Interface - Comunicação, Saúde, Educação é uma publicação interdisciplinar, trimestral, editada pela Unesp (Laboratório de Educação e Comunicação em Saúde, Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu e Instituto de Biociências de Botucatu), dirigida para a Educação e a Comunicação nas práticas de saúde, a formação de profissionais de saúde (universitária e continuada) e a Saúde Coletiva em sua articulação com a Filosofia e as Ciências Sociais e Humanas. Dá-se ênfase à pesquisa qualitativa. Interface - Comunicação, Saúde, Educação is an interdisciplinary, quarterly publication of Unesp - São Paulo State University (Laboratory of Education and Communication in Health, Department of Public Health, Botucatu Medical School and Botucatu Biosciences Institute), focused on Education and Communication in the healthcare practices, Health Professional Education (Higher Education and Inservice Education) and the interface of Public Health with Philosophy and Human and Social Sciences. Qualitative research is emphasized. Interface - Comunicação, Saúde, Educação es una publicación interdisciplinar, trimestral, de Unesp – Universidad Estadual Paulista (Laboratorio de Educación y Comunicación en Salud, Departamento de Salud Pública de la Facultad de Ciencias Medicas, e Instituto de Biociencias, campus de Botucatu), destinada a la Educación y la Comunicación en las practicas de salud, la formación de los profesionales de salud (universitaria y continuada) y a la Salud Colectiva en su articulación con la Filosofía y las Ciencias Humanas y Sociales. Enfatiza la investigación cualitativa. EDITORES/EDITORS/EDITORES Antonio Pithon Cyrino, Unesp Lilia Blima Schraiber, USP Miriam Celí Pimentel Porto Foresti, Unesp EDITORAS ASSISTENTES/ ASSISTENT EDITORS/ EDITORAS ASISTENTES Margareth Santini de Almeida, Unesp Túlio Batista Franco, UFF Vera Lúcia Garcia, Interface - Comunicação, Saúde, Educação EDITORES DE AREA/ÁREA EDITORS/EDITORES DE ÁREA Ana Flávia Pires Lucas D’Oliveira, USP Charles Dalcanale Tesser, UFSC Eliana Goldfarb Cyrino, Unesp Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli, USP Eunice Nakamura, Unifesp Ildeberto Muniz de Almeida, Unesp Márcia Thereza Couto Falcão, USP Neusi Aparecida Navas Berbel, UEL Silvio Yasui, Unesp Sylvia Helena Souza da Silva Batista, Unifesp Victoria Maria Brant Ribeiro, UFRJ EDITORAS DE CRIAÇÃO /CREATION EDITORS/EDITORAS DE CREACIÓN Elisabeth Maria Freire de Araújo Lima, USP Mariângela Quarentei Equipe de Criação/Creation staff/Equipo de Creación Eduardo Augusto Alves Almeida, USP Eliane Dias de Castro, USP Gisele Dozono Asanuma, USP Renata Monteiro Buelau, USP
Capa/Cover/Portada: Radilson Carlos Gomes, Foto Saúde
P ES M FA
CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO/SCIENTIFIC EDITORIAL BOARD/CONSEJO EDITORIAL CIENTÍFICO Adriana Kelly Santos, UFV Afonso Miguel Cavaco, Universidade de Lisboa, Portugal Ana Lúcia Coelho Heckert, UFES Ana Teresa de Abreu Ramos-Cerqueira, Unesp André Martins Vilar de Carvalho, UFRJ Andrea Caprara, UECE António Nóvoa, Universidade de Lisboa, Portugal Carlos Eduardo Aguilera Campos, UFRJ Carmen Fontes de Souza Teixeira, UFBa César Ernesto Abadia-Barrero, Universidad Nacional de Colombia Charles Briggs, UCSD, USA Cleoni Maria Barbosa Fernandes, PUCRS Cristina Maria Garcia de Lima Parada, Unesp Denise Martin Coviello, Unifesp Eduardo L. Menéndez, CIESAS, México Elen Rose Lodeiro Castanheira, Unesp Eliane Dias de Castro, USP Francisco Javier Uribe Rivera, Fiocruz Geórgia Sibele Nogueira da Silva, UFRN Guilherme Souza Cavalcanti, UFPr Hugo Mercer, Universidad de Buenos Aires, Argentina Inesita Soares de Araújo, Fiocruz Jairnilson da Silva Paim, UFBa José Carlos Libâneo, UCG José Ivo dos Santos Pedrosa, UFPI José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres, USP Laura Macruz Feuerwerker, USP Leandro Barbosa de Pinho, UFRGS Leonor Graciela Natansohn, UFBa Luciana Kind do Nascimento, PUC/MG Luis Behares,Universidad de la Republica Uruguaia Luiz Fernando Dias Duarte, UFRJ Magda Dimenstein, UFRN Mara Regina Lemes de Sordi, Unicamp Marcelo Dalla Vecchia, UF São João Del Rei Maria Cecília de Souza Minayo, ENSP/Fiocruz Maria Cristina Davini, OPAS/OMS, Argentina Maria Elizabeth Barros de Barros, UFES Maria Dionísia do Amaral Dias, UNESP Maria Isabel da Cunha, Unisinos Maria Ligia Rangel Santos, UFBa Marilene de Castilho Sá, ENSP, Fiocruz Marilia Freitas de Campos Tozoni Reis, Unesp Marina Peduzzi, USP Miguel Montagner, UnB Marli Elisa Dalmaso Afonso D’André, PUCSP Nildo Alves Batista, Unifesp Paulo Henrique Martins, UFPE Regina Duarte Benevides de Barros, UFF Reni Aparecida Barsaglini, UFMT Ricardo Burg Ceccim, UFRGS Ricardo Fabrino Mendonça, UFMG Ricardo Rodrigues Teixeira, USP Richard Guy Parker, Columbia University, USA Robert M. Anderson, University of Michigan, USA Roberta Bivar Carneiro Campos, UFPE Roberto Passos Nogueira, IPEA, DF Roger Ruiz-Moral, Universidade de Córdoba, Espanha Roseli Esquerdo Lopes, Ufscar Roseni Pinheiro, UERJ Russel Parry Scott, UFPE Sandra Noemí Cucurullo de Caponi, UFSC Simone Mainieri Paulon, UFRGS Sérgio Resende Carvalho, Unicamp Vânia Moreno, Unesp PROJETO GRÁFICO/GRAPHIC DESIGN/PROYECTO GRÁFICO Projeto gráfico-textual/Graphic textual project/Proyecto gráfico-textual Mariângela Quarentei, Unesp Adriana Ribeiro, Interface - Comunicação, Saúde, Educação Identidade visual/Visual identity/Identidad visual Érica Cezarini Cardoso, Desígnio Ecodesign Editoração Eletrônica/Journal design and layout/Editoración electrónica Adriana Ribeiro
ISSN 1807-5762
Radilson Carlos Gomes - Foto Saúde
O FURACÃ O D O H NO OL
DESMONTAGEM
CIAS BIOCIÊN
PRODUÇÃO DE ENCONTRO
ESTILOS DE V ARRISCA IDA DOS
TECNOLOGIA
O CAMP E D O ALH TRAB CON DIÇ ÃO HUM ANA
COMUNICAÇÃO
SAÚDE
RESIDÊNCIA RIA Ó T S HI
DINAMICA EDUCATIVA
PROFISSIONAL-PACIENTE
PEDAGOGIAS CULTURAIS
IDENTIDADES EMERGENTES
GRUPO PSICOEDUCATIVO
EDUCAÇÃO
FOTOGRAFIA
METODOLOGIAS ATIVAS/ PARTICIPATIVAS
PROVIMENTO DE MÉDICOS DISPOSITIVO COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, out./dez. 2013
Interface - comunicação, saúde, educação/ UNESP, v.17, n.47, out./dez. 2013 Botucatu, SP: UNESP Trimestral ISSN 1807-5762 1. Comunicação e Educação 2. Educação em Saúde 3. Comunicação e Saúde 4. Ciências da Educação 5. Ciências Sociais e Saúde 6. Filosofia e Saúde I UNESP Filiada à A
B
E
C
Associação Brasileira de Editores Científicos
comunicação
saúde
educação
v.17, n.47, out./dez. 2013 ISSN 1807-5762
757
editorial artigos
759 Residências em Saúde: o que há nas produções de teses e dissertações?
debates 913 Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos? Mônica Sampaio de Carvalho; Maria Fátima de Sousa
Daniela Dallegrave; Ricardo Burg Ceccim
777 Efeitos de intervenção psicoeducativa sobre a utilização de serviços de saúde por homens idosos Lilian Maria Borges; Eliane Maria Fleury Seidl
927 929 931 933
789 O uso da argumentação científica na opção por estilos de vida arriscados no cenário da aids
Renata Bellenzani; Maria Ines Baptistella Nemes; Vera Paiva
835 Formação e qualificação: um estudo sobre a dinâmica educativa nas equipes de saúde mental do Rio de Janeiro, Brasil Maria Paula Cerqueira Gomes; Ana Lúcia Abrahão; Flávia Fasciotti Macedo Azevedo; Rita de Cássia Ramos Louzada
847 Identidade da agente comunitária de saúde: tecendo racionalidades emergentes
937 O impacto da extensão universitária sobre a formação acadêmica em Odontologia Cristina Berger Fadel; Danielle Bordin; Eunice Kuhn; Luciana Dorochenko Martins
947 O trabalho de campo como dispositivo de ensino, pesquisa e extensão na graduação de Medicina e Odontologia Carlos Dimas Martins Ribeiro; Ivia Maksud; Lilian Koifman; Márcia Guimarães de Mello Alves; Mônica Villela Gouvêa
959 Metodologias participativas no ensino da administração em Enfermagem Carmen Elizabeth Kalinowski; Reinaldo Miguel Dolny Massoquetti; Aida Maris Peres; Liliana Müller Larocca; Isabel Cristina Kowal Olm Cunha; Luciana Schleder Gonçalves; Riciana do Carmo Calixto
Natália Hosana Nunes Rocha; Marisa Barletto; Paula Dias Bevilacqua
859 Por uma educação que se movimente como maré e inunde os cotidianos de serviços de saúde Dagmar Estermann Meyer; Jeane Félix; Michele de Freitas Faria de Vasconcelos
Alcindo Antônio Ferla; Lisiane Bôer Possa Laura Camargo Macruz Feuerwerker Marco Aurelio Da Ros Réplica
espaço aberto
George Moraes De Luiz
803 Comunicação profissional-paciente e cuidado: avaliação de uma intervenção para adesão ao tratamento de HIV/Aids
debatedores
969 Metodologias ativas de ensino-aprendizagem para educação farmacêutica: um relato de experiência Jane Beatriz Limberger
873 Os domínios da Tecnologia Educacional no campo da Saúde Grasiele Nespoli
977
livros
Denise Mourão Falci; Soraya Almeida Belisário
987
teses
901 Contribuição ao estudo do imaginário social contemporâneo: retórica e imagens das biociências em periódicos de divulgação científica
991
notas breves
885 A inserção do profissional de educação física na atenção primária à saúde e os desafios em sua formação
Madel Therezinha Luz; Cesar Sabino; Rafael da Silva Mattos; Alcindo Antônio Ferla; Barbara Andres; Rafael Dall Alba; Anderson dos Santos Machado; Richard Assimos
criação 995 Uma desmontagem humanizada através de fotografias em Saúde Coletiva Carlos Alberto Severo Garcia Júnior; Radilson Carlos Gomes
comunicação
saúde
educação
v.17, n.47, out./dez. 2013 ISSN 1807-5762
756
editorial articles
759 Healthcare residency: what has been produced in theses and dissertations? Daniela Dallegrave; Ricardo Burg Ceccim
777 Effects of psychoeducational intervention on the use of healthcare services by elderly men
debates 913
How has Brazil dealt with the topic of provision of physicians? Mônica Sampaio de Carvalho; Maria Fátima de Sousa
927 929 931 933
debatedores
Alcindo Antônio Ferla; Lisiane Bôer Possa Laura Camargo Macruz Feuerwerker Marco Aurelio Da Ros Réplica
Lilian Maria Borges; Eliane Maria Fleury Seidl
789 The use of scientific argumentation in choosing risky lifestyles within the scenario of aids George Moraes De Luiz
803 Health professional-patient communication and care: evaluation of an intervention for HIV/AIDS treatment adherence Renata Bellenzani; Maria Ines Baptistella Nemes; Vera Paiva
open space 937
Cristina Berger Fadel; Danielle Bordin; Eunice Kuhn; Luciana Dorochenko Martins
947
835 Training and qualification: a study on the educational dynamics in mental health teams in Rio de Janeiro, Brazil Maria Paula Cerqueira Gomes; Ana Lúcia Abrahão; Flávia Fasciotti Macedo Azevedo; Rita de Cássia Ramos Louzada
859 Towards an education that moves like the tide and floods the everyday routines of healthcare services
Fieldwork as a teaching, research and extension device in undergraduate Medicine and Dentistry Carlos Dimas Martins Ribeiro; Ivia Maksud; Lilian Koifman; Márcia Guimarães de Mello Alves; Mônica Villela Gouvêa
959
Participative methods in teaching administration within nursing Carmen Elizabeth Kalinowski; Reinaldo Miguel Dolny Massoquetti; Aida Maris Peres; Liliana Müller Larocca; Isabel Cristina Kowal Olm Cunha; Luciana Schleder Gonçalves; Riciana do Carmo Calixto
847 Identity of community health agents: composing emerging rationalities Natália Hosana Nunes Rocha; Marisa Barletto; Paula Dias Bevilacqua
The impact of university extension on academic training in Dentistry
969
Active teaching-learning methodologies for pharmaceutical education: a report on experience Jane Beatriz Limberger
Dagmar Estermann Meyer; Jeane Félix; Michele de Freitas Faria de Vasconcelos
873 The domains of Educational Technology in the field of healthcare
977
books
987
theses
991
brief notes
Grasiele Nespoli
885 The position of physical education professionals within primary healthcare and the challenges in their training Denise Mourão Falci; Soraya Almeida Belisário
901 Contribution towards studying the contemporary social imaginary: rhetoric and images of biosciences in popular scientific periodicals Madel Therezinha Luz; Cesar Sabino; Rafael da Silva Mattos; Alcindo Antônio Ferla; Barbara Andres; Rafael Dall Alba; Anderson dos Santos Machado; Richard Assimos
creation 995
Humanized disassembly through photographs within public health Carlos Alberto Severo Garcia Júnior; Radilson Carlos Gomes
DOI: 10.1590/1807-57622013.0982
editorial
Interface – Comunicação, Saúde, Educação nos 15 anos da Rede SciELO Os editores dos periódicos científicos da América Latina, Caribe, Espanha, Portugal e África do Sul tiveram muito a comemorar neste ano: os 15 anos de intensa atividade e expansão da Rede SciELO de bibliotecas nacionais de acesso aberto aos periódicos científicos mais importantes dos países que a integram. Neste curto espaço de tempo a Rede SciELO tornou-se uma referência mundial de publicação de acesso aberto, como foi destacado por todos os convidados internacionais que participaram do evento comemorativo de seus 15 anos, realizado em outubro último em São Paulo. Nosso periódico, criado poucos meses antes da SciELO, após seu ingresso na Biblioteca SciELO Brasil ,em 2005, alcançou um crescimento de quase 500% de suas submissões, em apenas três anos. Tal mudança representou um enorme desafio de organização de nosso trabalho editorial em suas diferentes etapas: do julgamento do mérito científico ao projeto gráfico-textual de cada fascículo. O crescimento das submissões tem se mantido e neste ano já ultrapassamos a marca recorde de 800 submissões, das quais cerca de 700 são artigos originais. Nesses oito anos de presença da Interface na Biblioteca SciELO Brasil, nosso desafio tem sido acompanhar as propostas de aprimoramento da comunicação científica apresentadas por ela. Assim, para reduzir custos e prazos entre submissão e publicação, passamos a utilizar os sistemas de gerenciamento editorial online disponibilizados pela biblioteca (SciELO Submission, inicialmente, e ScholarOne, a partir de 2013) e a publicação pré-impressão (ahead of print) dos artigos aprovados. Mais recentemente, adotamos a publicação de press releases dos artigos publicados em nosso Blog e também no Blog das Ciências Humanas da SciELO, lançado durante a conferência dos 15 anos, e já no próximo fascículo, em nossa página na SciELO Brasil. Ao mesmo tempo, a presença mais recente de Interface nas redes sociais (Blog, Facebook, Twitter) é também resultado de um esforço da SciELO junto aos editores dos periódicos da rede para aumentar a visibilidade do que têm publicado junto à comunidade científica e, também, a um público mais amplo, buscando maior impacto social. A recente seleção da revista Interface para integrar a coleção SciELO Saúde Pública, coleção temática da Rede SciELO, é outra conquista que queremos partilhar com nossos colaboradores. A coleção reúne 15 periódicos da área, quatro dos quais brasileiros. Com a entrada de nosso periódico nesta coleção a produção nacional do campo das Ciências Sociais e Humanas em Saúde alcançará uma maior visibilidade internacional. A integração a essa base ocorrerá em 2014, pois exigirá a mudança das normas bibliográficas da ABNT para Vancouver. Para ampliar a comentada difusão internacional do que temos publicado em nosso periódico, em 2013 passamos a subsidiar a tradução de parcela dos artigos publicados para a língua inglesa, como parte dos esforços para ampliar a difusão internacional da produção científica nacional. Para o próximo ano teremos outros desafios à frente, dos quais o maior é a profissionalização do trabalho editorial. Para atingir esta meta, será preciso buscar um financiamento público estável e suficiente, dado que descartamos a possibilidade de cobrar dos autores a submissão e/ou publicação de manuscritos. Neste sentido, é grande nossa expectativa com o “Projeto para o aperfeiçoamento da gestão e dos serviços de editoração e publicação dos periódicos brasileiros de saúde coletiva”, sob a coordenação da SciELO e da Abrasco e com apoio do Ministério da Saúde. Espera-se que, com o esforço coordenado e articulado destas duas instituições com os periódicos do campo, possamos assegurar a profissionalização crescente de nosso trabalho editorial. Antonio Pithon Cyrino, Lilia Blima Schraiber, Miriam Foresti Editores
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
v.17, n.47, p.757, out./dez. 2013
757
DOI: 10.1590/1807-57622013.0983
Interface – Comunicação, Saúde, Educação at the 15th anniversary of the SciELO network The editors of scientific journals in Latin America, the Caribbean, Spain, Portugal and South Africa have had much to commemorate this years: the 15 years of intense activity and expansion of the SciELO network of national libraries with open access to the most important scientific journals of the countries that form part of this network. Over this short space of time, the SciELO network has become a worldwide reference point for open-access publication, as was highlighted by all the guests from many countries who had been invited to participate in the event commemorating its 15th anniversary, which was held in São Paulo last October. Our journal was created just a few months before SciELO and, after entering the SciELO Brazil library in 2005, it achieved growth of submissions of almost 500% in only three years. This change represented an enormous organizational challenge for our editorial work in its different stages, from assessing the scientific merit to producing the graphical-textual layout for each edition. The growth of submissions has been maintained and, this year, we have already surpassed the record milestone of 800 submissions, of which around 700 are original articles. Over these eight years in which Interface has been present in the SciELO Brazil library, our challenge has been to follow along with the proposals for improvement of scientific communication that it has presented. Thus, to reduce costs and time periods between submission and publication, we have started to use the online editorial management systems that are made available by the library (SciELO Submission, initially, and ScholarOne, from 2013) and ahead-ofprint publication of approved articles. More recently, we have started to publish press releases of articles published in our blog and also in SciELO’s Human Sciences blog, which was launched during the 15th anniversary conference, and now in the next edition, on our page of SciELO Brazil. At the same time, Interface’s most recent presence (in the social networks of blogs, Facebook and Twitter) also results from efforts made by SciELO among journal editors of the network, aimed at increasing the visibility of what has been published, not only within the scientific community but also among the broader public, thereby seeking a greater social impact. The recent selection of the journal Interface to form part of the SciELO Public Health collection, which is a thematic collection within the SciELO network, is another achievement that we wish to share with our collaborators. This collection brings together 15 journals within this field, of which four are Brazilian. With the entry of our periodical into this collection, the Brazilian production within the field of Social and Human Healthcare Sciences will attain greater international visibility. Integration into this database will take place in 2014, since it will require changing the bibliographic standards from ABNT to Vancouver. To expand the international diffusion of what we have published in our journal (as commented previously), in 2013 we started to subsidize the English-language translation of a proportion of the articles published, as part of the efforts to broaden the international dissemination of Brazilian scientific production. For the coming year, we will have other challenges ahead of us, among which the biggest is to professionalize the editorial work. To achieve this aim, it will be necessary to seek stable and sufficient public funding, given that we dismiss the possibility of charging authors for submission and/or publication of manuscripts. In this regard, we have great expectations from the “Project to improve the management and the editing and publishing services of Brazilian public health journals”, which is coordinated by SciELO and ABRASCO and is supported by the Ministry of Health. It is hoped that, through the coordinated and interlinked efforts of these two institutions in relation to journals within the field, we will be able to ensure increasing professionalization of our editorial work. Antonio Pithon Cyrino, Lilia Blima Schraiber, Miriam Foresti Editors
758
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
v.17, n.47, p.758, out./dez. 2013
DOI: 10.1590/S1414-32832013005000030
artigos
Residências em Saúde: o que há nas produções de teses e dissertações?
Daniela Dallegrave1 Ricardo Burg Ceccim2
DALLEGRAVE, D.; CECCIM, R.B. Healthcare residency: what has been produced in theses and dissertations?. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013.
This article is about theses and dissertations on Healthcare Residency produced in Brazil between 1987 and 2011. Research on residency has increased over recent years, and the importance of in-service education as a powerful method for developing healthcare workers has been demonstrated. This article presents 94 studies that were located in the thesis database of the Capes portal, found through the descriptors “residency + health”, “preceptor” and “internship”. It also discusses the descriptors that are formally recommended and compares them with the ones used by researchers on this subject. Through the way that this article is presented, the aim is to provide an overview of the subject so that new articles may be produced, thus further enriching the scientific production in this field and, consequently, the in-service training carried out through healthcare residency.
Keywords: Residence in health. Training of health workers. In-service teaching.
Analisam-se teses e dissertações sobre Residências em Saúde produzidas no Brasil no período entre 1987 e 2011. As pesquisas sobre as Residências têm aumentado nos últimos anos, demonstrando a importância da educação pelo trabalho como metodologia potente para formar trabalhadores da saúde. Apresentam-se 94 estudos localizados a partir do banco de teses do portal Capes, com os descritores “residência + saúde”, “preceptor” e “internato”. O texto discute, ainda, os descritores formalmente indicados, contrapondo com aqueles que são utilizados pelos autores das pesquisas sobre o assunto. O modo de apresentação do artigo pretende oferecer um panorama sobre a temática para que novos estudos sejam produzidos, qualificando ainda mais a produção científica na área e, por consequência, a própria formação em serviço que acontece por meio das Residências em Saúde.
Palavras-chave: Residência em Saúde. Formação de trabalhadores da saúde. Ensino em serviço.
1 Grupo Hospitalar Conceição/GHC – Brasil. Rua Francisco Trein, 596, 3º andar, Bairro Cristo Redentor. Porto Alegre, RS, Brasil. 91350-200. danidallegrave@gmail.com 2 Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013
759
RESIDÊNCIAS EM SAÚDE: O QUE HÁ ...
Residências em Saúde: para que pesquisar? O tema da formação pelo trabalho vem crescendo nas pesquisas realizadas nos programas de pósgraduação no Brasil. Mais especificamente, observa-se um aumento nas produções acadêmicas sobre as Residências em Saúde a partir da sua institucionalização, com a Lei 11.129 (Brasil, 2005). Este artigo apresenta um panorama destas produções no período de 1987 a 2011. Destacamos, no entanto, que não há uma restrição às produções sobre Residência Multiprofissional, e sim um alargamento que abrange as pesquisas sobre Residência Médica também. A intenção de escrever um texto deste cunho é subsidiar novos pesquisadores, ou seja, dar a conhecer o que há, para que novos problemas de pensamento aconteçam.
Metodologia Apresentamos aqui as pesquisas produzidas nos programas de pós-graduação stricto sensu, localizadas através de busca feita no Portal de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, o qual constitui um grande banco de dados sobre a produção dos programas de pós-graduação stricto sensu do Brasil. Lá estão arquivados trabalhos produzidos em programas de doutorado e de mestrado acadêmico e profissional. Os registros disponíveis referem-se às defesas realizadas a partir de 1987. Os arquivos, na íntegra, não podem ser acessados por este portal, mas as informações constantes permitem a busca nos sites das bibliotecas dos programas de origem. A busca foi realizada em dezembro de 2012, com os termos “Residência Multiprofissional em Saúde” e “Residência Integrada em Saúde”. Apareceram, respectivamente, 24 e dez registros. Com a expressão “Residência em Área Profissional” foi encontrado um registro. Optando pela busca das palavras Residência somada a Saúde, foram agrupados 986 registros. Após a leitura de todos os títulos e alguns resumos (referentes aos trabalhos em que o título deixava dúvidas sobre o conteúdo), foram excluídos os registros que não tratavam da temática da formação pelo trabalho em saúde, restando 76. Da mesma forma, realizando busca com o termo Internato, foram obtidos 205 registros, dos quais restaram nove, e, com o termo Preceptor, foram obtidos noventa registros, restando nove. Com essas buscas, também foi realizado o mesmo procedimento de seleção descrito anteriormente. Este artigo é oriundo da formulação de um projeto de tese. Para a construção que aqui segue, não foram lidas todas as teses e dissertações referenciadas, e sim apenas os resumos. Como já transitamos na temática das Residências há bastante tempo das nossas histórias de vida, conhecíamos a maioria dos trabalhos na íntegra, fato que facilitou a organização deste material. O total de registros analisados soma 94, sendo resultante da busca com os termos “Residência + Saúde”, Internato, Preceptor. As informações foram transportadas para banco de dados próprio e analisadas conforme descrição que segue. O objetivo deste procedimento foi conhecer que produções estão sendo pensadas por pesquisadores brasileiros acerca da temática das Residências em Saúde, no Brasil, no período de 1987 a 2011 (ano-fim disponível para busca no Portal Capes em dezembro de 2012).
O que encontramos? As 94 teses e dissertações selecionadas estão distribuídas de acordo com o nível de formação, isto é, se correspondem a trabalhos oriundos de mestrado acadêmico, mestrado profissional ou doutorado, conforme a Figura 1. A partir das ocorrências, percebe-se um grande número de trabalhos realizados em programas de mestrado acadêmico (66%). As áreas dos programas nos quais estes trabalhos foram produzidos estão distribuídas conforme o Quadro 1.
760
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013
artigos
DALLEGRAVE, D.; CECCIM, R.B.
66%
22%
Mestrado Acadêmico
Doutorado
12% Mestrado Profissional
Figura 1. Distribuição das teses e dissertações sobre Residências em Saúde no Brasil, conforme nível de formação acadêmica, de 1987 a 2011
Quadro 1. Distribuição das teses e dissertações sobre Residências em Saúde, conforme as áreas dos programas onde foram produzidas, de 1987 a 2011 Área do programa
N
%
Administração
1
1,06
Avaliação em saúde
1
1,06
Ciências da informação
1
1,06
Ciências e saúde
1
1,06
Ciências médicas
2
2,13
Ciências pneumológicas
1
1,06
Clínica médica
2
2,13
Cuidado primário em saúde
1
1,06
Educação
7
7,45
Educação em ciências e saúde
3
3,19
Educação especial
1
1,06
17
18,09
Ensino em ciências da saúde
2
2,13
Epidemiologia
2
2,13
Fonoaudiologia
1
1,06
Gastroenterologia
1
1,06
Medicina (medicina preventiva)
2
2,13
Pediatria
2
2,13
Medicina (radiologia)
2
2,13
Medicina (saúde mental)
1
1,06
Neurologia
1
1,06
Neuropsiquiatria e ciências do desenvolvimento
1
1,06
Odontologia
3
3,19
Psicologia
2
2,13
Psiquiatria e psicologia médica
7
7,45
Saúde
1
1,06
Saúde coletiva
9
9,57
Saúde da criança e do adolescente
1
1,06
Saúde da mulher e da criança
1
1,06
Saúde materno-infantil
1
1,06
13
13,83
3
3,19
94
100
Enfermagem
Saúde pública Serviço social Total
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013
761
RESIDÊNCIAS EM SAÚDE: O QUE HÁ ...
Ao se observar o Quadro 1, pode-se perceber grande expressividade de programas de Enfermagem: 17 (18,09%), seguidos de Saúde Pública: 13 (13,83%) e Saúde Coletiva: 9 (9,57%). Além disso, percebem-se diversidades nas áreas que pesquisam sobre o tema, tais como: enfermagem, psicologia, serviço social, medicina, odontologia, fonoaudiologia, nutrição etc. Ao se analisar a distribuição dos programas nos quais os trabalhos selecionados foram produzidos, de acordo com as regiões do país, obtém-se o gráfico da Figura 2.
59%
24% 11%
Sul
Sudeste
Nordeste
Figura 2. Distribuição das produções de teses e dissertações sobre Residências em saúde, conforme a região do programa de pós-graduação, de 1987 a 2011
Observa-se que coincide, proporcionalmente, com essa distribuição da produção de teses e dissertações, a distribuição dos programas de Residências Multiprofissionais no país. Com relação ao ano de defesa das dissertações e teses, observa-se que há um aumento a partir do ano de 2007 e, também, picos, nos anos de 2007 (nove ocorrências) e 2010 (15 ocorrências). Esse fato pode estar relacionado à publicação da Lei Federal 11.129, no mês junho de 2005, a qual trata da criação das Residências Multiprofissionais em Saúde. Ao somarem-se os períodos regulamentares dos programas de mestrado (de 24 a trinta meses) e de doutorado (48 a sessenta meses) ao momento de promulgação da lei, obtém-se o resultado dos períodos de maior ocorrência, os quais apontam para uma tendência de aumento, uma vez que o maior número de pesquisas defendidas ocorreu em 2011, com 18 ocorrências, conforme Figura 3. A institucionalização das Residências em Saúde convoca, de certa forma, novos problemas de pesquisa, ou atualiza os já existentes. Com relação ao tipo de programa, o maior número de pesquisas refere-se a programas de Residência Médica (41 – 43,62%), seguidos de programas de Residência Multiprofissional, com 36 (38,30%) pesquisas realizadas. Considerando-se que a Residência Médica foi instituída em 1981 (Brasil, 1981) e a Residência Multiprofissional em 2005 (Brasil, 2005), ou seja, uma diferença de 24 anos de institucionalização (consideradas as datas das leis de suas criações), pode-se pensar que estão bem próximas em quantidade de pesquisas produzidas. Ainda, dentre esse número de pesquisas de Residências Multiprofissionais, podemos apontar para estudos verificando a inserção de: assistentes sociais (Vargas, 2011; Closs, 2010), nutricionistas (Santos, 2009), enfermeiros (Bordinhão, 2010; Landim, 2009) e dentistas (Moschen, 2011), nesta modalidade de Residência. Observa-se, ainda, na Figura 4, que apenas 4% dos trabalhos se dedicaram a pesquisar os programas de Residência Médica e Multiprofissional articulando a formação de trabalhadores da saúde nessas duas modalidades.
762
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013
artigos
DALLEGRAVE, D.; CECCIM, R.B.
80 18
18 16
15
14 12 10
10
8
7
6 4 2
3 1
1
87 19
90 19
1
4 2
2
2
1
3
6
5
4 3
3
3
0 93 994 996 997 1 1 1 19
98 999 19 1
00 20
01 002 20 2
03 20
04 20
05 006 20 2
07 20
08 20
09 010 20 2
11 20
Figura 3. Distribuição das teses e dissertações sobre Residências em Saúde, conforme o ano da defesa, de 1987 a 2011
4%
Residência Médica + Residência Multiprofissional
14%
Residência de Enfermagem
38%
Residência Multiprofissional em Saúde
44%
Residência Médica
Figura 4. Distribuição das pesquisas sobre Residências em Saúde, conforme o tipo de programa pesquisado
Com relação ao Quadro 2, observa-se predominância de pesquisas envolvendo a modalidade de formação em Residência na área da Saúde da Família (26 – 27,66%), a qual evidenciou-se como cenário de atuação profissional na saúde com a criação do Programa/Estratégia Saúde da Família - ESF, gerando, desde então, novas questões quanto à necessidade de formação de trabalhadores da saúde, aos quais competiriam as especificidades deste tipo de atenção. Seguem-se, à Saúde da Família, as pesquisas sobre a formação de enfermeiros (15 – 15,96%), sendo que, dessas, a maioria (13 – 86,67%) COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013
763
RESIDÊNCIAS EM SAÚDE: O QUE HÁ ...
foi pesquisas específicas de formação em Residências de Enfermagem, restando poucas (2 – 13,33%) sobre a inserção de enfermeiros nos programas de Residência Multiprofissional.
Quadro 2. Distribuição das pesquisas sobre Residências em Saúde, conforme a área ou especialidade pesquisada Área/especialidade pesquisada
N 1
Áreas Básicas
% 1,06
Clínica Médica
3
3,19
Enfermagem
15
15,96
Gastroenterologia
1
1,06
Neurocirurgia
1
1,06
Neurologia Infantil
1
1,06
Nutrição
1
1,06
Odontologia
1
1,06
Oncologia
1
1,06
Ortopedia
1
1,06
Pediatria
7
7,45
Radiologia e Diagnóstico por Imagem
2
2,13
26
27,66
Saúde Mental/Psiquiatria
5
5,32
Serviço Social
2
2,13
Terapia Intensiva
3
3,19
Não explicitado
21
22,34
Saúde da Família
Mais de uma área/especialidade Total
2
2,13
94
100,00
Sobre os descritores: ou como identificamos as pesquisas que tratam das Residências em Saúde? A leitura das palavras-chave das pesquisas resultou na constatação de que não há um padrão de conferência pelos autores. Tal fato pode ser explicado de diversas formas. A explicação utilizada por nós seria a seguinte: Em consulta ao portal de Descritores em Ciências da Saúde - DeCS (www.decs.bvs.br), realizada em dezembro de 2012, utilizando o termo Residência, foram encontrados três descritores, quais sejam: Internato e Residência (“Programas de treinamento em medicina e especialidades médicas oferecidos por hospitais para graduados em medicina para ir de encontro3 às exigências estabelecidas por autoridades competentes”); Internato não Médico (“Programas avançados de treinamento para responder a certas exigências em outros campos que não a medicina ou a odontologia, por exemplo, a farmacologia, a nutrição, a enfermagem etc.”); e Migração Pendular (“Refere-se à mobilidade espacial na qual, por motivos de trabalho, se produz um deslocamento da residência ao local de trabalho”). Pode-se observar que, dessas três definições, a última não se refere à formação de profissionais. O termo que mais se aproxima do que quer dizer a Residência Multiprofissional é Internato não Médico. No entanto, há diferenças epistemológicas, de concepção de trabalho em saúde e, até, de concepção 764
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3 Entendemos que há um equívoco no uso da expressão “de encontro às” nesta definição. Esta expressão significa em contraposição, diferente do que pretende comunicar a definição. O correto seria ir ao encontro das...
DALLEGRAVE, D.; CECCIM, R.B.
artigos
pedagógica, fato que pode explicar o uso de diversos outros termos para se referir ao assunto e, raramente, este. Na busca realizada, nenhuma das produções utilizou esse descritor. O DeCS é uma ferramenta que se propõe a padronizar o uso de descritores na área da saúde, para quaisquer tipos de publicação, objetivando a indexação de livros, anais de congressos, relatórios, revistas ou outros materiais, a partir de uma linguagem que se pretende universal, facilitando, assim, as buscas e recuperação dos materiais disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde – BVS ou outras. Para facilitar a comunicação entre leitores, autores, editores e pareceristas, é um vocabulário trilíngue (português, espanhol e inglês), considerando que estes são os idiomas mais utilizados para buscas em pesquisas no Brasil (DeCS, 2012). Entendendo sua importância para a pesquisa em saúde, pode-se afirmar que seria importante a formulação de descritores mais próximos à realidade das pesquisas realizadas, considerando, também, que as pesquisas sobre Residência Médica utilizam esse termo como palavra-chave, não sendo o recomendado pelo DeCS, isto é, Internato e Residência. Das 94 pesquisas, obteve-se um total de 237 descritores, aproximadamente dois para cada trabalho. Esses descritores foram categorizados: atenção básica foi somada à atenção primária em saúde - APS e, também, à Estratégia Saúde da Família, resultando em Atenção Básica/APS/ESF, conforme segue no Quadro 3; na categoria generalidades, estão agrupados os descritores: saúde, saúde pública, integralidade, mercado de trabalho, recursos humanos, Sistema Único de Saúde – SUS; em temas específicos, estão agrupadas as especialidades, referencial teórico escolhido pelos autores, enfim, algo que conferia diferença às temáticas trabalhadas nos estudos. Da mesma forma, foram agrupados outros termos com representações semelhantes.
Quadro 3. Distribuição das pesquisas sobre Residências em Saúde, conforme palavra-chave Palavras-chave
Categorização
Atenção Básica/APS/ESF
20
Educação em Saúde
25
Generalidades
19
Multiprofissionalidade Preceptoria/Mentoria
5 9
Profissão específica
38
Residência em Saúde
56
Temas específicos
65
Em observação sistemática (realizada por amostra aleatória, composição dos registros e verificação de divergências), constata-se que as palavras-chave apresentadas no portal da Capes nem sempre correspondem às informadas pelos autores, nas teses e dissertações. Referem-se, então, a termos informados pelos programas de mestrado e doutorado, quando do cadastro da produção. De qualquer forma, esse modo de atribuir palavras-chave demonstra relação com o conteúdo, mas, também, pode haver outras explicações para a não-padronização de termos, questão que não será tratada aqui. Deste modo, propomos que haja a criação do descritor Residência em Saúde de modo a padronizar a utilização pelos pesquisadores e, também, para facilitar a disseminação do conhecimento produzido nestes estudos. Ao reconhecer que os grandes interessados em acessar os conhecimentos sobre o assunto são os formuladores de política e, também, o movimento social, consideramos que esta padronização também auxiliaria neste sentido. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013
765
RESIDÊNCIAS EM SAÚDE: O QUE HÁ ...
Emergentes dos problemas de pesquisa Com relação à leitura, apareceram diversos assuntos emergentes referindo-se ao que foi tratado nas pesquisas. Quadro 4. Distribuição das teses e dissertações sobre Residências em Saúde, de 1987 a 2011, conforme categoria de temática estudada Categorização
N
Avaliação
38
Estratégias de Educação pelo Trabalho
26
Formação para o Sistema Nacional de Saúde
16
Formar para quê?
32
Multiprofissionalidade
14
Preceptoria
18
Observa-se, no Quadro 4, que há um total de 144, no somatório dos assuntos anunciados pelos trabalhos. Isso acontece porque alguns traziam mais de um tema emergente. Abaixo, um pouco sobre cada um deles. Dos 94 trabalhos analisados, observa-se que 38 tratavam de algum tipo de avaliação, incluindo análise de implementação de programa em vinte desses (Ribeiro, 2009; Jorge, 2007; Barba, 2007; Amaral, 2002; Peçanha, 1993; Elias, 1987)4. Um deles realizou a análise de dois Projetos Políticos Pedagógicos de RMS em Saúde da Família, demonstrando que diferenças importantes entre os projetos apontaram para as particularidades e características locorregionais dos programas (Santos, 2010), características estas que devem estar posicionadas como centrais em uma política de formação de trabalhadores para o SUS que esteja preocupada com o provimento e a fixação de profissionais. Ainda, a pesquisa de Sól (2011) analisa programas de Residência em Medicina Geral Comunitária; o estudo de Bezerra (2011) propõe um instrumento de avaliação das Residências em Saúde da Família e Comunidade. Reis (2011) avalia adequação dos programas de Residência de Enfermagem ao que preconiza a CONARENF – Comissão Nacional de Residência de Enfermagem. Ainda na categoria avaliação, dois trabalhos preocuparam-se com a avaliação de desempenho de residentes (Amadeu Junior, 2001; Santoro Junior, 1999), e outro pesquisou a compreensão de residentes sobre a sua formação (Oliveira, 2007a), e, ainda, uma análise do perfil de egressos (Demarco, 2011). As outras dez pesquisas tratavam da saúde (ou da sua falta) dos residentes, o que pode ser um relevante marcador para avaliar as possibilidades de adoecimento provocadas pela vivência da formação em sua intensidade, apontando para alguns limites (Corrêa da Silva, 2011; Suozzo, 2011; Carvalho, 2008; Esquivel, 2008; Franco, 2007; Macedo, 2004; Fagnani Neto, 2003; Franco, 2002; Obara, 2000; Martins, 1994). Com relação à categoria estratégias de educação para o trabalho, quatro pesquisas apontaram as Residências como dispositivos de educação permanente (Vargas, 2011; Lima, 2010; Wanderley, 2010; Oliveira, 2009). Uma delas utilizou, como analisador, as características culturais da modernidade líquida, obtendo, como emergente deste tipo de formação, o enfrentamento do cotidiano de incertezas por parte de trabalhadores e residentes (Rossoni, 2010). 766
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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4 Citam-se estes porque eles não aparecerão em nenhuma outra categoria. Os demais são: Lima (2010), Schaedler (2010), Mariano (2010), Teixeira (2009), Montesanti (2008), Castro (2007), Portella (2006), Pires (2006), Souza (2004), Miranda (2003), Sanches (2001), Mariano (2001), Fiszbeyn (2000), Calil (1997).
DALLEGRAVE, D.; CECCIM, R.B.
5 Potencial pedagógico, conforme anunciado por estes estudos, refere-se à potência do método de aprendizagem no trabalho.
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013
artigos
Quatro pesquisas apontaram para as Residências como modalidade importante para formar trabalhadores da saúde (Lobato, 2010; Schaedler, 2010; Dallegrave, 2008; Souza, 2004), e outras dez sinalizaram que essa modalidade configura-se importante por ter, como metodologia, a formação pelo trabalho. A integralidade apareceu como importante vetor para configurar as Residências como estratégia de educação no trabalho, em sete pesquisas. Dessas, três referiam-se à integralidade na formação em Residências Multiprofissionais (Medeiros, 2011; Dallegrave, 2008; Pimenta, 2005); duas, à potencialidade da Residência Médica para formar profissionais que se preocupem com a integralidade (Teixeira, 2009; Montesanti, 2008); uma ocupava-se com a inserção da integralidade na formação do assistente social (Closs, 2010); uma do odontólogo (Wanderley, 2010), e uma do nutricionista (Santos, 2009). Ainda, dentro da mesma categoria, outros emergentes foram: há uma limitação da formação nas Residências, que é o atravessamento de concepções tradicionais de educação (Wanderley, 2010, Oliveira, 2007b). No entanto, elas configuram-se como potenciais para operar a mudança na formação (Schaedler, 2010) e, também, no trabalho (Schaedler, 2010; Zanini, 1996). Os autores dos estudos constataram o potencial pedagógico5 dos programas de Residências Multiprofissionais (Alves da Silva, 2010; Leão, 2010; Oliveira, 2009; Santos, 2009; Oliveira, 2007b; Ferreira, 2007) e, também, dos programas de Residência Médica (Botti, 2009; Esquivel, 2008; Portella, 2006; Zardo, 2002; Chedid, 2001; Feuerwerker, 1997). Outra pesquisa (Alves da Silveira, 2011) avaliou o conhecimento dos residentes sobre o contrato didático do programa de RMS e concluiu que residentes não se sentem ativos nos espaços de decisão das Residências. A pesquisa de Melo (2009) investigou o uso de computadores de mão, por médicos residentes, no suporte à tomada de decisão clínica. Otanari (2011) propõe um grupo de intervenção como método/estratégia de ensino em um programa de Residência Médica e em outro Multiprofissional em Saúde. Na categoria formação para o sistema nacional de saúde, das 94 pesquisas em análise, 16 apontaram para as Residências como modalidade de educação que confere elementos a seu currículo com a preocupação de formar para esse sistema. Chama a atenção que uma delas (Varella, 1996) identificava que a formação em Residência Médica estava voltada para o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social - Inamps, antigo componente do sistema de saúde. Petta (2011) analisa a implantação do Pró-Residência como estratégia de formação de médicos para o sistema de saúde. Com relação à descrição de objetivos da formação na modalidade Residência, agrupados na categoria Formar para quê?, as pesquisas apontam para: o aprimoramento técnico-científico dos profissionais em formação (Botti, 2009; Oliveira, 2007b; Franco, 2002), a necessidade de formar profissionais com um certo perfil de competências (Bordinhão, 2010; Landim, 2009; Botti, 2009; Nascimento, 2008; Ferreira, 2007; Oliveira, 2007a; Calil, 1997) e, articulada a isso, a necessidade de descrever qual o perfil de residentes em formação (Demarco, 2011; Carro, 2007; Macedo, 2004; Farias, 2003; Miranda, 2003; Mariano, 2001; Canatto, 1999; Sousa, 1998). A especialidade e a necessidade de enfocar esse quesito aparecem em seis pesquisas, todas referentes a estudos sobre a Residência Médica (Ramos, 2011; Muller, 2010; Boechat, 2005; Zardo, 2002; Fiszbeyn, 2000; Peçanha, 1993), sendo uma em pediatria, outra em gastroenterologia, e outra em radiologia. Uma delas avalia fatores culturais, sociais e econômicos que interferem na escolha da especialidade pelo médico, concluindo que esforços do governo são necessários 767
RESIDÊNCIAS EM SAÚDE: O QUE HÁ ...
para que médicos se formem em medicina de família, que se caracteriza por ser uma modalidade generalista (Muller, 2010). Aparece, em cinco delas, o desafio das Residências em Saúde para o enfrentamento do paradigma hegemônico positivista e flexneriano das práticas em saúde (Oliveira, 2009; Lima, 2008; Simoni, 2007; Oliveira, 2007a; Scherer, 2006). Oito tratam das Residências a partir de uma perspectiva histórica de tipos/modos de formação (Barbosa da Silva, 2011; Pasini, 2010; Botti, 2009; Oliveira, 2007c; Falk, 2005; Souza, 2004; Machado, 2003; Breglia, 1990). Com relação à categoria multiprofissionalidade, constituem emergentes: a preocupação da formação de pediatras como profissionais integrantes de uma equipe de saúde (Lahterman, 2010), o conhecimento de médicos residentes sobre saúde bucal (Balaban, 2011; Amadeu Junior, 2001), e a importância das práticas multiprofissionais na formação para o trabalho em equipe (Pasini, 2010; Salvador, 2010; Wanderley, 2010; Dallegrave, 2008; Ferreira, 2007). Outras três apontam para a Residência como dispositivo de formação multiprofissional (Santos, 2010; Simoni, 2007; Scherer, 2006). Utilizando a preceptoria como analisador, nove estudos apontam para o despreparo de preceptores no exercício desta função, que é tão central na formação dos programas de Residência (Cae da Silva, 2011; Souza, 2011; Wanderley, 2010; Mariano, 2010; Santos, 2009; Castro, 2007; Papa, 2004; Sanches, 2001; Lima, 1996). Neste sentido, Pires (2006) realizou sua pesquisa avaliando um programa de formação em Residência Médica, concluindo que havia destaque para as figuras de preceptores como fator mais importante para conferir uma boa avaliação ao programa. Das 94 pesquisas, cinco ocuparam-se em investigar o papel do preceptor, sendo que quatro delas foram pesquisas em programas de Residência Médica (Botti, 2009; Carvalho, 2003; Wuillaume, 2000; Berardinelli, 1998) e um estudo voltava-se para a preceptoria de enfermeiros (Papa, 2004). Ainda, partindo de achados de pesquisa, o trabalho de Lima (1996) faz propostas para compor um programa de treinamento para preceptores. Já a pesquisa de Maeda (2006) estuda a temática da preceptoria no contexto de Residência em Enfermagem, apontando, como requisitos mínimos, para o desenvolvimento da atividade de preceptoria: “ter o curso de especialização e experiência na área, além de gostar de ensinar” (p.8). Fajardo (2011) constata a presença do trabalho imaterial como parte do fazer do preceptor, ocupando seu tempo de trabalho e, também, fora dele. A autora encontra certos movimentos institucionais em decorrência da presença do programa de Residência.
Considerações finais As Residências em Saúde apresentam-se como temática emergente e com tendência de aumento nas pesquisas realizadas nos programas de pós-graduação stricto senso no Brasil. O artigo apresentou as produções disponíveis no portal Capes acerca do assunto, totalizando 94 pesquisas. Há predominância de pesquisas sobre as Residências Médicas, devido ao fato de estas estarem instituídas legalmente há mais tempo no Brasil. Observa-se expressivo número de pesquisas que se destinaram a avaliar programas em andamento. A discussão propõe a criação de um novo descritor que seja integrador, ou seja, que esteja adequado às pesquisas sobre Residência Médica, Multiprofissional e, também, em área profissional. O objetivo de ter um descritor que esteja focado no assunto é também excluir outras temáticas tangenciais, facilitando a busca dos pesquisadores da temática. O descritor proposto é Residência em Saúde. O artigo se propôs a fazer um panorama das pesquisas sobre a temática Residência em Saúde, objetivando fornecer subsídios para que novas pesquisas sejam empreendidas. No que se refere a isto, teve, como limite, o não-aprofundamento de nenhuma temática.
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artigos
Colaboradores Ambos os autores realizaram a concepção e revisão do artigo. Daniela Dallegrave responsabilizou-se pela pesquisa e escrita e Ricardo Burg Ceccim responsabilizou-se pela orientação. Referências ALVES DA SILVA, Q.T. Residência multiprofissional em Saúde: o estar-junto dos residentes em saúde. 2010. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2010. ALVES DA SILVEIRA, L.H. Avaliação do conhecimento dos residentes de um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde referente ao “Contrato Didático”. 2011. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2011. AMADEU JUNIOR, I. Avaliação do conhecimento de saúde bucal que possui o médico residente em pediatria da cidade de São Paulo e da sua atuação junto aos pacientes. 2001. Dissertação (Mestrado profissional) – Faculdade de Odontologia, Universidade Camilo Castelo Branco, São Paulo. 2001. AMARAL, J.L. Avaliação e transformação das escolas médicas: uma experiência, nos anos 90, na ordenação de recursos humanos para o SUS. 2002. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2002. BALABAN, R. Conhecimentos dos médicos pediatras com relação à saude bucal infantil. 2011. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2011. BARBA, P.C.S.D. Avaliação da grade curricular e conhecimentos de residentes em pediatria sobre vigilância do desenvolvimento. 2007. Tese (Doutorado) Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 2007. BARBOSA DA SILVA, L. Trajetória histórica do Curso de Especialização em Enfermagem – Modalidade Residência no Hospital Ophir Loyola (Pará, 1998 - 2007). 2011. Tese (Doutorado) – Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2011. BERARDINELLI, L.M.M. A (im)posição silenciosa da enfermeira preceptora. 1998. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1998. BEZERRA, T.C.A. Programa de Residência Multiprofissional em Saúde: construção de um instrumento avaliativo. 2011. Dissertação (Mestrado profissional) – Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife. 2011. BOECHAT, A.L. Proposta de um programa básico para a formação médico residente em Radiologia e diagnóstico por imagem. 2005. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2005. BORDINHÃO, R.C. Processo de enfermagem em uma unidade de tratamento intensivo à luz da teoria das necessidades humanas básicas. 2010. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2010. BOTTI, S.H.O. O papel do preceptor na formação de médicos residentes: um estudo de Residências em especialidades clínicas de um hospital de ensino. 2009. Tese (Doutorado) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 2009.
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DALLEGRAVE, D.; CECCIM, R.B.
artigos
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DALLEGRAVE, D.; CECCIM, R.B. Residencias en salud: ¿qué hay en las producciones de tesis y disertaciones? Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013. El artículo trata sobre las tesis y disertaciones producidas en Brasil bajo el tema de Residencias en Salud en el período entre 1987 a 2011. Las investigaciones sobre Residencias han aumentado en los últimos años, demostrando la importancia de la educación por medio del trabajo como una potente metodología para formar trabajadores de la salud. El trabajo presenta 94 estudios que fueron localizados a partir del banco de tesis del portal Capes, con los descriptores “residencia + salud”, “preceptor” e “internado”. El texto discute también los descriptores formalmente indicados, contraponiéndose con aquellos utilizados por los autores de las investigaciones sobre el asunto. El modo de presentación del artículo busca ofrecer un panorama sobre el tema para que se produzcan nuevos estudios, calificando aún más la producción científica en el área y, consecuentemente, la propia formación en el trabajo que se realiza por medio de las Residencias en Salud.
Palabras clave: Residencia en Salud. Capacitación del trabajador de la salud. Serviço de enseñanza.
Recebido em 16/04/13. Aprovado em 26/08/13.
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v.17, n.47, p.759-76, out./dez. 2013
DOI: 10.1590/S1414-32832013005000024
artigos
Efeitos de intervenção psicoeducativa sobre a utilização de serviços de saúde por homens idosos Lilian Maria Borges1 Eliane Maria Fleury Seidl2
BORGES, L.M.; SEIDL, E.M.F. Effects of psychoeducational intervention on the use of healthcare services by elderly men. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.777-88, out./dez. 2013. This study investigated the effects of a psychoeducational intervention for strengthening self-care among elderly men, with emphasis on seeking and using healthcare services. Thirteen retired married men aged between 62 and 78 years (M = 69.5) participated. The interventions occurred at nine thematic meetings that included dialogue-based presentation and group dynamics. Data were obtained before and after the group sessions, through individual interviews based on a questionnaire that had been developed for investigating self-care behavior and associated factors. The possible effects from the interventions were seen to be greater readiness among the participants to attend consultations and medical examinations. However, the intervention was most beneficial in terms of awareness-raising and maintenance, rather than in relation to changes to healthcare behavior. The need for further investigations focused on the interrelationship between gender, aging and health was emphasized.
Keywords: Men’s health. Aged. Masculinity. Psychoeducational group.
Este trabalho verificou os efeitos de uma intervenção psicoeducativa para fortalecer o autocuidado entre homens idosos, com destaque para a busca e a utilização de serviços de saúde. Participaram 13 homens com idades entre 62 e 78 anos (M = 69,5), casados e aposentados. As intervenções ocorreram em nove encontros temáticos. Os dados foram obtidos antes e após sessões grupais, mediante entrevistas individuais conduzidas para a investigação de comportamentos de autocuidado e fatores associados. Como possíveis efeitos das intervenções, verificou-se maior prontidão dos participantes para a realização de consultas e exames médicos. A intervenção mostrou-se mais vantajosa para sensibilização e manutenção do que para modificação de comportamentos de saúde. Reforça-se a necessidade de novas investigações focadas na inter-relação entre gênero, envelhecimento e saúde.
Palavras-chave: Saúde do homem. Idoso. Masculinidade. Grupo psicoeducativo.
1 Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, Universidade Católica de Brasília. SGAN 916, Módulo B. Avenida W5. Brasília, DF, Brasil. 70790-160. limaborgesg@gmail.com 2 Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília.
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EFEITOS DE INTERVENÇÃO PSICOEDUCATIVA ...
Introdução O Brasil apresenta processos notáveis de transição demográfica, com incremento na proporção de idosos nas últimas décadas. De acordo com o censo demográfico do ano de 2010, pessoas com 65 anos ou mais apresentam uma participação relativa, na população, de 7,4%, o que significa um número de idosos superior a vinte milhões no país (IBGE, 2011). A expectativa de vida do brasileiro ao nascer, que, em 2003, era de 71,3 anos, elevou-se para 73,17 anos em 2009 (IBGE, 2010a). A projeção é de que, em 2020, o país tenha 32 milhões de pessoas nessa faixa de idade, tornando-se o sexto país no mundo em número de idosos. Essas alterações demográficas têm sido acompanhadas por mudanças no perfil epidemiológico da população, com a redução da incidência de doenças infectocontagiosas e maior prevalência de enfermidades crônico-degenerativas, que se tornaram as principais causas de morbimortalidade (Veras, 2009, 2003; Camarano, 2002). Embora a velhice não deva ser compreendida como sinônimo de doença, sabe-se que o segmento idoso da população apresenta índices maiores de morbidade quando comparado aos demais grupos etários. Com o avançar do processo de envelhecimento, as pessoas mostram maior predisposição a enfermidades crônicas, como doenças cardiovasculares e osteoarticulares (Veras, 2009, 2003). Na idade de 75 anos, a maioria das pessoas tem, em média, de três a quatro doenças ou incapacidades (Tulloch, 2005). Por outro lado, indicadores de morbimortalidade, medidos por demandas aos serviços e por inquéritos populacionais, evidenciam que há riscos diferenciados de adoecimento e de morte para homens e mulheres relacionados a aspectos tanto biológicos como a processos socioculturais. As mulheres apresentam doenças crônicas e incapacidades em maior frequência que os homens (RedondoSendino et al., 2006; Laurenti, Jorge, Gotlieb, 2005; Lunenfeld, 2002). No entanto, no Brasil, estes apresentam uma expectativa média de vida em torno de sete anos menor do que a das mulheres (Brasil, 2008; IBGE, 2010a). Ao analisar os diferenciais de mortalidade entre os sexos, Abreu, César e França (2009) verificaram que, de 1983 a 2005, as mortes evitáveis no Brasil representaram cerca de 32% dos óbitos entre homens, os quais evidenciaram risco maior de morrer, em relação às mulheres, de causas de morte evitáveis por diagnóstico e tratamento precoces, e por doença isquêmica do coração. Estas diferenças foram maiores com o avanço da idade, particularmente após 45 anos. A alta incidência de doenças e de mortalidade na população masculina indica que os homens, comparativamente às mulheres, apresentam mais comportamentos de risco à saúde, engajam-se menos em comportamentos preventivos e buscam os serviços de saúde com menor frequência, em especial os serviços de atenção primária (Gomes, Nascimento, Araújo, 2007). Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD do ano de 2008, uma menor porcentagem dos homens entrevistados (58,8%) havia realizado consultas médicas nos últimos 12 meses em comparação com as mulheres (76,1%). Embora o principal motivo da busca de serviços de saúde, para ambos os sexos, tenha sido o acometimento por doenças, verificou-se proporcionalmente maior procura por vacinação ou prevenção entre as mulheres, enquanto os homens recorreram mais do que estas aos serviços para tratarem de acidentes ou lesões (IBGE, 2010b). Em grande parte por questões culturais e educacionais, os homens agem em função, sobretudo, da necessidade de reparação de problemas já existentes, e buscam, com predominância, os prontossocorros e farmácias (Couto et al., 2010; Pinheiro et al., 2002). Esse padrão de comportamento masculino pode levar à perda de um tempo importante para o diagnóstico precoce e, consequentemente, acarretar o agravo da morbidade (Brasil, 2008), o que implica maior sofrimento físico e emocional e gasto maior de recursos de saúde (Issa et al., 2006; Lunenfeld, 2002). Linhares et al. (2003) verificaram que a clientela atendida no ambulatório de geriatria de um hospital universitário era composta, predominantemente, de mulheres, que correspondiam a 70% dos participantes do estudo. Veras (2003) também encontrou uma demanda por serviços ambulatoriais consistentemente menor entre os homens em entrevistas realizadas com trezentos e sessenta idosos na recepção de um ambulatório da rede pública. A ausência de um número mais significativo de homens
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BORGES, L.M.; SEIDL, E.M.F.
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idosos nos ambulatórios evidencia que estes, possivelmente, tenham contato com o sistema de saúde em estado mais avançado de doenças, o que leva a tratamentos mais onerosos e menos resolutivos. A baixa procura masculina por serviços de saúde pode ser melhor compreendida se considerarmos que, na socialização dos homens, o cuidar de si e a valorização do corpo são questões pouco incentivadas (Schraiber, Gomes, Couto, 2005). Os cuidados com a saúde estão fortemente associados à ideia de feminilidade, e os serviços de atenção primária são vistos comumente como um espaço destinado ao público feminino e às crianças (Figueiredo, 2005; Lunenfeld, 2002). Além disso, os homens, de modo geral, temem que a verbalização de suas necessidades de saúde seja interpretada como demonstração de fraqueza, medo ou insegurança, e, assim, gere desconfianças acerca de sua masculinidade (Gomes, Nascimento, Araújo, 2007; Figueiredo, 2005). As mulheres são mais incentivadas e autorizadas, pela sociedade, a comunicar suas aflições em relação a dores e desconfortos, utilizando, com maior frequência, estratégias como: choro, queixas e procura por serviços de saúde (Linhares et al., 2003). Gomes, Nascimento e Araújo (2007) chamam a atenção para as influências culturais envolvidas na questão e destacam vários fatores para se compreender o padrão diferenciado de cuidados com a saúde de homens em comparação com o padrão das mulheres, incluindo: o medo da descoberta de uma doença grave, a vergonha da exposição do corpo perante o profissional de saúde, e a nãodisponibilização de programas ou atividades direcionadas, especificamente, para a população masculina. Nesse aspecto, parece existir uma lacuna entre as necessidades de saúde da população masculina e a organização das práticas e serviços de saúde (Couto et al., 2010). Por conseguinte, a temática “homem e saúde” constitui alvo de interesse recente na saúde coletiva, e abarca esforços crescentes para a identificação das especificidades que necessitam ser consideradas na abordagem da saúde masculina em diferentes fases do ciclo de vida. No Brasil, desde 2009, vigora a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), iniciativa recente e inovadora do Ministério da Saúde, lançada com o objetivo de facilitar e ampliar o acesso da população masculina a ações e serviços de saúde, bem como de reduzir seus índices de morbimortalidade. Ao formular os princípios e as diretrizes da referida política, o governo busca superar obstáculos socioculturais e institucionais que dificultam, aos homens, realizarem medidas preventivas, sendo delineadas ações que contribuam para a compreensão dos aspectos singulares da realidade masculina e que promovam o enfrentamento de fatores de risco e o estímulo ao autocuidado (Brasil, 2008). Nesse cenário, a identificação das necessidades de homens torna-se uma condição importante para o alcance de uma prática cotidiana mais saudável por parte destes, visando a oferta de estratégias especiais de assistência que resultem em um melhor acolhimento de suas demandas e anseios (Figueiredo, 2005; Schraiber, Gomes, Couto, 2005; Loeb, 2003; Quine et al., 2004). Lunenfeld (2002) destaca a importância de programas que visam tornar os homens melhor informados sobre o processo de envelhecimento masculino, e afirma que a orientação acerca do impacto que cuidados preventivos podem exercer no prolongamento e na qualidade de suas vidas ajuda a torná-los gerenciadores da própria saúde. Oliffe et al. (2010) defendem a utilidade de espaços grupais nos quais homens possam: intercambiar experiências de adoecimento, modelar estratégias para a manutenção da saúde, reforçar a percepção de que não estão sozinhos, e adquirir orientações sobre estratégias e benefícios do autocuidado. Ressaltam, ainda, que outros homens são capazes de influenciar fortemente as normas masculinas em questões de saúde e doença. Há poucos dados empíricos no que tange à eficácia de intervenções em grupo com idosos do sexo masculino. Contudo, Thompson et al. (2003), com base em evidências clínicas, defendem que estes podem se beneficiar da participação em grupos psicoeducativos desenvolvidos para abordar suas necessidades, preferencialmente com poucos participantes, fechados, e que apresentem um equilíbrio entre informações, apoio e estratégias de enfrentamento. No intuito de promover e fortalecer comportamentos de autocuidado entre homens idosos, as autoras deste estudo desenvolveram e implementaram uma intervenção psicoeducativa em grupo junto a frequentadores de um centro de convivência para idosos. Várias temáticas foram abordadas nos
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encontros, dentre elas a busca por serviços de saúde como medida de prevenção e controle de doenças. Partiu-se do pressuposto de que essa modalidade de programa pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias eficientes no atendimento às especificidades do universo masculino e, assim, favorecer uma abordagem mais integral à saúde do homem idoso. O presente artigo tem por objetivo apresentar os efeitos dessa intervenção, a partir de indicadores verbais, no que se refere a crenças e comportamentos dos participantes quanto à realização periódica de exames médicos preventivos e à busca oportuna por serviços de saúde. A pesquisa foi conduzida nos moldes de um estudo quase experimental, com a seguinte estrutura: os idosos participaram de avaliações iniciais individuais, destinadas ao levantamento da linha de base, e, na sequência, foram submetidos à intervenção em grupo, que foi seguida por duas outras avaliações individuais semelhantes, relativas à avaliação pós-intervenção e a um seguimento efetuado quatro meses depois do término das sessões grupais. Com base no Modelo Transteórico de Mudança (Transtheoretical Model), foram analisados os estágios motivacionais dos participantes com respeito a ações de busca por serviços de saúde. Nesse modelo, a mudança comportamental é compreendida como um processo que envolve progressão através de cinco estágios pelos quais a pessoa passa, com avanços e retrocessos, até adquirir ou modificar hábitos de vida: 1. pré-contemplação – a mudança não é cogitada; 2. contemplação – a mudança é uma intenção; 3. preparação – a ação para a mudança é planejada; 4. ação – mudanças específicas são identificadas, e 5. manutenção – mudanças são mantidas por, pelo menos, seis meses (Prochaska, DiClemente, 1983; Prochaska, Johnson, Lee, 1998).
Método Participantes Foram convidados e aceitaram integrar o estudo 13 homens com idades entre 62 e 78 anos (m = 69,5), de diversos níveis de escolaridade, credos religiosos e rendas familiares, recrutados entre pessoas que frequentavam um Centro de Convivência para Idosos (CCI) em funcionamento em uma universidade privada do Distrito Federal. Todos estavam aposentados e mantinham relações conjugais estáveis há, no mínimo, 15 anos.
Instrumentos Os dados foram coletados mediante o emprego do Questionário de Avaliação da Saúde do Homem Idoso (QUASHI), elaborado para a pesquisa, que contém 32 questões abertas e fechadas, estruturadas em cinco partes: 1. caracterização sociodemográfica; 2. autoavaliação da saúde; 3. busca e utilização de serviços de saúde; 4. comportamentos preventivos e promotores de saúde; e 5. definição de metas de saúde. A terceira parte do instrumento, foco do presente trabalho, é composta por nove questões destinadas a investigar quais os serviços de saúde acessados, os exames médicos realizados e os tipos de atendimento recebidos pelo respondente, assim como seus possíveis obstáculos para a realização de exames preventivos e adesão aos tratamentos prescritos.
Procedimentos de coleta de dados Inicialmente, a proposta foi apresentada à instituição onde se desenvolveu a pesquisa, requerendo aprovação para sua implementação. O projeto foi submetido, então, a um Comitê de Ética em Pesquisa e, após sua aprovação, os aspectos operacionais da intervenção foram discutidos com a coordenação do CCI. As avaliações individuais dos idosos que aceitaram integrar o estudo e formalizaram a concordância com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ocorreram em salas com isolamento acústico e livres de interrupções. Nas entrevistas, alicerçadas no QUASHI, cada idoso foi solicitado a
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avaliar sua condição de saúde atual e a relatar seus comportamentos de busca por serviços de saúde e demais comportamentos de autocuidado. A pesquisadora realizava a leitura cuidadosa de cada questão e registrava, em áudio, as respostas emitidas. Para a busca e utilização de serviços de saúde, as metas principais definidas foram: aumentar a realização de exames preventivos e aumentar a frequência a consultas médicas. Foram, então, iniciadas as sessões grupais, que ocorreram com periodicidade semanal até completarem nove sessões, com duração aproximada de noventa minutos cada uma. As sessões foram temáticas, tendo todas elas um tema norteador predefinido relacionado à saúde do homem e/ou à saúde do idoso, tais como: os limites e as potencialidades do envelhecer; os determinantes da saúde do homem, e a prevenção do câncer de próstata. Conforme o planejamento de cada sessão, as estratégias de trabalho em grupo consistiram em: fornecimento de informações por meio de estratégias orais, com ou sem apoio de recursos audiovisuais; discussões em grupo, com troca de informações e experiências; uso de materiais educativos, escritos ou em vídeo; mensagens para reflexão; dramatizações, vivências e técnicas de dinâmica de grupo. Após a conclusão das atividades em grupo, dois encontros para novas avaliações individuais foram realizados com cada participante, tendo por base a utilização de uma versão simplificada do QUASHI e a finalidade de verificar mudanças de comportamentos, de crenças e de atitudes relacionadas à intervenção. O segundo bloco de entrevistas foi iniciado uma semana após o término do grupo, em dias e horários previamente acordados com os participantes. Decorridos quatro meses, as entrevistas foram repetidas. Essas avaliações pós-intervenção, a exemplo das primeiras, foram gravadas em áudio e transcritas.
Procedimentos de análise de dados Os relatos verbais dos participantes foram submetidos a análises tanto quantitativas como qualitativas. As escolhas entre alternativas de respostas previamente fornecidas, incluindo escalas, foram computadas em termos de frequência para cada item avaliado. As informações coletadas por meio de questões abertas foram categorizadas tendo em vista o relato de condutas tidas como importantes para a prevenção, identificação ou tratamento de doenças. Alguns trechos das verbalizações são fornecidos ao longo da seção de resultados, seguidos, entre parênteses, pelo nome fictício do entrevistado e sua idade.
Resultados Realização de consultas médicas Os idosos, sem exceção, referiram apresentar, no mínimo, um agravo à saúde de natureza crônica, com predomínio de diabetes mellitus e doenças cardiovasculares. Em média, foram identificados três agravos à saúde por participante, evidenciando vários quadros de comorbidades. No período de tempo investigado, eles recorreram a clínicos gerais e a médicos de oito especialidades para avaliações preventivas, investigações diagnósticas ou acompanhamento de doenças. Os especialistas mais procurados foram cardiologistas e urologistas, consultados, respectivamente, por 69,2% e 61,5% dos participantes. Em frequência menor, houve relatos de visitas a: endocrinologistas, oftalmologistas, ortopedistas, oncologistas, neurologistas e pneumologistas. Existiram referências ainda a consultas com outros profissionais da área de saúde, abrangendo odontólogos (n=7), nutricionistas (n=2) e fisioterapeutas (n=2). Nas avaliações que precederam as sessões psicoeducativas, os idosos relataram a participação em 52 consultas médicas, tomando como parâmetro os 12 meses anteriores, o que correspondeu a uma média aproximada de quatro consultas por mês. Nas avaliações posteriores, observou-se um aumento relativo na média de visitas a consultórios médicos nos três meses seguintes às primeiras entrevistas, que passou a ser de seis consultas por mês. No seguimento, a média de consultas realizadas nos quatro meses
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compreendidos entre a segunda e a terceira avaliações foi de 4,75. No intervalo de tempo total incluído nas avaliações, relativo a 19 meses, computou-se uma média de 6,8 consultas por participante. A comparação da média mensal de consultas evidenciou aumento no número de visitas médicas para dez deles na fase pós-intervenção. Sete participantes declararam possuir plano privado de assistência à saúde e utilizar exclusivamente (n=4) ou prioritariamente (n=3) os serviços médicos privados, enquanto os demais idosos relataram recorrer a serviços públicos de saúde. A procura por atendimentos em centros ou postos de saúde foi referida por sete idosos, incluindo consultas com clínicos gerais e orientações em grupo para portadores de diabetes ou hipertensão arterial. As imunizações também constituíram uma prática constante entre os participantes, com todos eles afirmando submissão recente a esta medida de prevenção primária. Além dos atendimentos médicos clínicos ou ambulatoriais, três participantes relataram a ocorrência de atendimentos emergenciais. Berilo teve seu comportamento caracterizado pela esquiva de consultas médicas e uso de remédios naturais para tratamento de sintomas, sendo a busca desse tipo de consulta uma meta estabelecida para o mesmo na intervenção. Encontrava-se, portanto, no estágio da pré-contemplação, com ausência de reconhecimento quanto à necessidade de mudar o padrão de comportamento vigente. Em suas palavras: “[...] e eu não vou, não vou. É uma burrice, uma ignorância, eu assumo. Mas eu tô me sentindo bem, sabe”. Ele evidenciou a crença de que o cultivo de hábitos saudáveis e a prática de exercícios físicos atuavam como medidas compensatórias à ausência de atendimentos médicos. “Essa saúde que eu tenho hoje, eu tenho que conservar. Como? Nas caminhadas, nos exercícios de hidroginástica, na alimentação com pouco sal, na medida do possível não comendo doce, então na minha cabeça acho que isso aí é suficiente e por isso eu fico relaxado”. (Berilo, 75 anos)
Além disso, alimentava a crença de que a realização da consulta leva ao descobrimento de doenças. “Eu tô sadio, eu vou ao médico, vou voltar é doente, que ele vai passar exame disso, daquilo outro [...]. Eu não sinto nada, eu tenho medo de ir ao médico e voltar doente, porque eu sou velho. Se procurar, vai encontrar alguma coisa”. (Berilo, 75 anos)
Para este idoso, as estratégias empregadas no grupo consistiram em questionamento de suas crenças disfuncionais sobre consultas médicas, que foram defendidas como uma medida importante para a preservação da saúde. Após a intervenção, ele mostrou avanço para o estágio de contemplação, pois afirmou, nas entrevistas seguintes, a possibilidade de buscar consulta em futuro próximo, com evidência de revisão de suas crenças em resposta às experiências vividas no grupo: “Eu vejo outras pessoas ‘tem que fazer um check-up, tem que ir ao médico’, aqui mesmo nós ouvindo entre os colegas, comecei a imaginar assim que eu também certamente... eu acredito que eu vá fazer. Não sei, tô pensando, [...] tô tomando coragem”. (Berilo, 75 anos)
Três outros participantes tiveram o aumento da frequência a consultas médicas preventivas como meta traçada para a intervenção. Esses idosos protelavam a busca por consultas e só recorriam a avaliações médicas quando do surgimento ou agravamento de sintomas: “Só vou quando há necessidade. O problema aí eu tiro pelo seguinte, quando eu vejo que algo não tá bem, por exemplo, não tô urinando suficiente, sinto dores, então eu me sinto por obrigação ir lá fazer alguns exames”. (Franco, 78 anos) “Eu vou pro pronto socorro, [...] às vezes não dá para segurar muito. Eu tive uma torção no pé e eu não fui. Fiquei quatro meses com o pé dolorido. Acho que vai ficar bom, aí dou um tempo”. (Fausto, 66 anos) 782
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O estágio inicial evidenciado por estes idosos foi, portanto, a pré-contemplação, com pouco reconhecimento da importância da avaliação e orientação preventivas, o que resultava na busca postergada das consultas. À guisa de exemplo: “Eu sou ruim pra ir em médico, eu só vou naquelas horas que tá precisando mesmo, igual quando você tá com fome, só vou comer quando tiver com fome” (Amadeu, 76 anos). A crença associada, por conseguinte, era de que a pessoa só deve buscar ajuda médica se experimentar sintomas específicos e houver necessidade de alguma prescrição medicamentosa. Observou-se, ainda, a prática habitual do uso de remédios naturais, de autodiagnóstico ou automedicação diante de algum mal-estar, como exemplificam os seguintes relatos: “Eu acho melhor tá em casa, bebendo aquela água com casca de pau, essas coisas e tal” (Amadeu, 76 anos); “Quando eu não tô bem, eu vou lá, tomo um comprimido de pressão e pronto” (Franco, 78 anos). A estratégia empregada no grupo foi a sensibilização para os benefícios das consultas preventivas. Ao final, Amadeu e Franco, embora tenham continuado a relacionar a necessidade de visita ao médico à presença de sintomas, relataram a realização de novas consultas. Por exemplo: “Agora mesmo, esses dias, eu fiz um check-up, assim da unha até o fio de cabelo, todinho” (Amadeu, 76 anos). Fausto demonstrou manter-se no estágio da pré-contemplação, com continuidade da busca retardada das consultas: “não tenho ido não com aquela frequência, qualquer coisa ir [...]. É raramente, porque eu chego lá o médico não quer receitar nada, ele diz que tá tudo bem” (Fausto, 66 anos). Em parte, esse padrão de comportamento pareceu estar relacionado à crença do participante de que sua rotina de alimentação saudável e seus conhecimentos sobre prevenção eram suficientes para mantê-lo sadio. Os demais participantes (n=9) relataram realizar visitas médicas periódicas para avaliações preventivas e para acompanhamentos de seus quadros clínicos. Nesses casos, mostraram estar no estágio da ação ou da manutenção, afirmando já realizarem consultas com regularidade média ou alta. Houve evidências da crença na utilidade das consultas preventivas e na importância de se mostrarem atuantes na interação com o profissional mediante concessão de informações, descrição de sintomas e esclarecimento de dúvidas. A estratégia principal empregada na intervenção consistiu no reforçamento destes padrões de comportamento. Nas entrevistas posteriores, os idosos em questão continuaram valorizando e afirmando iniciativas concernentes à busca de consultas médicas de rotina. Todos eles mencionaram a importância de estarem informados quanto ao funcionamento do próprio organismo, de modo a obterem orientações e, se necessário, medidas terapêuticas.
Realização de exames médicos Em relação à realização de procedimentos preventivos ou diagnósticos, foram sondados os tipos de exames aos quais os idosos tinham sido submetidos nos 12 meses anteriores à entrevista de linha de base, bem como nos meses compreendidos entre o início das intervenções psicoeducativas e as entrevistas finais. Os participantes afirmaram ter realizado, em cada período investigado, entre um e 11 exames preventivos ou para acompanhamento clínico, com predomínio de aferição da pressão arterial e medição da taxa de glicose no sangue. A totalidade dos idosos realizou pelo menos um desses dois exames, em grande parte como medida de acompanhamento de seus quadros de hipertensão e diabetes. Houve ainda referências a exames de laboratório, especialmente hemogramas e exames de fezes e urina. Os exames da próstata foram realizados pela maioria dos idosos, com maior submissão ao teste de Dosagem do Antígeno Prostático Específico (PSA) do que ao toque retal. Outros procedimentos, referidos por um número menor deles, foram: exames de imagem, exames para avaliação cardíaca, ecografias, exames oftalmológicos, testes de HIV, endoscopias e biópsia prostática. Na linha de base, os relatos indicaram que os exames realizados no período de 12 meses variaram em quantidade de três a oito, com uma média de 6,2 tipos de exames por participante. Nas avaliações seguintes, os exames realizados ao longo de sete meses variaram de um a 11, com média de 4,8. Em geral, os participantes afirmaram a realização de exames periódicos e destacaram a importância das ações preventivas como forma de identificar e tratar doenças em tempo hábil. Oscar, inclusive, exemplificou a importância da prática destes exames ao relatar a descoberta de um carcinoma e, COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.777-88, out./dez. 2013
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tempos depois, de diabetes a partir da realização de avaliações gerais, sem que apresentasse sinais ou sintomas em quaisquer dos casos. “Aí falei “vou fazer um check-up pra ver se eu tô inteiro”. [...] fui no urologista, quando chegou lá tava com carcinoma, aí que eu fiz a cirurgia. Nunca senti nada, fui fazer preventivo e apareceu”. (Oscar, 70 anos)
Três idosos indicaram uma diminuição na frequência de submissão a exames no espaço temporal compreendido entre o início das sessões e as entrevistas de seguimento, fato este justificado pelo grande número de compromissos assumidos no período, o que comprometeu a disponibilidade para este tipo de cuidado. No entanto, estes e outros dois participantes ressaltaram a intenção de efetuar novas consultas e exames nos meses seguintes. Eis um exemplo: “Eu tô aguardando agora o recesso pra fazer um check-up. Primeiro pra fazer um check-up é o clínico, depois coração, gastro, e tem o outro também... nutricionista. Tem que passar por esses todos”. (Eusébio, 63 anos)
O exame para detecção do câncer de próstata via toque retal mostrou ser o exame mais temido pelos participantes, sendo citado como o exame mais difícil de ser realizado por sete deles. Por outro lado, quatro idosos afirmaram não encontrar dificuldades para realizar qualquer tipo de exame médico, como foi o caso de Mário (72 anos): “Uma vez que o médico considere que é necessário, eu encaro qualquer coisa. Não tem esse negócio de não gosto disso ou daquilo. Ora, eu gosto é de saúde”. Berilo e Fausto afirmaram que nunca ou raramente realizavam exames preventivos além dos testes rotineiros da pressão arterial e da glicemia. O favorecimento da realização do exame do toque retal consistiu em meta elaborada para esses dois participantes, que se recusavam a efetivar o exame. O estágio inicial, portanto, era a pré-contemplação, como ilustra a seguinte verbalização: “eu quero evitar, eu tenho feito isso, evitar. [...] não tô a fim de fazer não” (Berilo, 75 anos). Como estratégia de intervenção, o toque retal foi apresentado como importante medida para detecção precoce do câncer de próstata, com estímulo para a procura pelo exame. O padrão de comportamento final continuou sendo a pré-contemplação no caso de Berilo, como mostra seu relato: “Eu sou consciente, tenho certeza que já tive a orientação necessária, mas isso eu falo não. Nessa parte eu sou arcaico” (Berilo, 75 anos). Fausto, por sua vez, mostrou avanço para o estágio de contemplação, com abertura para a realização do exame: “a gente está a disposição, porque não pode deixar o que tem que fazer pra um outro dia, porque seria tardio” (Fausto, 66 anos). Em relação aos demais participantes, a meta foi aumentar ou manter a frequência de submissão a exames diagnósticos da próstata. Eles realizavam os principais exames preventivos do câncer de próstata, conforme indicação médica, ainda que considerassem aversivo o procedimento via toque retal. Por exemplo: “O exame do toque ele é chato pra caramba, mas não tem nada não, a gente faz quantas vezes for preciso” (Oscar, 70 anos). As estratégias empregadas no grupo consistiram no reforçamento da busca por exames preventivos da próstata e na revisão de crenças e mitos acerca da sua realização. Ao final, houve indícios da manutenção da realização periódica dos exames e aparente menor desconforto emocional na efetivação do toque retal: “Eu era muito tímido, falar em mostrar meu corpo para um médico era a pior coisa que eu achava, mas, ultimamente, de acordo com o que eu vejo, eu já fico mais a disposição” (Franco, 78 anos). A permanência de sinais mais evidentes de ansiedade diante da necessidade do toque retal foi observada apenas no relato de Gastão (62 anos): “Agora eu tenho de fazer exame da próstata, [...] faço anualmente, aquele exame que me deixa nervoso. Mas tem que fazer, né? Fazer o que?”
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Discussão Em relação ao perfil de morbidade dos participantes, observou-se que as doenças de maior incidência foram: hipertensão arterial, diabetes e doenças do coração, que estão entre as enfermidades mais comumente diagnosticadas entre homens acima de cinquenta anos de idade (Issa et al., 2006; Laurenti, Jorge, Gotlieb, 2005), e se constituem em agravos à saúde não transmissíveis, relacionados, em boa parte, a hábitos de vida, e, como tal, passíveis de prevenção, de identificação precoce e de controle clínico. Houve, ainda, vários casos de comorbidade, mostrando que, na velhice, é comum uma condição crônica associar-se ao desenvolvimento de outras e ocasionar, aos profissionais de saúde, o desafio de avaliar e tratar múltiplos problemas (Ferrucci, Giallauria, Guralnik, 2008). Este é um dado preocupante na atenção à saúde da população idosa, considerando que as doenças crônicas aumentam os riscos para incapacidade funcional, dependência e diminuição da qualidade de vida (Bryant, Altpeter, Whitelaw, 2006). No entanto, os participantes evidenciaram, em geral, bom controle de seus quadros clínicos, com preservação de suas funções físicas e papéis sociais. Para Veras (2009), o idoso que mantém sua capacidade funcional, ou seja, que tem preservadas suas habilidades físicas e mentais para uma vida independente e autônoma, deve ser considerado um indivíduo saudável, ainda que seja acometido por doenças. Distúrbios na próstata constituíram problemas atuais ou do histórico médico de seis participantes, o que reforça a necessidade de se abordar sua prevenção e tratamento entre homens idosos, de modo a estimulá-los a se submeterem aos exames diagnósticos e a prepará-los para lidar com os efeitos decorrentes da doença e de seu tratamento. Observou-se, no entanto, o engajamento dos participantes em diversos tipos de busca por assistência à saúde, que são, em geral, apontadas como pouco frequentes entre representantes do sexo masculino. Destacam-se relatos acerca da utilização dos serviços primários, a alta frequência a consultas médicas e a realização de exames preventivos de modo regular. Avaliações da próstata, sobretudo o exame do toque retal, apesar de referidas como geradoras de vergonha e ansiedade, eram realizadas com relativa periodicidade – dado que vai ao encontro do estudo de Loeb (2003), a qual verificou, com 135 homens idosos, uma média de quatro participações em exames de saúde durante o último ano, havendo maior adesão à aferição da pressão arterial, exames físicos e da próstata. Os resultados mostraram que as intervenções ajudaram a ampliar ou fortalecer a conscientização quanto à importância da busca e utilização regular de diversos serviços de saúde. No caso de Berilo, participante com maior barreira pessoal para efetivação de consultas e exames, entende-se, a partir de seus depoimentos, que as intervenções propiciaram a revisão da crença de que as consultas levam à descoberta de doenças e que hábitos saudáveis, por si só, asseguram a prevenção de doenças, o que favoreceu a intenção comportamental de buscar consultas médicas. Todavia, este idoso continuou recusando a realização de exames para diagnóstico de distúrbios na próstata. Um motivo que pode ter contribuído para a manutenção de sua esquiva refere-se à baixa suscetibilidade percebida a doenças e ao fato de avaliar-se como sadio, tal como expresso por ele: “Eu olho pra mim e é como se eu não tivesse necessidade” (Berilo, 75 anos). A decisão de realizar um exame preventivo ou diagnóstico é mais provável se a pessoa apresenta um estado de prontidão psicológica que dependerá do quanto ela se sente suscetível a contrair a condição em questão e da percepção que ela tem da gravidade das consequências desta condição para a sua saúde. Depende, ainda, da ausência de barreiras psicológicas para a tomada de ação (Pavão, Coeli, 2008). A esquiva de Berilo em ir ao médico e em realizar exames não estava atrelada a falta de informações ou de estímulos para tal, como ele mesmo reconheceu. O tipo de intervenção realizada não se revelou suficiente para dotá-lo de estratégias apropriadas ao enfrentamento de uma situação que era, para ele, a longo tempo, geradora de ansiedade. O grupo reforçou os benefícios destas práticas preventivas, em detrimento de seus custos, e forneceu a ele modelos para lidar com a situação, entretanto maior avanço em seu processo de mudança careceria de atenção mais particularizada, mediante intervenções individuais. Amadeu e Franco, nas avaliações pós-intervenção, embora tenham continuado evidenciando a crença de que a busca de auxílio médico deve ser contingente à apresentação de sintomas específicos, COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.777-88, out./dez. 2013
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passaram, no segundo momento, a relatar reconhecimento maior quanto à necessidade de realizarem exames preventivos. Os demais idosos reafirmaram suas crenças na importância das medidas preventivas, de acompanhamento e controle de seus agravos à saúde, sendo que alguns deles mostraram satisfação em saber que estavam “no caminho certo”. A adoção de práticas preventivas teve, como barreiras para alguns idosos, fatores já constatados em outras pesquisas, como: o medo da descoberta de uma doença grave e a vergonha da exposição do corpo perante o profissional (Gomes, Nascimento, Araújo, 2007). No entanto, não se pode afirmar, contrariamente a outros trabalhos, que tais dificuldades estiveram associadas a fatores como: falta de tempo, pouca valorização do autocuidado e preocupação incipiente com a saúde (Figueiredo, 2005; Schraiber, Gomes, Couto, 2005; Loeb, 2003). Os resultados do estudo mostram que os homens podem se constituir em sujeitos do próprio cuidado. É importante destacar, conforme discutem Couto et al. (2010), que a invisibilidade dos homens nos serviços de saúde, muitas vezes, é reforçada pela expectativa dos profissionais, que assumem o estereótipo de que estes não cuidam de si e não procuram os serviços, deixando de estimulá-los a praticar ações de promoção e prevenção.
Considerações finais O conjunto dos dados revelou que a intervenção psicoeducativa foi útil para sensibilizar os participantes acerca das vantagens de se implementarem ações em prol da prevenção ou controle de doenças. No entanto, as experiências no grupo atuaram mais para reforçar práticas saudáveis ou para sensibilizá-los a respeito de novas e desejáveis mudanças. A intervenção não se mostrou suficiente para alterar hábitos associados a crenças disfuncionais, ainda que intenções de mudança tenham sido evidenciadas. O formato do grupo, incluindo a diversidade de temas e a quantidade de participantes, não favoreceu uma abordagem mais direta a dificuldades particulares dos idosos. Quando barreiras psicológicas à mudança se fazem presentes, pode ser necessário associar intervenções individuais às intervenções grupais, de modo a melhor auxiliar o participante na revisão de crenças, manejo de respostas emocionais e aprendizagem de novo repertório de respostas diante de situações estressoras. Homens idosos podem se beneficiar, no contato educativo com profissionais e pares, da oportunidade de permutarem experiências e conhecimentos, o que potencializa a manutenção do autocuidado e sensibiliza para a mudança de comportamentos prejudiciais à saúde. Embora se considere que os homens sejam mais prováveis de negar do que discutir questões de saúde e doença, os resultados deste estudo reforçam a possibilidade de homens, tanto quanto as mulheres, envolverem-se em processos grupais educativos e valorizarem o comprometimento com temáticas relacionadas ao processo saúde-doença. Ressalta-se, por fim, que o trabalho de promoção da saúde com homens não pode se basear na suposição de um conjunto de características iguais, que leva a interpretá-los como um grupo composto por valores e comportamentos comuns e generalizáveis. As práticas de saúde dos homens dependem de fatores demográficos, pessoais e culturais, e, como tal, são diversas. Assim, além de se buscar diferenças entre homens e mulheres, é necessário identificar diferenças entre eles próprios, permitindo lidar com diferentes formas e estilos de ser homem.
Colaboradores Lilian Maria Borges foi responsável pela elaboração do artigo, enquanto que Eliane Maria Fleury Seidl participou do seu planejamento e da revisão final do texto. 786
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BORGES, L.M.; SEIDL, E.M.F.
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Palabras clave: Salud del hombre. Anciano. Masculinidad. Grupo psicoeducativo.
Recebido em 19/03/13. Aprovado em 25/08/13.
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DOI: 10.1590/S1414-32832013005000025
artigos
O uso da argumentação científica na opção por estilos de vida arriscados no cenário da aids George Moraes De Luiz1
DE LUIZ, G.M. The use of scientific argumentation in choosing risky lifestyles within the scenario of aids. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.789-802, out./dez. 2013.
This article deals with the use of scientific arguments that circulate in the day-to-day lives of men who have sex with men (MSM) in casual partnerships, as a strategy for managing the risks relating to sexual practices. The theoretical basis for this investigation was the discursive practices regarding risky lifestyles within the scenario of aids. Through the snowball technique, seven participants were chosen and they gave responses in semi-structured interviews. The results showed that scientific information circulating in the daily lives of the interlocutors of this study had been assimilated and that these individuals interpreted this information as a potential source for risk management. In summary, these men had developed risk management strategies relating to infection by STD and HIV and/or HIV reinfection, without necessarily basing them on the Brazilian government’s official preventive policies.
Keywords: Scientific argumentation. Risk management. Sexual practices among men who have sex with men.
Investigam-se os usos de argumentos científicos que circulam no cotidiano de homens que fazem sexo com homens (HSH), em parceria casual, como estratégia para gerir riscos associados às práticas sexuais. O aporte teórico da pesquisa refere-se às práticas discursivas sobre estilos de vida arriscados no cenário da aids. Por meio da técnica snowball foram selecionados sete participantes, que responderam a uma entrevista semiestruturada. Os resultados indicam a assimilação de informações científicas que circulam no cotidiano dos interlocutores deste estudo interpretadas como potencial fonte na gestão de riscos. Esses homens desenvolvem estratégias de gestão de risco de infecção por DST, HIV e/ou a reinfecção pelo HIV sem basear-se, necessariamente, nas políticas oficiais de prevenção do governo brasileiro.
Palavras-chave: Argumentação científica. Gestão de riscos. Práticas sexuais entre homens que fazem sexo com homens.
Discente, Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Rua Monte Alegre, 984, Perdizes. São Paulo, SP, Brasil. 05014-901. george_psico@ yahoo.com.br 1
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O USO DA ARGUMENTAÇÃO CIENTÍFICA ...
Este artigo resulta de um estudo de Mestrado em Psicologia Social, cujo objetivo foi entender como homens que fazem sexo com homens (HSH), em parceria casual, gerenciam os riscos de infecção por doenças sexualmente transmissíveis (DST), vírus da imunodeficiência humana (HIV) e/ou reinfecção pelo HIV, ao optarem por práticas sexuais sem o uso de preservativo (De Luiz, 2011). Elegemos, para esta discussão, a aproximação do discurso dos interlocutores com o conhecimento científico na área da aids. Vale salientar que as informações aqui discutidas são tomadas como práticas discursivas que circulam no cotidiano de nossos interlocutores, e utilizadas como potencial fonte de gestão de risco para esses homens. A maior esperança de cura ou de descoberta de outras estratégias de prevenção à aids encontra-se no desenvolvimento de vacinas que possam impedir a instalação do vírus no organismo humano e, no caso de pessoas infectadas, a sua eliminação. Por isso, bilhões de dólares são investidos em estudos que visam produzir resultados na arena da aids. Enquanto a descoberta não chega, a sociedade tem de se acostumar com o cenário epidêmico e lidar de alguma forma com os riscos de infecção implicados tanto nos ensaios clínicos com seres humanos (Spink, 2007) quanto no cotidiano das práticas sexuais. A Tabela 1, por exemplo, foi elaborada pelo Centers for Disease Control and Prevention - CDC (2005) para auxiliar os gestores da saúde que atuam na área da prevenção a analisar o risco para o HIV por via de exposição. Além da Tabela de Risco, há uma série de estudos no campo da aids denominados de novas tecnologias de prevenção biomédicas. A palavra tecnologia é de origem grega e significa “conjugar a técnica ao conhecimento para a satisfação de nossas necessidades” (Kalichman, 2009). Por serem humanas, essas necessidades são construídas no âmbito social e mudam conforme o contexto. Nessa perspectiva, o autor nos instiga a pensar no desenvolvimento de novas tecnologias que visem à
Tabela 1. Estimativa de risco para HIV por via de exposicão* Via de exposição
Risco para cada 10.000 exposições
Transfusão de sangue
9.000
Referências Donegan et al. (1990)
Compartilhamento de seringas durante o uso de drogas injetáveis
67
Kaplan e Heimer (1995)
Prática de sexo anal receptivo
50
Varghese et al. (2002) e European Study Group on Heterosexual Transmission of HIV (1992)
Agulha perfurocortante
30
Bell (1997)
Prática de sexo vaginal receptivo
10
Varghese et al. (2002), Leynaert, Downs e De Vincenzi (1998), European Study Group on Heterosexual Transmission of HIV (1992)
Prática de sexo anal insertivo
6.5
Varghese et al. (2002), European Study Group on Heterosexual Transmission of HIV (1992)
Prática insertiva de pênis na vagina
5
European Study Group on Heterosexual Transmission of HIV (1992), Varghese et al. (2002)
Prática de sexo oral receptivo
1
Varghese et al. (2002)**
0.5
Varghese et al. (2002)**
Prática de sexo oral insertivo
Estimativas de risco de transmissão por forma de exposição ao assumir práticas sem preservativo. ** Fonte de referência de práticas de sexo oral feito em um homem. *
Fonte: Tabela, adaptada do inglês, do Centers for Disease Control and Prevention. Recommendations and Reports. Antiretroviral Postxposure Prophylaxis After Sexual, Injection-Drug Use, or Other Nonoccupational Exposure to HIV in the United States. MMWR, Atlanta (2005).
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artigos
prevenção sexual entre HSH em um novo cenário de epidemia, bem diferente daquele existente nas décadas passadas. Nesse sentido, pesquisadores da área da aids têm desenvolvido novas tecnologias que podem ser agrupadas em dois grandes grupos: as “leves” e as “duras”. Para Brito (2009) os dois modelos de intervenção são importantes, porém o segundo retoma a noção de risco individual. As tecnologias leves dizem respeito a questões ligadas: à gestão e gerência de ações programáticas e de participação social, à organização do processo de trabalho, aos recursos humanos, ao desenvolvimento de técnicas educativas e comunicacionais, ao acolhimento, ao aconselhamento e à assistência integral. Já as tecnologias duras abrangem: a camisinha, as vacinas, os microbicidas, as estratégias cirúrgicas, tais como a circuncisão, e as estratégias medicamentosas, por exemplo, as profilaxias pré (PREP) e pós-exposição sexual (PEP) em situações de riscos. O Boletim de Vacinas anti-HIV/AIDS, VAX, em suas edições mensais, divulga os principais estudos em andamento sobre imunobiológicos anti-HIV e as novas tecnologias de prevenção biomédicas (Prevenção..., 2006). São experimentos que, supostamente, poderiam mitigar possíveis riscos de infecção e/ou reinfecção pelo HIV. “Diga-se, de passagem, que a profusão e polissemia dessas informações, que empilham evidências de pesquisas presentes e passadas, validadas hoje e desacreditadas amanhã, aumentam a responsabilidade por busca de informações [...]” (Spink, 2007, p.256). A questão é que, até o início da década de 2010, no que se refere a essas novas tecnologias de prevenção, nenhum estudo comprovou sua eficácia de forma a garantir seu uso com segurança entre a população. Em entrevista a Mary Jane Spink (2010), Nikolas Rose relata que os experimentos nas áreas de ciência da vida, biomedicina, neurociência e biotecnologias são muito instáveis. Ninguém sabe ao certo se esses testes darão certo. Assim, enormes esperanças são depositadas em pesquisas que podem não ser confirmadas, como é o caso da terapia gênica. O futuro incerto e as expectativas precipitam o tempo de conclusão dos estudos, que falham tão frequentemente quanto se sucedem. O crescente desenvolvimento de biotecnologias pode ser explicado pelo seu poder de oferecer às pessoas estratégias para compensar, por antecipação, suas deficiências e fragilidades – mesmo as futuras (Amorin, Szapiro, 2008).
Método
2 A prática do barebacking geralmente é entendida como relação sexual anal intencional sem preservativo entre HSH (Berg, 2009).
O estudo teve início em 2009. Recorremos à internet para acessar os homens que optam por praticar sexo sempre ou ocasionalmente sem preservativo. Estudos realizados por Silva (2009, 2008) e Hine (2006) afirmam ser a internet um bom recurso para auxiliar os pesquisadores quando se trata de investigações de temas polêmicos, como a prática sexual sem preservativo, uma vez que possibilita a livre participação das pessoas e, ao mesmo tempo, garante o anonimato. O primeiro passo foi a criação de um email (projetoeva@hotmail.com) e busca de sites de relacionamentos destinados a HSH. Para tanto, usamos o Google para identificar os principais sites voltados às práticas sexuais desse grupo. Elegemos os sites www.manhunt.net e www.bareback.rt por estarem de acordo com a proposta deste trabalho. Nessas páginas, utilizamos os descritores bare, bareback, barebacking2 para localizar homens que se autoidentificavam com a prática sexual sem preservativo. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.789-802, out./dez. 2013
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Posteriormente, convidamos esses homens a integrarem uma discussão sobre a temática do barebacking. Durante seis meses, vinte homens participaram de discussões semanais por meio de email e/ou messenger (MSN), criados para esse propósito. Deixamos claro, para os participantes da discussão, que aquele era um momento de pesquisa informal, e não consistia na produção de informações para este estudo, uma vez que o projeto estava em fase inicial, demandando, ainda, encaminhamento ao Comitê de Ética e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde a pesquisa de mestrado foi realizada. Igualmente, garantimos o total sigilo das informações e do anonimato dos participantes, os quais, em sua totalidade, usavam perfis falsos na internet. Após seis meses de discussão pelo MSN, a pesquisa avançou para outra etapa: a entrevista face a face. Para tanto, recorremos à técnica do snowball (bola de neve). Convidamos todas as pessoas da lista do pesquisador e sugerimos que elas reencaminhassem o respectivo convite para a sua lista de contatos, sucessivamente. Isso permitiu a ampliação da nossa rede de interlocutores. Esse método tem sido debatido e usado por pesquisadores que trabalham com temas delicados como aborto, prostituição e práticas sexuais sem preservativo, entre os quais citamos: Browne (2005) e Faugier e Sargeant (1997). À medida que recebíamos uma resposta positiva de possíveis participantes da entrevista face a face, analisamos se eles se encaixavam nos objetivos do estudo. Para tanto, definimos os seguintes critérios de inclusão: a) afirmar manter relação sexual sem preservativo com parceiro casual; b) residir na cidade de São Paulo ou no Rio de Janeiro; c) ser maior de 18 anos. As duas cidades foram escolhidas por apresentarem o maior número de casos de aids no Brasil (Dias, Nobre, 2001). No início da entrevista, cada participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP, de acordo com a Resolução nº 1 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que normatiza as pesquisas que envolvem seres humanos (Brasil, 1996). As entrevistas foram realizadas entre os meses de dezembro de 2009 e março de 2010. Foram entrevistados 18 homens a fim de se conhecerem as estratégias de gestão dos riscos no contexto de práticas sexuais sem preservativo. Do total de entrevistas, oito não foram utilizadas pelos seguintes motivos: a) afirmar manter relação sexual desprotegido apenas com parceiro fixo; b) encontrar-se em estado emocional abalado; c) não concordar em assinar o TCLE. Dentre os dez participantes, sete apresentaram, em suas falas, aproximação com o conhecimento científico, recorte deste artigo. Apresentamos, no Quadro 1, a caracterização dos participantes. Tais informações facilitarão a compreensão dos argumentos discutidos no próximo tópico – são omitidas informações que possam identificá-los, inclusive seus nomes, aqui fictícios, de acordo com a escolha feita por cada um deles.
Quadro 1. Caracterização dos participantes da pesquisa Nome fictício
Idade
Estado de origem
Escolaridade
Sorologia para o HIV
Gabriel
30
SP
Mestre
Desconhecido
Aristóteles
35
RJ
Doutorando
Positivo
Agileu
22
SP
Graduando
Desconhecido
Yuri
43
SP
MBA
Desconhecido
Cristian
36
SP
Especialização
Positivo
Edu
35
SP
Ensino Médio
Desconhecido
Daniel
57
RJ
Superior
Positivo
Como fonte de material discursivo, optamos pela entrevista, registrada por meio de um gravador de áudio e diário de campo. Para a análise, foi realizada, inicialmente, a transcrição integral das falas, empregando-se as convenções de Jeffersonian Transcription Notation (Jefferson, 1984). Em seguida, foi realizada a transcrição sequencial: um resumo das entrevistas de acordo com a ordem do diálogo entre pesquisador e os participantes do estudo. 792
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A partir daí, foram elaborados os mapas dialógicos propostos por Spink e Lima (2000), a fim de que fossem identificadas as principais temáticas presentes nas narrativas dos participantes. Os mapas são importantes para sistematizar o material discursivo e viabilizar a busca de repertórios relacionados às estratégias de prevenção. Além disso, eles apresentam duplo objetivo: auxiliar no processo de interpretação e facilitar a comunicação dos passos ligados ao processo interpretativo. Para apresentar e discutir os resultados, utilizamos trechos das narrativas evidenciadas nos mapas dialógicos. Neste artigo focamos na temática da apropriação e do uso de informações científicas como potenciais fontes de gestão de riscos para as DST, HIV e reinfecção por HIV.
O uso da argumentação científica na construção de estratégias de gestão de riscos em um cenário de incertezas A maneira como os HSH gerenciam os riscos implicados na opção pelo sexo sem preservativo envolve conhecimentos, tecnologias e sentidos construídos a partir da concepção de saúde, doença, vida, morte, risco, poder e sexualidade. Sobre a complexidade da produção de conhecimento na vida cotidiana dessas pessoas, nota-se a sua aproximação com a produção científica sobre aids que circula por meio da internet, material impresso e estudos acadêmicos (Camargo Júnior, 1994). Cada vez mais, as informações oriundas de fontes de saber, mesmo aquelas que não correspondem ao discurso oficial do Ministério da Saúde brasileiro sobre prevenção, por exemplo, são incorporadas pelas pessoas e usadas para gerir os riscos implicados nessa prática. Assim, os HSH apropriam-se reflexivamente de dados publicados por especialistas, cuja promessa seria uma melhor gestão da vida cotidiana. Por meio dessas informações, as relações sociais são reguladas pela confiança em sistemas abstratos, norteados pela cientificidade de estudos que visam orientar escolhas de cálculos de risco. Dito isso, pode-se perceber que as estratégias brasileiras governamentais de prevenção à aids acabam por constituir-se por meio de ações de gestão de riscos, uma vez que elas visam tanto a proteção da saúde da população em situação de ameaça diante do nãouso de preservativo, quanto a recuperação de quem está infectado por alguma DST ou HIV (Czeresnia, 2004). Trata-se de uma arena complexa permeada por tensões entre os direitos individuais e coletivos, entre a autonomia individual e a ordem social, entre os contextos globais e locais, bem como entre as arenas públicas e privadas (Castiel, 1996). Um exemplo recente são estudos da medicina baseada em evidências. Essa abordagem procura enfatizar os aspectos científicos necessários ao processo de sistematização e legitimação das informações. Por esse viés, procura-se juntar provas observáveis do objeto investigado por meio de técnicas oriundas, sobretudo, da estatística, capazes de serem interpretadas e aplicadas pelos médicos aos seus pacientes (Lopes, 2000). Nessa direção, o CDC dos Estados Unidos realizou uma metarrevisão da literatura existente, que resultou na Tabela de Risco. Ela sintetiza o estado da arte quanto à estimativa de risco de aquisição do HIV de acordo com a via de infecção (CDC, 2005). A Tabela de Risco pode ser encontrada na internet, hospedada em sites norte-americanos e canadenses. No relato de Cristian, um dos participantes desta pesquisa, na busca de entender “se” e “como” ele gere os possíveis riscos decorrentes de suas práticas sexuais sem preservativo, somos informados de sua opção por não ejacular dentro do parceiro. Quando questionado sobre a origem dessa informação, refere a Tabela de Riscos. Ele argumenta, primeiramente, como busca tais informações e em seguida as nomeia: “Por pesquisas na internet = só que pesquisas fora do Brasil, ou em sites americanos ou em sites canadenses, é investigando sites específicos de médicos voltados para o HIV/aids. Hum:::m = eu obtive a informação da tabela de RISCO, né? De (x) que tipo de relação e de que forma você tem maior ou menor risco, né? Então a (x) prática sem preservativo é uma prática de risco, porém você reduz o risco se você não tiver a ejaculação interna (.hhh) no parceiro.”
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Cristian parece sugerir que as notícias encontradas fora do Brasil são, supostamente, mais validadas do que aquelas que circulam no território brasileiro – e isso lhe dá mais segurança para transar sem proteção. De classe média, ele cursou uma pós-graduação e tem acesso à internet, onde procura outras possíveis fontes de informação que considera fidedignas. Cristian relata que é engenheiro e trabalha em uma área também ligada às ciências exatas. Esse perfil pode explicar, em parte, porque ele busca na própria racionalidade científica – algo próximo do seu cotidiano como engenheiro – a maneira de gerir os riscos em sua vida íntima. A Tabela de Risco tem sido usada como parâmetro de consulta na gestão dos riscos, sobretudo pelo governo norte-americano e alguns europeus. No Brasil não foram encontradas evidências de que ela seja adotada no discurso oficial de prevenção do Departamento Nacional de DST, HIV/AIDS e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde. De acordo com essa tabela, o risco de infecção pelo HIV para o homem ativo seria de 6.5/10.000 casos. No caso do parceiro que ocupa o papel receptivo, esse risco seria de 50/10.000 casos. Nessa perspectiva, ao se posicionar em suas práticas sexuais como insertivo, Cristian considera-se menos exposto ao vírus HIV. Ao mesmo tempo, quando opta por não ejacular no reto do companheiro, ele gere a sua segurança e a de seu parceiro. Nesse sentido, para Brasil (2009) e Parker et al. (1998), algumas estratégias podem ser estimuladas de modo a diminuírem os riscos de infecção pelo vírus da aids. Dentre elas, estão a masturbação e a priorização do sexo oral. Outro argumento utilizado na gestão dos riscos diz respeito à carga viral das pessoas que vivem com HIV como indicador de maior ou menor risco de infecção e/ou reinfecção pelo vírus da aids. Lançado no final do ano de 2008, um estudo suíço gerou polêmica no meio científico ao afirmar que a possibilidade de transmissão do HIV está associada à carga viral (Vernazza et al., 2008). Assim, supostamente, quanto menor a taxa de carga viral daqueles que vivem com HIV, menor também será a chance de infectar o parceiro com sorologia negativa. Esse estudo foi amplamente divulgado, sobretudo pela internet, e circula por email ao redor do mundo. Por conseguinte, essa noção passou a fazer parte do cotidiano de muitas pessoas, que agora se embasam nessas informações para gerir os possíveis agravos presentes na opção pelo não-uso do preservativo. Foi esse o argumento de Cristian ao explicar a sua noção de gestão de riscos: “Então assim = é (x) o que tem (x) relativamente recente é o estudo suíço de 2008, que eu me enquadro nesse (x) resultado que foi dado na pesquisa. Então eu já = há um ano e meio eu faço uso é:::é regular, constantemente, religiosamente (.) do coquetel. Hum = com dois meses digamos né? Eu já tive a (x) carga viral indetectável, e nos últimos meses, inclusive, tenho o meu CD43 em ascensão. Então = também esses dados juntam-se aos fatos de (x) eu ter zero chance ou menos riscos de eu transmitir para alguém (x) por conta do estudo suíço que <diz que a pessoa que é (x) positiva>, que está há mais de seis meses hum:::::m com a carga viral indetectável e não tem outro tipo de doença e (x) DST, ela não apresenta risco de contaminar um parceiro negativo.”
À primeira vista, cumprir à risca o tratamento com o antirretroviral coloca Cristian dentro da recomendação do estudo suíço. Ele usa a expressão “religiosamente” para frisar que leva a sério as recomendações médicas. De 794
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3 Os linfócitos T-CD4 são células que compõem o nosso sistema imunológico.
DE LUIZ, G.M.
A linfa é um líquido transparente, esbranquiçado, podendo aparentar tom amarelado ou rosado. Possui características semelhantes ao plasma sanguíneo, sendo responsável pelo transporte de linfócitos pelos vasos linfáticos (Bergmann, 2000). 4
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acordo com os parâmetros da terapia antirretroviral (TAR), uma pessoa que vive com o vírus da aids deve fazer uso contínuo e sistemático do coquetel anti-HIV, pois quaisquer alterações no padrão de ingestão pode provocar perda gradual da eficácia do arsenal medicamentoso. É como um “ritual religioso” (Cristian) que precisa ocorrer diariamente, no mesmo horário, de maneira sistemática. Ao refletir sobre sua carga viral não detectável, ele considera ter zero chance de infectar o parceiro. Porém, posteriormente, reconhece que pode haver um pequeno risco, o que torna a possibilidade de transmissão do vírus contraditória do ponto de vista da literatura científica sobre o assunto. Essa mesma questão apareceu na fala de Agileu, porém de uma forma inversa. Ele diz que possui sorologia negativa para o HIV, mas mantém relações sexuais com pessoas sabidamente de sorologia positiva, sem nunca ter se infectado. Consequentemente, sente-se seguro quando opta por fazer sexo com outras pessoas de sorologia positiva para o HIV, pois seus parceiros enviaram-lhe um estudo que apresenta a correlação entre carga viral e os riscos de infecção. Pelo relato, somos conduzidos a pensar que Agileu refere-se ao estudo suíço. Ao ser questionado sobre esse comportamento, relata: “(...) é que::::e teve (x) >três soropositivos que eu já tive relação sexual com eles mesmo sabendo que eles são soropositivos<. E:::::e um deles me mandou um artigo, de um médico, afirmando que:::e os soropositivos que tomam os coquetéis, o vírus fica:::a concentrado nas linfas4, >de modo que não fica tanto no sangue = assim<. Então (x) segundo esse artigo de um médico é::::é >as pessoas que se tratam< com o coquetel (x) não transmitem o vírus, porque o vírus fica controlado (.) muitas vezes indetectável. E foi um artigo que embasou isso, né?”
Agileu finaliza a resposta e devolve a pergunta ao pesquisador em um sinal de dúvida sobre a informação. Em acréscimo, a carga viral não detectável dos parceiros com sorologia positiva para o HIV o leva a pensar que está protegido dos riscos, uma vez que o vírus está concentrado nas linfas e indetectável no sangue, principal canal de circulação e infecção. É interessante perceber que, à medida que saem do laboratório de produção e circulam no cotidiano das pessoas – neste caso, pela internet –, as informações adquirem sentidos distintos. O relato de Agileu – que pressupõe uma concentração do HIV nas linfas, com presença insignificante no sangue – indica um entendimento parcial da posição científica sobre o assunto, uma vez que o estudo referido não afirma que o vírus está localizado apenas nas linfas, mas, sim, que se encontra “escondido” em órgãos ainda não identificados, bem como no próprio sangue – fonte principal de transmissão do HIV (Vernazza et al., 2008).
Mas... e as DST e a possibilidade de reinfecção? Os estudos que fundamentam a probabilidade de riscos de transmissão do HIV na hipótese da carga viral trouxeram à tona a possibilidade de pessoas vivenciarem suas práticas sexuais sem preservativo, possivelmente pela diminuição dos riscos de infecção pelo vírus em função da sua carga no sangue. Esse fator fez com que o HIV deixasse de ser a maior preocupação dos entrevistados, passando as DST a serem o foco principal de cuidado. Agileu relata:
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“Em uma consulta com a médica que eu fiz ((estala os dedos)) é::::é (x) numa das ocasião de um exame para saber se eu tinha ou não HIV = eu faço esse exame periodicamente, >ela me deu um dado interessante<: é:::é existe 0,5% de chance de você infectar alguém com HIV em uma relação sem preservativo, (.) e:::e outras doenças, tais como hepatite (x) e HPV, têm (x) bem mais chances. Tem dois tipos de hepatites, que eu não me recordo bem da letra, tem >30 ou 25% de chances de infecção< quando você faz uma relação sem preservativo. Então, (x) há muito alarde quanto à infecção pelo (x) HIV, mas tem as outras tantas que (.) (x) também pode pegar. Inclusive (x) eu = é::::é (x) interessante relatar numa entrevista como esta (x) que eu peguei sífilis recentemente.”
Assim, ele traz sua experiência de já ter se infectado pela sífilis – mas não pelo HIV – como maneira de provar a relação estatística que pensa existir. Há também quem diga que o vírus da aids já está incorporado ao seu cotidiano, portanto, faz parte de si. Por ainda não ter cura, não há nada que se possa fazer. Dessa forma, as DST passam a ser a grande preocupação desses homens. Nas palavras de Daniel: “os riscos que me deixavam mais afetado eram de doença mais comum, tipo sífilis ou condiloma. E::E (x) não mais a aids = a aids já (x) não me assustava mais, eu já estava com ela.” Cristian acrescenta: “o que mais me preocupa é (x) são os outros tipos de infecções por outras DST’s (.) que possam ocorrer.” Mas, para Edu, as DST e o HIV encontram-se em um mesmo patamar e seus riscos são igualados às imprevisibilidades do cotidiano. Há, nesse sentido, uma generalização desse risco. Ele discorre acerca da sua preocupação em elevado nível de voz: “ >Pelo HIV, pela sífilis, pela gonorreia, pelo cancro duro, mole, pelo HPV e uma série de outras coisas que não são só o HIV<.” Uma segunda questão diz respeito à possibilidade de reinfecção em homens que vivem com HIV. Chama a atenção o fato de nenhum acreditar na possibilidade de reinfecção, embora todos tenham declarado conhecer a orientação fornecida pelos médicos de que esse evento pode ocorrer e, neste caso, as pessoas podem adquirir um vírus resistente às medicações existentes. Para Aristóteles, a reinfecção só tem sentido caso transe com alguém que não siga corretamente o tratamento com os antirretrovirais. Por isso, acredita que esse critério não se aplica a ele, pois segue as recomendações médicas corretamente e procura manter relações sexuais com pessoas na mesma situação. Ele argumenta, ainda, que lê e conversa com profissionais de saúde sobre esse assunto: “A conclusão hoje é que o maior risco, quando você faz sexo com uma pessoa sem preservativo, é (x) que ela não faça também o tratamento. Quando são duas pessoas que fazem o tratamento e elas fazem sexo sem preservativo, desde que estejam em boa condição de saúde, a probabilidade de risco é muito pequena.”
Aristóteles reconhece que há um pequeno risco, mas que, exatamente por ser mínimo, é possível manter relações sexuais sem preservativo. Na mesma direção, Gabriel segue uma retórica científica para poder explicar os motivos pelos quais não crê na reinfecção. Assim, parte do pressuposto de que nem mesmo a biomedicina chegou a um consenso sobre esse processo, e destaca as contradições entre as versões sobre o tema nesse campo: “É:::é primeiramente = existe uma linha da medicina que prega que ela não é desse jeito. Como eu já mencionei e torno a dizer, existem linhas dentro da medicina que são controversas, (.) como em qualquer área de estudo, como em qualquer área de conhecimento, >de forma mais aprofundada = tu tens linhas que em determinados momentos podem até se contradizer<. Isso existe também na medicina. É:::É eu tive acesso a essa informação (.) tanto por um médico, “! como por <esse meu ex-companheiro> = que é farmacêutico. E:::E, partindo justamente (x) desse argumento, dessa justificativa = de que existem sim = cepas diferentes do HIV. Isso é ponto pacífico. E que cada u:::m = enfim
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= cada soropositivo está infectado por uma cepa especificamente. É:::É a partir do momento em que eu sou reinfectado, é:::é (x) e o discurso da medicina parte da noção de que (x) “! a reinfecção vai mudar o vírus que está dentro do organismo do soropositivo. Primeiro que isso não é um argumento plausível, porque naturalmente o vírus se modifica. Isso é uma característica do HIV. Independente de eu ser infectado e entrar em abstinência, e não usar drogas injetáveis, e não fazer transfusão, >e não tivesse nenhum outro comportamento que me levasse a ter contato com outra cepa do HIV< = é:::é o vírus que está dentro de mim, ele está se modificando sempre, sozinho, sem precisar de outra cepa. A possibilidade de criação de um >super = mega = ultra = vírus< (.) hã:::ã formados por outras cepas diferentes, criando um monstro megamutante que dá conta de tudo (.) HOUVE DOIS CASOS (.) eu lendo, por intermédio da internet, de anais específicos da::::a (x) = de inclusive de infectologia.”
Vale ressaltar que Gabriel entra em aspectos específicos da biomedicina ao apresentar sua posição em relação à reinfecção. Ao fim de seu raciocínio, eleva o tom e afirma que tem conhecimento de dois possíveis casos de mutação genética do HIV no mundo. Em seguida, descreve a fonte dessas informações como sendo anais específicos da área de infectologia e a internet. Dados parciais do estudo de Aza et al. (2010) indicam a existência de quatro subtipos de vírus HIV entre a população de homens que fazem sexo com homens de cinco regiões do Brasil. São eles: tipo B (80,3%); tipo C (10,5%); tipo F (4,9%); e outros vírus recombinados (4,3%). Ainda segundo os autores, o índice de resistência ao coquetel anti-HIV entre os HSH é alta, por isso ressaltam a importância da realização de novos estudos sobre o tema, com uma amostragem maior dessa população. Essas informações desafiam os pesquisadores a pensarem novas estratégias de prevenção à aids.
Novas tecnologias de prevenção biomédicas ou tecnologias da incerteza? As estratégias das novas tecnologias biomédicas de prevenção dizem respeito a grandes estudos multicêntricos, realizados ao redor do mundo, que geram estimativas de efeitos na redução dos riscos de infecção por HIV para uma dada população (Prevenção..., 2006). Essas investigações são difundidas por: boletins de vacinas, revistas, artigos científicos, palestras e reportagens publicadas na mídia generalista, que circulam na internet. Uma dessas estratégias refere-se à recém-lançada profilaxia pós-exposição sexual (PEP) – que não estava disponível à época da entrevista e era, então, empregada apenas em dois casos específicos: em situação de estupro e em gestantes que vivem com HIV, com vistas a evitar a transmissão do vírus entre mãe e bebê – a chamada transmissão vertical (Brasil, 2010). Entretanto, de acordo com as recomendações para a terapia antirretroviral em adultos, os resultados sobre a possível eficácia do método são controversos. Diz o documento governamental: Na ausência de estudos diretos e de evidências definitivas em relação à eficácia, efetividade e segurança das recomendações para a abordagem da exposição sexual ao HIV, serão consideradas a plausibilidade biológica, os experimentos em animais e o modelo teórico utilizado na profilaxia pós-exposição ocupacional. (Brasil, 2010, p. 52)
Nessa direção, percebe-se que a profilaxia pós-exposição é usada na gestão dos riscos durante as práticas sexuais de HSH. Por exemplo, “Transei sem camisinha, o cara pediu para eu gozar dentro dele. Em seguida, eu pedi ao médico que incluísse o teste de HIV nos exames de sangue periódicos. Eu fiquei assustado e meu amigo médico prescreveu o uso profilático de antirretrovirais. [...] Mas essa automutilação me afetaria e me faria criar vergonha na cara. Na verdade até um lado meu torcia para eu vomitar, ter as reações adversas que meu amigo médico teve para gerar
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trauma. Não dá pra voltar pra casa, quando os hormônios voltam ao normal e pensar: ‘Merda, fiz de novo! Posso me desgraçar numa dessas a toa...’ Nunca acho que valeu a pena, mas na hora...”. (Yuri)5
Ele conta que, após ter transado sem preservativo, recorreu ao médico amigo, que, por sua vez, ao notar seu desespero, prescreveu a profilaxia pós-exposição. Porém, Yuri pensa que sua atitude poderia ter, como efeito, uma “automutilação”, que, nesse caso, diz respeito aos efeitos colaterais referentes ao uso dos antirretrovirais: “vomitar, ter as reações adversas que meu amigo médico teve para gerar trauma” (Yuri). É como se ele precisasse sofrer por ter mantido relações sexuais desprotegidas. Em suas palavras, percebemos o sentimento de culpa por ter praticado sexo de forma desprotegida e a ideia de expiação por meio de sofrimento. É como se, pelo prazer, ele não pudesse fazer o uso dos antirretrovirais sem ter efeitos colaterais severos. Os atos sexuais sem camisinha acabam, assim, ocupando um lugar de sofrimento em sua vida, a ponto de ter necessariamente de gerar “trauma” (Yuri), e, em consequência, evitar a repetição dessa ação. Questionado sobre a fonte de informação do uso profilático dos antirretrovirais como possível forma de mitigar os riscos de infecção por HIV, Yuri aponta uma revista de circulação nacional. Em suas palavras: “Li na Veja; era uma reportagem sobre profissionais de saúde que tinham se acidentado. Meses depois um amigo médico me confirmou. Ele me receitou o pacote com 28 dias, mas não havia certeza da eficácia.” Yuri relata que, na ocasião em que foi realizada essa entrevista, ainda não haviam sido publicadas as recomendações para o uso profilático pós-exposição sexual entre HSH. Por isso esse método não fazia parte do programa oficial brasileiro de prevenção à aids, exceto em casos de abuso sexual. Ou seja, ele teve acesso ao método pela proximidade com um profissional da saúde, o qual, de acordo com o consenso médico, avisou-lhe de que a eficácia da técnica ainda estava em estudo. Nesse contexto, não era possível assegurar que, caso ele tivesse entrado em contato com o vírus HIV, não se infectaria. Essas informações são corroboradas por Fischer et al., (2006), que destacam a importância de se estabelecer diálogo entre o médico prescritor da PEP e o paciente, deixando claro, assim, os seus possíveis benefícios, riscos e efeitos colaterais. Para Benn (2001), as implicações oriundas dos efeitos colaterais da PEP variam de acordo com cada pessoa, e podem incluir ainda: alterações metabólicas, resistência à insulina, problemas intestinais e gástricos. Do mesmo modo, buscamos entender outras maneiras usadas pelos participantes deste estudo no gerenciamento dos riscos implicados nas atividades sexuais. Para tanto, recorremos, mais uma vez, ao diálogo com Agileu, o mesmo que relatou a questão da carga viral indetectável como um dos fatores determinantes na sua opção pelo não-uso do preservativo. Ele diz que é circuncidado e esse fato também contribui, de alguma maneira, para que continue a transar sem preservativo, mesmo diante das informações sobre os riscos. Diz ele: “ porque eu sou circuncidado, e:::e circuncidado (x) não tem muito (x) aquela lubrificação (x) anterior antes de gozar, então isso diminui a chance de infecção”.
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Yuri aceitou participar do estudo, porém pediu que sua fala fosse anotada em diário de campo. Por isso, não foi possível transcrever a entrevista utilizando as convenções de Jeffersonian Transcription Notation. 5
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Para ele, a circuncisão supostamente produz menos lubrificação antes da ejaculação, o que reduziria o risco de uma possível infecção. Em artigo publicado no boletim de vacinas anti HIV/aids, VAX, (Prevenção..., 2006) o procedimento é visto como uma das novas tecnologias de prevenção biomédicas, capaz de reduzir, em tese, em até 60%, as chances de infecção do HIV entre homens que mantêm relações sexuais com mulheres por coito vaginal, mas não se aplica aos HSH. Além disso, a suposta eficácia da circuncisão está relacionada ao fato de o prepúcio que envolve a glande do pênis ser uma região que facilita a entrada do vírus, e, ao ser retirado, dificultaria a infecção pelo HIV por esse meio. Em acréscimo, por beneficiar apenas homens heterossexuais, a circuncisão não faz parte, ao menos em curto prazo, do programa brasileiro de prevenção à aids (Relatório..., 2007), embora essa noção já circule entre os HSH no Brasil, servindo de argumento para gestão dos riscos.
Considerações finais Discutimos, nesta pesquisa, as estratégias de gestão de riscos adotadas por homens que fazem sexo com homens sem preservativo com parceiros casuais. Percebemos que, cada vez mais, as pessoas desenvolvem suas autonomias, se apropriam de informações científicas e constroem distintas maneiras de gerir os riscos para DST, HIV/aids. Dessa forma, notamos que tais estratégias, na maioria das vezes, seguem uma lógica racional, individual, e não reproduzem o modelo adotado nas políticas de prevenção do governo brasileiro. Na abordagem argumentativa dos homens entrevistados, misturam-se diferentes aspectos contemplados pelas políticas públicas – PEP, correlação entre carga viral e possibilidade de infecção (e outros que, embora tenham bases científicas, não são referendados pela instância governamental), Tabela de Risco, estudo suíço, circuncisão. Diante do imperativo dos estilos de vida saudáveis, as pessoas desenvolvem várias estratégias de gestão de riscos. Por motivos variados, o diálogo, nesta pesquisa, foi com uma população de HSH predominantemente de classe média, informada sobre aids e com acesso a preservativo. Nota-se a aproximação desses homens com a produção científica sobre aids, sobretudo por meio: da escola, de organizações não governamentais, mídia generalista (TV, jornais, revista Veja), médicos, internet, revistas científicas, parceiros sexuais, farmacêuticos e anais de infectologia. Vale lembrar que as informações advindas de fontes estrangeiras foram vistas como mais confiáveis em relação às brasileiras, ou causaram comoções morais. Isso porque os entrevistados acreditam que os debates no exterior são mais francos, abertos, enquanto aqueles que ocorrem no Brasil prezam pela cautela na divulgação de informações que ainda estão em fase de estudo. Pode-se arguir ainda que, diante da possibilidade de essas pesquisas se apresentarem como alternativa à gestão dos riscos, seus possíveis efeitos não se aplicam às doenças sexualmente transmissíveis. Tal configuração leva à percepção de que há pouca discussão sobre a possibilidade de as pessoas se infectarem com outras doenças, além do HIV. Outra questão relevante diz respeito à descrença dos participantes da pesquisa em relação à possibilidade de uma reinfecção. Nenhum deles crê nessa possibilidade, pois, supostamente, nunca souberam da ocorrência de caso semelhante. Isso conduz a pensar que a crença das pessoas nas informações que usam para gerirem seus riscos está atrelada à proximidade com o cotidiano. Na perspectiva de que este trabalho possa contribuir para o desenvolvimento de novas estratégias de prevenção às DST e à aids entre a população de HSH, frisamos também a importância da discussão deste assunto por todos os segmentos envolvidos no debate das políticas públicas de combate à aids. Entendemos, ainda, que, à medida que todos saibam lidar com o tema, será possível não cair na velha associação homossexuais/grupo de risco/aids/estigma, cristalizada em alguns setores da sociedade.
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Palabras clave: Argumentación científica. Gestión del riesgo. Prácticas sexuales entre hombres que tienen sexo con hombres.
Recebido em 25/06/13. Aprovado em 17/09/13.
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DOI: 10.1590/1807-57622013.0051
artigos
Comunicação profissional-paciente e cuidado: avaliação de uma intervenção para adesão ao tratamento de HIV/Aids
Renata Bellenzani1 Maria Ines Baptistella Nemes2 Vera Paiva3
BELLENZANI, R.; NEMES, M.I.B.; PAIVA, V. Health professional-patient communication and care: evaluation of an intervention for HIV/AIDS treatment adherence. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.803-34, out./dez. 2013. Interventions to improve HIV/AIDS treatment adherence are often based on cognitive approaches of the health professional-patient communication and health behaviors. From a social-constructionist perspective of professional-patient communication and treatment experiences, it was assessed the implementation process of an individual psychosocial intervention, consisting of 4 encounters and informed by the conceptual frameworks of Vulnerability and Human Rights in the psychosocial dimension of Care. Taking all 16 encounters (4 encounters with each participant), the implementation process was considered “moderately developed.” Difficulties were encountered to develop dialogic conversations and decode meanings regarding the lack of adherence in social situations integrated with interpersonal and sociocultural scenarios. Despite the predominance of guidelines and motivational incentives for patients, there were also dialogic moments of co-understanding difficulties in adherence in its different meanings in medication intake scenes. This approach to care proves to be productive to enhance adherence practices.
Abordagens cognitivistas da comunicação profissional-paciente e dos comportamentos em saúde predominam nas intervenções para apoiar a adesão ao tratamento de HIV/Aids. Mediante uma perspectiva construcionista social da comunicação profissional-paciente e de suas experiências com o tratamento, avaliou-se a implementação de uma intervenção psicossocial individual, composta por quatro encontros e informada pelo referencial da Vulnerabilidade e dos Direitos Humanos na dimensão psicossocial do Cuidado. No conjunto dos 16 encontros (quatro com cada voluntário), avaliou-se que o processo de implementação foi “moderadamente desenvolvido”. Houve dificuldades para desenvolver conversas dialógicas e decodificar sentidos das falhas de adesão em situações sociais, articuladamente aos cenários interpessoais e socioculturais. Mesmo predominando orientações e incentivos aos pacientes, também ocorreram momentos dialógicos de co-compreensão das dificuldades de adesão, em seus diferentes sentidos nas cenas de tomadas. Esta modalidade de cuidado revela-se produtiva no campo das práticas em adesão.
Keywords: Medication adherence. Patient care. HIV/AIDS. Communication. Evaluation.
Palavras-chave: Adesão à medicação. Assistência ao paciente. HIV/Aids. Comunicação. Avaliação.
1 Curso de Psicologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Rodovia BR 497 km 12, Cidade Universitária. Paranaíba, MS, Brasil. 79500-000. renata.bellenzani@ufms.br 2 Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP). 3 Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, Instituto de Psicologia, USP.
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Introdução A adesão do paciente à terapia antirretroviral (TARV) é crucial para os programas de HIV/Aids4 em todo o mundo; dela dependem: a supressão duradoura de carga viral, a prevenção da resistência viral e falência, e a redução da morbidade e mortalidade (Rasu et al., 2013), possibilitando vidas saudáveis e produtivas às pessoas com HIV (Liau et al., 2013). A adesão refere-se a quanto o comportamento de uma pessoa corresponde às recomendações acordadas com o profissional da saúde ao tomar remédios, seguir dietas e/ou mudar o estilo de vida. É, sobretudo, um processo influenciado simultaneamente por vários fatores, requerendo uma abordagem multidisciplinar e contínua, especialmente nas doenças crônicas (Organização Mundial de Saúde OMS, 2004). Afirmando o papel da assistência à saúde, a adesão é resultante do lidar dos pacientes, diariamente, com conjuntos dinâmicos de limitações, cujo enfrentamento “é construído e exercitado na vida social cotidiana, ou seja, em diversos contextos intersubjetivos, entre os quais sobressai, pela relevância e constância, a relação com o serviço de saúde” (Nemes, 2009, p.5). O Programa Brasileiro de Aids preconiza a condução de atividades de incentivo e monitoramento da adesão pelos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), entre estas consultas médicas e atendimentos individuais por outros profissionais de saúde, focados especificamente na adesão ao tratamento (Brasil, 2008, 2007). Não houve, porém, estudos abrangentes de avaliação dessas atividades até 2009, quando um inquérito nos serviços do Estado de São Paulo mostrou que a abordagem da adesão é realizada, predominantemente, por médicos e enfermeiros no interior dos atendimentos regulares; e que a maioria das demais atividades dos serviços que envolvem adesão é pouco específica, insuficientemente protocolada e avaliada (Caraciolo et al., 2009).
Intervenções em adesão: comunicacionais, de aconselhamento e educativas Com base em revisão de 36 estudos qualitativos publicados entre 1996 e 2005, Vervoort et al. (2007) sugerem que intervenções em adesão explorem as barreiras e os facilitadores da adesão da perspectiva dos pacientes, pois atuam como processos subjacentes aos fatores apontados por estudos epidemiológicos; e abordem os modos pelos quais as pessoas gerenciam seus cotidianos ao tomarem os antirretrovirais. As conversas com os pacientes devem abordar: a condição de “ser alguém que vive com HIV”, pois a aceitação melhora a adesão; manutenção ou não do sigilo sobre a soropositividade (se abrir pode tanto ajudar a melhorar a adesão, como se expor a comentários negativos e discriminações); as respostas clínicas benéficas da TARV (diminuição da carga viral, melhora da imunidade); e quais circunstâncias implicam esquecimentos ou alterações conscientes das tomadas da medicação. Recomenda-se: ofertar informações; solicitar que a pessoa descreva suas tomadas rotineiras; apoiar o desenvolvimento de habilidades, sobretudo de organizar a vida, antecipar riscos de falhas e acessar rede de suporte; desenvolver confiança nos profissionais mediante comunicação aberta e franca. “Adaptar a medicação à vida ao invés da vida à medicação é a primeira e a mais importante estratégia para promover a adesão” [tradução das autoras] (Vervoort et al., 2007, p.279). Depreende-se, assim, que as atividades individuais de apoio à adesão devem investir fortemente na singularização e na disponibilização contínua de momentos 804
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4 Adotamos a sugestão do Departamento Nacional de DST/Aids/Hepatites, Ministério da Saúde, de grafar “aids” como substantivo comum, em caixa baixa, exceto na sigla “HIV/Aids”, nomes próprios e citações diretas.
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de conversas entre profissionais e pacientes, sobre as experiências com o tratamento nos diferentes contextos, buscando formas de o paciente “viver melhor”, “da forma que lhe convenha” (Nemes et al., 2012, p.281). Com base nas cinco principais perspectivas teóricas identificadas por Leventhal e Cameron (1987) nos trabalhos sobre intervenções em adesão em aids e tuberculose – comunicacional, biomédica, comportamental, cognitiva, de autorregulação e modelo transteórico – a revisão de Munro et al. (2007) aponta que os trabalhos da perspectiva comunicacional baseiam-se na ideia de que uma boa comunicação profissional-cliente (mensagem clara, conteúdo adequado e vínculo) repercute em melhoras na adesão, via a educação do paciente. Embora desde o final dos anos 1990 atribuam-se efeitos de determinadas características da comunicação e da interação médico-paciente na adesão – receber informações sobre seu tratamento, ser escutado e respeitado, ser ativo em questionar (Roberts, Volberding, 1999) – a perspectiva comunicacional é a que tem menos trabalhos categorizados (cinco); destes, somente dois são artigos de revisão (Griffin et al., 2004; Lewin et al., 2001) que examinam efeitos da comunicação sobre comportamentos de saúde, no âmbito de determinadas intervenções. Assim, poucos trabalhos examinam os efeitos da comunicação, especificamente, sobre a adesão, embora componentes da comunicação sejam utilizados dentro de inúmeras intervenções em adesão, raramente de modo explícito ou como componente principal (Munro et al., 2007). Revisão de 25 intervenções em adesão à TARV, publicadas entre 1996 e 2004, conclui que as intervenções têm sido essencialmente “ateóricas” e de rigor metodológico insuficiente para avaliação de efetividade e capacidade de generalização (Amico, Harman, Johnson, 2006). Por outro lado, 18 das intervenções incluíam sessões individuais de counseling, counseling support, supportive comunication or individualized pacient education. Mesmo variando em duração e frequência, e se associadas, ou não, a outros procedimentos, estas sessões, evidentemente, compreendem conversas entre profissionais e pacientes. Assim, embora seja possível perceber a valorização da comunicação e do diálogo no plano propositivo de boa parte das intervenções, as conversas transcorridas entre profissionais e pacientes constituem uma espécie de “caixa-preta”. Há pouca ou nenhuma explicitação sobre em que bases teórico-metodológicas foram concebidas e desenvolvidas. Adicionalmente, poucas são as análises qualitativas, se comparadas aos inúmeros estudos experimentais que descrevem mais os procedimentos de randomização, alocação e desfechos, do que os processos comunicacionais com os participantes. Afinal, o que se entende por comunicação profissional-paciente? Por conversar ou dialogar? Estas indagações ensejaram uma avaliação qualitativa de um ensaio de intervenção de cuidado individual para apoiar pacientes a melhorar sua adesão ao tratamento antirretroviral, objeto deste artigo – complementar a outras avaliações desta natureza (Bellenzani, Nemes, 2013; Nemes et al., 2012; Santos, 2010). Os Quadros 1 e 2 resumem o ensaio e o recorte de investigação deste artigo, respectivamente. No Anexo 1 encontra-se um resumo do protocolo da intervenção.
Bases conceituais e metodológicas da intervenção Uma intervenção que enfatiza a dimensão psicossocial do adoecimento e do Cuidado A intervenção avaliada foi pensada no bojo da resposta brasileira à aids, cujas proposições no quadro dos direitos humanos, por exemplo, têm sido gestadas desde o final do século XX. A formulação mais recente do Quadro da Vulnerabilidade e Direitos Humanos (V&DH), para analisar a epidemia e propor ações programáticas, orientou o desenvolvimento do protocolo. Este quadro expressa o compromisso de “buscar novas bases epistemológicas e técnicas rumo às propostas de reconstrução das práticas de saúde” (Ayres, Paiva, Buchalla, 2012, p.12) no contexto do SUS, concretizando seus princípios: universalidade, integralidade e equidade.
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Quadro 1. Ensaio controlado de uma modalidade de intervenção em adesão, em um serviço de referência do Estado de São Paulo O ensaio aconteceu em 2008, num serviço de referência, no município de São Paulo. Os voluntários tiveram suas medidas de adesão monitoradas por seis meses, utilizando frascos que armazenavam um de seus medicamentos, antirretrovirais, com dispositivo eletrônico para registro dos horários de abertura (MEMS - Medication Event Monitoring System). Foram convidadas pessoas maiores de 18 anos, em tratamento com o mesmo esquema de TARV há, pelo menos, seis meses, cujos resultados da última carga viral eram maiores que 50 cópias/ml, sugerindo problemas de adesão. O objetivo era avaliar a efetividade da intervenção e, por isso, seu protocolo de quatro encontros foi implementado somente com pacientes do grupo experimental entre o 3º e o 4º mês da pesquisa. Concebida como uma tecnologia de Cuidado para apoio à adesão, centrada nas conversações entre profissionais de saúde e os pacientes em encontros individuais, ela foi conduzida, no ensaio, por duas psicólogas e uma assistente social integrantes da equipe do serviço. Elas contaram com o auxílio de um roteiro elaborado de acordo com o protocolo original (em anexo), subsidiado por um conjunto de recomendações extraídas dos artigos de revisões sobre as intervenções de adesão mais efetivas. Pretendeu-se uma abordagem da adesão distinta das abordagens geralmente praticadas nas consultas médicas ou nos atendimentos de cada núcleo profissional, numa concepção interdisciplinar, condizente com as recomendações para o trabalho em equipes multiprofissionais nos serviços de aids. As três profissionais se inscreveram, espontaneamente, para uma capacitação ofertada pela equipe de pesquisa, como parte do processo seletivo dos profissionais que se voluntariaram a conduzir o protocolo. A ideia central da capacitação foi promover uma “desconstrução” do modo tradicional de atendimento e abordagem da adesão, em 48 horas de atividades teórico-práticas pautadas pela metodologia problematizadora da abordagem pedagógica-crítica de Paulo Freire. As atividades incluíram: a) dramatizações e vivências, seguidas de discussão em grupo e de sínteses pelos coordenadores; os/as profissionais eram incentivados/as a revisitarem seus saberes e experiências acumuladas, à luz dos novos referenciais a que estavam sendo introduzidos/as (serão descritos adiante); b) vivência simulatória por 48 horas de tomada de medicação placebo; c) dramatizações em que os participantes simulavam a condução da intervenção junto a atores profissionais ou colegas, para que experimentassem formas de manejo da intervenção, alternando-se entre os “papéis” de paciente e profissional; d) atendimentos-piloto com pacientes do serviço (Santos, 2010). Além da capacitação ocorreram supervisões das profissionais com membros da equipe, durante a condução do protocolo. Os resultados quantitativos finais não mostraram diferenças estatisticamente significativas entre as taxas de adesão dos grupos de controle e experimental; a carga viral média teve decréscimo significativo em ambos os grupos, sem diferença significativa entre os grupos. A análise do ensaio clínico foi publicada por Basso et al. (2012).
Quadro 2. Objetivos e método da avaliação qualitativa, objeto deste trabalho Objetivos da avaliação qualitativa a) avaliar, segundo dimensões e componentes, como e em que nível os momentos conversacionais possibilitados pelos quatro encontros se aproximaram daquilo que, idealmente, fora planejado enquanto protocolo, uma vez que o roteiro de apoio às profissionais estruturou - ainda que relativamente - os encontros. b) articuladamente à análise da concretização do protocolo, analisar: “quem são os participantes”, aspectos de sua história de vida, convivência com a doença / tratamento, e quais sentidos das falhas/problemas/dificuldades de adesão emergiram nas conversações da profissional com eles. Método São analisadas as conversações transcorridas nos encontros individuais entre uma profissional de saúde (psicóloga) com quatro voluntários (04 encontros/sessões de cada, totalizando 16, com aproximadamente uma hora de duração). O material integra o banco de dados da pesquisa original (gravações e transcrições de 176 encontros dos 44 pacientes atendidos pela intervenção em protocolo completo, dentre os 64 do grupo experimental). Critérios para seleção dos quatro casos a) todos atendidos pela mesma profissional Vera (nome fictício). b) seleção dos dois primeiros pacientes e dos dois últimos a ingressarem na pesquisa/intervenção, tendo em vista que, ao conduzir sucessivamente os encontros, o desenvolvimento da intervenção poderia aprimorar-se. A escolha da profissional e dos casos por ela acompanhados na intervenção não tem justificativa metodológica. O material respectivo foi o primeiro a ter as análises finalizadas, no âmbito da avaliação completa, que inclui o material dos casos das outras duas profissionais. O tipo de análise feita exige um espaço maior para a comunicação dos resultados, o que implicou que o presente trabalho se debruçasse sobre o estudo dos casos de uma única profissional. Sobre a profissional Vera é psicóloga do ambulatório de aids do serviço de referência, local da pesquisa. Faz atendimento psicológico de pacientes há, aproximadamente, 20 anos. Uma vez que este serviço é campo habitual de pesquisas e treinamentos, ela já participou de muitas pesquisas operacionais e atua como instrutora de capacitações.
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Distanciando-se das orientações cognitiva e comportamental mais presentes nas intervenções em adesão (Simoni et al., 2010), sustentou o planejamento da intervenção, a noção de Cuidado no campo da adesão ao tratamento de doenças crônicas (Nemes et al., 2009). A inicial maiúscula indica a intenção em ampliar os sentidos mais comuns da assistência ou do cuidado ao paciente, propondo-o “como categoria reconstrutiva” das práticas de saúde (Ayres, 2009a, p.62), inspirando-se na hermenêutica de Gadamer e Habermas. O Cuidado é definido como
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5 O campo, corrente ou perspectiva construcionista social – denominados, às vezes, no plural – é heterogêneo, plural e em transformação. Alguns postulados básicos do construcionismo social têm sido mais compartilhados (nem sempre com a mesma ênfase a cada um) por um conjunto de autores considerados construcionistas (ver Íñiguez, 2002). Propostas epistemológicas do construcionismo social nas ciências humanas e sociais têm sido incorporadas pela Psicologia, especialmente na Psicologia Social, desde os anos 1980 (uma das principais referências é Kenneth Gergen); e, mais recentemente, na Psicologia da Saúde, sobretudo na Psicologia Social em Saúde, em que Mary Jane Spink é uma das referências. Extrapolaria o limite de espaço deste trabalho evocar este extenso campo para situar, em diálogo, uma das vertentes construcionistas da psicologia social na saúde – que “pensa o processo saúde-doença no Quadro da V&DHs [Vulnerabilidade e Direitos Humanos]” (Paiva, 2012a, p.46). As autoras deste trabalho identificam pontos convergentes com outras vertentes construcionistas, brasileiras e internacionais, que mereceriam ser explorados, ao tratarem das temáticas comunicação, conversação, dialogia, produção e negociação de sentidos, nas práticas psicoterapêuticas e psicossociais individuais, grupais, familiares, institucionais e comunitárias. Além da noção de construção social do self, central para o debate das práticas de cuidado psicológicas. Optamos, assim, por indicar a leitura de alguns destes autores: Marilene Grandesso, Carla Guanaes, Emerson Rasera, Marisa Japur, Sheila
[...] uma categoria com a qual se quer designar simultaneamente, uma compreensão filosófica e uma atitude prática frente ao sentido que as ações de saúde adquirem nas diversas situações em que se reclama uma ação terapêutica, isto é, uma interação entre dois ou mais sujeitos visando o alívio de um sofrimento ou o alcance de um bem-estar, sempre mediada por saberes especificamente voltados para essa finalidade. (Ayres, 2009a, p.42)
No plano mais concreto das práticas de saúde, cuidar da saúde de alguém é mais que construir um objeto e intervir sobre ele. [...] há que se considerar e construir projetos; há que se sustentar [...] uma certa relação entre a matéria e o espírito, o corpo e a mente [...]. Então é forçoso saber qual o projeto de felicidade que está ali em questão, no ato assistencial [...]. (Ayres, 2009c, p.37)
A produção do Cuidado numa intervenção dialógica em adesão pressupõe “diversos, interligados e complexos [...] giros [...]: de sujeito para intersubjetividades; de controle técnico para sucesso prático; de tratar para cuidar” (Ayres, 2009c, p.37). Sobre a comunicação que constitui o Cuidado, se avança da noção de pessoas enquanto núcleos individuais de subjetividade (em que suas identidades se associariam à mesmidade/permanência) para a noção de “constituição dialógica das subjetividades”, inspirando-se em Habermas (Ayres, 2009c, p.29). Na relação intersubjetiva, os sujeitos se reconhecem mutuamente e “se constituem um diante do outro [...] [buscando] um compartilhamento de horizontes”, durante as conversações que almejam produzir saúde (Ayres, 2009c, p.35). A partir de “pontes linguísticas entre o mundo da tecnociência e o senso comum” (Ayres, 2009c, p.34). Do Quadro da V&DH (Ayres, Paiva, Buchalla, 2012) deriva a segunda fonte conceitual: a dimensão psicossocial implicada no Cuidado, filiada à abordagem construcionista social (Paiva, 2012a). Conceitualmente, as perspectivas construcionistas sociais propõem uma mudança paradigmática em relação às perspectivas representacionais ou cognitivistas, que afirmam de modo essencial e universal a existência de realidades psicológicas e processos internos, tais como pensamento, memória, atenção, motivação e emoção [...]. [Diferenciam-se das] teorias psicológicas hegemônicas [que] buscam explicar, por meio desses processos, o comportamento e os relacionamentos humanos. (Guanaes, 2006, p.22)5
Contrapondo-se às perspectivas que tomam o indivíduo como “conjunto de fatores intrapsíquicos ou biológico-comportamentais”, o Cuidar que integra a COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.803-34, out./dez. 2013
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atenção psicossocial de inspiração construcionista social trabalha com “a noção de pessoa em interação, concebida como intersubjetividade [...] e como sujeito de direito” (Paiva, 2012a, p.45). Enquanto derivação metodológica, “o sujeito em cena é a porta mais interessante para iniciar qualquer conversa na abordagem psicossocial do Cuidado, para lidar com qualquer das três dimensões da sua vulnerabilidade ao adoecimento” (Paiva, 2012a, p.62). A “metodologia das cenas no quadro da V&DH” (Paiva, 2012b, p.187) incorporada à intervenção, foi desenvolvida no bojo do movimento construcionista social – especificamente no campo dos estudos de gênero, sexualidade e prevenção das DST/Aids (Paiva, 2006). As profissionais que a conduziram com os voluntários, foram capacitadas e supervisionadas nos referenciais da intervenção, incluindo este método, para que, durante as conversações, propusessem o “levantamento, a descrição e a decodificação de cenas [especificamente, aquelas relacionadas ao tratamento], e seus cenários e contextos socioculturais” (Paiva, 2012b, p.165). O Quadro 3 detalha a incorporação desta metodologia ao ensaio clínico. O objetivo era colaborar com as pessoas para refletirem criticamente sobre suas experiências com o tratamento, concebendo-as como “sujeitos de sua vida cotidiana e sujeitos de direitos” (Paiva, 2012b, p.166-7). No âmbito do cuidado à pessoa vivendo com HIV, a conversa sobre cenas de tomadas de medicação sofistica o diálogo sobre a dinâmica da adesão ao tratamento, que sempre envolve mais do que uma receita. [...] levantam-se episódios em que não se tomou a medicação, quais as cenas “fáceis” que garantiram a tomada [...], analisadas em conjunto com cada pessoa e de diversos ângulos – do ponto de vista de sua trajetória pessoal nos serviços, dos sentimentos presentes em cada cena de tomada, assim como da compreensão da discriminação e da estigmatização social associada à Aids, no contexto familiar e no emprego. (Paiva, 2012b, p.169)
McNamee, Harold Goolishian, Tom Andersen, Harlene Anderson e Lynn Hoffman. A limitação de espaço nos obriga a focalizar as referências que sustentaram mais diretamente o planejamento da intervenção e foram incorporadas às capacitações e supervisões com as profissionais que a conduziram. A perspectiva construcionista que sustenta a dimensão psicossocial do Cuidado, utilizada neste estudo, se inspira mais fortemente: na tradição pedagógica construcionista de Paulo Freire, em George Mead, Jerome Bruner, Erving Goffman, Thomas Luckmann e Peter Berger, assim como nas abordagens construcionistas sociais dramatúrgicas que dialogam com a produção no campo da sexualidade e gênero, de John Gagnon, Richard Parker e Peter Aggleton.
Quadro 3. A metodologia das cenas6 nas capacitações e supervisões do ensaio clínico Para que as conversas em cena ocorressem com espontaneidade – por meio das quais os interlocutores “encarnassem” vozes e ações dos “personagens”, as profissionais foram incentivadas a agirem como “diretoras” de um filme ou novela, utilizando solicitações tais como: “Vamos pensar essa situação que você está me descrevendo: a dose da medicação que você que tem que tomar no seu trabalho... Vamos construir esse momento como se fosse uma cena de novela... Como é o seu local de trabalho?... Quem são as pessoas com quem você está neste horário? Vamos imaginar que a sala estivesse vazia, mudariam os acontecimentos?”. Após a “construção” e “visualização” densa da cena, a proposta é decodificar os sentidos das ações, das condutas, das sensações, emoções e decisões (principalmente, as espontâneas, menos racionais), envolvendo a tomada da dose. Conforme o enredo, o contexto local e cenário sociocultural mais amplo, entendimentos ou ideias das profissionais que ajudassem a compreender o que se passava deveriam ser comunicadas; não como verdades ou “interpretações” impostas e, sim, como possibilidades, podendo o interlocutor concordar ou não. Portanto, as profissionais participavam da negociação e da produção dos sentidos compreensivos. Inclusive, além da “construção verbal” da cena, encenações densas ou mais simples (como atores “passando os textos”, somente as falas dos personagens) também poderiam ocorrer. A metodologia buscou facilitar que as profissionais, atentas à dimensão psicossocial de qualquer adoecimento e dos comportamentos de saúde, auxiliassem as pessoas, pelo diálogo, a reconhecerem suas dificuldades pessoais para se manterem aderentes e a imaginarem as mudanças possíveis. Sobretudo, aquelas que dependessem do “passar a agir” ou a interagir socialmente, gozando dos direitos a que se tem como cidadão (não ser discriminado, direito à privacidade, a assistência de boa qualidade, a decidir pelo que melhor lhe convém entre possibilidades terapêuticas, ao acesso às informações, insumos e recursos que auxiliem o autocuidado e a adesão). Foi incorporada como um recurso conversacional e vivencial para expandir o entendimento de que a produção das dificuldades corriqueiras com o tratamento – por exemplo, não buscar a dose no armário, na empresa; não tomá-la na sala da casa de uma amiga – está condicionada, entre outros determinantes sociais, aos sentidos que as ações, nãoações e interações adquirem em cada cena social. Entende-se, portanto, a vulnerabilidade individual ao adoecimento por falhas no tratamento, “inextricavelmente integrada à programática e à social” (Paiva, 2012b, p.187). 6 A expressão conversas em cena não consta em publicações anteriores acima citadas sobre a metodologia das cenas. Durante este estudo ela nos pareceu apropriada para denominar a conversa que solicita narrativas de cenas e as analisa.
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Novas dimensões e componentes para avaliar uma intervenção psicossocial em adesão: da transmissão de mensagens à comunicação dialógica As referências acima descritas exigem a implementação de uma modalidade psicossocial de Cuidado, focada nos problemas de adesão ao tratamento de HIV/AIDS, que depende, portanto, dos fluxos das conversações. Logo, é necessário delinear a perspectiva de comunicação profissionalpacientes adotada nesta avaliação. Uma “boa comunicação” nas práticas de saúde é, tradicionalmente, aquela cuja ênfase se coloca na competência do profissional no uso da linguagem e na clareza de seus enunciados (informativos e prescritivos). Esta concepção é herdeira da revolução cognitiva, processada desde os anos 1950 na psicologia, intensificada por mudanças no âmbito da filosofia da ciência, a partir da década de 1970 (Álvaro, Garrido, 2006). O paradigma então predominante ficou conhecido como paradigma do processamento da informação, em que os processos cognitivos são abordados mediante a metáfora do computador, numa analogia entre os processos computacionais e os cognitivos – incluindo os que envolvem a comunicação interpessoal: pensar, formular, transmitir enunciados; receber e processar mensagens. “[...] A mente como um sistema de processamento de informações” (Álvaro, Garrido, 2006, p.250). Esta apreensão cognitiva da comunicação sustentava-se no “velho paradigma do conhecimento”, em crise na filosofia da ciência, sendo progressivamente substituído por “novos paradigmas do conhecimento” (Pearce, 1996, p.181), entre outros, o do construcionismo social. A comunicação no “velho paradigma” supunha “que a linguagem se referisse ao mundo, ou seja, que a linguagem é representacional: fala-nos das coisas que estão ‘ai fora’. [...] estabelece que a transmissão da mensagem (ou seja, conseguir que as mensagens passem ‘daqui’ para ‘ali’) é a função chave da comunicação” (Pearce, 1996, p.176). A partir desse paradigma pode-se compreender, por exemplo, uma das críticas dirigidas à perspectiva comunicacional nas estratégias de melhora da adesão: ignorar as atitudes, fatores motivacionais e interpessoais que interferem na recepção da mensagem e em sua conversão em mudança comportamental pelo paciente (Munro et al., 2007). Os processos são, portanto, operados individualmente pelos interlocutores (em suas mentes como computadores). O profissional “pensa”, formula e transmite enunciados; o paciente assimila, processa as mensagens recebidas, e as converte em comportamentos. Características “negativas” do paciente ou “má qualidade da mensagem” emitida podem interferir em seu processamento e conversão em “respostas” comportamentais pelo paciente. Afastando-se da perspectiva cognitiva, o modo com que se analisou a comunicação no presente estudo guiou-se pelas epistemologias da hermenêutica filosófica e do construcionismo social (Schwandt, 2006). Estas orientaram o modo de conceber a comunicação profissional-paciente e, no processo de avaliação da implementação, orientaram, também, “como” se escutavam os áudios e se liam as transcrições das conversas. Com base em Gadamer, a compreensão é a interpretação [...]; no ato de interpretar [...] as tradições e os préjulgamentos concomitantes que influenciam nossos esforços de compreender, [estão] condicionando nossas interpretações [...]; a compreensão é participativa, conversacional e dialógica [...] sendo conquistada somente através de uma lógica de pergunta e resposta [...]. (Schwandt, 2006, p.198-9)
A tradição hermenêutica e o construcionismo social valorizam a compreensão de sentidos produzidos nos processos conversacionais, preocupando-se em “esclarecer as condições nas quais ocorrem as compreensões” (Schwandt, 2006, p.200). Embora discordem sobre a questão de existir ou não, a priori, verdades a serem interpretadas, ambas compartilham “a crítica geral do significado enquanto objeto”, dos significados “como entidades fixas que podem ser descobertas e cuja existência independe do intérprete”; ambas têm “afinidade com a noção do nascimento do significado” (Schwandt, 2006,
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Dimensão C: Adequação do desenvolvimento do protocolo aos objetivos, temas e metodologia, segundo o roteiro Dimensão D: Manejo da metodologia das cenas T
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p.202). Ou seja, “o sentido e o entendimento são construídos socialmente [...], não [os] alcançamos ou possuímos até realizarmos uma ação comunicativa [...]” (Anderson, Goolishian, 1998, p.36). Na abordagem psicossocial do Cuidado proposta na intervenção – e nesta avaliação – a comunicação é pensada como compreensões mútuas produzidas no intercâmbio dos sentidos, ou seja, “no entre” os falantes. Tanto na interação profissional-paciente, como da pessoa atendida com “os outros” com quem interage, e se comunica, em suas cenas cotidianas (performática e intersubjetivamente). Não se tratam, portanto, “dos sentidos existentes dentro de cada um, a priori”, a serem transmitidos e assimilados, mas, sim, dos sentidos construídos e compartilhados na cena de encontro profissional-paciente. Para avaliar as conversações e, por conseguinte, se estas concretizaram o protocolo de abordagem psicossocial proposta para a intervenção, foi necessário, então, adotar a noção de que as conversas não são todas, necessariamente, de natureza dialógica, podendo ser de natureza monológica, conforme denomina Guanaes (2006), com base nas interfaces das proposições teóricas de John Shotter, Mikhail Bakhtin e Harlene Anderson. Conversas dialógicas possibilitam multiplicidade de vozes, ao contrário das monológicas, em que se impõe uma voz, perspectiva, tradição ou discurso dominante (por exemplo, o discurso técnicocientífico, médico, religioso, psicológico etc.). Diálogos possibilitam intercâmbios, complementações, interações entre as vozes, e, nesse ínterim, a emergência de inovações e de novos sentidos “a partir de reconhecimento do outro como uma voz distinta e particular”; “criando assim possibilidades da construção conjunta da ‘mudança’” (Guanaes, 2006, p.73). Derivou-se, assim, dessas perspectivas teóricas e metodológicas, uma abordagem avaliativa dinâmica (ilustrada na Figura 1, descrita no Quadro 4); sistematizada em dimensões e componentes interdependentes, correspondentes a aproximações mais “panorâmicas” ou mais “internas” (como um “zoom”).
Dimensão E: Repercussões da intervenção para a pessoa
Encontro 1 Encontro 2 Encontro 3
T
Encontro 4
Dimensões transversais Dimensão A: Princípios da intervenção; B: Enfoques predominantes nas conversações Figura 1. Abordagem avaliativa da intervenção
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artigos
Quadro 4. Abordagem avaliativa segundo dimensões e componentes. Abrindo a “caixa-preta” Dimensão A: “Princípios Gerais da intervenção” (teóricos, metodológicos e éticos) Seu principal componente teórico-filosófico, mais abrangente e transversal à intervenção, é a “produção do Cuidado em adesão, por meio de uma interação comunicacional dialógica entre profissional e pessoa atendida”. Outros quatro componentes fundamentais à comunicação dialógica integram esta dimensão (ver Quadro 9). Dimensão B: “Enfoques predominantes nas conversações” Busca-se avaliar se o referencial da dimensão psicossocial construcionista do Cuidado em adesão – trabalhar com “a pessoa no contexto e o contexto na pessoa” (Paiva, 2012a, p.59) – foi implementado. Sendo psicossocial e comunicacional no plano propositivo, é necessário avaliar se esse enfoque foi predominante ou não, em relação a outros possíveis: educativo ou comportamental-cognitivo (ver Quadro 9). Examina-se, em primeiro lugar, o processo de acolhimento (segundo acepção que tem sido veiculada no SUS, com a Política Nacional de Humanização), necessário às intervenções que pressupõem a dimensão psicossocial do adoecimento e do Cuidado – para a compreensão contextualizada das experiências de autocuidado, como a adesão. Avalia-se a ‘qualidade da escuta’ das narrativas livres do paciente – melhor quando se “amplia o horizonte normativo para uma dimensão existencial” (Ayres, 2009d, p.92) – e a responsividade da profissional: em que medida se implicou na conversação, sendo interessada, solidária e apoiadora. Se seus questionamentos incentivavam a reflexão e ampliavam as possibilidades de a dupla compreender os sentidos intersubjetivos daquilo que era compartilhado – sentimentos, relações sociais na família e no trabalho, relacionamentos afetivos, condições de vida/cidadania, projetos etc. Se tendiam à singularização (“respondiam” àquilo que a pessoa expressava), não orientando-se, sobretudo, somente pelas regularidades tecnocientíficas. Configurando mais fortemente o enfoque psicossocial construcionista, esperava-se que, ao escutar as narrativas, a profissional as explorasse segundo a metodologia das cenas. Vividas cotidianamente, estas “dependem da trajetória e dos recursos de cada pessoa [...] da sua condição social – de gênero, de classe, estado emocional ou sorológico e, [...] dos programas a que tem acesso. Ou seja, da menor ou maior vulnerabilidade social, pessoal e programática que, então, se expressará a cada cena” (Paiva, 2012b, p.199). O enfoque psicossocial do Cuidado configura-se na medida em que se pressupõe a pessoa atendida, sempre em interação, em mudança, e não a expressão de uma “interioridade própria e permanente” ou, ainda, de “respostas” que caracterizam “seu padrão de comportamento ou de crenças” (enfoque comportamental-cognitivo). O que geralmente é entendido como crenças do paciente (um componente individual da vulnerabilidade) devem ser trabalhadas no diálogo, remetendo-as aos contextos relacionais e sociais de sua produção (plano sociocultural da vulnerabilidade). Portanto, diálogos decodificadores que promovam “ampliação da consciência”, contribuindo com a “emancipação psicossocial” das pessoas em relação aos determinantes que as oprimem e ampliam sua vulnerabilidade aos adoecimentos (Paiva, 2012b, p.186). Dimensão C: “Adequação do desenvolvimento do protocolo aos objetivos, temas e metodologia, segundo o roteiro” Seus componentes são mais “operacionais” (diferentemente dos que integram as duas dimensões anteriores, transversais e “filosóficas”). Analisa-se a operacionalização das recomendações do roteiro para cada encontro (ver categorias nos quadros 7 e 8). Esta dimensão abrange as duas seguintes. Dimensão D: “Manejo da metodologia das cenas e implicações” Formulada para avaliar mais especificamente componentes de condução relacionados ao desenvolvimento das conversas em cena, previstas para os 2º e 3º encontros. Integram-na cinco componentes na forma de questões avaliativas (ver Quadro 9). Com essa metodologia pretendia-se potencializar o enfoque psicossocial construcionista no Cuidado em adesão. Analisa-se se houve esforço da profissional para utilizar o recurso e quais suas implicações para a compreensão, pelo diálogo, das práticas e dos sentidos envolvidos em cada cena/cenário de tomada/não-tomada das medicações. Investiga-se em que medida os sentidos intersubjetivos das práticas, pouco racionais, contraditórios ou até mesmo irreconhecíveis até então, foram comunicados entre os interlocutores, e, num plano mais ampliado, problematizados, pensados criticamente, no diálogo. Sobretudo, quando as cenas explicitassem condições e discursos / vozes sociais opressoras, relações desiguais e desrespeito aos direitos. Busca-se, também, dimensionar o potencial e as limitações das conversas em cena para auxiliar a pessoa a formular colocações expressivas de movimentos para lidar / enfrentar as barreiras objetivas e simbólicas que dificultavam “ser aderente” em cada cena/situação. Dimensão E: “Repercussões da intervenção para a pessoa” Formulada para investigar as narrativas do paciente que explicitassem intenções ou práticas iniciadas durante o período da intervenção, movimentos de mudança na direção da melhora da adesão, autocuidado, bem-estar e projetos de vida. Integram-na dez componentes (ver Quadro 9) que explicitam os horizontes normativos das interações de Cuidado: a melhor convivência com o tratamento de acordo com sua conveniência para a vida do paciente e a busca do êxito técnico do tratamento, na medida em que se configure, simultaneamente, como sucesso prático. Este remete ao valor que as ações (por exemplo, tomar remédio) assumem para a pessoa no cotidiano e em seus projetos futuros, “em razão de implicações simbólicas, relacionais e materiais” (Ayres, 2009b, p.139). Ou seja, remetem aos sentidos intersubjetivamente construídos, vividos singularmente na forma de inteligibilidades das intenções: “porque e para que ter saúde”, “não adoecer para poder fazer o que”, “tomar remédio para que”. Ao profissional que cuida, cabe o respeito, o incentivo e o apoio às intenções do paciente guiadas por seus projetos de felicidade, como destaca o autor.
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Os resultados comparativos dos casos serão descritos nos quadros 5 a 9, utilizando-se nomes fictícios. Sugere-se sua apreciação previamente à Discussão. À guisa de informação complementar, constam, no Quadro 5, dados clínicos e medidas de adesão dos participantes. O Quadro 6 corresponde ao objetivo “b”, da Introdução, sobre quem são os pacientes e o que contaram acerca das experiências envolvendo o tratamento7. Nos Quadros 7 e 8 (correspondentes aos objetivos “a” e “b”), analisam-se do primeiro ao quarto encontro (síntese longitudinal, reproduzindo trechos), segundo dimensões e componentes; aprofundando-se na produção de sentidos durante as conversas. A partir da análise qualitativa exaustiva sintetizada nos Quadros 6 a 8, avaliouse objetivamente o desenvolvimento da intervenção nos quatro casos, utilizandose um Quadro Avaliativo que contempla uma escala de padrões preestabelecidos (Quadro 9).
Como o ensaio clínico não permitia o acesso das profissionais aos prontuários, nem às medidas de adesão coletadas, todas essas informações tinham como fonte, exclusivamente, o próprio paciente. A primeira autora, que não participou do campo da pesquisa, teve acesso aos dados clínicos somente ao final das análises qualitativas.
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Quadro 5. Dados clínicos e medidas de adesão dos pacientes Conforme o protocolo da pesquisa, os quatro participantes mostravam carga viral acima do limite de detecção (50 cópias/ml) no último exame de rotina antes do início da pesquisa. O perfil viral do período de um ano anterior à pesquisa era compatível com um padrão de adesão insuficiente (replicação viral relativamente baixa, mas constante) nos casos de Álvaro, Deise e Ciro; padrão este mantido no período da pesquisa bem como no ano posterior. Foram realizadas três medidas de tomada de medicamento com monitoramento eletrônico: no 2o mês de pesquisa (antes dos encontros), 4o mês (depois do 3o ou 4o encontro) e 6o mês (após os encontros). As três medidas de Álvaro e Deise indicaram adesão insuficiente, com valor máximo de 82% e mínimo de 62%. As três medidas de Ciro indicaram adesão adequada (acima de 95%). No caso de Amaro, os padrões foram diferentes. Já no primeiro mês da pesquisa (antes dos encontros) sua carga viral decrescera muito, vindo a tornar-se indetectável antes do 1º encontro. Para ele, as medidas do monitoramento eletrônico foram de 91%, 100% e 97%.
Discussão No conjunto dos casos, a intervenção desenvolveu-se “moderadamente”. A inflexão pretendida via “a desconstrução” do modelo mais tradicional de abordagem dos problemas de adesão, foi preliminar, mais “ensaística”, não operando nos quatro casos. Variações no processo implicaram melhor desenvolvimento de alguns componentes, ou de uma dimensão à outra. A implementação com Dirce (“dos últimos”), mais próxima das bases originais, sugere um aprimoramento progressivo em relação a Ciro e Amaro (“dos primeiros”). Destacam-se duas fragilidades da implementação; e comuns ao conjunto dos casos: 1) no todo, as conversas dialógicas não foram preponderantes, embora tenha havido encontros, ou momentos, mais dialógicos que outros; 2) desenvolver conversas dialógicas, em todos os encontros, foi difícil, sobretudo, sustentadas nos referenciais teórico-metodológicos originais: Quadro da V&DH e metodologia das cenas.
Incentivar e treinar ou dialogar? As dificuldades conversacionais identificadas, numa apreensão mais imediata, têm raízes nas próprias interações, no que se refere às identidades sociais de “médico/profissional” e de “paciente”, em que, historicamente, “a palavra final” é do primeiro; o segundo fala “o que tem”, escuta os diagnósticos e prescrições, “assimila-os”, e se comporta conforme recomendado; no máximo, solicitando esclarecimentos. Não é comum o entendimento de que pacientes e profissionais necessitam dialogar sempre, sobretudo para além dos aspectos biomédicos. 812
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Narrativas produzidas nos diálogos de apresentação e no decorrer dos encontros
Narrativas sobre esquema de tratamento, experiências relacionadas à adesão e às falhas de adesão
CIRO
71 anos, aposentado, homossexual, mora sozinho, sabe do HIV há 20 anos; em tratamento há 17, não expressa inconformidade ou tristeza a respeito. Ao contrário da mãe, “que não tem preconceito”, o pai o expulsou de casa ao surpreendê-lo com um rapaz aos 13 anos, quando começou a trabalhar como mordomo na casa de uma família estrangeira, onde está há 40 anos, atualmente somente aos fins de semana, “um bico”. Os patrões sabem do diagnóstico. Tem pouco contato com duas irmãs e se ressente pela distância afetiva de uma delas, embora morem próximos. Conversa abertamente nos encontros, dá risadas, nega “algum tipo de depressão”. Cita um rapaz com que se relacionou por 18 anos de quem ainda gosta; se relaciona com outro, “um jovem de 26 anos”, que ignora sua soropositividade. Sente-se bem de saúde, ativo, enfatiza que nunca teve internações por doenças oportunistas.
Relata seguir o tratamento corretamente, “faço tudo certinho”, “o esquema está bem”. Diz-se “franco” ao contar que, em alguns períodos, suspendeu o uso das medicações, exemplificando com uma viagem com um namorado, quando não as levou. Não sabe os nomes dos medicamentos que toma, referindo-os por cores ou como o coquetel. Toma nove comprimidos por dia, cinco pela manhã e quatro à noite. Compara o tratamento no presente e no passado: hoje as tomadas são em casa, no passado eram na residência em que trabalhava, quando justifica “esconder os remédios”, “tomar escondido” em função da presença de terceiros. Sente-se bem e satisfeito com o atual esquema, comparando-o com um esquema anterior, “ruim”, pois incluía medicação conservada em geladeira. A conversação produz um entendimento compartilhado de que não há problemas de adesão com ele.
AMARO
36 anos, casado, pai de um garoto de 12 anos, esposa soronegativa, a quem omitiu que se infectou numa relação sexual homoafetiva, explicando que contraíra o vírus usando droga injetável. Evita as relações com homens e só as vivencia quando “a vontade aperta, esporadicamente”, o que preserva em absoluto sigilo, tal como o diagnóstico. Diagnosticado há dois anos e meio, diz: “foi um baque”, “só não fiz uma besteira” pelo filho estar junto; ele não sabe sobre o HIV do pai. Diz que se acostumou, ora que está se acostumando, a ser soropositivo. Trabalha em uma metalúrgica há vinte anos. Os papéis como homem, pai de família e trabalhador são muito valorizados; diz-se “uma pessoa agitada”, o que relaciona ao início do tratamento medicamentoso, há pouco mais de seis meses, cujas primeiras experiências foram ruins; enfatiza: “nunca gostei de tomar remédio”. Muito preocupado em manter o sigilo absoluto sobre o HIV, teme a discriminação no trabalho e que a esposa também seja alvo; incomoda-o que as pessoas sintam medo dele, que seja “taxado” como alguém que “fez alguma coisa. [que digam: ‘_ ele] usou droga ou ele saiu com homem’ [...]”. Hoje refere uma convivência “mais tranquila”, “menos sofrida com o HIV”; antes pensava que morreria e não deveria fazer planos; hoje, não mais; mudança que associa a conversas na internet com outras pessoas que vivem com HIV e ao apoio de seu médico, a quem se refere com satisfação, que o orienta em questões que extrapolam o âmbito clínico (contemplam vida social e seus direitos), o que o ajudou a lidar com o diagnóstico.
O assunto das medicações emerge associadamente ao comentário “sou agitado”, “ele [medicamento], no começo, ele me deixou um pouco irritado”, me sentia “zonzo, com gosto horroroso na boca”. Diz: “estou me acostumando, me adequando” “nunca gostei de tomar remédio”. Conhece as nomenclaturas dos dois medicamentos do esquema (7 e 19 horas, Biovir e Efavirenz), queixa-se do segundo: “me deixa zonzo, ansioso”. Diz que tem “poucas falhas”, às vezes atrasos na tomada da noite, em função da rotina de trabalho: horasextras que o fazem chegar em casa após as 19hs; não leva a medicação, sabe que existem “estojinhos” (porta comprimido), mas não tem um. A tomada de uma terceira medicação (não especificada) às 23h00min é condicionada ao momento de se deitar, cujo sentido é o de uma estratégia: se passar mal estará dormindo; os horários de se deitar variam, logo, as tomadas também. Pouco explorados nos diálogos, há aspectos sugestivos de que algumas falhas nas tomadas se associam ao fato de a medicação ser “bem guardada”, cujo sentido é escondida, pela preocupação de não estar visível a terceiros. Tem algumas estratégias pessoais para se recordar se já tomou as doses. Crê seguir o tratamento adequadamente e, segundo seu médico, “[atrasos de] até meia hora, não tem problema”. “Procuro, da melhor forma, tomar direitinho. Porque eu sei que é um bem pra mim.” Indagado sobre não levar a medicação ao trabalho ser/ou não “um problema”, responde: “quem tá ocasionando o problema sou eu mesmo”.
Pacientes
artigos
Quadro 6. Os pacientes e suas dificuldades/problemas de adesão
continua
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Quadro 6. continuação Pacientes ÁLVARO
Narrativas produzidas nos diálogos de apresentação e no decorrer dos encontros
Narrativas sobre esquema de tratamento, experiências relacionadas à adesão e às falhas de adesão
39 anos, aposentado por invalidez, mora sozinho, homossexual, tem um “ex-companheiro”, com quem mantém contatos afetivos, a quem, no decorrer dos encontros, às vezes, é chamado de “meu namorado”. Fala bastante sobre ele; sofre com a suspeita de que mantenha relações concomitantes com outro. É a respeito desta relação afetiva que mais se expressa; depois de se apresentar como aposentado finaliza: “[não há] mais nada, assim, que eu possa estar falando de mim”. Sua voz expressa melancolia, indiferença e fatalismo; pouca iniciativa de falar, mais respondente. Indagado, cita três irmãos, pais falecidos (a mãe, desde seus dois anos, e o pai, no início de sua adolescência). Viveu num colégio interno, depois em uma família adotiva na adolescência, deixando essa casa e interrompendo os estudos após briga com pais substitutivos, ao saberem da sua orientação homossexual; passou a morar na casa do pai biológico recém-falecido, na companhia da madrasta. Distanciou-se da família adotiva, mantendo contatos esporádicos, hoje “aceitam um pouco mais”. Soube do HIV em 1999, quando uma agente de saúde incentivou a testagem. Ao receber o diagnóstico diz “quase me atirei nos trilhos do metrô”, destacando que recebeu o resultado friamente, experiência comparada ao atendimento cuidadoso no serviço atual quando da segunda testagem. Sofreu intensas discriminações no trabalho ao revelar a soropositividade à chefa; por depressão e pela aids, se aposentou. Sofre discriminações, violência física e psicológica dos irmãos, “ex-presidiários, violentos”; a irmã “dominadora” já o queimou, gravemente, atirando-lhe água fervente, ficou um mês internado. Vive atualmente em disputa com ela, em função do terreno compartilhado em que tem sua casa, para onde pretende voltar, mas, pelo corte no abastecimento elétrico está impossibilitado; paga aluguel em outro local; vive entre sua casa e do namorado, está em dificuldades financeiras.
Crê que o MEMS está auxiliando-o a se lembrar das tomadas e a “ter mais responsabilidade”, e que segue o tratamento corretamente em “noventa e cinco por cento das vezes”. Menciona já terem ocorrido poucos episódios de supressões de doses da manhã, em dias que saía à noite, retornando às seis da manhã; dormia durante o dia, ao acordar, decidia tomar, então, somente à noite. Atrasos na tomada da noite, de uma a uma hora e meia, não são significados como falhas; supressões de doses ocorrem durante viagens aos finais de semana (inicialmente, afirma que leva os frascos dos medicamentos e, em seguida, reconhece que, às vezes, não o faz por esquecimento). Duas colocações relevantes são pouco exploradas: de que faz algumas “confusões” com os medicamentos e que já consumiu muita bebida alcoólica, associando com episódios em que abolia doses, estes, sim, significados como problemas. Em tom de preocupação, afirma que está voltando a beber depois de um ano, abstinente. Crê seguir “certinho” o tratamento, no momento. Seu esquema atual: 02 kaletras, 01 lamivudina, de 12/12 horas e 01 viread à noite. A rotina atual é a de pernoitar alguns dias na casa do namorado e, frequentemente, acordar por volta das cinco da manhã, acompanhá-lo até o trabalho, retornar para casa e, ao tomar café, entre 8:00 e 8:30, tomar os medicamentos. À noite, as falhas são frequentes, com variações de até duas horas, mas ele não significa tais experiências como “dificuldade” ou “problema” em função dos horários serem inconvenientes, por exemplo. Seu entendimento atual é o de que as falhas ocorreram no passado, agora são esporádicas.
continua
É comum, justamente, a insuficiência de tempo nos atendimentos que dificulta ampliar o diálogo. Como esperar, então, que nesta intervenção, conduzida no ambiente do serviço de saúde, os pacientes falassem espontaneamente? E, ainda, falassem “sobre a vida, não somente sobre os remédios”. Eles comentavam que isto era incomum nas consultas médicas. A despeito destas dificuldades gerais, a implementação teve boa aproximação aos princípios gerais, além de repercussões no autocuidado e no bem-estar, segundo falas dos participantes. Destaca-se a “permissão” intersubjetivamente construída para a emergência de narrativas sobre problemas, falhas, 814
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Pacientes DEISE
Narrativas produzidas nos diálogos de apresentação e no decorrer dos encontros
Narrativas sobre esquema de tratamento, experiências relacionadas à adesão e às falhas de adesão
51 anos, trabalhadora do setor de produção de uma empresa (pediu demissão entre o primeiro e o segundo encontro, justificando: “para poder me cuidar mais”. Viúva há vinte anos, quando tomou conhecimento do HIV do marido, falecido por aids. Não fez o teste, após três anos adoeceu e, internada, soube do diagnóstico e iniciou a TARV. O filho de 22 anos, órfão de pai ainda pequeno, é seu principal apoio e “motivo de viver”, a quem ela contou sobre o HIV há um ano; se esforçou durante anos para manter o sigilo por medo de que o filho se entristecesse ou sofresse discriminações. Sofre com o diagnóstico, sente-se “injustiçada” e ressentida com o esposo que a infectou, não teve mais relações sexuais.
Seu atual esquema, de 12/12 horas, inclui quatro medicamentos, cinco comprimidos prescritos para as 10h00min e quatro para as 22h00min, mas os horários das tomadas oscilam muito. Pela manhã, o ritmo intenso de trabalho dificulta se lembrar da tomada ou ela posterga ir ao armário pegar comprimidos na bolsa. Atrasos da noite são significados como consequências do cansaço que a fazem se esquecer de tomar a dose, ou adormecer antes das 22h00min, assistindo à TV, acordando até 3 horas depois; às vezes, ingere a dose com atraso, às vezes, a suprime. Pouco explorado, tem histórico de esconder os frascos dos medicamentos e não tomálos na frente do filho, o que sugere relação com as falhas por esquecimento. As dificuldades de adesão também se associam às experiências de efeitos adversos, “ficar meio grogue”, o que repercute em decisões pouco conscientes, de suprimir determinadas doses quando tem algum compromisso e “quer ficar bem [sem efeitos adversos]”.
artigos
Quadro 6. continuação
dificuldades e erros no tratamento, produzidas na conversação, nos quatro casos. Se a profissional fosse normativa, possivelmente o medo da repreensão impossibilitaria assumi-los – como ocorre, geralmente, nas consultas médicas, segundo os pacientes. Assim, a inflexão pretendida se processou parcialmente. Em alguma medida, foi prejudicada pela perda da dialogia em momentos/assuntos-chaves, subsumida pelo estilo comunicacional mais diretivo, “checklist”; ou pelo viés “excessivamente motivacional”. Por exemplo, no caso de Álvaro, embora Vera fosse convidativa ao diálogo, diante de um interlocutor mais lacônico deslizou para instruções e incentivos. De modo geral, as conversas mesclaram características de orientação cognitivo-comportamental (mudar crenças, treinar, motivar, aumentar senso de autoeficácia) com características mais próximas das perspectivas construcionistas sociais. As conversas tendiam a dialógicas, “mais construcionistas”, quando, por exemplo, a profissional fazia perguntas abertas, demonstrando a intenção de entender mais, ou melhor; quando comentava sobre o que a pessoa sentia ou fazia, não como características “inerentes” e “permanentes”, mas entendendoas condicionadas à situação interpessoal e ao contexto; quando reconhecia que havia “vários jeitos de seguir o tratamento” ou “várias soluções” possíveis; e quando mencionava que, juntos, “iriam encontrar aquela mais conveniente à pessoa”, “a que fazia mais sentido para ela”. Engajamentos desse tipo sugerem que houve algum grau de “dinamismo dos processos de comunicação e [de] centralidade da interação eu-outro na produção de sentidos” (Guanaes, 2006, p.30). Por outro lado, quando mais monológicas as conversas, predominavam as perguntas fechadas (“está fazendo direitinho?”), que investigavam a frequência de práticas, ou que possuíam “embutidas” expectativas de resposta; ou ainda, explicações técnicas repetitivas, incentivos, dicas e instruções no tempo verbal imperativo (“você tem que fazer isto”) que interrompiam a continuidade do que a pessoa contava. Produzia-se, assim, uma dinâmica comunicacional que restringia a produção de novas vozes, ou seja, de sentidos elucidativos segundo outras perspectivas compreensivas, mais ampliadas do que as do nível individual. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.803-34, out./dez. 2013
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Quadro 7. Análise das conversações por dimensões e componentes/Encontro 1 CASOS
Ciro
Amaro
Álvaro
Deise
ENCONTRO 1 (as falas dos pacientes estão em itálico e negrito) Sentidos produzidos na apresentação da intervenção
Sentidos sobre a participação na pesquisa e uso do MEMS
Conversa sobre a carga viral detectável como justificativa ao convite para a intervenção
Exceto com Ciro, predominaram sentidos que favoreciam o entendimento de que os encontros seriam de cuidado, e não de pesquisa, o que é positivo: “atendimento”, “ajudar as pessoas a lidar com seus medicamentos”, “vamos pensar juntos”, “uma troca”. Com Ciro, os sentidos predominantes foram: “uma pesquisa”, “um tipo de entrevista”; o paciente inclusive complementou dizendo: “eu já dei entrevista uma vez para a VEJA”. Com ele ressaltou-se o uso do MEMS, a contagem dos comprimidos pelos pesquisadores e o TCLE, sem a devida valorização da especificidade dos encontros enquanto uma atividade de cuidado (o número de encontros e seus objetivos, por exemplo), embora fosse parte da pesquisa maior. A implicação disto foi a dificuldade em produzir-se, entre a dupla, uma dinâmica de Cuidado que ficou secundária à interação de entrevistador-entrevistado. Ambos citaram com familiaridade os profissionais do serviço, como se tivessem atendido ao convite de pessoas amistosas. Amaro deu justificativas altruístas, concordando com o que o profissional lhe dissera, “para ajudar os outros”, mas também disse: “é bom, às vezes, a gente falar [...] É bom a gente conversar”, o que sugere o sentido de necessidade ou relevância pessoal, ao contrário de Ciro que veio, basicamente, para atender a um pedido; ele acreditava: “sempre tomei certo [os comprimidos]” embora no passado tenha tido “uma ou outra falha” em situações de viagens. Indagado sobre expectativas sobre a pesquisa, desejava uma nova vacina, “pra gente ficar com menos medicação e melhor na saúde e no organismo [...]”. Sobre o MEMS, embora perguntado, não comenta. O uso do dispositivo não é explorado com Amaro, emerge fortuitamente no segundo encontro, quando justificava o não-uso do portacomprimido no dia a dia, para transportar os medicamentos de casa ao trabalho.
Não desenvolvida no primeiro encontro, somente no segundo. Amaro disse que, há quase seis meses em TARV, o médico lhe informara que os resultados de seus últimos exames estavam melhores (referindo-se também ao CD4); não sabia os valores, mas compreendia a função de cada. Ciro teve mais dificuldades nesse assunto; para ele era incompreensível o motivo de sua carga viral detectável, pois acreditava tomar “certinho” os remédios; mencionou: “a médica briga comigo” e achava que os “exames ruins” se deviam ao envelhecimento (tem 71 anos).
Diz, primeiramente: “por curiosidade”, quando a profissional o questiona (negociação de sentidos) como se isso não fosse suficiente. Daí, então, se produz um sentido pessoal: “[Que] eu comece a tomar, que eu tome o remédio mais certinho”. Reconhece as falhas no uso contínuo das medicações, em especial após rompimento com companheiro, “não tomava com tanta regularidade [...] perdi a vontade de viver”. Acreditava que a pesquisa já está ajudando-o, possivelmente se referindo ao MEMS. “Porque tá me ajudando a tomar o remédio mais regularmente.” Refere-se ao dispositivo como um recurso de auxílio para se lembrar dos horários das tomadas, um controle benéfico.
Produziram-se os sentidos “se policiar mais”; “[...] para melhorar a vida da gente [...] E encontrar outras soluções”. Aprofundar o diálogo sobre a experiência do MEMS possibilitou emergir as cenas de tomadas no cenário do trabalho, pois ela explicava que não era possível levar os frascos ao trabalho “porque ficariam na bolsa, [...] nuns armários, [...] Se alguém quiser abrir e mexer, vai abrir [...] [Você] Evita porque tem medo? É. [...]”.
Embora não tenha ocorrido nas conversas iniciais que apresentavam a intervenção, ocorre ao final do primeiro encontro com Álvaro e Deise. Com ele, em meio à investigação sobre falhas nas tomadas e as explicações da profissional sobre a relação entre o aumento da carga viral e atrasos ou supressões de doses, incentivando-o a ser mais aderente. Com ela, a abordagem ao final do encontro foi providencial e, possivelmente, fruto da sensibilidade da profissional em não falar da carga viral no início, uma vez que Deise estava muito incomodada com a informação no TCLE sobre a possibilidade de filmagem e gravação da intervenção, além de ressentida com a condição soropositiva, pois a infecção sexual pelo esposo era significada como uma injustiça. continua
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Quadro 7. continuação CASOS Apresentação mútua
Livre conversação Escuta das narrativas de apresentação e sobre as experiências com o tratamento
Ciro
Amaro
Álvaro
Deise
Aos quatro pacientes, a profissional praticamente não se apresentou, se colocou genericamente como “psicóloga na pesquisa”, ou não falou nada sobre si, contrariando o princípio do reconhecimento mútuo para o desenvolvimento de uma comunicação dialógica. Com Deise, ao final da intervenção, afirmou preferir não mencionar que era psicóloga no serviço, contrariamente ao protocolo. Bem desenvolvidas com os quatro pacientes, o que possibilitou a emergência de suas histórias pessoais atuais e pregressas; o foco nas rotinas de tratamento possibilitou vislumbrar os cotidianos, os cenários em que o tratamento ocorre, embora tenha havido fragilidades nas conversas específicas sobre os esquemas de tratamento de cada um, dificultadas, possivelmente, pelas nomenclaturas dos medicamentos ou pela complexidade do esquema de tratamento (Ciro). As confusões e dúvidas eram não somente dos pacientes, mas da profissional também. Incipiente com os quatro foi a exploração de possíveis diferenças na rotina das tomadas atualmente com o MEMS e, anteriormente, sem o dispositivo. Esforço da profissional para identificar “ questões, dificuldades, problemas” com tratamento. Predominaram perguntas do tipo: “você toma certinho?”, “você está tomando direitinho, então?”, um estilo diretivo (“checklist”), não dialógico, que não favoreceu a exploração de sentidos. Perguntas genéricas, atemporais e averiguadoras pouco convidavam à rememoração e análise das situações específicas.
Conversa mais exploratória, convidativa, maior especificidade nas perguntas sobre o tratamento. São mais explicitadas as circunstâncias em que ocorriam os atrasos de até 3 horas nas tomadas. Amaro afirmou que estes ocorriam muito raramente, cujo sentido se transformou no decorrer da conversação: ele reconheceu que as horas-extras no trabalho ocorriam com mais frequência, logo atrasava as tomadas das 19:00; e que, às vezes, dormia sem tomar a dose das 23h00min. Ficou prejudicada a compreensão sobre o esquema de tratamento. Queixase de efeitos adversos: “[...] O efavirenz, ele bagunça um pouquinho comigo. Então eu não tomo.
As dinâmicas das interações com ambos se assemelharam num aspecto: o tema do tratamento ficou secundário durante boa parte do encontro 1 e, também, nos seguintes. Expressaram-se significativamente sobre outras questões além do tratamento, com significativo sofrimento. Ela, em relação à decisão recente de demitir-se do emprego, às circunstâncias de sua infecção sexual pelo esposo, o constrangimento de ter aids e o “bloqueio” na vida sexual que repercutiram em diálogos sobre sentir-se deprimida. Já Álvaro reconhecia como problemas em sua vida: o término com o namorado e seu esforço para reatarem, a suspeita de que era traído, as dívidas, a moradia em terreno compartilhado com a irmã agressiva e os irmãos violentos que o discriminavam. A dinâmica comunicacional que se produziu caracterizou-se, portanto, pela escuta, acolhimento e apoio emocional por parte da profissional, que, respeitando as necessidades de ambos, inseria o tema do tratamento nos momentos possíveis e apropriadamente. A complexidade psicossocial de suas vidas teve implicações sobre o diálogo e sobre a intervenção como um todo: a “tensão” entre restringir ou expandir o foco das conversações; a pertinência ou não de encaminhá-los para psicologia e psiquiatria (se desejavam ou concordavam) e, no caso de Álvaro, o longo intervalo de 60 dias entre os encontros 1 e 2, que acarretou dificuldades de se recordarem das conversas anteriores. A despeito disso, a profissional conseguiu valorizar e reposicionar o tema da experiência do tratamento em meio às conversas sobre outros temas. Foi possível identificar as circunstâncias dos problemas de adesão e, embora não com tanta clareza, os esquemas de tratamento. continua
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Quadro 7. continuação CASOS
Ciro
Amaro
Livre conversação
Dificuldade de Ciro para descrever o esquema (substituía as nomenclaturas de cada medicação pelas cores). O tratamento não se associava a sentidos de problema e dificuldade (termos usados pela profissional de acordo com roteiro), já outras questões de sua vida sim, como: dor de dente, saudades de uma irmã e falta de dinheiro. Ao expressálas, a profissional investigou se tinham o sentido de experiências que prejudicavam o tratamento; o que ele negou. A seu ver, teve falhas no tratamento no passado (em viagens quando decidia não levar seus medicamentos para não se expor aos amigos); acreditava que agiria futuramente da mesma forma: só viajaria sozinho ou com pessoas que soubessem do diagnóstico. Insegura, Vera não achou meios para problematizar as afirmações de que não tinha problemas com o tratamento; chegou a comentar sua dúvida sobre a real necessidade de Ciro participar da intervenção, como se “pensasse alto”.
Ele me deixa um pouco ansioso, entendeu? [...] Então eu evito. Me deixa meio zonzo [...] gosto ruim na boca né? [...] as piores reações que esse remédio me dá. Fora isso...” Aspecto relevante, mas pouco explorado foi a associação que o paciente fez entre seus estados de ânimo e melhor ou pior adesão (irritação, agitação, ansiedade, “estar no limite”, “meio hipertenso”, “hiperativo”, “que briga às vezes”); nunca gostou de tomar remédios. Não se desenrolou a exploração das possíveis implicações dessas descrições de si sobre o tratamento, ou se constituíam repercussões do viver com HIV. Frente a estas colocações o foco foi fechado: “Então o nosso objetivo maior é estarmos pensando com relação aos medicamentos. Tá. Não é?”, o que impossibilitou a continuidade do diálogo.
Escuta das narrativas de apresentação e sobre as experiências com o tratamento
Fechamento Elencar as falhas, problemas ou dificuldades Registro compartilhado
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Álvaro Dificuldade de priorizar o tratamento em meio aos problemas da vida (brigas, relacionamento afetivo, moradia). Vera, ao tentar compreender toda a “trama”, elencou o “preconceito da irmã” e indagou: “isso afeta sua vida, em termos de tratamento, tomada dos seus medicamentos?” Ele negou. O assunto se esvaiu, retomado quando Álvaro reconheceu que falhou no uso contínuo das medicações após rompimento com o namorado, deprimiuse. Vera não o repreendeu e explorou os sentidos das afirmações: “hoje tomo regularmente”; “noventa e cinco por cento das vezes”, mas a conversa sobre os cenários das falhas ficou secundária em relação aos problemas psicossociais. Tomar remédios parecia “o de menos” comparado à urgência em reatar com o namorado/ voltarem para a casa de Álvaro. Pernoites na casa do namorado implicavam falhas (não levava os medicamentos sempre), aspecto não aprofundado.
Deise Falhas (atrasos e supressões de doses) ocorriam pela manhã, no cenário do trabalho. Quando a linha de produção parava às 09h30 para o café dos trabalhadores, Deise tomava, regularmente, a dose das 10h00; a mudança do horário para as 07h30 acarretou o inconveniente da parada no trabalho para a tomada; o ritmo acelerado dificulta. À noite, os atrasos de até 3 horas são significados como fruto do cansaço; ela adormece assistindo à TV, só toma a dose se acorda até 01h00; às vezes, abole-a. Faz “autogestão” das tomadas (supressão ou postergação) de acordo com compromissos; assim crê evitar efeitos adversos, o que será detalhado na análise do trabalho com cenas.
Elencarem conjuntamente as questões, problemas e dificuldades identificadas na conversa, anotá-las, na forma do registro compartilhado, foi um processo falho, de modo geral, com os quatro pacientes. Seja por baixa clareza/especificidade (com Álvaro), seja por iniciar e não concluir (com Amaro), ou, mesmo, por abdicá-lo (com Deise parece que foi esquecido, com Cesar dispensado, por não fazer sentido, uma vez que, para ele, não havia nenhum problema com o tratamento). Exemplificando, com Amaro, o registro poderia ser: “atrasar a tomada quando faz hora extra”, o que não ocorreu. Ao ser indagado sobre quais problemas poderiam ser listados, Amaro não os identificava e, genericamente, respondeu: “no meu caso, quem tá ocasionando o problema sou eu mesmo”. Vera não discordou, nem propôs novas formulações, o que foi prejudicial, pois consentiu com a autoculpabilização. Positivamente, Amaro, já ao final do primeiro encontro, fez menções a possíveis soluções: “posso comprar um estojinho” (portacomprimido) para transportar as doses ao trabalho, o que, no decorrer dos encontros, se configurou como uma intenção extremamente difícil de ser praticada (postergada).
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Quadro 8. Análise das conversações por dimensões e componentes/Encontros 2, 3 e 4 ENCONTROS 2 e 3 Manejo da metodologia das cenas e coprodução de sentidos (as falas da profissional estão em itálico e negrito) COM TODOS Exceto com Álvaro, com quem a conversa em cena não se processou, com os outros três, a profissional se esforçou para desenvolvê-la, embora com dificuldades de condução e, de modo geral, numa assimilação bastante singular e relativamente distinta aos marcos teóricos do protocolo. A metodologia foi desenvolvida segundo um enfoque ‘mais cognitivista’ e de aprendizagem comportamental, uma fragilidade presente em todos os casos. Dois pontos merecem detalhamento: 1) a assimilação da metodologia da cena se dá como uma narrativa sequenciada de ações ao longo de um dia, como se fosse um filme, e não uma cena. No caso de Deise, um passeio no final de semana, com ênfase no aspecto cognitivo (se lembrar do horário da tomada) e no aspecto prático (o que fazer: usar despertadores, lembretes escritos); 2) a questão do estigma da aids e da possibilidade de exposição às discriminações atravessou as narrativas sem ser abordada diretamente, nem aprofundada. A tendência foi nomear esta questão sob o termo “preconceitos”, interpretando-a de modo reducionista (plano estritamente cognitivo) e individualizante: “na verdade é o quanto que você tem de preconceito, né? É, é. Preconceito com relação à questão da dificuldade, da não aceitação do diagnóstico”. Positivamente, identificou-se um aprimoramento progressivo tanto no decorrer dos encontros, como dos primeiros casos (Amaro e Ciro) para um dos últimos (Deise) que ingressaram na intervenção. CIRO
A dinâmica não se caracterizou predominantemente como de cuidado, e sim de pesquisa, o que pode ter favorecido a produção de sentidos que expressassem “eu faço tudo certinho no tratamento”, pois essa é a expectativa. Vera privilegiou trabalhar a cena com relação a episódios passados, ou seja, as falhas de adesão em viagens, o que em si não seria uma fragilidade se ela não o tivesse feito com baixa consistência e especificidade – não solicitou que ele se recordasse de determinada situação e a compartilhasse, fez perguntas fechadas e confirmatórias, “ mas obedece...? você tem atrasos, não tem?”. A proposição da cena incipiente: “e digamos que você precise viajar novamente”, sem desenvolver os elementos. Repetia a expressão “me conte”. O tratamento durante viagens foi a única janela de oportunidade identificada por Vera para trabalhar uma cena. A conversa em cena a partir da imaginação ativa ou do role playing não se desenrolaram plenamente. Embora relevante trabalhar uma cena passada, preparando-se para situações futuras (coidentificar recursos e possibilidades para lidar com a dificuldade sem abdicar da medicação), Vera não convidou o interlocutor a imaginar especificamente uma cena, tampouco extrapolou o cenário das viagens, incentivando reflexões sobre: como lidar com o tratamento na convivência com amigos e conhecidos que não soubessem do diagnóstico; meios de se preservar a privacidade sem abdicar da ingestão dos medicamentos etc. A construção da cena de fato não aconteceu. O que se processou foi uma descrição de Ciro, incentivada por Vera, de uma sequência de ações que ele faria na ocasião de futuras viagens, desde a arrumação das malas (em que a profissional insistia em averiguar se ele se lembraria de colocar na mala os frascos das medicações) até a chegada ao hotel. Em continuidade, ela questionava sobre as tomadas nos horários correspondentes caso coincidissem com o período de um passeio. A profissional compreendeu que a principal dificuldade era “se lembrar de tomar” e não “o como” tomar em situações sociais, associado ao medo de questionamentos que culminassem com a exposição da condição de pessoa com aids. Sugerindo aprimoramento da conversa em cena, houve o reconhecimento, embora tênue, do estigma e do risco da discriminação como elementos importantes; daí a profissional comentou que compreendia o medo de Ciro de que as pessoas soubessem do HIV e agissem preconceituosamente; indagou-o se fora esse medo que o fizera “largar os remédios”, com o que ele concordou: “Foi. Porque eu não levei por causa disso. Medo de comentários, medo de críticas, medo de qualquer vexame. Então eu falei: ‘- Eu não vou levar’”. No entanto, parou-se aí, sem maiores reflexões, decodificação e ampliação para o contexto sociocultural, o que impossibilitou o reconhecimento solidário do medo pessoal da discriminação como uma experiência psicossocial associada ao estigma da aids (plano social da vulnerabilidade). Não se desenrolaram a imaginação de outros desfechos, com a coprodução de intenções acerca de novos repertórios. A conversa limitou-se à aceitação do desfecho proposto por Ciro, de somente viajar sozinho (o que perpetua o isolamento social) ou com pessoas a quem ele contasse, de antemão, sobre o HIV, com o sentido de uma obrigação moral das pessoas com HIV. continua
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Quadro 8. continuação ENCONTROS 2 e 3 Manejo da metodologia das cenas e coprodução de sentidos (as falas da profissional estão em itálico e negrito) AMARO
A profissional se esforçou para dinamizar a conversa em cena, o que possibilitou emergirem as principais dificuldades de adesão de Amaro no cenário do trabalho. A operacionalização da metodologia da cena foi marcada, assim como com Ciro, pelo esforço para que se produzissem relatos contínuos e lineares, de um ponto de partida a um ponto de chegada (do acordar, ao fim do dia), durante os quais o paciente era indagado se, nos momentos correspondentes aos horários prescritos das doses, a tomada da medicação ocorria; se ele “encaixava” o medicamento em sua narrativa. O objetivo era o de ajudá-lo a se lembrar dos medicamentos e memorizar “o como” deveria fazer em situações futuras. As perguntas foram repetitivas, às vezes com pouca clareza, embora o esforço em conversar desse modo tenha contribuído fortemente para a emergência da experiência cotidiana com o tratamento. A profissional se engajou em trabalhar com a cena mais do que na intervenção com Ciro. No entanto a dificuldade também foi extrapolá-las para o contexto sociocultural mais amplo, o que ajudaria a elucidar as diferenças de sentido entre tomar medicações em casa, tomar no trabalho, levar o estojinho ou postergar essa prática. Não se desenrolou a decodificação de sentidos intersubjetivos também relacionados ao medo significativo de Amaro da discriminação no trabalho, que se processava na nãoefetivação da intenção de levar as doses consigo, preferindo sempre tomá-las em casa (ambiente protegido) mesmo com significativos atrasos. As narrativas do paciente sugeriam que, racionalmente, sabia como resolver seu problema (dizia que comprar o estojo era fácil), entretanto, algum sentido que ele desconhecia ou era pouco racional dificultava a efetivação prática da intenção. Esta era a “janela de oportunidade” a ser explorada pela profissional, entretanto, como ela se colocou no diálogo incentivando-o, sobretudo a soluções práticas, o que emergiu das discussões como desfecho na construção da cena foi: “voltar para a casa no meio do dia para buscar os medicamentos”, o que não auxiliava a ampliar o reconhecimento sobre as barreiras simbólicas intersubjetivas em questão. O sentido que se produziu para o uso do estojo foi “fazer aquilo que a profissional desejava”, pois ele disse: “mas eu posso fazer o teste do estojinho, se você quiser”. Se você achar interessante fazer. O que é que você acha?”. Se essa passagem, por um lado, evidencia a dinâmica intersubjetiva de cooperação e vínculo, o diálogo não foi suficiente para ampliação do reconhecimento dos aspectos envolvidos e para a construção de novos repertórios. Numa segunda tentativa, ela explorou uma cena no trabalho, do momento em que ele ficava sabendo que teria de fazer hora-extra. Ambos, então, treinaram diferentes situações e os comportamentos que resolvessem os impasses diante de situações inusitadas que ela propunha (o que não foi de todo ruim): alterou-se o horário em que ele ficava sabendo que faria hora-extra e indagou-se, no sentido de averiguar se a resposta de Amaro correspondia a alguma intenção na direção de tomar a medicação. Depois de várias interpelações do tipo: “E se... (ocorrer tal coisa)?”, deu-se a compreensão de que os avisos para horas-extras eram mais frequentes do que até então pareciam, e uma nova intenção de Amaro se delineou: “[eu vou] fazer o teste do estojinho”. A profissional conceituou a intenção: “um compromisso que você está estabelecendo comigo”, e o incentivou a cumpri-lo. Na terceira construção de uma cena, houve o aprimoramento de sua condução, a conversa em cena se desenrolou com a explicitação dos elementos constituintes e a decodificação preliminar dos sentidos envolvidos na prática de levar o estojinho com os comprimidos e tomá-los na empresa: “Como você faz? Quem que está lá? Quem que está lá na hora que você vai trabalhar, estar lá com o estojinho, quem vai estar? Quem está lá com você, no seu trabalho?”. Ela chegou a indagá-lo como seria tomar o comprimido no bebedouro de água da empresa, se haveria pessoas por perto, ele respondeu que não teria problemas, pois “ninguém sabe do HIV”. A questão do risco de exposição atravessou todo o diálogo, mas não foi objeto específico da conversa. Embora tivesse acabado de dizer que iria usar o porta-comprimido todos os dias, pois afinal quase sempre era avisado sobre as horas-extras só no fim do dia, em alguns momentos, Amaro recuava e reafirmava: Se eu for, digamos assim, se eu tiver certeza “- Não vai ter hora extra hoje.” “- Não vai ter?” “- Não.” “- Beleza.” Então eu pego e não levo nada e, aí, eu chegando em casa vou ter o horário certinho pra mim tomar.” Suas narrativas expressavam ambivalência. Em continuidade, a profissional identificou a necessidade de abordar o sentido de não levar o porta-comprimido, mas o fez superficialmente: “Qual é a preocupação com relação ao estojinho?”. Em seguida, fez uma abordagem motivacional e diretiva incentivando “o compromisso do estojinho”. Amaro foi evasivo em sua resposta, que sugeria a produção de outros sentidos em torno do termo “preocupação”, que não os que a profissional ensaiava; o diálogo não prosseguiu. A conversa sobre o porta-comprimido se fez presente durante toda a intervenção, com sentidos de recuo, postergação; em um momento, Amaro justificou não adotá-lo em função do uso do MEMS, “ia atrapalhar a pesquisa”, o que não foi relativizado pela profissional. Ao contrário, ela concordou solicitando que não tirasse as doses da noite, antecipadamente, do dispositivo, para colocá-las no porta-comprimido, mas contraditoriamente, insistiu que o fizesse em outros momentos. Vera não fez nenhuma fala no sentido de distinguir, com o paciente, a situação peculiar atual de estar na pesquisa, de situações futuras, passíveis da adoção do utensílio. continua
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Quadro 8. continuação ENCONTROS 2 e 3 Manejo da metodologia das cenas e coprodução de sentidos (as falas da profissional estão em itálico e negrito) AMARO
Num momento ela indagou: “O que está faltando para comprar o estojinho?” Ele disse: “Vergonha na cara”, quando ambos riram. Prosseguiram: “Vergonha na cara. Sério. Sério, porque é uma coisa tão fácil, falei pra você, na loja de um real tem! É falta... Às vezes, a gente não lembra, não é?” O que não é conversado é que um dos sentidos possíveis ao usar o estojo no trabalho era o medo de ser identificado como pessoa com HIV, o que precisaria ser explicitado e humanizado, reconhecerem que essa sensação é vivenciada por muitas pessoas que vivem com o HIV, e não como “uma falta de vergonha na cara”, que mais uma vez individualiza o problema, culpabiliza quem o vivencia e não abre espaço para compreensões dos aspectos intersubjetivos. A profissional, por sua vez, deu uma conotação cognitiva à dificuldade – reafirmando o sentido de que ele não efetiva sua intenção por não se lembrar de comprar o utensílio – sugerindo que verificasse sua disponibilidade na farmácia do serviço. Amaro dizia que o “estojinho” deveria ser “sutil”, para que ninguém “associe nada”, ou seja, com a doença. O medo da discriminação não se relacionava somente a ser portador do HIV, mas também às práticas sexuais homoafetivas. A profissional, então, nomeou a “questão do preconceito”, o que foi positivo, mas o fez nos termos “você já superou isso”, como se tentasse elogiá-lo. Ele, então, contou longamente a história de um amigo HIV positivo que revelou sua condição no trabalho e sofreu consequências ruins, justificando o próprio esforço em manter o sigilo; relembrou o próprio medo e angústia diante do risco de ser identificado com HIV em um exame admissional e, também, que não tinha ainda contado sobre seu diagnóstico ao médico do convênio que vai com frequência, entre outros comentários sobre o medo da discriminação. Isso sugere que a abordagem motivadora “abafou a voz” que tentava se expressar; além de ter colocado em xeque o sentido da profissional de que “a questão do preconceito” era um pensamento/crença (cognição) superável, e não um processo intersubjetivo relacional vivido em cada cena nos diferentes cenários sociais; sobretudo, se contrapunha ao sentido de que o “preconceito de Amaro” estava superado. Diante do comentário da profissional, o ciclo do assunto se concluiu sem a produção de novas vozes, pois Amaro respondeu o que era socialmente esperado: “Mas já superou tudo isso, não é? Superei. Graças a Deus!” A implicação desse tipo de comunicação é que não se produziu espaço para dialogar sobre a vivência real e atual da insegurança que se processava subjetivamente nesse “ir e voltar”, na postergação de uma prática aparentemente simples (usar o porta-comprimido no trabalho), mas que guardava sentidos pouco explorados comunicativamente, permanecendo “silenciados”, porém, ativos. Frente aos incentivos da profissional, Amaro, como se reconhecesse seu próprio movimento de postergar algo “fácil”, respondeu: “vou seguir os horários certinhos [...] e comprar o estojinho. Vou ver na farmácia se tem”, e deu risadas.
DEISE
Aprimorou-se o desenvolvimento da metodologia das cenas, introduzindo-a com mais especificidade e, também, na conversa reflexiva (etapa da decodificação): “Então, escolha um dia, sem se preocupar que dia foi da semana, se você não se lembrar, mas me conta o que você lembra. O que aconteceu, como foi isso.” A primeira cena trabalhada é do adormecimento no sofá assistindo à TV e o acordar quase três horas depois do horário da tomada, a 01h00min. A construção de uma segunda cena, da tomada da medicação pela manhã no trabalho, possibilitou, além do reconhecimento de que o ritmo intenso da linha de produção dificultava a parada para a tomada das 10h00min, a decodificação de alguns sentidos relacionados ao modo como lidava com sensações adversas atribuídas aos medicamentos. Mediante os questionamentos da profissional, emergiu que, antevendo possível mal-estar, Deise fazia ajustes (supressão ou atraso da tomada) até então significados como involuntários, lapsos. Pela decodificação, as práticas ganham compreensões adicionais: de haver algum grau de decisão em “não tomar a dose certinha”, como uma autogestão do tratamento para manejar os efeitos indesejáveis: “Então, às vezes acontecia assim; se eu precisava fazer alguma coisa, [...], aí eu já não tomava, porque eu tinha que ir [...]. Aí, quando você toma bem certinho o remédio, a gente sente que não fica bem normal. Tem dias em que eu não estou cansada e eu quero estar bem normal [...] Então, [...] você crê que o fato de você querer se sentir melhor, digamos, amanhã, você faz isso – de não tomar o medicamento – pra ficar melhor? [...] Teve um tempo em que fazia isso. [...] Lá no serviço era bem puxado, não é? Aí, eu esquecia. [...] Será que você esquecia por que esquecia mesmo, ou porque era providencial e você queria estar bem, pra poder fazer o serviço de uma maneira melhor? [...].” A conversa que se seguiu foi bastante produtiva no sentido da problematização e da reflexão; nos termos de Deise, ela fez uma “autoanálise” sobre como lidava com o tratamento. continua
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Quadro 8. continuação ENCONTRO 4 (as falas dos pacientes estão em itálico e negrito) Avaliação dos encontros / Sustentabilidade da adesão em longo prazo COM TODOS De modo geral, ao se esforçar para seguir fielmente o roteiro, as conversas adquiriram uma dinâmica menos dialógica e mais inquisitiva, diretiva, ao estilo “checklist”. As recomendações do roteiro não foram suficientemente personalizadas nas conversações, por exemplo, tomando os assuntos de cada um como ponto de partida. Logo, foram genéricas, as perguntas abstratas demais, repercutindo em significativas dificuldades de compreensão mútua. Ao responderem algumas perguntas, era como se estas não fizessem sentido, questionassem o óbvio ou se repetissem demais. CIRO
O sentido que prevaleceu foi fazerem uma revisão dos encontros. Retomaram o assunto das tomadas em viagens e permaneceu pouco explorado “o como” lidar com o risco de se expor socialmente e as saídas possíveis. Mesmo que Vera imprimisse um tom mais reflexivo e aberto à conversa sobre o processo dos encontros e a identificação de recursos para manter-se aderente em longo prazo, ele dava respostas bem pontuais; em vários momentos, não compreendia as indagações, tornando-se “truncada” e cansativa a comunicação. Ele não sabia como responder à expectativa dela ou não vislumbrava ações a serem efetivadas: “eu não sei explicar. Mas eu acho que devo continuar corretamente em tudo, né? [...] Eu acho que não tem muita coisa [que eu possa fazer] [...]”.
AMARO
Contou que comprou o porta-comprimido e trouxe-o para mostrá-lo; valorizam o utensílio em termos das facilidades práticas, ela o incentiva a incorporá-lo na rotina quando não estiver mais usando o MEMS. A ideia de fazerem um resumo sobre os encontros anteriores ajudou a avaliação do processo e as reflexões, mas, no decorrer, os diálogos diminuíram e predominou o tom “checklist”, averiguador: “a questão da providência do estojo, você já providenciou, né? (Isso.) E a manutenção futura, que a gente tinha pensado... para poder estar reforçando hoje, não é?”. Perguntas repetitivas e mudanças abruptas de assunto pela profissional. A dinâmica conversacional caracterizou-se pelo pressuposto de responder o certo, o esperado, aquilo que deveria ser memorizado, “reforçado”; pouco exploradas as vivências e seus sentidos. As respostas dele eram mais curtas, às vezes somente sim ou não; as falas dela eram motivacionais.
ÁLVARO
Ocorreu com intervalo de trinta e um dias. Inicialmente, o diálogo também adquiriu a conotação “checklist”, em que a profissional fazia averiguações sobre pontos dos encontros anteriores, sobretudo se ele estava desenvolvendo práticas que favorecessem a adesão, nomeadas, por ela, como “acordos feitos entre ambos”, durante os encontros. As respostas eram quase sempre curtas e/ou genéricas, como, por exemplo, quando Vera perguntou se ele estava mantendo as medicações às 10 e às 22 horas e ele respondeu somente: “É”. No entanto, positivamente, a profissional, progressivamente, imprimiu uma abordagem mais aberta / dialógica à conversa, com perguntas mais reflexivas e avaliativas sobre a experiência dos encontros, mudanças conseguidas e a serem praticadas, e que tipo de apoio ele precisava. Álvaro se expressou um pouco mais, mas advertiu que estava com muito sono, o que dificultava se expressar.
DEISE
A conversa foi, também, mais dialógica, embora com repetições de perguntas sobre o que ela precisava para se manter aderente em longo prazo. Algumas expressões genéricas do roteiro, por exemplo, “soluções encontradas para se manter aderente” não eram pertinentes aos rumos das conversas, pois o que haviam conversado não tinha o sentido de “soluções” (os termos e sentidos eram outros). Deise pareceu demandar um encontro adicional, aos moldes do segundo e terceiro, com foco no trabalho com cenas; o encontro 4, avaliativo do processo, foi prematuro no caso dela. Repercussões da intervenção para a pessoa
TODOS
A despeito de fragilidades identificadas no conjunto das dimensões e componentes da intervenção, as narrativas sobre “se a intervenção havia ajudado, e em que”, “ou como eu estava antes, como estou hoje” sugeriam boas repercussões na direção da adesão, da melhora do autocuidado, do bem-estar emocional, entre outras mais específicas às realidades de cada um. continua
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Quadro 8. continuação ENCONTRO 4 (as falas dos pacientes estão em itálico e negrito) Avaliação dos encontros / Sustentabilidade da adesão em longo prazo CIRO
Incentivado a “se apropriar dos medicamentos (conhecer cada um pelas nomenclaturas)” e “aceitar a possibilidade deles na sua vida” , Ciro expressou sentidos positivos aos medicamentos e de maior aceitação do tratamento: “[...] tem que aceitar né? Faz parte da minha vida. É como se fosse um companheiro”. Lembrando que é uma pessoa tranquila com relação ao diagnóstico, não se queixava de efeitos adversos e acreditava seguir o tratamento “certinho”; talvez por isso houvesse menos depoimentos sugestivos de mudanças. Os encontros foram significados como uma experiência positiva e suas narrativas sugeriam motivação, conscientização, engajamento no tratamento, trocas empáticas e afetivas com Vera.
AMARO
Ele referiu se sentir mais seguro e consciente da importância de não “ficar descoberto”, referindo-se aos atrasos das tomadas; “mais adaptado” ao tratamento; de desconfortável passou a significá-lo como “uma questão de adaptar-se à rotina”, transformá-lo em “hábito”. Valorizou a oportunidade de conversar e receber informações, afirmou que isso repercutiu também em seu tratamento de hipertensão, reconhecendo que mudou, pois anteriormente “não levava a sério”, comparando com o presente, em que tem intencionalidade de manter-se aderente. Disse também: “eu aprendi a me expressar um pouco melhor referente ao meu problema [...] Eu estou me sentindo mais à vontade de conversar, você entendeu? (Sei.) De conversar e falar sobre o HIV”. Do ponto de vista psicológico e da descrição de si, a mudança operou-se em deixar de se ver como vítima: “[...] parei de sentir pena de mim mesmo. Eu me sentia vítima do mundo. Eu não sou! [...] Eu tenho pensado nesse ponto de vista, entendeu? [...] Acho que eu psicologicamente estou bem.” Os encontros ajudaram, nos seus termos, a “uma autoafirmação de mim mesmo” e destacou que a profissional não fora impositiva, “[...] Não. [Você não disse] ‘_Você vai ter que fazer desse jeito, desse jeito e desse jeito’ Não. Você me deu opção [...] não sou tão passivo como era”.
ÁLVARO
É o paciente em situação mais complexa, de uma sinergia de aspectos que ampliavam sua vulnerabilidade ao adoecimento, destaque aos emocionais (angústias em relação ao namorado) e de cidadania (dificuldade socioeconômica, agressões de familiares, instabilidade de moradia). Considerando, sobretudo, seu perfil mais lacônico, lento, e a menor expressividade verbal, as narrativas de repercussões foram poucas. Ele compreendeu que, pelo objetivo da intervenção, “começar a tomar o remédio em data certa, em horário certo todos os dias”, ele se beneficiou, pois era “desligado” e agora estava “mais ligado” quanto ao tratamento, tomando as doses às 10 e às 22 horas, o que sugere a produção de sentidos disciplina e atenção quanto a seguir os horários prescritos. Um aspecto interessante é que, no diálogo avaliativo, Álvaro foi mais explícito em assumir (era esse o sentido) quanto, no passado, não seguiu corretamente o tratamento, associando a mudança positiva à participação na pesquisa; que o MEMS o ajudou e gostaria de ter sempre “essa tampinha”, pois ela “monitora a gente”, “fica mais ligado [...] pra tirar o remédio na hora certa”. Para ele, os encontros foram suficientes porque ajudaram a produzir o senso de necessidade de maior implicação de sua parte: [...] É assim, sabendo pelo menos o horário que tal, que tem que tomar, isso aí, já começo a me preocupar de colocar um despertador, de colocar um papel na geladeira, [...]” Nos seus termos, a intervenção o ajudou a “[...] a tomar vergonha, tomar o remédio mais no horário certo, mais continuamente do que eu estava tomando” e a “buscar outras saídas para os problemas” ao invés de “explodir”, sugerindo repercussões que extrapolaram o tratamento, no sentido de valorizar a própria capacidade de ponderar sobre situações cotidianas que exigissem tomadas de decisões, com mais calma e menos tensão. continua
No mais, o tema geral da conversa – o tratamento de uma doença sem cura, cujo risco de morte por falência, no tratamento, é muito conhecido – pode ter suscitado esses engajamentos mais monológicos: “insistir no fazer o certo”, “repetir quantas vezes forem necessárias”, “averiguar se a prescrição está sendo seguida”, “pelo bem da pessoa”. Adicionalmente, as conversações transcorreram no âmbito de uma pesquisa, institucionalmente valorizada. Possivelmente, o simbolismo da ciência como atividade padronizada e controlada estava presente, intersubjetivamente, nas interações de cuidado, implicando alguma perda de naturalidade e COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.803-34, out./dez. 2013
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Quadro 8. continuação ENCONTRO 4 (as falas dos pacientes estão em itálico e negrito) Avaliação dos encontros / Sustentabilidade da adesão em longo prazo DEISE
As repercussões sugerem que, embora tenha se produzido uma maior compreensão de si mesma e das circunstâncias em que as falhas de adesão aconteciam, essas ainda estavam ocorrendo ao término da atividade (relatos relativos aos últimos dias). O uso de despertador e de alarme de celular, muito incentivado, não se mostrou sistemático e suficiente para evitá-las e não se produziram sentidos de gravidade, de frequência ou de problemas quanto às situações de falhas na adesão. Em sua compreensão, ocorriam esporadicamente, embora durante o período dos encontros tenha relatado, pelo menos, três ocorridos em que a dose fora abolida. Seus depoimentos não sugeriam intenção de adotar novos jeitos de tomar as medicações, e sim reflexões sobre como se sente hoje e como se sentia, e suas implicações sobre o tratamento. Ela ressaltou os aprendizados com a intervenção “[a gente] aprende muita coisa, né? Avaliou que estava “meia caída” que “nem lembrava dos remédios mesmo” “por isso [a intervenção] me ajudou, “foi depois dessa pesquisa que eu tomei essa decisão” [de mudar, de se cuidar]. Interpretou os encontros como “um cutucão” positivo, pois a incentivaram a “não se esquecer de viver”, “não se esquecer de si mesma.” A repercussão mais evidente no movimento de Deise foi rumo ao bem-estar emocional em função de ter sido acolhida naquilo que necessitava conversar (valorizou muito “poder conversar, se abrir”); de entristecida e cansada, passou a vivenciar novas sensações nomeadas como tranquilidade, autoconfiança e segurança; além de compreender com mais clareza as implicações de seu estado anterior depressivo sobre o modo de seguir seu tratamento. A produção do bem-estar também se associou à decisão de efetivar uma mudança significada como importante, durante o período da intervenção: pedir demissão, uma decisão difícil, mas necessária e libertadora a seu ver.
espontaneidade, e o compartilhamento de uma espécie de “pressão”: as profissionais “executarem bem” o esperado; e os pacientes “aproveitarem a oportunidade da pesquisa da USP”. Assim, as dificuldades comunicacionais identificadas se sustentam, em parte, em questões teóricoconceituais e histórico-culturais que extrapolam o “aqui e agora” dos encontros. Aprofundá-las exigiria maior espaço para o diálogo com outras produções que versam sobre: - interações verbais e dialogismo nas práticas de saúde (Corrêa, Ribeiro, 2012); - significado social da aids, de viver com HIV, de ser profissional de serviços de aids, no Brasil; - tradição “prescritiva e normativa”, “de orientar e motivar”, “encarnadas” nas práticas profissionais em saúde; - ou ainda, sobre as vertentes psicológicas predominantes na formação de psicólogos e nos cursos de saúde. Estas, ainda, são pouco afeitas aos referenciais mais contemporâneos, como o construcionismo social e hermenêutica, que enfatizam o cuidado como interação dialógica. Há, por último, mas não menos importantes, as implicações relacionadas às situações dos próprios pacientes, que, merecendo um aprofundamento específico, estão sendo investigadas em outro trabalho. Situações individuais que envolvem complexas dimensões sociais são de difícil mitigação para o nível assistencial da saúde; e desafiam “o como conversar” sobre tantos aspectos graves, sinérgicos e multidimensionais.
Dialogar no Quadro da Vulnerabilidade e Direitos Humanos é um desafio Em muitos momentos, as conversas supervalorizaram os “problemas de memória” e as “soluções práticas”, como “lembrar-se do remédio” ao preparar mala para viajar (Ciro); “esquecer-se de comprar o estojinho” (Amaro). Incentivos a estratégias para facilitar as tomadas não são recursos conversacionais problemáticos em si, entretanto, na medida em que se sobrepõem à decodificação pelo diálogo das “barreiras” simbólicas e psicossociais – que interatuam na produção das falhas (sentidos que adquirem em cada cena, os atos de tomar e de não tomar a dose) – tais incentivos podem ser inócuos. Isto porque a retórica do profissional não se conecta aos sentidos das ações que o paciente está narrando. Por exemplo, Ciro explicara que não 824
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Quadro 9. Avaliação objetiva do desenvolvimento das dimensões e componentes Escala de padrões de desenvolvimento: Suficientemente (S), Moderadamente (M), Insuficientemente (I), Não se aplica ao caso (NA), Sem informações (SI). Ciro (CI), Amaro (AM), Álvaro (AL) e Deise (DE). Uma a quatro cruzes (+, ++, +++, ++++): grau de predominância de cada enfoque.
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Dimensões/Componentes Dimensão A: Princípios gerais (teóricos, metodológicos e éticos) transversal aos 4 encontros Produção do Cuidado numa interação comunicacional dialógica Interação horizontalizada Valorização do saber prático do paciente Centramento nas experiências cotidianas do paciente/contextualização do tratamento Clima de solidariedade e apoio na busca de soluções/implicação do profissional com o paciente Dimensão B: Enfoques transversais aos 4 encontros Educativo: instruções, esclarecimentos e informações técnicas; foco em dúvidas sobre remédios, efeitos em geral, horários de tomadas, aprender e memorizar nomenclaturas etc. Predomínio do profissional orientando, informando, esclarecendo, ensinando. Comportamental-cognitivo: sugestões e incentivos para a adoção de estratégias, como lembretes, alarmes, medicação assistida por terceiros etc.; abordagem mais prescritiva, com sugestões (de despertador, lembretes, alguém para ajudar, mudanças de horários das tomadas), conversas com conotação de “treinar” a memória (lembrar dos horários das tomadas). Predomínio do profissional “dando dicas”, sugerindo, incentivando condutas e processos cognitivos. Psicossocial construcionista: 1) Acolhimento (escuta e responsividade às narrativas e emoções relacionadas ao viver com HIV e às questões mais amplas: socioeconômicas, família, relacionamento, trabalho); 2) Abordagem psicossocial construcionista (tomar emoções, ações e crenças (plano individual) como expressões construídas intersubjetivamente de acordo com interações contextualizadas e referenciadas sociocultural e historicamente (planos: social e programático). Predomínio de conversas dialógicas, abertas às muitas possibilidades compreensivas, problematizadoras e críticas; decodificações e cocompreensões na direção de extrapolar o nível cognitivo-comportamental. Dimensão C: Desenvolvimento do Encontro 1 em relação ao roteiro Componentes analisados Sentidos produzidos sobre a participação na pesquisa e uso do MEMS Conversa sobre a carga viral detectável como justificativa ao convite para a intervenção Apresentação mútua Metodologia da Livre Conversação e Escuta das narrativas de apresentação e sobre as experiências com o tratamento Encerramento e Registro Compartilhado Dimensão C: Desenvolvimento dos Encontros 2 e 3 em relação ao roteiro Dimensão analisada concomitantemente: Manejo da metodologia das cenas e implicações Desenvolvimento Encontro 2 Desenvolvimento Encontro 3
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continua
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Quadro 9. continuação Escala de padrões de desenvolvimento: Suficientemente (S), Moderadamente (M), Insuficientemente (I), Não se aplica ao caso (NA), Sem informações (SI). Ciro (CI), Amaro (AM), Álvaro (AL) e Deise (DE). Uma a quatro cruzes (+, ++, +++, ++++): grau de predominância de cada enfoque.
Casos
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Dimensões/Componentes Dimensão D: Manejo da metodologia das cenas e implicações Durante os encontros houve tentativas e esforço da profissional em utilizá-la? Nos momentos oportunos para utilizá-la, a utilização predominou? Ao utilizá-la, predominou adequação na maior parte das iniciativas em “mobilizar” cenas? Nos desfechos dos enredos de cada cena mobilizada, produziram-se sentidos sobre as dificuldades no uso das medicações? Além do reconhecimento das dificuldades, há narrativas do paciente sobre ações, ou intuitos de desenvolvê-las, na direção do autocuidado, da melhora da adesão? Dimensão C: Desenvolvimento Encontro 4 em relação ao roteiro Componente analisado: se ocorreu a conversa avaliativa dos encontros e sobre a sustentabilidade da adesão em longo prazo Dimensão analisada concomitantemente: Repercussões da intervenção para a pessoa Dimensão E: Repercussões da intervenção para a pessoa Houve ampliação do reconhecimento e das compreensões do paciente sobre o próprio tratamento, condições, barreiras, falhas e oportunidades? Movimento de passividade ao engajamento, pró-atividade e autonomia. Movimento de insegurança à segurança. Movimento de restrição na sociabilidade à ampliação da sociabilidade (amigos, trabalho, serviço de saúde). Movimento de insatisfação para satisfação nas relações afetivas e sociais. Movimento de pior para uma melhor convivência com o tratamento. Movimento da desinformação/ignorância/equívocos sobre os remédios para um maior domínio dos assuntos. Movimento na direção de adotar novas estratégias/ “jeitos” para usar as medicações. Movimento de transformação de sentidos negativos atribuídos ao remédio e tratamento para sentidos mais favoráveis. Movimento de mudança em relação ao serviço. De pouco uso e desconhecimento do serviço para um interesse em usufruir mais dos recursos existentes no serviço.
levar os medicamentos nas viagens era uma decisão relacionada a não ter de se explicar aos amigos, sobre o tipo de tratamento, e não ao esquecimento de levar os remédios. Com Amaro, foram incipientes os diálogos sobre os sentidos diversos entre tomar medicações em casa ou no trabalho; o coentendimento foi de que ele não usava o estojinho por se esquecer de comprá-lo. Por sua vez, sentidos pouco racionais – insegurança, medo de expor-se e sofrer discriminações – não foram explorados. Qual o sentido de evitar o uso do utensílio no trabalho? Ao ser reconhecido como pessoa que “toma remédio todos os dias”, a identidade de trabalhador seria ameaçada? Do que “suspeitariam”? Esses exemplos sugerem que, além de ainda pouco usuais no campo da saúde, e mais desafiantes, as conversas dialógicas contaram com uma dificuldade adicional: desenvolvê-las segundo o Quadro da V&DH e a metodologia das cenas. Nas conversas com os pacientes, houve dificuldade para abordar os aspectos individuais da vulnerabilidade ao adoecimento por problemas de adesão, enquanto experiências pessoais produzidas intersubjetivamente, em diferentes contextos. Ou seja, as crenças, os comportamentos, o grau de motivação, autoeficácia e de informação foram pouco trabalhados, em 826
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termos de seus sentidos situacionais. Componentes individuais da vulnerabilidade foram, assim, pouco abordados como, inextricavelmente, integrados aos programáticos e socioculturais (Paiva, 2012a). Isto confluiu para o predomínio de um enfoque mais próximo às vertentes cognitivas e comportamentais, do que psicossocial construcionista. O recurso metodológico das cenas, mais inovador para auxiliar o diálogo embasado pelos referenciais adotados, se fez presente, mas não sem dificuldades consideráveis de manejo. O principal: sua incorporação foi, em parte, destoante destes referenciais, usada mais como recurso de “treinamento” para aprendizagens cognitivo-comportamentais, do que para ampliação do diálogo. As conversas não ampliaram a decodificação das cenas de cada pessoa, até a compreensão dos cenários sociais e programáticos implicados; extrapolaram pouco, na maior parte das vezes, o nível cognitivo-comportamental – do que a “pessoa pensava e fazia em cada cena”, e do que poderia ser aprendido, memorizado ou lembrado. O manejo simplificado da exploração e decodificação dos sentidos nas cenas/cenários implicou prejuízo à abordagem psicossocial construcionista da intervenção. Um indicativo claro disto é que o estigma da aids não foi decodificado e problematizado em sua expressão no nível pessoal: “o medo do preconceito”, que reverberava em não tomar remédios em determinadas situações sociais – viagens com amigos (Ciro); no trabalho (Amaro); ou, mesmo, em casa (Deise, escondia os frascos quando o filho recebia amigos). Experiências psicossociais foram reduzidas, nos termos das conversas, a uma crença “já superada”, o que não correspondia aos sentidos da narrativa de Amaro; ou a uma “negação/resistência” – sentido sugerido quando Deise foi indagada: “Você nunca aceita o diagnóstico, nunca aceita o fato de ser soropositiva?” Não. Não. [...] “Na verdade é o quanto que você tem de preconceito, né? [...]”. Como o enfoque psicossocial construcionista ancorava-se nas conversas dialógicas e no Quadro da V&DH, este ficou menos preponderante, sobretudo com Ciro e Amaro. Com Deise e Álvaro desenvolveu-se melhor o acolhimento, enquanto processo necessário à inflexão na direção deste enfoque, mas que, em si, não o configura. Com ela, a comunicação foi mais dialógica, pois se engajou nas conversações; Vera, também, foi-lhe responsiva sobre outras questões, como: a raiva e inconformidade com a soropositividade, seu “cansaço com o trabalho”, “a depressão”, seus planos após pedir demissão. A metodologia das cenas também transcorreu melhor com Deise; com Álvaro, praticamente, não foi utilizada. Mesmo assim, a disposição para dialogar com ele pareceu maior se comparada a Amaro e Ciro; as colocações de Vera tendiam a extrapolar, um pouco mais, o nível cognitivo-comportamental, caracterizando um direcionamento ao enfoque psicossocial e uma implementação que se assemelhou ao aconselhamento. Os limites temáticos do diálogo se ampliaram e Vera se esforçou em ajudá-lo a “inserir” o tratamento em meio aos problemas vivenciados, embora ele parecesse pouco mobilizado, como se o tratamento fosse secundário às preocupações. Favoravelmente, ela utilizou recursos metafóricos: a vida dele como um “bolo”; os problemas/questões como “fatias do bolo”; propondo que refletissem sobre como repercutiam no tratamento. Indagado sobre o que poderia fazer, respondeu “me cuidar”. Foi incentivado à maior autonomia e iniciativa em suas decisões e posturas, nas situações que o afligiam e prejudicavam o autocuidado, por exemplo, estar triste, “apático” e “dependente” do namorado. Produziu-se, assim, um movimento. Álvaro pretendia ter “uma conversa séria e definitiva” com ele. Em seu projeto de felicidade, indissociável da busca por saúde, este relacionamento era muito importante. Mesmo com as dificuldades, o esforço para utilizar a metodologia contribuiu para potencializar a conversa exploratória sobre as vivências, ao invés de checar práticas habituais ou, precipitadamente, fazer prescrições e orientações indiscriminadas. Acessou-se, na maior parte das conversações, o “como vivo com HIV” e “como sigo o tratamento”, e não “o que devo dizer” sobre. Com Ciro, a situação foi bastante ilustrativa: em vários momentos, produziu-se a dúvida de se “ele precisava da intervenção”, pois afirmava seguir “certinho” o tratamento, negando dificuldades. Inicialmente, pensou-se que a dinâmica de “dar uma entrevista” tivesse repercutido no agir como “bom paciente”. No entanto, seus dados clínicos acessados ao término das análises sugerem que tanto um ano antes, como depois do ensaio, a replicação viral manteve-se relativamente baixa, mas constante; e, contrariamente ao “esperado”, sua adesão foi acima de 95% antes, durante e depois da intervenção. 827
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Clinicamente, o caso de Ciro parece compatível com seu longo tempo de doença, embora mereça avaliação médica da possibilidade de falência. Os exames de Álvaro e Deise – anteriores e posteriores à intervenção – mostram padrão típico de adesão insuficiente, que, evidentemente, exigiria investigação apurada da adesão e, se necessário, genotipagem. Nestes três casos, os possíveis benefícios individuais da intervenção não alcançaram êxito técnico na situação clínico-laboratorial. Não tivesse o protocolo da pesquisa exigido o isolamento da intervenção dentro do serviço, a situação seria provavelmente diferente. Vera conheceria os dados laboratoriais e, no mínimo, conversaria com os médicos responsáveis, provida de mais conhecimentos sobre a situação de adesão de cada um. No caso de Amaro, a intervenção, do ponto de vista clínico-laboratorial pode apenas tê-lo auxiliado ou incentivado a manter seu processo de adaptação de início de tratamento, que, embora mais fácil do ponto de vista clínico, é um período classicamente considerado difícil e crucial para a adesão.
Conclusões Este trabalho ilustrou como modalidades de intervenções individuais de cuidado em adesão podem ser estruturadas e protocoladas, para facilitar sua disseminação e incorporação no SUS. Para tanto, as modalidades de cuidado devem ser implementadas com fidelidade aos referenciais teóricometodológicos planejados, o que, neste estudo, não ocorreu plenamente; isto foi dificultado, em parte, pelas características gerais de um ensaio clínico e pelo contexto de pesquisa. As capacitações, supervisões e o roteiro da intervenção não foram suficientes para garantir a fidelidade, tampouco para promoverem plenamente as inflexões pretendidas: na direção de um processo comunicacional dialógico, menos “cognitivista”, sustentado pelos referenciais da V&DH e da dimensão psicossocial do Cuidado. Permanece, como desafio, desenvolver recursos pedagógicos e conversacionais capazes de auxiliar o “entrelaçamento” do nível psíquico com o interpessoal, e o sociocultural, na inteligibilidade dos problemas de adesão. Os roteiros, especificamente, têm tal finalidade, mas não sem riscos de “efeitos adversos” – homogeneizar ou mecanizar as conversas, perdendo em dialogia. Afinal, são conciliáveis intervenções estruturadas com propostas construcionistas sociais? Como a de “desenvolver um espaço conversacional livre” (Anderson, Goolishian, 1998, p.37). O protocolo/roteiro desta pesquisa é aberto e pouco diretivo; não preconiza modelos de perguntas ou sequência de assuntos. Mostraram-se bastante satisfatórios, confirmando os achados de Santos (2010), exceto no que se refere ao quarto encontro. Os objetivos deste eram pertinentes, entretanto, foram convertidos em perguntas genéricas, abstratas ou fechadas, que quase não incorporavam especificidades conversadas nos encontros anteriores, prejudicando a continuidade dos diálogos. Os resultados, mesmo que parciais, sugerem que sim, são conciliáveis – perspectivas construcionistas sociais e intervenções estruturadas – desde que a implementação seja flexibilizada, possibilitando inovações no processo que retroalimentem o protocolo/roteiro. Inclusive, em versões diferenciadas, sensíveis à diversidade de perfis de usuários, profissionais e locais de implementação. Sua utilização não deve restringir os diálogos, ao contrário, devem ampliá-los, inclusive, para além do atendimento individual – na interlocução entre o profissional que está conduzindo-o e a equipe multiprofissional. Para o Cuidado integral, é imprescindível que profissionais não-médicos, conduzindo intervenções comunicacionais em adesão, atuem em equipe e, sobretudo, coordenadamente com os médicos, incorporando, aos diálogos com o paciente, seus dados clínico-laboratoriais monitorados regularmente. Segundo avaliação das três profissionais, para futuras implementações desta intervenção no SUS: o número de encontros e sua duração devem ser flexíveis; e as capacitações devem aprofundar a “questão da comunicação”, e o desafio de transitar entre “uma discussão mais focada no tema da adesão e a abordagem mais ampla de questões trazidas pelos pacientes sobre sua vivência cotidiana”, que não se relacionam, diretamente, ao tratamento (Santos, 2010, p.53). A depender, no entanto, das concepções sobre adesão e dos referenciais das intervenções, os critérios definidores “do que foge” ao roteiro podem variar muito. A análise do que seja “diretamente relacionado” à adesão não deve se 828
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basear, somente, nos fatores de risco “clássicos”, senão muitos assuntos ficarão sem escuta e responsividade. Assim, os profissionais terão de lidar, continuamente, com a tensão: “sair do roteiro, ficando no roteiro”. “Sair” significa aceitar o convite do usuário para dialogar sobre determinada questão, “voltando ao roteiro” com novos elementos que ampliem o entendimento mútuo das dificuldades cotidianas em seguir o tratamento; e indiquem mudanças possíveis e convenientes. O potencial da comunicação dialógica para elucidar as conexões (sempre singulares) entre as “questões da vida” e a (não) adesão – associado ao valor terapêutico de ser escutado e acolhido – contribuirá na mitigação da vulnerabilidade ao adoecimento, além dos sofrimentos e violações de direitos.
Colaboradores Renata Bellenzani realizou as análises e a escrita da primeira versão do manuscrito; Maria Ines Baptistella Nemes e Vera Paiva contribuíram fortemente na versão final, além da coordenação da pesquisa original, formulação e capacitação na metodologia das cenas, respectivamente. Referências ÁLVARO, J.L.; GARRIDO, A. Psicologia social: perspectivas psicológicas e sociológicas. São Paulo: McGraw-Hill, 2006. AMICO, K.R.; HARMAN, J.J.; JOHNSON, B.T. Efficacy of antiretroviral therapy adherence interventions: a research synthesis of trials, 1996 to 2004. J. Acquir. Immune Defic. Syndr., v.41, n.3, p.285-97, 2006. ANDERSON, H.; GOOLISHIAN, H. O cliente é o especialista: a abordagem terapêutica do não-saber. In: McNAMEE, S.; GERGEN, K. (Orgs.). A terapia como construção social. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. p.34-50. AYRES, J.R.C.M. Cuidado e reconstrução das práticas de Saúde. In: ______. (Org.). Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro: Cepesc; UERJ/IMS; Abrasco, 2009a. p.41-73. (Clássicos para integralidade em saúde). ______. Para compreender o sentido prático das ações de saúde: contribuições da hermenêutica filosófica. In: ______. (Org.). Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro: Cepesc; UERJ/IMS; Abrasco, 2009b. p.129-55. (Clássicos para integralidade em saúde). ______. Sujeito, intersubjetividade e práticas de saúde. In: ______. (Org.). Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro: Cepesc; UERJ/IMS; Abrasco, 2009c. p.17-39. (Clássicos para integralidade em saúde). ______. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. In: ______. (Org.). Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro: Cepesc; UERJ/IMS; Abrasco, 2009d. p.75-105. (Clássicos para integralidade em saúde). AYRES, J.R.C.M.; PAIVA, V.; BUCHALLA, C.M. Direitos Humanos e vulnerabilidade na prevenção e promoção da saúde: uma introdução. In: PAIVA, V.; AYRES, J.R.C.M.; BUCHALLA, C.M. (Orgs.). Vulnerabilidade e Direitos Humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p.9-22. BASSO, C.R. et al. Exploring ART intake scenes in a human rights-based intervention to improve adherence: a randomized controlled trial. AIDS Behav., v.17, n.1, p.181-92, 2012.
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BELLENZANI, R.; NEMES, M.I.B.; PAIVA, V.
artigos
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BELLENZANI, R.; NEMES, M.I.B.; PAIVA, V. Comunicación profesional-paciente y cuidado: evaluación de una intervención para la adhesión al tratamiento de VIH/Sida. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.803-34, out./dez. 2013. Los abordajes cognitivistas de la comunicación profesional-paciente y de los comportamientos en la salud, predominan en las intervenciones para dar apoyo al tratamiento de VIH/Sida. Mediante una perspectiva construccionista social de la comunicación profesional-paciente y de sus experiencias con el tratamiento, se evaluó la implementación de una intervención psicosocial individual, compuesta de cuatro encuentros e informada por el referencial de la Vulnerabilidad y de los Derechos Humanos en la dimensión psicosocial del Cuidado. En el conjunto de los 16 encuentros, (cuatro con cada voluntario), se evaluó que el proceso de implementación había sido “moderadamente desarrollado”. Hubo dificultades para desarrollar conversaciones dialógicas y decodificar sentidos de las fallas de adhesión en situación sociales, articuladamente con los escenarios inter-personales y socio-culturales. Incluso predominando orientaciones e incentivos para los pacientes, también hubo momento dialógicos de co-comprensión de las dificultades de adhesión, en sus diferentes sentidos en las escenas de tomas. Esta modalidad de cuidado se revela productiva en el campo de las prácticas en adhesión.
Palabras-clave: Cumplimiento de la medicación. Asistencia al paciente. HIV. Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida. Comunicación. Evaluación. Recebido em 13/03/13. Aprovado em 05/10/13.
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BELLENZANI, R.; NEMES, M.I.B.; PAIVA, V.
Sessão 1 Objetivos
artigos
Anexo 1. Objetivos e estrutura do protocolo da intervenção psicossocial para o cuidado em adesão Sessão 4
Sessões 2 e 3
Contrato;
Aumentar o conhecimento sobre o tratamento;
Aprofundar a compreensão de mudanças possíveis e desejadas no contexto e na própria conduta visando o autocuidado e a melhoria da qualidade do cuidado e da comunicação paciente-profissional;
Identificar situações e contextos da vida cotidiana que constituem obstáculos para o tratamento;
Compreender e decodificar cenas da vida real;
Identificar recursos para busca e sustentação dos caminhos escolhidos para o enfrentamento das dificuldades com o tratamento antirretroviral;
Definir temas e questões prioritárias a serem trabalhadas nos encontros seguintes;
Ampliar as cenas para um contexto social e programático maior;
Finalizar o processo.
Resolver dúvidas técnicas sobre o tratamento.
Estimular a imaginação ativa e criativa sobre a vida cotidiana; Estimular novos repertórios para o enfrentamento dos obstáculos identificados para o tratamento.
Temas
Reconhecimento mútuo do paciente como expert da vida cotidiana e do profissional/pesquisador como expert técnico;
Questões sobre o tratamento;
Questões sobre o tratamento;
Revisão do contexto social e intersubjetivo do paciente;
Episódios reais em que o tratamento não é seguido;
Revisão de caminhos, soluções e repertórios;
Questões sobre o tratamento.
Caminhos para o enfrentamento de obstáculos e soluções “em cena”.
Conversa sobre como enfrentar futuros obstáculos e dificuldades e manter as mudanças; Esclarecimentos e orientações finais da pesquisa. continua
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Anexo 1. continuação Sessão 1 Metodologia
Sessões 2 e 3
Discussão dos procedimentos, objetivos e contrato;
Revisão do contrato e das questões levantadas;
Revisão do contrato e das questões levantadas;
Livre conversação e escuta atenta sobre a vida da pessoa;
Identificação de episódios típicos de não-adesão;
Identificação e exploração de cenas de episódios reais;
Foco em questões do tratamento e em situações e episódios em que há dificuldade para seguir o tratamento;
O participante escolhe suas prioridades de uma lista de problemas;
Decodificação e reinvenção de cenas por meio da imaginação ativa e de role-playing;
Uso de recursos informativos (folders, guias, kits de adesão);
Identificação e exploração de cenas de episódios reais;
Informação sobre recursos sociais e programáticos, bem como sobre direitos constitucionais;
Registro das situações e episódios que parecem importantes para o enfrentamento em folhas de registro.
Decodificação e reinvenção de cenas por meio da imaginação ativa e de roleplaying;
Registro de decisões e planos para o futuro em folhas de registro.
Conversa sobre obstáculos que estão além da ação individual e são compartilhados por outras pessoas vivendo com HIV; Discussão de recursos individuais e programáticos; Profissional e paciente registram e organizam hierarquicamente cenas e situações em folhas de registro. Quadro extraído e traduzido de Basso et al. (2012)
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Sessão 4
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DOI: 10.1590/S1414-32832013005000032
artigos
Formação e qualificação: um estudo sobre a dinâmica educativa nas equipes de saúde mental do Rio de Janeiro, Brasil
Maria Paula Cerqueira Gomes1 Ana Lúcia Abrahão2 Flávia Fasciotti Macedo Azevedo3 Rita de Cássia Ramos Louzada4
CERQUEIRA GOMES, M.P. et al. Training and qualification: a study on the educational dynamics in mental health teams in Rio de Janeiro, Brazil. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.835-45, out./dez. 2013. Combining education and work involves some of the assumptions of the training process in the field of healthcare. The aim of this paper was to analyze the training provision by mental healthcare institutions in the state of Rio de Janeiro, Brazil. We chose to take a qualitative investigative approach based on selection of a sample of institutions that are committed to educational processes in this field. The data collection involved contact with specific informants and analysis on documents, focusing on the following variables: target audience, duration, frequency, nature, type of training action and pedagogical policy projects. Several mental health training proposals at different types of institutions were found. The investigation resulted in a map of institutions and training actions: an analytical matrix of training and qualification within the field of mental health in the region.
Keywords: Mental health. Education. Continuing education. Interdisciplinary healthcare team.
Combinar educação e trabalho constitui alguns dos pressupostos do processo de formação no campo da saúde apresentados neste artigo, cujo propósito foi analisar as ofertas de formação empregadas por instituições do campo da saúde mental, no estado do Rio de Janeiro, Brasil. Optamos por uma pesquisa qualitativa a partir da seleção de uma amostra de instituições comprometidas com processos educativos nessa área (universidades e secretarias de saúde). A coleta de dados envolveu o contato com informantes e a análise de documentos, privilegiando as seguintes variáveis: público-alvo, duração, periodicidade, natureza, tipo de ação formativa e projeto político-pedagógico. Foram encontradas várias propostas de formação em saúde mental em diferentes tipos de instituições. A pesquisa resultou na elaboração de um mapa de instituições e ações formativas: uma matriz analítica da formação e qualificação na área de saúde mental na região.
Palavras-chave: Saúde Mental. Educação. Educação Continuada. Equipe interdisciplinar de saúde.
1 Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Instituto de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rua Serrão, 383/201, Zumbi, Ilha do Governador. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 21930-190. paulacerqueiraufrj@ gmail.com 2 Escola de Enfermagem, Universidade Federal Fluminense. 3,4 Instituto de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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FORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO: ...
Introdução Este artigo apresenta parte dos resultados da pesquisa “Política de Saúde Mental no Estado do Rio de Janeiro: um estudo sobre as metodologias de formação e qualificação das equipes de saúde mental”, realizada entre 2008 e 2010, na Linha de Pesquisa em Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde, no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com as equipes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do município do Rio de Janeiro e instituições formadoras na área de saúde mental (Cerqueira Gomes, Abrahão, 2013). O objetivo principal do estudo foi conhecer a forma como as instituições vêm produzindo sua agenda de formação permanente em saúde mental: quais são suas formas de produzir conhecimento, de pensar e de agir sobre a educação e a produção de cuidado em saúde mental. A pesquisa contou com a realização de várias etapas metodológicas que incluíram: levantamento documental, entrevistas, observação simples e grupo focal com as equipes dos CAPS. Para este artigo, apresentamos a primeira etapa da pesquisa – ou seja, a construção da matriz analítica com as instituições de formação em saúde mental presentes no município do Rio de Janeiro5 –, que consistiu no levantamento dos diferentes arranjos pedagógicos e organizacionais voltados para os profissionais de saúde, e que são norteados por um conjunto diferenciado de representações de homem e de sociedade que se quer efetivar. Essas representações são demonstradas através da discussão dos processos de ensino-aprendizagem utilizados nas várias tendências pedagógicas (Pereira, 2003). O objetivo desta etapa foi analisar as ofertas de formação empregadas pelas instituições públicas e privadas do estado do Rio de Janeiro no campo da saúde mental. A dinâmica da investigação parte do entendimento de que a política de formação e capacitação deve criar espaços de troca baseada na realidade local, com valorização dos diversos saberes e metodologia participativa, devendo ela ocorrer não apenas nos espaços formais e nas instituições formadoras, mas, também, no próprio ambiente de trabalho, onde o cuidado acontece (Brasil, 2007). O Relatório Final da XI Conferência Nacional de Saúde (CNS) chama a atenção para a ausência da academia nos processos de formação e capacitação de recursos humanos na área da saúde, de forma a preparar esses atores para a nova realidade e diferentes modelos de gestão (Brasil, 2011). Desta forma, sustentamos que o trabalho pode ser considerado como dispositivo pedagógico e se constituir como potencializador de mudanças, no modo de cuidar, nas equipes de saúde, pois se reconhece que, neste processo, novos sujeitos e diferentes coletivos são convocados, seguindo o que aponta a produção de Merhy (2004). Por outro lado, se aposta que, para o contínuo avanço da Reforma Psiquiátrica no Brasil, seja necessário, como uma de suas ações, conhecer as instâncias de formação e qualificação dos diferentes agentes do cuidado como, também, publicizar a tipologia dessas ofertas. Ao tornar pública essa agenda, é possível trazer, para a cena, pistas das concepções teóricas que orientam os projetos político-pedagógicos dessas instituições, revelando em que medida esses projetos se afinam com a Reforma e se são capazes de sustentar esse movimento ainda não consolidado. O campo da saúde mental, por excelência, reúne uma gama de saberes, discursos e práticas que operam no cotidiano do trabalho nos diferentes serviços que compõem a rede de cuidados. Essa multiplicidade aponta para a riqueza da conjugação dos saberes, tarefa nada fácil, mas condição irrefutável para o entendimento da complexidade humana, em um campo onde apenas uma teoria 836
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A pesquisa se concentrou nos municípios do Rio de Janeiro e Niterói, por ser onde se localizam as principais instituições de formação no campo da saúde mental – referência para todo o estado – e algumas delas, de relevância nacional. A Secretaria Estadual de Saúde é o órgão que se destaca no processo de coordenação e implementação das ações de formação nos demais municípios do Estado.
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CERQUEIRA GOMES, M.P. et al.
artigos
ou categoria profissional se faz insuficiente para lidar com essa complexidade e suas infinitas formas de sofrimento. Uma ciência do encontro, nada exata, sem grupo de controle e sem receita de sucesso (Ceccim, Merhy, 2009). Desta forma, uma pesquisa que tenha como foco os processos de formação dos profissionais no campo da saúde mental precisa considerar essa multiplicidade e tomá-la em análise. Muitos são os conteúdos, as teorias e os modelos de prática. Múltiplos, ainda, são as necessidades, os casos, os atravessamentos (Gomes, 2011). O próprio delineamento do campo já nos coloca inúmeras dificuldades de partida. Como contemplar essas demandas de formação? Quais instituições têm ocupado a cena nessa árdua tarefa? Como elas têm sustentado seus modelos de formação? Os modelos encontrados respondem às necessidades dos profissionais e aos desafios que se apresentam no cotidiano dos serviços?
Materiais e métodos Para a etapa de investigação apresentada neste artigo, optamos por um estudo descritivo de base qualitativa, com o emprego das seguintes ferramentas de investigação: levantamento documental e entrevista semiestruturada. Foi realizada uma pesquisa inicial sobre as principais Instituições de Ensino Superior (IES) e Instituições de Saúde, no período de maio a junho de 2009, que desenvolvem ações de formação no campo da saúde mental, com reconhecimento social de âmbito local e, em algumas delas de âmbito nacional, junto à Coordenação de Saúde Mental do estado do Rio de Janeiro e em sites de Instituições de Ensino. A seleção das instituições estudadas tomou por base o cruzamento dos seguintes critérios de seleção: 1) oferecer três ou mais cursos na área de saúde mental; 2) desenvolver atividades de extensão e/ou cooperação com a rede de serviços de saúde mental local; 3) estar localizada no estado do Rio de Janeiro. Aplicando esses critérios, ao final, as instituições pesquisadas foram as seguintes: Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Laboratório de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/Ensp/Fiocruz), Laboratório de Trabalho e Educação Profissional em Saúde (LABORAT/EPSJV/Fiocruz), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Instituto de Psiquiatria/IPUB - UFRJ, Instituto de Psicologia - UFF, Instituto Franco Basaglia (IFB). Após a seleção das instituições, foram realizadas visitas no período de março a agosto de 2010 em dois momentos: o primeiro com o objetivo de levantar documentos relativos aos cursos oferecidos – tais como: projetos pedagógicos, folders, folhetos entre outros. No segundo momento, foram realizadas, nessas instituições, entrevistas semiestruturadas com os atores responsáveis pelas atividades de formação. O roteiro da entrevista contemplou as seguintes variáveis: público-alvo, duração, periodicidade, natureza, tipo de ação formativa e projeto político-pedagógico. Foram, portanto, colhidos dados documentais e depoimentos desses atores envolvidos com a formação em saúde mental. Todos os dados foram organizados e sistematizados e trabalhados a partir da Análise de Conteúdo (AC). Das várias modalidades de AC conhecidas, a análise temática nos pareceu a mais apropriada à pesquisa ora apresentada, e consiste na identificação dos núcleos de sentido a partir de sucessivas leituras do material, e que estão presentes no processo estudado, possuindo relação com o objeto de estudo escolhido. Estes núcleos de sentido foram, então, relacionados com características comportamentais ou outras estruturas relevantes apreendidas no discurso, nos oferecendo a possibilidade de construção de uma matriz analítica de cada instituição pesquisada; e, em paralelo, uma visão geral da agenda de formação em Saúde Mental no estado do Rio de Janeiro. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética, sendo respeitados, no estudo, os princípios da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
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FORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO: ...
Apresentação e análise dos dados A primeira aproximação sobre as ofertas de formação empregadas pelas instituições públicas e privadas, no estado do Rio de Janeiro, no campo da saúde mental, pode ser traduzida no panorama das atividades que são oferecidas pelas instituições selecionadas. Subdividimos o material coletado em dois grupos, considerando o tempo de duração dos cursos e as concepções de formação. O produto da análise do conteúdo identificou, então, os seguintes núcleos de sentido: “oferta de modalidades na formação no campo da saúde mental”, relacionado aos diferentes formatos de curso oferecidos, e “trabalho, educação, campo de formação”, que relaciona a dinâmica encontrada na articulação do processo de trabalho com a formação na saúde mental. Antes, vale destacar um aspecto importante na investigação: a diferença de acesso às informações nas instituições de ensino e nas áreas técnicas de saúde mental das secretarias de estado e municípios. O número médio de tentativas para o agendamento nas IES oscilou de 6 a 10. Só em uma das IES foi possível realizar as entrevistas, no primeiro agendamento. Acreditamos que essa facilidade esteja diretamente ligada ao fato de ser a mesma instituição à qual a pesquisa está vinculada. De uma forma geral, os pesquisadores e bolsistas encontraram muitas dificuldades em realizar as entrevistas para conhecer as agendas de cursos e ações de formação. Quando não eram sistematicamente reagendadas, não se conseguia o contato com os responsáveis. De forma frequente, a responsabilidade pela informação era transferida para outro profissional do setor da secretaria acadêmica que, em função de sua agenda de atividades, dificultava o acesso às informações. Só após muitas tentativas infrutíferas de contato, as entrevistas eram realizadas. Outro dado importante está relacionado à qualidade das informações, frequentemente desatualizadas, disponíveis nos sites e folders. Fato que aumentava a necessidade da entrevista in loco, nas instituições. O mesmo movimento não foi percebido nas Secretarias de Saúde. Os pesquisadores e bolsistas tiveram fácil acesso às informações.
A oferta de modalidades na formação no campo da saúde mental O primeiro núcleo de sentido identificado corresponde às inúmeras modalidades de formação, que puderam ser agrupadas em dois grandes blocos: as de tempo determinado e as de fluxo contínuo dando sentido aos conteúdos extraídos das entrevistas. As atividades de tempo determinado seriam aquelas onde os limites de início e fim estão bem delimitados e desde sempre definidos (ex: cursos); as de fluxo contínuo seriam as que não apresentam momento claro para finalização (ex: fóruns). No primeiro grupo – atividades de tempo determinado – incluímos: os cursos de especialização, residências, extensões, atualizações e aperfeiçoamentos. Neste grupo é possível ainda vislumbrar outra subdivisão: percebem-se os cursos de especialização e programas de residência (subgrupo A), em geral mais longos, e os cursos de extensão/atualização/qualificação profissional, de duração menor (subgrupo B) (Quadro 1a). O Quadro 1a apresenta um amplo conjunto de atividades e modalidades de formação na área de saúde mental. A natureza das instituições é bem diversificada: uma instituição sem fins lucrativos sediada em uma instituição pública; uma instituição privada e outras nove unidades de instituições públicas oferecendo formação em saúde mental. A presença de oferta de formação por instituições públicas e privadas descreve a própria conjuntura educacional brasileira que convive com esta dicotomia nos diferentes planos de formação. Por outro lado, implica uma discussão mais profunda sobre a formação, no setor saúde, em que o aspecto público versus privado é constante, não só na formação, mas na oferta de serviços à população. Vale ressaltar que, no material apresentado, a variável tempo aparece oferecendo a possibilidade de diferenciar os subgrupos com objetivos distintos. Um objetivo destinado à formação de profissionais com o perfil voltado a atender as demandas de política pública de saúde com formações mais longas, e outro grupo, voltado para outros cenários de ação do profissional, com tempo de duração diferenciado.
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CERQUEIRA GOMES, M.P. et al.
Atividade
artigos
Quadro 1a. Atividades formadoras de tempo determinado – Subgrupo A – Cursos de Especialização e Programas de Residência em Saúde Mental Instituição promotora
1 - Curso de Esp. Saúde Mental e Atenção Psicossocial
LAPS-Ensp-Fiocruz
2 - Curso Saúde Mental, Políticas e Instituições
LAPS-Ensp- Fiocruz
3 - Curso de Esp. Saúde Mental e Psicologia Médica
HUPE-UERJ
4 - Curso de Esp. Clínica Psicanalítica
IPUB-UFRJ
5 - Curso de Esp. Psicogeriatria
IPUB-UFRJ
6 - Curso de Esp. Terapia Familiar
IPUB-UFRJ
7 - Curso de Esp. Saúde Mental Infância e Adolescência
IPUB-UFRJ
8 - Curso de Esp. Álcool e outras Drogas
IPUB-UFRJ
9 - Curso de Esp. Saúde Mental
IPUB-UFRJ
10 - Curso de Esp. Psicanálise e Saúde Mental
IP-UERJ
11 - Curso de Esp. Prevenção e Tratamento ao Abuso de Álcool e outras Drogas
PUC/RJ
12 – Curso de Esp. Saúde Mental
IFB/Hospital Pinel
13 - Curso de Esp. Psiquiatria
HUPE/UERJ
14 - Residência em Saúde Mental
Hospital Jurujuba
15 - Residência em Psiquiatria
Hospital Jurujuba
16 - Residência Médica
IPUB-UFRJ
17 - Residência Multiprofissional
IPUB-UFRJ
18 - Residência Saúde Mental
PMF/Niterói
19 - Residência Medicina e Saúde Comunitária
PMF/Niterói
20 - Residência em Psiquiatria
HUPE/UERJ
No total, o subgrupo A é composto por vinte cursos de especialização e programas de residência. Destaca-se que a maioria desses cursos é gratuita, com exceção dos cursos de especialização da PUC/ RJ, IFB/Hospital Pinel, IP/UERJ, LAPS/Ensp/Fiocruz (Especialização em Saúde Mental, Políticas e Instituições), cujos valores, à época da pesquisa, eram pagos. Os programas de residências contam com bolsas de estudos para seus alunos, ao passo que as especializações não oferecem esse tipo de apoio. Apenas o curso de especialização do IFB oferece a possibilidade de bolsa para instituições conveniadas. Aqui vale uma discussão mais detalhada dos programas de residência. Do total de oito programas identificamos que, à época da pesquisa, cinco se restringiam à categoria médica e três destinavam-se a outros profissionais de saúde. Esta diferenciação deve ser destacada tendo em vista o reconhecimento, relativamente recente em nosso meio, de que existem trocas possíveis entre diferentes categorias profissionais e que esses técnicos também poderiam ter acesso a programas de residência. É importante lembrar que a Residência em Psiquiatria tem regulamentação em nosso país desde 1977, com a criação da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) (Calil, Contel, 1999). O detalhamento do processo de formação foi ocorrendo aos poucos. Mais recentemente, vimos surgir: os Programas de Residência Multiprofissional em Saúde, a criação da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), em 2005, e, nesse bojo, as Residências Multiprofissionais em Saúde Mental. Não há dúvida de que a residência constitui uma importante possibilidade de formação em serviço, por isso, consideramos adequadas as perguntas postas por Feuerwerker (2009, p.229):
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FORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO: ...
Por que disputar a Residência como modalidade de formação? Qual a importância disso para a construção do Sistema Único de Saúde (SUS)? Por que essa “bandeira” não tinha entrado na agenda política dos formuladores de política, apesar de a possibilidade legal de instituir a aprendizagem pelo trabalho (a especialização em área profissional) estar assegurada no âmbito da educação? Por que somente a categoria médica tinha sua “especialização em serviço” regulamentada e financiada com recursos públicos?
Na região do estado do Rio de Janeiro, tem sido possível observar que as instituições têm investido na Residência como via de formação e, dessa forma, acompanhamos a ampliação gradativa dessas iniciativas multidisciplinares. No final de 2009, foi aberto mais um programa de residência multiprofissional em saúde mental no município do Rio de Janeiro, no Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Este programa é parte integrante do conjunto de ações do Ministério da Educação ligadas aos Hospitais Universitários, que vem ampliando a oferta de residência multiprofissional em diferentes áreas. Outro item, que cabe destacar neste núcleo de sentido, é o número de vagas oferecidas pelas diferentes instituições. Dentre o grupo de cursos analisados, o Curso de Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/Ensp/Fiocruz) é o que oferece o número máximo de vagas: trinta; e o grupo de Programas de Residência do Hospital de Jurujuba é o que recebe menor número de profissionais: quatro residentes em cada uma das especialidades (Residências em Saúde Mental e em Psiquiatria). Quanto ao público-alvo, os cursos analisados envolvem, em sua maioria, os profissionais de nível superior. Apenas o LABORAT/EPSJV/Fiocruz oferece cursos para profissionais de Ensino Médio e Fundamental. Alguns cursos se restringem a profissionais da rede pública de saúde e da Estratégia de Saúde da Família, outros, apenas a médicos e terapeutas ocupacionais, mas a maioria deles está aberta a diversos profissionais de saúde interessados. Ainda assim, a investigação revelou que essas vagas são ocupadas, majoritariamente, por psicólogos recém-saídos da universidade e que não se inseriram imediatamente no mercado de trabalho. No subgrupo B, a análise sobre as atividades realizadas em tempo determinado possibilita identificar os seguintes tipos de cursos: extensão, atualização, aperfeiçoamento e qualificação profissional. Foram encontrados dez cursos desse tipo, como mostra o Quadro 1b.
Quadro 1b. Atividades formadoras de tempo determinado - Subgrupo B - Cursos de Extensão, Qualificação, Atualização e Aperfeiçoamento Profissional em Saúde Mental Atividade 1 - Extensão em Saúde Mental no PSF
IPUB/UFRJ
2 - Extensão Clínica para CAPS
IPUB/UFRJ
3 - Extensão Psiquiatria Forense
IPUB/UFRJ
4 - Extensão Política em Infância e Adolescência
IPUB/UFRJ
5 - Extensão Álcool e outras Drogas
IPUB/UFRJ
6 - Qualificação Profissional Cuidado ao Idoso Dependente
LABORAT/EJSJV/FIOCRUZ
7 - Especialização Técnica Nível Médio em Saúde Mental
LABORAT/EJSJV/FIOCRUZ
8 - Atualização Profissional em Prática Grupais em Saúde Mental
LABORAT/EJSJV/FIOCRUZ
9 - Atualização Profissional em Atenção ao Uso Abusivo de Álcool
LABORAT/EJSJV/FIOCRUZ
10 - Aperfeiçoamento em Saúde Mental na Atenção Primária 11 - Cursos de Extensão, Qualificação, Atualização e Aperfeiçoamento Profissional em Saúde Mental para a rede municipal de saúde
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Instituição
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HUPE/UERJ ESAM/SMS/RJ
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artigos
Neste subgrupo aparecem, basicamente, cursos mais curtos e gratuitos em sua maioria (oito). Nas informações referentes aos cursos pagos deste grupo não tivemos acesso aos valores cobrados. Os dados acessados sobre os cursos informam pouco sobre a clientela a que se dirigem, com exceção dos cursos oferecidos pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (LABORAT/EPSJV/Fiocruz), onde fica claro o interesse pelos profissionais de saúde de nível médio e pessoas que possuam nível de escolaridade básica. De maneira geral, os cursos são oferecidos a profissionais de saúde. Não foram identificadas outras categorias profissionais durante a investigação.
Trabalho e educação, campo de formação Este núcleo retrata o sentido das falas e documentos analisados que destacam atividades de formação realizadas durante o processo de trabalho, que se justifica pelas novas políticas de qualificação de pessoal da saúde, articuladas à reflexão sobre os processos de trabalho. São dirigidas aos profissionais do SUS, mas, em alguns casos, têm a possibilidade de receber interessados de fora da rede; este é o caso dos fóruns. Os fóruns são espaços de atividades multiprofissionais, interdisciplinares e, muitas vezes, intersetoriais, que reúnem os trabalhadores das distintas redes de saúde mental dos municípios, em geral, em torno de programas específicos, tais como: álcool e outras drogas, crianças e adolescentes. É interessante notar que a totalidade dessas ações é ofertada no âmbito da Assessoria de Saúde Mental do Estado do Rio de Janeiro, e indica a existência de uma agenda de formação em saúde mental presente nas ações da gestão. A lista de atividades desse tipo pode ser vista no Quadro 2.
Quadro 2. Atividades de formação em fluxo contínuo – Fóruns, Seminários, Formação Permanente Atividade
Instituição
1 - Fórum Álcool e Drogas
SESDEC – RJ
2 - Fórum de Atenção Básica
SESDEC – RJ
3 - Fóruns Regionais - Reunião de Coordenadores de Saúde Mental
SESDEC – RJ
4 - Seminário de regulação
SESDEC – RJ
5 - Seminário de gestão e avaliação
SESDEC – RJ
6 - Seminário de desinstitucionalização
SESDEC – RJ
7 - Seminário de Infância e Adolescência e uso e abuso de Álcool e Drogas
SESDEC – RJ
8 - Seminário de Infância e Adolescência
SESDEC – RJ
9 - Seminário de desinstitucionalização e residências terapêuticas
SESDEC – RJ
10 - Curso de gestores
SESDEC – RJ
11 - Curso Faturamento e avaliação dos CAPS
SESDEC – RJ
12 - Câmara Técnica dos Hospitais Gerais
SESDEC – RJ
13 - Formação Permanente para equipes de saúde mental dos municípios do Rio de Janeiro
SESDEC – RJ
É curioso notar que esse tipo de proposta, segundo o material analisado, pensa o serviço e a formação de maneira articulada, sobressaindo a relação intrínseca entre a prática presente no serviço e a formação dos profissionais. Algo que se destacou a partir de um momento histórico específico, como destaca Merhy (2005, p.173):
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O projeto do Ministério da Saúde, do Governo Lula, sobre os Pólos de Educação Permanente, vem constituindo uma forma de construir um terreno para a problematização necessária da mudança do conjunto das práticas dos gestores da saúde quanto as suas intervenções no campo da educação em saúde, enquanto pauta nacional. Como instância do SUS, esses Pólos não necessariamente respondem de modo uniforme a esta pauta, pois a instalação de múltiplos atores loco-regionais lhe dão singularidades que não podem ser desprezadas. Mas o terreno e o sentido da política estão aí instalados, cabendo aos atores concretos resolvê-los nos seus modos de produzir o SUS, no Brasil. Não há solução para estes processos à parte daquela que é encontrada para a constituição do SUS como institucionalidade. A multiplicidade desta se expressa também nos Pólos.
Seguindo essas pistas, temos aqui, portanto, no elenco das alternativas de formação permanente em saúde mental que se encontram na análise, ao mesmo tempo, um retrato da política nacional e a singularidade do Rio de Janeiro, retratando a correlação de forças e as implicações dos atores locais no cenário público. No que diz respeito à agenda de trabalho e à oferta das ações de formação, percebe-se que as secretarias desenvolvem um conjunto de ações conectadas às demandas atuais da rede de saúde. Em relação às instituições de ensino pesquisadas, apenas três apresentavam o conjunto de suas ações de formação voltadas para as necessidades atuais da rede de saúde mental. Alguns projetos pedagógicos das IES investigadas tratavam de temas relevantes para o debate da psiquiatria e, por vezes, da saúde mental. No entanto, não estavam conectados com o SUS, sua organização atual, desafios e agenda de trabalho. Outros apresentam, em suas ementas, temas relacionados à atenção psicossocial, contudo, sem relacioná-las com as redes de saúde mental existentes. Vale destacar, também, o que os projetos político-pedagógicos nos dizem a respeito das metodologias de ensino. Mitre et al. (1994) já apontaram que a formação de profissionais de saúde, em nosso meio, costuma ser apoiada apenas em metodologias tradicionais, e isso tem levado a consequências importantes: [...] o processo ensino-aprendizagem, igualmente contaminado, tem se restringido, muitas vezes, à reprodução do conhecimento, no qual o docente assume um papel de transmissor de conteúdos, ao passo que, ao discente, cabe a retenção e repetição dos mesmos — em uma atitude passiva e receptiva (ou reprodutora) — tornando-se mero expectador, sem a necessária crítica e reflexão. (Mitre et al., 1994, p.2134)
Em nossa pesquisa, também identificamos metodologias que giram em torno de aulas expositivas e conferências com pouquíssimas utilizações de metodologias ativas, por exemplo, que relacionem o mundo do trabalho ao conteúdo apresentado. Esta observação não é irrelevante, pois, para que as ofertas de formação façam sentido, não basta que sejam transmitidos [...] novos conhecimentos para os profissionais, pois o acúmulo de saberes técnicos é apenas um dos aspectos para a transformação das práticas e não o seu foco central. A formação e o desenvolvimento dos trabalhadores também têm que envolver os aspectos pessoais, os valores e as ideias que cada profissional tem sobre o SUS. Na proposta da educação permanente a capacitação da equipe, os conteúdos dos cursos e as tecnologias a serem utilizadas devem ser determinados a partir da observação dos problemas que ocorrem no diaa-dia do trabalho e que precisam ser solucionados para que os serviços prestados ganhem qualidade, e os usuários fiquem satisfeitos com a atenção prestada. (Brasil, 2005, p.13)
Seguindo essa linha, devem-se destacar as atividades designadas como “fórum” (Quadro 2). Embora originadas a partir do serviço, ou seja, com articulação importante com o trabalho realizado, a dinâmica pedagógica também oferece pouca variação nas metodologias de ensino.
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artigos
Considerações finais Diversos tipos de propostas formativas em saúde mental foram encontradas na região do Rio de Janeiro. Foi possível perceber que – embora existam algumas iniciativas formativas mais avançadas – ainda é necessário, na maioria dos casos, adequar o ensino às demandas das redes de cuidado em saúde mental em funcionamento. Verifica-se que os objetivos da maioria das propostas aqui estudadas ainda são os de transferir conhecimento, e se fundamentam nas teorias clássicas da aprendizagem, que se embasam no modelo de educação tradicional. Essas teorias se caracterizam pela tendência em explicar os processos de aprendizagem isolados do contexto, tomando-os com foco exclusivo nos aspectos cognitivos e individuais. Neste modelo, os sujeitos são vistos como objeto das ações da educação e das práticas pedagógicas, a ser moldado e manipulado pelas mesmas (Silva, 2011). Vale observar, no entanto, que existe um processo de transformação, em curso, no campo da Educação, onde novas teorias sustentam diferentes compreensões sobre os processos de aprendizagem, mais dinâmicos e capazes de incluir os aspectos sociais/políticos, através dos quais os sujeitos assumem uma postura menos passiva em sua formação. A transmissão do conhecimento, nesses casos, cede lugar a uma compreensão que aponta para um processo de construção, configurado como um ato ativo e dialético com a realidade (Gadotti, 2000). Nossos resultados possibilitaram um retrato muito específico dessas propostas formativas, uma matriz formativa que revela a necessidade urgente de uma articulação mais intensa, planejada e desenvolvida entre processos de formação e a educação permanente em saúde. Para seguir em conformidade com os princípios da política pública de saúde mental, as instituições de ensino e as secretarias municipais/estaduais de saúde necessitam, enfim, aproximar-se. Esta ação é essencial para qualificar os serviços, as equipes e para garantir o avanço de novos modelos de formação. Em resumo – e como nos diz um dos autores que guia esta análise: Parece que estamos diante do desafio de pensar uma nova pedagogia [...] que se veja como amarrada a intervenção que coloca no centro do processo pedagógico a implicação éticopolítico do trabalhador no seu agir em ato, produzindo o cuidado em saúde, no plano individual e coletivo, em si e em equipe. (Merhy, 2005, p.174)
As modalidades de formação aqui apresentadas trazem uma noção clara de que o trabalho em saúde só se realiza com a renovação permanente do conhecimento, e que este último não pode ser produzido sem o envolvimento das pessoas que operam nos serviços.
Colaboradores Maria Paula Cerqueira Gomes, Ana Lúcia Abrahão, Flavia Fasciotti Macedo Azevedo e Rita de Cássia Ramos Louzada participaram, igualmente, de todas as etapas e elaboração do artigo.
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v.17, n.47, p.835-45, out./dez. 2013
artigos
CERQUEIRA GOMES, M.P. et al.
CERQUEIRA GOMES, M.P. et al. Formación y calificación: un estudio sobre la dinámica educativa en los equipos de salud mental de Río de Janeiro, Brasil. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.835-45, out./dez. 2013. Combinar educación y trabajo constituye algunos de los supuestos del proceso de formación en el campo de la salud, presentados en este artículo, cuyo propósito fue analizar las ofertas de formación utilizadas por instituciones del campo de la salud mental, en el Estado de Rio de Janeiro, Brasil. Optamos por una investigación cualitativa a partir de la selección de una muestra de instituciones comprometidas con procesos educativos en esa área (universidades y secretarías de salud). La colecta de datos envolvió el contacto con informantes y el análisis de documentos, privilegiando las variables siguientes: público objetivo, duración, periodicidad, naturaleza, tipo de la acción formativa y proyecto político-pedagógico. Se encontraron diversas propuestas de formación en salud mental en diferentes tipos de instituciones. La investigación resultó en la elaboración de un mapa de instituciones y de acciones formativas: una matriz analítica de la formación y calificación en el área de salud mental en la región.
Palabras-clave: Salud mental. Educación. Educación continuada. Equipo interdisciplinario de salud. Recebido em 06/11/12. Aprovado em 02/10/13.
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DOI: 10.1590/S1414-32832013005000031
artigos
Identidade da agente comunitária de saúde: tecendo racionalidades emergentes*
Natália Hosana Nunes Rocha1 Marisa Barletto2 Paula Dias Bevilacqua3
ROCHA, N.H.N.; BARLETTO, M.; BEVILACQUA, P.D. Identity of community health agents: composing emerging rationalities. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.847-57, out./dez. 2013. We analyzed the identity of community health agents (CHAs) from gender categories in dialogue with the categories of public and private/domestic space, and popular and scientific knowledge. We noted that the profession of CHA is undervalued not because it is almost entirely occupied by women, but because it is seen as female work. This condition has historically been marked by gender inequality, in which women are correlated with family care and domestic tasks, and therefore with subordination. This profession reflects hegemonic gender positions within society and its identity is defined through day-to-day life, interactions with the healthcare team and community (which are full of conflicts and affections) and daily practices characterized by hierarchies. Concomitantly, this profession carries the possibility of an emancipatory social and political horizon, defined through creation of community work and organized to fulfill the principle of comprehensiveness. Keywords: Patriarchy. Gender system. Production relationships. Comprehensiveness. Healthcare work.
Analisamos a identidade da agente comunitária de saúde (ACS) a partir da categoria gênero em diálogo com as categorias espaço público e privado/ doméstico e saberes populares e científicos. A profissão de ACS é desvalorizada não por ser ocupada quase totalmente por mulheres, mas por ser um trabalho visto como feminino – condição historicamente marcada pela desigualdade de gênero, associando a mulher aos cuidados domésticos e à subordinação. Essa profissão reflete posições de gênero hegemônicas e a definição de sua identidade se dá no dia a dia, na convivência com a equipe de saúde e comunidade, repleta de conflitos e afetos e nas práticas cotidianas marcadas por hierarquias. Concomitantemente, carrega a possibilidade de um horizonte emancipatório, definido na criação do trabalho comunitário e ordenado para o cumprimento do princípio da integralidade.
Palavras-chave: Patriarcado. Gênero. Relações de produção. Integralidade. Trabalho em saúde.
Elaborado com base no projeto de extensão-pesquisa “Educação permanente em saúde e a Estratégia Saúde da Família: instrumentalização para a prática reflexiva” (Rocha, Bevilacqua, 2012); financiado pela FAPEMIG (Edital FAPEMIG 09/ 2010, Apoio a Projetos de Extensão em interface com a Pesquisa, e PROBIC – FAPEMIG/UFV). 1,2 Departamento de Educação, Universidade Federal de Viçosa. Campus Universitário, s/ n. Viçosa, MG, Brasil. 36570-000. natalia.rocha@ufv.br 3 Departamento de Veterinária, Universidade Federal de Viçosa. *
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.847-57, out./dez. 2013
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IDENTIDADE DA AGENTE COMUNITÁRIA DE SAÚDE: ...
Introdução O Programa Saúde da Família (PSF) surge como uma estratégia de superação do modelo assistencial centrado na doença e no cuidado médico individualizado. O Programa, posteriormente convertido em Estratégia, de forma a enfatizar o amplo espectro de atividades e responsabilidades, voltada para a organização e fortalecimento da Atenção Básica à Saúde no País – e prevendo uma atuação continuada, e não meramente pontual e programática –, tem, em seus preceitos, as marcas do projeto inovador do Sistema Único de Saúde (SUS) e, também, se apoia em seus princípios doutrinários: universalidade, integralidade e equidade. Segundo Paim (2003, p.568), modelo de atenção ou modelo assistencial “[...] é uma dada forma de combinar técnicas e tecnologias para resolver problemas e atender necessidades de saúde individuais e coletivas. É uma razão de ser, uma racionalidade, uma espécie de ‘lógica’ que orienta a ação”. Para Alves (2004, p.41), a questão central do princípio da integralidade é que ele “confronta incisivamente racionalidades hegemônicas no sistema – tais como o reducionismo e fragmentação das práticas, a objetivação dos sujeitos e o enfoque na doença e na intervenção curativa”. Conforme argumenta Mattos (2004, p.1412), “talvez seja útil não considerar a integralidade como sinônimo do acesso a todos os níveis do sistema”, uma vez que se perderia a possibilidade de apreensão ampliada das necessidades de saúde. A tese apresentada por esse autor se fundamenta em um princípio elementar da atenção básica à saúde, que é o encontro entre os profissionais de saúde e as pessoas, e que esse encontro cotidiano está carregado de subjetividades. O autor sugere que a construção das intervenções em saúde deva se dar através de um processo dialógico e negociado, entre profissionais e usuários dos serviços, considerando diferentes aspectos que se encontram nos momentos da prática em saúde e que constituem dimensões subjetivas desses sujeitos: saberes (formal e empírico), experiências de sofrimento, expectativas, desejos e temores. Assim, há, na Estratégia Saúde da Família (ESF), duas lógicas: uma representada por um conjunto de técnicas, normas e procedimentos ou na medicalização da doença, sustentada pela racionalidade normativa e instrumental, onde operam os modelos biologicistas e programáticos; outra representada pelas estratégias relacionais, formas de cuidado, atenção cotidiana, práticas solidárias, onde operam os modelos de promoção e prevenção da saúde e da saúde coletiva. Segundo Ferreira et al. (2009), essa racionalidade situa-se num território em dobra, no sentido dado por Deleuze, pois, ao mesmo tempo que possibilita inovações na gestão do cuidado, colocando o usuário no centro da atenção e da gestão, essa racionalidade não é reconhecida em sua capacidade técnica, em sua legitimidade, já que está encerrada na fronteira com a racionalidade hegemônica englobada pela perspectiva técnico-científica dos paradigmas dominantes da modernidade. A noção de dobra é bastante interessante, pois se afasta da ideia de oposição e contradição entre as racionalidades ou territorialidades, e enfatiza sua convivência simultânea na realidade: “A dobra mostra um cenário diferente daquele que opunha interior/exterior” (Deleuze apud Oliveira, 2005, p.59). Esse lugar de convivência não é um lugar passivo ou pacífico, e sim uma convivência tensa, já que a diferença entre essas racionalidades envolve relações de poder historicamente constituídas desde o século XVII. A questão das racionalidades tem sido discutida por Boaventura Sousa Santos. Ao tratar dos paradigmas dominantes e emergentes da modernidade, Santos (2001) analisa os paradigmas da modernidade a partir de dois grandes pilares: a regulação e a emancipação. O pilar da regulação social é constituído pelos: princípio do Estado, “que consiste na obrigação política vertical entre cidadãos e Estado” (Santos, 2001, p.50); princípio do mercado, que consiste na obrigação política horizontal individualista e antagônica entre os parceiros do mercado, e o princípio da comunidade, que consiste na obrigação política e horizontal solidária entre membros da comunidade e entre associações. O pilar da emancipação consiste nas três lógicas da racionalidade: a racionalidade estético-expressiva das artes e literatura; a racionalidade instrumental-cognitiva da ciência e tecnologia, e a racionalidade moral-prática da ética e do direito. O equilíbrio pretendido entre regulação e emancipação seria obtido pelo desenvolvimento harmonioso de cada um de seus pilares e das relações dinâmicas entre eles. À medida que a trajetória da modernidade se identificou com a trajetória do capitalismo, o pilar da regulação se fortaleceu às custas do pilar emancipatório, gerando desequilíbrios dentro dos dois pilares. 848
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ROCHA, N.H.N.; BARLETTO, M.; BEVILACQUA, P.D.
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Revogada pela Portaria n. 2.488/2011 (Brasil, 2011).
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.847-57, out./dez. 2013
artigos
No pilar da emancipação, a racionalidade da ciência e tecnologia se desenvolveu em detrimento das outras e as colonizou. A hipertrofia dessa mesma racionalidade acarretou a transformação da ciência positivista como epistemologia hegemônica. No pilar da regulação, houve a hipertrofia do pilar mercado em detrimento do Estado e ambos em detrimento da comunidade. Segundo Santos, “o princípio da comunidade e a racionalidade estéticoexpressiva são as representações mais inacabadas da modernidade ocidental” (Santos, 2001, p.73) e, por isso, seriam os princípios que poderiam colaborar para a construção de um novo pilar emancipatório. O princípio da comunidade é “o mais bem colocado para instaurar uma dialética positiva com o pilar da emancipação” (Santos, 2001, p.75) e, segundo o autor, consiste em dimensões fundamentais: participação e solidariedade. Essas dimensões foram muito parcialmente colonizadas pela ciência moderna e continuaram a ser uma competência não especializada e indiferenciada da comunidade. Esses princípios seriam, então, os fundamentos das epistemologias emergentes, e que podemos analisar como sendo o centro da racionalidade proposta no princípio da integralidade do SUS, o qual propõe superação da lógica hegemônica do sistema de saúde – curativo, individualista, fragmentado, positivista, biologista – através da proposição de outra lógica ou racionalidade. Mas essa superação não poderia ser realizada pelos agentes da racionalidade hegemônica – profissionais da saúde – cuja práxis está ordenada pelos paradigmas dominantes. Foi preciso incorporar, literalmente, a comunidade, cuja práxis não está colonizada pelos paradigmas dominantes e, por isso mesmo, contém os paradigmas emergentes, criando a possibilidade de transformação. Seus agentes são os Agentes Comunitários de Saúde. Nas equipes de saúde, estruturadas de forma a operacionalizar os objetivos previstos na ESF, os agentes comunitários de saúde atuam como o ‘elo’ entre a comunidade e equipe técnica da saúde da família. Originalmente, a atuação dos ACS na rede do SUS ocorreu por meio do Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS, instituído pelo Ministério da Saúde em 1991. Contudo, a atuação desse profissional na história da saúde coletiva no Brasil apresenta algumas características peculiares, como o fato de que, apesar da criação do PACS ter ocorrido em 1991, seis anos depois é que são definidas as atribuições dos ACS, com a publicação da Portaria no 1.886/1997 (Brasil, 1997)4, e, posteriormente, com o Decreto no 3.189/1999 (Brasil, 1999), são fixadas as diretrizes para o exercício da atividade dos ACS. Ainda mais tardiamente, a regulamentação da profissão ocorre em 2002, com a promulgação da Lei nº 10.507 (Brasil, 2002). Ou seja, apesar da ESF ser apontada em diferentes cenários e debates como o modelo privilegiado de concretização da proposta do SUS, garantindo universalidade do acesso e deslocando o foco da atenção hospitalocêntrica, elegendo a família e seu espaço social como núcleo básico de abordagem na atenção à saúde, a efetiva concretização dessa política ainda encontra dificuldades operacionais básicas, a exemplo das incertezas em torno da consolidação profissional de um ator importante da equipe da saúde da família: os agentes comunitários. Somem-se a isso, as formas diferenciadas de seleção e contratação desses profissionais experimentadas pelos municípios brasileiros, o que acaba conformando um perfil próprio e singular de profissionais. A esse respeito, um aspecto significativo que caracteriza a maioria, se não todas, as equipes de saúde existentes no país, é o fato de a maioria dos ACS ser do sexo feminino. Tal aspecto foi objeto de atenção e reflexão por parte da equipe que atuou em um projeto de extensão envolvendo a temática de educação permanente em 849
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saúde junto a equipes do PSF existentes em um município de pequeno porte da Zona da Mata de Minas Gerais. Durante a execução desse projeto, percebemos que, nas equipes de saúde onde atuávamos, todas as ACS eram mulheres. Em uma avaliação mais aprofundada, levantamos que, dentre as quinze equipes existentes no município, de 84 profissionais trabalhando, 93% eram do sexo feminino. Esses achados são corroborados por outros estudos que demonstram que, no Brasil, o perfil da força de trabalho em saúde e na ESF tem predominância feminina (Silva, Mota, Zeitoune et al., 2010; Fernandes et al., 2009; Rocha et al., 2009). Esse cenário nos motivou a pensar a equipe a partir de uma perspectiva de gênero, onde esse conceito não se refere a homens ou mulheres, mas à relação entre os sexos. Então, gênero não está ligado ao sexo, mas, sim, a uma construção social. Segundo Weeks (2000, p.56), “[...] gênero não é uma simples categoria analítica, ele é, como as intelectuais feministas têm crescentemente argumentado, uma relação de poder”. Esse autor ainda argumenta que as relações de poder atuam através de mecanismos complexos e, muitas vezes, contraditórios, que têm como produção a dominação e as oposições. Para a historiadora Joan Scott, a definição de gênero repousa sobre duas proposições: “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas nas diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (Scott, 1995, p.86). Assim, procuramos refletir sobre os aspectos que favorecem e fortalecem a presença feminina nesse espaço. Também procuramos refletir sobre como são construídas as identidades das agentes comunitárias de saúde, e como as relações hierárquicas e de poder que permeiam essa profissão se relacionam a essa identidade. Enfim, para fins desse trabalho, esse grupo profissional nos interessa, já que é sobre ele que incide a possibilidade de realização do projeto da integralidade da atenção à saúde.
Questões de gênero permeiam a profissão de agente comunitária de saúde? Na concepção do sujeito do iluminismo, a mulher era vista como não sendo ‘sujeito’, ou seja, era tida como um ser inferior e não dotada de razão, um ser irracional (Hall, 2001), tanto que esse sujeito era descrito como masculino. Esse pensamento perpassou o mundo moderno criando e reforçando a oposição entre ‘masculino’ e ‘feminino’. A expressão dessa oposição se dá em diferentes dimensões do tecido social, tais como a divisão de tarefas no mercado de trabalho (divisão social do trabalho), onde é reservado às mulheres o espaço privado (a casa, por exemplo), e, ao homem, o espaço público. Tal oposição é condição epistemológica e política da origem de desigualdades, materializadas, por exemplo, nas diferenças salariais, as quais persistem até os dias de hoje. As desigualdades entre homens e mulheres e a supervalorização do primeiro em relação ao segundo podem ser mais bem explicadas por meio dos estudos da historiadora Joan Scott. Na proposição de Scott (1995), utilizar gênero como categoria de análise histórica implica análise em dois níveis integrados: o gênero como elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os dois sexos; e gênero como forma básica de representar relações de poder, em que representações dominantes são apresentadas de forma natural e inquestionável. O conceito de gênero é, assim, utilizado para se compreender como o meio social determina as diferenças construídas, ressaltando que as características atribuídas a um e a outro sexo se caracterizam como relações de poder, designando as mulheres a posições subalternas. O conceito de gênero se refere à forma como as desigualdades operam entre os sexos e ordenam as relações de poder, referese, assim, aos domínios. Para Kofes e Piscitelli (1997), adotar gênero como categoria de análise implica não apenas dizer que as experiências são marcadas pelo gênero, mas, sim, em mostrar como o gênero opera, como essa operação marca as experiências, bem como o que nelas se expressa. Essa orientação tem como objetivo alertar sobre a dificuldade de se sair de uma perspectiva descritiva e passar para uma perspectiva analítica. Manter-se numa perspectiva descritiva seria se ater à indicação de que o trabalho na saúde aloca homens e mulheres diferentemente, ou seja, os homens estariam ‘naturalmente’ nos cargos de administração e gestão e em algumas especialidades médicas com maior ‘prestígio’ técnico; e as mulheres estariam ‘naturalmente’ na maioria dos cargos de cuidado e em outras especialidades médicas 850
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com maior ‘prestígio’ social. Essas análises são importantes enquanto dão visibilidade aos quadros de estratificação simbólica nos âmbitos social, político e econômico. Entretanto, ao permanecerem na descrição e quantificação, contribuem para fixar os papéis sociais ou, mesmo, as estereotipias sexistas, muito mais reificadoras do que problematizadoras. Assim, não basta demonstrar que a profissão de ACS é eminentemente realizada por mulheres, confirmando a oposição entre mundo masculino e mundo feminino, operada, inclusive, no espaço do trabalho. A imagem da ACS, associada ao ato de cuidar, orientar, zelar pelo bem-estar físico e social de toda família, apesar de referenciado na legislação que cria a profissão e define suas atribuições, é o fator que acaba por desvalorizar a profissão, porque é vista como uma profissão feminina. Segundo Hall (2001), o sujeito se constitui no mundo, ou seja, não há uma interação entre o ‘eu’ e a sociedade, recebendo, assim, interferência do meio, mas, sim, nos ‘fazemos’ na pluralidade das relações, o que envolve identificações, contradições, diferenças e outras dinâmicas relacionais no tecido social das subjetividades. Considerando tal afirmação, pode-se dizer que é durante as visitas domiciliares, durante a prática profissional das agentes de saúde, que essa identidade vai se construindo e se modificando. Nesses espaços, em que há a troca de saberes, a troca de experiências, o contato direto com a comunidade, é que as relações se estabelecem e os vínculos se formam e se fortalecem (ou não), produzindo a pluralidade das identidades das ACS. Entretanto a condição feminina atravessa o exercício de seu ofício, quando as ACS assumem diversas posturas devido à operacionalização do seu trabalho, que se dá em trânsito pelo bairro, permitindo-as serem mães, amigas, ouvintes, cunhadas, ao mesmo tempo em que são ‘profissionais de saúde’. Trabalhar no próprio bairro onde mora e ter de estabelecer uma relação formal e, ao mesmo tempo, íntima com as pessoas/usuários é a condição que induz a tais performances. Assim, a racionalidade que o princípio da integralidade carrega precisou incorporar esse ‘novo elemento’ (ACS) e as potencialidades que o mesmo sinaliza enquanto possibilidade de fortalecimento dos elementos comunidade e emancipação. Entretanto, a mudança de paradigmas envolve relações de poder e não se faz fora do jogo de forças da história. A relação entre a racionalidade dominante (verticalidade, curativo, individualista, científico) e a racionalidade emergente (horizontal, comunitário, solidário, subjetivo, preventivo) se realiza, nesse caso, através dos binarismos que convergem para a desvalorização do trabalho das ACS. Quando integrado à equipe da ESF, o trabalho das ACS tem se mantido, no mínimo, como um anexo, sendo aquele que alça a integralidade, mas que não efetiva sua racionalidade para dentro do atendimento por permanecer à margem. Nesse cenário, a ACS assume um lugar de fronteira, citado por Anzaldúa (2005), como o lugar que se configura no sentido de ter conhecimento e de não ter conhecimento, aqui traduzidos como ‘saber biomédico’ e ‘saber popular’. Como tal binarismo está ordenado pelo gênero, não se apresenta com força política suficiente para oxigenar a racionalidade dominante. Assim, a integralidade não se efetiva: se mantém aprisionada, como uma dobra, um lugar de diferença.
A inter-relação entre o saber científico e o saber popular De forma geral, tende-se a se caracterizar a agente comunitária de saúde como o elo entre a equipe de saúde e a comunidade. Contudo, o perfil profissional que assume é diferente dos demais profissionais, o que acaba por hierarquizar as relações nas equipes de saúde, ficando a ACS subordinada às outras categorias profissionais. Um elemento fundante de tal hierarquia é a dicotomia existente entre o saber biomédico/científico e o saber popular, que, por sua vez, define as próprias hierarquias entre os saberes e que não apenas valoriza o primeiro em detrimento do segundo, mas cria, também, polaridades e oposições. Nesse contexto, os discursos sociais, que, segundo Foucault (1999), são dispositivos de poder e são resultados de diversos sistemas de controle, resultante de diversas práticas restritivas, são outros elementos que reforçam a delimitação dos espaços hierárquicos entre os profissionais. No caso das agentes de saúde, esses discursos acabam valorizando o saber científico e acabam gerando a hierarquização das relações. A prática discursiva constrói relações de poder, que são tidas como verdades, influenciando a produção das subjetividades. Sendo assim, o discurso é tido como força, uma COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.847-57, out./dez. 2013
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verdade que é apoiada no discurso científico. Então, quando há a incorporação da norma a partir da internalização dos discursos, o poder se instaura. Assim sendo, pode-se perceber a fragilidade dessa profissional frente aos demais integrantes da equipe de saúde (profissionais de nível superior e/ou técnico), por não dominar tão eficientemente o saber biomédico, por não possuir uma formação específica ou, mesmo, por não precisar da formação técnica para atuar como agente de saúde, diferentemente do/a médico/a, enfermeiro/a ou técnico/a de enfermagem. Essa condição se revela ainda mais crítica quando se compara o seu salário com o dos outros profissionais da equipe. Todos esses fatores contribuem para que esse/a profissional sinta-se inferiorizado/a e fragilizado/a em relação aos demais membros da equipe de saúde, e essa desvalorização se faz, fundamentalmente, pelo princípio do conhecimento técnico-científico sexista. Já em relação à importância da função educativa da ACS, esta é quem está mais próxima dos/as usuários/as, a exemplo dos momentos em que realiza as visitas domiciliares, e, por isso, as experiências e a constante troca de informações são importantes meios para a construção do conhecimento coletivo em saúde. A partir dessa troca também acontece o aperfeiçoamento do saber popular e científico em um processo educativo, onde não se exclui um saber pelo outro. Assim, as ACS realizam a função de mediadoras entre o saber científico e o saber popular, construindo, de forma coletiva e participativa com a comunidade, tais saberes. Nesse processo, as ACS realizam um trabalho de educação em saúde, ao mesmo tempo em que as relações afetivas com a comunidade se fortificam e aperfeiçoam. Valla, Guimarães e Lacerda (2006) aproximam o trabalho de ACS ao dos pastores da igreja, em suas práticas cotidianas e comunitárias, próximas da perspectiva da Educação Popular. Interessante que, ao invés de entendê-lo ou aproximá-lo do trabalho dos profissionais da saúde e de suas práticas hegemônicas, o aproximam de outra lógica de acolhimento e escuta. A disponibilidade para a escuta permite dar a devida atenção às demandas dos pacientes. Desse modo, conforme discutido por Silva et al. (2004), as ACSs não seriam apenas elos com a população, no sentido de ser um veículo de comunicação, mas, sim, laços quando a relação predominante é fundamentada no respeito e no diálogo. Por meio da escuta ampliada, os conteúdos do conhecimento são construídos e reconstruídos de acordo com as situações do cotidiano. A experiência desse lugar de dobra é destacado por Ferreira et al. (2009) ao mostrar que o trabalho das ACS se expressa em sentimentos contraditórios, pois, ao mesmo tempo que são qualificadas pelo conhecimento popular, afeição e laços com a comunidade, vangloriam-se de pertencer ao PSF, pois o conhecimento biomédico que recebem na formação lhes permite diferenciar o seu conhecimento em relação ao conhecimento popular. Os autores ainda analisam que os saberes e práticas desse conhecimento biomédico, que informam o modo de agir dos ACS, reproduzem o modelo hegemônico, pois tais saberes estão constituídos no paradigma dominante, específico das profissões de saúde. Assim, enquanto a comunidade se inscreve em uma ordem que fortalece o pilar emancipatório, operando-o a partir do conhecimento popular que detém e dá garantia de direitos básicos (como o da saúde); a equipe de saúde, por outro, reforça a prática hegemônica da saúde em que a racionalidade da ciência e da tecnologia é a lógica privilegiada. Tal situação produz um tensionamento que se projeta no sujeito que está no centro dessa dinâmica, a agente comunitária de saúde.
Oposições entre os espaços: público e privado/doméstico Outra dicotomia que permeia a constituição da profissão de ACS é a que se refere às oposições público e privado/doméstico onde, segundo Pateman (1993, p.24), “esta é uma dicotomia que reflete a ordem da divisão sexual na condição natural, e que é também uma diferença política”. Ainda, segundo Pateman (1993), a esfera privada – feminina (natural) – e a esfera pública – masculina (civil) – são contrárias, contudo, uma só adquire significado a partir da outra. De acordo com Okin (2008), o que se mostra como fundamental para essa dicotomia é a divisão sexual do trabalho, onde os homens são vistos como responsáveis pela esfera econômica e política (esfera pública), enquanto as mulheres são vistas como responsáveis por ocupações referentes à esfera privada (associada ao doméstico, ao universo feminino), sendo impróprias para a esfera pública.
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No trabalho desempenhado pelas ACSs, vários elementos e suas características são qualificados positivamente pelo feminino: o cuidar, a atenção, a escuta, o entendimento da comunidade, a interrelação com vizinhos, conhecidos e parentes, a paciência com as conversas, com o banal, com o cotidiano. A reprodução social no sentido da unidade familiar é apropriada e ressignificada como trabalho público da ACS, semelhante ao ordenado pela professora primária no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. São necessárias qualidades psicológicas como afeição, paciência, todas inerentes a tal natureza feminina, já que as faculdades cognitivas superiores seriam dadas aos cientistas, atarefados com o conhecimento científico, árduo em sua lógica e racionalidade técnica. No caso das ACS, a essencialidade feminina continua, sendo que, ao invés da sua natureza maternal, biológica, é sua natureza social, cotidiana, de cuidado no cotidiano; a maternagem é deslocada do educativo para o social e comunitário: aquela que cuida de todo mundo. Nessa perspectiva, considera-se que há, na profissão de ACS, o jogo de poder, o jogo político, afirmamos isso baseando-nos no pensamento de Laqueur (2001). Então, pode-se dizer que essa profissão é desvalorizada não por ser ocupada quase em sua totalidade por mulheres, mas, sim, por ser um trabalho visto como feminino, ligado ao doméstico, e essa diferenciação é acarretada pela desigualdade de gênero. Esse fator acaba por aproximar as mulheres dessa profissão que se mostra tão feminilizada. Essa é uma condição historicamente construída de desigualdade de gênero, associando a mulher aos cuidados familiares e domésticos e à condição de subordinação. Nesse sentido, Scott (1995), ao falar de gênero, o traz como elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e menciona quatro elementos/eixos que se inter-relacionam: o aspecto simbólico, o normativo, as instituições e organizações, e a identidade subjetiva. Todos esses eixos contribuem, de alguma forma, para decodificar e compreender as diferenças existentes entre os sexos. De modo muito sintético, podemos dizer que, no trabalho das agentes de saúde, o aspecto simbólico envolve o referente da mulher que cuida, zela e ampara, sendo esses referenciais e representações hegemônicas do feminino. O eixo normativo estaria na definição da profissão de cuidadora na saúde, organizada pelos procedimentos e conhecimentos definidos pela ciência médica – positivista –, assim como pelas boas práticas e por padrões de dedicação ao trabalho. As instituições e organizações se referem tanto à socialização formal e informal dessas mulheres ACS, que as coloca como vocacionadas para esse trabalho, como, também, às relações de saber/poder das unidades de saúde que organizam, classificam e hierarquizam as práticas cotidianas. Esses eixos articulados entre si funcionam como discursos de verdade para que os símbolos possam organizar formas de pensar as diferenças entre os sexos. Sobre o aspecto da identidade subjetiva, Scott (1995) defende que se deve analisar como essa é construída ao longo da trajetória de vida e que a identidade de gênero é resultado das tensões produzidas durante essa trajetória. Scott ainda cita que nenhum desses quatros elementos pode operar separadamente, sem, necessariamente, um ser reflexo do outro. Assim, apesar do trabalho de ACS permitir a emancipação desses sujeitos através do acesso de mulheres ao trabalho e à atuação no espaço público, a condição de trabalhadoras assalariadas (gênero e classe) as mantém aprisionadas ao universo – tanto simbólico quanto de práticas – feminino, ilustrando as sutilezas e estratégias que garantem as reproduções sociais e reafirmam os lugares de homens e mulheres na sociedade, possibilitando, ainda, a reprodução de desigualdades de gênero em diferentes espaços.
Associação entre o bairro como espaço doméstico e local de trabalho Com relação à dicotomia doméstico/bairro, é de grande relevância destacar o cotidiano do trabalho, sobretudo as visitas domiciliares, uma vez que é no bairro onde moram que suas relações se estabelecem e se fortalecem, pois é onde se localizam seus vínculos afetivos e, até mesmo, suas desavenças. Esse espaço que é, ao mesmo tempo, público, por se tratar do bairro, da rua, da sua comunidade, é, também, privado, por ser uma área de reconhecimento de seu cotidiano, o que possibilita a livre circulação durante o horário de trabalho. Apesar de terem a família como unidade de
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cuidado e a visita domiciliar como tática de acompanhamento, o trabalho não se caracteriza como ‘invasão’ de privacidade, pois os/as usuários/as estão dialogando com alguém que faz parte de suas relações pessoais. A singularidade de se dever, obrigatoriamente, morar no bairro para exercer a profissão, coloca as ACS em uma certa ‘zona de conforto’. Então, é um ambiente já conhecido e onde as relações, na maioria das vezes, já estão constituídas. São mulheres, com nível médio de escolarização, que encontram, nessa atividade, uma oportunidade de trabalho no seu próprio bairro, junto a pessoas que conhecem e que, muitas vezes, são mesmo seus familiares. Essas características são facilitadoras da administração das tarefas domésticas, enquanto espaço de dupla jornada para mulheres, além de permanecerem na ‘zona de conforto’ que é a comunidade. Tais elementos também são apontados por Barbosa et al. (2012), que relatam, como vantagem do trabalho de ACS, estar perto de casa, podendo conciliar as atribuições do trabalho remunerado com os cuidados com a casa e os filhos, sendo esse um dos principais argumentos apresentados pelas ACS para a permanência no emprego, quase sempre mal remunerado e precário. Assim, apesar de estarem trabalhando ‘fora’, esse fora é a própria vizinhança, a escola dos filhos, a parentalha. Muitas delas têm, no PSF, seu primeiro trabalho remunerado. A escolha tem como referência o perfil do trabalho e as percepções sobre a ‘natureza’ feminina ou ‘cultura’ de mulheres, que, para muitas, permite se projetar como adequada ao trabalho proposto pela ESF. Então, pela associação da mulher ao ambiente doméstico, o trânsito dessa profissional ao interior das residências é facilitado por causa de suas relações já estabelecidas no bairro, permitindo-as adentrar as casas dos/as usuários/as e tratar de assuntos da ordem da intimidade das famílias. É no espaço familiar, doméstico, remetendo ao privado, que as agentes de saúde vão construindo suas redes sociais e assumindo diversas identidades, onde, ao mesmo tempo em que se apresentam como conhecidas, há um distanciamento para que possam executar o trabalho como agentes de saúde.
Considerações finais A profissão de agente comunitário/a de saúde reproduz históricas desigualdades sociais, sendo que o fato de se aproximar de uma prática ‘de mulheres’, ligada ao doméstico, opera as desigualdades de gênero, associando a mulher ao cuidado (com o outro, com a família, com o doméstico) e à condição de subordinação. A categoria analítica gênero permite introduzir a relação de poder ‘crivada’ pela desigualdade para explicar a complexidade do princípio da integralidade e dos impactos do trabalho das ACS enquanto sujeito de pertencimento de gênero/classe. Conforme a perspectiva hegemônica, sendo mulher seria mais afeita a relações solidárias, e sendo portadora de um capital cultural e social, pelo pertencimento de classe, permitiria que essa subjetividade fosse apropriada pelo SUS para ‘resolver’ o princípio da integralidade. Entretanto, a integralidade, como expressão de uma racionalidade emergente, é desvalorizada pela racionalidade técnica e científica hegemônica; assim, tanto o pertencimento de gênero quanto o de classe são rejeitados pelo conhecimento técnico e científico da saúde. Isso se expressa na própria dificuldade de incorporação desse princípio na operacionalização da ESF. Na medida em que o cumprimento do princípio da integralidade não questiona o discurso médico-científico hegemônico e permanece na dobra das ACS, refazem-se as dicotomias e, com elas, a racionalidade dominante. O que mantém a dimensão de gênero não são as mulheres – ou homens – agentes comunitários, mas a relação de poder que engendra a dinâmica e o significado do trabalho das agentes comunitárias na ESF para o cumprimento do princípio da integralidade. Assim, a Agente Comunitária de Saúde foi idealizada como subjetividade que integra sujeito/prática ou como prática encarnada, que cria possibilidades de atuação democratizante da saúde pela descentralização e pela incorporação de: subjetividades, cultura, conhecimento popular, horizontalidades, afetos. Porém, na medida em que está encerrada na fronteira e tratada como expressão dos binarismos de gênero, configura-se como subjetividade que refaz relações não igualitárias no âmbito capilarizado das relações cotidianas. Nessas, a prática e o conhecimento do senso comum são 854
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desqualificados pelo ponto de vista do discurso médico; afetividade e solidariedade são consideradas aspectos dispensáveis e irrelevantes. Enfim, no modo como a subjetividade da ACS está engendrada, refaz-se a hegemonia da perspectiva curativa da saúde.
Colaboradores As autoras trabalharam juntas em todas as etapas de produção do manuscrito. Agradecimento As autoras agradecem à Secretaria Municipal de Saúde do município de Viçosa-MG, em especial às/aos agentes comunitárias/os de saúde do Programa Saúde da Família, pela parceria na realização do trabalho; e ao apoio financeiro recebido da FAPEMIG (Edital 3/ 2011, Processo: TEC-PPM-00446-11 e Edital 9/2010, Processo CDS-APQ-03234-10). Referências ALVES, V.S. Um modelo de educação em saúde para o Programa Saúde da Família: pela integralidade da atenção e reorientação do modelo assistencial Interface (Botucatu), v.9, n.16, p.39-52, 2004. ANZALDÚA, G. La conciencia de la mestiza: rumo a uma nova consciência. Estud. Fem., v.13, n.3, p.704-19, 2005. BARBOSA, R.H.S. et al. Gender and healthcare work: a critical view of community health agents’ work. Interface (Botucatu), v.16, n.42, p.751-65, 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde Da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 24 out. 2011. Seção 1, p.48. ______. Senado Federal. Lei no 10.507, de 10 de julho de 2002. Cria a profissão de Agente Comunitário de Saúde, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jul. 2002. Seção 1, p.1. ______. Senado Federal. Decreto no 3.189, de 04 de outubro de 1999. Fixa diretrizes para o exercício da atividade de Agente Comunitário de Saúde (ACS), e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 05 out. 1999. Seção 1, p.1. ______. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.886, de 18 de dezembro de 1997. Aprova as normas e diretrizes do programa de agentes comunitários de saúde e do Programa de Saúde da Família. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 dez. 1997. Seção 1, p.11. FERNANDES, J.S. et al. Perfil dos enfermeiros das equipes saúde da família. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM, 61., 2009, Fortaleza. Anais... Brasília, 2009. p.6210. Disponível em: <http://www.abeneventos.com.br/anais_61cben/files/ 01888.pdf>. Acesso em: 7 maio 2013. FERREIRA, V.S.C. et al. Processo de trabalho do agente comunitário de saúde e a reestruturação produtiva. Cad. Saude Publica, v.25, n.4, p.898-906, 2009.
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ROCHA, N.H.N.; BARLETTO, M.; BEVILACQUA, P.D. Identidad de la agente comunitaria de salud: el tejido de racionalidades emergentes. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.847-57, out./dez. 2013. Analizamos la identidad de la agente comunitaria de salud (ACS) a partir de la categoría género en diálogo con las categorías espacio público y privado/doméstico y saberes populares y científicos. Indicamos que la profesión de ACS es desvalorizada no por ser ocupada casi totalmente por mujeres, sino por ser un trabajo considerado femenino, condición que está históricamente señalada por la desigualdad de género, asociando a la mujer a los cuidados familiares y domésticos y, consecuentemente, a la subordinación. Esa profesión refleja posiciones de género hegemónicas en la sociedad y la definición de su identidad se realiza en el cotidiano, en la convivencia con el equipo de salud y la comunidad, repleta de conflictos y afectos, y en las prácticas cotidianas marcadas por jerarquías. Al mismo tiempo, lleva consigo la posibilidad de un horizonte social y político de emancipación, definido en la creación del trabajo comunitario y ordenado para el cumplimiento del principio de la integralidad.
Palabras clave: Patriarcado. Sistema de género. Relaciones de producción. Integralidad. Trabajo en salud.
Recebido em 11/06/12. Aprovado em 05/09/13.
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DOI: 10.1590/S1414-32832013005000033
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Por uma educação que se movimente como maré e inunde os cotidianos de serviços de saúde Dagmar Estermann Meyer1 Jeane Félix2 Michele de Freitas Faria de Vasconcelos3
MEYER, D.E.; FÉLIX, J.; VASCONCELOS, M.F.F. Towards an education that moves like the tide and floods the everyday routines of healthcare services. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.859-71, out./dez. 2013. We proposed to reflect on care and management practices within healthcare, by taking these to be well-dated social practices. Through placing ourselves at the intersection between the fields of education and healthcare, and, within these, in the field of studies on the body, we showed that healthcare practices comprise cultural pedagogies from which certain meanings and behaviors are prescribed, but also through which meanings and new practices that shift, bifurcate and question these prescriptions are constructed. In other words, here we take the field of healthcare to be a territory both for teaching (pedagogical-bodily formatting) and for learning (experimentation of singular ways of doing and saying things regarding healthcare); and we take care and management within healthcare to be an assembly (bodily) of conflicting parts between some forms of subjection and experimentation forces, from which healthcare practices are woven.
Keywords: Continuing education. Cultural pedagogy. Healthcare work processes. Healthcare practices. Body.
Propomos refletir sobre práticas de cuidado e de gestão em saúde, entendendo-as como práticas sociais bem datadas. Situando-nos no cruzamento entre as áreas da educação e saúde e, nelas, dos estudos sobre corpo, apontamos práticas de saúde como pedagogias culturais, a partir das quais são prescritos determinados sentidos e condutas, mas, também, por meio das quais são construídos sentidos e fazeres inéditos que deslocam, bifurcam, fazem questionar tais prescrições. Dito de outro modo, entendemos aqui o campo da saúde como um território de ensino (formatações pedagógico-corporais), mas, também, de aprendizagens (experimentação de formas singulares nos fazeres e dizeres em saúde), e o cuidado e a gestão em saúde como uma montagem (corporal) conflituosa entre formas de sujeição e forças de experimentação, a partir das quais as práticas em saúde se tecem.
Palavras-chave: Educação permanente. Pedagogias culturais. Processos de trabalho em saúde. Práticas de saúde. Corpo.
1 Programas de PósGraduação em Educação e em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Faculdade de Educação, prédio n. 12.201, sala 511. Rua Paulo Gama, s/n. Porto Alegre, RS, Brasil. 90046-900. dagmaremeyer@ gmail.com 2,3 Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero (GEERGE), Programa de Pós-Graduação em Educação, UFRGS.
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Da imensidão do mar das práticas de saúde Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! (Galeano, 2006, p.15) Dentre muitas outras possibilidades, o texto de Galeano permite pensar acerca dos processos de educação do olhar. E olhar, no contexto deste texto, será tomado como uma capacidade que extrapola a dimensão biológica do enxergar, para incluir os movimentos de olhar, apreender e significar o que se vê, com os múltiplos sentidos que os diferentes grupos culturais produzem para codificar, nomear e descrever, ativamente, o mundo – pessoas, objetos, contextos e relações – em que vivem4. Nessa perspectiva, podemos dizer que não apenas o nosso olhar, mas nossos corpos são educados por um conjunto de processos que nos transformam, e pelos quais somos transformados, em sujeitos de uma cultura; por exemplo, em sujeitos de uma cultura de saúde e, de forma ainda mais específica, de uma cultura profissional de saúde, que se exercita no âmbito do sistema de saúde, no Brasil. Tornar-se sujeito dessa cultura envolve um complexo de processos de ensino e de aprendizagem que permeiam muitas instâncias e dimensões de nossas vidas e incluem o que outras abordagens separam como educação e socialização. Educar supõe, então, processos de ensino e processos de aprendizagem: o que, quem e como nos ensinam e o que, quem e como se aprende. Aprender, como diz Marlucy Paraíso (2011, p.147), [...] é abrir-se e refazer os corpos, agenciar atos criadores, refazer a vida, encontrar a diferença de cada um e seguir um caminho que ainda não foi percorrido. Aprender é abrir-se à experiência com “um outro”, com “outros”, com uma coisa qualquer que desperte o desejo. Por isso, para aprender é necessário “primeiro aprender a desaprender” (Caieiro, 1986). Aprender a desaprender os sentidos constituídos, os significados produzidos e os pensamentos construídos para abrir em si próprio as diferenças.5
Ensinar, para a mesma autora, inclui transmitir, informar, ofertar, apresentar, expor, explicar. Trata-se, em certa medida, de um processo que busca governar condutas, produzir determinadas práticas, incluir e excluir, hierarquizar, normalizar e dividir os sujeitos: quem sabe e quem não sabe, quem tem boa saúde e quem está doente, quem segue e quem não segue as regras. Nesse sentido, “ensinar, portanto, é muito diferente de aprender” (Paraíso, 2011, p.147), uma vez que ensinar supõe homogeneizar e aprender supõe criar possibilidades de singularização (Guattari, Rolnik, 2000). Singularização é entendida como a diferença que resulta em nós, e que desfaz o nós, abrindo-nos para outros modos de ser e de estar no mundo, bifurcando essa busca pelo homogêneo que pauta o 860
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Em versão ampliada e mais “didatizada”, este texto foi originalmente produzido como material de apoio pedagógico para o Programa de Formação em Gestão Regionalizada do Sistema Único de Saúde (SUS) do Amazonas. Tal Programa vem sendo desenvolvido mediante parceria entre a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SUSAM) e o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Amazonas (COSEMS/AM), com a assessoria de docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialmente do Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde (Educasaúde), e do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz). A publicação desta versão foi aprovada pelas instâncias responsáveis pela demanda, organização e edição desses textos.
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A autora assinala que a noção de aprender, por ela desenvolvida, inspirase em Deleuze e em Fernando Pessoa. Por sua vez, a necessidade de aprender a “desaprender”, referida pela autora, é baseada em Alberto Caeiro (1986) que, em seu instigante poema intitulado Deste modo ou daquele modo , publicado no livro O guardador de rebanhos, diz que é necessário despir-se do aprendido para produzir outros sentidos, deixar-se afetar e construir novos rumos para aquilo que se costuma chamar de ‘eu’. 5
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6 Cabe ressaltar que entendemos, conforme Guacira Louro (2003), que aquilo que comumente configuramos como natural também é produzido culturalmente.
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ensinar. Ambos os processos – ensinar e aprender – compõem nossa educação como sujeitos de uma cultura, nossa apreensão e nosso manejo da linguagem e dos códigos constitutivos dela. O pedido de Diego, expresso na frase “Ajuda-me a olhar”, supõe, então, assumir que o mar (a imensidão do mar saúde, mar formação e exercício profissional em saúde, mar sistema de saúde) não existe em si mesmo. Para ser visto, para ser apreendido e para ser significado como tal, ele precisa entrar num determinado domínio de significação, e isso supõe tanto ensinar a ver quanto (re/ des)aprender a ver, com e a partir de determinados sistemas de significação e colocando esses mesmos sistemas à prova – desnaturalizando-os, entendendo-os como constelações de sentidos produzidos num determinado tempo e num determinado espaço. Nessa direção, é possível dizer que nada é ‘natural’6, nada está dado de antemão, e que tudo isso que ensinamos, apre(e)ndemos e fazemos, nesses contextos, está ancorado em saberes e práticas parciais e provisórias, que resultam de disputas travadas em diversos âmbitos do social e da cultura. Tais práticas, justamente por isso, podem ser (re)vistas, questionadas e modificadas. Admitir isso não é simples, pois traz consigo a necessidade de mudar a lógica do nosso pensamento em vários aspectos daquilo que aprendemos quando se trata de educar, no amplo campo da saúde. Sugerir possibilidades de ‘ajudar-nos a olhar’ para refletirmos sobre, e inserirnos de outros modos, em práticas de cuidado e práticas de gestão em saúde, tomando-as como processos pedagógicos – que ensinam cotidianamente (de diferentes modos, sob diferentes perspectivas e pontos de vista) a todos/as os/as envolvidos/as com a produção da saúde – é o objetivo deste texto. Para guiar essa forma específica de olhar (ver, apreender e significar) e estruturar o eixo argumentativo que delineamos de forma a materializá-lo em texto, descrevemos, na sequência, cenas do cotidiano de serviços de saúde brasileiros vivenciadas por nós, as quais, certamente, são conhecidas também de grande parte dos/as potenciais leitores/as deste texto. “Me ajuda a olhar” – marés que invadem cotidianos em serviços de saúde
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Nessa mesma direção, Foucault (2010) fala da desaprendizagem como um movimento de pôr a vida à prova, desfazendo-se de pedagogias corporais anteriormente inculcadas e experimentando, assim, processos de aprendizagem menos afeitos ao governo das condutas humanas e à formatação subjetiva, e mais interessados na encarnação de outras formas de vida, bem ali onde, como aponta Paraíso (2011), o corpo se abre para a mestiçagem do encontro com outros corpos.
Cena 1: A brinquedoteca que não possui brinquedos – Numa capital do nordeste, em visita técnica a um serviço de saúde voltado a crianças, fomos convidadas a conhecer o espaço físico antes de participar de uma atividade lúdica com as crianças e seus familiares. Era uma manhã quente e, naquele espaço com poucas aberturas e pouca luz externa, o calor parecia ainda mais intenso. As crianças, espalhadas nos vários cômodos do serviço, estavam bem suadas, assim como nós. No canto, uma sala com letras coloridas indicava ‘Brinquedoteca’. Ao entrarmos, vimos as crianças sentadas, desenhando, pintando e escrevendo. Nenhum brinquedo naquela sala com estantes vazias. Conversamos com as crianças e com a psicóloga que as acompanhava. Na sequência, entramos na sala da coordenação e fomos surpreendidas com uma sala climatizada. Ao passo em que nos aliviávamos do calor, estávamos visivelmente incomodadas com a situação em que as crianças, seus familiares e vários/as trabalhadores/as estavam submetidos/as nos cômodos externos àquela sala. Chamou-nos atenção uma estante cheia de brinquedos no interior desta sala. Ao perceber que estávamos olhando muito para a estante, a coordenadora disse: “Guardamos os brinquedos aqui, pois se ficam na brinquedoteca as crianças quebram tudo”.
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Cena 2: O aquário – Trata-se de um serviço de saúde que mais parece um galpão, com poucas salas feitas por divisórias. O pé direito é muito alto, as paredes sujas de poeira grudada e mofo, cheiro de ‘limpeza malfeita’. Sobre esse espaço, uma trabalhadora afirma: “Quando cheguei aqui, me incomodava muito com a ambiência, a sujeira, essas paredes, um nojo”. Telhas de ‘Eternit’ amplificam o calor nordestino. A área mais ventilada do espaço se mantém fechada, os/as usuários/as lá não podem circular, a não ser quando têm alguma atividade acompanhada por um/a profissional. Depois de qualquer atividade, o espaço ventilado, sem telhas, com um pouquinho de verde (o resto do espaço é todo de concreto) e brisa, é fechado. As salas que têm ar-condicionado são salas que os/as usuários/as frequentam pontualmente: coordenação, salas de atendimento, de reuniões, de vivência, dos/as técnicos/as... Estas são chamadas pelos/as usuários/as de “aquários”, pois têm um vidro transparente retangular compondo a parede que, segundo eles/as, serve para os/as trabalhadoras/es vigiarem-nos/as “sem ter que se misturar e passar calor”. A maior parte do tempo que os/as usuários/as passam neste serviço se dá embaixo das telhas de ‘Eternit’ e sem ar-condicionado ou ventilador. Um usuário afirma: “Hoje não teve oficina. Passamos o dia todinho só sentindo calor. De 8 às 11, todo mundo aqui sem fazer nada e eles [referindo-se a profissionais] lá dentro da sala”. Cena 3: Envolver usuários na gestão, pra quê? – Uma de nós esteve presente em uma reunião dos coletivos de técnicos/as e gestores/as de uma secretaria municipal de saúde de região metropolitana. A pauta era discutir o fortalecimento da participação dos/as usuários/as nos espaços de gestão coletiva dos serviços. Passado algum tempo da discussão, uma das técnicas questiona o grupo: “Não entendo por que essa conversa de envolver os usuários. A gente tem é que estar bem preparado para atendê-los quando chegam no nosso serviço...”. A reunião seguiu com outras pautas e um dos encaminhamentos foi a continuidade da discussão sobre o tema. Num serviço de saúde, usuários/as ficam um tempo a esperar profissionais chegarem para começar a assembleia. Nenhum/a técnico/a chega e eles/as, então, decidem iniciar a reunião. Depois de mais um tempo, com a assembleia já acontecendo, um trabalhador chega e, irritado, questiona a decisão de os/as usuários/as terem iniciado a assembleia sozinhos/as. Cena 4: Prescrições ministeriais – Num espaço formativo do Ministério da Saúde, promovido para trabalhadores/as de todas as regiões do Brasil que atuam em um tipo específico de serviço de saúde – cujo objetivo é refletir sobre processos de trabalho a fim de qualificá-los –, um dos facilitadores, no período da manhã, inicia a atividade, abrindo espaço para que os/as trabalhadores/as compartilhassem suas práticas, a fim de que se construíssem pistas metodológicas contextualizadas e a partir dos saberes e das experiências dos/as próprios/as profissionais. No período da tarde, outro facilitador, sem levar em conta o que o grupo produziu pela manhã (mesmo tendo participado do planejamento da atividade), tomando como eixo as prescrições ministeriais, divide o grupo em três. No final da atividade, momento em que supostamente haveria uma plenária em que os três grupos apresentariam a síntese das discussões e dos encaminhamentos, o facilitador fala pelo grupo menor do qual fez parte, encaminha as questões e sai (atrasado para seu voo), sem dar espaço de escuta e composição dos encaminhamentos com os outros dois grupos – e se deu por finalizado o processo, sem questionamento algum dos/as participantes.
O que estas cenas/marés nos permitem ver e indagar? Como educadoras também envolvidas com o planejamento de políticas e a gestão de serviços de saúde, talvez possamos começar dizendo que formar continuamente profissionais para atender, de modo ágil e resolutivo, demandas e desafios que o cotidiano de trabalho lhes impõe é uma questão central para o campo da saúde. A cada dia, novas políticas e programas que incluem processos educativos são pensados, planejados e executados em nosso país. Também, a cada dia, processos educativos são reproduzidos, repetidos, ‘multiplicados’. Há aqueles que ocorrem nas relações entre profissionais, gestores/as e usuários/as; nas relações entre as pessoas que vivem, convivem e circulam nos espaços de gestão e cuidado em saúde; há também o que se aprende e se ensina em silêncio e/ou 862
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sem intencionalidade, pela organização do espaço físico ou pelos modos como as pessoas se comportam ali dentro. Espaço físico e comportamentos que se inscrevem numa pedagogia das condutas e dos corpos que é fundamental em uma economia biopolítica de disciplinamento do corpo individual e de administração do corpo de múltiplas cabeças – a população (Foucault, 2008). Nessa direção, e em consonância com a noção de educação que introduz este texto, é possível dizer que algumas das formas pelas quais processos de cuidado em saúde ensinam envolvem silenciar e não fazer perguntas. Com isso, produzem uma sensação de que ser cuidado/a é uma atitude passiva, tal como a educação escolar ensina aos corpos sentados e (de preferência) em silêncio: corpos receptáculos de informações. Em outros termos, entendemos que espaços e momentos cotidianos de atenção (e também de gestão) em saúde constituem-se como cenas de ensino-aprendizagem em que atuam pedagogias terapêuticas, pedagogias organizacionais, pedagogias corporais. Ou seja, processos de trabalho no campo da saúde tendem a fomentar a realização de projetos pedagógicos articulados com o objetivo de incorporar hábitos e valores que possam dar suporte à sociedade mais ampla, entendida como corpo social; que possam preparar, moral e fisicamente, homens e mulheres, tendo por base uma educação de seus corpos, uma educação eficiente na produção de corpos. Na medida em que indicamos o campo da saúde como um lócus educativo em que se investe, sobretudo, na produção de determinados corpos – individuais e coletivos –, parece-nos importante indicar o que estamos entendendo como corpo. Para Dagmar Meyer, o corpo é aquilo que é produzido na articulação entre nossas “heranças genéticas” e “aquilo que aprendemos quando nos tornamos sujeitos de uma cultura” (2009, p.218). O corpo se produz em processos de significação e, por isso mesmo, é instável, mutável, cambiante. Denise Sant’Anna (2005, p.11) acrescenta que é preciso “evidenciar o caráter provisório dos regimes de visibilidade que definem a verdade do corpo, da saúde e da doença em cada época”, em cada cultura, em cada momento histórico. Guacira Louro complementa: “nomeados e classificados no interior de uma cultura, os corpos se fazem históricos e situados. Os corpos são ‘datados’, ganham um valor que é sempre transitório e circunstancial” (2004, p.89). No interior de uma cultura, de um contexto histórico-político específico, os corpos são produzidos por inúmeras marcações: gênero, sexualidade, classe social, raça/cor, religião, faixa etária, região etc. São, então, produzidos e organizados por tais marcas de poder. A partir delas, os corpos são classificados, hierarquizados, organizados, ‘indiciados’, valem mais ou menos num dado contexto (Louro, 2004). Marlucy Paraíso (2011), por sua vez, afirma que corpo é espaço de tensão, zona conflitiva entre formas de sujeição e forças de experimentação, ou seja, eles sempre se abrem em processos de desaprendizagem que trazem consigo a potência de desnaturalizar as prescrições culturais e fazer, com isso, a própria cultura se modificar. Em linhas gerais, neste texto, trabalhamos com a ideia de que os corpos tendem ao singular, ou seja, que se constroem no interior de culturas específicas, submetidos a determinadas pedagogias corporais. Todavia, para Dagoberto Machado, Michele Vasconcelos e Aldo Melo (2012), além de construtos culturais, corpos são construções político-éticas. Ou seja, mais do que tecidos mediante obediência a determinadas pedagogias culturais, que lhes organizam, lhes ensinam, lhes prescrevem ‘boas’ condutas e avaliam seu valor, corpos tendem à singularização (Guattari, Rolnik, 2000), abandonam a adesão às fôrmas subjetivas prescritas por tais pedagogias, recusam o que são e tateiam a invenção de outras formas de subjetividade. Nosso olhar sobre os processos de gerir e cuidar em saúde, neste texto, toma o corpo como construto cultural-político-ético, e o fazer em saúde como instância pedagógica por meio da qual se imprimem marcas nos corpos, mas, também, como instância pedagógica por meio da qual corpos de profissionais, de usuários/as e o próprio corpo do cuidado podem se abrir a novas aprendizagens. É na confluência desses pressupostos que a indagação acerca dos processos que formam corpos (de trabalhadores/as, gestores/as, usuários/as) pode fazer sentido. Gostaríamos, então, de pensar: de que maneiras o cuidado em saúde pode ser pedagógico para quem é cuidado e também para quem cuida? De que modo os processos de gestão em saúde podem ser espaços/estratégias de formação de trabalhadores/as, gestores/as e usuários/as? “Forma-ação ou forma-de-ação” (Barros, 2005, p.134)? Práticas formativas prescritivas ou práticas formativas que possibilitam múltiplas formas de ação, 863
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encarnadas em necessidades contextualizadas e coletivas? Como, no cotidiano do fazer em saúde, podem ser tecidas outras práticas pedagógicas que não se conformam em organizar os corpos de usuários/as, de modo a silenciá-los e a fazê-los passivos? O que se ensina-aprende ao organizar os corpos de gestores/as como ‘as cabeças pensantes’ e os corpos de trabalhadores/as como técnicos executores de prescrições propostas por outrem? No cotidiano do trabalho em saúde, o que podem as práticas pedagógicas? Com essas perguntas, retornamos às cenas descritas acima, porque, em seu conjunto, elas nos parecem potentes para ‘ajudar a olhar’, a partir das seguintes questões mais pontuais: O que um serviço de saúde, localizado em um ambiente bastante quente, ensina com um ar-condicionado funcionando ‘a pleno vapor’ apenas na sala da coordenação? O que ele ensina quando os lugares refrigerados são restritos para profissionais que passam grande parte do dia sentados/as, a olhar, através de um vidro, usuários/as, que passam a maior parte do tempo no galpão quente “sem fazer nada”? O que a sujeira e o mau cheiro ensinam a profissionais e usuários/as que habitam o lugar? Que estratégias de gestão poderiam ser empreendidas em cenários como esses para propiciar melhores condições de trabalho aos/às profissionais que ali desenvolvem suas atividades laborais, bem como melhores condições para usuários/as desses serviços e suas famílias? O que um serviço ensina mantendo os brinquedos encaixotados numa estante na sala da coordenação, enquanto na brinquedoteca as crianças estão sem brinquedos? O que uma consulta médica em que não há escuta do/a usuário/a ensina para quem participa dela (médico/a e usuário)? Que possibilidades poderiam ser acionadas aqui para gerar um encontro potente do ponto de vista pedagógico? Por que a inserção/presença/participação ativa dos/as usuários/as nos espaços de gestão incomoda alguns/algumas trabalhadores/as da saúde? Que estratégias pedagógicas podem ser acionadas em momentos como a assembleia que descrevemos? Que estratégias pedagógicas podem ajudar a torcer um ‘tarefismo cego’ (que incorre em culpabilização, individualização das respostas e dos problemas, pontualidade e descontinuidade do cuidado, ausência de encaminhamentos) que tende a sustentar as ações em saúde? O que um espaço de formação ensina quando, logo após uma abertura para troca de experiências e saberes, estes são desconsiderados em proveito do objetivo de ‘cumprir a tarefa’ focada em prescrever modos ‘certos’ de fazer? Que táticas podem ser usadas para desfazer ações pedagógicas como essas que, sob a alcunha da roda, atualizam práticas formativas tradicionais de mera transmissão de informações? Obviamente, não temos a pretensão de responder a tais perguntas. Tampouco pretendemos elencar culpados/as ou responsabilizar pessoas individualmente por tais situações, sobretudo porque entendemos que essas cenas são efeitos da ausência de espaços de reflexão e de construções/respostas coletivas para problemas comuns. Nossa abordagem tem o intuito de ensejar reflexões sobre como os processos de trabalho e os processos formativos para o trabalho em saúde podem ser revistos, bem como sugerir algumas possibilidades para a proposição de processos pedagógicos que possam ser potentes nessa direção. Nesse sentido e sob esse ponto de vista, o que essas cenas podem ter em comum? Que elo de ligação poderíamos estabelecer entre elas? O que temos a desaprender, a ensinar, e a (re)aprender em situações como essas, tão recorrentes e naturalizadas nos cotidianos dos nossos serviços de saúde? Brevemente, poderíamos dizer que as quatro cenas apontam para dimensões pedagógicas importantes de serem pensadas e problematizadas por quem se propõe a trabalhar no campo da saúde. Poderíamos dizer que tais cenas se inscrevem no interior de práticas tradicionais de saúde, nas quais relações de poder-saber estão fixadas e definidas: gestão vertical, centralidade do discurso médico, assimetria entre profissionais e usuários/as, desconsideração de sentimentos, desejos, inquietações e questionamentos dos/as usuários/as, formação entendida como mera transmissão de informações, prescrição de ‘um modo certo de fazer’ para pessoas ‘descapacitadas’, com a finalidade de que elas adquiram tais capacidades (Meyer, Félix, 2012a, 2012b; Pasche, Passos, 2010). No âmbito do que nos interessa aqui, cabe então perguntar: que possibilidades pedagógicas poderiam ser empreendidas para contribuir para a modificação de situações como essas? Esta é a questão-eixo que orienta a argumentação que será aprofundada na seção que segue.
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Processos de trabalho em saúde transmutados em práticas pedagógicas Em conversas com alguns/as colegas, ao compartilharmos as cenas descritas neste texto, nos surpreendemos ao saber que situações como essas são comuns. Em vários serviços de saúde voltados para crianças, os brinquedos ficam guardados e não podem ser manuseados por elas. Em outros tantos, os/as usuários/as são mantidos para fora dos ‘aquários’. E, também, em muitos daqueles que dizem trabalhar com gestão compartilhada, a participação ativa de usuários/as na gestão, mesmo de seu cuidado, tende a incomodar e a ser ‘controlada’. Entretanto, e concordando com Veyne (2008, p.264), “não se deve falsear a apreciação do possível sustentando que ‘as coisas são o que são’, [que ‘essa é a realidade’], pois, justamente, não há coisas: só existem práticas. E essa é a palavra-chave”. Outras práticas sempre são possíveis, o que significa que as coisas não necessariamente precisam seguir sendo o que são e nelas podemos interferir. Nesse sentido, parece ser preciso problematizar processos naturalizados de habitar o cotidiano dos serviços de saúde, interferindo em processos de trabalho para transformar modos de produzir saúde que estejam afeitos à organização tipificada dos corpos. Ou seja, é preciso inventar e experimentar outras formas de intervenção nas práticas de saúde. Para isso, dentre outras coisas, poder-se-ia investir na implementação da educação permanente em saúde como um modo pedagógico-político de colocar os processos de trabalho ‘reais’ na cena educativa. Educação permanente, segundo Ricardo Ceccim, é, exatamente, um “[...] processo educativo que coloca o cotidiano do trabalho – ou da formação – em saúde em análise, que se permeabiliza pelas relações concretas que operam realidades e que possibilita construir espaços coletivos para a reflexão e avaliação de sentido dos atos produzidos no cotidiano”(Ceccim, 2005, p.161). A educação permanente em saúde diz respeito à “construção de relações e processos” que envolvem as equipes, as práticas organizacionais e as interinstitucionais e/ou intersetoriais, articulando os agentes das equipes, o setor saúde e as “políticas nas quais se inscrevem os atos de saúde” (Ceccim, 2005, p.161). Trata-se de processos educativos que envolvem todos os sujeitos engajados com a produção de saúde em um determinado contexto (um serviço de saúde, por exemplo). No âmbito dessas perspectivas de educação e de educação permanente, com que concepção de gestão estamos nos propondo a operar, a partir do caminho metodológico traçado até aqui? Resumidamente, é possível dizer que compreendemos o espaço de trabalho como espaço de produção coletiva de todos/as os sujeitos envolvidos no processo de produção de saúde: gestores/as, trabalhadores/as e usuários/as. Sabemos, porém, que esses sujeitos não ocupam as mesmas posições e que alguns exercem poderes instituídos em função de sua formação profissional e das regras que regem seu exercício na área da saúde, pelo cargo que assumem, pela autoridade política e/ou acadêmica que construíram ou que lhes é atribuída, pelas atividades sob sua responsabilidade etc. E que, nas práticas de saúde tradicionais, os/as usuários/as teriam um lugar diferenciado, e este é geralmente um lugar ‘passivo’, uma vez que, quando se fala em participação, usualmente se está pensando em participação como colaboração para fazer funcionar o que foi previamente decidido em outras instâncias. Assim, estamos propondo aqui um borramento de fronteiras dos lugares instituídos para a produção de novos e possíveis encontros que envolvam gestores/as e trabalhadores/as, repensando conjuntamente seus processos de trabalho e formação, com participação de usuários/as nos processos de trabalho em saúde, quando esses sujeitos se engajam, junto à equipe que provê cuidado a eles e seus familiares, na construção de seu projeto terapêutico; isto é, quando participam da gestão do cuidado, ou quando participam das decisões organizacionais em assembleias/encontros com usuários, por exemplo. Na perspectiva da educação permanente em saúde, essas situações seriam colocadas em reflexão pelos sujeitos envolvidos no serviço: as/os coordenadoras/es, os/as profissionais, familiares e, também, as crianças. Cada um/a do seu lugar e com suas percepções acrescenta “à roda” elementos para reflexões coletivas e para a busca de respostas conjuntas. Ambas as situações – gestão do cuidado e tomada de decisões organizacionais – podem ser utilizadas como mote para se pensar no serviço de
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saúde (contexto, problemas, possíveis soluções) de modo amplo; poderiam permitir trazer, para a conversa, outros elementos e situações que incomodam gestores/as, trabalhadores/as, usuários/as, bem como algumas possibilidades para resolver embates e dificuldades. Obviamente, que não se trata de um processo simples, tampouco temos respostas prontas ou modelos a serem seguidos. Ao contrário, cada contexto, situação e grupo de pessoas poderá pensar e experimentar diferentes respostas. Sem perder a condição de aprendizes e entendendo a formação como construção de formas de ação, usuários/as e profissionais podem não só inventar respostas, mas, também, trazer novos problemas para o trabalho e para a formação em saúde. Nesse sentido, vemos, na educação permanente, uma estratégia política e metodológica interessante. Parece-nos importante considerar que, nos serviços de saúde, bem como nas esferas de gestão em saúde, para além de sujeitos da automação e das rotinas racionalizadoras presentes, há vidas pulsantes que pedem passagem para novos possíveis, há produções de si (Foucault, 2010) de trabalhadores/as, gestores/as, usuários/as. Assim, apostando numa micropolítica do cotidiano e mantendo-nos abertos/as para acontecimentos, encontros, relações, afetos e problemas que acontecem ali mesmo, buscamos experimentar e inventar novas práticas de saúde, inclusive formativas, nos espaços institucionalizados, entendendo esse movimento de criação como algo que é imanente ao cotidiano dos serviços, dos processos de trabalho, das práticas de cuidado e de gestão em saúde. O convite é, então, o de participar da construção de uma ética que nos possibilite transpor o limite daquilo que é condicionado pela sociedade da qual fazermos parte para aventurar-nos, nas brechas das práticas de saúde, à experimentação de “uma produção que possui, em sua emergência, a força de uma conspiração, da invenção de um pouco de possível em um mundo no qual se procura regular/ gerenciar a vida na forma de uma mortífera ordem. [...]. Implicados, implicantes”, buscamos por linhas de fuga ao que há de instituído nas trajetórias dos corpos sujeitos a práticas de saúde (Rodrigues, 2009, p.205). Em termos concretos, isso significa ir além do que os protocolos e modos de organização instituídos nos espaços de produção de saúde permitem: (re)pensar e modificar processos de trabalho; utilizar artefatos culturais como mecanismos para mudar situações/problemas que acabam por afetar o trabalho, a vida e a saúde dos/as trabalhadores/as; construir e implementar processos educativos que fujam do lugar comum das capacitações e dos treinamentos tradicionais, da formação entendida como “transmissão de conteúdos, marcados privilegiadamente por racionalização, conscientização, tecnicismo” (Barros, 2005, p.135), rumo à invenção de práticas de formação que produzam torções nesses modos hegemônicos de operar no âmbito da formação em saúde. Não há regras nem modelos, há possibilidades que podem ser modificadas e reinventadas coletiva e cotidianamente (Meyer, Félix, 2012a, 2012b). Nessa direção, a reinvenção dos processos de trabalho e das pedagogias que ali são postas em funcionamento passa pelo envolvimento de todos os atores engajados no processo de produção de saúde (Ceccim, Feuerwerker, 2004). O que se costuma ver, no entanto, são processos formativos que se propõem a mudar o cotidiano do trabalho em saúde, envolvendo profissionais de saúde ou os/as gestores/as separadamente. E é nesse sentido, também, que os/as usuários/as são aqueles/as a quem as ações são destinadas, dificilmente sendo envolvidos em tais atividades. Evidentemente, não estamos falando aqui de algo novo, tampouco de algo simples de se operar. Estamos falando de mudanças na cultura das instituições de saúde e, consequentemente, dos modos de trabalhar e fazer gestão na saúde, bem como de ser assistido/a pelos serviços de saúde. Estamos falando, sobretudo, da necessária mudança nos processos de gestão do trabalho e da assistência em saúde. O convite supracitado desdobra-se em aposta: revisar e mudar práticas pedagógicas em saúde. Muitas delas parecem precisar ser revisadas e/ou abolidas, e outras incorporadas no cotidiano dos serviços, quer seja como atitudes (pois informam uma nova ética no cuidado e na gestão), quer seja como práticas atualizadas a encarnarem novos processos de trabalho. O objetivo dessa aposta, não custa repetir, traduz-se na criação de espaços coletivos e permanentes de discussão sobre processos de trabalho em saúde, com engajamento de todos os atores envolvidos, compondo processos gestores do cuidado e do trabalho.
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Expressão utilizada por Elizabeth Barros, cunhada por Ana Heckert.
Em última análise, o convite-aposta é o de, estilhaçando as “formas de ação”7, experimentar:
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7
Uma formação que se configure em múltiplas formas de ação, como produção de saberes e práticas sociais que instituem sujeitos de ação, aprendizados permanentes e não práticas de modelagem [...] escapando da produção de profissionais como mercadorias amorfas, despotencializadas, silenciosas e serializadas [...] que valorizam apenas a “competência técnica” e que insistem em discernir o que é “especificamente cuidar” do que é “especificamente político”. [...] Nossas práticas podem ser suporte importante para as mudanças que queremos. (Barros, 2005, p.137)
Refletir conjuntamente sobre os processos de trabalho significa, assim, abranger aspectos que afetam, incomodam, mobilizam e movimentam gestores/as e trabalhadores/as, em suas práticas laborais cotidianas, bem como usuários/as, na utilização dos serviços ocupados por estes/as profissionais. Nessa direção, apresentamos aqui a gestão dos processos de trabalho como desafio coletivo, por meio da reflexão conjunta desses processos e da tessitura coletiva das ações em saúde. No nosso ponto de vista, tais reflexões podem produzir, para além de outros e novos modos de gerir os processos de trabalho, novos encontros e sentidos. Retomemos, por exemplo, a cena do ar-condicionado apenas na sala da coordenação e de uma brinquedoteca sem brinquedos. Quando sugerimos, por meio da reflexão sobre processos de trabalho, mudar práticas de produção de saúde e de si, através da interferência em cenas cotidianas como essas, pretendemos nos situar na contramão de posicionamentos a favor da existência de uma origem, uma identidade primeira para as coisas que compõem a ‘realidade’, no caso em que tratamos aqui, a realidade dos serviços de saúde, dos corpos e das pedagogias que ali circulam, como se fossem homogêneas e iguais. A realidade é aqui pensada como produção histórica, “não existindo em si e por si, sempre sendo construída por práticas sociais” (Coimbra, 2001, p.38). Tais práticas “vão engendrando no mundo objetos, sujeitos, saberes e verdades sempre diversos, sempre diferentes” (Coimbra, 2001, p.38). A partir dessas múltiplas práticas, múltiplos rostos vão se constituindo ao longo da história, múltiplas objetivações (Veyne, 2008). Cursos, oficinas, processos formativos formais e tantos outros processos pedagógicos institucionalizados podem ser empregados para discutir as questões que vimos trazendo. Embora entendamos a importância desses processos para a formação de trabalhadores/as e seus reconhecidos efeitos no campo da saúde, nossa aposta é em espaços de formação que sejam produzidos no interior dos serviços, que envolvam todos os sujeitos envolvidos (Ceccim, 2005); que sejam contínuos e estejam inseridos nos processos de trabalho e de gestão daquele serviço/unidade/secretaria. Acreditamos na potência desses encontros de formação não formais como espaços/momentos de promoção de mudança local. Do nosso ponto de vista, processos de trabalho envolvem toda a equipe para pensar sobre os problemas comuns e buscar respostas coletivas; isso constitui, ao mesmo tempo, processos pedagógicos potentes, os quais têm efeitos concretos na melhoria dos processos de trabalho nos quais a equipe encontra-se inserida.
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Reapre(e)nder a olhar e a dimensionar o mar e suas marés Encaminhando-nos para um fechamento desta argumentação, poderíamos voltar a perguntar: o que crianças e adultos/as usuários/as de um serviço de saúde teriam a dizer acerca dos processos de gestão e de formação dos/as profissionais que os/as assistem e organizam os serviços dos quais se utilizam? Ora, qual o sentido dos serviços de saúde se estes/as não forem habitados pelos/as usuários/as? Nessa direção, os/as usuários/as, tanto quanto gestores/as e trabalhadores/as, deveriam participar dos processos de tomada de decisão e poderiam contribuir com a educação permanente dos/as profissionais e gestores/as. Seria preciso, também, considerar os diferentes saberes e experiências trazidos por quem vive/ocupa o serviço e produzir saúde no entrelaçamento desses saberes e experiências. O saber e o fazer de uma criança que porventura questionasse o fato de que a brinquedoteca não possui brinquedo e que estes estão guardados na sala refrigerada da coordenação põem em rasura as ‘certezas’ que produziram esse status quo. Se estivermos sensíveis a tal questionamento e se o utilizarmos como desencadeador de uma reflexão coletiva naquele contexto, talvez cheguemos a nos dar conta de que não faz sentido termos brinquedos encaixotados e crianças sem brinquedos em um mesmo espaço de produção de saúde, sobretudo em um intitulado ‘brinquedoteca’. Também pode ser possível dar-se conta de que a coordenadora queria ‘proteger’ os brinquedos, queria mantê-los intactos e que, por mais que isso pareça absurdo, ‘proteger os brinquedos das crianças que podem violar sua inteireza’ pode configurar uma boa intencionalidade da gestora, coordenadora do serviço, para preservar os materiais. Dito de outro modo, ao colocarmos os desafios e os problemas em discussão no coletivo, temos a possibilidade de observar os diversos modos de lidar com uma questão e as diversas razões que levaram algumas pessoas a tomar certas decisões; desse modo, é possível responder coletivamente às questões colocadas, atender coletivamente às demandas que o cotidiano do trabalho em saúde nos coloca, inventar novos problemas e práticas que, por serem produzidas coletivamente, a partir do que cada contexto, cada momento e cada sujeito necessita, podem ser, também, mais resolutivas. E isso, do nosso ponto de vista, faz parte dos processos de formação e gestão de todos/as os/as envolvidos/as no serviço de saúde.
Como se poderia lidar com as marés que nos invadem para recompor cotidianos? A partir do entendimento dos processos de trabalho como práticas pedagógicas, gostaríamos de finalizar o texto esboçando alguns sinalizadores que podem contribuir para qualificar os processos formativos em saúde. Tais sinalizadores surgiram de nossa escuta junto a trabalhadores/as, gestores/as e usuários/as no campo da saúde e de alguns textos (Pasche, Passos, 2010; Barros, 2005; Ceccim, 2005) que também se fizeram por entre experimentações e escuta junto a esses atores. Foram eles que nos ajudaram a “olhar” (Galeano, 2006). Cabe destacar que esses sinalizadores podem ser úteis desde que não os tomemos como prescrições e, sim, como possibilidades a serem experimentadas e reinventadas em cada contexto: 1) As práticas pedagógicas tradicionais tendem a ser direcionadas para a alteração de comportamentos individuais. Através da transmissão de informações, têm como objetivo prescrever o ‘modo certo de fazer’ em saúde, mediante oferta de momentos pontuais de capacitações e treinamentos. Tais práticas têm onerado os cofres públicos e, sem desconsiderar que podem surtir efeitos positivos, em geral, não têm surtido ‘grandes’ efeitos, a não ser para manter trabalhadores/as num automatismo e tarefismo fatigante. As prescrições tendem a ser muito pouco incorporadas e as condutas não são corrigidas como se almeja. Os corpos resistem! 2) Em vez de ter como alvo a correção de comportamentos individuais, ações formativas que tendem a ser potentes, no sentido de produzirem alterações em práticas de saúde, tomam como objeto os processos de trabalho em saúde (os quais tendem a dizer de modos de organização de trabalho incipientes e expressar condições precárias de trabalho e de assistência). Assim, abrem-se espaços para aprendizagens cotidianas e coletivas, com a finalidade de mudar práticas de atenção e de gestão, qualificando-as, engajando trabalhadores/as, gestores/as e usuários/as no processo de implementação do trabalho. 868
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3) Considerar que, se não há um modo correto de fazer em saúde, tais modos devem ser construídos a partir das especificidades de cada contexto, serviço, equipe de saúde, usuários/as assistidos/as. 4) Entendendo os processos de trabalho como práticas pedagógicas, tais práticas são, assim, “pertinentes ao tema da gestão e das condições concretas de trabalho” (Pasche, Passos, 2010, p.8). 5) As ações pedagógicas que se realizam nos espaços cotidianos dos serviços tendem a ser mais potentes (Ceccim, 2005). 6) Os processos pedagógicos que tendem a fazer sentido para trabalhadores/as são aqueles que partem dos problemas que estes/as enfrentam no cotidiano do trabalho e que levam em consideração saberes e experiências que se construíram bem ali: no dia a dia do trabalho (e não somente nem primeiramente os saberes oriundos dos laboratórios, das bibliotecas, das cadeiras da academia). 7) No planejamento das ações de formação, é importante partir do levantamento das necessidades dos/as envolvidos/as, inclusive das demandas de usuários/as. 8) Incluir os/as profissionais envolvidos/as no fazer em saúde em todas as etapas do processo formativo: planejamento, formulação das propostas, facilitação e avaliação. Ousando mais ainda, incluir os diferentes sujeitos, seus saberes e experiências, inclusive usuários/as. 9) Produzir metodologias para os processos formativos que permitam a experimentação de um fazer coletivo: oficinas de trabalho, rodas de conversa, discussão de filmes, reflexões a partir de falas e cenas vivenciadas no serviço, músicas, poesias, literatura e outros artefatos culturais. 10) Produzir conexão entre formação técnico-científica e gestão nos processos de formação construídos, no sentido de entender que a qualificação das práticas de saúde passa também por mudar e qualificar processos de gestão. Assim como ao Diego de Galeano (2006), a imensidão do mar saúde, trabalho em saúde, formação em saúde, muitas vezes nos faz emudecer. O que nos autoriza a falar – mesmo que tremendo, gaguejando e saindo dos mapas linguísticos e políticos habituais que costumam conduzir nossos corpos a ‘boas’ práticas de saúde – é o encontro com os sujeitos (em suas sujeições e insurreições) que se produzem por entre essas práticas: trabalhadores/as, gestores/as e usuários/as. Juntos/as, falamos, ousamos outros dizeres e fazeres. Juntos/as, podemos resistir às tecnologias biopolíticas de condução dos corpos, experimentando “um agir micropolítico e pedagógico intenso” (Ceccim, Merhy, 2009), por meio do qual se desenrole o esboço de práticas pedagógicas de resistência que não são meramente reativas em relação a um determinado exercício de poder, mas afirmativas de outros modos de formação, outras formas de vida, (re)existências. Juntos/as, podemos, pois, produzir outras práticas de saúde e outras práticas de si.
Colaboradores As autoras trabalharam juntas em todas as etapas de produção do manuscrito.
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MEYER, D.E.; FÉLIX, J.; VASCONCELOS, M.F.F. Por una educación que se mueva como las mareas e inunde los cotidianos de los servicios de salud. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.859-71, out./dez. 2013. Proponemos la reflexión sobre prácticas de cuidado y de gestión en salud, entendiéndolas como prácticas sociales ya existentes hace tiempo. Nos situamos en el cruce entre las áreas de la educación y salud y, en ellas, de los estudios sobre el cuerpo, señalamos prácticas de salud como pedagogías culturales a partir de las cuales se prescriben determinados sentidos y conductas, pero también por medio de las cuales se construyen sentidos y acciones inéditos que desplazan, bifurcan y ponen en tela de juicio tales prescripciones. Dicho de otra forma, entendemos aquí el campo de la salud como un territorio de enseñanza (formatos pedagógico-corporales) pero también de aprendizajes (experimentaciones de formas singulares en el hacer y decir de la salud) y el cuidado y la gestión de salud como un montaje (corporal) conflictivo entre formas de sujeción y fuerzas de experimentación a partir de las cuales se tejen las prácticas de salud.
Palabras-clave: Educación permanente. Pedagogías culturales. Procesos de trabajo en salud. Prácticas de salud. Cuerpo. Recebido em 29/04/13. Aprovado em 05/10/13.
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DOI: 10.1590/S1414-32832013005000028
artigos
Os domínios da Tecnologia Educacional no campo da Saúde
Grasiele Nespoli1
NESPOLI, G. The domains of Educational Technology in the field of healthcare. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.873-84, out./dez. 2013.
This article presents the results from a study that aimed to understand the discursive training of Educational Technology and its relationship with the historical, political and social context of Brazilian healthcare reform, by means of an analysis on the collection of the Healthcare Educational Technology Center of the Federal University of Rio de Janeiro, which was created in 1972. Based on Michel Foucault’s theoretical notions of archeology, documents that made it possible to identify pronouncements and evaluate the discursive continuities and discontinuities that characterized the formation of domains of knowledge on Educational Technology were selected and analyzed. It was concluded that three domains of knowledge were constituted: programmed instruction, educationservice integration and healthcare education. These bring into play different pronouncements and enable passage from a technical view to a critical view that is committed towards construction of the Brazilian National Health System.
Keywords: Educational technology. Discourse. History. Health.
Este artigo apresenta os resultados de um estudo que investigou a formação discursiva da Tecnologia Educacional e sua relação com o contexto histórico, político e social da reforma sanitária brasileira, por meio de uma análise do acervo do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com base em noções teóricas da arqueologia de Michel Foucault, foram selecionados e analisados documentos que permitem identificar enunciados e avaliar as continuidades e descontinuidades discursivas que marcam a formação de domínios de saber acerca da Tecnologia Educacional. Conclui-se que foram constituídos três domínios de saber – instrução programada, integração ensino-serviço e educação em saúde – que colocam em disputa diferentes enunciados e possibilitam a passagem de uma visão tecnicista para uma visão crítica comprometida com a construção do Sistema Único de Saúde.
Palavras-chave: Tecnologia educacional. Discurso. História. Saúde.
1 Laboratório de Educação Profissional em Gestão em Saúde, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil, 4365, Manguinhos. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 21040-360. grasielenespoli@fiocruz.br
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OS DOMÍNIOS DA TECNOLOGIA EDUCACIONAL ...
Introdução Híbrido de conceitos, o termo tecnologia faz referência, na atualidade: aos conhecimentos científicos subjacentes ao processo produtivo, ao saber-fazer, às técnicas, aos recursos, instrumentos e suportes físicos, materiais e midiáticos, aos métodos de construção de um trabalho. Em seu sentido mais estreito, filológico: o estudo da técnica, da arte, do conjunto de procedimentos que definem um fazer, uma prática. Refere-se à nossa extensão no mundo material, nossos desdobramentos, nossas criações históricas. Articulada com saberes e práticas, a tecnologia ganhou diferentes referências. No encontro com a educação, inscreveu-se, no século XX, o discurso da Tecnologia Educacional, num contexto de crescente interesse pelo tema da comunicação nos Estados Unidos da América (EUA) e de inovações técnicas caracterizadas pela introdução do rádio, da televisão e do cinema no ensino. Alguns pesquisadores (Litwin, 1997; Pablos Pons, 1994; Sancho, 1994) marcam a origem do termo Tecnologia Educacional no início do século XX, no contexto da Segunda Guerra Mundial, dos cursos de formação de militares e de desenvolvimento de técnicas de adestramento comportamental. Época da máquina de ensinar, que possibilitava uma nova forma de estudar, por meio da transmissão e assimilação de conteúdos; uma máquina “para manter o aluno médio ocupado por um período razoável todos os dias” (Skinner, 1972, p.22). A Tecnologia Educacional emergiu como um discurso que enunciava o uso de meios para o ensino e, depois, revigorado nos anos de 1970, como um conjunto de procedimentos, técnicas e instrumentos integrados ao desenvolvimento do sistema educacional. Ressignificada pela concepção sistêmica, a Tecnologia Educacional passou a corresponder a uma maneira sistemática de organizar o processo de ensino e aprendizagem em termos de objetivos e da combinação de recursos humanos e materiais para resolver os problemas da educação. Com a introdução da informática e com os avanços dela decorrentes, o campo de estudo se deslocou para as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) e passou a se interessar pela interação entre mente e tecnologia; e pelos efeitos em termos de modificação dos referenciais de pensamento (Litwin, 1997). Houve um deslocamento dos estudos para a compreensão dos processos de interação possibilitados pelas redes informáticas, que alimentam “novas problemáticas para a pesquisa pedagógica e psicológica, com um forte debate em torno da ampliação da mente humana a partir do desenvolvimento de tecnologias inteligentes” (Salomon, 1992 apud Maggio, 1997, p.18). No Brasil, no início dos anos de 1970, diversos trabalhos foram publicados e um conjunto de iniciativas, núcleos e projetos, sob o termo Tecnologia Educacional, foi constituído. Nesse contexto, o Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES)1 foi criado em 1972, disparando uma série de produções que introduziram o discurso da Tecnologia Educacional no campo da saúde, segundo condições históricas que possibilitaram a construção e organização de séries de conceitos, noções e pressupostos teóricos acerca dos meios, processos, métodos, instrumentos e recursos desenvolvidos e usados nas ações e práticas de educação em saúde. A criação do NUTES coincide com o momento de preocupação e implantação, por parte da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), de centros formadores de recursos humanos para a saúde e de desenvolvimento de materiais instrucionais. A OPAS defendia a Tecnologia Educacional como uma possibilidade de aumento da eficiência e da produtividade dos sistemas de saúde, e, por isso, implantou o Centro Latino-Americano de Tecnologia Educacional em Saúde – 874
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O NUTES foi aprovado no Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em julho de 1972, para funcionar, inicialmente, no âmbito do Instituto de Biofísica e, depois, como órgão suplementar do Centro de Ciências da Saúde (CCS), com o compromisso de que as novas tecnologias na educação promoveriam um aumento da eficiência do trabalho dos professores e uma melhoria do processo formativo na saúde (Lent, 1980).
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CLATES (Opas, Oms, 1983), que foi associado ao NUTES logo após sua criação (Opas, Oms, 1983; Kalache, Coelho, 1974; Opas, Ufrj, 1973). Desde sua origem, o NUTES se constitui de forma articulada com os movimentos internacionais, nacionais e locais implicados com a reforma sanitária brasileira, colaborando com a produção de saberes acerca da Tecnologia Educacional no campo da Saúde. Diante de sua posição singular – como instituição de pesquisa, ensino e desenvolvimento tecnológico que promove uma interface entre os campos da Educação e da Saúde –, este artigo apresenta os resultados de um estudo que objetivou compreender a formação discursiva da Tecnologia Educacional na saúde e sua relação com o contexto histórico, político e social da reforma sanitária e de construção do Sistema Único de Saúde. O desenvolvimento do estudo foi ancorado em alguns pressupostos teóricos apresentados por Michel Foucault, especialmente aqueles relacionados à arqueologia que se preocupam com a formação de saberes ou de práticas discursivas. O saber, afirma Foucault (2009, p.204-5): [...] é aquilo que podemos falar em uma prática discursiva que se encontra assim especificada: o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico [...] um saber é também o campo de coordenação e de subordinação dos enunciados em que os conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam [...] um saber se define por possibilidades de utilização e de apropriação oferecidas pelo discurso [...] não há saber sem uma prática discursiva definida, e toda prática discursiva pode definir-se pelo saber que ela forma.
A arqueologia é um método de descrição sistemática de um discurso-objeto, que busca compreender o campo enunciativo como um lugar de acontecimentos, um domínio autônomo, embora dependente de algo que não seja ele – seu contexto de formação. O campo enunciativo define os lugares possíveis dos sujeitos falantes, dos que executam a função da enunciação. Por isso, para Foucault, “não é mais preciso situar os enunciados em relação a uma subjetividade soberana, mas reconhecer, nas diferentes formas da subjetividade que fala, efeitos próprios do campo enunciativo” (Foucault, 2009, p.138). De acordo com Foucault, todo enunciado compreende um campo de elementos que o antecede e em relação ao qual ele se situa, o arquivo; mas os enunciados se reorganizam em novas relações. A arqueologia observa o que torna certos enunciados possíveis; e mostra que o discurso não tem, simplesmente, sentidos, mas história. Por isso, o arquivo não é um conjunto fechado de textos, nem os aparatos físicos que o resguardam; é o que faz com que as coisas ditas pelos homens não tenham surgido apenas segundo as leis do pensamento ou o jogo das circunstâncias, mas segundo o “sistema de discursividade, às possibilidades e impossibilidades enunciativas que ele produz” (Foucault, 2009, p.147). O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento do enunciado como acontecimentos singulares. Mas o arquivo é, também, o que faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinidamente em uma massa amorfa, não se inscrevam, tampouco, em uma linearidade sem ruptura e não desapareçam ao simples acaso de acidentes externos, mas que se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras segundo relações múltiplas, se mantenham ou se esfumem segundo regularidades específicas. (Foucault, 2009, p.147)
Assim, o discurso não é uma unidade, um conjunto de elementos linguísticos, ou “simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por quê, pelo quê se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (Foucault, 1996, p.10). Foucault devolve ao discurso seu caráter de acontecimento, e, com ele, sua rarefação e sua dispersão, ainda que ele não seja imaterial, pois “é sempre no âmbito da materialidade que ele se efetiva, que é efeito” (Foucault, 1996, p.57), “efeito de e em uma dispersão material” (Foucault, 1996, p.58). Com base nessas noções, foi realizada uma pesquisa documental, ultrapassando as preocupações positivistas da prova exata, datada e verdadeira que fundamenta os fatos históricos (Foucault, 2009). O COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.873-84, out./dez. 2013
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documento não representa algo autêntico, inócuo e objetivo que revela a verdade, ao contrário, é um monumento que resulta de uma montagem, das relações de poder “da história, da época, da sociedade que o produziram” (Le Goff, 2003, p.537). Desta forma, para se compreender a formação do discurso da Tecnologia Educacional no campo da saúde, foram selecionados documentos que permitiram identificar enunciados e avaliar as continuidades e descontinuidades discursivas, e sob quais domínios de saber a Tecnologia Educacional se inscreveu no campo da saúde, historicamente. O primeiro documento analisado foi um CD de comemoração dos trinta anos da instituição, que copila grande parte de sua produção, de 1972 a 2003 (NUTES, 2003). Com base nesse CD, foi possível observar um conjunto de documentos que apresenta a formação histórica do discurso acerca da Tecnologia Educacional no campo da Saúde. Tal produção estava organizada numa divisão em três fases do NUTES: da sua criação, em 1972, até 1983, ano de encerramento do CLATES; de 1983, momento em que sua produção orienta-se para as mudanças induzidas pelo movimento de reforma sanitária, até 1996; quando foi implementado o Programa de Pós-graduação com curso de mestrado que inaugurou a terceira e atual fase, que ampliou significativamente seu espectro de produção científica. Num segundo momento, a pesquisa se concentrou no acervo do NUTES, organizado em uma biblioteca própria que guarda um volume significativo de obras. O contato com esse variado acervo requisitou uma seleção dos documentos e, assim, foram levantados, descritos e analisados textos que elaboram uma reflexão teórica sobre o objeto em questão, em formato de artigos, livros, dissertações, teses, relatórios e normas técnicas. A seleção não abrangeu os produtos e materiais educativos resultantes dos projetos desenvolvidos pelo NUTES, mas os documentos que refletem sua produção. Foi preciso, também, investigar documentos externos ao acervo, que situam os elementos que antecedem o campo enunciativo e configuram o arquivo ou as coisas efetivamente ditas; que asseguram e definem a existência de práticas discursivas e saberes acerca da Tecnologia Educacional, e sua inflexão na saúde. Vale ressaltar que, durante o processo de pesquisa, foi difícil elaborar uma reflexão sobre a formação discursiva da Tecnologia Educacional na saúde sem a relacionar à história do NUTES e sem seguir a ordem cronológica de datas e fatos que delimitam sua produção. Contudo, esses limites foram revertidos em dispositivos metodológicos que definem, num primeiro plano, o NUTES como um lugar de apropriação, organização e difusão de um discurso; e, num segundo plano, a ordem cronológica como uma forma de expor o contínuo e o descontínuo como elemento de análise. A organização e a análise das séries de documentos foram orientadas, então, pelas três fases que caracterizam a produção do NUTES; e foi possível observar que essas fases, além de se desdobrarem de mudanças no contexto político, social e institucional, culminaram na formação de três domínios de saber, identificados neste estudo como: instrução programada, integração ensino-serviço e educação em saúde. Assim, seguindo a ordem cronológica que delimita as três fases do NUTES, este estudo, por meio de um método descritivo, mostra que “falar é fazer alguma coisa” (Foucault, 2009, p.235); e, por meio de um método analítico, sintetiza os enunciados, isto é, os elementos que se repetem ou as formulações que expressam a positividade do discurso. São apresentados, nas seções abaixo, os três domínios de saber e os enunciados que os sustentam. Ao final, na conclusão, apresenta-se uma reflexão sobre as continuidades e descontinuidades discursivas, e sobre as formas como o discursivo (o saber) se articula com o não-discursivo (o poder), gerando mecanismos de governo da vida.
A instrução programada Na origem do NUTES, o discurso da Tecnologia Educacional se articulava à necessidade de formação de trabalhadores como capital humano para uso e aproveitamento pleno no progresso econômico. Os documentos enfatizavam que o desenvolvimento de recursos humanos deveria estar vinculado ao planejamento econômico e social do país, visando a elevação do nível de vida da população. A tecnologia seria a solução para os problemas da educação e, a Instrução Programada, a solução para formar em quantidade e qualidade. O primeiro enunciado que se forma em torno da Tecnologia Educacional é o da individualização da aprendizagem para a adequação do ensino às necessidades de cada aluno. E esse enunciado, articulado com o discurso do capital humano, prescreve as necessidades do ponto de vista das competências para a 876
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inserção no mercado de trabalho. Assim, a adequação do trabalhador (indivíduo) ao sistema produtivo soma-se ao primeiro enunciado. Para adaptar o ensino (com tempo de aprendizado variável, flexibilidade de currículos e métodos instrucionais) às características de cada aluno, a instrução programada é uma estratégia que atua por meio da fixação de objetivos claros e precisos, do desenvolvimento de recursos instrucionais diversificados, e do bom treinamento dos professores (Lobo, 1974). O discurso constitutivo do NUTES supõe que o ensino é inovador porque se volta para o aluno; é ativo porque usa, como técnica principal, a autoinstrução, no lugar das aulas expositivas e dos trabalhos em grupo, e porque dispõe de um conjunto diversificado de recursos instrucionais. Coloca o aluno no centro do processo educativo e altera a concepção de homem do ensino convencional, o homemreceptor de informações, para a de um homem-processador de dados, “o que torna a instrução mais orientada para os mecanismos lógicos de análise, avaliação, compatibilização e síntese de informações” (Lobo, 1974, p.143). O homem-processador de dados enfrenta problemas, propõe e compatibiliza hipóteses com as informações disponíveis, solicita dados adicionais, observa os resultados, revê e gera novas hipóteses de solução dos problemas. Assim, a Tecnologia Educacional deve auxiliar o homem no processo de desenvolvimento de modelos mentais e de estratégias de aprendizagem. Essa sentença reforça que o problema da educação é a aprendizagem, os modelos e caminhos cognitivos, ou como se aprende melhor o conteúdo planejado e orientado para adaptar o homem ao mundo do trabalho. O domínio da instrução programada fundamentou a maioria significativa dos projetos na primeira fase do NUTES, agenciando a formação de estudantes dos cursos da saúde e dos trabalhadores contemplados pelos programas e sistemas desenvolvidos. Os cursos eram organizados em módulos, com divisão do conteúdo segundo os objetivos de aprendizagem (competências), formando etapas para facilitar o domínio de uma unidade de instrução antes de passar para as subsequentes, com procedimentos diagnósticos para fornecer feedback sobre a adequação da aprendizagem com ajudas tutoriais ou com atividades em pequenos grupos. Articulada num feixe de enunciados, a instrução programada opera por repetição e reforço, reproduzindo o mesmo conteúdo em diferentes suportes e processos, sem considerar as particularidades dos contextos, massificando e homogeneizando o processo educativo. No caso da produção do NUTES, o conteúdo, inserido no contexto de formação para a expansão da rede de serviços de saúde da atenção primária, continuou reproduzindo, muitas vezes, a racionalidade biomédica, por meio da transmissão de informações que enfatizam uma concepção de saúde como ausência de doença – o que acarreta uma prática voltada para a assistência curativa e para a medicalização; e não para uma atuação sobre os determinantes sociais e econômicos do processo saúde e doença. Sob o domínio da instrução programada, o discurso da Tecnologia Educacional foi difundido como modelo formativo no campo da saúde até o final dos anos de 1970, quando as experiências entraram em crise em função da ineficiência dos projetos e da insuficiência das respostas aos problemas da educação. As experiências apontaram que a lógica de organização do conteúdo em módulos, além de requerer um esforço e um consumo significativo de tempo, impedia um aprofundamento científico e a coerência com a realidade dos diferentes países e regiões. Como consequência, a reprodução e distribuição de recursos autoinstrucionais não resolveram os problemas da formação nem possibilitaram uma capacidade crítica de agregar novos conhecimentos (Rodriguez Neto, Carrillo, Souza, 1979). No contexto da luta pela redemocratização do país, os recursos autoinstrucionais passaram a ser abordados como instrumentos de reprodução dos ideais capitalistas e de um modelo de desenvolvimento que opera pela desigualdade social do trabalho. Esse movimento provocou uma fissura no modelo da instrução programada, que foi preenchida pela importância do trabalho no campo da educação em saúde. Com essa fissura, a Tecnologia Educacional desloca-se para outro domínio, o da integração ensino-serviço.
A integração ensino-serviço Nos anos de 1980, a crise do discurso tecnicista e o fracasso dos grandes projetos de Tecnologia Educacional possibilitaram a emergência de concepções que colocaram em curso outros enunciados COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.873-84, out./dez. 2013
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preocupados com os propósitos e finalidades da educação no contexto do movimento sanitário brasileiro. O novo projeto para a saúde pública trouxe, em seu bojo, um pensamento crítico que buscava romper a hegemonia da medicina previdenciária, de cunho curativo e individual, e das práticas sanitárias de controle, higienização e medicalização dos corpos. A luta pela construção de um sistema público de saúde repercutiu numa necessária mudança das concepções de educação em saúde, que passaram a abordar a tecnologia como um componente inseparável das forças produtivas que só opera na união com outro componente: o homem. O que significa que, sem a atividade humana, a tecnologia seria uma coisa morta. Possuindo uma dimensão humana, a tecnologia é condicionada pelos conhecimentos científicos que dão forma a um determinado campo de práticas. A ciência, por sua vez, é condicionada pelas forças produtivas, por fatores externos ao método científico, como: a fixação de prioridades, a política de financiamento, as possibilidades de divulgação e de acesso (Rodriguez Neto, Carrilo, Souza, 1979). Para mudar a realidade de saúde, os objetivos educativos, especialmente aqueles dirigidos à formação profissional, precisam, então, estar relacionados com o trabalho que deve ser realizado, mas, acima de tudo, transformado. Assim, o planejamento curricular deixa de ser pensado na perspectiva da Instrução Programada e das etapas nela embutidas, e passa a ser uma estratégia de transformação da realidade da saúde. Organiza-se um enunciado que afirma que a Tecnologia Educacional não pode ser incorporada como um fim em si mesmo, senão como um meio de melhorar a educação e as práticas de saúde. Nessa passagem, o dispositivo que passa a figurar no âmbito dos projetos do NUTES nos anos de 1980 é a integração ensino-serviço, entendida como um processo social vinculado ao desenvolvimento da sociedade, que deve formar as profissões de acordo com as necessidades de prestação de serviços, com participação da comunidade e mantendo a individualidade das instituições (de ensino e assistencial) com clareza das responsabilidades de cada uma. O domínio de integração ensino-serviço tem base no movimento e nas experiências da medicina integral, preventiva e comunitária, que abriram uma contestação da prática médica hegemônica em relação à insuficiência do modelo altamente especializado, com ênfase numa concepção biológica da saúde e da doença, sem relação com o contexto e as necessidades de vida das populações e comunidades (Rodriguez Neto, 1979). Na contramão do modelo flexneriano de formação médica, foi proposto um modelo que integra os serviços de saúde, por meio de programas de residência, treinamento clínico, formação de médicos generalistas e integração com a comunidade. No contexto da reforma sanitária brasileira, essa perspectiva ganhou força com a institucionalização do Programa de Integração Docente-Assistencial. Como uma alternativa para a formação na saúde, a Integração Docente Assistencial implica um conceito de processo ensino-aprendizagem centrado “em vivências práticas na realidade concreta” (Rodriguez Neto, 1979, p.39). Assim, estudantes, docentes, profissionais de saúde e comunidade trabalham de forma articulada, com novas orientações para os serviços, em torno, sobretudo, da regionalização do sistema de saúde. A necessidade de uma vinculação estreita com o trabalho favorece o estabelecimento de uma pedagogia onde a dinâmica da teoria e prática seja vista como o princípio básico para organização do ensino-aprendizagem, fugindo, deste modo, dos esquemas tradicionais em que a maioria de nós fomos formados. (Souza et al., 198-, p.1)
Assim, a integração ensino-serviço ou, de forma ampla, educação-trabalho, foi apresentada como um meio de formação técnica, social e política que se articula com a organização de ações em programas de combate a doenças como: a tuberculose, a hanseníase, a hipertensão arterial, o câncer e a aids. Decorre, dessa perspectiva, a elaboração de programas de ensino com base nas ações de saúde e nos procedimentos que devem ser sistematizados em conteúdos para capacitar os profissionais no serviço. Desta forma, o conteúdo deve ser extraído da necessidade prática e organizado de maneira lógica, flexível e adaptável, definindo “os procedimentos correspondentes às ações que se quer trabalhar” (Souza et al., 198-, p.9).
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Quanto ao discurso da Tecnologia Educacional, ele foi vinculado estreitamente ao processo de produção de materiais educativos (da concepção à avaliação e recepção), que deve ser participativo e democrático. Assim, a produção de Tecnologia Educacional deve levar em conta a diversidade de olhares sobre os problemas e o envolvimento de todos como participantes comprometidos com a transformação da realidade, por meio do diálogo, da discussão e do trabalho. Nesse sentido, o sujeitoaprendiz é um trabalhador e a educação passa a ser definida como a fonte de qualificação para o trabalho e o trabalho entendido como meio de produção do homem. O domínio da integração ensino-serviço foi fundamental para estreitar as relações entre as instituições formadoras e os serviços de saúde, e ainda permanece como uma importante prática no campo de formação do trabalhador. No entanto, essa integração sozinha não é suficiente como estratégia de mudança da formação e do trabalho na saúde; daí surge uma diversidade de propostas que se somam para dar conta da complexidade que é instituir práticas de educação em consonância com os princípios do SUS e com um trabalho pautado no cuidado e na defesa da vida.
A educação em saúde A partir de 1990, a produção de conhecimento no campo saúde desdobrou-se tanto quanto as políticas e iniciativas em busca de práticas orientadas para a mudança do modelo de atenção e de gestão. Em relação às tecnologias educacionais, multiplicaram-se os objetos e cenários de produção de saberes e práticas, pois múltiplos também são os desafios colocados ao SUS. Assim, novos olhares emergem e formam uma rede discursiva em torno dos processos, métodos e recursos educacionais na saúde. São fragmentos que se unem, que absorvem saberes anteriores, que os modificam e inauguram novas problemáticas. Foi neste contexto que a produção discursiva do NUTES atravessou e evidenciou um terceiro domínio, o da Educação em Saúde. Os saberes passaram a situar a educação como processo social, construído no diálogo, nas relações e trocas de experiências e sentidos entre as pessoas (Struchiner et al., 1998). Essa posição afirma que as relações educativas, mediadas por tecnologias, são construtoras do conhecimento e devem, portanto, estar comprometidas com a transformação da sociedade. Nesse sentido, o quadro teórico que se apresenta possui variáveis conceituais, contempla uma pluralidade de ideias, leva em conta os fundamentos da teoria crítica, apresenta o construtivismo como concepção pedagógica e o trabalho como princípio educativo no campo da saúde (Nutes, 1998). A visão crítica reclama formas mais democráticas de participação e de construção do currículo como um processo de produção do conhecimento e de exercício da autonomia dos sujeitos nas relações de poder. Com a consolidação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação na área da saúde, a partir de 2001, ficou mais evidente a necessidade de mudança na formação dos profissionais de saúde de forma conjugada com a construção do SUS; e reafirmou-se a importância de articulação entre as instituições formadoras e os serviços de saúde, especialmente no campo da atenção básica. A reforma curricular condizente com o SUS implica entender que o “cuidado, e não mais a assistência, deve conjugar ações de prevenção de doenças, promoção da saúde, além da cura e da reabilitação – todas exigindo pluralidade de saberes – e o trabalho em equipe interdisciplinar e multiprofissional, preferencialmente em rede” (Ciuffo, Ribeiro, 2008, p.126). A noção de cuidado no lugar da assistência (que corresponde ao conjunto de intervenções disponíveis no sistema para responder uma queixa ou um sintoma) é um reforço à dimensão interativa e relacional que envolve o trabalho na saúde, que deve, por sua vez, compreender: o acolhimento, a escuta, o respeito e o reconhecimento das histórias e dos contextos de vida dos sujeitos (Ciuffo, Ribeiro, 2008). Assim, as competências profissionais no âmbito do SUS devem ultrapassar a excelência técnica e incluir as dimensões socioeconômicas e culturais no enfrentamento dos problemas de saúde com foco na atenção primária (Ribeiro, 2005). Nessa perspectiva, é preciso inverter a lógica que enuncia que “primeiro se aprende para depois trabalhar” (Ribeiro, 2005, p.93) – o que implica uma mudança dos métodos e processos educativos de forma a alterar a realidade, as concepções e o ato educativo. A noção de inovação é, então, reapresentada como “o que se opõe ao tradicional” (Saviani apud Ribeiro,
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2005, p.96), numa perspectiva dialética que se interessa pelo homem concreto. Inovar significa, portanto, “introduzir algo novo que altera, de alguma forma, o antigo, abalando sua composição original sem, contudo, alterá-lo estruturalmente” (Ribeiro, 2005, p.96). No domínio da Educação em Saúde, o trabalho continua sendo compreendido como categoria fundamental, seja no âmbito da docência ou da assistência que, no caso da saúde, possuem estreita conexão. Ou seja, além da questão do conhecimento puramente teórico, estamos diante da presença de uma prática que é, ela mesma, cenário e objeto de conhecimento, e que comporta, também, múltiplas dimensões – técnicas, políticas e ideológicas – que se definem socialmente. Desta forma, as instituições de ensino e as assistenciais, por intermédio do trabalho, podem reproduzir as racionalidades hegemônicas ou constituir espaços de transformação e criação de novas racionalidades, saberes e práticas. A ênfase no trabalho como princípio educativo e transformador do mundo ressignifica a Tecnologia Educacional, enunciada, agora, como uma dimensão dos saberes e práticas que promove mediações entre os sujeitos (e entre sujeitos e objetos) em contextos educativos. Ao se fortalecer o enunciado que define a Tecnologia Educacional como um dispositivo de mediação, ampliam-se os estudos acerca da integração e uso das tecnologias de informação e comunicação nos processos de educação em saúde. Entende-se que os materiais ou tecnologias educativas produzem mediações simbólicas que regulam e constituem subjetividades, por isso, deslocase o foco dos estudos dos meios para a recepção das mensagens, no processo de interação dos sujeitos, que atribuem significados e sentidos às coisas: ao corpo, à sexualidade, à morte, à saúde, à doença, à velhice, à identidade profissional, à educação, à prática docente. Assim, enuncia-se que as tecnologias são constitutivas dos sujeitos e das coisas. Todavia, a dimensão educativa dos meios se assegura no diálogo e na problematização que despertam. Em relação à saúde, a problematização envolve tanto a prática educativa quanto as assistenciais e, particularmente, dirige-se à: problematização do modelo biomédico, então, como primeiro passo para a construção do objeto na área da saúde, implica questionar suas possibilidades, apontar seus limites, suspeitar da sua contribuição por muitos considerada absoluta na formação dos profissionais da área e, quem sabe, colocar como uma primeira questão se este modelo da conta de compreender o homem na sua totalidade... (Magalhães et al., 1999, p.172)
Nesse sentido, o discurso da Tecnologia Educacional, ao se inserir no domínio da Educação em Saúde, sofre um alargamento conceitual. A Educação em Saúde constitui um campo interdisciplinar de saberes e práticas implicado com a melhoria das condições e da qualidade de vida da população, um campo em formação constante e permeado por diferentes objetos e por disputas conceituais e políticas; que se preocupa, sobretudo, em instituir práticas comprometidas com a construção do SUS como um sistema de saúde universal, democrático e equânime. Os saberes, nesse domínio poroso e multifacetado, se desdobram de políticas, programas e projetos de educação em saúde que se formam no contexto e na rede do SUS, e de uma sociedade onde as tecnologias se complexificam, se acumulam, se convergem, se expandem e atuam por mediação. A Tecnologia Educacional é então afirmada como um meio, uma possibilidade, sempre ambivalente, de construção da realidade.
Conclusão: a passagem entre os três domínios O NUTES, como instituição, se articula com o arquivo da educação e da saúde e, como um lugar discursivo, comporta enunciados que “remetem a um meio institucional sem o qual os objetos surgidos nesses lugares do enunciado não poderiam ser formados, nem o sujeito que fala de tal lugar” (Deleuze, 2005, p.21). De seus documentos, foi possível extrair uma leitura que mostra como a formação discursiva da Tecnologia Educacional na Saúde passou por diferentes contextos e se inscreveu em três domínios de saber, sustentados por diferentes enunciados. 880
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O primeiro domínio, o da instrução programada, pressupõe que os problemas da educação podem ser resolvidos com a utilização de tecnologias qualificadas para atender um grande número de alunos/ trabalhadores de forma individualizada. A instrução programada configurou-se como um mecanismo de individuação, uma técnica de produção de normas e de condução de comportamentos. Sua base behaviorista prevê a Tecnologia Educacional como uma forma de bom adestramento, por meio da autoinstrução, que atua como um mecanismo de governo de si. Prevalece uma visão tecnicista, em que a preocupação recai sobre os meios e métodos para se aprender melhor os conteúdos previamente definidos para a inserção no mundo do trabalho, um mundo quase inerte. O segundo domínio, o da integração ensino-serviço, situa o trabalho como eixo e referência principal para a formação; não mais uma forma inerte, o trabalho é o fundamento, é o princípio educativo capaz de transformar a realidade da saúde. Nesse sentido, os objetivos educativos precisam estar relacionados com o trabalho, mas não somente com sua dimensão técnica e instrumental, sobretudo política e organizacional. A Tecnologia Educacional serve como mediadora no processo de construção de ações de saúde, assentando-se com os preceitos do SUS, especialmente o de integralidade, que desafia a organização das práticas de atenção e cuidado no sentido de atender o conceito ampliado de saúde e, consequentemente, as necessidades integrais do ser humano. Aponta-se uma outra abordagem que, de alguma forma, incorpora e modifica a anterior. Ficam os objetivos de aprendizagem definidos em termos de competências, a ativação do aluno por meio da resolução de problemas, a seleção de conteúdo e a avaliação de acordo com os objetivos; mas mudam as competências, o processo e o espaço de ensino e aprendizagem. As competências voltam-se para um trabalhador capaz de atuar na construção do SUS, e o espaço-tempo educativo desloca-se da sala de aula e do terminal de computador para os serviços de saúde. E, no lugar da autoinstrução e da individualização da aprendizagem, afirmam-se o coletivo, a troca e o diálogo entre os sujeitos-trabalhadores. O terceiro domínio, o da educação em saúde, é caracterizado pela variedade de objetos, contextos e olhares sobre os meios, processo, métodos e recursos – materiais e simbólicos – que operam na relação entre educação e saúde. Assim, a Tecnologia Educacional não se estrutura mais pela divisão em módulos e pela organização dos conteúdos em grau crescente de dificuldade, e os pressupostos do behaviorismo cedem lugar ao construtivismo, que “volta-se para as formas de facilitar o processo construtivo de aprendizagem” e “leva a uma abordagem muito mais centrada na provisão de experiências de aprendizagem ao aluno do que no planejamento da instrução” (Rezende, 2000, p.11). A tecnologia passa a ser percebida, de forma geral, como um modo de realização do homem e de transformação do mundo, de forma específica, como uma forma de construção de novos processos educativos no contexto do SUS. No entanto, o fato de o discurso estar, na atualidade, imerso no domínio da Educação em Saúde, não garante que as práticas consigam superar as dificuldades inerentes ao sistema capitalista, maquínico, que se firma na separação entre política e técnica, entre aqueles que sabem e os que executam, entre os incluídos e os excluídos. O próprio NUTES, em seus documentos, adverte que as práticas sociais continuam operando pela polarização de componentes que, para um conhecimento sólido, devem ser indissociáveis; e os processos educativos, sobretudo no campo da formação profissional em saúde, ainda se organizam em disciplinas e em especializações. As metodologias são simplificadas, burocratizadas e restritas à ordem técnica de modelos importados alheios à necessidade do contexto brasileiro. E, no que tange ao currículo no campo da saúde, por exemplo, “há décadas acalenta-se um discurso de mudanças, mantendo-se quase intocável o modelo flexneriano – biológico, individualista, especializado” (NUTES, 1995, p.4). Discursos e práticas implicados com a participação coletiva e com a autonomia do trabalhador na construção de seu itinerário formativo e profissional ainda são minoritários, e, muitas vezes, são capturados pela lógica dominante que embute esses fatores a favor da manutenção da desigualdade social expressa no mundo do trabalho. A construção do SUS constitucional enfrenta diversos desafios, de ordem social, econômica, política, cultural e tecnológica, desafios que são sedimentados em camadas, cristalizando estruturas. Contudo, ainda que existam continuidades, a passagem entre os três domínios de saber marca uma ruptura significativa, de uma visão tecnicista, que se formou no contexto do governo militar e da teoria 881
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do capital humano, para uma visão crítica, que se formou no contexto do movimento da reforma sanitária brasileira e de constituição do SUS. Hoje, prevalecem, nos documentos do NUTES, enunciados que reforçam a tecnologia como uma forma de pensar e fazer o mundo. Uma vez que possui dimensão política, econômica e social, a tecnologia deve ser compreendida na relação com o homem e de forma articulada com os desafios da saúde pública, especialmente os relativos à reorientação do modelo de organização das práticas, que devem fundamentar-se nos princípios constitucionais defensores da saúde como um direito de cidadania e da atenção como uma ação universal e integral. Além disso, pode-se afirmar que os três domínios não operam, necessariamente, de forma separada; eles se atravessam e reativam componentes de outro domínio, como o trabalho, componente comum na integração ensino-serviço e na educação em saúde. O tempo de cada domínio também não é regido por sucessão, pois os domínios podem conviver, em níveis diferentes de força, no mesmo tempo e espaço, como a Educação em Saúde, que começou sua inscrição no NUTES ainda no final dos anos de 1970, mas que não teve, naquele momento, a “lei de raridade do discurso” (Foucault, 2009, p.135) a seu favor; foi preciso um acontecimento, a luta pela reforma sanitária, para que uma passagem fosse aberta. A luta pela reforma sanitária foi o movimento criativo necessário para reanimar a história. Os três domínios são constituídos na relação entre o discursivo e o não-discursivo, o que significa que eles operam por relações de poder. Desta forma, os domínios da integração ensino-serviço e da educação em saúde não escapam dos mecanismos de individuação e totalização que tomam os corpos individual e social como objetos de investimento. Em todos os domínios, o corpo é individualizado e classificado como “o aluno, o escolar, o aprendente” (Gadelha, 2009, p.178) e socializado como objeto, como mão de obra, força de trabalho, já que este é um mecanismo necessário ao funcionamento das sociedades capitalistas. Ainda que não correspondam mais aos rígidos regimes disciplinares, as tecnologias educacionais, distribuídas no tempo e no espaço, atuam por meio da governamentalidade, uma espécie de governo da população que consiste em gerir os indivíduos e dispor as coisas corretamente (Foucault, 2001). Assim, nas escolas, nos serviços de saúde, nos ambientes virtuais de aprendizagem, as relações transitam, contraditoriamente, em processos de dominação e liberdade. Por estarem implicadas com a constituição da existência humana, as tecnologias educacionais aportam uma dimensão biopolítica que estabelece uma norma, um padrão: apto ou não apto, ajustado ou desajustado, motivado ou desmotivado (Gadelha, 2009). O controle, estendido à vida, envolve ações educativas e de saúde que incidem sobre a população para normalizá-la e torná-la homogênea, massificada e compacta, num mundo de inovações tecnocientíficas onde a vida humana tornou-se alvo do capital, “o capital por excelência” (Pelbart, 2003, p.82). Deste modo, no contexto da sociedade de controle (Deleuze, 2008), as tecnologias educacionais tornam-se, em muitos casos, dispositivos que estendem o tempo do trabalho para o tempo da vida, subsumindo o trabalho, a cultura e a própria vida ao tempo da produção. Assim, é num mundo onde “a defesa da vida tornou-se um lugar comum” (Pelbart, 2003, p.13), onde a linguagem foi dissecada e a subjetividade esvaziada, que as tecnologias na educação devem ser pensadas: na relação paradoxal e contraditória em que se confundem linhas de dominação e liberação. E, neste sentido, a saúde deve ser percebida como um vetor, uma resultante da relação maior que as tecnologias educacionais estabelecem com a organização da vida. Isso significa colocar a saúde sob a perspectiva ética, relativa à construção do mundo em que vivemos, e de nós mesmos. Isso significa pensar a saúde também como efeito da conjugação de saberes e práticas, como efeito das tecnologias.
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artigos
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NESPOLI, G. Los domínios de la Tecnología Educativa en el campo de la Salud. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.873-84, out./dez. 2013. Este artículo presenta los resultados de un estudio cuyo objetivo fue comprender la formación discursiva de la Tecnología Educativa y su relación con el contexto histórico, político y social de la reforma sanitaria brasileña, por medio de un análisis del acervo del Núcleo de Tecnología Educativa para la Salud de la Universidad Federal de Río de Janeiro, creado en 1972. Con base en nociones teóricas de la arqueología de Michel Foucault se seleccionaron y analizaron documentos que permiten identificar enunciados y evaluar las continuidades y discontinuidades discursivas que determinan la formación de dominios del saber sobre la Tecnología Educativa. Se concluye que se constituyeron tres dominios del saber: instrucción programada, integración enseñanza servicio y educación en salud, que constituyen una disputa entre diferentes enunciados y posibilitan el paso de una visión tecnicista para una visión crítica comprometida con la construcción del Sistema Único de Salud.
Palabras clave: Tecnología educacional. Discurso. Historia. Salud. Recebido em 16/04/13. Aprovado em 08/09/13.
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DOI: 10.1590/S1414-32832013005000027
artigos
A inserção do profissional de educação física na atenção primária à saúde e os desafios em sua formação Denise Mourão Falci1 Soraya Almeida Belisário2
FALCI, D.M.; BELISÁRIO, S.A. The position of physical education professionals within primary healthcare and the challenges in their training. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.885-99, out./dez. 2013. The presence of physical education professionals within Family Health Support Centers has shown the weakness of their training regarding primary care. The aim of this article was to analyze these professionals’ training to work in primary care, in Minas Gerais. This was a qualitative exploratory investigation, of case study type. Data were collected through focus groups. The results showed that their presence is positive for the profession and for the healthcare services, but indicated that there are some difficulties. Among these, undergraduate training was mentioned as insufficient for working in primary care. Postgraduate training was identified as one strategy for minimizing this insufficiency.
A inserção do profissional de Educação Física no Núcleo de Apoio à Saúde da Família evidenciou a fragilidade de sua formação para a atenção primária. Objetivou-se analisar sua formação para a inserção neste campo, em Minas Gerais. Trata-se de pesquisa qualitativa e exploratória, do tipo estudo de caso. Os dados foram obtidos utilizando-se grupos focais. Os resultados apontaram essa inserção como positiva para a profissão e para os serviços de saúde, porém indicaram algumas dificuldades, dentre elas, a graduação foi mencionada como insuficiente para atuar na atenção primária. A pós-graduação foi identificada como uma das estratégias para minimizar essa insuficiência.
Keywords: Physical education and training. Primary healthcare. Support Center for Family Health. Human resources formation. Family health.
Palavras-chave: Educação física e treinamento. Atenção primária à saúde. Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Formação de recursos humanos. Saúde da Família.
Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais. Rua Direita, nº 70, Centro. Diamantina, MG, Brasil. 39100-000. denisemfalci@ yahoo.com.br 2 Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais.
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Introdução A Saúde da Família (SF) é a estratégia prioritária para a expansão e consolidação da Atenção Primária à Saúde (APS) (Brasil, 2011b), sendo operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais compostas por médicos, enfermeiros, agentes comunitários de saúde e auxiliares de enfermagem. Objetivando apoiar essa estratégia na rede de serviços e ampliar a abrangência e o escopo das ações das equipes, foi criado o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) pela Portaria 154, de 24 de janeiro de 2008. Desde então, outros profissionais foram formalmente inseridos na APS, dentre eles o Profissional de Educação Física (PEF) (Brasil, 2008). A partir do reconhecimento da importância da atividade física para a promoção da saúde e prevenção de doenças crônico-degenerativas, importantes causas de morbimortalidade no Brasil, houve, ainda que de forma incipiente, o aumento da demanda pelos PEF na APS, o que evidenciou a fragilidade de sua formação para a área (Bonfim, Costa, Monteiro, 2012; Pasquim, 2010). Na tentativa de tornar a formação dos profissionais de saúde consonante aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde e da Educação vem desenvolvendo e apoiando ações na graduação e na pós-graduação, destacando-se a homologação, em 2004, das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de graduação em Educação Física (EF). Essas diretrizes preveem formação de profissionais capazes de avaliar a realidade social e nela intervir por meio das manifestações e expressões do movimento humano (Brasil, 2004). Nesse contexto, algumas Instituições de Ensino Superior (IES) promovem mudanças curriculares para aproximar a formação das diretrizes. Essas mudanças, ainda insuficientes, tornam necessária a formação pós-graduada para minimizar essa deficiência (Costa et al., 2012; Anjos, Duarte, 2009; Brugnerotto, Simões, 2009). Quanto à pós-graduação, destaca-se, aqui, o Curso de Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família da Universidade Federal de Minas Gerais (CEABSF/UFMG), gerenciado pelo Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (NESCON), o qual é ofertado na modalidade a distância e em escala. Esse curso lato sensu foi implantado em 2008, para atender a uma demanda do Ministério da Saúde de formar profissionais (médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas) formalmente vinculados à SF de Minas Gerais. A parceria do CEABSF com o Conselho Regional de Educação Física da 6ª região/ Minas Gerais (CREF6/MG), a Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO)/UFMG e o Laboratório do Movimento/UFMG resultou em uma oferta especial dirigida ao PEF: a turma Épsilon. Nesse processo, o Laboratório do Movimento intermediou o vínculo entre o NESCON e a EEFFTO, a qual assumiu o CEABSF como projeto institucional e elaborou conteúdos específicos à EF. Já o CREF6/ MG publicou esse material, divulgou a especialização entre seus membros, e colaborou operacionalmente para os encontros presenciais. Essa parceria resultou em uma experiência pioneira para a formação do PEF. Assim, este artigo objetivou analisar a formação do PEF para sua inserção na APS, em Minas Gerais, a partir da visão de diferentes atores envolvidos no processo.
Método Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa e exploratória, do tipo estudo de caso. Conforme critérios descritos por Yin (2005), esta pesquisa é classificada como estudo de caso, visto que se pretendeu responder questões do tipo “como” e “por que”, e por ter se trabalhado sobre eventos contemporâneos, em situações que os comportamentos não podem ser manipulados. Para a coleta de dados, utilizou-se de grupo focal e entrevista semiestruturada. Foram realizados dois grupos focais, compostos por PEF, alunos do CEABSF, sendo constituídos por sete e oito integrantes – números coerentes com o sugerido pela literatura (Carlini-Cotrim, 1996). Os alunos foram selecionados segundo os critérios: possuir experiência na APS e estar em fase final do curso.
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Os grupos foram realizados na Faculdade de Medicina da UFMG em um único encontro, com duração média de uma hora e 15 minutos. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas individualmente, com duração média de trinta minutos, com os seguintes informantes-chave: representante da coordenação do CEABSF; representante da coordenação do curso de graduação em EF/UFMG – Bacharelado; e representante da presidência do CREF6/MG. A coleta de dados se deu no primeiro semestre de 2012, sendo as falas gravadas em áudio para posterior transcrição. Os grupos focais e entrevistas semiestruturadas foram guiados por roteiros específicos que abordavam os seguintes temas: inserção do PEF na APS; formação do PEF para a APS, e dificuldades para essa inserção. A análise dos dados se deu pela técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2008). Após a leitura exaustiva das entrevistas transcritas, houve a sua codificação e posterior categorização, resultando nas categorias: Inserção na APS; Formação para a APS; Dificuldades. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG. Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, garantindo a participação voluntária e anônima.
Resultados e discussão Inserção na APS Os entrevistados consideraram o reconhecimento do PEF enquanto profissional da saúde como um ganho da profissão, que favoreceu a ampliação do seu mercado de trabalho e levou a reflexões em relação à sua formação. Para eles, a inserção do PEF na APS representou: quebra de paradigma, reforço à necessidade de mudanças na formação, progresso para a profissão e contribuição aos serviços de saúde. Essa última foi relacionada à possibilidade de o mesmo gerar maior qualidade nas ações que envolvem a atividade física e de ampliar seu escopo no que se refere à promoção e proteção à saúde. Entretanto, relataram que o PEF ainda não foi incluído, de fato, neste campo. “[...] esse paradigma que está sendo mudado é o mesmo de [...] quando o desporto passou a ter uma legislação específica no Brasil, e aí fez com que o Brasil pudesse [...] deslanchar bastante [no desporto] [...]”. (E1) “[...] por enquanto esse profissional ele só foi inserido, ele não foi incluído no sistema, mas é o caminho que a gente tem que traçar pra ser incluído definitivamente [...]”. (GF1)
Loch et al. (2011) também acreditam que a inserção do PEF na APS contribuiu para a profissão e o serviço, já que possibilitou interação com outros profissionais e incentivou um estilo de vida ativo na população. Em Pedrosa e Leal (2012), membros de categorias tradicionais da SF pontuaram que a inserção do PEF no NASF é uma oportunidade de uma maior interdisciplinaridade na promoção da saúde e redução da demanda dos usuários aos serviços do SUS de maior complexidade. Estar no NASF foi percebido como um momento em que o PEF foi alçado à mesma condição de profissões da saúde mais consolidadas, e como uma oportunidade de maior reconhecimento pela população, este apontado como um fator motivador. “[...] a profissão já é mais reconhecida pela população por não ser mais aquela que explica exercícios físicos, ela já está sendo vista como uma profissão que pode oferecer qualidade de vida [...]”. (E1)
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“[...] o reconhecimento da população [...] é que faz a gente ser criativo pra montar o material que a gente não tem, [...] percorrer vários bairros [...]”. (GF2)
Os entrevistados acreditam que a inserção do PEF na APS se deu em decorrência da maior incidência das doenças crônicas não transmissíveis e do incentivo da política de saúde. Contudo, ressaltou-se que esta inserção ainda é dependente do apoio dos gestores de saúde. “[...] na visão do NASF, você tem vários profissionais que o gestor municipal pode escolher, se escolhe uma visão de prevenção, ele vai ter preferência por alguns profissionais, se escolhe uma visão de promoção, ele vai ter tendência a escolher outros profissionais [...]”. (GF1)
Para Loch e Florindo (2012), a inserção do PEF no NASF por si só representa, além de uma importante conquista da profissão, o reconhecimento da EF enquanto profissão da saúde, e da atividade física enquanto pauta da Saúde Pública. A promoção da saúde e a prevenção de doenças foram mencionadas como foco do trabalho do PEF na APS. Entretanto, reconheceram que sua atuação se dá por meio das atividades físicas, desportivas e recreativas. “[...] o Profissional de Educação Física tem a cara do NASF porque o NASF é promoção da saúde, NASF é grupo, é grupo operativo [...]”. (GF2) “[...] pras atividades físicas, desportivas, recreativas em geral, é que o Profissional de Educação Física tem de se inserir na área de saúde”. (E1)
Segundo Pedrosa e Leal (2012), pensar a atuação do PEF nas ações voltadas à promoção da saúde implica análise da sua formação e maior aproximação com os profissionais que já atuam no setor. Médicos e enfermeiros, neste mesmo estudo, se disseram favoráveis à inserção do PEF nos NASF, porém consideraram necessário repensar a sua formação para que suas ações sejam efetivas neste contexto. A ideia de que a promoção da saúde deve ser uma prática desenvolvida por todos os profissionais da saúde foi convergente entre os membros dos grupos focais. Contudo, afirmou-se que a prescrição da atividade física deve ser prerrogativa do PEF. “[...] antigamente [...] qualquer pessoa podia prescrever atividade física, [...] e, hoje, dentro da área da saúde está tendo outra conotação específica profissional [...]”. (GF1)
Loch e Florindo (2012) defendem que a EF tem um papel central na prática da atividade física, porém acreditam que seria irresponsabilidade não admitir a colaboração de outras categorias profissionais. Hallal (2011) vai além ao afirmar que ações que incentivem hábitos fisicamente ativos na população devem ser desenvolvidas por meio de uma articulação multissetorial. Alguns autores acreditam que compete ao PEF facilitar a prática de atividade física e monitorá-la, na maioria das vezes, por meio de grupos específicos (Souza, Loch, 2011; Brugnerotto, Simões, 2009; Freitas, 2007). Freitas (2007) também afirma que o PEF, na APS, deve direcionar sua prática para o aspecto educativo, e não apenas reproduzir a atividade física, pois ações com essa concepção ampliam as formas de atuação e de concepção da saúde na área da EF e vice-versa. Para os depoentes, ao contrário de outros profissionais que são relacionados à doença, os usuários têm, no PEF, uma referência de bem-estar. “[...] o Profissional de Educação Física que está no NASF representa alegria, descontração, um renovar, porque os usuários não vão mais na busca da cura da doença, então quando fala pro doutor, pra enfermeira, [...] tem um referencial de busca [...] pra sua cura, ao mesmo 888
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tempo, recorre ao professor de Educação Física no prazer, [...] a gente entra na parte psicossomática [...]”. (GF2)
A inserção do PEF na APS deve incentivar hábitos saudáveis através de diferentes estratégias. Entretanto, tais estratégias devem ser pensadas e discutidas com a comunidade, chamando atenção para o cotidiano em que vivem e para os valores que priorizam (Freitas, 2007). Apesar de os entrevistados alegarem que sempre estiveram envolvidos com a saúde, reconhecem que este envolvimento não se dava no contexto da APS e que estavam despreparados para ingressar neste campo. “[...] a Educação Física sempre mexeu com a saúde, não na perspectiva da saúde da atenção primária [...]”. (GF1) “[...] a gente não estava preparado pra isso, [...] falar que eu ia trabalhar com a saúde primária, que eu ia tá lá nos PSF, [...] não imaginava que isso fosse acontecer tão cedo, apesar de que eu sabia que isso um dia ia acontecer [...]”. (GF2)
Dificuldades A falta de conhecimento ou reconhecimento, pela equipe de saúde e população, quanto ao seu papel e importância na APS foram algumas das dificuldades apontadas nos grupos focais. “[...] quando a equipe da Saúde da Família direcionava o usuário pra gente, eles chegavam até a mim como se eu fosse uma fisioterapeuta, [...] então eu tive que mostrar que eu era uma Profissional de Educação Física, [...] tive que mostrar a importância do profissional dentro da saúde primária [...]”. (GF2) “[...] o usuário tá lá, o médico é doutor, a enfermeira é doutora [...] e nós somos os professores, [...] realmente existe uma diferenciação, [...] a pessoa [...] vê [...] o Profissional da Educação Física talvez [como] o que gosta da brincadeira, [...] que não entende muito [...]”. (GF2)
Para Silva e Trad (2005), as relações entre profissionais promovem um trabalho integrado a partir do momento em que conhecem as competências e a importância de cada profissional para a atenção integral à saúde. Os depoentes acreditam que o não-reconhecimento do PEF por outros profissionais da saúde gera uma frágil relação no trabalho interprofissional. Embora tenham interesse em atuar em equipe, declararam ter dificuldade em se integrar à mesma, reconhecendo que parte desta dificuldade se deve ao próprio PEF. “[...] o maior desafio [...] na atenção primária é o trabalho multidisciplinar, é a integração entre os profissionais. Às vezes [...] quero desenvolver determinado grupo operativo com outro profissional e [...] não consigo [...]”. (GF2) “[...] ainda existe uma grande dificuldade de relacionamento interpessoal, inclusive nós, Profissional de Educação Física, com as outras profissões [...]”. (GF2)
Loch e Florindo (2012) ressaltam que esta dificuldade também é enfrentada por outras categorias profissionais e acreditam que, para confrontá-la, seja necessário que os envolvidos estejam abertos a compartilhar conhecimentos.
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O trabalho em equipe é apontado como uma oportunidade de troca de informações e uma possibilidade de desenvolver trabalhos coletivos (Souza, Loch, 2011). Além disso, Freitas (2007) acredita que a complexidade dos problemas na APS exige que se tenham diferentes profissionais atuando juntos, e que o envolvimento do PEF com os mesmos traz novos elementos para se discutir saúde na área da EF. Para os entrevistados, esta dificuldade de relacionamento está atrelada à ideia comum, entre os demais profissionais, de que os PEF trabalham de forma isolada, e às expectativas específicas que os membros do serviço e a própria comunidade têm quanto ao seu trabalho. “[...] a visão que eles ainda têm do profissional [é de] trabalho que fica isolado [...]”. (GF1) “[...] a gente chega com uma proposta, e a demanda do lugar é outra, eles esperam que o Profissional de Educação Física vá atuar de uma maneira específica ali, [...] às vezes nem recebem bem o que você quer propor, [...] depende da visão do outro, às vezes de uma gerência do centro de saúde, de uma equipe, de um grupo, da comunidade [...]”. (GF1)
Freitas (2007) afirma que é necessário considerar os objetivos do PEF, do serviço e do usuário, sendo igualmente importante que o PEF saiba adaptar esses elementos à sua prática, sem se descaracterizar em função dos interesses institucionais. Outra dificuldade apontada foi a falta de apoio do serviço aos PEF, o que confere, aos mesmos, um sentimento de discriminação. “[...] eu pude perceber, logo que entrei no NASF, a gente não teve muito apoio, então eu senti um pouco discriminada [...]”. (GF2)
Loch et al. (2011) afirmam que esse aparente desinteresse do serviço pelo PEF pode estar relacionado à concepção médico-curativista, que parece ainda ser hegemônica, não se sabendo até que ponto o serviço de saúde está aberto a essa categoria profissional. Uma forma evidenciada por Souza e Loch (2011) para minimizar a resistência de outros profissionais ao trabalho do PEF foi a capacitação entre os profissionais das unidades básicas de saúde. A indefinição das atribuições dos PEF, por parte do serviço, e a inexistência de um plano de metas para direcionar o seu trabalho na APS foram também apontadas como dificuldades. Em alguns casos, tal situação fez com que o profissional desenvolvesse sua própria sistemática de trabalho. “[...] a gente caiu meio de paraquedas [...], não tinha mesmo uma questão burocrática de serviço [...] às vezes o coordenador não sabia: ah... começa a visitar as unidades aí. [...] não tem uma meta direito, quantos você tem que atender, porque e quem, então fica tudo meio solto [...]”. (GF2) “A gente criou um modelo, uma forma de trabalhar, [...] buscando a portaria, buscando artigos, [...] a partir do que a gente entendia [...]”. (GF2) “[...] no meu serviço a gente acaba fazendo um plano de ação e metas no início do ano, colocando as metas que a gente quer atingir [...]”. (GF2)
Os entrevistados afirmaram que o PEF ainda necessita conquistar espaço na APS, o que acontecerá por meio do conhecimento sobre o serviço de saúde e sobre seu papel neste ambiente. “[...] ele precisa mais trabalhar na organização do serviço, ele tem que saber como ele se insere [...] é um espaço que ele tem que conquistar, então para conquistar ele tem que conquistar a linguagem, conteúdo, aprender a fazer planejamento [...]” (E2)
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Dado semelhante foi encontrado por Santos e Benedetti (2012), que relacionaram a dificuldade do PEF em definir seu papel e competências para o SUS à sua pouca experiência na saúde pública. Freitas (2007) ressaltou que o conhecimento prévio do sistema de saúde e do serviço facilita o reconhecimento do próprio profissional nesse contexto, ajudando-o a direcionar melhor as suas ações. A infraestrutura inadequada, nas unidades, para o desenvolvimento satisfatório das ações de saúde foi outra dificuldade destacada. “[...] a unidade de saúde não estava preparada pra receber essa equipe nova, não tinha estrutura e como não tem ainda, muitas vezes, um local pra tá atuando [...]”. (GF2)
Resultado semelhante foi observado por Souza e Loch (2011), em que os PEF entrevistados mencionaram o espaço inadequado como um importante desafio ao seu trabalho. Diante disso, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Academia da Saúde em 2011, com o objetivo de criar espaços adequados a atividades de promoção da saúde, dentre elas a prática da atividade física. Este programa prevê a implantação de polos com infraestrutura, equipamentos e quadro de pessoal qualificado para a orientação de modos de vida saudáveis (Brasil, 2011a). A dificuldade em atender a um grande número de equipes de SF por NASF também foi ressaltada. A demanda elevada e o número reduzido de PEF vinculados ao NASF foram mencionados como fatores negativos na busca pela qualidade do cuidado nas comunidades atendidas. “[...] a gente tem 32 unidades de saúde e só um NASF. Eu não dou conta de atender todo mundo, eu atendo menos da metade, e a realidade que a gente vê é que nas unidades que não têm o Profissional de Educação Física os enfermeiros, os agentes de saúde fazem atividade física semanalmente, então a gente vê o que não era para estar acontecendo [...]”. (GF2) “[...] espero que [...] o Profissional de Educação Física, ele passe a atender menos unidades, ele tenha um contato maior com os grupos de atividade física, [...] ou que [...] seja criado [...] o Profissional de Educação Física [...] por PSF [...]”. (GF2)
Este fato foi evidenciado por Santos e Benedetti (2012), ao afirmarem que, em 2011, o Brasil contava, em média, com 0,69 PEF por cem mil habitantes cobertos pela SF, indicando uma baixa representação deste profissional. Acreditam que, para a melhora dessa relação, é necessário investimento político e acadêmico para a definição de estratégias que contribuam para a integração do PEF no SUS. Contudo, entre as 13 profissões previstas para o NASF, o PEF foi a quinta categoria mais recrutada para este serviço, estando presente em 49,2% das equipes do NASF, podendo ser ainda maior em alguns estados. A falta de acesso ou o acesso restrito aos prontuários foi apontado como outro fator dificultador da troca de informações entre os membros da equipe. Esse acesso possibilitaria ao PEF tanto conhecer o histórico do usuário e sua relação com a unidade, como divulgar seu trabalho na equipe. “[...] o acesso ao prontuário que alguns profissionais têm, e nós não, [...] prejudica também a questão do trabalho em rede, [...] se nós tivéssemos um acesso maior [...] talvez nós conseguíssemos mostrar um pouco do que a gente faz, [...] como nós estamos contribuindo com o serviço [...]”. (GF1)
Por fim, todos os sujeitos desta pesquisa apontaram a insuficiente formação do PEF para a APS como uma importante dificuldade.
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Formação para APS No que tange, especialmente, a esta categoria, os resultados demonstraram convergência de opiniões entre os diferentes atores abordados: profissionais/alunos do CEABSF e dirigentes, educacional e corporativo. Tal fato pode ser evidenciado por algumas falas expostas que se associam. Formação inicial Para os entrevistados, a formação do PEF ainda é focada no treinamento esportivo, mas acreditam que a APS deve ser a área prioritária, já que é preferencialmente neste nível que deve ocorrer o cuidado inicial. “[...] a gente vem percebendo que a área prioritária é a atenção primária, que ela vai ser a possibilidade, pra atuação nas outras áreas, [...] a nossa atenção tem que se dar, primeiramente, na porta de entrada [...]”. (E3)
Todavia, corroborando o verificado pelos entrevistados, estudos mostram que a formação demasiadamente voltada ao esporte ainda se faz presente nos dias atuais (Souza, Loch, 2011; Pasquim, 2010). Costa et al. (2012), ao avaliarem as grades curriculares de 61 graduações em EF, observaram que a maioria não abordava conteúdos referentes à Saúde Coletiva/Saúde Pública. Também reconhecendo essa carência, Loch et al. (2011) indicaram a formação como o principal fator a ser discutido para uma melhor integração do PEF ao contexto da Saúde Pública. Por ser um campo novo, a inserção do PEF na Saúde Pública foi identificada como um incentivo às mudanças na formação em EF, a fim de torná-la qualificada para a área. “[...] para trabalhar na área da Saúde Pública tem que ter uma formação para além da que eu tive, porque é muita construção que a gente vai ter que enfrentar. Um território totalmente novo. E acredito que vai levar certo tempo pra chegar ao que a gente idealiza hoje [...]”. (GF1)
Tendo em vista a ampliação dos campos de atuação profissional e as mudanças ocorridas no sistema de saúde vigente, Santos e Benedetti (2012), bem como Costa et al. (2012), ressaltaram a necessidade de as IES repensarem suas estruturas curriculares. Costa et al. (2012) afirmaram ainda que disciplinas relacionadas à Saúde Coletiva auxiliam na compreensão do sistema de saúde e apropriação do processo de trabalho e da realidade das comunidades, possibilitando aumento da resolubilidade das ações dos PEF. Os sujeitos da pesquisa avaliaram sua formação como insuficiente para a inserção na APS, e acreditam que, mesmo com as alterações já estabelecidas, os recém-formados também terão dificuldades. “[...] não houve uma preparação pra que isso acontecesse, [...] a gente caiu de paraquedas na atenção primária, [...] a gente não tinha orientação nenhuma de como seria o trabalho, o que a saúde precisava pra gente tá atuando [...]”. (GF2) “[...] o primeiro concurso da secretaria de saúde, o qual contemplou vagas para a Educação Física, os estudantes precisaram fazer um cursinho fora, exatamente pelo fato deles não terem uma formação específica para essa área [...]”. (E3)
Resultados semelhantes foram encontrados por outros estudos. Souza e Loch (2011) observaram que a maioria dos PEF afirmou ter tido uma graduação centrada no esporte, ou que não havia uma aproximação com a área da Saúde Pública. Do mesmo modo, Freitas (2007) constatou que o modelo de
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formação em EF tem privilegiado o trabalho individual e o espaço privado. Já Pasquim (2010) afirma que as graduações em EF que apresentaram disciplinas na área da Saúde Coletiva parecem não ser suficientemente estruturadas para produzir superações curriculares que permitam o desenvolvimento de uma formação densa na área. Os entrevistados identificaram que a tradicional inserção do PEF no setor privado faz com que posturas e concepções advindas desse campo sejam reproduzidas também no setor público, o que impulsiona o aprendizado quanto ao último na prática do serviço. Entretanto, acreditam que essa condição seja inadmissível atualmente, já que percebem que o sistema público de saúde está mais exigente em relação aos profissionais admitidos em seu contexto. “[...] atuava dessa forma, de achar que a atividade física é só incumbência minha, [...] a gente trouxe a visão do outro mercado. Vejo isso muito dentro do setor privado, que as coisas são fracionadas. [...] trouxe muito pelo motivo da gente não ter tido [...] essa formação enquanto graduação [...]”. (GF1) “[...] a maioria de nós aprendeu muito na prática, enfrentando as dificuldades e aprendendo dentro do processo. [...] a rede hoje, acredito que ela seja menos paciente do que foi conosco no momento que nos inserimos, porque era uma coisa nova, [...] agora algumas coisas já estão muito bem construídas [...]”. (GF1)
Afirmaram também que a formação do PEF é biologicista e insuficiente para a atuação na APS. “[...] a gente vem com a visão biologicista da atividade física, [...], se vamos trabalhar com saúde, eu vejo que só essa visão ela é pequena perto do que a gente deveria pensar e estar pronto a fazer. [...] é preciso que tenha uma capacitação, que tenha talvez alguma especialização, alguma coisa que prepare melhor esse profissional [...]”. (GF1)
A formação biologicista do PEF pode ser justificada em virtude de sua história com a área médica, o que o fez se apropriar, de forma geral, do conceito de saúde como ausência de doença (Freitas, 2007). A relação da formação da EF com a base biológica foi também evidenciada por Brugnerotto e Simões (2009), ao concluírem que a concepção de saúde dos planos de ensino de graduações em EF no Paraná é norteada pelo modelo biomédico, em que ficou claro que compete, ao PEF, avaliar, prescrever e monitorar programas de atividade física através de bases biológicas. Pasquim (2010), por sua vez, ressaltou a tendência da formação biologicista da EF ao afirmar que a atuação do PEF, se não está ligada diretamente à clínica e ao doente, está em função deles. Anjos e Duarte (2009) acreditam que o ensino em saúde para a APS deva ser dirigido não apenas aos aspectos biológicos, mas, também, ao seu contexto e relações, numa abordagem integral. Para elas, a identificação de novas demandas em saúde possibilitaria a contextualização das ações do PEF. Os depoentes identificaram as mudanças ocorridas na formação, para propiciar a atuação do PEF na Saúde Pública, como estratégias complementares, efetivadas por meio de disciplinas optativas. Dado semelhante foi percebido por Pasquim (2010) ao evidenciar a marginalização da temática Saúde Pública/ Saúde Coletiva nas graduações em EF. “[...] aqui no curso de Educação Física diurno, nós temos algumas disciplinas optativas que têm esse olhar, não temos disciplinas obrigatórias [...]”. (E3) “O curso bacharelado noturno, [...] que vai ter início, [...] tem [...] numa formação complementar, não na grade básica, [...] [disciplina] focada na atenção primária [...]”. (E3)
A estruturação do curso de EF em licenciatura e bacharelado é considerada uma alternativa para melhor caracterizar o campo de intervenção de cada habilitação e melhor definir as competências e
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saberes de cada eixo (Nunes, Votre, Santos, 2012; Souza, Loch, 2011). Contudo, os entrevistados acreditam que esta separação fez com que o bacharel perdesse a essência humanista, prejudicando sua atuação, sobretudo no que concerne ao cuidado integral. Dado semelhante foi encontrado por Brugnerotto e Simões (2009), ao observarem que o enfoque humanista da saúde, quando abordado, ocorre nos cursos de licenciatura; e por Pasquim (2010), ao afirmar que a separação dos conteúdos da EF desfavorece a prática integral do PEF. No entanto, a expectativa é de que os conteúdos relacionados à Saúde Pública sejam aprofundados com o bacharelado (Souza, Loch, 2011). No caso das experiências dos informantes-chave, a reestruturação da formação inicial do PEF foi citada por todos como fundamental para uma atuação exitosa na APS. Para Guimarães e Silva (2010), rever a formação em saúde é pensar no desenvolvimento de competências específicas para a atuação na Saúde Pública, incentivando, no profissional, a capacidade de: avaliar, criticar, interagir, integrar e reformular suas práticas, considerando a diversidade dos indivíduos e das coletividades. Já para Brugnerotto e Simões (2009), repensar a formação é refletir sobre o real sentido da EF na promoção da saúde. Para os entrevistados, o mercado de trabalho almeja profissionais de saúde com uma formação mais ampla, reforçando, portanto, a necessidade de uma formação que amplie a visão do PEF quanto à saúde, abrangendo indivíduos hígidos e doentes. “[...] a formação tem que abrir mais o leque, [...] se o profissional não tiver uma formação ampliada nesse conteúdo multidisciplinar, [...] ainda vai ser muito deficitário [...]”. (GF1) “O Profissional de Educação Física [deve] começar a conhecer um pouco mais de doença. É um paradoxo, a gente tá falando de saúde, atenção primária, mas, até então, a gente não trabalhava com essas questões, [...] trabalhava [...] com a preparação física, com treinamento esportivo, com escola [...]”. (E3)
No entanto, o PEF não conseguirá interferir no processo saúde-doença se sua formação e atuação forem alheias ao que diz respeito à dimensão coletiva, pública e social do mesmo (Anjos, Duarte, 2009). Assim, acredita-se que sejam necessárias alterações na estrutura dos projetos político-pedagógicos e dos planos de ensino das graduações em EF. Tais alterações devem ofertar maiores oportunidades de estágio no contexto da APS, disciplinas específicas à área e/ou que a Saúde Pública seja tema transversal na grade curricular dos cursos. “[...] hoje a educação e a saúde, elas têm que estar caminhando muito juntas, [...] não só de ter as matérias específicas, isso aí é evidente, [...] é o que tá faltando, mas, além disso, ainda ter o foco mesmo de formar, bater na tecla da saúde todo dia com eles”. (GF2)
Costa et al. (2012) também acreditam que disciplinas relacionadas à Saúde Pública, nas graduações em EF, podem favorecer um despertar para essa área de atuação. Além disso, a sua carência tem feito com que muitos dos PEF se sintam incapazes de atuar na área e, por vezes, não reconheçam esse campo como de sua competência (Anjos, Duarte, 2009). Brugnerotto e Simões (2009), ao analisarem currículos de cursos de EF, observaram que, a despeito de existirem temas afeitos à Saúde Coletiva, o enfoque ainda é predominantemente biológico, o que leva os autores a acreditarem na insuficiência de apenas criar disciplinas específicas. Para Pasquim (2010), o ideal é que não fosse necessária a criação de disciplinas específicas, mas que toda a formação tivesse a Saúde Coletiva como campo de atuação. Quanto aos estágios, eles foram considerados, pelos entrevistados, como uma importante ferramenta para promover o desenvolvimento profissional, aproximando a teoria da prática e facilitando a inserção do recém-egresso na APS. Anjos e Duarte (2009) observaram a ausência de estágios da EF na APS e 894
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asseguram que a falta de convívio com a realidade do serviço desfavorece a prática naquele ambiente. Já Santos e Benedetti (2012) afirmam que o estágio contribui, efetivamente, na qualificação profissional e na melhor assistência às necessidades da população, o que favoreceria a inserção do PEF na APS. Os depoentes também destacaram a necessidade de discussão interdisciplinar e trabalho interprofissional na graduação através de disciplinas integradas, de forma a incentivar o trabalho em equipe. “[...] essa discussão interdisciplinar deveria ser trabalhada melhor nas universidades [...]. Fazer disciplinas integradas [...]. Chega lá na unidade de saúde tá todo mundo misturado, todo mundo tem que trabalhar junto, e na faculdade tá todo mundo trabalhando na sua salinha, na sua disciplina isoladamente [...]”. (GF2)
Para Pasquim (2010), a inexistência do contato com outros cursos de graduação em saúde produz um empobrecimento do processo de formação, que, por consequência, não orienta os acadêmicos da EF para uma atuação em equipe multidisciplinar. Foi ressaltada a necessidade de capacitação dos docentes, bem como a contratação de outros já com formação para a área da APS. “[...] se o professor universitário não buscar se capacitar com esse olhar voltado pra saúde, não adianta mudar grade curricular porque ele vai continuar repetindo a sua formação, [...] a musculação vai ser musculação, a ginástica vai ser ginástica e a saúde vai continuar sendo separada [...]”. (GF2)
Para eles, as DCN para o curso de graduação em EF não preveem a inserção do PEF na APS ou são insuficientes para a mesma. “[...] elas não previam, e não preveem, até então, a inserção do Profissional de Educação Física na APS”. (E3) “[...] a mudança curricular [...] tem que ser muito mais complexa [...]”. (GF1)
As diretrizes pressupõem a atuação do PEF em espaços públicos e em equipes multiprofissionais, e definem que o egresso deve ser responsável pela prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde (Brasil, 2004). No entanto, para Pasquim (2010), esta afirmativa surge, aparentemente, apenas como reserva de mercado, buscando garantir um espaço no SUS e não impondo, a princípio, nenhuma alteração em sua intervenção ou formação profissional. Os entrevistados defenderam que uma formação satisfatória para a APS favoreceria uma atuação mais segura, com maior clareza do papel do PEF, facilitaria a abordagem de alguns grupos de risco e melhoraria a relação na equipe. Em consonância com essa afirmação, alguns autores alegam que a formação inicial adequada contribuiria, ainda, para a redução das dificuldades atuais de inserção e para a consolidação da profissão neste novo campo de intervenção; aumentaria o conhecimento sobre sistema e serviços de saúde, e incentivaria a admissão do PEF em cursos de pós-graduação em Saúde Coletiva, aumentando o número e a qualidade das pesquisas e publicações envolvendo sua atuação no SUS e potencializando sua abordagem neste campo (Costa et al., 2012; Pasquim, 2010; Anjos, Duarte, 2009). Formação continuada Os entrevistados reconhecem a formação pós-graduada como uma estratégia para o desenvolvimento profissional neste campo e, também, como uma forma de minimizar a defasagem da graduação.
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“[...] se na graduação ainda não se consegue dar uma informação e uma formação mais acentuada na área de saúde, na especialização que isso seja feito [...]”. (E1)
Apesar de enxergarem a pós-graduação como uma forma de suprir a deficiência da graduação, Costa et al. (2012) afirmam que a aproximação deficiente da formação inicial a temas relacionados à Saúde Pública pode acarretar em uma baixa inserção do PEF nos programas de pós-graduação com essa abordagem. A procura pelo CEABSF se deu pela necessidade, dos entrevistados, de incorporarem conhecimentos da APS e, consequentemente, melhorarem a sua atuação na área. “[...] a gente veio [...] com essa sede de conhecimento, querendo entender como é que funcionava, buscando uma direção pro nosso trabalho, pra esclarecer todas as nossas dúvidas, [...] as nossas dificuldades e [...] entender qual a função da Educação Física na Saúde da Família [...]”. (GF2)
Já a admissão do PEF no CEABSF foi motivada: pela inserção deste profissional na equipe do NASF, pela necessidade de que os mesmos tivessem uma formação voltada para a APS, e pelo interesse manifestado pelo CREF6/MG. “[...] houve várias circunstâncias, uma era essa aspiração pra Educação Física ter uma formação na área da saúde e ligada à questão da saúde da família, a outra foi uma manifestação do Conselho Regional de Educação Física, que também queria que a gente fizesse [...]”. (E2)
O CEABSF foi avaliado como um importante instrumento de formação do PEF para a APS, fornecendo a abertura de seu campo de trabalho através do conhecimento sobre o SUS e APS, e da apropriação do papel e importância da EF neste contexto. Outro importante ganho mencionado a partir do conhecimento obtido no CEABSF foi o aumento da confiança para o trabalho, o que influenciou, positivamente, o relacionamento com os demais profissionais e no trabalho em equipe. “[...] ter uma visão geral, uma visão da rede, uma visão dos campos que ele tem de estar atuando, [...] uma visão dos outros profissionais, essa integração, [...] da importância que tem o Profissional de Educação Física pra área da saúde, para melhora da qualidade de vida das pessoas”. (GF1) “[...] abre o campo de trabalho, [...] mas um campo de trabalho a partir de uma questão ética, ético-profissional, que é saber para trabalhar [...]”. (E1) “[...] foi onde eu comecei a me relacionar, que eu comecei a me sentir melhor pra trabalhar na saúde primária [...]”. (GF2)
Entretanto, apontam a existência de dificuldades em acompanhar uma especialização que envolve um campo de atuação novo para este profissional, ainda pouco explorado nas graduações. “[...] foi um choque de pegar tanta informação num curso de especialização”. (GF2)
Creem também que a possibilidade de uma especialização com turma específica, como a Turma Épsilon do CEABSF, é importante para o atual momento da EF. Esta afirmativa foi comum nos grupos, mesmo acreditando que seria mais enriquecedora a participação em uma turma multiprofissional.
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“[...] seria muito mais efetivo se fosse uma turma multidisciplinar, mas [...] enquanto a Educação Física não tiver transformada, as turmas vão ter que ser só de Profissionais de Educação Física [...]. A gente tem que começar do básico [...], porque a gente não teve nada disso na faculdade, [...] o dia que o Profissional de Educação Física tiver uma formação comparável com a do enfermeiro, com a do odontólogo, com a do nutricionista, aí sim [...]”. (GF2)
Desta forma, sugeriu-se que, futuramente, as turmas fossem de composição multiprofissional, vendo, nesse novo arranjo, um importante espaço para trocas de experiências, informações e habilidades. “[...] seria interessante [...] essa especialização integrada com as outras profissões, porque eu vejo na minha equipe que eles têm mais dificuldade de atender a população, de falar a língua dessas pessoas. A população, muitas vezes, aproxima mais da gente, [...] a gente tem muito conhecimento pra passar pra eles também [...]”. (GF2)
Os resultados da Turma Épsilon são aguardados com ansiedade, uma vez que há interesse em ampliar esta estratégia para todo o território nacional. “[...] outros Conselhos Regionais de Educação Física no Brasil, e também o Conselho Federal de Educação Física, têm esperado com muita avidez como que será o término da primeira turma pra que esse modelo possa ser replicado no Brasil [...]”. (E1)
Considerações finais O estudo demonstrou que a inserção do PEF na APS é vista como um caminho novo, pavimentado por perspectivas positivas no que se refere à sua atuação e integração na equipe de saúde, com reflexos também positivos nos serviços e na comunidade. Contudo, identificou-se que essa inserção acarreta desafios, o que faz com que o PEF passe por dificuldades de diferentes matizes, como: a frágil relação interprofissional, infraestrutura inadequada e, dentre outras, com destaque, a frágil formação para a APS. A superação das limitações de sua formação inicial dar-se-á, entre outras questões, pelo estabelecimento de estratégias que contribuam para a integração qualificada do PEF na APS, tais como as sugeridas neste trabalho: reestruturação curricular, maiores oportunidades de aproximação da realidade através de estágios, transversalidade do tema na grade curricular, e interação com outras áreas do conhecimento através de disciplinas integradas. A formação pós-graduada foi ressaltada, por todos os entrevistados, como uma estratégia positiva, no sentido de subsidiar os profissionais já inseridos no mercado de trabalho. Seu enfoque multidisciplinar foi ressaltado como necessário para a formação dos profissionais da APS. No que diz respeito ao CEABSF, a parceria estabelecida entre as diversas instâncias da UFMG e o CREF6/MG demonstra o pioneirismo e a positividade da iniciativa. Assim, acredita-se que a mesma deva ser não só continuada, mas, também, expandida, o que poderá resultar em profissionais mais preparados para a APS e uma consequente abertura de mercado aos mesmos. Desta forma, para que a inserção do PEF na APS se dê conforme preconizado pelos princípios e diretrizes do SUS, acredita-se que a formação deste profissional deva ser construída continuamente, levando em consideração a perspectiva dos atores envolvidos, o que neste trabalho indicou a necessidade de mudanças na formação inicial para que a EF possa assumir, de forma consciente e qualificada, esse campo de atuação. Por se tratar de um estudo de caso, esta pesquisa não permite generalizações de seus resultados, porém, espera-se contribuir para avanços na discussão do tema e no despertar para novos estudos.
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FALCI, D.M.; BELISÁRIO, S.A. La inserción del profesional de educación física en la atención primaria a la salud y los desafíos en su formación. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.885-99, out./dez. 2013. La inserción del profesional de educación física en el NASF dejó clara la fragilidad de su formación para la atención primaria. Este artículo tiene el objetivo de analizar su formación para la inserción en este campo, en el Estado de Minas Gerais. Se trata de una investigación cualitativa y exploratoria, del tipo de estudio de caso. Los datos se obtuvieron utilizándose grupos focales. Los resultados señalaron esa inserción como positiva para la profesión y para los servicios de salud, pero mostraron algunas dificultades, entre ellas, la formación durante la graduación se mencionó como insuficiente para actuar en la atención primaria. El postgrado se identificó como una de las estrategias para minimizar esa insuficiencia.
Palabras clave: Educación y entrenamiento físico. Atención Primaria de Salud. Núcleo de Apoyo a la Salud de la Familia. Formación de recursos humanos. Salud de la Familia. Recebido em 11/03/13. Aprovado em 16/09/13.
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DOI: 10.1590/1807-57622013.0661
artigos
Contribuição ao estudo do imaginário social contemporâneo: retórica e imagens das biociências em periódicos de divulgação científica
Madel Therezinha Luz1 Cesar Sabino2 Rafael da Silva Mattos3 Alcindo Antônio Ferla4 Barbara Andres 5 Rafael Dall Alba6 Anderson dos Santos Machado7 Richard Assimos8 LUZ, M.T. et al. Contribution towards studying the contemporary social imaginary: rhetoric and images of biosciences in popular scientific periodicals. Interface (Botucatu), v.17, n.47, p.901-12, out./dez. 2013. This is an analytical article on the rhetoric of bioscience images in periodicals available from newspaper kiosks. The aim was to contribute towards empirical investigations on the dominant social representations in the contemporary imaginary, through analyzing the frontpage images of magazines on life, health and disease. The messages carried sought to cause an impression, to be attractive and, especially, to be convincing. This led to an analysis on the rhetoric, with its capacity to convince through words strengthened through the image. This paper comprises a theoretical essay on the methodology of rhetoric analysis, and it presents preliminary field results gathered in Porto Alegre and Rio de Janeiro. This approach contributes towards analyzing the social role of dissemination of the biosciences within present-day culture.
Keywords: Culture. Biosciences. Media. Rhetoric. Imaginary.
Artigo analítico sobre a retórica das imagens de biociências em periódicos em bancas de jornal, que pretende contribuir para pesquisas empíricas sobre representações sociais dominantes no imaginário contemporâneo, analisando as imagens das capas da mídia impressa sobre vida, saúde e doença. As mensagens veiculadas buscam ser impressionantes, atrativas e, sobretudo, convincentes, o que mobiliza a análise da retórica, com sua capacidade de convencimento da palavra fortalecida pela imagem. O texto articula um ensaio teórico sobre metodologia de análise da retórica, com a apresentação de resultados preliminares de campo, coletados em Porto Alegre e Rio de Janeiro. A abordagem contribui para a análise do papel social da divulgação das biociências na cultura atual.
Palavras-chave: Cultura. Biociências. Mídia. Retórica. Imaginário.
1 Professora colaboradora, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil. madelluz@uol.com.br 2 Departamento de Estudos Políticos, Escola de Ciência Política, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). 3 Departamento de Ciências da Atividade Física, Instituto de Educação Física e Desportos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 4 Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, UFRGS. 5,6,8 Bolsistas pesquisadores, Rede Governo Colaborativo em Saúde. 7 Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, UFRGS.
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Introdução Os efeitos da circulação e do consumo de notícias da área das biociências pela população em geral constituem o campo temático deste artigo, contendo os primeiros resultados de um projeto de pesquisa visando contribuir para o tratamento metodológico do estudo do imaginário9 contemporâneo “estampado” na mídia impressa. Temos especial interesse em centrar nossa análise interpretativa na retórica presente em capas de revistas vendidas em bancas de jornais. Embora, complementarmente, também em matérias internas aos veículos estampadas nos órgãos voltados para a divulgação de experiências e resultados de pesquisas das biociências em geral e da saúde em particular. Trata-se, portanto, primariamente, de analisar a divulgação midiática voltada para o chamado grande público urbano instruído, isto é, majoritariamente com instrução superior. Para nós, é importante estabelecer uma relação entre o crescimento da divulgação midiática científica e alguns sintomas de crise de educação do saber erudito: a perda de importância da escola; a crise no ensino universitário; a ascensão de novas tecnologias de informação na comunicação dos saberes; e o fim da formação a partir do saber de mestres. Dortier (2001) ressalta que, na década de 1980, houve a morte de grandes mestres do conhecimento, “maîtres à penser”, nas ciências humanas. Afirma, também, que nenhum modelo pode encerrar, em si mesmo, a explicação do real. Em matéria de ciência, não pode haver pensamento único: a abertura crítica se estabelece, inclusive, com a difusão da ciência em periódicos considerados “não científicos”, isto é, não ligados estritamente à difusão de pesquisas disciplinares. Atualmente, encontramos inúmeros artigos de professores altamente titulados em periódicos de divulgação de massa, que não geram pontuação acadêmica para esses docentes, por não serem periódicos indexados em “bases qualificadas”. Neste projeto pudemos constatar, junto às bancas de revistas e jornais, uma procura crescente por estes periódicos10. Picon (1968) ressaltou que cada domínio da pesquisa científica exige métodos e linguagens específicas. A ciência utiliza-se, atualmente, não somente dos seus periódicos – difusão científica – , mas, também, de revistas de massa para divulgação de informações e conteúdos de seu interesse. Multiplicam-se, por exemplo, as reportagens sobre: saúde, qualidade de vida, exercícios físicos, alimentação saudável, prevenção de doenças crônicas, assim como rejuvenescimento e prolongamento da vida, todas supostamente embasadas em pesquisa científica de disciplinas ligadas às biociências. As neurociências, por exemplo, têm, cada vez mais, presença em jornais e revistas, divulgando frequentes “descobertas”. No presente estudo, lidamos com a análise dos efeitos da veiculação desse tipo de informações, com fatos supostamente objetivos, verificáveis, tal como são transmitidos pelas fontes que as originam – as pesquisas –, nas revistas voltadas para esse público, que se articulam com outras tecnologias de disseminação, como a comunicação virtual. Sabemos do crescimento avassalador de tecnologias em constante mutação no domínio da informação, na última década, e do papel da imagem e da comunicação virtual na difusão e discussão de informações científicas. Sabemos, também, que essas técnicas de informação e comunicação vêm se confirmando como um ramo especializado da sociologia da comunicação, sobre o qual vem se debruçando, em face do seu papel sociopolítico, um número crescente de pesquisadores (Baumgarten, 2008, 2005). Lévy (2002, 2000, 1997) tem se dedicado ao que poderíamos chamar de sociologia da comunicação virtual ou filosofia da virtualidade. O autor conceitua 902
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O termo imaginário não é utilizado aqui em oposição à realidade. O imaginário é uma realidade (Maffesoli, 2001). O projeto sobre Imaginário social e retórica das biociências, cadastrado na UFRGS, está em desenvolvimento desde 2012.
9
É preciso considerar, nesta ascendente procura, sinais de questões relacionadas à difusão do conhecimento: 1estrangulamento da divulgação da produção científica da maioria das disciplinas, em função da limitação da difusão academicamente legítima a periódicos indexados em bases de dados, bases estas geralmente privadas, as quais, frequentemente, no que concerne às ciências da vida e das doenças, estão comprometidas com grandes organizações econômicas, o que vem sendo denunciado por grupos de pesquisadores e cientistas renomados, comprometendo, de algum modo, a valorização social dessa produção; 2- aumento considerável do que podemos denominar força de trabalho científica, que produz continuamente, para manter-se no sistema, novas tecnologias e produtos científicos, sem garantia de divulgação, buscando veículos alternativos neste sentido; 3- nossas revistas em estudo são, sem dúvida, um item importante para este “escoamento” pois, pudemos constatar, observando autores e editores, que estes são, na quase totalidade, academicamente qualificados: doutores, pós-doutores e alguns mestres com importante percurso profissional. 10
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categorias como: cibercultura, ciberespaço, tecnologias da inteligência, tecnodemocracia, entre outras. As técnicas de comunicação virtual, sobretudo através das denominadas redes sociais, vêm assumindo um papel social inquestionavelmente importante nos últimos dez anos, não apenas no campo das sociabilidades, pondo em contato pessoas, grupos e organizações com interesses similares compartilhados, como no dos movimentos sociais, culturais e políticos, atuando como força aglutinadora de atores sociais, reunindo milhares (até mesmo milhões) de indivíduos em curto espaço de tempo – fato inimaginável há poucas décadas, gerando mobilizações praticamente instantâneas de multidões, produzindo verdadeiros “tsunamis” sociais e políticos, colocando indiretamente em xeque conceitos e teorias da sociologia clássica ligadas a noções como: pessoa, grupo social, e classe social. De fato, as novas técnicas de comunicação e de informação colocam as eras da imprensa, do rádio e da televisão, praticamente, na pré-história das mass media, levando-nos a afirmar que se trata de uma revolução análoga à de Gutemberg, com a criação da imprensa. Do mesmo modo que se “previu”, socialmente, a morte da imprensa escrita com o advento da internet, há afirmações e juízos sociais mais ou menos baseados em estudos de mercado prevendo a morte do livro e da revista impressos como fontes de informação. Hoje, vivemos no que denominamos Sociedade, ou Era da Informação. Trata-se de uma sociedade na qual a base do funcionamento econômico é assegurada pelos serviços, pelas informações e pelo conhecimento gerado por novas tecnologias e inovações técnicas. O nascimento da informação como conceito e como ideologia está ligado ao desenvolvimento do computador e das tecnologias daí derivadas no período das guerras mundiais, sobretudo a Segunda Grande Guerra. Havia, então, grande demanda por computadores e sistemas de informação para as tropas. Componentes elétricos miniaturizados foram desenvolvidos, pelos militares, durante a II Guerra Mundial, para: detonar bombas à distância, desenvolver computadores menores adequados para a corrida espacial, e realizar cálculos relacionados à criação e uso da bomba atômica (Kumar, 2006). Essas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) não se restringiram ao meio militar, sendo gradualmente incorporadas pelos meios civis, vindo a tornar-se instrumento vital de funcionamento da vida econômica. Existe, atualmente, uma cibercultura (Lévy, 2002), definida como: o conjunto de técnicas materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem com o crescimento do ciberespaço, que se estende por diversas esferas da vida cotidiana. A cibercultura se constrói e se estende por meio da interconexão das mensagens entre si, por meio da veiculação e troca permanente de informações. Todavia, não podemos deixar de ressaltar que, por trás das técnicas de informações, existem: projetos sociais, ideias, utopias, interesses econômicos e estratégias de poder de grupos. A “geração internet” pode ser definida (Marmion, 2010) como uma nova massa de consumidores que têm acesso a informações sobre ciência e saúde, contribuindo para um imaginário social associado, muitas vezes dependente do pensamento biocientífico. Embora saibamos que o texto em papel pode vir a se acabar, em futuro não muito distante, o livro, assim como as revistas, sejam elas mais ou menos esotéricas, sobreviverão no espaço virtual, digitalizados. Mas é impressionante a constatação da presença atual e crescente de livros e revistas voltadas para a cultura científica disciplinar, se atentarmos apenas às bancas de jornal: todas as disciplinas científicas, sejam da área das ciências humanas, ou das biociências, ou das exatas, ou mesmo das aplicadas (à terra, por exemplo), se encontram ali representadas. São instrumentos de divulgação que se tornaram parte integrante, não apenas de culturas disciplinares específicas voltadas para suas novas descobertas ou propostas, mas, também, instrumentos pedagógicos de assimilação de informações e reflexões, preenchendo vazios pedagógicos na formação de alunos, resultantes da deterioração do sistema escolar, dos vazios provenientes da debilidade da formação, ou da ausência de atualização de professores, até mesmo nas universidades. Nunca se viram tantas revistas informativas, tantas obras literárias, e, mesmo, filosóficas, impressas, convivendo lado a lado, acessíveis, em preço e qualidade, ao público “leigo” que deseje e busque aquelas informações. Nessas revistas, as informações procuram ser impressionantes e atrativas, mas buscam ser, sobretudo, convincentes, persuasivas. Isto coloca em cena para nós, como objetivo central de pesquisa, o estudo da retórica, presente não apenas nos textos, mas, sobretudo, nas capas das revistas, em que o poder de convencimento da 903
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palavra é reforçado pela imagem, mas, também, vice-versa, a impressão causada pela imagem é fortalecida pela palavra, especialmente pelo “tom” da palavra. Deste modo, a aliança imagem/palavra é a chave para construir e veicular a mensagem que deve convencer o público de sua importância, e levá-lo a adquirir o produto que orientará suas ações em face da vida e da saúde11. É neste universo de pesquisa, em que a retórica é fruto da simbiose imagem/ palavra, e palavra/imagem, que buscamos fundamentar as questões aqui lançadas, analisando e interpretando as capas de revistas de divulgação presentes em bancas de jornal, tendo, como conteúdo principal de análise de retórica, as biociências, em aproximação com outras áreas disciplinares, em face da sua importância atual na Saúde Coletiva: a Nutrição e as Ciências Humanas ligadas à vida e à saúde: Psicologia, Sociologia, Antropologia, Filosofia, sobretudo. Nossa preocupação central, na interpretação da retórica, em termos metodológicos, é com o imaginário social e a vida e a saúde das pessoas, na cultura atual, em sua relação com as biociências. O que envolve, praticamente, todas as fases e atividades do viver humano.
Instrumentos de pesquisa qualitativa da mídia impressa: como operar a análise de revistas de divulgação de pesquisas e de resultados científicos? Nosso estudo busca ser uma contribuição analítica para pesquisas empíricas, cujas unidades básicas de análise são representações sociais dominantes no imaginário cultural contemporâneo, representações referentes prioritariamente – mas não exclusivamente – às biociências, e sua (re)produção discursiva. Em termos de análise teórica, nosso objeto é o universo simbólico da sociedade contemporânea, através dos discursos ligados às pesquisas científicas, e dos sentidos que reproduzem nas imagens divulgadas na mídia impressa. Consideramos, para efeito de nossa análise, que a construção narrativa, ou o relato midiático de um fato, representa uma construção social da realidade, capaz de nela produzir efeitos práticos, sejam eles de mobilização ou desmobilização, de controle ou liberação social, sendo, portanto, factíveis de interpretação pelas ciências humanas. Privilegiamos, neste caso, uma análise metodológica ilustrativa dos sentidos e representações recorrentes na divulgação midiática de revistas de divulgação científica presentes em bancas de jornal, examinando os estilos de prática discursiva científica divulgados nos periódicos, buscando interpretar a retórica dessas práticas, e o(s) modo(s) como esta retórica pode influenciar o imaginário social, assumindo, por vezes, um caráter normativo (Medrado, 2000; Spink, Medrado, 2000; Bourdieu, 1997). A retórica, com seu efeito de influência e convencimento social, é, deste modo, nosso núcleo central de análise. Metodologicamente, nos interessa muito mais o “tom convincente” do discurso que a veracidade de seu conteúdo, seja em termos informativos, comunicativos ou ideológicos. Tampouco estamos interessados em fazer uma análise linguística estrutural clássica, com uso de semiótica (Eagleton, 1997). Interessa-nos compreender como a simbiose imagem/palavra sobre vida, saúde e doença exerce um pathos retórico sobre os sujeitos, originado do discurso das biociências. Em outras palavras, achamos necessário retomar o texto clássico Retórica, de Aristóteles (1998), considerado a primeira obra ocidental na Antiguidade greco-romana que se dedica à análise da retórica. A retórica, segundo Aristóteles, tem três finalidades principais: 1) influenciar a escolha; 2) influenciar o julgamento; 3) comover. 904
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11 Sabemos da importância do papel da imagem na cultura contemporânea desde a emissão de frases como: “uma imagem vale mais que mil palavras”, quando esta valorização ficou evidente. Entretanto, estamos interessados no poder de convencimento que podem ter as imagens quando associadas a termos convincentes, e que podem nos induzir a determinados comportamentos, hábitos e atitudes.
LUZ, M.T. et al.
Ousaríamos acrescentar uma quarta finalidade, adequada ao papel da retórica das revistas de divulgação das biociências: o temor, o medo coletivo12 de “punição” se as regras e normas de conduta apresentadas como objetividades resultantes da pesquisa científica não forem seguidas. Há, aqui, uma aproximação com o que Foucault chamou de biopoder. Trata-se de um conjunto de relações de poder/saber que incidem sobre a vida, normatizando-a e controlando-a ininterruptamente. A vida procura se ajustar a essas regulações buscando a “boa saúde” (Foucault, 2004a, 2004b, 1997, 1976). Pudemos perceber, na leitura e análise inicial das capas que as revistas adotam, no tom do discurso, uma perspectiva retórica, direcionando o leitor para práticas condizentes com a normatividade biocientífica e para as atividades recomendadas pelas reportagens, infundindo, ao mesmo tempo, um temor difuso de que algum mal à saúde – ou à vida –, suceda, em caso de não-seguimento de tais práticas. Foucault (2009), em um de seus cursos no Collège de France, mais especificamente no curso dos anos 1983-1984, tratou de conceito de parresia. Para esclarecer e aprofundar esse conceito greco-romano, Foucault precisou contrapô-lo ao seu oposto: a retórica. Esta era definida e praticada na Antiguidade como uma técnica que concerne à maneira de dizer as coisas. Trata-se de uma arte, uma técnica, um conjunto de procedimentos que permitem, a quem fala, dizer alguma coisa que não seja necessariamente verdadeiro ou nem mesmo aquilo que ele pensa. O objetivo da retórica é produzir, na pessoa a quem se dirigir o discurso, um conjunto de convicções que induzirá certas condutas. A retórica não tem compromisso com a verdade ou com o dizer verdadeiro, na perspectiva de Foucault (2009). Não há uma courage de lavérité no discurso retórico. A retórica é um discurso eficaz que busca constranger o outro. A força argumentativa está no convencimento, independentemente do compromisso com a verdade. Por outro lado, a força dos argumentos em revistas “não científicas” fundamentase não na capacidade discursiva do próprio autor do texto, mas na fundamentação de seu discurso em estudos científicos experimentais realizados em instituições de pesquisa. Se tais estudos são divulgados em revistas de base de indexação de países europeus ou dos Estados Unidos, o peso das afirmações é mais valorizado. Esse status acadêmico mais elevado pode ser compreendido não apenas pelo que Bourdieu denominou poder simbólico, operando no campo científico, mas, também, pelo que Bruno Latour procurou demonstrar em seus textos: com a historicidade das ciências, criticando o “substancialismo moderno”, através do qual a sociedade, a linguagem e a natureza são enquadradas dentro da lógica científica como objetos de estudo histórico (Latour, 2004, 1995, 1989, 1984; Bourdieu, 1989). Nossa pesquisa procura apreender e analisar o discurso retórico com o objetivo de interpretar o imaginário social na cultura contemporânea em torno das imagens das biociências veiculadas nos periódicos em análise, e seu papel de convencimento coletivo. Trata-se de um estudo qualitativo, do ponto de vista metodológico, distanciando-se, claramente, das análises correntes de conteúdo de discursos, quantitativas ou qualitativas. Neste sentido, selecionamos, para estudo, um conjunto de veículos de divulgação científica com distribuição significativa nas metrópoles brasileiras, embora o trabalho de campo se restrinja às capitais, Rio de Janeiro e Porto Alegre, em revistas distribuídas de 2011 a 2013. Assim, a partir de observação-piloto em Porto Alegre, foram selecionadas, para análise, as seguintes revistas: Scientific American, Mente Cérebro, Super Interessante, Medicando, Women’s Health, Men’s Health, Psique, Viva Saúde, Saúde é Vital, Sua Saúde, Corpo a Corpo, embora veículos de ciências humanas e sociais façam parte de nosso universo de observação, sobretudo os divulgados pelo grupo Scientific American. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.901-12, out./dez. 2013
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Este sentimento de “temor coletivo” é uma das finalidades sociais atribuídas por Aristóteles à tragédia. 12
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As revistas mencionadas foram selecionadas por terem edição regular (semanal a mensal), e trazerem sempre, em suas capas, temas relacionando pesquisas em saúde e biociências. Outros periódicos de grande tiragem – não necessariamente de divulgação cientifica – vêm sendo analisados, por trazerem informações relevantes em edições especiais, específicas de um determinado tema, ou de escopo generalista, não entrando no rol de veículos escolhidos para a pesquisa. O número de revistas em análise ultrapassa, atualmente, cem. Não estabelecemos um número definido, ou uma amostra específica de veículos para análise. Bauer (2002) considera que uma amostra pequena, sistematicamente selecionada, é muito melhor do que uma grande amostra de materiais escolhidos ao acaso. Constata que 12 edições selecionadas, aleatoriamente, de um jornal diário fornecem uma estimativa confiável do perfil de suas notícias anuais. A representatividade, o tamanho da amostra e a divisão em unidades temáticas dependem, em última instância, do problema da pesquisa, que, aliás, determina o referencial teórico a ser utilizado. Neste projeto, optamos por uma abordagem qualitativa para a seleção e análise da retórica presente nos veículos. Costa (2001) argumenta que a informação veiculada pelos meios de comunicação não se encontra separada do modo de produção industrial e da lógica do mercado. Para Goetz et al. (2008), revistas são ambientes de circulação e difusão de representações sociais, sendo consideradas fontes legítimas para pesquisas qualitativas. Coerentemente, nosso estudo das capas privilegia a análise das imagens, palavras e conteúdos implícitos que veiculam informações e representações sobre vida, saúde e doença. A validade da análise deve ser julgada não como uma leitura da verdade – objetividade – das capas, mas em termos do teor de convencimento/persuasão presente nos materiais analisados. Para auxílio da coleta de dados, utilizamos instrumentos clássicos de pesquisa qualitativa das ciências sociais, tais como: observações etnográficas das bancas, com anotações de campo, fotografias da distribuição das revistas nas bancas13, e conversas informais com compradores e responsáveis pelas bancas de jornal (Arborio, Fournier, 1999), situadas na zona urbana das cidades do Rio de Janeiro e Porto Alegre. As bancas selecionadas vendem revistas com temas voltados para as descobertas recentes das biociências, nutrição e saúde. Para isso, buscamos utilizar, como recurso técnico, a análise das imagens e a retórica implícita nas fotos estampadas nas capas, assim como a sua disposição em “vitrine” ou “cartaz” (Moles, 2005) nas bancas de jornal. A fotografia é, portanto, um instrumento de coleta do projeto, embora com objetivo diferente do das pesquisas etnográficas ou sócio-históricas. As “fotos” com que lidamos não são documentos factuais, são produções tecnológicas, resultantes de montagens, sem intenção de identificar bancas ou pessoas que circulam (ver nota 13). Sabemos que há, no Brasil, uma gama significativa de revistas de divulgação científica, variando da mais próxima da ideia de “difusão de resultados de experiências de laboratórios”, como a pioneira Scientific American14, com edições em muitos países, até a Revista Super Interessante, em sua origem muito ligada à ideologia new age, estando, em anos recentes, muito próxima das ideologias científicas ligadas à vida, à mente e à saúde. Tendo como marco de periodização as revistas comercializadas entre 2011 e 2013, menos que a quantidade e a representatividade dos periódicos numa totalidade abstrata de veículos, o que nos interessa são os temas neles abordados e seu tom – retórica –, que forneceram o critério fundamental de recorte para a escolha dos veículos analisáveis.
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A fotografia tem, no projeto, papel auxiliar na captação da distribuição dos veículos nas bancas; dos temas que neles estão colocados em relação ao objeto de pesquisa, e da forma que adquirem com a organização das capas. Não adotamos a perspectiva antropológica, sociológica ou histórica no uso da fotografia, em que as fotos descrevem hierarquias e status sociais, formas de organização da sociedade em diferentes épocas etc. O objetivo das fotos, no projeto, é captar a veiculação da retórica presente nas capas, e na organização em forma de cartaz ou vitrines dos painéis de revistas dispostos nas bancas (Moles, 2005).
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A revista Scientif American é composta por reportagens sobre o impacto produzido pela ciência e pelas inovações tecnológicas no cotidiano e na construção de estratégias para o futuro. Ela foi criada em 1845 e patenteada em 1850, nos Estados Unidos. Desde sua criação, vem tratando dos avanços da ciência em linguagem acessível ao público considerado leigo. 144 ganhadores do prêmio Nobel já escreveram para a revista. Nos Estados Unidos, ela é editada em Nova York, lida por mais de 3,5 milhões de pessoas. É uma revista traduzida para 14 idiomas e acessível em mais de trinta países. No Brasil, a revista é bimestral e temática. Disponível em: http://www. scientificamerican.com/ sciammag/. Acesso em: 18 set. 2012.
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Pudemos observar que é possível caracterizar três “passos” ou momentos, em que o convencimento do público comprador, se dá: 1° pela “captura visual”, em que o olhar do futuro leitor é atraído para a imagem; 2° pela “sedução pelo olhar”, em que o leitor se volta para o conjunto palavra/ imagem e dela “toma conhecimento”; 3° o convencimento retórico através da mensagem visual: o leitor acredita no que vê e quer se informar. 15
O espaço midiático é caracterizado, por Medrado (2000), como sendo constituído por textos e imagens publicados em jornais, revistas ou livros. 16
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artigos
Quanto a este aspecto, já Malinowski e Evans-Pritchard haviam criticado os métodos quantitativos de pesquisa, em face da dificuldade que os mesmos apresentam para obtenção e interpretação de significados sociais (Evans-Pritchard, 2005; Malinowski, 1976). Minayo (2007), por sua vez, afirma que o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo, pois a multiplicidade de significados da realidade social não pode ser apreendida por medidas numéricas. Os códigos matemáticos e das demais ciências exatas não são capazes de recortar e conter a totalidade da vida social. As pesquisas, nas ciências sociais, lidam com estruturas, processos, significados e representações simbólicas. As produções midiáticas são práticas sociais de caráter discursivo, responsáveis pelo processo de construção e circulação de significados sobre determinado tema. São socialmente constituídas por grupo(s) específico(s), mediados a partir da seleção e reconfiguração de determinados repertórios temáticos. Esses repertórios funcionam como substratos na composição da retórica midiática. Ao adquirirem visibilidade, tornam-se disponíveis às pessoas, que podem compor suas práticas discursivas no cotidiano, tornando possível a produção de sentidos e versões diversas sobre si e o mundo a sua volta (Medrado, 2000). Tais sentidos são, muitas vezes, tomados como verdade pelo público em virtude de uma correspondência, no senso comum, entre representação e verdade. Mas sabemos que o sujeito do conhecimento está inserido na sociedade que toma por objeto. A independência do olhar científico é, assim, ilusória, um efeito das condições sociais da produção do intelecto, como afirmavam pesquisadores da Escola de Frankfurt, pioneiros no interesse pelos efeitos sociais da mídia (Cusset, 2009). Walter Benjamim (1994) foi um dos autores pioneiros que problematizaram a utilização da fotografia (imagens) e seus efeitos. O autor afirma que a imagem dirige nossa percepção, e as legendas (palavras) associadas a elas reforçam o que ele chama de “valor de exposição”. Nosso campo etnográfico revela, inicialmente, que a exposição das revistas nas bancas de jornal evidencia algum tipo de reprodutibilidade técnica visando a convencer o leitor da força das imagens e palavras das capas. Assim se reafirma seu efeito retórico15. Conforme analisou Freitas (1999), a mídia contribui para a solidificação e a divulgação de um tipo específico de identidade; esta promove um primeiro contato motivador de um tema, tendências, avanços científicos e tecnológicos, com o público leitor. De acordo com Medrado (2000), na sociedade contemporânea, a mídia adquiriu um papel fundamental no processo de construção e circulação de repertórios, sendo fluente entre o público, por conseguinte, influenciando o cotidiano das pessoas. Os acontecimentos, informações e descobertas ganham uma visibilidade sem precedentes ao ganharem o espaço midiático16. A mídia impressa se constitui, assim, em canal de informação. Como salientara Luz (1986), os jornais são veículos de socialização dos fatos, das normas, do suceder na sociedade e, ao mesmo tempo, um agente institucional organizador do espaço social. A pesquisa empírica empreenderá, em etapa a seguir, a análise da retórica das imagens das capas divulgadas pelos veículos de divulgação, de modo compreensivo e interpretativo, por ser a capa a primeira forma de aproximação das revistas com o seu leitor. As matérias, em especial, as de capa com estampas de fotos, longe de atenderem apenas a um apelo de informação, ou de fazerem com que o leitor reflita sobre os temas, são parte da lógica concorrencial do mercado midiático (Bourdieu, 1997).
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A construção da análise das imagens e palavras nas bancas De nossa perspectiva, capas das revistas impressas, através das imagens e legendas nelas impressas, assumem, por sua disposição e estilo de fotos e palavras-chave, um caráter indutor de representações, atitudes, opiniões e comportamentos, constituindo-se em um construto simbólico que nos induz ao que nos convém ler e proceder (Weller, Bassalo, 2011). Isso nos remete à análise da retórica das imagens das capas que, juntamente com as expressões utilizadas nas chamadas, fazem menção direta ao tema de convencimento da matéria publicada no interior do periódico. Podemos perceber que certas imagens associadas a palavras de ordem, estampadas nas capas, funcionam no sentido de sugerir e estimular, no leitor, a compra da revista, apesar de ninguém poder “obrigá-lo” a tal. A lógica da persuasão se impõe, sem que percebamos, como um mecanismo para atender às necessidades que operam no mercado e são dominantes na sociedade atual (ver nota 15). Na tentativa de atenderem às expectativas dos leitores, e de se anteciparem à concorrente, as editoras procuram despertar uma curiosidade, no leitor, que pode, então, querer ou não comprar a revista. Entre as editoras, pensar na capa é uma maneira de vencer – e convencer – fatias maiores do mercado mediante uso de montagens e de fotografias que sofrem retoques digitais “com o intuito de alterar a realidade”, revelou Tony de Marco, diretor de arte da revista Macmania, à Editor & Arte17, transformando-as em “cenários” verossímeis de persuasão. O jornalista José Arbex Júnior chamou a atenção para a “guerra de imagens” nas capas, que são, muitas vezes, preconceituosas em relação a alguns assuntos. Deste modo, trabalhar com as capas mostrou-se importante para este projeto: apoiados em linhas de pesquisa como as de Pollak (1990) e Champagne (1998), pudemos observar que as escolhas de imagens por jornalistas irão ilustrar as informações ali contidas, exercendo um “efeito de evidência poderoso: mais, sem dúvida, que o discurso, elas parecem designar uma realidade indiscutível, se bem que sejam igualmente produto de um trabalho mais ou menos explícito de seleção e construção” (Champagne, 1998, p.64; Pollak, 1990, p.100).
A pesquisa empírica: análise da retórica nas publicações em bancas de revistas O mapeamento e a coleta de dados das bancas implicaram uma etnografia simples, constando de: conversas informais com donos ou vendedores de bancas18, observação visual da distribuição dos periódicos, dos seus potenciais consumidores, assim como documentação fotográfica, que vêm sendo realizados desde 2012. A segunda fase da pesquisa, prevista para o segundo semestre de 2013, envolverá: a classificação, análise e interpretação do material coletado, redação de relatório, e produção de artigos referentes aos resultados obtidos. Além das contribuições teóricas e metodológicas, desenvolvidas anteriormente19, interessa-nos a apresentação da dinâmica do campo empírico, pelos participantes no projeto, com possível realização de seminários. Até o presente momento, em Porto Alegre, foram observadas 15 bancas de jornais e revistas. Todas as bancas observadas encontram-se em ambiente urbano, mais especificamente no centro e bairros de classe média. Essa escolha geográfica se deu por serem locais de fácil acesso e grande rotatividade de pessoas. Apenas uma banca se encontra dentro de um imóvel, as demais se situam nas calçadas. No Rio de Janeiro, um estudo-piloto fotografou quantidade semelhante de bancas,
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“Com que capa eu vou?”. Editor & Arte , n.15, s/d. 17
18 Expressão utilizada para designar uma abordagem informal de vendedores e compradores, sem foco em dados dos indivíduos e, portanto, sem manejo de qualquer dado relativo aos mesmos, onde se busca compreender a cena em análise: a organização das revistas e a motivação para o consumo. O vendedor e o comprador, nesse caso, não se caracterizam como sujeitos da pesquisa na medida em que se buscam, deles, informações sobre as revistas e sobre a organização das bancas, tal qual faria qualquer interessado em adquiri-las. O registro desse fato se materializa na escolha de partes da banca para a captura de fotografias e na síntese de apontamentos do trabalho de campo.
Artigo relativo à parte teórica do estudo foi publicado, recentemente, por Luz, Sabino e Mattos (2013).
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artigos
na zona sul (Catete, Flamengo, Laranjeiras), e em bairros da zona norte, anotando as revistas expostas, com suas diferentes formas de disposição das capas. As bancas foram sendo fotografadas à medida que eram visualizadas pelos pesquisadores, andando pelas ruas, sem prévia busca de localização das mesmas. As fotografias foram focadas em revistas com temáticas de saúde, a partir de observação dos pesquisadores e de conversas com o vendedor (“onde estão as revistas sobre saúde?”). Além disso, foram realizadas conversas informais, com os vendedores, com os seguintes dispositivos desencadeantes: “Você vende revistas sobre saúde? Onde elas ficam na sua banca? Como são organizadas? Quem as organiza? Qual tipo de revista é mais procurado na sua banca? Quem procura mais revistas de saúde? O que vende mais? As pessoas buscam assuntos específicos? Quais?” As fotografias de Porto Alegre, em campo-piloto, foram feitas durante três dias, no mês de outubro de 2012. Uma observação anterior fora realizada no Rio de Janeiro um ano antes, constatando fatos semelhantes. Nosso universo envolve revistas de grande circulação, além de números especiais sobre saúde, e revistas específicas de nutrição relacionadas a alimentos e ervas. Entretanto, foi possível observar a presença de certas revistas, na maioria das bancas, que tratam de temas semelhantes, muitas vezes repetitivos, distribuídas de forma similar nas diferentes bancas em ambas as localidades, isto é, em espaços similares. Os vendedores relataram a grande procura por materiais sobre “saúde”, entendendo-os como revistas que trazem receitas de emagrecimento, chás, substâncias e alimentos saudáveis de combate a doenças crônicas e o envelhecimento. Estas, organizadas em painel – “cartaz” –, em um espaço dedicado à temática, encontram-se, na maioria dos casos, próximas às revistas direcionadas ao público feminino, como, por exemplo, revistas de novelas e celebridades. Dois vendedores em Porto Alegre relataram que, em suas bancas, localizadas à calçada, muitos transeuntes acabam comprando revistas após se interessarem pela capa, e poucos chegam ao local procurando algum veículo específico. A “retórica do olhar”, nesses casos, demonstra capacidade de produzir efeitos. Dentre as bancas visitadas, uma delas tem a particularidade de se localizar em frente a um grande hospital público. Nela, as revistas de biociências e saúde ganham destaque na sua organização, ficando bem visíveis aos olhos de quem por lá transita. Durante a entrevista com o vendedor, ele nos disse que este tipo de publicação é o mais vendido, especificamente com edições sobre patologias como: hipertensão, diabetes e colesterol. No seu entendimento, esse fato ocorre porque quem está saindo ou chegando ao hospital tem algum problema de saúde, e procura uma solução através da informação nas revistas e outras publicações.
Conclusões preliminares Percebemos, a partir da aproximação com o trabalho de campo, que, atualmente, há, nas bancas de jornal, uma grande diversidade de revistas e livretos com a temática das biociências, com variadas abordagens, mas todas visando a “divulgação científica”. Mesmo as revistas que não entraram no escopo desse estudo (generalistas semanais), têm suas vendas acentuadas quando apresentam capas com o tema saúde, conforme registros realizados durante observação. Situação verificada em ambas as capitais, Rio e Porto Alegre. Como apontado anteriormente, a pesquisa empírica segue em andamento, e a próxima etapa consiste em analisar, de modo compreensivo e interpretativo, as capas dos veículos de divulgação observadas até o momento, bem como voltar a realizar novas observações nos dois locais de pesquisa. No entanto, já nesta etapa da pesquisa, podemos afirmar que a construção teórica sobre a retórica, do início do artigo, e a proposição metodológica consequente, que se segue à primeira, demonstraram capacidade de identificar efeitos de convencimento nas capas para influenciar seu público quanto a julgamentos e escolhas, induzir emoções e despertar temor em relação à saúde. Certas situações locais fortalecem esses efeitos, como a proximidade de serviços de saúde e academias de ginástica. Os efeitos de retórica originam, também, nas bancas, técnicas de distribuição das revistas – como a distribuição em painel, cartaz, ou vitrine do material visual –, visando a proximidade com temas e gêneros de leitura similares e a visibilidade das capas tematizando biociências, particularmente a saúde.
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A próxima etapa da pesquisa, analítica, permitirá aprofundar essas conclusões prévias. O compartilhamento das contribuições teóricas, metodológicas, e empíricas, produzidas pela equipe, possibilitará, esperamos, ampliar o diálogo sobre o estudo do fenômeno do consumo atual de notícias sobre as biociências e, em particular, sobre a saúde, pela população urbana, e seus efeitos no imaginário social.
Colaboradores Madel Luz, Rafael Mattos e César Sabino escreveram o artigo e fizeram o trabalho de campo no Rio de Janeiro/RJ. Anderson Machado, Bárbara Andres, Rafael Dall Alba e Richard Assimos fizeram o trabalho de campo em Porto Alegre/RS e contribuíram na redação da segunda versão deste artigo. Alcindo Ferla fez a revisão crítica do texto, propondo diversas alterações. Referências ARBORIO, A-H.; FOURNIER, P. L’Enquête et ses méthodes: L’observation directe. Paris: Nathan Université, 1999. (Collection Sociologie, 128). ARISTÓTELES. Rhétorique. Paris: Gallimard, 1998. BAUER, M.W. Análise de conteúdo clássica: uma revisão. In: BAUER, M.W.; GASKELL, G. (Eds.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Trad. Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002. p.189-243. BAUMGARTEN, M. (Org.). Conhecimento e sustentabilidade – Políticas de ciência, tecnologia e inovação no Brasil contemporâneo. Porto Alegre: Sulina, 2008. ______. Conhecimento e redes-sociedade, política e inovação. Porto Alegre: UFRGS/ALAS, 2005. BENJAMIM, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas, v.1). BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. ______. O poder simbólico. Lisboa: Difel/Bertrand Brasil, 1989. CHAMPAGNE, P. A visão midiática. In: BOURDIEU, P. (Org.). A miséria do mundo. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p.63-79. COSTA, N.C.G. Barbárie estética e produção jornalística: a atualidade do conceito de indústria cultural. Educ. Soc., v.22, n.76, p.106-17, 2001. CUSSET, Y. L’école de Francfort: l’émancipation en ligne de mire. Sci. Hum., n.9, 2009. DORTIER, J-F. Sciences humaines: de la crise à la releve. Sci. Hum., n.30, 2001. EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. Trad. Waltersin Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 1997. EVANS-PRITCHARD, E.E. Algumas reminiscências e reflexões sobre o trabalho de campo. In: ______. (Org.). Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Trad. Eduardo Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p.243-55. (Coleção Antropologia Social).
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Palabras clave: Cultura. Biociências. Divulgación. Retorica. Imagines. Recebido em 03/08/13. Aprovado em 03/09/13.
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DOI: 10.1590/1807-57622013.0403
debate
Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos? How has Brazil dealt with the topic of provision of physicians? ¿Cómo ha enfrentado Brasil la cuestión de la provisión de médicos? Mônica Sampaio de Carvalho1 Maria Fátima de Sousa2
The aim was to analyze how Brazil has dealt with the shortage of physicians and the attempts to overcome the situation in coordination with healthcare policies and strategies for training and establishment of these professionals in accordance with the needs of the Brazilian National Health System (SUS). PROVAB (Program for Primary Care Enhancement), created by the federal government in 2011, was used as a case study. This seeks to provide healthcare professionals to localities in need. The program offers a score of 10% in residency examinations after evaluation of the professional and structured distance education activities and supervision. PROVAB was analyzed within the current context of the work management and healthcare education policies, in order to comprehend its implementation through discussions, movements, events and qualitativequantitative data available from the Ministry of Health. Ways to develop work management and healthcare education in Brazil are indicated.
Keywords: PROVAB. Primary health care. Medical education. Professional practice. Continuing education.
Analisa-se como o Brasil tem enfrentado a carência de médicos nas tentativa de superar a situação de forma articulada com as políticas de saúde e estratégias de formação e fixação desses profissionais, de acordo com as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Tomou-se como estudo de caso o Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB) criado pelo governo federal em 2011, que busca prover profissionais de saúde para as localidades necessitadas, destacando-se as seguintes ofertas do programa: pontuação de 10% nas provas de residência após avaliação do profissional e atividades estruturadas de educação a distância e supervisão. O PROVAB foi analisado dentro do contexto atual da política de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, na tentativa de compreender sua implementação mediante discursos, movimentos, acontecimentos e dados qualitativos e quantitativos, disponibilizados pelo Ministério da Saúde.Dessa forma, apontam-se caminhos para o desenvolvimento da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde no Brasil.
Palavras-chave: PROVAB. Atenção Básica à Saúde. Educação médica. Prática profissional. Educação permanente.
1 Doutoranda, Universidade de Brasília (UnB). Faculdade de Ciências da Saúde, Campus Universitário Darcy Ribeiro. Brasília, DF, Brasil. 70910-900. monicarvalho19@ gmail.com 2 Departamento de Saúde Coletiva, UnB.
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Introdução Entre as perspectivas de estudo do tema da saúde com destaque crescente nos últimos anos, está o campo temático da gestão do trabalho e da educação. Os estudos, inicialmente articulados em torno da administração, enfocam a força de trabalho como “recurso” sob o ponto de vista taylorista de produção no trabalho. Os estudos clássicos de Maria Cecília Donnangelo (1975; Donnangelo, Pereira, 1979) analisam, a partir das ciências sociais, o trabalho médico e a diversificação das especializações no interior dos hospitais. No mesmo sentido, estão os estudos de Ricardo Bruno Mendes Gonçalves (1992, 1978), que introduz o conceito de processo de trabalho e aborda, por meio da óptica marxista, o processo de produção, as tecnologias e os saberes que servem de base para os estudos de Emerson Merhy (2002, 1997), com a micropolítica do trabalho vivo em ato na saúde, este ampliando para os esquizonalistas como Deleuze e Guatarri, assim como Gastão Wagner de Souza Campos (2000), que critica a abordagem gerencial hegemônica e o taylorismo. Esses autores criticam, no contexto da formação e do trabalho, a fragmentação e a especialização crescentes, do mesmo modo, a abordagem gerencialista, que toma o trabalho e o trabalhador como “recurso” a ser talhado e administrado, segundo os interesses da direção de serviços e sistemas (Ceccim, 2005). O grande aumento do número de postos de trabalho, com a aguda expansão de cobertura assistencial da Atenção Básica, produzida pela progressiva implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), torna a temática estratégica não apenas na perspectiva de propor estratégias de provimento e de fixação profissionais de saúde, mas também aponta a necessidade de investir no processo de formação médica e de educação permanente dos trabalhadores do SUS de acordo com o modelo assistencial centrado no cuidado em saúde. Embora a regulação da formação profissional já é uma premissa presente desde a Constituição brasileira em seu artigo 200 que estabelece a competência do Sistema Único de Saúde em “ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde”, sendo reforçada pela Lei Orgânica da Saúde, na qual explicita no artigo 15, item IX, a responsabilidade do sistema de saúde “[...] na formulação e na execução da política de formação e desenvolvimento de recursos humanos para a saúde” (Brasil, 1990, p.18055), sendo tema de diversas conferências de saúde com propostas que vão desde a regulamentação do artigo 200 da Constituição brasileira, fomento a capacitações, educação continuada, educação permanente, política de provimento, mudanças na graduação, reforma nos currículos, formação de especialistas de acordo com as necessidades do SUS, carreira, melhores condições salariais e de trabalho (Ceccim, Armani, Rocha, 2002), pautas estas reforçadas com a criação da SGTES (Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde) em 2003, na prática, ainda tem desafios importantes a serem enfrentados no que diz respeito aos processos regulatórios e a política de gestão do trabalho e de educação na saúde. Este artigo é parte do estudo que teve por objetivo analisar como o Brasil tem buscado enfrentar um problema crônico no SUS, que é a falta de médicos para atuarem nos serviços públicos de saúde, sobretudo, na Atenção Básica à Saúde. Esse problema vem comprometendo significativamente as gestões municipais e estaduais do sistema de saúde há pelo menos uma década, com algumas tentativas governamentais de buscar soluções para essa questão, com visões diversas a respeito do tema e que disputam uma hegemonia no discurso e na prática. Para isso, foi realizada a análise do processo de implementação do Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB), política de provimento do Ministério da Saúde do Brasil desde dezembro de 2011 e suas repercussões entre os diversos atores governamentais, corporações e profissionais para extrair elementos essenciais dos movimentos, visões e relações de poder existentes (Foucault, 1996).
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NEVES, C.A.B.
debate
Método Trata-se de pesquisa histórica de caráter exploratório associado a um estudo de caso, o PROVAB, e está no campo da investigação social. Segundo Minayo (2004, p.13), o “objeto das Ciências Sociais é histórico” e carregado de significados, intencionalidades de grupos, da sociedade em geral e de visão ideológica de mundo, trazendo a implicação do sujeito no estudo. Goode e Hatt (1969), Yin (1989), e Bonoma (1985) apud Minayo (2006, p.164) abordam o estudo de caso como um método que utiliza “estratégias de investigação qualitativa para mapear, descrever e analisar o contexto, as relações e as percepções a respeito da situação, fenômeno ou episódio em questão”. Foram utilizadas como categorias analíticas o poder, o saber, o trabalho e a meritocracia. Os aspectos analisados dessas categorias estão no campo político e das ciências sociais a partir das posições dos atores estratégicos em relação ao PROVAB, do processo de trabalho, da proposta pedagógica do PROVAB e da visão de meritocracia. Alguns recortes ao objeto foram utilizados como referenciais de análise: a formação médica, a educação permanente, os saberes tecnológicos, o poder médico, a relação médico-paciente, a autonomia, a disputa entre corporações e governo e o poder, entre outros. O processo de observação e pesquisa foi por meio de análise documental e análise dos dados secundários da Atenção Básica qualitativos e quantitativos oriundos do Sistema de Informação e de Gestão do PROVAB (SIGPROVAB/SGTES/MS), do Formulário Eletrônico do SUS (FormSUS/SGTES/MS) e da Plataforma Arouca / Universidade Aberta do SUS (UnA-SUS/SGTES/MS) e observação de seminários, reuniões e oficinas com os atores envolvidos no processo.
As políticas de provimento e a Atenção Básica no Brasil – um caminho a ser percorrido O Decreto no 7.508, promulgado em junho de 2011 que regulamenta a Lei 8.080/1990, reforça o papel da Atenção Básica, uma vez que define “[...] Atenção Básica como porta de entrada preferencial do sistema” e “ordenadora da rede e do cuidado em saúde” (Brasil, 2011a, p.7). Por ser a porta de entrada prioritária do sistema de saúde, compete à Atenção Básica, segundo o decreto supracitado, assegurar aos usuários “[...] acesso universal, contínuo e de qualidade” e “a integralidade da atenção e do cuidado”, tanto individual como coletiva para dentro da Unidade Básica de Saúde e para fora na Rede de Atenção à Saúde (Brasil, 2012a, p.21). A alta rotatividade dos médicos na atenção básica, entretanto, associado à total escassez em algumas localidades, compromete a continuidade do cuidado e consequentemente a qualidade dos serviços ofertados. Estudo feito por Campos e Malik (2008) realizado no Estado de São Paulo sobre satisfação de médicos no Programa de Saúde da Família mostra os fatores que contribuem para a rotatividade de médicos nas unidades básicas de saúde que são principalmente a distância, a falta de condições materiais e de capacitação. Capozzolo (2003), em sua tese de doutorado, analisando as condições de trabalho das equipes de saúde da família, considera que a sobrecarga de trabalho, a falta de medicamentos, materiais e retaguarda de outros níveis de atenção, além da insegurança gerada pela falta de capacitação dos profissionais para exercer a prática de generalista, levariam à alta rotatividade dos médicos. Outro dado relevante do estudo de Campos e Malik (2008) é que, embora o salário seja um dos atrativos para os médicos se apresentarem para contratação no programa, este não tem garantido a sua fixação. Atribui-se ao fato de que, em geral, as melhores propostas remuneratórias são em áreas longínquas e pouco atrativas em termos de desenvolvimento econômico e sociocultural, forte fator de retenção de médicos já demonstrado em pesquisas realizadas.
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Essa análise coincide com o estudo de Girardi, Pierantoni e Dal Poz (2012), sobre o índice de escassez de profissionais da Atenção Básica, utilizando o método Full Time Equivalent (FTE) e os parâmetros de um médico na Atenção Básica para cada três mil pessoas, por meio dos quais observou-se que as regiões de maior escassez são aquelas em que há uma elevada mortalidade infantil e utilização do Programa Bolsa Família, ou seja, áreas desprovidas de serviços e que, portanto, mais sofrem com o acesso à saúde. Essas dificuldades de provimento e fixação de médicos na Atenção Básica têm repercutido no acesso e na qualidade dos serviços prestados, o que revela o Índice de Desempenho do SUS (IDSUS), “um indicador-síntese” do Ministério da Saúde, que mede o acesso e a efetividade do sistema. O reflexo destas dificuldades tem gerado insatisfação por parte dos usuários com o SUS. Associado aos fatores acima sinalizados, a baixa responsabilização do sistema de saúde no atendimento às necessidades do usuário nos serviços e a baixa qualidade e resolutividade da Atenção Básica no Brasil contribuem também para o agravamento da situação. Há necessidade, portanto, de, além de prover profissionais para a atenção básica, articular mecanismos para fixação desses profissionais nos serviços e propor mudanças no modelo de atenção e cuidado à saúde e na formação médica.
As políticas de indução para provimento e fixação de profissionais estabelecidas no Brasil e no Mundo Há vários mecanismos utilizados pelos países para prover profissionais de saúde, que vão desde as propostas mais voluntaristas até ações articuladas com incentivos, por exemplo, bolsa com auxílios alimentação e moradia, alguns propõem processos de educação continuada com envolvimento de instituições universitárias e em outros casos a atuação nessas áreas tornou-se pré-requisito para a obtenção de registro profissional, créditos educativos e ingresso em especialidades médicas ou bolsas de pós-graduação. Ainda há outros que articulam carreira com provimento. Maciel Filho (2007) descreve, em sua tese de doutorado, as estratégias de alguns países para enfrentamento desse problema e o histórico dos programas de provimento no Brasil. Relata a experiência de serviço civil obrigatório no Peru, Equador, na Costa Rica, Colômbia e no México, sendo este, a experiência mais consolidada, adotada desde 1945 por meio dos centros rurais cooperativos, em que o estudante permanece por 12 meses no local como requisito obrigatório para obter o registro de médico. Outras experiências observadas articulam provimento e carreira sanitária, como no Chile, considerando distâncias geográficas, o risco, e prevendo estrutura e condições de trabalho, ascensão profissional e oportunidades de desenvolvimento técnico (Maciel Filho, 2007). Na Austrália, busca-se prover profissionais por meio de bolsas de estudo para os estudantes ingressarem em cursos de medicina, sendo obrigatória, nos currículos, a atuação da escola médica em áreas rurais e remotas, além de tornar obrigatória a atuação por seis meses dos profissionais que se formam em Clínica Geral (Maciel Filho, 2007). No início dos anos 1990, o tema do provimento de médicos foi considerado um dos pontos críticos do sistema de saúde no Canadá (Campos, Girardi, Machado, 2009). No Brasil, os programas de provimento e fixação remontam à época da ditadura militar, que implementou o Projeto Rondon: iniciativa com o objetivo de levar estudantes a atuarem em locais de difícil acesso, expandindo ações e serviços de saúde (Maciel Filho, 2007). Ainda, nesse período, surge o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), o Programa de Interiorização do Sistema Único de Saúde (PISUS) e o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS), sendo este uma das estratégias de fortalecimento do Programa Saúde da Família (PSF), que estava surgindo à época e foi responsável pela ampliação do acesso e da cobertura assistencial de várias localidades carentes de atendimento à saúde. Maciel Filho (2007) relata minuciosamente, em sua tese de doutorado, as iniciativas de enfrentamento dessa questão pelo Brasil. O PITS, programa anterior ao PROVAB teve por objetivo ampliar a cobertura do PSF por meio do provimento de médicos e enfermeiros em áreas cujo PSF ainda não tenham sido implementado. As 9 16 6 91
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ofertas apresentadas para os profissionais eram bolsa federal e formação profissional, como tutoria e supervisão continuada semipresencial contratada pelo CNPQ, cursos autoinstrucionais, curso introdutório do PSF, curso de especialização em saúde da família, seguro de vida e acidentes pessoais, moradia, alimentação, transporte e certificação. Apesar do grande número de inscritos, apenas trezentos municípios, 421 profissionais, sendo 181 médicos e duzentos e quarenta enfermeiros, concluíram o programa. Embora o Estado tenha se esforçado para instituir políticas de provimento ao longo de todos estes períodos, sendo estas responsáveis pela inserção de vários profissionais nesta experiência, segundo Médici (1993 apud Maciel Filho, 2007), essas medidas não foram suficientes por si só para enfrentar o problema da má distribuição de médicos no País e, consequentemente, da fixação. Alguns fatores influenciam nesse processo, entre eles, o fator econômico e social, como importantes fatores impeditivos de fixação, as condições de trabalho e a possibilidade de formação e capacitação. Desde 2011, o Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação, baseado no Plano Nacional de Saúde, resolveu lançar um conjunto de medidas que buscam atrair profissionais de saúde, mais especificamente médicos, nas localidades necessárias. Entre essas medidas, destacam-se: 1 O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), criado pela Medida Provisória nº 1.827, de 27/05/99, regulamentado pelas Portarias MEC nº 860, de 27/05/99 e 1.386/99, de 15/ 19/99 e Resolução do Conselho Monetário Nacional 2647, de 22/09/99. Em 2010, através da Lei no 12.202/2010, o governo ampliou os benefícios para os médicos que atuam na Atenção Básica em regiões prioritárias para o SUS. 2 Vinda de médicos estrangeiros no país por meio de termo de cooperação internacional com o Governo Brasileiro e revisão do processo de revalidação de diplomas no Brasil, o Revalida; 3 Ampliação da oferta de vagas de cursos de medicina em localidades com rede de atenção estruturada e com condições de funcionamento de acordo com os elementos das novas portarias GM/ MEC n° 1/ 2013 e portaria GM/MEC n° 2/2013. Nesses cursos, busca-se desenvolver um projeto pedagógico voltado para atender à integralidade do cuidado e as redes de atenção à saúde; 4 O PROVAB que objetiva prover e incentivar profissionais a atuarem na atenção básica, por meio de estratégias de educação à distância e supervisão pedagógica articulada ao “bônus” de 10% nas provas de residência médica para aqueles que tiverem interesse em ingressar nos programas de residência; 5 Expansão de residências médicas como importante estratégia de fixação e de formação de médicos para o sistema de saúde. Essas várias estratégias estão sendo implementadas em tempos diferentes e compõem o escopo da política de fortalecimento da Atenção Básica do Governo Federal. O PROVAB, programa criado pelo Ministério da Saúde para prover médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas prioritariamente em áreas de difícil acesso ou em populações vulneráveis, também prevê estratégias de educação à distância, como a especialização em Saúde da Família e telessaúde, atividades de supervisão presencial e à distância, além do bônus de 10% para os médicos que pretenderem ingressar em Programas de Residência Médica a partir de uma avaliação de desempenho (Brasil, 2011b). A gestão do Programa, em sua primeira versão, é centralizada na União, destacando por meio de Portaria Interministerial 2.087/2011, o papel do município na contratação dos profissionais de saúde e evidenciando uma ausência do papel do Estado, papel que foi sendo construído gradativamente através das oficinas realizadas para repactuação com os entes federativos e universidades neste processo. Em termos de abrangência, diferentemente do Projeto Rondon e do PITS, o PROVAB 2012 permitiu com que os 5.565 municípios brasileiros pudessem concorrer a uma vaga, manifestando a sua adesão de acordo com cinco perfis articulam critérios como capital e região metropolitana, municípios beneficiados pelo FIES, população rural com extrema pobreza. Na primeira versão do programa, segundo dados do SIGPROVAB, foram inscritos 2.176 municípios. Deste total, foram selecionados novecentos e cinquenta municípios para receberem 4.671 profissionais de saúde. A Tabela 1 mostra o percentual de profissionais selecionados e contratados pelo programa, assim como o percentual de retenção. 917
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Tabela 2. Quantitativo de profissionais selecionados e contratados no PROVAB e percentual de retenção Profissionais Selecionados Médicos Enfermeiros Dentistas Total
1.460 1.889 1.322 4.671
Contratados Percentual de retenção 381 126 110 617
26% 6,67% 8,32% 13,2%
Fonte: SIGPROVAB, Departamento de Gestão da Educação na Saúde(DEGES)/ Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES)
Ainda segundo dados do SIGPROVAB/SGTES/MS, os médicos estão distribuídos por região do País, na seguinte proporção: região Nordeste (67%), seguida das regiões Sudeste (20%), Centro-Oeste (6%), Sul (5%) e Norte (2%). Este baixo percentual de retenção de médicos pode ter várias explicações, uma delas estão relacionados a problemas de comunicação, instabilidade contratual por meio dos municípios e mobilizações de segmentos da medicina e algumas instituições de ensino na tentativa de desestabilizar o programa. Muitos dos relatos atribuem este fenômeno a informações pouco precisas que chegavam à “ponta do sistema”, gerando confusão e insegurança por parte dos profissionais de saúde. Muitos municípios, por sua vez, desconheciam as regras estabelecidas em edital e quais as responsabilidades dos gestores frente ao programa, mais especificamente no tocante à contratação de profissionais. Alguns profissionais tinham a expectativa de vantagens acima dos valores de mercado local e acordos contratuais de jornada parcial de trabalho. Além disso, alguns profissionais, segundo relatos, depararam-se com situações insalubres para o exercício da profissão. Outros decidiram por ingressar nos programas de residência, após a publicação dos resultados das provas. Somado a tudo isso, os atrasos nas contratações geraram instabilidade por parte dos profissionais, mais especificamente médicos, que tinham como expectativa o cumprimento de um ano para realização das provas de residência no final do ano. No caso dos enfermeiros e dos dentistas, o problema estava mais relacionado à oferta de mercado, já abordada, resultando no desinteresse por esses profissionais pelos municípios. A alternativa aí apresentada pelo Ministério da Saúde foi então o Curso de Especialização em Atenção Básica pelo Sistema UnA-SUS com bolsa de estudos na modalidade trabalhador - estudante. Essa estratégia resultou em 1.147 bolsistas contratados entre enfermeiros e dentistas. O Curso de Especialização com foco em Atenção Básica, constitui-se como uma oferta do PROVAB, ainda não obrigatória na primeira fase, executado por instituições de ensino vinculadas ao UnA-SUS (Universidade Aberta do SUS – rede criada por Decreto no 7.385/2012, de 8 de dezembro de 2010 com o objetivo de oferecer ações de educação a distância. A supervisão, obrigatória para médicos no PROVAB, acabou se restringindo a esta categoria e o curso de especialização para os enfermeiros e dentistas prioritariamente uma vez que esta oferta não obrigatória na primeira versão teve uma baixa adesão dos médicos. A supervisão definida por categoria profissional e com forte vinculação às Instituições de Ensino Superior teria o objetivo de coordenar e sistematizar o processo de avaliação para fins de pontuação das provas de residência. O processo de discussão com a equipe do DEGES levou à necessidade de ampliar o escopo de atuação deste supervisor, introduzindo conceitos de educação permanente, apoio matricial, campo e núcleo de atuação profissional. A grande questão era, portanto, definir se a supervisão atuaria apenas no campo e no núcleo profissional ou apenas no núcleo como pensado inicialmente. Ao longo do processo, foram introduzidas como atividades de supervisão a realização de um diagnóstico inicial do território e do processo de trabalho da equipe vinculada ao profissional supervisionado, elaboração de plano de educação permanente e projetos de intervenção por parte dos profissionais no território. 918
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Entretanto, as disputas no âmbito do papel da supervisão e as pactuações já estabelecidas com as instituições de ensino, com a corporação e a Comissão Nacional de Residência Médica fizeram prevalecer o modelo inicial de supervisão médica com foco no processo avaliativo para fins de pontuação nos programas de residência.
Poder, saber, trabalho e meritocracia: afinal como se revelam os atores neste processo? Ao analisar as características dos programas de provimento no Brasil observam-se, no aspecto político, dificuldades no âmbito governamental nas primeiras experiências por conta dos regimes totalitários e da transição democrática em que vivia o país; enquanto, no momento atual, os entraves políticos são de natureza coorporativa. Em relação ao provimento de médicos no Brasil, há uma posição clara dos gestores do SUS, no sentido de que faltam médicos no País e temos importantes vazios assistenciais decorrentes dessa escassez. Recentemente, no Encontro dos Prefeitos, em Brasília, ocorrido em janeiro de 2013, a Frente Nacional de Prefeitos criou uma campanha intitulada ”cadê o médico?” reivindicando medidas ao governo federal para prover médicos nas diversas regiões do País. Entre as propostas deste segmento, destaca-se a flexibilização de regras para a entrada de médicos estrangeiros para atuarem na atenção básica. Esse pensamento é reforçado pelo gestor federal em seu discurso onde defende, baseado na análise comparativa da proporção de médicos por habitantes no Brasil e em outros países que implantaram sistemas de saúde universais, que há escassez e má distribuição de médicos nas regiões brasileiras. Um dos argumentos se dá através da relação de médicos por habitante no país, que hoje tem a média de 1,8 médico por habitante. De fato, quando se faz uma análise comparativa em países com sistemas de saúde organizados tomando a Atenção Básica como prioritária, observa-se uma proporção maior de médicos por habitante, a exemplo, na Inglaterra cuja relação é de 2,7 médicos/habitante, em Portugal 3,87 médicos/habitante, na Espanha, 3,96 médicos/habitante e na Argentina, 3,2 médicos/habitante. Esses argumentos também se baseiam em estudos de Girardi, Pierantoni e Dal Poz (2012) em que se comprova por meio de pesquisa feita pelo Observatório de Recursos Humanos do NESCOM/UFMG (Núcleo de Saúde da Comunidade/ Universidade de Minas Gerais), pela qual o autor analisa a proporção de egressos e o primeiro emprego. Observa-se, no caso da medicina, um mercado de trabalho extremamente favorável para os egressos de medicina no Brasil com oferta satisfatória de emprego, diferentemente do que se observa em outras profissões da saúde como é o caso da enfermagem cuja proporção de egressos versus empregabilidade é inversa, com provável desemprego. Setores da medicina, como as corporações médicas, acreditam, entretanto, que o problema não é escassez de médicos, e sim má distribuição e pouca atratividade do setor público, principalmente, no que se refere às condições de trabalho e remuneração. Defendem, portanto, que há médicos suficientes no país por meio de estudo recentemente publicado intitulado Demografia Médica no Brasil. Nele reforçam a necessidade de uma carreira nacional para a saúde semelhante à carreira do Poder Judiciário e afirmam que o país possui, atualmente, 371.788 médicos em atividade e que, na década de 1970, havia apenas 58.994 médicos. Houve, então, um crescimento de 530%. Nesse sentido, acreditam que com um grande percentual de médicos jovens e com o aumento de vagas de cursos de medicina, o estoque de médicos é suficiente para atender à demanda (CFM/IBGE, 2011). Em recentes pesquisas realizadas por Girardi, Pierantoni e Dal Poz (2012) com médicos da região Norte e pela Fundação Saúde da Família da Bahia (FESF/BA) com médicos dessa Fundação ambas revelaram que os principais fatores de atração do médico, além das condições sócio - econômicas da localidade e da oferta de bens e serviços, são a remuneração, as condições de trabalho (entendido aqui como volume de trabalho, equipamentos, materiais, entre outros) e a possibilidade de formação continuada. A possibilidade de carreira não foi o principal fator atrativo no estudo de Girardi, Pierantoni e Dal Poz (2012), embora ela apareça na proporção de 23,08%. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.913-26, out./dez. 2013
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Ao analisar os discursos, observamos relações de poder e poder – saber instituídas e instituintes nesse processo. O instituído é evidenciado pela necessidade de preservação da lógica atual de inserção de médicos especialistas no mercado de trabalho através da Residência Médica e da lógica de titulação pela Associação Médica Brasileira (AMB). Entretanto, o instituinte estabelecido pelo governo federal e pelos prefeitos provoca uma certa desestabilização e desorganiza a ordem do instituído no campo molar da conformação da política através da modificação dos critérios de ingressos nos programas de residência a partir do trabalho na Atenção Básica e no campo molecular à medida em que este médico, seja do PROVAB ou seja de outro país, ambos passam a atuar nos territórios de prática, interagindo com as equipes, com as universidades através da supervisão e com a gestão local da unidade de saúde. Foucault (1999) discute o poder como uma prática social, fruto das interações e relações estabelecidas. Para esse autor, além do poder do Estado, o poder encontra-se em todos os lugares, exercendo certa molecularidade e molaridade. Ainda na obra de Foucault intitulada Microfísica do Poder, Roberto Machado escreve no prefácio o ponto de vista do autor sobre poder e relata que o: “[...] poder é algo que se exerce, que se efetua e que funciona, não é um lugar que se ocupa, nem um objeto que se possui. Ele se exerce, se disputa e, nesta relação unívoca, unilateral; nessa disputa ou se ganha ou se perde”. (Foucault apud Machado, 1996, p.XV) Ainda segundo Foucault (1975 apud Santos, 2000), o pensamento liberal procura identificar o poder social como o poder do Estado, mas, nas sociedades modernas, surgiu outra forma de poder, bem mais sofisticado e eficaz: o poder-saber disciplinar, caracterizado pelo poder de normalizar as subjetividades e controlar as sociedades. O poder disciplinar necessariamente não é uma instituição, mas um dispositivo, um método de sujeição constante de forças e imposição de uma “relação de docilidade – utilidade” para o bom funcionamento e manutenção de uma sociedade industrial e capitalista, conforme Foucault (apud Machado, 1996, p.XV). Também chamado de biopoder, este se aplica à população, à vida e aos vivos por meio das sujeições decorrentes da normatização, punição e vigilância (Foucault, 1999). Fica perceptível nesse processo que o poder do Estado não é a única forma de poder e que a relação entre o poder e o saber tem forte influência nos diversos discursos. Dentro desse contexto, as tensões e os conflitos no processo de implementação do PROVAB revelam-se por intermédio da resistência de setores da medicina, que exercem, em alguns momentos, força maior que o aparato estatal e isso, contraditoriamente, dentro da própria estrutura do Estado através da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), comissão responsável por regular a formação de especialistas no Brasil por meio da modalidade de Residência Médica. O setor privado, apesar de não compor o aparato estatal, exerce também uma força instituída que influencia nas escolhas dos médicos e muitas vezes dificulta a priorização das necessidades do sistema de saúde. A própria cultura liberal da profissão, o assalariamento autônomo e a formação médica instituída pelas universidades, citados nos estudos de Campos (2006) e Feuerwerker (2002) também são vetores de poder-saber que influenciam no senso comum da sociedade e dos estudantes de medicina nas suas escolhas, contribuindo para o quadro demográfico atual. Uma outra questão que se mostra em disputa é a respeito da concessão de bônus de 10% nas provas de Residência para os participantes do PROVAB, aprovado em resolução pela CNRM/MEC. Esse incentivo para participação no programa, entretanto, só é concedido após processo avaliativo do desempenho do profissional inserido no programa por meio de uma instituição supervisora vinculada à Universidade ou a Escolas de Saúde Pública, da própria equipe e do gestor local da unidade à qual o médico faz parte, e de uma autoavaliação, com posterior certificação pelo Ministério (Brasil, 2011b). Aqui pode-se perceber um ponto de conflito por meio do conceito de meritocracia, compondo várias visões e percepções a respeito do assunto e com vários acontecimentos instituintes nesse processo, agregando novos atores, como é o caso do poder judiciário que também atua neste processo. Para outros atores, o conceito de mérito é entendido exclusivamente como resultado do esforço individual em armazenar um conjunto de saberes científicos abordados por meio de um processo seletivo de livre concorrência. A visão de meritocracia predominante corrobora com a lógica atual de formação dos especialistas no país, o que difere da visão de alguns segmentos que acreditam na vivência como aprendizagem, 920
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contribuindo para uma visão mais ampliada do profissional em relação à Atenção Básica. Quanto à priorização de atuação dos profissionais na Atenção Básica, apesar de existir uma comissão que decide sobre estes processos, a CNRM (Comissão Nacional de Residência Médica), que deveria orientar o processo regulatório de acordo com as necessidades do SUS, contraditoriamente há uma submissão às regras do mercado, que passa a ser um grande indutor das escolhas dos médicos que se submetem às regras do jogo para ingressarem em uma residência médica. A ausência de uma regulação estataI mais intensa tem trazido algumas consequências como o elevado percentual de ociosidade na ocupação de vagas da Residência de Medicina e Comunidade, chegando a, aproximadamente, 70%, em razão do alta falta de interesse dos médicos nessa especialidade não atrativa do ponto de vista do mercado. Todo esse cenário tem contribuído para a proliferação dos chamados “Med Cursos”, verdadeiros cursinhos preparatórios para os programas de residências uma vez que o critério de seleção mais relevante é a prova que reforça o modelo de memorização estabelecido no curso de medicina, muitas vezes, desarticulados com a realidade e com as necessidades de saúde da população. Apesar de a Residência Médica ser uma das mais eficientes estratégias de fixação de profissionais de saúde, acaba sendo um funil a que poucos têm acesso e muitos ficam de fora, entrando no mercado de trabalho com grande oferta de emprego e altos salários (Giradi, Pierantoni, Dal, 2012). O modelo de formação médica atual por sua vez positivista, centrado no biológico, tendo o hospital como o lugar central de formação do médico, traduz em todos os ciclos acadêmicos o poder-saber disciplinar. A lógica de aprendizagem fragmentada e tendo como objeto o saber científico tem produzido “uma relação de dependência do aluno com o docente, este visto como fonte quase exclusiva de saber, e uma baixa autonomia do aluno na compreensão dos problemas de saúde da população” (Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico, 2000 apud Santos, 1998, p.97) em contraposição a uma visão onde o objeto da formação médica são as necessidades de saúde da população e que os diversos saberes articulados em torno desse objeto servem como insumos do processo pedagógico e, o docente passa a ter um papel de tutor e mediador da aprendizagem e o aluno sai da condição passiva para de sujeito do processo de aprendizagem (Feuerwerker, 2002; Santos, 1998). Essa relação de poder – saber disciplinar se transpõe para as práticas profissionais e acabam fabricando o médico que hoje temos na sociedade, atuando nas relações do trabalho do médico com as equipes de saúde e a comunidade e, no caso do PROVAB, por exemplo, de diversas maneiras, na discussão de mérito, nas atividades de supervisão exercida pelas instituições supervisoras e na atuação do médico no território. As relações de trabalho operam, portanto, nas relações de poder sejam de opressão, sejam de subordinação, sejam de liberdade ou de alteridade, dependendo do modo como é compreendido o sentido e o significado do trabalho. No âmbito das ações educativas do PROVAB, constituída pela supervisão e pelo Curso de Especialização em Saúde da Família e Atenção Básica, observamos que os conteúdos abordados, assim como o processo avaliativo, buscam o fortalecimento da Atenção Básica. “A Estratégia de Saúde da Família se apresentou para mim como meio de ganhar experiência na área depois de formada e como intermeio para a residência antes pensada em pediatria. Após menos de seis meses de trabalho me encantei pelo programa e todas as suas possibilidades de poder colocar o que aprendi na prática, olhar o paciente de forma integral e não apenas como uma doença”. (médica vinculada ao PROVAB)
No artigo intitulado “Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: fazendo um exercício sobre a reestruturação produtiva na produção do cuidado”, Merhy et al. (2000) trazem como contribuição a este debate, a reflexão sobre saberes e tecnologias, trabalho vivo e trabalho morto para o ato de cuidar. As três valises citadas por Merhy são a da mão, responsável pelos procedimentos e pelas técnicas realizadas, a da cabeça, na qual cabem os saberes da epidemiologia e da clínica e a outra valise que está no espaço relacional, fruto do encontro entre trabalhador e usuário, onde contém tecnologias leves COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.913-26, out./dez. 2013
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para lidar com este campo das relações. A interação com o usuário e a tensão entre as três valises contribuem com os processos de captura do trabalho vivo pelo trabalho morto e as diferentes formas de realizar o trabalho médico e os atos em saúde na perspectiva do cuidado ou na perda da dimensão cuidadora. Na obra do autor, o trabalho vivo é visto como o trabalho criativo, instituinte e inovador, desempenhado pelo profissional que usa a sua subjetividade para criar novas formas de fazer, utilizando diversas tecnologias de acordo com as necessidades apresentadas e, o trabalho morto é caracterizado como o trabalho instituído, que corresponde a todos aqueles produtos-meios que nele estão envolvidos como matéria-prima e que são resultados de um trabalho humano anterior (Merhy, Onocko, 1997). Merhy (2002) diferencia ainda os saberes em não estruturados, semiestruturados e estruturados. No primeiro, estão as tecnologias leves utilizadas no campo relacional como o acolhimento, a produção de vínculo entre profissional e usuário e entre usuário e equipe, o compromisso com a resolutividade e a multiprofissionalidade, entre outros. Já os saberes semiestruturados estão no campo das tecnologias leve-duras, em que se destacam os saberes da clínica e da saúde pública dentro de uma visão voltada para Atenção Básica. Por fim, os saberes estruturados compõem as tecnologias duras e se referem a procedimentos e técnicas necessárias para algumas situações que ocorrem nas unidades de saúde (Exemplo: sutura, curativo, espirometria, eletrocardiograma). O saber - fazer do médico e do supervisor do PROVAB, assim como a maneira como estes articulam as tecnologias, os saberes e suas valises tecnológicas na interação com os usuários - pode revelar uma prática clínica centrada em procedimentos e técnicas ou no cuidado à saúde. Apesar de não termos o objetivo de afirmar nenhuma hipótese a respeito, observamos, por meio de fragmentos de falas, relatos e análises no webportfólio, nas oficinas e reuniões e nos instrumentos de supervisão um recorte focado na doença onde os saberes estruturados e semiestruturados, assim como as tecnologias duras e leveduras, citados por Merhy (2002) ainda prevalecem na prática clínica dos profissionais. De acordo com o relato do supervisor: “Na prática de atenção à saúde e educação permanente, observa-se ainda a atenção com foco na doença, a inexperiência, a insegurança na prática clínica, o pouco conhecimento sobre abordagem familiar, abordagem comunitária, educação em saúde, SUS, dificuldades em habilidades de comunicação, processo de trabalho e gestão da agenda/tempo, incluindo o horário para estudo”. (relato dos supervisores)
Observando os relatos e as descrições qualitativas e quantitativas, identificamos as diversas faces da supervisão, que vai desde o supervisor fiscalizador, com “conhecimento superior” e aferidor de conceito ou corretor de uma conduta, reproduzindo o modelo pedagógico hegemônico das escolas médicas, no qual se estabelece a relação de detentor do saber científico. Outra dimensão de supervisão é a do supervisor apoiador ou facilitador dos processos de aprendizagem, comprometido com o trabalho e com uma relação de “alteridade” entre os sujeitos trabalhadores, buscando compartilhar saberes e práticas para mudança nos processos de trabalho, produzir autonomia do profissional e comprometimento com a vida. Essa relação de poder é reproduzida na relação médico-paciente, em que, muitas vezes, o paciente é objeto da prática médica e não sujeito. A interação médico-paciente pode também estabelecer uma relação de autoridade de um sobre o outro, mediada pelo saber científico e não pelas necessidades de saúde e pela subjetividade de cada indivíduo frente ao sofrimento. Toda essa visão é decorrente do modelo de sociedade e assegura a base de sustentação do modelo assistencial vigente, sendo a escola médica um locus de poder-saber que interfere de forma significativa no perfil do médico formado e na proposta de formação no PROVAB. A relação assimétrica de poder no âmbito da educação entre docentes e aprendizes com incorporação tecnológica acrítica vai moldando as relações de poder explicitados por meio do saber médico baseado em homogeneização do conhecimento, normalização, hierarquização e centralização (Foucault, 1999).
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Em proposta pedagógica, baseada na mediação do processo de aprendizagem, ambos os atores aprendem com o processo, cabendo ao supervisor muito mais a função de mediador do processo de aprendizagem. É necessário, portanto, reconhecer que esses profissionais atuam nos territórios de prática com as suas valises ou caixas de ferramentas que eles acumulam com a vida. Apoiar estes profissionais para que eles ampliem as suas caixas de ferramentas ou valises (Merhy, 2002) podem agregar novos saberes e novas práticas em saúde a partir do encontro entre o trabalhador e usuário. Essa perspectiva pode gerar um deslocamento desses profissionais de uma postura centrada em procedimentos, na queixa-conduta, para uma atitude agenciadora do cuidado. A educação permanente passa, então, a ser estratégica para mudar o processo de trabalho e investir em práticas cuidadoras (Merhy, 2002). A educação permanente, diferentemente de outras ações educativas como cursos, Telessaúde e outros é um dispositivo que propõe articular aprendizado no trabalho e a partir do trabalho, produzindo implicações e compromissos com a mudança do processo de trabalho e com as necessidades de saúde da população. Para produzir potência, as políticas de provimento devem ter o compromisso com a mudança do processo de trabalho. Para que isso ocorra, é necessário o aprendizado mútuo entre a academia e os serviços, na busca de compromisso com a mudança da realidade sanitária local e a perspectiva da educação permanente, cujo conceito ainda não foi devidamente incorporado pelo SUS, produzindo fatores de confusão com as práticas educativas no âmbito da educação continuada.
Inquietações do presente, rumo ao futuro: a regulação da formação profissional e do trabalho por parte do Estado Analisando esses processos de forma dinâmica e dialética, observamos que o PROVAB está, a cada momento, passando por mudanças, seja no âmbito das modelagens de contratação, seja na proposta educacional. Novos formatos para o PROVAB 2013 foram incorporados, um deles refere-se ao profissional médico, que passa a receber bolsa federal pelo trabalho, na modalidade trabalhador-estudante, com a obrigatoriedade de cursar a Especialização em Atenção Básica. Essa dimensão de bolsa de estudo, que articula trabalho e educação, tem a perspectiva de fortalecer o aspecto de formação e de educação do PROVAB. O PROVAB, apesar de todas as dificuldades no seu processo de implantação, está contribuindo para o provimento de médicos nas diversas regiões do Brasil. Como avanços dessa experiência, podemos destacar a possibilidade de levar assistência médica à população, ampliando o acesso às ações e serviços de saúde nas regiões mais remotas do país e a integração ensino-serviço por intermédio da inserção das universidades no SUS por meio das atividades de supervisão. Entre as dificuldades relatadas na primeira versão do programa, destacam-se as desistências dos profissionais em participar do programa, a dificuldade de comunicação entre os diversos atores, a falta de integração dos diversos componentes do programa, ainda operando de forma fragmentada e desarticulada, concepção de supervisão médico – centrada e com viés avaliativo e punitivo. Embora prover médicos seja necessário, a agenda do campo temático do trabalho e da gestão da educação na saúde se constitui uma agenda estratégica para o SUS. A regulação do trabalho e da formação profissional previsto na Constituição Brasileira e na Lei 8.080/1990, ainda não foi implementada, apesar da política de provimentos de médicos trazer alguns elementos regulatórios na agenda. A análise dos processos de implementação do PROVAB nos revela, entretanto, que, além de uma agenda no campo da macropolítica, há a necessidade de formular propostas que considerem a micropolítica dos processos produtivos, considerando que “todos fazem gestão, todos fazem educação permanente e todos de uma certa maneira governam” (Merhy, 2013) ao definirem condutas dentro dos seus consultórios, nas visitas domiciliares e na dinâmica da vida. A incorporação da educação permanente como estratégia para superar a dicotomia ensino e serviço, revela-se como um dispositivo potente para a mudança do modelo de atenção e do cuidado à saúde da população. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.913-26, out./dez. 2013
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O fortalecimento da proposta de supervisão sob a perspectiva do apoio às equipes e de forma multiprofissional, nos princípios da educação permanente, reconhecendo, cooperando com os trabalhadores do SUS, entre eles os profissionais do PROVAB, produzindo agenciamentos, pode ser um importante fator de mudança das práticas e do cuidado em saúde. Desse modo, dialogar sobre quais modelos de formação profissional e de educação permanente se quer construir e quais as disputas e os interesses, assim como definir qual marco regulatório na gestão do trabalho e da educação para o país, são desafios importantes a serem discutidos em uma agenda propositiva nesse campo temático.
Colaboradores Os autores Mônica Sampaio de Carvalho e Maria Fátima de Sousa participaram da elaboração do artigo de sua discussão e da redação e da revisão do texto. Referências BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012a. (Série E. Legislação em Saúde). BRASIL. Decreto 7.508/2011, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Brasília, 2011a. (Série E, Legislação de Saúde, p.7). BRASIL. Portaria Interministerial nº 2.087, 1º de setembro de 2011. Institui o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 2 set. 2011b. Seção 1, p.92. ______. Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde; a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 set. 1990. Seção 1, p.18055. CAMPOS, G.W.S. Os médicos e a política de Saúde: entre a estatização e o empresariamento – a defesa da prática liberal da Medicina. São Paulo: Hucitec, 2006. 924
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Acesso em: 17 nov. 2013. MERHY, E.E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002. ______. Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: contribuições para compreender as reestruturações produtivas do setor Saúde. Interface (Botucatu), v.4, n.6, p.109-16, 2000. MERHY, E.M.; ONOCKO, R. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec, 1997. MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9.ed. São Paulo: Hucitec, 2006. ______. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 23.ed. Petrópolis: Vozes, 2004. SANTOS, B.S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2000. ______. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989. SANTOS, R.C. Saúde todo dia: uma construção coletiva. São Paulo: Hucitec, 1998.
Se analiza como ha enfrentado Brasil la carencia de médicos y los intentos de superar la situación de forma articulada con las políticas de salud y estrategias de formación y fijación de esos profesionales, de acuerdo con las necesidades del Sistema Único de Salud (SUS). Se consideró como estudio de caso el PROVAB (Programa de Valorización de la Atención Básica) creado por el Gobierno Federal en 2011, cuyo objetivo es proporcionar profesionales de salud a las localidades que los necesitan, destacándose las siguientes ofertas del programa: puntuación del 10% en los exámenes de prácticas después de evaluación del profesional y actividades estructuradas de educación a distancia y supervisión. El PROVAB se analizó dentro del contexto actual de la política de Gestión del Trabajo y de la Educación en la Salud, buscando entender su implementación mediante discursos, movimientos, acontecimientos y datos cualitativos y cuantitativos puestos a disposición por el Ministerio de la Salud. Se señalan caminos para el desarrollo de la gestión del Trabajo y de la Educación en la Salud en Brasil.
Palabras-clave: PROVAB. Atención Básica a la Salud. Educación médica. Práctica profesional. Educación permanente. Recebido em 16/05/13. Aprovado em 08/06/13.
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DOI: 10.1590/1807-57622013.0565
debate
Gestão da educação e do trabalho na saúde: enfrentando crises ou enfrentando o problema? Management of healthcare education and work: dealing with crises or dealing with the problem? ¿ Gestión de la educación y del trabajo em salud: ¿ enfrentamento de crisis o del problema?
Alcindo Antônio Ferla1 Lisiane Bôer Possa2
O artigo de Mônica Carvalho e Maria Fátima de Sousa traz para o debate uma questão muito relevante, que pertence a uma agenda ainda não concluída nas políticas de saúde do Brasil: a gestão da educação e do trabalho na saúde e o modo como essa gestão se articula com as políticas de saúde. Esse é um tema que mobiliza diferentes perspectivas. Queremos abordá-lo sob a de política pública com o foco que as autoras propõem, ou seja, tomando o provimento e a fixação de profissionais como questão marcadora - e dialogar com a afirmação de que é necessário definir um “marco regulatório” para orientar as ações dos diferentes atores. Inicialmente, é preciso considerar que as políticas de saúde induziram a ampliação da oferta de serviços de saúde no país. Considerando os dados da Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária de 2009 (IBGE, 2010), verificamos um crescimento de 220% no número de estabelecimentos de saúde no período de 1988 a 2009, sendo que tal fenômeno é maior no setor público (o número de estabelecimentos mais que dobrou de 21,5 mil para 50,3 mil) do que na iniciativa privada (de 12,2 mil para 24,5 mil no mesmo período). Ainda entre 1988 e 2009, os dados mostram também uma pequena retração nos estabelecimentos de saúde com internação e um grande crescimento nos serviços de saúde sem internação (26,5 mil para 67,9 mil), tanto no segmento público (19,6 mil para 47,4 mil) quanto no privado (6,9 mil para 20,5 mil). Esse crescimento do número e da diversificação dos serviços produziu um incremento substancial no número de empregos em todo o país, aumentando de pouco mais de 575 mil, em 1980, para mais de 2 milhões de empregos em 2009 (IBGE, 2010). Esses dados não se referem ao setor de saúde como um todo, mas aos serviços assistenciais. Além da ampliação da rede, esses dados informam a mudança substancial do perfil do trabalho, efeito que está associado, em grande medida, à implantação de políticas de atenção básica, em particular, à Estratégia de Saúde da Família; portanto, com expectativa de reorganização de práticas. A questão que se coloca é: como essa mudança no perfil dos serviços foi absorvida pela formação dos trabalhadores? O próprio artigo informa que essa mudança passou ao largo da formação e das diversas iniciativas pontuais feitas no período, tanto nos aspectos quantitativos quanto qualitativos. Sem alongarmos essa argumentação, basta o registro de que as tentativas de aproximação da gestão da educação e do trabalho não obtiveram
Bacharelado em Saúde Coletiva, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua São Manoel, 963, Bairro Santa Cecília. Porto Alegre, RS, Brasil. 90620-110. ferlaalcindo@gmail.com
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êxito em articular as necessidades do sistema de saúde e as mudanças na formação. No caso em questão, observam-se mudanças nas ações e nos serviços e manutenção das lógicas formativas e da inserção dos profissionais de saúde nas práticas. Evidenciam-se, também, resistências às políticas para a superação do descompasso entre as transformações nas políticas de saúde e de gestão da educação e do trabalho. Aqui, parece importante recuperarmos não apenas as análises sobre as características do modelo biomédico e sua prioridade na assistência e no hospital, conforme fartamente descrito na literatura crítica às práticas vigentes (Ferla, 2007), mas, também, o conceito de instituições médicas (Luz, 1986), que descreve as racionalidades atuantes em organizações de saúde e de educação. A autonomia entre políticas de saúde e educação e o predomínio de lógicas organizadas em torno do modelo de práticas vigentes têm parte de sua explicação associada à ação de instituições médicas, seja de âmbito corporativo, seja na reprodução do discurso hegemônico sobre a saúde. Parece-nos que um “marco regulatório” que pretenda capacidade institucional não deve negligenciar os efeitos de poder que essa rede de organizações e de discursos sobre a saúde tem sobre a formação e o trabalho. Ou seja, não basta apenas a aproximação entre os Ministérios da Educação e da Saúde para a formulação de políticas específicas, mas, também, a definição de uma orientação geral com base noutra lógica. Mantendo o diálogo sobre a definição de um “marco regulatório”, compartilhamos o diagnóstico de que iniciativas pontuais, como o PROVAB, terão apenas efeitos efêmeros, conforme demonstrado no estudo. O problema do provimento/da fixação de profissionais, sobretudo, médicos, é complexo, e não será resolvido pontualmente. As necessidades e características do trabalho no cotidiano demandam mais potência para a definição das mudanças. Também mais criatividade, o que nos faz lembrar a iniciativa dos Estágios e Vivências na Realidade do SUS (VER-SUS), retomado em 2011, e que já mobilizou estudantes e instituições, em diversas localidades do país, para o cotidiano do trabalho no SUS e a política de educação permanente. O novo “marco regulatório”, além de superar o modelo biomédico, precisa articular diferentes profissões e, sobretudo, constituir mecanismos efetivos de gestão com base no interesse público. A Constituição brasileira, na afirmação da cidadania, define a participação da população como diretriz do sistema de saúde, como marcadora do interesse público; e o Estado, como mediador dessa condição. A regulação corporativa, base do modelo atualmente vigente, teve início na primeira experiência da saúde como política pública por delegação e por conveniência do Estado. No sistema de saúde atual, fóruns híbridos de participação substituem a “especialização” na definição das bases para políticas. A superação da lógica corporativa deve incluir o reconhecimento desses espaços como fóruns de negociação do interesse público. A resposta governamental às dificuldades de provimento e fixação não pode esquivar-se de colocar como desafio não apenas a distribuição de profissionais, objeto de iniciativas pontuais implementadas há anos, mas os avanços na qualidade da clínica, da gestão, da formação e da participação no SUS, sob pena de reiterarmos o erro de mobilizar soluções para crises sucessivas, e não para o problema, que é o divórcio entre a gestão da educação e a gestão do trabalho na saúde.
Referências FERLA, A.A. Clínica em movimento. Caxias do Sul: Educs, 2007. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Assistência Médico-Sanitária 2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. LUZ, M.T. As instituições médicas no Brasil: instituições e estratégias de hegemonia. 3.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
Recebido em 25/06/13. Aprovado em 06/07/13.
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v.17, n.47, p.927-8, out./dez. 2013
DOI: 10.1590/1807-57622013.0733
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Médicos para o SUS: gestão do trabalho e da educação na saúde no olho do furacão! Physicians for the Brazilian National Health System (SUS): management of healthcare education and work at the eye of the hurricane! !
Médicos para el Sistema Único de Salud (SUS): gestión del trabajo y de la educación em el ojo del huracán! Laura Camargo Macruz Feuerwerker1
O artigo apresenta o problema do provimento e da fixação de médicos no Brasil, com foco na atenção básica, e as iniciativas políticas a ele endereçadas, particularmente, o Programa de Valorização da Atenção Básica (PROVAB). Inspirando-se em Foucault, as autoras utilizam como categorias analíticas: o poder, o saber, o trabalho e a meritocracia; e, também, como referenciais para a análise: formação médica, educação permanente, saberes tecnológicos, poder médico, relação médico-paciente, autonomia, disputa entre corporações e governo, entre outros. Difícil a escolha de por onde desenvolver o debate, uma vez que tudo instiga a ação: o tema, o modo como se contou a história, como se fez a análise, como foram usados os referenciais anunciados etc. À luz da teoria de Foucault, creio ser possível reconstruir a história com uma perspectiva mais crítica. Durante todo o processo de construção do SUS, as agendas da gestão do trabalho e da educação na saúde vinham sendo negligenciadas – até o momento atual, em que partes delas ganham importância na intervenção política do governo federal. Explicações? A perspectiva dominante – de considerar trabalhadores em saúde como recursos e usuários como objeto de intervenção – visibiliza saberes (conceitos) e poderes. Trabalhadores-recursos, insumos do processo de trabalho e usuários-objeto de intervenção não são reconhecidos como atores ativos da produção do SUS. Mas são atores ativos, que operam na micropolítica do cotidiano – disputando projetos, fazendo escolhas, ocupando, uns, lugares de trabalho, e não outros – e também na definição das políticas, como corporação, impondo ou embargando agendas e processos de negociação. A omissão em relação à agenda da gestão do trabalho e da educação tem consequências graves, sobretudo, quando o sistema público convive com um sistema privado de saúde. O SUS, assim, acumula derrotas sucessivas: na disputa do imaginário público em relação ao conceito e à produção da saúde, na disputa pelo modelo de atenção, na produção das expectativas e sonhos dos futuros e dos atuais trabalhadores da saúde, na orientação da formação dos profissionais de saúde – tanto em relação ao perfil como na localização de cursos de graduação, residências etc. Nos últimos doze anos, houve iniciativas, mas, no geral, tímidas, localizadas, débeis, diante da ferocidade da disputa social enfrentada.
1 Departamento de Prática de Saúde Pública, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Av. Dr. Arnaldo, 715. São Paulo, SP, Brasil. 01246-904 . laura.macruz@usp.br
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Faltam médicos no Brasil? Sim! E a situação atual é uma coprodução da omissão dos governos e da atuação ativa da corporação médica e dos agentes de mercado na saúde. De quantos médicos precisamos? Depende do modelo de atenção, dos arranjos tecnológicos do trabalho, da aposta ou não na produção de redes vivas, de espaços de encontro e diálogo entre trabalhadores etc. Mas, muito além do número, é preciso discutir quanto a que médicos precisamos. Não apenas se serão generalistas ou especialistas. Está em questão a base da formação: orientada ao biológico ou às necessidades dos usuários, centrada em procedimentos ou na produção do cuidado, produzida para subordinar/enquadrar/ controlar ou para ampliar possibilidades de produção da vida? Essas definições são importantes para os médicos (e trabalhadores da saúde em geral), independentemente da especialidade e local de trabalho. Necessário importar médicos? Neste momento, sim, dada a dramática escassez experimentada não somente na atenção básica e nos lugares distantes ou muito pobres, mas, também, na urgênciaemergência, nos CAPS, nos ambulatórios de especialidades, nas UTIs etc. Mas é preciso enfrentar o problema de modo incisivo. Ampliar as vagas de graduação, sim, mas não se apoiando no mercado (escolas privadas orientam-se pelo mercado e, visando ao lucro, seguirão nos grandes centros, de maior concentração de riqueza). É preciso assegurar que os estudantes oriundos dos bairros populares, das comunidades de trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas tenham a possibilidade de ocupar um significativo número de vagas nos cursos de medicina. Cotas são importantes para isso, mas, também, é necessário regionalizar – possibilitar, por exemplo, que os estudantes da região Norte acessem as vagas ali existentes – coisa que nem o vestibular, nem o Sisu asseguram; os estudantes da região Sudeste têm ocupado a grande maioria das vagas dos cursos de medicina em todo o país. Para mudar o perfil da formação - aí discordando das autoras -, a questão principal não é a pedagógica, a da relação saber-poder entre professores e estudantes. O embate principal se dá em torno da relação com os usuários: usuários-corpo (com órgãos e sem órgãos), usuários-objeto, usuários que devem ser submetidos pelos profissionais, aí, sim, numa relação saber-poder que recusa todo e qualquer saber que não seja fruto da ciência. Há que se fazer a vida e a produção do cuidado invadirem a formação. Não somente nas unidades básicas, mas, também, nos ambulatórios e hospitais, trazendo a integralidade e as tecnologias leves para o centro da cena. E não somente na graduação, mas, também, nas residências, em todas elas. O PROVAB é uma medida em prol do provimento de médicos, especialmente, para os locais mais distantes. A iniciativa é válida, pois há a necessidade dramática de estratégias para se interferir num mercado de trabalho superaquecido e atrair médicos para a saúde da família. Mas o processo não é de valorização da atenção básica, já que o principal atrativo para os jovens médicos é, exatamente, o acréscimo na nota nos concursos para residência (por meio dos quais ascendem às especialidades e se distanciam da atenção básica). Salário, moradia, acesso à internet e formação, boas condições de trabalho, mas não somente para os médicos, e, sim, para todos os trabalhadores da saúde. Boas condições de trabalho que não são apenas materiais, mas incluem a produção de espaços de construção compartilhada, de problematização, de produção de deslocamentos e que implicam outro encontro entre médicos e todos os outros trabalhadores da saúde. Inclusive, trabalhando com um conceito ampliado de cuidado, a escassez de médicos pode ser uma boa oportunidade para se reinventarem as equipes e o trabalho interprofissional no SUS e para se reavaliar o que podem fazer as equipes em seus encontros com os usuários, no sentido da escuta, da desbiologização do viver, da produção mútua e do enriquecimento das existências. Oportunidade para desmanchar o critério médico-centrado para a legitimação de equipes!
Recebido em 27/08/13. Aprovado em 03/09/13.
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COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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DOI: 10.1590/1807-57622013.0762
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Alguns comentários sobre o tema Some comments on the topic Algunos comentarios sobre el tema
Marco Aurelio Da Ros1
O tema ganhou excepcional atualidade, além de ser altamente complexo. Acredito que vivemos um momento histórico e de inflexão no assunto provimento de profissionais de saúde (entre eles, os médicos) para as necessidades da população brasileira. O artigo enviado para a discussão tem grandes méritos, e alguns pontos que, imagino, poderiam ter sofrido maior reflexão. Localiza, já no resumo, um dos cernes da questão: a educação. Portanto, uma das matrizes de discussão proposta é o modelo de formação e a necessidade de educação permanente, em especial, para a atenção básica, que é a estrutura da organização de todos os países que conseguiram viabilizar seus sistemas de saúde. Para encarar a situação brasileira, temos um problema quali e quantitativo. Nosso modelo formador atual não forma para uma boa prática em AB, e estamos formando muito poucos médicos no Brasil (temos muitas faculdades, mas com poucos alunos cada uma), além de estarem mal distribuídos. As residências, que formam para as especialidades embora sustentadas pelo governo, não atendem às necessidades da população brasileira em sua grande maioria. Isso está bem localizado no artigo, que conta, ainda, com categorias de análise muito consistentes. Acredito, porém, que deveríamos ser mais generosos com os antecedentes históricos que tentaram resolver a questão da formação de médicos adequados para a realidade brasileira. Nas décadas de 1970 a 1990, imaginávamos (nós, do movimento sanitário, como proposta organizativa) que poucos médicos eram atraídos para a saúde coletiva, para a Medicina Comunitária (hoje, chamada de Família) em função da baixa oferta salarial e de não existir essa demanda, como mercado de trabalho. As primeiras iniciativas de enfrentar essa situação datam do PIASS, da Residência em Medicina Comunitária do Murialdo ou da Reforma Curricular da UFMG, todas em 1976. No pós-ditadura, para acelerar o provimento, após a criação do SUS, foi instituído o PSF, com salários mais atrativos, que fornecia subsídios governamentais para fixação. A resposta foi pífia e correspondia a recémformados - que ainda não tinham sido aprovados nas residências sonhadas e, após seis meses ou um ano, abandonavam seu posto de trabalho novamente em busca da residência - ou a médicos aposentados em cidades grandes, buscando qualidade de vida no interior do país.
COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
Programa de Mestrado Profissionalizante em Saúde e Gestão do Trabalho, Universidade do Vale do Itajaí. Rua Uruguai, 458, bloco F6, sala 311, Centro. Itajaí, SC, Brasil. 88302-202. ros@ccs.ufsc.br 1
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Especialmente com a experiência do CINAEM, “descobriu-se” que as faculdades, em sua maioria, estavam ensinando dentro da lógica flexneriana e de sustentação ao complexo médico-industrial (portanto: hospital, exames, remédios, seguro-saúde). Tratava-se, pois, de modificar o modelo formativo. Para isso, as diretrizes curriculares nacionais (DCN), aprovadas em 2001, pareciam ser a saída. Como elas, na prática, não se efetivaram, o governo, em 2002, lança o edital do Pró-Med para estimular as mudanças curriculares na direção das DCNs. Acreditando na sua eficácia, o governo amplia, no ano seguinte, e abre, para outros cursos da área da saúde, o Pró-saúde. É possível que tais políticas tenham tido algum grau de impacto (não mensurado adequadamente), mas, na prática, o problema continuava como se nenhuma medida tivesse sido tomada. Acho importante essa história para o debate a fim de que se enfatizem as diversas tentativas criação do PSF, salários consequentes, DCN, estímulo para mudanças curriculares, ampliação de vagas para residências em MFC (que não são preenchidas) e bolsas para preceptores-tutores nas UBSs (com o programa PET) - e como tudo isso parece não mexer com o imaginário dos médicos em relação às necessidades da população. É nesse contexto, pós-experiências, que não resultaram em melhoria significativa da atenção/ distribuição dos médicos, que surge um novo discurso/programa no MS, o PROVAB, inequivocamente o tema central da análise deste artigo. A contextualização anterior serve não apenas para reforçar a bibliografia utilizada pelos autores, que localizam as causas, mas, também, para ampliar a noção de que é um problema de altíssima complexidade, e a categoria médica não responde às expectativas propostas pelos programas. O Provab ainda não tem uma avaliação analítica de seus resultados, até pela localização temporal, mas já se adiantam algumas coisas pelas leituras da imprensa e pelos informes ministeriais. Sua procura é pequena, atende à necessidade dos médicos de conquistarem os 10% de pontos a mais para a busca de vaga em uma residência; são preenchidas vagas em cidades grandes ou do litoral; a supervisão é insuficiente, e não fixa os médicos. Ao final do ano de 2012, em reunião nacional de prefeitos, ficou claro que era necessária uma política mais agressiva para resolver o problema da falta de médicos. No primeiro semestre deste ano (2013), foi apresentado, por meio da MP 621, o programa Mais Médicos para o Brasil, que desencadeou uma reação imensa, tanto da categoria médica como da imprensa. O desejo dos médicos é: trabalhar em cidade grande ou de litoral, especializar-se em tecnologia dura e receber altos salários, consultório privado, hospital, especialidade de ponta; e sentem-se inseguros e despreparados para enfrentar os desafios impostos pela tecnologia leve, e o trabalho no interior. Não se dispõem a ir para pequenas cidades do interior da Amazônia, ou do Nordeste, mesmo com altos salários, e justificam que é por não terem disponibilidade de equipamentos de alta tecnologia ou planos de carreira. É nesses locais, porém, que habitam, pelo menos, trinta milhões de brasileiros e não podem esperar esses equipamentos para serem atendidos. Vão morrer antes, de diarreia, infecção respiratória, hipertensão e doenças por falta de vacinação. Esses médicos também não se dispõem a fazer uma avaliação de sua capacidade médica ao finalizar seu curso (um revalida para os brasileiros formados aqui). Reagem, de forma fascista, à chegada de médicos estrangeiros; sentem-se ameaçados; querem o Revalida só para esses médicos, não querem modificação no tempo de formatura. Ou seja: expõem-se, enfim, as origens de classe e o tamanho do desafio para se cumprir um SUS como foi imaginado. A polêmica, é provável, ainda vai durar algum tempo, mas, seguramente, só a vinda de médicos do exterior também não irá resolver o provimento dos médicos. É mais uma medida paliativa. É preciso mexer com ideologia, com trabalho em equipe, com os outros profissionais. E, sobretudo, alterar a política formativa, aliando a perspectiva de emprego somente para os formados, conforme a necessidade do povo – em quantidade e qualidade boa. Cuba, um país pobre, conseguiu reverter os indicadores de saúde e, hoje, tem o maior índice de médicos por mil habitantes do mundo. O momento é de enfrentamento deste nó. O artigo foi escrito quando se abria a tempestade, que, agora, continua. Vai ser histórico também.
Recebido em 27/09/13. Aprovado em 29/09/13.
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DOI: 10.1590/1807-57622013.0789
debate
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Do provimento para a produção do encontro no SUS: de que médicos precisamos? Qual saúde desejamos? Nossos agradecimentos aos editores e pareceristas da revista, pelo incentivo à ampliação dos diálogos acerca do artigo sobre provimento e fixação de médicos no Brasil, e aos docentes e pesquisadores, Alcindo Antônio Ferla, Lisiane Bôer Possa, Marco Aurelio Da Ros e Laura Feuerwerker, pelas concisas apreciações e agudas reflexões no entorno das dimensões analíticas que circunscrevem o artigo (poder, saber, trabalho e meritocracia), todas com a intenção de iluminar as raízes do problema. As observações dos debatedores instigam não só reflexões de grande relevância para a questão do provimento e da fixação de médicos no Brasil, mas, também, para uma análise mais cuidadosa, na conjuntura atual, no tocante aos desafios da gestão da educação e do trabalho no ano em que celebramos os 25 anos de constituição do Sistema Único de Saúde (SUS). Os comentários dos autores/debatedores acima mencionados ressaltaram algumas dimensões das quais não foram tratadas no artigo original, por exemplo, o Programa Mais Médicos, e a vinda de profissionais estrangeiros para o país. Esta estratégia, como parte do planejamento governamental, ampliou o debate sobre provimento de médicos, trazendo vários pontos de vista que divergem no campo do poder e do conjunto de interesses conflitantes - o ponto de vista da corporação que deseja manter sob seu controle a regulação do trabalho médico e, o ponto de vista do governo que decidiu enfrentar o tema, de maneira a produzir uma “desestabilização” do status quo, alterando as relações no campo institucional, da micropolítica e do cuidado em saúde. Surge, ainda, com mais evidência, a participação da sociedade, por meio dos movimentos sociais que, desta vez, parecem apoiar as medidas do governo. Os autores convidados a debater concordam com os argumentos apresentados no artigo de que temos um problema de quantidade de médicos e de distribuição, mas acreditam, como nós, que não é apenas o provimento que vai resolver o problema da saúde no país. Da Ros aposta que o problema é qualitativo e quantitativo; Feuerwerker traz o debate da micropolítica; e Ferla e Bôer apontam para a superação do modelo biomédico na perspectiva da regulação. Todos os autores identificam que o modelo de formação atual precisa mudar para uma visão mais ampliada de cuidado. Feuerwerker propõe que seja ampliada a política de regionalização dos novos cursos e prevalência do público, porque tais cursos, além de proporcionarem oportunidade à população local de concorrer às vagas apresentadas, acabam contribuindo para a efetivação de seus profissionais. Insiste Da Ros em propostas mais substanciais de provimento, para além do PROVAB, como o Mais Médicos, e faz recordar uma série de iniciativas históricas, apresentadas, também, por nós no artigo, e que buscaram e buscam resolver questões dessa natureza. Vale destacar que, entre as ações propostas no Mais Médicos, a vinda de médicos estrangeiros pode, no nosso entender, trazer importantes contribuições para as regiões brasileiras. Isso se explica, entre outros fatores, pelo compromisso desses profissionais com a Saúde Pública e com a Atenção Básica nos seus locais de origem.
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No contexto das grandes conturbações, é possível concordar com Ferla e Bôer, quando destacam que a regulação da formação médica é uma agenda estruturante, mas nosso país ainda não a tratou como tal. Entretanto, são históricas e visíveis as várias tentativas de “resolver” essa questão. Quanto à linha de raciocínio de Feuerwerker, com quem concordamos em parte, esclarecemos que a contribuição que Foucault (1999, 1998, 1996) traz a esse debate e ao artigo apresentado extrapola a discussão pedagógica. Ela vai para o campo do saber – disciplinar, que ele mesmo define como controle das subjetividades. Isso é evidenciado no cotidiano dos serviços de saúde, nas relações de trabalho, nas relações com os usuários e no âmbito das universidades no campo da formação. Esse campo de saber – disciplinar – interfere nas alteridades entre os sujeitos, onde os processos de submissão e sujeição a conceitos, conteúdos e práticas ocorrem no dia a dia e acabam conformando a visão da sociedade sobre o médico, visto hoje, por parte desta, como um ser superior aos outros cidadãos, acima do bem e do mal. Como, então, construir um projeto terapêutico negociado entre o médico, a equipe e o usuário? Na maioria das vezes, a proposta é imposta na perspectiva da adesão ou não do usuário ao tratamento. A aposta no trabalho vivo proposto por Merhy (2002) e Merhy et al. (2003, 2000), a partir de uma prática centrada no cuidado, e não em procedimentos, rompe com a visão medicalizante, porque acredita na potencialidade do encontro entre sujeitos usuários – trabalhadores, estudante, professor e equipes, entre outros –, a partir do qual todos são capazes de construir os seus modos de existência, seja de sujeição, seja de resistência ou de alteridade. Essa visão também dialoga com o conceito de meritocracia, identificada como ponto de conflito entre gestores e corporação no PROVAB, e que, hoje, podemos ver sendo disputada na vinda de médicos estrangeiros para o Brasil, mais especificamente os cubanos, nesse caso. A meritocracia de que estamos falando aqui não é aquela que nos é apresentada por meio de uma visão elitizada, preconceituosa e xenofóbica. O que propomos é uma meritocracia articulada à experiência de cada um no âmbito do trabalho, por meio do qual os saberes servem como ferramenta (Merhy et al., 2003), e o trabalho pode ser um lugar de criação, de compartilhamento e de aprendizado. Estamos de acordo com o que afirma Feuerwerker quando assinala a relevância da construção de uma política pública que se desvincule da lógica instrumental. A aposta no reconhecimento e na cooperação, como nos sugere Merhy em palestra proferida no Seminário da Rede Unida em Londrina em 2013, significa uma mudança central nas estruturas de biopoder. Reconhecer que todos são sabidos, que todos fazem gestão, que todos fazem educação, e que precisamos de menos adestramento e mais potencialização dos processos existentes nos territórios. Isso é o próprio conceito de Educação Permanente – construção, negociação, conexão com o outro. Discordando da corporação, é óbvio que, sem o médico, não conseguiremos assegurar o mínimo de dignidade aos seres humanos, que é o acesso a um médico quando ficam doentes. Mas, não é apenas o fato de termos médicos nas localidades que estamos assegurando práticas cuidadoras e de satisfação dos usuários. Se não alterarmos a formação e o modelo de atenção vigente, talvez tenhamos dificuldades em longo prazo. A ausência da regulação estatal também tem produzido distorções no processo de formação e de recrutamento do médico para o mercado. Essa é uma pauta necessária, mas, não, pela perspectiva do controle dos sujeitos, e sim pela do controle da lógica privatista que acomete o SUS hoje, interferindo nas escolhas profissionais e na lógica de cuidar. Não passa, apenas, por copiar experiências internacionais e adaptá-las ao Brasil. Antes, é necessário respondermos à questão já apontada por Ferla e Bôer, quando nos instiga indagando de que médicos a sociedade brasileira precisa. Para, assim, desenharmos o modelo de regulação que necessitamos. E mais, é necessário não perdemos de vista outras questões, como: de que modelo de atenção à saúde estamos falando (Sousa, 2007, 2002) e de quem estão a serviço esses médicos? Com isso, seguiremos ampliando os diálogos, por meio de estudos e pesquisas que venham complementar essa análise, tanto sobre o ponto de vista da reforma do ensino médico, como da educação permanente dos trabalhadores do SUS, para que possamos, em um futuro breve, afirmar os avanços do Brasil na política e gestão do trabalho e da educação na saúde para o seu povo! 934
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debate
Referências FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. ______. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1996. MERHY, E.E. Gestão para a produção do cuidado em redes de atenção à saúde. In: ENCONTRO REGIONAL SUL DA REDE UNIDA, 2013, Londrina. Palestra ... Londrina, 2013. Partes 1 e 2. Disponíveis em: <https://www.dropbox.com/s/mi1viossy7kbklr/Emerson%20Elias%20Merhy%20%20Encontro%20Regional% 20Sul% 20da%20Rede%20Unida%20-%20.mp4>; <https:// www.dropbox.com/s/qzptbpb4nhh9vpk/Emerson%20Elias%20Merhy%20%20PARTE%2002%20Encontro%20Regional%20Sul%20da%20 Rede%20Unida.mp4>. Acesso em: 17 nov. 2013. ______. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002. ______. et al. O trabalho em saúde: olhando e experimentando o SUS no cotidiano. São Paulo: Hucitec, 2003. ______. et al. Um ensaio sobre o médico e suas valises tecnológicas: contribuições para compreender as reestruturações produtivas do setor Saúde. Interface (Botucatu), v.4, n.6, p.109-26, 2000. SOUSA, M. F. (Org.). Programa Saúde da Família no Brasil: análise da desigualdade no acesso à Atenção Básica. Brasília: Editora do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília, 2007. ______. Os sinais vermelhos do PSF. São Paulo: Hucitec, 2002.
Recebido em 18/09/13. Aprovado em 25/09/13.
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DOI: 10.1590/1807-57622013.3811
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O impacto da extensão universitária sobre a formação acadêmica em Odontologia* Cristina Berger Fadel¹ Danielle Bordin² Eunice Kuhn³ Luciana Dorochenko Martins4
Introdução Conforme o Plano Nacional de Extensão Universitária, elaborado no Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Brasil, 2002a), a extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade. Apresenta-se, ainda, como uma das práticas acadêmicas com potencial para interpretar, na universidade, as demandas que a sociedade impõe, uma vez que permite socializar o conhecimento e promover o diálogo entre o saber científico e o saber popular. Entende-se, aqui, que esta aproximação e (re)significação dos saberes deva ser exposta como uma importante estratégia para a ação e a transformação da realidade em saúde de diferentes populações, num verdadeiro processo de mudança do método formativo tradicional. Especificamente para o campo acadêmico, verifica-se uma preocupação crescente com o modelo formador do profissional em saúde, na qual, cada vez mais, se configura a necessidade de profissionais aptos a contribuírem com a sociedade num contexto de profundas mudanças, não somente em seu próprio campo profissional, mas, também, nos campos político e social (Costa, 2007). Neste sentido, a extensão universitária assume o papel de potencializadora desta relação, por meio da diversificação de cenários e metodologias de aprendizagem, implementando novos espaços de discussão, análise e reflexão das práticas no cotidiano do trabalho e dos referenciais que as orientam (Ferreira Fiorini, Crivelaro, 2010; Ceccim, 2005; Feuerwerker, Costa, Rangel, 2000), reafirmando, ainda, o seu compromisso na formação acadêmica humana e social. A partir do reconhecimento da importância de ações extensionistas para docentes, discentes, técnicos e sociedade, com vistas a potencializar e ampliar os patamares de qualidade das ações institucionais, o Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) desenvolve uma iniciativa inovadora intitulada ‘Projeto nós na rede: contribuições da Odontologia para educação, prevenção e manutenção da saúde’. Como principais objetivos, destacam-se: atenuar a carência de políticas de apoio voltadas para a comunidade acadêmica da UEPG, especialmente em situação de vulnerabilidade social, e a sua
Departamento de Odontologia, Universidade Estadual de Ponta Grossa. Rua Dr. Paula Xavier, 909. Ponta Grossa, PR, Brasil. 84010-270. cfadel@uepg.br ² Mestranda em Odontologia Preventiva e Social, Faculdade de Odontologia de Araçatuba, UNESP - Univ Estadual Paulista. 1,3,4
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comunidade externa, no âmbito da saúde bucal, e oportunizar, ao acadêmico de Odontologia, uma vivência prática de atenção coletiva em saúde. Este projeto atua como instrumento viabilizador da estratégia de Promoção da Saúde (Brasil, 2010), disseminando informações, com ênfase no empoderamento e na autonomia dos sujeitos, realizando ações de cunho educativo e preventivo em saúde bucal, e acolhendo necessidades odontológicas curativas. Percebendo a extensão universitária como uma atividade capaz de imprimir novos rumos à formação acadêmica, constituindo-se instrumento indispensável de aprendizagem e de formação profissional e pessoal, o presente estudo buscou avaliar a contribuição da extensão universitária, por meio do projeto ‘Nós na Rede’, na formação e história de vida de estudantes do curso de Odontologia da UEPG.
Metodologia Este trabalho qualitativo, classificado como descritivo-exploratório, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UEPG, segundo a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Os informantes Constituíram-se sujeitos desta pesquisa os acadêmicos de Odontologia que participaram do projeto de extensão ‘Nós na rede’, no período compreendido entre abril de 2011 e abril de 2012, quando em acordo com sua participação e sob garantia de total sigilo e anonimato. Como não houve recusa por parte dos informantes, nove acadêmicos compuseram a amostra final.
O projeto O projeto extensionista ‘Nós na rede’ se dedica ao acolhimento das demandas educativas, preventivas e curativas, em saúde bucal, da comunidade acadêmica da UEPG e de sua comunidade externa em geral, atuando em três frentes de trabalho. Uma delas refere-se à capacitação continuada dos extensionistas, efetivada por meio de reuniões periódicas, com o intuito de fomentar a discussão sobre diferentes potenciais humanos e estratégias de atuação junto a pares acadêmicos e comunidade externa, além de questões técnicas e científicas específicas da saúde bucal em âmbito coletivo. Outra é destinada à atenção preventiva e curativa em saúde bucal, aos acadêmicos da UEPG, a qual é desenvolvida semanalmente em dispensário odontológico da própria instituição. Durante esta etapa, os extensionistas realizam, primeiramente, atividades educativas em saúde bucal utilizando-se do diálogo, de vídeos e de materiais educativos impressos, e, posteriormente, procedem à realização de criterioso protocolo clínico, com ampla anamnese e com o reconhecimento de necessidades odontológicas curativas. A terceira vertente contempla a disseminação de informações junto à comunidade externa, rotineiramente viabilizada por meio de parcerias com instituições públicas locais e regionais, desenvolvidas em diversos espaços sociais, onde professores e alunos de Odontologia buscam desenvolver habilidades pessoais e a ampliação das concepções humanas sobre a saúde e a doença, capacitando os indivíduos e tornando-os aptos a minimizarem as suas situações de vulnerabilidade pessoal e coletiva, no âmbito da saúde bucal.
Obtenção das informações Como subsídio para a coleta de dados, utilizou-se a técnica denominada grupo focal, estruturada, inicialmente, por Merton et al. (1956). Esta é uma modalidade científica da pesquisa qualitativa utilizada no entendimento das diferentes percepções e atitudes acerca de um fato, prática, produto ou serviço (Iervolino, Pelicioni, 2001). A essência do grupo focal consiste na interação entre os participantes e o pesquisador, que objetiva colher dados a partir da discussão focada em tópicos específicos e diretivos (Iervolino, Pelicioni, 2001).
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Desta forma, no presente estudo, um único pesquisador previamente treinado e calibrado utilizou-se de um roteiro de tópicos, elaborado no sentido de orientar uma conversa, visando apreender o ponto de vista dos sujeitos entrevistados sobre temas preestabelecidos (motivação para participar, entraves/ contribuições, especificidades/peculiaridades, considerações); ou seja, permitiu-se o livre discurso e, ao mesmo tempo, o delineamento da conversa, buscando manter a entrevista sintonizada com os objetivos da pesquisa. A técnica de entrevista em grupo focal foi realizada em espaço neutro, externo às dependências da UEPG, visando a liberdade de expressão dos informantes. A entrevista teve duração de setenta minutos e foi gravada, para que não se perdesse nenhuma informação que o entrevistado pudesse espontaneamente dar, bem como para se obter, juntamente com as palavras, a emoção e/ou sentimento passado pelo entrevistado. Posteriormente, os relatos foram transcritos e analisados.
Análise das informações O material produzido por meio de entrevista foi tratado de acordo com a técnica de análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), proposta por Lefèvre (Lefèvre, Lefèvre, 2003). Consiste na reunião, de um só discurso-síntese, de vários discursos individuais emitidos como resposta a uma mesma questão de pesquisa, por sujeitos social e institucionalmente equivalentes ou que fazem parte de uma mesma cultura organizacional e de um grupo social homogêneo. Os relatos obtidos nas entrevistas foram analisados para a identificação das expressões-chave de conteúdo similar, e identificação das ideias centrais, para, posteriormente, formular-se uma síntese única originária dos discursos. Os DSCs foram discutidos com suporte da literatura científica.
Resultados e discussão Do total de acadêmicos entrevistados (n=9), oito pertenciam ao gênero feminino e um ao gênero masculino, distribuídos ao longo do terceiro e quarto anos do curso de Odontologia. A faixa etária média dos participantes foi de vinte anos. Na sequência, expõem-se as temáticas extraídas, as ideias centrais e os discursos resultantes da análise, bem como a discussão com base em referencial teórico.
Tema 1 – Por que estou aqui? Ideia central – Rompendo com paradigmas pedagógicos e curriculares tradicionais DSC – Eu queria fazer alguma coisa além do teórico, algo que fosse fora clínica, fora da aula, fora da cobrança [...] queria ver como seria trabalhar sem tensão, sem a exigência de nota por produção, essa parte [...] eu queria fazer além, mesmo sem saber exatamente como.
O Ensino Superior vivencia, atualmente, um processo de esgotamento do seu modelo tradicional de educação, estando a necessidade de mudanças nessa concepção nas pautas de discussão há algum tempo (Araujo, 2006), apesar dos recentes avanços. Sobretudo quando debate os seus métodos avaliativos nas áreas da saúde e apesar das tentativas de enfoque na ‘qualidade’ da produção acadêmica; o método quantitativista é ainda uma estratégia que continua fortemente arraigada nas instituições de Ensino Superior. Superar essa dicotomia e mesclar a técnica às relações humanas é um desafio que há tempos se coloca nos currículos de graduação e nas políticas públicas e práticas de saúde (Freitas, Calvo, Lacerda, 2012; Lanzieri et al., 2011; Villa, Aranha, 2009). Este fato contribui para que muitos acadêmicos busquem uma maneira de inovar, capaz de contribuir com as formas alternativas de trabalho e que rompam com as estruturas tradicionais (Lima et al., 2010). A extensão universitária assume uma destas formas, como destacado no discurso acadêmico, uma vez que possibilita ao estudante
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(re)produzir, de maneira diferenciada, os conhecimentos adquiridos ao longo da sua graduação e transcender os arraigados processos avaliativos universitários. Ideia central – A realização por meio do que é coletivo DSC - Queria vivenciar uma experiência nova e ter a oportunidade de trabalhar com pessoas mais carentes [...] acho que conta muito para a nossa formação [...] a gente se sente útil, ver que está fazendo alguma coisa pela comunidade. Mesmo que seja pouca coisa, mas aquilo a gente vê que vai fazer diferença mesmo que seja na vida de uma pessoa [...] a gente sente que está fazendo nosso papel na sociedade, a gente aprende a ser mais ético e humano também.
Estudos relatam a importância do desenvolvimento de trabalhos de caráter comunitário, uma vez que se trata de um serviço comprometido com a sociedade e alicerçado na liberdade de escolha, o qual busca trazer novos valores e reforçar os existentes na sociedade, para a transformação em um mundo melhor (Reis, 2001). Para Selliet et al. (2008), quando um indivíduo se propõe a desenvolver atividades coletivas, ele é beneficiado pelo: aprendizado, superação de si mesmo, redimensionamento do cotidiano, encontro com a própria humanidade, despertar da sensibilidade humana, possibilidade de aplicar os conhecimentos adquiridos durante a graduação, e criação de vínculos com a comunidade. Ainda, relaciona-se a sensação da realização pessoal e da satisfação íntima pelo prazer e alegria em servir (Selli et al., 2008; Drury, Reicher, 2005; Reis, 2001). Corroborando com o presente estudo, Reis (2001) relata ser comum o engajamento de estudantes em atividades voluntárias, não apenas para exercitar a caridade, mas como uma forma de cidadania e reconhecimento da importância da sociedade ao longo de sua vida acadêmica. Ideia central – O desejo de ser reconhecido e valorizado DSC – Você vira referência na sala de aula, perante os colegas [...] eles não têm noção às vezes do que a gente faz e encontra, mas sabem que é diferente [...] a gente se sente importante, quando tem eventos fora da universidade somos nós que vamos representar a instituição [...] é gostoso se sentir referência de um projeto de extensão voltado para a comunidade e ter mais responsabilidade! [...] conviver com os professores de maneira mais informal também é bem bacana.
De acordo com Hallack e Silva (2005), qualquer que seja o trabalho numa organização, instituição, ele, no mínimo, proporcionará ao sujeito um bem precioso: a possibilidade de identificação social e cultural através da incorporação de valores. Os extensionistas, em seus discursos, traduzem os trabalhos por eles desenvolvidos em sentimentos que tangem a necessidade de identificação, idealização, valorização e reconhecimento pessoal. O respeito e a confiança estabelecidos entre professor-aluno e aluno-instituição, o orgulho de fazer algo importante para si e para a sociedade, e o prazer em enfrentar e vencer desafios, também são positivamente destacados.
Tema 2 – Mãos à obra Ideia central – Os inevitáveis entraves e frustrações DSC – [...] minha frustração é quando queremos abordar uma pessoa no aspecto não clínico e ela não tem interesse, mas isso não é nossa culpa, nós queríamos levar informação, mas tem aqueles que não estão muito afim de ouvir [...] mas se apenas um vai ouvir, temos sempre que nos focar naqueles que fazem o nosso esforço valer a pena!
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Trabalhar com ações informativas que demandem a (re)educação da população em termos de mudanças de hábitos é muito difícil, pois envolvem a maneira como as pessoas vivem e entendem a vida, através de uma visão plural e cultural, que consiste em valores, crenças e visões de mundo, situados em um tempo e espaço delimitado (Alves, Aerts, 2011). Os entraves e limitações aqui expostos, no que se refere à autonomia em saúde dos sujeitos individuais e coletivos, com vistas a sua emancipação e empoderamento pessoal, revelam-se agente de frustração entre os entrevistados. Entretanto, ao exercer o papel de agente dinamizador de conhecimento em saúde, o acadêmico deve agir sobre o outro que se dispõe a receber seus cuidados, ajudando-o a se ajudar, estimulando a capacidade de as pessoas enfrentarem seus problemas, a partir de condições concretas de vida (Santos et al., 2008). Vale ressaltar o reconhecimento da importância dessa missão singular como norteadora na sua formação, por parte dos acadêmicos, apesar do seu desapontamento. Ideia central – Dançando conforme a música DSC – Estamos mais acostumados a trabalhar com crianças, mas o projeto exige todos os ciclos de vida, é diferente com os jovens, por exemplo [...] é muito difícil, porque eles acham que já sabem tudo e a gente teve que desenvolver um jeito de falar que foi um jeito entre amigos sabe, isso foi complicado no começo [...] eu acho que a gente ainda tá engatinhando, mas a gente vai aprendendo a lidar com pessoas de diferentes idades, sexo, classe social, e querendo ou não a gente vai levar isso pra vida [...] é, a gente tem que se preparar para o público alvo, descobrir qual o seu interesse, sua necessidade.
A realidade social, ou seja, a práxis, é determinante das relações sociais, fato que engloba, além dos aspectos demográficos, políticos e econômicos, também particularidades, interesses, crenças, hábitos, pensamentos, valores, normas e comportamentos. Dessa maneira, entende-se que é dentro da realidade de cada ciclo de vida humano que o acadêmico deva compreender e vivenciar as suas distintas implicações socioculturais (Lara et al., 2012), criando um espaço de reflexão crítica, de diálogo e de construção compartilhada do conhecimento (Brasil, 2007). Esse entendimento, com vistas à ação extensionista, é aqui claramente exposto pela percepção acadêmica. Ideia central – A inevitável troca de saberes DSC – Eu acho que com a comunidade a gente aprende bastante, é, aprende muita coisa. Por mais que possa ser crença popular, sempre alguma coisa vai ter de interessante naquilo [...] Acho que a gente tem que usar esses saberes da comunidade pra gente conseguir até transmitir, usar o que eles sabem e embutir alguma coisa a mais pra eles [...] você tem que saber se comunicar pra desmistificar alguma ideia pronta, formada [...] apesar de que o fato da pessoa acreditar mesmo naquilo, ter fé, já ajuda, né? Vai saber...
O saber popular está vinculado a tradições que são conduzidas entre gerações, em que ecoam socialmente e propiciam a cognição de práticas capazes de articular experiências presentes e passadas, estimando a ligação de cada sujeito ao seu mundo, seus valores, saberes e problemas (Lara et al., 2012). Nesta perspectiva, surge a educação para a saúde, caracterizada como veículo integrador dos mais diferentes campos de saberes e práticas humanas. A profícua relação entre o saber científico e o popular é concretizada pelos acadêmicos, os quais evidenciam que o conhecimento precisa ser partilhado entre os diferentes sujeitos. Segundo Drury e Reicher (2005), uma série de relatos científicos tem demonstrado que esse tipo de atuação educativa junto à comunidade pode gerar experiências de capacitação, formando um lócus de possibilidades, ações e mudanças na forma de pensar e agir, (re)criando cotidianamente novos modos de fazer saúde (Romanholi, Cyrino, 2012).
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Tema 3 – O subsídio humano Ideia central – Desenvolvendo habilidades profissionais DSC – Fora do projeto a gente não vê o paciente como uma pessoa, é só mais um procedimento clínico [...] aqui eu consigo fazer um planejamento e concluir um plano de tratamento[...] a gente consegue integrar os conhecimentos de todas as áreas e ver a aplicação prática do conteúdo teórico, tudo junto [...] e nas ações externas, aprende a trabalhar em equipe e a falar com as pessoas [...] por isso o projeto é importante pra gente, porque daí você aprende a ver tudo de um jeito diferente, sem aquele condicionamento que a gente tem.
Na maioria das escolas de Odontologia, o ensino é, ainda, distribuído ao longo do curso, fazendo com que a prática clínica seja desenvolvida de maneira isolada nas disciplinas profissionalizantes, sem integrar os conhecimentos (Arruda et al., 2009; Villa, Aranha, 2009; Santos, 2003). Este fato pode gerar uma fragmentação dos saberes, os quais permanecem isolados uns dos outros (Villa, Aranha, 2009), dificultando a perspectiva de conjunto e de globalização e desfavorecendo a aprendizagem (Santos, 2003), podendo ser constatada, em alguns casos, tanto na formação quanto no exercício profissional (Villa, Aranha, 2009). Portanto, segundo Nóvoa (1995), é importante buscar e valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de profissionais reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação de novas formas de integralizar o conhecimento. Nesse discurso, os estudantes percebem, na ação extensionista, a possibilidade de ruptura do enfoque tradicional do ensino e da aplicação lógica e ordenada dos conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos nas diferentes disciplinas, oportunizando, ao paciente, um atendimento de forma integral e mais humanizada. Os achados aqui expostos corroboram, ainda, com o estudo de Lanzieri et al. (2011), o qual mostra que a extensão universitária é capaz de promover maior convivência, troca de conhecimentos e respeito ao saber alheio, além de facilitar o aprendizado do trabalho em equipe. Ideia central – Desenvolvendo habilidades pessoais DSC- Eu acho que a gente ganha bastante, que a gente consegue ver que a nossa realidade, querendo ou não, é muito diferente do resto das pessoas [...] a gente consegue ver como as pessoas agem, como é a vida delas e acaba dando mais importância para o que tem [...]essa visualização da realidade do outro ajuda no repensar dos nossos valores humanos [...] nos transforma em pessoas mais sensíveis.
A diversificação de cenários de aprendizagem, muitas vezes trazida pela extensão universitária, se apresenta como um importante meio facilitador de interações mais dinâmicas e verdadeiras entre o aluno e a comunidade (Pereira et al., 2011), proporcionando, ao estudante, a compreensão do mundo de cada indivíduo, as histórias vividas e as suas diversas versões (Romanholi, Cyrino, 2012). Por meio do estudo de Sanchez, Drumond e Vilaça (2008), constatou-se que a convivência com cenários sociais diferenciados causa, nos estudantes, um impacto que pode superar o aprendizado pelas vias tradicionais. Esse achado parece evidenciar que aliar a realidade social à experiência acadêmica contribui, como parte de um processo maior (Romanholi, Cyrino, 2012; Sanchez, Drumond, Vilaça, 2008), para a formação de profissionais que respondam mais satisfatoriamente às necessidades da população (Sanchez, Drumond, Vilaça, 2008). Esse confronto do acadêmico com realidades socioeconômicas e culturais distintas das encontradas em seu grupo social expõe-se aqui reconhecido pelos entrevistados, em sua importância nos quesitos humanistas, críticos e reflexivos, e vão ao encontro das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Odontologia (Brasil, 2002b).
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Ideia central – A consciência cidadã DSC – Tudo o que você faz na universidade, uma monitoria, um projeto de extensão é uma formação extra além da tua graduação, um complemento [...] mas ninguém dá tanto valor a extensão, eu acho que deveriam dar mais [...] é a gente que faz acontecer as coisas, porque tem gente que entra na universidade e sai só pelo diploma, e a gente que tá fazendo um trabalho de retribuição para a comunidade [...] o ser voluntário deveria ser natural pra todos os acadêmicos, já que estamos sendo ‘bancados’ pelo estado [...] retribuir, essa á a palavra!
Tem-se, hoje, como princípio que, para a formação do cidadão, é imprescindível sua efetiva interação com a sociedade, seja para se situar histórica e culturalmente ou para referenciar a sua formação técnica com os problemas que um dia terá de enfrentar (Medicis, Zago, 2008; Ribeiro, 2005). Certamente, a extensão universitária possibilita essa formação do profissional engajado social e politicamente, com forte reconhecimento do investimento de toda a coletividade e comprometido com a saúde e a qualidade de vida de pessoas e comunidades (Romanholi, Cyrino, 2012). A oportunidade de inclusão nesse espaço privilegiado de produção do conhecimento é aqui evidenciada pelos entrevistados.
Considerações finais Esta pesquisa possibilitou uma reflexão acerca da ação extensionista na vida acadêmica e pessoal de estudantes universitários, e seus resultados apontaram importantes direcionamentos. As concepções acadêmicas perpassaram pelo reconhecimento da enriquecedora oportunidade de acompanhar as condições de vida e de saúde das pessoas inseridas em sua realidade e de vivenciar uma forma de atuação que não se limita à tradicional, o que permitiu, aos acadêmicos, um alargamento em sua visão de futuro profissional. Ainda, os pesquisados consideraram a experiência no campo da extensão um importante agente para o seu processo individual e coletivo de formação pessoal.
Colaboradores Cristina Berger Fadel delineou o estudo, elaborou o roteiro para a entrevista, procedeu com a coleta dos dados e realizou a redação do artigo. Danielle Bordin realizou a transcrição dos dados, tratou as informações coletadas e redigiu o artigo. Eunice Kuhn e Luciana Dorochenko Martins contribuíram com a redação do artigo.
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Com objetivo de avaliar a contribuição da extensão universitária na formação e história de vida de estudantes de Odontologia, realizou-se um estudo qualitativo, de caráter descritivo-exploratório, utilizando a técnica do grupo focal. O material foi analisado com a técnica de análise do discurso do sujeito coletivo. Os resultados referiram-se ao impacto exercido pela vivência acadêmica em atividades extensionistas nos campos pessoal, profissional e da cidadania. As percepções dos sujeitos revelaram a oportunidade de desenvolvimento e aprimoramento de suas habilidades profissionais, por meio do reconhecimento de distintas realidades de vida, da ruptura do modelo tradicional de ensino e do profícuo relacionamento entre acadêmico, universidade e sociedade. Foram relatados sentimentos de satisfação, realização pessoal, reconhecimento, e de ser um cidadão ativo e crítico. Conclui-se ser a experiência no campo da extensão um importante agente para o processo individual e coletivo de formação acadêmica.
Palavras-chave: Educação Superior. Formação em Odontologia. Grupo focal. Relações comunidade-instituição. The impact of university extension on academic training in Dentistry This qualitative study of descriptive and exploratory nature was conducted with the aim of evaluating the contribution of university extension towards the training and life histories of dentistry students, using the focus group technique. The material was assessed using the collective subject discourse analysis technique. The results showed the impact exerted by academic experience, in extension activities within the personal, professional and active citizenship spheres. The subjects’ perceptions revealed an opportunity to develop and improve their professional skills, through recognition of distinct realities of life, through breaking away from the traditional model of teaching and through fruitful relationships between students, university and society. Feelings of satisfaction, personal fulfillment, recognition and being an active and critical citizen were reported. It was concluded that experience within the field of extension is an important agent for the individual and collective process of academic training.
Keywords: Higher education. Dentistry training. Focus group. Community-institution relationships. El impacto de la extensión universitaria sobre la formación en Odontología Se realizó un estudio cualitativo de carácter descriptivo-exploratorio para evaluar la contribución de la extensión universitaria en la formación e historia de vida de los estudiantes de Odontología. Para la recolección de datos fue utilizado el grupo focal y el material fue analizado por medio de la técnica de análisis del discurso del sujeto colectivo. Los resultados se refirieron al impacto ejercido por la vivencia académica en actividades de extensión en los campos personal, profesional y de ciudadanía. Las percepciones de los sujetos revelaron la oportunidad de desarrollo y perfeccionamiento de sus habilidades profesionales, por medio de reconocimiento de distintas realidades de vida, de la ruptura del modelo tradicional de enseñanza y de la provechosa relación entre el sector académico, la universidad y la sociedad. Fueron relatados los sentimientos de satisfacción, realización personal, reconocimiento y de ser un ciudadano activo y critico. Se concluyó que la experiencia en el campo de extensión es un importante agente para el proceso de formación académica individual y colectiva.
Palabras clave: Educación superior. Odontología. Grupo focal. Relaciones comunidad-institución.
Recebido em 09/09/12. Aprovado em 17/02/13.
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DOI: 10.1590/S1414-32832013005000026
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O trabalho de campo como dispositivo de ensino, pesquisa e extensão na graduação de Medicina e Odontologia* Carlos Dimas Martins Ribeiro1 Ivia Maksud2 Lilian Koifman3 Márcia Guimarães de Mello Alves4 Mônica Villela Gouvêa5
Introdução A aprovação das diretrizes curriculares nacionais (DCNs) para a área da saúde, entre 2001 e 20026, representou importante conquista para a Reforma Sanitária Brasileira, e tem orientado o processo de reformulação curricular nas instituições de Ensino Superior. As DCNs visam romper com a concepção de formação de profissionais de saúde baseada no modelo da medicina científica, que privilegia a abordagem centrada no hospital e em procedimentos, e se relaciona com um modelo pedagógico baseado em conteúdos, dissociados em áreas básicas e clínicas, e no incentivo à especialização precoce (Ceccim, Feuerwerker, 2004). O perfil definido pelas DCNs para o profissional de medicina e odontologia (Brasil, 2002, 2001) é o de generalista, preparado para: compreender o processo saúde-doença nas suas múltiplas determinações, analisar problemas de saúde e buscar soluções para os mesmos. As DCNs enfatizam a importância do trabalho em equipe multiprofissional e a integralidade de práticas na rede de atenção à saúde; orientam os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) e consideram aluno como sujeito e professor como mediador do processo ensino-aprendizagem; e buscam uma formação integral – incluindo aspectos técnicos e éticos –, por meio da articulação entre ensino, pesquisa, extensão e assistência. Os PPCs são construídos mediante as especificidades de sua área de atuação e devem ser elaborados em consonância com o Projeto Pedagógico Institucional (PPI). Este explicita o posicionamento da instituição a respeito do ser humano, do mundo e de sua relação na educação; pode representar um instrumento de ação política e pedagógica (Veiga, 2004) numa conjuntura globalizada e tecnológica; e explicitar, simultaneamente, o papel da instituição e sua contribuição social nos âmbitos local, regional e nacional (Brasil, 2006). Um importante elemento constitutivo do PPC é o currículo, concebido como espaço de formação plural, dinâmico e multicultural, fundamentado em referenciais socioantropológicos, psicológicos, epistemológicos e pedagógicos. O Instituto de Saúde da Comunidade (ISC), uma unidade de formação da Universidade Federal Fluminense (UFF), assumiu esta perspectiva pedagógica desde 1994, e atua em diversos cursos na perspectiva crítica do ensinoaprendizado na área de Saúde Coletiva. Participou, ativamente, dos processos de
Elaborado com base nas reflexões realizadas pelo Comitê Gestor do Departamento de Planejamento em Saúde, durante os anos de 2011 e 2012. 1-5 Departamento de Planejamento em Saúde, Instituto de Saúde da Comunidade, Universidade Federal Fluminense. Rua Marquês de Paraná, 303 (anexo), 3o andar, Centro. Niterói, RJ, Brasil. 24030-215. dimasmribeiro@gmail.com *
6 Exceto medicina veterinária, psicologia, educação física e serviço social.
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reformulação curricular dos cursos de Medicina e Odontologia, e orienta todo o cotidiano de investigação e práticas no campo da Saúde Coletiva desenvolvido por estes cursos. No curso de Medicina da UFF, a implantação do novo currículo7 contempla essas recomendações das DCNs. Sua implantação ocorreu num contexto histórico de articulação ensino-serviço-comunidade: a inserção da universidade na rede de serviços de saúde de Niterói foi fundamental para viabilizar a nova proposta curricular, e se constituiu numa “oportunidade de ampliar os cenários de práticas docentes, aproximando-se da realidade dos serviços e das populações” (March et al., 2006, p.298). Cabe considerar que a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) em Niterói, ao valorizar “a territorialização, a adscrição de clientela, a vinculação profissional/população, a hierarquização, a visão intersetorial, a promoção e prevenção da saúde e o controle social”, tem “fomentado a mudança da formação profissional, para construir uma nova lógica de atenção à saúde” (March et al., 2006, p.298). No curso de Odontologia, o PPC encontra-se em fase de implantação desde 2010. Após dez anos de discussão, a comunidade acadêmica delineou uma organização curricular capaz de favorecer o desenvolvimento de competências caracterizadas pelo vivenciar - refletir - decidir - agir, incorporando espaços integradores de aprendizagem. Trabalha-se na perspectiva da aproximação com a realidade do mundo do trabalho, salientando os múltiplos olhares sobre a realidade social e buscando o equilíbrio entre vocação técnico-científica e prática humanística. Neste texto descrevemos a proposta de Trabalho de Campo (TC) desenvolvida pelo ISC como dispositivo de ensino, pesquisa e extensão8 para professores/ alunos de medicina e odontologia. Está fundamentada na teoria de desenvolvimento humano e numa pedagogia que defende que as oportunidades oferecidas na Educação Superior, para o desenvolvimento das capacidades dos estudantes como pessoas éticas, têm importância fundamental para a promoção da cidadania do aluno (Walker, 2006).
Pressupostos teóricos Pedro Demo (2001) argumenta que as dimensões ‘ensino’, ‘pesquisa’ e ‘extensão’ do trabalho acadêmico poderiam ser reduzidas a duas: “reconstruir o conhecimento” e “educar novas gerações”, apreendidas sob os termos de ‘extensão’ ao ‘ensino’ e à ‘pesquisa’. Esses termos sugerem que o compromisso social com a promoção da justiça, dos direitos humanos e da cidadania – geralmente relacionado às ações extensionistas – permanece como algo separado, voluntário e intermitente, quando deveria ser intrínseco à organização curricular (Demo, 2001). Numa perspectiva semelhante, Boaventura dos Santos (2005) concebe ‘extensão’ como modo alternativo ao capitalismo global, atribuindo às universidades uma participação ativa na construção da coesão social, no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão social e a degradação ambiental, na defesa da diversidade cultural. (Santos, 2005, p.73)
A universidade tem função determinante na formação de profissionais outrora chamados ‘recursos humanos’: seja por demonstrar eficácia em comparação com 948
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O novo currículo tem como pressuposto a “constituição de um perfil profissional [...] adequado à realidade sanitária local, ao mercado de trabalho e ao desenvolvimento científico e tecnológico vigente”, para formar profissionais humanistas, capazes de apresentar comportamento ético e habilidades psicomotoras específicas do trabalho médico (Saippa-Oliveira, Koifman, Marins, 2004, p.310).
7
8 Neste artigo usamos a denominação Trabalho de Campo (TC) para ressaltar os aspectos comuns destas disciplinas, caracterizadas por inserir alunos de graduação, desde o início de sua formação, no âmbito das organizações do Estado (setor saúde e outros setores), da sociedade civil e organizações sociais não governamentais.
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10 Para um pensamento pós-abissal, Santos (2010, p.54) propõe a “ecologia dos saberes” que “tem como premissa a ideia da diversidade epistemológica do mundo”, onde convive uma “pluralidade de formas de conhecimento além do conhecimento científico”. Não pretende negar o valor do conhecimento científico, mas “explorar a pluralidade interna da ciência” e “promover a interação e a interdependência entre os saberes científicos e outros saberes, não científicos” (Santos, 2010, p.57).
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9 Compreende-se a extensão universitária como um processo em que podem ser destacados quatro componentes centrais: (a) a relação dialógica entre teoria e prática, (b) a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, (c) a inter-multitransdisciplinaridade, e (d) a relação dialógica entre saber acadêmico e popular (Silva, 2012; Nogueira, 2001).
instituições de outra natureza, seja pelo papel único na definição da ética de desenvolvimento nacional e como lócus privilegiado de crítica e transformação social. Isto se dá pela atuação no ensino, na participação social a partir da extensão, e na criação do novo como resultado do processo de pesquisa científica (Koifman, 2011)9. Para Edgar Morin (2004a), os problemas de nossa “era planetária” tornam-se cada vez mais complexos e globalizados, exigindo reforma do pensamento capaz de encontrar soluções que deem conta de sua multidimensionalidade. Para o mesmo autor, apenas um “pensamento complexo capaz de ligar, contextualizar e globalizar”, operando de maneira transdisciplinar, é “capaz de prolongar-se numa ética da interdependência entre os seres humanos”, favorecendo o “sentido da responsabilidade e da cidadania” (Morin, 2004b, p.22, 27). Esta reforma do pensamento é, para o autor, uma necessidade democrática fundamental: formar cidadãos capazes de enfrentar os problemas de sua época é frear o enfraquecimento democrático que suscita, em todas as áreas políticas, a expansão da autoridade dos experts, especialistas de toda ordem, que restringem progressivamente a competência dos cidadãos. (Morin, 2004a, p.103)
Santos (2010, p.32), por outro lado, sustenta que “o pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal”, consistindo num “sistema de distinções visíveis e invisíveis” que divide “a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha’, de modo que ‘o outro lado da linha’ desaparece enquanto realidade”, sendo “produzido como inexistente”. Esta distinção, na avaliação do autor, se funda em outra, “entre as sociedades metropolitanas e os territórios coloniais”. Do ponto de vista da produção do conhecimento, “o pensamento abissal consiste na concessão à ciência moderna do monopólio da distinção entre o verdadeiro e o falso”, tornando inexistente os conhecimentos produzidos “do outro lado da linha” – conhecimentos populares, leigos, camponeses ou indígenas etc.– , considerados “crenças, opiniões, magia, idolatria, entendimentos intuitivos ou subjetivos, que, na melhor das hipóteses, podem tornar-se objetos ou matériaprima para a inquirição científica” (Santos, 2010, p.34). Assim, converte este lado da linha em sujeito do conhecimento, e o outro lado da linha em objeto do conhecimento10. Mora-Osejo e Borda (2006, p.715) enfatizam a necessidade de se desenvolverem “paradigmas científicos e quadros técnicos de referência” para entendimento das realidades locais. Disto podem “surgir descobertas e iniciativas úteis para a sociedade local, que minorem as crises do próprio contexto”, de modo que, deste processo, “resultem valores partilhados, geradores de solidariedades” e fortalecedores da identidade cultural (Mora-Osejo, Borda, 2006, p.718). Nesta perspectiva, “deve dar-se preferência às formas de conhecimento que garantam a maior participação dos grupos sociais envolvidos na concepção, na execução” e no controle da intervenção, favorecendo-se parcerias da universidade com: organizações não governamentais, movimentos sociais, grupos sociais vulneráveis e grupos sociais populares, entre outros (Santos, 2010, p.60). Para Santos (2010), a justiça social global implica justiça cognitiva capaz de romper com o pensamento abissal. Adota-se, neste texto, uma pedagogia da educação superior com foco nas capacidades e funcionamentos básicos, distinta da Abordagem das Capacitações COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.947-57, out./dez. 2013
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(capability), formuladas por Nussbaum e Sen, embora seguindo a tradição instaurada por estes autores (Dias, 2009). O desenvolvimento humano concebido como promoção de capacidades e funcionamentos fundamentais requer condições materiais de existência – econômicas, sociais, culturais etc. – para serem efetivamente exercidos. Tais capacidades seriam essenciais nas diferentes esferas onde os seres humanos atuam (saúde, trabalho, educação, lazer, política etc.) e nos vários estágios de um ciclo de existência (nascimento, infância, adolescência, fase adulta, velhice e morte) (Nussbaum, 2000). Como capacidades centrais, Nussbaum (2000) reconhece: a liberdade de ser saudável, viver uma vida com longevidade normal, exercer controle sobre o ambiente, estar bem nutrido e abrigado, não ser acometido por doenças evitáveis ou morrer prematuramente; ter integridade corporal, exercer a razão prática, pensar e imaginar, vivenciar emoções e estabelecer relações com os outros, entre outras. Capacitações, capacidades e funcionamentos, segundo Sen, são conceitos correlacionados, porém distintos. Capacitações (capability) correspondem à liberdade de realizar ou alcançar uma combinação de funcionamentos que expressem oportunidades reais para realizar modos de viver, dentro de um leque de alternativas disponíveis. Capacidades se referem às várias combinações de estados e ações inter-relacionados em que uma pessoa pode estar ou que pode realizar. Funcionamentos referem-se a cada ação ou estado que compõem diversas opções de combinações disponíveis. Walker (2006) propõe uma pedagogia da Educação Superior baseada na Abordagem das Capacitações, concebendo a pedagogia como método de ensino (envolve a relação entre professores e alunos e as condições estruturais que possibilitam a aprendizagem) e como projeto ético (em que seus propósitos envolvem valores éticos e o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades). Desenvolve uma metodologia para a seleção de uma lista de capacidades a serem estimuladas com os estudantes e como parâmetro para avaliar a aprendizagem de cada um. Inclui: “razão prática” – capacidade de fazer escolhas refletidas e socialmente responsáveis; “relações e redes sociais” – capacidade de participar em grupos para uma aprendizagem colaborativa; “respeito, dignidade e reconhecimento” – capacidade de respeitar e ser respeitado; “resistência educacional” – capacidade de governar seus estudos –, entre outras.
Capacidades/funcionamentos e TC Nossa discussão baseia-se em experiências desenvolvidas nas disciplinas de Trabalho de Campo Supervisionado 1 e 2 do curso de Medicina (TCS 1 e 2), e de Saúde Bucal Coletiva 3 e Estágio Supervisionado 1 do curso de Odontologia (SBC 3 e ES 1). O corpo docente é composto por profissionais com mestrado e/ou doutorado na área de Saúde Coletiva. Durante o ano de 2011, foram realizadas oficinas sobre o TC promovido pelo ISC-UFF. A sistematização das experiências e reflexões desenvolvidas por professores, técnicos e alunos monitores permitiu analisar os resultados em termos de capacidades e funcionamentos, conforme proposto neste trabalho. O TC apoia-se numa pedagogia participativa e inclusiva, preocupada em promover capacidades voltadas ao desenvolvimento humano e uma sociedade justa e democrática.
As disciplinas: breve descrição Nas disciplinas ofertadas ao curso de Medicina, os alunos são divididos em grupos entre oito e 12 alunos, para atividades teóricas e práticas, com a carga horária de nove horas semanais. Os alunos são preparados para entrar em campo, conhecer e observar distintas realidades socioculturais e interagir com vários atores (pacientes/usuários, profissionais de saúde, gestores, dirigentes etc.) em diferentes cenários, como: movimentos sociais, organizações não governamentais, unidades de saúde do SUS, entre outros. As disciplinas TCS 1 e 2 fazem parte do Programa Prático-Conceitual do curso de Medicina, tendo cada uma um ano de duração, a partir do primeiro período do curso. Enquanto TCS 1 fundamenta-se no reconhecimento do contexto de ação sociocultural do profissional de saúde, compreendendo “sua responsabilidade na investigação dos determinantes sociais da saúde e da doença, 950
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através da caracterização qualitativa e quantitativa do cenário ambiental, populacional e psicossocial, nos níveis local e municipal” (Saippa-Oliveira, Koifman, Marins, 2004, p.311), TCS 2 tem como objetivo reconhecer o perfil epidemiológico da população, analisar o funcionamento das unidades de saúde e o “impacto das ações programadas sobre as condições locais diagnosticadas pelos serviços de saúde” (Saippa-Oliveira, Koifman, Marins, 2004, p.313). No curso de Odontologia, formam-se grupos de até seis alunos para discussões teóricas e atividades práticas, com a carga horária de seis horas semanais. O TC compreende conhecimento e aproximação com equipes e processos de trabalho em unidades de Saúde da Família no município de Niterói. O grupo aprimora projetos terapêuticos de famílias adscritas a partir do diagnóstico e da lógica de necessidades de saúde. O objetivo é alcançado por meio do: envolvimento com a dinâmica da unidade/módulo, acompanhamento de visitas domiciliares e estudo aprofundado dos instrumentos de registro (cadastro e prontuários), sempre envolvendo professores e equipes de saúde. Durante um semestre, cada grupo de alunos se dedica ao estudo do território, para: entender percursos e formas de acesso aos domicílios (incluindo áreas de risco), conhecer e potencializar aparelhos sociais (escolas, creches, associação de moradores, igrejas, organizações sociais, entre outros), na área de abrangência da policlínica regional que cobre o setor da equipe com a qual o grupo irá trabalhar. Ao final do semestre, após consolidarem todos os dados observados e situações vivenciadas, os alunos elaboram e operacionalizam, com a equipe, um plano de intervenção, sempre na perspectiva do ganho de autonomia por parte dos moradores/comunidade.
Capacidades e funcionamentos no TC As capacidades e funcionamentos a serem promovidos pelo TC estão relacionados, fundamentalmente, com alguns pressupostos do campo da Saúde Coletiva, conforme foi se delineando, no Brasil, a partir da década de 1970 (Paim, Almeida Filho, 2000). Entende-se este como um campo de natureza híbrida, com uma “lógica teórico-epistemológica de produção do conhecimento, seja ela interpretativa ou explicativa, dependendo da área em que se origina”, e uma “lógica operativa e pragmática da eficácia, decorrente da intervenção normativa na ordem da vida, no sentido da erradicação ou controle do adoecimento coletivo” (Luz, 2009, p.306). Desenvolve-se a partir de três disciplinas básicas – a epidemiologia, o planejamento em saúde e as ciências sociais em saúde – e opera, conforme o modelo, a interdisciplinariedade, a multidisciplinariedade ou a transdisciplinariedade (Luz, 2009). Constrói-se como modelo de produção do conhecimento que integra a produção acadêmica, nas suas várias modalidades, e, também, o “conhecimento gerado a partir da prática vivenciada pelas populações ou por usuários dos serviços (ou pacientes), superando a clivagem entre senso comum versus ciência, típica da modernidade” (Luz, 2009, p.309). Paim e Almeida Filho (2000, p.60) caracterizam a Saúde Coletiva a partir de alguns pressupostos básicos: a saúde articulada à estrutura da sociedade por meio de suas instâncias econômica e políticoideológica, possuindo, portanto, uma historicidade; as ações de saúde (promoção, proteção, recuperação, reabilitação) como prática social, permeada por relações técnicas e sociais, e sujeitas às “influências do relacionamento dos grupos sociais”; o objeto da Saúde Coletiva construído nos limites entre biológico e social, e compreendendo a investigação dos determinantes da produção social das doenças e da organização dos serviços de saúde, e o estudo da historicidade do saber e das práticas sobre os mesmos. Para que o TC possa operar como dispositivo de ensino-pesquisa-extensão e promover capacidades e funcionamentos como descritos acima, sua organização deverá estar baseada na aproximação com espaços/territórios específicos, como define Milton Santos (2009) e Monken e Barcellos (2005), e o processo ensino-aprendizagem estar conectado aos princípios da pesquisa-ação. Pesquisa-ação é uma modalidade de pesquisa constituída por um ciclo básico – investigação de um problema, planejamento e execução de ações para resolvê-lo, avaliação de resultados destas ações e programação de mudanças necessárias para a resolução do problema (Tripp, 2005). Alguns princípios fundamentais para que o TC possa se desenvolver dentro desta perspectiva são: o compromisso político de busca pela justiça social e cidadania, para conhecer problemas comunitários e formular estratégias COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.947-57, out./dez. 2013
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para enfrentá-los a partir da realidade vivida no cotidiano pelos indivíduos e coletividades (Thiollent, 2006); a relação entre investigador-educador e grupos populares, com o pressuposto de que todas as pessoas e todas as culturas são fontes originais de saber (Brandão, 2006); o relacionamento dinâmico entre teoria e prática (Demo, 2008); e a natureza formativa da metodologia – podendo-se falar no tripé pesquisa-formação-ação –, a impulsionar processos dialógicos de aprendizagem coletiva nos quais “o sujeito deve tomar consciência das transformações que vão ocorrendo em si próprio e no processo” (Franco, 2005, p.486). Na proposta aqui apresentada, consideram-se dois ciclos de pesquisa-ação, dentro de uma determinada abrangência territorial: um corresponde aos cenários onde se desenvolvem práticas e saberes que operam na sociedade civil e nas políticas setoriais do Estado, não apenas no setor saúde; outro acontece em cenários do setor saúde, no nível primário ou secundário da rede de atenção.
Primeiro ciclo Este ciclo conta com quatro fases: na primeira, os alunos têm preparação inicial para atividades práticas com estudo introdutório à pesquisa social, reconhecimento teórico do tema analisador11, busca do conhecimento das diversas abordagens e contextos, e mapeamento de locais a visitar. No eixo teórico-prático, discutem as relações entre condições de vida e determinantes econômicos, sociais, culturais do processo saúde-doença, por um lado, e as respostas, do Estado e da sociedade civil, a estas condições, por outro. São ressaltados diferentes grupos sociais e suas condições de vida específicas; utilizam-se dados quantitativos e qualitativos (primários e secundários) após consulta a bancos de dados, pesquisas, visitas, observação participante, entrevistas, entre outras possibilidades, durante todas as fases. Na segunda, os alunos exploram o território tendo, como eixo teórico-prático, a dimensão cultural do processo saúde-doença e grupos/ atores sociais da sociedade civil (igrejas, ONGs, movimentos sociais, grupos comunitários etc.). Reflete-se sobre: a relação entre cultura, políticas públicas e cidadania, a dicotomia saber médico versus popular, e as diversas racionalidades médicas. As redes de apoio social devem ser reconhecidas, bem como seu papel na promoção da cidadania. O eixo teórico é a integralidade em saúde. Na terceira, os alunos analisam a presença do Estado no território, considerando as políticas públicas setoriais. O eixo teórico-prático é a integralidade da atenção e a intersetorialidade das ações. Enfatizam-se dimensões culturais, sociais e políticas do ato de cuidar e de redes sociais de solidariedade. Na quarta, os alunos identificam um problema de saúde a ser trabalhado, com ênfase num dos polos do processo, pesquisa ou ação.
Segundo ciclo Deve ser desenvolvido numa região, no nível primário (em especial) ou secundário da rede de saúde. Na quinta fase, os alunos são apresentados à área de abrangência de unidades de saúde de nível primário, e fazem o reconhecimento teórico-prático do território. Na sexta, são inseridos numa unidade de saúde primária e analisam seu funcionamento nos seus espaços/ações (recepção/pré-consulta, vacinação, pequenos procedimentos, consulta de enfermagem ou médica, farmácia, vigilância em saúde etc...); observam e problematizam o processo de trabalho dos profissionais da unidade e sua relação com a rede de atenção à saúde. O eixo teórico é formado pelos modelos 952
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11 Os alunos são inseridos num território, considerando-se as práticas e saberes que operam na sociedade civil e nas políticas setoriais do Estado, tendo como eixo um tema analisador predefinido, tais como: Bioética, Racionalidades Médicas, Maternidade, Saúde e Meio Ambiente, AIDS, Saúde da Mulher, Saúde do Adolescente, Doenças Negligenciadas, Envelhecimento, Saúde Mental, Pessoas com deficiência etc..
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tecnoassistenciais, o processo de trabalho e o trabalho em equipe multiprofissional, com ênfase na promoção e proteção da saúde. Na sétima, os alunos são apresentados à comunidade em que estão inseridos por meio da unidade, e realizam diagnóstico de necessidades de saúde de famílias selecionadas, segundo: condições de vida, acesso às tecnologias, constituição de vínculo e grau de autonomia do usuário. Na última fase, constroem ou aprimoram projetos terapêuticos singulares com a equipe de saúde e desenham plano de intervenção, sendo, o eixo teórico, a produção do cuidado em saúde. Nessa fase, devem recorrer aos conceitos trabalhados nas fases anteriores, enfatizando a reflexão sobre estilos de vida, redes sociais de apoio e itinerário terapêutico.
Considerações finais Neste trabalho, descrevemos e analisamos uma proposta pedagógica que aposta no trabalho de campo como dispositivo articulador entre ensino, pesquisa e extensão. As disciplinas apresentadas têm, como pressuposto geral: o processo de ensino-aprendizagem com metodologias ativas, uma relação dinâmica entre teoria e prática, propondo, ao estudante, a interação com o mundo do trabalho e a reflexão sobre a realidade vivenciada. Tais disciplinas de campo atendem à necessidade que os estudantes têm, desde o início de sua graduação, de conhecer experiências dos cenários reais de trabalho, bem como questões de saúde que enfrentarão futuramente. As disciplinas de campo, bem como suas atividades elaboradas para atender a essa demanda, vêm sendo analisadas e estudadas por pesquisas acadêmicas desde a iniciação científica até programas de mestrado, doutorado, e pós-doutorado. Ao mesmo tempo em que alunos e professores vivenciam, aprendem e pesquisam com base nesse cotidiano apresentado pelo TC, também respondem às necessidades de saúde dos cidadãos, a exemplo dos planos de intervenção que alimentam o Programa de Extensão “Diversificação de Cenários de Aprendizagem em Saúde – A integração Ensino-ServiçoSociedade”. Gomes (2011) conclui que toda esta experiência possibilita “formar médicos mais adaptados às demandas do SUS e que [...] conseguem perceber a importância de uma prática voltada para a integralidade” (Gomes, 2011, p.58). Nogueira (2012) analisa que “a partir dessas inovações, pode-se tentar traçar um perfil do médico formado: que conhece mais o SUS, é mais ético, possui maior capacidade crítica e reflexiva, tem mais abertura para trabalhar em equipe, [...]” (Nogueira, 2012, p.144). Vários autores (Nogueira, 2012; Gomes, 2011; Saippa-Oliveira, 2010; Fernandez, 2009; Pontes, 2005; Koifman, 2002, 1996) demonstram que o formato da disciplina de campo descrito neste artigo aproxima-se da recomendação estabelecida nas Diretrizes Curriculares, para a formação de um profissional reflexivo e humano. A ação formativa na saúde impõe constantes desafios para se construírem redes de aprendizagem docente sob o eixo da integralidade das ações de saúde. Referimo-nos ao processo pedagógico desenvolvido em múltiplos cenários, priorizando situações reais. A metodologia é centrada no compartilhamento de experiências e vivências, por intermédio de supervisão dialogada, na busca de mudanças institucionais, apropriação ativa de saberes, fortalecimento das ações em equipe, e produção de uma nova maneira de se organizar o trabalho em saúde (Saippa-Oliveira, Fernandez, Koifman, 2010). Na proposta descrita, muitas vezes, os docentes são desafiados a reformular os princípios gerais dos ciclos e fases descritos, a partir das experiências vivenciadas, discutidas e sistematizadas coletivamente, o que, por sua vez, propicia novas sínteses a partir dos contextos nos quais o processo ocorre. Esse movimento é uma inovação para docentes do Ensino Superior, acostumados a processos de planejamento, execução e avaliação das suas atividades de forma individual e isolada. Superar essa forma de atuação em nome de um processo coletivo possibilita conhecimento entre os pares e capacita para o enfrentamento de alterações previsíveis ou imprevisíveis. Consideramos, por fim, que o avanço na formação em saúde dar-se-á em processos concomitantes de desenvolvimento pessoal e institucional, desafio a ser considerado na proposição político-pedagógica dos cursos de graduação em saúde. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.947-57, out./dez. 2013
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Colaboradores Todos os autores trabalharam na concepção, delineamento e redação do artigo, construíram e revisaram a versão apresentada. Referências BRANDÃO, C.R. A pesquisa participante e a participação da pesquisa: um olhar entre tempos e espaços a partir da América Latina. In: BRANDÃO, C.R.; STRECK, D.R. (Orgs.). Pesquisa participante: a partilha do saber. Aparecida: Ideias e Letras, 2006. p.21-54. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura, Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Avaliação externa de instituições de educação superior. Brasília: MEC, 2006. ______. Conselho Nacional de Educação. Câmera de Educação Superior. Resolução CNE\CES no4, de 7 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 mar. 2002. Seção 1, p.10. ______. Conselho Nacional de Educação. Câmera de Educação Superior. Resolução CNE\CES no3, de 19 de fevereiro de 2002. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Odontologia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 nov. 2001. Seção 1, p.38. CECCIM, R.B.; FEUERWERKER, L.C.M. Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad. Saude Publica, v.20, n.5, p.1400-10, 2004. DEMO, P. Pesquisa participante: saber pensar e intervir juntos. 2.ed. Brasília: Líber Livro Editora, 2008. ______. O lugar da extensão. In: FARIA D.S. (Org.). Construção conceitual da extensão universitária na América Latina. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. p.141-58. DIAS, M.C. O “bom governo”: diretrizes de governo em uma democracia. Diversitates, v.1, n.1, p.77-87, 2009. FERNANDEZ, V.S. Práticas Integradas na formação em saúde: desafios e possibilidades de transformação das práticas pedagógicas no curso de Nutrição da UFF. 2009. Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro. 2009. FRANCO, M.A.S. Pedagogia da pesquisa-ação. Educ. Pesqui., v.31, n.3, p.483-502, 2005. GOMES, L.N.A. Integralidade pelos alunos do Internato em Clínica Médica da UFF. 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2011. KOIFMAN, L. A função da universidade e a formação médica. Rev. Bras. Educ. Med., v.35, n.2, p.145-6, 2011. ______. O ensino médico no Brasil e na Argentina: uma abordagem comparativa. 2002. Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro. 2002. ______. A crítica ao modelo biomédico na reformulação curricular do curso de medicina da Universidade Federal Fluminense. 1996. Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro. 1996. LUZ, M.T. Complexidade do campo da saúde coletiva: multidisciplinariedade, interdisciplinariedade e transdiciplinaridade de saberes e práticas: análise sócio-histórica de uma trajetória paradigmática. Saude Soc., v.18, n.2, p.304-11, 2009.
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Descreve-se a proposta pedagógica de disciplinas nos cursos de Medicina e Odontologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro, Brasil, tendo o trabalho de campo como dispositivo de articulação entre ensino, pesquisa e extensão; e, como pressuposto geral, o processo de ensino-aprendizagem baseado em: metodologias ativas, a relação dinâmica entre teoria e prática, e a proposição, ao estudante, de interação com o mundo do trabalho e reflexão sobre a realidade vivenciada. Espera-se contribuir para o debate na área de formação em saúde, em especial no campo da Saúde Coletiva, com base na reformulação determinada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais aprovadas em 2001/2002. E, também, para a superação das formas tradicionais de atuar por outras que possibilitem conhecimento entre os pares e capacitação para o enfrentamento de alterações previsíveis ou imprevisíveis no cotidiano das escolas de formação em saúde.
Palavras-chave: Formação de recursos humanos. Sistema Único de Saúde. Currículo. Assistência integral à saúde. Fieldwork as a teaching, research and extension device in undergraduate Medicine and Dentistry This study describes the pedagogical proposals of disciplines within the medicine and dentistry courses at Universidade Federal Fluminense (UFF). Fieldwork has been backed as a means for linking teaching, research and extension, under the general assumption of a learning-teaching process based on active methodologies, a dynamic relationship between theory and practice, and proposals enabling students to interact with the world of work and reflect on the realities experienced. We hope to contribute towards the debate on healthcare training, especially with regard to the field of public health, consequent to the curriculum reformulation determined by the National Curriculum Guidelines (approved in 2001/2002). We also hope to contribute towards transforming traditional methods into other ways of acting that enable knowledge among peers and capacitation to cope with foreseeable or unforeseeable changes to the routine of healthcare training schools.
Keywords: Human resources formation. Brazilian National Health System. Curriculum. Comprehensive healthcare.
El trabajo de campo como un dispositivo de enseñanza, investigación y extensión en los cursos de Medicina y Odontología El artículo describe la propuesta pedagógica de asignaturas en los cursos de Medicina y Odontología en la Universidad Federal Fluminense, Río de Janeiro, Brasil, considerando el trabajo de campo como dispositivo de articulación entre enseñanza, investigación y extensión y como base general del proceso de enseñanza-aprendizaje basado en metodologías activas, la relación dinámica entre teoría y práctica y la propuesta al estudiante de la interacción con el mundo del trabajo y la reflexión sobre la realidad vivida. Se espera contribuir con el debate en el área de Formación en Salud, en especial en el campo de Salud Colectiva, a partir de la reformulación determinada por las Directrices Curriculares Nacionales aprobadas en 2001/2002. También se espera contribuir para superar las formas tradicionales de actuación, proporcionando otras que posibiliten el conocimiento entre los pares y la capacitación para el enfrentamiento de situaciones previsibles e imprevisibles en el cotidiano de las escuelas de formación en salud.
Palabras clave: Formación de recursos humanos. Sistema Único de Salud. Currículo. Atención integral a la salud. Recebido em 24/04/13. Aprovado em 25/06/13.
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DOI: 10.1590/S1414-32832013005000029
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Metodologias participativas no ensino da administração em Enfermagem Carmen Elizabeth Kalinowski1 Reinaldo Miguel Dolny Massoquetti2 Aida Maris Peres3 Liliana Müller Larocca4 Isabel Cristina Kowal Olm Cunha5 Luciana Schleder Gonçalves6 Riciana do Carmo Calixto7
Introdução O trabalho docente requer competência pedagógica na mobilização e articulação de diferentes saberes para motivar o estudante a assumir responsabilidade ou corresponsabilidade no processo de aprendizagem. Para tal, optou-se pelo uso de metodologias significativas e participativas por proporcionarem oportunidades para a articulação do trabalho docente com as necessidades do estudante. As metodologias significativas possibilitam a exploração de saberes dentro de um contexto particular, valorizando conhecimentos e experiências anteriores, envolvendo os alunos na identificação e busca de soluções para situações vivenciadas por eles nas atividades que compõem o processo educativo, o que favorece a atuação efetiva do estudante no processo pedagógico (Vannuchi, Campos, 2007). A aprendizagem significativa pode ser definida, segundo Tavares (2004), como a oferta de um novo conhecimento estruturado de maneira lógica; a existência de conhecimentos na estrutura cognitiva que possibilite a conexão com o novo conhecimento, bem como a atitude explícita de apreender e conectar o conhecimento com aquele que pretende absorver. Para o docente, trabalhar com metodologias significativas é transpor e superar o uso de metodologias tradicionais, embasadas na transmissão de informações ou conhecimentos com resultados reconhecidamente insatisfatórios para entender e atuar na realidade. Nessa nova proposta metodológica, são criadas oportunidades para a vivência dos discentes em experiências que representem as diferentes situações cotidianas em saúde, com o desafio de transformá-las em práticas educativas significativas e que possibilitem a construção reflexiva e crítica do discente (Martínez-Riera et al., 2011; Teofilo, Dias, 2009). Entende-se que, nas metodologias participativas, o docente assume o papel de construtor de possibilidades para a aprendizagem. Estas consistem em criar, a partir de situações reais do trabalho em saúde, práticas educativas que permitam a vivência e aprendizado do discente em situações concretas problematizadas. As práticas educativas com metodologias participativas possibilitam, aos envolvidos no processo de aprendizagem, a articulação entre um conhecimento prévio e um
Departamento de Enfermagem, Universidade Federal do Paraná (UFPR). Setor de Ciências da Saúde, bloco didático II. Av. Lothário Meissner, 632. Jardim Botânico. Curitiba, PR, Brasil. 80210-170. carmenek@ufpr.br 2 Discente, curso de Graduação em Enfermagem, UFPR. Bolsista Iniciação Científica. 3-4,6 Departamento de Enfermagem, UFPR. 5 Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 7 Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, UFPR. Bolsista CNPq. 1
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novo. Essa articulação facilita o processo de elaboração e diferenciação do conhecimento, ou seja, aprender a partir do que se conhece (Leite, Prado, Peres, 2010; Moreira, 1999). As estratégias mais utilizadas nas metodologias significativas e participativas, e que atendem a este envolvimento, são as de trabalho em grupo, jogos dramáticos, dramatizações, entre outras, que pressupõem a importância da vivência do estudante em grupo e que a condução da aprendizagem ocorre pelas inter-relações vivenciadas no processo, ditadas pelo próprio tempo e ritmo dos seus componentes. O grupo motiva o indivíduo e o indivíduo motiva o grupo; o indivíduo aprende com o grupo e o grupo com ele, assim, há destaque de que é importante a alternância entre trabalho individual e em grupo (Leite, Prado, Peres, 2010). A dramatização, ou drama, é “um gênero misto entre a comédia e a tragédia” (Ferreira, 2010, p.266). Dramatiza-se com a necessidade da crítica à sociedade, de compreender os processos que se vive, para poder viver. Tobase, Gesteira e Takahashi (2007, p.216-7) discorrem sobre a dramatização como “uma estratégia que confere significados aos conteúdos ensinados”. Ao contrário do método tradicional de ensino, com o qual se espera que o conteúdo ensinado seja o conteúdo apre(e)ndido, o uso da dramatização propõe que os conteúdos ensinados sejam experimentados pelos discentes com: o pensamento do contexto sociopolítico-econômico-cultural, a espontaneidade, o desafio de transpor limites teóricos e a oportunidade de enfrentar a resolução de problemas reais na sociedade, em sua organização atual, ligando a aprendizagem proporcionada pela experiência com os conteúdos ensinados. Discentes mencionados pelas mesmas autoras demonstraram satisfação em aprender e compromisso em exercitar diferentes papéis no universo profissional na área da saúde. A dramatização é um jogo de papéis que dá significado aos conteúdos, propõe a experimentação, pelos estudantes, com a realidade do trabalho em saúde, vivenciando diferentes papéis na relação profissional, com as atribuições e atividades em saúde, como permite uma análise crítica reflexiva no enfrentamento de situações reais, permitindo criar novas possibilidades de soluções ou arranjos técnicos aos mesmos (Ruiz-Moreno, 2004). O jogo de papéis, que a dramatização possibilita, pressupõe assumir uma função social que não é a sua, facilita a compreensão das atitudes e decisões do outro, e treina habilidades necessárias e requeridas para, no presente caso, o trabalho em saúde; permite também que o próprio grupo elabore gradualmente uma história para que papéis ou personagens sejam incorporados. A elaboração gradual da história é mediada por um coordenador, papel do docente que, pelo uso de outras técnicas, facilita e conduz o processo. A técnica não permite, ao docente, o controle do ensino como no método tradicional. Sua participação, além do conduzir o processo de criação, é a relação final do produto com os temas estudados. Favorece, aos estudantes, a oportunidade de vivenciarem e compreenderem determinadas situações do trabalho em saúde (Souza, 2007). Pode-se compreender, também, a dramatização como o resultado de um grupo, do diálogo e da pluralidade de ideias orientados pela criatividade e pela sensibilidade. As concepções são importantes e devem ser discutidas, pois o grupo sempre existe, mesmo que apenas uma pessoa conceba, planeje, produza, elabore e apresente, haverá a plateia para a qual se apresentará. A criatividade se estabelece como capacidade de que ideias discutidas ou postas pelo grupo sejam modificadas, visando a adaptação ao resultado esperado. O docente não controla a dramatização, tal como controlaria a aplicação do método tradicional de ensino, ele é transformador daquilo que a dramatização oferece para algo efetivo na aprendizagem (Souza, 2007). Estudiosos no assunto colocam as três modalidades da estratégia de dramatização mais utilizadas no processo de ensino: o sociodrama/psicodrama, que prioriza e permite avaliar a interação e as relações no grupo; o role playing, ou jogo de papéis, que possibilita, aos envolvidos no processo de ensino, assumirem um papel social que não é o seu; e a oficina de educação em saúde, metodologia voltada para ações de educação em saúde articulada com a cultura da comunidade (Leal, Nova, 2009; Souza, 2007; Tobase, Gesteira, Takahashi, 2007; Brasil, 2001). O sociodrama é teorizado para que o enfoque esteja no grupo, em suas inter-relações, ou seja, há uma dependência de um e de outro pertencente ao mesmo grupo. O psicodrama é teorizado para se avaliar a interação de um com o grupo, conferindo a ele a responsabilidade de compreender e atuar 960
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sobre suas comédias e tragédias da vida. Ao retirar o constituinte psicológico-terapêutico, a compreensão da dramatização como sociodrama/psicodrama se dá por um problema do grupo, evidenciado por métodos de ação (Souza, 2007; Tobase, Gesteira, Takahashi, 2007). O role playing é considerado como jogo de papéis, porque implica assumir um papel social que não o seu, para que se elabore, gradualmente, uma história para esse papel, ou personagem. A elaboração dessa história é mediada por um coordenador, que aprovará ou reprovará a história elaborada gradualmente. A proposta busca facilitar a compreensão das atitudes e decisões do outro no jogo, em que um assume o papel do outro (Rodrigues, 2004). Os discentes assumem os papéis de outros para treinar suas habilidades. A oficina de educação em saúde é apresentada, dentro de programas governamentais brasileiros (Brasil, 2001), como metodologia de educação com foco na intervenção social em saúde. As oficinas valorizam a identidade cultural local, tecendo-a com o agregado de processos que diferenciam um grupo de outro, com o interesse principal de ter produtos finais palpáveis com o uso das artes (cênicas, plásticas, visuais, musicais), propagandas (cartazes, panfletos, cartilhas e outros) e publicidades (divulgação da iniciativa). Neste estudo, a opção definida foi a do role playing, por permitir aos estudantes criarem a partir de um conhecimento construído e por meio da arte de representar, vivenciar e perceber, pelo olhar do personagem, as questões relacionadas à situação e às intervenções do trabalho em saúde. A elaboração da história é mediada por um docente, que conduzirá o grupo para que o texto elaborado represente a realidade, permita o processo educativo e facilite a compreensão das atitudes e decisões de todos envolvidos, treinando habilidades e competências necessárias para o trabalho em saúde. O estudo tem como objetivo relatar a experiência de docentes da área de administração e gerência em saúde no processo de aplicação e avaliação de uma prática de aprendizagem participativa, com discentes do Curso de Graduação em Enfermagem, na disciplina de Planejamento e Administração em Saúde.
Desenvolvimento da experiência Atividade educativa, desenvolvida, no segundo semestre de 2010, com: 23 estudantes cursando a disciplina de Planejamento e Administração em Saúde, em um Curso de Graduação em Enfermagem, na cidade de Curitiba; quatro docentes; cinco enfermeiras de diferentes serviços relacionados à assistência à saúde da mulher, de um município da região metropolitana de Curitiba, e um discente monitor. Foram três meses de construção, preparação, desenvolvimento, aplicação e avaliação da prática educativa. Às docentes coube a escolha das temáticas de planejamento em saúde, funções gerenciais e Sistema Único de Saúde – SUS, com ênfase na organização e a operacionalização do sistema. Ressaltase que todas compõem o universo de temas desenvolvido na disciplina de Planejamento e Administração em Saúde. A seguir, foram definidas e organizadas as estratégias de ensino, com foco no trabalho em grupo e role playing. O grupo de docentes, entendendo a necessidade de mudança do seu papel para facilitadoras do processo, elaborou e discutiu as atividades que conduziriam os discentes na aprendizagem; avaliou e percebeu as necessidades de mudanças no processo em conjunto com os discentes, e proveu os recursos necessários para o desenvolvimento das ações. As temáticas planejamento em saúde, funções gerenciais e SUS, com ênfase na organização e sua operacionalização, foram desenvolvidas por meio do estudo dos programas da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (pré-natal, parto, mulher vítima de violência, câncer de mama e câncer de útero) e do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, com o olhar no conhecimento sobre a gestão dos serviços de saúde e a gestão das práticas dos profissionais em saúde, especialmente da equipe de enfermagem, acrescido e articulado ao conhecimento prévio dos discentes na prática clínica do cuidado de enfermagem. O ensino das práticas clínicas – como a consulta do enfermeiro, as intervenções de enfermagem que abordam as dimensões da promoção, prevenção, assistência e reabilitação – foi desenvolvido em semestre anterior, o que foi considerado, pelas docentes, como um facilitador, por terem, os discentes, o domínio prévio desses saberes. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.959-67, out./dez. 2013
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O estudo dos programas de saúde foi realizado na estratégia de trabalho em grupo. Foram constituídos cinco grupos, por escolha livre dos discentes, tanto para a composição de cada grupo quanto para a escolha do programa a ser estudado. Cada grupo se responsabilizou por um dos programas e realizou pesquisa nos documentos na biblioteca virtual em saúde localizada no portal virtual do Ministério da Saúde e em outros, oficiais e gratuitos. Para esta prática, cada grupo recebeu um roteiro orientador sobre quais informações e conhecimentos deveriam reconhecer nos referenciais localizados, bem como a descrição de situações problematizadas relacionadas à saúde da mulher que os ajudassem a compreender o trabalho em saúde e o da enfermagem, com ênfase no papel e atribuições do enfermeiro. Com estes novos conhecimentos, elaboraram um roteiro para uma visita técnica a serviços relacionados à assistência à saúde da mulher, em um município da região metropolitana de Curitiba, com o propósito de compreender a organização e a gestão do sistema, assim como a gestão do trabalho em saúde. Importante destacar que, nesta disciplina, a multiprofissionalidade e a intersetorialidade do trabalho em saúde são discutidas com os discentes. Estes percebem a relação e interdependência das práticas de cuidado de enfermagem com as dos demais profissionais de saúde, como, também, com outros setores (educação, social, entre outros) importantes para a busca de possíveis resoluções para algumas situações-problema em saúde. A seguir, cada grupo elaborou e entregou um relatório sobre esta atividade, que foram apresentados em um encontro com as docentes e enfermeiras responsáveis pelos serviços visitados. A apresentação proporcionou um debate construtivo e reflexivo, permitindo a percepção e avaliação positiva sobre a construção e/ou a inserção de novos conhecimentos. Segundo os próprios discentes, eles conseguiram aprofundar, compreender e reconhecer: a organização do SUS, a relação entre as diferentes práticas profissionais em saúde e, sobretudo, que o envolvimento e o compromisso foram determinados pelo grupo e pelos seus componentes. Para o processo de consolidação dos conhecimentos tratados e a possibilidade de exercitarem as funções gerenciais (planejamento, coordenação, direção e avaliação), o grupo foi desafiado a realizar uma apresentação com a modalidade da dramatização role playing. Inicialmente, as docentes se reuniram com os discentes escolhidos para formarem o grupo diretor, para apresentação e discussão sobre o resultado esperado nesta atividade. A proposta de role playing teve como fundo temático a história de vida de uma família e sua relação com os serviços sociais, relatados em um estudo de caso. Os discentes tiveram orientação sobre a técnica do role playing e foram disponibilizados artigos que tratavam do presente assunto. Um segundo encontro, agora com todos os 23 discentes matriculados na disciplina, foi para discutir e refletir sobre a técnica do role playing e o estudo de caso com a história a ser representada. A seguir, o grupo diretor procedeu à apresentação do planejamento dos trabalhos e à organização dos alunos. Para tal, a turma foi organizada em três subgrupos: um responsável pela elaboração do roteiro, com oito discentes; um responsável pela sonoplastia e iluminação, com seis componentes; e um responsável pela divulgação, com três discentes. O grupo diretor definiu atribuições e metas para cada grupo, solicitou que cada grupo elaborasse um plano de ação, definisse seu coordenador e estabelecesse um cronograma de encontros. O grupo responsável pelo roteiro conduziu uma reunião com todos para: fomentar ideias e sugestões para a composição do texto final; sugestões para cenário, figurino, e a definição dos discentes-atores. Foi exitoso ao aplicar a dinâmica de “chuva de ideias”. Percebeu-se que a maioria dos discentes contribuiu para a possibilidade de construir um texto denso, com riqueza de situações e propostas de intervenções em saúde. A técnica e a condução do encontro possibilitaram a vivência de duas das funções gerenciais: coordenação e direção de maneira lúdica, agradável, porém real. Os discentes perceberam que a responsabilidade final retornou ao grupo do roteiro, que assumiu o compromisso de construir o roteiro, sua atribuição nesta etapa da prática. O roteiro final foi apresentado e aprovado pela docente responsável. O trabalho em grupo prescinde deste processo de ir e vir: momentos do pequeno grupo com sua tarefa, momentos de apresentação e aprovação por todos os envolvidos.
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O estudo de caso relatava a história de vida de uma família, com ênfase em saúde da mulher, e, também, nas relações com os vínculos familiares, no contexto do cotidiano familiar, na comunidade, e na relação com os diferentes serviços sociais; continha breves relatos de uma gestante hipertensa e com antecedentes obstétricos de aborto; seu esposo com problemas de alcoolismo e violência doméstica. Também apresentava a mobilização da comunidade e a relação com outros movimentos sociais; os recursos sociais na comunidade – escola, creche, projetos sociais, entre outros; e finalizava com um breve relato sobre a organização da saúde na comunidade, a unidade de saúde, seus recursos e ações em saúde disponíveis para a comunidade. Importante ressaltar que o estudo de caso permitia, aos discentes, o acréscimo e/ou o detalhamento de situações em saúde ou sociais, bem como as intervenções em saúde necessárias. Foi um instrumento utilizado com maestria pelos discentes, com criação e demonstração do conhecimento apreendido ao elaborarem o texto final que, efetivamente, abordou situações reais do cotidiano familiar, dos serviços de saúde e da relação destes com os outros serviços sociais necessários para o encaminhamento das questões abordadas. Os discentes canalizaram a oportunidade de perceber como o indivíduo se insere no Sistema de Saúde a partir de problemas de saúde reais identificados. As docentes perceberam que o conhecimento das temáticas de administração – foco deste relato – foi apreendido pelos discentes, por apresentarem situações não só do cuidado individual ou coletivo, mas de gerenciamento ou nas dimensões individuais ou coletivas, de relação organizacional da atenção à saúde, demonstrando que os problemas em saúde não são isolados ou iguais, porém o tratamento, aos indivíduos e grupos, deve respeitar a individualidade e a coletividade. Essa reflexão surgiu por causa do embasamento teórico dos temas abordados, ou seja, a estruturação do roteiro a partir do estudo de caso. O grupo responsável pelo cenário, figurinos e sonoplastia desenvolveu um plano de ação para viabilizar os recursos necessários para a apresentação, como: arrecadar material para figurino, cenário; conseguir autorização para o uso dos equipamentos e materiais de saúde existentes no laboratório de enfermagem do curso. O grupo criou um fundo musical, com músicas de autores brasileiros que cantam histórias parecidas com a do estudo de caso. O cenário foi uma composição de equipamentos e projeções de figuras com diferentes espaços que retratavam a história. Posteriormente, houve um momento em que se discutiu que o conhecimento tratado na prática foi entrelaçado com outros conhecimentos que não são de domínio ou objeto de estudo do curso; mas a vivência pessoal e do grupo em transitar em outras áreas de conhecimento possibilitou a criatividade e ludicidade, importantes neste processo de aprendizagem. O grupo da divulgação, além de cartazes colocados no Setor de Ciências da Saúde da universidade, convidou os discentes, especialmente os ingressantes do curso. Em relação aos enfermeiros dos serviços visitados e docentes, o grupo encaminhou convite individual e à equipe. Preparou um programa do dia da apresentação, com sinopse da peça, e da atribuição de cada discente, que foi entregue a todos os ouvintes. O grupo diretor acompanhou e realizou os encontros com a presença de responsáveis de cada grupo e, sistematicamente, repassava as informações às docentes, mas não necessariamente todas, criando expectativa, própria da estratégia adotada, demonstrando a possibilidade de provocar, também no docente, a curiosidade, importante para o processo avaliativo. A apresentação aconteceu em sala de aula, que foi organizada em dois espaços distintos, um destinado à apresentação e um aos convidados. Os convidados, em torno de cinquenta, foram recepcionados pelos grupos diretor e de divulgação. A apresentação, com duração de uma hora, foi extremamente rica em situações que abordaram todos os programas da saúde da mulher estudados e as questões sociais inseridas no texto. A inserção, na peça, de situações do cotidiano que permeiam a assistência de enfermagem na Atenção à Saúde da Mulher e a gestão pública, permitiu também aos discentes raciocinarem sobre as funções gerenciais no roteiro. Após a apresentação, os discentes diretores coordenaram um debate articulando as temáticas, esclarecendo dúvidas, sobretudo dos discentes ingressantes, e envolvendo todos na discussão, apoiados pelas docentes presentes. Os discentes ingressantes no curso, que, no período, discutiam as áreas de atuação do enfermeiro, avaliaram que a apresentação permitiu concretamente entender o trabalho do enfermeiro, 963
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compreendendo as práticas profissionais do enfermeiro nas dimensões assistencial e gerencial. Também apontaram a importância de conhecerem um pouco sobre a organização do SUS. Uma questão ressaltada, no momento do debate, pelos dois grupos de discentes – ingressantes e cursantes da disciplina – foi a reflexão sobre o trabalho do enfermeiro, seja como cuidador ou como gestor do cuidado. Considerou-se que as possibilidades de cuidar são inúmeras e diversificadas, que há importância de o trabalho em saúde ser multidisciplinar e interdisciplinar, e que as situações em saúde vão para além da competência técnica, necessitam da competência de comunicação para se articularem intersetorialmente. A avaliação da atividade foi conduzida pelo grupo diretor a partir de um roteiro proposto pelas docentes, com questões relacionadas à modalidade definida, role playing, e às temáticas. O grupo acrescentou outras questões relacionadas ao processo de condução da turma. O encontro foi coordenado e dirigido pelo grupo no dia seguinte e com respostas satisfatórias sobre o processo de aprendizagem. O momento de apropriação e consolidação das práticas das funções gerenciais, um dos destaques da avaliação, revelou que a atividade permitiu a todos exercitarem as quatro funções gerenciais, com variações e formas de trabalhar diferentes entre eles. Em outro momento de apropriação do conhecimento, reconheceu-se a individualidade e as diferenças. A estratégia permitiu o exercício das funções gerenciais em uma situação real, concreta e com significado para todos. A presença de convidados e dos discentes ingressantes foi positiva, porque os discentes atores se preocuparam em representar com exatidão e clareza as situações, permitindo a compreensão do trabalho do enfermeiro, foco do outro grupo de discentes, que, em uma situação real e problematizada, puderam debater a profissão que escolheram. Avaliaram que, além da aplicação das funções gerenciais, conseguiram compreender um pouco mais sobre o SUS e que há muito, ainda, a aprender sobre este tema. Entenderam que foram introduzidos de uma forma aprazível a serem defensores deste sistema. Em outro momento, as docentes conduziram a avaliação da prática educativa inteira, desde os estudos dos programas em saúde até a apresentação. Foram apontadas a viabilidade e a efetividade do aprendizado com o uso de metodologias participativas, e destacado que requerem tempo e mobilização de recursos, especialmente por parte dos docentes e dos discentes, e destes últimos, um deslocar para ser um participante ativo e compromissado.
Considerações finais As docentes destacaram que a construção de práticas de aprendizagem com metodologias participativas requer tempo, motivação, dedicação e comunicação, mas, sobretudo, a mudança do seu processo de trabalho. Envolver-se, acompanhar os discentes em diferentes tempos e lugares é uma das exigências, pois o processo de aprendizagem não acontece exclusivamente na sala de aula ou nos espaços previamente determinados pelos docentes, como o relato demonstrou. Requer do docente uma atenção aos diferentes discentes ou grupos de discentes que estão em momentos diferentes do processo de aprendizagem. Exige, também, planejamento detalhado e acurado destes momentos, e habilidade de adaptação, seja das estratégias ou dos papéis que o docente assume ao utilizar metodologias participativas. O docente passa a ser um dos membros do grupo envolvido no processo, com funções determinadas, sendo a principal a de ser um facilitador, com competências em comunicação e observação, e com sentidos alertas para perceber os diferentes momentos de aprendizagem em que estão os envolvidos. Importante destacar que as temáticas definidas também foram facilitadoras no processo de aprendizagem, e que a prática possibilitou uma avaliação positiva na construção do conhecimento relacionado a elas. O mesmo pode-se ressaltar para as estratégias do trabalho em grupo e dramatização, que além de favorecerem a aprendizagem, reforçaram sentimentos de valorização nos discentes, ao assumirem funções e papéis de outros, provocando significação no conhecimento. É necessário refletir se, no processo de trabalho docente – atualmente, com inúmeras atividades em projetos de pesquisa, de extensão, de orientação, de participação em programa de pós-graduação 964
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(stricto e lato sensu), entre outras – podem ser disponibilizados tempo e energia para se construírem, efetivamente, práticas pedagógicas com o uso de metodologias participativas. Uma reflexão importante é se todos têm opção de decidir ou escolher em participar de uma prática pedagógica mobilizadora. Inicialmente, percebe-se um recuo ou indecisão, seja dos docentes ou dos discentes. Sair do comodismo ou do conhecido requer mobilizações e mudanças, individuais e coletivas. É importante que os docentes acompanhem e motivem os discentes, e que estes, reciprocamente, façam o mesmo. Os discentes, questionados, no final, sobre seus sentimentos e percepções da prática, relataram que se sentiram incomodados e preocupados, no início, e, em determinados momentos, confusos. Entretanto, quando se debruçaram para construir relatórios, ampliar o estudo de caso, debater e, sobretudo, exercer as funções gerenciais, perceberam que, afirmativamente, apreenderam, e, por isso, sentiam-se seguros para iniciar a exercer estas funções nas atribuições do profissional enfermeiro. A reflexão do contexto geral e final da prática educativa validou a permanente construção e reconstrução de saberes, que deve ser somatória e transformadora. Ao se acrescentarem novos conhecimentos a um anterior, permite-se reconhecer diferentes percepções da realidade e, a partir destas, associá-las e relacioná-las com conhecimentos teóricos que permitam entender um pouco mais a complexidade da organização social.
Colaboradores Carmen Elizabeth Kalinowski planejou, organizou e conduziu as práticas, trabalhou na organização e análise dos dados, na redação e revisão final do texto; Reinaldo Miguel Dolny Massoquetti colaborou na revisão bibliográfica, organização dos dados, discussão e redação final; Aida Maris Peres e Liliana Müller Larocca colaboraram na redação e revisão final; Isabel Cristina Kowal Olm participou da discussão, análise dos dados e redação; Luciana Schleder Gonçalves participou do desenvolvimento das atividades, organização dos dados, discussão e redação final; Riciana do Carmo Calixto colaborou na revisão bibliográfica e revisão final do manuscrito. Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Oficinas de educação em saúde e comunicação. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. FERREIRA, A.B.H. Mini-aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8.ed. Curitiba: Positivo, 2010. LEAL, D.T.B.; NOVA, S.P.C.C. Métodos dramáticos aplicados a intervenções socioeducativas de autogestão e contabilidade. Educ. Pesqui. Contab., v.3, n.3, p.1-17, 2009. LEITE, M.M.J.; PRADO, C.; PERES, H.H.C. Educação em saúde: desafios para uma prática inovadora. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2010. MARTINEZ-RIERA, J.R. et al. Roleplaying en el proceso de enseñanza-aprendizaje de enfermería: valoración de los profesores. Cogitare Enferm., v.3, n.16, 411-7, 2011. MOREIRA, M.A. A Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel. In: _____ (Org.). Teorias da aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999. p.195.
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O trabalho relata a experiência de docentes da área de administração e gerência em saúde no processo de construção e desenvolvimento de uma prática de aprendizagem significativa e participativa, desenvolvida no segundo semestre de 2010, com 23 estudantes de um curso de graduação em Enfermagem, na cidade de Curitiba-PR. As estratégias de trabalho em grupo e a dramatização na modalidade do role playing foram escolhidas por facilitarem a participação e a motivação para a aprendizagem. O sistema de saúde, planejamento em saúde e funções gerenciais foram temáticas definidas para compor a prática. O aprendizado permitiu o exercício das funções gerenciais em uma situação real, concreta e com significados a todos, e, ainda, o destaque das docentes sobre a construção de práticas de aprendizagem com metodologias participativas, que requerem tempo, motivação, dedicação e comunicação, mas, sobretudo, a mudança do processo de trabalho.
Palavras-chave: Educação em enfermagem. Metodologia participativa. Administração e gerenciamento em enfermagem. Participative methods in teaching administration within nursing This paper reports the experience of teachers within the field of healthcare administration and management in the process of building and developing practices of participative and meaningful learning, which took place in the second semester of 2010, with 23 students in an undergraduate nursing program in the city of Curitiba, Paraná. Strategies for group work and dramatization through role playing were chosen, since these facilitate participation and motivation for learning. The healthcare system, healthcare planning and managerial functions were the themes defined for constituting the practice. The learning experience allowed managerial functions to be performed in a real and concrete situation, with meaning for all participants. The teachers’ role in constructing learning practices was highlighted, with participative methods that required time, motivation, dedication, communication and, especially, changes to their work processes.
Keywords: Nursing education. Participative methods. Administration and management in nursing. Metodologías participativas en la enseñanza de la administración en enfermería El trabajo relata la experiencia de docentes del área de administración y gestión en salud en el proceso de construcción y desarrollo de una práctica de aprendizaje significativa y participativa, desarrollada en el segundo semestre de 2010, con 23 alumnos de un curso de graduación en Enfermería, en la ciudad de Curitiba, Estado de Paraná. Se eligieron las estrategias de trabajo en grupo y la dramatización en la modalidad de role playing porque facilitaban la participación y la motivación para el aprendizaje. El sistema de salud, planificación en salud y funciones de gestión en una situación real, concreta y con significados para todos, y también el destaque de las docentes sobre la construcción de prácticas de aprendizaje con metodologías participativas que requieren tiempo, motivación, dedicación y comunicación pero, sobre todo, el cambio del proceso de trabajo.
Palabras-clave: Educación en enfermería. Metodología participativa. Administración y gestión en enfermería. Recebido em 01/08/12. Aprovado em 07/12/12.
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DOI: 10.1590/1807-57622013.3683
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Metodologias ativas de ensino-aprendizagem para educação farmacêutica: um relato de experiência
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Jane Beatriz Limberger1
Introdução Em tempos de sociedades globalizadas e acesso massivo da população à informação por meio de mídias digitais, faz-se necessário o repensar de nossas metodologias de ensino utilizadas diariamente, a fim de se agregar maior conhecimento, tornar o dia a dia da sala de aula mais dinâmico, além de proporcionar a quebra do paradigma professor-aluno, uma vez que a velocidade da construção do conhecimento favorece a complementação destes personagens, que, cada vez mais, aprendem juntos. Neste contexto, o aluno não deve mais ser visto como um ser passivo, mas estimulado a construir seu conhecimento por meio da avaliação da informação disponível, sendo o professor o responsável pela orientação adequada, pelo acompanhamento e pelo estímulo constante pelo aprendizado de qualidade. A utilização de recursos de aprendizagem em sala de aula deve contemplar o universo de ferramentas disponibilizadas pela internet e softwares de computador, considerando que o aluno de hoje possui familiaridade com estes recursos, uma vez que grande parte os utiliza em suas atividades diárias de estudo, e, sobretudo, de entretenimento. Observa-se uma evolução profunda na internet, que surgiu como mera rede de interligação entre computadores, e que hoje representa um espaço interativo do qual todos nós somos parte integrante (Santos, 2010). Pode-se, além de acessar conteúdos nas mais diversas áreas de conhecimento, produzir textos, complementar informações, gerar avaliações, contribuindo para o ensino à distância ou para a complementação das atividades diárias de sala de aula, mediante utilização da internet 3.0. Acompanhando este processo constante de mudança, a educação de novos profissionais de saúde necessita de reformulações, visando formar profissionais adequados às necessidades de saúde da população brasileira e do Sistema Único de Saúde, integrando a efetiva articulação das políticas de saúde com a educação. Dá-se ênfase à educação problematizadora, centrada no estudante, que constrói seu conhecimento e desenvolve um discurso próprio de maneira ativa através de novas metodologias de ensino e aprendizagem, com o professor no papel de facilitador do processo. Nesta situação, o futuro profissional de saúde é convidado
* Relato de experiência vivenciada pela autora em sua prática docente. 1 Curso de Farmácia, Centro Universitário Franciscano (Unifra). Rua dos Andradas, 1614. Santa Maria, RS, Brasil. 97.010-032. janebeatriz@unifra.br
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a trabalhar com problemas reais, assumindo responsabilidades crescentes e interagindo com a população e os profissionais de saúde das áreas afins. Este novo profissional exigido pelas últimas reformas curriculares dos cursos da área de saúde, e, em específico, o curso de Farmácia, tem perfil generalista, humanista, crítico e reflexivo, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual (Brasil, 2002). Este perfil vai ao encontro das necessidades de mudanças profundas no aparelho formador dos profissionais da saúde, porque o atual, individualista e antropocêntrico, não atende mais às necessidades das pessoas nem do processo de trabalho em saúde (Ferreira, Ramos, 2006). Dentre a variedade de metodologias ativas disponíveis, se faz necessário escolher aquela que melhor se adapta à fase do curso. Assim, simulações, discussões em classe, dramatizações, mapas conceituais e mentais são adequados aos primeiros semestres, enquanto, em etapas intermediárias e finais, o uso de metodologias de problematização, estudos de caso e aprendizagem baseada em projeto trazem melhores resultados para a formação do egresso (Oliveira, 2010). A disciplina de Assistência e Atenção Farmacêutica tem por finalidade preparar o estudante de farmácia para a atuação efetiva no ciclo da assistência farmacêutica, contribuindo para a melhoria das práticas de gestão de medicamentos no Sistema Único de Saúde - SUS, dentro do que preconiza a política nacional de medicamentos. Além disso, proporciona enfoque na prescrição, dispensação e utilização de medicamentos pelos usuários, visando o uso racional e contribuindo para a detecção e resolução de Problemas Relacionados a Medicamentos (PRMs). Visando a adequação da disciplina às novas diretrizes curriculares e considerando o perfil do estudante atual, buscou-se utilizar metodologias ativas de ensino-aprendizagem como ferramenta para a construção do conhecimento do aluno, contribuindo, inclusive, para o despertar da prática em educação em saúde, uma vez que os saberes e fazeres situados na perspectiva da interatividade se manifestam quando há utilização expressiva de interfaces de compartilhamento de informações e de colaboração, inclusive, multiprofissional.
Metodologia empregada O primeiro passo para a implementação de metodologias ativas no ensino da atenção farmacêutica foi o entendimento de que o polo de ensino, centrado no professor, teria de ser direcionado para o polo da aprendizagem, centrado no aluno. Isto só é possível por meio da substituição da concepção da teoria antecedendo a prática para a articulação teoria/prática; a saída das concepções de saúde como ausência de doença para a saúde enquanto condições de vida. A experiência de outros cursos foi relevante na organização e sistematização das práticas a serem realizadas. Nessa perspectiva, postulou-se que a disciplina de Assistência e Atenção Farmacêutica, com carga horária semanal de 51h, seria submetida a um processo contínuo de construção e reconstrução, considerando a relação entre ensino e a prática profissional, prática e teoria, resolução de problemas e interação professor-aluno-comunidade. Os encontros com os alunos aconteceram semanalmente, de maneira presencial durante o período da aula e de maneira virtual durante todo o semestre. A proposta da metodologia contemplou a divulgação semanal de estudos de caso de pacientes pertencentes aos grupos específicos constantes no programa da disciplina, e a resolução destes pelos acadêmicos, agrupados em duplas, a fim de fomentar a discussão e a observância de diferentes pontos de vista do mesmo caso. Como ambiente de discussão extraclasse, foi planejado o desenvolvimento de um blog, que reuniria, além dos estudos de caso a serem comentados, fontes de referência on-line para subsidiar as discussões. Semanalmente, foram elaborados estudos de caso (sete durante o semestre), obedecendo aos seguintes critérios: o foco do estudo se concentra na terapia, e não no diagnóstico; o caso deve possibilitar a identificação de um medicamento que seja de escolha, segundo diretrizes de tratamento preestabelecidas; a ênfase no processo de escolha do medicamento, considerando as peculiaridades do paciente; a identificação e resolução de problemas relacionados a medicamentos.
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LIMBERGER, J.B.
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No planejamento da avaliação dos alunos, considerou-se que esta deveria estar voltada para as competências, traduzidas no desempenho, por meio de um instrumento de acompanhamento de todo o processo ensino-aprendizagem, como forma de garantir o desenvolvimento das competências necessárias à formação do profissional. .
Contextualizando o cenário da prática
A disciplina de Assistência e Atenção Farmacêutica é ministrada no sétimo semestre do curso de Farmácia da Unifra, Santa Maria, RS, e ocorre concomitantemente ao Estágio em Assistência e Atenção Farmacêutica, permitindo uma correlação entre a teoria e a prática do uso racional de medicamentos. O conteúdo referente à atenção farmacêutica é direcionado ao estudo de grupos específicos de pacientes que apresentam características ou problemas de saúde comuns, tais como: diabetes, hipertensão, doenças infectocontagiosas, distúrbios menores (insônia, resfriados, tosse etc.), ou em grupos de pacientes com características semelhantes, como crianças, idosos, mulheres, gestantes, entre outros. Primeiramente, foi criado um blog (www.atenfar.wordpresss.com) para divulgação do estudo de caso semanal, bem como a inclusão de materiais bibliográficos, textos de interesse, notícias e links que pudessem auxiliar o estudante na busca pelo conhecimento teórico necessário para a discussão do caso. A ferramenta permite que o estudante insira comentários sobre o caso, sempre acompanhada da referência bibliográfica científica consultada. A leitura do comentário inserido por outras duplas pode, e deve, despertar o olhar crítico e promover a avaliação dos comentários, gerando a discussão necessária para a observação de diferentes pontos de vista, ou diferentes referenciais, sobre o mesmo assunto. Na elaboração do estudo de caso buscou-se contemplar diferentes aspectos referentes aos problemas de saúde, farmacoterapia proposta e problemas relacionados a medicamentos, considerando as complexidades comuns ao indivíduo em estudo. Assim, os estudantes receberam a tarefa de, semanalmente, visitar o blog, avaliar o estudo de caso proposto e inserir comentários sobre algum aspecto específico do caso. A avaliação completa do caso gerou um relatório, discutido em aula. Nesse momento os estudantes sentavam em círculo, junto à professora, que selecionava: um voluntário para a tarefa de relator, responsável pela compilação dos resultados obtidos pelos diferentes grupos; e um secretário, responsável pela anotação dos resultados do consenso, que seriam posteriormente divulgados no blog na forma de uma súmula do caso clínico. Ao final da discussão, os aspectos relevantes do conteúdo que não puderam ser encaixados no caso foram complementados pela professora.
A construção dos casos O indivíduo é o conjunto de seus Conhecimentos, Habilidades e Atitudes (CHA), ou seja, compreende as competências necessárias para que a pessoa desenvolva suas atribuições e responsabilidades usando a sua criatividade e inovação (Dutra, 2004). Quando o aprendizado ocorre por meio de metodologias ativas, o conhecimento dos estudantes é comparável ao do método tradicional, porém, seu desempenho em relação às suas habilidades e atitudes é superior, reflexo da visão críticoreflexiva proporcionada pelo método. Além disso, observou-se uma satisfação maior por parte dos acadêmicos quando foram solicitados a avaliar o método, por considerarem que a utilização de casos práticos proporciona uma maior relação com a realidade, facilitando a fixação de conteúdos e promovendo o pensamento crítico. Apesar de o estudo baseado em problemas focar o aprendizado por parte do aluno, o professor (ou instrutor) tem um papel fundamental na descrição do caso a ser estudado, uma vez que este deve contemplar o conteúdo em questão, considerando a complexidade dos sujeitos. A abordagem dos alunos, em um primeiro momento, pode parecer simples, mas, na prática, a mudança de papéis pode não ser tão facilmente concebida: O professor não é mais o condutor, mas companheiro na busca do aprendizado. A aula tradicional, na forma de palestra, é substituída por perguntas. Saber quais perguntas são importantes nem sempre é tarefa fácil.
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Os casos propostos durante os estudos não foram acompanhados por questões formuladas, uma vez que a avaliação dos aspectos mais importantes do caso faz parte do processo de aprendizagem e proporciona a prática da visão integral do sujeito em estudo. Neste contexto, a atuação do farmacêutico deve contemplar: a descrição adequada do caso, o levantamento e a correlação dos problemas de saúde e dos problemas relacionados a medicamentos, e as condutas para a intervenção farmacêutica que visem o uso racional de medicamentos e a melhoria da adesão e da qualidade de vida do paciente. Um bom cenário clínico para atenção farmacêutica deve deixar claro o diagnóstico do paciente e contemplar a farmacoterapia em uso, de maneira completa, com dados sobre dosagem, posologia e tempo de tratamento. Outras informações que podem ser importantes contemplam: a utilização de terapias alternativas, como uso de plantas medicinais, fitoterápicos e medicamentos homeopáticos; doenças associadas; aspectos socioeconômicos, como escolaridade, faixa etária, renda familiar; adesão ao tratamento medicamentoso ou não medicamentoso, e grau de informação do paciente sobre o medicamento em uso. Abordar aspectos socioeconômicos é de fundamental interesse para os estudos, uma vez que visam avaliar a relação custo-efetividade do tratamento e, por consequência, a adesão. Pacientes que não têm acesso a medicamentos por outra via que não o Sistema Único de Saúde devem receber, preferencialmente, prescrições de medicamentos constantes na RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), sob pena da descontinuidade do tratamento. A avaliação do nível educacional do paciente permite adequar as informações dispensadas a este paciente de acordo com seu grau de compreensão, permitindo que este fique ciente de seus problemas de saúde e da importância da adesão aos esquemas terapêuticos propostos. Com base no caso, se faz necessária a determinação do objetivo terapêutico para o paciente, ou seja, busca-se: a cura de um problema de saúde, o controle de um quadro, a resolução de um problema relacionado ao medicamento (interações medicamentosas, dose inferior ou superior à adequada, processos alérgicos, efeitos adversos etc.). É importante ressaltar que a determinação do objetivo terapêutico deixa claro qual é o resultado de intervenção esperado, não cultivando falsas expectativas tanto para o paciente quanto para o futuro farmacêutico. O conteúdo do caso proposto deve refletir a prática diária profissional, seja o seu local de trabalho uma farmácia comercial, um ambulatório, um hospital, um laboratório de análises clínicas ou outro estabelecimento farmacêutico. Por isso, deve-se buscar a inserção de informações tanto farmacológicas quanto clínicas, como resultados de exames laboratoriais, por exemplo. A correlação de dados laboratoriais com o quadro do paciente permite uma avaliação clínica completa e a visão do paciente em todos os seus aspectos. A inclusão de informações na história clínica do paciente permite que o caso seja dificultado ou facilitado, dependendo dos objetivos propostos para o caso. A inclusão de efeitos adversos pode, por exemplo, evidenciar problemas relacionados a medicamentos comumente encontrados na prática clínica, e possibilitar a busca por formas de resolução deste problema específico. Outro exemplo de modificação consiste na inclusão de uma gravidez, no caso de paciente do sexo feminino, que vai alterar a necessidade e a segurança na utilização de grande número de fármacos. Na prática clínica, quando utilizamos casos reais para avaliação, é possível encontrar erros de prescrição no que tange à incompletude de informações no receituário, especialmente quanto: à duração de tratamento, utilização de nomes comerciais em prescrições do SUS, sobreprescrição e padrões de prescrição muitas vezes baseados em informações promocionais de propagandistas de medicamentos. A utilização de estratégias de marketing duvidosas favorece o uso de medicamentos sem a necessária avaliação do risco/benefício e resultando, geralmente, em prescrições economicamente inviáveis. Quando o acadêmico se depara com a grande quantidade de informações disponíveis acerca de fármacos e terapias medicamentosas, é comum se angustiar com o montante de informações necessárias para a prática profissional. Neste contexto, destaca-se o aprender a aprender, e a busca de informações qualificadas para subsidiar a tomada de decisão para a intervenção farmacêutica.
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Estudos randomizados, duplos-cegos ou controlados por placebo são superiores à opinião de um único indivíduo. Outro aspecto diz respeito a estudos financiados pelas indústrias farmacêuticas, gerando conflito de interesses e desqualificando a informação. Assim, mesmo informações oriundas de portais de pesquisa devem ser avaliadas criteriosamente, evitando situações de viés. É comum se observarem informações conflitantes quando consultadas em fontes diferentes, por exemplo: livros de farmacologia, cartilhas, artigos científicos etc. Nestes casos, é importante aproveitar este momento para fazer a avaliação da fonte de acordo com critérios como: fator de impacto do periódico ou qualidade do livro consultado. Durante as atividades, a intervenção do professor deve ser restrita a momentos em que a discussão não avança, ou quando o grupo tem dificuldade de entrar em um consenso. Outro caso que exige intervenção diz respeito a estudantes mais calados, por questões de personalidade. Nestes casos, é importante que a inclusão ocorra por meio de questionamentos ou que estes alunos sejam chamados a sumarizar algum aspecto do caso.
Processo avaliativo A avaliação deve oportunizar, a professores, alunos e a própria instituição, um momento de reflexão sobre as práticas desenvolvidas e desempenhos alcançados, bem como oportunizar a elaboração de estratégias para o aperfeiçoamento da aprendizagem. Para tanto é necessário: observar, escutar, acompanhar, registrar, discutir, comparar, intervir, mudar e melhorar continuamente (Costa, 2011). Durante a execução das atividades, buscou-se ampliar os métodos de avaliações, não apenas de maneira somativa, ao final do processo de ensino/ aprendizagem, mas, também, formativa, durante o processo, por meio da observação dos estudantes, das perguntas, das respostas aos questionamentos, da elaboração de sínteses orais e escritas. É importante considerar: a capacidade de reflexão e análise crítica sobre a situação em estudo, a aplicabilidade e pertinência das soluções apresentadas para a resolução do problema. Compuseram a nota final do estudante testes contemplando: o conteúdo, a participação em sala de aula, a elaboração de relatórios orais e escritos, e discussões em ambiente virtual.
Considerações finais Atualmente, o mercado de trabalho exige que o profissional de saúde tenha condições não apenas de reproduzir informações recebidas em sala de aula, mas também, e sobretudo, de produzir seu próprio conhecimento ao longo de sua vida profissional, ampliando seu campo de aprendizagem. Buscase a mudança de um paradigma em relação ao estudante e ao processo de ensino/aprendizagem. Observa-se que o aluno tradicional é pouco motivado, imediatista, passivo, muitas vezes dividido entre o trabalho e o emprego. A utilização de metodologias ativas na disciplina de Assistência e Atenção Farmacêutica permitiu, aos acadêmicos, construírem o próprio caminho, mais seguros de seu potencial, com maior autoestima, autonomia e motivação, uma vez que ampliou a consciência dos estudantes acerca da tolerância, da ambiguidade e da complexidade, e estimula o respeito a opiniões e experiências diversas. Também foi possível observar: o desenvolvimento de uma maior compreensão sobre o tema, maior retenção de conhecimentos, o despertar para a importância da interdisciplinaridade, sempre tendo, por foco, a resolução de um problema do paciente. Obviamente, as práticas baseadas em problemas exigem momentos de reflexão para a melhoria da didática frente às dificuldades apresentadas, e constante autoavaliação e replanejamento; além de habilidade comunicativa, exercício de liderança, e observação de aspectos referentes à interdisciplinaridade dos conteúdos envolvidos no curso de farmácia e a complexidade dos indivíduos, sujeitos dos casos, exigindo sensibilização, motivação e participação docente, discente e institucional. Não é um caminho fácil, mas, certamente, é recompensador, já que estudar passa a ser um ato desafiador e motivador.
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Referências BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Farmácia. Brasília: MEC, 2002. COSTA, E.M.M.B.C. Avaliação da aprendizagem: da teoria à prática. In: CECY, C.; OLIVEIRA, G.A.; COSTA, E.M.M.B.C. (Orgs.). Melhoria da qualidade da Educação Farmacêutica. Brasilia: Associação Brasileira de Ensino Farmacêutico e Bioquímico, 2011. p.111-28. DUTRA, J.S. Competências: conceitos e instrumentos para gestão de pessoas na empresa moderna. São Paulo: Atlas, 2004. FERREIRA, H.M.; RAMOS, L.H. Diretrizes curriculares para o ensino da ética na graduação em enfermagem. Acta Paul. Enferm., v.19, n.3, p.328-31, 2006. OLIVEIRA, G.A. Uso de metodologias ativas em educação superior. In: CECY, C.; OLIVEIRA, G.A.; COSTA, E. Metodologias ativas: aplicações e vivências em educação farmacêutica. Brasília: Associação Brasileira de Ensino Farmacêutico e Bioquímico, 2010. p.11-33. SANTOS, A.F.M. Plataformas robustas e adaptáveis para a gestão e massificação de conteúdos dinâmicos: utilização em ambientes educacionais contribuindo para o sucesso educativo no ensino secundário em Portugal. 2010. Dissertação (Mestrado) Comércio Eletrónico e Internet, Universidade Aberta, Lisboa. 2010.
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As práticas e os projetos pedagógicos dos cursos da área da saúde têm sido alvo de intervenções a fim de se contemplarem as necessidades da sociedade contemporânea. A formação do farmacêutico não foge a esta linha, na qual se destaca a correlação entre teoria e prática, ressaltando a necessidade de uma visão integral do indivíduo e do meio que o cerca. Com base nestas considerações, o presente artigo visa abordar a utilização de metodologias ativas de ensino-aprendizagem na disciplina de Assistência e Atenção Farmacêutica do curso de Farmácia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), relatando avanços e dificuldades observadas. Foram realizados, semestralmente, sete estudos de caso abordando problemas de saúde, farmacoterapia e problemas relacionados a medicamentos. Como resultados, destaca-se a formação de um aluno capaz de intervir e construir o próprio futuro com responsabilidade e comprometimento com a formação humanística e generalista.
Palavras-chave: Metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Problematização. Educação farmacêutica. Active teaching-learning methodologies for pharmaceutical education: a report on experience The pedagogical practices and projects of healthcare courses have been the target of interventions aimed at taking into account the needs of contemporary society. The training for pharmacists is no exception and, in this, the correlation between theory and practice is highlighted, along with the need for a comprehensive view of individuals and the environment that surrounds them. Based on these points, this article aimed to address the use of active teaching-learning methodologies in the Discipline of Pharmaceutical Care and Assistance of the Pharmacy Course at the Franciscan University Center (UNIFRA), reporting on the advances and difficulties observed. Each semester, seven case studies covering health problems, pharmacotherapy and problems relating to medications were conducted. The results highlighted the shaping of students who were capable of intervening in and constructing their own futures with responsibility and commitment towards humanistic and general training.
Keywords: Active teaching methodologies. Problem-based learning. Pharmacy education. Metodologías activas de enseñanza-aprendizaje en educación farmacéutica: un relato basado en la experiencia Las prácticas y los proyectos pedagógicos de los cursos del área de salud han sido objeto de intervenciones con el fin de atender las necesidades de la sociedad actual. La formación del farmacéutico no escapa de esta línea, en la que se destaca la correlación entre teoría y práctica, subrayando la necesidad de una visión integral del individuo y del entorno que lo rodea. Con base en tales consideraciones el presente artículo busca abordar el uso de métodos activos de enseñanza-aprendizaje en la asignatura de Asistencia y Atención Farmacéutica del curso de Farmacia en el Centro Universitario Franciscano (UNIFRA), relatando avances y dificultades observadas. Fueron realizados, semestralmente, siete estudios de caso que abordaban problemas de salud, fármacoterapia y problemas relacionados con medicamentos. Como resultado, se destaca la formación de un alumno capaz de intervenir y construir su propio futuro con responsabilidad y compromiso con una formación humanística y general.
Palabras clave: Metodología activa de enseñanza y aprendizaje. Problematización. Educación farmacéutica. Recebido em 20/08/12. Aprovado em 24/04/13.
Jane - Submissão: 20/08/2012 - Aprovação: 24/042013 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO Cristina - Submissão: 09/09/2012 - Aprovação: 17/02/2013
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DOI: 10.1590/1807-57622013.3971
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SANTOS, R.V.; GIBBON, S.; BELTRÃO, J. Identidades emergentes, genética e saúde: perspectivas antropológicas. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.
Waleska de Araújo Aureliano¹
A análise das dimensões socioculturais e políticas envolvidas na era da genômica é a preocupação central dos artigos reunidos em Identidades Emergentes, Genética e Saúde: perspectivas antropológicas. A obra é fruto de um seminário realizado em 2010 na cidade de Belém (PA). O evento reuniu historiadores, antropólogos, geneticistas e pesquisadores da saúde coletiva num esforço reflexivo sobre o que, segundo os organizadores, seriam os desdobramentos de uma biopolítica contemporânea que encontrou, nos genes, novas formas de apresentar velhas questões envolvendo a biologia humana: da reprodução ao uso controverso do conceito de raça, do melhoramento do corpo humano à identificação de grupos ou indivíduos considerados “biologicamente perigosos”. O livro está dividido em três partes. Na primeira, intitulada “Saúde, Genética e Sociedade: novas/velhas questões, novas/velhas configurações”, os autores analisam como a histórica biologização da existência, que marca a formação da sociedade ocidental moderna, aponta contemporaneamente para possibilidades de intervenção sobre corpos individuais e grupos sociais específicos.
No primeiro artigo, Sandra Caponi realiza uma análise histórica do campo da psiquiatria a partir das teorias degeneracionistas e eugênicas desenvolvidas na Europa entre os séculos XIX e XX. Tais teorias tiveram como característica comum o fato de considerarem que as patologias mentais e a tendência à criminalidade seriam hereditárias e possuíam traços físicos. Na França, as políticas propostas pela psiquiatria para o controle da transmissão das doenças mentais envolviam medidas higiênicas sobre o meio ambiente, tais como: a melhoria das condições de salubridade e trabalho, e o controle da miséria urbana. Já a psiquiatria alemã, a partir dos trabalhos de Emil Kraepelin, sugeria que esse controle deveria se dar sobre os indivíduos considerados degenerados, através de intervenções sobre a sua reprodução. Seguindo essa premissa, no início do século XX, vários países propuseram a esterilização de doentes mentais e criminosos como forma de conter a transmissão hereditária dos desvios. Assim, teóricos da degeneração e eugenistas relacionaram indivíduo, meio e hereditariedade de forma distinta, embora ambos compartilhassem um mesmo ponto de partida para pensar a degeneração: o
¹ Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista CNPq, Pós-Doutorado Júnior. Quinta da Boa Vista, s/nº, São Cristóvão. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 20940-040. waureliano26@ yahoo.com.br
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mito da normalidade hereditária, que poderia ser auferida através de traços físicos. Em sua conclusão, a autora chama a atenção para o modo como algo desse momento histórico da psiquiatria se estende até nossos dias através da obsessão surgida em torno de teorias fisicalistas que deem conta de explicar cada um de nossos comportamentos e aflições. Para Caponi, vemos hoje pesquisadores que buscam as origens de nossas ações e escolhas em um determinismo neurogenético capaz de explicar, por exemplo, a homossexualidade, o alcoolismo ou a criminalidade. É nesse cenário contemporâneo que se insere o texto de Gláucia Silva. A autora tematiza o binômio natureza/cultura, tão caro à formação da antropologia, a partir da leitura de dois artigos: um da socióloga Maria Cecília Minayo (Fundação Oswaldo Cruz) e o outro do geneticista Renato Flores (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Ambos abordam a questão da violência, mas por ângulos distintos, o que leva a autora a questionar as possibilidades e os limites de uma interlocução entre ciências sociais e biologia na compreensão do humano. Do artigo de Minayo, Silva destaca o argumento de que qualquer esforço de análise sobre a questão da violência deve ter em perspectiva a pluralidade de sentidos que um ato violento pode assumir, dependendo do contexto onde ocorre. Minayo sugere que se fale de “violências” no plural, a fim de não reduzir seu escopo à noção restrita de “delinquência”. Para ela, a violência deve ser entendida como veículo e manifestação de alguma causa que só pode ser compreendida pela análise de casos específicos, que são formados por fatos políticos, sociais, subjetivos, históricos e econômicos particulares, embora pontos comuns possam ser articulados, como: os conflitos de autoridade, a luta pelo poder ou o domínio e aniquilamento do outro. Já o artigo de Flores analisado por Silva propõe que os atos de violência e o “comportamento criminal” seriam, em muitos casos, reflexos de uma “doença mental” resultante da dificuldade de algumas pessoas em processar informações características da “sociedade contemporânea”, por seus cérebros estarem geneticamente adaptados a “uma sociedade mais simples”. Para ele, fatores como ambiente familiar e agressões sofridas na infância podem desencadear uma doença mental que levaria a atos criminosos. No 978
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entanto, seria uma base biológica que permitiria esse acionamento, visto que, segundo o autor, nem todos que vivem sobre as mesmas condições sociais apresentam os mesmos comportamentos violentos/criminosos (inversamente, poderíamos dizer que nem todos que são diagnosticados com alguma doença mental praticam atos criminosos ou violentos). Para Silva, ao biologizar as causas do que denomina “comportamento criminal”, Flores reedita, de forma mais refinada, alguns argumentos presentes na teoria de Cesare Lombroso, médico criador da antropologia criminal, que afirmava o “caráter hereditário do crime”. Lombroso propunha que as sentenças jurídicas levassem em conta o criminoso, e não o ato violento em si, esvaziando os elementos sociais implicados nele. De forma análoga, Flores propõe que a violência seja vista como um “problema médico”, passível de ser tratado em sua origem, evitando-se, assim, que ela se torne um problema social. Luis Castiel encerra essa seção com um texto que se inicia apresentando sites curiosos nos quais a maximização da longevidade é abordada através de uma articulação entre genética, comportamentos e ações. Utilizando uma linguagem que soa ao mesmo tempo futurista e salvacionista, esses sites propalam uma “guerra científica” contra o envelhecimento e a morte. O que o autor destaca é como nestes contextos virtuais, com seguidores no mundo real, se constroem discursos biomoralizantes sobre saúde, articulando mercado e tecnologia, responsabilidade individual e controle social. Inspirando-se nos conceitos foucaultianos de biopoder e biopolítica, Castiel propõe o conceito de epidemiopoder, que consistiria “em idiomas/ vocabulários e aspectos morais sustentados pelos conhecimentos produzidos pela epidemiologia como um dispositivo de técnicas e práticas de investigação cujos resultados ‘revelam’ as condições de saúde (riscos e agravos) de grupos humanos” (p.83). Com base nesse conceito, o autor apresenta algumas questões importantes sobre o modo como a genética e as biotecnologias estão sendo utilizadas na produção de discursos sobre risco, saúde e longevidade. Uma delas diz respeito ao aspecto mercadológico envolvido na promoção de possíveis formas de intervenção genética capazes de deter o envelhecimento. Para quem elas
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recente sobre o estatuto de fetos e embriões no Brasil. Sua análise se detém sobre as audiências públicas, realizadas com especialistas no Supremo Tribunal Federal (STF), que discutiram o uso de embriões restantes de reprodução assistida nas pesquisas com células-tronco e a interrupção da gravidez nos casos de fetos anencéfalos. Nos dois casos, dados genéticos foram utilizados para fundamentar argumentos tanto de especialistas e grupos pró-vida, contrários ao uso de embriões nas pesquisas e à interrupção da gestação de anencéfalos, quanto por aqueles com posições opostas. No debate, podemos observar como a genética é articulada a valores estruturantes da nossa sociedade, tais como: as noções de autonomia, individualidade, escolha e singularidade, na construção de argumentos que buscam definir o início da vida, e as possíveis implicações jurídicas atreladas a essa definição. Parte dos especialistas pró-vida toma, como critério de definição de início da vida, o fato de o embrião já possuir um “código genético próprio” que, embora herdado dos genitores, é com relação a eles autônomo, portanto, deve ser considerado um ser dotado de direitos individuais. Por sua vez, para os especialistas favoráveis ao uso de embriões em pesquisas e ao aborto de anencéfalos, assim como para a maioria dos juízes do STF, o código genético, por si só, não basta para dar a condição social e jurídica de pessoa ao embrião ou feto. Nesse ponto, a argumentação recai, algumas vezes, sobre a fisicalidade do cérebro e do sistema nervoso central, sistemas considerados essenciais para a constituição da pessoa. Luna nos apresenta um embate complexo em torno da construção de identidades e definições para o humano que está marcado pelo modo como, historicamente, na cultura ocidental moderna, buscamos definir marcos fixos para a condição de pessoa, utilizando a biologia como base para prescrições de ordem moral. No último artigo dessa seção, Marko Monteiro e Ricardo Vêncio discutem os processos de “molecularização” da vida ao analisarem o conceito de representação molecular a partir das pesquisas sobre os genes que seriam “biomarcadores” do câncer de próstata. Ao distinguir a produção de formas fisiológicas e moleculares desse tipo de câncer na ciência, os autores chamam a atenção para o modo como, nesse processo, o conceito de representação como algo que substitui ou “representa” outra COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.977-81, out./dez. 2013
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estariam disponíveis e de que forma? Outra questão diz respeito às noções de risco em saúde. Como os riscos são definidos, por quem e com base em que critérios? Essas questões apontam para um processo de transformação da biopolítica em bioeconomia, segundo o autor, e tornam evidente o desenvolvimento de novas comunidades de especialistas cuja tarefa seria normatizar questões de saúde. A segunda parte do livro “Reprodução, Molecularização e Biopolíticas da Vida em Si” inicia-se com o artigo de Rosely Costa. A autora apresenta uma análise sobre bancos de sêmen no Brasil, e como, nesses espaços, questões relativas à raça emergem na intermediação que é feita entre equipe médica e casais na busca por doadores de gametas. No Brasil, ainda não há legislação específica sobre a reprodução assistida. Clínicas, hospitais e bancos de sêmen trabalham com base numa resolução do Conselho Federal de Medicina que determina que a doação de gametas deve ser anônima. Deste modo, o doador não deve conhecer o casal que utilizou seus gametas nem as crianças assim geradas, bem como estas e o casal receptor não terão acesso à identidade do doador. A escolha de um doador é mediada pela equipe médica, que busca conciliar as expectativas do casal com as classificações que são feitas de forma arbitrária pelos médicos, no que diz respeito ao quesito cor/raça. A autora chama a atenção para o modo como essa identificação é marcada por critérios subjetivos que estão informados pelo modo como as classificações raciais foram construídas historicamente no Brasil. A textura do cabelo, por exemplo, seria capaz de determinar se alguém deve ser classificado, a sua revelia, como negro, mulato ou moreno. Para Costa, ao decidirem sobre a classificação racial de doadores e receptores e sobre que características físicas ou genéticas serão introduzidas na descendência de um casal, os serviços médicos desrespeitam, pelo menos, três princípios éticos: o da autonomia, o da privacidade e o da igualdade. Ela, no entanto, reconhece que essa questão não é de fácil resolução, considerando os modos particulares de classificação racial no Brasil e o fato de o anonimato na doação de gametas exigir a intermediação das equipes médicas na escolha de um doador. Na sequência, Naara Luna analisa o uso de argumentos pautados na genética no debate
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coisa se perde, pois os mesmos conceitos que seriam usados para “representar” aspectos do corpo se transformam em formas de manipulação e interferência sobre ele. Para os autores, os elementos moleculares utilizados para descrever a doença são os mesmos que deverão ser manipulados através das biotecnologias, de modo que a descrição do corpo em termos genéticos fornece não apenas uma representação teórica da verdade do corpo, mas, também, produz “uma série de ferramentas com as quais se pode manipular e mudar a realidade material que tais conceitos buscam explicar” (p. 168). Um exemplo interessante dos efeitos dessa molecularização da vida através da genética é o caso do coelho fluorescente Alba, criado em laboratório sob encomenda do artista brasileiro, radicado em Chicago, Eduardo Kac. Alba seria um exemplo extremo da manipulação molecular na produção da vida, porém não muito diversa em termos político-sociais de outras formas de intervenção sobre a natureza, como a criação do milho ou da soja transgênica. Abrindo a última parte do livro intitulada “Tecnologias Genéticas e Identidades ÉtnicoRaciais Emergentes”, Elena Calvo-Gonzáles apresenta dois estudos de caso para mostrar como os discursos sobre raça – considerada aqui uma categoria híbrida entre o social e o biológico – estão sendo mobilizados politicamente no campo das políticas públicas em saúde no Brasil nas ultimas décadas. O primeiro caso trata das disputas trabalhistas de operários da indústria petroquímica baiana durante os anos 1980 e 1990, diagnosticados com leucopenia (baixa contagem de leucócitos). Neste contexto, órgãos sindicais reclamaram a contaminação dos trabalhadores pelo benzeno, produto químico que seria o responsável pela ocorrência da leucopenia entre os operários. No entanto, parte dos industriais, com base em argumentação médica, considerou a leucopenia como resultante de diferenças raciais, afirmando que a população negra seria suscetível a esse fenômeno por uma condição “natural” de seus corpos. Em um segundo estudo, Calvo-Gonzáles analisa como a leucopenia é utilizada tanto por ativistas políticos como por cientistas em discussões acerca da necessidade do desenvolvimento de políticas de saúde para a população negra que considerem suas especificidades genético-raciais. Nos dois casos, a autora nos mostra como, a partir da 980
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biomedicina, um mesmo evento, a leucopenia, pode ser lido e mobilizado de modos distintos: no primeiro caso, como forma de esvaziar as lutas sindicais através da estigmatização do “corpo negro”, e, no segundo, como meio de reclamar o reconhecimento da existência das iniquidades raciais no campo da saúde no Brasil. No artigo seguinte, Michael Kent explora as disputas étnico-identitárias que levam a genética para o campo político dos movimentos sociais indígenas. Kent analisou uma pesquisa conduzida por geneticistas entre os Uro, povo indígena peruano que vive em ilhas flutuantes no meio do lago Titicaca. O objetivo da pesquisa, patrocinada pela National Geographic Society, era mapear a ancestralidade e “autenticidade” desse grupo frente acusações que partiam especialmente do Estado peruano, mas, também, de intelectuais e acadêmicos da região, de que eles não seriam Uro “de verdade”. Embora apresentando uma forma de organização sociocultural particular e recorrendo a registros linguísticos e históricos para legitimar sua distintividade étnica, é na genética que os Uro vão buscar argumentos que consideram decisivos para comprovar essa distinção. O projeto foi bem recebido pela comunidade e seus resultados se mostram positivos para sua luta política, uma vez que os geneticistas atestam a continuidade genética entre os Uro peruanos e povos pré-colombianos. Kent aponta, assim, para o modo como o conhecimento em genética tem sido articulado politicamente por diferentes atores, e as possíveis consequências de seu uso, como os perigos da formação de identidades essencializadas por uma dimensão biológica que pode ser utilizada tanto para legitimar como deslegitimar as demandas dos movimentos sociais indígenas. O último artigo da coletânea, de autoria de Gaspar Neto, Ricardo Santos e Michael Kent, também nos traz um debate sobre a construção de discursos identitários a partir da utilização dos testes genéticos de ancestralidade. Os autores analisam três laboratórios em diferentes países (Estados Unidos, Inglaterra e Brasil) que realizam esse tipo de testagem para mostrar como questões socioculturais relativas à noção de raça e ancestralidade presentes nesses contextos informam o modo como os testes são apresentados, justificados e interpretados por especialistas e clientes. Os autores analisaram os
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informa o modo como os testes são justificados e apresentados socialmente. Os autores analisam um projeto realizado pelo principal geneticista desse laboratório em parceria com a BBC Brasil, no qual foram testadas sete personalidades brasileiras negras. Tendo por foco apresentar o grau de miscigenação presente em nossa população e, desta forma, colocar em xeque discursos discriminatórios baseados no conceito biológico de raça, o projeto causou reações diversificadas entre seus participantes. Algumas leituras sobre a mistura foram positivas, como a da atleta Daiane dos Santos, considerada o “protótipo da brasileira” por apresentar um perfil genético “bem equilibrado” de genes europeu, africano e indígena. Já para outros participantes do estudo, como o músico Seu Jorge e o ativista do movimento negro Frei David, os testes soaram como afronta ao insinuarem que todos seríamos igualmente brancos ou negros em função do resultado percentual de um teste genético. Em lugar de deslegitimar o racismo, os testes foram vistos, por Frei David, como forma de desestimular a população negra a lutar por seus direitos já que “todos temos genes afro”. As análises reunidas em Identidades Emergentes, Genética e Saúde nos mostram como as tecnologias produzidas no campo da genética têm seus usos informados pelos contextos sociopolíticos particulares nos quais se desenvolvem. Neste sentido, mais do que apontar para determinações biológicas na definição do humano, a construção social de tais tecnologias coloca em evidência as complexidades daquilo que chamamos vida e que, a despeito da singularidade dos genes de cada pessoa, só pode ser realizada numa coletividade.
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sites das empresas americana e inglesa que oferecem os testes de ancestralidade. O laboratório americano oferece testes que buscam localizar os países de origem de cidadãos afroamericanos, oferecendo, entre seus produtos, um certificado de ancestralidade que tem por objetivo particularizar uma identidade até então definida em termos genéricos. Neste processo, não apenas características biológicas são ressaltadas pelos clientes na produção da ancestralidade, mas, também, traços culturais que poderiam ser transmitidos (imagina-se que geneticamente) aos descendentes. Além disso, alguns clientes irão produzir ligações de ordem afetiva e espiritual com essas comunidades africanas a partir do resultado dos seus testes. Já o laboratório inglês oferece testes genéticos que tentam localizar os clãs dos quais uma pessoa supostamente descende. A empresa não utiliza a categoria “raça”, mas, sim, “clã ancestral”, e trabalha com o que seriam os clãs nativos do continente europeu. De modo semelhante ao que se observa nos depoimentos dos clientes da empresa americana, os europeus também passam a identificar comportamentos com base no resultado de seus testes, e alinham histórias pessoais a determinadas características projetadas para essas “comunidades ancestrais”, como se pode ler no depoimento de um cliente que, “ao se descobrir” descendente dos Vikings, disse estar se sentindo “mais nórdico”, comendo mais peixe e ansiando por mares abertos. Por fim, os autores apresentam dados de um laboratório brasileiro que oferece testes similares aos das empresas americana e inglesa, com o diferencial de que aqui é a retórica da mistura das três raças (indígena, negra e europeia) que
Recebido em 26/11/12. Aprovado em 04/01/13.
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DOI: 10.1590/1807-57622013.0007
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ALMEIDA FILHO, N. O que é saúde? Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.
Alan Camargo Silva1 Jaqueline Ferreira2
Naomar Monteiro de Almeida Filho, médico, mestre em Saúde Comunitária e doutor em Epidemiologia, possui uma larga experiência acadêmicoprofissional, sendo autor de uma série de livros-texto e inúmeros artigos primordialmente voltados às questões de saúde-doença. Renome nos âmbitos nacional e internacional, dentre outros motivos, Almeida Filho é reconhecido por se distanciar da racionalidade metodológica quantitativista tão hegemônica na ciência moderna e que, inevitavelmente, repercute na Saúde Coletiva. Esta característica está expressa na robustez teórica e análise crítica da forma com que aborda o pequeno livro O que é Saúde? O que é Saúde? destaca a lacuna epistemológica que cerceia o processo de (re)construção histórica do campo da Saúde Coletiva. Com base no contexto sanitário, o autor discute sobre as diversas tensões que atravessam a definição conceitual do fenômeno saúde-doença, objeto este que não deve ser explicado somente pelo referencial biomédico, clínico e/ ou epidemiológico, mas compreendido, também, pela sua complexa totalidade constituída de influências sociais, políticas, institucionais e ideológicas. Embora o título da obra indique uma
problematização eminentemente filosófica, no texto emerge um debate amplo, plural e profícuo acerca da necessidade de reflexões em torno de aspectos teórico-metodológicos que subsidiam a noção ampliada de saúde. Assim, no primeiro capítulo, intitulado Saúde como Problema, o autor já anuncia que “[...] a saúde é um problema simultaneamente filosófico, científico, tecnológico, político e prático.” (p.15). Por meio de uma breve discussão histórico-etimológica, Almeida Filho problematiza o conceito saúde e aponta a polissemia do termo “doença”3 na literatura. Carvalho (2005) aponta que os estudos concernentes à saúdedoença em uma perspectiva histórica exigem a análise dos seus próprios conceitos e seus limites. O autor ainda argumenta que o conceito saúde-doença deve ser entendido como um problema filosófico e científico. Tendo em vista os grandes autores de distintas escolas de pensamento, pode-se registrar que a saúde, pelo seu caráter multidimensional, relacional e holístico, conceitualmente4, por vezes, é reconhecida como um fenômeno, uma metáfora, uma medida, um valor ou uma práxis. Nesse contexto, o segundo capítulo, com o título Saúde como COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
1,2 Doutorando em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC), Universidade Federal do Rio de Janeiro. Avenida Horácio Macedo, s/n, Próximo a Prefeitura Universitária da UFRJ, Ilha do Fundão, Cidade Universitária. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 21941-598. alan10@zipmail.com.br
No texto, os significados dos termos pathology, disease, disorder, illness, sickness e malady são esclarecidos. 3
Minayo, Hartz e Buss (2000), e Seidl e Zannon (2004) discutem alguns aspectos conceituais e metodológicos referentes à qualidade de vida e à saúde.
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Fenômeno, aponta que tal conceito é visto como um fato, um atributo, uma função orgânica ou uma situação social, envolvendo determinados juízos de valor na medida em que pode ser definido negativa ou positivamente. Negativamente, a saúde significaria ausência de doenças, riscos, agravos e incapacidades; positivamente, denotaria desempenho, funcionalidades, capacidades e percepções. À luz de aspectos sócio-históricos, de maneira densa, Almeida Filho pondera que a saúde pode ser entendida por meio de um equilíbrio em que haveria uma regulação para um padrão normal de adaptação bioecológica; como função, na medida em que o resultante da saúde seria provindo de uma manutenção entre o organismo (interno) e o ambiente (externo); como mera ausência de doença, no sentido de neutralizar agentes patológicos; ou, ainda, como processo mais amplo da resultante de diferentes aspectos determinantes no defeito, lesão, falta ou déficit em organismos vivos. No terceiro capítulo, Saúde como Medida, a análise gira em torno, especificamente, das possibilidades e limites do tratamento quantitativo bioestatístico do fenômeno saúde no plano individual e singular. Os aspectos de mensuração constitutivos da abordagem clínica da saúde devem ser relativizados na medida em que podem existir indivíduos funcionais e produtivos com uma série de sintomas, e outros com limitações e sofrimentos sem evidência clara de doença. Assim, o estado ou grau de saúde é multidimensional, tornando difícil a elaboração de instrumentos para medir o completo bem-estar físico, mental e social, noção esta divulgada pela Organização Mundial de Saúde. O aporte clínico contribui, substancialmente, para a abordagem epidemiológica ao identificar casos de (não) doença em dada amostra ou 984
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população. No entanto, Almeida Filho lembra que a abordagem epidemiológica da Saúde Coletiva é uma aproximação dos potenciais riscos à saúde, uma vez que definir grupos de (não) doentes é uma complexa tarefa pela presença de distintas condições sociais, políticas e econômicas5 que envolvem os indivíduos. No quarto capítulo, Saúde como Ideia, delineia-se a crescente necessidade de se definirem, objetivamente, os conceitos de saúde e de doença. Aponta-se que a construção de modelos linguísticos ou simbólicos referentes a tais constructos está ligada a dispositivos ideológicos. Desde meados do século XX, teorias socioantropológicas relativas à saúde buscam compreender o complexo doença-moléstia-enfermidade engendrado por aspectos psicossociais e culturais. Carvalho e Luz (2009) discutem sobre a importância interpretativa dos significados e dos sentidos atribuídos à saúde-doença, pelos sujeitos, para o desenvolvimento da prática profissional. À esteira dessa discussão, aproximando-se das explicações interdisciplinares de cunho não biológico, resumidamente, Almeida Filho resgata os clássicos pensamentos de antropólogos do ensino médico que objetivavam dar ênfase aos fatores socioculturais que atravessam o fenômeno saúde-doença. Distanciandose do pensar e do agir em saúde pautados na racionalidade médica ocidental, de modo aprofundado, o autor esclarece os avanços dos pressupostos teóricos (microssociais) que sustentam a teoria semiológica e as análises (macrossociais) das relações de produção calcadas em dimensões de poder sócio-históricas, políticas e econômicas. Saúde como Valor, título do quinto capítulo, indica a possibilidade da concepção de saúde configurar-se como um valor de uso, de troca e de
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5 Abordagens econométricas da saúde em que economistas avaliam certos marcadores para mensurar os impactos sociais das patologias ainda são discutidas no texto (ver Almeida Filho, 2000).
saúde, ontológicas ou dinâmicas, reguladas pela negatividade ou pela positividade, aplicadas ao indivíduo ou ao coletivo, de base biológica ou sociocultural [...]” (p.125) ainda são insuficientes para contemplar uma noção ampliada do conceito de saúde, haja vista seus aspectos multidimensionais, complexos, articulados e dinâmicos. O autor considera a possibilidade de construir uma concepção holística da saúde. Baseando-se nas premissas teóricas relativas à noção filosófica e científica elaboradas por Georges Canguilhem, e nos pensamentos epistemológicos vinculados às abordagens acerca da complexidade das questões constitutivas da saúde, desenvolvidos por Juan Samaja, o capítulo indica alguns modos de entender tal constructo. Almeida Filho faz um balanço crítico acerca de diferentes discursos contemporâneos responsáveis por determinados problemas teóricos que obstaculizam conceber a saúde (ou, na perspectiva do autor, as várias “saúdes”) como um “[...] objeto plural, mutante, relativo e não ontológico [...]” (p.138). Portanto, mais do que uma pergunta a ser respondida, sobretudo de forma unívoca, o título do livro lança diversas questões ainda a serem debatidas no campo da Saúde Coletiva brasileira. Há uma significativa inconsistência epistemológica e conceitual que abrange os referenciais teóricometodológicos relacionados à saúde, sobretudo pelo fato de o diálogo entre os saberes disciplinares ainda ser desarticulado, como exposto em Almeida Filho (2005). A produção acadêmica parece se prender a modelos que ainda enfatizam as análises biomédicas da saúdedoença no nível individual em detrimento do coletivo – denúncia esta constantemente realizada por filósofos e cientistas sociais. Por fim, vale frisar que, embora este livro seja considerado sintético em seu conteúdo, tal obra pode ser entendida como um grande vulto no campo da Saúde Coletiva. Torna-se indispensável a leitura deste excitante texto, para se pensar o processo saúde-doença de modo amplo na produção acadêmica e na intervenção profissional, seja na interface com a subárea das Ciências Humanas e Sociais, na Epidemiologia e na Política, Planejamento e Administração.
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vida. Conceber a saúde em si, no sentido de encarnar um ideal utópico positivista de estado ou situação ótima do ser humano, já foi ampla e criticamente discutido ao longo de décadas, sobretudo a partir das denúncias concernentes às desigualdades e iniquidades em saúde. Mediante distintas contribuições de matrizes conceituais e teórico-metodológicas relativas às teorias da justiça, por meio de uma abordagem ampla, o autor confronta diferentes propostas de minimizar as desigualdades e iniquidades sociais que interferem (in)diretamente no “valor” saúde dos indivíduos. Na direção do trabalho de Vieira da Silva e Almeida Filho (2009), os autores elucidam, brevemente, os pressupostos epistemológicos e as teorias sociais relativas aos conceitos de desigualdade e diferença que, constantemente, obscurecem o de igualdade e equidade, que, por consequência, conectam-se à dimensão da atenção-cuidado. Em seguida, no sexto capítulo, intitulado Saúde como Campo de Práticas, tendo como ponto de análise o viés histórico-epistemológico, de modo objetivo, argumenta-se que os campos de saberes são atravessados por certos paradigmas coexistentes em constante tensão, atingindo, inevitavelmente, os setores das práticas. De modo preliminar e genérico, o autor apresenta o que se entende por “paradigma” e por “campo social”, a fim de, no segundo momento, relacionar tais conceitos aos saberes e práticas em saúde. Almeida Filho problematiza as diferentes acepções do termo “paradigma” e seus usos ideológicos no “campo” da Saúde Coletiva. No Brasil, tal campo vem se consolidando em diferentes espaços acadêmico-profissionais e se fundamentando por meio de diferentes áreas do conhecimento, o que exige, de acordo com o autor, práticas transdisciplinares, multiprofissionais, interinstitucionais e transetoriais. Mais que fundamentar as estratégias de prevenção, proteção, promoção (sentido restrito) e precaução, para se propor um quadro paradigmático de síntese acerca do complexo promoção-saúde-doença-cuidado, é mister minimizar a práxis hegemônica da Saúde Coletiva voltada ao plano individual e mecanicista. No último capítulo, Saúde como Síntese, emerge a ideia de que “[...] teorias restritas de
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Referências ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na saúde. Saude Soc., v.14, n.3, p.30-50, 2005. ______. O conceito de saúde: ponto-cego da epidemiologia? Rev. Bras. Epidemiol., v.3, n.1-3, p.4-20, 2000. CARVALHO, D.M. História na saúde, isto serve para quê? Cad. Saude Colet., v.13, n.2, p.321-22, 2005. CARVALHO, M.C.V.S.; LUZ, M.T. Práticas de saúde, sentidos e significados construídos: instrumentos teóricos para sua interpretação. Interface (Botucatu), v.13, n.29, p.313-26, 2009. MINAYO, M.C.S.; HARTZ, Z.M.A.; BUSS, P.M. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Cienc. Saude Colet., v.5, n.1, p.7-18, 2000. SEIDL, E.M.F.; ZANNON, C.M.L.C. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad. Saude Publica, v.20, n.2, p.580-8, 2004. VIEIRA DA SILVA, L.M.; ALMEIDA FILHO, N. Eqüidade em saúde: uma análise crítica de conceitos. Cad. Saude Publica, v.25, supl.2, p.217-26, 2009.
Recebido em 28/03/13. Aprovado em 07/04/13.
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A concepção de condição humana na prática pedagógica do professor-enfermeiro num diálogo com o pensamento complexo The conception of the human condition in the teacher-nurse’s pedagogic practice in a dialogue with the complex thought La concepción de condición humana en la práctica pedagógica del maestro-enfermero en un diálogo con el pensamiento complejo
A formação em enfermagem vem questionando sobre o processo de profissionalização e a formação humana, o que suscita reflexões sobre como a condição humana está sendo vivenciada na sala de aula. O professor constrói com os alunos – a partir dos objetivos da aula, dos conteúdos, da metodologia, das estratégias avaliativas e do relacionamento que estabelece com eles – uma concepção de ser humano. Sendo assim, esta pesquisa tem como objetivo refletir sobre a compreensão de condição humana que vem sendo construída pelo professorenfermeiro na sua prática pedagógica. Esta investigação é qualitativa, do tipo explicativa, tendo como cenário a Faculdade de Enfermagem – FAEN da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, em Mossoró/ RN. Contamos com a participação de quatro professores-enfermeiros, que lecionaram em disciplinas ministradas no sétimo período do curso de Enfermagem, no semestre letivo 2012.1. Para a construção dos dados, utilizamos três técnicas complementares: a observação das aulas, a entrevista semiestruturada e a entrevista reflexiva. Os dados foram analisados à luz dos teóricos que nos alicerçam na construção deste estudo. Nesta pesquisa, além de conhecermos a concepção dos professores-enfermeiros sobre a condição humana na formação em Enfermagem, apresentamos a eles algumas ideias de Edgar Morin e solicitamos a sua opinião sobre a vivência delas no curso de Enfermagem. Morin nos propõe a experiência de um pensamento complexo, isto
é, uma forma de ver a realidade a partir das diversas perspectivas que a constituem. Enquanto resultados, os docentes-enfermeiros expuseram concepções diferentes sobre a condição de ser humano: apenas como um ser influenciado pelo contexto no qual está inserido; ou um ser que é influenciado assim como tem a possibilidade de influenciar e transformar a realidade da qual faz parte; ou, ainda, um ser movido por razões, emoções e sentimentos, que necessita dos outros para viver. Ao observarmos as aulas, percebemos que os professores, em alguns momentos, construíram uma concepção de ser humano diferente da que expressaram na entrevista. Os docentes afirmaram que a concepção de ser humano como um ser, ao mesmo tempo, biológico, cultural, histórico, social e emotivo, que estabelece relações com outros sujeitos, proposta por Edgar Morin, pode ajudá-los a vislumbrar o aluno em outras dimensões que não seja somente a profissional. Identificamos, ainda, que os docentes, durante as entrevistas, demonstraram dificuldade de refletir sobre a sua condição de ser humano. Essa situação está relacionada com o próprio processo de formação desses professoresenfermeiros, no qual não houve espaço para que conhecessem mais a si mesmos. Por fim, percebemos que muitos personagens continuam atuando, embora que discretamente, na formação em enfermagem: o cartesianismo, o racionalismo, o modelo biomédico. Em alguns momentos, vão mais além e levam os docentes a se distanciarem COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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de si próprios. Por isso, a importância de que outras pesquisas sejam realizadas com o intuito de pensarem estratégias que auxiliem os professoresenfermeiros a refletirem mais sobre a sua condição de ser humano na formação em Enfermagem, para que possam ajudar os alunos a se conhecerem mais enquanto seres humanos.
Palavras-chave: Condição humana. Prática pedagógica. Professor-enfermeiro. Keywords: Human condition. Pedagogical practice. Teacher-nurse. Palabras clave: Condición humana. Práctica pedagógica. Maestro-enfermero.
Elane da Silva Barbosa Dissertação (Mestrado), 2013 Programa de Pós-graduação em Educação – POSEDUC, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte elanesilvabarbosa@hotmail.com
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Recebido em 21/07/13. Aprovado em 24/07/13.
DOI: 10.1590/1807-57622013.0747
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A psiquiatrização da existência: dos manicômios à neuroquímica da subjetividade Psychiatrization of existence: from asylum to the neurochemistry of subjectivity La psiquiatrización de la existencia: de los manicomios a la neuroquímica de la subjetividad
O presente trabalho tem como objetivo elaborar uma crítica da psiquiatrização da existência focalizando, particularmente, as relações entre a racionalidade biológica e as estratégias de ampliação da intervenção psiquiátrica em contingentes populacionais cada vez maiores e nas mais variadas esferas da vida. Inspirada na genealogia foucaultiana, a pesquisa inicia seu exame histórico pelo alienismo pineliano, compreendido como o modo disciplinar pelo qual se deu a apropriação inaugural da loucura pela medicina. A seguir, são analisados os diferentes formatos historicamente apresentados pelo organicismo psiquiátrico, desde sua introdução pela teoria da degenerescência moreliana do século XIX até as reformas preventivistas do pós-guerra. Desenvolve-se, então, à luz da análise histórica encetada, um exame do conjunto de fatores envolvidos na atual ênfase psicofarmacológica pela qual a psiquiatria contemporânea vai estender seu reducionismo biológico – agora apoiado na química da neurotransmissão – às mais diversas circunstâncias da existência humana. No percurso da análise, são abordados o conluio entre a psiquiatria e a indústria farmacêutica, e o correlato papel desempenhado pelas sucessivas edições dos DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) na extraordinária multiplicação das possibilidades diagnósticas pela qual a psiquiatria vem dispondo a sua psicofarmacologia como recurso explicativo e regulador da pluralidade das manifestações da subjetividade contemporânea. Sob essa base, são criticamente problematizadas as perspectivas atuais de uma psiquiatria que, na busca de realizar o sonho de integrar-se à
medicina científica que a embala desde o século XIX, teria aceitado a sobredeterminação da identidade de seu domínio de saber e de sua prática clínica por uma psicofarmacologia promovida pelos grandes fabricantes de psicofármacos. Por fim, à guisa de conclusão, sugere-se que a psiquiatria, reduzida ao desempenho de mera intermediação prescritora entre o paciente e os laboratórios farmacêuticos, corra o risco de ser gradativamente descartada pelo dominante e global desenvolvimento de uma racionalidade de mercado que privilegia as relações mais diretas entre as instâncias de produção e as de consumo. Daniele de Andrade Ferrazza
Tese (Doutorado), 2013 Programa de Pós-Graduação, Faculdade de Ciências e Letras, UNESP - Univ Estadual Paulista danieleferrazza@yahoo.com.br
Palavras-chave: Psiquiatrização. Loucura. Psicofármacos. Biologização. Subjetividade. Keywords: Psychiatrization. Madness. Psychopharmacs. Biologization. Subjectivity. Palabras clave: Psiquiatrización. Locura. Psicofármacos. Biologización. Subjetividad.
Recebido em 06/09/13. Aprovado em 14/09/13.
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Graduação e pós-graduação em Farmácia no Brasil: convergências e fortalecimento de capacidades Undergraduate and postgraduate pharmacy courses in Brazil: convergences and strengthening of capacities Graduación y postgrado en Farmacia en Brasil: convergencias y fortalecimiento de capacidades
Nos últimos anos, as Ciências Farmacêuticas têm evoluído expressivamente como área de interesse nacional, seja pela sua influência no setor produtivo, seja como direito social à saúde, mas, também, como campo de investigação de grande impacto e como área em constante expansão na formação graduada e pós-graduada. Durante o I Congresso da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF) (disponível em: <http://www.abcfarm.org.br/>), ocorrido em outubro de 2012, em Pernambuco, membros da sociedade científica das ciências farmacêuticas reuniram-se para refletir sobre uma questão por muito tempo negligenciada no país: a busca de convergência das capacidades e necessidades da graduação e da pós-graduação em farmácia no contexto nacional. Durante três dias, representantes de instituições farmacêuticas, pesquisadores e coordenadores de cursos de graduação e de pós-graduação debateram proposições iniciais com o objetivo de apresentar, para a comunidade acadêmica, possibilidades e desenvolvimento de estratégias que visam aperfeiçoar a formação, a pesquisa e o atendimento às necessidades sociais. O contexto da formação na área farmacêutica da pesquisa e do setor farmacêutico no Brasil foi revisitado para nortear discussões, considerando sobretudo: - as mudanças no ordenamento da educação no Brasil, a partir da constituição de 1988, e, especialmente, com a LDB, de 1996 (Brasil,
1996), instituindo o fim dos currículos mínimos, a autonomia universitária, a flexibilização e liberalização do setor, permitindo que a lógica da competitividade de mercado exerça maior poder sobre a regulação dos cursos de graduação que o próprio Estado; - a determinação de um âmbito privativo para a atuação do profissional farmacêutico em 1981, pelo Decreto n.85.878 (Brasil, 1981), com as atividades relativas aos medicamentos (produção, manipulação, dispensação, distribuição, pareceres técnicos, fiscalização e ensino) definidas como atividades exclusivamente farmacêuticas, enquanto outros campos de atuação como compartilhados com outros profissionais, não exclusivos do farmacêutico (mais de 70 campos de atuação definidos por resoluções do Conselho Federal de Farmácia, incluindo: as análises clínicas e bromatológicas, a cosmetologia, o controle ambiental etc.); - as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Farmácia (Brasil, 2002), que estabeleceram o objetivo da formação do farmacêutico como profissional de saúde preparado para atuar no sistema de saúde brasileiro, e sobre as necessidades sociais do país, gerando grande movimento de discussão e modificação curricular nos cursos de graduação; - dados sobre a formação farmacêutica, indicando o número de 444 cursos de farmácia em atividade no país, o crescimento exponencial da oferta de vagas, especialmente em instituições
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NOTAS BREVES
privadas, a partir de 1996, e a iniquidade de oferta de vagas entre as regiões brasileiras (Conselho Federal de Farmácia, 2012); - o diagnóstico de que há grande distanciamento entre realidade social e a academia, comprometendo a educação para a cidadania e a formação de profissionais competentes para atuar com integralidade sobre a complexidade social (Brasil, 2008; Leite et al., 2008); - o crescimento do número de cursos de graduação em Farmácia, indicando uma demanda por formação de docentes de nível superior na área; - o crescimento significativo da pós-graduação em Farmácia no Brasil, que chega a 56 programas em 2012; - a extrema disparidade entre os sistemas de avaliação e regulação para a graduação (INEP) e pós-graduação (Capes), desenvolvendo muito maior dedicação do corpo docente das unidades acadêmicas à última; - a disparidade da valorização, dentro e fora das universidades, das atividades docentes relativas à graduação e à pós-graduação. A partir destas considerações iniciais, os participantes quedaram-se sobre algumas questões que merecem atenção no meio acadêmico da área da Farmácia: - Como as diretrizes curriculares para os cursos de Farmácia têm refletido na pós-graduação da área? - Como a Pós-graduação tem contribuído para a formação do farmacêutico crítico, reflexivo e preparado para atender as necessidades sociais para o desenvolvimento do Brasil? - Em que e de que formas a pós-graduação e a graduação em Farmácia podem e devem convergir para ampliar e consolidar a área no país? - Como a ABCF, representante do setor das ciências farmacêuticas no Brasil, pode colaborar neste sentido? Com base nestas considerações e interrogações, com as experiências e expectativas dos participantes e a perspectiva de desenvolvimento de ações coordenadas pela ABCF, foram levantadas as proposições abaixo descritas: 1. Definir, após trabalhos conduzidos pela ABCF – realizados juntamente com o Fórum de Coordenadores dos Cursos de Pós-graduação da Área da Farmácia na Capes, do Comitê de 992
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Assessoramento da Farmácia no CNPq e da Coordenação da Área da Farmácia na Capes –, as diferentes subáreas para a área Farmácia, sinalizando e fomentando o desenvolvimento e valorização da diversidade de conhecimentos, práticas e necessidades que compõem a pesquisa e desenvolvimento da área, e que devem se refletir no processo de formação do profissional farmacêutico em todos os níveis; 2. Incentivar pesquisas sobre a educação e as demandas sociais na área farmacêutica para subsidiar definições políticas e regulatórias no setor saúde e no âmbito da educação profissional; 3. Buscar atuar junto aos órgãos de regulação da formação farmacêutica para colaborar com a qualificação do processo de avaliação e das políticas educacionais, com fins de garantir melhor qualidade da formação do profissional farmacêutico no país; 4. Colaborar ativamente com as instituições e os movimentos nacionais e internacionais pela qualificação da formação profissional em Farmácia; 5. Estimular a criação, no âmbito da ABCF, de núcleos de debate e de proposição de intervenções por tema de interesse dos pesquisadores, incluindo a questão do ensino e do desenvolvimento da graduação como parte inerente do desenvolvimento da área de pesquisa e de inovação tecnológica farmacêutica; 6. Induzir a realização de estratégias de formação complementar integradas entre pósgraduação e graduação, como as experiências já conhecidas das “escolas de inverno” ou “de verão” e os eventos acadêmicos integrados. Outro conjunto de proposições foi elaborado com o objetivo de gerar ações coordenadas pelo Fórum de Coordenadores de Cursos de Pósgraduação na Área da Farmácia na CAPES, instância de interlocução entre os programas de pós-graduação, que vem discutindo e sugerindo ações relativas à área, especialmente quanto à regulação, avaliação e estratégias para o fortalecimento da pós-graduação na área. Sugere-se que o Fórum deva discutir e buscar desenvolver, no âmbito dos programas de pósgraduação em Farmácia, as proposições abaixo relacionadas: 1. Desenvolver atividades de extensão universitária, como: atividades destinadas à sociedade, que possam integrar as finalidades de interação e assistência para a população, campo de estágio e formação acadêmica, e campo e
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Curriculares e os Projetos Político-Pedagógicos dos cursos de graduação em que estão estagiando. A iniciativa de levar, para o I Congresso da ABCF, a pauta da relação graduação–pósgraduação denota, claramente, a política proposta pela instituição de trabalhar pela valorização e desenvolvimento da área farmacêutica, e a compreensão de que a plena consolidação da pesquisa e da pós-graduação em farmácia depende de escolas de farmácia fortes, bem articuladas, estruturadas e formadoras de profissionais farmacêuticos altamente competentes e preparados para atuar na pesquisa, nos serviços, no mercado farmacêutico e na política de saúde brasileira. A validade das proposições relatadas se dará na medida do comprometimento da categoria com a causa, transcrevendo, na prática da formação e da pesquisa nas instituições de ensino, o desejo e a certeza de que a educação farmacêutica pode crescer e gerar as respostas de que a sociedade necessita. Por fim, espera-se que os pontos levantados sejam ingredientes para a construção de uma agenda estruturada para subsidiar o processo de formulação e avaliação de políticas e programas para a área farmacêutica no país.
notas breves
linha de pesquisa para a pós-graduação (a exemplo das farmácias-escolas, unidades hospitalares, programas desenvolvidos em diversos tipos de instituições); 2. Buscar formas de institucionalizar a oferta de disciplinas que possam ser validadas para a pósgraduação, a graduação e os programas de residência; 3. Desenvolver estratégias de planejamento de curto, médio e longo prazo que envolvam a graduação e a pós-graduação como um conjunto integrado e interdependente dentro das unidades acadêmicas e universidades; 4. Validar carga-horária de pesquisa para as atividades de iniciação de graduandos e de tutoria de iniciação científica para os pós-graduandos; 5. Buscar estratégias de integrar a formação e a pesquisa também com as áreas afins da Farmácia, para o desenvolvimento da pesquisa, da formação e ação interdisciplinar; 6. Discutir e apontar indicadores concretos e sensíveis da relação entre a graduação, a extensão e a pós-graduação para fins de avaliação e de norteamento das ações da pós-graduação em Farmácia; 7. Identificar os mecanismos existentes para fomentar e promover a formação docente para atender as necessidades do grande número de cursos de graduação em Farmácia no país; 8. Qualificar as atividades de Estágio de Docência, definindo, em sua ementa, o estudo do histórico e do contexto da educação farmacêutica no Brasil (Diretrizes Curriculares, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, demandas sociais, avanços e desafios da área), justificando e embasando as atividades didático-pedagógicas propostas pelos pós-graduandos, pelos norteadores das Diretrizes
Silvana Nair Leite Departamento de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima, Trindade. Florianópolis, SC , Brasil. 88040-900. Silvana.nair@hotmail.com
Suely Lins Galdino Programa de Pós-Graduação em Inovação Terapêutica, Universidade Federal de Pernambuco. In memoriam.
Palavras-chave: Farmácia. Educação Farmacêutica. Universidades. Keywords: Pharmacy. Pharmaceutical education. Universities. Palabras clave: Farmacia. Educación farmacêutica. Universidades.
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NOTAS BREVES
Colaboradores Os autores participaram, igualmente, de todas as etapas de elaboração do artigo.
Referências BRASIL. Ministério da Saúde. I Fórum Nacional de Educação Farmacêutica: o farmacêutico de que o Brasil necessita. Relatório final. Brasília: MS, 2008. ______. Resolução CNE/CES 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Farmácia. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/ arquivos/pdf/CES022002.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2013. ______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/ leis/lein9394.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2013. ______. Decreto nº 85.878, de 07 de abril de 1981. Estabelece normas para execução de Lei nº 3.820, de 11 de novembro de 1960, sobre o exercício da profissão de farmacêutico, e dá outras providências. Disponível em <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/ D85878.htm>. Acesso em: 10 jan. 2013. CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA. VIII Encontro Nacional de Coordenadores de Cursos de Farmácia. Brasilia: CFF, 2012. LEITE, S.N. et al. I Fórum Nacional de Educação Farmacêutica: o farmacêutico que o Brasil necessita. Interface (Botucatu), v.12, n.25, p.461-2, 2008.
Recebido em 08/08/13. Aprovado em 26/08/13.
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DOI: 10.1590/1807-57622013.0275
criação
Uma desmontagem humanizada através de fotografias em Saúde Coletiva* Humanized disassembly through photographs within public health Un desmontaje humanizado por medio de fotografías en Salud Colectiva Carlos Alberto Severo Garcia Júnior1 Radilson Carlos Gomes2
Margem Margem: contorno externo e imediato de algo. Margear: situar-se em uma relação. Marginal: sujeito que beira a vida. Marginalista: adepto à criação de anotações em imagens. (Garcia, 2013, p.44)
Kossoy (2007) considera a noção de desmontagem como algo implicado na ideia de decifração. Na busca, através das imagens fotográficas, de suas realidades e seus códigos. Através de uma análise iconográfica e de interpretação iconográfica, detecta seus elementos constitutivos (fotógrafo, assunto, tecnologia) e suas coordenadas de situação (espaço, tempo). Propondo, assim, a reconstituição do processo que originou a representação. Nesse sentido, tratamos de um território-imagem3 vivo e em movimento, como se pode ver a seguir.
Texto sem conflitos de interesses nem financiamento. Seu resultado é o encontro entre fotografias e produções textuais na publicização de um modo de pensar “saúde coletiva: imagem coletiva”. 1 Consultor, Política Nacional de Humanização, Ministério da Saúde. Setor Administrativo Federal Sul (SAF Sul), Trecho 2, Bloco F, sala 19, Ed. Premium, Torre II. Brasília, DF, Brasil. 70070-600. carlosgarciajunior@ hotmail.com 2 Fotógrafo de Saúde Pública, Ministério da Saúde. *
3 Usamos o acervo “foto-saúde”: um dispositivo virtual com fotografias distribuídas gratuitamente pelo fotógrafo documentarista Radilson Carlos Gomes, sobre diversos segmentos da saúde pública no país, como: universidades (faculdades de saúde), secretarias estaduais e municipais de saúde, entidades e associações voltadas para o fortalecimento do SUS. Disponível em: <http:// www.radilsongomes.com.br/ fotosaude.php>
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Figura 1. Agente Comunitário da Saúde, Cuiabá
Vida-família. Cozinha, ponta de alimento, porta de entrada. Cozinha-família, entrada da vida. Domicílio, meio de vida, meio da vida. Visita, todos entram. Visita domiciliar, aquela em busca (se ativa). Tempo de conversas, barriga cheia e calor. Tempo de silêncio, panela vazia e desânimo. A imagem além de compor contrastes de luzes e momentos, apresenta uma abertura para enxergarmos a partir de um lugar de “dentro”, ao mesmo tempo, um lugar de “fora”, e perder-se naquilo que não se vê. Tem-se a proteção de paredes entre a vida pública e a vida privada. A saúde (ora pública) tenta entrar na casa (ora privada) pela porta aberta. Vida e família, bem público-privado, porta de entrada de tudo. 996
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criação Figura 2. Casa de Saúde Indígena, Itacoatiara, Amazonas
“Dona de divinas tetas, derrama o leite bom na minha cara e o leite mau na cara dos caretas”, diria Caetano Veloso na música “Vaca Profana”. Leite, alimento sagrado e acalentador. Seios e bustos, imagem divina da vida. Vida fértil, vida pulsante. História revelada na transmissão e na passagem do líquido. Hoje, mãe. Ontem, jovem. Amanhã, senhora. Entre rios, sinuosas margens que revelam a mãe natureza resguardada pela vida ainda humana. Um olhar feminino. Mulheres, mães, meninas e avós de um povo que carrega uma herança. Uma cultura com seus respeitos e seus rituais. Entre redes, entre pontos, entre vidas. A naturalização de vidas em redes. Num primeiro plano: olhos abertos-acima, atentos ao fora. No segundo plano: olhos fechados-abaixo, atentos ao cuidado (dentro).
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Figura 3. Unidade Básica de Saúde, Parnaíba, Piauí
Uma mesa em distâncias. Entre histórias de distâncias e distâncias de histórias, mulheres e crianças numa ciranda. Uma família viva, uma passagem de tempo, em busca de cuidado. Perguntas: quem quer atenção quer encontrar solução? Quem escuta visa qual saída? Quem olha, diz o quê? Com licença, doutora, entramos aqui para saber o que temos, mas acho que só sabemos o que não temos.
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criação Figura 4. Colônia de hanseníase, Colônia João Paulo II – Marituba, Pará
Tem fogo? Indagaria parado. Como se o caminho já não revelasse nenhuma surpresa. Um caminho que há muito se caminha sabendo para onde se vai. Já foram deixados pelo percurso alguns restos de cinzas. Fogo? Claro! Prazeres e paixões não se esvaem em si mesmas, elas conduzem caminhos, avisam aos menos atentos. Sinais e alertas que advertem, dizem de sua saúde. Caminhar parado e rodar em rodas. No escuro, num corredor solitário, vive restos e fumaças. Se já lhe amputaram as pernas, do que lhe servem, se o corpo segue a andar? COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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Figura 5. Atendimento domiciliar, periferia de São Paulo, SP
Planos em três porções, divididos entre pequenos objetos humanos. Conversas e condições. Mulheres postas a dialogar sobre a vida, banalidade em forma de uma tela. Um emaranhado de semicoisas entre a vida. Vale a pena ver de novo. Quem não vê perde a chance de chegar, e quem chega é porque quis ver. Uma visita abre o impulso de organizar a casa. O estranho que entra sempre pode estranhar aquela casa. Como se tentássemos mostrar um pouco daquele outro que não somos. Um visitante impõe um reajuste. O relógio, a mobília, a bagunça habitual da vida passa a ser um possível desconforto.
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criação Figura 6. Ananindeua, Pará
Pressões e marcas, impressões de expressões. Pressões e contrastes, menção de tensão. Se o olhar e o vento não conseguem revelar um tempo ou, mesmo, um lugar, ao menos, pode-se ter um instante já-mais (Garcia, 2013) o mesmo. Instante já-mais o mesmo é incapacidade de prender, escolha de extrair o medo e o fim. Entre medidas capazes de relevar a normalidade, temos sujeitos comuns, vida legítima, base sólida de um território. Medidas e médias. Normalização que varre extremos que jamais se tocam. Minha amiga, como vai você? Ainda que não nos conhecemos, mas sei quem é você. Você entrou em minha casa e esqueceu-se de dizer seu nome. Pediu uma xícara de açúcar, um pedaço de pão e nunca mais voltou. Deixou de aparecer. Por favor, apareça minha amiga, e diga quem realmente é você. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO
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Colaboradores Os autores trabalharam juntos na concepção desta publicação. Carlos Garcia Jr. produziu o texto e Radilson Carlos Gomes fotografou as imagens. Referências GARCIA, S. Marginais. Rio de Janeiro: Multifoco, 2013. KOSSOY, B. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia: Ateliê Editorial, 2007. Recebido em 14/06/13. Aprovado em 31/10/13.
PSF - Foz do Iguaçu
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ENVIO DE MANUSCRITOS
INTERFACE - Comunicação, Saúde, Educação publica artigos analíticos e/ou ensaísticos, resenhas críticas e notas de pesquisa (textos inéditos); edita debates e entrevistas; e veicula resumos de dissertações e teses e notas sobre eventos e assuntos de interesse. Os editores reservam-se o direito de efetuar alterações e/ou cortes nos originais recebidos para adequá-los às normas da revista, mantendo estilo e conteúdo. A submissão de manuscritos é feita apenas online, pelo sistema Scholar One Manuscripts. (http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo)
SUBMISSÃO DE MANUSCRITOS Interface - Comunicação, Saúde, Educação aceita colaborações em português, espanhol e inglês para todas as seções. Apenas trabalhos inéditos serão submetidos à avaliação. Não serão aceitas para submissão traduções de textos publicados em outra língua. A submissão deve ser acompanhada de uma autorização para publicação assinada por todos os autores do manuscrito. O modelo do documento estará disponível para upload no sistema. Nota: para submeter originais é necessário estar cadastrado no sistema. Acesse o link http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo e siga as instruções da tela. Uma vez cadastrado e logado, clique em “Author Center” e inicie o processo de submissão.
Toda submissão de manuscrito à Interface está condicionada ao atendimento às normas descritas abaixo. FORMA E PREPARAÇÃO DE MANUSCRITOS SEÇÕES Dossiê - textos ensaísticos ou analíticos temáticos, a convite dos editores, resultantes de estudos e pesquisas originais (até seis mil palavras). Artigos - textos analíticos ou de revisão resultantes de pesquisas originais teóricas ou de campo referentes a temas de interesse para a revista (até seis mil palavras). Debates - conjunto de textos sobre temas atuais e/ou polêmicos propostos pelos editores ou por colaboradores e debatidos por especialistas, que expõem seus pontos de vista, cabendo aos editores a edição final dos textos. (Texto de abertura: até seis mil palavras; textos dos debatedores: até mil palavras; réplica: até mil palavras.). Espaço aberto - notas preliminares de pesquisa, textos que problematizam temas polêmicos e/ou atuais, relatos de experiência ou informações relevantes veiculadas em meio eletrônico (até cinco mil palavras). Entrevistas - depoimentos de pessoas cujas histórias de vida ou realizações profissionais sejam relevantes para as áreas de abrangência da revista (até seis mil palavras). Livros - publicações lançadas no Brasil ou exterior, sob a forma de resenhas críticas, comentários, ou colagem organizada com fragmentos do livro (até três mil palavras). Teses - descrição sucinta de dissertações de mestrado, teses de doutorado e/ou de livre-docência, constando de resumo com até quinhentas palavras. Título e palavras-chave em português, inglês e espanhol. Informar o endereço de acesso ao texto completo, se disponível na internet. Criação - textos de reflexão sobre temas de interesse para a revista, em interface com os campos das Artes e da Cultura, que utilizem em sua apresentação formal recursos iconográficos, poéticos, literários, musicais, audiovisuais etc., de forma a fortalecer e dar consistência à discussão proposta. Notas breves - notas sobre eventos, acontecimentos, projetos inovadores (até duas mil palavras). Cartas - comentários sobre publicações da revista e notas ou opiniões sobre assuntos de interesse dos leitores (até mil palavras). Nota: na contagem de palavras do texto, incluem-se quadros e excluem-se título, resumo e palavras-chave.
Os originais devem ser digitados em Word ou RTF, fonte Arial 12, respeitando o número máximo de palavras definido por seção da revista. Todos os originais submetidos à publicação devem dispor de resumo e palavras-chave alusivas à temática (com exceção das seções Livros, Notas breves e Cartas). Da primeira página devem constar (em português, espanhol e inglês): título (até 15 palavras), resumo (até 140 palavras) e no máximo cinco palavras-chave. Nota: na contagem de palavras do resumo, excluem-se título e palavras-chave. Notas de rodapé: identificadas por letras pequenas sobrescritas, entre parênteses. Devem ser sucintas, usadas somente quando necessário. CITAÇÕES E REFERÊNCIAS A partir de 2014, a revista Interface passa a adotar as normas Vancouver como estilo para as citações e referências de seus manuscritos. CITAÇÕES NO TEXTO As citações devem ser numeradas de forma consecutiva, de acordo com a ordem em que forem sendo apresentadas no texto. Devem ser identificadas por números arábicos sobrescritos . Exemplo: Segundo Teixeira1,4,10-15 Nota importante: as notas de rodapé passam a ser identificadas por letras pequenas sobrescritas, entre parênteses. Devem ser sucintas, usadas somente quando necessário. Casos específicos de citação: a) Referência de mais de dois autores: no corpo do texto deve ser citado apenas o nome do primeiro autor seguido da expressão et al. b) Citação literal: deve ser inserida no parágrafo entre aspas. No caso da citação vir com aspas no texto original, substituí-las pelo apóstrofo ou aspas simples.
instruções aos autores
PROJETO E POLÍTICA EDITORIAL
instruções aos autores
Exemplo: “Os ‘Requisitos Uniformes’ (estilo Vancouver) baseiam-se, em grande parte, nas normas de estilo da American National Standards Institute (ANSI) adaptado pela NLM.”1 c) Citação literal de mais de três linhas: em parágrafo destacado do texto (um enter antes e um depois), com recuo à esquerda. Observação: Para indicar fragmento de citação utilizar colchete: [...] encontramos algumas falhas no sistema [...] quando relemos o manuscrito, mas nada podia ser feito [...]. Exemplo: Esta reunião que se expandiu e evoluiu para Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (International Committee of Medical Journal Editors - ICMJE), estabelecendo os Requisitos Uniformes para Manuscritos Apresentados a Periódicos Biomédicos – Estilo Vancouver 2. REFERÊNCIAS Todos os autores citados no texto devem constar das referências listadas ao final do manuscrito, em ordem numérica, seguindo as normas gerais do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) – http://www.icmje.org. Os nomes das revistas devem ser abreviados de acordo com o estilo usado no Index Medicus (http://www.nlm.nih.gov/). As referências são alinhadas somente à margem esquerda e de forma a se identificar o documento, em espaço simples e separadas entre si por espaço duplo. A pontuação segue os padrões internacionais e deve ser uniforme para todas as referências. EXEMPLOS: LIVRO Autor(es) do livro. Título do livro. Edição (número da edição). Cidade de publicação: Editora; Ano de publicação. Exemplo: Schraiber LB. O médico e suas interações: a crise dos vínculos de confiança. 4a ed. São Paulo: Hucitec; 2008. Até seis autores, separados com vírgula, seguidos de et al., se exceder este número. ** Sem indicação do número de páginas. *
Nota: Autor é uma entidade: Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: meio ambiente e saúde. 3a ed. Brasília, DF: SEF; 2001. Séries e coleções: Migliori R. Paradigmas e educação. São Paulo: Aquariana; 1993 (Visão do futuro, v. 1). CAPÍTULO DE LIVRO Autor(es) do capítulo. Título do capítulo. In: nome(s) do(s) autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição (número). Cidade de publicação: Editora; Ano de publicação. página inicial-final do capítulo
Nota: Autor do livro igual ao autor do capítulo: Hartz ZMA, organizador. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação dos programas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1997. p. 19-28. Autor do livro diferente do autor do capítulo: Cyrino EG, Cyrino AP. A avaliação de habilidades em saúde coletiva no internato e na prova de Residência Médica na Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp. In: Tibério IFLC, Daud-Galloti RM, Troncon LEA, Martins MA, organizadores. Avaliação prática de habilidades clínicas em Medicina. São Paulo: Atheneu; 2012. p. 163-72. * Até seis autores, separados com vírgula, seguidos de et al., se exceder este número. ** Obrigatório indicar, ao final, a página inicial e final do capítulo.
ARTIGO EM PERIÓDICO Autor(es) do artigo. Título do artigo. Título do periódico abreviado. Ano de publicação; volume (número/ suplemento):página inicial-final do artigo. Exemplos: Teixeira RR. Modelos comunicacionais e práticas de saúde. Interface (Botucatu). 1997; 1(1):7-40. Ortega F, Zorzanelli R, Meierhoffer LK, Rosário CA, Almeida CF, Andrada BFCC, et al. A construção do diagnóstico do autismo em uma rede social virtual brasileira. Interface (Botucatu). 2013; 17(44):119-32. * até seis autores, separados com vírgula, seguidos de et al. se exceder este número. ** Obrigatório indicar, ao final, a página inicial e final do artigo.
DISSERTAÇÃO E TESE Autor. Título do trabalho [tipo]. Cidade (Estado): Instituição onde foi apresentada; ano de defesa do trabalho. Exemplos: Macedo LM. Modelos de Atenção Primária em Botucatu-SP: condições de trabalho e os significados de Integralidade apresentados por trabalhadores das unidades básicas de saúde [tese]. Botucatu (SP): Faculdade de Medicina de Botucatu; 2013. Martins CP. Possibilidades, limites e desafios da humanização no Sistema Único de Saúde (SUS) [dissertação]. Assis (SP): Universidade Estadual Paulista; 2010. TRABALHO EM EVENTO CIENTÍFICO Autor(es) do trabalho. Título do trabalho apresentado. In: editor(es) responsáveis pelo evento (se houver). Título do evento: Proceedings ou Anais do ... título do evento; data do evento; cidade e país do evento. Cidade de publicação: Editora; Ano de publicação. Página inicial-final. Exemplo: Paim JS. O SUS no ensino médico: retórica ou realidade [Internet]. In: Anais do 33º Congresso Brasileiro de Educação Médica; 1995; São Paulo, Brasil. São Paulo: Associação Brasileira de Educação Médica; 1995. p. 5 [acesso 2013 Out 30]. Disponível em: www.google.com.br
DOCUMENTO LEGAL Título da lei (ou projeto, ou código...), dados da publicação (cidade e data da publicação). Exemplos: Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, 19 Set 1990. Segue os padrões recomendados pela NBR 6023 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT - 2002), com o padrão gráfico adaptado para o Estilo Vancouver.
*
RESENHA Autor (es). Cidade: Editora, ano. Resenha de: Autor (es). Título do trabalho. Periódico. Ano; v(n):página inicial e final. Exemplo: Borges KCS, Estevão A, Bagrichevsky M. Rio de janeiro: Fiocruz, 2010. Resenha de: Castiel LD, Guilam MC, Ferreira MS. Correndo o risco: uma introdução aos riscos em saúde. Interface (Botucatu). 2012; 16(43):1119-21. ARTIGO EM JORNAL Autor do artigo. Título do artigo. Nome do jornal. Data; Seção: página (coluna). Exemplo: Gadelha C, Mundel T. Inovação brasileira, impacto global. Folha de São Paulo. 2013 Nov 12; Opinião:A3. CARTA AO EDITOR Autor [cartas]. Periódico (Cidade).ano; v(n.):página inicialfinal. Exemplo: Bagrichevsky M, Estevão A. [cartas]. Interface (Botucatu). 2012; 16(43):1143-4. ENTREVISTA PUBLICADA Quando a entrevista consiste em perguntas e respostas, a entrada é sempre pelo entrevistado. Exemplo: Yrjö Engeström. A Teoria da Atividade Histórico-Cultural e suas contribuições à Educação, Saúde e Comunicação [entrevista a Lemos M, Pereira-Querol MA, Almeida, IM]. Interface (Botucatu). 2013; 17(46):715-27. Quando o entrevistador transcreve a entrevista, a entrada é sempre pelo entrevistador. Exemplo: Lemos M, Pereira-Querol MA, Almeida, IM. A Teoria da Atividade Histórico-Cultural e suas contribuições à Educação, Saúde e Comunicação [entrevista de Yrjö Engeström]. Interface (Botucatu). 2013; 17(46):715-27. DOCUMENTO ELETRÔNICO Autor(es). Título [Internet]. Cidade de publicação: Editora; data da publicação [data de acesso com a expressão “acesso em”]. Endereço do site com a expressão “Disponível em:”
Com paginação: Wagner CD, Persson PB. Chaos in cardiovascular system: an update. Cardiovasc Res. [Internet], 1998 [acesso em 20 Jun 1999]; 40. Disponível em: http://www.probe.br/ science.html. Sem paginação: Abood S. Quality improvement initiative in nursing homes: the ANA acts in an advisory role. Am J Nurs [Internet]. 2002 Jun [cited 2002 Aug 12]; 102(6):[about 1 p.]. Available from: http://www.nursingworld.org/AJN/2002/june/ Wawatch.htmArticle Os autores devem verificar se os endereços eletrônicos (URL) citados no texto ainda estão ativos.
*
Nota: Se a referência incluir o DOI, este deve ser mantido. Só neste caso (quando a citação for tirada do SciELO, sempre vem o Doi junto; em outros casos, nem sempre). Outros exemplos podem ser encontrados em http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html ILUSTRAÇÕES Imagens, figuras ou desenhos devem estar em formato tiff ou jpeg, com resolução mínima de 200 dpi, tamanho máximo 16 x 20 cm, com legenda e fonte arial 9. Tabelas e gráficos torre podem ser produzidos em Word ou Excel. Outros tipos de gráficos (pizza, evolução...) devem ser produzidos em programa de imagem (photoshop ou corel draw). Nota: No caso de textos enviados para a seção de Criação, as imagens devem ser escaneadas em resolução mínima de 200 dpi e enviadas em jpeg ou tiff, tamanho mínimo de 9 x 12 cm e máximo de 18 x 21 cm. As submissões devem ser realizadas online no endereço: http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo APROVAÇÃO DOS ORIGINAIS Todo texto enviado para publicação será submetido a uma pré-avaliação inicial, pelo Corpo Editorial. Uma vez aprovado, será encaminhado à revisão por pares (no mínimo dois relatores). O material será devolvido ao (s) autor (es) caso os relatores sugiram mudanças e/ou correções. Em caso de divergência de pareceres, o texto será encaminhado a um terceiro relator, para arbitragem. A decisão final sobre o mérito do trabalho é de responsabilidade do Corpo Editorial (editores e editores associados). Os textos são de responsabilidade dos autores, não coincidindo, necessariamente, com o ponto de vista dos editores e do Corpo Editorial da revista. Todo o conteúdo do trabalho aceito para publicação, exceto quando identificado, está licenciado sobre uma licença Creative Commons, tipo DY-NC. É permitida a reprodução parcial e/ou total do texto apenas para uso não comercial, desde que citada a fonte. Mais detalhes, consultar o link: http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/
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INTERFACE - Communication, Health, Education publishes original analytical articles or essays, critical reviews and notes on research (unpublished texts); it also edits debates and interviews, in addition to publishing the abstracts of dissertations and theses, notes on events and subjects of interest. The editors reserve themselves the right to make changes and/or cuts in the material submitted to the journal, in order to adjust it to its standards, maintaining the style and content. The manuscript submission is online, by the Scholar One Manuscripts system. (http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo)
INTERFACE - Communication, Health, Education accepts material in Portuguese, Spanish and English for any of its sections. Only unpublished papers can be submitted for publication. Translations of texts published in another language will not be accepted. Submissions must be accompanied by an authorization for publication signed by all authors of the manuscript. The model for this document will be available for upload in the system. Note: You must do the system registration in order to submit your manuscript. Go to the link http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo and follow the instructions. When you have finished the registration, click “Author Center” and begin the submission process. The originals must be typed in Word or RTF, using Arial 12, respecting the maximum number of words defined per section of the Journal. All originals submitted for publication must have an abstract and keywords relating to the topic (with the exception of Books, Brief notes and Letters).
All papers submitted to Interface have to follow the instructions described below. FORM AND PREPARATION OF MANUSCRIPTS SECTIONS Dossier - essays or thematic analytical articles, by invitation of the editors, resulting from original study and research (up to six thousand words). Articles - analytical texts or reviews resulting from original theoretical or field research on themes that are of interest to the journal (up to six thousand words). Debates - a set of texts on current and/or polemic themes proposed by the editors or by collaborators and debated by specialists, who expound their points of view. The editors are responsible for editing the final texts (original text: up to six thousand words; debate texts: up to one thousand words; reply: up to one thousand words). Open page - preliminary research notes, polemic and/or current issues texts, description of experiences, or relevant information aired in the electronic media (up to five thousand words). Interviews - testimonies of people whose life stories or professional achievements are relevant to the journal’s scope (up to six thousand words). Books - publications released in Brazil or abroad, in the form of critical reviews, comments, or an organized collage of fragments of the book (up to three thousand words). Theses - succinct description of master’s theses, doctoral dissertations and/or post-doctoral dissertations, containing abstract (up to five hundred words). Title and keywords in Portuguese, English and Spanish. Access address to the full text, if available in the internet, must be informed. Creation - Texts reflecting on topics of interest for the journal, at the interface with the fields of arts and culture, which in their presentation use formal iconographic, poetic, literary, musical or audiovisual resources, etc., so as to strengthen and give consistency to the discussion proposed. Brief notes - comments on events, meetings and innovative research and projects (up to two thousand words). Letters - comments on the journal and notes or opinions on subjects of interest to its readers (up to one thousand words). Note: In case of counting the text words, the tables with text are included and the title, the abstract and the keywords are excluded.
The first page of the text must contain (in Portuguese, Spanish and English): the article’s full title (up to 15 words), the abstract (up to 140 words) and up to five keywords. Note: In case of counting the abstract’s words, the title and the keywords are excluded. Footnotes: These should be identified using lower-case superscript letters, in parentheses. They should be succinct and should only be used when necessary. CITATIONS AND REFERENCES Starting in 2014, the journal Interface is changing over to the Vancouver standard as the style to use for citations and references in manuscripts submitted. CITATIONS IN THE TEXT Citations should be numbered consecutively, according to the order in which they are presented in the text. They should be identified using Arabic numerals as superscripts. Example: According to Teixeira1,4,10-15 Important note: Footnotes will now be identified by means of lower-case letters, as superscripts, in parentheses. They should be succinct and should only be used when necessary. Specific cases of citations: a) Reference with more than two authors: in the body of the text, only the name of the first author should be cited, followed by the expression “et al.” b) Literal citations: These should be inserted in the paragraph between quotation marks (“xx”). If the citation already came in quotation marks in the original text, replace them with single quotation marks (‘xx’).
Example: “The ‘Uniform Requirements’ (Vancouver style) are largely based on the style standards of the American National 1 Standards Institute (ANSI), adapted by the NLM.” c) Literal citation of more than three lines: in a paragraph inset from the text (with a one-line space before and after it), with a 4 cm indentation on the left side. Note: To indicate fragmentation of the citation use square brackets: [...] we found some flaws in the system [...] when we reread the manuscript, but nothing could be done [...]. Example: This meeting has expanded and evolved into the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE), and has established the Uniform Requirements for Manuscripts Presented to Biomedical Journals: the Vancouver Style 2. REFERENCES All the authors cited in the text should appear among the references listed at the end of the manuscript, in numerical order, following the general standards of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (http://www.icmje.org). The names of the journals should be abbreviated in accordance with the style used in Index Medicus (http://www.nlm.nih.gov/). The references should be aligned only with the left margin and, so as to identify the document, with single spacing and separated from each other by a double space. The punctuation should follow the international standards and should be uniform for all the references. EXAMPLES:
Note: If the author of the book is the same as the author of the chapter: Hartz ZMA, organizador. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação dos programas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1997. p. 19-28. If the author of the book is different from the author of the chapter: Cyrino EG, Cyrino AP. A avaliação de habilidades em saúde coletiva no internato e na prova de Residência Médica na Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp. In: Tibério IFLC, Daud-Galloti RM, Troncon LEA, Martins MA, organizadores. Avaliação prática de habilidades clínicas em Medicina. São Paulo: Atheneu; 2012. p. 163-72. Up to six authors, separated by commas, followed by “et al.”, if this number is exceeded. ** It is obligatory to indicate the first and last pages of the chapter, at the end of the reference. *
ARTICLE IN JOURNAL Author(s) of the article. Title of the article. Abbreviated title of the journal. Date of publication; volume (number/ supplement): first-last page of the article. Examples: Teixeira RR. Modelos comunicacionais e práticas de saúde. Interface (Botucatu). 1997; 1(1):7-40. Ortega F, Zorzanelli R, Meierhoffer LK, Rosário CA, Almeida CF, Andrada BFCC, et al. A construção do diagnóstico do autismo em uma rede social virtual brasileira. Interface (Botucatu). 2013; 17(44):119-32. Up to six authors, separated by commas, followed by “et al.”, if this number is exceeded. ** It is obligatory to indicate the first and last pages of the article, at the end of the reference. *
BOOK Author(s) of the book. Title of the book. Edition (number of the edition). City of publication: Publishing house; Year of publication. Example: Schraiber LB. O médico e suas interações: a crise dos vínculos de confiança. 4a ed. São Paulo: Hucitec; 2008. Up to six authors, separated by commas, followed by “et al.”, if this number is exceeded. ** Without indicating the number of pages. *
Note: If the author is an entity: Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente e saúde. 3a ed. Brasília, DF: SEF; 2001. In the case of series and collections: Migliori R. Paradigmas e educação. São Paulo: Aquariana; 1993 (Visão do futuro, v. 1). BOOK CHAPTER Author(s) of the chapter. Title of the chapter. In: name(s) of the author(s) or editor(s). Title of the book. Edition (number). City of publication: Publishing house; Year of publication. First-last page of the chapter.
DISSERTATION AND THESIS Author. Title of study [type]. City (State): Institution where it was presented; year when study was defended. Examples: Macedo LM. Modelos de Atenção Primária em Botucatu-SP: condições de trabalho e os significados de Integralidade apresentados por trabalhadores das unidades básicas de saúde [thesis]. Botucatu (SP): Faculdade de Medicina de Botucatu; 2013. Martins CP. Possibilidades, limites e desafios da humanização no Sistema Único de Saúde (SUS) [dissertation]. Assis (SP): Universidade Estadual Paulista; 2010. STUDY PRESENTED AT SCIENTIFIC EVENT Author(s) of the study. Title of the study presented. In: editor(s) responsible for the event (if applicable). Title of the event: Proceedings or Annals of ... title of the event; date of the event; city and country of the event. City of publication: Publishing house; Year of publication. First-last page. Example: Paim JS. O SUS no ensino médico: retórica ou realidade [Internet]. In: Anais do 33º Congresso Brasileiro de Educação Médica; 1995; São Paulo, Brazil. São Paulo: Associação Brasileira de Educação Médica; 1995. p. 5 [accessed Oct 30, 2013]. Available from: www.google.com.br
When the study has been consulted online, mention the data of access (abbreviated month and day followed by comma, year) and the electronic address: Available from: http://www...... *
LEGAL DOCUMENT Title of the law (or bill of law, or code...), publication data (city and date of publication). Examples: Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, 19 Set 1990. This follows the standards recommended in NBR 6023 of the Brazilian Technical Standards Association (Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT, 2002), with its graphical standard adapted to the Vancouver Style. *
REVIEW Author(s). Place: Publishing house, year. Review of: Author(s). Title of the study. Journal. Year; v(n):first-last page. Example: Borges KCS, Estevão A, Bagrichevsky M. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. Resenha de: Castiel LD, Guilam MC, Ferreira MS. Correndo o risco: uma introdução aos riscos em saúde. Interface (Botucatu). 2012; 16(43):1119-21. ARTICLE IN NEWSPAPER Author of the article. Title of the article. Name of the newspaper. Date; Section: page (column). Example: Gadelha C, Mundel T. Inovação brasileira, impacto global. Folha de São Paulo. 2013 Nov 12; Opinião:A3. LETTER TO EDITOR Author [letters]. Journal (City). Year; v(n.):first-last page. Example: Bagrichevsky M, Estevão A. [letters]. Interface (Botucatu). 2012; 16(43):1143-4. PUBLISHED INTERVIEW When the interview consists of questions and answers, the entry is always according to the interviewee. Example: Yrjö Engeström. A Teoria da Atividade Histórico-Cultural e suas contribuições à Educação, Saúde e Comunicação [interview conducted by Lemos M, Pereira-Querol MA, Almeida, IM]. Interface (Botucatu). 2013; 17(46):715-27. When the interviewer transcribes the interview, the entry is always according to the interviewer. Example: Lemos M, Pereira-Querol MA, Almeida, IM. A Teoria da Atividade Histórico-Cultural e suas contribuições à Educação, Saúde e Comunicação [interview with Yrjö Engeström]. Interface (Botucatu). 2013; 17(46):715-27.
ELECTRONIC DOCUMENT Author(s). Title [Internet]. City of publication: Publishing house; date of publication [date of access with the expression “accessed”]. Address of the website with the expression “Available from:” With page numbering: Wagner CD, Persson PB. Chaos in cardiovascular system: an update. Cardiovasc Res. [Internet], 1998 [accessed Jun 20, 1999]; 40. Available from: http://www.probe.br/ science.html Without page numbering: Abood S. Quality improvement initiative in nursing homes: the ANA acts in an advisory role. Am J Nurs [Internet]. 2002 Jun [accessed Aug 12, 2002]; 102(6):[about 1 p.]. Available from: http://www.nursingworld.org/AJN/2002/june/ Wawatch.htmArticle The authors should check whether the electronic addresses (URLs) cited in the text are still active. *
Note: If the reference includes the DOI, this should be maintained. Only in this case (when the citation was taken from SciELO, the DOI always comes with it; in other cases, not always). Other examples can be found at http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html ILLUSTRATIONS: Images, figures and drawings must be created as TIFF or JPEG files. Minimum resolution: 200 dpi. Maximum size: 16 x 20 cm, with captions and font Arial 9. Tables and tower graphs can be created as Word files. Other kinds of graphs must be created in image programs (corel draw or photoshop). Note: In the case of texts sent to the Creation section, images should be scanned at a minimum resolution of 200 dpi and be sent in jpeg or tiff format, with a minimum size of 9 x 12 cm and maximum of 18 x 21 cm. Submissions must be made online at: http://mc04.manuscriptcentral.com/icse-scielo ANALYSIS AND APPROVAL OF ORIGINALS Every text will be submitted to a preliminary evaluation by the Editorial Board. If the text is approved, it will be reviewed by peers (two reviewers at least). It will be returned to the author(s) if the reviewers suggest changes and/or corrections. In case the reviewers have divergent opinions, the paper will be submitted to a third reviewer for arbitration. The final decision about the merit of the work is the responsibility of the Editorial Board (publishers and associated publishers). The texts are the responsibility of the authors and do not necessarily reflect the point of view of the publishers. All content in the approved paper, except where otherwise noted, ís licensed under a Creative Commons Attribution, type BY-NC. Reproduction only for non-commercial uses is permitted if the source is mentioned. See details in: http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/
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