. O município de João Pessoa estabeleceu a política da rede-escola, a partir da criação da Gestão da Educação em Saúde (GES) da secretaria municipal, que tem, por proposta de trabalho, o desafio de incentivar, ordenar e contribuir para o aprendizado nos serviços de saúde do município. Outro objetivo da rede-escola é organizar melhor os fluxos de estudantes e docentes na rede, evitandose a sobrecarga em cenários comuns dos diversos cursos da saúde, como, também, pactuações e articulação para a execução de projetos de pesquisas e extensão. Neste contexto, a GES e o pesquisador firmam o compromisso para que os resultados sejam apresentados como devolutivas ao serviço18,19. De forma institucional, existe o convênio firmado entre a reitoria da UFPB e a secretaria de saúde de João Pessoa para a realização dos estágios, projetos de extensão e pesquisas. A presente pesquisa é importante para nortear o planejamento pedagógico dos estágios supervisionados do curso de odontologia da UFPB, cujo objetivo é apontar caminhos diretamente relacionados à necessidade do contexto da reforma curricular. Assim, a proposta da pesquisa foi compreender a percepção dos preceptores/trabalhadores da rede de serviços sobre a importância dos componentes curriculares estágios supervisionados da saúde coletiva, sobre seu papel enquanto preceptor, sobre o desenvolvimento e avaliação das atividades.
Percurso metodológico É um estudo exploratório com abordagem qualitativa, realizado com profissionais cirurgiõesdentistas do município de João Pessoa, que são preceptores do curso de odontologia da Universidade Federal da Paraíba no ano de 2012. A opção dessa abordagem foi em função do objeto do estudo, oportunizando visualizar as significações e valores, conceitos20. A proposta dos componentes curriculares estágios supervisionados é desenvolver habilidades no campo do saber conhecer: atenção primária à saúde, saúde, direito e cidadania, SUS e as políticas públicas de saúde, educação em saúde como estratégia importante na promoção da saúde, vigilâncias COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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em saúde, procedimentos coletivos em odontologia; Programa de Agente Comunitário de Saúde, Estratégia de Saúde da Família, acolhimento e humanização; processo de trabalho em saúde e sua organização; como, também, habilidades no campo da aplicação: reflexão sobre a teoria e a prática e aplicação dos conceitos discutidos e refletidos a partir do diagnóstico situacional do território e no campo do ser e conviver – os estudantes interagem em equipe e com os trabalhadores da rede de serviços públicos/preceptores e comunidade, partilhando experiências em grupo para socializar saberes e desempenhar as atividades pautadas no aspecto profissional ético e legal. Cada estágio supervisionado tem objetivos geral e específicos, tendo como estratégia educacional as metodologias ativas no ensinar, aprender e avaliar19. Os estágios supervisionados têm carga horária semanal nas USF e suas áreas de abrangência de unidades de saúde da família de João Pessoa-PB. Nesse estudo foi utilizado, como técnica de coleta de dados, o grupo focal, com um roteiro de orientação para discussão. A amostra dos participantes foi intencional, utilizando-se os seguintes critérios: ter participado ativamente das atividades de graduação nos estágios supervisionados com os estudantes há pelo menos três anos; preceptores do PET-Saúde da Família ou PET-Saúde Rede Cegonha. O grupo focal foi conduzido por um facilitador seguindo as orientações de Stewart e Shamdasani21. Foram realizados dois encontros com o grupo, com duração média de sessenta minutos. O facilitador estimulou a participação livre de todos os integrantes do grupo focal22. Os momentos do grupo focal foram gravados em áudio, que, posteriormente, foram transcritos, e, na sequência, realizada a leitura e a releitura exaustiva das transcrições. Nessa perspectiva, para interpretação dos dados, utilizou-se a proposta da análise de conteúdo de Bardin23. As transcrições foram lidas e relidas, procurando ordenar o conteúdo, reestruturar as ideias e pontos-chave do material23. As categorias foram predefinidas considerando-se os eixos de orientação do Pró-Saúde17: cenários de prática, orientação teórica e orientação pedagógica, na perspectiva de identificar as potencialidades e fragilidades. Foram definidas as categorias após a identificação de recorrência nas falas no grupo23. Observando as questões éticas inerentes à pesquisa com seres humanos, este projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Lauro Wanderley da UFPB, seguindo as orientações da Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde/ MS. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados e discussões Os resultados serão apresentados com base nas seguintes categorias de análise: cenários de prática, orientação teórica e orientação pedagógica. Os profissionais dos serviços desempenham o papel de preceptores, acompanhando os estudantes e contribuindo para a definição, planejamento das vivências dos estudantes, bem como para o desenvolvimento das atividades no território da estratégia saúde da família. A formação profissional para atender o perfil do egresso exige mudanças no campo da orientação teórica, nos cenários de prática e na orientação pedagógica, incluindo, dessa forma, mudanças na organização estrutural física da própria instituição formadora, dos cenários de aprendizagem na rede de prestação de serviços de saúde, na abordagem do processo ensino-aprendizagem, qualificação de docentes e trabalhadores da rede, e entendimento desses novos papéis docente e preceptores. Para isso, é preciso o envolvimento de diversos atores, tais como: docentes, discentes, funcionários, gestão, trabalhadores e técnicos do serviço e comunidade em geral.
Cenários de aprendizagem
Nessa pesquisa, observou-se que os preceptores reconhecem a necessidade de acolher o estudante no campo. No caso dos estágios supervisionados da saúde coletiva, previamente à ida dos estudantes ao campo, os docentes fazem a pactuação com o preceptor e com a gestão para melhor organização 834
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da agenda, constroem juntos (preceptor e docentes) a proposta pedagógica do semestre e demais articulações legais para que o estágio aconteça. Esse movimento foi disparado pela inserção do curso no Pró-Saúde, como, também, a própria organização do município de João Pessoa-PB para receber o estudante em campo e organização dos cenários de aprendizagem17-19. Estudo de Haddad et al.6 evidenciou que as instituições com menor aderência às DCN apresentavam incipiente integração ensino-serviço, já daquelas que aderiam, observou-se diversificação dos cenários de prática, e inserção, consequentemente, de estudantes no SUS. Os preceptores acreditam que o estudante potencializa as ações da unidade de saúde da família, dos profissionais pela diversificação de práticas. As DCN apontam para a necessidade de diversificação dos cenários de aprendizagem. O próprio serviço como cenário de produção de conhecimento, saberes e aprendizagem24. Assim, vivenciar o cotidiano dos serviços pode permitir uma educação significativa. “... Abre o olhar, amplia com relação à pesquisa e ao cuidado mais específico a pacientes, que às vezes a demanda engole a gente e terminamos não fazendo”. (Grupo preceptor A)
O grupo destacou que as ações desenvolvidas nos estágios podem alcançar uma população que não frequenta o serviço, especialmente porque algumas unidades estão mais distantes dos domicílios. O objetivo do estágio supervisionado II é vivenciar o trabalho do ACS no território por meio das visitas domiciliares; dos estágios supervisionados III e IV, é realizar ações de promoção de saúde bucal e de educação em saúde nos espaços sociais, como: igrejas, creches, escolas, sala de espera da própria USF com temáticas demandadas pelo território. O momento inicial do estágio inicia-se com a discussão sobre: o território, equipamentos sociais, determinantes sociais da saúde na realidade onde os atores estão inseridos. Todos esses aspectos subsidiam o planejamento das atividades. Os preceptores reconhecem a importância do planejamento coletivo das ações com base nas necessidades da comunidade e do território. Relatou-se, também, a sensibilização da equipe de saúde da família para o trabalho em equipe e multidisciplinar. Os preceptores destacaram que os estágios supervisionados I e II são importantes para a ampliação de conceitos, vivências no campo da saúde, como: a visita domiciliar, a construção do mapa falante do território, a vivência do trabalho dos ACS, e desmitificar que o profissional de saúde bucal observa apenas a cavidade bucal, mas trabalha a questão interdisciplinar e do trabalho em equipe. “Chamar atenção até do próprio agente de saúde, qual é a família que está precisando de alguma ação e passar para ele, não só a questão da saúde da boca, porque são estudantes de odontologia que vão ver essa questão de saúde da boca. Mas no todo”. (Grupo preceptor B)
Poucas experiências pedagógicas de contato de estudantes com as comunidades e serviços foram observadas no estudo de Zilbovicius et al.2; esse movimento de aproximação é gradual e lento de transformação das práticas pedagógicas e da diversificação dos cenários de aprendizagens. Os docentes dos estágios supervisionados I ao IV realizam planejamento pedagógico conjunto, de forma a garantir uma definição de objetivos de aprendizagem, habilidades, conteúdos e vivências para cada um deles, ao mesmo tempo que existe uma interligação entre os componentes curriculares. As DCN orientam que o estudante seja inserido nos serviços de saúde de forma gradativa e com complexidade crescente5. Estudo realizado por Spallek, O’Donnell e Yoo25 destacou que os docentes relataram ter pouco tempo para o desenvolvimento de novas práticas pedagógicas e, ao mesmo tempo, deveriam ter mais oportunidade para o desenvolvimento docente. O grupo de preceptores relata a importância das ações conjuntas com outros membros da equipe. O planejamento em equipe favorece a criação de espaços para o diálogo na equipe, fortalecendo as ações que já vêm sendo desenvolvidas. “A gente tem outra visão, principalmente no estágio III, por exemplo, a gente está trabalhando anemia falciforme, então a gente junto ao pessoal de enfermagem, até mesmo
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de fisioterapia, interagimos e eu acho que o grupo fica mais fortalecido, trabalhar essa questão da interdisciplinaridade, de trabalhar em equipe, saber escutar o outro também”. (Grupo preceptor B)
No estudo de Haddad et al.6, observou-se que, dentre as dificuldades apontadas na implantação de currículos inovadores, foi a interdisciplinaridade. É preciso que se conheçam quais as concepções dos docentes e gestores acadêmicos sobre o currículo, integração ensino-serviço. Os autores ressaltaram que esse é um dos pontos que dificultam a aderência às DCN. Assim, os equipamentos sociais, adscritos às áreas de abrangência das USF, são compreendidos como espaços de produção de conhecimento. Nessa articulação intersetorial com vistas à promoção da saúde, os conhecimentos propostos para alcançar as competências também são ampliados, abordando-se outras questões de bioética, ética profissional, das relações humanas e do trabalho em saúde7,8,15. Estudo de Zilbovicius et al.2, com 188 escolas de Odontologia no Brasil, verificou um grau incipiente de inovação nos currículos de odontologia, com a maioria dos cursos participantes da coleta com formação pedagógica centrada na doença e na técnica frente à promoção da saúde. Segundo Feuerwerker26, não é fácil compatibilizar as demandas da academia e da gestão dos serviços de saúde, e, para tanto, são necessários ajustes e modificações no setor da educação e nas práticas cotidianas de ensino. Essas pactuações devem ser realizadas com o objetivo de se desenvolverem ações conjuntas e articuladas, para a contribuição recíproca na proposta de formação de recursos humanos, é a elaboração e a construção de conhecimentos e produção do cuidado em saúde qualificado e resolutivo1,27,28. Os preceptores destacaram, também, a necessidade de se produzir o cuidado com base no território, na comunidade, para melhorar a saúde das pessoas. “Até a questão da aprendizagem, da troca...eu lembro de um vídeo que passaram sobre diabetes que um menino levou e elas ficaram encantadas com o que o estudante levou para aquela família e a família depois comenta as ações que eles fazem que em curtinho tempo a família comenta...”. (Grupo preceptor B)
O estudante na equipe provoca uma reflexão na própria prática profissional no processo de trabalho em saúde. “... eu aprendo também com tudo isso. Então cada temática que é proposta para eles, você vai também pesquisar, vai estar se apropriando melhor, ver o que tem dúvidas, porque a gente tem que também trocar experiências. Então, não só para mim, como profissional de odontologia, mas para toda a equipe, eu acho o estágio III um exemplo para mudar o perfil do profissional, para ser mais completo, ter a oportunidade de estar vivenciando tanto na unidade quanto nos espaços sociais”. (Grupo preceptor A) “A gente atentou para o território também, a questão de não ficar só no mundinho do estágio na unidade de saúde. Eu vejo essa questão do estágio que fortalece... mas o serviço ganha porque ele traz novas possibilidades de problematizar o próprio saber, o agir em saúde, trazendo experiência, trazendo a ciência, o conhecimento, sugestões. Então o serviço ganha, até porque as ações que são pensadas são em função da demanda do próprio serviço, não é uma coisa injetada, uma coisa que já vem pronta para ser construída naquele espaço”. (Grupo preceptor B)
Orientação teórica Na articulação ensino-serviço, uma das potencialidades é que o estudante traz inovação ao trabalho em saúde, além de despertar, no preceptor/profissional, a necessidade de educação permanente para a qualificação do cuidado em saúde. A pactuação feita semestralmente junto à secretaria municipal 836
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de saúde de João Pessoa é de que esses cenários de aprendizagem gerem produção do cuidado em saúde, sendo respeitadas as características de cada território18,19. A pactuação semestral permite que o preceptor compreenda o processo ensino-aprendizagem e, ao mesmo tempo, torna-se ator ativo nesse processo. “Outra potencialidade na ótica do profissional é essa possibilidade de troca, trocar informações, saberes, histórias, vivências... isso é rico, porque é um encontro maravilhoso. Renova nossas forças, nos dá gás, nos reanima, porque o dia-a-dia é meio cansativo e se você não estiver renovando, quando chega aquele grupo que envolve, que vem com aquelas dinâmicas, é ótimo. Para mim era sempre prazeroso”. (Grupo preceptor A)
Assim, é importante saber o que o estudante traz enquanto conhecimento teórico e de sentimentos, como é importante o reconhecimento do trabalho coletivo entre o preceptor e o estudante. Esse movimento de ensino e aprendizagem está ancorado na aprendizagem significativa, compreendida como a construção, desconstrução, significação, ressificação de ideias que se relacionam com a teoria e prática. Para isso, Ausubel29 destacou três condições fundamentais: o acúmulo de conhecimento e experiência do estudante; material instrucional apropriado, e o estudante ativo nesse processo. Observou-se a importância do estágio em campo e da necessidade atual de capacitar o estudante para o futuro profissional. As DCN apontam que uma das competências a serem desenvolvidas pelos estudantes é a educação permanente 5. “... acho fantástico o estágio III, essa questão de você trabalhar a saúde de uma maneira geral, a gente não tem esse enfoque só na saúde bucal, não que não possa trabalhar porque a gente trabalha também a saúde bucal, mas essa oportunidade que o estudante tem de ficar junto à equipe, junto aos espaços sociais, trabalhando de acordo com as necessidades daquela comunidade temas variados de saúde, eu acho que isso dá um empoderamento muito grande para o estudante, ao futuro profissional”. (Grupo preceptor B)
Os preceptores ressaltaram a importância da aproximação do serviço com a academia, conforme destacado na Constituição Federal30, nas DCN para os cursos de odontologia5, e no PPC do curso de odontologia da UFPB13,19. “a gente tem que estar aberto a essa proposta de aproximar o ensino do serviço. Até porque se a gente for fundamentar isso na própria Constituição, que a gente tentou colocar para as pessoas que a missão da gente é ordenar a formação de recursos humanos na saúde. Então a gente como profissional tem essa missão, que está na Constituição”. (Grupo preceptor A)
Os estágios supervisionados da saúde coletiva trazem: a discussão da problemática de saúde da comunidade para o estudante, a reflexão sobre o cotidiano das pessoas como vivem e dos determinantes da saúde e da doença. O aprendizado, baseado na comunidade, traz significação às ações de saúde e um aprendizado vivo e transformador da formação em saúde26-28. Os profissionais enxergam as ações dos estágios supervisionados no dia a dia. “... E os estágios têm contribuído bastante para o meu aprendizado, me sinto um profissional diferente, diferenciado do que eu era antes e do que sou hoje, graças à parceria com a universidade... Abre o olhar, amplia com relação à pesquisa e ao cuidado mais específico a pacientes, que às vezes a demanda engole a gente e terminamos não fazendo...”. (Grupo preceptor A)
A inserção do estudante no mundo do trabalho, como é o caso dos estágios supervisionados, possibilita a reflexão sobre o processo de trabalho em saúde e suas tecnologias, como, também, a COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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inserção social do profissional da rede de atenção à saúde, ao trabalho em equipe, ao desenvolvimento de habilidades de comunicação e relacionais6,31. Estudo de Toassi et al.7, no Rio Grande do Sul, com estudantes e preceptores do SUS, sobre os estágios supervisionados no SUS, observou a importância dos mesmos para a formação de profissionais no que se refere ao desenvolvimento de: autonomia, atitude diante de problemas do cotidiano, trabalho em equipe multiprofissional, vínculo com os trabalhadores do SUS.
Orientação pedagógica A proposta dos estágios é a formação profissional que cria espaços para as reflexões entre teoria e prática, cujo objetivo é uma crítica ao vivenciado e identificar demandas do território. Esse desafio posto aos docentes, trabalhadores preceptores e aos estudantes visa, também, melhor significar o exercício de ser profissional da saúde na estratégia saúde da família. Isso requer, ainda, a preparação do corpo docente e de preceptores como, também, ressignificação desses papéis de professor e preceptor27,31. O processo ensino-aprendizagem na formação em serviço apresenta elementos distintos dos comumente efetuados em disciplinas básicas ou clínicas em odontologia. Os preceptores sentem-se parte do processo de formação do futuro profissional, assumindo o protagonismo, e a preceptoria como um papel articulador das ações e atividades no território. “e outra coisa, a questão do profissional como mediador, como facilitador desse processo. A gente tem que ter uma boa relação com a nossa equipe, com o nosso território e com a gente mesmo. Para poder quando o estudante chegar nesse cenário, produzir coisas interessantes. Então você tem que ter um papel de articulador, porque senão fica a mesmice, não muda”. (Grupo preceptor B)
Como proposta pedagógica e, também, em função do vínculo estabelecido entre estudantes e equipe de saúde da família, optou-se que o mesmo cenário de aprendizagem fosse igual para dois estágios. Essa opção foi percebida pelos preceptores como potencialidade nesse processo, oportunizando o vínculo com o território, a comunidade e equipe. O grupo de preceptores ressaltou a importância da pedagogia problematizadora, aprendizado baseado na realidade. “E era muito interessante essas metodologias ativas que a gente foi aprendendo e fazendo. Diferenciando, experimentando, não foi uma coisa posta porque isso não existe. Tem as experiências que a gente leva para a cena do ato pedagógico, mas também tem as vivências novas, essas coisas que gente foi construindo. ‘Ah, aquela experiência foi legal, dá para a gente repetir de outra forma’. E quando a gente repete vem sempre com uma nova roupagem, nunca é a mesma coisa. Então assim, essa questão do ensino, ter essa parceria, essa rede escola, institucionalizada, legitimada, regulamentada como uma política foi um ganho imensurável”. (Grupo preceptor A)
Ao longo desses anos de implantação, alguns professores dos estágios e preceptores fizeram capacitação em metodologias ativas. Isso foi importante para sedimentação do referencial teórico, porque facilitaram a elaboração de conceitos e estruturação da proposta de trabalho. Destaca-se, também, a realização do curso de formação pedagógica para os docentes, com o apoio do prósaúde odontologia (2005), que instrumentalizou para a reflexão sobre a prática pedagógica; o curso de ativadores do processo de mudança na formação de profissionais de saúde da ENSP-Fiocruz, e, também, o curso de desenvolvimento docente para profissionais da área de saúde pelo Foundation for Advancement of International Medical Education and Research - Faimer Brasil. Spallek, O’Donnell e Yoo25 destacaram a importância para as mudanças curriculares, o desenvolvimento docente no que se refere à reflexão do docente sobre sua própria prática.
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O grupo destacou a importância de planejar e avaliar juntos, respeitando as demandas do serviço, com resultados para a comunidade satisfatoriamente. Dessa forma, aproxima-se das DCN, do PPC odontologia UFPB e práticas de saúde transformadoras5,13,19. “Eu vejo que a gente tem se fortalecido a cada semestre, produzindo esse diálogo que vocês colocaram para a gente. A gente tem a oportunidade de planejar junto, de avaliar, de dizer o que está gostando, o que não está. Isso é muito bom, a gente vai criar uma coisa e vocês dão importância ao que a gente fala, o que estamos vivenciando no cotidiano mesmo”. (Grupo preceptor A)
Um dos desafios da condução pedagógica partilhada foi a avaliação/acompanhamento. Para isto, propôs-se que o grupo de estudantes socializasse as vivências para toda equipe na USF e, também, momento de discussão coletiva entre os grupos de estágio. Para operacionalização, a turma de estágio é dividida em três subgrupos, cada um com um docente responsável, um preceptor em uma USF. Entende-se a socialização como estratégia de reflexão do produzido. A vivência de novas e inexploradas situações posiciona o estudante na construção de habilidades muito interessantes, colocando-o na posição de sujeitos ativos nesse processo, e provoca, no estudante, expectativas que geram sentimentos positivos e/ou negativos30. Os preceptores ressaltaram a avaliação final de cada estágio e a apresentação para a equipe como potencialidades. Essa apresentação visa também sensibilizar mais pessoas na equipe e dá visibilidade a esse trabalho. A reflexão sobre as ações dos estágios e a ressignificação são importantes para a melhoria do aprendizado31. “Tem uma avaliação depois...uma apresentação deles para os outros colegas... mas lá no serviço ajudaria a desenvolver a equipe. Não sei se no dia do estágio ou posterior, no dia da reunião da equipe toda, a gente fazer esse repasse do que aconteceu, do vínculo que foi criado. Acho que ter um envolvimento maior”. (Grupo preceptor B)
A avaliação semestral é a oportunidade de avaliar o vivenciado e, a partir dos nós críticos encontrados, elaborar propostas de encaminhamento para melhorias. Ela é também um espaço dialógico de construção coletiva em que docentes e preceptores exercem seu papel de protagonistas na formação profissional. Entre as fragilidades apontadas está a questão do tempo do estágio: “A questão também era que o estágio era pouco, o IV mesmo, acho que os alunos só iam quatro vezes e aí com essa avaliação que é feita todo semestre foram vendo a necessidade de estar aumentando esse tempo deles na atenção básica. E a gente com isso conseguiu trabalhar mais, porque antes não dava para trabalhar”. (Grupo preceptor A)
A construção da relação entre serviço e ensino foi, e ainda é, um grande desafio desde o início dessa proposta pedagógica de 2002. Ao longo dos anos, diversas discussões, reflexões coletivas e mudanças foram propostas, executadas e avaliadas. Entendeu-se essa pesquisa como parte desse processo de reflexão e acompanhamento desse processo de mudança do currículo, mudanças no campo do ser professor nessa proposta, e do vínculo entre a UFPB e os serviços e trabalhadores do SUS de João Pessoa. Para tanto, esforços foram realizados no sentido de educação permanente para docentes e preceptores, pactuações entre gestão e a UFPB, no que diz respeito à operacionalização dos estágios, e diversas oficinas para avaliação das ações em campo. Estudo de Toassi et al.7 apontou como um processo difícil e complexo em que alunos, preceptores e professores constroem as relações no campo e para o enfrentamento das demandas das realidades nas quais as equipes de saúde da família estão inseridas. Ao longo desses anos, o movimento tanto da academia como dos serviços foi em direção ao encontro entre estudantes, preceptores e docentes. Nesse diálogo de parceiros, consensos e dissensos
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foram identificados e muitas idas e vindas foram necessárias. Acredita-se que esse caminho trilhado fortaleceu a formação profissional do curso de odontologia e, ao mesmo tempo, visualiza-se quanto se precisa caminhar.
Considerações finais Em função de diversos apoios institucionais como o Pró-PET-Saúde, e a constituição da rede-escola de João Pessoa-PB, foi possível a organização de estágios supervisionados na atenção primária à saúde. Estudos como os de Haddad et al.6, Toassi et al.7, Finckler, Caetano e Ramos8, Silva et al.24 enfatizam a importância dessa vivência extramuros, inserção de estudante nas redes de atenção à saúde, contato com o trabalho em saúde e o trabalhador do SUS, de um avanço na formação de profissionais de saúde bucal. Embora ainda se reconheçam limites e desafios para a integração ensino-serviço e comunidade. Os preceptores compreendem os estágios supervisionados como espaço dialógico, e suas ações como ferramentas potencializadoras das ações já desenvolvidas e um dispositivo para a integração ensino-serviço de saúde. Além disso, ressaltaram a importância da construção de um cenário de aprendizagem que dê espaço à reflexão e ao planejamento de novas ações coletivas, considerando as especificidades do território. Os preceptores exercem o papel de protagonistas na formação de dentistas, planejando e organizando as ações em campo e assumindo o seu papel no aprendizado baseado no processo de trabalho. A discussão entre docentes, trabalhadores da rede e estudantes traz benefícios ao território e aproxima a equipe da comunidade. Por integrarem diversos atores e oportunizarem a reflexão e a crítica com base no cotidiano, os estágios são uma forma de implementação das diretrizes curriculares do curso de odontologia e, também, uma alternativa de transformação das práticas de saúde, tendo a comunidade como eixo central da produção do cuidado.
Colaboradores Franklin Delano Soares Forte, Claudia Helena Soares de Morais Freitas, Talitha Rodrigues Ribeiro Fernandes Pessoa trabalharam na concepção e projeto de pesquisa, coleta, análise e interpretação dos dados, e escrita e revisão crítica relevante do conteúdo do artigo; Camila Araujo Lins Pereira responsabilizou-se pela análise e interpretação dos dados e escrita do artigo; Paulo Marcondes Carvalho Júnior trabalhou na concepção do projeto, redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. 840
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reorientação na formação de cirurgiões-dentistas: ...
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Forte FDS, Pessoa TRRF, Freitas CHSM, Pereira CAL, Carvalho Junior PM. Reorientación en la formación de los dentistas: la percepción de preceptores en prácticas supervisadas en el Sistema Brasileño de Salud (SUS). Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:831-43. La inserción del preceptor en el proceso de formación de los dentistas trae una nueva perspectiva en el enfoque del proceso de enseñanza-aprendizaje. El objetivo de este estudio fue conocer la percepción de los preceptores acerca de las experiencias de los estudiantes en prácticas supervisadas. Se trata de un estudio cualitativo con la adopción de un grupo focal con los preceptores. Se utilizó el análisis de contenido propuesto por Bardin. Los preceptores informaron que compartir acciones con los estudiantes es importante para fortalecer el vínculo con la comunidad, alcanzando, también, una población que no frecuenta el servicio; además de la diversificación y el fortalecimiento de las acciones desarrolladas. Los trabajadores entienden la interacción docente-asistencial como una herramienta potenciadora de las acciones ya desarrolladas y la importancia de construir un escenario de aprendizaje que le da espacio para la reflexión y la planificación de acciones.
Palabras clave: Educación en salud. Servicios de integración docente assistencial. Educacion em odontologia. Preceptoria. Recebido em 08/10/14. Aprovado em 09/02/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0894
artigos
Interferências criativas na relação ensino-serviço: itinerários de um Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde)
Mírian Ribeiro Conceição(a) Maria Cristina Gonçalves Vicentin(b) Bianca Mara Maruco Lins Leal(c) Marcos Martins do Amaral(d) Andreia Badan Fischer(e) Edna Maria Peters Kahhale(f) Elisa Zaneratto Rosa(g) Jussara Spolaor(h) Debora Saes(i) Conceição MR, Vicentin MCG, Leal BMML, Amaral MM, Fischer AB, Kahhale EMP, et al. Creative interference in the teaching-service relationship: itineraries of an Education by Work for Health Program (PET-Health). Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:845-55.
This paper discusses teaching-service integration within the PET-Mental Health Program by looking at the produced affectations articulation teaching-researchassistance and in meetings between students, teachers, and health workers. We used different resources (memories, reports, and papers) during experiences from 2012 to 2014. We presented some devices, such as education, comanagement of research, and teaching meetings; we also presented some effects such as the potential of the network and the co-responsibility for attention to mental health cases, improvement in Single Therapeutic Projects and healthcare co-ordination, expansion of educational function played by health practices, and issues about professional education at the university. The relationship between university and health practices was at a formative stage and may be characterized by creative interferences and by effects on people who were involved with experience.
O presente texto discute a integração ensino-serviço, no âmbito do PET-Saúde Mental, por meio de um olhar sobre as afetações produzidas na articulação entre ensino-pesquisa-assistência e nos encontros entre discentes, docentes e trabalhadores. Valemo-nos, para tanto, de diferentes registros (memórias, relatórios e papers) da experiência realizada entre 2012 e 2014. Apresentamos alguns de seus dispositivos: itinerários de formação, cogestão da pesquisa e encontros formativos; assim como seus efeitos: a potencialização da rede e da corresponsabilidade na atenção aos casos de saúde mental, aprimoramento dos Projetos Terapêuticos Singulares e da coordenação do cuidado, ampliação da função formadora do serviço e problematizações da formação profissional pela universidade. Este encontro universidade-serviço, aqui pensado em sua potência formativa, caracteriza-se pela interferência criativa e por efeitos transformadores para os envolvidos.
Keywords: Mental health. Health education. Teaching care integration services. Primary health care. National health programs.
Palavras-chave: Saúde mental. Educação em saúde. Serviços de integração docenteassistencial. Atenção primária à saúde. Programas nacionais de saúde.
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(a) Coordenação de Educação Permanente, Núcleo de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (NGETS), Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Av. Doutor Getúlio Vargas, 330, Vila Guarani. Mauá, SP, Brasil. 09310-180. mirianrcon@gmail.com (b) Programa de Estudos PósGraduados em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). São Paulo, SP, Brasil. mvicentin@pucsp.br (c) Gerência de Educação Permanente, Núcleo de Gestão Atenção Básica, SMS. Mauá, SP, Brasil. biancammll@ gmail.com (d,e) Acadêmico, curso de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, PUCSP. São Paulo, SP, Brasil. amaral.m.marcos@gmail.com; deia. badan@gmail.com (f) Programa de Estudos PósGraduados em Psicologia Clínica, PUCSP. São Paulo, SP, Brasil. ednakahhale@pucsp.br (g) Departamento de Métodos e Técnicas, Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, PUCSP. São Paulo, SP, Brasil. elisazrosa@pucsp.br (h) Centro de Referência de Assistência Social. Ascurra, SC, Brasil. jussaraspolaor@gmail.com (i) Centro de Atenção Psicossocial II Brasilândia, SMS. São Paulo, SP, Brasil. deboras_mail@yahoo.com.br
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Introdução A formação dos profissionais de saúde implica acolher a complexidade própria do Sistema Único de Saúde (SUS), aproximando-se dos cotidianos de trabalho e da experiência concreta dos sujeitos no território. Como sinalizam Carvalho e Ceccim1: No âmbito das políticas educacionais, a graduação na área da saúde não tem uma orientação integradora entre ensino e trabalho, nem tem privilegiado uma formação teórico-conceitual e metodológica que potencialize competências para o enfrentamento das necessidades de saúde da população e para o desenvolvimento do sistema de saúde. (p. 137)
As dicotomias teoria-prática, estudo-intervenção, sujeito-objeto, pesquisaação têm contribuído para a perpetuação do processo de formação divorciado dos processos de trabalho em saúde. Deste modo, o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Educação (MEC) têm implementado, recentemente, políticas de formação que privilegiam, dentre outros aspectos, a integração ensino-serviço. Tais políticas colocaram em pauta a necessidade de mudanças curriculares e o cumprimento das Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação em Saúde. É o caso do AprenderSUS, VerSUS, Polos de Educação Permanente, e, posteriormente, Comissões de Integração Ensino-Serviço, Residências Multiprofissionais. Em 2005, foi criado o Programa Nacional de Reorientação Profissional para a Saúde, o Pró-Saúde2, que visa “reordenar” a formação de recursos humanos por meio da elaboração de políticas de formação e desenvolvimento profissional na saúde. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde3, inspirado no Programa de Educação Tutorial (PET), do MEC, visa fomentar a formação de grupos de aprendizagem tutorial em áreas estratégicas para o SUS, caracterizando-se como instrumento para qualificação em serviço dos profissionais da saúde, bem como de iniciação ao trabalho e vivências dirigidos aos estudantes das graduações, de acordo com as necessidades do SUS. Propomo-nos a discutir alguns encontros produtivos4 entre uma instituição formadora, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e os serviços do território sanitário de responsabilidade da Supervisão Técnica de Saúde Freguesia do Ó/Brasilândia do município de São Paulo, no âmbito de uma destas políticas: o Programa Pró-PET-Saúde III (Saúde Mental - 2012-2014)(j). Cabe esclarecer que, desde 2008, a PUC-SP desenvolvia o Pró-Saúde II neste mesmo território. A partir desta parceria, foi possível identificar a demanda de gestores e profissionais quanto ao aprimoramento do cuidado aos casos de transtorno mental no território, implicando: a ampliação das ações da Atenção Básica, a formação das equipes para atuar em saúde mental, a consolidação das estratégias de matriciamento e o fortalecimento do trabalho em rede no cuidado em saúde mental. Construiu-se, assim, o projeto Aprimoramento do cuidado em saúde mental: a presença da Atenção Básica, dividido em dois grupos tutoriais – transtornos mentais e álcool e outras drogas. Tal projeto desenvolveu pesquisas e ações no campo da atenção à saúde mental em um microterritório da região, trabalhando nas seguintes etapas: conhecimento sobre o território, a rede de serviços de saúde e os processos de trabalho no cuidado em saúde mental; aproximação dos casos/demandas de saúde mental atendidos na rede básica e nos serviços da rede psicossocial, por meio de seu mapeamento; construção e análise dos itinerários de cuidados e autocuidado dos casos escolhidos pelos serviços; desenvolvimento de projetos de formação e atenção em saúde desdobrados da pesquisa-ação. 846
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(j) Envolvendo os cursos de Fonoaudiologia, Psicologia e Serviço Social e serviços da rede de atenção psicossocial e da atenção básica.
Conceição MR, Vicentin MCG, Leal BMML, Amaral MM, Fischer AB, Kahhale EMP, et al.
(k) Memórias dos encontros dos grupos tutoriais (reuniões quinzenais de bolsistas e tutores; quinzenais de bolsistas, preceptores, tutores e coordenador; reuniões de planejamento de tutores, preceptores e do coordenador). Relatórios parciais de pesquisa (etapa 1: Relatório de itinerários de formação, 03/2013; Relatório das trajetórias de atenção em saúde mental do microterritório, 03/2013; Relatório: Casos em atenção em saúde mental no microterritório. Uma análise desde os prontuários; etapa 2: Relatórios dos itinerários de cuidado de 13 casos do microterritório). Apresentações em encontros e congressos: Enapet (out. 2013); IV Mostra de Práticas em Atenção Básica (mar. 2014); Rede Unida (abr. 2014); Abrasme (set. 2014); Ciência e Profissão (nov. 2014). E material preparado para os seminários de integração ensino-serviço e oficinas relativas à pesquisa-ação.
A noção de dispositivo aponta para uma montagem, um artifício ou uma estratégia que faz funcionar, que aciona um processo de decomposição dos elementos (pessoas, instituições, saberes, poderes), que produz novos acontecimentos8.
(l)
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artigos
No presente texto, pretendemos discutir a integração ensino-serviço no âmbito do PET-Saúde Mental, baseando-nos nas diferentes afetações produzidas na articulação entre ensino-pesquisa-assistência e nos encontros entre discentes, docentes e trabalhadores. Mais especificamente, pretendemos: a) discutir a ampliação e consolidação dos repertórios destes atores para o cuidado em saúde, por meio da construção de metodologias de formação dialogadas com a prática do cuidado; b) discutir alguns efeitos produzidos na Instituição de Ensino Superior (IES) e nos serviços. Para esta reflexão, nos valemos dos registros do percurso de dois anos, tais como: memórias de reuniões, relatórios parciais dos participantes do Projeto, relatórios de avaliação e textos de apresentação em seminários, encontros e congressos(k). No desenho da pesquisa, entendemos que os mapas de itinerários do cuidado poderiam ser um dispositivo(l) de visibilização e, ao mesmo tempo, de produção do cuidado no território, que contribuiria para ativar a participação e o protagonismo de usuários, trabalhadores/preceptores e alunos no processo. Esses instrumentos foram trabalhados na perspectiva da reabilitação psicossocial5,6,7, que coloca em foco as dimensões técnicas, políticas e sociais do cuidado em saúde mental, pautando-se pela invenção de estratégias voltadas para as singularidades de cada usuário e território, bem como para a produção de redes de negociação e de trocas direcionadas ao aumento da participação social e a construção de novas ordenações para a vida. Assim, consideramos que o itinerário é uma ferramenta da clínica ampliada no território, articulado à singularidade de vida do usuário, além de um sinalizador da ação em rede, funcionando, portanto, como crivo de análise e de intervenção a um só tempo. Segundo Minayo9, “a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática” (p. 17). É a partir desse princípio orientador que se organizou o processo de pesquisa, de formação e, também, dos desdobramentos no plano da assistência. Ao longo deste percurso do PET-Saúde Mental, o princípio da indissociabilidade pesquisa-formação-assistência colocou diferentes desafios: a formulação de um campo de questões no diálogo universidade-serviços; a inserção da pesquisa nos espaços cotidianos dos serviços; a criação de dispositivos de cogestão do planejamento e da execução das atividades; a análise permanente dos efeitos do percurso; a produção da formação e do conhecimento como itinerário vivo. Neste percurso, a relação com o território orientou-se não apenas pelo desejo de um aprendizado técnico e específico de cada área, mas pelo contato com fluxos administrativos, políticos, sociais, comunicativos e afetivos. Ainda, produziu o estreitamento das relações e a ampliação de espaços de compartilhamento entre profissionais nos serviços e entre serviços, entre IES e serviços, bem como construiu, gradativamente, outras pistas para a formação em saúde. Vimos operar um trabalho cogestionário que se afirma como uma ampliação do grau de transversalidade das partes envolvidas. No tocante à relação IES e serviço, preferimos, assim, pensá-la como intercessão, no sentido que lhe dá Deleuze10, sugerindo a perspectiva da interferência criativa como o modo de pensar uma relação ao contrário da sobreposição de códigos ou de territórios. Ou, dito de outro modo, o termo intercessor pode ser remetido a interceptar, com as conotações de desvio ou deriva que ele comporta, ou, ainda, com a conotação de interceder, na sua acepção de correlação11. 847
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Vejamos alguns dispositivos e efeitos desse percurso formativo, tomando o PET nessa disposição intercessora: a experiência como dimensão central da formação; a cogestão da pesquisa e da formação; e o protagonismo dos atores.
Construção de conhecimento pela experiência e itinerários de formação A aproximação dos discentes ao território privilegia a experiência prática: junto com preceptores e demais trabalhadores dos serviços envolvidos, os discentes vivenciaram os diferentes cuidados em saúde produzidos pela Rede Freguesia do Ó/Brasilândia, assim como seus dispositivos de trabalho (reuniões de equipe, reuniões de matriciamento, fóruns, plenárias de saúde, dentre outros). “Nesta conversa também pude saber um pouco mais da história dos manicômios, lugares fechados e que pareciam prisões e que trazem um desafio ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), que é não deixar que a realidade das pessoas com transtornos mentais do passado se apliquem as de nossos tempos, ou seja, evitar o isolamento em massa e a exclusão da opinião dos usuários para seus próprios tratamentos. Talvez seja por isso que eu tenha me surpreendido quando entrei no CAPS, por ser um ambiente aberto e que mostra na sua assembleia a oportunidade dos usuários se envolverem e terem voz por si mesmos”. (Excerto de relatório de atividades dos bolsistas do projeto, outubro de 2012)
A partir das inquietações e questionamentos vivenciados na prática pelos discentes, traçamos diferentes estratégias para aproximá-los das produções teóricas capazes de referenciar tais vivências, como: leituras, conversas com gestores e trabalhadores, oficinas e seminários, entrevistas. As trocas e o processamento sobre as atividades foram garantidos e acolhidos sistematicamente em encontros dos grupos tutoriais na Universidade. Tais reuniões abriram espaço para a compreensão, em conjunto: das políticas públicas, dos programas e das estratégias desenvolvidos nos serviços, sendo, assim, lugar de troca e formação. O contato com os serviços e cuidados diversos, e a busca por entendimento das políticas públicas, dos seus programas e estratégias, permitem uma formação ampla e impactante na vida acadêmica dos bolsistas, que deixam de se direcionar somente para a prática da clínica privada, abrindo um leque de possibilidades para uma ação em saúde coletiva e na clínica ampliada. “Foi possível reconhecer a pessoalidade e individualidade como cada caso é cuidado pelos profissionais do CAPS. Alguns dos profissionais, dentro das áreas de enfermagem, serviço social, psicologia […] se revezam para receber os usuários que recorrem ao serviço pela primeira vez. Nessa primeira sessão o profissional busca entender a trajetória do usuário, sobre sua família, se ainda existe ou não mais pessoas que poderiam o apoiar, sobre seu cotidiano, o uso abusivo da droga e etc. A partir disso é montado um primeiro programa de atividades para o usuário dentro do CAPS, que depende do contexto e da vontade da pessoa que busca ajuda”. (Excerto de relatório de atividades dos bolsistas do projeto, outubro de 2012)
A noção de itinerário de formação se impôs a nós como uma metodologia de formação que privilegia a produção de um plano comum, o da experiência formativa, reunindo a diversidade dos atores na singularidade de seus percursos e no plano intensivo dos mesmos. Isto é, entendendo que “não se aprende apenas por transmissão cognitiva”1(p. 165) ou “num formato centrado em conteúdo”1 (p. 165). É Oury12 quem sugere, quando discute a formação no campo da saúde mental, que melhor seria falar de itinerários de formação para acentuar que a formação põe em jogo uma transformação do sujeito que se engaja nesse trabalho, pois a loucura nos convoca a estabelecer uma relação não tradicional, não formal e não hierarquizada com nossas competências pessoais, sociais, cognitivas e operativas. Ela nos faz trabalhar competências como aquilo que marca nossas vidas, nossas trajetórias, nossos gostos, nossas paixões. Enfim, como aquilo que nos faz estar aí, que nos implica, que nos pede presença, que nos pede que sejamos sensíveis àquilo que se passa no nível dos encontros, aqui entendidos como acontecimentos singulares e inesperados no âmbito da relação com o outro. 848
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Conceição MR, Vicentin MCG, Leal BMML, Amaral MM, Fischer AB, Kahhale EMP, et al.
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“Esta etapa de inserção no território, imersão na rede e conhecimento mútuo culminou no momento de formulação e apresentação dos itinerários individuais de formação. Neles, cada membro do grupo sistematizou visualmente sua trajetória de formação, afetos, parcerias e encontros relevantes que o constituíam, que o levaram à participação no projeto e também aqueles que foram produzidos nas primeiras semanas de atividade no PET”. (Excerto do relatório de avaliação dos itinerários de formação, fevereiro de 2013)
Neste encontro de saberes, não-saberes e entre saberes, a construção dos mapas de itinerários de formação – de estudantes, profissionais e docentes – suscitaram conexões entre as pessoas e produziram, também, questões que orientaram os estudos, trabalhando a relação teoria-prática de forma conectada ao cotidiano. As trajetórias de formação evidenciaram, também, as perspectivas geracionais e da historicidade da construção do SUS e da Reforma Psiquiátrica. Possibilitaram, ainda, experimentar a perspectiva do itinerário – metodologia da pesquisa –, bem como as ideias de território e singularidade como parte do processo de aprendizagem para o trabalho com os itinerários de cuidado, como exemplifica a Figura 1.
Figura 1. Itinerário de formação produzido por um preceptor para apresentação aos grupos tutoriais
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Cogestão dos processos – pesquisa e formação A imersão nas experiências do cuidado em saúde mental e o acompanhamento dos itinerários de cuidado dos usuários inseriram os atores num processo de estudo e reflexão permanente tanto sobre a complexidade das condições de vida de pessoas com transtornos psíquicos e/ou abuso de álcool e outras drogas, quanto dos recursos do território e do processo de trabalho em saúde. Na perspectiva da participação e da pesquisa-ação que nos orientou, o principal desafio era o de transformar a prática em saúde sobre sujeitos em uma prática com sujeitos13, com base nos princípios da indissociabilidade entre gestão e cuidado, da transversalidade (ampliação da comunicação; produção do comum) e do fomento do protagonismo das pessoas, preconizados pelo SUS. Tal direção ético-política fez com que a pesquisa-ação se desse de forma cogestionária, exercitando diferentes planos de pactuação, realização e avaliação ocorridos: no comitê gestor (gestores dos serviços e supervisão técnica de saúde, controle social, universidade), na rede (matriciamento); nos serviços e junto às miniequipes (reuniões). Do mesmo modo, a cogestão da pesquisa se deu no grupo tutorial, de forma que as reuniões sistemáticas entre preceptores, bolsistas, tutores e coordenação PET ampliavam a análise e os compromissos com as ações de assistência. Na direção da participação do usuário na pesquisa, não apenas a pactuação do ponto de vista ético foi bastante trabalhada, mas foi incentivado o seu engajamento na construção dos itinerários, de forma a refletir sobre o cuidado e o autocuidado em saúde com as equipes de saúde. Os serviços e equipes foram bastante receptivos à proposta da pesquisa-ação por acreditarem em um fomento dos debates teóricos, que viriam como apoio e problematização da prática que essa composição com a universidade poderia permitir. Assim, em relação às contribuições que os estudantes fizeram aos serviços, sobretudo na fase de acompanhamento do usuário e da participação nas reuniões de equipe para discutir o caso, pudemos perceber o fôlego que ganhou o Projeto Terapêutico Singular (PTS) do usuário. Outros prismas foram introduzidos na construção desse cuidado, sensibilizando a equipe para pensar, também, outros casos e provocando articulações em rede e novos arranjos no processo de trabalho. Esta ação se dá pela experimentação em ato nos processos de trabalho, o que permite a produção de movimentos de mudanças com efeitos práticos nos serviços e práticas de saúde. Podemos destacar os seguintes efeitos: - estreitamento das relações entre profissionais no serviço e entre serviços (ampliação da periodicidade do matriciamento), potencializando o trabalho em rede; - construção de um novo espaço de reunião interprofissional na Unidade Básica de Saúde (UBS), com participação do Núcleo de Apoio à Estratégia Saúde da Família (NASF) e do CAPS, com corresponsabilidade na atenção relativa aos casos de saúde mental; - elaboração de PTS mais articulados entre UBS e outros serviços de saúde/saúde mental; - a análise dos itinerários sinalizou dificuldades relativas à sustentação de PTS e necessidade de aprimoramento na coordenação do cuidado; - maior compreensão da função do serviço como formador. Os questionamentos feitos pelos bolsistas fomentaram o repensar do contexto, dos projetos terapêuticos, da clínica ampliada e tantos outros, fazendo com que, ali em ato, se produzisse a práxis entendida como “[...] um modo de agir no qual o agente, sua ação e o produto de sua ação são termos intrinsecamente ligados e dependentes uns dos outros, não sendo possível separá-los”14 (p. 23). “O próprio momento de encontro do grupo PET é situação na qual os saberes e práticas da instituição de ensino são transformados pelas demandas e condições da rede. Os bolsistas reconhecem os efeitos dessa experiência na sua participação nos espaços tradicionais de ensino, constituindo-se como multiplicadores de uma nova perspectiva, muitas vezes pouco presente na formação. Ao mesmo tempo, o PET-Saúde é espaço de articulação e de enfrentamento de questões próprias a um projeto comum entre diferentes atores da rede de serviços de saúde do território. Se a entrada dos bolsistas nos serviços produz impactos em relação às questões levantadas sobre a prática, o desenvolvimento da pesquisa fomenta uma discussão e intervém a todo tempo nas estratégias de cuidado em saúde mental. Pactuar a direção e os projetos específicos de ação/intervenção nessa rede é um compromisso de todos nós”. (Excerto do relatório de avaliação dos itinerários de formação, fevereiro de 2013) 850
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Foram realizados, no período de agosto de 2012 a junho de 2014, os seguintes seminários: Clínica ampliada e a função apoio matricial e institucional; Aprimoramento do cuidado em saúde mental: itinerários do ProPet-Saúde no território da Fó/Brasilândia; O território em diferentes perspectivas: geoprocessamento e experiências de abordagem territorial na STS Fó/ Brasilândia; Oficinas de geoprocessamento; Construção da Rede de Atenção à Pessoa com Deficiência; Saúde mental relacionada ao trabalho: ações em saúde do trabalhador desenvolvidas nas UBS; Itinerários de formação em saúde; Roda de conversa sobre formação em saúde com Jean Claude Polack e professores do Laboratório do Trabalho e Formação em Saúde (Unifesp – Baixada Santista); Avaliação Pró-Saúde II e ProPet-Saúde com o Ministério da Saúde; Como os princípios da Atenção Básica se expressam no cotidiano da UBS; Discussão de quatro casos, dois da área de saúde mental e dois da de reabilitação em relação ao acesso, integralidade, longitudinalidade, coordenação do cuidado e participação; Uso do genograma e ecomapa individual e de coletivos. Oficina para elaboração de genograma e ecomapas em dois casos; Crise como operador terapêutico: discussão de dois casos das pesquisas. (m)
artigos
Também utilizamos, como estratégia, a realização de seminários e oficinas de metodologia do cuidado e do trabalho em saúde, envolvendo docentes, discentes, profissionais de saúde e gestores. Estes se organizaram em torno das questões que os temas, situações e casos acompanhados na pesquisa colocavam: mapas de itinerários, função apoio, cuidado em rede, entre outros. Além dos diversos seminários – dirigidos ao conjunto dos atores do território envolvidos no Pró-saúde e nos dois projetos PET – foram realizadas quatro Oficinas de Saúde Mental, dirigidas mais especificamente aos profissionais do microterritório envolvido na pesquisa, assegurando espaços de restituição da própria pesquisa e de desenvolvimento dos temas desdobrados da mesma(m). Em tal processo de formação compartilhada, a universidade vem ampliando seu papel de apoio às equipes em seus processos de trabalho, em uma relação de cumplicidade com os agentes das práticas, o que suscita a reinvenção e ampliação de estratégias pedagógicas que superem a mera transmissão de conhecimentos e considerem: as especificidades de cada realidade, a construção de modos de agir frente à complexidade dos desafios do cotidiano da saúde, a ampliação da grupalidade e da corresponsabilização. As delicadezas produzidas neste encontro permitem que a preceptoria torne-se potente instrumento de formação crítica: “O PET traz uma diferença importante em relação aos estágios: o lugar da preceptoria e do serviço como formadores se intensifica [...] quanto mais o aluno entra [no território], mais coisa encontra: é fundamental articular a cultura e a vida do território às ações de saúde e o PET favorece este trabalho”. (Excerto de fala da gestora da UBS – Comitê Gestor Local do Pró-Saúde e do Proet-Saúde III. PUC-SP/Supervisão Técnica de Saúde Fó/Brasilândia, Memórias de reunião, agosto de 2013)
A sedimentação das experiências dos encontros ocorridos – tanto no território quanto na universidade – trouxe questões importantes que explicitaram transformações de concepções, reflexões ético-políticas, construção de novas referências, bem como de laços afetivos e afinamento de um projeto coletivo. Alguns efeitos evidenciados a partir desses processos foram: a promoção de cuidado integral e em rede, a constituição de sujeitos/identidades e exercício da cidadania, a complexificação dos olhares para o território/comunidade e para a saúde coletiva, o exercício da práxis do cuidado nos serviços, e a ampliação da discussão destes temas na universidade.
Questões e provocações quanto à graduação A introdução do PET-Saúde – alunos bolsistas, sobretudo dos primeiros anos de graduação, com presença sistemática e longitudinal em cenários de práticas do SUS – trouxe, de forma muito disruptiva, a tensão com experiências acadêmicas, no que tange às lógicas disciplinares presentes na formação: instrumentalização e fragmentação do saber, distanciamento teoria-prática, distanciamento conhecimento-vida, hierarquia e autoritarismo, racionalidade não operativa. A presença dos estudantes causa tanto impacto nos serviços de saúde quanto na própria IES, na medida em que os bolsistas multiplicam novas perspectivas entre o corpo discente e docente da PUC-SP, propondo discussões e questionamentos acerca da grade curricular e do processo de formação. As grades curriculares dos cursos envolvidos no programa apresentam deficiências no que se refere às discussões em saúde coletiva. O campo da saúde mental solicita, ao profissional, um novo olhar que acompanha os COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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desafios apresentados pela Reforma Psiquiátrica que não são contemplados na formação, como sinaliza Vasconcelos: “[...] os cursos universitários de psicologia, particularmente os de graduação, se mostraram geralmente inertes frente aos desafios dos novos campos de atuação profissional na área pública, repetindo os padrões hegemônicos”15 (p. 74). O PET-Saúde Mental discutiu a importância de compartilhar, na universidade, as angústias e discussões sobre a formação. Para tanto, nos aproximamos do Centro Acadêmico (CA) de Psicologia, o qual se propõe extrapolar os limites da universidade e expandi-los para discussões sociais e problemáticas da nossa sociedade, em que nos inseriremos como profissionais(n), suscitando conjuntamente discussões sobre a saúde mental e a Reforma Psiquiátrica na universidade. Estes coletivos (PET e CA) pautaram na Semana Acadêmica(o) e na Semana de Integração da Psicologia(p) (2º Semestre de 2013) o tema “saúde mental”. O PET-Saúde esteve presente nestes dois momentos, sobretudo, na Semana de Integração, onde tivemos a oportunidade de refletir sobre a importância da formação para o cuidado em saúde mental na grade curricular obrigatória para todo o curso. A Semana de Integração culminou em uma assembleia dos estudantes de psicologia, que teve como pauta a importância de a grade curricular do curso contemplar a formação em políticas públicas. As discussões apreciaram, também, a matéria de psicopatologia, permeada de críticas, uma vez que as aulas práticas da disciplina ocorrem em hospitais psiquiátricos. As discussões deste coletivo produziram uma carta para a coordenação do curso em que foram elencadas as decisões dos estudantes.
Disponível no site do Centro Acadêmico de Psicologia da PUC-SP: http://capsicopucspblog. wordpress.com/sobre/ [acesso 20 Agosto 2014].
(n)
Semana na qual diferentes cursos da universidade têm atividades comuns.
(o)
Semana de Integração da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, em que alunos e professores propõem atividades para além da sala de aula.
(p)
“[...] aprovada na assembleia a reivindicação da existência de uma nova matéria em nosso curso, História da Psicologia III, que deve abarcar a questão da inserção política do psicólogo ao longo da história, sendo nela abordada a sua atuação na Reforma Psiquiátrica [...] Foi também aprovada a reivindicação de uma mudança na parte prática da matéria de psicopatologia, que no entender do corpo discente deve passar a ocorrer de forma igualitária na rede substitutiva de atendimento à saúde mental”. (Excerto de documentos referentes à posição dos alunos quanto à saúde mental no curso de Psicologia da PUC-SP, 2013.)
As ações do PET-Saúde e do CA ganharam amplitude e legitimidade por meio da construção do Grupo de Trabalho (GT) Saúde Mental (2014) pela Comissão Didática do curso de Psicologia, do qual participam diversos docentes e discentes em busca de mudanças no currículo por meio de um eixo de experimentação interdisciplinar e transversal às disciplinas, o campo da saúde mental e coletiva, tendo em vista fazer mais presente o SUS e a Reforma Psiquiátrica na formação profissional. O relatório final do Grupo aponta que é fundamental garantir, na formação, tanto a compreensão e a importância da construção do campo da saúde mental quanto a instrumentalização para a dimensão clínica na atuação nesse campo”(q) (p.2). As discussões seguem na universidade, mas percebemos que há muitos entraves quando se propõem mudanças na estrutura curricular para uma formação orientada para o SUS. Deste modo, a construção do conhecimento, pelos potentes encontros entre ensino-pesquisa-assistência, propiciou a apropriação e sedimentação de saberes por intermédio da vivência. Por meio deste conhecimento, os bolsistas passaram, então, a compor, com pensamentos, lutas e movimentos, a constituição de sua própria formação. 852
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Relatório Final do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da Faculdade Ciências Humanas e da Saúde do curso de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, PUC-SP, junho de 2014.
(q)
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artigos
Considerações finais A iniciativa aqui referida – PET-Saúde – no cerne do que tange sua proposição, visa, segundo Portaria Interministerial3, colocar o Ministério da Saúde como ordenador da formação de profissionais de saúde com perfis adequados às necessidades e às políticas de saúde do país, com o intuito de estimular a qualificação desses profissionais e de docentes para atuarem orientados pelos princípios da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, bem como fomentar a articulação ensino-serviçocomunidade na área da saúde. Em acordo com seus objetivos, a experiência delineia um itinerário de formação construída de forma cogestionária entre universidade, gestão e serviço, podendo ser assim sintetizado16: a) formação-experiência ou aprendizado ativo, que se caracteriza por um pensar-fazendo, uma forma de conhecer encarnada, corporificada17 e não entendida apenas como processo mental. Dito de outro modo, a experiência é um pensar que não economiza ações; b) essa experimentação faz embaralhar fronteiras, produz uma disposição transdisciplinar, ou transversal. Ao cruzar as fronteiras espaciais/institucionais, esse aprendizado põe em questão a fragmentação dos serviços e dos saberes, sendo um dispositivo de produzir profissionais para além das disciplinas; c) a criatividade operativa ou a expressividade inventiva, um misto de expressividade e capacidade de reinvenção do mundo. Quando falamos de reinventar o mundo, não se trata de figura de linguagem, trata-se, efetivamente, de uma criação operativa, de uma invenção/adensamento de território existencial18. Tais efeitos formativos – aprendizado ativo, disposição transversal e criatividade operativa – se aproximam, assim, de uma formação problemática em que atuam as “afetividades, metamorfoses, gerações e criações” (e não teoremática, em que prevalece a preocupação com a “ordem das razões”)19 (p. 26). Alguns dos dispositivos que apontamos neste relato – itinerários de formação, cogestão, construção de encontros formativos com ferramentas para o cuidado em saúde, e o diálogo com situações concretas – têm contribuído para a construção gradativa de uma grupalidade operativa e de um trabalho cogestionário e em rede, que se afirma como uma ampliação do grau de transversalidade das partes envolvidas20. Tal experiência não se dá sem tensionamentos. IES e serviços são, cada qual, territórios heterogêneos quanto às práticas de formação e de atenção à saúde. A instalação de um campo permanente de análise destas tensões é tarefa essencial no percurso de trabalho4. Deste modo, os resultados dialogam com a direção sinalizada por Ceccim21, de que a intenção formativa para uma potência transformadora do cuidado, do trabalho e/ou do futuro profissional, aponta para a necessidade, nos contextos da saúde coletiva, do “desenvolvimento de recursos tecnológicos de operação do trabalho, perfilados pela noção de aprender a aprender, de trabalhar em equipe, de construir cotidianos eles mesmos como objeto de aprendizagem individual, coletiva e institucional”21 (p. 163).
Colaboradores Todos os autores trabalharam juntos na construção de todas as etapas de produção do manuscrito, sob coordenação dos tutores da universidade.
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artigos
19. Deleuze G, Guattari F. Mil platôs. São Paulo: Editora 34; 1997. v. 5. 20. Lourau R. Uma apresentação da análise institucional. In: Altoé S, organizador. René Lourau: analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec; 2004, p.128-139. 21. Ceccim RB. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface (Botucatu). 2005;9(16):161-77. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832005000100013
Conceição MR, Vicentin MCG, Leal BMML, Amaral MM, Fischer AB, Kahhale EMP, et al. Interferencia creativa en la relación enseñanza-servicio: itinerarios de un Programa de Educación em el Trabajo para la Salud (PET-Salud). Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:845-55. Este artículo discute la integración enseñanza-servicios de salud en el ámbito del PETSalud Mental, desde una perspectiva de las afectaciones producidas en la articulación entre enseñanza-investigación-asistencia y los encuentros entre estudiantes, docentes y trabajadores. Por lo tanto, disponemos de diferentes registros (memorias, informes y artículos) de la experiencia realizada (2012-2014). Presentamos algunos de sus dispositivos: itinerarios de formación, cogestión de la investigación y encuentros formativos; así como sus efectos: la potencialización de la red y la corresponsabilidad en la atención en casos de salud mental; mejora de los Proyectos Terapéuticos Singulares y de la coordinación del cuidado, ampliación de la función formadora del servicio y problematizaciones de la formación profesional en la universidad. Este encuentro universidad-servicio, pensado en su potencia formativa, se caracteriza por la interferencia creativa y por efectos transformadores para las personas que lo integran.
Palabras clave: Salud mental. Educación en salud. Servicios de integración docente assistencial. Atención primaria de salud. Programas nacionales de salud. Recebido em 16/09/14. Aprovado em 11/02/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0739
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Modos de cuidar e educar a partir do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde Vitória Solange Coelho Ferreira(a) Cristina Setenta Andrade(b) Ana Maria Dourado Lavinsky Fontes(c) Maria da Conceição Filgueiras de Araújo(d) Soraya Dantas Santiago dos Anjos(e)
Ferreira VSC, Andrade CS, Fontes AMDV, Araújo MCF, Anjos SDS. Healthcare and education from the Education by Work for Health Program. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:857-68.
Historically, the education of health professionals has focused on the construction of fragmented content that privilege biological determinism and disease as the object of consumption. The adoption of reorienting educational policies by educational institutions has stimulated new teaching and healthcare methods. This study aimed to analyze hinge mechanisms developed among managers, tutors, mentors, and fellows, featuring the devices that contribute to the reorientation to teaching and the development of new healthcare methods. This was an evaluative research work with a qualitative approach that used focus group, direct observation, and document analysis as data collection methods, followed by technical analysis of the data. The results show similarities between the services and education population, decreased fragmentation of content, strengthening of professional health education and teamwork, changes in the micro-policies at work, sharing of knowledge and practices, and the subjects’ implications in their own works.
Historicamente, a formação dos profissionais de saúde tem privilegiado a construção de conteúdos fragmentados, o determinismo biológico e a doença como objeto de consumo. A adoção de políticas reorientadoras da formação, pelas instituições formadoras, tem estimulado novos modos de ensinar e cuidar. Este trabalho teve como objetivo analisar mecanismos de articulação desenvolvidos entre gestores, tutores, preceptores e bolsistas, caracterizando os dispositivos que contribuíram na reorientação da formação e produção de novos modos de cuidar. Optou-se pela pesquisa avaliativa de abordagem qualitativa. Foram utilizados: grupo focal, observação direta e análise documental, como instrumentos de coleta, e a análise de conteúdo como técnica de análise. Os resultados apontam: aproximações entre serviços/ensino/população, diminuição da fragmentação de conteúdos, fortalecimento da educação permanente em saúde e do trabalho em equipe, mudanças na micropolítica do trabalho, compartilhamento de saberes e práticas, implicação dos sujeitos com seu fazer.
Keywords: Education by Work for Health Program (PET-Health). Continuous health education. Health education. Healthcare.
Palavras-chave: Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde). Educação permanente em saúde. Formação em saúde. Cuidado em saúde.
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(a,b,c,d,e) Colegiado de Enfermagem, Departamento de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Santa Cruz, Campus Soane de Nazaré. Rodovia Jorge Amado, Km 16, Salobrinho. Ilhéus,Ba, Brasil. 45662-900. vitsoll@gmail.com; cristina70@uol.com.br; anamarialavinsky@uol.com. br; confilgueiras@gmail.com; soraya.dsa@gmail.com
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Introdução Historicamente, a formação superior dos profissionais de saúde tem privilegiado a construção de conteúdos fragmentados em diversas disciplinas; e organiza-se em torno de relações de poder que colocam o saber do professor especialista em posição de destaque no processo de ensino-aprendizagem1,2. Nessa relação, os estudantes, sujeitos passivos do aprendizado, com pouca autonomia e capturados pelo modelo hegemônico de ensino, privilegiam o determinismo biológico e a doença como objeto de consumo. Os processos formativos desses profissionais, cuja natureza é instrumentalizar as “novas gerações de pensadores”3 (p. 236), têm produzido comportamentos cristalizados e de resistência contra os avanços no Sistema Único de Saúde (SUS), na medida em que permanecem “[...] alheios à organização da gestão setorial e ao debate crítico sobre os sistemas de estruturação do cuidado, mostrando-se absolutamente impermeável ao controle social sobre o setor [...]”4 (p. 42). Apesar dos avanços quanto à acessibilidade aos serviços e maior resolutividade dos problemas de saúde na atenção primária, fragilidades na gestão e no modo de operar o trabalho em saúde são, ainda, sentidos na formação. As vivências dos sujeitos, em suas práticas tradicionais, dificultavam a articulação de saberes e práticas interdisciplinares, horizontais e democráticas. A criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SEGETES), em 2003, possibilita o Ministério da Saúde (MS) formular políticas orientadoras da formação, desenvolvimento, distribuição, regulação e gestão dos trabalhadores de saúde do Brasil. A adoção dessas políticas ordenadoras da formação – a exemplo, do Aprender SUS, Programa Nacional de Reorientação da Formação dos Profissionais de Saúde (Pró-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-Saúde) – toma a integralidade, a intersetorialidade e a educação permanente em saúde (EPS) como idéia-síntese, e passa a influenciar os processos formativos com mudanças no modo de ensinar e de operar o cuidado dos futuros profissionais5-7. No que pesem as mudanças ocorridas nos currículos dos cursos de saúde, a maioria das instituições formadoras continua a privilegiar modelos conservadores centrados no uso extensivo das tecnologias duras, em detrimento das tecnologias leves e leve-duras, que privilegiam as relações entre profiss ionais-usuários-alunos-professores3,4,8. Pouco se constrói a partir destes encontros, do olhar do outro, do sentimento do outro, do conhecimento e inquietações do outro. Conforme Ceccim e Feuerweker [...] As instituições formadoras têm perpetuado modelos essencialmente conservadores, centrados em aparelhos e sistemas orgânicos e tecnologias altamente especializadas, dependentes de procedimentos e equipamentos de apoio diagnóstico e terapêutico.4 (p. 42)
Essa modelagem aponta para a necessidade de um debate interdisciplinar entre biólogos, clínicos, sanitaristas e ambientalistas como dispositivo potente de ampliação do olhar do sujeito epistêmico para além dos fatos mais visíveis dos processos cuidadores e formadores, ampliando e qualificando as discussões sociopolíticas e o compromisso social de todos os envolvidos nesta construção9,10. Em relação à produção do cuidado, observa-se que, apesar do grande investimento por gestores e trabalhadores de saúde em programas educacionais, não vêm ocorrendo mudanças significativas nas práticas de cuidado, o que sugere que as práticas pedagógicas sejam direcionadas para a implicação dos sujeitos em um campo de subjetivação de novos modos de operar o cuidado em saúde. Tal perspectiva ultrapassa o âmbito da cognição para outros territórios, em que olhares e afetações atravessam os envolvidos no ato de cuidar11. O PET-Saúde é desenvolvido por grupos de estudantes e preceptores (profissionais de saúde) com tutoria de um docente, organizados a partir de cursos de graduação das IES públicas e privadas sem fins lucrativo, orientadas pelo princípio da indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão. Tem por objetivo desenvolver atividades acadêmicas participativas e interdisciplinares, 858
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Ferreira VSC, Andrade CS, Fontes AMDV, Araújo MCF, Anjos SDS.
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contribuindo para a elevação critica dos alunos e uma atuação profissional pautada na ética e pela cidadania. Após três anos de experiências do PET-Saúde da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Unidades de Saúde da Família (USF’s), de dois municípios da região Sul do Estado da Bahia, tornou-se possível analisar os movimentos e fluxos gerados por esse Programa, e responder questões que se tornaram balizadoras deste estudo: De que forma se desenvolveram as experiências do PET-Saúde, nos municípios investigados? Quais os mecanismos de articulação desenvolvidos? Quais as contribuições para a formação e a produção do cuidado? Assim, foram traçados os seguintes objetivos: analisar os mecanismos de articulação desenvolvidos entre gestores, tutores, preceptores e bolsistas; e caracterizar os dispositivos que contribuíram na reorientação da formação profissional e na produção de novos modos de cuidar.
Trajetória metodológica
(f) Em Baremblitt13, dispositivo “é uma montagem ou artifício produtor de inovações que [...] atualiza virtualidades [...]” (p. 135).
Trata-se de uma pesquisa avaliativa de abordagem qualitativa, sobre as experiências desenvolvidas no PET-Saúde da UESC, em USFs de dois municípios localizados na Região Sul do Estado da Bahia. A base teórico-metodológica dessa investigação foi subsidiada pelas dimensões de análise da reorganização da atenção à saúde e processos formativos, destacando aspectos relacionados à gestão do trabalho, do cuidado e educação permanente em saúde na formação dos profissionais. Utilizaram-se, para análise dessas experiências, as dimensões avaliativas proposta por Donabedien12: a) estrutura: analisou-se a formação profissional e os projetos elaborados; b) processo: os dispositivosf geradores de movimentos instituintes de mudança no processo de trabalho da equipe, em especial, dos preceptores, tutores e bolsistas, pela possibilidade de apreender inovações no modo de ensinar, de produzir um cuidado integral e de implementar projetos de pesquisa voltados para as necessidades locais; e c) resultado: o impacto/mudanças na produção do cuidado operado pelas equipes saúde da família (ESFs), na formação dos alunos bolsistas da UESC e no processo de trabalho da ESF e dos professores tutores da UESC. O estudo teve como técnica de coleta de dados: o grupo focal (GF), observação direta e a análise documental. Foram realizados cinco GFs, constituídos de, no mínimo, cinco e, no máximo, nove participantes de cada segmento que atuavam no PET-Saúde: tutores (professores), preceptores (profissionais de saúde) e estudantes (bolsistas). Destes foram realizados: um GF com os tutores dos dois municípios; dois GFs com os preceptores, um para cada município, e dois GFs com os estudantes, sendo um em cada município. Os critérios de seleção dos grupos e número de participantes seguiram a relação de tutor x preceptor x bolsista proposta pelo Ministério da Saúde (um tutor para cada dois preceptores e 12 alunos para cada preceptor). Em relação à amostra, a diversidade da mesma e o processo de saturação dos discursos presentes nos atos de fala, no transcorrer das entrevistas, são importantes critérios de validação da investigação14. A investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UESC, e o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi assinado pelos participantes após a sua leitura e esclarecimentos acerca de seu teor.
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A análise de dados articulou a tríade avaliativa de Donabedian, seus respectivos descritores e os objetivos da investigação, tendo como eixo balizador essa articulação e os três momentos de análise, sugeridos por Minayo14. No primeiro momento, foi realizada leitura “flutuante” e a estruturação do mapa das “falas”. Neste, foram colocados, na vertical, os grupos de falas, organizados na forma de “corpus de comunicações”, e, na horizontal, os eixos temáticos classificados segundo as dimensões avaliativas e os objetivos da investigação, em que as falas contidas em cada corpus foram recortadas14 (p. 235). Para a constituição do corpus, as falas foram agrupadas de acordo os três grupos: tutores, preceptores e bolsistas. No segundo momento, mediante uma análise descritiva do material empírico, foi realizada a leitura detalhada do mapa de entrevistas, seja verticalmente, objetivando especificar o tema presente em cada um dos corpus ou grupo de entrevistados, seja horizontalmente, iniciando uma comparação entre esses temas. Foram definidos, então, os temas mais relevantes e as categorias analíticas centrais (estrutura, processo e resultado). Por fim, no terceiro momento, concluiu-se o processo de análise, por meio da etapa interpretativa, estabelecendo-se um confronto entre o discurso dos entrevistados e as reflexões teóricas em torno das categorias definidas acima.
Resultados e discussões Apesar do distanciamento das gestões dos problemas enfrentados pelos profissionais de saúde no nível local, percebe-se que a presença da academia na unidade de saúde constitui elemento motivacional importante para as equipes de saúde, instigando a curiosidade científica e fomentando o debate sobre as diversas situações vivenciadas no cotidiano, em que os trabalhadores trocam experiências entre si e com os acadêmicos, preceptores e tutores.
Dispositivos que contribuíram na reorientação da formação profissional e na produção de novos modos de cuidar As características peculiares do sistema de saúde municipal têm constituído um desafio tanto para a gestão quanto para a formação, na implementação de ações de promoção à saúde eficazes e oportunas e na busca de soluções criativas, que contribuam com a organização dos serviços e valorizem o trabalhador de saúde, os acadêmicos e, em especial, a comunidade usuária. Nessa direção, torna-se importante a implementação de currículos sensíveis às necessidades do trabalho e às demandas localizadas, sendo necessário desenvolver espaços de diálogo para escuta das práticas curriculares em territórios de produção do cuidado, que integrem ensino-serviço-comunidade e discutam os processos formativos em saúde, estimulando o trabalho em equipe, em que saberes, fazeres, poderes e responsabilidades possam ser compartilhados15. No processo de formação dos profissionais em saúde, a aproximação com os diversos cenários de práticas estrutura e mobiliza saberes e práticas que ajudam a integrar um corpo de conhecimentos pautados em habilidades na atenção à saúde e competências profissionais, desenvolvidos no decorrer da graduação, que irão refletir futuramente na qualidade dos serviços e do cuidado prestados ao indivíduo, a família e a comunidade. A implantação do PET–Saúde tem possibilitado, em ato, a vivência de processos formativos voltados para necessidades do trabalho e demandas locorregionais, sendo considerado, pelos entrevistados, como um dispositivo que possibilita, ao aluno, vivenciar e construir, com as equipes, uma reflexão acerca das práticas de saúde e da construção de vínculos sem maiores campos de tensão. Esse experimentar possibilitou, também: a ampliação e melhoria da relação institucional, estímulo ao diálogo, entre diferentes atores, sobre as necessidades e características definidoras do sistema de saúde, que contribuem para melhorar a formação do acadêmico, além de contribuir substancialmente para a reflexão das práticas pedagógicas dos docentes envolvidos. 860
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“O PET é uma importante troca de aprendizado com as equipes no fazer [...] é um dispositivo no meu processo de reflexão permanente [...] proporciona retomar a aproximação com as equipes e perceber que somos reciprocamente importantes [...] é uma motivação para todos.” (T1)
“Como estudante é mais fácil interagir com as equipes e estabelecer a discussão da linha do cuidado, de forma mais horizontal [...], daí estabelecemos melhor os vínculos com as equipes dos serviços.” (E1)
Potência para Baremblitt13, são “[...] capacidades virtuais ou atuais de produzir, inventar, transformar, [...].” (p. 163). Tem influência do pensamento nietzscheano, sendo considerada “a vontade de durar, de crescer, de vencer, de estender e intensificar a vida, um desafio à transmutação dos valores estabelecidos.”16 (p. 104). (h) Em Deleuze e Guattari17, “[...] o agenciamento é o crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões” (p. 17). (i) Em Barremblitt13 o instituinte aparece como uma atividade ou força revolucionária, transformadora e criativa, que tende a mudar ou alterar uma instituição. São forças produtivas de lógicas institucionais. Na instituição, representa o momento da particularidade. (j) Em Guatarri e Rolnik19, micropolítica estaria situada no cruzamento entre diferentes modos de apreensão de uma problemática. (g)
Observa-se um componente espinoziano nessa afecção descrita como “motivação para todos”. Percebe-se que existe potênciag nesse lugar que se revela como um agenciamentoh na produção de novos acontecimentos, saberes e práticas. Nesta perspectiva, a educação opera no mundo das relações de ensinoaprendizagem como dispositivo, em uma ação pedagógica que agencia processos de subjetivação, associados aos de cognição, pois, só assim, contribuiria na produção de sujeitos, entendidos como coletivos com capacidade de intervir na realidade com o objetivo de transformá-la11. A articulação e o compartilhamento de saberes, práticas e responsabilidades entre as categorias profissionais possibilitaram o estabelecimento de processos dialógicos e a horizontalização das relações de poder impostas pela divisão social e técnica do trabalho, abrindo espaços para participação ativa nas ações desenvolvidas. “A nutricionista foi fundamental na nossa integração. Ela, ao falar da conduta terapêutica, fortalecia o processo de enfermagem. […] A nutricionista tinha uma bagagem grande na área da saúde coletiva.” (A4)
Os diferentes níveis de implicação dos sujeitos envolvidos no processo de cuidar apontam a construção de diversas subjetividades na dependência dos processos cotidianos vivenciados ao longo da vida de cada um. Aqui, o sentido de implicação deve levar em conta os pertencimentos institucionais do pesquisador junto ao estabelecimento em estudo. Para Lourau18 (p. 56) “[...] se avaliará a implicação institucional do indivíduo (grupo, organização) como a soma de pertencimentos (subjetivos e objetivos) e referências na qual se inscreve”. Ademais, o protagonismo de sujeitos com capacidade de processos autoanalíticos e autogestionários diz respeito à apropriação de um saber acerca de si, de suas necessidades, demandas, problemas, limites e soluções, e baseiam-se em princípios humanitários e de solidariedade em um processo instituintei potencializador de um novo modo de produzir saúde e reorganizar os processos de trabalho11,13. Dessa forma, a atenção direcionada à necessidade do indivíduo, nas ações do PET-Saúde, deve ser construída tendo como pressupostos a relação dialógica entre os sujeitos do cuidar, que proporciona o desenvolvimento de cada um, no qual as individualidades, as crenças, a linguagem, entre outras, devem ser respeitadas. Mecanismos de articulação desenvolvidos entre a Equipe de Saúde de Família (ESF), tutores, preceptores, alunos e a comunidade [subtítulo] Na prática do cotidiano de trabalho das equipes, deve-se ter, como exigência ético-política, um sistema de gestão de trabalho e de cuidado que ofereça oportunidades de transformação das práticas profissionais, tendo
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como dispositivo: a aprendizagem significativa, a reflexão crítica sobre o trabalho em saúde e a experimentação da alteridade com os usuários. Esses pressupostos permitem, na micropolíticaj das relações da gestão setorial e da estruturação do cuidado em saúde, que se incorporem, ao aprender e ao ensinar, modos diferenciados de ensinar e cuidar, mais próximos à realidade e ao perfil profissional exigido pelo SUS. Nessa perspectiva, os mecanismos de articulação que serviram como analisadores deste processo foram: a EPS, as reuniões em equipe, as visitas domiciliares e a própria investigação, que serão apresentadas nos tópicos a seguir.
Pesquisa como dispositivo de produção do cuidado e de conhecimento A realização da pesquisa produziu diversos afetos e bons encontros geradores, ora de paixões alegres, ora de tristes, ao possibilitar diferentes e complexas composições com a produção de conhecimento técnico, cientifico e do senso comum, ao ampliar o acesso às informações e permitir a análise e compreensão da realidade de saúde das comunidades, possibilitando a busca por soluções efetivas e inovadoras. “Estudantes de medicina não tinham a mínima idéia de como fazer o levantamento de dados, foram fornecidos artigos científicos sobre o tema e eles passaram a entender o que era um dado epidemiológico. [...] o grande ganho foi aprender a produzir a partir dos dados levantados/coletados.” (T2)
Os problemas identificados nas USFs passam a ser objeto de investigação e intervenção, articulado com a gestão municipal na busca de minimizar nós críticos a serem enfrentados na micropolítica do trabalho em saúde e na construção de linhas de cuidado. Os preceptores referem que o tutor é um facilitador do processo, ao orientar e estimular a produção do conhecimento a partir das necessidades dos serviços e demandas locais. “[...] Exigiu aprimorar a sensibilidade para a escuta e a observação sistemática nesse espaço com todos do grupo e extrair elementos e conteúdos para orientar e produzir alguns trabalhos científicos, partindo [...] das necessidades do serviço como fonte de produção de conhecimento e pesquisa na universidade.” (P5)
Um dos problemas identificados refere-se à fragilidade na condução da visita domiciliar, prática rotineira no cotidiano do trabalhador, por levar muito pouco em consideração a singularidade dos usuários no atendimento de suas necessidades. Os prontuários, também, eram pouco observados para análise das necessidades antes das visitas; e a pouca utilização das tecnologias leves não demandava uma escuta qualificada para a realização de projetos terapêuticos potentes. A visita domiciliar tem como objetivo avaliar as necessidades e problemas dos usuários e familiares e o ambiente onde vivem, para a construção e acompanhamento de projetos terapêuticos singulares a partir do conhecimento da realidade dos usuários assistidos20. Investigações sobre a temática desencadearam a criação de protocolos e produção de trabalhos científicos: “Iniciamos trabalhando com a visita domiciliar. Trabalhamos com Portarias vimos às diferenças no processo de trabalho. Os alunos dos últimos semestres fizeram o PPLS para fazer a territorialização, fizemos questionários. […]. Foi feita com toda a equipe a visita domiciliar e a recepcionista pode perceber o trabalho de cada membro da equipe. Daí saiu 06 projetos. Então vimos à diferença do aluno que participa do PET e o outro que não.” (T1)
Para a formação discente, o acúmulo de dados transformados em informações aliado à experiência vivenciada na prática da atenção primária à saúde, permitiu aproximações sucessivas com a realidade dos serviços, consolidação da teoria apreendida na revisão de literatura sobre SUS e a ampliação da visão crítica sobre elementos de entraves à sua consolidação. Foi observado que nem sempre as 862
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condições do meio e as características dos atores sociais envolvidos permitiram que aquilo que está posto em forma de norma se transforme em ato concreto nas ações assistenciais.
Educação Permanente em Saúde como dispositivo de reorientação da formação profissional no SUS e de produção de novos modos de cuidar A EPS possibilitou no PET-Saúde: a experimentação de novas abordagens nos processos de produção do cuidado em saúde, (re)significação do processo ensinoaprendizagem para os discentes, equipe de saúde da família, preceptores e tutores. “No meu processo de formação, a experiência foi enriquecedora. A equipe esta sempre esperando que seja fortalecida e eu estava me fortalecendo também. Também a troca, na busca de conhecimento. [...] O clima é diferente, é porque todos estão querendo. Cheguei a me arrepiar!” (T4)
Em Deleuze21, afecção é o estado de um corpo quando sofre ação de outro corpo: “[...] a mistura de um corpo com um outro corpo” (p. 36-7).
(k)
Nas USFs, o PET-Saúde conseguiu produzir bons encontros e “afecções”k nos espaços de produção do cuidado e da formação; e, nesse processo de ensinar, aprender a aprender, produtor de sentidos, significados e implicações, são construídas práticas pedagógicas problematizadoras e ações tecnológicas mais relacionais e humanizadas no ato do cuidar. Esse processo de produção revela um espaço comum de trocas, intercessoras, que se produz nas relações entre “sujeitos” no espaço de suas interseções, que é produto que existe para os “dois” em ato que avança, paralisa, reflete e escuta o outro na busca de novos processos, de um em relação ao outro8. “[...] Os grupos de aprendizagem tutorial possibilitaram não só a articulação, mas, sobretudo a convergência para as descobertas e preocupações, senso de cooperação mútua, estimulou a criatividade e a construção coletiva entre os alunos, [...], na busca em solucionar problemas identificados no serviço, de caráter interpessoal com a equipe, técnico profissional ou pedagógico e inserindo a comunidade nesse processo.” (T5)
Os cenários de produção do cuidado, como cenários de produção pedagógica, re-significam a educação na saúde e colocam-na para além da relação ensinoaprendizagem, mas no âmbito dos processos de cognição e mudança na práxis social, com o sentido de criar grupos e sujeitos capazes de assumirem, para si, o protagonismo, como sujeitos sociais, que determinam o desenvolvimento do SUS22. “[...] Na construção das atividades pedagógicas gerou maior empenho e dedicação que me subsidiou frente ao desafio das metodologias ativas no espaço cristalizado do trabalho e do serviço [...] e rico de nuances e experiências populares.” (T5)
Como eixo integrador do ensino/pesquisa/extensão na produção do cuidado em USFs, a EPS possibilitou que a educação fosse vista como um dispositivo que liberta, pois possibilita fonte de conhecimento para maior autonomia dos usuários no cuidado de si, mas ressalta-se haver a necessidade de espaços de trocas existenciais férteis. Bem como, considerar a subjetividade de cada usuário significa perceber as diferenças, lidar com as singularidades, reconhecer suas expressões23. “[...] todos querem trabalhar na interdisciplinaridade. Na disciplina que atuo procuro atuar no tripé ensino/pesquisa/extensão, tento fazer uma articulação na extensão.
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Como docente só reforça que queremos mudar, fortalecer a experiência [...], sempre fui contra as caixinhas, vejo o aluno querendo fazer alguma coisa com a saúde mental, sem saber o que é saúde mental.” (T4)
Repensar a prática e considerar o saber do usuário permitiu, aos futuros profissionais, perceberem e valorizarem esses atores, em suas necessidades de saúde e demandas, e desmistificarem a relação saber/poder, histórica das profissões da área de saúde, que desconsideram a fragilidade do mesmo, não apenas no atendimento às suas necessidades, mas, sobretudo, no direito de conhecimento que tem sobre o seu corpo e seu agravo23. A maioria das vivências no PET-Saúde ocorreu em espaços de produção social, onde se buscou identificar os equipamentos sociais, no território da USF, que cuidavam de crianças com problemas advindos da atenção à saúde, da gestão do cuidado e das condições socioeconômica das famílias. Nos domicílios e na USF, foi priorizado, como problema, o desmame precoce de puérperas, e, posteriormente, agendado um encontro com mães/ESFs/UESC. A partir de então, foram construídas oficinas sobre aleitamento materno, para gestantes, e, como desdobramentos, visitas aos recém-nascidos, ao banco de leite e às puérperas, e a formação de grupos de apoio ao aleitamento materno. Na creche-escola, foram priorizados problemas do estado de saúde como: dermatites, precariedade na higiene e parasitoses, e implementada uma ação intersetorial para resolvê-los. Foram desenvolvidas, em articulação com a ESF, creche, discentes, tutores e mães: a produção de pasta d’água caseira, receitas caseiras de combate à escabiose e pediculose, e a construção de cartilha sobre dermatites e hábitos higiênicos, em uma profusão de trocas de saberes. Realizou-se, ainda, feira de saúde da criança, com ações de higiene bucal, jogo da velha sobre parasitoses, e produção de DVD. Esse processo deu-se em etapas, a partir da cogestão de coletivos que iam se implicando e afetando na redescoberta da importância de novas formas de fazer no cotidiano de trabalho da equipe saúde da família: “[...] Falando do aleitamento, o banco de leite não era lembrado e foi feito a visita no banco e feito sempre lembrado pelas ESFs [...].” (T4)
Vivenciar outros espaços que não as unidades de saúde permitiu, aos petianos, exercitarem a EPS como ação pedagógica, compreenderem a importância da articulação intersetorial em outros territórios produtores de saúde e da reorganização dos processos de trabalho de vigilância das enteroparasitoses em crianças (sete a 14 anos), e das doenças endêmicas.
Mudanças geradas pelo PET-Saúde na produção do cuidado em Saúde A reorganização da atenção à saúde no Brasil exige mudanças na estrutura dos serviços, nos processos formativos dos profissionais, na gestão do trabalho e do cuidado, capaz de imprimir diferentes modos de operar o trabalho em saúde. Pensar mudanças de práticas nos leva a refletir acerca da modelagem que caracteriza o atual perfil dos profissionais de saúde, e que perpassa por uma formação enraizada em uma estrutura que, ainda, valoriza a transmissão passiva do conhecimento centrado no modelo flexeneriano, voltado para o corpo biológico, o uso de tecnologias duras com foco em máquinas e equipamentos e de leves-duras, em detrimento das leves, que priorizam as relações no trabalho em saúde8. Esse modo de operar o cuidado tem nos levado a apostar em um novo desenho do processo de ensino-aprendizagem, mais próximo da realidade social em que estão localizados. Nessa nova proposta, os problemas e necessidades mais relevantes da população são identificados em uma tentativa: de estimular a inserção precoce do discente no cotidiano dos serviços; de fortalecer a articulação entre teoria e prática, e de incentivar uma formação global sólida com base na integração ensino-serviço-comunidade, contribuindo com a produção do cuidado integral e de qualidade. A análise dos indicadores de morbimortalidade dos idosos acamados e das crianças, bem como a identificação de processos de descuidado muito inquietou e instigou a equipe e usuários, mobilizandoos para a implementação de estratégias e elaboração de operações para o seu enfrentamento. 864
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Assim, a visita domiciliar aos idosos acamados e às crianças foi considerada prioridade, pois, por meio dela, se buscaram outras formas de atender as necessidades e interesses dos usuários, trabalhadores e instituições de saúde, com a criação de projetos terapêuticos singulares que autonomizassem as pessoas em seu modo de conduzir suas vidas. A discussão realizada sobre o significado e importância das visitas domiciliares possibilitou o envolvimento da equipe e sua valorização. Identificar crianças e idosos acamados em situação de risco ampliou o olhar da equipe para fatos mais visíveis, permitindo a inclusão dos determinantes sociais na construção dos projetos terapêuticos19. Frente às fragilidades e inquietações da equipe acerca do que fazer, foram realizadas qualificações de cuidadores de idosos, mães e agentes comunitários, e a construção de protocolos para visita domiciliar com implicação dos sujeitos envolvidos no processo de cuidar. Na produção do cuidado no atendimento domiciliar, estão presentes as diversas dimensões implícitas e explícitas deste ato vivo, que se expressam: pelo cuidar de si, o cuidar de si junto com o outro, o ser cuidado pelo outro, o sentir o sistema pessoal em processar o cuidado do corpo por si próprio, o ser/estar no sistema de relações múltiplas de cuidado e o cuidado com o ambiente.
Considerações finais As vivências no PET-Saúde permitiram aproximações entre serviços/ensino/população, diminuindo a fragmentação de conteúdos que capturam a formação de profissionais de saúde para atuar e fortalecer o foco do cuidado em indivíduos, famílias e comunidades nos diversos espaços de sua produção. Dentre os dispositivos que contribuíram para a formação profissional e novos modos de cuidar, observaram-se: a inserção precoce dos alunos nos cenários de prática do SUS; compartilhamento de saberes e práticas; trabalho em equipe, a EPS; processos comunicacionais mais horizontais, e a implicação dos sujeitos com seu fazer. Esses dispositivos têm permitido algumas mudanças na micropolítica do processo de trabalho, que poderão ser institucionalizadas pelos órgãos de formação e dos serviços de saúde. As práticas cuidadoras das equipes nas áreas de abrangência das USFs configuraram como o trabalho em saúde tem sido desenvolvido, e indicaram uma forte implicação desses profissionais com a lógica de funcionamento institucional que revela uma tendência de atuação na dimensão cuidadora do trabalho em saúde centrada no compartilhamento de saberes disciplinares e tecnologias relacionais, cujo foco de intervenção foi s elaboração de planos terapêuticos segundo os protocolos construídos de forma conjunta entre os trabalhadores da equipe, tutores, preceptores, alunos e a comunidade, nas reuniões da equipe. Apesar de o esforço do PET-Saúde e de algumas equipes para realizar outros modos de produzir, a existência de dificuldades constantes, como a falta de infraestrutura das unidades e de insumos necessários para atender as necessidades e problemas de saúde dos usuários e trabalhadores, vem colocando limites na capacidade inventiva dos trabalhadores. Na relação profissional-usuário-estudante, é visível a hegemonia do saber técnico sobre o saber do senso comum, carecendo uma maior horizontalização das relações de poder e utilização da EPS como dispositivo potente capaz de modificação de processos de trabalho e do modelo hegemônico de cuidar. Os serviços de saúde constituem espaços de produção social e de aprendizado, podendo se constituir ou não em espaços produtores de saúde e de qualidade de vida. Nesse contexto, as relações intersubjetivas se revelaram como ferramentas de potência para as equipes, os tutores, os preceptores e os discentes, oportunizando a vivência de processos de aprendizagem significativa, que irão contribuir com a formação de profissionais éticos e políticos comprometidos com a defesa da vida e com a qualidade dos serviços prestados à população. O Pet-Saúde vivenciou e contribuiu com a reestruturação produtiva em curso de mudança dos desenhos organizativos de saúde, quando potencializa o trabalho vivo em ato no atendimento às necessidades dos usuários na atenção básica; ao integrar o serviço/ensino/comunidade; ao
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proporcionar uma relação dialógica entre sujeitos do cuidar; ao respeitar singularidades, crenças e linguagem, estimulando a construção de novos processos cuidadores. Em verdade, apesar de ocorrerem importantes mudanças no modo de produção do cuidado, persistem, ainda, fortes características do modelo médico hegemônico voltado para regras próprias de mercado. No que pese o reconhecimento, pelos relatos dos participantes nos PET-Saúde, de processos de construção próprios nos serviços de saúde, percebeu-se pouca implicação da macrogestão e instituições formadoras para promoverem mudanças mais duradouras. Potencializaram-se trabalhadores e estudantes do PET para a produção do cuidado em saúde em espaços da microgestão como espaços de aprendizado.
Colaboradores Todos os autores participaram juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Albuquerque VS, Batista RS, Tanji S, Moço ET-SM. Currículos disciplinares na área de saúde: ensaio sobre saber e poder. Interface (Botucatu). 2009;13(31):261-72. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832009000400003 2. Feuerwerker LCM. Reflexões sobre as experiências de mudança na formação de profissionais de saúde. Olho Mágico. 2003;10(3):21-6. 3. Ceccim RB, Ferla AA. Educação e saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. Trab Educ Saúde. 2008;6(3):443-56. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462008000300003 4. Cecim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para a área de saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. 2004;14(1):41-65. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312004000100004 5. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de educação e desenvolvimento para o SUS: caminhos para a educação permanente em saúde: pólos de educação permanente em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios). 6. Ministério da Saúde, Ministério da Educação. Pró-Saúde: programa nacional de reorientação da formação profissional em saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2007. 7. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Diretoria de Gestão da Educação na Saúde. EducarSUS: notas sobre o desempenho do departamento de Gestão da Educação na Saúde, período de janeiro de 2004 a junho de 2005. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. 8. Merhy EE. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. 2a ed. São Paulo: Hucitec; 2005. 9. Minayo MCS. Estrutura e sujeito, determinismo e protagonismo histórico: uma reflexão sobre a práxis da saúde coletiva. Ciênc Saúde Colet. 2001;6(1):7-19. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232001000100002 10. Coelho Ferreira VS. Intersectorialidad en salud: un estudio de caso. In: Hartz, ZMA, Vieira-da-Silva, LM, organizadoras. Evaluación en salud: de los modelos teóricos a la práctica em la evaluación de programas y sistemas de Salud. Buenos Aires: Lugar Editorial; 2009. p. 101-48. 11. 11. Franco TB. Produção do cuidado e produção pedagógica: integração de cenários do sistema de saúde no Brasil. Interface (Botucatu). 2007;11(23):427-38. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832007000300003
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Ferreira VSC, Andrade CS, Fontes AMDV, Araújo MCF, Anjos SDS. Maneras de cuidar y educar de acuerdo con el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud. Interface (Botucatu). 2015;19 Supl 1:857-68. Históricamente la formación de los profesionales de la salud se ha centrado en contenidos de salud fragmentados que privilegian el determinismo biológico y la enfermedad como consumo. La adopción de las políticas de reorientación de la formación en las instituciones de enseñanza fomenta nuevas formas de enseñar y cuidar. Fueron analizados los mecanismos de coordinación entre los actores involucrados y los dispositivos que contribuyeron para la reconversión profesional y el cuidado de la producción. Optamos por el estudio cualitativo evaluativo. Los instrumentos de recolección fueron: grupos focales, observación directa y análisis de documentos y el análisis de contenido . Los resultados indican una aproximación entre los servicios/educación/población, la disminución de la fragmentación de los contenidos, el fortalecimiento de la educación sanitaria, los cambios en el trabajo de las micropolíticas, intercambio de conocimientos y la práctica, implicación de los sujetos con lo que hacen.
Palabras clave: Programa de Educación en el Trabajo para la Salud (PET-Salud). Educación permanente en salud. Formación en salud. Cuidado en salud.
Recebido em 06/09/2014. Aprovado em 17/12/2014.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0840
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Percepção de monitores do PET-Saúde sobre sua formação e trabalho em equipe interdisciplinar Simone Cardoso Lisboa Pereira(a) Vanessa de Oliveira Martins Reis(b) Célia Regina Moreira Lanza(c) Ivana Montandon Soares Aleixo(d) Monica Maria de Almeida Vasconcelos(e)
Pereira SCL, Reis VOM, Lanza CRM, Aleixo IMS, Vasconcelos MMA. PET-Health monitors perceptions regarding their education and interdisciplinary teamwork. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:869-78.
This study aimed to identify and analyze social representations of PET-Health monitors at the Minas Gerais Federal University (UFMG), Brazil, which participate in the School Healthcare research area, with respect to the influence of this experience on their professional education and their outlook toward interdisciplinary teamwork. The methodology sought to delineate their social representations. Their responses were assessed, entered into a database, and imported to the NVivo.10 software. The data were categorized and evaluated using collective subject discourse analysis. Data from 33 monitors of PET-Saúde were gathered, and these formed 16 representational components: nine related to the monitors’ education and seven related to interdisciplinary teamwork. The experience made a relevant difference to the education of professionals, with favorable perceptions toward interdisciplinary teamwork focusing on the social demands of the Brazilian Health System (SUS).
Keywords: Healthcare education. Teamwork. Interdisciplinarity. Social representations. School healthcare.
Buscou-se identificar e analisar as representações sociais de monitores do PET-Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil, que atuam na linha de pesquisa Saúde na Escola, concernente à influência dessa vivência na sua formação e no seu olhar sobre o trabalho em equipe interdisciplinar. O trajeto metodológico delineou as representações sociais dos monitores após vivenciarem o projeto. As respostas dos relatórios dos monitores foram digitalizadas e importadas para o programa NVivo10, categorizadas e analisadas por meio do discurso do sujeito coletivo. Levantaram-se dados de 33 monitores do PET-Saúde na Escola, que constituíram 16 componentes representacionais positivamente relacionados a sua formação (n=9) e ao trabalho em equipe interdisciplinar (n=7). Verificou-se que a vivência no referido projeto promoveu diferenciais relevantes na formação desses futuros profissionais de saúde, com percepções favoráveis ao trabalho em equipe interdisciplinar, atentas às demandas sociais do Sistema Único de Saúde (SUS).
Palavras-chave: Formação em saúde. Trabalho em equipe. Interdisciplinaridade. Representações sociais. Saúde na Escola.
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(a) Departamento de Nutrição, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Av. Professor Alfredo Balena, 190, 3º andar, sala 320, Bairro Santa Efigênia. Belo Horizonte, MG, Brasil. 30130-100. simoneclpereira@gmail.com (b) Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Medicina, UFMG. Belo Horizonte, MG, Brasil. vomartins81@gmail.com (c) Departamento de Cirurgia, Patologia e Clínica Odontológicas, Faculdade de Odontologia, UFMG. Belo Horizonte, MG, Brasil. celialanza@terra.com.br (d) Departamento de Educação Física, Escola de Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, UFMG. Belo Horizonte, MG, Brasil. ivanamontandonaleixo@ gmail.com (e) Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, UFMG. Belo Horizonte, MG, Brasil. monicavascon@ig.com.br
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Introdução Está posto que formar profissionais de saúde com perfil adequado às necessidades sociais é um dos maiores desafios do Ensino Superior que ganha dimensão particular e significativa pela natureza do trabalho nesse âmbito. Focadas na aproximação da teoria com a prática, as instituições formadoras têm despendido esforços importantes na busca de alternativas às suas ações educativas, sejam nos planos de ensino, na produção do conhecimento, bem como nas atividades de extensão interdisciplinares1. Ações essas que visam construir, com os graduandos, competências e habilidades concernentes: ao trabalho em equipe; ao processo de comunicação e proposição; ao procedimento de trabalho críticoreflexivo; e à capacidade de aprender a aprender2. Em face desse cenário de formação para a saúde, cabem se destacar as Novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), que enfatizam a prática de orientação ao Sistema Único de Saúde (SUS), valorizando a interdisciplinaridade e os aspectos humanísticos, além da efetivação de serviços de saúde resolutivos, voltados para as necessidades de saúde da população3,4. Nesse sentido, apreende-se que o SUS é o construto que oferta um espaço rico de aprendizado permanente na formação do graduando em Ciências da Saúde, por meio de vivências cotidianas em diferentes cenários, bem como possibilita a construção de oportunidades para seu futuro profissional5. Ademais, com a publicação do Decreto n° 7.508 de 28/06/2011, que dispõe sobre a organização do SUS e o planejamento e assistência à saúde, abriram-se perspectivas para o enfrentamento dos problemas nesta área, dos limites na capacitação profissional e na construção do cuidado integral aos sujeitos6. Nessa perspectiva, se insere o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET - Saúde) como um instrumento estratégico voltado às instituições de Ensino Superior para viabilizar as DCN e promover o perfil de profissionais de saúde voltados às demandas sociais. Articulando, assim, a interação entre graduandos de diferentes cursos de Ciências da Saúde, com profissionais do sistema e a população assistida pelo SUS, por meio da experimentação cotidiana em diferentes cenários, promovendo a interdisciplinaridade7,8. A interdisciplinaridade é conceituada por diversos autores pelo grau de integração entre as disciplinas, são ações conjuntas, integradas e inter-relacionadas, de profissionais de diferentes procedências quanto à área básica do conhecimento. O que se busca é a superação da fragmentação desse saber, reconhecendo e respeitando as especificidades de cada área profissional para comparar, julgar e incorporar esses elementos. Trata-se de uma maneira compartilhada e interativa, que facilita os enfrentamentos profissionais e a assistência humanizada que contribui para melhorar a compreensão na maneira de atuar9-11. Na Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, o PET-Saúde UFMG/Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte conta com 11 grupos tutoriais, envolvendo os 14 cursos de graduação em saúde (Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Gestão em Saúde, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia e Terapia Ocupacional), distribuídos nas redes de atenção à saúde do município e desenvolvendo projetos de pesquisa, extensão e ensino em temas relevantes para o SUS municipal. Dentre as linhas temáticas do PET Saúde/UFMG, está a Saúde na Escola (PET-Saúde III na Escola), conduzido por três grupos tutoriais, com seus respectivos distritos sanitários de abrangência, como um único projeto. Para este estudo, será abordada a pesquisa desenvolvida no âmbito das ações de avaliação das condições de saúde dos escolares, tendo como base o Programa Saúde na Escola (PSE) em Belo Horizonte, nas referidas áreas de abrangência da pesquisa, incorporando a expertise de professores e alunos de diversos cursos de graduação da UFMG (Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia e Psicologia), juntamente com profissionais de diferentes áreas (Enfermagem, Medicina, Odontologia, Psicologia, e Terapia Ocupacional) das redes públicas de saúde e educação, dentro de uma perspectiva interdisciplinar. A concepção da pesquisa PET-SAÚDE III na Escola foi orientada pelo conceito de educação de John Dewey, interligada a uma proposta interdisciplinar. Para esse autor, a educação é um processo de 870
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reconstrução de experiências. Não se trata de qualquer experiência, mas a que promove o alargamento e o crescimento do aprendizado anterior dos indivíduos, ao articular elementos internos do sujeito, subjetivos, e aspectos objetivos, do ambiente exterior. Ao se oportunizar a vivência dessas práticas, no processo, permite-se que o novo conteúdo fixe-se, intrinsecamente, no sujeito, passando a fazer parte dele, levando-o a uma nova realidade, a uma nova forma de pensar e de se comportar12. Ademais, um projeto interdisciplinar é uma ferramenta de ensino, que reúne diversas áreas do conhecimento, dentro de um assunto específico, onde tudo está interligado, é um sistema que engloba experiências em várias disciplinas, em busca de metas a atingir, dentro de um programa específico. A interdisciplinaridade, entendida como uma competência que resulta de um conjunto de saberes, habilidades e atitudes à possibilidade de trabalho conjunto, que respeita as bases disciplinares específicas, mas busca soluções compartilhadas para os problemas das pessoas e das instituições13. O processo de elaboração do projeto interdisciplinar PET-SAÚDE III na Escola ocorreu entre janeiro de 2012 e abril de 2013, envolvendo cinco etapas: 1) estudo da temática e desenho do projeto interdisciplinar; 2) construção das propostas dos protocolos de pesquisa; 3) compartilhamento e estudo do projeto e propostas dos protocolos; 4) elaboração do manual de aplicação dos protocolos de pesquisa; e treinamento para aplicação do manual elaborado. Na primeira etapa, houve a participação dos professores tutores e colaboradores dos cursos envolvidos; na segunda etapa, os preceptores dos cenários de prática foram inseridos no grupo; e, a partir da terceira etapa, houve, então, a participação dos bolsistas selecionados. Por conseguinte, a coleta de dados, considerando todas as linhas de base (escolares, pais, profissionais de saúde e profissionais da educação), ocorreu no período de maio de 2013 a julho de 2014. A etapa atual é de finalização da tabulação e análise dos dados. Por fim, para entender conhecimentos que orientam condutas e práticas no cotidiano, uma proposta seria o levantamento das representações sociais. Trata-se de produção subjetiva que influencia, sobremaneira, as práticas e os comportamentos, os quais têm por objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordens e percepções14. Ademais, como forma particularizada desses conhecimentos norteadores, as representações sociais são formas de saberes elaborados e compartilhados socialmente que contribuem para a construção de uma realidade comum, possibilitando a compreensão e a comunicação da pessoa no mundo15. Diante do exposto e tendo como base o provável impacto da proposta interdisciplinar da pesquisa supramencionada, o objetivo deste estudo foi identificar e analisar a percepção dos monitores do PET-SAÚDE da UFMG, que atuaram e atuam na linha de pesquisa Saúde na Escola, concernente à influência desta vivência na sua formação e no seu olhar quanto ao trabalho em equipe interdisciplinar.
Metodologia Trata-se de um estudo retrospectivo quantiqualitativo, com dados secundários obtidos do processo de elaboração do projeto interdisciplinar do PET-Saúde III na Escola e dos relatórios finais dos monitores participantes do referido projeto. O trajeto metodológico deste estudo buscou delinear a percepção dos monitores PET a respeito de sua formação e do trabalho interdisciplinar e em equipe, após experienciarem o projeto.
Avaliação da percepção (representações sociais) dos monitores bolsistas sobre sua vivência no projeto PET-SAÚDE III na Escola Os critérios de seleção dos dados dos monitores foram: ter vivenciado a pesquisa PET-SAÚDE III na Escola, por, pelo menos, seis meses, e ter respondido a pelo menos duas das questões: (1) “Qual a contribuição do projeto PET-SAÚDE III na Escola na sua formação?”; (2) “Essa vivência com o projeto PET-SAÚDE III na Escola interferiu na sua visão quanto às outras profissões?”; (3) “É possível o trabalho em equipe multiprofissional?”. Para o delineamento das representações sociais, as respostas apuradas nos relatórios foram digitalizadas e constituíram o discurso. Posteriormente, os dados foram importados para o programa COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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NVivo versão 10.0, categorizados e analisados segundo similitude de conteúdos, e trabalhados em frequência. Ademais, empregou-se, na avaliação, a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo-DSC16, que é uma proposta de organização e tabulação de dados qualitativos, obtidos de depoimentos. Tendo como fundamento a teoria da Representação Social e seus pressupostos sociológicos, a proposta consiste, basicamente, em analisar os depoimentos coletados. O DSC é uma modalidade de apresentação de resultados de pesquisas qualitativas, que tem relatos como matéria-prima, sob a forma de um ou vários discursos-síntese escritos na primeira pessoa do singular – expediente que visa expressar o pensamento de uma coletividade. Esta técnica consiste em selecionar, de cada fala individual a uma questão, as expressões-chave, que são trechos mais significativos dessas respostas. A essas expressões-chave correspondem ideias centrais que são a síntese do conteúdo discursivo. Com todo esse material, constroem-se discursos-síntese, na primeira pessoa do singular, que são os DSC, onde o pensamento de um grupo ou coletividade aparece como se fosse um discurso individual.
Resultados Foram apurados dados para o delineamento das representações sociais de 33 monitores do PETSaúde III na Escola, acadêmicos dos cursos de: Educação Física (n=5; 15,2%), Enfermagem (n=1; 3,0%), Farmácia (n=1; 3,0%), Fonoaudiologia (n=6; 18,2%), Medicina (n=7; 21,2%), Medicina Veterinária (n=1, 3,0%), Nutrição (n=6; 18,2%), Odontologia (n=2; 6,1%) e Psicologia (n=4; 12,1%). As ideias centrais (IC) e as sínteses dos discursos do sujeito coletivo (DSC) foram apresentadas a partir de cada resposta às questões de interesse contidas nos relatórios finais dos monitores do PET-Saúde III na Escola, com o auxílio do software NVivo. Devido às conexões e similaridades das abordagens das respostas concernentes às duas primeiras perguntas, essas estão apresentadas conjuntamente (Quadro 1). Com base nas análises dos DSC, as representações sociais dos monitores podem ser dispostas em dois grupos (Tabela 1), em função da sua natureza e do tipo de abordagem realizada em função do objetivo deste estudo: levantamento e análise da percepção sobre o impacto do projeto na sua formação (Grupo 1) e sobre a viabilidade do trabalho em equipe multiprofissional e sua relação com a interdisciplinaridade (Grupo 2). Avaliando as representações sociais do Grupo 1, respectivas à percepção dos monitores quanto à sua formação, após a experimentação no projeto PET-SAÚDE III (Tabela 1), nove categorias de representações sociais foram identificadas, destacando aspectos relevantes, como: vivência no âmbito do SUS relativa à atenção básica e sua contribuição na formação (n=17, 51,5%); articulação teoria e prática (n=16, 48,5%); iniciação à pesquisa e oportunidade de experimentação no ambiente escolar público (n=11, 33,3%); e interesse pela saúde pública (n=4, 12,1%). Quanto ao Grupo 2, concernente ao trabalho em equipe multiprofissional/interdisciplinar, contemplando sete abordagens da temática nas representações sociais apuradas (Tabela 1), boa parte dos monitores reconheceram: a importância de outras áreas da saúde (n=32, 97%); que o trabalho em equipe estava presente na proposta do projeto (n=22, 66,7%), e que esta forma de trabalho é fundamental para atender às demandas sociais de saúde (n=29, 100%). Ademais, nota-se o reconhecimento da contribuição de cada profissão na equipe (n=8, 27,7%); e da intersetorialidade entre a saúde e educação no campo de atuação do projeto vivenciado (n=5, 15,2%).
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Quadro 1. Ideias centrais e os discursos do sujeito coletivo síntese apurados nos relatórios finais dos monitores PET-Saúde na Escola. Belo Horizonte, 2013-2014 Discurso síntese do sujeito coletivo
Ideias centrais
Pergunta 1 - “Qual a contribuição do projeto PET-SAÚDE III na Escola na sua formação?”; “Essa vivência com o projeto interferiu na sua visão quanto às outras profissões?” 1IC-1 - Percepção do trabalho em equipe multiprofissional
DSC-1: Por meio das atividades do projeto constatei a importância do trabalho em equipe interdisciplinar, que enriqueceu o trabalho final, pelos diferentes pontos de vista e conhecimento dos profissionais e alunos envolvidos.
1IC-2 - Reconhecimento de outras áreas da saúde
DSC-2: Hoje, ao final da participação no projeto, vejo que por meio do PET tive contato com alunos de outros diversos cursos da área da saúde o qual possibilitou um entendimento maior sobre as funções, atividades, particularidades e importância dos diferentes profissionais no contexto da saúde pública.
1IC-3 - Iniciação à pesquisa
DSC-3: Por meio do PET tive oportunidade de participar de pesquisas e elaborar trabalhos científicos que são enriquecedores para a nossa vida acadêmica e profissional; bem como para a sociedade. Essas atividades também me proporcionou participar de eventos científicos e divulgar os trabalhos do PET.
1IC-4 - Articulação teoria e prática
DSC-4: O PET foi de grande importância para a construção de conhecimento relacionado à saúde pública local, articulando teoria e prática, sendo essa uma realidade diferente da vivenciada dentro de sala de aula.
1IC-5 - Contribuição para a formação profissional
DSC-5: O PET foi decisivo na minha formação profissional
1IC-6 - Intersetorialidade saúde e educação
DSC-6: Outro aspecto que contribuiu para a minha formação foi a compreensão do funcionamento do PSE, que relaciona a saúde com a educação.
1IC-7 - Formação humanizada
DSC-7: A minha participação no projeto contribuiu para que eu tenha uma formação mais humana e realista das necessidades sociais de saúde.
1IC-8 - Despertou interesse pela saúde pública
DSC-8: Antes de trabalhar no PET não estava nos meus planos trabalhar no sistema público, hoje já considero essa possibilidade.
1IC-9 - Mudança na percepção da atenção primária à saúde
DSC-9: Mudei completamente a visão que eu tinha do sistema público de saúde do Brasil. É mais organizado e estruturado do que eu pensava. Há acesso aos serviços básicos de qualidade, mas tem demandas de melhoria quanto ao acesso de cuidados por especialistas.
1IC-10 - Oportunidade de experimentação no ambiente escolar público
DSC-10: Tive contato com profissionais, alunos e o funcionamento de uma escola municipal, onde me deparei com problemas que eu não vivenciei, pois sempre estudei em escolas particulares.
1IC-11 - Vivência no âmbito do SUS, relativa à atenção primária
DSC-11: O PSE contribuiu na minha formação por facilitar minha compreensão e proporcionar vivência na saúde pública. Pude entender como funciona a atenção primária e reconhecer sua importância.
Pergunta 2 - “É possível o trabalho em equipe multiprofissional?” 2IC-1 - Trabalho em equipe necessário às demandas sociais de saúde.
DSC-1: É possível e necessário. Uma equipe de saúde precisa ser multiprofissional para que todas as demandas da comunidade sejam atendidas.
2IC-2 - Trabalho em equipe é viável desde que haja uma liderança para coordenar os trabalhos
DSC-2: É totalmente possível desde que haja alguém como referência, para organizar e comandar o grupo. Pois caso contrário, por mais unida e estimulada que seja essa equipe, começa a ocorrer perda de foco e falhas de comunicação que prejudicam muito a execução das atividades.
2IC-3 - Trabalho em equipe demanda entendimento da contribuição de cada um dos diferentes profissionais na equipe
DSC-3: Trabalhar em equipe multiprofissional exige entender as capacidades do outro e como este pode contribuir para uma atividade. É uma forma enriquecedora de trabalho e, sobretudo de experiência de vida, mas que requer um esforço significativo.
2IC-4 - Trabalho em equipe requer flexibilidade com responsabilidade
DSC-4: Cada indivíduo tem suas excepcionalidades e suas dificuldades e o grupo permite que se reúnam as facilidades individuais a fim de aperfeiçoar o trabalho.
2IC-5 - Trabalho em equipe depende de sua valorização na formação acadêmica
DSC-5: Acredito que o trabalho multiprofissional apresenta suas dificuldades, especialmente pelo fato de alguns profissionais não reconhecerem sua importância já na graduação, impondo resistência em seus campos de atuação, mas é viável.
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Tabela 1. Grupos das representações sociais dos monitores concernentes à experimentação no projeto PET-Saúde na Escola. Belo Horizonte - MG, 2014. Ideias Centrais 1IC-3 1IC-4 1IC-5 1IC-7 1IC-8 1IC-9 1IC-10 1IC-11 2IC-5 1IC-1 1IC-2 1IC-6 2IC-1 2IC-2 2IC-3 2IC-4
Categorias Grupo 1- Formação acadêmica Iniciação à pesquisa Articulação teoria e prática Contribuição na formação Formação humanizada Interesse pela saúde pública Mudança na percepção da atenção primária à saúde Oportunidade de experimentação no ambiente escolar público Vivência no âmbito do SUS, relativa à atenção primária Trabalho em equipe depende de sua valorização na formação acadêmica Grupo 2- Equipe multiprofissional e interdisciplinaridade Percepção do trabalho em equipe multiprofissional Reconhecimento de outras áreas da saúde. Intersetorialidade: saúde e educação Trabalho em equipe necessário às demandas sociais de saúde Trabalho em equipe é viável desde que haja uma liderança para coordenar os trabalhos Trabalho em equipe demanda entendimento da contribuição de cada um dos diferentes profissionais na equipe Trabalho em equipe requer flexibilidade com responsabilidade
f
%
11 16 17 2 4 3 11 17 3
33,3 48,5 51,5 6,1 12,1 9,1 33,3 51,5 10,36
22 32 5 29 5 8
66,7 97 15,2 100 17,2 27,6
3
10,3
Nota: As duas primeiras perguntas foram respondidas por 33 sujeitos, enquanto a terceira pergunta foi respondida por 29.
Discussão Os resultados apurados neste estudo apontam o entendimento dos monitores concernente à influência da sua experimentação no projeto PET-SAÚDE III na Escola sob sua formação e perspectiva de trabalho em equipe multiprofissional/interdisciplinar. Nesse sentido, a estratégia adotada, de análise da representação social, pareceu apropriada para possibilitar a identificação e análise dessas percepções. Cabe salientar que as representações sociais incluem as dimensões: cognitiva, afetiva, simbólica e imagética. As representações, nesse sentido, possuem, ao lado e de modo inseparável do cognitivo, simbólico e do emocional, um sentido subjetivo e uma configuração subjetiva17,18. Reconhecendo que essas representações constituem uma produção subjetiva que assegura a estabilidade do “mundo” no qual as pessoas acreditam, garantindo a identidade e a segurança dos indivíduos, propõe-se uma análise que verifique, nos sujeitos, o (re) conhecimento da realidade profissional, que, neste estudo, foram abordadas de acordo com a divisão dos grupos, 1 e 2. Analisando as representações sociais do grupo 1, apreende-se que os monitores reconhecem a influência positiva (“decisiva”) da experimentação no projeto PET-SAÚDE III na Escola em sua formação. Essas constatações endossam a assertiva de que a extensão universitária tem possibilidade de se concretizar como uma prática acadêmica essencial, que, neste estudo, foi viabilizada pela estratégia de ensino do PET-Saúde. Isto, pois, coloca a extensão como um espaço estratégico, para promover práticas integradas entre várias áreas do conhecimento19, que, neste caso, foi o projeto de pesquisa PET-SAÚDE III na escola. O desafio que se impõe é o de procurar, por meio da atividade do aprimoramento acadêmico, ser um elemento articulador da comunicação entre teoria-prática, universidade-sociedade, visando à integração do pensar e fazer praticados no cotidiano universitário. Como uma proposta norteadora, o manual da extensão20 enfatiza que os princípios da integração ensino-pesquisa, teoria e prática que embasam essa concepção de aprimoramento, são como uma função acadêmica da universidade que revela um novo pensar e fazer, que se consolida em uma postura de organização e intervenção na realidade, em que o aluno deixa de ser passivo 874
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no recebimento das informações/conhecimentos transmitidos pela universidade, e passa a ser participativo, crítico e construtor dos possíveis modos de atuação na sua futura prática profissional. Nesse sentido, a interação ensino-pesquisa-extensão é o pilar que alicerça a formação humana/ profissional. Ressalta-se ainda que a percepção dos monitores sobre a iniciação à pesquisa científica na sua formação pode ser revestida de um caráter pedagógico, na medida em que confere uma dinâmica à graduação e amplia o conceito de formação, que não se limita só à vida acadêmica, mas se estende à formação de profissionais mais críticos, capacitados a responderem aos desafios sociais e dotados de autonomia e iniciativa21. Ademais, essa iniciação prepara o aluno, permitindo uma interação entre o trabalho da pesquisa e as práticas de sua profissão nos projetos de extensão, em um processo de crescimento, mudança e aprendizado na graduação. Os benefícios oriundos da iniciação à pesquisa contribuem não somente para consolidar essa experiência como um processo que deve ser iniciado na graduação, mas, também, como uma ferramenta integradora de pessoas e de momentos de produção, pois, a articulação entre os diferentes níveis de formação/ensino e a integração entre graduandos são uma oportunidade para alavancar o potencial dos alunos e favorecer uma visão sistêmica do trabalho cooperativo e interdisciplinar para além das fronteiras dos projetos de pesquisa22. Quanto ao grupo 2, referente à percepção dos monitores sobre o trabalho em equipe multiprofissional/interdisciplinar, após experienciarem o projeto em estudo, visualizou-se que a quase totalidade dos monitores (re) conheceu a importância das particularidades de cada profissão, com a perspectiva, para muitos, de um trabalho em equipe/interdisciplinar voltado às demandas sociais de saúde. Esses achados fortalecem o caminhar da proposta de trabalho do PET-Saúde da UFMG, que vem se alicerçando no trabalho em equipe multidisciplinar, com intenso incentivo para que o trabalho seja interdisciplinar. A proposta é a de que o graduando em Ciências da Saúde não replique, no projeto PET-Saúde, as ações que ele desenvolve rotineiramente nos estágios previstos no curso de graduação, a formação, necessariamente, deve ser complementar. Para Batista23, a interdisciplinaridade representa um caminho para a transformação do ensino em saúde, procurando configurar espaços de aprendizagem coadunados com as necessidades e demandas sociais, respondendo aos desafios da ética, da integralidade, do cuidado e da intersetorialidade. Desta forma, verifica-se que os monitores perceberam a ação interdisciplinar apontando para a importância das ações coletivas, apreciando e valorizando o saber do outro. Autores sustentam que, nas Diretrizes Curriculares Nacionais, a saúde é considerada uma área interdisciplinar, que o conhecimento é um processo de construção compartilhado, e que se apresentam como desafios no Ensino em Saúde23-25. A interdisciplinaridade é um dos caminhos que possibilita aproximações para a construção de um novo saber.
Considerações finais Os resultados deste estudo nos permitem enfatizar que o PET-Saúde III na Escola proporcionou a vivência de alunos de diversos cursos da área de saúde da UFMG em unidades de saúde e escolas públicas de alta vulnerabilidade social, contribuindo não só para minimizar limitações do ensino fragmentado, mas, também, para a prática da interdisciplinaridade. A realização de uma pesquisa aplicada com construção de um manual de coleta de dados e a participação de um grupo heterogêneo, com professores e estudantes de várias áreas afins e profissionais da rede de serviço local, também foram facilitadores desse processo. Com esta dinâmica do projeto em análise, verificou-se que a interação ensino-serviço, numa perspectiva de pesquisa interdisciplinar, configurou-se como um componente estratégico no processo de formação desses graduandos, possibilitando a reflexão sobre suas práticas por meio da construção de conhecimentos segundo as necessidades do SUS. Nessa perspectiva, espera-se que o aluno tornese capaz de transformar o conhecimento científico em condutas profissionais e pessoais, relativas aos problemas e necessidades da sociedade. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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No entanto, lembra-se que o processo de formação profissional numa concepção ampliada em saúde permanece como um grande desafio para as instituições de Ensino Superior. Ensino, pesquisa e extensão precisam caminhar juntos para possibilitarem, ao aluno, uma formação como cidadão e profissional, capacitando-o para agir conscientemente em face das questões da sociedade. A extensão universitária cada vez mais se situa como espaço privilegiado de aprendizagem, possibilitando, a universitários e professores, a saída dos muros acadêmicos para a aprendizagem e ensino no real e complexo trabalho interdisciplinar em saúde. Percebe-se, portanto, que a participação nas atividades propostas pelo projeto possibilitou, aos discentes, a interação direta entre o ensino teórico-prático, à pesquisa, e ao exercício da cidadania, aliada a uma formação mais humana e reflexiva, na qual os sujeitos estão conscientes de suas responsabilidades sociais no ambiente onde estão inseridos. Apreende-se que o desafio é o trabalho em ato, no cotidiano das relações e experimentações, conforme a teoria de Dewey. O desafio está posto, ou seja, fazer com que inovações na formação e na prática dos serviços sejam implementadas para uma maior qualificação dos profissionais para atuação no SUS.
Colaboradores Todos os autores responsabilizaram-se, igualmente, pela concepção, planejamento, análise e interpretação dos dados; elaboração do rascunho; revisão crítica do conteúdo. Referências 1. Feuerwerker LC. Educação dos profissionais de saúde hoje: problemas, desafios, perspectivas e as propostas do Ministério da Saúde. Rev ABENO. 2010;3(1):24-7. 2. Biscarde DGS, Pereira-Santos M, Silva LB. Formação em saúde, extensão universitária e Sistema Único de Saúde (SUS): conexões necessárias entre conhecimento e intervenção centradas na realidade e repercussões no processo formativo. Interface (Botucatu). 2014;18(48):177-86. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0586 3. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação da área de Saúde. Brasília (DF): MEC; 2001. 4. Rossoni E, Lampert J. Formação de profissionais para o sistema único de saúde e as diretrizes curriculares. Bol Saude. 2004; 18(1):87-98. 5. Bulgarelli AF, Souza KR, Baumgarten A, Souza JM, Rosing CK, Toassi RFC. Formação em saúde com vivência no Sistema Único de Saúde (SUS): percepções de estudantes do curso de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. Interface (Botucatu). 2014;18(49): 351-62. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0583. 6. Brasil. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do SUS, o planejamento de saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial União. 29 jun 2011.
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Percepção de monitores do pet-saúde ...
Pereira SCL, Reis VOM, Lanza CRM, Aleixo IMS, Vasconcelos MMA. Percepción de monitores del PET-Salud respecto a su formación y trabajo en equipo interdisciplinario. Interface (Botucatu). 2015; 19 Supl 1:869-78. El objetivo fue delinear las representaciones sociales de los monitores del PET-SaludUFMG, Brasil, que actúan en la línea de investigación Salud en la Escuela, acerca de la influencia de esa experiencia en su formación y con respecto al trabajo en equipo interdisciplinario. El trayecto metodológico buscó delinear las representaciones sociales de los monitores. Fueron depuradas las respuestas en los informes de los monitores, digitalizadas e importadas para el programa NVivo.10. Posteriormente, fueron categorizadas y analizadas vía discurso del sujeto colectivo. Se pesquisaron datos de 33 monitores del PET-Salud en la Escuela, constituyendo 16 representaciones sociales, siendo nueve relacionadas a su formación y siete al trabajo en equipo interdisciplinario. La experiencia en el proyecto ayudó a promover diferencias para la formación de futuros profesionales de salud, con percepciones favorables para el trabajo en equipo interdisciplinario, dirigidas a las demandas sociales del Sistema Brasileño de Salud (SUS).
Palabras clave: Formación en salud. Trabajo en equipo. Interdisciplinariedad. Representaciones sociales. Salud en la Escuela. Recebido em 06/09/14. Aprovado em 30/01/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0751
artigos
A intersetorialidade como estratégia para promoção da saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes
Elza de Fátima Ribeiro Higa(a) Fernando Henrique Bertolin(b) Larissa Fernandes Maringolo(c) Thais Fernanda Silva Almeida Ribeiro(d) Liliana Harumi Kuabara Ferreira(e) Vanessa Aparecida Sanches Campassi de Oliveira(f)
Higa EFR, Bertolin FH, Maringolo LF, Ribeiro TFSA, Ferreira LHK, Oliveira VASC. Intersectorality as a strategy for promoting adolescent sexual and reproductive health. Interface (Botucatu). 2015;19 Supl 1:879-91.
This is a descriptive, qualitative research conducted by the Education by Work for Health Program (PET-Health) that describes activities conducted in schools for promoting sexual education and prevention of teenage pregnancy and how researchers may contribute to this care. Twenty public schools from a Sao Paulo State town were enrolled, represented by one of three workers. Data were obtained by two open questions and processed by contents analysis with a thematic modality. We observed a predominance of medicalbiologist activities in the program content in schools, in preference to amplified approaches or partnerships aiming at intersectoral and multidisciplinary works, although the educators acknowledged the importance of the latter. PET-Health had thus showed ways to contribute to activities that were already being conducted, in addition to improving researchers’ training and personal relationships, both of which are vital to the comprehension of care from the perspective of integrality.
Keywords: Sexually transmitted diseases. Teenage pregnancy. Teenage Intersectorality. Sexual education.
Esta pesquisa, descritiva e com abordagem qualitativa, realizada pelo Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PETSaúde), descreve ações realizadas em escolas para promoção da saúde sexual e prevenção da gravidez na adolescência, e como os profissionais pesquisadores podem contribuir para esse cuidado. Participaram vinte escolas estaduais de um município do interior paulista, cada uma delas representada por três profissionais. Os dados, obtidos por duas perguntas abertas, foram interpretados pela técnica de Análise de Conteúdo, modalidade temática. Verifica-se, nas escolas, predomínio de ações do conteúdo programático em detrimento de abordagens ampliadas ou parcerias visando trabalhos intersetoriais e multidisciplinares, embora os educadores reconheçam as importantes contribuições das mesmas. O PET-Saúde elaborou um plano de atividades para contribuir com ações já desenvolvidas, além de aperfeiçoar a formação e as relações interpessoais, que são de vital importância para a compreensão do cuidado na perspectiva da integralidade.
Palavras-chave: Doenças sexualmente transmissíveis. Gravidez na adolescência. Adolescência. Intersetorialidade. Educação sexual.
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ª Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA). Avenida Monte Carmelo, 800, Bairro Fragata. Marília, SP, Brasil. 17519030. serie1@famema.br (b,c,d) Acadêmicos, curso de Medicina, FAMEMA. Marília, SP, Brasil. secreger@famema.br (e) Secretaria Municipal de Saúde. Marília, SP, Brasil. usfcdhu@gmail.com (f) Maternidade e Gota de Leite de Marília. Marília, SP, Brasil. finaceiro@gotadeleite.com.br ( )
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Introdução Esta pesquisa aponta as ações que as escolas estaduais de um município do interior paulista vêm desenvolvendo para a educação sexual e prevenção de gravidez na adolescência, e como o Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-Saúde) pode contribuir para implantação ou ampliação desse cuidado, tendo em vista sua integralidade. Algumas estratégias vêm sendo desenvolvidas no sentido de se buscar um cuidado na perspectiva da integralidade. Entre elas, o PET-Saúde incentiva a integração ensino-serviço-comunidade por meio da inserção de docentes e estudantes de graduação na rede pública de saúde, de forma que as necessidades dos serviços sejam fonte de produção de conhecimento e de pesquisa nas instituições de ensino. O PET-Saúde é articulado ao Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), subsidiado pelo Ministério da Saúde e desenvolvido nos municípios em parceria entre as instituições de Ensino Superior e as Secretarias Municipais de Saúde. Espera-se, com o PET-Saúde, o estímulo à formação de profissionais com perfil adequado às necessidades e às políticas públicas de saúde do país, bem como o desenvolvimento de novas práticas de atenção e experiências pedagógicas, contribuindo para a reorientação da formação e a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos cursos de graduação da área da saúde1,2. Segundo o Artigo 198 da Constituição Federativa do Brasil, a saúde é um direito fundamental do ser humano3. A Lei Federal n° 8.080/90 aponta que o indivíduo deve receber cuidado na perspectiva da integralidade, que pode ser compreendida como “um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”4 (p.4). A adolescência é a etapa da vida compreendida entre a infância e a fase adulta, marcada por um complexo processo de crescimento e desenvolvimento biopsicossocial. A Organização Mundial da Saúde delimita a adolescência à segunda década da vida (de dez a 19 anos). É importante ressaltar que os critérios biológicos, psicológicos e sociais também devem ser considerados na abordagem conceitual da adolescência5. O início da atividade sexual entre os adolescentes tem ocorrido de forma muito precoce, associado à falta de conhecimento sobre sexualidade e métodos contraceptivos, além do baixo nível de escolaridade, ocasionando maior frequência de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e de gravidez indesejada6. Em 2013, na América Latina, ocorreram, aproximadamente, dez novos casos de infecção por vírus da imunodeficiência humana (HIV) a cada hora, sendo o Brasil responsável por 47% deles. O país foi um dos poucos na região a apresentarem aumento significativo no número de novas infecções, com um incremento de 11% em relação ao ano de 2005. Os jovens, na faixa etária entre 15 e 24 anos, foram responsáveis por um terço dessas novas infecções, o que os coloca num grupo-chave para ações de combate à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Apesar disso, os grupos-chave para a doença ainda se deparam com alto nível de estigma, discriminação e violência, o que cria forte obstáculo ao acesso às medidas preventivas, tratamento, cuidados e serviços de apoio às DST. É consenso, na Organização das Nações Unidas (ONU), que aumentar o conhecimento e a conscientização sobre DST entre a população em geral permite que as pessoas se protejam e contribui para reduzir o estigma e a discriminação contra as pessoas vivendo com as doenças7. Sendo os adolescentes um segmento vulnerável da população, sobretudo, devido à pratica de ações pouco seguras em relação ao sexo e à sexualidade, é preciso adotar estratégias bem estruturadas em educação e saúde, priorizando, também, projetos intersetoriais voltados às demandas desse grupochave8. A educação é um fenômeno social, com todas as suas determinações. É campo da ação humana. A educação não se reduz à escolarização ou, meramente, à instrução. Educar é construir redes de significações culturais e de comportamentos, de acordo com os códigos sociais vigentes, reproduzindo padrões. Freud apresenta a sexualidade como algo inerente ao ser humano e, na criança, como uma manifestação importante de atividade intelectual, mostrando a união educação-sexualidade. Dessa maneira, a sexualidade é uma dimensão inseparável do existir humano, e a educação sexual, implícita ou explicitamente, não se dissocia da dimensão sociopolítica e cultural9. 880
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Cada grupo social e cultural constrói e recria valores imaginários e conceitos sobre o papel da sexualidade para o ser humano. Em vista disso, a educação sexual acontece em todos os grupos sociais, de forma atemporal e acultural, expressando-se em diversos paradigmas e refletindo-se em múltiplas organizações da sociedade, inclusive, a escola. Paradigma é um tipo de visão de mundo, individual e coletivo, que se expressa no fazer cotidiano humano, como dito, indissociado da sexualidade. No campo sexual, os paradigmas se concretizam no que se chamam vertentes pedagógicas de educação sexual10. Segundo a literatura, as vertentes dominantes na abordagem da educação sexual no Brasil têm sido caracterizadas como: médico-biologista, normativo-institucional e terapêutico-descompressiva, considerando o consumismo pós-moderno11. Na vertente médico-biologista, a reprodução humana é o eixo da discussão, com estudo de anatomia, higiene e procriação, sem a inserção de uma análise maior da sexualidade, como, por exemplo, o aspecto sociopolítico e cultural. Condutas sexuais diferentes desse padrão muitas vezes são consideradas ou entendidas pelos ouvintes como “desvios”, ainda que haja, também, exemplificação de outros modelos animais e vegetais para explicar a sexualidade humana. O reforço da desigualdade entre os sexos, estipulando tarefas para meninos e para meninas, estimula a submissão. Então, um suposto referencial biológico justificaria esse sexismo. Na vertente normativo-institucional, há uma rigorosa moral repressiva determinante, misturando conceitos e teorias científicas, religiosas e morais. Defende a promoção dos papéis sexuais do modelo ocidental cristão e a propagação do casamento tradicional patriarcal. Há repressão de outras práticas sexuais como, também, de comportamentos sexuais não procriativos. Há predominância normativa da família tradicional, igreja e escola. Na educação, essa vertente está presente, no próprio currículo, perpetuando um tipo de discriminação inaceitável. A vertente terapêutica-descompressiva baseia-se em uma concepção distorcida da psicanálise e dos referenciais da psicologia. A técnica metodológica utilizada é a baseada em propostas de “receitas” de como viver a sexualidade de maneira individual, mas, também, coletiva. A sexualidade é vista como questão de produtividade e técnica. Assim, propostas veiculadas em revistas e mídia televisiva, entre outras, ensinam a maneira, dita correta, de vivenciar experiências, perpetuando e padronizando comportamentos. Naturaliza-se a sexualidade e o sexo como mercadoria. Aparentemente, há uma liberalização e descompressão das práticas sexuais, não as considerando como uma construção histórico-sociocultural. Essa vertente se mostra mais explícita fora da escola, porém, inevitavelmente, se reflete nela11. O entendimento desses paradigmas, muitas vezes subjacentes ao viver diário, ajuda a aguçar a percepção sobre eles e a procurar maneiras de compreender, viver e até reconstruir a própria sexualidade. Desse modo, há de se partir de uma análise da vida social que não encontre fatores limitantes, como, por exemplo, a religiosidade ou a psicanálise. Assim, uma ruptura desses modelos é, muitas vezes, necessária a fim de se buscar um novo, que aponte para uma sociedade nova, com mais igualdade, e que atenda à diversidade cultural, baseada nos direitos humanos e cidadania, prevalecendo o paradigma dos direitos sexuais como parte dos direitos universais do ser humano9. Na tentativa governamental de melhorar a Educação Básica nacional, foram instituídas as DCNs. A partir delas, ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, orientação sexual e trabalho e consumo são conhecimentos que deveriam nortear as diversas disciplinas. Tendo em vista o crescente impacto epidemiológico das DSTs entre jovens e adolescentes e da carga psicossocioeconômica advinda da gravidez indesejada nessa mesma faixa etária, foram criados diversos programas federais, estaduais e municipais visando diminuir esses índices e seus efeitos12. Ainda no final da década de 1980, foram instituídos programas voltados para a saúde do adolescente, como o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD)13, cujas normas buscavam proteger e assegurar seus direitos e, ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)14. As inúmeras iniciativas criadas, sejam governamentais ou de grupos sociais, visando à ampliação da atenção aos jovens, continuavam, porém, não representando um trabalho intersetorial para a integralidade do cuidado a essa faixa etária15. Em 1996, o governo do Estado de São Paulo dá início ao projeto “Prevenção Também se Ensina”, por meio de parceria entre as secretarias de Educação e da Saúde, visando à promoção da saúde na 881
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faixa etária escolar. O objetivo do projeto envolve a capacitação de educadores e o envio de materiais didáticos específicos às escolas estaduais, no que se refere à prevenção às DST/Aids e ao uso indevido de drogas, para que esta temática seja incorporada à grade curricular das unidades, visando alcançar todos os jovens em fase escolar. Essa capacitação sugere filmes, leituras ou dinâmicas sobre os temas, que podem ser solicitados, pelos professores, junto à coordenação16. Na atual conjuntura, considerando a Estratégia Saúde da Família (ESF) como o novo modelo de práticas profissionais e de assistência à saúde das populações, podem-se reestruturar as ações programáticas instituídas até então para os adolescentes, de forma que essas dialoguem com os serviços de atenção básica de saúde, em diferentes áreas de abrangência, favorecendo o surgimento de novas ações intersetoriais8. Como exemplo de política intersetorial dos Ministérios da Saúde e da Educação, podemos citar o Programa Saúde nas Escolas (PSE), instituído pelo Decreto Presidencial nº 6.286, de 2007. Esse programa é estruturado de forma a permear cinco eixos principais, que vão: desde a avaliação das condições de saúde da população escolar, promoção de práticas em saúde e prevenção de doenças, até a capacitação continuada de educadores e profissionais da saúde, além do monitoramento das ações do programa, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de todos os segmentos populacionais que frequentam a rede escolar pública. Como desdobramento do PSE, houve, ainda em 2007, a implantação do projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE), visando, especificamente, à promoção da saúde e à prevenção de doenças prevalentes entre os adolescentes, por meio do incentivo às ações intersetoriais que extrapolem um único setor da política pública, articulando-se com diversos setores sociais especializados para a troca de experiências e saberes. A conscientização sobre o uso de álcool e de outras drogas, a educação para a saúde sexual e sexualidade, a prevenção da gravidez na adolescência e a prevenção das DST/Aids são pontos fundamentais hoje discutidos pelo projeto, preocupando-se, sempre, com a qualidade e adequação das informações compartilhadas17. Considerando a importância dessa temática, esta pesquisa visa analisar se as escolas estão desenvolvendo ações para promoção da saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes, e descrever como os pesquisadores do PET-Saúde podem contribuir com esse cuidado, partindo do pressuposto de que a intersetorialidade, a multiprofissionalidade, bem como a formação profissional são estratégias que podem contribuir com a prevenção das DST e da gravidez na adolescência.
Método Trata-se de pesquisa de campo do tipo exploratório descritivo, com abordagem qualitativa. Essa modalidade de pesquisa permite a apreensão dos valores e aspirações dos participantes, o que possibilita ampliar a compreensão da realidade18. Para demonstrar a quantidade das ações sugeridas ao PET-Saúde, pelas escolas participantes, foi utilizado um recurso pautado na perspectiva quantitativa, descrito em modo de frequência e percentual simples19. De acordo com as resoluções 196/96 e 466/13, esta pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Avaliação de Pesquisa da Secretaria da Saúde (COMAP) da Secretaria Municipal de Saúde de Marília, e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Faculdade de Medicina de Marília/FAMEMA. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes da coleta de dados20,21. O estudo foi desenvolvido em vinte escolas estaduais de um município do interior paulista, cada uma representada por três profissionais: diretor, coordenador e professor, codificados, respectivamente, por D, C e P. Para a identificação das necessidades de educação sexual e reprodutiva dos adolescentes, foi utilizado um instrumento de coleta de dados, contendo duas questões abertas: 1 “Quais as atividades / ações que você realiza para a promoção da saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes, tendo em vista a integralidade do cuidado?” e 2 “Que sugestões você daria para que o PET-Saúde contribuísse com esse cuidado?”. A coleta de dados foi agendada previamente com a coordenação das escolas e realizada pelos estudantes bolsistas do PET-Saúde que entregaram o TCLE, leram o
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instrumento com as perguntas juntamente com os participantes, e aguardaram o seu preenchimento. Os dados foram interpretados pela Técnica de Análise de Conteúdo, Modalidade Temática18.
Resultados e discussão Participaram desse estudo sessenta profissionais de vinte escolas de um município do interior paulista. Da análise dos dados obtidos, emergiram, da Questão 1, quatro temas: I nenhuma ação é realizada; II atividades realizadas pela escola, incluindo aulas previstas no conteúdo programático de ciências e biologia, palestras sobre DST/aids e cuidados de higiene pessoal e métodos contraceptivos, realizadas por profissionais da saúde de modo pontual, quando convidados para complementação do conteúdo curricular; recursos didáticos e audiovisuais, constituídos por: filmes, vídeos, peças anatômicas, cartazes e álbuns seriados sobre o sistema reprodutor masculino e feminino e DST; capacitação de alunos do grêmio estudantil para serem multiplicadores dessa temática na escola, por meio de: dinâmicas, peças de teatro, rodas de conversa, apresentação de filmes e vídeos, dentre outros; orientações para alunos, funcionários e familiares, por meio de conversas informais, quando solicitado algum esclarecimento sobre o assunto, e distribuição de preservativos; III projetos governamentais, assim representados: Vale Sonhar, Prevenção Também se Ensina, Liga da Prevenção e Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI); e IV parcerias com outros setores, como: Unidade Básica de Saúde (UBS), Unidade de Saúde da Família (USF), Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) e Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Da Questão 2, cinco temas: 1 recursos interativos e audiovisuais, 2 palestras e dinâmicas, 3 materiais educativos, 4 apoio pedagógico, e 5 abordagem ampliada do cuidado.
Dados analisados a partir da Questão 1 Quais as atividades/ações que você realiza para a promoção da saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes, tendo em vista a integralidade do cuidado? Os resultados apresentados no Quadro 1 indicam que nenhum diretor referiu o tema I como resposta, contrapondo-se a 10% dos professores e a 10% dos coordenadores. Esse tema diz respeito à ausência de qualquer tipo de ação para promoção da educação sexual. Entretanto, não houve, em nenhuma das escolas, concordância entre as respostas dos três profissionais em relação ao tema I. Questionado sobre as atividades desenvolvidas pela escola onde trabalha, o professor respondeu: “Alguns alunos procuram os professores e fazem perguntas ou nós observamos o comportamento dos alunos e percebemos a necessidade de abordar certos temas. Um projeto ou trabalho aprofundado não tem sido realizado”. (P1)
É possível observar, nessa resposta, que talvez haja discordância entre os profissionais dessa mesma escola sobre se essas ações individuais e de caráter passivo relatadas podem ou não ser consideradas promotoras da saúde sexual e da prevenção da gravidez na adolescência. Desse modo, segundo a Quadro 1. Temas obtidos da questão 1, a partir da análise das respostas dos profissionais participantes Tema I
Tema II
Tema III
Coordenador
2
16
7
Tema IV 3
Diretor
0
15
10
9
Professor
2
14
4
1
Tema I: nenhuma ação é realizada Tema II: atividades realizadas pela escola Tema III: projetos governamentais Tema IV: parcerias com outros setores
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literatura, os professores deveriam ser capacitados para que eles valorizassem o desenvolvimento dessa temática e para que compreendessem a pluralidade das ações que poderiam ser desenvolvidas12. No que se refere ao tema II, a maioria dos profissionais (75%) relatou que as ações já existentes para prevenção de DST e gravidez na adolescência estão vinculadas a atividades realizadas pela escola (tema II). Dentre essas ações, foram citadas aquelas elaboradas por iniciativa de profissionais ou alunos, ou as que fazem parte de um plano curricular básico de educação escolar, como explicitado pelo professor: “Como o currículo é de forma espiral, os alunos recebem orientações nos quatro anos de ensino fundamental, ou seja, o conteúdo da vida sexual vai aprofundando-se conforme ele (o aluno) vai avançando as séries”. (P2)
A predominância do tema II em relação às outras categorias revela que as ações realizadas pelas escolas não ultrapassam os limites propostos pelos materiais curriculares e pelas vivências individuais dos educadores, formando, a nosso ver, indivíduos poucos críticos, adequados às normas preestabelecidas, perpetuando preconceitos, estigmas e comportamentos. Portanto, corroborando o que apresenta a literatura, na educação sexual contemporânea predominam as vertentes médicobiologista e normativo-institucional, sem abordagem ampliada da sexualidade como aspecto sociopolítico e cultural10. Nessa perspectiva, é preciso que se consiga entender a dimensão estrutural, indissociável do contexto social, como fruto das relações sociais. Assim, a sexualidade não deve ser vista como anomalia, doença ou disfunção. Trata-se de um complexo de valores, modelos, comportamentos e padrões socialmente construídos de acordo com os mais diversos agentes. Para atendimento dessa demanda, no conjunto das organizações sociais, a escola tem fundamental importância na formação de crianças e adolescentes, visto ser um espaço de convivência e educação formal, onde os jovens passam grande parte de seu tempo, podendo experimentar os mais diversos tipos de relações afetivas. É, portanto, um espaço rico para aprendizagem e prática, não somente cognitiva, mas, também, das relações humanas, incluindo a sexualidade, conhecimento sobre os gêneros, como, também, do sexo. A escola tem o compromisso de formar cidadãos conscientes de seu papel social, direitos e deveres9. Como estratégia para operacionalização dessas ideias, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Governo Federal vem se estruturando em torno de programas que estimulem e viabilizem a reestruturação dos currículos do Ensino Médio: O ProEMI, instituído pela Portaria nº 971, de 9 de outubro de 2009, tem sua proposta de ação educativa centrada na seleção de valores construídos pela sociedade, valorizando práticas escolares que visem a conhecimentos relevantes e pertinentes, integrados às relações sociais, aos saberes e às experiências dos estudantes, importantes para o desenvolvimento de identidade, condições socioafetivas e cognitivas. A valorização da leitura e o desenvolvimento da capacidade do aprendizado, de forma investigativa e criativa, são o foco dos programas para a construção desses conhecimentos22. Assim, pela aplicação prática, a partir da aprendizagem teórica, a metodologia adotada deve proporcionar a iniciação científica. Dessa forma, a relação teoria/prática, focando a contextualização do conhecimento, favorece a construção do saber de maneira interdisciplinar e problematizadora22. O segundo maior índice (35%) representa as ações de educação vinculadas aos projetos governamentais (tema III), entre as quais se destacam: os projetos “Vale Sonhar” e “Prevenção também se ensina”, como citado pelo coordenador: “Temos projetos que abrangem a orientação sexual e trabalhos de prevenção. Participamos do projeto junto com a diretoria de Ensino ‘Prevenção também se ensina’, além do projeto ‘Vale Sonhar’ que faz parte do currículo oficial do Estado de São Paulo”. (C1)
No que se refere ao projeto Prevenção Também se Ensina, a literatura aponta que ele deve ser desenvolvido, interdisciplinarmente e de forma conjunta, por todos os professores, permeando todas
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as áreas ao longo do ano letivo. O projeto prevê, também, que a escola promova o desenvolvimento humano, pela inserção dos alunos no contexto social e a construção do conhecimento, levando os jovens e adolescentes a pensarem sobre suas escolhas e responsabilidades16. Apesar da preocupação com a estruturação didática desse programa (elaboração de material, inserção do tema em apostilas e livros das várias áreas do conhecimento, entre outras), há uma esfera de fundamental importância que ainda precisa ser contemplada: a capacitação dos professores. É preciso que consigam trabalhar esse tema de forma natural, fornecendo, também, dados compatíveis cientificamente e (não somente de suas experiências particulares) como artifício para manter os jovens atentos ao que é debatido, substituindo a chacota por atenção e interesse12. Considerando a estrutura organizacional proposta pelos governantes para o desenvolvimento desses projetos, esperava-se que todas as escolas desenvolvessem, pelo menos, um deles, entretanto apenas 60% das escolas o fazem, como demonstrado no Gráfico 1.
Escolas
90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%
Tema I
Tema II
Tema III
Tema IV
Tema I: nenhuma ação é realizada Tema II: atividades realizadas pela escola Tema III: projetos governamentais Tema IV: parcerias com outros setores
Gráfico 1. Porcentagem das escolas que realizam atividades de educação sexual e de prevenção da gravidez na adolescência, considerando cada tema.
Observa-se, no Gráfico 1, que 45% das escolas referiram a existência de parcerias com outros setores (tema IV). Entretanto, comparando-se com o Quadro 1, percebe-se grande discrepância entre as respostas dos profissionais, já que apenas um professor (5%) e três coordenadores (15%) citaram essas parcerias, enquanto nove diretores (45%) apontaram a existência delas. Outro coordenador evidencia a falta de visão para a abrangência dos órgãos que podem firmar parcerias para o desenvolvimento das atividades de promoção de saúde sexual, expondo, também, a dificuldade de estabelecer tais parcerias, mesmo conhecendo-se a importância dessas: “Consideramos de grande importância o esclarecimento dos nossos alunos a respeito da saúde sexual e por isso, a participação de projetos, sejam como este da FAMEMA ou outros com vínculos à Prefeitura (Posto de Saúde, Secretaria da Saúde, etc.) estão em pauta no planejamento escolar de nossa unidade, mas nem sempre somos contemplados”. (C2)
A baixa porcentagem referente ao tema IV sugere que há falta da intersetorialidade na educação sexual realizada nas escolas, que pode ser atribuída à não-percepção das falhas existentes na educação preventiva tanto pelos educadores quanto pelos profissionais da saúde. Como meta a ser atingida, o
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Ministério da Saúde aponta para a necessidade da participação de múltiplos setores na educação sexual dos adolescentes, que pode ser de grande valia23. No que se refere às ações intersetoriais, estudiosos elucidam que o projeto Saúde e Prevenção nas Escolas aponta para a necessidade de desenvolvimento da promoção da saúde e da prevenção de agravos prevalentes entre jovens e adolescentes. Esse projeto preconiza ações essenciais: saúde reprodutiva, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e educação para a saúde sexual. Ainda em relação à intersetorialidade, o projeto também recomenda que exista gestão que ultrapasse um único setor da política social, e que essa se articule entre os diversos setores especializados. Seguindo essa lógica, a intersetorialidade pode se configurar numa estratégia de otimização de conhecimentos, competências e relações harmoniosas em benefício de uma prática social compartilhada, que privilegia ações de pesquisa, planejamento e avaliação 17,24. Ademais, os resultados obtidos indicam que grande parte das instituições parceiras realiza ações muito pontuais e não atinge os adolescentes de maneira adequada, ou seja, não atua nas reais necessidades dessa população. Inclusive, muitas escolas sugeriram que os pesquisadores do PETSaúde realizassem ações contínuas ou, ao menos, que deixassem um legado para que essas ações se propagassem.
Dados analisados a partir da Questão 2 Que sugestões você daria para que o PET-Saúde contribuísse com esse cuidado? A partir da análise apontada no Quadro 2, observa-se que 85% das escolas sugerem que as ações nas formas de palestras e dinâmicas seriam o modo mais eficaz de o PET-Saúde contribuir para a educação sexual e prevenção de gravidez na adolescência na escola. Os argumentos dos profissionais entrevistados sugerem que este tipo de atividade desperta maior interesse e tem maior efetividade: “São necessárias palestras com profissionais da área, para esclarecimento ou aprofundamento deste assunto, tão desejado por parte dos nossos alunos”. (P3)
“As palestras na escola surtem efeito positivo, porque os alunos prestam mais atenção quando este tema é abordado por profissionais da área”. (P4)
Para 55% das escolas, o PET-Saúde poderia auxiliar na educação sexual dos adolescentes, oferecendo apoio pedagógico, o que inclui orientações aos professores, familiares e alunos, e auxílio no conteúdo programático de ciências, para que as ações possam ter continuidade, mesmo após a saída dos pesquisadores:
Quadro 2. Sugestões dos profissionais participantes aos pesquisadores do PET-Saúde, para a contribuição para a promoção da saúde sexual e prevenção de gravidez na adolescência. Ações sugeridas
Número de escolas
Tema 1
5
Tema 2
17
Tema 3
6
Tema 4
11
Tema 5
6
Tema 1: Recursos Interativos e Audiovisuais Tema 2: Palestras e Dinâmicas Tema 3: Materiais educativos Tema 4: Apoio pedagógico Tema 5: Abordagem ampliada do cuidado
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“Trabalhar em parceria com a escola, tendo um olhar para as necessidades da escola e do aluno. A contribuição também seria no sentido de formação para que mesmo após o encerramento pelo PET as ações tivessem continuidade”. (C3)
Partindo do princípio de que a participação de outros setores na educação de adolescentes pode contribuir para melhor disseminação de conhecimentos sobre educação sexual e reprodutiva, o PETSaúde, desde sua vigência em 2010-2011, tem demonstrado maneiras de colaborar com as ações já desenvolvidas pelas escolas: contribuindo com o projeto SPE, atuando diretamente na capacitação dos grêmios estudantis para atuarem como multiplicadores na comunidade escolar, segundo indicado na Análise do projeto saúde e prevenção nas escolas: contribuição à gestão intersetorial17. “Que as ações praticadas nas Unidades de Ensino priorizassem a necessidade da escola e que fosse dado retorno à equipe gestora após aplicação do Projeto (Avaliação + Proposição de futuras intervenções)”. (D1)
O uso de materiais educativos, assim como a abordagem ampliada do cuidado, foram citados, cada um, por 30% das escolas. A abordagem ampliada do cuidado é por nós entendida como: sexualidade em geral, higiene pessoal, papel dos gêneros na sociedade, respeito às diversidades e valorização do corpo, com o objetivo de criar indivíduos mais críticos. Essa abordagem deve ser desenvolvida para além da transversalidade, onde os conteúdos são articulados com as matérias programadas no currículo; dessa maneira, a sexualidade seria tratada, se não por todos, pela maioria dos professores das diversas disciplinas, considerando as necessidades dos alunos em relação a temas atuais, segundo o que é indicado na política educacional para orientação sexual nas escolas12. A preocupação com esses aspectos que permeiam a discussão sobre sexualidade está evidenciada nos depoimentos a seguir: “Um trabalho efetivo, com diálogo entre os alunos e os profissionais da área, o que pode trazer mais segurança, e trabalhar as dúvidas dos alunos com respeito à vida sexual, higiene e DST. Muitas vezes, esses alunos não têm em casa um ambiente de diálogo. Mesmo as informações externas podem estar fora de contexto e erradas”. (P5)
“Trabalhando com ações preventivas, alertando sobre os cuidados necessários para evitar não somente uma gravidez precoce e de risco, mas também as DSTs; conscientizando principalmente os pais e responsáveis, para serem mais críticos em relação ao que se propaga na mídia, que inclui filmes e novelas impróprios para menores e adolescentes, e que saibam controlar mais o acesso de seus filhos à internet, evitando sérios constrangimentos pelo contato com sites pornográficos, salas de bate-papo, etc”. (P6)
Os materiais educativos incluem peças anatômicas e urnas de dúvidas, que seriam utilizados como complementação às demais atividades. Foi citado ainda, por 25% das escolas, o uso de recursos interativos e audiovisuais, os quais despertam grande interesse entre os jovens: “A juventude está centrada e suas visões direcionadas à internet e aparelhos (computadores e telefones). Acredito que a criação e divulgação de um blog que possa explicar e direcionar os alunos seja de grande valia, pois a participação será mais frequente”. (C4)
Esses dados estão ilustrados no Gráfico 2. A gravidade das doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada na adolescência fazem com que se torne urgente a discussão com os jovens, tendo em vista a adoção de práticas sexuais seguras. Esse trabalho de prevenção pode ser desenvolvido nas escolas e outras instituições, e pode
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90% 80%
% das escolas
70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%
Tema I
Tema II
Tema III
Tema IV
Tema V
Tema 1: Recursos Interativos e Audiovisuais Tema 2: Palestras e Dinâmicas Tema 3: Materiais educativos Tema 4: Apoio pedagógico Tema 5: Abordagem ampliada do cuidado
Gráfico 2. Porcentagem das escolas que sugeriram cada uma das ações a serem desenvolvidas pelos pesquisadores do PET-Saúde
contribuir, por meio de comunicação clara nas relações interpessoais, para que os adolescentes e jovens reflitam sobre seus valores e comportamentos em relação à sexualidade, e possam praticá-la com responsabilidade. Eles têm dúvidas que podem ser esclarecidas de forma simples e significativa, partindo de suas necessidades e experiência25. Os adolescentes estão expostos às vulnerabilidades e às contradições do cotidiano. A esses cidadãos, os direitos à saúde, à cidadania, à participação social, à educação, ao lazer e à cultura precisam ser assegurados. Nesse sentido, a saúde e a educação têm o papel de informá-los sobre a atenção integral a que eles têm direito. As equipes que trabalham essa temática devem interagir e respeitar a cultura de seu público-alvo para que se criem, realmente, condições de aprendizagem. A preocupação com a construção integrada do conhecimento e o estimulo à autoaprendizagem podem despertar a vontade de aprender sobre o funcionamento do aparelho reprodutivo masculino e feminino, e sobre os comportamentos de risco para prevenção das DST e da gravidez na adolescência. Ademais, deve-se reconhecer a família, os profissionais de educação e os amigos como elementos importantes na vida afetiva e sexual, como potenciais de ajuda aos jovens e adolescentes26. Apesar dos avanços em relação à abordagem da sexualidade humana, esse assunto traz consigo mitos, preconceitos e contradições que atrapalham as reflexões sobre essa temática junto aos adolescentes. Considerando-se que a sexualidade está associada aos valores do contexto familiar e social, a educação para saúde sexual, realizada dentro da escola, pode proporcionar, ao adolescente, as reflexões necessárias para a mudança de comportamento e adoção de atitudes mais conscientes27. Portanto, esse assunto, que ainda é um tabu, precisa ser melhor explorado tanto pelos profissionais de saúde como pelos da educação, para que essa faixa etária tenha condições de exercer sua cidadania e assumir responsabilidades, tendo em vista as legislações que abordam essa temática e são importantes para a preservação dos direitos legais dos adolescentes28.
Considerações finais Vale destacar que esta pesquisa teve como objetivo analisar as principais ações desenvolvidas pelas escolas estaduais para promoção da saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes, bem como a possibilidade de contribuição do PET-Saúde nessas atividades. Foi detectada a importância de maior efetividade das políticas preventivas já existentes e maior valorização de participações setoriais possíveis e importantes para esse cuidado, o que depende de
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compromisso e atualização de gestores e de profissionais de educação e saúde. Apesar de terem sido constatadas mobilização e preocupação dos educadores com a educação preventiva, as ações em vigor atualmente ainda estão aquém do preconizado pelos programas governamentais vigentes. Torna-se oportuno, portanto, reavaliar as potencialidades e os limites do tema, buscando ações mais eficazes para prevenção de DST e gravidez na adolescência. Uma das ferramentas possíveis para esse fim é a estratégia da intersetorialidade. O desenvolvimento dessas atividades educativas nas escolas tem proporcionado maior aproximação dos estudantes do PET-Saúde e de toda a equipe envolvida com a elaboração de projeto de pesquisa. O estudo criterioso do tema propiciou o aprofundamento e a ampliação do conhecimento em relação não somente às doenças sexualmente transmissíveis e à vulnerabilidade do adolescente à gravidez precoce, como, também, às políticas públicas que regem o desenvolvimento desse cuidado junto a essa faixa etária. As vivências, proporcionadas pelo contato direto entre o ambiente escolar, estudantes e educadores, potencializaram o desenvolvimento da comunicação e das relações interpessoais específico para essa temática, sendo, esses aspectos de vital importância para os estudantes da área da saúde, que devem buscar a compreensão do cuidado na perspectiva da integralidade. Os resultados obtidos subsidiaram o planejamento das ações a serem desenvolvidas pelo PET-Saúde nas escolas. Assim sendo, eles foram utilizados para elaboração de um plano de desenvolvimento de atividades, valorizando as peculiaridades de cada realidade. Esse plano privilegia a aprendizagem significativa, com a proposta de desenvolvê-lo prioritariamente por meio da aprendizagem ativa, e foi constituído por ações que valorizam a participação dos estudantes adolescentes em rodas de conversa, dinâmicas e apresentações dialogadas. Os principais disparadores desses encontros são: sexualidade humana, adolescência, DST, gravidez na adolescência e métodos contraceptivos. Essas atividades estão sendo colocadas em prática, e serão evidenciadas em estudos futuros.
Colaboradores Os autores trabalharam juntos desde a elaboração do projeto de pesquisa e em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET–Saúde. Diário Oficial União. 27 ago 2008. 2. Ministério da Saúde (BR).Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) e dá outras providências. Diário Oficial União. 5 mar 2010. 3. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado Federal; 1988. 4. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial União. 19 set 1990. 5. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2005. 6. 6. Taquette SR, Vilhena MM. Uma contribuição ao entendimento da iniciação sexual feminina na adolescência. Psicol Estud. 2008;13(1):105-14. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722008000100013
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25. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Manual do multiplicador: adolescente. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2000. 26. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. A saúde de adolescentes e jovens: uma metodologia de auto-aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde: módulo básico. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2007. 27. Camargo EAI, Ferrari RAP. Adolescentes: conhecimentos sobre sexualidade antes e após a participação em oficinas de prevenção. Ciênc Saúde Colet. 2009;14(3):937-46. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000300030 28. Moraes SP, Vitalle SMS. Direitos sexuais e reprodutivos na adolescência. Rev Assoc Med Bras. 2012;58(1):48-52. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302012000100014
Higa EFR, Bertolin FH, Maringolo LF, Ribeiro TFSA, Ferreira LHK, Oliveira VASC. La intersectorialidad como una estrategia para promover la salud sexual y reproductiva de los adolescentes. Interface (Botucatu). 2015;19 Supl 1:879-91. Esta investigación, descriptiva y cualitativa, llevada a cabo por el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud (PET-Salud) trata sobre las medidas adoptadas en las escuelas para promover la salud sexual, prevenir embarazos en adolescentes y cómo los investigadores pueden ayudar en estos cuidados. Participaron 20 escuelas del estado de una ciudad del interior de San Pablo, cada una representada por tres profesionales. Los datos obtenidos a través de dos preguntas abiertas, fueron evaluados por la técnica de Análisis de Contenido y estilo temático. Prevalecieron las acciones médico-biológicas del plan de estudios sobre trabajos intersectoriales y multidisciplinarios, aunque reconozcan las importantes contribuciones de éstas. El PET-Salud ideó un plan para tratar de establecer asociaciones enseñando formas de contribuir con las acciones ya realizadas, además de mejorar la educación de los estudiantes del PET-Salud en los temas expuestos. Palabras clave: Enfermedades de transmisión sexual. Embarazos en adolescentes. Adolescencia. Intersectorialidad. Educación sexual.
Recebido em 12/09/2014. Aprovado em 29/01/2015.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.1345
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PET-Saúde: uma experiência potencialmente transformadora no ensino de graduação
Marize Melo dos Santos(a) Otacílio Batista de Sousa Nétto(b) José Ivo dos Santos Pedrosa(c) Lúcia da Silva Vilarinho(d)
Introdução O processo de formação de profissionais na modernidade toma, como referência, o processo de trabalho determinado e organizado sob os princípios do modo de produção capitalista: produtividade e competitividade. No campo da saúde, essa direcionalidade da formação tem suscitado discussões a respeito de sua adequação à organização do processo de trabalho na saúde tal como preconizado pelos moldes tayloristas, assim como discussões que compreendem a intrínseca articulação entre a formação e o processo de trabalho. Este último funciona como elemento significante para a formação, originando concepções, como: aprendizagem significativa, integração ensino-serviço-comunidade e educação permanente em saúde1. No Brasil, tais questões adquirem maior visibilidade na Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, que advoga intervenções para uma formação articulada com o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo as redes de serviços de saúde como cenário de aprendizagem e as competências a serem desenvolvidas como característica do perfil profissional a ser formado2. Tal política, lançada em 2004 e atualizada desde então por meio de portarias ministeriais, afirma o papel do Ministério da Saúde como ordenador da formação profissional em saúde, e apresenta, em sua implantação, estratégias que compreendem a promoção de ações voltadas para a aproximação da formação com os serviços públicos. Um exemplo é o Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde (PET-Saúde), que preconiza o processo ensino-aprendizagem na rede de serviços, envolvendo docentes, estudantes, equipes de saúde dos serviços e usuários do SUS3. Para operacionalizar tais estratégias, o Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação, lança editais convocando as Instituições de Ensino Superior (IES) a apresentarem propostas para o desenvolvimento de ações de formação nos cenários das redes de serviço do SUS4.
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Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Piauí (UFPI). Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, Bloco 13. Teresina, PI, Brasil. 64049-550. marizesantos@ufpi.edu.br (b) Departamento de Patologia e Clínica Odontológica, Centro de Ciências da Saúde, UFPI. Teresina, PI, Brasil. otanetto@yahoo.com.br (c) Curso de Medicina, UFPI. Parnaíba, PI, Brasil. jivopedrosa@gmail.com (d) Departamento de Serviço Social, Centro de Ciências Humanas e Letras, UFPI. Teresina, PI, Brasil. luvilarinho@hotmail.com (a)
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O percurso para a concretização do sonho O nosso ponto de partida na travessia deste sertão chamado Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) articulado ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) começa com a publicação do Edital 24, de 15 de dezembro de 2011, do Ministério da Saúde, por intermédio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), convocando para a seleção de projetos de Instituições de Ensino Superior no período de 16/12/2011 a 15/03/20125. Consideramos sertão mais do que uma região com específicas características físicas e climáticas; significa também um universo, um modo de viver e ser pouco (re)conhecido por outros modos de viver, além de ser repleto de desafios e possibilidades de superação6,7. A UFPI já possuía tradição no Pró-Saúde, tendo em vista a participação do curso de odontologia na chamada pública desse projeto em 2005. Com uma proposta aprovada, conseguiu implementar uma série de mudanças: na integração dos seus estágios curriculares extramuros com as unidades de saúde da família do município de Teresina, na educação permanente dos profissionais da rede municipal de saúde bucal de nível Superior e Médio, na aquisição de insumos e equipamentos destinados a essa rede e, também, em equipamentos voltados para as próprias clínicas intramuros8. Por não conseguir viabilizar a participação do curso de medicina nas edições posteriores do PETSaúde, a UFPI abdicou de novas propostas, o que mudaria, apenas, com o advento do edital conjunto Pró-PET Saúde de 2011/2012. Se antes havia a proposta isolada e corajosa de um curso, desta vez, haveria um coletivo de professores de diferentes cursos da grande área da saúde, abrigados em um espaço colaborativo, compartilhado e protegido para propostas como a que se descortinava no edital, o Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP), da UFPI. O NESP, desde a sua fundação, foi uma espécie de incubadora de projetos e atividades, de relações institucionais com as secretarias, estadual e municipal, de saúde, mas que precisava ser redescoberto/ renascido em suas potencialidades criadoras e transformadoras, especialmente: no tocante à educação interprofissional no campo da saúde coletiva, na partilha de dispositivos e de experiências de integração ensino-serviço-comunidade e, por fim, na temática do ensino na saúde, onde já havia uma iniciativa promissora com um projeto financiado pela CAPES, de mesmo nome, capitaneado pelo Prof. Dr. José Ivo dos Santos Pedrosa, também gerente do Núcleo9. De dezembro de 2011 a março de 2012, o NESP viu, nas suas salas, um intenso movimento: de professores dos cursos de educação física, enfermagem, medicina, nutrição, odontologia e serviço social; de potenciais preceptores (profissionais dos serviços públicos de saúde contactados para conhecerem e se inserirem na proposta); e de alunos dos cursos envolvidos, que se entusiasmaram frente à possibilidade de bolsa remunerada, claro, mas, também, de uma outra forma de ensinar e aprender em saúde, em diferentes cenários de práticas com outros atores que não os seus convencionais professores. Para felicidade de todos, o esforço não foi em vão; a proposta da UFPI foi aprovada, sendo contemplados dois projetos, os quais foram tutorados por professoras do Curso de Nutrição, com o PET-Promoção de Saúde, e do Curso de Serviço Social, com o PET-Saúde/Redes de Atenção à Saúde, com a participação dos profissionais de saúde de duas das três coordenações regionais de saúde da Fundação Municipal de Saúde (Leste/Sudeste e Sul). Manteve-se a proporção dos alunos bolsistas dos seis cursos originalmente envolvidos, selecionados mediante um rito simplificado que envolveu o índice de rendimento acadêmico e uma carta de intenções para participar do programa e sobre a sua particular visão do Sistema Único de Saúde. Ao final da seleção, 24 alunos foram selecionados. Por fim, o Pró-PET-Saúde, idealizado por grupos de professores dos diversos cursos da área de saúde e de Serviço Social, foi posto em prática, iniciando em meados de setembro de 2012. E o verdadeiro grande sertão agora se revelaria nas suas veredas.
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Santos MM, Nétto OBS, Pedrosa JIS, Vilarinho LS
espaço aberto
Estratégias metodológicas As políticas públicas voltadas para a promoção da saúde fortalecem-se na perspectiva de desenvolverem estratégias para o monitoramento e avaliação da situação de saúde da população nas diferentes fases da vida. Considerando que a educação promove a aquisição (problematização e empoderamento) de novos conhecimentos e pode imprimir, no indivíduo, mudanças de hábitos (aquisição de atitudes e competências) favoráveis à sua autonomia, o PET–Promoção da Saúde foi uma proposta ousada, na qual se vislumbrava a articulação entre: os estudantes dos cursos de Odontologia, Nutrição e Educação Física, da Universidade Federal do Piauí, preceptores dos Serviços de Saúde da Fundação Municipal de Saúde (nutricionistas, odontólogos e educadores físicos da rede municipal de serviços de saúde) e comunidades adstritas a esses serviços, acompanhadas nos cenários eleitos para esse desafio, na perspectiva do desenvolvimento de processos educativos autonomizadores. Assim, pretendeu-se contribuir com a consolidação da política de formação em saúde tendo como pano de fundo o Sistema Único de Saúde em sua complexidade e amplitude, a partir da realização de oficinas para a promoção de estilos de vida saudáveis, incluindo temas sobre qualidade de vida que envolvessem, em um sentido amplo, nunca restrito, a nutrição, a odontologia e as atividades físicas. Esse desafio fomentou uma nova formação/ação dos profissionais e estudantes, enfatizando novas estratégias, transformando os cenários de atenção básica, os territórios e/ou redes de promoção da saúde, em locais prioritários (estratégicos) de formação e de nossas intervenções. A proposta deste relato é descrever as experiências vividas e contadas pelos atores dos cenários do Pet-Promoção da Saúde no referido período de atuação. Essas experiências desencadearam-se a partir de quatro questões norteadoras: a) Qual a sua relação com os alunos de outros cursos? b) Como o PET-Saúde contribuirá para a sua vida profissional? c) Como o PET-Saúde contribui na sua formação e transformação? d) Qual foi a experiência que o(a) marcou durante o projeto? Também são relatadas as experiências vivenciadas em três cenários utilizando-se a estratégia da Tenda do Conto (TC). A TC constitui um espaço aconchegante para receber pessoas que contam suas histórias de forma leve e descontraída. É uma estratégica dinâmica que oferece a escuta protegida para o outro, como um círculo de aprendizagem e respeito, com possibilidade de discussão, em momento posterior, pelos profissionais e equipes de saúde, vislumbrando a discussão e resolução de problemas identificados em seus diversos âmbitos. Como conta Jacqueline Abrantes Gadelha10, enfermeira, da cidade de Natal/RN, que iniciou o trabalho com a Tenda do Conto: “a TC parece resumir o que sentimos: surpreende-nos sempre, impossível prever o que vai acontecer no decorrer de cada encontro. A construção é ali e agora, puro trabalho vivo em ato. Cada história traz o poder de nos religar ao universo da alma humana. Muitas delas não sairão mais das nossas memórias”.
Essas sensações são contadas pelos estudantes e preceptores que vivenciaram as histórias nos cenários.
Experiências no cotidiano do PET-Promoção da saúde, descritas pelos estudantes 1ª Questão: Qual a sua relação com os alunos de outros cursos? “Relacionar-se com alunos de outros cursos foi ter uma visão mais ampla de promoção da saúde para o ser humano. O PET me proporcionou a oportunidade de olhar para horizontes mais distantes e almejar alcançá-los. A interação com estudantes de outros cursos traz novos conhecimentos, enriquece-nos. Sou estudante de nutrição e relacionei-me com estudantes COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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da odontologia e educação física. Essa experiência me fez entender que interdisciplinaridade na saúde é conhecer mais o ser humano e ajudá-lo com mais propriedade, intimidade e humanidade”. (Acadêmica de Nutrição, MFP) “A parte mais difícil, inicialmente, no programa foi sem dúvida o relacionamento com alunos de outras áreas, pois isso tudo é muito novo, até um tanto desesperador, mas com o passar do tempo vamos percebendo que juntos podemos ir bem mais longe e sem dúvida a parte mais interessante das atividades foi essa convivência com os estudantes e profissionais das mais diversas áreas. O conhecimento é multiplicado, o trabalho é dividido e somamos as potencialidades de sucesso”. (Acadêmico de Educação Física, ELBA) “A experiência se revela muito boa e dinâmica, pois somos beneficiados em conhecer os demais colegas que estudam em blocos da universidade que são próximos, mas que, ao mesmo tempo, se tornam longe pela carga horária, atividades e a própria universidade que não se dá conta dessa integração ensino-ensino. A troca de informações, planejamento de atividades conjuntas e a amizade que o PET nos proporciona com os alunos dos demais cursos são grandes legados e privilégios que só os participantes têm”. (Acadêmico de Odontologia, JHRS)
2ª Questão: Como o PET-SAÚDE contribuirá para a sua vida profissional? “Aprendi, acima de tudo, que o planejamento bem feito e envolvendo muitas áreas do conhecimento, pode contribuir para um bom resultado das ações desenvolvidas e a partir daí ajudar da melhor forma no atendimento a quem mais precisa”. (Acadêmico de Odontologia, MACLN) “Abriu meus olhos para outros ambientes de trabalho além de academias e colégios”. (Acadêmica de Educação Física, TSA) “Foi uma experiência que trouxe mudanças na minha forma de enxergar o mundo, reconhecer a realidade, identificar as necessidades. Experiência muito rica e que vai muito além de coisas objetivas. É a sensibilidade ao olhar para o outro. Isso é algo que vou levar para minha vida profissional”. (Acadêmica de odontologia, NAC)
3ª Questão: Como o PET-SAÚDE contribui na sua formação e transformação? “Temos uma formação ainda muito fechada e um pouco distante da realidade social. O PET é uma oportunidade para conhecer os serviços de saúde e aprender com quem trabalha neles, com incentivo ao pensar e ao agir diante do que identificamos e conhecemos, da troca de experiências, do trabalho integrado e do diálogo”. (Acadêmica de odontologia, NAC) “O PET amplia o campo de visão do aluno. Faz com que ele supere barreiras que jamais pensaria em ultrapassar, de sentir na pele como é dura a rotina do serviço. O contato direto com a sociedade faz com que o aluno fique mais “humano” e sensibilizado com a realidade da sociedade, consequentemente, o torna mais decidido e engajado nos seus objetivos como futuro profissional”. (Acadêmico de Nutrição, PVLS) “Percebemos quando falamos aos colegas, não petianos, que será realizada uma roda de conversa ou uma oficina sobre a vida com usuários/pacientes de determinado local. A reação é quase sempre “vocês vão pra lá só pra conversar”?” ou “qual é exatamente a função de vocês?” e, ainda, “O que é PET?”. Talvez esses alunos não tenham bem em mente que o ser humano, antes de medicação, precisa de atenção; que remédios, por si só, não curam quem está deprimido; que antes de se falar em escovação é preciso perguntar se o paciente
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tem escova, creme dental em casa... realidades que são bem vividas no PET, já que estamos diretamente com usuários/pacientes/realidades/necessidades. O PET desperta para o lado humanizado e acolhedor como futuro profissional”. (Acadêmico de Odontologia, JHRS)
4ª Questão: Qual foi a experiência que o(a) marcou durante o projeto? “Várias experiências foram marcantes, porém uma delas foi a chacina que ocorreu numa zona rural de Teresina-Pi, quando estava atuando juntamente com a equipe do NASF. Fomos visitar a família eu, a educadora física e a psicóloga. Foi uma conversa difícil mas emocionante... Foi um momento de solidariedade, fé, força, apoio, onde tivemos que demonstrar a família para que eles sentisse segurança que precisavam seguir em frente mas que podiam continuar com o luto. E sensibilizar o chefe da família a não tomar decisões precipitadas uma vez que ainda estava muito cedo e os sentimentos ainda estavam misturados e aflorados”. (Acadêmica de Nutrição, IFS) “A experiência mais marcante foi vivenciado no CAPS II Sudeste, estávamos participando das atividades físicas, e uma usuária que nunca havia participado do grupo ao ver todos nós, alegres durante a prática aproximou-se, timidamente, de mim e a convidei para participar das atividades, e juntos realizamos os exercícios, percebi que aquela pessoa tímida e que sempre ficava no seu canto estava pela primeira vez com um sorriso estampado no rosto, este sorriso no rosto foi sem duvida o momento mais marcante que vivenciei nas atividades desenvolvidas no PET”. (Acadêmico de Educação Física, ELBA)
Experiências na Tenda do Conto Unidade Básica de Saúde/Núcleo de Apoio à Saúde da Família Essa experiência foi realizada no dia 5 de agosto de 2014. A Tenda recebeu: os participantes do Programa HIPERDIA, outras pessoas convidadas, alunos da disciplina Educação Nutricional, alunos do PET: Promoção da Saúde, alunos da Residência Multiprofissional em Saúde da Família, da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e profissionais do serviço. Segundo os alunos: “a tenda do conto traz uma proposta de gerar novas relações. Ao ser apresentada a turma esta estratégia para se trabalhar educação nutricional, nos agradou pelo estilo informal, porém quando nos foi feita a proposta, surgiu o medo do novo, de sair do comodismo e ousar fazer algo diferente do que estávamos habituados. Superamos, e então foi realizada a primeira tenda em sala de aula. Um encontro regado de boas histórias, onde nós, colegas, nos conhecemos ainda mais. Saímos da aula empolgados para fazermos o mesmo, agora fora dos muros da universidade”. “A sala enfeitada com balões e papéis recortadas, as cadeiras em círculo, na mesa alguns objetos trazidos para serem utilizados para contar as histórias, em outra mesa frutas, e no meio a cadeira, onde o convidado contaria sua história, todo este cuidado para que se sentissem bem acolhidos”. “Os olhares estranhos para saber o que ali ocorreria, e nós, ansiosos para que fosse uma manhã prazerosa, o que no final aconteceu. Após a acolhida, foi lançado o convite para sentar-se na cadeira localizada no centro da sala e contar sua história sobre como convive com a doença, como se cuida, ou sobre qualquer assunto, se sentindo a vontade para contar, sem pressionar”.
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No CAPS III, Zona Sul de Teresina A Tenda do Conto no Centro de Atenção Psicossocial CAPS III foi realizada no dia 5 de agosto de 2014, com a utilização de painel fotográfico, com o objetivo de os pacientes escolherem uma ou mais fotos relacionadas a algo de suas vidas. Em seguida, eles explicavam o motivo da escolha das fotos; por fim, os mesmos eram convidados a confeccionar um desenho que representasse algum momento de suas vidas e, depois, eles explicavam o motivo da confecção do desenho. Segundo o depoimento da preceptora: “Várias histórias proporcionaram risadas, bem-estar... outras um pouco tristes, porém contadas como superação... O mais importante de tudo foi a integração, a participação de todos, tanto dos pacientes como dos profissionais, até mesmo aqueles mais resistentes aos grupos soltaram a voz na tenda do conto!!!! Hoje ficamos muito felizes... porque um paciente que nunca participou de nada, nunca falou nada, fez questão de contar um pouco de sua história! Gratificante!!! E, em muitas histórias, nós profissionais, descobrimos coisas que não sabíamos!!!! Coisas que não identificamos nas triagens!!! E, com isso, uma possibilidade de mudanças no curso do tratamento na Unidade!!!!”.
Inicialmente, apresentou-se a Tenda do Conto e sua finalidade. A aluna convidada a dar seu relato explicou a função dos alimentos e utensílios de cozinha que estavam na mesa; em seguida, contou uma “estória” vivida relacionada àquele utensílio, então, convidou os pacientes para também compartilharem suas “estórias”. De início, os participantes ficaram um pouco receosos de relatarem suas histórias na frente de todos, mas, aos poucos, eles foram se sentindo à vontade, embora tenham demorado um pouco para entender o objetivo da prática e até fugirem um pouco do assunto relatando fatos da sua vida pessoal e o motivo pelo qual frequentam o CAPS. Foi uma experiência diferente na atenção ao paciente, visto que foi possível dar orientações de forma que os participantes ficassem à vontade para perguntar. Foi rompida a barreira do formal, tornando o diálogo mais confortável e dinâmico. A Tenda do Conto, como ferramenta educativa, é um método bem eficiente e que gera um feedback positivo.
Impressões acerca do trabalho realizado Possibilitar encontros é a primeira e a mais forte impressão sobre os efeitos da experiência do PET-Saúde. São encontros entre alunos de cursos diferenciados, permitindo que se compreenda a concepção de campo e núcleo de prática (campos) tendo a Atenção Básica como referência; encontros entre docentes e profissionais, que passam a superar mitos que persistem sobre a relação universidade/ serviço/comunidade e a construir uma concepção dos serviços como espaços de produção de saberes e tecnologias; e encontros entre o mundo da vida, que passa a exigir respostas objetivas para os problemas do cotidiano. Outro efeito altamente significativo é a produção de afetos que podem ser expressos nas falas, nos gestos e no sentir. A aproximação com os serviços e com o cotidiano da população passa a ser elemento desconstrutor da cultura do profissional neutro, individualista e competitivo, abrindo caminhos para a formação de profissionais comprometidos ética e socialmente com: a democratização do acesso, atendimento humanizado, interdisciplinaridade, integração das instituições de saúde com a realidade, acesso democrático às informações, e estímulo à participação cidadã. Além da dimensão mais subjetiva de cada ator/sujeito participante, os efeitos da Tenda do Conto revelam a potência de uma estratégia que “produz” possibilidades de autonomia para os envolvidos, na medida em que os coloca em situação de diálogo com outros sujeitos, recriando o que parecia natural e construindo sua posição como protagonista na história11.
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Finalizando, para além da metodologia utilizada, das boas intenções humanizadoras e humanizantes, dos desafios impostos pela queda dos muros do Campus Universitário, em Teresina, que cercam as fronteiras do ensino de saúde da UFPI, o potencial transformador e transformante que chama a atenção para a experiência PET é, sobretudo, este não saber o que fazer principal; é esta permanente busca pelo novo saber, traduzida em um novo arriscar-se a fazer; esta mudança observada nos relatos de todos os envolvidos, alguns mais disponíveis para a mudança e outros mais reticentes para o fluxo que a mudança traz no seu cerne de desterritorializaçäo. Ao sair dos territórios estriados do mundo do saber acadêmico e navegar imprecisamente nos territórios nômades e lisos da vida e das necessidades de saúde que ela traz consigo, reconhecemos o PET como um dispositivo potente para alicerçar e alavancar mudanças de rumo, novas navegações de cabotagem, novas cartografias do cuidado em saúde. O alcance é limitado ao pequeno número de bolsistas e voluntários, e esta é uma crítica que precisamos fazer, mas, sem dúvida, o PET traz um fôlego renovado para os que dele participam, no sentido de refletirem sobre o passado, o presente e o futuro dos novos itinerários do saber e do fazer saúde, tendo sempre o SUS como campo liso e estriado.
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, et al. Profesionales de la salud para el nuevo siglo: transformando lá educación para fortalecer los sistemas de salud en un mundo interdependiente. Rev Peru Med Exp Salud Publica. 2011;28(2):337-41. 2. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 198, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. Diário Oficial União. 16 fev. 2004. 3. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde. Diário Oficial União. 25 jun 2007. 4. Haddad AE, Brenelli SL, Cury GC, Puccini RF, Martins MA, Ferreira JR, et al. Pró-saúde e Pet-Saúde: a construção da política brasileira de reorientação da formação profissional em saúde. Editorial. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 supl 1):3-4. http://dx.doi.org/10.1590/ S0100-55022012000200001 5. Minsitério da Saúde (BR), Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital nº 24, de 15 de dezembro de 2011. [Seleção de projetos de Instituições de Educação Superior (IES) em conjunto com Secretarias Municipais e/ou Estaduais de Saúde para participação no Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) articulado ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde]. Diário Oficial União. 16 dez. 2011;Seção 3:268. 6. Freitas MC. Os intelectuais e as representações da nação: um sertão chamado Brasil. Hist Cienc Saude-Manguinhos. 2001;8(3):774-7. http://dx.doi.org/10.1590/S010459702001000400017 7. Lima NT. Um sertão chamado Brasil. Rio de Janeiro: Revan; 2003.
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8. Nétto OBS, Moura SM, Lima MDM, Lages GP, Mendes RFO, Moura LFAD. O prósaúde no curso de odontologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI): relato de uma vivência de cinco anos. Ciênc Cuid Saúde. 2013; 12(2):391-7. http://dx.doi.org/10.4025/ cienccuidsaude.v12i2.21746 9. Pedrosa JI, Leal VM, Carvalho ADF. O perfil da formação de profissionais na área de saúde na UFPI: um estudo sobre ensino na saúde: pesquisa de base construída em resposta ao Edital nº 24/2010 - CAPES/DPB/CGPE/C II - Pro-ensino na Saúde. Teresina; 2011. 10. Gadelha JA. O intercessor tenda do conto. Entrevista concedida a Iza Sardenberg. Rede Humaniza SUS; 29 set 2013 [acesso 26 abr 2015]. Disponível em: http://www. redehumanizasus.net/66079-o-intercessor-tenda-do-conto 11. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes e práticas necessários à prática educativa. 27a ed. São Paulo: Paz e Terra; 1996.
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Trata-se do relato da experiência vivida pelos atores dos cenários do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Brasil, desenvolvido entre setembro de 2012 e agosto de 2014. Para os atores envolvidos – alunos, preceptores e tutores – a experiência nos cenários de atuação foi fundamental para a aquisição de novas relações, novos conhecimentos, e a produção de novas subjetividades. Nesse contexto, a aproximação com os serviços e com o cotidiano da população passa a ser elemento desconstrutor da cultura do “profissional neutro, individualista e competitivo”, abrindo caminhos para a formação de profissionais comprometidos ética e socialmente. Assim, é possível inferir que o caminho oportunizado pela integração ensino-serviço-comunidade tem uma potência latente de transformação de saberes e fazeres, vivenciados em comunhão pelos diferentes atores envolvidos.
Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Educação em saúde. Serviços de integração docente-assistencial. Promoção da saúde. PET-Health: a potentially transforming experience in the undergraduate course This is a report on the experiences of the participants who performed scenarios in the Education by Work for Health Program (PET-Health) at the Federal University of Piaui (UFPI), Brazil, from September 2012 to August 2014. For the participants involved— students, preceptors, and mentors—the experience acquired in performing these scenarios was crucial in acquiring new relationships and knowledge and in producing new subjectivities. In this context, the combination of the services and the daily life of the population became the deconstructing element for the culture of the “neutral, individualistic, and competitive professional” and opened the door for the development of professionals who were socially and ethically committed. Thus, it may be possible to infer that the path created by the integration of the teaching-service-community has the latent potential to transform the knowledge and practices of the different participants.
Keywords: Brazilian Health System. Health education. Teaching care integration services. Health promotion. PET-Salud: una experiencia potencialmente transformadora en la educación de pregrado Se trata de un relato de la experiencia de los actores de los escenarios del Programa de Educación en el Trabajo para la Salud (PET-Salud), en la Universidad de Piauí (UFPI), Brasil, desarrollado desde septiembre 2012 hasta agosto 2014. Para los actores involucrados, estudiantes, preceptores y tutores, la experiencia en los escenarios de actuación fue fundamental para la adquisición de nuevas relaciones, nuevos conocimientos y la producción de nuevas subjetividades. En ese contexto, la aproximación con los servicios y el cotidiano de la población se convierte en elemento deconstructivo de la cultura del “profesional neutral, individualista y competitivo”, abriendo el camino para la formación de profesionales ética y socialmente comprometidos. De este modo, es posible inferir que el camino oportunizado mediante la integración enseñanza-servicio-comunidad tiene una potencia latente de transformación de saberes y haceres, experimentados en la comunión de los diferentes actores involucrados.
Palabras clave: Sistema Brasileño de Salud. Educación en salud. Servicios de integración docente assistencial. Promoción de la salud. Recebido em 18/12/14. Aprovado em 11/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0808
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Nós em rede: vivências da parceria ensino-serviço produzidas pelo Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde
Rita de Cássia Ribeiro Gonçalves(a) Luana Gaigher Gonçalves(b) Luanna Covre(c) Welington Serra Lazarini(d) Maristela Dalbello-Araujo(e)
O contexto da formação em saúde e as propostas de mudança O Sistema de Saúde Brasileiro sofreu grandes mudanças com a Reforma Sanitária, ocorrida a partir do final da década de 1970. Diversos debates, embates políticos e sociais foram travados, o que resultou na definição do artigo nº 196 da Constituição Federal de 19881. Este determina que a saúde seja um direito de todos e que é dever do estado propor e consolidar meios para a garantia deste direito. O SUS foi instaurado para realizar esta garantia, oferecendo acesso igualitário e universal aos serviços, e operando por meio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde2. O SUS é regido por princípios éticos que foram estabelecidos para orientar as ações dos profissionais e usuários. Os princípios visam à integralidade, universalidade e a equidade do serviço. Contudo, apesar dos avanços obtidos na consolidação do sistema e de seus princípios basilares, ainda é perceptível uma atuação fragmentada dos profissionais que o compõem. A integralidade, possivelmente, é o princípio menos visível dentro do sistema. Isso decorre da hegemonia do modelo biomédico presente na formação de seus profissionais. A organização dos currículos das profissões da saúde, juntamente com o plano pedagógico e institucional que orienta a aprendizagem do aluno, tem fomentado uma prática desarticulada, com profissionais despreparados para atuarem em equipes e que dão prioridade aos problemas de saúde individuais sobre os coletivos3. Dessa forma, o comprometimento, competência e clareza dos propósitos dos “recursos humanos” são fundamentais para dar concretude à reordenação do sistema e realizar, de certa forma, os anseios propostos a partir da criação do SUS. No entanto, Ceccim et al.4 apontam que, embora as responsabilidades quanto à formação e desenvolvimento dos recursos humanos para a área da saúde estejam previstas em lei, no art. 200 da Constituição Federal de 19881 e nos artigos 6º, 14º e 15º da Lei Orgânica da Saúde5, muitas foram as dificuldades para a implantação de uma real integração entre formação profissional e serviços, desde a criação do SUS. Como se pode perceber, a problemática da formação profissional está presente na reforma sanitária desde a sua origem. Nunes, em entrevista a COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
Departamento de Ciências Farmacêuticas, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Av. Marechal Campos, 1468, Maruípe. Vitória, ES, Brasil. 29043-900. rita.goncalves@ufes.br (b,c) Acadêmicas, Curso de Psicologia, UFES. Vitória, ES, Brasil. gaigherlu@hotmail.com; luannacovre@ hotmail.com (d) Prefeitura Municipal de Vitória. Vitória, ES, Brasil. welingtonsl@hotmail.com (e) Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde, UFES. Vitória, ES, Brasil. dalbello.araujo@gmail.com (a)
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Noronha et al.6, salienta que “[...] já naquela época se via a necessidade de um salto qualitativo dado pela politização e pela inquietação que deveriam caracterizar uma educação profissional mais comprometida com o movimento típico da reforma da saúde”. (p.12) Porém, além dos programas de desenvolvimento de recursos humanos, tais como a capacitação ou o treinamento em serviço para o exercício de novas habilidades, mesmo que ministrados de forma continuada, como vem sendo preconizado e efetivamente realizado em alguns estados e municípios, são necessárias modificações estruturais e curriculares nos cursos de graduação das profissões ditas da saúde. Segundo Almeida, citado por Noronha et al.6, além dos programas desenvolvidos por meio dos Polos de Capacitação, no momento da reforma sanitária, fazia-se necessário incentivar mudanças nos cursos de graduação, os quais deveriam formar profissionais com novas competências, novos compromissos ético-profissionais, novas posturas como cidadãos, e capazes de dar forma às novas modalidades assistenciais que vinham sendo rapidamente requeridas pelo mercado de trabalho da área da saúde. Nesse sentido, ele apontava que, no caso da graduação, eram necessárias mudanças urgentes e em profundidade que pudessem alterar os currículos cheios de disciplinas que levam à fragmentação dos processos de ensino/aprendizagem. Finkler et al.7 também destacam que, em qualquer área, formar profissionais com perfil adequado significa propiciar a capacidade de aprender, de trabalhar em equipe, de comunicar-se e ter reflexão crítica. Segundo Albuquerque et al.8, as demandas por mudanças na formação profissional encontram, na integração ensino-serviço, um local privilegiado para a reflexão sobre a realidade de produção de cuidados e a necessidade de transformação do modelo assistencial vigente. No entanto, uma estreita articulação entre ensino e serviço exige mediações complexas em virtude das contradições entre universidade, serviço e comunidade, pressupondo a construção de espaços coletivos com responsabilidade compartilhada9. Desde a última década, o Ministério da Saúde e da Educação vêm construindo políticas públicas a fim de efetivar mudanças nos modelos de formação dos profissionais de saúde, estimulando a aproximação das Universidades aos serviços não hospitalares por meio, por exemplo, do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), que almeja delinear a formação profissional articulada à atenção primária à saúde pela integração do ensino, serviços e comunidade10. Este Programa foi instituído pela portaria interministerial MS/MEC nº 1.802/0811, com o propósito de fomentar grupos de aprendizagem tutorial. Ele é direcionado aos cursos de graduação da área de saúde das Instituições de Ensino Superior (IES) que atuam em conjunto com as Secretarias Municipais de Saúde, no âmbito dos serviços de saúde e, em especial, da Estratégia de Saúde da Família12. O Programa é composto por: um tutor do corpo discente da IES, seis profissionais de saúde dos serviços que atuam como preceptores e 12 acadêmicos bolsistas. Os estudantes são inseridos nos serviços para desenvolverem atividades de forma sistemática, atuando na realização das intervenções das redes de atenção à saúde, de acordo com as necessidades dos serviços que a compõem. Essa inserção contribui para o fortalecimento dos profissionais, acadêmicos e do SUS13. Neste contexto, o objetivo deste artigo é discorrer sobre a parceria ensino-serviço entre a Universidade Federal do Espírito Santo e a Secretaria Municipal de Saúde de Vitória, abordando as experiências do PET-Saúde da Família (2010-2012) e PRÓ-Saúde e PET-Saúde (2012-2014), e, especialmente, relatar a experiência dos autores como integrantes do PET-Saúde Redes de Atenção, no período de agosto de 2013 a agosto de 2014. Tais experiências têm se pautado na condução de espaços coletivos de conversas de forma interdisciplinar e multiprofissional e na elaboração de projetos terapêuticos singulares, utilizando ferramentas como o Ecomapa e o Genograma, visando à produção de um cuidado integral.
A parceria com a Secretaria Municipal de Saúde A parceria entre a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e a Prefeitura Municipal de Vitória, via Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS), teve início por meio do desenvolvimento do Pró-Saúde, com a participação dos cursos de Odontologia e Enfermagem, em 2008 e 2009. 904
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Gonçalves RCR, Gonçalves LG, Covre L, Lazarini WS, Dalbello-Araujo M
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No ano seguinte, a mesma parceria foi contemplada no Edital de seleção e implantou o Programa PET-Saúde da Família, na Região de Maruípe, a segunda mais populosa de Vitória, com 64.680 habitantes, e que possui oito territórios de saúde com cobertura de 100% pela Estratégia de Saúde da Família (ESF). E foi eleita para abrigar o Programa em virtude do quadro epidemiológico, da situação socioeconômica e da proximidade com o Centro de Ciências da Saúde da Universidade, o que contribui para que receba alunos em estágio curricular provindos deste Centro, desde há muitos anos. Entretanto, é uma região de contrastes. O abastecimento de água e a coleta de lixo abrangem quase 100% dos domicílios, a oferta de esgoto quase 90%, a renda média dos núcleos familiares é de, aproximadamente, 5,6 salários-mínimos, embora, aproximadamente, 10% das unidades familiares sejam beneficiárias do programa Bolsa Família. A taxa de natalidade é de, aproximadamente, 11 por cem mil, com coeficiente de mortalidade geral de 5,17 por cem mil e de mortalidade infantil de 11,4 por cem mil14. Neste cenário, o PET-Saúde da Família inseriu 84 estudantes nos territórios de saúde (24 da medicina, 24 da enfermagem, 24 da odontologia e 12 da farmácia). O programa teve como objetivos: estabelecer o processo de aprendizagem dos estudantes no âmbito das Unidades que atuam sob a Estratégia da Saúde da Família (ESF); promover o desenvolvimento de pesquisa aplicada no campo de abrangência da ESF, integrando o corpo técnico da SEMUS e o corpo docente da UFES, e fomentar a aprendizagem no contexto da interdisciplinaridade em um panorama prático. Tal inserção, no entendimento geral, enriqueceu a formação dos estudantes, o trabalho nos territórios e aproximou a UFES dos serviços de saúde. Durante os 24 meses de vigência, além da experiência no cotidiano dos serviços, também foi realizado um estudo longitudinal com caráter multidisciplinar, com o objetivo de conhecer o padrão de comportamento e as necessidades de saúde dos adolescentes de 15 a 19 anos, residentes nos bairros da região, visando elaborar estratégias de prevenção e assistência. Assim, os cenários da região de Maruípe com os profissionais preceptores e a equipe de tutores se mostraram propícios para o desenvolvimento de novos projetos, dando continuidade a um trabalho bem- sucedido e viabilizando mudanças no processo de formação. Ressalta-se que este foi o primeiro projeto no qual quatro cursos da área da saúde conseguiram trabalhar de forma conjunta, iniciando, desta forma, um processo de trabalho interdisciplinar. No ano de 2012, após aprovação de quatro grupos tutoriais, iniciou-se outra parceria, entre a UFES, a SEMUS e Secretaria Estadual da Saúde (SESA) – o Pró-PET-Saúde (2012-2014). Desta vez, expandida institucionalmente, mas, também, com a ampliação do escopo de diversidade entre os cursos, que passaram a ser nove (Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia e Psicologia). Todos envolvidos na promoção da saúde e prevenção dos agravos crônicos não transmissíveis. No Pró-PET-Saúde, diferentemente do que havia ocorrido no PET-Saúde da Família e avançando na proposta interdisciplinar, o grupo tutorial foi organizado de forma que os discentes dos múltiplos cursos fossem supervisionados também por preceptores de diferentes formações. Isto é, um preceptor de uma área poderia ter, entre seus alunos, estudantes de outra área. Sendo também permitida a mobilidade entre grupos, para que, durante os momentos de assistência direta aos usuários, pudesse haver confluência de formações idênticas e, assim, o preceptor pudesse orientar esta ação. Outra inovação em relação ao projeto anterior foi o conjunto dos cenários que passou a contemplar o modelo de Rede de Atenção à Saúde. Assim, três grupos foram implantados em Unidades de Saúde e o quarto foi dividido entre a Vigilância em Saúde de responsabilidade municipal e o Centro Regional de Especialidades, sob responsabilidade da Secretaria de Saúde Estadual. Esta nova organização dos grupos estabelecida pelo PRO-PET-Saúde produziu um grande avanço na prática de integração entre os diversos cursos da área de saúde da Universidade. Os estudantes passaram a se conhecer e a se reconhecer melhor. Os preceptores enxergaram com mais clareza a sua importância e o papel da equipe multiprofissional na formação dos alunos. A avaliação do gestor é a de que o serviço cresce em qualidade, porque agrega uma postura questionadora e propositiva, efeito do processo de discussão e geração de conhecimento em andamento. Isso tem levado os preceptores a reverem sua prática, na medida em que estavam focadas na assistência e, agora, estão caminhando para a construção de um modelo voltado para a promoção e práticas de cuidado. 905
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Entretanto, apesar de bem avaliado no relatório de visita técnica produzido pelo SGTES–DEGES no ano de 2013 (documento não publicado), é preciso considerar que algumas fragilidades decorrentes da lógica produtivista e da fragmentação dos processos ainda persistem. Os preceptores relatam a dificuldade de incorporarem as atividades do PET dentro da rotina da UBS, devido à agenda imensa de atendimentos individuais, como, também, de articularem os vários projetos existentes na Unidade, tais como a Residência Multiprofissional e o TELESAÚDE. Além disso, há a dificuldade na adesão de outros profissionais não-integrantes do PET-Saúde, tais como os Agentes Comunitários de Saúde que, apesar de serem fundamentais no acompanhamento dos estudantes, não são contemplados com nenhum tipo de incentivo financeiro.
Um novo desafio: PET-Saúde Redes – atenção psicossocial Dando continuidade à parceria estabelecida entre a UFES e a SEMUS/Vitória, no ano de 2013, iniciou-se o grupo PET-Saúde Redes, com o objetivo de: contribuir no processo de implementação, desenvolvimento e qualificação da rede de atenção psicossocial do município de Vitória – ES; potencializar dispositivos de produção de redes de cuidado integral na Saúde da Família e em Centros de Atenção Psicossocial, como: apoio matricial, linhas de cuidado, gestão de casos e projetos terapêuticos singulares, e introduzir as temáticas e práticas relacionadas à produção de redes de cuidado, particularmente no campo da atenção psicossocial, nas matrizes curriculares dos cursos envolvidos na proposta. Com a participação de três grupos tutoriais, o PET Redes está implantado em duas Unidades de Saúde e um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS ad), sendo conduzido com as mesmas características multiprofissionais inicialmente implantadas no PRO-PET Saúde, e envolvendo estudantes de sete cursos: Serviço Social, Psicologia, Terapia Ocupacional, Medicina, Odontologia, Enfermagem e Farmácia. A inserção dos alunos no serviço buscou aproximá-los das atividades desenvolvidas na Rede de Atenção à Saúde do município, tanto nas atividades do CAPS ad quanto nas atividades da USF e no contexto socioeconômico-demográfico do território. Nos primeiros meses, priorizou-se: o acompanhamento da rotina, o reconhecimento do território e dos equipamentos presentes na Rede, por meio de visitas domiciliares e inserção dos estudantes nas atividades coletivas já realizadas. As vivências dos alunos do PET-REDES que nos cumpre analisar ocorrem em uma Unidade de Saúde da Família – USF Consolação, composta por seis equipes e um contingente de, aproximadamente, cem trabalhadores de diversas categorias profissionais. É, na atualidade, a maior unidade com Estratégia de Saúde da Família em termos de população adscrita do município de Vitória. O território contemplado abrange oito bairros, divididos em trinta microáreas, das quais oito são consideradas de alto risco devido à grande vulnerabilidade social. O intenso fluxo migratório e a ocupação desordenada dos morros da capital capixaba nas décadas de 1960 e 1970 são elementos importantes para a compreensão da formação dessas comunidades. Aliado a isto, convive com a fragilidade das políticas públicas fundamentais para a garantia da dignidade dos cidadãos, como: moradia, saneamento básico, saúde e educação. Entretanto, em meio às mazelas, destacam-se diversas experiências bem-sucedidas de organização popular, como: associações de moradores, grupos de economia solidária, organizações não governamentais, associações culturais, entre outros. Todos esses arranjos, cada um à sua maneira, vêm protagonizando avanços significativos na região em vários campos, inclusive no setor saúde. A unidade oferece variados serviços à população, entre eles: consultas médicas e de enfermagem, visitas domiciliares, atendimento psicológico, odontológico, fonoaudiológico e de serviço social, atividade física orientada, vacina, nebulização, curativo, coleta de exames laboratoriais, serviços de enfermagem, dispensação de medicamentos, marcação de consultas e exames especializados, ações de promoção da saúde e ações de Educação em Saúde15.Também acontecem, semanalmente, grupos voltados à Saúde do Homem, da Mulher, Saúde Mental, Reeducação Alimentar e Qualidade de Vida. Os estudantes participam do desenvolvimento das atividades grupais na USF desde agosto de 2013, o que tem sido fundamental para proporcionar a interação com o serviço de saúde e aproximá906
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los da comunidade, conhecendo os usuários, suas histórias, família, rotina, queixas e gostos. Contudo, devido às condições de funcionamento do programa, que reúne alunos de diferentes cursos em diferentes horários, somadas às grandes exigências de agenda dos profissionais preceptores, muitas das atividades realizadas durante os primeiros seis meses foram elaboradas e discutidas em grupos pequenos e isolados de estudantes. Para superar esta dificuldade, elaborou-se uma estratégia comum que pudesse integrar o trabalho dos estudantes, preceptores e tutores, e compor com as diversas áreas de saúde contempladas pelo PET REDES. Foi, então, proposto aos alunos um estudo dirigido e compartilhado a respeito de dois instrumentos que, ao mesmo tempo em que constroem uma nova possibilidade de cuidado integral, facilitam uma atenção especial para alguns moradores. Esta estratégia lhes capacitou para a construção do Genograma Familiar e do Ecomapa de alguns usuários. Esses instrumentos vêm sendo amplamente utilizados por diversas áreas da saúde, haja vista que ensejam a compreensão da dinâmica familiar do sujeito e de suas relações com os recursos disponíveis na comunidade16. Segundo Nascimento et al.17, o Genograma Familiar é um instrumento desenvolvido historicamente por terapeutas familiares, e consiste na representação gráfica do arranjo e da dinâmica familiar por meio de símbolos e códigos, em, pelo menos, três gerações18. Apesar de ser próximo do modelo de uma árvore genealógica, sua função vai além da representação visual das gerações familiares, e pode fornecer informações sobre “[...] as dimensões da dinâmica familiar, como: processos de comunicação, relações estabelecidas, equilíbrio/desequilíbrio familiar, eventos importantes na história do indivíduo (como separações, mortes e nascimentos) e laços funcionais”17 (p. 136). Os autores advogam, ainda, que quanto mais amplas forem as informações sobre a família, melhor será a compreensão da situação em que se encontra o paciente, o que facilita as discussões e a criação de estratégias interventivas possíveis em cada contexto específico19. De acordo com Cardim e Moreira16, esse recurso tem se tornado um grande aliado dos profissionais de saúde para a qualificação do cuidado, visto que inclui informações sobre o funcionamento da família, suas características e o contexto social, cultural e econômico no qual está inserida. Dessa forma, o Genograma amplia sua função para além da coleta objetiva de informações e consiste em uma ferramenta-chave para o planejamento das intervenções, atuando como parte do processo terapêutico. Já o Ecomapa consiste em uma esquematização das relações do núcleo familiar com a comunidade, serviços e equipamentos sociais disponíveis no território19. Essa ferramenta mapeia as relações da família com outras pessoas, grupos ou instituições, como escolas, serviços de saúde e comunidades religiosas. Dessa forma, o Ecomapa auxilia na análise das redes e apoios sociais, culturais e econômicos disponíveis na comunidade, e aponta a possibilidade de sua utilização pela família15. Como são diagramas de um determinado momento na vida dos membros da família, estes instrumentos são ferramentas dinâmicas que estão sempre abertas a modificações futuras. Cada estudante acompanhou dois usuários da UBS, moradores das microáreas assistidas por seus preceptores. Os critérios utilizados para a escolha foram o reconhecimento da demanda do usuário por um acompanhamento terapêutico intensivo ou, como em alguns casos, um vínculo já estabelecido entre ele e o estudante. Para a construção do Genograma familiar e Ecomapa, foram realizadas visitas domiciliares acompanhadas de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), nas quais os acadêmicos conversaram diretamente com os usuários e ouviram suas histórias de vida, sentimentos, queixas e demandas. O apoio dos ACS nessa etapa foi imprescindível, visto que eles atuam como a própria rede de contato entre a UBS e a comunidade. Por meio destas conversas, foi possível: entender um pouco mais sobre o contexto desses sujeitos, perceber como se dão as relações com a família e amigos, investigar com quem eles podem contar, e identificar os espaços do cotidiano que poderiam ser utilizados para a promoção de saúde e cuidado desses indivíduos. Os estudantes também buscaram conversar com as famílias, vizinhos, ACS e outros profissionais da USF, a fim de reunir o máximo de informações possíveis para mapear e analisar as redes de relações e os cenários dessas famílias. Estas duas ferramentas, além de agregarem várias informações, elucidam as histórias reais dos usuários, articulando-as com as possibilidades concretas de encaminhamento dos problemas 907
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encontrados. Este exercício também serviu para promover a comunicação entre acadêmicos, profissionais e ampliar o contato com comunidade. Após um percurso de três meses, as informações e análises reunidas pelos estudantes foram apresentadas a todos os acadêmicos, preceptores e outros profissionais da Unidade, além dos tutores que acompanham o desenvolvimento do projeto. Entre os meses de janeiro a março de 2014, foram realizados seis encontros com duração de três a quatro horas. Neles os acadêmicos apresentaram os casos analisados e, na sequência, cada caso foi discutido com a participação de todos os presentes, visando à construção conjunta de um projeto terapêutico específico para cada um deles. Esses encontros possibilitaram compreender o contexto familiar, social, econômico e cultural daqueles usuários e oportunizou que preceptores, tutores e acadêmicos pudessem discutir juntos, trocar conhecimentos e compartilhar impressões, dúvidas e angústias. Este aprendizado também tornou evidente a constatação de que as situações reais são complexas e que não deveriam se encerrar em um diagnóstico biomédico ou social ou psicológico apenas. Da mesma forma, também pudemos verificar que as condutas clínicas e abordagens psicossociais que cada caso exige constituem um amálgama de posturas e soluções que, inclusive, transcendem a área específica da saúde, provocando ações de caráter intersetorial, o que a multiplicidade de formação dos estudantes contribuiu para evidenciar. Após a avaliação compartilhada sobre os Genogramas e Ecomapas, o grupo passou a: sugerir encaminhamentos, criar estratégias interventivas, apontar direções, elaborar e propor, conjuntamente, um Projeto Terapêutico Singular (PTS) para cada usuário, com base nas necessidades, demandas, vulnerabilidades e potencialidades identificadas. O PTS pode ser definido como “[...] uma estratégia de cuidado que articula um conjunto de ações resultantes da discussão e da construção coletiva de uma equipe multidisciplinar e leva em conta as necessidades, as expectativas, as crenças e o contexto social da pessoa ou do coletivo para o qual está dirigido”19 (p. 55). Para cada caso analisado, foi proposto e está sendo executado, desde então, um projeto específico, com: encaminhamentos, sugestões de curto e médio prazo, ações intersetoriais a serem desenvolvidas, e relações a serem fortalecidas. Todas as decisões e direções foram pensadas e tomadas conjuntamente, de acordo com as possibilidades do grupo, em um espaço coletivo de encontro, no qual os profissionais, estudantes e tutores puderam levantar questões, fazer críticas e sugerir condutas, visando um objetivo comum: promover o cuidado e melhorar a qualidade de vida da população. A utilização do Genograma familiar e Ecomapa foi fundamental para a compreensão mais abrangente da lógica das relações familiares que envolvem os pacientes. Além disso, por meio do mapeamento das relações com a comunidade, foi possível analisar quais equipamentos, instituições e grupos do território poderiam servir de suporte para o usuário, auxiliando no seu tratamento. A construção e execução dos PTS também tem se mostrado como um potente mediador para o intercâmbio de conhecimentos e o cuidado integral.
Considerações finais É inegável que o SUS, desde a sua criação, carece de profissionais para sua efetivação. Profissionais capazes de produzir cuidado para além dos aspectos puramente biomédicos, competentes não apenas tecnicamente, mas que, também, consigam compreender as vicissitudes do território e da comunidade em que atuam. Muitas iniciativas, desde os anos de 1990, têm sido tomadas nesse sentido, especialmente no que diz respeito à formação dos profissionais já atuantes. Entretanto, compreendemos que este ideário precisa ser trabalhado desde os mais tenros anos da graduação. Assim, consideramos que, no processo de formação, deve ser dada ênfase ao papel dos alunos como sujeitos ativos do processo de ensinoaprendizagem, na interação com os serviços de saúde e com as comunidades, nos novos instrumentos de avaliação de desempenho – tais como a incorporação da avaliação de impacto – e na aprendizagem do trabalho em equipe interdisciplinar. Neste sentido, a articulação entre as políticas de Educação e as de Saúde é fundamental para que as transformações necessárias sejam possíveis. 908
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Entre as inúmeras expectativas de mudança, espera-se desenvolver uma metodologia de ensino que valorize a diversificação dos locais de ensino-aprendizagem, o treinamento em serviço e as experiências de aprendizagem em equipe transdisciplinares. Almeja-se a construção de um novo modelo pedagógico que integre excelência técnica e relevância social, metodologias de ensino-aprendizagem centradas no aluno como sujeito da aprendizagem, e no professor, como facilitador do processo de construção do conhecimento. Dentre os fomentos de acordo com tal expectativa, estão os programas PET que têm sido apontados por diversos autores, inclusive Finkler et al.7 e Neumann e Miranda20, como um fator de estimulação para o aluno, que possibilita a construção de opiniões e articulação entre os vários cursos da área da saúde, contribuindo de forma significativa para a integração entre ensino e serviço. Neste relato de experiência, procurou-se evidenciar que a estratégia adotada pelo Programa PET-Redes oportunizou que seus integrantes pudessem compartilhar e trocar seus conhecimentos e práticas de maneira horizontal, sem sobreposição de saberes, em um trabalho efetivo de equipe multiprofissional e interdisciplinar, por meio de espaços coletivos de encontro – o que tem propiciado que todos se impliquem e se responsabilizem pelo cuidado aos usuários, com o auxílio de instrumentos já utilizados na área da saúde, como: o Genograma, o Ecomapa e o Projeto Terapêutico Singular. A experiência foi relevante, pois possibilitou o reconhecimento de que as ferramentas aplicadas foram efetivas para estabelecer vínculo com o usuário e unificar conhecimentos das diversas áreas da saúde, podendo se tornar um diferencial na formação profissional. A parceria ensino-serviço ficou fortalecida com o aumento do diálogo entre academia e unidade de saúde, despertando, nos acadêmicos, uma mudança de olhar sobre o SUS. Na avaliação dos gestores, o trabalho tem se mostrado positivo, uma vez que tem despertado, nos profissionais, uma postura mais questionadora e, também, voltada à promoção de saúde. É notório que muitos passos foram dados neste primeiro ano do programa, e que outros tantos serão necessários no sentido de estabelecer relações entre os cenários e atingir seus objetivos, ou seja, contribuir no processo de qualificação da rede de atenção psicossocial do município de Vitória, ES e potencializar dispositivos de produção de redes de cuidado integral. No entanto, cabe não se esquecer dos obstáculos ainda presentes e que prescindem de soluções institucionais, tais como a supremacia dos critérios produtivistas que fazem com que os profissionais aleguem uma agenda superlotada, que gera falta de tempo para planejamento e acolhimento aos alunos, e a dificuldade de inserir outros profissionais não contemplados no programa, tais como os agentes comunitários de saúde. Do ponto de vista da Universidade, ainda são poucos docentes que se engajam neste tipo de atividade que, muitas vezes, não é valorizada pelos pares e pela gestão, entendida como ação militante voluntariada. Também enfrenta-se o desafio de encontrar horários comuns entre os alunos participantes, haja vista as grades curriculares extensas, com prioridade de atividades em sala de aula que lhes tomam quase que o período integral, especialmente entre os cursos envolvidos nesta experiência. Estamos, todos, trabalhando com este intuito, e as avaliações sistemáticas promovidas nos encontros mensais acenam no sentido de que trilhamos o caminho certo, visto que os processos de trabalho têm sido revistos e os estudantes, em seu papel questionador, têm sido fundamentais neste processo. Entretanto, sabe-se do desafio constante de trabalhar para que esta perspectiva pedagógica de integração ensino – serviço – comunidade se amplie para outros alunos, de diversos cursos, de forma contínua e regular, durante a graduação. Esperamos que essas vivências sejam capazes de contribuir para a inclusão de temáticas e práticas relacionadas à produção de redes de cuidado, particularmente no campo da atenção psicossocial, nas matrizes curriculares dos cursos envolvidos na proposta. Para conseguir tal intento, buscamos oportunidades de divulgação dessa experiência, tanto no âmbito da Universidade, por meio de seminários e publicação de trabalhos científicos, quanto entre os profissionais da Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS), no sentido do reconhecimento da importância do papel do preceptor e do trabalho no processo de aprendizagem, para formação de futuros profissionais. Acredita-se que a experiência do PET-Redes tem contribuído para a construção de um novo profissional, portador de uma visão sistêmica do processo saúde-doença, e que reconhece o valor 909
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da atenção primária e da proximidade com a comunidade. Um profissional que distingue os reais problemas de saúde de um território e que leva em consideração as vulnerabilidades socioambientais. E, finalmente, o que os estudantes apontam como o mais importante e enriquecedor nesta vivência: um futuro profissional que, seguramente, terá maiores habilidades para o trabalho em equipe, que reconhece o valor dos diversos saberes, que ampliou sua capacidade comunicacional, e cunhou um olhar crítico sobre a gestão dos processos de trabalho, o que, por certo, trará benefícios para o SUS e a comunidade.
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. 2. Paim JS. O que é SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. 3. Araújo MD, Miranda MCG, Brasil SL. Formação de profissionais de saúde na perspectiva da integralidade. Rev Baiana Saúde Pública. 2007;31(1):20-31. 4. Ceccim RB, Armani T, Rocha C. O que dizem a legislação e o controle social em saúde sobre formação de recursos humanos e o papel dos gestores públicos no Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2002;7(2):373-83. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232002000200016 5. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial União. 19 set 1990;Seção 1:018055. 6. Noronha AB, Sophia D, Machado K. Formação profissional em saúde. Radis. 2002; 3:11-7. 7. Finkler M, Caetano JC, Ramos FRS. Integração “ensino-serviço” no processo de mudança na formação profissional em Odontologia. Interface (Botucatu). 2011;15(39):1053-67. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832011005000023 8. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais de saúde. Rev Bras Educ Med. 2008; 32(3):356-62. http://dx.doi. org/10.1590/S0100-55022008000300010 9. Carvalho SOB, Duarte LR, Guerrero JMA. Parceria ensino e serviço em unidade básica de saúde como cenário de ensino-aprendizagem. Trab Educ Saúde. 2015;13(1):123-44. 10. Silva ROB, Alves ED, Carvalho DSL, Mesquita DM. Programa PET-Saúde: trajetória 2009-2010, na Universidade de Brasília. Saúde Debate. 2012;36(95):678-83. 11.Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde. Diário Oficial União. 27 ago 2008;Seção 2:8.
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O objetivo deste artigo é relatar a experiência da parceria ensino-serviço entre os participantes do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde/Redes de Atenção (PET-Redes) no município de Vitória, ES, Brasil. Discute-se a relevância das ações para incrementar a formação de profissionais para atuarem junto ao Sistema Único de Saúde (SUS). Apresentam-se as mudanças desencadeadas com a implantação dos programas, relatando a abertura para vivências multiprofissionais, destacando a experiência exitosa de utilização do Genograma e Ecomapa no processo de aproximação dos alunos com o território e usuários. Ressaltam-se desafios e fragilidades, como a dificuldade de incorporar as atividades do PET na rotina da unidade de saúde e a necessidade de mudanças da perspectiva pedagógica da formação profissional, de forma que esteja mais articulada à rede de serviços de saúde e atinja todos os alunos durante a graduação.
Palavras-chave: Formação. Interdisciplinaridade. Integração ensino-serviço. Experiences of the teachin-service integration produced by the Education by Work for Health Program (PET-Health Networks) This paper reports the experiences of the teaching-service integration developed by the participants of the Education by Work for Health Program (PET-Health Networks) at Victoria-ES, Brazil. The effectiveness of activities to increase the education of health professionals working at the Brazilian Health System (SUS) has been discussed. Changes resulting from the program implementation are described and the openness to multiprofessional experiences are reported with particular emphasis on the success of Genogram and Ecomap in bringing students closer to the territory and users. Moreover, we discuss challenges and weaknesses, such as the difficulty in including PET activities in the healthcare unit’s routine as well as the need for a different pedagogical perspective toward professional education to ensure that students are more articulate with the healthcare services’ network and to reach out to all students prior to graduation.
Keywords: Education. Interdisciplinary. Teaching-service integration. Nosotros en red: vivencias de la asociación enseñanza-servicio producidas por el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud El artículo relata la experiencia de asociación enseñanza-servicio entre participantes del Programa de Educación en el Trabajo para la Salud (PET-Salud/Redes). Discute la importancia de acciones para incrementar la formación de profesionales para que trabajen con el Sistema Brasileño de Salud (SUS). Presenta cambios provocados con la implantación del programa, relatando la apertura para vivencias interdisciplinares y multi profesionales, destacando la experiencia exitosa de la utilización del Genograma y Ecomapa en el proceso de aproximación de alumnos al territorio y usuarios. Resalta desafíos y fragilidades como la dificultad de incorporar las actividades del PET en la rutina de la unidad de salud y la necesidad de cambios de la perspectiva pedagógica en la formación profesional, de tal modo que esté más articulada con la red de servicios de salud y alcance de todos los alumnos durante los estudios universitarios.
Palabras clave: Formación. Interdisciplinariedad. Integración enseñanza-servicio.
Recebido em 01/10/14. Aprovado em 15/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0826
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Indicadores e Rede de Atenção: uma experiência do Programa de Educação pelo Trabalho em Vigilância em Saúde
Selma Regina de Andrade(a) Ana Cristina Vidor(b) Janara Caroline Ribeiro(c) Cely Edna Pereira Ribeiro(d)
Introdução A formação de profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido pauta política há alguns anos, devido ao desafio de formar profissionais com competências específicas para a efetivação de seus princípios. Desde a década de 1960, as transformações legais, institucionais e políticas vêm garantindo a reorganização dos processos formadores intersetoriais nos campos da saúde e da educação1. A mais recente estratégia implementada pelos Ministérios da Educação (MEC) e da Saúde (MS), no âmbito da graduação, foi o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), que possibilita a aprendizagem tutorial para a formação de profissionais da saúde, por meio da integração ensino-serviço em áreas estratégicas do SUS2. A Vigilância em Saúde (VS) tornou-se, desde 2010, uma dessas áreas. Assim, o PET/VS busca transformar os processos formativos, as práticas e a produção de conhecimento, caracterizando-se como um instrumento para qualificação em serviço dos profissionais da saúde, bem como de iniciação ao trabalho e vivências direcionadas aos estudantes dos cursos de graduação na área da saúde2. No contexto da Política Nacional de Saúde, a articulação e integração entre a vigilância e outras áreas da atenção à saúde, sob a perspectiva de Rede de Atenção à Saúde, tem o sentido de ampliar a inserção da Vigilância e Promoção no cotidiano dos serviços, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS), uma vez que dela emana o foco epidemiológico local a ser monitorado, senão equacionado. Dessa forma, a VS pode ser entendida como uma estratégia que tem foco no cuidado, e visa assegurar que ações de promoção da saúde, de prevenção, de controle dos agravos e de atenção aos doentes ocorram segundo os princípios do SUS. A organização da VS na perspectiva de Rede está estreitamente vinculada à tomada de decisão qualificada para os objetivos do cuidado em saúde. A disponibilidade de dados fidedignos em relação à situação de saúde em todo e qualquer ponto da rede pode promover o diálogo necessário e tornar possível a tomada de decisão conjunta3,4.
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Departamento e Programa de PósGraduação em Enfermagem (PEN), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Campus João David Ferreira Lima. Florianópolis, SC, Brasil. 88040-900. selma.regina@ufsc.br (b) Vigilância Epidemiológica de Florianópolis. Florianópolis, SC, Brasil. vidoranacris@gmail.com (c) Ambulatório Geral Dr. Diogo Vergara. Secretaria de Saúde de Blumenau. Blumenau, SC, Brasil. janaracribeiro@gmail.com (d) Vigilância em Saúde, Secretaria de Saúde de Florianópolis. Florianópolis, SC, Brasil. celyedna@hotmail.com (a)
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indicadores e rede de atenção: ...
Entretanto, ainda é desafiador tal diálogo para a integração da vigilância em saúde com as equipes de saúde da APS. Neste sentido, o PET/VS, além de contribuir com a formação de profissionais competentes para os processos de vigilância, também pode promover a aproximação desses diversos atores, visando integrar suas práticas. Esta cooperação fomenta a produção de conhecimento para um impacto significativo nos indicadores de saúde e na qualidade da atenção prestada na rede de serviços do SUS5. Com este escopo, o presente estudo objetiva relatar uma experiência do PET/VS de implementação de um projeto de análise e monitoramento de indicadores de saúde universais no contexto da rede de atenção, e sua contribuição para a formação e prática profissional em saúde.
Caracterização do projeto O PET/VS da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi homologado nos termos da Portaria Conjunta MEC/MS nº 6, de 27 de março de 2013, e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis. Neste artigo, será relatada a experiência do projeto intitulado “Vigilância em Saúde sob a perspectiva da Rede de Atenção: diagnóstico a partir dos indicadores da Programação das Ações”, denominado de “PET Indicadores”. A experiência refere-se ao primeiro ano (2013-2014) de desenvolvimento do projeto, o qual tem como intuito conhecer os processos de vigilância a partir da utilização de indicadores de saúde. É desenvolvido numa perspectiva de rede, incluindo: o nível central da gestão, com a participação da Gerência de Vigilância Epidemiológica (GVE) da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis (SMSF), Santa Catarina; o nível distrital, sendo selecionado um distrito sanitário (DS), com a composição de quatro a oito Centros de Saúde, representando o nível local de desenvolvimento das ações de vigilância. Com o desenvolvimento das atividades e exigências dos indicadores selecionados, incluíram-se dois Núcleos Hospitalares de Epidemiologia. O PET Indicadores integra uma equipe formada por 12 participantes, sendo uma tutora – professora do Departamento de Enfermagem da UFSC; duas preceptoras da GVE – a gerente do serviço e uma enfermeira da equipe da GVE; oito estudantes de graduação dos cursos de odontologia, farmácia, psicologia e enfermagem; e uma integrante voluntária – estudante do curso de Mestrado em Enfermagem da UFSC. Todos os integrantes dedicam oito horas semanais ao projeto. O cronograma de trabalho do PET Indicadores foi desenvolvido em duas fases: pré-campo e campo; e organizado com base em três eixos: atividades de ensino (palestras, seminários); atividades de pesquisa (revisões da literatura, consulta a bancos informatizados); e atividades de extensão (imersão no campo de prática). No pré-campo, ocorrido nos três primeiros meses, foram realizados: o planejamento das atividades, incluindo a recepção e integração dos estudantes ao serviço; sua divisão em grupos de trabalho, e uma sensibilização quanto aos objetivos do projeto e entrada em campo, relativos aos eixos de ensino e pesquisa. A preparação para a entrada em campo incluiu estudos sobre código de ética profissional e ética em pesquisa e saúde, destacando-se a importância do sigilo de dados e informações a que teriam acesso. Além disso, desenvolveu-se um seminário no qual foram destacados temas de epidemiologia, incluindo conceitos, fundamentos, instrumentos de gestão, modelos teóricos e de análise de dados. Cada dupla escolheu, em conjunto com as preceptoras, um dos indicadores do Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP) para estudar-trabalhar. A estudante voluntária também desenvolveu atividades tanto no nível central quanto em centros de saúde, a partir da seleção de um indicador relacionado ao seu tema de dissertação de mestrado. A fase de campo, ocorrida nos nove meses seguintes, compreendeu a realização de atividades de ensino, pesquisa e extensão. As atividades de ensino foram comuns a todas as duplas, sendo que cada uma deveria desenvolver ações específicas ao indicador escolhido. Já as atividades de extensão, com exceção do cumprimento das horas no serviço, foram realizadas de acordo com o indicador selecionado. Para cada indicador, foram realizadas: revisão da literatura, análise da situação no município, por DS, e ações específicas de participação e inserção nos espaços necessários para 914
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seu entendimento e integração no serviço, como, por exemplo, Comitê de Óbito Materno-Infantil e Conselho Municipal de Saúde, entre outros. Considerando a importância de aspectos qualitativos em estudos que analisam indicadores, sobretudo por compreender que a coleta de dados e o uso de sistemas de informação são processos mediados pela ação humana, o projeto prevê, para seu segundo ano, a realização de entrevistas com profissionais nos níveis local, distrital e central. Isso permitirá uma compreensão maior da situação dos indicadores, a partir da visão do profissional, para o aperfeiçoamento dos processos de vigilância no município. Para corresponder a esta etapa, o projeto foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (CEPSH) da UFSC.
Caracterização da Rede de Atenção e Vigilância à Saúde de Florianópolis O projeto PET Indicadores foi organizado para acontecer junto aos serviços de vigilância, em seus diferentes âmbitos (local, regional e central), vinculados à Diretoria de Vigilância em Saúde da SMSF. O Código Municipal de Vigilância em Saúde estabelece as suas áreas de responsabilidade: Vigilância Sanitária, Vigilância Epidemiológica, Controle de Zoonoses, Vigilância Nutricional e Alimentar e Doenças e Agravos não Transmissíveis, Vigilância Ambiental e Vigilância da Saúde do Trabalhador. Além das ações desenvolvidas nestes setores específicos, o Laboratório Municipal de Florianópolis (LAMUF), que fornece o apoio diagnóstico por meio da vigilância laboratorial, sobretudo nas áreas médica e ambiental, também integra a estrutura da Diretoria de Vigilância em Saúde6. A Rede de Atenção à Saúde do município está organizada em cinco distritos sanitários: Centro, Continente, Leste, Norte e Sul. Cada DS possui serviços de atenção à saúde (nível local) e uma sede administrativa (regional). Junto à administração de cada DS existe uma assessoria regional de vigilância epidemiológica, responsável pelos processos de vigilância em sua área. A Atenção Primária dispõe de cinquenta Centros de Saúde, com: 116 equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), quatro equipes de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), nove Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e sessenta equipes de Saúde Bucal. Na atenção secundária, há: quatro Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), um Consultório de Rua, quatro Policlínicas, dois Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA - porte 2), uma Farmácia-Escola e um laboratório com análise de agravos de interesse epidemiológico. A SMSF assume, gradativamente, a área de alta complexidade. A gestão hospitalar continua com a Secretaria de Estado de Saúde, porém as Autorizações para Internações Hospitalares da população residente em Florianópolis estão sob a gestão municipal6. Nos serviços de atenção terciária, existem cinco Núcleos Hospitalares de Epidemiologia (NHE) em cooperação com a Vigilância em Saúde da SMSF, integrando os processos de vigilância do município e do Estado. Neste primeiro ano, as duplas frequentaram, semanalmente, a GVE, e tiveram acesso aos dados e indicadores de todo o município. O deslocamento para os níveis distrital e local ocorreu de acordo com a necessidade identificada a partir da análise e monitoramento dos indicadores selecionados. Todos os estudantes realizaram estudos sobre a conformação das Redes de Atenção e sobre a estrutura organizacional da Vigilância em Saúde de Florianópolis, para conhecer as instâncias e se familiarizarem com os serviços. Essa atividade foi importante por facilitar a integração dos alunos no campo e, sobretudo, por possibilitar o reconhecimento dos setores que possuem ligação com a coleta, fontes de informação e análise dos indicadores selecionados.
A integração ensino-serviço na análise e monitoramento de indicadores de saúde Os indicadores selecionados para o projeto PET Indicadores constam do Contrato Organizativo da Ação Pública de Saúde (Coap), firmado entre gestores, que regulamenta a articulação interfederativa para a organização, o planejamento e a assistência à saúde, no âmbito do SUS. Com o Coap, a vigilância tem sua organização definida por ações prioritárias nacionais, que incluem aquelas relacionadas aos indicadores universais (33 indicadores); e por ações prioritárias locais, COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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segundo critérios de relevância epidemiológica para uma determinada área territorial, a partir de indicadores específicos (34 indicadores)7. Antes da inserção em campo, os estudantes receberam a pactuação municipal e o Caderno de Diretrizes, Objetivos, Metas e Indicadores definidos para o período 2013-20157, para seleção, estudo e trabalho com um dos indicadores pactuados. Os indicadores selecionados foram: Taxa de mortalidade prematura pelo conjunto das quatro principais doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) (doenças do aparelho circulatório, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas); Proporção de cura da tuberculose pulmonar bacilífera; Taxa de mortalidade infantil; Número de casos novos de aids em menores de cinco anos; e Razão de exames citopatológicos em mulheres de 25 a 64 anos. Todos integram o rol de indicadores universais do Coap e foram destacados como de relevância para o município. Além da análise das diretrizes, objetivos e metas, também foi solicitado o levantamento: do método de cálculo, magnitude, fonte de dados, período de avaliação e recomendações específicas de cada indicador. Para isso, cada dupla reuniu-se com suas preceptoras para discutir e fazer uma análise geral da situação do indicador selecionado. No caso da estudante voluntária, as atividades em campo foram acompanhadas pela equipe técnica responsável pelo indicador de exames citopatológicos. O processo de seleção deste indicador compreendeu as mesmas etapas propostas aos bolsistas. A partir dessa análise inicial, os estudantes recorreram à literatura científica para a compreensão de problemas relativos ao indicador selecionado, bem como para a análise do estado da arte. Com isso, foi possível identificar e articular as necessidades locais de cada indicador com as lacunas de conhecimento existentes em sua área de aplicação, para posterior análise mais aprofundada dos diversos fatores que interferem no cálculo. Conhecendo o método de cálculo e fatores relacionados a cada indicador, os estudantes passaram a acompanhar um técnico da VE para conhecer as fontes de seu indicador, assim como os demais processos relacionados a sua análise e monitoramento. Além de conhecerem e aprenderem a utilizar os sistemas de informação em saúde (SIS), os estudantes também participaram de reuniões do serviço sobre a coleta de dados e funcionamento dos SIS, aprendendo a fazer o preenchimento e análise de formulários comuns aos processos de vigilância, bem como gerar relatórios e planilhas por meio dos sistemas informatizados. Também passaram a acompanhar discussões coletivas em comitês para análise e desenvolvimento conjunto de estratégias de prevenção e promoção da saúde que impactem positivamente nos indicadores. Com relação ao indicador Proporção de cura da tuberculose pulmonar bacilífera, o processo de imersão na literatura e no serviço, pelos estudantes, foi o mesmo apresentado anteriormente. O estudo inicial deste indicador compreendeu uma análise histórica do período de 2007 a 2012, por intermédio do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN). Neste sistema, encontramse: a ficha de investigação, de notificação e a ficha de acompanhamento dos casos positivos. A análise permitiu identificar que, em Florianópolis, a doença está fortemente associada à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), e que a cidade possui altas taxas de abandono. Com base nos achados municipais, foram iniciados estudos específicos de cada distrito e de cada Centro de Saúde, procurando acompanhar localmente a proporção de cura da doença, visando implementar um instrumento de avaliação dos riscos para o abandono do tratamento. Ademais, também foi realizada análise das Fichas de Investigação (FI) de tuberculose. São fichas que possuem dados gerais dos pacientes, exame clínico e laboratorial, e se é um paciente que já fez algum outro tratamento contra a doença ou não. A partir das FI, é possível deduzir diversos aspectos relacionados ao tratamento, os quais podem oferecer pistas para a análise dos casos de abandono. Todavia, também foi observado que faltam muitas informações nas FI, em especial com relação aos exames de baciloscopia, que devem ser realizados a partir do mês da notificação da doença até o sexto mês de tratamento. Com base nisso, os estudantes elaboraram uma relação das principais informações incompletas, relacionando, também, o Centro de Saúde (CS) a que estão vinculados os pacientes, como forma de implementar ações de capacitação das equipes de tais CSs, e agilizar o fluxo das informações, e, por sua vez, para a melhoria do acompanhamento dos casos e investigação dos contatos deste paciente. Quanto ao indicador Taxa de mortalidade infantil, a dinâmica de trabalho dos estudantes se iniciou pela integração junto à equipe do setor de estatísticas vitais e informação, equipe técnica da VE 916
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responsável pela área, para aprenderem a utilizar o Sistema de Informação de Mortalidade Infantil (SIM) e Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC). Também realizaram a análise, codificação e envio de informações das Declarações de Óbitos (DOs) e fichas de investigação de óbitos ao Comitê de Prevenção ao Óbito Infantil e Materno (CPOIM), do qual participaram de reuniões mensais buscando estudar, discutir e traçar metas para a redução de óbitos, sobretudo daqueles considerados evitáveis. A principal atividade relacionada a este indicador, desenvolvida pelas estudantes em parceria com os técnicos da área, foi a análise de investigação de óbitos infantis de Florianópolis. De 2008 a 2012, ocorreram 243 óbitos, destes, 62,13% foram considerados evitáveis. A maioria deles foi considerada evitável devido à adequada atenção à mulher na gestação e adequada atenção ao recém-nascido. Levando em conta essa análise inicial, o tempo decorrido entre a ocorrência do óbito e a análise pelo CPOIM e a necessidade de monitoramento oportuno dos fatores de risco associados a esse indicador, foi construída uma tabela, em Microsoft Excel®, contendo o perfil dos óbitos ocorridos no município de Florianópolis baseados na DO, da qual as acadêmicas passaram a ser corresponsáveis pela manutenção e atualização. Até o momento, foram inseridos 57 óbitos que ocorreram no município de Florianópolis, sendo 27 óbitos infantis de residentes de Florianópolis. Os óbitos são, na maioria, precoces e, apesar de o número de óbitos ocorridos até agora ser semelhante ao dos anos anteriores em geral, quebra a expectativa adquirida no ano de 2013, que terminou com um total de 29 óbitos e, assim, uma taxa de 5,2 óbitos infantis por mil nascidos vivos. Em conjunto com tais ações, as acadêmicas puderam participar, também, da elaboração de boletins epidemiológicos e discussões sobre assuntos administrativos e estatísticos relacionados ao setor e indicador, como a quantidade de investigações distribuídas nos DSs e número de DOs recebidas. Outro indicador selecionado para o projeto foi o Número de casos novos de aids em menores de cinco anos. Foi realizada uma série histórica de 2007 a 2013, com base nos dados do Sistema de informações de Agravos de Notificação (SINAN). Esse indicador refere-se a um evento sentinela, definido como “a detecção de doença prevenível, incapacidade, ou morte inesperada, cuja ocorrência serve como um sinal de alerta de que a qualidade terapêutica ou prevenção deve ser questionada”8. Nesse sentido, as discussões e análise dos casos buscaram compreender em que ponto do cuidado houve falha na atenção à saúde e fez com que essas crianças desenvolvessem aids. Considerando que as fichas de notificação/investigação do SINAN mostram-se insuficientes para avaliar um problema complexo como este, foi proposta a elaboração de um instrumento de investigação para preencher as lacunas existentes e auxiliar na investigação dos casos de crianças menores de cinco anos com aids, por transmissão vertical. Inicialmente, a dupla realizou uma pesquisa documental, a partir da seleção de normas, diretrizes e documentos técnicos do Ministério da Saúde e de Secretarias Estaduais de Saúde, disponibilizados em portal eletrônico. Procedeu-se à análise temática dos conteúdos documentais, identificando, nestes, os elementos complementares ao instrumento existente, relacionados à interação da mãe/criança com o serviço público de saúde. Dentre as principais lacunas existentes nas fichas do SINAN, estão: a falta de perguntas relacionadas aos motivos que levaram a gestante a não utilizar o antirretroviral; se esta obteve gratuitamente a fórmula láctea para alimentar seu filho; e se a mãe e a criança estão realizando acompanhamento. Perguntas essas, importantes para avaliar a qualidade dos serviços do município, as quais foram incluídas no formulário, denominado “Roteiro para investigação dos casos de crianças com aids”, instrumento inspirado no “Protocolo para investigação dos casos HIV/aids por transmissão vertical”, utilizado no estado de São Paulo9. O referido instrumento poderá auxiliar na identificação dos maiores problemas associados com os altos índices de aids em Florianópolis, bem como avaliar a qualidade dos serviços de saúde prestados, e, consequentemente, propor melhorias na assistência à população. O instrumento está em fase de validação, procedimento metodológico necessário para posterior ativação junto à equipe da Vigilância Epidemiológica de Florianópolis. No caso do indicador Taxa de mortalidade prematura (< 70 anos) pelo conjunto das quatro principais DCNTs, foi realizada uma série histórica com dados coletados no Sistema de informações 917
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de Mortalidade (SIM), no período de 2007 a 2013, por DS, e tabuladas, pelo Tabwin, as doenças envolvidas no indicador, registradas nos códigos CID-10. Em um contexto geral, as DCNTs são doenças com duração prolongada, desenvolvimento lento, e tendem a ser permanentes. No entanto, são passíveis de ser evitadas ou controladas da melhor forma possível, se detectadas precocemente. No período estudado, verificou-se que o número de óbitos prematuros pelas DCNTs manteve-se praticamente inalterado, embora tenha havido um crescimento populacional significativo. Uma conclusão preliminar indica uma diminuição da taxa de mortalidade prematura, informação ainda em estudo pelos bolsistas e equipe. Quanto ao indicador Razão de exames citopatológicos em mulheres de 25 a 64 anos, foram efetuados estudos bibliográficos acerca de sua relevância, cálculo, fontes, avaliação, meta e diretrizes, além de reuniões semanais com a coordenação e técnicos responsáveis por tal indicador. Para a análise do indicador foi realizada uma série histórica de 2009 a 2012, selecionando informações dos: Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO), Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), Registro Nacional do Câncer e Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Para o cálculo do indicador, também foram utilizadas informações populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A análise incluiu a produção de exames de todos os CSs, por DS. Identificou-se que a cobertura do município tem apresentado uma tendência crescente, passando de 0,34 em 2009 para 0,39 em 2012, com queda da mortalidade por este câncer. Porém, uma análise mais global mostrou que o indicador possui alguns fatores que merecem atenção, como: a periodicidade de realização do exame, que tem sido anual; a faixa etária que participa da estratégia de rastreamento, a qual inclui 20% de mulheres com menos de 25 anos; e a ausência de dados de setores da rede privada, o que subestima a cobertura. Além disso, outra fragilidade deste indicador é que os dados do SISCOLO não fornecem informações das mulheres que realizam o exame, e, portanto, impedem reconhecer se houve recoleta de uma mesma mulher ou não. Algumas dessas fragilidades devem ser resolvidas pela implantação do Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), que pretende fornecer informações mais completas com relação ao exame e à mulher que o realiza. Durante as atividades da estudante voluntária, o SISCAN foi implantado no município, iniciando com os profissionais desta área técnica da SMSF e, posteriormente, com aqueles dos distritos, do nível local e com os prestadores de serviço, como laboratórios de análise dos exames. Para acompanhamento do indicador, construíram-se planilhas no Microsoft Excel®, de forma que alguns dados de 2013 foram avaliados a partir da análise conjunta do SISCOLO e SISCAN, devido à transição no registro de dados. Essa análise permitiu reconhecer a realidade de cada DS, auxiliando o serviço na construção de boletins informativos e reorientação das estratégias, para o projeto PET Indicadores, à medida que fornece informações de diversos pontos da Rede e, também, para a pesquisa de mestrado da estudante voluntária. Para ilustrar o conjunto de indicadores estudados, o Quadro 1 apresenta a série histórica que deu origem às questões subsequentes de levantamento de dados por DS. Nesta síntese, pode-se observar o comportamento de cada um dos indicadores elencados, utilizados por dupla de estudantes para explorar suas tendências e hipóteses causais, bem como para auxiliar o embasamento de uma proposta de intervenção para cada uma das realidades observadas.
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Período
Indicador Proporção de cura da tuberculose pulmonar bacilífera
*
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Quadro 1. Série histórica dos indicadores estudados. PET VS. Florianópolis, Santa Catarina
2011
2012
2007
2008
80,2%
55,8% 64,2% 57,1% 62,5% 63,2%
2009
2010
2013 *
Taxa de mortalidade infantil/1000 nascidos vivos
*
9,93
8,98
9,05
8,43
9,09
*
Número de casos novos de Aids em menores de cinco anos
2
4
1
1
6
1
0
Taxa de mortalidade prematura (< setenta anos) pelo conjunto das quatro principais DCNTs/cem mil habitantes
129,2
131,0
136,5
126,5 262,3
269,5
241,4
Razão de exames citopatológicos em mulheres de 25 a 64 anos
*
*
0,45
0,41
0,45
0,45
*
Ano não contabilizado na série histórica realizada pelos estudantes.
Metodologia de avaliação e acompanhamento dos estudantes A aprendizagem em projetos de integração ensino-serviço prevê um processo de avaliação permanente das habilidades e atitudes desenvolvidas pelos estudantes, como, também, da metodologia empregada pelos tutores e preceptores. Tal processo é representado pela avaliação formativa que visa, ao longo do processo de construção das práticas: acompanhar o progresso, efetivar a oportuna correção das distorções observadas para preencher as lacunas detectadas e reforçar as conquistas alcançadas. Esse tipo de avaliação possibilita a análise da realidade, com a finalidade de refletir sobre a mesma na perspectiva de reconstrução da ação10. Na experiência do projeto PET Indicadores, os alunos utilizaram o portfólio como forma de registro, discussão e reflexão das ações desenvolvidas, possibilitando um acompanhamento permanente de sua evolução no PET/VS. Por se tratar de uma forte ferramenta para a reflexão de ações, o uso do portfólio reflexivo conduz o estudante à descoberta de si próprio em face das diversas situações; dá o suporte científico ao conhecimento de mundo que possui, e permite a autoavaliação do agir profissional. Esta metodologia de avaliação da formação traz consigo novas formas: de trabalhar em equipe, de ser proativo, de identificar as próprias necessidades de formação e os meios para consegui-la, de usar novas tecnologias e assumir o controle de sua aprendizagem10. Os portfólios, apresentados individualmente, mostraram similaridade de conteúdo na realização das atividades por dupla. O envio do portfólio, por e-mail, até o 5º dia do mês, auxiliou o apoio aos estudantes em suas necessidades de compreensão. Os conteúdos descreveram a produção do mês anterior, semana a semana, de forma cumulativa. Destacaram-se, nos portfólios: a evolução das respostas às questões levantadas relativamente a cada indicador; os registros das reuniões com a tutora e preceptoras; a participação em outras atividades de interesse do estudante, como, por exemplo, nas reuniões do Conselho Municipal de Saúde; resumos para apresentação em eventos nacionais; sínteses de revisão bibliográfica; participação na elaboração de boletim epidemiológico, entre outros. Importante ressaltar que esta ferramenta propiciou o acompanhamento dos estudantes pelas preceptoras e tutora, facilitando as orientações para as atividades por indicar, de forma aberta e clara, em que momento ou etapa dos processos era necessário intervir. Além disso, a presença constante do preceptor também colaborou para a avaliação, permitindo estabelecer: um diálogo contínuo com os estudantes, o esclarecimento de dúvidas e a reformulação de ações no momento em que elas ocorriam. Foram, ainda, realizadas reuniões periódicas com toda a equipe, no intuito de debater e orientar as ações do projeto e reformular a metodologia de trabalho, quando necessário. Nesses momentos, aproveitava-se para tratar de assuntos como: prazos de entrega de trabalhos/portfólio, rever plano de trabalho dos estudantes, atualizar agenda de eventos, orientar sobre a submissão de resumos e artigos em eventos e revistas científicas. As reuniões possibilitaram a integração das atividades do projeto, permitindo o acompanhamento e registro de informações pela tutora e preceptoras, fornecendo uma visão global do andamento das COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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atividades propostas, assim como o debate e ajustes de objetivos daquelas que não correspondiam ao esperado. Ademais, os resultados de tais encontros tornaram-se rica fonte de materiais e informações para a elaboração dos relatórios e manuscritos relacionados à pesquisa.
Considerações finais O primeiro ano do projeto PET Indicadores apresentou muitos resultados em termos de integração ensino-serviço. Seu objetivo de conhecer os processos de vigilância, a partir de indicadores de saúde, sob a perspectiva da rede de atenção, foi alcançado com as análises do comportamento estatístico dos indicadores estudados, realizadas nos Centros de Saúde, nos Distritos Sanitários e no município. Aqui se destacou, fortemente, a integração ensino-serviço, com um espaço de prática na formação profissional dos estudantes, por um lado, e, por outro, com as contribuições efetivas para o serviço, à medida que dados, informações, sistemas e formulários foram revistos e trabalhados, e novas tecnologias foram criadas. A escolha de indicadores, de acordo com as necessidades e pactuação do município, facilitou a integração dos estudantes junto às áreas técnicas e a construção e análise desenvolvidas. Ademais, ofereceu, à gestão, um diagnóstico dos processos de vigilância e programação em saúde, possibilitando suprir necessidades e corrigir distorções encontradas. O modo de distribuição e a dinâmica das atividades promoveram o aprendizado coletivo e o desenvolvimento de novas habilidades, como: a realização de artigos e resumos científicos, para a apresentação em congressos; apresentações técnicas, para as reuniões do serviço; a elaboração de projetos e boletins informativos; e a criação de instrumentos para a investigação de agravos. A avaliação formativa, por meio de portfólio reflexivo, mostrou: uma visão ampliada dos processos de vigilância, uma efetivação de ações de monitoramento de indicadores, além de facilitar o acompanhamento dos estudantes. O planejamento conjunto das atividades e da metodologia empregada para o desenvolvimento do projeto promoveu a integração de atividades de ensino, pesquisa e extensão, articulando práticas da academia aos processos de vigilância, e permitindo a interação não só dos participantes do projeto, mas, também, com outros profissionais e serviços. Essa integração ofereceu um olhar diferenciado, aos estudantes e profissionais, para a importância de seu trabalho, muito mais do que somente de colaborador na formação de novos profissionais e de participação em atividades acadêmicas. Acima de tudo, reveste esta atuação cotidiana como parte de uma meta coletiva em saúde, que ultrapassa o cumprimento de requisitos normativos de um programa governamental. Tal iniciativa de integração ensino-serviço é reconhecida, pelos estudantes da área da saúde, como uma oportunidade ímpar em sua formação. Contribuiu não apenas para a compreensão da complexidade dos processos de vigilância, dentro de um sistema, como uma rede de ações que dependem umas das outras, mas, sobretudo, para o desenvolvimento de profissionais dotados de senso crítico reflexivo, para um agir responsável e comprometido com a saúde, tornando-os competentes para a atuação e efetivação do SUS.
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Colaboradores Todas as autoras participaram da concepção, discussão e redação do manuscrito, ou seja, as autoras trabalharam juntas em todas as etapas de produção do manuscrito, compartilhando do desenvolvimento do projeto. Referências 1. Brehmer LCF, Ramos FRS. Experiências de integração ensino-serviço no processo de formação profissional em saúde: revisão integrativa. Rev Eletr Enf [Internet]. 2014 [acesso 26 ago 2014];16(1): 228-37. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v16i1.20132 2. Minsitério da Saúde (BR).Portaria conjunta nº 3, de 3 de março de 2010. Institui, no âmbito do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), o PET-Saúde/ Vigilância em Saúde. Diário Oficial União. 4 mar 2010. 3. Pinheiro ALS. Gerência de enfermagem em Unidades Básicas: a informação como instrumento para a tomada de decisão. Rev APS. 2009;12(3):262-70. 4. Bittar TO, Meneghim MC, Mialhe FL, Pereira AC, Fornazari DHO. O Sistema de Informação da Atenção Básica como ferramenta da gestão em saúde. Rev Fac Odontol (Passo Fundo). 2009;14(1):77-81. 5. Linhares MSC, Freitas CASL, Teixeira AKM, Dias RV, Flor SMC, Soares JSA, et al. Programa de educação para o trabalho e vigilância em saúde. Trab Educ Saude. 2013;11(3):679-92. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462013000300012 6. Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria de Saúde. Mapoteca digital. Rede de atenção à saúde em Florianópolis [Internet]. 2013 [acesso 30 ago 2013]. Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/saude/unidades_saude/mapas/2013/ consolidado_2013.pdf 7. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Caderno de diretrizes, objetivos, metas e indicadores: 20132015. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013. 8. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7a ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010. 9. Secretaria de Estado da Saúde (SP). Coordenadoria de Controle de Doenças. Programa estadual de DST/Aids de São Paulo. Protocolo para investigação da transmissão vertical do HIV em crianças (menores de 13 anos de idade) [Internet]. 2012 [acesso 3 mar 2014]. Disponível em: http://www3.crt.saude.sp.gov.br/arquivos/pdf/protocolo_ tvhivaids_13.06.12.pdf 10. Silva RHA, Scapin LT. Utilização da avaliação formativa para a implementação da problematização como método ativo de ensino-aprendizagem. Est Aval Educ. 2011;22(50):537-52.
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Este trabalho relata a experiência de integração ensino-serviço entre estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina e profissionais do serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, Brasil, proporcionada pelo Programa de Educação pelo Trabalho no âmbito da Vigilância em Saúde. A experiência refere-se à implementação de um projeto de análise e monitoramento de indicadores de saúde universais, pactuados entre gestores públicos, na perspectiva da rede de atenção. Foram realizadas, entre outras atividades, análises históricas e desenvolvidos instrumentos de investigação e monitoramento dos indicadores. As ações possibilitaram a integração dos estudantes à dinâmica de trabalho em vigilância e, ao mesmo tempo, contribuíram para a capacitação e estruturação do serviço, possibilitando o aprimoramento dos processos da Vigilância em Saúde e a aproximação da academia com a realidade dos serviços de saúde.
Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Educação Profissional em Saúde Pública. Serviços de integração docente-assistencial. Vigilância em Saúde Pública. Indicadores. Indicators and Care Network: an experience of the Education for Work in Health Surveillance Program This paper reports the teaching-service integration experience, provided by the Education for Work in Health Surveillance Program, between students of the Santa Catarina Federal University and the professionals in the service of the Health Department Epidemiological Monitoring Service at Florianópolis, Brazil. This experience is related to the implementation of a project concerned with the analysis and monitoring of universal health indicators, by public managers, from the healthcare network perspective. Among other activities, it was possible to develop historical analyses and investigate indicators and monitoring instruments. Such actions enabled the integration of students to surveillance working dynamics and simultaneously contributed to the health services structuring, facilitating the improvement of the Health Surveillance processes and the Academy’s approach to the realities of public health.
Keywords: Brazilian Health System. Education. Public health professional. Teaching care integration services. Public Health Surveillance indicators. Indicadores y Red de Atención: una experiencia del Programa de Educación en el Trabajo de Vigilancia en la Salud Este estudio relata la experiencia de integración enseñanza-servicio entre estudiantes de la Universidad Federal de Santa Catarina y profesionales del servicio de Vigilancia Epidemiológica del Departamento de Salud de Florianópolis, Brasil, proporcionada por el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud. La experiencia se refiere a la implementación de un proyecto de análisis y acompañamiento de indicadores de salud, pactados entre gestores públicos, en la perspectiva de la red de atención. Entre otras actividades, fueron realizados análisis históricos y se desarrollaron instrumentos de investigación de los indicadores. Las acciones posibilitaron la integración de los estudiantes en la dinámica del trabajo en vigilancia y contribuyeron para la capacitación y estructuración del servicio, lo que posibilitó la mejoría de los procesos de Vigilancia en Salud y la aproximación de la academia con la realidad de los servicios de salud.
Palabras clave: Sistema Brasileño de Salud. Educación en Salud Pública profesional. Servicios de integración docente asistencial. Vigilancia en Salud Pública. Indicadores.
Recebido em 10/10/14. Aprovado em 16/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.1060
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Avaliação do Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde - PET-Saúde/Vigilância em Saúde pelos seus atores Liziane Maahs Flores(a) Ana Luiza Trindade(b) Daiane Rodrigues de Loreto(c) Beatriz Unfer(d) Marinel Mór Dall’Agnol(e)
Introdução O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde/Vigilância em Saúde (PET-Saúde/VS) é promovido pelos Ministérios da Saúde e da Educação, no Brasil, e desenvolvido por universidades em parceria com as Secretarias Estaduais e/ou Municipais de Saúde1. Este programa foi implementado na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) desde maio de 2013, disponibilizando bolsas para tutores (docentes), preceptores (profissionais dos serviços) e estudantes de graduação da área da saúde2, e oportunizando a realização de estudos em vigilância em saúde, ampliando a integração entre serviços de saúde e instituições de Ensino Superior. A Vigilância em Saúde (VS) constitui um processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise e disseminação de dados sobre eventos relacionados à saúde, visando o planejamento e a implementação de medidas de saúde pública para a proteção da saúde da população, a prevenção e o controle de riscos, agravos e doenças, bem como para a promoção da saúde3. As ações de VS abrangem toda a população brasileira e envolvem práticas e processos de trabalho voltados, dentre outras questões, para a detecção oportuna e a adoção de medidas adequadas para a resposta às emergências de saúde pública4. Diante do desastre ocorrido em boate de Santa Maria, em 27 de janeiro de 2013, a equipe do PET-Saúde/VS da UFSM direcionou suas atividades ao monitoramento desta situação de emergência. Os serviços de saúde municipais e da 4ª Coordenadoria Regional de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul (4ª CRS) apresentaram suas necessidades por meio de seus preceptores vinculados ao PET e seus gestores. A universidade aceitou os desafios propostos pelos serviços de saúde e auxiliou na formulação e execução de projetos por meio de seus docentes (tutores) e estudantes de cursos de graduação da área da saúde. Após um ano desta integração ensino-serviço, em março de 2014, estudantes, tutores e preceptores decidiram realizar uma avaliação do programa. Entendendo que a avaliação de programas deve estar presente no planejamento, na implementação e no funcionamento dos serviços e instituições5, elaborou-se uma ficha para avaliar o PET-Saúde/VS da UFSM, e aplicou-se em toda a equipe. “Avaliar” significa o ato de determinar a qualidade, COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
(a,e) Departamento de Saúde da Comunidade, Centro de Ciências da Saúde (CCS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Av. Roraima, 1000, Prédio 26 (CCS), sala 1244, Camobi. Santa Maria, RS, Brasil. 97105-900. lizianemf@gmail.com; marinelmd@terra.com.br (b) Acadêmica, curso de Medicina, CCS, UFSM. Santa Maria, RS, Brasil. atrindade93@gmail.com (c) Acadêmica, curso de Farmácia, CCS, UFSM. Santa Maria, RS, Brasil. daiadeloreto@hotmail.com (d) Departamento de Estomatologia, CCS, UFSM. Santa Maria, RS, Brasil. unfer@terra.com.br
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o valor e o mérito de algo, resultando, por consequência, em qualificação do conhecimento científico ou prático a respeito do tema estudado5. Segundo o DeCS6, “avaliação em saúde” é um processo crítico-reflexivo, contínuo e sistemático sobre práticas e processos desenvolvidos no âmbito da saúde, sintetizados por indicadores de natureza quantitativa e/ou qualitativa, a fim de proporcionar informações para auxiliar processos de tomada de decisão. Neste sentido, a avaliação do PET-Saúde/VS da UFSM objetivou conhecer as principais dificuldades e facilidades vivenciadas, e as contribuições do programa para o ensino e/ou para o serviço. Este artigo pretende descrever e compartilhar esta experiência e discutir os resultados obtidos nesta avaliação, por meio de análise qualitativa, a fim de subsidiar o planejamento e a programação da etapa final do PETSaúde/VS da UFSM.
Referencial teórico O Município de Santa Maria, localizado no centro do Estado do Rio Grande do Sul, a 292 Km de Porto Alegre, configura-se o principal polo assistencial da região. Pelos dados do último censo7, o município tem 261.031 habitantes (95% urbano). No dia 27 de janeiro de 2013, esta população sofreu o impacto de um evento extremo, o incêndio ocorrido em uma boate, com repercussão e comoção nacional e internacional. Este desastre envolveu, sobretudo, jovens na faixa etária de 16 a trinta anos, e caracterizou-se como o segundo maior desastre em número de óbitos em incêndio ocorrido no país8. Por se tratar de uma situação de alta complexidade, com necessidade de intervenção imediata, de médio e longo prazo, este momento requereu uma rigorosa articulação estratégica de políticas públicas, de diversas instituições e segmentos envolvidos, responsáveis pela definição, encaminhamento e implementação de medidas preventivas e de intervenções. O PET-Saúde/VS da UFSM foi estruturado a fim de realizar a análise situacional da saúde no município de Santa Maria. Diante do desastre ocorrido na boate, incluiu, em seus objetivos, realizar ações de vigilância emergenciais às vítimas diretas e indiretas. Nesse sentido, o PET-Saúde/VS se destina: a viabilizar o aperfeiçoamento e a especialização em serviço, bem como a iniciação ao trabalho, os estágios, as pesquisas e vivências, por meio da integração ensino-serviço, considerando as necessidades do SUS na área de vigilância em saúde1. A integração ensino-serviço é o trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formação na área da saúde com profissionais que compõem as equipes dos serviços de saúde, incluindo-se os gestores, visando à qualidade de atenção à saúde individual e coletiva, à qualidade da formação profissional e à satisfação dos profissionais dos serviços9. A integração ensinoserviço surge, então, como mediadora de diálogos, reflexões e aprendizados múltiplos, em que a VS caracteriza-se como um dos cenários desse aprendizado transformador10. Tendo em vista esta proposta educacional do PET-Saúde/VS, que tenta impulsionar o contato interprofissional e integrar os atores envolvidos com a realidade dos serviços de saúde, idealizouse a realização de uma avaliação desse programa, envolvendo seus atores. Compreende-se que a aproximação ensino-serviço é imprescindível para que se materializem transformações efetivas na formação de recursos humanos no campo da saúde no Brasil, bem como para que a produção de conhecimento cause impacto significativo nos indicadores de saúde e na qualidade da atenção prestada no Sistema Único de Saúde (SUS)10. Nesse sentido, uma avaliação pode ajudar a determinar as mais diversas características de um programa, seus pontos fortes e fragilidades. Historicamente, a avaliação de programas tem sua origem em Ralph Tyler, a partir de estudo realizado em 1930 sobre a correlação entre currículos do nível secundário e desempenho subsequente dos alunos na faculdade. Este estudo durou oito anos, por meio do acompanhamento de uma leva de alunos americanos nos quatro anos do nível Médio e nos quatro da faculdade. Tyler pode caracterizar os pontos fortes e fracos das propostas curriculares, correlacionando-os aos objetivos declarados. Dessa forma, extrapolou as fronteiras da avaliação, até aquele momento circunscrita à simples medição, e inaugurou o que, posteriormente, seria chamado de avaliação formativa5.
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Atualmente, a avaliação de programas e serviços insere-se, assim como o planejamento em saúde, na temática da gestão em saúde coletiva. A avaliação acontece quando os pressupostos e as ações de um determinado programa ou serviço são confrontados com a prática, gerando informações que trazem esclarecimentos e subsidiam decisões. Nesse sentido, gestão, avaliação e planejamento podem ser considerados instâncias muito próximas e convergentes5.
Metodologia Na Universidade Federal de Santa Maria, o PET-Saúde/VS é desenvolvido por: cinco tutores docentes da UFSM (Medicina, Farmácia, Odontologia, Terapia Ocupacional e Veterinária), seis preceptores (profissionais de serviços municipais de saúde e da 4ª CRS) e 24 alunos de oito cursos de graduação (Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina, Odontologia, Terapia Ocupacional, Serviço Social e Veterinária). A avaliação foi voltada para os estudantes e preceptores (total de trinta pessoas) da equipe. A participação dos profissionais dos serviços de saúde públicos no processo ensinoaprendizagem dos alunos, mediada pelo tutor, é relevante no desenvolvimento de conhecimentos e habilidades, pois contribui com a formação de competências necessárias às práticas de saúde desta área2. Este trabalho apresenta, de forma qualitativa, o relato de uma experiência do processo de organização do PET-Saúde/VS. Sendo assim, utilizou-se uma ficha estruturada para avaliação do PET-Saúde/VS da UFSM, a qual fazia parte da metodologia do programa como estratégia para reorganização e planejamento das atividades, e foi solicitada, aos atores participantes do PET-Saúde/ VS da UFSM, na reunião de toda a equipe do mês de março/2014. A ficha foi preenchida pelos próprios atores participantes do PET-Saúde/VS da UFSM sem entrevista. Os acadêmicos bolsistas e preceptores participantes do PET-Saúde entregaram as respostas de forma anônima. A avaliação consistia em perguntas abertas dirigidas a preceptores e estudantes, envolvendo a contribuição do PET-Saúde/VS para formação, facilidades e dificuldades encontradas. Também foi abordada a contribuição do PET-Saúde/VS para o serviço (se o participante fosse preceptor) ou a contribuição do PET-Saúde/VS para o cotidiano acadêmico (se o participante fosse estudante). Os dados foram digitados e avaliados utilizando-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)11, que consiste em um conjunto de procedimentos de tabulação e organização de dados discursivos. Este método se destina a tornar mais claras e expressivas as representações sociais. Com o sujeito coletivo, os discursos não se anulam ou se reduzem a uma categoria comum unificadora, já que o que se busca fazer é, precisamente, o inverso, ou seja, reconstruir, com pedaços de discursos individuais, como em um quebra-cabeça, tantos discursos-síntese quantos se julgue necessário para expressar uma dada “figura”, um dado pensar ou uma representação social sobre um fenômeno11.
Resultados e discussões Foram analisadas todas as respostas dos 28 atores (quatro preceptores e 24 estudantes) participantes deste processo, das quais se obtiveram ideias centrais, representativas do discurso coletivo para cada uma das questões. Em relação à contribuição do PET-Saúde/VS para formação, destacaram-se três ideias centrais: houve diferentes contribuições do PET-Saúde/VS no que se refere ao ensino, à pesquisa e à extensão, demonstrando que o programa contribuiu significativamente para a formação integral em saúde coletiva. Essas ideias podem ser visualizadas no Quadro 1.
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Quadro 1. Ideia central e discurso do sujeito coletivo dos atores em relação à questão “Contribuição do PET Vigilância na sua formação”. UFSM, 2014. Discurso do Sujeito Coletivo
Ideia central
(1) Ensino
(2) Pesquisa
(3) Extensão
proporcionou aprendizado em VS; contribuiu significativamente para a formação visando a saúde coletiva e o SUS; informações sobre o sistema de saúde; o PET vai engrandecer meu currículo, como também me proporcionar conhecimentos que sem ele não teria a oportunidade de aprender; contato com a academia; o PET tem contribuído no sentido de ampliar o meu conhecimento da área da saúde, por meio da parceria ensino/serviço onde me é oportunizado esse contato com os serviços de saúde do município; troca de informações e conhecimento com alunos e professores de áreas diferentes da minha; aperfeiçoamento e construção teórica sobre questões de vigilância em saúde; construção de conhecimento aliando a teoria e a prática entre a comunidade acadêmica e o trabalho no SUS; redigir textos e trabalhos com maior facilidade; entender o contexto do meu curso dentro da vigilância em saúde; argumentar sobre a saúde pública com maior conhecimento; desenvolvimento de atividades extracurriculares; conhecer melhor a vigilância epidemiológica, saber como é o funcionamento, sua importância para saúde; conhecimento mais profundo sobre os outros cursos; o trabalhar em equipe com formações diversas tem sido de grande crescimento acadêmico e penso que fará diferença quando estiver no campo de trabalho como profissional; ter oportunidade de trabalhar com estudantes de outros cursos de forma multiprofissional e assim aprender sobre as outras profissões; possibilidade de desenvolver e acompanhar trabalhos científicos; ensina na construção de projetos; contribui com a publicação de “projetos”; construção de trabalhos científicos; nos permite vivenciar a elaboração do processo de pesquisa juntamente com os colegas e professores dos outros cursos de graduação. mostra a realidade da Atenção Básica em Saúde (ABS) e VS; vivências do trabalho interdisciplinar; proximidade com os serviços; aprender a ter desenvoltura para lidar com desafios que enfrentará no futuro profissional; proporcionou experiência em VS; propiciar o trabalho com uma equipe multidisciplinar; permitir conhecimento (antecipado) dos serviços de saúde e do seu funcionamento, melhorando assim minha atuação profissional; aprender a conviver com diferentes áreas da saúde e com as dificuldades encontradas pelos profissionais que atuam na saúde do município; importante principalmente em relação ao trabalho multiprofissional dificilmente encontrado durante a graduação, pois nos permite vivenciar a elaboração do processo de trabalho juntamente dos colegas e professores dos outros cursos de graduação; está contribuindo positivamente, pois a experiência do contato com estudantes de diferentes cursos, com profissionais de outras áreas está nos auxiliando a crescer tanto profissionalmente como pessoalmente; contribuição para o melhor entendimento dos serviços de VS e gestão dos mesmos nas três esferas (federal, estadual e municipal); vivência e compartilhamento com os alunos da graduação de campo e núcleo profissional; participação muito significativa, me fez ver uma nova possibilidade de trabalho dentro da minha profissão, sendo decisivo no que se refere ao meu futuro profissional e ambições futuras; oportunidade de participação em eventos deliberativos; possibilitou conhecer a rede e o modo como funciona e se estrutura o sistema de saúde, seus pontos fortes e fracos; proporcionou a oportunidade de interagir e trabalhar com alunos, professores, tutores e preceptores de outros cursos e que atuam diretamente no serviço de saúde ou na vigilância epidemiológica; temos uma visão de campo a partir dessa interação, passamos a entender o processo de formação de trabalho e os desafios que cada profissional enfrenta na sua área, não nos restringindo apenas ao nosso curso; o PET trouxe um leque de possibilidades de futura atuação profissional, além de possibilitar experiências que do contrário, provavelmente não teria acesso; construção de conhecimento aliando a teoria e a prática entre o trabalho no SUS e a comunidade acadêmica.
Observa-se que as diferentes experiências de ensino-aprendizagem oportunizadas pelo PETSaúde/VS possibilitam a formação de um profissional de saúde crítico, reflexivo, proativo, preparado para atuar em equipe e no mercado de trabalho, conforme Souza e colaboradores12. A pesquisa, por sua vez, é fundamental no processo de extensão dos produtos do conhecimento à sociedade, pois a prestação de qualquer tipo de serviço à comunidade social, que não decorre do conhecimento da objetividade dessa comunidade, é mero assistencialismo13. Conforme Rodrigues et al.14, a interação ensino-serviço-comunidade é fundamental para a formação de profissionais comprometidos com a proposta do SUS, proporcionando-lhes um contato direto com os problemas da população e instrumentalizando-os para intervirem, de forma eficaz, com ações coletivas por meio de uma educação preventiva em saúde pública. Para o serviço, as contribuições descritas pelos preceptores foram divididas em duas ideias centrais: troca de experiências multiprofissionais e conhecimento/pesquisas, conforme pode ser visualizado no Quadro 2. 926
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(1) troca de experiências multiprofissionais
(2) conhecimento/ pesquisas
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Quadro 2. Ideia central e discurso do sujeito coletivo dos preceptores em relação à questão “Contribuição do PET Vigilância para o serviço”. UFSM, 2014. integração dos alunos no serviço, compondo as equipes de trabalho; presença dos alunos no serviço, contribuindo com suas experiências; importância da integralidade na atenção à saúde; integração com os grupos; minha presença nos grupos realizados na unidade se tornou mais frequente; no cotidiano do trabalho, o PET tem proporcionado que possamos ter um olhar de “fora” sobre o nosso trabalho, amplia a perspectiva de trabalho na direção do planejamento das ações; momentos de reflexão sobre o trabalho nos encontros entre alunos, preceptores e tutores. presença dos alunos no serviço, contribuindo com seus conhecimentos; ampliar meus conhecimentos sobre ABS; relembrar conceitos de epidemiologia; troca de informações com estudantes de diversas áreas que sempre tem a acrescentar uma opinião ou um método de trabalho diferente; discussão de temas atuais; fazer pesquisas a partir da realidade do cotidiano no SUS, ou seja, construção de conhecimento a partir da prática.
A partir dos relatos descritos no Quadro 2, verifica-se que, no decorrer das ações previstas para os grupos tutoriais, a convivência dos preceptores com os docentes e discentes de graduações distintas desafiou a todos para o desenvolvimento de atividades que não eram realizadas em suas rotinas. Assim, todos aprendem sobre, de e com o outro, a fim de permitirem a melhoria dos resultados em saúde15. Ou seja, a Educação Interprofissional em Saúde (EIP) possibilita que os estudantes, docentes e preceptores aprendam juntos e ampliem o seu conhecimento e as suas experiências15, uma vez que possibilitam oportunidades para o desenvolvimento de aprendizagens compartilhadas16. Já para o cotidiano acadêmico, a percepção dos estudantes pode ser observada pelo discurso: “Passamos a ampliar o olhar a partir das vivências, deixamos de ser meros expectadores e passamos a atuar como protagonistas, interagindo com outras profissões, associando teoria à prática!” Tanto no serviço quanto no cotidiano acadêmico, refletir sobre as práticas de saúde implica refletir sobre a formação e o desenvolvimento dos profissionais da área, mediante os modos de ensinar e aprender nas academias, e das formas de educar, cuidar, tratar e acompanhar as pessoas que necessitam de assistência17. A integração com outros cursos também é relatada por Leite et al.18, permitindo a troca de experiências e a aprendizagem significativa para a formação profissional. Quanto às principais facilidades referidas pelos estudantes e preceptores no desenvolvimento das atividades realizadas no PET, salienta-se a afinidade com os temas abordados (disponibilidade de um elenco diverso de assuntos a serem discutidos; compreensão das temáticas e atividades propostas; facilidade de compreender os assuntos abordados e as atividades propostas pela equipe de coordenação do PET); o uso de ferramentas de facilitação (facilidade de comunicação interpessoal, criatividade, flexibilidade de horários, disponibilidade de material no Dropbox®, cursos de metodologia científica) e a integração multiprofissional (integração entre alunos, preceptores, tutores; ajuda dos coordenadores e preceptores; divisão em pequenas equipes e comissões; boa convivência com os colegas; satisfação em trabalhar com pessoas). Aprender com pessoas de diferentes áreas de conhecimento parece ser uma experiência que amplia a compreensão do trabalho coletivo12. Em contrapartida, as principais dificuldades encontradas foram aquelas relacionadas com o tempo/ organização (conciliar atividades do PET com atividades curriculares; dificuldade de organização do grupo pela falta de horários livres em meio à graduação; incompatibilidade de horários e dificuldades de horários de atendimento do serviço); nivelamento teórico (dificuldade de entender conceitos que não foram abordados no cotidiano acadêmico; dificuldade em elaborar projetos); desmotivação (problemas de comunicação referentes às reuniões e execuções de atividades); participação nas reuniões (reuniões demasiadas – reunião geral, de grupo tutorial e de comissões; reuniões gerais deveriam ser mais objetivas e resolutivas), e, por fim, falta de apoio preceptores/alunos/tutores (dificuldade de acesso a alguns preceptores; dificuldade no engajamento de todos os participantes, sobretudo os alunos; dificuldade em entrar em contato com alguns tutores).
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Percebe-se que existe uma escassez de “horários livres” nas grades curriculares dos estudantes. Além disso, existem dificuldades de disponibilidade de horários comuns entre estudantes e professores oriundos de vários cursos de graduação. Também existem limitações para a inserção de estudantes no serviço e de preceptores na universidade em função da coincidência dos horários das atividades acadêmicas e do funcionamento dos serviços. É consenso de que, para se estabelecer um trabalho coeso e eficiente, são necessários: o envolvimento de todos, a busca pela satisfação no trabalho, o treinamento e o desenvolvimento de competências, a criação de sinergia entre os participantes, a definição de papéis, além do acompanhamento e da avaliação de resultados16.
Conclusões A avaliação do programa em etapa intermediária do seu desenvolvimento possibilitou a valorização de estudantes e preceptores como construtores deste processo de ensino-aprendizagem. O instrumento de avaliação permitiu analisar o impacto da participação do PET-Saúde/VS da UFSM no desenvolvimento das habilidades e competências dos diferentes atores do Programa e o processo de ensino, pesquisa e extensão durante o período. Com estes dados, obteve-se uma ferramenta orientada para a ação e a aprendizagem. Além disso, com o conhecimento das opiniões dos atores, em relação ao PET-Saúde/VS, das suas facilidades e dificuldades, encontraram-se subsídios para se realizarem as mudanças no planejamento para o segundo ano do programa. Assim, poderemos tanto melhorar as atividades em andamento quanto planejar o futuro e orientar a tomada de decisões. Enfim, observou-se que, ao mesmo tempo em que se reconhece a importância da formação multiprofissional para ABS na sua integralidade, esbarra-se na dificuldade de se reunirem estudantes e professores de diversos cursos devido à incompatibilidade de horários. Da mesma forma que a almejada interação da academia com o serviço depara-se com a incompatibilidade no horário de funcionamento deste com os horários dos cursos de graduação da área da saúde.
Colaboradores Liziane Maahs Flores responsabilizou-se pela fase de tabulação, análise dos dados, redação e revisão do artigo; Ana Luiza Trindade responsabilizou-se pela fase de tabulação e análise dos dados; Daiane Rodrigues de Loreto responsabilizou-se pela fase de análise dos dados, redação e revisão do artigo; Beatriz Unfer responsabilizou-se pela fase de elaboração do instrumento de avaliação, coleta de dados e revisão do artigo; Marinel Mór Dall’Agnol responsabilizou-se pela fase de análise dos dados e revisão do artigo. Referências 1. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde. Diário Oficial União. 25 jun 2007. 2. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial nº 422, de 3 de março de 2010. Estabelece orientações e diretrizes técnico-administrativas para a execução do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), instituído no âmbito do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação. Diário Oficial União. 5 mar 2010;Seção 1:53. 928
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3. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.378, de 9 de julho de 2013. Regulamenta as responsabilidades e define diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, relativos ao Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Diário Oficial União, 10 jul .2013;Seção 1:48. 4. Conselho Nacional de Secretários de Saúde – CONASS. Vigilância em saúde: parte 1. Brasília, DF: Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2011. (Para entender a gestão do SUS/2011, vol. 5). 5. Furtado JP. Avaliação de programas e serviços em saúde. In: Campos GWS, Bonfim JRA, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM, organizadores. Tratado de saúde coletiva. 2a ed. São Paulo: Hucitec; 2012. p. 765-93. 6. Biblioteca Virtual em Saúde. DeCS – Descritores em Ciências da Saúde. São Paulo; Bireme; 2014 [acesso em 28 ago 2014]. Disponível em: http://www.decs.bvs.br 7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010 [acesso 28 ago 2014]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/ 8. Albuquerque IM, Pasqualotto AS, Trevisan ME, Gonçalves MP, Badaró AFV, Moraes JP et al. Role of physiotherapy in the rehabilitation of survivors of the kiss nigthclub tragedy in Santa Maria, Brazil. Physiotherapy. 2013;99(4):269-70. http://dx.doi.org/10.1016/j. physio.2013.07.001 9. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med. 2008;32(3):356-62. http://dx.doi. org/10.1590/S0100-55022008000300010 10. Linhares MSC, Freitas CASL, Teixeira AKM, Dias RV, Flor SMC, Soares JSA et al. Programa de educação para o trabalho e vigilância em saúde. Trab Educ Saúde. 2013;11(3):679-92. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462013000300012 11. Lefèvre F. Discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS; 2003. 12. Souza PL, Pereira CS, Nogueira MLS, Pereira DB, Cunha GM, Möler FO. Projetos PET-Saúde e Educando para a Saúde: construindo saberes e práticas. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 Supl 1):172-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000200024 13. Severino AJ. Educação e universidade: conhecimento e construção da cidadania. Interface (Botucatu). 2002;6(10):117-24. http://dx.doi.org/10.1590/S141432832002000100015 14. Rodrigues AAAO, Juliano IA, Melo MLC, Beck CLC, Prestes FC. Processo de interação ensino, serviço e comunidade: a Experiência de um PET-Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 Supl 2):184-92. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000300027 15. World Health Organization. Framework for action on interprofessional education & collaborative practice. Geneva: WHO; 2010. 16. Aguilar-da-Silva RH, Scapin LT, Batista NA. Avaliação da formação interprofissional no Ensino Superior em Saúde: aspectos da colaboração e do trabalho em equipe. Avaliação (Campinas). 2011;16(1):167-84. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772011000100009 17. Araujo FC, Falcon EBS, Rodrigues GM, Freitas LC, Dutra CDT, Pires CAA. O aprender e o orientar na atenção primária: relato de experiência de um semestre de atividades no PET-Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 Supl 2):164-8. http://dx.doi.org/10.1590/ S0100-55022012000300024 18. Leite MTS, Rodrigues CAQ, Mendes DC, Veloso NS, Andrade JMO, Rios LR. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde na formação profissional. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 Supl 1):111-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000200015 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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avaliação do programa de educação pelo trabalho para saúde ...
O PET-Saúde/VS da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, surgiu para realizar ações de vigilância emergenciais às vítimas do desastre em casa noturna de Santa Maria e a análise situacional em saúde do município. Entendendo que a avaliação é essencial para o planejamento, a implementação e o funcionamento de qualquer programa, elaborou-se um questionário para avaliar o PET-Saúde/VS por sua equipe. As perguntas tratavam da contribuição do programa para a formação acadêmica e/ou serviço, bem como facilidades e dificuldades encontradas pela equipe. Os dados foram avaliados de forma qualitativa, utilizando-se o método do Discurso do Sujeito Coletivo. O programa contribuiu para o aperfeiçoamento do ensino, da pesquisa e da extensão, possibilitando vivências, desenvolvimento acadêmico e contatos multiprofissionais. A integração multiprofissional e a comunicação interpessoal foram as facilidades destacadas, enquanto o desnivelamento teórico e a conciliação de horários foram as principais dificuldades.
Palavras-chave: Vigilância em saúde pública. Educação em saúde. Serviços de integração docente-assistencial. Evaluation of the Education by Work for Health Program PET-Health/Surveillance Public Health by their actors The PET-Health/SH of the Federal University of Santa Maria, Rio Grande do Sul State, Brazil, was created to execute emergency surveillance to disaster victims from a Santa Maria nightclub and to conduct a situational analysis of municipal health. Because evaluation is essential for the planning, implementation, and operation of any program, a questionnaire for the assessment of PET-Health/SH was drafted. The questions involved the contribution of the program to the academic development and/or service and facilities and difficulties encountered by the team. Data were qualitatively analyzed using the Collective Subject Discourse Method. The program contributed to an improvement in teaching, research, and extension and enabled life experiences, academic development, and multi-professional contacts. Multi-professional integration and interpersonal communication facilities were highlighted, while theoretical deflection and schedules were the main difficulties.
Keywords: Public health surveillance. Health education. Teaching care integration services. Evaluación del Programa de Educación para el Trabajo para la Salud/Vigilancia en Salud Pública por sus actores El PET-Salud/VS de la Universidad Federal de Santa María, Rio Grande do Sul, Brasil, surgió para mantener acciones de vigilancia y de emergencia con las víctimas del desastre en el club nocturno en Santa María y para analizar la situación de salud en la municipalidad. Entendiendo que la evaluación del programa es esencial para la planificación, implementación y operación de cualquier programa, fue elaborado un cuestionario para la evaluación de la PET-Salud/VS. Las preguntas consideraron la contribución del programa para la formación académica y/o servicio, así como, las facilidades y dificultades encontradas por el equipo. Los datos se analizaron cualitativamente mediante el método del Discurso del Sujeto Colectivo. El programa contribuyó para mejorar la docencia, investigación y extensión posibilitando vivencias, desarrollo académico y contactos multiprofesionales. Las integración multiprofesional y la comunicación interpersonal fueron destacados, pero el desnivel teórico y conciliación de horarios fueron las principales dificultades.
Palabras clave: Vigilancia en salud pública. Educación en salud. Servicios de integración docente asistencial.
Recebido em 20/10/14. Aprovado em 10/02/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0730
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Construindo saberes no trabalho em saúde mental: experiências de formação em saúde
Roberta Pereira Furtado da Rosa(a) Ana Lúcia Freitas de Andrade(b) Sheila Prado de Oliveira(c) Arthur Gomes Leite da Silva(d) Arthur Marilac Ferreira(e) Juliana de Sousa Inácio(f) Sandra Maria dos Santos da Silva Araújo(g)
Introdução A intenção deste trabalho é apresentar experiências que vêm se desenvolvendo a partir da interação entre diferentes saberes na área da saúde mental, mediadas pelo Projeto PET-Saúde/Redes de Atenção: “Ampliação do Cuidado em Saúde Mental na atenção básica: contribuindo para a desmedicalização da vida”. Este projeto teve início em agosto de 2013, e faz parceria entre Instituição de Ensino Superior (IES) e serviços de saúde do município do Rio de Janeiro ligados à Secretaria Municipal de Saúde (SMSDC – RJ), na Área Programática 5.1 (A.P 5.1). No caso, dois ambulatórios de saúde mental e uma clínica da família.As iniciativas do projeto PET estão ligadas a uma reorientação para a formação em saúde que já vem sendo discutida há algum tempo e ampliada com lançamento, em 2005, dos Princípios e Diretrizes para a gestão e trabalho no SUS (NOB/RH-SUS)1. Neste documento, dentre as várias orientações, é indicado, para ampliação e efetivação do SUS, o incentivo à Educação Permanente e também a ampliação da participação conjunta nos processos de gestão, incluindo as IES. Neste contexto, cria-se o Programa de Reorientação para a Formação (Pró-Saúde). O projeto PET-Saúde/Redes, o qual tratamos neste estudo, está vinculado ao Pró-Saúde instituído no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, IFRJ – Campus Realengo, por incentivo do Ministério da Saúde, visando à ampliação da integração ensino - serviço - comunidade. Esta proposta que envolve trabalho e aprendizagem em saúde compreende a formação como uma ação que não está restrita aos espaços das universidades, mas ela é compreendida de maneira ampliada, na intenção de transformar as práticas profissionais e a própria organização do trabalho a partir da problematização dos processos de trabalho². Sendo assim, compreendemos que iniciativas como o PET tem papel importante, na medida em que possibilita a relação entre diferentes saberes, a partir da relação entre tutor, preceptores e alunos de diferentes áreas da saúde, em um trabalho conjunto. Este PET se insere no campo da saúde mental e segue os preceitos da reforma psiquiátrica brasileira (RPb), tendo como diretriz a atenção psicossocial, compreendida enquanto um processo social complexo, como afirma Amarante³.
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(a) Curso de Terapia Ocupacional, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), campus Realengo. Rua Carlos Wenceslau, 343, Realengo. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 21715-000. roberta.rosa@ifrj.edu.br (b,c) Centro Municipal de Saúde Professor Masao Goto. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. analuciafandrade@yahoo.com.br; sh_prado@yahoo.com.br (d,f,g) Discente, Curso de Terapia Ocupacional, IFRJ, campus Realengo. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. arthur.to.ifrj@gmail.com; juliana_sousainacio@hotmail.com; smssa1962@gmail.com (e) Discente, Curso de Farmácia, IFRJ, campus Realengo. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. amarilacferreira@gmail.com
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Neste sentido, necessita de diversos atores que promovam ações integradas considerando o sujeito e sua experiência como foco central da intervenção. Apresentaremos, aqui, relatos das experiências no PET, tendo como foco os atravessamentos gerados no serviço pela presença do projeto, e as relações estabelecidas no trabalho em saúde. A partir da prática, pretendemos ampliar a discussão da interdisciplinaridade no que se refere a uma abertura ao diálogo e à troca de saberes reafirmando a complexidade deste campo. Durante o processo, encontramos dificuldades, tensões, desafios e experiências exitosas a partir das ações vivenciadas, até o momento, no campo de atuação. Daremos foco a um dos ambulatórios no qual este PET se insere: o ambulatório de saúde mental do CMS Professor Masao Goto. Os relatos são resultado das ações do projeto no período de outubro de 2013 a junho de 2014.
PET-Saúde/Redes – ampliação do cuidado em Saúde Mental Este projeto surgiu a partir de duas direções: da observação de grande demanda nos ambulatórios de saúde mental da A.P. 5.1, com usuários em busca de atendimento médico e medicamentos psicotrópicos; e da possibilidade de promover um ensino que aproximasse os alunos do IFRJ- campus Realengo, das práticas clínicas durante a graduação, ambientando-os à organização dos serviços regionalizados enquanto princípios preconizados pelo SUS. A parceria entre rede de saúde local e IES se deu pelos interesses em comum dessas entidades em favorecer a compreensão e problematização quanto ao tema da medicalização da vida a partir de um trabalho que apostasse nesta integração ensino-serviço. Tanto a RPb4 como a reforma sanitária focaram sua luta em prol da democracia institucional e da garantia de direitos à saúde para toda a população. Após nove anos de aprovação da Lei nº 10.216, a IV Conferência de Saúde Mental de 2010 reafirma os princípios e conquistas do SUS, e aponta para a necessidade de fóruns permanentes entre profissionais, usuários e familiares, assim como reuniões dos conselhos municipais, estaduais e nacionais de saúde como maneira de sustentar a proposta democrática. Há um foco especial para ações de aproximação das áreas da saúde e educação, reafirmando princípios da integralidade e interdisciplinaridade estarem incidindo sobre a formação profissional e a produção de conhecimento no cotidiano dos serviços. Afirma-se a educação permanente e as mudanças curriculares como práticas que devem ser de responsabilidade das três esferas de governo5. Pitta6 coloca que é nessa década que há um avanço consistente na RPb no que se refere à normatização de portarias que ampliam a rede comunitária em saúde mental; porém, alguns profissionais parecem desconhecer esse apelo ético-político necessário para sustentar a interdisciplinaridade e a potência das equipes no território. Fica clara a necessidade de uma formação profissional que tome para si a responsabilidade do cuidado. Esse direcionamento tem relação com o enfrentamento ao modelo médico hegemônico e o lugar simbolicamente construído da relação da medicação e do médico com o usuário5. Compreendemos que tais propostas vêm na intenção de quebrar uma lógica hegemônica a qual Foucault7 já apontava. Na sua perspectiva, o processo de medicalização da vida é caracterizado por uma estratégia biopolítica da medicina investida no corpo dos sujeitos. Um modo de intervenção que se exerce, pelo poder, sobre este corpo biológico na intenção de controlá-lo e discipliná-lo. Desta forma, uma variedade de questões da vida passa a fazer parte de um determinado domínio de saber, sendo estas submetidas a um modo de intervenção que se afirma como verdade. Nesse contexto, o uso de medicamentos como abordagem de tratamento pode servir como ferramenta nesta estratégia que demarca um modelo único de corpo e de saúde à população. A medicina psiquiátrica também se apoia no uso de medicações como possibilidade de controle e cura dos sintomas. Em outras palavras, para Foucault7, o processo de medicalização da vida é um operador do poder, uma estratégia e uma forma de assujeitamento. A intenção deste PET é trazer a temática da medicalização da vida para ser debatida nestes serviços, objetivando ampliar a compreensão de cuidado em saúde mental, o qual entendemos não como uma técnica a ser exercida, mas enquanto uma abertura ética ao outro, à alteridade8. Tal atitude permite, 932
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primeiramente, desconstruir um exercício de saber e de poder sobre o usuário a ser atendido8. Neste sentido, ajuda a compreender tal medicalização enquanto uma função social de poder que pode ser exercida por qualquer profissão enquanto agente de controle social ao transformar fenômenos sociais em conceitos tomados como domínio próprio de um saber9. Desmedicalizar, nesta perspectiva, refere-se a ampliar o grau de ação dos usuários em relação às problemáticas que surgem em suas vidas. Aí a dimensão do cuidado se amplia para além dos especialismos e saberes técnico-científicos, mas é vivenciada a partir do compartilhamento de ações e responsabilidades mútuas8 que se constroem durante a intervenção onde todos são atores nesse processo. Daí advém a noção de interdisciplinaridade enquanto prática que reconhece os limites de saberes das diversas profissões. Compreendemos esta como processo de interação entre campos diferentes do saber, levando a uma espécie de interdependência entre as disciplinas e tendo como consequência a transformação mútua desses campos¹º. Dentre os objetivos do PET, podemos apontar alguns que foram foco das ações no CMS Masao Goto: O mapeamento da demanda por atendimento na saúde mental, com foco na população que faz uso de psicotrópicos; A emancipação do sujeito, por meio de intervenções em oficinas as quais permitiram problematizar os cuidados em saúde a que os participantes se submetem e os cuidados que cada um exerce sobre sua saúde. Busca-se a implicação do sujeito sobre suas queixas, colocando em suspenso o uso de psicotrópicos, já quase naturalizado por essa população. Outro objetivo seria a mudança na cultura do serviço, ao levantar questões, junto aos usuários e aos profissionais, quanto ao uso de medicação como opção privilegiada de tratamento. Os sujeitos a serem pesquisados se compõem dos usuários do serviço que se enquadram no perfil previamente estipulado no projeto e que são encaminhados pelos profissionais do ambulatório ou aparecem por livre demanda. A principal estratégia é a criação de oficinas que abordam questões sobre desmedicalização da vida ligadas à construção conjunta do que os usuários compreendem por saúde, cuidado, autonomia, rede de apoio social, direitos e coparticipação nos atendimentos. Tais oficinas são denominadas de: “Oficinas de Ampliação do Cuidado em Saúde Mental”, e são realizadas semanalmente pelos preceptores e alunos do PET, junto aos usuários. Sua intenção é analisar o modo de cuidado que estes usuários solicitam e exercem sobre si mesmos, e como vêm sendo pensadas tais temáticas apontadas acima.
Ações do PET no CMS Masao Goto O CMS Masao Goto é uma unidade mista, que comporta ambulatórios de especialidades e três equipes de saúde da família. Entre suas especialidades, está o ambulatório de saúde mental, onde este PET está inserido. Inicialmente, foi feito o conhecimento do campo e da população atendida e, a partir daí, ficaram estabelecidas, entre preceptores e alunos, algumas formas de captação para participação dos usuários do ambulatório nas oficinas. Esta captação se iniciou via grupos de recepção, grupos terapêuticos, e por meio de encaminhamentos de usuários feitos pelos psiquiatras da unidade. Estes seriam contatados diretamente pelas preceptoras. Estabeleceu-se a meta de constituir duas oficinas, e sua organização seria feita nos encontros entre alunos e preceptores em reuniões semanais. Após início das captações, foi observado que houve pouca adesão, e, mediante, isso ficou acordado que, inicialmente, apenas uma oficina seria formada. Esta teve início em novembro de 2013. Ficou estabelecido que a captação duraria por mais dois meses após o início da mesma. Por conta da dificuldade na captação, pensou-se em fazer uma pesquisa a partir das receitas médicas de psicotrópicos que chegavam até a Farmácia. A partir delas, seria feito um caminho retrógrado, buscando os prontuários dos usuários que faziam uso de medicação por mais de seis meses, na intenção de identificar o motivo do uso e o perfil do usuário. A partir dos dados, seria conversado com os médicos sobre a possibilidade de encaminhamento à oficina. Esta pesquisa gerou uma listagem e, por meio dela, também foi possível observar a intensidade de dispensa de benzodiazepínicos, sendo maior a saída em dias de atendimentos psiquiátricos, o que justificava, ainda, mais as ações do PET neste espaço.
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Notamos que foi de grande importância a iniciativa e o planejamento dessas propostas, mesclando saberes a partir dos conhecimentos dos alunos que cursam Terapia Ocupacional e Farmácia, assim como das preceptoras que são psicólogas. Tal planejamento visava um mesmo objetivo focado na saúde dos participantes. A oficina durou seis meses e, nos últimos encontros, foram realizadas dinâmicas, na intenção de avaliar, junto aos participantes, essa experiência. Destacamos aqui duas respostas: “Antes eu aceitava tudo que me diziam, não questionava, fazia tudo que mandavam, hoje eu percebo que tenho as minhas vontades e quero realizá-las”. “O grupo foi muito bom, me ajudou a ver as coisas que acontecem comigo de uma forma diferente”.
A oficina foi encerrada com uma confraternização junto aos usuários. Dentre assuntos corriqueiros, destacamos o relato de uma participante que se encontrava com dificuldade de conseguir emprego. Ela levou presentes que ela mesma produziu, de cunho artesanal. A partir daí, a conversa girou a respeito do mercado de trabalho formal e informal, e como isso influencia na saúde. Foram discutidas outras inserções no trabalho, como a confecção de artesanatos para a geração de renda, e esse tema se ampliou aos demais participantes. Destacamos aqui que a proposta de ampliação do cuidado, trabalhada na oficina, buscou construir espaços abertos de diálogo a partir das experiências dos usuários, entendendo que o profissional também deve estar disponível a acessar outras vias para além do saber teórico, permitindo abrir-se a outros afetos8. Apesar do êxito com os participantes desta oficina, a mesma ficou muitas vezes esvaziada. Mediante este resultado, foi necessário repensar novas formas de captação para o novo grupo. Como captar? Como dar mais visibilidade ao PET na unidade? Avaliamos que a captação foi difícil por dois motivos: o CMS Masao Goto é um grande ambulatório, onde as práticas profissionais são prioritariamente individuais; acontecem poucas reuniões de equipe porque o serviço tem grande preocupação com a resolutividade dos casos que lhe procuram, e o ambulatório de Saúde Mental não está fora disso. Como a unidade é referência de uma grande área populacional, sua demanda é grande e o serviço tenta ser responsivo ao máximo. O contraponto disso aparece em práticas individuais apressadas e pressionadas pela urgência da demanda, que não propicia invenção, tempo para a discussão e criação de novas estratégias. A divulgação do projeto, consequentemente, acabou sendo prejudicada por este fator, o que, a princípio, gerou baixa frequência na adesão e participação. Nesse contexto, fazer o PET ser conhecido pelos profissionais é uma missão que está para além da simples informação da existência do projeto. O segundo motivo tem relação com profissionais da saúde mental, pela dificuldade em construir parcerias com os mesmos no auxílio ao projeto. Embora todos concordassem com a importância da proposta, raramente nos chegaram encaminhamentos. Não foi diferente por parte de outros profissionais de saúde atuantes na unidade. Outro fator marcante foi a invisibilidade dos alunos no serviço, observada por atitudes como: serem interpelados pelo setor de segurança repetidas vezes, mesmo depois de um tempo comparecendo toda semana à unidade. Percebemos, também, que a falha poderia ser da equipe do PET. Precisávamos marcar mais presença naquele espaço, e assim o fizemos. Novas ações para captação foram discutidas e o método utilizado foi mais diretivo, a partir de abordagem junto aos usuários que aguardavam atendimento na psiquiatria. Aos que faziam uso de psicotrópicos, era informado sobre o projeto PET, e os interessados eram agendados para uma conversa de acolhimento, onde se saberia sobre o uso das medicações, a história de vida e busca por tratamento na saúde mental. Eram, então, apresentados maiores dados sobre a oficina e feito o convite para a participação. A equipe do PET discutia a respeito das entrevistas, resolvendo que as pessoas que não fossem perfil do PET poderiam ser encaminhadas para outros grupos do ambulatório ou para atendimento individual. 934
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Essa ação de captação está ocorrendo e continuará por mais dois meses após início da oficina. Também foi produzido um banner e instalado na entrada do CMS, com informações gerais sobre a Oficina. Os usuários e trabalhadores da unidade que se mostram interessados, também são informados a respeito. Foi solicitada recentemente, pela direção do CMS, uma nova apresentação do projeto em reunião de equipe da saúde mental. Aos poucos, o projeto vai ganhando visibilidade, e os participantes vão chegando. A expectativa para a próxima oficina é reunir uma quantidade maior de participantes, e ampliar a visibilidade do PET no serviço, para que seja possível a criação de um segundo grupo. Sendo assim, as experiências das primeiras ações mostram-se importantes para fortalecer a equipe envolvida na pesquisa e unir seus conhecimentos em prol da construção de novas estratégias que reinventem as ações do PET dentro deste CMS. A ampliação das discussões em grupo, o planejamento em conjunto das novas ações vêm sendo eficazes para a visibilidade do projeto e sua efetivação. Das ações ainda em construção, podemos citar: envolvimento com os conceitos gerais de desmedicalização da vida, entre os profissionais do serviço, com intuito de construir um pensamento crítico acerca desse tema; maior divulgação do projeto entre usuários, profissionais e gestão do CMS; ampliação da captação para participação nas oficinas. Essas medidas buscam o desenvolvimento do projeto e ampliação da discussão sobre o cuidado neste espaço de intervenção em saúde.
Formação em saúde e implicações dos participantes Relato dos alunos Por intermédio do programa PET-Saúde/Redes, podemos vivenciar a experiência de participar da equipe no CMS Masao Goto. O trabalho em campo tem sido de grande relevância para nossa formação, pois proporciona a oportunidade de estar nesse universo da prática em saúde ainda durante a formação. Isso corrobora para a aquisição de um aprendizado diferenciado, permitindo visualizar um dos contextos das práticas em saúde, no caso do projeto, práticas em saúde mental. Percebemos que houve mudanças nesta unidade de saúde a partir da entrada do PET, as quais notamos pela atitude dos profissionais de saúde mental frente ao projeto e na convivência com outros profissionais que atuam em outras áreas no CMS. Na IES, estudamos variadas disciplinas, onde começamos a sedimentar a construção de conceitos e paradigmas preconizados pelo SUS. Surge, a partir disso, novas expectativas em relação à atuação em campo. Como será atuar diretamente com a população? Como será o primeiro contato com os usuários? Nesse contexto, podemos dizer que o PET favorece a compreensão das práticas, pois a visão sobre a saúde, que temos hoje a partir do PET, já não é mais a mesma de quando chegamos ao CMS, visto que aprendemos a olhar os usuários em sua totalidade. Percebemos a importância da integralidade no campo da saúde mental, pois esta visa permitir o contato e o acolhimento do sujeito em sofrimento psíquico, com destaque para a construção de redes de atenção integral em saúde mental agregando diferentes saberes e intervenções¹¹. Desta forma, deixamos de lidar com casos hipotéticos e passamos a lidar com pessoas, que é o objetivo de nossas formações. O contato com os usuários, com os profissionais que nos orientam em campo e com a equipe do CMS nos faz aprender muito. Em relação às preceptoras, o aprendizado se dá ao observarmos as intervenções feitas, durante a realização dos grupos de que participamos. As avaliações e discussões de casos realizadas permitem que o olhar sobre as questões dos usuários ganhe outra dimensão. Podemos ver, na prática, o que estudamos teoricamente. Em relação aos outros profissionais que atuam no CMS Masao Goto, aprendemos, a partir do que eles nos orientam, sobre suas funções e especificidades. Nessa proposta de ação, o usuário é acompanhado mais amplamente no seu tratamento, sendo atendido nos diversos aspectos de sua vida, desde o desempenho de suas atividades cotidianas, até os efeitos que o medicamento pode causar. No momento que conhecemos esse atendimento integral, aprendemos a lidar com outros públicos que procuram o auxílio em saúde mental. O relato de cada usuário a respeito de todo o processo
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percorrido até chegar ao tratamento, amplia nossa compreensão sobre o funcionamento do sistema de saúde. Poder ter esse contato, escutando suas queixas e angústias, sentimentos em geral, aliados aos estudos teóricos feitos no PET, nos proporciona a oportunidade de unirmos o aprendizado à prática. Relato das preceptoras O trabalho em saúde mental nos convoca a reinvenção do nosso fazer. Nossa atenção se concentra no restabelecimento da qualidade de vida por meio do reconhecimento da importância dos vários atores sociais e dos diversos recursos existentes na comunidade. Historicamente, os ambulatórios são dispositivos de grande importância dentro da RPb, como um dos serviços que visa superar o modelo asilar, pautado na internação como único recurso de tratamento. No entanto, por não conseguirem romper com a lógica médica, centrada na doença e remissão de sintomas, isso propiciou outro estado de cronificação, agora não mais pautado na internação, mas na medicalização massificada. O ambulatório de saúde mental necessita se reinventar, a fim de se construírem novas respostas que superem o binômio sofrimento-medicação.É isso que inspira o PET em nosso serviço. Um projeto que pretende subverter as bases de nossa cultura medicalizante. O desafio que se coloca neste trabalho precisa de olhares múltiplos. Um PET que tem como norte a desmedicalização e a construção de outros recursos para lidar com a dor, põe em discussão esta lógica do ambulatório. Este estudo nos convida a olhar o sujeito de maneira integral. É preciso sustentar o convite, para usuários e profissionais, de questionar o já naturalizado hábito de calar o corpo com medicação, na tentativa de calar também o sofrimento. O esforço é unir múltiplos saberes: da vida dos usuários e saberes profissionais, acadêmicos/científicos. Nesse percurso, tem sido fundamental a sensibilização dos médicos, que têm encaminhado mais pessoas para os grupos, o que avaliamos ser um importante movimento de abertura a essa proposta. Estar como preceptor em um PET é um convite a repensar a própria prática do trabalho. É poder pensar o cuidado que se presta de maneira não apressada, não engessada, mas, ao contrário, de uma maneira inventada e, com isso, abrir espaço para a própria invenção dos usuários. Os alunos nos convidam a rever práticas instituídas. Questionam, trazem novidades e nos fazem atentar para os automatismos da prática. Na relação com os estudantes de terapia ocupacional, podemos auxiliá-los a valorizar e apurar a escuta tão cara aos psicólogos e ao campo da saúde mental. Eles trazem como aprendizado a prática que se devolve ao sujeito a partir da escuta. Que escolhas práticas podem modificar a vida de cada um e redimensionar o uso de medicação ou sua posição como sujeito na vida? Essas intervenções nos ensinam como essa prática das escolhas e ações feitas todos os dias na vida, podem levar o sujeito a viver de modo mais pleno, autônomo e saudável. Trabalhar com um estudante de farmácia é ainda mais provocador. O farmacêutico em um grupo de saúde mental traz seu saber preciso sobre o uso de medicação e suas interações. Fazê-lo estar em um grupo que subjetiva queixas e demandas é inaugurar outro modo de lidar com os pedidos de ajuda que um profissional de saúde recebe. Fazer isso em relação à medicação, possibilita ao farmacêutico mais precisão em seu fazer, podendo compreender de maneira fina quem, de fato, necessita de medicação e para quê. Estar na preceptoria é ensinar e aprender. E um objetivo maior se coloca: formar no trabalho não só alunos que vêm a campo, mas aproveitar esse trabalho para a formação contínua dos profissionais e para uma mudança na cultura sobre o cuidado na unidade.
Interdisciplinaridade e soma de saberes A criação de um olhar diferenciado para o sofrimento psíquico deriva de uma mudança na percepção sobre o sujeito e sobre o próprio campo da saúde mental enquanto complexidade³. A não-simplificação permite uma nova compreensão sobre o sofrimento e a diferença, questão essa que perpassa toda a luta pela desinstitucionalização da loucura até os dias de hoje. O PET vem suscitando reflexões acerca do lugar que os psicotrópicos ocupam na vida das pessoas. Problematizamos isso a partir de ações apresentadas acima. Estas só puderam ser efetivadas a partir de um planejamento que estava aberto a um não-saber¹º. Discutimos, assim, a importância das práticas interdisciplinares em 936
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saúde, entendidas, aqui, como prática coletiva, baseada na abertura ao diálogo dentro do trabalho em equipe¹º. Este não-saber, assim como a noção de limite disciplinar como insuficiência, facilitam a abertura ao diálogo e a cooperação entre disciplinas diversas¹º, permitindo a construção de um novo saber¹², que se produz no cotidiano da prática. O trabalho em saúde mental baseado nas diretrizes do SUS e da RPb aposta nesta construção contínua de saberes em saúde, fundamentados em uma prática baseada na integralidade10-13. Vemos que a temática da interdisciplinaridade tem sido recorrente nas pesquisas e práticas em saúde10,12,14, sobretudo como estratégia de romper com a fragmentação e isolamento disciplinar, mas ainda notam-se dificuldades em seu exercício nos serviços¹³. As práticas propostas pelo PET vêm proporcionando uma possibilidade de enfrentamento a essa problemática, visando garantir o cuidado em saúde, que é constitutivo de todas as profissões de saúde, como coloca Junior et al.15. Todo trabalho em saúde é essencialmente relacional, onde nos “encontros são mobilizados sentimentos, emoções e identificações que dificultam ou facilitam a aplicação dos conhecimentos do profissional”15 (p.94). Isso nos permite compreender que a direção do cuidado não se faz em via única, mas é algo que circula a partir da troca de experiências e saberes dos diferentes profissionais da saúde e, também, dos saberes do usuário. Outra questão suscitada pelos relatos acima é a troca de saberes que permite o repensar das práticas profissionais na articulação entre ensino e serviço. Essa proposta de articulação vem de discussões dos anos 60 e 70, por uma modificação na atenção à saúde no mundo, que é incorporada pelo SUS e passa a fazer parte das diretrizes curriculares para os cursos de saúde no Brasil16. Tal movimento vem mobilizando as IES e outros órgãos no incentivo dessa aproximação entre ensinoserviço. Essa estratégia tem se mostrado importante para a superação do modelo biomédico e uma modificação da visão de saúde. “A integração ensino-serviço se dá quando ocorre o trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formação na área da saúde com trabalhadores que compõem as equipes dos serviços de saúde”16 (p. 126). Nota-se que as ações do PET seguem essa direção, mobilizando ações e perspectivas de tratamento por parte de preceptores, alunos e unidade de atendimento. Essas experiências vêm ativando as diversas competências em prol de um mesmo objetivo. Junior et al.15 afirma que, na produção de um ato de saúde, cada profissional busca recursos no seu núcleo de saberes, mobilizando modos de agir próprios. Este núcleo está coberto, de maneira mais ampla, pelo território da dimensão cuidadora que qualquer profissional pode exercer. Isso nos mostra quanto é possível o trabalho interdisciplinar, uma vez que existe uma ligação comum; e as especificidades das profissões podem ser ampliadas se houver abertura para esta troca de saberes e conhecimentos, assim como programas que estimulem tal integração, como o PET. O trabalho interdisciplinar, funcionando com parcerias como estas apresentadas aqui, enriquece a formação permanente, ajudando a construir estratégias para um bom relacionamento entre equipe, instituição e usuários atendidos. Dessa relação, nascem novas ideias, buscam-se novas saídas para solucionar velhos impasses, e, assim, ampliam-se possibilidades na construção contínua do cuidado.
Conclusão O PET tem se mostrado um grande desafio, por engendrar a difícil tarefa de desnaturalizar movimentos endurecidos nas práticas em saúde em um ambulatório, no caso, práticas de medicalização da vida. Este trabalho busca outra perspectiva de tratamento neste espaço, com vistas a uma prática interdisciplinar aberta. Isso possibilita uma compreensão ampliada do cuidado em saúde¹³, “pela interação entre os profissionais e a articulação entre os diversos saberes e fazeres presentes no trabalho em saúde, possibilitando deste modo outras formas de relação entre os sujeitos envolvidos no processo”14 (p 864). O foco das ações é baseado no sujeito em sofrimento, logo, entender o contexto e suas necessidades de modo integral é a direção da intervenção. Afirmamos, junto com Junior et al.15, que, no campo de formação de profissionais de saúde, a opção deve ser radical, por um modelo de atenção que seja usuário-centrado. “Entendemos isso como uma opção ético-política a ser adotada
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por profissionais de saúde, professores, estudantes, gestores e usuários, e portanto, fundamental na organização e desenvolvimento dos profissionais de saúde”15 (p 101). As novas perspectivas de cuidado em saúde mental devem se ligar diretamente aos processos de trabalho, e a educação permanente em saúde integrando as IES ao cotidiano dos serviços a partir de iniciativas como o PET- Saúde/Redes. A formação se dá na prática, e serve a todos: alunos, preceptores, tutores e, sobretudo, ao usuário.
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Princípios e diretrizes para a gestão do trabalho no SUS (NOB/RH-SUS). 3a. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2005. 2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Aprender SUS: o SUS e os cursos de graduação da área da saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. 3. Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007. 4. Ministério da Saúde (BR). Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil – Conferência regional de reforma dos serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas [Internet]. 2005 [acesso 5 jul 2014]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/ portal/arquivos/pdf/relatorio_15_anos_caracas.pdf 5. Ministério da Saúde (BR), Sistema Único de Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Relatório final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial; 27 jun-1 de jul. 2010. Brasília, DF: Conselho Nacional de Saúde; 2010. 6. Pitta AMF. Um balanço da reforma psiquiátrica brasileira: instituições, atores e políticas. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(12):4579-89. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001300002 7. Foucault M. Microfísica do poder. 25a. ed. Rio de Janeiro: Graal; 2012. 8. Carvalho LB, Bosi MLM, Freire JC. Dimensão ética do cuidado em saúde mental na rede pública de serviços. Rev Saúde Pública. 2008;42(4):700-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008005000033 9. Aguiar AAA. Psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume/Dumará; 2004. 10. Menezes MP, Yasui S. A interdisciplinaridade e a psiquiatria: é tempo de não saber? Ciênc Saûde Colet. 2013;18(6):1817-26. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000600032 11. Nasi C, Cardoso ASF, Schneider JF, Olschowsky A, Wetzel C. Conceito de integralidade na atenção em saúde mental no contexto da reforma psiquiátrica. Rev Min Enferm. 2009;13(1):147-52. 12. Bispo EPF, Tavares CHF, Tomaz JMT. Interdisciplinaridade no ensino em saúde: o olhar do preceptor na Saúde da Família. Interface (Botucatu). 2014;18(49):973-86. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0158
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Rosa RPF, Andrade ALF, Oliveira SP, Silva AGL, Ferreira AM, Inácio JS, Araújo SMSS.
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13. Ceccim RB, Carvalho YM. Ensino da saúde como projeto da integralidade: a educação dos profissionais de saúde no SUS. In: Pinheiro R, Ceccim RB, Mattos RB, organizadores. Ensinar Saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. Rio de Janeiro: Abrasco; 2005. p. 69-92. 14. Matos E, Pires DEP, Campos GWS. Relações de trabalho em equipes interdisciplinares: contribuições para a constituição de novas formas de organização do trabalho em saúde. Rev Bras Enferm. 2009;62(6):863-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672009000600010 15. Junior AGS, Pontes ALM, Henriques RLM. O cuidado como categoria analítica no ensino baseado na integralidade. In: Pinheiro R, Ceccim RB, Mattos RB, organizadores. Ensinar Saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. Rio de Janeiro: Abrasco; 2005. p. 93-110. 16. Carvalho SBO, Duarte LR, Guerrero JMA. Parceria ensino e serviço em Unidade Básica de Saúde como cenário de ensino-aprendizagem. Trab Educ Saúde. 2015;13(1):123-44. http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sip00026
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Trata-se de um relato de experiência de alunos e preceptores do PET-Saúde/ Redes, a partir de suas ações conjuntas em uma unidade de saúde. Destaca-se a construção do trabalho em equipe e a importância da soma de diferentes visões na construção de parcerias necessárias à efetivação do projeto. Como objetivo, pretende-se demonstrar como a participação neste PET influenciou na formação dos estudantes e profissionais envolvidos. Este estudo levanta questões sobre o trabalho interdisciplinar e o impacto na construção de diferentes saberes ao se unirem com objetivos comuns. A discussão é feita a partir do tema ‘desmedicalização da vida’, onde profissionais de Terapia Ocupacional, Farmácia e Psicologia realizam ações no campo da saúde mental, apresentando dificuldades, estratégias e experiências exitosas no processo de trabalho, permitindo a reflexão e discussão em conjunto sobre a construção contínua dos saberes em saúde.
Palavras-chave: PET-Saúde/Redes. Saúde Mental. Desmedicalização da vida. Formação em saúde. Interdisciplinaridade.
Constructing knowledge in mental health work: experiences of health education This is an experience report of the students and preceptors of a PET-Health Network from their joint actions in a health unit. The report highlights the development of teamwork and the importance of the sum of different visions and partnerships essential for the effectiveness of the project. We intend to demonstrate how participation in this PET influenced the students involved and the education of professionals. This study raises questions about interdisciplinary work and its impact on the integration of different knowledge with common goals. The discussion is based on the theme “unmedicalization of life,” where professionals of Occupational Therapy, Pharmacy, and Psychology perform services in the mental health field, presenting difficulties, strategies, and successful experiences in the work process, thus enabling reflection and discussion together on the ongoing construction of health-related knowledge.
Keywords: PET-Health Networks. Mental Health. Unmedicalization of life. Formation in health. Interdisciplinarity.
La construcción de conocimiento en el trabajo de salud mental: experiencias de educación en salud Es un relato de experiencia de los estudiantes y docentes del PET-Salud/Redes, a partir de acciones comunes en una unidad de salud. Destacase la construcción del trabajo en equipo y la importancia del aporte de diferentes visiones sobre la construcción de alianzas necesarias para efectivación del proyecto. Como objetivo nos proponemos demostrar cómo la participación en este PET influyó en la formación de estudiantes y profesionales involucrados. Este estudio plantea preguntas sobre el trabajo interdisciplinario y el impacto en la formación del conocimiento a reunirse con objetivos comunes. La discusión pasa del tema “desmedicalización de la vida”, donde los profesionales de Terapia Ocupacional, Farmacia y Psicología realizan acciones en el campo de la salud mental, presentando dificultades, estrategias y experiencias de éxito en el proceso de trabajo, permitiendo la reflexión y discusión conjunta sobre la construcción de conocimiento en salud.
Palabras clave: PET-Salud/Redes. Salud Mental. Desmedicalización de la vida. Formación en salud. Interdisciplinariedad.
Recebido em 27/10/2014. Aprovado em 13/02/2015.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.1081
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Grupo PET-Saúde/Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário: vivência compartilhada Maria de Fátima Ferreira Queiróz(a) Ana Paula Nunes Viveiros Valeiras(b) Rafaela dos Santos Lerin(c) Francine de Souza Lino(d) Vivian de Castro Pires Fornazier(e) Ubiratan de Souza Dias Junior(f) Vinicius Akio Yano(g) Juliana Rebecca Capelletti Imperatore Nogueira(h)
Introdução O Campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sediado na cidade de Santos, corresponde à inclusão da primeira universidade pública no município, constituindo algo fundamentalmente novo para toda a sociedade local. Inicia as atividades no ano de 2007, considerando a inserção dos estudantes nos diferentes cenários de prática do território santista. Conta com cinco cursos da área da saúde: Educação Física, Psicologia, Nutrição, Terapia Ocupacional, Fisioterapia; o Curso de Serviço Social que aborda a temática saúde e o Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia do Mar. O Projeto Politico Pedagógico (Unifesp)1 baseia suas ações nos princípios da educação multiprofissional e interdisciplinar, valorizando o trabalho em equipe e a integração no processo de ensino, pesquisa e extensão, respeitando a especificidade da formação de cada profissão. Esse contexto demanda uma atuação que rompe com a estrutura tradicional centrada em disciplinas e na formação específica de cada perfil profissional, ampliando as possibilidades de troca e tornando mais permeáveis os canais de interação entre atuações profissionais. Nesse sentido, todos os cursos têm um desenho curricular estruturado em quatro eixos de formação, com módulos que aglutinam áreas temáticas afins, que perpassam os anos de graduação. Os quatro eixos são: Trabalho em Saúde - TS (múltiplas dimensões envolvidas no processo saúde-doença e de produção de cuidado, o Sistema Único de Saúde-SUS, a epidemiologia e o processo de trabalho em saúde); O ser Humano em sua Dimensão Biológica; O Ser Humano e sua Inserção Social - IS; Aproximação a uma Prática Específica em Saúde. Dentre os eixos, o de TS contempla a formação referente ao Sistema Único de Saúde-SUS, e desenvolve sua estratégia pedagógica com desenho direcionado para atividades vivenciais com os estudantes de todos os cursos do Campus, em turmas interprofissionais. A organização das atividades privilegia a interdisciplinaridade e procura-se desenvolver ações com os serviços de saúde de Santos fortalecendo parcerias. Apesar de apoiada em um projeto pedagógico que privilegia a interdisciplinaridade e a criticidade, a formação apresenta uma lacuna referente à Vigilância em Saúde/Saúde do Trabalhador. O Eixo TS não incorpora COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva, Instituto de Saúde e Sociedade, Campus Baixada Santista, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Rua Silva Jardim, 136. Santos, SP, Brasil. 11015-020. fatima.queiroz@unifesp.br (b) Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria Municipal de Saúde. Santos, SP, Brasil. anavaleiras@santos.sp.gov.br (c,d,f) Acadêmicos, curso de Serviço Social, Instituto de Saúde e Sociedade, Campus Baixada Santista, Unifesp. Santos, SP, Brasil. rafaelalerin@hotmail.com; francine_lino17@hotmail.com; ubiratan.dias.junior@gmail.com (e,h) Acadêmicas, curso de Psicologia, Instituto de Saúde e Sociedade, Campus Baixada Santista, Unifesp. Santos, SP, Brasil. vi.fornazier@gmail.com; ju.imperatore@gmail.com (g) Acadêmico, curso de Fisioterapia, Instituto de Saúde e Sociedade, Campus Baixada Santista, Unifesp. Santos, SP, Brasil. vini_tenryuu@hotmail.com (a)
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a formação na vigilância em saúde, tendo como temática central as abordagens que contemplam a atenção básica em saúde. A saúde do trabalhador é abordada em módulos de três cursos do Campus, embora não se articulem entre si. Neste cenário de formação, iniciou-se, em maio de 2013, o projeto PET – 2013/2015 denominado “Vigilância em Saúde do Trabalhador: vivência compartilhada entre o CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador) - Santos-SP e a UNIFESP”. No projeto, encontra-se incluído o Grupo PET Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário, que aponta na direção de fortalecimento das ações de vigilância em Saúde, inserindo as relações com a rede de atenção, em conformidade com as diretrizes do SUS, particularmente, a integralidade na atenção à saúde.
O PET-Saúde/Vigilância em Saúde e a Saúde do Trabalhador O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde é regulamentado pela Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010, Ministério da Saúde2, tem como objetivo promover a formação de grupos de aprendizagem tutorial para desenvolvimento das atividades de áreas estratégicas do SUS, dentre elas a Vigilância em Saúde, incentivando a integração ensino-serviçocomunidade. Segundo Boccatto3, citando Langmur (1963), a vigilância é a observação contínua da distribuição e tendências da incidência de doenças mediante: a coleta sistemática, consolidação e avaliação de informes de morbidade e mortalidade, e a regular disseminação dessas informações a todos os que necessitam conhecê-la. Conforme Waldman4, dentre os objetivos da vigilância, encontramse: identificar grupos e fatores de risco com vistas a elaborar estratégias de controle de eventos adversos à saúde; estimar a magnitude da morbidade e mortalidade causadas por determinados agravos. Voltando a atenção para o campo do trabalho, Machado5 refere que a vigilância em saúde do trabalhador (VISAT) pode ser considerada como um dos campos da vigilância em saúde cuja característica singular de intervenção é sua ação na transformação do trabalho no sentido da promoção da saúde. A Saúde do Trabalhador refere-se a um campo do saber que visa compreender as relações entre o trabalho e o processo saúde/doença. Nesta acepção, considera-se a saúde e a doença como processos dinâmicos, estreitamente articulados com os modos de desenvolvimento produtivo da humanidade em determinado momento histórico. No âmbito da Saúde do Trabalhador, a VISAT é desenvolvida no CEREST, conforme as diretrizes do SUS. A criação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador-RENAST, em 2002, fez surgir e ampliar o número de CEREST’s no Brasil; e, neste mesmo ano, o CEREST de Santos foi habilitado pelo Ministério da Saúde, consolidando sua atuação histórica desde 1991. As ações de vigilância em saúde do trabalhador, segundo Vilela et al.6, preconizam a importância da investigação do processo e a organização do trabalho em sua relação com a saúde, entendimento que leva à ampliação das ações de vigilância. De acordo com Dias e Hoefel7, a VISAT deve planejar e executar ações de vigilância nos locais de trabalho, considerando: as informações colhidas em visitas, os dados epidemiológicos e as demandas da sociedade civil organizada. Vasconcelos et al.8 revelam que a VISAT ainda é inusual e, quando existe, depende de atitudes voluntaristas de alguns profissionais no nível dos serviços. O autor menciona que uma das razões do voluntarismo é a falta de capacitação técnica de agentes públicos para efetuá-la. Destaca-se a importância das ações da VISAT quando Galdino et al.9 apontam que: [...] no Brasil os agravos relacionados ao trabalho representam aproximadamente 25% das lesões por causas externas atendidas em serviços de emergência e mais de 70% dos benefícios acidentários da Previdência Social. Por sua vez os sistemas de informação em saúde no país são avançados, mas dados sobre adoecimento pelo trabalho continuam a demandar melhores registros, tanto de cobertura, como de qualidade dos dados. (p. 145)
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Queiróz MFF, Valeira APNV, Lerin RS, Lino FS, Fornazier VCP, Dias Junior US, et al.
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A informação é propulsora da ação, pois, conhecendo os fatores determinantes dos agravos à saúde, a intervenção pode ser efetiva. Nesta direção caminha o PET Vigilância em Saúde.
O PET-Saúde/Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário A organização da atividade portuária, segundo Silva10, está diretamente vinculada à base tecnológica da indústria marítima, que se baseia em três componentes fundamentais: os tipos de cargas a serem transportadas (diversidade de pesos, medidas e condições de acondicionamento); variedade na dimensão e estado de conservação das embarcações e instrumentos de trabalho necessários para o desenvolvimento da atividade de movimentação das mercadorias. A variabilidade dos componentes leva à construção singular do trabalho portuário. Historicamente, o trabalho portuário santista foi exercido por diferentes categorias profissionais num sistema de trabalho ocasional, com ritmo irregular e controle do mercado de trabalho pelos trabalhadores organizados em sindicatos. De acordo com Machin et al.11, “os grupos eram marcados por relações de parentesco ou amizade, estabelecendo a característica de rede”. Com o advento da Modernização dos Portos, normatizada pela Lei 8.630 de 25 de fevereiro de 1993, o processo de modernização e a nova gestão do trabalho portuário abalam profundamente essa cultura. Machin et al.11 analisam que o impacto dessas mudanças no processo e na organização do trabalho e suas implicações na saúde dos trabalhadores demandam maiores investigações. A diminuição do número de trabalhadores por equipe a intensificar a produtividade do trabalho, a extinção de algumas funções, o trabalho em turnos menores e noturnos, as exigências de maior qualificação, ou, mesmo, a criação de uma nova categoria profissional (multifuncional) se manifestam nas experiências de saúde, adoecimento e acidentes de trabalho. Nos estudos sobre a organização do trabalho, a partir do olhar sobre a saúde e a doença, temse privilegiado entender como o estabelecimento de uma proposta de estruturação, planejamento, execução, supervisão e avaliação pode abrigar aspectos que interfiram na saúde do trabalhador conduzindo a uma determinação de adoecimento. Assim, Queiróz et al.12 referem que todos os aspectos que compõem o trabalho portuário estão dependentes de uma organização própria histórica, que necessita ser reconhecida em sua complexidade. Doenças decorrentes da execução de tarefas determinadas por uma organização de trabalho rígida se mostram frequentes, como é o caso de: fadiga generalizada, lombalgia, distúrbios musculoesqueléticos e acidentes de trabalho. A importância do trabalho portuário em Santos, porto e cidade, tem relações imbricadas, e a necessária vigilância em saúde leva ao desenvolvimento do PET-Saúde/Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário, compartilhando conhecimentos entre a universidade-serviço e a comunidade portuária. Objetiva desenvolver intervenções que contribuam no fortalecimento das ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador na cidade de Santos, e compreender a ocorrência de agravos à saúde da população trabalhadora portuária.
Método O método desenvolvido contempla a Epidemiologia, que, de acordo com Bloch e Coutinho13, tem por objetivo final melhorar o perfil de saúde das populações. Os estudantes envolvidos no projeto têm a oportunidade de vivenciar: a Vigilância em Saúde, a Epidemiologia, a Saúde do Trabalhador e o Trabalho Portuário, em um projeto que favorece a reflexão crítica e a aprendizagem coletiva e interdisciplinar. O Grupo PET-Saúde/Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário é composto por oito estudantes das áreas de psicologia, serviço social e fisioterapia, que trabalham em conjunto com duas preceptoras (Coordenação de Vigilância e CEREST) e uma tutora do Grupo PET/coordenadora do projeto PET Vigilância-Unifesp.
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As ações/atividades foram construídas visando o conhecimento ampliado e vivenciado da temática proposta, além da integração com a rede de serviços e o Pró-Saúde implantado na Unifesp desde 2012. O grupo pretende, ainda, contribuir nas ações do “Grupo de Trabalho sobre Saúde do Trabalhador em Atividade Portuária” da Secretaria dos Portos da Presidência da República-SEP/ Ministério da Saúde-MS”, no qual atuam o CEREST-Santos e a Unifesp. Assim, o desenvolvimento do Grupo PET contempla: (1) conhecimento da realidade territorial e ações do CEREST-Santos; (2) rodas de conversas temáticas; (3) mapeamento dos serviços de saúde da rede municipal relacionados ao CEREST e ao Pró-Saúde, e das ações de Vigilância desenvolvidas pelo CEREST; (4) desenvolvimento de pesquisas; (5) conhecimento dos agravos à saúde dos trabalhadores portuários cadastrados no CEREST-Santos; (6) busca bibliográfica; (7) visita aos serviços de saúde da rede municipal; (8) análise de dados e construção do relatório final; (9) construção de eventos que abordem a vigilância em saúde do trabalhador e o trabalhador portuário; (10) avaliação do desenvolvimento do Projeto, O grupo PET encontra-se há um ano e meio em desenvolvimento, tendo realizado ações importantes no âmbito da Saúde do Trabalhador Portuário, que carrega transformações tanto para os trabalhadores portuários como para os serviços de saúde, além da formação ampliada dos estudantes envolvidos.
Resultados A descrição dos resultados foi estruturada em três aspectos da abordagem formativa: no âmbito do conhecimento das Instituições ligadas ao porto de Santos e aos trabalhadores portuários no geral; da rede de serviços de saúde de Santos e CEREST; da universidade em relação a pesquisas e eventos ligados ao Grupo PET Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário. A construção dos resultados se ampara nas atividades realizadas e nos diários de campo(i) que os estudantes confeccionam após as ações e as reuniões grupais. As ações acontecem com a participação de todos do Grupo PET (estudantes, tutora e preceptoras), o que tem propiciado uma efetiva vivência grupal e intenso compartilhamento de conhecimentos entre os componentes do grupo. A avaliação é desenvolvida de forma continuada nas rodas de conversa e confecção de diários de campo referente às atividades. O diário de campo permite aos estudantes refletirem sobre seu envolvimento e compreenderem o processo de formação; e às preceptoras e tutora, fornece um retrato da vivência dos(as) estudantes. A avaliação final contempla todo o processo de trabalho e a contribuição gerada tanto para o CEREST, como para a formação no âmbito da UNIFESP, no que diz respeito à Vigilância em Saúde do Trabalhador.
Formação no âmbito das instituições ligadas ao Trabalhador Portuário - Porto de Santos Nas rodas temáticas, o grupo PET compartilha conhecimento sobre a história do Porto de Santos e do trabalho Portuário com base em leituras, debates e palestras, além de abordar a vigilância em saúde do trabalhador e políticas de saúde do trabalhador. Em campo, as visitas ao porto de Santos, articuladas com a Companhia Docas do Estado de São Paulo-CODESP, tanto no costado como no canal aquaviário, percorrendo todo o estuário do porto de Santos, ou seja, incluindo os 14 944
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Diário de campo é o relato das vivências dos estudantes e deve conter notas descritivas e notas intensivas.
(i)
Queiróz MFF, Valeira APNV, Lerin RS, Lino FS, Fornazier VCP, Dias Junior US, et al.
(j) P3 é a sigla utilizada para Parede 3. Existem paredes distribuídas ao longo do porto de Santos: a P1, a P2 e a P3 onde encontra-se a sede administrativa e operacional do OGMO.
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quilômetros de cais acostáveis, sendo possível a observação da movimentação de carga em várias operadoras portuárias. Os trabalhadores são convidados à Unifesp para abordarem questões sobre seu trabalho no porto de Santos, discorrendo sobre os fatores determinantes de adoecimento presentes no trabalho (navio e cais). Esta aproximação mostra-se fundamental, pois o trabalho portuário é complexo, e cabe, aos trabalhadores, contarem sua trajetória e seu trabalho. O momento é ímpar, pois se configura um espaço imbuído de valorização das falas dos trabalhadores e, também, da escuta por parte dos membros do Grupo PET. A discussão permite, aos participantes, a apropriação de conhecimentos sobre o trabalho portuário e seu significado em uma conjuntura de transformações. Outra abordagem em relação às instituições ocorreu com a presença do gerente das operações portuária do OGMO-Santos (Órgão Gestor de Mão de Obra Avulsa) na Unifesp. Foi indicado o caminho trilhado na vigilância em saúde dos trabalhadores portuários e o histórico do OGMO, órgão esse criado pela Lei 8.630, chamada Lei de Modernização Portuária. É notório que as conversas ocorreram com representações distintas, pois o OGMO é representante dos interesses das Operadoras Portuárias, e os trabalhadores são aqueles que sofrem com os ritmos de trabalho e exposições a fatores determinantes que compõem a organização do trabalho das operadoras. Foi possível a compreensão da contradição entre o capital e o trabalho, observando as expressões dela geradas, que tanto interferem na condição de vida e trabalho no porto. Em campo, pode-se vivenciar o momento de “tomada de trabalho” dos trabalhadores portuários avulsos, em visita ao posto de escalação para o trabalho denominado P3(j). Após a Lei 8.630, a responsabilidade pela distribuição e escalação para o trabalho no cais e no navio é realizado pelo OGMO. Relatos dos(as) estudantes apontam a importância desta aproximação, além da verificação de campo das pesquisas contempladas no Grupo PET: “Neste dia tivemos a oportunidade de conhecer a P3. As paredes como são conhecidas devido a fatos históricos, são basicamente postos onde os trabalhadores portuários disputam vagas de trabalho diariamente. São realizadas escalações em três turnos diários (manhã, tarde e noite), para o trabalho portuário. Os trabalhadores são divididos em grandes grupos para melhor organização, as vagas de trabalho são apresentadas a eles, e de um em um vão sendo selecionados, sendo que estes têm a opção de aceitar ou não a vaga proposta, podendo optar pela sorte de conseguir uma vaga melhor numa próxima seleção. Tudo é bem organizado e passado para os trabalhadores através da fala e também de uma tela digital, contudo para nós que não somos acostumados foi bem difícil entender o funcionamento e andamento da seleção, já que aparentemente tudo parecia bem confuso unido ao barulho e movimentação do lugar. Foram tiradas fotos, para registro do momento. A vivência no local foi interessante e de grande importância, pois além de conhecer como são feitas as escalações dos trabalhadores, podemos também identificar possíveis vantagens e desvantagens em nossa coleta de dados como, por exemplo: não teremos facilidade em encontrar colaboradores da pesquisa, tendo em vista que são muitos os homens presentes no local, porém encontraremos dificuldades de realizar entrevistas dados as circunstâncias de extrema euforia e barulho no local”. (Diário de campo dos estudantes Grupo PET)
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Fato importante é compreender que a própria escalação já confere um momento de tensão, expondo os trabalhadores à condição de “ter ou não ter trabalho”, fazendo com que muitos procurem a escalação apesar de condições de saúde visivelmente desfavoráveis. Na análise dos fatores determinantes de adoecimento, estes processos são carregados de ansiedades, frustrações e angústias, pois “ter trabalho” é garantia de “ter salário”. A atuação com o trabalhador portuário possibilita discussões sobre temas atuais em epidemiologia, por exemplo, as doenças transmissíveis. Em palestra sobre o Ebola, promovida pela CODESP com a participação da ANVISA, facilitou-se o conhecimento da doença em suas vertentes, e permitiu o conhecimento da condição vulnerável em que se encontram os trabalhadores portuários que desenvolvem suas atividades em navios de várias nacionalidades que atracam no cais santista.
Formação no âmbito da Rede de Serviços de Saúde de Santos A compreensão da rede de serviços de saúde contemplou o conhecimento do território do CEREST, um serviço regional que abrange três cidades da Baixada Santista: Santos, São Vicente e Praia Grande. O CEREST, de acordo com a RENAST, atua oferecendo à população trabalhadora: assistência específica, VISAT e a educação em saúde. Dentre as ações desenvolvidas pelo grupo PET no CEREST, inclui-se: acompanhamento do atendimento médico, que pesquisa e confere o nexo causal, ou seja, a relação entre o adoecimento e o trabalho. A roda de conversa versou sobre o nexo causal para Burnout, Fadiga Generalizada e Lombalgia. Entender o adoecimento pelo trabalho, as doenças mais frequentes e o caminho para firmar o nexo é fundamental para as ações em vigilância em saúde do trabalhador. Também se abordou a coleta e registro de dados realizados pelo CEREST. A importância da Vigilância e da coleta de dados é apontada pelo grupo: “Participamos hoje 08/05/2014 da discussão sobre a atuação do CEREST nas ações de Vigilância. Surgiu uma Pergunta pertinente: ‘O que gera um processo de Vigilância?’ Resposta que foi elaborada conjuntamente: denúncias, doenças, informações que chegam ao CEREST. Vê-se também a importância do banco de dados a fim de fazer um levantamento dos acidentes ocorridos para atender as demandas. Muitas demandas são vistas também nos aparelhos de mídia, e há a ouvidoria para o recebimento de denúncias”. (Diário de campo de estudantes Grupo PET)
A coleta e a alimentação dos bancos de dados, segundo o CONASS14, representam entraves nas ações do CEREST. Um dos maiores desafios para a área de vigilância diz respeito à informação, uma vez que os sistemas nacionais implantados ainda não contemplam de forma adequada os registros sobre os agravos ocorridos. Por outro lado, a discussão do Grupo PET com o CEREST tem-se mostrado profícua no que diz respeito à coleta e alimentação dos bancos de dados. A partir de roda de conversa com profissionais do CEREST, tem-se observado empenho no preenchimento das fichas de atendimento do trabalhador, pois estas se mostravam deficitárias na qualidade de preenchimento dos diagnósticos e dados de identificação dos trabalhadores e da empresa. O caminho a percorrer aponta para uma discussão mais ampla da importância da inserção da informação, no SINAM –- Sistema Nacional de Atendimento Médico, nos campos que se referem aos agravos à saúde do trabalhador, ou seja, os acidentes graves e fatais e as doenças relacionadas ao trabalho. Outra ação conta com visitas aos serviços da rede de atenção básica de saúde de Santos, privilegiando aqueles onde existam ações do Pró-Saúde. O objetivo centra na formação e na divulgação do CEREST. Incluíram-se, nestas visitas, os serviços especializados de atendimento em fisioterapia (SERFIS) e o NAPs, uma vez que as lombalgias e o desgaste mental são agravos que ganham magnitude na área de saúde e trabalho. A Coordenação de Vigilância em Saúde (COVIG), a Seção de Controle de Vetores e Seção de Vigilância em Zoonose foram campos de encontros. A aproximação com a gestão do CEREST foi facilitada pela roda de conversa com o Presidente da Comissão Intersetorial em Saúde do Trabalhador – CIST, o conselho gestor do CEREST. Na formação 946
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Queiróz MFF, Valeira APNV, Lerin RS, Lino FS, Fornazier VCP, Dias Junior US, et al.
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dos estudantes, esta aproximação aponta a efetivação das diretrizes do SUS no que diz respeito à participação da comunidade, que, de acordo com Paim15, expressa a orientação para democratizar os serviços e as decisões em relação à saúde, também um dos caminhos para a superação do autoritarismo impregnado nos serviços e nas práticas de saúde desde os governos militares. O aprofundamento da temática da participação da comunidade aconteceu com a participação do Grupo PET na 12ª Conferência Municipal de Saúde e 3ª Conferência de Saúde do Trabalhador. A atuação no CEREST possibilitou vivenciar eventos, como, por exemplo: o “Seminário em Rede de Cuidados”, a “Oficina de Vigilância em Saúde-SMS-Santos” e a “II Mostra Municipal de Experiência Acadêmica”. A experiência é relatada pelo grupo: “[...] de tarde começaram as apresentações do banner de cada um dos projetos em salas com temas diferentes... na nossa vez, focamos mais em explicar o porto de Santos e como nos relacionamos nesse espaço, além de relatar as experiências adquiridas até o momento. As Conferências de Saúde de Santos nos propiciou compreender como se processam as discussões/ votações que vão direcionar as melhorias no âmbito da saúde. Pode-se entender que as decisões tomadas nas conferências são fruto de um processo coletivo que é construído com opiniões diversificadas de profissionais que visam aprimorar suas condições de trabalho e efetivar melhorias para o campo da saúde”. (Diário de campo dos estudantes)
Formação no âmbito da Unifesp-Santos Mediante curiosidade que impulsiona o conhecimento os estudantes do Grupo PET desenvolvem quatro pesquisas em duplas sobre a saúde dos trabalhadores portuários. O porto e o trabalho portuário, por sua natureza, complexidade e momento histórico de transformação instiga à pesquisa. O momento de constante processo de modernização do porto levou à construção dos projetos com as temáticas: “Os trabalhadores portuários de Santos: Motivos e anseios para permanecerem ‘Avulsos’”; “A modernização no Porto de Santos e suas implicações na cultura do trabalhador portuário”; “Saúde em foco: estresse e lombalgia na vida do trabalhador portuário” e “O que mantem os trabalhadores do mais movimentado porto brasileiro exercendo suas funções em condições de adoecimento? ”. Os temas expressam como o grupo percebe a relação trabalho-agravos à saúde e as transformações na cultura e trabalho portuário. A familiaridade e aprofundamento do conhecimento em relação ao trabalho portuário, inclusive a atual conjuntura portuária, propiciou a construção de um Fórum que discutisse a Vigilância em Saúde dos Trabalhadores. Desta forma, como fruto do aprendizado proporcionado pela experiência do PET durante o desenvolver de um ano, ocorreu, no mês de maio de 2014, o I Fórum de Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário, que contou com a participação de representantes das organizações envolvidas com o porto de Santos. Essas discorreram sobre assuntos portuários referentes ao processo de trabalho e determinantes de agravos à saúde. O encontro possibilitou a exposição das demandas trazidas pelos trabalhadores e foi palco de importantes discussões acerca das ações que são e devem ser tomadas em relação às questões das condições de trabalho e saúde no exercício da profissão portuária. Por exemplo, foram apresentadas as exposições a que os trabalhadores estão submetidos enquanto realizam suas tarefas no porto de Santos, por atores: do OGMO-Santos, da SEP, da Comissão de Prevenção de Acidentes no Trabalho Portuário-CPATP, do Trabalhador Estivador do Porto de Santos, da Vigilância em Saúde-SMS, da representação Sindical dos Trabalhadores da Orla Portuária do Espirito Santo. O Fórum contou com várias instituições, desde os serviços de saúde e segurança ligados às operadoras portuárias, aos membros das universidades, além de representantes dos serviços de vigilância em saúde da rede municipal da Baixada Santista. Ao final do evento, escutou-se os trabalhadores portuários, possibilitando compreender as impressões em relação ao fórum e o que aquele momento representou no seu trabalho no porto: “[...] o fórum apresentou-se como experiência positiva, já que os trabalhadores puderam mostrar seu trabalho e as suas necessidades em prol da Saúde e Segurança do Trabalhador
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Portuário, aos representantes da Secretária de Portos da Presidência da República, Centro de Referência em Saúde do Trabalhador-Santos, Universidade Federal de São Paulo-UnifespCampus Baixada Santista e Sindicato Unificado da Orla Portuária do Espirito Santo-SUPORTES”. (Estivador do porto de Santos) “[...] o I Fórum juntou no mesmo ambiente a comunidade acadêmica e portuária da qual o estivador faz parte. O melhor foi poder conversar com pessoas do OGMO, CENEP, operadores portuários e de órgãos público diretamente, olho no olho [...]”. (Estivador do Porto de Santos)
Desta forma, com base nas respostas, foi possível detectar que o evento propiciou o conhecimento compartilhado e maior aproximação entre os trabalhadores e o Grupo PET, somada a uma adesão ao evento por parte dos trabalhadores. Acredita-se que o desenvolvimento do PET foi permeado por uma série de fatores, positivos à formação, que se tornaram presentes no decorrer das atividades desenvolvidas, os quais geraram inquietações e motivações que culminaram na realização do evento. No campo da formação na graduação, o TS, módulo “Saúde como processo: contexto, concepções e práticas II” (abrange duzentos e cinquenta estudantes), contou com aula do Grupo PET sobre “Vigilância em Saúde e o SUS” como aproximação dos estudantes de graduação, do primeiro ano de todos os cursos do campus, à temática. A intervenção demandou suporte de tutora e preceptoras no aprofundamento da VISAT. A ação também proporcionou, ao grupo, o domínio da temática para um repasse consistente aos colegas do primeiro ano da universidade.
Conclusão O desenvolvimento do Grupo PET Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário tem confirmado a importância da relação entre serviço-universidade-comunidade na formação universitária. Vislumbrase que o desenvolvimento do PET tem contribuído nas atividades dos trabalhadores do CEREST, diante da importância nacional da vigilância em saúde no SUS, e apontado na direção de aproximação com a rede básica de atenção à saúde. Os trabalhadores portuários têm-se aproximado da universidade e do CEREST a partir do Grupo PET; e o I Fórum de Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário desempenhou papel fundamental nesta aproximação. Verificou-se, como resultado positivo, a aproximação que foi construída com as organizações e os trabalhadores portuários, já que o Fórum foi uma maneira de problematizar as questões apresentadas pelos trabalhadores, que consideraram necessários novos encontros para a continuação da discussão demandada. Contudo, o diálogo entre os profissionais da saúde e a universidade ainda é bastante desafiador. Mesmo na relação entre os profissionais da saúde, como refere Linhares et al.16, apresentam-se dificuldades de diálogo das equipes que integram a vigilância em saúde. Construir novos paradigmas enfrenta, em instâncias intermediárias, a rígida conformação burocrática e hierárquica dos serviços de saúde. Não nos limitamos a apontar tal condição apenas para os serviços, pois a universidade também sofre com suas estruturas ainda enraizadas no modelo clássico de educação. Transformam-se os projetos políticos pedagógicos, mas encontram-se barreiras nas transformações dos docentes, e esses são os agentes da ação. A valorização do SUS e a produção de conhecimento compartilhado entre serviço-universidade dependem de uma nova visão destas instituições. Na vigilância em saúde do trabalhador, a construção de bancos de dados epidemiológicos é fundamental, bem como a valorização da informação gerada pelos sistemas de dados oficiais. Tão importante quanto a informação é o compartilhamento destas com os profissionais da saúde e a comunidade, para que estas gerem ações em vigilância em curto, médio e longo prazo. Na formação da graduação, a temática sobre vigilância em saúde dos trabalhadores ainda é insipiente, mas ações do Grupo PET têm ocupado espaços que repercutem de forma ampliada e colocado a discussão ao alcance dos estudantes. 948
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Os projetos PET, tendo por base nossa abordagem em Vigilância em Saúde do Trabalhador, representam uma inovação no caminho da construção coletiva de promoção/prevenção em saúde. É um momento inventivo para proposições tanto no campo do saber compartilhado como das relações grupais; e, ainda, por sua objetividade, estimula a formação dos profissionais de saúde aptos para atuarem no SUS em todos os seus níveis de complexidade.
Colaboradores A construção do manuscrito teve participação de todas(os) e diferentes contribuições de acordo com as capacidades. Agradecimentos A Mirela Poletti, Barbara Cavalcanti (estudantes), Alana Domingos (preceptora), atuantes no Grupo PET Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário. A Guanito Prado Alves Filho, engenheiro da CODESP, pelo apoio no conhecimento sobre o porto de Santos e o trabalho portuário. Aos Trabalhadores Portuários de Santos. Referências 1. Unifesp – Universidade Federal de São Paulo. O projeto político pedagógico do campus Baixada Santista. São Paulo, 2007 [acesso 25 jul 2014]. Disponível em: http://www. unifesp.br/reitoria/prograd/ensino-menu/cursos/projetos-pedagogicos 2. Ministério da Saúde (BR). PET Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011 [acesso 20 maio 2014]. Disponível em: http://www.prosaude.org/noticias/sem2011Pet/index.php 3. Boccatto M. Vigilância em saúde. São Paulo: Unifesp; 2012. [acesso 15 abr 2014. Disponível em: http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/2/unidades_conteudos/ unidade11/unidade11.pdf 4. Waldman EA. Usos da vigilância e da monitorização em saúde pública. Inf Epidemiol SUS. 1998;5(3):87-107. 5. Machado JMH. Perspectivas da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Brasil. In: Gomez CM, Machado JMH, Pena PGL, organizadores. Saúde do Trabalhador na Sociedade Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011. p. 67-85. 6. Vilela RAG, Almeida IM, Mendes RWB. Da vigilância para a prevenção de acidentes de trabalho: contribuição da ergonomia da atividade. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;17(10):2817-30. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012001000029 7. Dias EC, Hoefel MG. O desafio de implementar as ações de saúde do trabalhador no SUS: a estratégia da RENAST. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(4):817-28. http://dx.doi. org/10.1590/S1413-81232005000400007 8. Vasconcellos LCF, Almeida CVB, Guedes DT. Vigilância em saúde do trabalhador: passos para uma pedagogia. Trab Educ Saúde. 2009;7(3):445-62. 9. Galdino A, Santana V, Ferrite S. Os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e a notificação de acidentes de trabalho no Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(1):145-59. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000100015 10. Silva FT. Operários sem patrões: os trabalhadores da cidade de Santos no entreguerras. Campinas: Editora da Unicamp; 2003.
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11. Machin R, Couto MT, Rossi CCS. Representações de trabalhadores portuários de Santos-SP sobre a relação trabalho-saúde. Saúde Soc. 2009;18(4):639-51. http://dx.doi. org/10.1590/S0104-12902009000400008 12.Queiróz MFF, Machin R, Tucci A, Nakamura E, Couto MT, Medeiros MAT et al. Processo de modernização portuária em Santos: implicações na saúde e adoecimento dos trabalhadores: relatório de Pesquisa-CNPq. Santos; 2011. 13. Bloch KV, Coutinho ESF. Fundamentos da pesquisa epidemiológica. In: Medronho RA, organizador. Epidemiologia. São Paulo: Atheneu; 2005. p.107-13. 14. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Vigilância em Saúde. Brasília, DF: Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2007. (Coleção Progestores, vol. 6). 15. Paim JS. O que é o SUS? Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. 16. Linhares MSC, Freitas CASL, Macedo AK, Dias RV, Flor SMC, Soares JSA, et al. Programa de Educação para o Trabalho e Vigilância em Saúde. Trab Educ Saúde. 2013;11(3):679-92. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462013000300012
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Queiróz MFF, Valeira APNV, Lerin RS, Lino FS, Fornazier VCP, Dias Junior US, et al.
Trata-se de um relato de vivência compartilhada do Grupo PET-Saúde/ Vigilância em Saúde do Trabalhador Portuário, da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp e o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST, de Santos, SP. O objetivo é descrever a experiência desse grupo tutorial e sua contribuição para o fortalecimento de ações de vigilância em saúde do trabalhador de Santos. O trabalho portuário é a temática do PET-Saúde por sua importância no cenário nacional e por sofrer transformações que geram fatores de agravos à saúde dos trabalhadores. As ações são desenvolvidas englobando o CEREST, os serviços da rede de saúde de Santos e a comunidade portuária santista. Observa-se que os participantes têm compartilhado conhecimento teórico e prático profissional, contribuindo nas ações dos trabalhadores do CEREST e apontando na direção de aproximação com a rede básica de atenção à saúde.
Palavras-chave: Educação em saúde. Vigilância em saúde pública. Saúde do trabalhador. PET-Health/Surveillance of port workers: a shared experience This is a report on the shared experience of the PET-Health/surveillance of port workers, developed by the Federal University of São Paulo (Unifesp) and the Worker’s Health Reference Center (CEREST), in Santos, Spain. The purpose of this study was to describe the experience of this tutorial group and its contribution to strengthening the surveillance of occupational health in Santos. Port work is subject to PET-Health because of its importance to the national scenery and also because this type of work has a changing nature as well as imparting potential risks on the workers’ health. Actions were developed that embrace CEREST, Santos Health Services, and the Santos port community. Participants shared their professional, theoretical, and practical knowledge, contributing to the actions of CEREST workers and pointing towards a rapprochement with the basic health care network.
Keywords: Health education. Public health surveillance. Occupational health. Grupo PET-Salud/Vigilancia en Salud del Trabajador Portuario: una experiencia compartida Se trata de un relato de la experiencia compartida del grupo PET-Salud/ Vigilancia en Salud del Trabajador Portuario, desarrollado por la Universidad Federal de São Paulo Unifesp y el Centro de Referencia en Salud del Trabajador (CEREST), en Santos. El objetivo es describir la experiencia de ese grupo tutorial y su contribución en el fortalecimiento de acciones de vigilancia en salud de los trabajadores. El trabajo en los puertos es tema del PET-Salud debido a su importancia en el escenario nacional y por sufrir transformaciones que generan riesgos para la salud. Las acciones se desarrollaron cubriendo el CEREST, los servicios de la red de salud de Santos y la comunidad portuaria. Hemos verificado que los participantes han compartido conocimientos teóricos y prácticos profesionales, contribuyendo en las acciones de los trabajadores del CEREST y apuntando en la dirección de una aproximación a la rede de básica de salud.
Palabras clave: Educación en salud. Vigilancia en salud pública. Salud laboral.
Recebido em 11/10/14. Aprovado em 11/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.1364
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PET-Redes de atenção à saúde indígena: além dos muros da universidade, uma reflexão sobre saberes e práticas em saúde
Maria Rita Macedo Cuervo(a) Mariane Brusque Radke(b) Elaine Maria Riegel(c)
Introdução No começo do segundo semestre de 2013, foi aberto, na PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, um processo seletivo para estudantes de graduação de nove áreas da saúde: Medicina, Enfermagem, Psicologia, Fisioterapia, Farmácia, Nutrição, Odontologia, Serviço Social e Educação Física. Estes alunos, estudantes de graduação, iriam compor uma “equipe-piloto” na implementação do “PET- Saúde/Redes de Atenção à Saúde Indígena”. Chamamos aqui de equipe-piloto por ser o primeiro ano de inserção dessa nova proposta do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde1 (PET-Saúde). Sua proposta era inserir os estudantes nas redes de atenção já existentes em seu território, com o objetivo de localizar uma população específica, repensar a rede, e sensibilizar esses futuros profissionais. A percepção das possibilidades de atuação do PET-Saúde/Redes é algo que consideramos poder se compreender apenas após um ano de inserção. Parte da dificuldade de compreensão deu-se porque essa proposta de fato era nova, em vigente construção. Parte porque o PET-Saúde ainda é um programa conhecido por todos, mas que poucos entendem seu funcionamento e seus objetivos na prática. Partindo dessa constatação, buscamos, na literatura, revisar alguns conceitos relativos ao histórico, à construção e ao propósito desta proposta entre os Ministérios da Saúde e Educação. No entanto, nos artigos e capítulos revisados, tivemos dificuldade em compreender as sequências e o desenvolvimento da construção histórica do programa, assim como para compor o “próximo passo” que o PET-Saúde/Redes deveria seguir. Portanto, a proposta da construção deste relato de experiência surgiu da integração do mapeamento desse histórico, convergindo pressupostos e objetivos que teceram o histórico desse programa; a partir disso, apresentarmos nossa inserção na rede de atenção de Porto Alegre e as percepções iniciais acerca da rede da saúde Indígena na capital e, ainda, as dificuldades e potencialidades percebidas pela equipe PET em seu primeiro ano de inserção. O presente relato foi construído a partir das reflexões de uma aluna, bolsista do programa, acadêmica de Psicologia do décimo semestre da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; sob orientação e supervisão da tutora acadêmica do projeto na COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
(a) Faculdade de Nutrição, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Programa de Pós-Graduação em Psicologia, PUCRS. Av. Ipiranga, 6681, Prédio 12, Prédio 11, Partenon. Porto Alegre, RS, Brasil. 90619-900. ritacuervo@gmail.com (b) Acadêmica, Psicologia, PUCRS. Porto Alegre, RS, Brasil. marianeradke@gmail.com (c) Secretaria Municipal de Saúde, Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil. elaine. riegel@sms.prefpoa.com.br
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mesma universidade, professora da instituição e nutricionista, assim como da profissional preceptora no serviço de saúde do município de Porto Alegre, administradora alocada na Gerência Distrital Partenon/Lomba do Pinheiro.
Para além dos muros da academia: a relação entre práxis e conhecimento O processo de formação universitária nos diversos cursos de graduação da saúde vem se mostrando um desafio a ser pensado e reformulado em teoria e estrutura, através dos tempos. Teorias e reflexões são constantemente traçadas acerca das possibilidades de uma educação direcionada para a prática e mais próxima das necessidades de sua população. Cada vez mais, aparece – nos discursos, tanto das instituições de ensino e dos estudantes em formação acadêmica, quanto nos resultantes dos campos das práticas profissionais – a necessidade de se reaproximar as unidades de ensino de seus campos de prática. Encontrar novos caminhos para reduzir a lacuna historicamente construída entre a produção de conhecimento teórico e a realidade vivida nas práticas em saúde nos diversos níveis da assistência2. O conhecimento e sua construção e possibilidade de intervenção na realidade vêm sendo questionados e reorientados na busca de uma prática mais efetiva. Questionamentos historicamente deixados de lado, fragmentados nos programas educativos e que, agora, voltam a ter visibilidade por sua emergência. Programas que Morin3 entende como merecedores de foco de nossa preocupação sobre a formação dos jovens e futuros cidadãos. O autor assevera que conhecimento não pode ser representado como um reflexo ou espelho da realidade, mas, sim, uma tradução, uma reconstrução por meio de aspectos multidimensionais que culminam na construção de uma experiência integral, que pode estar mais ou menos próxima da realidade instituída. Esse autor ainda postula que a divisão do ensino em disciplinas impede o desenvolvimento de um conhecimento pertinente, que não mutile o seu objeto. Nossa sociedade traz demandas práticas que instituem a necessidade de uma visão capaz de situar o contexto. As relações que ali se estabelecem e a forma com a qual esse contexto varia, transformando e sendo transformado, ampliam nossa compreensão das tramas e nós que compõem as diferentes experiências do mundo em que vivemos. Assim, o ensino por disciplina, ainda na perspectiva desse autor, impede a capacidade que temos de contextualizar – que deveria estar sendo estimulada pelo ensino: Eu acredito ser possível a convergência entre todas as ciências e a identidade humana. Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência. É necessário reconhecer que, na segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a pré-história.3 (p.4)
Convergir as disciplinas conhecidas com a realidade da atual condição humana, do nosso Homo sapiens sapiens, racional e fazedor de ferramentas pelas quais intervém em seu contexto maior, é, de certa forma, o que se tem pensado atualmente na atenção em saúde pública2. Nos últimos 25 anos, o Brasil tem trabalhado na perspectiva de reorganizar e valorizar a atenção primária, substituindo o modelo tradicional de organização do cuidado da saúde, centrado na doença e no atendimento terciário4. Uma das estratégias que fundamentam essa proposição foi repensar a formação dos profissionais que estão se inserindo nesses níveis de atenção. A compreensão ampliada acerca dos determinantes da saúde e adoecimento para indivíduos e coletividades possibilita dar atenção especial à complexidade de fenômenos que compõe a realidade e, para isso, a integração ensino – serviço – extensão é fundamental.4 (p.52)
Nossas instituições de ensino e nosso estado protagonizam os dois lados que estão compondo esta moeda. É na prática que encontramos espaço para preencher essas lacunas historicamente enraizadas entre ensino, aprendizagem e possibilidade de intervenção. 954
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Uma análise das necessidades da rede: breve história de sua formação O sistema de saúde brasileiro passou por intensas transformações nos últimos 25 anos, a partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990. A introdução de novas práticas de saúde, com o objetivo de superação de um modelo biologicista e mecanicista para alcançar outro, voltado à integralidade, à humanização e à inclusão da participação dos trabalhadores em saúde e dos usuários, tem sido sua marca e seu desafio5. Como uma das estratégias de implementação de seus objetivos, o Ministério da Saúde (MS) criou, em 2003, a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), que atua na elaboração das políticas orientadoras da formação, desenvolvimento, distribuição, regulação e gestão dos trabalhadores da saúde no Brasil. Essas novas políticas abriram espaço para o estabelecimento de diretrizes para a formulação de políticas de formação e de educação permanente dos trabalhadores na área da saúde. Em 2004, o MS instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), por meio da Portaria GM/MS n° 198, que foi substituída, posteriormente, pela Portaria GM/MS n° 1.996 de 20076, superando a lógica da Educação Continuada que se perpetuava na área da saúde, muito criticada por se pautar em uma educação parcelada, fora do contexto real das necessidades de saúde, e por favorecer o atendimento de determinadas profissões hegemônicas5. A Educação Permanente, então, passa a ser estratégia fundamental para promover mudanças no sistema de saúde, assim como repensar as práticas de formação, atenção, gestão, formulação de políticas e controle social no setor. Muito além da formação profissional apenas, ela se articula entre as instituições de formação, gestores do SUS, serviços, instâncias do controle social e representações estudantis como dispositivo para a mudança, seja ela no campo da formação ou no campo da prática em saúde pública5. Ainda em 2004, foi criada a Portaria 198/GM/MS, que instituía a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do SUS para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor da saúde6. Assim, passa a ser fundamental entendermos o SUS não só como um sistema de atendimento à saúde, mas, também, como um processo social e político7,8. Das portarias e acordos anteriores, foi possível estabelecer, no ano de 2005, uma política articulada de Educação em Saúde, que previa a cooperação técnica entre os Ministérios da Educação e da Saúde para a formação e desenvolvimento de profissionais2,9. Das atribuições de cada ministério, cabia ao Ministério da Educação desenvolver suas ações com o objetivo de orientar a formação dos profissionais da saúde a partir dessa nova perspectiva; enquanto o Ministério da Saúde devia ordenar as diretrizes e repensar a atuação e formação continuada dos recursos humanos nessa área2,7,10. Por parte da Educação, a modificação gradual das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos cursos vinculados à saúde flexibilizou currículos anteriormente apenas focados para suas especialidades4, que, agora, passariam a contemplar a nova proposta e atender as demandas contemporâneas. As DCNs expressam proposições de aprendizagem ativa em que o aluno seja reconhecido como o centro de ensino e da aprendizagem, e o professor como facilitador e mediador9. A integração entre ensino e serviços de saúde possibilitou a entrada dessa nova perspectiva de construção de conhecimento na prática diária. O processo de ensino e educação para o trabalho passou a fundamentar-se a partir das necessidades dos serviços, como previa seu planejamento10. Mesmo que cada formação profissional possua suas respectivas diretrizes, existe um eixo transversal que prevê o atendimento às necessidades sociais em saúde, com ênfase no SUS, propondo-se a oferecer uma formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capaz de assegurar a integralidade, a qualidade e a humanização solicitadas pelas necessidades da atenção. O compromisso com a cidadania e a responsabilidade social agora passam a ser vistos como padrão ético e bioético para a extensão2. Para iniciar a concretização desse processo, foi criado o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-SAÚDE), que trazia, como eixo central, essa integração ensino– serviço, no formato de uma inserção real dos estudantes em cenários de atuação na rede SUS desde o início de sua formação7.
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Programa de Educação pelo Trabalho: PET-Saúde e PET-Saúde/Redes Com o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a SGTES, em parceria com o Ministério da Saúde (MS) e com o Ministério da Educação (ME), instituiu o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), por meio da Portaria Interministerial MS/ MEC n° 2.102, de 03 de novembro de 2005: O Pró-saúde é organizado em três eixos detalhados em vetores específicos: a) orientação teórica, subdividida nos vetores: determinação da saúde e da doença, produção de conhecimentos, e oferta de pós-graduação e de educação permanente; b) cenários de prática, que aborda: a integração docente assistencial, a diversificação dos cenários de prática e a articulação dos serviços universitários com o SUS; e c) orientação pedagógica, que inclui: a análise crítica da atenção básica, a integração básico-clínica e a mudança metodológica.12 (p.4)
A entrada do Pró-Saúde garantiu espaço a um novo repertório de programas que proporcionam, aos estudantes, vivenciarem a rede ainda em seu processo de formação2. O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) surge como uma das ramificações originadas por meio do PRÓ-SAUDE. Criado em 2008, o PET-SAÚDE edifica-se com o objetivo de facilitar o processo de integração ensino-serviço-comunidade, qualificando os serviços, iniciando estudantes de graduação no campo, conforme as necessidades do SUS7,9. O Pró-Saúde foi considerado parte estruturante nas mudanças institucionais e um deslocamento da área de saúde da universidade – dos muros para a rua, na integração com a comunidade e suas demandas. O PET-Saúde entra reforçando esse movimento, presente por tantos anos nos projetos político-educacionais. O programa era aberto a instituições de Ensino Superior, públicas ou privadas sem fins lucrativos, e Secretarias Municipais de Saúde e/ou Secretarias Estaduais de Saúde de todas as regiões do país, selecionadas por meio de editais publicados pelo Ministério da Saúde. Articulado por meio de equipes de trabalho compostas por tutores acadêmicos, estudantes de graduação dos diversos cursos da saúde, tais como: Educação Física e Saúde, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Gerontologia, Medicina, Nutrição, Odontologia, Obstetrícia, Psicologia, Saúde Pública e Terapia Ocupacional, e preceptores da rede de atenção básica7. A noção de integralidade passa a se articular organicamente com a de multiprofissionalidade e intersetorialidade: “A integralidade, portanto, por definição, é da ordem da multidisciplinaridade e da intersetorialidade, envolvendo múltiplas especialidades que se entrecruzam para dar respostas às demandas e necessidades”8 (p.68). Aproximando docentes dos cursos de graduação envolvidos da atenção básica/ primária, e fomentando a articulação entre essas esferas, a iniciativa do PET inseriu um novo olhar reflexivo sobre o funcionamento do Sistema Único de Saúde. A entrada da instituição de ensino contribuiu, entre outros aspectos, introduzindo o componente pesquisa, pensando novas formas de fazer saúde, novas propostas para a educação e para a qualificação dos serviços12,13. Em nível educacional, a Educação Interprofissional (EIP) passa a ser entendida como o aprendizado que acontece quando duas ou mais profissões aprendem sobre, com e entre si, de forma a melhorar a colaboração e os resultados na saúde14. Discutiu-se a reformulação dos currículos, conforme proposto nas novas DCNs, possibilitando a interação de alunos de diferentes cursos, com base em princípios da andragogia e com foco no ganho de: conhecimentos (o que fazer), habilidades (como aplicar o conhecimento) e atitudes (quando e como aplicar as habilidades)12. A colaboração e o reconhecimento da interdependência das áreas passam a ser percebidos como um novo conhecimento, e como necessidade nos campos de prática que buscavam uma nova geração capaz de uma formação e atuação mais generalista e preparada para prestar cuidados contínuos e resolutivos à comunidade2. Recentemente, em 2013, aprovou-se o PET Redes, que estimula a reflexão e ação interprofissional no âmbito das Redes de Atenção à Saúde12. Pela implementação desse programa, buscou-se qualificar as ações e serviços oferecidos na saúde pública.
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As Redes de Atenção à Saúde são os arranjos organizativos de ações e serviços que gerenciam técnica, logística e gestão na busca da garantia da integralidade do cuidado. As Redes caracterizamse: pela formação de relações entre os pontos de atenção com o centro de comunicação na Atenção Básica; pela centralidade nas necessidades em saúde da população; pela responsabilização na atenção contínua e integral; pelo cuidado multiprofissional; pelo compartilhamento de objetivos e compromissos com os resultados sanitários e de planejamento econômico15. Sua população e suas necessidades por serviço também passam a ser identificadas a partir da territorialização. Portanto, a articulação intersetorial varia de acordo com cada rede, que contará com pontos de referências diferentes, conforme onde elas estão inseridas15. O Programa contempla projetos relacionados às prioridades das Regiões de Saúde e Redes de Atenção, e o fortalecimento da Atenção Básica é condição para estabelecer essas redes. Transpor serviços e academia na articulação da clínica ampliada, do diálogo, da educação permanente, da participação social, da educação interprofissional, da gestão compartilhada, da centralidade no usuário e, por fim, da problematização da realidade de cada território. Os projetos aprovados em 2013 foram: Rede de cuidados à pessoa com deficiência; Rede de atenção às pessoas com doenças crônicas – priorizando o enfrentamento do câncer do colo de útero e de mama; Rede cegonha; Rede de atenção às urgências e emergências; Rede de atenção psicossocial – priorizando o enfrentamento do álcool, crack e outras drogas; Rede de atenção à saúde indígena15. As maiores contribuições do PET-REDES vêm da abertura para o debate com os trabalhadores da rede, já que o programa não tem como proposta a intervenção direta no sistema, mas a capacitação e a qualificação das redes já existentes em cada território. A problematização da rede na qual cada equipe irá se inserir versará sobre os recursos e as relações que se estabelecem entre equipe e comunidade atendida. Acreditamos que, neste ponto, vestimos o papel de exemplo prático por meio: da experiência no programa, da ideia da construção do conhecimento pertinente desenvolvido pelo contato do estudante com a prática, com o dia a dia da rede na qual se propõe a atuar. Fundamentando nossas reflexões nas vivências do primeiro ano de inserção do programa PET-REDES de Atenção à Saúde Indígena no município de Porto Alegre. A partir da construção e reflexão de uma estudante bolsista como protagonista dessa experiência/vivência na realidade da saúde pública no município. Repensando teorias e retornando, à academia, notícias da realidade lá fora, e do que encontramos na atenção à saúde dos povos indígenas residentes de Porto Alegre.
Do campo para a academia: primeiras experiências Pet-Redes de atenção à saúde indígena em Porto Alegre/RS Pensar e trabalhar com Saúde Indígena traz questionamentos e necessidades diferenciadas das regularmente enfrentadas por nossas redes de serviços no SUS. O atendimento a esses povos traz consigo a marca da historicidade de suas lutas e conquistas no âmbito da aquisição de direitos. Nosso país acumulou marcas de práticas colonizadoras e de extermínio das diferenças, de políticas de tutela, quando esses povos eram retirados da posição de protagonistas de seus próprios direitos e vinculados a órgãos públicos que deveriam defender seus interesses sob um modelo homogeneizante e desumanizado16. Apenas com a constituição de 1988, passamos a dar maior visibilidade e responsabilizar, também, o estado pelo cuidado a essas populações, em uma perspectiva de respeito às diferenças e reconhecimento das etnicidades. Mesmo assim, ao nos depararmos com a forma como o SUS foi concebido e tem se desenvolvido, percebemos, na forma como a Política Nacional de Atenção aos Povos Indígenas16 vem sendo costurada aos SUS, lacunas permeadas de desencontros e paradoxos que vêm influenciando diretamente a atenção a esses povos. Com um histórico atravessado pela necessidade de luta constante por direitos e reconhecimento, indígenas marcaram com disputas e enfrentamento político sua relação com as sociedades nos territórios onde vivem. Seja pela busca da reconquista de territórios historicamente indígenas
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sobrepostos, atualmente, por áreas urbanas ou agrárias, seja pela preservação de sua cultura ou acesso a direitos de cidadania, essa relação trincada trouxe muitas consequências, ao longo dos anos, à assistência desses povos. Por essa razão, a federalização das políticas e da implementação da atenção à saúde indígena, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), tornou-se pauta e discussão presente no dia a dia de quem atende essas populações. Em decorrência dessas tensões e disputas, hostilidade e preconceitos atravessavam diretamente essa relação interétnica no atendimento municipalizado16. Assim, na contramão dos princípios básicos do SUS, como a descentralização e a territorialização dos serviços, a saúde indígena mostra-se uma demanda diferenciada. Evidenciando que, mesmo após todos esses anos de desenvolvimento das políticas públicas indigenistas, a dificuldade no reconhecimento das diferenças volta a ser foco de atenção conceitual e prática; tanto no que diz respeito à concepção política, quanto às práticas em fazer saúde na atuação da ponta que presta atendimento a esses povos. No caso da saúde, uma forma de salvaguardar os direitos indígenas seria manter a prestação das ações de saúde no âmbito do próprio Ministério da Saúde. Porém, a chamada descentralização, a diretriz do SUS que preconiza o repasse da execução das ações de saúde para as municipalidades, destituiu o nível federal de uma rede própria de assistência. Esse é um exemplo das contradições geradas entre a estrutura e funcionamento do SUS e a responsabilidade constitucional do governo federal pelo desenvolvimento de políticas de proteção aos direitos indígenas.16 (p.24 - 25)
O trabalho na atenção ao indígena permeia caminhos diferenciados, onde desde a concepção da ideia de saúde até o modelo de atendimento devem ser pensados sob formas particulares no que tange às relações da interculturalidade, tanto entre brancos e índios, como entre as diferenças existentes entre as etnias que compõem esses povos. Coloma17 adverte a necessidade de pensarmos os atravessamentos da interculturalidade no cuidado em saúde, sobretudo quando tratamos dos povos indígenas. A compreensão de que a interculturalidade é mais do que o encontro entre culturas, mas, também, uma relação política e de poder, torna-se indispensável na análise de práticas e discursos que permeiam nossas formas de fazer saúde. Compreender, também, as limitações do SUS, não somente enquanto dificuldades na implementação ou reflexão do seu exercício no país, mas, também, como um sistema adaptado a necessidades da cultura e organização social brasileira hegemônica ocidental, é refletir sobre equidade. Fagundes e Farias19 contribuem para essa reflexão com a concepção de dispositivos etnocêntricos, considerados aqueles onde se trata como universal aquilo que é inerente ou particular a uma cultura específica. O que acontece na ponta não se afasta em grande escala das dificuldades políticas e de gestão da saúde Indígena. Durante esse ano de projeto, nos debruçamos exaustivamente sobre a tentativa de elucidar essa confusa rede de atendimento, que envolve novos atores desconhecidos pela rede de atenção à população geral, e velhos protagonistas, que têm o desafio de ressignificar seus papéis dentro dessa nova organização que é o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do SUS. Falta de recursos humanos capacitados para a ação interétnica, de reconhecimento da maleabilidade territorial indígena e de características antropológicas pertinentes a cada etnia, figuram grandes barreiras no acesso e no entendimento dessas populações. Em Porto Alegre, são atendidas três diferentes etnias: Mbyá Guarani, Charrua e Kaingang. Estão presentes compondo esse atendimento: Equipe técnica de saúde indígena da Secretaria de Saúde Municipal; SESAI; uma Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI), no atendimento a três aldeias, duas Kaingang e uma Charrua, volante e incompleta, formada por uma médica do programa Mais Médicos, técnica de enfermagem e enfermeira; Estratégias de Saúde da Família, referenciadas com base no território; e correspondentes gerências distritais de Saúde responsáveis. A característica de se tratar de povos que estão em meio ao crescimento urbano de uma capital também atravessa as ações propostas e a organização do atendimento realizado pelas equipes. A invisibilidade da questão 958
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da saúde indígena durante anos fez com que, durante o tempo de implementação do SUS, os serviços incorporassem uma forma de funcionar e atender que, muitas vezes, não contempla as especificidades e as exigências do princípio de equidade como é necessária na situação indígena. A exposição dessas populações à sociedade geral usuária do SUS aumenta hostilidades, na medida em que esses usuários compreendem o atendimento diferenciado sob uma lógica de privilégios20. Essa compreensão perpassa, também, os servidores, alguns atendimentos e o controle social. Dentro da complexidade exposta, pode-se dizer que o modelo de assistência ao indígena municipal ainda mascara desigualdades, a partir de uma normalização inclusiva, na qual adaptar o atendimento dessa população às necessidades e entroncamentos do SUS ainda parece a melhor saída20. Nesse sentido, a interculturalidade volta a aparecer como peça-chave para nossa compreensão e transformação no fazer saúde na interetnicidade. Diehl e Pellegrini21 apontam que tanto o formato dos serviços como a formação dos profissionais da saúde não indígenas, não contemplam a perspectiva do diálogo interétnico. Mesmo a PNASPI referencia a necessidade de capacitação para os Agentes Indígenas de Saúde (AIS), mas não enfatiza o mesmo para trabalhadores não indígenas, apontando os últimos como: “... instrutores/ supervisores, devidamente capacitados”18(p.15). Então, vivemos as consequências: a tendência normalizadora e homogeneizante anteriormente já referenciada, o não-reconhecimento da legitimidade dos saberes em saúde tradicional pertinentes a cada etnia, a verticalização das práticas e do ensino em saúde sob pressupostos brancos e ocidentais – assim, poderíamos seguir pontuando mais alguns parágrafos de efeito cascata. Em nosso município, existem poucas ações desenvolvidas no sentido da preservação da cultura e da medicina tradicional dos povos indígenas. Existem espaços organizados, como o “Encontro dos Cujás” (Etnia Kaingang), mas este não ocorre horizontalmente às práticas de saúde formais previstas pelas políticas. Atualmente, não encontramos projetos direcionados à visibilização e à sensibilização de serviços e profissionais em relação à valorização e à utilização do recurso tradicional étnico dentro da cosmologia da atenção à saúde no município.
Um novo perfil, uma nova prática – a construção de um conhecimento pertinente em saúde A concepção ampliada de saúde discutida por meio do SUS nas últimas décadas tem encontrado espaços por intermédio das novas DCNs e nos currículos disciplinares das universidades. Entretanto, a leitura desse conceito que a academia vem trabalhando em suas disciplinas ainda se mantém afastada das necessidades de uma formação para a atuação que considere o conjunto cultural e a organização social particulares de cada comunidade, em suas práticas e saberes de cuidado. O diálogo intercultural referido, por exemplo, ainda não está contemplado pelas novas diretrizes curriculares20. A experiência vivida por meio do PET-Redes, portanto, remonta-nos à necessidade da diversificação dos cenários da aprendizagem para que possamos problematizar a complexidade vivida pela população brasileira. Encontrar, nos povos indígenas, questionamentos e perspectivas nunca enfrentados ao longo de nossa formação, nem dentro, e, por vezes, nem fora dos muros da universidade, fala-nos da dimensão dos desafios que o princípio da equidade nos aponta logo à frente. Compreender que o ensino disciplinar fragmenta mais do que a produção de conhecimento, mas a realidade na qual atuamos e a cosmológica particular dos sujeitos e comunidade que iremos atender, faz aspectos, como a interculturalidade, interrogarem a integralidade do modo com que o modelo biomédico tem produzido saúde através dos tempos19. Essa perspectiva tem demonstrado muitas das dificuldades vividas pelos profissionais nos serviços para transporem novas posições para prestarem atendimento às especificidades, ou legitimarem práticas que não aquelas que o ensino formal produziu e segue produzindo. O entendimento da autonomia universitária tem exorbitado de seus limites diante da natureza pública ou de responsabilidade social da educação das novas gerações profissionais do país. A universidade não pode ser independente da regulação e direção política do Estado, e é papel dos governos, particularmente do governo federal, desenvolver políticas que induzam
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explicitamente as universidades ao cumprimento de seu papel social. A universidade exerce um mandato público, socialmente outorgado, e não uma soberania acadêmica como se a formação profissional superior, a produção de conhecimento, a produção científica e tecnológica ou a promoção da informação, da arte e da cultura pudessem ser independentes dos interesses da sociedade ou da sua relevância pública.22 (p. 1402-1403)
Como já afirmou Morin3 na ecologia da ação, vivemos em um mundo que é mais do que a soma das partes; a multiplicidade pode transformar o que sabemos hoje em muito mais do que poderemos compreender amanhã. Assumir a saúde como um compromisso político e de transformação social, é assumir, também, o compromisso em pensar novos caminhos para a construção de um conhecimento pertinente. Um conhecimento contextualizado, possuidor de responsabilidade política com a transformação social; pertinente à nossa profissão, à nossa sociedade, aos diferentes povos aos quais nos propomos atender. Nossa sociedade tem buscado, por meio de políticas de ações afirmativas, reconhecer dívidas históricas e dar visibilidade aos povos indígenas. Entretanto, reconhecer que precisamos repensar nosso modelo de atenção em saúde para poder atender esses povos é pensar que precisamos repensar, mais uma vez, o nosso modelo de educação em saúde. A educação em saúde indígena, portanto, mostra-se como um desafio por não percorrer um caminho único, já conhecido20. A integralidade da cosmologia de sua compreensão de saúde, a necessidade de se ir além do modelo já estabelecido e confiado. Transformar novamente nossas verdades rumo a um novo conhecimento pertinente.
Colaboradores Mariane Radke responsabilizou-se pela redação e elaboração; Maria Rita M. Cuervo, pela revisão e orientação, e Elaine Riegel, pela colaboração. Referências 1. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Coordenadoria de Controle de Doenças, Centro de Vigilância Sanitária. Programa de Educação pelo Trabalho na Saúde. São Paulo: Centro de Vigilância Sanitária; 2014 [acesso 25 dez 2014]. Disponível em: http://www. cvs.saude.sp.gov.br/prog_det.asp?te_codigo=22&pr_codigo=2 2. Siqueira-Batista R, Gomes AP, Albuquerque VS, Cavalcanti FO, Cotta RM. Educação e competências para o SUS: é possível pensar alternativas à(s) lógica(s) do capitalismo tardio? Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(1):159-70. http://dx.doi.org/10.1590/S141381232013000100017 3. Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Bol SEMTEC – MEC, 2000 [acesso 10 de maio de 2015];1(4). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ pdf/EdgarMorin.pdf 960
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4. Thiesen FV, Corbellini VL, Gustavo AS. Os programas nacionais de reorientação da formação em saúde: Pró-Saúde, PET-Saúde e PREMUS. In: Corbellini VR, Thiesen FV, Ojeda BS, Gustavo AS, Creutzberg M, Santos BR, organizadores. Atenção Primária em Saúde: vivências interdisciplinares na formação profissional PUCRS. Brasília, DF: ABEn; 2011. p. 49-60. 5. Duarte ML, Campos LM, Monteiro LR, Oliveira MC. A implantação de um Núcleo Municipal de Educação em Saúde Coletiva no Município de Uruguaiana/RS. Contexto Saúde. 2012;12(22):9-14. 6. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde. Diário Oficial União. 27 ago 2008;Seção 1:27. 7. Freitas PH, Colomé JS, Carpes AD, Backes DS, Beck CL. Repercussões do pet-saúde na formação de estudantes da área da saúde. Esc Anna Nery. 2013;17(3):496-504. http:// dx.doi.org/10.1590/S1414-81452013000300013 8. Santos BR, Bellini MI, Pizzinato A, Ojeda BS. Integralidade, interdisciplinariedade e intersetorialidade: o tripé orientador da integração ensino serviço em saúde. In: Corbellini VR, Thiesen FV, Ojeda BS, Gustavo AS, Creutzberg M, Santos BR. Atenção Primária em Saúde: vivências interdisciplinares na formação profissional PUCRS. Brasília, DF: ABEn; 2011. p. 61-72. 9. Ferreira VS, Barreto RL, Oliveira EK, Ferreira PR, Santos LP, Marques VE et al. PETSaúde: uma experiência prática de integração ensino-serviço-comunidade. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 supl 2):147-51. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022012000300021 10. Creutzenberg M, Lopes MH, Dockhorn D. As diretrizes curriculares na área da saúde. In: Corbellini VR, Thiesen FV, Ojeda BS, Gustavo AS, Creutzberg M, Santos BR, organizadores. Atenção Primária em Saúde: vivências interdisciplinares na formação profissional PUCRS. Brasília, DF: ABEn; 2011. p. 39-49. 11. Ministério da Saúde (BR); Ministério da Educação (BR). A aderência dos cursos de graduação em Enfermagem, Medicina e Odontologia às Diretrizes Curriculares Nacionais. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006. 12. Germani AC, Oliver FC, Rocha EF, Carvalho YM, Peduzzi M, Sangaleti C. Aprender a trabalhar juntos: desafios no ensino da prática interprofissional e colaborativa [Internet]. 2013 [acesso 10 maio 2014]. Disponível em: http://www.convibra.org/upload/ paper/2013/59/2013_59_6391.pdf 13. Haddad AE, Brenelli SL, Cury GC, Puccini RF, Martins MA, Ferreira JR et al. Pró-Saúde e PET-Saúde: a construção da política brasileira de reorientação da formação profissional em Saúde. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1 supl 1):3-4. http://dx.doi.org/10.1590/S010055022012000200001 14. World Health Organization, Human Resources for Health, Health Professions Networks. Framework for action on interprofessional education & collaborative practice. Geneva: World Health Organization; 2010. 15. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial n° 14, de 8 de maio de 2013. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde/ Redes de Atenção à Saúde – PETRedes. Diário Oficial União. http://www.sbfa.org.br/portal/pdf/forum_348.pdf 16. Garnelo L. Política de saúde indígena no Brasil: notas sobre as tendências atuais do processo de implantação do subsistema de atenção à saúde. In: Garnelo L, Pontes AL, organizadores. Saúde indígena: uma introdução ao tema. Brasília, DF: Unesco; 2012. p. 18-58. 17. Coloma CA. A interculturalidade na atenção à saúde dos povos indígenas. Povos Indígenas e Psicologia. São Paulo: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo; 2010.
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18. Ministério da Saúde (BR), Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de atenção à saúde dos povos indígenas. 2a ed. Brasília, DF: Funasa; 2002. 19. Fagundes LF, Farias JM. Abertura para o outro: o fundamento para o entendimento. In: Fagundes LF, Farias JM, organizadores. Objetos sujeitos: a arte Kaingang como a materialização de relações. Porto Alegre: Deriva; 2011. p. 3-9. 20. Cardoso MD. Saúde e povos indígenas no Brasil: notas sobre alguns temas equívocos na política atual. Cad Saúde Pública. 2014;30(4):860-6. http://dx.doi.org/10.1590/0102311X00027814 21. Diehl EE, Pellegrini MA. Saúde e povos indígenas no Brasil: o desafio da formação e educação permanente de trabalhadores para a atuação em contextos interculturais. Cad Saúde Pública. 2014;30(4):867-74. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00030014 22. Ceccim RB, Feuerwerker LC. Mudanças na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad Saúde Pública. 2004;20(5):1400-10. http://dx.doi. org/10.1590/S0102-311X2004000500036
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Trata-se de trabalho realizado a partir de pesquisa bibliográfica e fundamentação crítica da vivência e reflexão de uma estudante de psicologia, bolsista do programa PETSaúde/Redes, sobre o primeiro ano do projeto PET-Saúde/Redes de Atenção à Saúde Indígena da Universidade Católica do Rio Grande do Sul/UCRS, na cidade de Porto Alegre. Possui, como ponto de partida, a elucidação sobre a construção das portarias e políticas que deram origem ao projeto, trazendo considerações sobre sua intervenção na atenção à saúde dos povos indígenas presentes no município. A atuação no projeto centralizou-se no esforço de realizar um mapeamento situacional da rede de atenção que atende esses povos no município, bem como identificar seus desafios, potencialidades e entrecruzamentos fundados entre a política indigenista e o Sistema Único de Saúde (SUS). O relato inclui: a utilização de formulações ministeriais, o levantamento de autores contemporâneos que têm debatido a temática, e as contribuições embasadas na análise situacional encontrada no município.
Palavras-chave: Saúde de populações indígenas. Saúde pública. Atenção à saúde. Educação em saúde. PET-Health/Networks for indigenous people: beyond the university, a reflection on knowledge and health practices This paper is based on bibliographical research and critical corroboration about the experiences and reflections of a student and her preceptor during the first year of the PET-Health/Networks for indigenous people, sponsored by the Catholic University of Rio Grande do Sul (UCRS), Porto Alegre, Brazil. We clarify the laws and politics that started the project, and reach conclusions about the implementation of the public healthcare network for indigenous people living in Porto Alegre. During the first year, efforts were focused on mapping the health care network for this population and identifying the challenges, possibilities, and interactions between indigenous policies and public healthcare. This account includes authors who debate this subject and contributions from their points of view, based on what was found about these reflections in the city of Porto Alegre.
Keywords: Health of indigenous peoples. Public health. Health care. Health in education. PET-Salud/Redes para los pueblos indígenas: más allá de los muros de la universidad, una reflexión sobre los saberes y las prácticas en salud Ese es un estudio de investigación bibliográfica y fundamentación crítica de vivencias y reflexión de una estudiante de psicología, becaria del programa PET-Salud/Redes, sobre el primer año del proyecto PET-Salud/Redes de Atención de la Salud Indígena de la Universidad Católica de Rio Grande do Sul (UCRS). Posee como punto de partida la elucidación sobre la construcción de las resoluciones y políticas que originaron el proyecto, trayendo consideraciones sobre su intervención en la atención a la salud de los indígenas presentes en el municipio de Porto Alegre. La actuación del proyecto enfocó sus esfuerzos en realizar un mapeo situacional de la red de atención que atiende a los pueblos del municipio, identificando sus desafíos, potencialidades y entrecruzamientos fundados entre la política indigenista y el Sistema Único de Salud Brasileño (SUS). El relato incluye la utilización de formulaciones ministeriales, la pesquisa de autores contemporáneos que han debatido la temática y las contribuciones basadas en el análisis situacional encontrado en el municipio sobre dichas reflexiones.
Palabras clave: Salud de poblcaciones indígenas. Salud pública. Atención a la salud. Educación en salud. Recebido em 26/12/14. Aprovado em 11/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0870
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estratégia de redução de danos para pessoas apreendidas por consumo/porte de drogas ilícitas Leila de Oliveira Pinto(a) Daniele Jesus de Oliveira(b) Fabia Maria Ribeiro Duarte(c)
Introdução O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde integra o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação. O objetivo principal deste PET consiste em promover a articulação do processo de ensino e aprendizagem à realidade dos serviços públicos de saúde oferecidos à população brasileira. Visa, ainda, fomentar o desenvolvimento de pesquisas, com vistas à produção e disseminação de conhecimentos científicos. O PET-Saúde tomado como objeto deste trabalho – aqui denominado PETSaúde Aliança – esteve, entre 2012 e 2014, sob a coordenação da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti – ARD-FC, Programa de Extensão Permanente do Departamento de Saúde da Família da Faculdade de Medicina da Bahia – FMB, Universidade Federal da Bahia – UFBA. O trabalho da Aliança reside no desenvolvimento de ações de atenção à saúde das pessoas que fazem uso de drogas, e seus familiares, segundo os princípios da Redução de Danos (RD), que orienta as diretrizes da Política do Ministério da Saúde para atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas1. Há mais de dez anos, a Aliança realiza atividades de campo, clínicas, acadêmicas e de investigação. Desde 2012, coordena o Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas Gregório de Matos – CAPSadGM, cenário dos campos de prática do PET-Saúde Aliança. Criado a partir de parceria firmada entre a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia – SESAB e a Faculdade de Medicina da Bahia – FMB, o CAPSadGM é um equipamento docente-assistencial, que opera de acordo com a lógica da RD. Trata-se de um conjunto de políticas, programas e práticas que visam minimizar os danos e as consequências adversas à saúde, às circunstâncias sociais e econômicas associadas ao uso de drogas, lícitas e ilícitas. Sem exigir a abstinência, as intervenções dirigem-se às pessoas que não podem ou não querem interromper o consumo de drogas, embora os familiares e a comunidade possam beneficiar-se de seus procedimentos. De fato, a prevenção visa os riscos relacionados à utilização, e não as drogas propriamente ditas2.
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Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti, Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Largo Terreiro de Jesus, s/n, Pelourinho. Salvador, BA, Brasil. 40026-010 oliveirapintoleila@ gmail.com (b,c) Acadêmicas, Instituto de Psicologia, UFBA. Salvador, BA, Brasil. danijesus555@ hotmail.com; fabia.duarte@live.com (a)
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grupo informativo: estratégia de redução de danos ...
Para enfrentar o complexo problema do uso nocivo de drogas, a abstinência não pode ser o único objetivo a ser alcançado. Parte-se do princípio que o manejo das questões individuais relativas ao consumo deve levar em conta as diferenças e singularidades de cada um. Por isso, as estratégias de RD não são construídas de modo vertical para o usuário, mas, sim, elaboradas de modo participativo junto a cada sujeito. O CAPSadGM oferece diferentes cenários de prática para estudantes dos cursos de Enfermagem, Medicina, Nutrição, Odontologia, Psicologia e Serviço Social, que compõem o PET-Saúde Aliança. Sob a coordenação de um tutor, contamos com seis preceptores – profissionais de Fisioterapia, Medicina, Odontologia e Psicologia – que exercem funções técnicas no CAPSadGM. Cada preceptor acolhe, em campos de prática diversificados, dois estudantes bolsistas. Nesse contexto, enfatizamos a abordagem biopsicossocial, e a interdisciplinaridade, tal como postulada por Ferreira3, enquanto ato de troca e reciprocidade entre diferentes áreas do conhecimento. À integração dos saberes e práticas disciplinares, acrescentamos a experiência cotidiana obtida junto aos usuários, familiares e membros da comunidade. Outro importante elemento do processo de construção do conhecimento reside no diálogo, que permite ouvir a si e ao outro. Nessa perspectiva, os estudantes participam de encontros semanais, com vistas a refletirem sobre as experiências adquiridas nos campos de prática. Segundo Passos e Chassot4, esse tipo de procedimento favorece o compromisso do estudante com seu trabalho, pois, assim, ele se percebe como sujeito do conhecimento que vivencia. Operamos, portanto, com um paradigma que leva em conta a interdisciplinaridade, os significados psicossociais e a complexidade do processo saúde-doença. Trata-se de uma opção ao tradicional modelo biomédico, pautado em uma orientação técnico-instrumental das ciências biológicas, que tem a doença como eixo do cuidado5. Essa tradição em saúde dificulta a abordagem e a resolubilidade de fenômenos humanos complexos, como o uso nocivo de drogas. Em busca de alternativas, a integração de estudantes à realidade do CAPSadGM visa favorecer o desenvolvimento de habilidades que superem a instrumentação técnica e os aproximem do campo das tecnologias relacionais6. Um pontochave para a promoção de mudanças das práticas de saúde, de base ético-humanística. Entre as práticas do PET-Saúde Aliança, destacamos o Programa para Cumprimento de Medida Educativa, assim denominado pelo I e II Juizado Especial Criminal, situados no município do Salvador (BA). Essas instâncias respondem pelo encaminhamento de pessoas apreendidas por posse e/ou uso de drogas ilícitas ao CAPSadGM. Conduzida por técnicos do serviço, preceptora e estudantes do PETSaúde, esta atividade recebeu a designação de Grupo Informativo, objeto deste relato de experiência.
Justiça terapêutica: interface entre o campo jurídico e a área de saúde No Brasil, os programas para cumprimento de medida educativa são respaldados na Lei Nº 11.343/20067, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD. Norteado segundo a lógica da RD, tem como princípios os direitos fundamentais da pessoa humana. Prioriza a autonomia, a liberdade, o respeito à diversidade, a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro, considerados fatores de proteção ao uso nocivo de drogas. A Lei Nº 11.343 reconhece o consumo de drogas como fator de interferência na qualidade de vida do indivíduo e em sua relação com a comunidade. No enfrentamento dessa problemática, prevê a implementação de propostas de inclusão social, a construção e socialização de conhecimentos científicos sobre o uso de drogas, no intuito de evitar a estigmatização das pessoas que utilizam drogas e dos serviços que as atendem. Reconhece, ainda, a intersetorialidade dos fatores relacionados ao consumo, com proposta de articulação do Ministério Público, dos Poderes Legislativo e Judiciário, e adoção de uma abordagem multidisciplinar em saúde, segundo as normas definidas pelo Conselho Nacional Antidrogas – CONAD7. Um dos principais aspectos desta Lei diz respeito à regulamentação da proibição das drogas ilícitas, cuja aquisição, cultivo, armazenamento, preparo, transporte, ou posse, constitui crime. Independente da quantidade e da produção destinar-se ao consumo pessoal. Reconhece, no entanto, a distinção 966
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Pinto LO, Oliveira DJ, Duarte FMR
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entre a pessoa que consome drogas ilícitas e o traficante, e propõe tratamentos diferenciados para ambos. Trata-se de um marco histórico das políticas sobre drogas no Brasil, pois estabelece que o usuário não deve ser penalizado com a privação de liberdade7. Para determinar o uso pessoal, o juiz deve considerar a natureza das circunstâncias e a quantidade da substância psicoativa apreendida. Também deve levar em conta o local e as condições da apreensão, pessoais e sociais, a conduta e os antecedentes do autor do ato infracional. Este pode receber uma advertência, ser encaminhado para prestação de serviços à comunidade, ou para cumprimento de programa educativo. Para isso, o juiz determina ao poder público que disponibilize, gratuitamente, um estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para o cumprimento da medida educativa7. Segundo Foucault8, a partir do século XIX, cabe aos psicólogos, psiquiatras e educadores atuar sobre o intelecto, a vontade e as disposições do réu, para corrigir, reeducar e curar. Para além do ato criminoso, as paixões, anomalias, enfermidades e inadaptações são julgadas para determinar até que ponto a vontade do réu está envolvida no crime. O diagnóstico de “loucura” exclui a qualificação de um ato como crime e torna o tratamento médico obrigatório. Trata-se de “controlar o indivíduo, a neutralizar sua periculosidade, a modificar suas disposições criminosas, a cessar somente após obtenção de tais modificações” (p. 20). A infração é assim situada no campo do conhecimento científico. Ao final da década de 1980, Silva9 observa que a articulação entre o sistema jurídico e a proposta de atenção integral à saúde das pessoas apreendidas por uso e/ou porte de drogas ilícitas recebe a designação de “justiça terapêutica”. Segundo a autora, esse procedimento surge nos Estados Unidos, em 1989, e gradativamente estende-se a outros países, a exemplo do Brasil. Pretende-se, assim, identificar soluções do conflito com a lei e dos problemas psicossociais relacionados ao uso de drogas. Apresenta, portanto, duplo aspecto, pois visa evitar a punição com privação de liberdade, tendo o tratamento como medida alternativa ao encarceramento. Silva9 salienta que, nas sociedades modernas, o controle do consumo de drogas foi construído com base no modelo médico, vinculado à saúde pública; e no modelo jurídico, que condena o uso de drogas ilícitas, amparado em questões legais. Este usuário é então tratado como réu, pois ainda que ele não seja submetido à pena de reclusão, sua recuperação depende do cumprimento da decisão judicial que lhe é imposta de modo compulsório. A justiça terapêutica considera, então, a saúde como um dever, e não como um direito universal dos cidadãos, e trata de maneira indiferenciada padrões de consumo que variam do uso recreativo, ou ocasional, ao consumo nocivo. Para Santiago10, a preocupação científica com o mecanismo de ação, princípios ativos, efeitos no organismo e dosagem letal transformou a droga em tóxico. Graças ao deslizamento de sentido produzido pela ciência, o uso antropológico e culturalmente aceito dos rituais cede espaço à atitude repressora do campo policial. Amparada em dispositivos legais, a ordem jurídica regulamenta o que era experimentado como um gozo inefável. Pondo de lado a multiplicidade dos efeitos de sentido produzidos pelo significante “droga”, na linguagem, nos mitos e na ficção literária – como veículo de êxtase, meio de dissipar a dor e a tristeza, acessar realidades inapreensíveis – a ciência vai concentrarse na nocividade de uma substância que, por isso, se tornou tóxica. O sentido do phármakon, termo grego que significa remédio ou veneno, adquire uma conotação essencialmente pejorativa, sobretudo por aquilo que se supõe ser o bem para um sujeito. Apesar do esvaziamento dos saberes da tradição, a ciência se depara com a impossibilidade de fixar efeitos invariáveis sobre o uso de drogas. Essa afirmação pode ser comprovada por meio dos diferentes relatos de usuários, sobre suas experiências diversificadas, ainda quando se trata da mesma droga10.
Grupo Informativo: campo de prática do PET-Saúde Aliança Ao longo de dois anos, de 2012 a 2014, o Grupo Informativo esteve sob a coordenação de uma psicóloga, que também exerceu a função de preceptora junto aos bolsistas do PET-Saúde Aliança. Com base nos dados registrados nos prontuários, e nas observações realizadas nos encontros ocorridos entre abril de 2012 e dezembro de 2013, fundamentamos este relato de experiência. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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Nesse período, contamos com a participação de estudantes do curso de Enfermagem, como observadores; e de estudantes dos cursos de Psicologia e Serviço Social, que contribuíram, por um semestre, de forma sistematizada, no planejamento e condução do Grupo. Esse tempo foi estabelecido com o objetivo de adequar a agenda dos estudantes às atividades do PET, e como forma de promover novos aprendizados, dada a possibilidade de rodízio e inserção em outros campos de práticas. Planejado, inicialmente, em resposta aos encaminhamentos do I Juizado Especial Criminal, desde abril de 2012, o Grupo Informativo recebe pessoas apreendidas por uso e/ou porte de drogas ilícitas para cumprimento de medida educativa. No início de 2013, o II Juizado Especial Criminal passou a realizar encaminhamentos, tendo em vista o mesmo objetivo. Como sujeito de direito, cada indivíduo é considerado coautor de sua própria história, sendo responsável pelas consequências advindas do uso de drogas. Contudo, em detrimento da proposta de engajamento dos usuários na identificação das estratégias de RD que lhe são adequadas, a medida educativa apresenta caráter irrevogável e deve ser cumprida de modo compulsório. A Lei nº 11.343 prevê alternativas à privação de liberdade, o que não significa que a pessoa esteja isenta de penas. Nesse sentido, alguns participantes demonstraram, de início, certa resistência, e até mesmo recusa para comparecer ao Grupo, o que dificultou o andamento da atividade e, por vezes, gerou o nãocumprimento da medida. De fato, recebemos uma solicitação que não parte do usuário, mas de uma instância jurídica que impõe o cumprimento de uma decisão judicial. Sem perder de vista que, na atenção às pessoas em uso problemático de álcool e outras drogas, não é raro que a demanda de tratamento se apresente do lado de um terceiro, familiar ou amigo, sublinhamos a diferença entre o tratamento para o uso de drogas e a medida educativa. Muitos participantes referiram um padrão de consumo recreativo, ou ocasional, sem prejuízo do laço social e do desenvolvimento de atividades produtivas. Tampouco evidenciaram a intenção de interromper ou reduzir o consumo. Daí a insatisfação que, com frequência, caracterizou a admissão ao Grupo Informativo. Cientes dessa dificuldade, operamos, em termos metodológicos, por meio da constituição de um espaço de livre circulação da palavra, com vistas a favorecer a motivação e adesão ao Grupo. Priorizamos exposições dialogadas de slides, vídeos, reportagens e histórias de vida, particularmente dos presentes. E embora o conteúdo fosse invariavelmente relacionado ao consumo de drogas, não dispúnhamos de um programa fixo. Pelo contrário, ao final de cada encontro, planejávamos o próximo junto aos presentes, cuja temática era definida a partir das questões, dúvidas e interesses sinalizados pelos participantes. Destacamos os conteúdos relativos à descriminalização e legislação do uso de drogas, noções sobre a Política de RD, padrões de consumo, internação compulsória, e particularidades do relacionamento dos usuários com os familiares. Em conformidade com as propostas para elaboração horizontal das estratégias de RD, foi possível levar em conta as singularidades de cada sujeito e a formação particular de cada grupo. A dinâmica variou a partir da configuração do grupo, aberto semanalmente às novas admissões, ao tempo que outros finalizavam os encontros. Estes eram estipulados judicialmente, em número de quatro a oito, não sendo possível determinar com clareza os motivos que fundamentavam esse prazo. Entre os objetivos do grupo, destacamos a reflexão sobre o cumprimento da medida, a troca de informações, experiências e conhecimentos de temas relacionados ao uso de drogas. Os participantes referiram redução do consumo de drogas, lícitas e ilícitas; restrição do uso em locais públicos; afastamento de grupos, indivíduos, e atividades que favoreciam o uso; substituição do uso de crack/cocaína por maconha; conhecimento da rede de atenção ao uso de álcool e outras drogas. Com duração semanal de uma hora e meia, o Grupo Informativo contou – de abril de 2012 a dezembro de 2013 – com a participação de três a 14 pessoas por encontro. O primeiro contato era dedicado à realização de matrícula no CAPSadGM, e de uma entrevista individual, semiestruturada, para coleta de dados pessoais, seguida por participação no grupo. Em caso de demanda, nos colocávamos à disposição para eventuais atendimentos individuais, que ocorreram em consequência da busca de esclarecimentos e questionamentos relacionados à medida. Ao final do Programa, os efeitos do grupo eram avaliados mediante a realização de outra entrevista individual. Para formalizar a conclusão da medida, um ofício era enviado ao Juizado, com informações 968
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sobre as datas de comparecimento e o número de encontros. Por questões éticas, os dados obtidos nas entrevistas individuais e nos encontros com o grupo foram mantidos em sigilo. No total, foram encaminhadas cento e dez pessoas, das quais 64 cumpriram a medida, 19 interromperam e 27 não compareceram. No intuito de definir as características mais expressivas do grupo, consideramos os dados referentes aos que concluíram o processo. Por se tratar de um estudo qualitativo, e com fins de identificar o perfil dos participantes, os percentuais foram calculados em valores aproximados. Trata-se de indivíduos majoritariamente do sexo masculino (96%), de cor negra (75%), solteiros (70%), na faixa etária de 19 a 51 anos. Em termos de escolaridade, 16 completaram o Ensino Médio (25%), 15 não concluíram o Ensino Fundamental (23%) e 12 possuíam curso Superior completo (19%). Quanto à renda familiar, 24 afirmaram receber apenas um salário mínimo (37%) e oito disseram receber quatro ou mais (12%). No que se refere à situação laboral, 14 estavam desempregados (22%), 19 possuíam trabalho fixo (30%) e os demais (48%) estavam inseridos no mercado informal de trabalho. A não-especificação legal da quantidade de droga necessária para caracterizar a situação como consumo pessoal ou tráfico pode determinar a aplicação de penas distintas para condições similares. Alguns frequentadores do grupo relataram que foram alvos de interpretações equivocadas, pois apesar da condição de usuários foram, inicialmente, tratados como traficantes e chegaram a ser presos por alguns dias. Em contrapartida, pelo menos um participante afirmou que foi abordado pela polícia, enquanto atuava como “avião” (termo que designa a pessoa que repassa pequenas quantidades de droga para o consumidor final). Como portava uma quantidade de droga irrisória, ele foi enquadrado como usuário e encaminhado para cumprir medida educativa. Segundo Boiteux et al.11, a partir da vigência da Lei nº 11.343, houve um crescimento expressivo do encarceramento por condutas classificadas como tráfico de drogas. A lei em questão é seletiva por capturar pessoas de baixo poder aquisitivo e intelectual, essencialmente, o pequeno e o médio traficante, ou todos aqueles que se situam em hierarquias consideradas inferiores perante o tráfico de drogas. É fato que as pessoas de classes sociais menos favorecidas, sobretudo negros, ainda são vítimas de preconceito e associadas às condutas marginais. A esse respeito, o Juiz Gerivaldo Neiva12 lembra que alguns são presos a depender da condição social, cor da pele e tipo de droga, “enquanto os cidadãos respeitáveis tomarão um Engov ou Epocler e assinarão mandados de prisão” (p. 8). Com relação ao consumo de drogas, especificamos na Tabela 1, em percentuais, a droga ilícita que motivou a apreensão policial e resultou no cumprimento da medida educativa. Destacamos as drogas de maior prevalência, lícitas e ilícitas, quanto ao uso na vida. Esta categoria inclui as pessoas que fizeram uso experimental, ao menos uma vez na vida, e aqueles que consumiam uma ou mais drogas, cujo uso foi interrompido pelo menos trinta dias antes da entrevista de admissão ao Grupo Informativo. O uso atual é caracterizado por utilização de alguma droga ao longo do último mês. Tabela 1. Relação com o consumo de drogas
Maconha Cocaína Crack Álcool Tabaco
Droga de apreensão
Uso na vida
Uso atual
56% 31% 5% ___ ___
63% 48% 13% 61% 43%
43% 6% 2% 51% 34%
No rol das drogas ilícitas, a maconha é a droga de maior consumo na vida do brasileiro13. Em termos globais, também aparece como a substância psicoativa ilícita mais utilizada14. Essa preferência pode explicar a razão de a maconha apresentar maior prevalência no que diz respeito às apreensões por uso e/ou porte (56%), uso na vida (63%) e uso atual (43%). COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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As apreensões por uso e/ou porte de cocaína ocupam o segundo lugar (31%), sendo que o uso ao menos uma vez na vida é significativo (48%), ocorrendo uma redução expressiva com relação ao uso atual (6%). Dados de 2013 mostram que houve uma redução do consumo de cocaína em diversos países sul-americanos, enquanto, no Brasil, observou-se um aumento substancial do uso desta droga15. Já as apreensões por uso e/ou porte de crack apresentam um percentual bastante reduzido (5%), apesar do uso na vida (13%), enquanto o uso atual (2%) volta a diminuir. Esses resultados são incongruentes com o pânico impulsionado pela mídia sobre uma possível epidemia do uso de crack no Brasil. No arsenal das drogas lícitas, eles consomem álcool e tabaco, sem diminuição significativa, como no caso das drogas ilícitas, quando comparamos o uso na vida e o uso atual. O álcool é a substância psicoativa mais consumida em todo o mundo e a que mais gera consequências danosas à saúde pública. O uso nocivo de bebida alcoólica produz efeitos indesejáveis e dispendiosos, para o indivíduo e a sociedade. Entre os males, destacamos os agravos à saúde, problemas no relacionamento familiar e social, acidentes de trânsito, situações de violência doméstica e conflito com a lei1. Enquanto o tabagismo representa a principal causa evitável de mortes no mundo16. Com base nos relatos dos participantes, constatamos que houve uma redução do consumo de drogas ilícitas, particularmente cocaína e crack. A diminuição foi motivada, sobretudo, por receio de novo enfrentamento com a polícia, geradora de algum tipo de violência, no momento da apreensão, ou do risco de serem detidos, equivocadamente, por tráfico. Alguns alegaram que foram vítimas de ato forjado, com drogas “plantadas” por policiais em seus pertences pessoais. A título de sugestão, eles recomendaram a realização de capacitação para “a polícia aprender a abordar os usuários”, e sugeriram o desenvolvimento de um Programa de Medida Educativa em penitenciárias. O impacto desse encontro com a lei, ou melhor, com a violência, provocou a redução do consumo, mas não favoreceu a procura de tratamento. Alguns reafirmaram a opção de prosseguir no uso, pois consideravam que a droga não os prejudicava. Outros optaram em adiar o início de um tratamento, apesar de reconhecerem algum tipo de dano relacionado ao consumo. Esta posição pode ser articulada às observações de Passos e Souza17, pois estes consideram que a RD põe em questão os estereótipos atribuídos aos usuários, como criminosos e/ou doentes. A RD também coloca em cena diversas possibilidades, que não implicam, necessariamente, a abstinência nem a obrigatoriedade do tratamento. Em 2013, alguns encontros foram realizados, uma vez ao mês, junto ao grupo terapêutico para familiares, em função da agenda do CAPSadGM. Aqueles que cumpriam a medida puderam (re)conhecer o sofrimento dos familiares, o que foi tomado, por alguns, como fator inibidor para a continuidade do uso. Os familiares avaliaram a importância de conhecer a realidade de outros usuários, como uma oportunidade a mais para tentar compreender o familiar usuário, quase sempre filho ou esposo. Por unanimidade, os participantes do Grupo Informativo avaliaram a medida educativa de forma positiva. Os resultados das avaliações evidenciam que a insatisfação quanto à exigência de cumprimento foram, em parte, superadas graças a uma dinâmica caracterizada pela livre expressão. A atenção às singularidades favoreceu a adesão ao Programa, permitiu a troca de experiências, o esclarecimento de dúvidas sobre o consumo de drogas, e o delineamento de estratégias de RD próprias a cada caso. Uma dinâmica que priorizou o respeito a cada sujeito e o funcionamento horizontal entre participantes e facilitadores.
Considerações finais Para distinguir a pessoa que utiliza uma droga ilícita e o traficante, a Lei nº 11.343 ampara-se em critérios subjetivos, como condições pessoais, conduta e antecedentes do autor do ato infracional. Também é necessário dimensionar a quantidade da droga apreendida, o que não está claramente especificado e constitui uma dificuldade adicional ao exercício legal. Além disso, em um país como o Brasil, marcado por profundas desigualdades sociais, é necessário refletir de modo crítico sobre os critérios desta Lei. Para que determinados grupos vulneráveis da sociedade, representados por indivíduos pobres, negros, oriundos de bairros periféricos, não se tornem objeto de ações policiais e judiciais pautadas no preconceito. 970
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Cabe aqui uma questão, que deixamos em aberto, sobre o caráter compulsório da medida, de modo indiscriminado, para pessoas cujo padrão de consumo de drogas é notoriamente diferenciado. Salientamos, no entanto, que apesar da imposição, a medida educativa favoreceu o acesso a um serviço de saúde – o CAPSadGM – onde puderam conhecer propostas de atenção ao uso de drogas, o que talvez não fosse possível de outro modo. No intuito de facilitar a comunicação entre o campo da justiça e a área da saúde, sugerimos que as equipes de saúde responsáveis pelo desenvolvimento dos programas de medida educativa possam operar diretamente vinculadas aos Juizados. Consideramos que a nossa participação no Grupo Informativo foi uma experiência rica, desafiante e transformadora. A inserção dos estudantes no funcionamento do grupo se deu de forma ativa, a partir do planejamento e condução de intervenções, tendo em vista a configuração de cada encontro. Para isso, foi necessário apropriar-nos de referenciais teóricos sobre a atenção ao uso de drogas no âmbito da saúde, de técnicas para atendimento individual e grupal. Foi possível, ainda, desenvolver um trabalho mais orgânico, baseado no contato com a realidade de pessoas que consomem drogas. Ainda que a medida educativa não se configure como um tratamento, observamos o surgimento de efeitos terapêuticos, na lógica da RD. Na medida em que o sujeito foi convocado a questionar-se e posicionar-se frente as suas escolhas, a dar voz aos impasses e ao mal-estar associado ao uso de drogas. Desse modo, foi possível, em alguns casos, promover certo descolamento entre o sujeito e a substância utilizada, o que favoreceu a elaboração de estratégias de RD. O encontro entre distintas áreas do conhecimento proporcionado pelo PET-Saúde Aliança criou um contexto favorável ao intercâmbio de saberes, e estimulou o diálogo entre preceptores e estudantes, em processo de formação. Com isso, enriquecemos nosso aprendizado e estabelecemos uma interlocução sobre as inquietações advindas dos campos de prática. A reflexão crítica sobre o saber e o fazer no campo do consumo de drogas possibilitou o delineamento de interrogações sobre o nosso papel como agentes promotores de mudança das práticas em saúde. Ainda sem respostas fechadas, lembramos que os questionamentos e dúvidas nos colocam em movimento, despertam potencialidades, inflamam ações e nos constituem como profissionais.
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito Referências 1. Ministério da Saúde (BR), Secretaria Executiva, Coordenação Nacional de DST/Aids. A política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2003. 2. International Harm Reduction Association. O que é redução de danos? Uma posição oficial da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA). London: International Harm Reduction Association; 2010 [acesso em 20 ago 2014]. (IHRA Briefing). Disponível em: http://www.ihra.net/files/2010/06/01/Briefing_what_is_HR_Portuguese.pdf 3. Ferreira SL. Introduzindo a noção de interdisciplinaridade. In: Fazenda ICA, organizador. Práticas interdisciplinares na escola. 10a ed. São Paulo: Cortez; 2005. p. 33-5. 4. Passos LF, Chassot MF. Interdisciplinaridade, competência e escola pública. Práticas interdisciplinares na escola. In: Fazenda ICA, organizador. Práticas interdisciplinares na escola. 10a ed. São Paulo: Cortez; 2005. p. 79-90.
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5. Marco MA. Do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial: um projeto de educação permanente. Rev Bras Educ Med. 2006;30(1):60-72. http://dx.doi.org/10.1590/S010055022006000100010 6. Merhy EE. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. 3a ed. São Paulo: Hucitec; 2002. 7. Brasil. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial União. 24 ago. 2006. 8. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 34a ed. Petrópolis: Vozes; 2007. 9. Silva RRM. Justiça terapêutica: o estudo de casos da Colômbia, Estados Unidos, Holanda e Portugal. In: Cirino O, Medeiros R, organizadores. Álcool e outras drogas: escolhas, impasses e saídas possíveis. Belo Horizonte: Autêntica; 2006. p. 169-80. 10. Santiago J. A droga do toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2001. 11. Boiteux L, Castilho EWVC, Vargas B, Batista VO, Prado GLM, Japiassu CEAJ. Projeto pensando o direito: tráfico de drogas e constituição. Brasília, DF: Faculdade Nacional de Direito; 2009. (Série Pensando o direito, vol. 1). 12. Neiva G. O sistema prisional brasileiro é uma ilusão. Jornal A Tarde. 16 ago 2014;Revista Muito:8. 13. Laranjeira R, Pinsky I, Zaleski M, Caetano R, organizadores. I levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira. Brasília, DF: Secretaria Nacional Antidrogas; 2007. 14. Oficina de las Naciones Unidas contra la Droga y el Delito. Informe mundial sobre las drogas 2012. Nueva York: Naciones Unidas; 2012. 15. United Nations Office on Drugs and Crime. World drug report 2013. New York: United Nations; 2013. 16. Ministério da Saúde (BR). Pesquisa especial de tabagismo PETab: relatório Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Câncer; 2011. 17. Passos EH, Souza TP. Redução de danos e saúde pública: construções alternativas à política global de “guerra às drogas”. Psicol Soc. 2011;23(1):154-62. http://dx.doi. org/10.1590/S0102-71822011000100017
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Trata-se de relato de experiência desenvolvida de modo interdisciplinar por estudantes e preceptor do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde. A atividade recebeu a denominação de Grupo Informativo e foi realizada junto às pessoas encaminhadas judicialmente para cumprimento de Medida Educativa, após apreensão por consumo/porte de drogas ilícitas. O campo de prática, sediado em um Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas, em Salvador-BA, Brasil, foi planejado na lógica da Redução de Danos (RD). O objetivo principal consistiu na troca de informações e experiências sobre o uso de drogas, em um espaço de escuta caracterizado pela livre circulação da palavra. Os resultados evidenciam que a atenção às diferenças e singularidades favoreceu a adesão ao grupo, o esclarecimento de dúvidas e questões relativas ao uso de drogas e o delineamento de estratégias de RD apropriadas a cada caso.
Palavras-chave: Programas nacionais de saúde. Drogas ilícitas. Redução de danos. Informative group: harm reduction strategies for people apprehended for illicit drug consumption and/or possession This paper presents the outcome of an interdisciplinary experiment developed by students and their counselor from the Education by Work for Health Program (PET-Health), nominated Informative Group. This program was designed for people sent by the judicial system to participate in Educational Measures after being apprehended for illicit drug consumption and/or possession. The program location, the Psychosocial Attention Center for alcohol and other drugs (Salvador-BA), was selected in accordance with the principles of harm reduction (HR). The main goal was for the participants and facilitators to share knowledge, information, and experiences related to drug use in a space where these ideas could be freely expressed. The results suggested that care tailored to the differences and unique issues of each participant improved attendance, cleared up questions related to drug use, and helped define case-appropriate HR strategies.
Keywords: National health programs. Street drugs. Harm reduction. Grupo Informativo: estrategia de reducción de daños para personas aprehendidas por consumo/posesión de drogas ilegales. El artículo presenta el relato de una experiencia desarrollada de modo interdisciplinaria por estudiantes y el preceptor del Programa de Educación en el Trabajo para la Salud. El llamado Grupo Informativo se realizó en cumplimiento de Medida Judicial Educativa con personas aprehendidas por uso/posesión de drogas ilegales. El campo de práctica, con sede en un Centro de Atención Psicosocial para alcohol y otras drogas (Salvador-BA), se desarrolló basándose en los principios de la Reducción de Daños (RD). El objetivo principal consistió en el intercambio de informaciones y experiencias sobre el uso de drogas, en un espacio donde las ideas podían ser expresadas libremente. Los resultados sugieren que los cuidados enfocados en las diferencias y singularidades favorecieron la adhesión al grupo, el esclarecimiento de dudas y cuestiones relacionadas al uso de drogas, y el desarrollo de estrategias de RD apropiadas a cada caso.
Palabras clave: Programas nacionales de salud. Drogas ilícitas. Reducción del daño. Recebido em 29/09/14. Aprovado em 10/03/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0987
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Saúde e educação pelo trabalho: reflexões acerca do PET-Saúde como proposta de formação para o Sistema Único de Saúde
André Luís Façanha da Silva(a) Marcos Aguiar Ribeiro(b) Geilson Mendes de Paiva(c) Cibelly Aliny Siqueira Lima Freitas(d) Izabelle Mont’Alverne Napoleão Albuquerque(e)
A formação de profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS) deve se ancorar em concepções de saúde, educação e trabalho que apontem para mudanças orgânicas nos trabalhadores, no setor saúde e, consequentemente, na prática profissional e na atenção aos usuários. Desse modo, a educação pelo trabalho possibilita a vivência na estrutura organizativa da saúde pública e comunitária com vistas à saúde coletiva. Nesse sentido, verifica-se a relevância de se reorientarem as relações entre profissionais da saúde, instituições de ensino e comunidade, e se redefinirem processos formativos para atuação no setor saúde, de forma a garantir o atendimento integral e humanizado à população1. Infere-se, ainda, a necessidade de maior integração ensino-serviço-comunidade, de forma a transformar os cenários de aprendizagem e desenvolvimento, e superar as concepções tradicionais e bancárias de educação. Nessa perspectiva, estão os projetos de reorientação da formação, desenvolvidos como processos de formação para o SUS. Dessa forma, foi instituído o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) pela Portaria Interministerial MS/MEC nº 1.802, de 26 de agosto de 2008, como uma proposta do Ministério da Saúde – por intermédio das Secretarias de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde e Secretaria de Atenção à Saúde, e do Ministério da Educação – de fomentar a formação de grupos de aprendizagem tutorial em áreas estratégicas do SUS, sendo um instrumento para a qualificação em serviço dos preceptores/profissionais da saúde, bem como de iniciação ao trabalho e vivências dirigidas aos estudantes dos cursos de graduação na área da saúde2. Nesse contexto, o PET-Saúde tem, como um dos pressupostos, a educação pelo trabalho baseada na integração ensino-serviço-comunidade, e constitui uma das ações intersetoriais direcionadas para o fortalecimento do SUS, de acordo com seus princípios e necessidades. A partir de então, infere-se in loco a necessidade de um aprofundamento teórico-conceitual, sendo esta disparada a partir de rodas de conversa entre preceptores, monitores, tutores e coordenadores do PET-Saúde. Assim, na dinâmica local do PET-Saúde, a roda constitui-se como um espaço dialógico e participativo, que se propõe a fortalecer a autonomia do grupo tutorial, por meio da solidariedade, integração e compartilhamento de experiências e aprendizados. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
(a,c) Programa de Mestrado Acadêmico em Saúde da Família, Universidade Federal do Ceará (UFC). Av. Comandante Maurocélio Rocha Ponte, 150, Derby. Sobral, CE, Brasil. 62041-040. andre_facanha@hotmail.com; geilsonpaiva@yahoo.com.br (b,d,e) Centro de Ciências da Saúde, Enfermagem, Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Sobral, CE, Brasil. marcosaguiar61@hotmail.com; cibellyaliny@gmail.com; izabellemontalverne@gmail.com
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Saúde e educação pelo trabalho: ...
Influenciadas pela experiência prática de cogestão de coletivos no âmbito da Estratégia Saúde da Família do município de Sobral, Ceará, como também nos referenciais de Campos, as rodas de conversa do PET-Saúde apresentam as características: administrativa, pois constituem um espaço democrático para a discussão das rotinas do grupo tutorial, bem como para a definição e redefinição coletivas das atividades; pedagógica, uma vez que objetivam o estudo e a aprendizagem significativa; terapêutica, já que permitem o desenvolvimento das relações interpessoais do grupo; e política, visto que a argumentação substitui as hierarquias e os papéis sociais, garantindo a todos os integrantes do grupo a possibilidade de construção e decisão3. Assim, as rodas do PET-Saúde apresentam-se como espaços potentes para o diálogo e para a construção coletiva, de forma a instigarem tensionamentos e considerações a partir do cotidiano das atividades do programa. Neste ínterim, apresenta-se uma reflexão teórica acerca dos conceitos sobre saúde, educação e trabalho que influenciam a proposta do PET-Saúde como tecnologia de educação pelo trabalho e estratégia indutora da formação de trabalhadores da saúde para o SUS.
Interface saúde, educação e trabalho: desafios no processo de mudança no exercício profissional
A relação trabalho-educação-saúde perpassa por enfrentamentos da formação baseada na aprendizagem contemplativa-abstrata, no ensino positivista-mecanicista e, ainda, na concepção do trabalho como ação objetivista-determinista. O primeiro compreende o ensino como ato puramente teórico e informativo, que conserva a percepção de que a mente humana funciona como um receptáculo vazio que deve ser preenchido com conhecimento transmitido – esta concepção desfavorece o conhecimento prévio construído perante toda uma vida de aprendizagem. O segundo valoriza o experimentalismo e a ação prática como relação causa-efeito, ou seja, a formação com base no reproducionismo prático provoca maior produção técnica com o intuito produtivista; esta corrente propõe a ênfase nas tarefas mecanicistas, objetivando o aumento da eficiência ao nível operacional sem valorizar o homem enquanto ser, mas como máquina. Por último, o terceiro consiste na concepção de que a relação trabalho-formação se restringe ao potencial transformador do homem sobre o mundo material, mas que, enquanto ação humana, é reflexiva, ou seja, dá sentido ao homem enquanto sujeito e objeto de sua própria ação. Portanto, o homem transforma e dá-se sentido enquanto homem à medida que transforma o mundo material. Essa percepção não valoriza a concepção imaterial do trabalho, ou seja, esquece-se de ressaltar traços como: humanização, autonomia e independência; assim, o processo formativo que se baseia nesta corrente de aprendizagem hipervaloriza a educação para trabalho material, físico, palpável e técnico, em detrimento ao trabalho humanizado, afetivo, espiritual e ético. A reflexão do trabalho em saúde enquanto trabalho essencialmente material contribui para o fortalecimento da crise da relação trabalho-educação-saúde, uma vez que é hegemônico o processo formativo que percebe a saúde sob a lógica biomédica ancorada no corpo biológico, curativista e com reforço à medicalização dos problemas de saúde. Por outro lado, o processo formativo baseado no trabalho em saúde como trabalho essencialmente imaterial, constrói uma percepção da saúde numa perspectiva ampliada voltada para a visão do corpo holístico, humanizado, com: a sensibilidade ao conjunto de determinantes sociais e culturais, a afetividade das relações de vínculos da formaçãocomunidade-família-pessoa, e a valorização dos direitos sociais e autonomia. Dessa forma, para tencionar o paradigma da formação para o trabalho em saúde material e imaterial, devem-se fomentar discussões sobre os modelos de saúde, uma vez que o sistema formativo está adaptado para atender as evoluções das necessidades de saúde de uma dada sociedade. Nessa perspectiva, ao considerar o processo histórico-dialético que perpassa as correntes ideológico-conceituais da saúde e suas relações com o processo de formação, a concepção biomédica tem suas raízes no campo do pensamento moderno, constituída na revolução científica ocorrida no século XVI, que coloca o princípio da razão pura como a única forma de organizar a experiência humana. Esse pensamento demarca o campo da saúde a partir dos seus efeitos sobre o pensamento médico, que passa a compreender o corpo humano como máquina e a doença como algo que precisa 976
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ser corrigido e ajustado por meio de procedimentos centrados no biológico4. Ainda se propõe a reduzir o corpo a um conjunto de órgãos, ou seja, a saúde seria a harmonia destes micro-organismos em condições satisfatórias para o desempenho das atividades vitais e do cotidiano. Essa lógica afetou e direcionou a mudança na formação em saúde, influenciando a organização pedagógica e curricular para uma aprendizagem centrada no ensino e pesquisa, com práticas centradas em laboratórios e hospitais e com reforço da especialização5. Assim, essa ideia reforçou o processo formativo em saúde baseado no trabalho material, corroborando para um reducionismo no campo da saúde, reforçando os cuidados na cura ou no tratamento nas estruturas fisiopatológicas ou anatomoclínicas biologicamente determinadas, reforçando a medicalização dos problemas de saúde por meio de práticas anti-integrativas, fragmentadas e profissional centrado. Nessa concepção, o profissional de saúde, em sua prática, reduz o sujeito à doença e dá assistência com enfoque na queixa e conduta. Por outro lado, atenta-se para um processo formativo em saúde que tome como base a corrente ideológico-conceitual que reflete a saúde como um bem de construção coletiva; que permite a autonomia dos sujeitos sob o processo de produção de saúde-doença-cuidado; que valoriza as subjetividades nos processos do cuidado em saúde; que destaca os determinantes sociais, culturais e espirituais sobre as condições de vida e de saúde das pessoas, e reconhece a influência dos fatores socioeconômicos, políticos e ambientais na organização dos sistemas e serviços de saúde. Essa lógica reflete a necessidade de mudança no paradigma do processo formativo no trabalho essencialmente material, para o processo formativo no trabalho informal, que põe em pauta o processo de produção da subjetividade, se constitui ‘fora’ da relação de capital, no cerne dos processos constitutivos da intelectualidade de massa, isto é, na subjetivação do trabalho6. Dessa forma, a produção do trabalho imaterial assemelha-se à produção de saúde, pois ambos têm como finalidade a produção de bens não materiais, o que se diferencia do trabalho fabril. O trabalho no campo da saúde pública, para materialização do conceito ampliado de saúde, exige do trabalhador uma postura ética, crítica e política em defesa dos princípios do SUS, visando à superação do trabalho morto para o trabalho vivo em ato, com uso racional de tecnologias em saúde7. Nesse sentido, é na relação com o outro – que pode ser o profissional, o gestor, o docente, o discente e o usuário dos serviços de saúde na construção de produção de cuidados – que conformamse os espaços produtores de encontros permeados por subjetividades, abordagens e dimensões pedagógicas pelos atores envolvidos. Assim, Caballero e Silva8 defendem que o trabalho, a educação e o cuidado em saúde são desenhos relacionais, e a interação destes campos e dos atores produz constantemente ressignificação e aprendizagem dos processos vividos. Para contribuir com essa dimensão, Barros e Barros reforçam que a formação em situação, tal como o trabalho situado, nos convoca a habilitar este plano de experimentação, plano onde pensar, fazer, aprender, trabalhar, viver não se dissociam9. Dessa forma, não existe separação real entre trabalho em situação, em ato, e os processos de formação pelo trabalho, ou seja, durante o processo de trabalho em saúde ou educação pelo trabalho, institucionalizado ou não, existe uma produção pedagógica10. Neste ínterim, as discussões acerca dos modelos de saúde e sua relação com a formação revelam a busca pela articulação entre saúde, educação e trabalho. Parreira e Júnior11 destacam dois paradigmas de articulação: o técnico e o reflexivo, apontados como base para se compreenderem suas interfaces. Para a saúde, o paradigma técnico se configura na lógica biomédica ancorada no corpo biológico; e o reflexivo aponta para um novo modo de pensar e agir sobre saúde e seus determinantes, pois exige dos estudantes e profissionais uma percepção da saúde numa perspectiva ampliada, bem como uma postura mais crítica e propositiva frente às necessidades de saúde. Em relação à educação, o paradigma técnico se ancora na educação bancária, diferente da educação enquanto práxis libertadora, que remete ao pensar e agir criticamente. E sobre o trabalho morto, o paradigma técnico se configura quando transforma o cuidar apenas em procedimento focado na doença, e o trabalho vivo remete ao paradigma reflexivo, ao passo que as relações são permeadas pelo encontro de subjetividades e pela valorização de tecnologias leves. Dessa forma, é com a tomada de consciência que a inter-relação saúde e educação a partir do trabalho em ato podem produzir aprendizados significativos e novos saberes, de forma a romperem os distanciamentos dos processos formativos dos acontecimentos do mundo e superarem a lógica 977
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da educação enquanto transmissão de conhecimentos. Assim, a formação para o SUS na perspectiva da educação pelo trabalho configura-se como um constructo pedagógico e ideológico, capaz de impulsionar a aproximação e integração ensino-serviço, o que contribui para a proposta pedagógica de transformação do processo de formação em saúde12,13. Nesse sentido, faz-se necessário investir em processos e pessoas que possibilitem a construção de abertura para uma práxis em saúde que acredita na potência do cotidiano dos serviços de saúde enquanto instâncias para ação-reflexão-ação, que buscam construir uma formação que prima pelo refletir, pensar e agir não para, e sim com o outro. A partir de então, observam-se diversificadas iniciativas que buscam superar os desafios relativos à formação em saúde, dentre elas: o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), que propõe mudanças no ensino e na formação de profissionais, tendo o cotidiano do trabalho como eixo de aprendizado14.
A política de educação pelo trabalho no SUS e o PET-Saúde Esse debate sobre as conexões entre saúde, educação e trabalho no setor saúde tem mobilizado pessoas, instituições e experiências brasileiras para repensar a formação e atuação profissional na produção de cuidado em saúde. Essa preocupação é demarcada na Constituição Federal, inciso III, artigo 200, que se configura como um marco, por meio do termo “[...] ordenamento da formação de recursos humanos na área da saúde”15 (p 41), sendo este da competência do SUS. Esse trecho da Constituição faz uma diferença, quando explicita que a formação desde a graduação e durante a atuação profissional no SUS deve se ancorar nos princípios, diretrizes e nas necessidades de saúde dos usuários e no próprio setor. Diante deste avanço constitucional, reaparece o grande desafio de criar condições necessárias para a formação de trabalhadores para o SUS, de forma a articular o conceito ampliado de saúde, a educação/formação e o cotidiano do trabalho nos serviços de saúde. Neste contexto, em 2003, foi proposta a Política de Formação e Desenvolvimento de Trabalhadores para o SUS: Caminhos para a Educação Permanente em Saúde16. A construção desta política de formação e desenvolvimento profissional parte da reflexão sobre a limitação sobre as práticas de formação e de capacitação dos profissionais, bem como do isolamento profissional e a limitação da sua prática técnica para a implementação da política pública do SUS, que visa à saúde como um direito, ancorada no conceito ampliado da mesma, com atenção integral e acesso universal. A educação permanente é o conceito pedagógico, no setor da saúde, para efetuar relações orgânicas entre ensino, serviço, gestão e controle social. Ceccim e Feurwerker17 consideram que a política de educação em saúde deve ser capaz de impactar: no ensino, como importante instrumento para o desenvolvimento técnico profissional e da alteridade com os usuários; na gestão setorial, enquanto política pública governamental; na atenção, no ordenamento e na articulação da rede na prestação de serviços de qualidade, pautados na integralidade e humanização; e no controle social, para o desenvolvimento da autonomia das pessoas e a democratização da condução e gerenciamento da política de saúde. Assim, o conceito pedagógico da Política de Educação Permanente em Saúde (EPS), proposta pelo Ministério da Saúde, nasce no campo da educação na década de 1960, e tem como marco a orientação da Organização Pan-americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde, na década de 1980, que propõem a reorientação dos processos de capacitação de trabalhadores da saúde, de forma a tomar o cotidiano do trabalho como eixo central da aprendizagem18. Em relação à dimensão educativa, a EPS deve ser pautada na concepção pedagógica transformadora e emancipatória de Paulo Freire19 – aprendizagem significativa e problematizadora, na busca da transformação das práxis de saúde, reconhecendo a complexidade e a potência educativa do próprio trabalho, concebido não apenas no seu sentido instrumental, mas, também, como espaço de problematização, diálogo e construção de consensos para melhoria da qualidade da atenção à saúde17,20,21. A partir de então, o processo de trabalho deverá buscar romper com a lógica de formações fragmentadas e descontextualizadas, de forma a minimizar os distanciamentos e integrar 978
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ensino, serviço, gestão e controle social. A ideia é que, independentemente de onde estejam institucionalizados os processos formativos, faz-se necessário criar estratégias pedagógicas para alcançar o quadrilátero da EPS. Assim, acredita-se que, nessa perspectiva teórica e metodológica, os sujeitos em formação terão uma compreensão ampliada da complexidade do SUS e abertura para poder intervir, buscando a transformação dos sujeitos e, consequentemente, suas práticas. A EPS constitui-se como estratégia fundante às transformações do trabalho no setor saúde para que venha a ser lugar para uma práxis crítica, reflexiva, propositiva, compromissada, tecnicamente competente, despertando os profissionais para o desenvolvimento de uma abordagem congruente com a necessidade de saúde da população, que estimule os profissionais a repensarem cotidianamente sobre seu fazer e transformar a realidade com vista à promoção da qualidade de vida das pessoas. Neste contexto, a política de EPS tenciona para tornar a rede de serviços de saúde uma complexa rede de ensino-aprendizagem no exercício do trabalho8,21. Nessa perspectiva, o PET-Saúde constitui uma das iniciativas indutoras da formação para o SUS a partir da vinculação das instituições de Ensino Superior aos serviços de saúde e da aproximação dos estudantes dos cursos de graduação da saúde, por meio da iniciação ao trabalho, à realidade do SUS. Configura-se, também, como uma ferramenta capaz de ressignificar os processos de trabalho e rotina dos serviços a partir da inserção dos profissionais do serviço (preceptores) nos grupos de aprendizagem tutorial. Dessa forma, o PET-Saúde tem como objetivo possibilitar que o Ministério da Saúde cumpra seu papel constitucional de ordenador da formação dos profissionais da saúde, por meio da indução e do apoio ao desenvolvimento dos processos formativos necessários em todo o país, de acordo com características sociais e regionais; como, também, estimular a formação de profissionais e docentes de elevada qualificação técnica, científica, tecnológica e acadêmica, com atuação profissional pautada pelo espírito crítico, pela cidadania e pela função social da Educação Superior, orientados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, preconizado pelo Ministério da Educação, a partir do desenvolvimento de atividades acadêmicas em padrões de qualidade de excelência, mediante grupos de aprendizagem tutorial de natureza coletiva e interdisciplinar, que fomentem a articulação entre ensino e serviço na área da saúde. Nesse sentido, colabora ao contribuir para a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação da área da saúde, e para a formação de profissionais de saúde com perfil apropriado às necessidades e às políticas de saúde do País, sensíveis ao adequado enfrentamento das diferentes realidades de vida e de saúde da população brasileira22. Neste ínterim, os sujeitos envolvidos no PET-Saúde são estudantes, professores e profissionais dos serviços de saúde, designados, respectivamente, de monitores, tutores e preceptores. No que concerne à monitoria estudantil, esta prevê o desenvolvimento de vivências em serviço e atividades de pesquisa, sob orientação do tutor e do preceptor, visando à produção e à disseminação de conhecimento relevante na área da saúde e às atividades de iniciação ao trabalho22. A monitoria estudantil representa a possibilidade de integração com acadêmicos de outros cursos, de forma a constituir equipes de caráter multiprofissional. Assim, a interação entre estudantes de diferentes cursos de graduação é fundamental para um processo de aprendizagem e desenvolvimento de caráter interprofissional. Ou seja, os estudantes precisam compartilhar de um mesmo processo de aprendizagem com diálogo efetivo entre eles, durante um período de tempo, para que se possam desenvolver as competências necessárias ao trabalho em equipe e para a prática colaborativa interprofissional23. Além disso, a experiência do PET-Saúde permite a inserção efetiva dos estudantes nos espaços/ cenários de trabalho do SUS, com destaque para a Estratégia Saúde da Família, o que permite a interação com os serviços e outros profissionais da saúde. Nesse sentido, o PET-Saúde repercute na ampliação do olhar do estudante acerca do sistema de saúde e dos processos de trabalho, de forma a instigar uma visão crítica a respeito dos serviços de saúde e de sua formação. Assim, as vivências e experiência de integração ao serviço pela proposta da iniciação pelo trabalho na saúde, proporcionam tensionamentos, reflexões e críticas acerca da formação do estudante. A partir de então, o monitor torna-se agente multiplicador das experiências, tornando-se um sujeito fundamental no processo de transformação da sua formação. Nesse contexto, verifica-se a relevância 979
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da articulação do PET-Saúde com outras propostas de indução da formação para o SUS e sociedade, de forma a potencializar as vivências do PET-Saúde e contribuir para o desenvolvimento profissional e pessoal do estudante. Dentre algumas propostas, destacam-se: a inserção no movimento estudantil, a participação no Projeto de Vivências e Estágios da Realidade do SUS (VER-SUS), aproximação e participação em movimentos sociais e em espaços de participação popular e controle social, tais como os conselhos locais de saúde e o conselho municipal de saúde. Todavia, identifica-se in loco uma limitação do PET-Saúde no que se refere à articulação e a aproximação dos conselhos de saúde, seja em atividades dos grupos tutoriais ou na participação das comissões de gestão e acompanhamento local do Pró-Saúde e Pet-Saúde. Nessa perspectiva, verificase a necessidade de se criarem estratégias de aproximação do controle social ao PET-Saúde, de forma a conceder às atividades dos grupos tutoriais um caráter mais ampliado de atenção à saúde, usuário centrado e que supere a concepção e a prática limitada de projetos centrados em doenças. No que se refere à preceptoria, esta constitui uma função de supervisão por área específica de atuação ou de especialidade profissional, dirigida aos profissionais de saúde22. O preceptor configura-se como um docente em serviço, que atrela o monitor estudante à sua prática profissional, o que contribui para a formação de profissionais de saúde para o SUS. No entanto, verificam-se as fragilidades da preceptoria no PET-Saúde, uma vez que muitos dos profissionais inseridos no programa não possuem formação docente para o acompanhamento dos monitores no serviço. Além disso, os preceptores também manifestam que não se sentem devidamente qualificados para se colocarem no papel de educadores. Dessa forma, apesar das concepções de sistemas de saúde-escola, onde os cenários do SUS são também espaços de formação compartilhados com os cursos de graduação em saúde, os preceptores afirmam não acontecerem preparações específicas para qualificá-los a receber e orientar os alunos em serviço24. Nesse contexto, ao se considerar o preceptor como docente, infere-se a necessidade de os preceptores possuírem formação docente para as ações de ensino, entendendo essa formação como contribuição das universidades, pois se sabe que o processo de formação em saúde, de forma geral, ainda privilegia mais as ações de assistência propriamente ditas25. Todavia, apesar das limitações, a preceptoria em serviço propiciada pelo PET-Saúde constitui um potente agente transformador das dinâmicas de trabalho, onde o grupo tutorial se insere. Nesse sentido, os preceptores, bem como os outros profissionais da equipe que indiretamente participam das atividades do PET-Saúde, são convidados a (re)pensarem e a (re)significarem suas práticas em saúde, na perspectiva da produção de uma dinâmica de atenção mais articulada com o ensino e a pesquisa, e coerente com as necessidades em saúde das comunidades. Em relação à tutoria, esta tem função de supervisão docente-assistencial, exercida em campo, dirigida aos profissionais da saúde com vínculo universitário, que exerçam papel de orientadores de referência para os profissionais e/ou estudantes da área da saúde22. Ademais, constitui um facilitador das atividades do PET-Saúde, uma vez que é responsável pela mediação e articulação de discentes, professores, profissionais da saúde e gestores, no planejamento e implementação das atividades. Contudo, enfatiza-se a necessidade de o tutor orientar a dinâmica de trabalho do PET-Saúde, de forma a conduzir, de maneira horizontal, as relações e peculiaridades dos monitores estudantes e dos preceptores. Assim, infere-se a relevância da construção de um grupo tutorial onde o planejamento e as decisões aconteçam de forma dialógica e participativa, o que contribui para a ampliação das concepções de trabalho em equipe. Neste ínterim, a participação no PET-Saúde constitui um potente espaço que transforma a formação do monitor estudante, bem como potencializa o trabalho dos preceptores em serviço e (re)significa a prática docente do tutor. Dessa forma, a integração ensino-serviço-comunidade, propiciada pela educação pelo trabalho, configura uma estratégia de formação diferenciada e relevante para o SUS, uma vez que supera a concepção bancária de educação, extrapolando os muros da universidade a partir da imersão no mundo do trabalho em saúde. Assim, o espaço do serviço torna-se o locus privilegiado para a aprendizagem a partir da desconstrução e construção de novos conhecimentos, processos de trabalho e prática26. Nesse sentido, o PET-Saúde produz tensionamento que alimentam a necessidade de se dispararem processos de 980
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educação permanente para os trabalhadores do SUS com vistas a contribuir com a reorientação do modelo de atenção à saúde, bem como reflexões acerca da formação em saúde.
Considerações finais Esta reflexão é fruto de rodas de conversa entre preceptores, monitores, tutores e coordenadores do Pró/PET-Saúde, onde identificou-se a necessidade de um aprofundamento teórico conceitual, de forma a conceber significado à pratica cotidiana de atividades do PET-Saúde. Nesse sentido, acredita-se que aprofundar as discussões, bem como mergulhar nos referenciais de saúde, educação e trabalho contribuem para a ampliação do olhar de todos os integrantes da rede tutorial acerca da relevância do PET-Saúde para a formação e para o cotidiano do trabalho em saúde. Dessa forma, vale salientar a necessidade de se superar o paradigma técnico da articulação saúde, educação e trabalho, de forma a romper com a concepção limitada de projetos PET-Saúde centrados na doença, ancorados na educação bancária; e, a partir de então, conceder um paradigma crítico, reflexivo e propositivo às vivências e atividades do PET-Saúde, o que promoverá a (re)significação nos modos de pensar, sentir e agir sobre a saúde e seus determinantes. Nesse contexto, incorporar uma práxis libertadora de educação, baseada na horizontalidade, constitui ferramenta promotora de autonomia, criatividade e compromisso com o SUS, e, consequentemente, com a formação e com o PET-Saúde. Assim, as discussões e reflexões em roda e aprofundamento teórico constituem ferramentas necessárias ao processo reflexivo de nivelamento conceitual. Neste ínterim, inferem-se as possibilidades de potencialização do PET-Saúde a partir da reflexão permanente acerca da prática, do programa e da participação como monitor, preceptor, tutor e coordenador.
Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito. Referências 1. Sordi MRL, Bagnato MHS. Subsídios para uma formação profissional crítico-reflexiva na área da saúde: o desafio da virada do século. Rev Lat Am Enfermagem. 1998;6(2):83-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11691998000200012 2. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde. Diário Oficial União. 25 jun 2007. 3. Campos SWG. Um método para análise e co-gestão de coletivos: a construção do sujeito, a produção de um valor de uso e a democracia em instituições - o método da roda. São Paulo: Hucitec; 2000. 4. Pasini VL, Guareshi NMF. Problematizando a produção de saberes para invenção de fazeres em saúde. In: Fajardo AP, organizador. Residências em saúde: fazeres e saberes na formação em saúde. Porto Alegre: Ed. Hospital Nossa Senhora da Conceição; 2010. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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A formação de profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS) deve se ancorar em concepções de saúde, educação e trabalho que apontem para mudanças orgânicas no setor saúde. Nesse sentido, apresenta-se uma reflexão teórica e prática acerca dos conceitos sobre saúde, educação e trabalho que influenciam a proposta do PETSaúde como ferramenta de educação pelo trabalho e estratégia indutora da formação para o SUS. Esta reflexão é fruto de rodas de conversa entre preceptores, monitores, tutores e coordenadores do Pró/PET-Saúde, em que se identificou a necessidade de um aprofundamento teórico-conceitual, de forma a conceber significado à prática cotidiana de atividades do PET-Saúde. Dessa forma, acredita-se que aprofundar as discussões, bem como mergulhar nos referenciais de saúde, educação e trabalho contribuem para a ampliação do olhar de todos os integrantes da rede tutorial acerca da relevância do PETSaúde para a formação e para o cotidiano do trabalho.
Palavras-chave: Programas nacionais de saúde. Sistema Único de Saúde. Educação em saúde. Serviços de integração docente-assistencial. Health and education by work: reflections about the PET-Health as an educational proposal for the Brazilian Health System The education of professionals for the Brazilian Health System (SUS) must be anchored in the concepts of health, education, and work that pointed to organic changes in the health sector. We present a theoretical-practical reflection about these concepts that are influences on the proposed PET-Health as an educational tool for labor and educational strategy for the SUS. This reflection is the result of conversation circles between tutors, monitors, preceptors, and coordinators of the Pro/PET-Health, where we identified the need for a theoretical-conceptual expansion; this would help define the meaning of the everyday PET-Health activities. Thereby, deeper discussions as well as to dive into in the health, education and labor references can contribute to changing the beliefs about all tutorial network members about the relevance of PET-Health in education and daily work.
Keywords: National health programs. Brazilian Health System. Health education. Teaching care integration services. Salud y educación para el trabajo: reflexiones de PET-Salud como propuesta de formación para el Sistema Brasileño de Salud La formación de profesionales para el Sistema Brasileño de Salud (SUS) debe anclarse en las concepciones de salud, educación y trabajo que apuntan a los cambios orgánicos en el sector salud. En este sentido, se presenta una reflexión teórica-práctica sobre los conceptos de salud, educación y trabajo que influyen en el PET-Salud como herramienta de educación en el trabajo y estrategia que induce la formación para el SUS. Esta reflexión es resultado de círculos de conversación entre tutores, monitores, preceptores y coordinadores del Pro-PET-Salud, que identificó la necesidad de una profundidad teórica-conceptual, con el fin de concebir un sentido de la práctica del PET-Salud. De esta manera, se cree que profundizar las discusiones y las referencias de salud, educación y trabajo contribuyen para la expansión de la mirada de miembros de la red tutorial sobre la relevancia del PET-Salud para la formación y el trabajo diario.
Palabras clave: Programas nacionales de salud. Sistema Brasileño de Salud. Educación em salud. Servicios de integración docente asistencial.
Recebido em 27/10/14. Aprovado em 19/02/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.0868
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Formação em saúde e produção de vínculo: uma experiência PET-Saúde na rede de Niterói, RJ, Brasil
Carla de Gouvêa dos Santos(a) Fernanda Tosta de Alcântara Portugal(b) Maria Alice Bastos Silva(c) Ândrea Cardoso de Souza(d) Ana Lúcia Abrahão(e)
Introdução A formação profissional no campo da saúde tem sido muito discutida nos últimos anos, com movimento claro de buscar articular a diversidade nos processos formativos com o mundo do trabalho, voltando atenção aos novos modos de ensinar a ser profissional. Tem-se, no sistema educacional brasileiro, uma variedade de desenhos curriculares e práticas pedagógicas que se mantêm desarticulados dos cenários de prática e desconectados de outras disciplinas. A orientação dada à formação do profissional de saúde retrata a predominância dos currículos de conteúdos sequenciais e desconsideram que alunos, professores e profissionais percorram, com singularidade, trajetórias educacionais e experienciais, traçando seu próprio projeto acadêmico e profissional1. O Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-Saúde) está estruturado sobre a tentativa de elaborar outros modos de ensinar em saúde que contemplem as vivências dos alunos e adotem a perspectiva da interdisciplinaridade, proporcionando a entrada dos alunos cada vez mais cedo aos cenários de prática. Os estágios e vivências proporcionados aos estudantes pelo PET-Saúde objetivam adequar a formação às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). No rol dos objetivos do PET, constam: desenvolver atividades acadêmicas em padrões de qualidade de excelência, mediante grupos de aprendizagem tutorial de natureza coletiva e interdisciplinar2. A Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Fundação Municipal de Saúde de Niterói (FMS), participa da proposta desde 2008, contemplando alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Nutrição, Odontologia, Farmácia, Educação Física e Psicologia. No município, os grupos PET são organizados a partir de redes de cuidados. Em 2012, um desenho considerou o diagnóstico da situação de saúde da cidade e os principais problemas a serem enfrentados nos territórios para atender as necessidades de saúde da população. Nesse formato de condução da formação, alunos dos diferentes cursos atuam, conjuntamente, sobre os mais variados problemas, interagindo diretamente com COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
Mestranda, Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional Ensino na Saúde, Escola de Enfermagem Aurora Afonso da Costa, Universidade Federal Fluminense (UFF). Rua Dr. Celestino, 74, Centro. Niterói, RJ, Brasil. carlagouvea2@gmail.com (b) Bolsista PET-Saúde, Departamento de Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem Aurora Afonso da Costa, UFF. Niterói, RJ, Brasil. fefeportugal@hotmail.com (c) CAPSad Alameda. Niterói, RJ, Brasil. malicebs81@gmail.com (d,e) Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado, Escola de Enfermagem Aurora Afonso da Costa, UFF. Niterói, RJ. Brasil. andriacz@ig.com.br; abrahaoana@gmail.com (a)
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os profissionais do serviço e o preceptor que os acompanha, independente do vínculo profissional. Ou seja, o aluno de Farmácia pode ter, como preceptor, um profissional de Odontologia e ambos atuarem com profissionais de Enfermagem, por exemplo. Dessa forma, o PET busca a formação interdisciplinar, ao mesmo tempo em que coloca um embaraço para o professor e profissionais do serviço, ao serem desafiados pela interprofissionalidade, à medida que são convocados a trabalhar com alunos de diferentes núcleos de conhecimento. Este estudo tem por objetivo relatar a experiência de uma dupla aluno/preceptor no desafio de ampliar o debate sobre a potência de provocar espaço de produção de vínculo no ambiente de trabalho, articulado à formação em Saúde.
Desenhando nova cartografia Utilizou-se o recurso metodológico da narrativa para relatar experiências vivenciadas por uma acadêmica de Enfermagem, bolsista do Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde, e sua preceptora, uma assistente social. As narrativas não são apenas o produto de experiências individuais, pois foram construídas dialogicamente, utilizando-se de um contexto cultural que compartilha informações. Há três tipos de narrativas: as breves, as de vivências e as narrativas populares3. Neste estudo temos uma narrativa de vivência: acompanhamento do percurso de um usuário na rede de atenção psicossocial, especificamente em um serviço de álcool, crack e outras drogas (CAPS/ad), pelos diversos cenários da rede de atenção em saúde no município de Niterói. As narrativas de vivências são mais amplas, incluindo na história da vivência de uma pessoa: sensações, percepções, interpretações e indagações. Para apresentação desta narrativa, aluna e preceptora pactuaram previamente a seleção dos trechos e detalhes que poderiam ou não ser ditos, e de que forma apareceriam no relato. Logo, optou-se por nomear os sujeitos com codinomes. Os autores reiteram que, ao selecionar detalhes para compor sua história, a pessoa está deixando em evidência o que considera importante para o relato. No caso deste estudo, obteve-se o conteúdo que compõe a narrativa por meio da observação participante no acompanhamento do usuário pela rede de saúde. Os percursos vividos foram registrados em diários de campo constituídos durante o desenvolvimento das atividades no CAPS/ad e nos circuitos percorridos por elas (aluna/preceptora) no período de outubro de 2013 a maio de 2014. Como ferramenta de pesquisa, empregou-se o método do aluno-sombra. O método sombra é pautado no princípio do acolhimento e fortalecimento de vínculo4. Neste método, utilizado com a orientação da coordenação do PET-Saúde/UFF, acredita-se que a atuação em redes de atenção pressupõe arranjos pedagógicos em diferentes níveis de assistência, de modo a favorecer uma ampliação do cenário de prática desenhado. O aluno se coloca ao lado do usuário e segue seus passos por todos os lugares que o usuário se locomove dentro do serviço, andando junto dele, fazendo sombra na consulta, no exame, na sala de espera. O método tem a finalidade de mapear a rede de saúde por meio dos percursos e apontamentos do usuário: o que ele diz ser fácil ou difícil ao acessar os serviços, e não o que ou como os profissionais disponibilizam os serviços como sendo o melhor fluxo. Acontece que, como acompanhamos de pertinho esses usuários, acabamos por estreitar e ampliar redes de relações: com o usuário, os familiares, a equipe do serviço e profissionais de outros serviços. Isso permitiu enxergar pontos obscuros que dificultam a assistência; por outro lado, essa rede de relações do sombra possibilita a criação de vínculos de confiança e segurança, que podem dar permissão/autorizar ou não a produção do cuidado integral. Os diários da preceptora e da aluna foram transcritos no formato de escrita livre, posteriormente relidos e debatidos, suscitando reflexões de natureza prática, que deram margem à elaboração do eixo norteador “Desafios e contribuições das estratégias pedagógicas empregadas no PET-Saúde para formação em serviço na graduação em saúde”. Este se relacionou ao objetivo do estudo, mas, sobretudo, para que, em torno dele, girasse a apresentação desta experiência, de modo que relações estabelecidas em momentos distintos, vivenciados em dupla e individualmente, pudessem evidenciar aspectos da produção de vínculo articulado à formação em serviço pelo PET-Saúde. 986
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O vivido: interfaces, tecendo conexões possíveis O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um dispositivo importante na construção de redes de serviços assistenciais. Este serviço é também um dos cenários de prática para o grupo de aprendizagem do PET-Saúde da Universidade Federal Fluminense. Um serviço de saúde mental territorializado, especializado na assistência a pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, o CAPS/ad oferece, diariamente, acolhimento multiprofissional à demanda referenciada e espontânea. A chegada ao local definido para desenvolvimento das atividades do PET-Saúde é um momento de expectativas para todos: profissionais do serviço, os usuários, estudantes e professores. Ainda não nos conhecemos e temos pela frente um mundo desconhecido e novo. O trabalho e a formação em saúde se desenrolam num emaranhado de processos que requer muito dos nossos sentidos, para que possamos compreender a dimensão das necessidades de saúde que atingem a vida das pessoas ou coletividade. Nosso grupo tutorial esteve composto por 12 acadêmicos, oriundos dos cursos de: Enfermagem, Medicina, Odontologia, Educação Física, Farmácia e Psicologia. Contou com seis professores-tutores e três preceptores do CAPS/ad. Eles acompanhavam uma dupla de alunos que eram de cursos diferentes. Os primeiros dias do grupo são reservados a observar o funcionamento do serviço, conhecer o processo de trabalho da equipe, a dinâmica de circulação dos usuários. Aos poucos, nos aproximamos de outros cenários, é quando começamos a identificar a vida local. As atividades de formação em serviço são elaboradas e discutidas em conjunto – tutor, preceptor e aluno, incluindo outros profissionais do CAPS. Toda equipe se reúne uma vez por semana para discussão sobre o cotidiano do serviço e os projetos terapêuticos dos usuários que estão em diferentes momentos no tratamento. Esse é um dos momentos de revisão, avaliação e colaboração entre profissionais em formação, professores e profissionais do serviço. Pode-se contar que, nesses encontros, há momentos de muitas interrogações, sobretudo de rever as estratégias terapêuticas traçadas. É nesse momento que o aluno exercita o trabalho interdisciplinar.
O andar do usuário na rede municipal de saúde Tivemos, como uma das atividades de formação em serviço no PET, o acompanhamento de um usuário por meio do aluno-sombra, um modo diferente de investigar e aprender em saúde. O aluno elege um usuário considerando questões pertinentes ao processo saúde-doença, a partir daí, segue os passos desse usuário no intento de verificar dificuldades e facilidades ao acessar serviços e ações de saúde. O aluno na função de sombra também tem por objetivo realizar o diagnóstico da rede levando em conta a fala do usuário, que nos aponta para o fato de como a rede garante acesso. Outra função importante foi participar na construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS). Este possibilita a participação do usuário e, consequentemente, a construção de sua autonomia, considerando as necessidades individuais e o histórico do usuário que está inserido em um determinado contexto. Pode ser estabelecido por meio da atuação do profissional que é a referência ao usuário-família, ou do profissional com todos os membros da equipe, por meio de discussões referentes à necessidade terapêutica individual de cada caso5. O caso eleito para esta narrativa é o do ‘Senhor G’. Usuário de álcool com vários episódios de internação em hospitais psiquiátricos, transtorno mental, com deficiência de autocuidado, risco elevado de complicações cardiovasculares por controle inadequado da hipertensão, diabetes, e frequência irregular no CAPS/ad. O plano inicialmente traçado para o ‘Senhor G’, pela equipe multiprofissional, a qual passamos a integrar, consistiu em algumas etapas: elaboração de diagnóstico, responsabilidade de cada sujeito envolvido com o projeto (incluindo usuário-família-equipe), e tempo previsto para alcance de cada objetivo traçado. Assim, o PTS do ‘Senhor G’ incluía: visitas no âmbito familiar e ambiente de convivência social, levantamento de hábitos culturais, alimentares, condições econômicas e participação nas atividades intra e extra CAPS. Foi proposto comparecimento três vezes na semana à unidade; as atividades sempre escolhidas e decididas por ele. Nosso papel era ofertar ações mostrando benefícios e estimular que ele próprio apontasse as atividades de seu interesse. Contudo, o PTS do ‘Senhor G’ precisou COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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de muitos ajustes, extrapolou o tempo previsto e não atingiu as ações programadas. Do itinerário percorrido com o ‘Senhor G’, podemos destacar alguns pontos críticos, o principal deles diz respeito à organização da rede assistencial. Existe fragilidade na comunicação entre os setores e serviços; os registros de prontuário fornecem pouca informação. Na última internação, o ‘Senhor G’ recebeu alta hospitalar e aguardou, por duas semanas, sem que fosse mobilizado qualquer meio de retorno para casa. As proposições do PTS alcançaram questões focais e laterais na rede social dele, entretanto a sustentabilidade do projeto na produção de autonomia necessita de articulação efetiva, visto o que constatamos em nossas andanças: mesmo com os benefícios que conquistou no início do tratamento, como o “De Volta para Casa”, atualmente este recurso não mais possibilita continuar morando com a irmã com qualidade de vida e prescindir das internações. Ele tem o passe livre, mas, no momento, necessita de transporte especial. Segundo a Secretaria de Transporte, ele não tem o perfil para solicitar este benefício. Em relação às medicações para hipertensão e diabetes, não as recebe pelo simples motivo de não ser cadastrado no programa de hiperdia, mesmo residindo em frente ao posto de saúde há dez anos. As atividades de lazer extramuros do CAPS estão suspensas por falta de transporte. Enfim, foram muitos os impasses e milhas de passos entre um serviço e outro, em busca de atender as necessidades do ‘Senhor G’, e que se somaram ao diagnóstico de alcoolismo, transtorno psiquiátrico – outros problemas clínicos tão importantes quanto os problemas iniciais. Buscamos contorná-los investindo no diálogo interprofissional, nos vínculos relacional e institucional, na escuta ativa, na negociação intersetorial. De modo geral, as alterações feitas no projeto terapêutico focaram em promover a inserção social do ‘Senhor G’ por meio de restabelecimento de vínculos familiar e institucional, que estavam fracos por conta da desorganização de vida.
O experienciado: multifaces, desvendando conexões produzidas Percorremos juntas, aluna e preceptora, por determinado tempo, o caminho da formação profissional. Discordamos de algumas coisas, concordamos em outras, nos juntamos a outros sujeitos com distintos projetos de vida. Tivemos, nessa convivência, diferentes encontros, deixando um pouco de nós, levando algo do outro. Primordialmente, aprendemos. Por isso mesmo, podemos agora contar. “A função de preceptor teve algumas particularidades, por ser uma assistente social orientada para o exercício profissional ético que prima pelos direitos dos usuários e também por atuar em um dispositivo da saúde como um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Neste serviço, e a partir da posição de preceptora, me foi possível experenciar o que é a construção do vínculo institucional entre os profissionais, como também entre profissionais em formação, usuários e família, o exercício da escuta e da autonomia – recursos que se fazem necessários, independente da posição que ocupa o profissional ou sua especialidade”. (Senhora P) “Ao ingressar no PET-Saúde como aluna da graduação, não tinha ideia da proporção de recursos que um profissional em formação pode mobilizar e acessar de si para aprender a cuidar do outro, sem desprezar, mas, ao mesmo tempo, sem depender de recursos estritamente materiais ou tecnicistas. É comum para nós estudantes ansiarem por este aprendizado técnicoaplicado que pretende responder problemas na dureza dos fundamentos do conhecimento. Nem sempre é assim. Também não é tão simples amadurecer a esse nível de compreensão”. (Senhora A)
Um modo de formação no PET é colocar o aluno na posição de observador participante, possibilitando vivenciar intensamente a função de mediador na construção do vínculo entre instituição e o usuário a partir de outro recurso também muito importante: a empatia, que deve se dar entre profissional e usuário.
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“No processo de elaboração do projeto terapêutico do ‘Senhor G’, nos foi possível vivenciar o que tem de mais rico no nosso trabalho. Uma construção de mão dupla, aluno e preceptor, em que o conjunto de saberes de forma horizontal nos levou a construção do projeto terapêutico, utilizando diversas ferramentas apontadas no campo da saúde como imprescindíveis para o exercício ético do cuidado”. (Senhora P)
O Projeto Terapêutico Singular é um instrumento fundamental na materialização do cuidado e instrumentalização do profissional. Utilizado pela equipe do CAPS/ad, tem como direção de trabalho o cuidado por meio de diferentes estratégias preferencialmente coletivas. “Acompanhando o ‘Senhor G’, pude perceber que é possível pautar o cuidado numa outra prática: da escuta ativa, na presença, da disponibilidade. Que é possível encontrar novos modos de nos conectarmos com usuário, família, serviços, menos prescritivos, deixando de lado os encaminhamentos frios nada resolutivos, que mais confundem do que direcionam. Que nos espaços institucionais ainda que com deficiências estruturais, neles além do óbvio de oferecer terapias curativas, operam como um lugar que agrega possibilidades de encontros e acontecimentos, capazes de resgatar autonomia dos sujeitos. De articular universidade e comunidade por intermédio da interação entre profissionais da academia, profissionais dos serviços, usuários e família”. (Senhora A) “Enquanto preceptora percebo que o maior desafio é provocar o aluno para que se exerça, mesmo sendo um profissional em formação, utilizando estas ferramentas e recursos. Isto acontece ora em maior ou menor medida, mas a forma como o trabalho se dá nos possibilita identificar os diversos recursos que o aluno tem e pode explorar. Este é um trabalho que considero artesanal e que nos exige uma escuta diferenciada dos limites e possibilidades de cada aluno”. (Senhora P)
Como dissemos, o CAPS/ad é um serviço de base territorial, em que a clientela assistida traz, em seu pedido de ajuda, muitos outros pedidos; entre eles, muitas complicações clínicas. Na tentativa de darmos conta desses pedidos, buscamos construir um cuidado, e, para isto, temos, primeiramente, de desconstruir, junto ao aluno, a ideia de que há uma rede de assistência pronta. Isto porque o que chamamos de rede não está pronto e só acontece a partir das articulações permanentemente construídas para obtermos, como efeito, respostas às necessidades de cada usuário em tempos diferentes. “Acompanhando o ‘Senhor G’, ouvi e vi muitos lamentos, queixas e sofrimento: morte de parentes queridos, separação conjugal, abandono dos familiares, maus tratos por profissional da saúde, morte violenta de usuário pós-alta. Mas também presenciamos abraços, alegrias, gratidão: o sobrinho que decidiu ajudar, a visita da irmã afastada, a festa de confraternização, a oficina de reforço escolar. Em todos esses momentos, precisei encontrar em mim atitude para lidar com cada situação, sobretudo contei com a presença da minha preceptora e dos colegas do grupo, cada um com olhar distinto, visto o perfil diferenciado de formação. Aprendi que conhecer e estabelecer vínculos, sejam, institucional, relacional, terapêutico, também é aprender a ser profissional”. (Senhora A)
Criar vínculos implica permanências de relações tão próximas e tão claras que nos sensibilizamos com todo o sofrimento do outro, nos sentimos responsáveis pela vida e morte do paciente, possibilitando uma intervenção nem burocrática nem impessoal6.
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Alguns efeitos das conexões produzidas no caminho e a produção de vínculo A experiência no PET desvelou alguns elementos considerados pelas narradoras como diferencial para formação do profissional de saúde e da importância de uma aprendizagem multiprofissional propiciada pelo PET-Saúde. Um dos principais desafios enfrentados pelo grupo PET foi manejar situações para viabilizar o processo terapêutico do usuário, diretamente ligado à forma de organização das redes de atenção à saúde. Percebeu-se também, por parte de alguns profissionais, pouca compreensão dos sentidos de integralidade do cuidado para além da estrutura física dos serviços. Contudo, destacamos substanciais contribuições para a formação em serviço propiciada pelo PET, como: a oportunidade de aplicar novos conhecimentos, aprender a trabalhar em equipe, enriquecimento da aprendizagem por meio de mobilização de recursos internos, diversificação dos cenários de prática pautados na atuação na comunidade. As reuniões de equipes das quais participamos nos pareceram uma ferramenta importante de integração dos profissionais. Por mais que, algumas vezes, a pauta programada tenha cedido a discussões divergentes, essas fomentaram ações de educação permanente importantes para a problematização das questões do trabalho em saúde no SUS. Quando pensamos na experiência como elemento da formação profissional, o PET-Saúde/UFF toma a experiência como um elemento central na formação, experiência como aquilo que nos acontece7. É preciso entender como e em quais situações os sujeitos da experiência são afetados; pode-se aprender acionando sentidos fisiológicos, um único sentido, ou associando vários deles8. Aprende-se com imagens, ouvindo, no toque na pele, no paladar, pelo cheiro. A formação pelo trabalho em saúde, no mundo do trabalho em saúde, convida o aluno a experimentar, pelo cuidado, encontros orgânicos com capacidade de produzir efeitos de problematização, que supõem a ação transformadora, inseparável do ato cognoscente, e, como ele, inseparável das situações concretas, mesmo que ocorra sobre os conteúdos já elaborados9. Nesse caso, pensa-se sobre o vivido e sobre si referenciando ao contexto, pois a problematização parte de situações vividas e implica um retorno crítico tendo os saberes previamente herdados incorporados à experimentação, como ponto de partida de construção do conhecimento6: O experimentar como ingrediente da formação nos desafia, sobremaneira, a construir estratégias pedagógicas que sejam capazes de deixar vazar as multiplicidades dos sujeitos em um coletivo múltiplo, com encontros precários. Precários na sua inconcretude e infinitude, na produção de subjetivação, experimentando no acontecimento. (p. 318)
Deste modo, vivenciamos diferentes momentos na produção do cuidado, que incide, diretamente, na formação do profissional, que, muitas vezes, se frustra diante da precarização das relações de trabalho, como, também, na precarização dos recursos e insumos básicos para uma assistência com qualidade. O acolhimento e o vínculo foram estabelecidos como pilares fundamentais para a produção do trabalho em saúde. O acolhimento, quando realizado de maneira eficaz, aumenta a disponibilidade de ações e serviços a serem oferecidos aos usuários, contribuindo, assim, para maior satisfação dos mesmos, estimulando o vínculo com os profissionais e, consequentemente, a autonomia e cidadania dos usuários10. Os espaços de supervisão com preceptor e as reuniões coletivas com todos os componentes do PET proporcionaram, à aluna, o encontro com noções e conceitos que, na academia, são difíceis de serem ensinados, talvez impossíveis de serem transmitidos e somente a experiência em ato possibilite, aos alunos, apreenderem esses conceitos centrais para o cuidado em saúde. As apostas de cuidados são desenhadas no cotidiano dos serviços, de modo a construir, junto com usuários, ferramentas com potencialidades de ampliar a vida e projetos terapêuticos7. São arranjos construídos na produção de ações e planejamentos que convocam profissionais a compartilharem da vida do usuário, evidenciando ou não multiplicidades de existência.
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Considerações finais Ampliar os cenários de atuação dos estudantes de graduação em saúde e fomentar a educação interprofissional tem sido uma das estratégias perseguidas pelos grupos do PET-Saúde/UFF, em Niterói. Essas estratégias abarcam inúmeros desafios e contribuições que vêm, sobremodo, reconfigurando o campo da formação e do cuidado em saúde. A partir da experiência do PET, os alunos desvendam um modo de cuidar que vai além da sala de aula, pois a produção do cuidado no serviço é atravessada por afetos, pela necessidade de disponibilidade para o inusitado, estabelecimento de vínculos, entre outros elementos. No entanto, tal constatação não seria possível numa proposta de formação tradicional, por isso, a importância do PET para interferir nos modos de fazer e ensinar das universidades. O PET proporciona uma experiência marcante para a formação à medida que provoca os alunos a se exercitarem de outra maneira nos serviços de saúde. Ao fim deste estudo, pode-se identificar a perspectiva de que a construção de vínculos mantém estreita relação com a construção diversificada dos arranjos que estão postos no sistema de saúde brasileiro. Arranjos que se estabelecem nos microprocessos dos serviços e que afetam, diretamente, a vida de usuários e profissionais, influenciando: a forma de organização da oferta e produção de serviços de saúde, controle de agendas, fluxo de acesso, diversidades de propostas terapêuticas, enfim, uma produção de cuidado autorizada diante de certa emergência requisitada tanto pelos usuários, quanto pelos profissionais que buscam acolher o sofrimento dos usuários. Demandas trazidas por esses sujeitos forjam novas fórmulas, que se misturam legitimamente ao cotidiano dos serviços, ainda que esbarrem com crises de descrédito no SUS, no corporativismo de especialidades, na competitividade dos espaços de saber e fazer profissional. Um desafio a ser manejado pelos profissionais nos serviços de saúde e educação, para que novos modos de ensinar e aprender produzidos potencializem a vida de usuários, dos futuros profissionais e equipes dos serviços, para que estes assumam novas práticas de cuidar no SUS.
Colaboradores As autoras trabalharam juntas em todas as etapas de produção do manuscrito.
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Este estudo apresenta as experiências de uma acadêmica de enfermagem e uma assistente social preceptora que atuam no Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde. O objetivo consiste em ampliar o debate sobre a potência de provocar espaço de produção de vínculo no ambiente de trabalho, articulado à formação em saúde. A narrativa considera os profissionais em formação atuando no serviço e as formas de repercussão na formação em saúde. O relato recorta o acompanhamento de um usuário da rede de saúde mental pelos diversos pontos de cuidado, sendo o fio condutor da experiência. Foram empregados, como ferramentas, o método do aluno-sombra e o diário de campo. Considera-se que, a partir da experiência do PET, os alunos desvendam um modo de cuidar fora da sala de aula e próximo às reais necessidades do usuário.
Palavras-chave: Educação em saúde. Pessoal de saúde. Prática profissional. Health education and bonding: an experience with Education by Work for Health Program (PET-Health) in the health service network of Niterói, Rio de Janeiro State, Brazil This paper presents the experience of a nursing scholar and a social work preceptor who worked at the Education by Work for Health Program (PET-Health) with the goal of broadening the debate on the power of work environment bonding and its association with health education. This narrative included undergraduate professionals in service and the impact on health education. The report utilized the history of a person who used mental health services through various points of care as the common thread of experience. The student-shadow method and field diary were used as tools. The results from the program experience suggested that the students discovered a way to provide care outside the classroom and closer to the real needs of the users.
Keywords: Health education. Health personnel. Professional practice. Formación en salud y producción de enlace: una experiencia PET-Salud en la red de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil Este estudio presenta las experiencias de una estudiante de enfermería y una asistente social tutora que trabajan en el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud (PETSalud). El objetivo consiste en ampliar el debate sobre la potencia de generar espacio de producción de enlace en el lugar de trabajo, articulado a la formación en salud. La narrativa considera a los profesionales en formación actuando en el servicio y la forma de repercución en la formación en salud. El artículo aborda el seguimiento de un usuario de la red de salud mental por los diferentes puntos de atención, siendo el hilo conductor de la experiencia. Fueron empleados como herramientas el método de alumno- sombra y el diario de campo. Se considera que a partir de la experiencia de PET, los alumnos descubren una manera de cuidar fuera del aula y en torno a las necesidades reales del usuario.
Palabras clave: Educación en salud. Personal de salud. Práctica profesional.
Recebido em 30/10/14. Aprovado em 02/02/15.
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DOI: 10.1590/1807-57622014.1061
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Integralidade e redes de cuidado:
uma experiência do PET-Saúde/Rede de Atenção Psicossocial
Maria Lenz Cesar Kemper(a) Jessica Prado de Almeida Martins(b) Sabrina Felipe Serra Monteiro(c) Thaisa da Silva Pinto(d) Fernanda Resende Walter(e)
Considerando que uma formação ampliada em saúde deve abarcar a complexidade intrínseca à noção de redes, este trabalho tem como proposta analisar a construção do cuidado em Saúde Mental em suas várias frentes. Uma atenção integral em saúde não se restringe ao acesso à rede formal de serviços, fazendo-se necessário acompanhar o percurso do usuário para incluir, no cuidado, as diferentes redes a ele pertinentes. Dentre essas, destacamos, além da rede formal de serviços em saúde, a rede familiar e a rede territorial e afetiva. O paciente com sofrimento psíquico, por sua fragilidade no laço social e pelo estigma que a doença psiquiátrica carrega, vivencia, de maneira acentuada, os rebatimentos de uma falta de articulação entre as distintas esferas de cuidado. Um cuidado em saúde mental não pode se restringir a uma ação protocolar, só faz sentido se incluir a realidade, o cotidiano e a situação social, familiar e afetiva do sujeito. Com o intuito de propor uma formação que considere a complexidade dessas diversas instâncias, o PET-Saúde/Rede de Atenção Psicossocial: priorizando o enfrentamento do álcool, crack e outras drogas/ UFRJ apresenta um campo teórico e prático, não apenas para os estudantes de graduação de diferentes cursos que participam do projeto, mas, também, para as equipes envolvidas, de reflexão sobre os constantes desafios para aqueles que atuam na construção do cuidar em Saúde Mental. O PET – Programa de Educação pelo Trabalho – tem como objetivo oferecer uma formação ampla e interdisciplinar aos estudantes de graduação por meio da inserção no campo de atuação profissional. Especificamente este PET, ao qual se refere o presente texto, é inspirado na experiência da equipe do Professor Emerson Merhy na rede de Saúde Mental de Campinas¹, que propunha repensar o cuidado a partir da compreensão dos acessos e barreiras. O PET- Saúde/ Rede de Atenção Psicossocial: priorizando o enfrentamento do álcool, crack e outras drogas/UFRJ conta com quatro campos na cidade do Rio de Janeiro: dois CAPSad III, que são unidades de saúde mental especializadas em atender os dependentes de álcool e drogas; um Consultório na Rua, que oferta atenção integral à saúde a pessoas que vivem nas ruas, e um CAPS II, destinado a adultos que sofrem de transtornos mentais graves, serviço ao qual esta experiência se refere especificamente.
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(a) Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Rua Afonso Cavalcanti, 455, Superintendência de Saúde Mental, Cidade Nova. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 20211-110. mariakemper@hotmail.com (b,c) Instituto de Psiquiatria, Universidade do Brasil (IPUB). Rio de Janeiro, RJ, Brasil. prado.ms@gmail.com; sabrina.serra23@yahoo.com.br (d) Faculdade de Medicina, Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. thaisasp@yahoo.com.br (e) Faculdade de Medicina, Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. fernanda_resende_@hotmail.com
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A proposta do PET de abertura de um espaço de formação, de pesquisa e de exercício crítico vem suscitando, na equipe envolvida neste Projeto, uma reflexão sobre o cuidado, trazendo questionamentos que incitam a troca com outras equipes de saúde mental e de saúde, com estudantes da área e com trabalhadores que pensam as políticas públicas, além de parceiros de rede. A participação em Congressos, em Encontros de PET, em reuniões sobre o tema vem mostrando quanto essa troca é produtiva, o que culminou com este relato de experiência. A metodologia adotada neste Projeto é a do caso traçador, por meio do acompanhamento criterioso de casos de alta complexidade no serviço, ou seja, usuários que demandam várias redes e que provocam dificuldades e impasses em seu cuidado. A proposta da pesquisa é pensar a saúde sob a perspectiva da integralidade, ampliando a compreensão sobre as formas de cuidar ao incluir as redes não formais do usuário no desenho de seu projeto terapêutico. Para tanto, a metodologia deste PET rompe com os métodos tradicionais científicos, convidando o pesquisador a estar no território e no cotidiano do usuário, a afetar e ser afetado. Neste tipo de estudo, o pesquisador está aberto à experiência do encontro com o objeto, é ativo em uma prática que se constrói no próprio fazer, que não tem metas predeterminadas. Dessa forma, tanto pesquisador quanto pesquisado não são neutros ou independentes, sujeito e objeto não são posições estanques; ao contrário, influenciam-se mutuamente, estando a pesquisa em constante construção2. A pesquisa toma como referência a cartografia, ou seja, o mapeamento, a partir do acompanhamento do usuário, de suas redes (incluindo, aqui, as redes formal, familiar e existencial), permitindo conhecer qual é o movimento que ele faz. Cartografar vai além de mapear o território físico, incluindo a escuta, feita com o usuário, familiar ou outras fontes, buscando entender quais são suas demandas, necessidades e movimentos nas redes pelas quais circula. Assim, pode ser valioso que a equipe de referência de um usuário esteja não só no serviço, mas, também, no seu território, fazendo contato com sua rede informal, conhecendo outras esferas de sua vida. Essa ampliação possibilita uma relativização da perspectiva, comum a uma proposta de atenção limitada à rede formal, de focar o cuidado no diagnóstico e na cura, o que reduz, muitas vezes, os pacientes a rótulos estigmatizantes. Conhecer o usuário em suas diversas redes oferece um novo olhar sobre as formas como ele se relaciona/é com o/no mundo3. A partir dos novos olhares criados com a ajuda dos pacientes, outras possibilidades de vinculações e de tratamento surgem. Trata-se da construção de um saber com em vez de um saber sobre o paciente, propondo uma modalidade de compreensão que inclui as vicissitudes e singularidades de cada sujeito e que foge ao paradigma formal de cuidado, em geral prescritivo-normativo. A ideia é deslocar, da concepção de que possa haver um conhecimento superior, uma verdade absoluta sobre a doença e a saúde, passível de ser ensinada na academia e compreendida no campo teórico. O trabalho do pesquisador, nesse enquadre, é de atenção à experiência, estando ao lado do paciente e não sobre ele, incluindo-se no seu movimento. A prática deste PET vem mostrando quanto um plano de cuidado pode ser mais potente se incluir a experiência in loco, o território afetivo, o cotidiano do paciente. Conforme veremos com a ilustração de alguns casos, o trabalho fica mais rico quando considera instâncias plurais de cuidado – outros dispositivos da rede de saúde e da assistência (e, por vezes, da educação, da habitação etc.), a família e a rede informal (amigos, vizinhos, comerciantes locais etc.). Com frequência, esses possuem um maior contato com o paciente, que, muitas vezes, não comparece ao serviço. A rede formal de cuidado é limitada não apenas pela dificuldade, tantas vezes presente, de vínculo e de adesão ao tratamento, mas, também, porque essa rede é restrita a um espaço físico, a um protocolo e, até mesmo, a um diagnóstico. Entretanto, a própria definição de saúde é ampla e inclui dimensões variadas, como preconiza a OMS (Organização Mundial da Saúde), que compreende saúde como “o completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de enfermidade”4 (p. 2). A Lei Orgânica da Saúde, por sua vez, estabelece um conjunto de determinantes e condicionantes de saúde, afirmando que esta não é somente a ausência de doença, e considerando, portanto, dimensões como moradia, trabalho e saneamento básico5. O foco na doença, e não no sujeito como um todo, ainda é uma prática comum, apesar de a integralidade ser princípio básico do funcionamento do SUS. Esse princípio, que inclui promover e 996
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prevenir a saúde e buscar uma articulação das diversas redes para oferecer um cuidado ampliado, muitas vezes não encontra eco na realidade dos serviços de saúde. O exercício de uma prática crítica, atenta à construção cotidiana do cuidar, é tarefa difícil e, infelizmente, rara nas unidades de saúde, muitas vezes geridas por uma lógica focada em procedimento e produtividade. Uma concepção de saúde fica muito limitada se não faz uma costura entre o planejamento e a prática cotidiana, entre o pensar e o fazer. Teoria e prática só fazem sentido quando se articulam. Nesse sentido, é fundamental que a formação em saúde ofereça uma experiência de reflexão crítica, incluindo tanto a dimensão teórica quanto a prática, e buscando uma aproximação entre as duas que compreenda a complexidade do cuidado em saúde. Por isso, cabe repensar o papel da Universidade, que não deve se restringir ao âmbito acadêmico, o qual se apresenta como lugar de referência de conhecimento e de promoção de um saber idealizado que, muitas vezes, não condiz com a realidade. Por o Sistema Único de Saúde ser recente (tem cerca de vinte anos apenas), há um enorme distanciamento entre o que é ensinado na universidade e a prática profissional, uma vez que muitos cursos tradicionais na área da saúde ainda não passaram por reformas curriculares que incluam teoria e prática no SUS e preceitos como a interdisciplinaridade e a atenção integral à saúde6. Assim, a formação tradicional, muitas vezes, limita-se a um saber distante do que o profissional irá encontrar no cotidiano do SUS, apresentando um conhecimento muito segmentado e especializado, com enfoque na doença. Se não há um olhar sobre o paciente como um todo, cria-se uma barreira para a construção de um cuidado integral7. A proposta do PET advém dessa compreensão de que a formação profissional deve ser pautada numa integração entre teoria e prática, indo além da universidade e valorizando não apenas a dimensão técnica (conhecimento especializado), mas a social. A escolha de um CAPS – Centro de Atenção Psicossocial – como campo para este PET tem como objetivo incluir, na formação dos estudantes, essa perspectiva de um cuidado ampliado, territorial. Os CAPS são dispositivos do SUS que consideram a integralidade, trabalham com equipe multidisciplinar e propõem uma atenção no território. Esses serviços são unidades especializadas em saúde mental cujo objetivo é o tratamento e a reinserção social de pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. Os CAPS oferecem cuidados clínicos e atenção psicossocial, acolhendo aqueles que passam por sofrimentos psíquicos intensos e criando projetos terapêuticos como construções conjuntas entre pacientes, técnicos e familiares8. O trabalho dos CAPS não poderia prescindir de uma articulação com a rede familiar que, em geral, constitui a primeira e mais presente instância de cuidado e, portanto, estrutura importante de acesso/barreira. O modo de organização familiar e as relações a ela inerentes possui rebatimentos concretos no cuidado com os usuários, tanto pela dimensão de suporte e solidariedade, quanto pelas dificuldades e dinâmicas patológicas. Nesse sentido, uma atenção integral em saúde mental não pode desconsiderar os cuidadores, que têm problemáticas, demandas e necessidades múltiplas e variadas, permeadas pelas conexões estabelecidas em suas relações sociais. Tais demandas, por vezes, buscam respostas que estão para além de como saber fazer/cuidar, pois pedem novas estratégias no manejo das situações apresentadas. Nesse sentido, é necessária uma leitura da realidade em que o paciente está inserido, que não se limita somente à questão do seu comprometimento psíquico. São vários os aspectos que podem ser abordados em relação à rede familiar. Não se podem negligenciar: as dificuldades inerentes à lida com uma pessoa com um transtorno psiquiátrico, a ferida narcísica que representa ter um familiar com graves comprometimentos, o ideal de cura e de resgate da normalidade, o aspecto moral aí presente, a busca por controle, a solidão e o esgotamento etc. A inclusão de outras redes, atores e possibilidades de cuidado ameniza os sentimentos de culpa e frustração tão presentes em familiares sobrecarregados com a responsabilidade por um sujeito em sofrimento psíquico intenso. Um cuidado compartilhado, que inclua o território e as dinâmicas afetivas dos sujeitos, ajuda a desmistificar a obrigação de responder pelos cuidados dos pacientes que tantos familiares tomam para si. Aproximar-se da realidade dessas famílias, fazer parceria com os atores envolvidos na atenção aos pacientes, entender as referências e dinâmicas de laço social que os constituem são preciosos para se pensarem estratégias de cuidado potentes. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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A história de Allan(f) demonstra que só foi possível criar um vínculo de tratamento mais efetivo quando a equipe passou a olhar de perto para a sua realidade familiar, o que permitiu resgatar sua história e seu lugar no mundo. Allan, hoje com 39 anos, teve sua primeira crise psiquiátrica na adolescência, mas só iniciou um tratamento em saúde mental quando começou a fazer uso intensivo de drogas e álcool. Ele diz que se sente muito bem sob efeito das substâncias e, por isso, não precisa de ajuda, sem ter conseguido, ao longo de seis anos de acompanhamento psiquiátrico, manter uma frequência regular no CAPS. Sua relação com a irmã, atualmente principal figura de cuidado, é muito conflituosa. A mesma oferece um importante suporte (é na casa dela que ele come e toma banho, pois não há estrutura para isso em sua residência, além de ser ela quem administra a pensão do pai, única renda do paciente). Ela, entretanto, retém seus documentos, inclusive seu passe livre para gratuidade no transporte público, impedindo sua autonomia. Como ambos se mostravam resistentes às ofertas do CAPS como um espaço de escuta e de facilitação na administração do conflito entre eles, foi iniciado um trabalho no território, buscando-se outros atores envolvidos no cotidiano do Allan, como a agente comunitária de saúde e vizinhas. A partir da narrativa dessas outras fontes, descobriu-se que o quadro psiquiátrico do paciente se agravou com a morte de outra irmã que era a referência mais próxima de Allan, a qual não era mencionada nem por ele nem pela irmã. Além disso, com as visitas domiciliares, passou-se a dar mais atenção aos pedidos de Allan de que o CAPS deveria mesmo era tratar de seu irmão, este, sim, louco, segundo ele. Como a relação dos dois também era muito conflituosa, a equipe vinha entendendo que matricular o irmão no serviço representaria uma atitude invasiva e prejudicial ao vínculo, já frágil, de Allan com o CAPS. Foi na aproximação com a realidade familiar do paciente que se soube da gravidade do quadro de seu irmão, que, apesar de parecer articulado, faz uso da medicação de Allan, não consegue dar continuidade ao seu tratamento psiquiátrico ambulatorial e junta lixo em casa (o que torna a estrutura da residência de ambos ainda mais precária e atrai ratos e insetos). A partir da compreensão das dinâmicas familiares, do cuidado com a relação difícil entre Allan e sua irmã, e da atenção ao pedido do paciente de que matriculássemos seu irmão no CAPS, ele pôde se vincular à equipe do serviço e manter uma continuidade no seu tratamento. Outra história ilustrativa da importância da ampliação das redes de cuidado é a de outra usuária do CAPS, a quem vamos chamar aqui de Solange. Ela tem uma relação extremamente conflituosa com a mãe, que lhe prendia num quartinho para impedir que ela saísse e, assim, fizesse uso de álcool e de drogas. Ao longo de oito anos de atendimento no CAPS, o relato em prontuário refere sempre uma impossibilidade de mudança de posição por parte da mãe, que parecia insistir em afirmar que Solange era um estorvo em sua vida e que nunca a desejara. A resistência da mãe à abordagem da equipe levou a uma compreensão de que não havia possibilidade de acesso à paciente, que não conseguia chegar no CAPS. A frustração das tentativas de trabalho com essa família, inclusive com outros atores diferentes da mãe, e a troca de profissionais de referência para o acompanhamento, acabaram resultando num desinvestimento no cuidado de Solange, que passou cerca de três anos afastada de seu tratamento. A equipe do PET iniciou um trabalho com Solange a partir de seu território, trazendo outras dimensões de cuidado possíveis. Com o vínculo da equipe com a Agente Comunitária de Saúde (ACS) de referência, foi feito um mapeamento do território afetivo de Solange, percorrendo os locais por onde ela circula e 998
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Os nomes dados aos pacientes são fictícios a fim de preservar sua identidade.
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conversando com pessoas presentes no seu dia a dia. Com isso, descobriu-se que Solange não só não estava “presa” em casa, como se supunha, mas estava vivendo com um companheiro e, tendo saído da casa da mãe, vinha mantendo com essa uma relação mais saudável. O fato de a equipe passar a estar no território, com visitas semanais ao local em que Solange reside, promoveu a criação de vínculo e uma reconstituição de sua história, descobrindo-se fatos bastante importantes de sua vida. Assim, com um investimento no cuidado a partir de uma perspectiva diferente da que se apresentava no interior do serviço de saúde mental, foi possível a aproximação de Solange com o CAPS, tendo ela passado a frequentá-lo semanalmente, desenvolvido importante relação com a equipe de referência e iniciado participação num espaço de geração de renda. Entendemos que a aproximação fora do espaço físico do CAPS ampliou o olhar sobre o caso, possibilitando uma nova forma de cuidado. O território no qual o sujeito circula tem se mostrado uma importante e rica rede, que não deve ser desconsiderada em seu tratamento, e que só tem a somar às ofertas de cuidado por parte dos espaços institucionais (rede formal). A rede territorial é palco das relações sociais que constituem um sujeito, onde se produz/reproduz um conjunto de referências socioculturais, políticas, e econômicas, as quais qualificam seu cotidiano e sua inserção no mundo. O acompanhamento dos casos traçadores do PET vem ratificando que o cuidado não pode se limitar ao campo da saúde. O caso de Luã aponta para isso, ao trazer uma problemática social que demonstra quanto a garantia de acesso aos serviços de saúde não é suficiente, mesmo que as questões clínicas sejam o foco da atenção. A história deste paciente choca pela coleção de diagnósticos graves: esquizofrenia, HIV, tuberculose e sífilis, além de ser usuário de crack. Ele vive em condições de insalubridade, tem moradia extremante precária, e não conta com renda. Assim, por mais que haja uma atenção e uma parceria efetiva das instâncias de cuidado em saúde de referência de Luã (Equipe de Saúde da Família, CAPS e Consultório na Rua), são igualmente importantes ações ligadas a políticas de habitação e de assistência social, além de parcerias com vizinhos, associação de moradores, projetos sociais e comércio local. A inclusão da rede territorial do paciente mostra-se, assim, valiosa para a construção de um projeto terapêutico. A rede territorial abrange não só os serviços de saúde de referência, mas, também, outros locais pelos quais o sujeito transita, como: a comunidade, o bairro, o comércio local, as cenas de uso (no caso de usuários de drogas), os espaços de trabalho e geração de renda, locais de práticas esportivas e de lazer etc. Há uma dinâmica viva entre os sujeitos e os coletivos que habitam os espaços territoriais, e esta escapa à perspectiva física de uma ideia restrita de recorte geográfico. Assim, a noção de território que nos serve de referência para pensar as redes envolvidas no cuidado ampliado é complexa e inclui a relação singular do sujeito com o território que habita. O conceito de território existencial definido pelos autores Deleuze e Guattari9 valoriza a experiência subjetiva, propondo que ele se constitui por meio da produção de sentidos. Trata-se de uma construção que forma identidades e delimita os espaços do que é interno ou externo10. O entendimento de que todos os sujeitos habitam um território existencial supõe uma perspectiva de cuidado que atenda à singularidade de cada sujeito.
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O que indica o perfil do cuidado não é o lugar físico onde se realiza o cuidado, mas o território existencial no qual o trabalhador se inscreve como sujeito ético-político, e que anda com ele onde ele estiver operando seu processo de trabalho.11 (p. 9)
A história de Gibson, um jovem surdo que tem diagnóstico de esquizofrenia, ilustra a importância da singularidade e quanto uma compreensão do caso sob a perspectiva da rede formal de atenção é limitada quando não se considera a realidade externa ao serviço de assistência. O prontuário de Gibson apontava para um empobrecimento de vida que não condizia com a vivacidade do CAPS, lugar de encontros, atividades e produção de cuidado. Gibson não saía de casa e, mesmo matriculado há quatro anos no serviço, havia ido poucas vezes para atendimento e sempre permanecia calado, olhando para baixo, sem fazer nenhum contato. A entrada da estagiária do PET no acompanhamento trouxe outra perspectiva ao caso quando iniciou visitas domiciliares ao paciente. Nestas, Gibson, desfazendo a imagem de uma pessoa tímida, limitada e isolada, fala bastante e com desenvoltura, e, assim, pôde COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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contar que se sente muito mal quando está fora de casa (pois teme ser morto), mas que tem muitos amigos, convites e relações amorosas, apresentando um universo de sociabilidade via internet. Por meio da internet, ele namora, combina visitas a sua casa, faz e desfaz relações (em alguns meses de visitas, ele apresentou namoradas e até uma noiva, que lhe faziam companhia em sua casa). Gibson habita esse território virtual com maestria, transitando nas redes sociais de acordo com interesses e necessidades pessoais, produzindo seu território existencial, delimitando quem pode adentrar o espaço de dentro e o de fora, marcando as distâncias entre Eu e o Outro. Por meio dessa compreensão ampliada de território, o PET- Saúde/Rede de Atenção Psicossocial: priorizando o enfrentamento do álcool, crack e outras drogas/UFRJ pôde, assim, construir um novo olhar para aqueles casos que eram considerados difíceis não só pela gravidade da doença e pelo seu manejo clínico, mas, também, pela falta de adesão ao tratamento e a ausência no espaço físico do CAPS. O trabalho do PET tem oferecido, nesse sentido, um campo de formação que privilegia esta atenção ampliada não só para os estagiários do projeto, futuros profissionais de saúde, mas, também, para as equipes que os recebem. A metodologia de trabalho, que tem como base esse exercício de reconstruir e ressignificar o cuidado, vem trazendo movimentos e aberturas muito interessantes, também, para os profissionais envolvidos no projeto. A disponibilidade e a vontade da equipe do PET de estar junto no acompanhamento dos casos propiciaram um novo estímulo para os profissionais que, muitas vezes, já tinham esgotado suas estratégias de tratamento com esses pacientes. A partir da pesquisa, foi possível uma outra forma de aproximação dos usuários elencados como casos traçadores, ampliando estratégias de cuidado. Outro efeito do trabalho do PET foi o aumento da visibilidade dos casos, tanto na equipe do CAPS quanto em outros serviços e, em algumas situações, também nos territórios. O acompanhamento do PET suscitou diálogos sobre as demandas de cuidado dos pacientes e sobre as carências e necessidades da rede. Estratégias de implicação e responsabilização de outros dispositivos e compartilhamento de cuidado passaram a ser considerados, e muitos casos foram discutidos em reuniões de equipe, em supervisões de território fora do CAPS, e em visitas a outros dispositivos da rede. Nesses espaços, não se produz apenas uma ampliação do cuidado a um paciente específico, mas se tece uma rede de atenção, de trabalho e de solidariedade. Um exemplo é a discussão de um caso, que permitiu entender os limites da atuação de uma ACS, que, por não possuir conhecimento em saúde mental, não se sentia segura para atender individualmente um paciente. Com isso, foi feita uma conversa entre a estagiária do PET, a psicóloga do CAPS (referência do caso) e a ACS, na qual se costurou um trabalho conjunto, o que abriu a possibilidade de ela ir se sentindo, pouco a pouco, mais autorizada. Uma última ilustração clínica traz mais um exemplo da importância da articulação das diferentes instâncias de rede para pensar um cuidado integral. Gabriel, um jovem que fala muito com as vozes que escuta (por conta de seu quadro de esquizofrenia), faz uso intensivo de álcool e cocaína. Embora muito querido na comunidade, ele assustava a vizinhança e sua ACS por parecer estar sempre muito drogado (SIC) devido a essa conversa quase incessante com as vozes. Foi a partir de encontros da equipe do PET com a equipe de saúde de família que esta entendeu seu adoecimento psiquiátrico e, podendo refletir sobre o a compreensão que se tinha daquele caso e do uso de drogas, conseguiu se aproximar do paciente. Esta equipe também se beneficiou desse encontro para saber da existência do CAPS e tirar dúvidas sobre doenças psiquiátricas, iniciando uma importante parceria. A equipe do CAPS, por sua vez, não conhecia a realidade social de Gabriel, que vive numa comunidade marcada pela forte presença do tráfico. O local em que as drogas são vendidas é muito próximo a sua casa, o que facilitava o uso abusivo de cocaína, que era oferecida em troca de favores ao tráfico e parecia
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representar uma forma de laço social. As visitas domiciliares, que impactaram os técnicos do CAPS pelo difícil acesso e intensa vigilância de traficantes de drogas, fortaleceram o vínculo da equipe com o paciente, a partir da compreensão de que o uso de drogas estava relacionado ao meio onde Gabriel vive. Com isso, Gabriel, que estava matriculado no CAPS há três anos, mas só chegava ao serviço muito raramente, passou a ir todos os dias ao CAPS. Este novo desenho de cuidado foi entendido pela equipe como uma redução de danos, pois, enquanto permanecia no serviço, não usava drogas. Hoje, Gabriel diminuiu significativamente sua frequência no CAPS, o que, num primeiro momento, causou preocupação. Entretanto, quando perguntado, Gabriel, que está menos invadido pelas vozes, esclareceu à estagiária do PET: “estou cuidando da minha vida”. Os usuários do CAPS circulam pelo território de uma forma singular, se conectam aos serviços de acordo com a maneira como se movimentam vida afora. Acompanhar o usuário pela rede, respeitando o seu movimento, faz parte do trabalho do clínico e possibilita a produção de relações e a construção de um cuidado. Nesse sentido, o exercício de trazer para a prática profissional o papel de pesquisador, ou seja, uma análise crítica dos inúmeros fatores presentes numa determinada situação, contribui para uma reavaliação permanente do processo de cuidado, tecendo uma rede ampliada e adequada a cada situação particular. É nesta reinvenção e construção de projetos de cuidado singulares e que impliquem os sujeitos e atores envolvidos que se promove uma atenção efetiva e integral. O cuidado em saúde mental segue os princípios da integralidade e tem, como ferramenta de trabalho, a relação. Ele deve contar, assim, com uma relação afinada entre os dispositivos de saúde, seus profissionais, o paciente e sua família. Uma boa relação entre um serviço de saúde e o seu entorno abre as portas para novas possibilidades de agenciamentos, mudando a relação da cidade com a doença, uma vez que produz trocas, desterritorializa e destrói barreiras. Dessa forma, cria-se acesso, permitem-se deslocamentos e reconfiguram-se territórios existenciais. Entretanto, mesmo considerando a riqueza de perspectivas que o acesso ao território oferece, não são poucas as barreiras que se apresentam. Muitas vezes, a proposta de cuidado traçada não é viável, por conta do confronto com inúmeras dificuldades, como: a falta de articulação da rede; a carência de transporte para realizar visitas ao território, sua periculosidade e dificuldade de acesso; a resistência do paciente, familiares ou vizinhos a nos receberem ou conversarem conosco; a demanda das situações urgentes que se apresentam dentro do serviço e, tantas vezes, impedem a saída; a própria cultura da institucionalização, que tende a centrar o trabalho dentro das unidades etc. Cuidar, ato complexo, pode ser entendido como um movimento de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento, o que requer, do cuidador, conhecimento, sensibilidade e um estado de disponibilidade para o outro. Tal tarefa, desafiadora, fica mais possível e menos solitária se as variadas e ricas redes são incluídas nesse cuidado, compartilhando essa função de acompanhar os sujeitos, não como portadores de determinada doença, mas como sujeitos biológica, social e historicamente construídos. Uma boa formação em saúde é aquela que atenta às diferentes conexões e potencialidades da rede, investindo em possibilidades de acompanhamento e vinculação tanto no serviço quanto no território. Nesse sentido, a formação deve implicar os profissionais de saúde numa perspectiva de integralidade, em que o cuidado engloba as diferentes necessidades, valoriza a autonomia e é compatível com a realidade social e afetiva de cada sujeito. Assim, se faz possível não apenas a qualificação da rede de cuidados na saúde pública, mas um enriquecimento de redes existenciais, favorecendo o exercício crítico e permitindo trazer, para o campo da atenção, os lugares de produção de vida, troca e encontros potentes, que são palco de novas possibilidades de cuidado e de cidadania.
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Colaboradores As autoras (com suas respectivas apresentações) trabalharam de forma integrada, da seguinte maneira: Maria Lenz Cesar Kemper coordenou o trabalho e fez a redação final; Jessica Prado de Almeida Martins fez contribuições importantes ao texto e à redação final; Sabrina Felipe Serra Monteiro contribuiu com o texto-base que serviu de inspiração para o escrito. Thaisa da Silva Pinto fez contribuições relevantes ao texto; Fernanda Resende Walter fez contribuições ao texto. Referências 1. Merhy EE, organizador. Pesquisa Saúde Mental: acesso e barreira em uma complexa rede de cuidado: o caso de Campinas. Campinas; 2011. [Relatório final CNPq, Processo 575121/2008 4]. 2. Abrahão AL, Merhy EE, Cerqueira Gomes MP, Tallemberg C, Souza Chagas M, Rocha M, et al. O pesquisador IN-MUNDO e o processo de produção de outras formas de investigação em saúde. In: Cerqueira Gomes MP, Merhy EE, organizadores. Pesquisadores IN-MUNDO: um estudo da produção do acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede UNIDA; 2014. p.155-70. 3. Alvarez J, Passos E. Cartografar é habitar um território existencial. In: Passos E, Kastrup V, Escóssia L, organizadores. Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009. p. 132-50. 4. World Health Organization. Constitution of the World Health Organization: basic documents. Genebra: World Health Organization; 1946. 5. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial União;Seção 1:18055-9. 6. Almeida M, organizador. Diretrizes curriculares nacionais para os cursos universitários da área da saúde. Londrina: Rede Unida; 2003. 7. Nascimento DDG, Oliveira MAC. A política de formação de profissionais da saúde para o SUS: considerações sobre a residência multiprofissional em saúde da família. Rev Min Enferm. 2006;10(4):435-9. 8. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde,. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. 9. Deleuze G, Guattari F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34; 1995. 10. Franco TB, Merhy EE. El reconocimiento de la producción subjetiva del cuidado. Salud Colectiva. 2011;7(1):9-20. 11. Yasui S. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz; 2006.
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O presente artigo aborda a formação em saúde a partir da experiência do PET- Saúde/ Rede de Atenção Psicossocial: priorizando o enfrentamento do álcool, crack e outras drogas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Compreendendo o cuidado em saúde mental como uma prática integral que inclui redes variadas e complexas (formal, territorial e familiar), a metodologia deste PET se utiliza da cartografia, convidando o pesquisador a estar no território e no cotidiano do usuário. Assim, aposta-se numa formação ampliada dos alunos de graduação, ao se ofertar um campo de interlocução entre teoria e prática. Alguns casos são apresentados para ilustrar essa experiência, que visa a identificar e intervir na dinâmica das redes de cuidado. A ampliação da compreensão de rede e o mapeamento de territórios afetivos expandem as possibilidades de um cuidado integral, promovendo saúde e qualidade de vida.
Palavras-chave: Educação em saúde. Saúde mental. Assistência ao paciente. Comprehensive and care networks: experience in PET-Health/Health Attention Networks This paper addresses health education based on the experience of the PET-Health/ Health Attention Networks developed at the Rio de Janeiro Federal University (UFRJ). Understanding mental health care as a comprehensive practice that includes varied and complex networks (formal, territory, and family), this project used cartography, inviting the researcher to be in the territory and the patient’s daily life. Thus, there is an investment in the expanded education of undergraduate students, offering a dialogue between theory and practice. Cases are presented to illustrate this experience, which aims to identify and intervene in the dynamics of care networks. Understanding the networks and identifying affective territories increases the possibilities of comprehensive care, promoting health and quality of life.
Keywords: Health education. Mental health. Patient care. Integración y redes de atención: una experiencia del PET-Salud/Redes de Atención Psicosocial Este artículo aborda la educación en salud, basándose en la experiencia del PET-Salud/ Redes de Atención Psicosocial: dando prioridad al enfrentamiento del alcohol, crack y otras drogas, de la Universidad Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). Comprendiendo la atención en salud mental como una práctica integral que incluye redes distintas y complejas (formales, territoriales y familiares), utilizando la cartografía, invitando al investigador a estar en el territorio y en el cotidiano del usuario. Por lo tanto, se apuesta en una formación amplia de los alumnos de pregrado, ofreciendo un campo de interlocución entre teoría y práctica. Algunos casos son presentados para ilustrar esta experiencia, que busca identificar e intervenir en la dinámica de las redes de atención. Mejorando esa comprensión de la red y caracterizando los territorios afectivos, se amplían las posibilidades de atención integral, promoviendo salud y calidad de vida.
Palabras clave: Educación en salud. Salud mental. Atención al paciente. Recebido em 29/09/14. Aprovado em 10/03/15.
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A experiência de alunos do PET-Saúde com a saúde indígena e o programa Mais Médicos
espaço aberto
DOI: 10.1590/1807-57622014.1021
Reijane Pinheiro da Silva(a) Aline Costa Barcelos(b) Bruno Queiroz Luz Hirano(c) Renata Sottomaior Izzo(d) Jaqueline Medeiros Silva Calafate(e) Tássio de Oliveira Soares(f)
Introdução O Programa PET-Saúde Lançado em 2009, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), inicialmente como PET-Saúde da Família, tem como fio condutor a integração ensino-serviço-comunidade e a indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão. É uma parceria entre: a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) e Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde; a Secretaria de Educação Superior (SESU) do Ministério da Educação; e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad/GSI/PR). O PET-Saúde da Família teve como princípios a integralidade e a humanização do cuidado na Atenção Primária à Saúde, no trabalho articulado com a Estratégia de Saúde da Família. De 2009 até 2012, foram apoiados 334 projetos nas áreas da Estratégia Saúde da Família, Vigilância em Saúde e Saúde Mental1. O PET-Saúde é uma inovação pedagógica que agrega os cursos de graduação da área da Saúde e fortalece a prática acadêmica que integra a universidade, em atividades de ensino, pesquisa e extensão, com demandas sociais de forma compartilhada. Realiza-se como educação interprofissional, onde estudantes de diferentes formações e que estão em diversos períodos em suas graduações, mediados por professores de várias formações e profissionais dos serviços, aprendem e interagem em conjunto visando à melhoria da qualidade no cuidado à saúde das pessoas, famílias e comunidades. Valoriza o trabalho em equipe, a integração e as especificidades de cada profissão1. Profissionais de Saúde do SUS, docentes e estudantes de graduação da área da Saúde compõem o público-alvo do Programa. Os projetos são desenvolvidos por instituições de Educação Superior em parceria com secretarias de Saúde. O PETSaúde tem produzido intervenções nas quais estudantes, docentes, profissionais dos serviços de Saúde e comunidade são protagonistas. Além de atividades periódicas nos cenários de práticas da rede pública de serviços de Saúde, todos os integrantes dos projetos PET-Saúde desenvolvem pesquisas em temas prioritários para o SUS. O programa oferece bolsa de monitoria para acadêmicos, de tutoria para professores das universidades, e de preceptoria para os profissionais ligados ao serviço1. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
(a) Colegiado de Nutrição, Universidade Federal do Tocantins. Av. NS 15 ALC NO 14, 109 Norte. Palmas, TO, Brasil. 77001-090. reipinheiro@uft.edu.br (b,c,d) Acadêmicos, curso de Medicina, Universidade Federal do Tocantins. Palmas, TO, Brasil. alinecbarcelos@uft.edu.br; bruno_qlh@hotmail.com; re_izzo@hotmail.com (e,f) Distrito Sanitário Especial Indígena Tocantins, Programa de Saúde Mental. Palmas, TO, Brasil. jaquelinecalafate@ hotmail.com; tassio.sales@gmail.com
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No final de 2011, a SGTES lançou um edital conjunto Pró-Saúde e PET-Saúde. O edital incentivou a apresentação de propostas que contemplassem as políticas e as prioridades do Ministério da Saúde, tais como: Rede Cegonha, Rede de Urgência e Emergência, Rede de Atenção Psicossocial, Ações de Prevenção e Qualificação do Diagnóstico e Tratamento do Câncer de Colo de Útero e Mama, Plano de Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis. Estes programas têm possibilitado vivências que ampliam a visão de professores, estudantes e profissionais do serviço sobre o cuidado ao sujeito que adoece no contexto de sua existência, colaborando para a escuta permeada por dúvidas, encantamentos e descobertas do imprevisível, qualificando a Atenção à Saúde que valoriza a relação entre humanos1. A partir de 2013, foram incorporados 197 Grupos PET-Saúde/Vigilância em Saúde (PET/VS). Na sequência, foram iniciadas as atividades do PET-Saúde/Redes de Atenção (PET/Redes), cujos projetos foram selecionados em edital lançado em 2013. Foram aprovados 114 projetos com apoio a duzentos e noventa grupos PET. Considerando os três editais vigentes, existem, atualmente, 902 grupos PETSaúde com participação de 902 tutores, 4.624 preceptores e 10.036 estudantes1. Dentro desse contexto o PET-Saúde Indígena faz parte do PET- Saúde/ Redes de Atenção, que se iniciou em 2013. O grupo é composto por acadêmicos da Universidade Federal de Tocantins (UFT) dos cursos de enfermagem, medicina, serviço social e nutrição. com a tutoria de uma antropóloga e professora da UFT do curso de Nutrição. A proposta do trabalho surgiu em resposta às demandas das aldeias, entre elas Porteira, Salto e Funil, e em consonância com os interesses de atuação dos discentes. Por meio da intermediação dos alunos Akwẽ-Xerente, foi apresentado e discutido com as lideranças e com os agentes de saúde das aldeias citadas. Nestas discussões foi apresentado e submetido ao parecer do grupo, que o acolheu e demonstrou muito interesse na sua implementação. Os alunos, por sua vez, participaram ativamente da elaboração da proposta e das reuniões de estudo sobre o contexto cultural e econômico e, especialmente, sobre as condições de saúde do Povo Indígena Xerente. A partir destas discussões e cientes das particularidades do trabalho em uma área cultural indígena, o grupo vem fazendo ações de saúde nas aldeias Xerente, bem como estudando e conhecendo mais sobre a cultura e saúde nesse contexto. Além de estudarem sobre as questões que levam ao uso de álcool nas aldeias, objetivo principal do projeto, os acadêmicos realizam oficinas de educação em saúde, procurando conhecer a comunidade e o serviço de saúde oferecido, visto que a saúde é complexa e interligada a várias questões socioculturais e ambientais. Assim, o projeto PET-Saúde Indígena pretende contribuir com um trabalho educativo com a promoção da saúde coletiva: valorizando os preceitos da cultura, informando sobre os efeitos negativos do álcool na saúde dos indivíduos e da coletividade, e, também, realizando trabalhos em educação em saúde, aproximação com a comunidade e com o serviço de saúde, contribuindo para a promoção da saúde de forma geral, uma vez que o alcoolismo é um sintoma de problemas mais amplos, como a desvalorização e marginalização da cultura em relação à sociedade envolvente, além de estar ligado a um serviço de saúde forte, comprometido e bem interligado com essas questões. A orientação dos profissionais da rede de saúde e monitoria dos alunos envolvidos dos cursos de serviço social, medicina, enfermagem e nutrição possibilitou o estabelecimento de um debate permanente sobre saúde entre os indígenas, permitindo, também, o intercâmbio e a formação para a diversidade dos estudantes. No mês de maio de 2014, o grupo realizou atividades de articulação com o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) para a participação na Ação de Intensificação das atividades de saúde, a qual incluiu: ações educativas sobre higiene pessoal, saúde bucal e alimentação, consultas de rotina para populações indígenas, aferição de pressão em adultos, e desenvolvimento nutricional de crianças. Neste contexto, os alunos de medicina da Universidade Federal do Tocantins integrantes do PETSaúde Indígena tiveram a oportunidade de acompanhar os profissionais de saúde que compõem a equipe de Saúde da Família (médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem) durante o atendimento à população Akwẽ-Xerente da aldeia Funil. O objetivo geral desta participação foi o de aproximar os acadêmicos, comunidade indígena e o serviço de saúde, buscando compreender o funcionamento das diversas estruturas relacionadas. Dentre os objetivos específicos, pretende-se perceber as dificuldades dos diversos profissionais, bem como reconhecer as diversas experiências exitosas nesse contexto, procurando criar um senso crítico em relação ao sistema de saúde. Objetiva-se, ainda, criar soluções e 1006
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participar ativamente do processo, permitindo uma melhor formação acadêmica, uma compreensão e melhoria do sistema de saúde e uma aproximação e melhor conhecimento da comunidade inserida.
Caracterização do povo Akwẽ-Xerente Os Akwẽ, ou Xerente, formam uma população indígena com aproximadamente 3.600 pessoas, que vivem em 64 aldeias (ou grupos familiares) situadas no município tocantinense de Tocantínia. Todos falam a língua Akwẽ ou Xerente, a qual pertence ao tronco Macro-jê e à família Jê. Historicamente, o povo Akwẽ-Xerente, como os demais povos indígenas da região, teve sua população drasticamente reduzida2. Trata-se de um grupo que, desde 1824, vem sofrendo uma redução drástica da população: em 1824, eram quatro mil; em 1900, mil trezentos e sessenta; em 1929, oitocentos; e, em 1957, trezentos e cinquenta. De acordo com Braggio (1999), atualmente, os Akwẽ-Xerente estão sendo cada vez mais pressionados, pois suas terras encontram-se exatamente no caminho da expansão do Estado do Tocantins, a partir da criação de sua capital, Palmas, em 19882. O cerrado dá subsistência ao povo Akwẽ-Xerente. Eles caçam, coletam e associam essas práticas com uma agricultura de coivara que complementa sua alimentação. A coleta constitui de itens como mel, frutos, raízes variadas e plantas medicinais. A pesca é uma prática comum dos Akwẽ-Xerente, mas tem sofrido declínio pelos impactos das barragens no rio Tocantins. A caça também diminuiu bastante em virtude das pressões sobre os recursos naturais. As queimadas são também uma realidade. Tal contexto os direcionam para outras buscas de sobrevivência, em sua maioria, similar às buscas dos povos não indígenas3. Atualmente, a confecção e o comércio de artesanatos oriundos do capim-dourado têm sido uma das principais atividades desenvolvidas. Cestaria, bordunas, arcos e flechas, colares também são comercializados na região. Além do comércio, o povo Akwẽ-Xerente tem atuado em cargos de motoristas e ajudantes de postos conquistados junto à FUNAI, e também como agentes indígenas de saúde e de saneamento, como professores, dentre outros. Outros recursos são obtidos por meio da previdência, o que possibilita o consumo nos mercados de Tocantínia, já que muitos já não podem manter o ritmo de trabalho na roça3. E ainda há uma parcela considerável dessa população que acessa recursos de política de transferência e distribuição de renda por meio do Programa Bolsa Família. Historicamente, os Akwẽ-Xerente enfrentaram vários processos de violência praticados pela sociedade envolvente, inclusive, tentativa de extermínio, além das interferências culturais indiretas que desorganizaram e desorganizam as referências culturais tradicionais desse povo. Entre estas, a introdução do álcool foi e é amplamente utilizada como forma de dominação e marginalização dos indígenas, especialmente quando interesses relativos ao uso da terra estão em jogo. A introdução do álcool e de outras drogas nas aldeias indígenas se deu simultaneamente à convivência com a sociedade envolvente, que, no caso dos Akwẽ-Xerente, ultrapassa duzentos anos. Apesar do contexto desfavorável, os Akwẽ-Xerente se mobilizaram para garantir o direito às suas terras e se mostram muito articulados politicamente por meio de diversas associações indígenas e com representação nos espaços voltados para elaboração e implementação de políticas públicas voltadas para os seus interesses, como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e os Distritos Especiais Sanitários Indígenas (DSEI). Quantos aos aspectos relativos à saúde, os dados de 2013 do Distrito Sanitário Especial Indígena Tocantins (DSEI – TO) mostram que hipertensão e diabetes são doenças crônicas emergentes entre os Akwẽ-Xerente, o que demanda uma atenção especial. Um levantamento recente do DSEI Tocantins também aponta o álcool com um problema significativo, preocupação que também afeta as lideranças indígenas, professores e agentes de saúde. Além dos problemas de saúde agravados com o uso do álcool, as representações de que os indígenas são alcoólatras e preguiçosos são reforçadas pela presença de indivíduos alcoolizados na praça principal da cidade. De acordo com um representante da comunidade, ver os indígenas deixados na praça é como um golpe na cultura. Ele relata que é muito triste para a comunidade e faz com que os brancos discriminem ainda mais o indígena, como se todos fossem bêbados.
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O Programa Mais Médicos para o Brasil O Programa Mais Médicos para o Brasil foi instituído pela Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, com várias frentes para resolver os problemas existentes na assistência médica das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Observa-se, no País, uma enorme disparidade da relação de médicos/mil habitantes entre os Estados. Assim, além de uma questão distributiva, enfrenta-se também uma escassez na oferta de médicos. Notadamente, a saúde básica requer uma proporção maior de médicos por equipamento em relação à medicina especializada, tornando relevante a discussão do uso de recursos para a contratação de novos trabalhadores4. Essa ação foi motivada por um retrato estatístico do sistema de saúde que evidencia, entre outros aspectos, a má relação médicos por habitante no País. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a média nacional de médicos por mil habitantes é de 1,8, média abaixo dos países vizinhos, como Uruguai (3,7), Argentina (3,2) e de países desenvolvidos, como Alemanha (3,6), Reino Unido (2,7) e Estados Unidos (2,4)5. Neste contexto, o Programa Mais Médicos é parte de uma série de medidas adotadas pelo governo federal com o intuito de melhorar a qualidade e capacidade de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). O programa visa aumentar o número de médicos por mil habitantes, sobretudo em regiões do país onde a população ainda é pouco assistida e, também, nas periferias de grandes centros. Com essas questões em mente, ações com efeito de longo prazo foram adotadas com a intenção de expandir as faculdades de medicina no país, além de ampliar o número de vagas nos cursos de graduação de residência. Neste sentido, trabalha-se em diferentes frentes: desde políticas educacionais nos cursos de medicina, estímulo à pesquisa aplicada ao SUS, e inserção de médicos em regiões prioritárias para o SUS. Essa inserção de médicos, inclusive com a vinda de estrangeiros, trata-se da parte emergencial e medida de curto prazo para amparar as regiões mais necessitadas do País e gerar impactos sobre seus indicadores de saúde4. Dentre os objetivos específicos deste trabalho, há também a intenção de identificar diferenças culturais e na formação acadêmica de profissionais estrangeiros advindos do programa Mais Médicos, e de que forma elas poderiam impactar na relação com os pacientes indígenas.
Metodologia A proposta metodológica do PET-Saúde Indígena da UFT é permeada pela perspectiva da observação participante, sustentada nos parâmetros antropológicos do trabalho de campo. A premissa fundamental é a de que os pesquisadores estejam inseridos na realidade que pretendem apreender, registrem e deem visibilidade às interpretações dos pesquisados, tornando-os interlocutores do campo de pesquisa6. Diante dessa orientação, a inserção dos pesquisadores e extensionistas no cotidiano do trabalho do DSEI – TO teve início por meio de três etapas de capacitação dos alunos e preceptores para a atuação conjunta. Considerando a necessidade de que o grupo se apropriasse do conhecimento produzido acerca das especificidades culturais do povo em questão, foram indicadas as referências bibliográficas produzidas no âmbito da antropologia, etnologia e antropologia da saúde. Em um segundo momento, alunos e preceptores participaram de uma capacitação na aldeia indígena Funil, em que as lideranças indígenas conduziram o trabalho, apresentando sua organização social, política e realidade econômica. A terceira etapa de capacitação foi realizada na aldeia Porteira, e também contou com a participação efetiva das lideranças indígenas e pajés Akwẽ-Xerente. Após essa aproximação inicial, os alunos foram orientados a atuar no seu campo de interesse, sem deixar de participar de outras atividades propostas pelos preceptores, estreitando, assim, a relação ensino-serviço-comunidade. O fato de o início do PET-Saúde Indígena ter coincidido com o início do Programa Mais Médicos para o Brasil permitiu que os alunos problematizassem a presença desses novos atores em uma realidade tão complexa quanto a saúde indígena. Considerando a questão levantada pelos alunos de Medicina, a tutoria do projeto sugeriu que eles acompanhassem os profissionais médicos intercambistas recém-chegados a fim de perceberem como se daria a dinâmica do trabalho em atenção básica em uma perspectiva multicultural. 1008
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Considerando que a proposta da extensão é articular o conhecimento produzido na Universidade, com as necessidades e desafios impostos pela vida em sociedade, a inserção em campo possibilitou, aos alunos, que refletissem sobre a realidade que estavam vivenciando, problematizando-a criticamente, como propõe o Plano Nacional de Extensão Universitária: A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade. A Extensão é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade académica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento académico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, académico e popular, terá como consequência: a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional; a democratização do conhecimento académico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora desse processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social.7 (p. 9)
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A experiência, em linhas gerais, se deu por intermédio da participação dos acadêmicos nas consultas médicas, com orientação dos médicos intercambistas do Programa Mais Médicos. Na ocasião, os bolsistas acompanharam visitas e consultas médicas, conversaram com os pacientes, tiveram contato com a realidade dos consultórios médicos dentro das aldeias e com os profissionais médicos e técnicos de enfermagem, tendo acesso à realidade dos medicamentos e exames disponíveis, e também conheceram a realidade vivida pela população indígena. Essa experiência propiciou o levantamento de questões que posteriormente foram discutidas nas reuniões do PET-Saúde e motivaram a sistematização de propostas para uma aproximação mais efetiva da realidade da atenção básica na área indígena.
Resultados e discussão As condições de trabalho Com relação às condições de trabalho dos médicos e demais profissionais da equipe multidisciplinar de saúde, responsáveis pela aldeia Funil, podem-se perceber várias carências tanto da estrutura física, insumos e disponibilidade de profissionais. A estrutura física da Unidade Básica de Saúde destinada ao atendimento da população da aldeia Funil está muito aquém do preconizado pelo Ministério da Saúde para a alocação de uma equipe de Saúde da Família. A unidade lá presente é composta por uma sala de espera, um sanitário para usuários e um consultório apenas, representando um número bem abaixo conforme o sugerido pelo Manual de Estrutura Física das Unidades Básicas de Saúde8 apresentado na Tabela 1. A análise individual de cada setor revela, mais uma vez, condições indesejáveis tanto de trabalho quanto de acolhimento para os pacientes. A sala de espera possui poucas cadeiras e apenas um banco de alvenaria para a alocação dos pacientes, não sendo capaz de atingir o preconizado de alocar vinte pessoas aproximadamente. O consultório não tem armários e os medicamentos e insumos ficam armazenados em caixas ou recipientes improvisados. A falta de medicamentos foi outro problema encontrado e muito ressaltado pelo médico. Havia poucas opções de classes farmacêuticas, e fórmulas não utilizadas pela população indígena local encontravam-se disponíveis – foi o caso de um colírio umidificador para lentes de contato. Com relação aos profissionais, segundo dados do Distrito de Sanitário de Saúde Especial Indígena Tocantins (DSEI-TO), a Equipe de Saúde da Família que atende à população Akwẽ-Xerente da aldeia Funil é composta por uma equipe permanente na unidade formada por: um enfermeiro, um técnico em enfermagem, um agente indígena de saúde e um agente COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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indígena de saneamento; e, ainda, por outra parte que descola para atender todas as aldeias da região conforme a agenda do Polo Base Indígena de Tocantínia, sendo essa formada por: um médico, um dentista, um auxiliar de dentista e um técnico auxiliar.
Tabela 1. Estrutura sugerida para Unidade Básica de Saúde com uma Equipe de Saúde da Família Ambientes Recepção para pacientes e acompanhantes Sala de Espera para pacientes e acompanhantes Consultório com sanitário Consultório Sala de procedimentos Almoxarifado Consultório odontológico com área para escovário Área para compressor e bomba a vácuo Área para depósito de material de limpeza (DML) Sanitário (para usuários) Copa/Cozinha alternativa Sala de utilidades Área para reuniões e educação em saúde Abrigo de resíduos sólidos (Se a UBS proceder à esterilização local) Sala de recepção, lavagem e descontaminação Sala de esterilização e estocagem de material esterilizado
Número de salas ou espaços 1 1a3 1 1 2 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1
A disponibilidade de profissionais foi o aspecto mais alarmante dentre todos analisados. Apesar da iniciativa do programa Mais Médicos para o Brasil, o número de médicos alocados na aldeia representa uma quantidade insuficiente frente às necessidades dos Akwẽ-Xerente. Segundo relato do médico, são apenas dois profissionais para cobrir uma área que abrange 64 aldeias, ou seja, cada médico é responsável por 32 aldeias, sendo cada uma assistida durante um dia do mês apenas. Essa realidade dificulta a consolidação de uma política de promoção da saúde eficaz, uma vez que o contato com o paciente é limitado e as ações do médico são feitas de forma descontínua, contrariando os princípios do Plano Nacional de Promoção da Saúde, instituídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e cujo objetivo é a ênfase na atenção primária9. No entanto é mister relatar que, antes da contratação dos médicos do programa, as condições de atendimento médico encontravam ainda mais dificuldades, haja vista que os médicos tinham ainda menos tempo em área. Nos outros dias em que não há médicos na unidade, essa fica sob a responsabilidade do enfermeiro-chefe, o qual, em situações em que não pode resolver a situação, encaminha o paciente para as cidades de Tocantínia, a sete quilômetros da aldeia (via terrestre) ou Miracema, a oito quilômetros (vias terrestre e fluvial), ou, em casos de necessidade de atendimento de alta complexidade, para a capital Palmas, a 73 quilômetros da aldeia (via terrestre).
O impacto da presença de um médico estrangeiro na comunidade Akwẽ-Xerente A presença de um médico vindo de outra cultura, neste caso, ainda de outro país, na comunidade Funil, traz uma nova realidade no atendimento para a comunidade local. “Nesse momento, as diferentes visões de mundo se encontram e se confrontam, na tentativa de decodificar os significados do que cada uma entende do processo saúde/doença e das diferentes medidas terapêuticas”9 (p 21). 1010
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Um dos impasses iniciais foi quanto ao tempo de consulta. Em um momento de aproximação com a comunidade Akwẽ-Xerente, os indígenas relatam que, no início, tinham a impressão de que as consultas dos médicos intercambistas eram muito breves. Uma enfermeira do Polo Base Indígena de Tocantínia explica que isso é devido a uma questão cultural Akwẽ-Xerente, a qual entende a doença como um processo acumulativo de eventos desde a infância – por isso os pacientes indígenas têm a necessidade de narrar eventos de toda sua vida que consideram determinantes para explicar o estado atual de saúde. A dificuldade de comunicação foi outra questão levantada, uma vez que paciente e médico são falantes de idiomas completamente distintos. Os usuários indígenas relatam alguns momentos em que tiveram dificuldade em entender as falas dos médicos intercambistas, sobretudo na chegada deles à área, mas afirmam que essa dificuldade foi sendo superada com o passar do tempo. Os indígenas, sobretudo os mais velhos e muitas mulheres, essas por razões culturais, têm pouco domínio da língua portuguesa. Os médicos, por outro lado, não sabem a língua nativa, o Akwẽ-Xerente, e não têm total domínio do português, o que, muitas vezes, dificulta a comunicação entre médico e paciente. Nesse contexto, foi de importante destaque a participação de técnicos em enfermagem nativos que trabalham na unidade de saúde da comunidade, para auxiliar em momentos em que a comunicação estava prejudicada. Os usuários indígenas reconhecem que, sem a ajuda desses profissionais, os atendimentos eram comprometidos, sobretudo, ao terem de expressar o que estavam sentindo, como ocorreu no início do Programa Mais Médicos, o qual coincidiu com uma época em que ainda não havia técnicos nativos trabalhando nos postos de saúde. Os enfermeiros do polo relatam que, até então, cabia a eles intermediarem a comunicação entre médico e paciente, e que, muitas vezes, pediam auxílio, durante as consultas, para os acompanhantes que dominavam o idioma português. Seria importante, uma vez que os médicos são destinados para áreas específicas, que eles recebessem um curso de capacitação sobre a cultura e a língua materna dos povos nativos, quando enviados para áreas indígenas, visto que esses grupos apresentam particularidades tanto culturais quanto linguísticas. Por outro lado, a formação acadêmica dos médicos intercambistas apresenta diferenciais oportunos para o exercício da medicina no contexto das comunidades indígenas. Dentre eles, destaca-se o conhecimento sobre plantas medicinais. Segundo o médico, em seu país, é comum cursos de atualização sobre o uso de plantas em tratamentos terapêuticos e, na própria graduação, eles já têm um grande contato com essa área do conhecimento. Essa prática foi de extrema consonância com a realidade indígena, uma vez que o povo Akwẽ-Xerente tem, na base de sua cultura, a prática de utilização de plantas medicinais10, e que, na aldeia, há um acesso fácil a algumas espécies de plantas. O que no passado representava uma prática comum, hoje, tem sido substituído por uma forte medicalização. A capacitação de profissionais de saúde com o conhecimento sobre plantas medicinais poderia diminuir os custos para o sistema público e, consequentemente, minimizar os problemas de acesso a medicamentos devido a sua falta nas redes de saúde, resultando em uma fonte alternativa de tratamento para os usuários que são, na sua maioria, parte de uma população de baixa renda. Outro aspecto importante é o costume de fazer visitas às casas da comunidade e avaliar não apenas o estado dos indivíduos, mas, também, suas condições de moradia, o que lhes proporcionam uma visão mais fidedigna e holística da saúde de seus pacientes. Os profissionais do polo afirmam que os médicos atentam-se para questões como: a presença de animais domésticos, presença de filtro e estrutura das casas. Uma enfermeira relata que os médicos conseguiram entender melhor o alto número de casos de patologias respiratórias na comunidade Akwẽ-Xerente após constatarem, a partir das visitas domiciliares, que era comum as moradias não terem janelas e, portanto, dificultarem a circulação de ar e predisporem ao acúmulo de fumaça no interior dos cômodos. Segundo a cultura Akwẽ-Xerente, a fumaça produzida pelo uso do fogão à lenha, presente em quase todas as casas, é um aliado no combate a mosquitos e animais, como cobras, pois os afugentam. Os indígenas avaliam como positiva a vinda dos médicos para as aldeias, uma vez que, antes do estabelecimento do Programa Mais Médicos, os usuários eram obrigados a se deslocarem para as cidades de Miracema, Tocantínia ou Palmas. Muitos relatam, ainda, as dificuldades em terem de aguardar em filas de espera e, muitas vezes, terem de voltar, posteriormente, para consulta ou COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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agendamento de exames. Um dos profissionais de saúde do polo acrescenta que aumentou a presença nas consultas e a adesão ao tratamento de doenças por parte dos usuários, pois muitos indígenas tinham resistência de se deslocarem à cidade para acompanhamento médico.
Considerações finais A vivência com a área indígena Funil permitiu o contato com o trabalho do DSEI Tocantins e as dificuldades as quais eles enfrentam, no intuito de consolidar um serviço de qualidade para os AkwẽXerente. Apesar das tentativas do governo de amenizar alguns problemas da saúde pública, percebese que apenas a vinda de médicos intercambistas está muito aquém de solucioná-los. A falta de infraestrutura, contratação de mais profissionais, compromisso com a reposição de insumos são apenas alguns dos transtornos que têm de ser superados para a melhoria do serviço. A experiência trouxe também reflexões muito ricas para a formação dos estudantes que estiveram em área. O PET-Saúde possibilitou o contato com a realidade de um entre os vários povos indígenas presentes em território nacional, além do aprendizado das particularidades culturais do povo Akwẽ-Xerente, que amplia a percepção de que cada grupo étnico, classe social e, mesmo, indivíduo apresenta peculiaridades e, “a partir dessa compreensão, faz-se necessária uma comunicação intercultural mais sensível, cuidadosa e, consequentemente, inteligível e dialógica”9 (p 32). Dentre esses aspectos especificamente, a confrontação entre a formação acadêmica nacional com a dos médicos intercambistas presentes na aldeia possibilitou perceber a necessidade de uma formação com domínio maior sobre o efeito terapêutico de plantas medicinais e que priorize a atenção básica em detrimento de especialidade. Essa mudança de paradigma, além de auxiliar no tratamento dos grupos indígenas, constitui uma boa forma de amenizar os problemas de falta de medicamentos na rede pública e uma estratégia sensível ao cuidado com as práticas tradicionais deste povo, colaborando, assim, para o fortalecimento de sua cultura e a troca de saberes. Dessa forma, essa ação, dentro do contexto do projeto PET-Saúde, pode proporcionar melhor vivência do serviço de saúde e da comunidade, permitindo uma melhor aproximação da Universidade dentro do processo. Os acadêmicos que participam dessa ação estão mais próximos do sistema, conhecem melhor a realidade da comunidade, têm mais capacidade de análise crítica da realidade, sabendo reconhecer as experiências exitosas e podendo opinar sobre aquilo que pode ser melhorado, percebendo que a atenção básica deve ser priorizada e melhor estruturada, em detrimento da valorização da busca da especialidade. A experiência complementa o conhecimento adquirido na academia e permite qualificar melhor o acadêmico para trabalhar no contexto da atenção básica futuramente, particularmente dentro da atenção indígena.
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Colaboradores Os autores trabalharam juntos em todas as etapas da produção do manuscrito. Referências 1. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. PET Saúde e Pró-Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013 [acesso em 15 ago 2014]. Disponível em: www.saude.gov.br/sgtes/petsaude
espaço aberto
Silva RP, Barcelos AC, Hirano BQL, Izzo RS, Calafate JMS, Soares TO
2. Sousa Filho SM. Educação Akwẽ-Xerente (Jê): seus saberes e práticas frente aos modelos brasileiros de escolarização. In: Anais eletrônicos do 11º Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais; 7-10 ago 2011 [acesso em 27 ago 2014]; Salvador, BA. Disponível em: http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/ anais/3/1306863229_ARQUIVO_ArtigoXICONLAB-Sinval31-05.pdf 3.Shmidt R. Preceitos alimentares Xerente: saúde e doença segundo um ancião, uma anciã e um xamã. In: Anais do 1º Seminário de Pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais; 2010; Goiânia, GO. p. 692-701. 4. Garcia B, Rosa L, Tavares R. Projeto Mais Médicos para o Brasil: apresentação do programa e evidências acerca de seu sucesso. Bol Inf FIPE. 2014 [acesso em 27 ago 2014];1(402):26-35. Disponível em: http://www.fipe.org.br/publicacoes/downloads/ bif/2014/3_26-36-bea-etal.pdf 5. Ministério da Saúde (BR). Mais médicos. Brasília, DF: Portal da Saúde; 2013 [acesso 12 maio 2014]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/acoes-eprogramas/mais-medicos/mais-sobre-mais-medicos/5952-diagnostico-da-saude-no-brasil 6. Damatta R. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco; 1987. 7. Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Política nacional de extensão universitária. Manaus: Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras; 2012 [acesso 20 ago 2014]. Disponível em: https:// www2.ufmg.br/proex/content/download/452/2780/.../PNEU.pdf 8. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Manual de estrutura física das unidades básicas de saúde: saúde da família. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006. (Série A. Normas e manuais técnicos). 9. Silva BC. Profissionais de saúde em contexto indígena: os desafios para uma atuação intercultural e dialógica [Internet]. Antropos. 2013 [acesso 27 ago 2014] 5(6):336. Disponível em: http://revista.antropos.com.br/downloads/dez2013/Artigo-1Profissionais-de-saude-em-contexto-indigena-Cleonice-Barbosa-da-Silva.pdf 10. Paula LR. Xerente: modos de subsistência. In: Instituto Socioambiental. Povos indígenas no Brasil; 1999 [acesso 12 maio 2014]. Disponível em: http://pib. socioambiental.org/pt/povo/xerente/1172
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a experiência de alunos do pet-saúde ...
O Programa PET-Saúde foi lançado em 2009 e é uma iniciativa para melhorar o ensino, mediante práticas de promoção em saúde. O PET-Saúde Indígena faz parte desse contexto e é composto por um grupo de acadêmicos dos cursos da saúde da Universidade Federal do Tocantins, Brasil, com supervisão de preceptores. O grupo realiza ações nas aldeias no Município de Tocantínia, na comunidade indígena Akwẽ-Xerente. Esse povo vem sofrendo redução em sua população, além do crescente aumento do uso de álcool e de doenças crônicas. Em 2013, O Ministério da Saúde lançou o programa Mais Médicos a fim de garantir o aumento de médicos em regiões prioritárias, e as aldeias em estudo foram incluídas. Dessa maneira, o artigo aborda a experiência dos acadêmicos de medicina no contato com esses profissionais por meio das atividades de ação em saúde nas aldeias.
Palavras-chave: Programas nacionais de saúde. Saúde de populações indígenas. Atenção primária à saúde. Eucação em saúde. The experience of PET-Health students with indigenous health and the More Doctors Program The PET-Health Program was launched in 2009 and is an initiative to improve education through health promotion practices. Indigenous PET-Health is a part of this program and comprises a group of academic health courses at the Federal University of Tocantins, Brazil, under the supervision of preceptors. The group performed actions in villages of the Tocantínia municipality in the Akwẽ-Xerente indigenous community. There was a population reduction, as well as an increase in alcohol use and in chronic diseases in this municipality. In 2013, the Ministry of Health launched the More Doctors Program to ensure an increase of physicians in priority regions; these villages were included in the study. Therefore, this paper addresses the experiences of medical students in touch with these professionals through action on village health activities.
Keywords: National health programs. Health of indigenous people. Primary health care. Health education. La experiencia de estudiantes del PET-Salud con la salud indígena y el programa Más Médicos El Programa PET-Salud lanzado en 2009 es una iniciativa para mejorar la educación a través de prácticas de promoción de la salud. El PET-Salud Indígena es parte de ese contexto y se compone de académicos en cursos de salud en la Universidad Federal de Tocantins, Brasil, con la supervisión de los preceptores. El grupo realiza acciones en los pueblos del municipio de Tocantínia, en comunidad Akwẽ-Xerente indígena, que está reduciendo su población, además de presentar un mayor consumo de alcohol y de enfermedades crónicas. En 2013, el Ministerio de Salud puso en marcha el programa Más Médicos para garantizar el aumento de médicos en regiones prioritarias, y las aldeas fueron incluidas en el estudio. El artículo aborda la experiencia de estudiantes de medicina en contacto con estos profesionales a través de la acción y actividades de salud en la aldea.
Palabras clave: Programas nacionales de salud. Salud de poblaciones indígenas. Atención primaria de salud. Educación en salud.
Recebido em 10/10/14. Aprovado em 09/03/15.
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INTERFACE - Comunicação, Saúde, Educação publica artigos analíticos e/ou ensaísticos, resenhas críticas e notas de pesquisa (textos inéditos); edita debates e entrevistas; e veicula resumos de dissertações e teses e notas sobre eventos e assuntos de interesse. Os editores reservam-se o direito de efetuar alterações e/ou cortes nos originais recebidos para adequá-los às normas da revista, mantendo estilo e conteúdo. A submissão de manuscritos é feita apenas online, pelo sistema Scholar One Manuscripts. (http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo) Toda submissão de manuscrito à Interface está condicionada ao atendimento às normas descritas abaixo. Forma e preparação de manuscritos SEÇÕES Dossiê - textos ensaísticos ou analíticos temáticos, a convite dos editores, resultantes de estudos e pesquisas originais (até seis mil palavras). Artigos - textos analíticos ou de revisão resultantes de pesquisas originais teóricas ou de campo referentes a temas de interesse para a revista (até seis mil palavras). Debates - conjunto de textos sobre temas atuais e/ou polêmicos propostos pelos editores ou por colaboradores e debatidos por especialistas, que expõem seus pontos de vista, cabendo aos editores a edição final dos textos. (Texto de abertura: até seis mil palavras; textos dos debatedores: até mil palavras; réplica: até mil palavras.). Espaço aberto - notas preliminares de pesquisa, textos que problematizam temas polêmicos e/ou atuais, relatos de experiência ou informações relevantes veiculadas em meio eletrônico (até cinco mil palavras). Entrevistas - depoimentos de pessoas cujas histórias de vida ou realizações profissionais sejam relevantes para as áreas de abrangência da revista (até seis mil palavras). Livros - publicações lançadas no Brasil ou exterior, sob a forma de resenhas críticas, comentários, ou colagem organizada com fragmentos do livro (até três mil palavras). Criação - textos de reflexão sobre temas de interesse para a revista, em interface com os campos das Artes e da Cultura, que utilizem em sua apresentação formal recursos iconográficos, poéticos, literários, musicais, audiovisuais etc., de forma a fortalecer e dar consistência à discussão proposta. Notas breves - notas sobre eventos, acontecimentos, projetos inovadores (até duas mil palavras). Cartas - comentários sobre publicações da revista e notas ou opiniões sobre assuntos de interesse dos leitores (até mil palavras). Nota: na contagem de palavras do texto, incluem-se quadros e excluem-se título, resumo e palavras-chave. ENVIO DE MANUSCRITOS SUBMISSÃO DE manuscritos Interface - Comunicação, Saúde, Educação aceita colaborações em português, espanhol e inglês para todas as seções. Apenas trabalhos inéditos e submetidos somente a este periódico serão encaminhados para avaliação. Não serão aceitas para submissão traduções de textos publicados em outra língua. A submissão deve ser acompanhada de uma autorização para publicação assinada por todos os autores do manuscrito. O modelo do documento estará disponível para upload no sistema.
Nota: para submeter originais é necessário estar cadastrado no sistema. Acesse o link http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo e siga as instruções da tela. Uma vez cadastrado e logado, clique em “Author Center” e inicie o processo de submissão. Os originais devem ser digitados em Word ou RTF, fonte Arial 12, respeitando o número máximo de palavras definido por seção da revista. Todos os originais submetidos à publicação devem dispor de resumo e palavras-chave alusivas à temática (com exceção das seções Livros, Notas breves e Cartas). Da primeira página devem constar (em português, espanhol e inglês): título (até 20 palavras), resumo (até 140 palavras) e no máximo cinco palavras-chave. Nota: na contagem de palavras do resumo, excluem-se título e palavras-chave. Notas de rodapé: identificadas por letras pequenas sobrescritas, entre parênteses. Devem ser sucintas, usadas somente quando necessário. Nota importante: ao fazer a submissão, o autor deverá explicitar se o texto é inédito, se foi financiado, se é resultado de dissertação de mestrado ou tese de doutorado, se há conflitos de interesse e, em caso de pesquisa com seres humanos, se foi aprovada por Comitê de Ética da área, indicando o número do processo e a instituição. Em texto com dois autores ou mais também devem ser especificadas as responsabilidades individuais de todos os autores na preparação do mesmo. O autor também deverá responder à seguinte pergunta: No que seu texto acrescenta em relação ao já publicado na literatura nacional e internacional? O autor pode indicar dois ou três avaliadores (do país ou exterior) que possam atuar no julgamento de seu trabalho. Se houver necessidade informe sobre pesquisadores com os quais possa haver conflitos de interesse com seu artigo. CITAÇÕES E REFERÊNCIAS Interface adota as normas Vancouver como estilo para as citações e referências de seus manuscritos. CITAÇÕES NO TEXTO As citações devem ser numeradas de forma consecutiva, de acordo com a ordem em que forem sendo apresentadas no texto. Devem ser identificadas por números arábicos sobrescritos. Exemplo: Segundo Teixeira1,4,10-15 Nota importante: as notas de rodapé passam a ser identificadas por letras pequenas sobrescritas, entre parênteses. Devem ser sucintas, usadas somente quando necessário. Casos específicos de citação: a) Referência de mais de dois autores: no corpo do texto deve ser citado apenas o nome do primeiro autor seguido da expressão et al. b) Citação literal: deve ser inserida no parágrafo entre aspas. No caso da citação vir com aspas no texto original, substituí-las pelo apóstrofo ou aspas simples.
instruções aos autores
Projeto e política editorial
instruções aos autores
Exemplo: “Os ‘Requisitos Uniformes’ (estilo Vancouver) baseiam-se, em grande parte, nas normas de estilo da American National Standards Institute (ANSI) adaptado pela NLM.”1 c) Citação literal de mais de três linhas: em parágrafo destacado do texto (um enter antes e um depois), com recuo à esquerda. Observação: Para indicar fragmento de citação utilizar colchete: [...] encontramos algumas falhas no sistema [...] quando relemos o manuscrito, mas nada podia ser feito [...]. Exemplo: Esta reunião que se expandiu e evoluiu para Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (International Committee of Medical Journal Editors ICMJE), estabelecendo os Requisitos Uniformes para Manuscritos Apresentados a Periódicos Biomédicos – Estilo Vancouver 2. REFERÊNCIAS Todos os autores citados no texto devem constar das referências listadas ao final do manuscrito, em ordem numérica, seguindo as normas gerais do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) – http://www.icmje.org. Os nomes das revistas devem ser abreviados de acordo com o estilo usado no Index Medicus (http://www.nlm.nih.gov/). As referências são alinhadas somente à margem esquerda e de forma a se identificar o documento, em espaço simples e separadas entre si por espaço duplo. A pontuação segue os padrões internacionais e deve ser uniforme para todas as referências. EXEMPLOS: LIVRO Autor(es) do livro. Título do livro. Edição (número da edição). Cidade de publicação: Editora; Ano de publicação. Exemplo: Schraiber LB. O médico e suas interações: a crise dos vínculos de confiança. 4a ed. São Paulo: Hucitec; 2008. Até seis autores, separados com vírgula, seguidos de et al., se exceder este número. ** Sem indicação do número de páginas. Nota: Autor é uma entidade: Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: meio ambiente e saúde. 3a ed. Brasília, DF: SEF; 2001. Séries e coleções: Migliori R. Paradigmas e educação. São Paulo: Aquariana; 1993 (Visão do futuro, v. 1). *
CAPÍTULO DE LIVRO Autor(es) do capítulo. Título do capítulo. In: nome(s) do(s) autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição (número). Cidade de publicação: Editora; Ano de publicação. página inicial-final do capítulo Nota: Autor do livro igual ao autor do capítulo: Hartz ZMA, organizador. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação dos programas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1997. p. 19-28.
Autor do livro diferente do autor do capítulo: Cyrino EG, Cyrino AP. A avaliação de habilidades em saúde coletiva no internato e na prova de Residência Médica na Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp. In: Tibério IFLC, Daud-Galloti RM, Troncon LEA, Martins MA, organizadores. Avaliação prática de habilidades clínicas em Medicina. São Paulo: Atheneu; 2012. p. 163-72. Até seis autores, separados com vírgula, seguidos de et al., se exceder este número. ** Obrigatório indicar, ao final, a página inicial e final do capítulo. *
ARTIGO EM PERIÓDICO Autor(es) do artigo. Título do artigo. Título do periódico abreviado. Ano de publicação; volume (número/ suplemento):página inicial-final do artigo. Exemplos: Teixeira RR. Modelos comunicacionais e práticas de saúde. Interface (Botucatu). 1997; 1(1):7-40. Ortega F, Zorzanelli R, Meierhoffer LK, Rosário CA, Almeida CF, Andrada BFCC, et al. A construção do diagnóstico do autismo em uma rede social virtual brasileira. Interface (Botucatu). 2013; 17(44):119-32. até seis autores, separados com vírgula, seguidos de et al. se exceder este número. ** Obrigatório indicar, ao final, a página inicial e final do artigo. *
DISSERTAÇÃO E TESE Autor. Título do trabalho [tipo]. Cidade (Estado): Instituição onde foi apresentada; ano de defesa do trabalho. Exemplos: Macedo LM. Modelos de Atenção Primária em BotucatuSP: condições de trabalho e os significados de Integralidade apresentados por trabalhadores das unidades básicas de saúde [tese]. Botucatu (SP): Faculdade de Medicina de Botucatu; 2013. Martins CP. Possibilidades, limites e desafios da humanização no Sistema Único de Saúde (SUS) [dissertação]. Assis (SP): Universidade Estadual Paulista; 2010. TRABALHO EM EVENTO CIENTÍFICO Autor(es) do trabalho. Título do trabalho apresentado. In: editor(es) responsáveis pelo evento (se houver). Título do evento: Proceedings ou Anais do ... título do evento; data do evento; cidade e país do evento. Cidade de publicação: Editora; Ano de publicação. Página inicial-final. Exemplo: Paim JS. O SUS no ensino médico: retórica ou realidade [Internet]. In: Anais do 33º Congresso Brasileiro de Educação Médica; 1995; São Paulo, Brasil. São Paulo: Associação Brasileira de Educação Médica; 1995. p. 5 [acesso 2013 Out 30]. Disponível em: www.google.com.br Quando o trabalho for consultado on-line, mencionar a data de acesso (dia Mês abreviado e ano) e o endereço eletrônico: Disponível em: http://www......
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Sem paginação: Abood S. Quality improvement initiative in nursing homes: the ANA acts in an advisory role. Am J Nurs [Internet]. 2002 Jun [cited 2002 Aug 12]; 102(6):[about 1 p.]. Available from: http://www.nursingworld.org/AJN/2002/june/Wawatch. htmArticle
Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, 19 Set 1990.
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Segue os padrões recomendados pela NBR 6023 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT - 2002), com o padrão gráfico adaptado para o Estilo Vancouver.
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RESENHA Autor (es). Cidade: Editora, ano. Resenha de: Autor (es). Título do trabalho. Periódico. Ano; v(n):página inicial e final. Exemplo: Borges KCS, Estevão A, Bagrichevsky M. Rio de janeiro: Fiocruz, 2010. Resenha de: Castiel LD, Guilam MC, Ferreira MS. Correndo o risco: uma introdução aos riscos em saúde. Interface (Botucatu). 2012; 16(43):1119-21. ARTIGO EM JORNAL Autor do artigo. Título do artigo. Nome do jornal. Data; Seção: página (coluna). Exemplo: Gadelha C, Mundel T. Inovação brasileira, impacto global. Folha de São Paulo. 2013 Nov 12; Opinião:A3. CARTA AO EDITOR Autor [cartas]. Periódico (Cidade).ano; v(n.):página inicialfinal. Exemplo: Bagrichevsky M, Estevão A. [cartas]. Interface (Botucatu). 2012; 16(43):1143-4. ENTREVISTA PUBLICADA Quando a entrevista consiste em perguntas e respostas, a entrada é sempre pelo entrevistado. Exemplo: Yrjö Engeström. A Teoria da Atividade Histórico-Cultural e suas contribuições à Educação, Saúde e Comunicação [entrevista a Lemos M, Pereira-Querol MA, Almeida, IM]. Interface (Botucatu). 2013; 17(46):715-27. Quando o entrevistador transcreve a entrevista, a entrada é sempre pelo entrevistador. Exemplo: Lemos M, Pereira-Querol MA, Almeida, IM. A Teoria da Atividade Histórico-Cultural e suas contribuições à Educação, Saúde e Comunicação [entrevista de Yrjö Engeström]. Interface (Botucatu). 2013; 17(46):715-27. DOCUMENTO ELETRÔNICO Autor(es). Título [Internet]. Cidade de publicação: Editora; data da publicação [data de acesso com a expressão “acesso em”]. Endereço do site com a expressão “Disponível em:” Com paginação: Wagner CD, Persson PB. Chaos in cardiovascular system: an update. Cardiovasc Res. [Internet], 1998 [acesso em 20 Jun 1999]; 40. Disponível em: http://www.probe.br/science.html.
Os autores devem verificar se os endereços eletrônicos (URL) citados no texto ainda estão ativos. Nota: Se a referência incluir o DOI, este deve ser mantido. Só neste caso (quando a citação for tirada do SciELO, sempre vem o Doi junto; em outros casos, nem sempre). Outros exemplos podem ser encontrados em http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html ILUSTRAÇÕES Imagens, figuras ou desenhos devem estar em formato tiff ou jpeg, com resolução mínima de 300 dpi, tamanho máximo 16 x 20 cm, com legenda e fonte arial 9. Tabelas e gráficos torre podem ser produzidos em Word ou Excel. Outros tipos de gráficos (pizza, evolução...) devem ser produzidos em programa de imagem (photoshop ou corel draw). Nota: No caso de textos enviados para a seção de Criação, as imagens devem ser escaneadas em resolução mínima de 300 dpi e enviadas em jpeg ou tiff, tamanho mínimo de 9 x 12 cm e máximo de 18 x 21 cm. As submissões devem ser realizadas online no endereço: http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo APROVAÇÃO DOS ORIGINAIS Todo texto enviado para publicação será submetido a uma triagem e pré-avaliação inicial, que inclui a identificação de pendências na documentação e sistema de busca por plágio. Uma vez aprovado, será encaminhado à revisão por pares (no mínimo dois relatores). O material será devolvido ao (s) autor (es) caso os relatores sugiram mudanças e/ou correções. Em caso de divergência de pareceres, o texto será encaminhado a um terceiro relator, para arbitragem. A decisão final sobre o mérito do trabalho é de responsabilidade do Corpo Editorial (editores e editores de área). Os textos são de responsabilidade dos autores, não coincidindo, necessariamente, com o ponto de vista do Corpo Editorial da revista. Todo o conteúdo do trabalho aceito para publicação, exceto quando identificado, está licenciado sobre uma licença Creative Commons, tipo CC-BY. É permitida a reprodução parcial e/ou total do texto apenas para uso não comercial, desde que citada a fonte. Mais detalhes, consultar o link: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ Interface - Comunicação, Saúde, Educação segue os princípios da ética na publicação contidos no código de conduta do Committee on Publication Ethics (link: COPE).
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DOCUMENTO LEGAL Título da lei (ou projeto, ou código...), dados da publicação (cidade e data da publicação). Exemplos: Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.
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Project and editorial policy INTERFACE - Communication, Health, Education publishes original analytical articles or essays, critical reviews and notes on research (unpublished texts); it also edits debates and interviews, in addition to publishing the abstracts of dissertations and theses, notes on events and subjects of interest. The editors reserve themselves the right to make changes and/or cuts in the material submitted to the journal, in order to adjust it to its standards, maintaining the style and content. The manuscript submission is online, by the Scholar One Manuscripts system. (http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo) All papers submitted to Interface have to follow the instructions described below. Form and preparation of manuscripts SECTIONS Dossier - essays or thematic analytical articles, by invitation of the editors, resulting from original study and research (up to six thousand words). Articles - analytical texts or reviews resulting from original theoretical or field research on themes that are of interest to the journal (up to six thousand words). Debates - a set of texts on current and/or polemic themes proposed by the editors or by collaborators and debated by specialists, who expound their points of view. The editors are responsible for editing the final texts (original text: up to six thousand words; debate texts: up to one thousand words; reply: up to one thousand words). Open page - preliminary research notes, polemic and/or current issues texts, description of experiences, or relevant information aired in the electronic media (up to five thousand words). Interviews - testimonies of people whose life stories or professional achievements are relevant to the journal’s scope (up to six thousand words). Books - publications released in Brazil or abroad, in the form of critical reviews, comments, or an organized collage of fragments of the book (up to three thousand words). Creation - Texts reflecting on topics of interest for the journal, at the interface with the fields of arts and culture, which in their presentation use formal iconographic, poetic, literary, musical or audiovisual resources, etc., so as to strengthen and give consistency to the discussion proposed. Brief notes - comments on events, meetings and innovative research and projects (up to two thousand words). Letters - comments on the journal and notes or opinions on subjects of interest to its readers (up to one thousand words). Note: In case of counting the text words, the tables with text are included and the title, the abstract and the keywords are excluded. SUBMITING ORIGINALS Interface - Communication, Health, Education accepts material in Portuguese, Spanish and English for any of its sections. Only unpublished papers and submitted only to this journal will be accepted for evaluation. Translations of
texts published in another language will not be accepted. Submissions must be accompanied by an authorization for publication signed by all authors of the manuscript. The model for this document will be available for upload in the system. Note: You must do the system registration in order to submit your manuscript. Go to the link http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo and follow the instructions. When you have finished the registration, click “Author Center” and begin the submission process. The originals must be typed in Word or RTF, using Arial 12, respecting the maximum number of words defined per section of the Journal. All originals submitted for publication must have an abstract and keywords relating to the topic (with the exception of Books, Brief notes and Letters). The first page of the text must contain (in Portuguese, Spanish and English): the article’s full title (up to 20 words), the abstract (up to 140 words) and up to five keywords. Note: In case of counting the abstract’s words, the title and the keywords are excluded. Footnotes: These should be identified using lower-case superscript letters, in parentheses. They should be succinct and should only be used when necessary. NOTE: during the submission process the author needs to indicate whether the text is unpublished, whether it was the result of a grant, whether it results from a master’s thesis or doctoral dissertation, whether there are any conflicts of interest involved and, in case of research with humans, whether it was approved by an Ethics Committee in its field, specifying the process number. In articles with two authors or more, the individual contributions to the preparation of the text must be specified. The author also must answer the following question: What your text adds to what has already been published in the national and international literature? Please indicate two or three referees (from Brazil or abroad) who can evaluate your manuscript. If you consider necessary, inform about researchers with whom there may be conflicts of interest concerning your paper. CITATIONS AND REFERENCES The journal Interface adapts the Vancouver standard as the style to use for citations and references in manuscripts submitted. CITATIONS IN THE TEXT Citations should be numbered consecutively, according to the order in which they are presented in the text. They should be identified using Arabic numerals as superscripts. Example: According to Teixeira1,4,10-15 Important note: Footnotes will now be identified by means of lower-case letters, as superscripts, in parentheses. They should be succinct and should only be used when necessary.
Specific cases of citations: a) Reference with more than two authors: in the body of the text, only the name of the first author should be cited, followed by the expression “et al.” b) Literal citations: These should be inserted in the paragraph between quotation marks (“xx”). If the citation already came in quotation marks in the original text, replace them with single quotation marks (‘xx’). Example: “The ‘Uniform Requirements’ (Vancouver style) are largely based on the style standards of the American National 1 Standards Institute (ANSI), adapted by the NLM.” c) Literal citation of more than three lines: in a paragraph inset from the text (with a one-line space before and after it), with a 4 cm indentation on the left side. Note: To indicate fragmentation of the citation use square brackets: [...] we found some flaws in the system [...] when we reread the manuscript, but nothing could be done [...]. Example: This meeting has expanded and evolved into the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE), and has established the Uniform Requirements for Manuscripts Presented to Biomedical Journals: the Vancouver Style2. REFERENCES All the authors cited in the text should appear among the references listed at the end of the manuscript, in numerical order, following the general standards of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (http://www.icmje.org). The names of the journals should be abbreviated in accordance with the style used in Index Medicus (http://www.nlm.nih.gov/). The references should be aligned only with the left margin and, so as to identify the document, with single spacing and separated from each other by a double space. The punctuation should follow the international standards and should be uniform for all the references. EXAMPLES: BOOK Author(s) of the book. Title of the book. Edition (number of the edition). City of publication: Publishing house; Year of publication. Example: Schraiber LB. O médico e suas interações: a crise dos vínculos de confiança. 4a ed. São Paulo: Hucitec; 2008. Up to six authors, separated by commas, followed by “et al.”, if this number is exceeded. ** Without indicating the number of pages. Note: If the author is an entity: Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente e saúde. 3a ed. Brasília, DF: SEF; 2001. In the case of series and collections: Migliori R. Paradigmas e educação. São Paulo: Aquariana; 1993 (Visão do futuro, v. 1). *
BOOK CHAPTER Author(s) of the chapter. Title of the chapter. In: name(s) of the author(s) or editor(s). Title of the book. Edition (number). City of publication: Publishing house; Year of publication. First-last page of the chapter. Note: If the author of the book is the same as the author of the chapter: Hartz ZMA, organizador. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação dos programas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1997. p. 19-28. If the author of the book is different from the author of the chapter: Cyrino EG, Cyrino AP. A avaliação de habilidades em saúde coletiva no internato e na prova de Residência Médica na Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp. In: Tibério IFLC, Daud-Galloti RM, Troncon LEA, Martins MA, organizadores. Avaliação prática de habilidades clínicas em Medicina. São Paulo: Atheneu; 2012. p. 163-72. Up to six authors, separated by commas, followed by “et al.”, if this number is exceeded. ** It is obligatory to indicate the first and last pages of the chapter, at the end of the reference. *
ARTICLE IN JOURNAL Author(s) of the article. Title of the article. Abbreviated title of the journal. Date of publication; volume (number/ supplement): first-last page of the article. Examples: Teixeira RR. Modelos comunicacionais e práticas de saúde. Interface (Botucatu). 1997; 1(1):7-40. Ortega F, Zorzanelli R, Meierhoffer LK, Rosário CA, Almeida CF, Andrada BFCC, et al. A construção do diagnóstico do autismo em uma rede social virtual brasileira. Interface (Botucatu). 2013; 17(44):119-32. Up to six authors, separated by commas, followed by “et al.”, if this number is exceeded. ** It is obligatory to indicate the first and last pages of the article, at the end of the reference. *
DISSERTATION AND THESIS Author. Title of study [type]. City (State): Institution where it was presented; year when study was defended. Examples: Macedo LM. Modelos de Atenção Primária em BotucatuSP: condições de trabalho e os significados de Integralidade apresentados por trabalhadores das unidades básicas de saúde [thesis]. Botucatu (SP): Faculdade de Medicina de Botucatu; 2013. Martins CP. Possibilidades, limites e desafios da humanização no Sistema Único de Saúde (SUS) [dissertation]. Assis (SP): Universidade Estadual Paulista; 2010. STUDY PRESENTED AT SCIENTIFIC EVENT Author(s) of the study. Title of the study presented. In: editor(s) responsible for the event (if applicable). Title of the event: Proceedings or Annals of ... title of the event; date of the event; city and country of the event. City of publication:
Publishing house; Year of publication. First-last page. Example: Paim JS. O SUS no ensino médico: retórica ou realidade [Internet]. In: Anais do 33º Congresso Brasileiro de Educação Médica; 1995; São Paulo, Brazil. São Paulo: Associação Brasileira de Educação Médica; 1995. p. 5 [accessed Oct 30, 2013]. Available from: www.google.com.br * When the study has been consulted online, mention the data of access (abbreviated month and day followed by comma, year) and the electronic address: Available from: http://www...... LEGAL DOCUMENT Title of the law (or bill of law, or code...), publication data (city and date of publication). Examples: Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.
Interface (Botucatu). 2013; 17(46):715-27. ELECTRONIC DOCUMENT Author(s). Title [Internet]. City of publication: Publishing house; date of publication [date of access with the expression “accessed”]. Address of the website with the expression “Available from:” With page numbering: Wagner CD, Persson PB. Chaos in cardiovascular system: an update. Cardiovasc Res. [Internet], 1998 [accessed Jun 20, 1999]; 40. Available from: http://www.probe.br/science.html Without page numbering: Abood S. Quality improvement initiative in nursing homes: the ANA acts in an advisory role. Am J Nurs [Internet]. 2002 Jun [accessed Aug 12, 2002]; 102(6):[about 1 p.]. Available from: http://www.nursingworld.org/AJN/2002/june/ Wawatch.htmArticle The authors should check whether the electronic addresses (URLs) cited in the text are still active.
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Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, 19 Set 1990. This follows the standards recommended in NBR 6023 of the Brazilian Technical Standards Association (Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT, 2002), with its graphical standard adapted to the Vancouver Style.
Note: If the reference includes the DOI, this should be maintained. Only in this case (when the citation was taken from SciELO, the DOI always comes with it; in other cases, not always).
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REVIEW Author(s). Place: Publishing house, year. Review of: Author(s). Title of the study. Journal. Year; v(n):first-last page. Example: Borges KCS, Estevão A, Bagrichevsky M. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. Resenha de: Castiel LD, Guilam MC, Ferreira MS. Correndo o risco: uma introdução aos riscos em saúde. Interface (Botucatu). 2012; 16(43):1119-21. ARTICLE IN NEWSPAPER Author of the article. Title of the article. Name of the newspaper. Date; Section: page (column). Example: Gadelha C, Mundel T. Inovação brasileira, impacto global. Folha de São Paulo. 2013 Nov 12; Opinião:A3. LETTER TO EDITOR Author [letters]. Journal (City). Year; v(n.):first-last page. Example: Bagrichevsky M, Estevão A. [letters]. Interface (Botucatu). 2012; 16(43):1143-4. PUBLISHED INTERVIEW When the interview consists of questions and answers, the entry is always according to the interviewee. Example: Yrjö Engeström. A Teoria da Atividade Histórico-Cultural e suas contribuições à Educação, Saúde e Comunicação [interview conducted by Lemos M, Pereira-Querol MA, Almeida, IM]. Interface (Botucatu). 2013; 17(46):715-27. When the interviewer transcribes the interview, the entry is always according to the interviewer. Example: Lemos M, Pereira-Querol MA, Almeida, IM. A Teoria da Atividade Histórico-Cultural e suas contribuições à Educação, Saúde e Comunicação [interview with Yrjö Engeström].
Other examples can be found at http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html Illustrations: Images, figures and drawings must be created as TIFF or JPEG files. Minimum resolution: 300 dpi. Maximum size: 16 x 20 cm, with captions and font Arial 9. Tables and tower graphs can be created as Word files. Other kinds of graphs must be created in image programs (corel draw or photoshop). Note: In the case of texts sent to the Creation section, images should be scanned at a minimum resolution of 300 dpi and be sent in jpeg or tiff format, with a minimum size of 9 x 12 cm and maximum of 18 x 21 cm. Submissions must be made online at: http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo ANALYSIS AND APPROVAL OF ORIGINALS Every text will will be submited to a preliminary evaluation by the Editorial Board, that includes the identification of shortcomings in the documentation and search system for plagiarism. In case the reviewers have divergent opinions, the paper will be submitted to a third reviewer for arbitration. The final decision about the merit of the work is the responsibility of the Editorial Board (editors and area editors). The texts are the responsibility of the authors and do not necessarily reflect the point of view of the publishers. All content in the approved paper, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution, type CC-BY. Reproduction only for non-commercial uses is permitted if the source is mentioned. See details in: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ Interface - Communication, Health, Education follows the principles of ethics in the publication contained in the Committee on Publication Ethics code conduct (link: COPE).
CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO/SCIENTIFIC EDITORIAL BOARD/CONSEJO EDITORIAL CIENTÍFICO Adriana Kelly Santos, UFV Afonso Miguel Cavaco, Universidade de Lisboa, Portugal Alcindo Ferla, UFRGS Alain Ehrenberg, Université Paris Descartes, France Alejandra López Gómez, Universitad de la Republica Uruguaia, Uruguai Ana Lúcia Coelho Heckert, UFES Ana Teresa de Abreu Ramos-Cerqueira, Unesp André Martins Vilar de Carvalho, UFRJ Andrea Caprara, UECE António Nóvoa, Universidade de Lisboa, Portugal Carlos Eduardo Aguilera Campos, UFRJ Carmen Fontes de Souza Teixeira, UFBa Carolina Martinez-Salgado, Universidad Autónoma Metropolitana, México César Ernesto Abadia-Barrero, Universidad Nacional de Colombia, Colômbia Charles Briggs, UCSD, USA Cleoni Maria Barbosa Fernandes, PUCRS Cristina Maria Garcia de Lima Parada, Unesp Dagmar Elisabeth Estermann Meyer, UFRGS Diego Gracia, Universidad Complutense de Madrid, Espanha Eduardo L. Menéndez, CIESAS, México Elisabeth Meloni Vieira, USP Eunice Nakamura, Unifesp Flavia Helena Miranda de Araújo Freire, UnP Francisco Javier Uribe Rivera, Fiocruz George Dantas de Azevedo, UFRN Geórgia Sibele Nogueira da Silva, UFRN Graça Carapinheiro, ISCTE, Portugal Guilherme Souza Cavalcanti, UFPr Gustavo Nunes de Oliveira, UnB Hugo Mercer, Universidad de Buenos Aires, Argentina Ildeberto Muniz de Almeida, Unesp Inesita Soares de Araújo, Fiocruz Isabel Fernandes, Universidade de Lisboa, Portugal Ivana Cristina de Holanda Cunha Barreto, UFCE Jairnilson da Silva Paim, UFBa Jesús Arroyave, Universidade del Norte, Colômbia John Le Carreño, Universidade Adventista, Chile José Carlos Libâneo, UCG José Ivo dos Santos Pedrosa, UFPI José Miguel Rasia, UFPr José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres, USP José Roque Junges, Unisinos Karla Patrícia Cardoso Amorim, UFRN Laura Macruz Feuerwerker, USP Leandro Barbosa de Pinho, UFRGS Leonor Graciela Natansohn, UFBa Lígia Amparo da Silva Santos, UFBa Luiz Carlos de Oliveira Cecílio, Unifesp Lydia Feito Grande, Universidad Complutense de Madrid,
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Espanha Luciana Kind do Nascimento, PUCMG Luis Behares, Universidad de la Republica Uruguaia, Uruguai Luiz Fernando Dias Duarte, UFRJ Magda Dimenstein, UFRN Marcelo Dalla Vecchia, UF São João Del Rei Marcelo Eduardo Pfeiffer Castellanos, UFBa Márcia Thereza Couto Falcão, USP Marcos Antonio Pellegrini, Universidade Federal de Roraima Marcus Vinicius Machado de Almeida, UFRJ Margareth Aparecida Santini de Almeida, Unesp Margarida Maria da Silva Vieira, Universidade Católica Portuguesa, Portugal Maria Cecília de Souza Minayo, ENSP/Fiocruz Maria Cristina Davini, OPAS, Argentina Maria del Consuelo Chapela Mendoza, Universidad Autónoma Metropolitana, México Maria Elizabeth Barros de Barros, UFES Maria Inês Baptistella Nemes, USP Maria Isabel da Cunha, Unisinos Maria Ligia Rangel Santos, UFBa Maricela Perera Pérez, Universidad de la Habana, Cuba Marilene de Castilho Sá, ENSP, Fiocruz Maximiliano Loiola Ponte de Souza, Fiocruz Miguel Montagner, UnB Mónica Lourdes Franch Gutiérrez, UFPb Mónica Petracci, UBA, Argentina Nildo Alves Batista, Unifesp Paulo Henrique Martins, UFPE Paulo Roberto Gibaldi Vaz, UFRJ Regina Duarte Benevides de Barros, UFF Reni Aparecida Barsaglini, UFMT Ricardo Burg Ceccim, UFRGS Ricardo Rodrigues Teixeira, USP Richard Guy Parker, Columbia University, USA Robert M. Anderson, University of Michigan, USA Roberta Bivar Carneiro Campos, UFPE Roberto Castro Pérez, Universidad Nacional Autónoma de México, México Roberto Passos Nogueira, IPEA Roger Ruiz-Moral, Universidad Francisco de Vitoria, Espanha Rosamaria Giatti Carneiro, UnB Rosana Teresa Onocko Campos, Unicamp Roseni Pinheiro, UERJ Russel Parry Scott, UFPE Sandra Noemí Cucurullo de Caponi, UFSC Sérgio Resende Carvalho, Unicamp Simone Mainieri Paulon, UFRGS Soraya Fleischer, UnB Stela Nazareth Meneghel, UFRGS Túlio Batista Franco, UFF
APOIO/SPONSOR/APOYO Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp Fundação de Estudo e Pesquisa em Medicina Veterinária e Zootecnia/UFMG Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar Famesp Instituto de Biociências de Botucatu/Unesp Pró-Reitoria de Pesquisa/Unesp Ministério da Saúde - MS
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. Bibliografia Brasileira de Educação <http://www.inep.gov.br>
. CLASE - Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales
y Humanidades <http://www.dgbiblio.unam.mx> . CCN - Catálogo Coletivo Nacional/IBICT <http://ccn.ibict.br> . DOAJ - Directory of Open Access Journal <http://www.doaj.org> . EBSCO Publishing’s Electronic Databases <http://www.ebscohost.com> . EMCare - <http://www.info.embase.com/emcare> . Google Academic - <http://scholar.google.com.br> . LATINDEX - Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal - <http://www.latindex.unam.mx> . LILACS - Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde - <http://www.bireme.org> . Linguistics and Language Behavior Abstracts - LLBA <http://www.csa.com.br> . Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal - <http://redalyc.uaemex.mx/> . SciELO Brasil/SciELO Social Sciences <http://www.scielo.br/icse> <http://socialsciences.scielo.org/icse> . SciELO Citation Index (Thomson Reuters) <http://thomsonreuters.com/scielo-citationindex/> . SciELO Saúde Pública <www.scielosp.org.br> . Social Planning/Policy & Development Abstracts <http://www.cabi.org> . Scopus - <http://info.scopus.com> . SocINDEX - <http://www.ebscohost.com/ biomedical-libraries/socindex> . CSA Sociological Abstracts - <http://www.csa.com> . CSA Social Services Abstracts - <http://www.csa.com> TEXTO COMPLETO EM . <http://www.scielo.br/icse> . <http://www.interface.org.br>
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