Revista Babel

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Revista experimental do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da UERJ

Repórter multimídia Já não é suficiente apurar e reportar um fato. É preciso fotografar, filmar, gravar áudio, editar, postar, tuitar e fazer uploads de imagem. Tudo ao mesmo tempo agora para atender às demandas dos inúmeros suportes da informação hoje.

Jornal de mentira e humor de verdade Afinal, o que são falsas notícias?

Photoshop faz 20 anos

A fronteira entre verdade e mentira na fotografia

O Jornalismo na era digital

Como sobreviver na nova selva da profissão

A política cai na Internet

Candidatos recorrem a blogs e redes sociais


Expediente Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Reitor: Prof. Ricardo Vieiralves de Castro Vice-Reitora: Profª. Maria Christina Paixão Maioli Sub-Reitora de Graduação: Profª. Lená Medeiros de Menezes Sub-Reitora de Pós-graduação e Pesquisa: Profª. Monica da Costa Pereira Lavalle Heilbron Sub-Reitora de Extensão e Cultura: Profª. Regina Lúcia Monteiro Henriques

Faculdade de Comunicação Social Diretor: Prof. João Luis de Araújo Maia Vice-Diretor: Prof. Ricardo Ferreira Freitas

Departamento de Jornalismo

Chefe: Prof. Fabio Iorio Sub-Chefe: Prof. Ricardo Silva de Hollanda

Revista Babel

Editora e Jornalista Responsável: Profª. Patrícia Iorio (MTE nº 17062) Editoração Eletrônica: Paulo Eduardo Gonçalves Alunos-Repórteres: Alexandra Barbosa Silva, Daniela Martins Silva de Almeida, Diego Bezerra Zerbato, Fábio Klotz Silva, Igor Cardoso Mello, Isabella Paschuini, Lailla Micas Gonçalves Coelho, Leonardo Sales da Silva, Maria de Fátima Raimundo Machado, Maria Luísa de Melo Pereira, Mariana dos Santos Moreira, Natalia Zimbrão da Silva, Paulo Eduardo Gonçalves dos Santos, Pedro Paulo de Souza Filho, Pedro Staite da Hora, Renata Sofia Santos Freire, Verônica Vasque Edwiges de Oliveira e Vivian Salgado Raffaeli. Secretário Gráfico: Edilson Marinho Ferreira Impressão: Dgrafi

Dgrafi - Divisão Gráfica da UERJ Chefe de divisão: Ely Severiano Assistente: André Salles

Revista publicada pelo Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em agosto de 2010. Faculdade de Comunicação/UERJ Rua São Francisco Xavier, 524, 10º andar - Pavilhão João Lyra Filho Maracanã - Rio de Janeiro - RJ CEP 20550-900 Telefones: (21) 2334-0244 | 2334-0501 E-mail: uerjcomunic@yahoo.com.br Capa: “Babel”, 2001, 300 x 500 cm. Totem do artista plástico Cildo Meireles. A reprodução da obra na capa da revista foi autorizada pelo artista. Fonte: artsadminartsblog.blogspot.com

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Editorial Profª. Patrícia Iorio É com muita alegria que entregamos a revista Babel às mãos do leitor. A publicação de edição única é fruto de um trabalho coletivo, desenvolvido nos encontros de sala de aula da disciplina Projetos Experimentais, oferecida no sétimo período da graduação em Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A um semestre de concluir o curso, os alunos são chamados a desenvolver a habilidade de elaboração e execução de um produto jornalístico. O que poderia ter sido mero cumprimento de formalidade acadêmica tornouse verdadeiramente um desafio abraçado por todos com entusiasmo. Um entusiasmo raramente observado em alunos à beira da formatura: por força de uma deformação de mercado, tais estudantes já estão em sua maioria mais preocupados com estágios e contratações do que com os ensinamentos que lhe franquearão o diploma de jornalista, esse passaporte profissional temporariamente desvalorizado com a queda da exigência de curso superior de jornalismo para o exercício da profissão. Poderiam ter escolhido a solução mais fácil e conveniente, mas não: optaram pelo desafio de explorar um suporte no qual tinham menos experiência e cuja execução dependia de patrocínio – o impresso. No currículo, a maioria da turma orgulhava-se de estágios em emissoras de rádio e tevê e em sites de jornalismo. Pensar uma revista impressa, discutir as possibilidades de um projeto gráfico, exercitar o texto com limitações de espaço, decidir sobre o uso da imagem como ilustração ou como linguagem, e adequar todos os recursos gráficos à proposta da publicação – tudo foi uma aventura à qual todos se entregaram com coragem. Diante da opção de se fazer uma revista eletrônica para driblar o custo do papel e da impressão, a turma optou pelo que considerou o produto ideal para carregar um conteúdo que não teria a marca do descartável: uma revista a cores, impressa em papel que reproduzisse com ótima resolução a qualidade do conteúdo ali reunido. Assim nascia Babel, uma publicação disposta a refletir sobre os desafios do Jornalismo e sobre o perfil do comunicador nesses tempos em que já não bastam apurar o fato e convertê-lo em notícia – cada vez mais é preciso atravessar a fronteira das habilitações profissionais e dominar múltiplas plataformas tecnológicas para desdobrar a informação em suas sempre novas dimensões. Inversamente ao mito bíblico da Torre de Babel em que Deus puniu os homens com a incomunicabilidade ao quebrar a unidade linguística de então, hoje, falar “línguas” diferentes no universo da comunicação é o imperativo de quem quer ser entendido pelos usuários dos mais diversificados suportes da informação. É justamente em nome da comunicabilidade que o novo comunicador é movido a desbravar os múltiplos

e caóticos caminhos por onde passa a informação até atingir seu público: veículo impresso, televisão, rádio, site, blog, Twitter, redes sociais... É através desta babel de recursos que o profissional de comunicação cumpre seu papel de informar, formar e entreter, e assim unificar em alguma medida o horizonte informacional da sociedade. Decorre daí uma constatação recorrente nas matérias da Babel: o perfil multimídia do profissional da Comunicação hoje e as incertezas que assombram o futuro da profissão. Aqui, foram apuradas as pautas sugeridas pela turma a partir da experiência e do interesse de cada aluno/repórter. Residualmente, tais pautas revelaram também o trabalho competente dos professores da Faculdade de Comunicação Social da UERJ que souberam ao longo de todo o curso de Jornalismo inspirar o pensamento e a curiosidade de seus alunos. Durante o primeiro semestre de 2010, a turma se reuniu por quatro horas semanais para criação e a produção da revista. Dados o engajamento dos alunos no projeto e o profissionalismo com que decidiram conduzi-lo, ficou claro desde o início que precisaríamos estabelecer um ambiente de redação jornalística, nem que fosse virtual. Assim, criamos um blog para a revista Babel (http://revistababelfcs.blogspot.com/), onde poderíamos estender o nosso tempo de discussão e ampliar as trocas de sugestão para o projeto gráfico. Além disso, o blog foi pensado como uma forma de orientar os iniciantes que tivessem interesse em se aventurar na criação de uma publicação. Registramos então o passo-a-passo da Babel que está em suas mãos. Nas páginas que se seguem, é possível perceber claramente a seriedade deste projeto experimental. Desde o início, o conduzimos para que não tivesse jeito de “trabalho de aluno”. Creio que conseguimos! Isso, no entanto, não teria sido possível sem o engajamento de cada um dos alunos, um comprometimento que implicou em reescrever textos, garimpar imagens e ficar em stand by mesmo durante as férias para acertarmos os detalhes da finalização. A conversão do projeto gráfico em revista se deve à dedicação e à competência do aluno Paulo Eduardo Gonçalves, que editorou praticamente sozinho toda a publicação. É preciso também registrar o empenho do funcionário Edilson Marinho Ferreira, que intermediou as conversações com a gráfica da UERJ para a impressão da revista. Por último, é preciso que se diga que a Babel só foi materializada literalmente conforme o estipulado em seu projeto gráfico porque o Departamento de Jornalismo da FCS apostou no profissionalismo da proposta, investiu no entusiasmo dos alunos, financiou o custo do papel e negociou com a gráfica da Universidade a impressão gratuita da revista. Definitivamente, este é um trabalho coletivo! ●


Sumário edição única | agosto de 2010 Um jornal isento de verdade Pedro Staite

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Era da convergência na mídia educação Vivian Raffaeli

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Meio ambiente: os desafios de comunicar Isabella Paschuini

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Esportes olímpicos em busca de espaço Fábio Klotz

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Driblando a marcação da mídia com as redes sociais Igor Mello

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Hermógenes, o salvador. A pura ação no jornalismo Pedro Staite

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Rádio e TV digitais: preparando o mercado para interagir Pedro Paulo S. Filho

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Um ano sem diploma de jornalismo. O que mudou? Deniela Martins

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O caminho desorientado da prática jornalística Diego Zerbato

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Tudo ao mesmo tempo agora Mariana Moreira

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Entrevistas cruzadas Renata Sofia Freire

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O sucesso de blogs independentes Verônica Vasque

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Perspectivas do jornalismo digital no Brasil Lailla Micas

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Caindo na grande rede Leonardo Sales

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Eleições 2010: a campanha da Internet Natalia Zimbrão

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Os candidatos na era das redes sociais Maria Luísa de Melo

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Interrompemos nossa programação para o horário de piadas gratuitas Renata Sofia Freire

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O perfil nada frágil das jornalistas no front da reportagem Alexandra Barbosa

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Perdoem nossas falhas: o constrangimento ao vivo Fátima Machado

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20 anos de Photoshop. E daí? Paulo Eduardo Gonçalves

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Imagem e cidade: a convergência necessária Prof. Ricardo de Hollanda

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Por dentro da Babel Fábio Klotz

Divulgação

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OSENSACIONALISTA.COM.BR

Um jornal isento de verdade

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m maio deste ano, circulou na Internet uma notícia absurda: um soldado norte-americano voltou do Iraque após um ano e, quando chegou, sua esposa tinha acabado de dar à luz um filho. Para defender-se da suspeita de traição, a mulher afirmou que a gravidez acontecera depois de ver um filme pornô 3D com as amigas. Ela disse que seu bebê era parecido com um dos atores, e que ia processar o cinema e os produtores do filme. Replicada em mais de 300 veículos pelo mundo, a matéria era totalmente falsa. Carlos Eduardo Lima, professor de literatura, foi um dos “enganados”: “Só acreditei porque vi essa notícia em sites que têm alguma credibilidade, não foi em qualquer lugar”. A matéria foi gerada pelo Sensacionalista, um jornal online de humor (http://sensacionalista.virgula.uol.com.br/) criado no ano passado por Nelito Fernandes, repórter da revista Época e ex-redator do programa Casseta & Planeta. Depois de sair do humorístico, Nelito resolveu voltar a fazer comédia na Internet – ele já tinha criado o blog “Eu hein”, vencedor de cinco Ibests, maior prêmio da Internet no Brasil. Além de Nelito, o Sensacionalista conta com três colaboradores que enviam diariamente matérias por e-mail. Ao contrário dos outros

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Pedro Staite

jornais, que sustentam sua popularidade com base na credibilidade, aqui se faz um jornalismo que prima pelo nonsense. A linha editorial do Sensacionalista é bem liberal; só é rígida num ponto: verdade não entra. Mas o que pode virar matéria então? ─ Literalmente qualquer coisa. É preciso que a notícia seja fundamentada ou sátira de algum assunto que seja de conhecimento geral. O ideal é que o título já faça rir. Geralmente os títulos cumprem bem o seu papel, basta abrir o site e ler pérolas como “Alto índice de rejeição pode significar que Brasil é alérgico a José Serra”, “Dia dos namorados com 3 jogos da Copa e Fórmula 1 tem menor índice de sexo da história” ou “Ex-BBB chega nua à boate e diz que esqueceu de se vestir” (sic). Mas a matéria que serviu de estopim para o sucesso do portal foi uma sátira à nova obsessão da indústria cinematográfica por filmes em três dimensões: “Mulher engravidou vendo filme pornô 3D”. A história rendeu mais de 500 mil acessos, 58 mil somente nos primeiros dias. Além de terem sido reproduzidas em dezenas de veículos brasileiros, as aventuras da fictícia Jennifer Stweart foram parar em quase


toda América Latina, Japão e até no americano Gizmodo, um dos blogs mais frequentados do mundo. O problema é que a matéria continha uma foto de um casal achada na internet, e muitos sites aproveitaram a imagem em suas replicações. Nelito pediu desculpas e ainda pediu que os responsáveis pelos sites fossem mais cuidadosos em suas apurações:

lhofa vocabular para fazer graça. Pelo respeito à linguagem e ao formato jornalísticos, seria razoável entender a disseminação das notícias em outros sites, mas o absurdo contido nas matérias deixa clara proposta humorística do veículo. Nelito acredita que o Sensacionalista nem mesmo pode ser qualificado de “jornal falso”:

─ Jornal falso é um jornal que mente para o ─ As notícias correm e, apesar do nome e do leitor. O Sensacionalista não mente para ninaviso de que é um site de humor, outros sites guém. Está claro para quem tem mais de um publicam. Eu acho que a Internet facilita isso. neurônio que é tudo piada. Nós não fazemos Alguns sites publicam rápido, nem sempre dá jornalismo falso. Jornalismo falso faz quem copara checar as fontes. Isso é muito ruim, la- pia e publica qualquer coisa que vê pela frente, menta Nelito. sem checar. Nós fazemos humor. Marcelo Kischinhevsky, professor do DeparSemelhantes na história tamento de Jornalismo da Uerj, afirma que a Internet apresenta um problema de credibilidade: Dois jornais de humor marcaram época na década de 80: o Casseta Popular (uma referên─ Há diversos sites e perfis falsos em comunida- cia à Gazeta Popular), criado por Beto Silva, Hedes virtuais, veículos obscuros divulgando his- lio de la Peña e Marcelo Madureira; e o Planeta tórias fantásticas e gente apressada querendo Diário, editado por Cláudio Paiva, Hubert e Reisair na frente da concorrência ao replicar esses naldo. Da fusão entre os grupos, nasceu o Caspseudo-fatos. seta & Planeta, uma das maiores referências do humor televisivo brasileiro. Mas para Kischinhevisky, a Internet é só uma A revista Piauí também traz em suas páginas fração do problema quando se fala do desleixo uma seção de notícias fantasiosas. É o Piauí Heno jornalismo: rald, autointitulado o “Diário mais elegante do Brasil”. Inundado de foto-montagens hilárias, o ─ Há uma geração de “repórteres de gabinete” periódico reserva boa parte de seu espaço aos no mercado, uma geração que é preguiçosa, candidatos à Presidência da República e ao exblasé, acha que sabe tudo porque tudo (su- presidente José Sarney. Em uma das edições da postamente) está disponível na Internet. São revista Piauí, o diário elegante fez três capas, “prépórteres”, não reportam o que apuram, cada qual defendendo de maneira debochada simplesmente dão pitacos e reproduzem infor- um dos principais presidenciáveis. mações coletadas aqui e ali. Esse tipo de publicação é bem comum em vários países. Na França, pode-se encontrar No meio de junho, outra matéria do Sensa- nas bancas de Paris exemplos como “Le Cacionalista extravasou os limites da brincadeira nard Enchainé” e “Charlie Hebdo”, criados descompromissada. A história de uma mãe que em 1915 e 1960 respectivamente. Na Arfoi proibida pelo cartório de batizar sua filha de gentina, a Revista Barcelona está chegando “Vuvuzela” (corneta exaustivamente usada na à 200ª edição distribuindo acidez em suas Copa do Mundo) foi espalhada para vários si- páginas amarelas. Mas o jornal mais notório tes, mas não com o mesmo alcance da do filme nesse hall de graça e ironia é o “The Onion”, pornô em 3D. que há 22 anos faz as pessoas rirem nos EsDe fato, o site segue o padrão de portais tados Unidos e depois no mundo. Nelito Ferque veiculam matérias tradicionais. A forma e nandes o elege como meta: a estrutura das notas e matérias são iguais às de um site qualquer de notícias. A linguagem ─ The Onion foi nossa inspiração. Um dia a gensegue a norma culta e não envereda para a ga- te chega lá. ● BABEL

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Era da convergência na mídia educação

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a era da convergência digital, produzir conteúdo com fins educativos nos meios de comunicação exige sensibilidade para apostar no suporte que mais se beneficiará de suas potencialidades tecnológicas. A televisão, que havia se revelado o veículo de maior potencial técnico de propagação de mensagens educativas, fosse em iniciativas governamentais ou sem fins lucrativos, vem perdendo terreno para a Internet. TV Cultura, TV Brasil, TV Paulo Freire, Multirio e Canal Futura são canais brasileiros que construíram sua programação tendo a educação como foco. Muitas delas, agora, se voltam para a Internet, pelas possibilidades que a plataforma oferece à televisão. As redes sociais têm sido o principal meio utilizado para a interação com o público. A idéia de produzir conteúdo educativo nos meios de comunicação é antiga. Roquette Pinto talvez tenha sido o primeiro brasileiro a perceber o potencial educativo dos meios de comunicação de massa. Os responsáveis pelos canais de educação, assim como os de todas as outras emissoras comerciais, começaram a perceber as possibilidades do uso da Internet e das redes sociais, pois essas ferramentas estão servindo para um novo tipo de comunicação, mais imediata e mais personalizada. Leonardo Machado, coordenador de novas mídias do Canal Futura, diz que as possibilidades da convergência digital exigiram da emissora a criação de uma equipe de novas mídias, no ano passado: “Sempre fomos um canal de tevê, produzindo tevê, mas começou a se fazer necessária uma equipe de novas mídias, que cuida das nossas ações nas plataformas digitais”. Na Multirio, produtora da prefeitura com 15 anos de atuação em produção educativa (voltada à formação do professor e à promoção de aulas a distância), alguns programas têm

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Vivian Raffaeli sido adaptados para o ambiente digital. A série “Idéias e Caminhos”, por exemplo, foi um curso ao vivo para professores, feito em link dos estúdios da Multirio para as escolas durante cinco sábados em 2009, e que hoje está sendo adaptado para se tornar um curso a distância no portal da produtora. Outro programa em processo de interação com os meios digitais é o “Por Trás da Cena”, que fala sobre as ferramentas e as técnicas usadas no cinema. “É um programa construído através das impressões que pessoas aleatoriamente selecionadas na rua têm dos filmes”, explica Marinete D’Angelo, consultora de mídia educação da Multirio, responsável pela articulação do conteúdo entre os diferentes meios e pela adaptação de um programa ou série para o ambiente digital. Além desses programas, a Multirio, em seu portal, ainda oferece aos professores textos complementares que serão utilizados em sala de aula. No Futura, Machado criou o “Futuratec”, site que oferece o conteúdo educativo da programação do Canal Futura para que os interessados baixem, gravem em CDs e compartilhem entre si. A idéia, segundo ele, surgiu quando o VHS começou a desaparecer, e as escolas não tinham mais como gravar o conteúdo da TV, já que o gravador de DVD nunca foi muito acessível. ─ A diferença do “Futuratec” é que nós queremos que a televisão continue sendo a ferramenta de uso sócio-educativo da programação. Não que nós acreditemos na televisão acima de tudo, mas porque sabemos que uma televisão e um DVD configuram um equipamento totalmente acessível para a maioria das escolas e instituições do Brasil, explica Machado. O “Futuratec” disponibiliza o conteúdo dos programas em um formato utilizado para gra-


apesar de os jogos serem disponibilizados digitalmente, eles são analógicos, por assim dizer. Os usuários fazem o download de arquivos no formato pdf ─ Entrando no site, o usuário consegue buscar os e depois de imprimir seu conteúdo, devem recortar conteúdos por tema (existe uma sinopse), baixando as cartas, o tabuleiro e todo o resto, para jogar um não um arquivo de vídeo puro e simples e sim um jogo convencional e não digital. formato de arquivo que pode ser levado para o DVD Já o Canal Futura está se preparando para lancom o mínimo de esforço possível. Digitalizamos çar um jogo na rede social mais utilizada do Brasil, nosso conteúdo e o transformamos num formato de o Orkut. O aplicativo é baseado em um jogo de taarquivo de imagem que ele pode gravar direto num buleiro do projeto chamado “Maleta Futura”. Nesse CD e pode tocar num aparelho de DVD. novo aplicativo, o usuário entra em salas temáticas e joga com amigos ou participantes desconhecidos. A mídia descrita por Machado é o VCD, um for- “É um jogo de conhecimento, onde o usuário estará mato que fez bastante sucesso fora do Brasil, mas testando seus conhecimentos”, informa Machado. não aqui. Esse formato foi escolhido por ser menor “Terá um ranking que guiará uma premiação: pree, por isso, mais fácil de baixar. “A partir do momen- tendemos dar um Ipad em algum momento do jogo to em que está gravado no CD, o usuário pode copiar para o 1º lugar”, anuncia. Ainda sem nome, o jogo a mídia inúmeras vezes e levar para a biblioteca da se valerá da comunidade do Futura no Orkut para escola”, comemora. colher sugestões e depois eleger os nomes selecioAlgumas TVs públicas investem em Web TVs com nados. O jogo deverá brigar por espaço na febre de exibição da sua programação on demand, a fim de aplicativos das redes sociais, mas tudo indica que disponibilizá-las ao público que não pode se conec- fará sucesso, graças à possibilidade de ser jogado tar através de aparelhos de televisão. É o caso da em grupo. TV Paulo Freire, uma emissora ligada ao Governo do Paraná, que tem estudantes e professores como púO Twitter é o futuro? blico-alvo. Suas produções são disponibilizadas integralmente em seu site na Internet e qualquer pessoa Todas as empresas de comunicação já percebepode assistir à sua programação na TV Web. ram que o Twitter está pautando as conversas munA TV Brasil também disponibiliza sua programa- do afora. As televisões de mídia educação também ção na Internet através de uma TV Web, mas há foram pelo mesmo caminho e todas têm um perfil grande dificuldade para a visualização do conteúdo, na rede. como travamentos constantes e falta de imagem. Já Esses perfis servem, basicamente, para informar a TV Cultura tem o site IPTV Cultura, onde o inter- sobre a programação, mas acabam tornando-se o nauta encontraria a cobertura de eventos especiais meio mais eficaz de obter uma resposta do públie vídeos do arquivo da TV Cultura. No entanto, esse co sobre os assuntos abordados nos programas. O site não é atualizado desde março. meio mais imediato de checar a repercussão de um As TVs educativas, em grande parte, não utilizam assunto abordado nos programas de TV é lançar no a Internet em todo seu potencial. As TVs Brasil, Fu- Twitter campanhas por meio de hashtags, símbolo # tura, Paulo Freire e Multirio disponibilizam campa- associado ao assunto. nhas, entrevistas, matérias e peças nos seus canais O Canal Futura usa esse tipo de recurso para esno YouTube, mas a quantidade de vídeos ainda é bai- timular a participação do público. A última hashtag xa. O acesso facilitado ao conteúdo educativo ajuda lançada foi #memoriasdacopa que pede que as pesos professores no trabalho com os alunos e a família soas postem situações que marcaram suas vidas na educação dos filhos, mas essa são é o única forma durante as Copas do Mundo de Futebol. Depois da de usar a Internet. participação dos usuários, o Canal Futura faz um apanhado de twittes interessantes e exibe em peças Jogos: Uma possibilidade iniciada durante a programação do canal. Enfim, as possibilidades que a TV pode ter ao ser O universo dos jogos atrai o público jovem e é associada à Internet são inúmeras. Uso de jogos, uma alternativa e um estímulo para quem quer aplicativos e redes sociais como forma de interação aprender sem perceber que está aprendendo, e sem são tendências que devem ser mantidas. Baseandoo sentimento de obrigação. se no exemplo das TVs comerciais, as TVs educatiA Multirio disponibiliza alguns jogos no seu por- vas podem se aperfeiçoar, de forma a que possam tal com temas como Dengue, Bichos do Rio etc. Mas abranger todos os meios de comunicação. ●

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var DVD, comumente chamado de imagem. O coordenador de novas mídias do Canal Futura explica:

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Meio ambiente:

os desafios de comunicar

Dos jargões científicos à falta de interesse do público, não faltam dificuldades quando o que se quer é fazer comunicação ambiental

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Isabella Paschuini

O planeta precisa de nós”, “Condenados?”, “Que mundo nos resta?”. Estes títulos foram publicados nas capas dos suplementos de meio ambiente de três grandes jornais brasileiros, no último dia 5 de junho. Antes de levar a informação, eles levam uma ideologia. Assim costuma se desenvolver a comunicação ambiental: primeiro vem a intenção e a relação quase emocional com a informação. Depois, vem a necessidade de formatá-la para que seja consumida pelo público. É nesse ponto que residem as dificuldades dos profissionais que divulgam notícias sobre o tema. A seguir, entrevistas com quatro comunicadores de diferentes campos de atuação ligados ao meio ambiente – profissionais que sentem na pele os desafios de comunicar.


André Trigueiro so da preservação da natureza? ─ Antes de mais nada, é preciso ressalvar que preservar o meio ambiente é apenas um dos aspectos. Na prática, não há como idealizar a preservação, uma vez que somos sete bilhões de pessoas produzindo e consumindo diariamente, e isso faz parte da vida. A Amazônia não é um santuário: para muitas pessoas, é ganha-pão. A ideia de preservação é por vezes romântica e constitui uma visão equivocada do problema. Na vida, precisamos gerar impactos muitas vezes inevitáveis Do ponto de vista de um jornalista que fala para garantir emprego e renda, produção de sobre meio ambiente a partir da televisão, riqueza. Mas tudo isso deve ser feito obserquais são os principais desafios de comuni- vando-se a conservação possível dos recurcar o tema? sos naturais. A questão é: como extrair mais ─ O principal desafio é o conhecimento. São matéria-prima e produzir mais energia com o temas complexos, que envolvem a necessi- menor impacto possível? Estar vivo significa dade de se ter o domínio, ainda que rudi- retirar do meio ambiente o que será impormentar, de certos conceitos e movimentos tante para você trabalhar, estudar, se alimenque emergem da comunidade científica. É tar, se divertir, enfim, tocar a sua vida. Mas preciso ter discernimento para perceber as como, sem deixar de viver, descobriremos armadilhas da maquiagem verde, do marke- meios de reduzir nossos impactos? E aí entra ting ambiental e do compromisso das em- toda uma discussão relativa à sociedade de presas com o cliente. Precisamos estar mini- consumo, ao estilo de vida e à maneira como mamente bem informados para minimizar a você se comporta num mundo que não tem ocorrência de equívocos. essa visão sistêmica. É jornalista com pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-Rio. Atua como repórter e apresentador do “Jornal das Dez” e editor-chefe de “Cidades e Soluções”, ambos do canal de TV a cabo GloboNews. É ainda autor de livros com temática ambiental e detentor de diversos prêmios de jornalismo especializado na cobertura de meio ambiente.

O que é importante para o trabalho de um jornalista ambiental? ─ Não me considero um jornalista ambiental. Isso é reduzir essa atividade a uma editoria, o que não cabe. Sou um jornalista interessado em sustentabilidade, que é um tema transversal. Reduzir essa percepção à moldura de uma editoria é uma visão míope da realidade. O grande desafio é um novo olhar que devemos lançar sobre a realidade. Há uma crise de percepção. Somos analfabetos ambientais, não conhecemos as leis que regem o Universo. Essa visão fragmentada que vigora entre a maioria das pessoas não permite enxergar o Universo como ele é, como um sistema interligado e interdependente que interage o tempo todo. Não consigo ver o meio ambiente apenas como um verbete, separado do Todo.

A comunicação ambiental deve ter uma função educativa? ─ O jornalista, quando fala de assuntos ambientais, está educando informalmente. Seu objetivo é gerar a notícia, mas se ele está influenciando hábitos, comportamentos e padrões de consumo, não deixa de estar educando, porém sem os recursos didáticos ou pedagógicos.

Você percebe o uso inadequado do termo “sustentabilidade” na comunicação ambiental? ─ Está se usando de forma irresponsável o termo “sustentável”. Isso é uma fraude. É preciso muito cuidado para que essa palavra não seja banalizada. Minha opinião é a de que precisamos ter muito cuidado com campanhas e movimentos que se dizem a favor da sustentabilidade. Esse é um mote publiciEm seu livro Mundo sustentável: abrin- tário que aparece muito em nosso dia a dia. do espaço na mídia para um planeta em O greenwashing [uso de procedimentos de transformação, você dá alguns exemplos de marketing para favorecer a imagem de uma como buscar a sustentabilidade. É papel do organização no aspecto ambiental, sem que jornalismo ambiental não apenas informar, ela promova gestão ecologicamente responmas também educar, ensinar o passo a pas- sável] é um perigo. BABEL

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Luciane Lucas É relações-públicas, analista de mercado e pós-doutora pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. Integra o corpo de instrutores do Uniethos (braço educacional do Instituto Ethos) e coordena o curso Gestão Estratégica para a Sustentabilidade, destinado a altos gestores. É professora adjunta da UERJ e professora-pesquisadora no mestrado da ESPM/SP. O que é marketing ambiental? Qual é a diferença em relação ao conceito de comunicação ambiental? ─ Marketing ambiental não existe. É um termo que não dá conta das demandas que a sociedade tem em relação às organizações. Isso porque ocorre uma distorção no sentido primeiro do “ambiental”, que seria compreendido como tratar as externalidades. Entendido dessa forma, o termo fica restrito a estratégias de comunicação mercadológica que levem em consideração a questão ambiental, quando, na verdade, esse aspecto deveria ser inerente à gestão organizacional. Para o “ambiental” acontecer efetivamente, não pode ser apenas uma palavra que adjetiva o marketing. E o mesmo se dá em relação à comunicação. Precisamos entender comunicação como gestão, não como um conjunto de ferramentas isoladas.

dia. A gestão não pode seguir uma direção e a comunicação, outra. Em segundo lugar, quando os negócios da empresa são questionáveis por si mesmos, com a evidência clara de riscos socioambientais, a organização não deve “fechar suas portas” a seus stakeholders [pessoas ou empresas direta ou indiretamente afetadas pelas ações de uma empresa] e à mídia. Uma política de gestão da contingência por si só já denotaria uma grande percepção de responsabilidade. Além de se precaver para atuar sobre suas externalidades, a empresa deve cultivar uma visão de futuro, com um planejamento estratégico que se traduz no processo de criação de matrizes produtivas mais “limpas” ao longo do tempo, com produtos mais bem desenvolvidos e menos danosos ao meio ambiente. Uma proposta de longo prazo é essencial.

As políticas de gestão ambiental que as empresas adotam constituem bom material para o trabalho de assessoria de imprensa? Como isso deve ser trabalhado junto à imprensa? ─ O que falta na mídia não são matérias sobre meio ambiente – o problema é que o público ainda se encontra distante dessa discussão. A informação ambiental ocupa bastante espaço, o que não ocorre com as narrativas minoritárias, cujas representatividades são usualmente ignoradas. Um O ramo de atuação de algumas empresas exemplo: saem muitas notícias sobre deé, por essência, contrário a um posicio- cisões de governo com relação à gestão namento pró-preservação ambiental. É o pública das florestas. Mas como funciona caso de muitas empresas que exploram isso? As matérias não entram no cerne recursos naturais não-renováveis. Consi- dessas questões. Outro exemplo: matéderando que não dá para mentir sobre os rias sobre novos empreendimentos não danos causados à natureza, quais devem raro simplesmente ignoram aspectos amser os objetivos das ações de comunicação bientais. As políticas de gestão ambiental que essas companhias empreendem? constituem, sim, bom material para tra─ Em primeiro lugar, é preciso desatrelar balhar com a imprensa, porém desde que a comunicação de um sentido puramente não se restrinja ao lugar-comum. O desenoperacional. Ela se faz traduzir em modelo volvimento de tecnologias menos poluende gestão e este dirá por si só que efeti- tes que promovam mais desenvolvimenvamente existe a preocupação ambiental to para a empresa é um exemplo de bom através das posturas e da política adota- material. O maior equívoco por parte das das pela empresa. Há uma necessidade organizações é divulgar ações que não são de entendimento mais amplo no sentido mais que sua obrigação. Pior ainda é quande comunicação: tudo comunica no dia a do o fazem com objetivos mercadológicos.

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Luiz Nadais É relações-públicas e fundador do Blog Mundo Responsável, que leva notícias sobre meio ambiente em formatos atrativos para jovens conectados à Internet. Como surgiu a ideia de criar o blog Mundo Responsável? ─ Na faculdade estudei conceitos sobre imagem corporativa e como ela se aplica na aldeia global em que vivemos. Como parte da imagem corporativa das organizações, uma disciplina (Responsabilidade Social nas Empresas) que estudei me motivou para a criação do blog. Quando falamos de aldeia global, não podemos evitar mencionar as mídias sociais. Assuntos que antes ficavam soltos no ar em uma conversa entre amigos, hoje ficam registrados nos blogs, fóruns etc. São consumidores se manifestando, dando feedbacks do que querem, do que gostam e do que acham errado. Essas manifestações podem ajudar ou prejudicar a imagem corporativa das organizações. Então, as mesmas sempre estarão atentas e se preparando cada vez mais para prestar serviços de qualidade. Juntei, então, as duas coisas: os conceitos de mídias sociais com os de responsabilidade social nas empresas. Antes de criar o blog, fiz um curso de Extensão em Gestão da Comunicação Socioambiental e comecei as primeiras postagens. A ideia do Mundo Responsável é manifestar o que pode ser mudado por empresas e por nós mesmos e motivar o público leitor a ter uma postura W

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mais responsável de uma maneira divertida e saudável. Qual é o principal desafio de quem busca informar sobre o meio ambiente, na sua visão? ─ O desafio é transformar a informação em comunicação. Muitas vezes, me deparo com textos técnicos. Estes textos estão informando alguma coisa muito importante, mas está sendo interpretado por uma minoria. O desafio é usar uma multiplicidade de recursos, como os audiovisuais, para atrair os jovens. Isso demanda tempo e infra-estrutura, mas não é impossível. Como você avalia o interesse do público por esse tipo de informação? ─ Sinto que o público está mais crítico, quer comprar produtos de empresas mais sustentáveis, quer impactar menos. Mas sinto também que muitos ainda não sabem que muitas empresas por aí se fantasiam. Muitas empresas exibem-se como sustentáveis sem sêlo de fato.

HU

BABEL

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Vilmar Berna É editor da Revista do Meio Ambiente e do Portal do Meio Ambiente da Rebia (Rede Brasileira de Informação Ambiental). Participou da fundação de várias organizações da sociedade civil dedicadas à militância ambiental, como a Univerde e a Defensores da Terra. É detentor de títulos e prêmios de reconhecimento, como o Prêmio Global 500 Para o Meio Ambiente e o Prêmio Verde das Américas. Pela sua experiência no trabalho com a cobertura de meio ambiente, quais os principais desafios encontrados para informar sobre esse tema? ─ O desafio é como sobreviver sem recursos diante de uma sociedade que, apesar de precisar de informação ambiental a fim de fazer escolhas melhores entre as diferentes alternativas, não se dispõe, pelo menos ainda, a comprar esta informação. Ao divulgar os problemas do meio ambiente, a mídia naturalmente ameaça privilégios e interesses poderosos e, por isso, corre riscos e sofre com a falta de financiamento, o que obriga os veículos da mídia ambiental a manter baixas tiragens. Se somarmos todas as tiragens dos veículos impressos especializados em meio ambiente, e acrescentarmos os acessos aos sites e portais de meio ambiente, ainda estaremos longe de alcançar uns 5% da população brasileira. Então, sem perder nossa independência crítica, o desafio é conseguir recursos para o financiamento da informação ambiental e, assim, assegurar a continuidade dos atuais veículos e a ampliação das tiragens, a fim de atender a segmentos cada vez maiores da opinião pública brasileira.

porque a democratização da informação sobre o meio ambiente é – ou deveria ser – do interesse público, já que a Lei Federal da Educação Ambiental, em seu artigo 5º, inclui a garantia da democratização das informações sobre o meio ambiente entre os objetivos fundamentais da educação ambiental (Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999, art. 5º, inciso II). Além disso, tratase de uma medida de justiça com a mídia dessa área de fundamental importância, já que o governo federal – e, por sucessão, governos estaduais e municipais – já financia a informação não-ambiental através das verbas de publicidade destinadas aos veículos da chamada grande mídia.

Como anda o interesse do público leitor por esse tipo de informação? ─ A conscientização do brasileiro em relação ao meio ambiente aumentou 30% nos últimos 15 anos, segundo pesquisa MMA/ Iser 2005, o que nos dá motivos para ter esperanças, pois isso tem motivado mudanças concretas. Ao mesmo tempo em que se registrou um aumento no interesse do público, também se afirmou a importância estratégica da democratização da informação ambiental para o exercício pleno da cidadania crítica e participava, pois quando as pessoas, o povo, ou as organizações não dispõem de informação de qualidade, têm comprometida a capacidade de fazer escolhas entre as diferentes alternativas e caminhos. Outra pesquisa, realizada em 2007 pelo IBOPE, com homens e mulheres nas principais capitais brasileiras constatou que 92% dos cidadãos do universo pesquisado concordam que separar lixo para a reciclagem é uma obrigação da sociedade, Como, então, buscar soluções de finan- o que demonstra um alto grau de consciamento da informação sobre meio ciência ambiental. Entretanto, ao serem ambiente? questionados se separavam o lixo em suas ─ Uma alternativa possível para o financia- residências, apenas 30% dos entrevistados mento da mídia ambiental seriam as verbas disseram que sim, revelando a enorme públicas, no mínimo para bancar os custos distância que existe entre a intenção e o de produção editorial e gráfica e de posta- gesto. Vencer essa distância é o desafio de gem. Não se trata de uma idéia infundada, todos nós por um mundo melhor. ●

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CBV

Esportes olímpicos em busca de

es Fábio Klotz

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o país do futebol, esportes olímpicos como atletismo, basquete, natação, vôlei e ginástica vivem em busca de um espaço na mídia. Monopolizado semanalmente pelos campeonatos nacionais e regionais e eventualmente por disputas internacionais de futebol, como a Copa do Mundo recém-encerrada, o noticiário esportivo brasileiro dedica pouco ou nenhum espaço aos demais esportes. Aos atletas, não basta treinar duro, disputar torneios e ganhar medalhas – é preciso emplacar uma cobertura da imprensa. Nessa modalidade, que exige malabarismo e muita criatividade, quem faz ponto é a assessoria de imprensa, importante aliada dos esportes olímpicos. Já no aquecimento para as Olimpíadas de 2016, sediada no Rio de Janeiro, assessores de imprensa de atletas olímpicos ou de entidades esportivas têm muito trabalho pela frente. Enviar releases para os veículos de comunicação com informações sobre atletas, competições e eventos esportivos é tarefa diária para as assessorias. No entanto, para romper a resistência da mídia contra os esportes olímpicos e “cavar” notícia para modalidades com poucos adeptos e pouco público, assessores de imprensa têm que acompanhar de perto o atleta em seus treinos e torneios e conhecer a fundo os meandros do esporte. Deve fazer no dia a dia aquilo que a mídia só faz em competições de grande porte. Segundo Rafael Ximenes, que trabalha para Marca Assessoria, empresa especializada em assessoria, o profissional de imprensa dos esportes olímpicos

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tem de ter fôlego de fundista para desempenhar o seu papel com êxito: ─ O assessor de imprensa participa da cobertura dos treinos e, muitas vezes, acompanha os clientes nas competições para ter as informações o mais rapidamente possível, distribuir para as mídias, organizar entrevistas coletivas, liberar entrevistas exclusivas e auxiliar os clientes nas respostas aos veículos de comunicação. Para ajudar os esportes olímpicos, algumas confederações investem nas melhorias das modalidades. No vôlei, por exemplo, muitos campeões olímpicos e destaques da Seleção jogam a Superliga, principal competição nacional. A Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) estimula clubes na tentativa de repatriar craques como Giba, Gustavo e tantos outros, assim como Sheilla, Fofão e Mari. O Novo Basquete Brasil (NBB) também é uma tentativa de organizar e melhorar o esporte no país. As confederações se movimentam na medida do possível em busca de mais espaço, porém, segundo avaliação do repórter de LANCE!, ainda há muito o que fazer para que os esportes olímpicos tenham mais força nos veículos de comunicação. ─ A mídia só vai realmente voltar a atenção para esses esportes quando eles passarem a dar retorno financeiro. A Superliga e o NBB só vão entrar para valer na televisão aberta se os patrocínios forem suficientes BABEL

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para justificar que uma emissora abra mão daquele espaço na programação para transmitir uma partida. Recentemente, a Band passou a exibir jogos da Superliga, o que já foi um bom primeiro passo. Mas ainda há muito para ser conquistado. O efeito Rio-2016 O fato de o Rio de Janeiro sediar a Olimpíada de 2016 traz novas expectativas para o trabalho da imprensa e das assessorias. A demanda dos esportes olímpicos é maior desde já e a tendência é a de que aumente ainda mais. Segundo Ximenes, o momento é de aproveitar a ocasião e ajudar no desenvolvimento das modalidades: “Os assessores precisam aproveitar esse gancho e garantir que os espaços cedidos sejam preenchidos com informação interessante e de qualidade”. Desde a escolha do Comitê Olímpico Internacional (COI), em outubro de 2009, a mídia vem dedicando mais atenção aos esportes olímpicos. A procura por novos ídolos e revelações que venham a representar o Brasil na Olimpíada já mobiliza a imprensa, que conta com a ajuda das assessorias para descobrir os talentos e revelá-los para o público. ─ As assessorias de imprensa aumentaram o trabalho no que diz respeito ao conteúdo de esportes olímpicos. Muitos atletas jovens e potenciais campeões em 2016 são alvo de matérias dos veículos de imprensa e já existem empresas que buscam patrocinar algumas dessas promessas e ganhar um espaço na mídia. As confederações esportivas e os clubes também aumentaram a preocupação com essa área, ressalta Guilherme. Os Jogos Olímpicos são encarados por muitos como o pontapé inicial para o crescimento dos esportes olímpicos. A natural visibilidade pode fazer com que a população, sobretudo as crianças, passe a procurar e a praticar modalidades como basquete, vôlei, atletismo, entre outras. Outra forma de alavancar os esportes olímpicos é promover a criação e a divulgação

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da imagem de ídolos. A receita de Guilherme se baseia na história recente do esporte no país: ─ Futuros campeões precisam ser construídos, um esporte precisa de ídolos. O tênis praticamente não existia para o país antes do Guga. Agora, mesmo sem ter um tenista entre os maiores do mundo, ainda é uma modalidade bem vista pelos brasileiros. A Olimpíada é um bom incentivo. Mesmo tendo a Olimpíada como horizonte de estímulo à prática de esportes menos conhecidos e mesmo num cenário de novos ídolos, haveria a possibilidade de os esportes olímpicos competirem com o futebol? Para Guilherme, a tarefa é complicada, sobretudo pelo histórico cultural e pela tradição no país. ─ Modalidades coletivas, como o vôlei e o basquete, até podem ter uma presença maior, mas ultrapassar o futebol é muito difícil. O Brasil é o país do futebol e isso não vai mudar. Um evento como os Jogos Olímpicos de 2016 pode fazer com que alguns esportes olímpicos ganhem visibilidade e passem a despertar maior atenção. Acredito que essas modalidades, antes de tentarem competir com o futebol, devem é conseguir um espaço na mídia. Um passo de cada vez. E o primeiro pode ser o mais complicado. A concorrência pode até ser desleal, mas a favor dos esportes olímpicos está a especificação de um público-alvo definido, aquele que quer e procura por informações relacionadas às suas modalidades preferidas. Essa é a aposta de Ximenes “contra” o monopólio do futebol: ─ Os esportes olímpicos não têm o mesmo espaço na mídia talvez por uma questão cultural, já que o futebol é supervalorizado no Brasil. Para ter mais destaque, os assessores de imprensa devem sugerir matérias diferentes, algo fora do comum, que fuja do cotidiano. Apesar de o futebol ser a paixão nacional, muitos leitores e telespectadores têm interesse em outros esportes, completa. ●

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Driblando a marcação da mídia com as redes sociais Atletas e dirigentes usam novas ferramentas para despistar a imprensa e conquistar a simpatia da galera

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a noite de 21 de julho de 2009, jornalistas esportivos de todo país tentavam desvendar, em vão, o final da maior novela do futebol por aqueles dias: quem seria o novo técnico do Palmeiras, líder do Brasileirão àquela altura? Não adiantou procurar as fontes de sempre, fossem funcionários do clube, membros da diretoria, conselheiros e nem mesmo pais-de-santo. Duas semanas antes, o presidente do Palmeiras, Luis Gonzaga Belluzzo, já havia desenganado os repórteres. Através de seu Twitter (@Belluzzo_p), sentenciou: “o anúncio do #técnico – seja quem for – vai sair primeiro aqui no twitter”. Restou aos interessados – fossem eles membros da imprensa ou torcedores – atualizar freneticamente a página da rede social. Como prometido, o anúncio tão aguardado veio em 140 caracteres precisamente às 10h14 da noite: “TORCIDA PALMEIRENSE: O novo técnico da Sociedade Esportiva Palmeiras é Muricy Ramalho. Leiam mais no nosso site oficial. Abraços”. Pode-se discutir se a iniciativa do Palmeiras foi uma tentativa de se apro-

ximar dos torcedores ou um estratagema de seu presidente reconhecidamente falastrão para centralizar em sua figura o mérito da contratação ousada, o famoso “jogar pra torcida”, na linguagem do boleiro. Entretanto, uma nova tendência – presente em todo o mundo – foi apresentada ao público brasileiro. Cada dia mais, os atores do esporte – sejam eles jogadores, treinadores ou dirigentes – utilizam-se das mídias sociais para que eles mesmos levem as notícias até o torcedor. O fenômeno não está limitado ao Brasil e muito menos ao esporte bretão. Na NBA, a liga de basquete americana, o uso do Twitter e de outras redes sociais foi restringido em setembro, de 2009. No comunicado oficial, a direção da Liga determina que “durante os jogos é proibido o uso de celulares e qualquer outro dispositivo de comunicação, bem como o acesso a sites de relacionamento, o que inclui o Twitter e o Facebook”. A medida passa a valer 45 minutos antes do começo dos jogos e se estende até o fim das entrevistas coletivas que ocorrem depois das partidas. Um dos jogadores mais “tuiteiros” dos Estados

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Igor Mello

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Unidos, o pivô Shaquille O’Neal foi um dos mais prejudicados com a determinação. Ele chegou a usar a página de relacionamentos durante as partidas e criou algumas polêmicas devido à sua já conhecida língua afiada. Nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, o Comitê Olímpico Internacional (COI) proibiu que os atletas veiculassem imagens do evento em fotologs ou perfis em redes sociais. A regra valia desde o momento em que os esportistas fossem confirmados na delegação de seus países até o fim do evento. Enquanto alguns limitam, outros estimulam a atuação de atletas nas redes sociais. Na Fórmula 1, em que pese a ausência de regras formais de conduta na rede, grande parte dos pilotos tem contas no Twitter. Entre os brasileiros, apenas Felipe Massa não se interessa por esse tipo de comunicação. O estreante Lucas di Grassi (@LucasdiGrassi) salvou a pátria dos jornalistas de todo mundo que tentavam acompanhar o lançamento do carro de sua equipe, a Virgin Racing. O bilionário inglês Richard Branson, dono da equipe, decidiu fazer o lançamento apenas pelo site da escuderia. Contudo, a transmissão falhou e di Grassi divulgou com exclusividade as primeiras fotos do carro, recebendo os créditos nos principais veículos especializados do planeta. O jornalista Tiago Pereira, ex-repórter de “LANCE!” e subeditor do jornal “Vencer”, já utilizou várias vezes as redes sociais como ferramenta de apuração. Para citar exemplos recentes, a contratação de Zico como dirigente do Flamengo e a de Wanderley Luxemburgo como técnico do Atlético Mineiro foram apuradas via Twitter. Pereira não vê problemas no uso desse recurso: ─ Acho que é válido. É uma nova ferramenta, a tendência é que cada vez mais tudo caminhe para o online mesmo. Isso só prejudica as assessorias de imprensa, já que agora os atletas e dirigentes falam diretamente com os jornalistas e o público. Proibido ou estimulado, o fato é que os especialistas em comunicação esportiva não podem mais ignorar a importância desse fenômeno para a dinâmica da mídia. Embora ainda não substituam as fontes convencio-

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nais de notícias, as redes sociais já começam a preencher eventuais lacunas de informações. O último caso ocorreu durante a preparação do Brasil para a Copa do Mundo da África do Sul. Depois que o goleiro Julio Cesar se contundiu no amistoso contra o Zimbábue, as equipes de televisão não conseguiram contato com seus correspondentes no distante país africano. A única pessoa a fornecer alguma informação sobre o estado de saúde do jogador foi sua esposa, a atriz Susana Werner. Também “tuiteira”, a companheira do atleta tratou de acalmar os torcedores: “fiquem tranquilos, ele está bem! Não foi nada de grave! Eu não posso diagnosticar, pois nao sou médica, mas ele está bem sim. Ele me ligou e disse” (transcrição literal de seu tweet). No entanto, vale questionar se o depoimento de Susana Werner teve realmente alguma relevância do ponto de vista jornalístico ou foi amplamente repercutido apenas por se tratar de uma pessoa famosa. A mulher de um atleta, a um continente de distância, seria realmente uma fonte para esse tipo de questão médica? A resposta parece ser um retumbante não, já que o goleiro da Seleção Brasileira passou mais de uma semana tratando a contusão. A tarefa de todo bom jornalista com o advento das redes sociais não mudou substancialmente. Continua sendo necessário manter um intenso trabalho de apuração, checar cada afirmação das fontes e saber separar o que é opinião do que é informação relevante. No esporte, como em qualquer outra área do jornalismo, há uma enorme quantidade de depoimentos sem importância. Cabe ao profissional de comunicação separar o joio do trigo. ●

BABEL FLIKR B SENNA


RAFAEL HORA

Pedro Staite

a pura ação no jornalismo

. salvador

Hermógenes, o

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ara preservar algumas pessoas e instituições, vou usar alguns nomes falsos. É que não quero falar mal de lugares em que já estive, afinal, “o mundo profissional roda”, diz minha ex-chefe, dona de uma simpatia mastodôntica, em tom de advertência, no meu último dia por lá. Estava na produção da TV Rancho Maroto quando minha coordenadora de pauta, essa sim um amor de pessoa, me passou a carta de um leitor do suplemento Zona Sul, do Globo. A carta dizia que na rua Pedro Américo, no Catete, uma galera “dimenor” se encontrava para fumar e comercializar crack e outras drogas. Na secura do vício, eles furtavam coisas ou assaltavam transeuntes só para conseguir comprar a pedra maldita. Aí ela me disse: “Pedro, arranja uma casa nessa rua, com uma janela bem em frente ao bando, para fazermos imagens de madrugada e flagrarmos o consumo de crack”. É impressionante como se pedem coisas estranhas às pessoas. Qual ser humano abriria a casa para uma equipe de tevê filmar gente usando crack? E o pior, de madrugada?

Pois bem, esse era meu desafio tremendo. Eu quis perguntar a ela “quer também um anão maneta andando de monociclo? Eu consigo!”, mas preferi tentar antes de reclamar. Liguei para a presidente da associação de moradores do Catete e, embora ela tenha concordado que a situação na Pedro Américo era complicada, nada poderia fazer por mim. Comecei a ligar para moradores avulsos da rua perguntando com toda a calma do mundo se a parada fervia mesmo na vizinhança. Todos falavam que era, de fato, uma desgraça, mas ninguém quis abrir suas portas para a nossa equipe. Foi quando liguei para um dos restantes da lista: o Hermógenes (esse nome é real, apesar de parecer falso), meu salvador. Ele falou que tinha uma amiga que morava em frente ao foco dos fumantes e se comprometeu a me ajudar. Disse que eu tinha que ter um pouco de calma, que a produção poderia durar alguns dias e que, se quisesse uma coisa bem feita, deveria ser paciente... Eu ri por dentro, suei por fora e me imaginei contando para a minha chefe os caprichos da minha fonte excêntrica. HUMOR/BABEL

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Qual ser humano abriria a casa para uma equipe de TV filmar gente usando crack? E o pior, de madrugada? Pois bem, esse era meu desafio tremendo.

No dia seguinte, minha coordenadora me disse que o Jornal O Dia iria alugar um apartamento naquela rua para poder fazer imagens também, e que eu tinha que conseguir convencer o Hermógenes a me ajudar logo. Quando o desespero bateu, peguei o carro da Rancho Maroto e fui para o Catete com o motorista. Entrei no carro que nem os policiais americanos ─ escorregando no capô, com a arma no coldre e a rosquinha na mão... Mentira, andei até ele e entrei pela porta, só isso. Fui até o Catete para convencer um síndico qualquer a deixar nossa equipe entrar em seu prédio. Quando estava chegando, Hermógenes ligou para o meu celular para me dar o status de sua operação. Nesse momento, quase me desarranjei de nervoso, mas tinha que manter o pulso firme. Ele me disse que havia conseguido uma visão “maravilhosa” do lugar, que seria um espetáculo a matéria. Pensei: “esse cara usa crack, estou ficando com medo...” Quando pedi para o motorista retornar à Band, digo, TV Rancho Maroto (droga, o backspace está tão longe...), Hermógenes, até então benevolência e arrojo puros, me impôs uma condição. ─ Olha Pedro, eu te ajudei, arranjei a casa da minha amiga, mas isso tem um preço. Eu vou querer seis cervejas. ─ Mas como!? Eu não sei se posso comprar cerveja para vocês! ─ Trato é trato... São só seis cervejinhas, pelo amor de Deus. ─ Err... Eu vou falar com a minha chefe, mas eu não garanto. ─ Sem cerveja, não tem casa. Fala com a sua chefe. Como eu vou pedir para a minha chefe, autora de centenas de broncas homéricas, seis cervejas para o cara da matéria? Nesse instante tive certeza de que ele fumava crack, fazia parte do cartel colombiano no Brasil e que iria estuprar a equipe na madrugada.

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Minha coordenadora foi falar com a chefe. Com todo cuidado do mundo, praticamente tecendo um suéter de ursinho com as palavras, pediu as tais cervejas. Nesse momento, um trovão ecoa na sala: ─ A EQUIPE VAI COMPRAR CERVEJA COISA NENHUMA!!!! ─ ... ─ Dá 20 reais para ele e olhe lá! Depois que a chefe liberou o cascalho, coisa inimaginável, liguei para o Hermógenes dizendo que a breja estava garantida: ─ Olha, Hermógenes, a gente não vai poder comprar a cerveja, porque a equipe não pode entrar no bar, vai ficar estranho. Mas a gente está levando 20 reais, beleza? Aí você compra! ─ Pedro, eu estava de sacanagem contigo. Você tem que ser mais safo. Vem um cara pedir cerveja e você aceita pagar? Eu, o estagiário que deveria bancar o jornalista esperto, caindo numa espécie de pegadinha do Mallandro do Catete... Que constrangedor. O bom é que Hermógenes, apesar de não tê-lo conhecido pessoalmente, não era fumante de crack. Era uma pessoa realmente disposta a ajudar, pois arranjou uma casa com uma grande visão do grupo de drogados. O mais impressionante na matéria é que nessa rua tem uma Delegacia, a 9ªDP. O pessoal de lá afirma que quem deve patrulhar as ruas é a PM. Nas quatro horas em que ficamos filmando, nem uma patrulhazinha apareceu por lá. Bem, no dia seguinte a PM se comprometeu a reforçar o policiamento. A matéria abriu a edição nacional da TV Rancho Maroto e eu ganhei um “parabéns” da equipe toda (menos da chefe, pois pacto com demônio não prevê elogio aos mais fracos). E eu posso dizer sem falsa modéstia: a culpa foi toda do Hermógenes. ●


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Rádio e TV digitais: preparando o mercado para interagir Pedro Paulo S. Filho

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oi-se o tempo em que a Internet era a dor de cabeça do jornalista. Com as novas ferramentas lançadas diariamente pela indústria da tecnologia, são tantos os recursos disponíveis que o estudante de Comunicação não sabe o que vai encontrar no mercado de trabalho quando se formar. Para tentar acompanhar o avanço da web, rádio e televisão buscam adaptar-se oferecendo novos gadgets, melhora nas qualidades de transmissão e recepção, e contato direto entre produtor de conteúdo e audiência. Atirando no escuro, lado a lado, estão os radiodifusores, que vivem a era do desconhecido, e os estudantes, que tentam aprender o que nem seus patrões sabem ao certo. Apoiado em tecnologias que se renovam com velocidade imprevisível, o mercado da Comunicação inquieta até os mais bem preparados. Do outro lado da linha, o receptor está cada vez mais exigente, informado e participativo. Três anos depois do início da transmissão da TV Digital no Brasil, a tecnologia se desenvolve a passos lentos, abalada pela falta de interesse da população e pela crise mundial de 2008-2009, que diminuiu o orçamento das emissoras. Muitas cidades ainda não possuem uma cobertura plena e, em outras, sequer houve a mudança de equipamentos para a transição digital. O software para Interatividade, o Ginga, prometido desde 2007, só foi comercializado a partir de junho de 2010. No caso das rádios, o Governo ainda não decidiu qual sistema adotar. Além da Interatividade, outros recursos foram prometidos para TV e rádio digitais. Dentre as inovações da tevê estão menus com informações sobre trânsito, previsão de tempo e notícias minuto a minuto. A previsão é a de que tais recursos poderão ser acessados através do controle remoto e uma conexão entre o televisor e a Internet. No caso do rádio digital, as maiores vantagens serão melhoria da qualidade do som (rádio AM com qualidade de FM e rádio FM com qualidade de CD) e em mais opções

para o ouvinte, como letreiros digitais com informações adicionais contendo notícias e previsão do tempo. Sem Internet, o espectador terá acesso às notícias, mas não poderá opinar. Toda tecnologia estaria voltada para a inclusão digital, bandeira comumente levantada pelo ex-Ministro das Comunicações, Hélio Costa, enquanto esteve no cargo. De acordo com Regis Alvim Junot, professor de Comunicação da Universidade Santa Cecília (SP) e especialista em produção para TV Digital, as novas ferramentas disponíveis têm força para promover a inclusão social no país, mas com ressalvas: “Isso depende de um processo de ‘alfabetização digital’ da população e de fatores complexos, como legislação, políticas governamentais e modelos de negócios sustentáveis para todo o ecossistema (emissoras, produtoras, agências de publicidade, anunciantes etc)”. Junot defende, também, que os cursos de Comunicação, Ciências da Computação e Marketing precisam ser menos teóricos e mais práticos, firmando mais parcerias com as empresas dos respectivos setores e fazendo com que os alunos vivenciem mais a realidade do mercado de trabalho. Só assim, segundo ele, as ferramentas serão eficientemente utilizadas. Em meio a alvoroço tecnológico e indefinição de produtos está o estudante de Comunicação, que busca o conhecimento técnico como diferencial na corrida por uma vaga no mercado. Para Carlos Oliveira, estudante de Jornalismo da Uerj, saber lidar com programas de edição é importante na busca pelo estágio: ─ Muitas empresas exigem do candidato a estágio que ele saiba lidar com Adobe Première, Final Cut, Vegas... Isso a faculdade não oferece, porque enquanto aqui a gente é formado ideologicamente, lá eles querem, além do profissional crítico, um técnico. Infelizmente, a gente tem que se cercar de todas BABEL

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as maneiras para alcançar o objetivo que é entrar e permanecer no mercado de trabalho. Para Luis Artur Ferraretto, professor de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul e coordenador do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom, a instrumentalização do aluno como principal objetivo da faculdade é um erro: “Eu me preocupo muito quando uma geração pensa que o mercado dita as regras dela e que a universidade deve formar um sujeito que se encaixe facilmente num grande jornal ou numa grande emissora de televisão”. Na opinião de Ferraretto, não haveria necessidade de a universidade existir se o ensino fosse predominantemente técnico. A mesma opinião é compartilhada com Evaldo Dell’Omo, chefe de redação da TV Cultura de São Paulo. Ele vê o valor do entendimento tecnológico, mas classifica o conhecimento geral como o mais importante para a concorrência: ─ A maioria das escolas não dá isso para o estudante, seja em Artes, História, Sociologia... Aí o profissional tem que entender que o conhecimento depende de aprendizado permanente. É durante toda a vida que você vai adquirindo.

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Dell’Omo comenta, ainda, que a Internet é um grande campo de conhecimento, geral e técnico, onde o estudante tem contato direto com a democratização da informação e com a multiplicidade de opiniões. Para ele, o online é uma nova escola que já oferece lições de interação para o rádio e para a TV. Com a implantação da plataforma digital, o receptor vai poder interagir com o que é emitido. A analogia com o termo Web 2.0 não é mera coincidência: cada vez mais, os usuários poderão participar da produção e da repercussão de determinado assunto, através dos menus interativos nas telas da TV, celular ou displays de rádios. No jornalismo, a participação do público poderá ajudar na apuração das matérias e, ao mesmo tempo, fornecer uma linha direta entre emissor e audiência. Segundo Nelson Hoineff, presidente do Instituto de Estudo de Televisão (IETV), toda comunicação caminha para aplicações interativas: ─ Haverá um momento em que vai ser muito difícil pensar numa mídia que não seja interativa. A Internet já mostra a importância dessas ferramentas para informação. Hoje é muito difícil a gente imaginar informação sem os mecanismos de busca, por exemplo, e as respostas de usuários. Nelson comenta ainda que a fase de um ponto difundindo informação unilateralmente está superada. A geração de conteúdo pelo próprio usuário não é

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apenas uma característica da Internet, mas histórica de todos os meios de comunicação. Para o jornalista Dell’Omo, a TV ainda não sabe lidar com os meios digitais no Brasil, nem mesmo com a Internet. Segundo ele, a web virou uma concorrente da TV, onde as pessoas podem assistir o que perderam, ficar bem informadas de maneira rápida e ainda participar, algo que enriquece o meio: ─ A Internet mudou muito a forma de apuração, isso porque você tem mais fontes. Participação é fundamental. A Internet agora pauta a informação e a TV tem muito que aprender com a web nessa fase de adaptação. Enquanto na TV a busca pela alta definição de som e imagem e a interatividade já dão seus primeiros sinais de vida, no rádio a digitalização caminha a passos de tartaruga. Antes de deixar a pasta de Ministro das Comunicações e depois de promover testes com os sistemas europeu e americano, Hélio Costa baixou, em maio, uma portaria para criação de um sistema próprio de rádio digital. Segundo especialistas, o problema é que nenhum dos sistemas em teste atende aos parâmetros estipulados pela norma. Com isso, para não gastarem desnecessariamente, as rádios estão atrasando a reforma do parque de transmissão e, com isso, deixando de testar as funcionalidades do sistema. Para o jornalista Ruy Jobim, diretor da Escola de Rádio, não importa se o sistema será o X ou o Y, mas sim o conteúdo. Ele afirma que o jornalista tem que estar ciente da importância de seu trabalho para que a rádio busque seu lugar na audiência, cada vez mais segmentada. ─ Não tenha dúvida de que o profissional da Comunicação tem uma boa ferramenta em mãos, mas tem que saber usá-la. De nada adianta melhorar a transmissão se não houver conteúdo. Segundo estimativas da Associação das Emissoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo, toda a malha de receptores de rádio será atualizada para o formato digital em dez anos. Ou seja, durante este período ocorrerá o simulcasting para que todas as pessoas possam ter condições de adquirir um aparelho de rádio digital. O mesmo acontece com a TV, que terá sinal híbrido até 2016. Depois de vários testes, o Brasil optou por utilizar a base tecnológica japonesa e criar a interface de interatividade nacionalmente. Nascia, assim, o ISDB-Tb (International System for Digital Broadcast, Terrestrial Brazilian version). A promessa é a de que, até 2013, todas as cidades brasileiras estejam cobertas pelo sinal de TV digital. ●


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Um ano sem diploma de jornalismo. O que mudou?

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Daniela Martins

o dia 17 de junho de 2009, o exercício da profissão jornalista sofria uma mudança. Era mais uma das que entravam no rol das “sem diploma”, assim como publicidade, cinema e culinária. Havia ficado decidido pelo Supremo Tribunal Federal, por oito votos a um, que a exigência do diploma era um atentado à liberdade de expressão e que isso não poderia mais existir em um país democrático como o Brasil. Longe de passar despercebida, a decisão gerou opiniões bastante diversas na época. De um lado, os que julgavam ser um absurdo não exigir diploma de uma profissão que requer capacidade técnica como qualquer outra. De outro, os que acreditavam que impedir o exercício da profissão a um não portador de diploma era um crime contra a liberdade. Representantes de ambos os lados deba-

teram, gritaram e reivindicaram seus pontos de vistas. Uma dúvida, no entanto, permanecia no ar: será que a lei modificaria alguma coisa de fato? Um ano se passou sem que a notícia voltasse a causar grandes repercussões na mídia. Fora os apelos intermináveis da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) pela volta do diploma e algumas notas sobre tentativas de restabelecimento da obrigatoriedade, pouco se fala e se comenta a respeito do assunto. O motivo é praticamente óbvio. Mesmo com a decisão, muito pouca coisa mudou, tanto para as empresas quanto para a mentalidade da população. O jornalista formado continua sendo visto como a pessoa mais capacitada para exercer a função. Ao contrário do que se imaginava, grande parte das empresas privadas de comunicação não se entusiasmou com a possibilidade de contraBABEL

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tar pessoas sem diploma de jornalista para atuar como tal. As vagas destinadas a jornalistas, em sua maioria, continuam sendo ocupadas por pessoas que completaram o respectivo curso universitário. De acordo com Zallo Commuci, gerente executivo da rádio CBN, o processo seletivo para as vagas de jornalistas na empresa continua exigindo diploma. A atitude, comum nos meios de comunicação, é resultado de uma tradição que vem dando certo nas redações. As empresas não veem necessidade de contratar profissionais de outras formações quando o cargo exige técnicas e conhecimentos que o estudante de jornalismo adquire na faculdade. Opinião semelhante possui Xico Vargas, diretor de jornalismo da Band Rio. Quando questionado a respeito do número de contratados para o cargo com diploma de jornalista, Xico foi claro e objetivo: ─ A rigor, não há outra categoria profissional trabalhando no jornalismo da Band no Rio de Janeiro. E não foi apenas em empresas privadas que a lei provocou pouco efeito. Por certo tempo questionou-se como os órgãos públicos fariam valer a determinação em seus concursos. A resposta veio em fevereiro desse ano. Em concurso para uma vaga de jornalista na Universidade Federal do Paraná, um candidato não apresentou o diploma e acabou sendo barrado pela instituição, mesmo tendo passado em primeiro lugar. Diante da Justiça, foi estabelecido que a universidade possuía esse direito, e que ficava a cargo de cada órgão estabelecer no edital se exigiria ou não a formação em curso de Jornalismo. Poucas são as empresas públicas que hoje realizam concursos sem essa exigência. De acordo com Juliana Dargains, assessora de imprensa do Detran-RJ, para se trabalhar em uma vaga relacionada a jornalismo é preciso, no mínimo, um comprovante de curso completo em Comunicação Social: ─ É muito frequente que pessoas de pu-

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blicidade e outras habilitações de Comunicação entrem e exerçam funções típicas de jornalistas, mas isso nunca aconteceria para alguém com diploma de Economia ou Administração. Apesar de as coisas terem mudado pouco no mercado de trabalho, o receio dos jovens estudantes em fazer o curso de jornalismo aumentou após a decisão. É o que mostram os números das relações cadidato-vaga de duas das principais universidades públicas do Rio. Em relação ao vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de 2009 para 2010 o número de candidatos por vaga caiu de 21,56 para 18,54. Na Universidade Federal Fluminense, essa diferença ficou ainda maior: de 27,55 para 19,50. Tais quedas podem ser explicadas de forma bem simples. Na ausência da obrigatoriedade do diploma, os estudantes se sentem mais seguros investindo na formação em outros cursos, o que, segundo a lei, não diminui a possibilidade de regulamentação como jornalista, se for o caso. Para tranquilizar os demais estudantes interessados na profissão, hoje, já é possível dizer que a não obrigatoriedade do diploma pode estar com seus dias contados. Recentemente, uma comissão foi formada na Câmara dos Deputados para reavaliar a decisão tomada em 2009. O projeto, que propõe uma emenda constitucional, já foi aprovado e tem como objetivo restabelecer a exigência do diploma e normalizar a situação até 2011. Para isso, o texto ainda precisa ser votado pelo plenário e, depois, seguir para o Senado. De acordo com José Carlos Torves, jornalista e diretor da FENAJ, a aprovação da emenda seria o prêmio de uma luta que já dura um ano: ─ Vivemos um momento muito triste do jornalismo brasileiro, mas não temos dúvida de que voltaremos em breve a ter a profissão reconhecida como merece e contribuindo para a democratização do país, com a importância que sempre tivemos. ●


CRIATIVA PAPEL ARTE

O caminho desorientado da prática jornalística Diego Zerbato

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Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3), apresentado pelo Governo Federal no fim de 2009, provocou uma reação enérgica dos principais meios de comunicação. Matérias e editoriais em jornais e televisão mostravam certo repúdio à Diretriz 22, entre outros artigos, por orientar a comunicação com a política de direitos humanos. O rechaço era ainda mais forte pela criação de um ranking de veículos comprometidos com os direitos humanos, estabelecendo sanções em caso de violação desses princípios. Para além dessas reações, a apresentação do PNDH-3 acabou reabrindo uma discussão sobre a necessidade de mecanismos reguladores da atividade jornalística, uma questão que já vinha latente desde o fim da Lei de Imprensa, revogada em abril de 2009. Revolta dos meios Em 12 de maio último, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgou o decreto

7177, que alterou alguns artigos do PNDH-3, dentre eles a Diretriz 22. Foi modificado o artigo que previa a suspensão e a cassação de meios que não cumprissem a política de direitos humanos e excluído o inciso que determinava a criação de uma lista de violadores destas orientações. A pressão da chamada Grande Imprensa foi determinante para a queda dos dispositivos considerados polêmicos do programa. Na época do lançamento e da discussão do documento, as principais publicações do país saíram com notas incisivas contra o decreto, que é um aprofundamento dos dois planos que foram lançados no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. No PNDH-2, publicado em 2002, o artigo 100 já previa a sanção de meios de comunicação que não cumprissem os princípios de direitos humanos, aplicando “medidas legais pertinentes”. O texto inicial do PNDH-3 especificou as punições como “advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas”. BABEL

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O Pomo da Discórdia PNDH-2 (2002) Art: 100 - Promover o mapeamento dos programas radiofônicos e televisivos que estimulem a apologia do crime, a violência, a tortura, o racismo e outras formas de discriminação, a ação de grupos de extermínio e a pena de morte, com vistas a identificar responsáveis e a adotar as medidas legais pertinentes. PNDH-3 (2009) Diretriz 22 - Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas. A alteração feita neste ano foi suficiente para despertar a ira das empresas de comunicação. O Grupo Bandeirantes, através de editorial no Jornal da Band, afirmou que o PNDH é uma medida que “tem, por objetivo claro, intimidar, controlar, amordaçar o direito de expressão”, além de acusar o governo Lula de ter “uma hostilidade marcadamente ideológica contra os alicerces de uma sociedade aberta”. Em tom mais exaltado, o articulista Arnaldo Jabor, no Jornal da Globo, noticiário do canal de TV homônimo, classificou o programa como uma tentativa de “dominar a imprensa”. Segundo ele, essa ideia não sairia da cabeça do governo, chamado de “comunas do (poder) Executivo”, em referência aos membros dos partidos socialistas. Em artigo no seu blog, o colunista Reinaldo Azevedo, da revista Veja, do Grupo Abril, analisa o decreto, classificando-o de “miniconstituinte golpista do PT”, e acusa os responsáveis pela análise das violações de serem “meros tentáculos do petismo”. A Associação Nacional de Jornais (ANJ), que qualificou como “acertada” a decisão de modificar o conteúdo do PNDH-3, considera inconstitucionais os artigos que versavam sobre o papel dos meios de comunicação nos direitos humanos. Em janeiro, a ANJ, em con-

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junto com a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional de Editores de Revista (ANER), manifestou-se “perplexa” com a criação do plano: ─ A própria Constituição e toda a legislação ordinária já estabelecem normas sobre o tema. As punições previstas significariam uma violação ao direito de liberdade de expressão, pois atribuiriam ao poder Executivo a prerrogativa de julgar a conveniência do conteúdo jornalístico, afirma Ricardo Pedreira, diretor executivo da entidade. As organizações que representam os profissionais são a favor do plano. Para o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, as tintas carregadas dos principais meios de comunicação brasileiros em relação ao plano se devem à oposição que estes fazem ao governo Lula: ─ O PNDH é uma medida já começada no governo de Fernando Henrique Cardoso e que foi ratificada pelo governo Lula. Qualquer crítica ou reparo feito por este governo tem a mesma repercussão que qualquer regulamentação aprovada pelo presidente: a oposição da imprensa. José Carlos Torves, diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), concorda: ─ Sempre que há alguma iniciativa de se estabelecer regras, normas e controle público da imprensa, os veículos de comunicação, especialmente os grandes grupos, alegam que há algum caráter político ou tipo de cerceamento da liberdade. Vazio Jurídico Torves afirma que a ofensiva dos principais meios de comunicação revelou outro ponto que ainda não foi aplicado no país – as regulamentações previstas na Constituição Federal de 1988: ─ O capítulo de comunicações da Constituição ainda é letra morta e não foi aprovada


por pressão dos meios que estabelecem um lobby fortíssimo junto ao governo e ao Congresso Nacional, onde um terço dos parlamentares representa o setor de rádio, televisão e jornais.

corre, em parte, do oligopólio dos meios de comunicação no país. Seria uma instância interessante para discutir esta e outras matérias do âmbito da comunicação, sugere Maurício Azêdo.

A afirmação do diretor da FENAJ referese aos quadros do Congresso e do Governo Federal que têm relação estreita com a composição de algumas empresas de comunicação. Por exemplo, o presidente do Senado e ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) é proprietário do Grupo Mirante de Comunicação, afiliado da Rede Globo no Maranhão e responsável pela edição do jornal O Estado do Maranhão. O antecessor de Sarney, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), é sócio da TV Cabugi, repetidora da Globo no Rio Grande do Norte. Um dos artigos que possuem interpretações dúbias é o da concessão de 10 anos para as estações de rádio e 15 anos para as de televisão, podendo ser renovadas. Não há, no texto constitucional, um limite para as renovações, dando autonomia ao Governo Federal e ao Congresso Nacional para definir que emissoras devem ou não continuar no ar. Outro ponto é a criação do Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional, criado em 1991, responsável também pelas questões jornalísticas. Dentre os membros do grupo, estariam representantes das empresas de rádio, televisão e imprensa escrita, além de profissionais do jornalismo e cinco integrantes da sociedade civil. A ANJ tem uma das cadeiras, assim como a Abert e a ANER. No entanto, nos últimos cinco anos, o CCS só se reuniu em 2006 e 2008. De projetos de lei e recomendações aprovados neste período, nenhum possui relação com a prática jornalística:

Mudanças à distância

─ O conselho não existe. É um órgão anexo ao Congresso Nacional, não tem poder de deliberação, diz José Carlos Torves. ─ Este conselho ainda não disse a que veio. É completamente inócuo e não inspira confiança. Acredito que a pouca atividade de-

Um dos pontos tocados pelo presidente da ABI, o monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação, é vedado pela Constituição de 1988. No entanto, alguns índices mostram esta tendência. De acordo com o Instituto Verficador de Circulação (IVC), dos 10 jornais mais vendidos no Brasil em 2009, dois (O Globo e Extra) pertencem às Organizações Globo, que detém média de 505 mil exemplares diários no país, a grande maioria no Estado do Rio de Janeiro – além do domínio no setor televisivo. Seu principal telejornal, o Jornal Nacional, apresenta uma média semanal de 28 pontos de audiência na Grande São Paulo e 29 no Grande Rio, de acordo com o IBOPE. Uma das principais preocupações dos representantes de movimentos sociais que defendem a mídia independente é o chamado oligopólio das principais empresas de comunicação, o que explica a falta de um meio que apresente uma opinião divergente. As críticas intensas ao PNDH-3 e o posterior recuo do Governo representam esse forte poder. Países vizinhos, como Venezuela, Argentina, Equador e Bolívia, promoveram o aumento da participação de correntes comunitárias e de outras versões jornalísticas através de ações de seus governos. Sobre a aplicação deste tipo de alternativas, que chegou a ser alegada pelos meios como o passo seguinte ao plano, os representantes de entidades consideram remota a possibilidade:

Principais regras que norteiam a comunicação no país Constituição Federal http://bit.ly/a1Z3w2 Programa Nacional de Direitos Humanos 2e3 http://bit.ly/c7P2y8 http://bit.ly/6iO0nl Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros http://bit.ly/b676a Lei de Imprensa de 1967 http://bit.ly/5t2hqC Editorial do Jornal da Band sobre o PNDH-3 http://bit.ly/93qYvs Crítica de Arnaldo Jabor ao PNDH-3 http://bit.ly/bVHM80

─ O amadurecimento da sociedade e da democracia brasileira certamente impedirá alternativas similares no Brasil. As iniciativas destes países são consideradas uma violação à liberdade de expressão, afirma Ricardo Pedreira, diretor executivo da ANJ. ─ Aqui no Brasil ninguém morre desse susto. BABEL

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Para abrir uma empresa jornalística é necessário dinheiro, um investimento que somente grupos capitalistas podem arcar. Os grupos sociais não têm meios de fazer uma intervenção desse tipo, assegura Maurício Azêdo. ─ São necessárias vontade política e coragem para realizar as mudanças que realmente possam colocar a sociedade como ator político na democratização da comunicação no Brasil, diz o diretor da FENAJ José Carlos Torves. Exercício sem guias Em 2008, após a revogação da Lei de Imprensa de 1967, criada na ditadura militar, o Brasil ficou sem uma força regulatória estatal da atividade jornalística, apesar das críticas ao anacronismo da lei. A Constituição prevê o direito de resposta através de ações judiciais e também a garantia do sigilo das fontes jornalísticas. No entanto, a atividade está condicionada atualmente ao disposto no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros e dos Meios associados à ANJ, Abert e ANER. Ambas as orientações pregam a liberdade de imprensa, o exercício irrestrito do trabalho do jornalista, a manifestação de diferentes opiniões, além do compromisso com a veracidade das informações apresentadas. A FENAJ, porém, considera os dispositivos como insuficientes para garantir o exercício do jornalismo:

que decide que jornalistas são considerados sérios, defende Maurício Azêdo. A ANJ acredita que os regulamentos internos dos jornais e o Código de Ética são instâncias saudáveis para assegurar o exercício da profissão. ─ Quanto a uma auto-regulação mais ampla, a associação ainda discute o tema, sem que tenha sido estabelecido um consenso. Em relação às punições, vale a legislação existente contra danos morais, diz Ricardo Pedreira.

O exercício do jornalismo, como afirma o presidente da ABI, está no campo das ideias. Os meios de comunicação brasileiros estão longe de defender a pluralidade de opiniões e, em muitos casos, tentam impor como opinião pública o que é combatido por alguns segmentos sociais. O tratamento dado aos xingamentos do técnico da seleção brasileira, Dunga, na Copa de 2010, e a campanha “Cala Boca Galvão”, que virou um dos principais tópicos do Twitter, são exemplos dessa falsa representação que a grande mídia diz ter da população brasileira. A redução do número de empresas e meios de comunicação, aliada ao grande número de profissionais de comunicação que saem das universidades brasileiras todos os anos, criam uma grande pressão empregatícia. Desse modo, com receio de perder o ─ Nem o Código de Ética, e muito menos a posto de trabalho num mercado tão compeJustiça comum, é capaz de dar conta dos des- titivo, o comunicador tem seu papel prejudivios cometidos no jornalismo. Defendemos cado, ficando atrelado à política dos grandes um controle público para os meios de comu- meios que, em parte, defendem, na linha nicação e a criação de um Conselho Federal editorial, os interesses da elite brasileira, de Jornalismo, afirma Torves. segmento a que pertencem os proprietários dos meios de comunicação. Já o presidente da ABI considera que os Desse modo, cabe ao jornalista conhecódigos das associações são suficientes para cer as leis que dispõem sobre sua atuação garantir o bom exercício do jornalismo e se social e compreender que seu papel social diz contrário a um mecanismo exterior: vai muito além da produção técnica de textos. Em um país cuja formação do conheci─ O jornalismo atua no campo das ideias, di- mento e da opinião se baseia no que é veiferentemente de outras profissões, como o culado pelos meios de comunicação, está direito e a medicina. Logo, as informações nas mãos deste profissional uma grande devem estar sob o crivo da sociedade civil responsabilidade. ●

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PICASA

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Tudo ao mesmo tempo agora Mariana Moreira

iante de um fato, a um jornalista bastavam papel, caneta e uma história na cabeça. Hoje, espera-se que ele saiba fotografar, filmar, gravar áudio, editar, postar, twittar e fazer uploads de imagens e filmes. Com o ritmo acelerado das redações e com tantos recursos tecnológicos para explorar o potencial de uma informação, não basta mais ser jornalista, é preciso ser jornalista multimídia, um profissional que não perde tempo e domina a linguagem da comunicação em qualquer suporte, seja ele impresso, eletrônico ou digital. BABEL

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Devido à Web, tanto os profissionais de comunicação quanto o público em geral mudaram o modo como se relacionam com a informação

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Ana acorda cedo. Muito cedo. Escova os dentes. Toma banho, escolhe a roupa, toma café, arruma o cabelo, pega a bolsa, se despede da família e vai para a redação. Ela é jornalista e carrega na bolsa uma das ferramentas principais da profissão: o blackberry. Do seu querido aparelho, Ana consegue acessar a Internet, gravar informações importantes para escrever em matérias futuras, fazer entrevista, ligar e passar rádio para a chefia de reportagem do veículo onde trabalha, ler as últimas notícias, escrever o texto e enviar para o email da redação – se der tempo, ainda atualiza o blog e o Twitter, com foto. Jornalistas dos principais veículos de comunicação do país, principalmente rádio, TV e Internet são Anas que, ao longo do tempo na profissão, tiveram de incorporar múltiplas funções e aprender novas formas de produção e emissão de conteúdo. O jornalismo feito hoje se baseia em plataformas e programas da Internet que exigem do profissional um conjunto de habilidades específicas e ao mesmo tempo plurais, e ainda uma agilidade para produzir notícia em tempo real. Tudo ao mesmo tempo agora. Tal mudança foi introduzida quando a Internet se afirmou também como espaço jornalístico. Devido à Web, tanto os profissionais de comunicação quanto o público em geral mudaram o modo como se relacionam com a informação: eles aprenderam a redimensionar para o tempo real a característica “novidade”, intríseca à notícia, e se acostumaram a não mais esperar pelo dia seguinte para conhecer os desdobramentos de um fato – com as mídias digitais, todos esperam ser atualizados minuto a minuto. Para os jornalistas, especialmente, a inovação trouxe um desafio e uma sobrecarga profissional. O repórter de hoje é uma espécie de faztudo. Na rua e em casa, é seu próprio chefe de reportagem; produz, grava, está online em todas as frentes; não tem medo de manual de instruções, instala programas; domina várias linguagens e é capaz de dar a notícia em qualquer mídia. A velocidade de apuração e a necessidade de atualizar a notícia a todo momento introduzem um ritmo de trabalho

frenético que, se por um lado, tende a satisfazer as demandas de um público que não mais se contenta em saber o desdobramento do fato na edição do dia seguinte, por outro, exige do repórter um cuidado redobrado com a informação. O jornalista multimídia foi forjado nos últimos anos com a consolidação da Web e a disseminação de ferramentas de comunicação como câmeras digitais e celulares com recursos de câmera, gravador de áudio e acesso a Internet. O conceito é novo, traduz não somente quem pensa e apura a notícia como também aquele que domina o universo tecnológico da comunicação. Mas quem é, exatamente, o jornalista multimídia? Romanticamente, ele é um profissional polivalente, capaz de dominar todas as dimensões da informação: esteja a serviço de um jornal impresso, da televisão, do rádio ou de um site, ele vai à rua, apura, fotografa e escreve; apura pelo telefone e atualiza o site; fotografa, edita e posta; flagra o fato, filma e edita. Na verdade, esse profissional ultra-competente atende perfeitamente às exigências de um mercado cada vez mais concentrado, onde cada profissional faz o trabalho de muitos, mas não é remunerado na mesma medida. Assim, o jornalista, além de apurar a notícia, faz as vezes de um operador técnico de áudio e vídeo: consegue fazer uma entrevista enquanto segura uma câmara, um microfone, um gravador, um celular e um bloco notas. Ítala Maduell, jornalista da editoria “O País” do Jornal O Globo, conta que essa sobreposição de tarefas foi acontecendo aos poucos: antes, os departamentos do jornalismo online e os do jornalismo impresso eram separados fisicamente no prédio do jornal. O que antes funcionava em andares diferentes hoje fica lado a lado: “a interação agora é muito maior e nós estamos ajudando na atualização e entendendo como o nosso trabalho pode melhorar em conjunto”, disse Ítala. Alguns profissionais tornaram-se ícones dessa nova e complexa “multi-competência” no jornalismo. O jornalista e comunicador de tevê Marcelo Tas é talvez o mais expressi-


vo deles: âncora desde 2008 do irreverente programa semanal de notícias CQC, da TV Bandeirantes, e autor de um dos blogs mais premiados do país, o “Blog do Tas” (http:// marcelotas.blog.uol.com.br/), que estreou em 2003, ele já encarnou o repórter fictício Ernesto Varela, “o repórter ingênuo das perguntas difíceis”, e apresentou e dirigiu o Vitrine, da TV Cultura, primeiro programa da televisão aberta brasileira a mostrar e debater a revolução digital. Tas também concebeu, narrou e dirigiu a peça de teatro ZAP, O Resumo da Ópera, que fazia uma viagem multimídia pela história da ópera. E ainda em 1989, antes mesmo da Internet e da tevê via satélite, o jornalista multimídia montou uma instalação que antecipava a ruptura das fronteiras temporais e geográficas experimentadas hoje: a partir de gravações em fitas VHS feitas no mesmo dia e hora em vários países, ele concebeu a “TV Mundial”, uma apresentação em vídeo para responder à pergunta “E se cada um de nós tivesse um controle remoto para poder assistir todas as emissoras do planeta?”. Reconhecidamente um profissional de talentos plurais, Marcelo Tas personifica a ideia do cruzamento de mídias expressa na ilustração de seu blog: sua foto aparece cercada de quadro negro, televisão, microfone, celular, fones de ouvido, satélite e computador. Outra profissional que já há muito é comprometida com o cruzamento multimídia é a jornalista Cora Rónai, colunista de O Globo e autora do blog “InternETC”(http://cora.blogspot.com/). Pioneira na cobertura de tecnologia, lançou ainda em 1987, no Jornal do Brasil, a primeira coluna sobre computação na imprensa brasileira. Mais tarde, já no jornal O Globo, criou o caderno de tecnologia “Info”, que editou até 2008. Foi também a primeira jornalista a criar um blog, ativo desde 2001, e a dedicar-se à fotografia digital como ferramenta da comunicação. Fez testes de fotos de celular para uso na imprensa e na comunicação em geral quando ninguém pensava em usar o recurso para

outra coisa que não fosse registro caseiro de baixa qualidade. A experiência deu tão certo que, em 2006, Cora lançou um livro com fotos registradas a partir de câmeras embutidas em celulares, o Fala Foto, publicação com uma seleção de imagens feita ao longo de cinco anos com mais de uma dezena de diferentes aparelhos – o primeiro livro de fotos de celular do mundo. A experiência profissional de Cora atravessa do jornal impresso para o blog e de lá para os livros (já publicou sobre assuntos diversos); da fotografia de arte para os álbuns de viagem e de família; do teste de recursos tecnológicos para a exposição de seus experimentos nos mais variados suportes. O jornalista Pedro Doria é outro que tem seu trabalho voltado para o mundo multimídia. É colunista do caderno Link, de O Estado de S. Paulo, e autor do blog “Pedro Doria” (http://pedrodoria.com.br/), o primeiro blog jornalístico profissional do Brasil, um espaço destinado à atualização de notícias, com vídeos, fotos e comentários sobre o mundo da “política internacional, estantes e moças”, como o site se identifica. Esteve entre os fundadores dos sites NO. e NoMínimo, que marcaram época na internet brasileira. É autor de quatro livros, entre eles Manual para a Internet, o primeiro sobre a grande rede no Brasil. Jornalistas multimídia são profissionais emergentes no mercado. De tal modo representam uma novidade que já tem gente estudando a nova “espécie” profissional bem como já existem sites dispostosa reciclar o antigo repórter para adequá-lo às exigências múltiplas do mercado. Marcelo Tas, ícone dos conectados

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A Academia e o Youtube A revolução multimídia muda a forma de pensar o jornalismo, e seu funcionamento daqui para frente, dadas as constantes renovações tecnológicas, ainda é motivo de muita especulação. Como atuar num mercado sempre em mutação e quais os impactos dos novos recursos sobre o desempenho profissional são questões que não saem de pauta. O famoso site de vídeos online do Google, o YouTube, lançou no ano passado o canal “reportescenter”, Centro dos Repórteres. Lá, qualquer pessoa, principalmente o repórter que trabalha conectado à rede, aquele que grava, edita e faz o upload dos próprios vídeos, pode encontrar dicas de reportagem, entrevista, jornalismo investigativo e de como melhorar as imagens e reportar o conteúdo. Até julho, os vídeos do canal já haviam sido exibidos mais de cinco milhões de vezes. Uma das referências em estudos de jornalismo digital é o Centro Internacional de Estudos e Pesquisa em Cibercultura, um dos primeiros no Brasil em estudos de Cibercultura, e o Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online (GJOL), um dos pioneiros no estudo do ciberjornalismo no Brasil, ambos vinculados à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. O primeiro desenvolve pesquisas neste campo estratégico desde 1996, orientadas pelos professores Marcos Palácios e Elias Machado, dentro do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, e o segundo é comandado desde 1998 também pelo professor Palácios e pelo professor Elias

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ROGERIO EHRLICH

Cora Rónai, expoente das novas mídias

Machado. Tais pesquisas estudam não só a mudança de comportamento do repórter, do profissional jornalista, como também as consequências do uso da tecnologia na produção da informação. Na pesquisa “Jornalismo em Redes Digitais: problematizando a Internet enquanto suporte para a prática do Jornalismo”, o professor Marcos Palácios, desenvolve um levantamento crítico dos modelos teóricos que buscam caracterizar a Internet e sua aplicação nos estudos diretamente relacionados ao Jornalismo em redes digitais. Em outro estudo intituldado “Quebrando o Espelho – uma análise comparativa do jornalismo nas TV´s UOL e UERJ online”, a pesquisadora Leila Nogueira Kalil, também da Faculdade de Comunicação da UFBA, traça de forma comparativa a evolução do telejornalismo na Internet a partir da análise de dois modelos: o da TV UOL, formato pioneiro de televisão comercial criado para a rede, e o da TV UERJ online, primeira televisão universitária online do Brasil. Nele, são descritas as mudanças nos processos de apuração, produção e disseminação das notícias audiovisuais quando passam a ser transmitidas através da rede mundial de computadores. É um estudo importante para o jornalista que precisa conhecer as diferenças de linguagem do jornalismo audiovisual transmitido em meio eletrônico e em ambiente digital A atualização em tempo real muda a percepção e o método de apuração do fato? Como lidar com a interferência do leitor que agora assume o papel de fonte e pode comprar as mesmas ferramentas que o jornalista e, consequentemente, virar um emissor de notícias em potencial? Tais inquietações, próprias de quem lida com o cotidiano cada vez mais multimídia da profissão, estão respondidas em textos diversos disponibilizados no site do GJOL, Grupo de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia (http:// www.facom.ufba.br/jol/), e merecem a atenção de comunicadores e estudantes de jornalismo interessados em desbravar os novos caminhos da reportagem com suportes tecnológicos. ●


ARQUIVO PESSOAL

ARQUIVO PESSOAL

Entrevistas

cruzadas

Duas profissionais que atravessaram a fronteira da habilitação

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Renata Sofia Freire

elações Públicas, Jornalismo, Publicidade, Rádio/TV... Diversas habilitações são oferecidas pelas faculdades de Comunicação Social. Apesar das diferenças estabelecidas nos currículos específicos, onde precisamente estariam os limites entre tais habilitações? Sem perceber as sutilezas de cada curso, o mercado de trabalho exige cada vez mais um profissional multifacetado. Dois exemplos dessa imprecisão nas habilitações do curso de comunicação são Camilie Gerasso e Andrea Loureiro, profissionais que cruzaram a fronteira das habilitações. A primeira, formada em Jornalismo, trabalha no setor de marketing de uma das maiores publicadoras da América Latina, a Ediouro; a segunda, graduada em Relações Públicas, integra a redação de jornalismo do Canal Futura. BABEL

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Camilie Gerasso

Andrea Loureiro

Já trabalhou em Jornalismo? ─ Estagiei na produção da rádio FM O Dia, produzindo pautas, montando programas, escrevendo chamadas, etc.

Já trabalhou em Relações Públicas? ─ Trabalhei como RP em alguns momentos. Na Cruz Vermelha Brasileira e depois na minha própria empresa, a Tempo3 Comunicação.

Como chegou ao marketing? ─ O setor de produção da rádio era muito pequeno, com poucas chances de efetivação. Quando criaram o setor de novas mídias de O Dia, fui transferida para esse setor com o objetivo de cuidar dos novos produtos da rádio. A partir desse momento, comecei não só produzir conteúdo para novas mídias, mas também a fazer planejamento de marketing.

Em que tipo de atividade você imaginava trabalhar quando entrou para a faculdade de Relações Públicas? ─ Achei que trabalharia com comunicação corporativa.

Sua habilitação em jornalismo ajudou de alguma forma seu trabalho? ─ Muito! Além de produzir estratégias de marketing para os produtos, eu também produzia conteúdo. Ou seja, eu precisava da base que o jornalismo me deu para complementar meu trabalho. Sentiu falta de algum conteúdo específico em marketing? Precisou de algum curso complementar? ─ Sim. O que vemos de marketing em jornalismo é muito superficial. Como queria ser uma profissional de Comunicação, precisava conhecer o outro lado da minha formação: o marketing. Então, fui buscar uma pós-graduação nessa área. Em algum momento sentiu preconceito de colegas de trabalho por ter outra habilitação? ─ Não. Ao contrário. Muitas vezes, fui requisitada pelos meus colegas de trabalho para fazer criação e revisão de textos. Eu completava a equipe com a minha formação. Acha que existe alguma confusão entre as habilitações em Comunicação, ou considera essa proximidade de conteúdos positiva? ─ Acho muito positiva. Os profissionais não entendem que uma área completa a outra e não concorrem entre si, principalmente quando estão dentro da mesma empresa.

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Como chegou ao jornalismo? ─ Fiz um cadastro no Mudes e fui chamada para estágio na área de jornalismo da TV Educativa. Quando acabou o estágio fui contratada pelo setor de produção de programas e acabei seguindo este caminho. Sua habilitação em Relações Públicas ajudou de alguma forma seu trabalho? ─ Sim, claro. Algumas técnicas de RP podem ser aplicadas em todas as áreas. Sentiu falta de algum conteúdo específico em Jornalismo? Precisou de algum curso complementar? ─ Sou de uma geração que aprendeu na prática. E sempre busquei o conhecimento em todas as áreas. Aprendi a escrever, editar, dirigir etc no dia a dia. Em algum momento sentiu preconceito de colegas de trabalho por ter outra habilitação? ─ Talvez no início. Hoje não. É engraçado porque muitos pensam que sou jornalista por formação. Acha que existe alguma confusão entre as habilitações em Comunicação, ou considera essa proximidade de conteúdos positiva? ─ O mercado hoje busca profissionais com múltiplas habilidades. Acredito que o currículo de comunicação deveria ser o mais completo possível. Depois, de acordo com o interesse, o aluno buscaria uma especialização na área desejada. Eu, por exemplo, tenho grande interesse em “gerenciamento de crise”. ●


ARQUIVO PESSOAL/ SÉRGIO AMARAL

O sucesso de blogs independentes

A popularização de blogs autônomos que fornecem informação relevante ou opinião Verônica Vasque

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om o desenvolvimento e a democratização do acesso às novas tecnologias e às mídias sociais, qualquer pessoa pode ser uma grande comunicadora. Basta utilizar plataformas digitais e a Internet para divulgar conteúdos próprios e reproduzir informação. Diante desta nova realidade, o jornalista deixa de ser o único produtor e difusor de notícias, passando a conviver com a contribuição, e até mesmo concorrência, de pessoas comuns, amadoras. O surgimento do blog e a popularização da blogosfera foram o divisor de águas neste processo. Além do uso institucional, como os que são vinculados a órgãos da imprensa, a ferramenta também pode ser usada de forma independente, para veiculação tanto de conteúdo pessoal, os chamados blogs confessionais, quanto para publicação de informações de interesse público. A plataforma da Internet democratizou e barateou o acesso a canais de expressão. Com isso, os blogs e as redes sociais em geral multiplicaramse desenfreadamente. O monopólio dos jornais como centralizadores, editores e disciplinadores da opinião foi quebrado. Isso permitiu que mais atores participassem do processo de comunicação, passando a ser agentes e distribuidores da informação, deixando para trás o papel de mero expectador das notícias. Atualmente, os blogs constituem um fenômeno da Internet. O que antes era visto com certa desconfiança pelos meios de comunicação virou até referência para sugestões de reportagem. Em

pesquisa realizada em junho de 2009 sobre o universo da blogosfera no mundo, o banco de dados Technorati (technorat.com) catalogou 133 milhões de blogs indexados desde 2002. De acordo com dados do site, 900 mil posts são publicados a cada 24 horas e, na lista “Top 10” dos sites de entretenimento, quatro deles são blogs. O termo blog é de origem americana e vem da abreviação de weblog (web de página na Internet, e log, de diário de bordo). Em webblog, portanto, web representa a própria Internet (o suporte, a plataforma) e log, os registros que são publicados pelo usuário. A abreviação blog só passou a ser usada no início de 1999, quando Peter Merholz separou a palavra weblog em “we blog” na barra lateral de sua página (Peterme.com), criando a frase “nós blogamos”. O trocadilho acabou por instituir a palavra “blog”, o verbo “blogar” e o agente “blogueiro”. Um blog típico combina texto, imagens e links para outros blogs, páginas da web e mídias relacionadas a seu tema. A possibilidade de leitores deixarem comentários, de forma a interagir com o autor e outros leitores, é uma característica importante, bem como a possibilidade de inserção de documentos em HTML, o que facilita a criação e a edição em qualquer editor de textos comum, como o Bloco de Notas do Windows, ou o TextEdit, do Macintosh. Os blogs amadores de maior visibilidade, isto é, os independentes e gerenciados por pessoas comuns, sem formação jornalística necessariaBABEL

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mente, são, geralmente, os de curiosidades, os produzidos por políticos, ligados a partidos, os destinados a comentar esporte, futebol e vida de celebridades, e aqueles que reproduzem e/ou produzem informação e divulgam opinião. O The Huffington Post, por exemplo, um website americano agregador de blogs, criado pelos americanos Arianna Huffington e Kenneth Lerer, é um exemplo de site independente que não só é muito bem recebido pelo público, como também consegue influenciar a mídia e divulgar informação exclusiva ou inédita sobre qualquer assunto. O blog, que publica notícias e comentários sobre política, religião, cultura, ecologia, mídia, economia, entre outros, é referência na cobertura americana e faz contraponto à mídia conservadora. Desde a sua criação, em 2005, o The Huffington Post vem conquistando cada vez mais leitores e anúncios e já ganhou prêmios como o Webby de melhor blog de política em 2006 e 2007, foi nomeado um dos 25 melhores de 2009 pela revista Time e o mais poderoso do mundo pela revista The Observer. Outro blog de grande repercussão internacional que segue a mesma linha não institucional do The Huffington Post é o Generación Y. Editado desde 2007 pela filóloga cubana Yoani Sánchez, num país onde a veiculação da informação, seja por rádio, tevê ou jornal, é controlada pelo governo e pelo partido único, a ferramenta é um canal de expressão do povo cubano em meio à censura presente na região. Para se ter uma ideia do seu reconhecimento, o Generación Y é traduzido em mais de 10 línguas. Segundo o jornalista brasileiro Sandro Vaia, autor do livro biográfico “A Ilha Roubada” sobre Yoani, o blog tornou-se uma ferramenta importante na medida em que consegue divulgar acontecimentos internos aquém das fronteiras do país. ─ O blog alcançou grande sucesso por causa de seu conteúdo claramente desalinhado com a posição oficial do governo e da linguagem de fácil acesso e compreensão usada pela autora. Ele relata as pequenas e grandes dificuldades do cotidiano que envolvem milhões de pessoas que não têm nenhum meio de manifestar as suas insatisfações. Generación Y fala para e por essas pessoas. Este é o motivo de seu grande sucesso, principalmente na comunidade de exilados, uma vez que poucas pessoas têm acesso ao blog em Cuba, afirma. Frente à necessidade de relatar de forma fiel os acontecimentos de seu país, a blogueira desenvolveu uma linguagem simples e direta, baseada

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nas estruturas jornalísticas, que acabou por atrair o público. Ainda de acordo com Sandro, foi isso que deu credibilidade à ferramenta. ─ A sua narrativa se tornou forte jornalisticamente por relatar, com fidelidade e objetividade, a situação de um país que vive uma crise de escassez material, espiritual e informativa há 50 anos. Ela juntou o gosto pela escrita, o prazer da narrativa, com utilidade e o pragmatismo da denúncia de uma situação política anônima e opressiva, diz. Com seus artigos e suas críticas à situação social em Cuba sob o governo de Fidel Castro e de seu sucessor, Raúl Castro, Yoani Sánchez já foi considerada uma das 100 personalidades mais influentes do mundo pela revista Time e ganhou o prêmio Ortega Y Gasset de jornalismo digital pela Prisa, casa editorial espanhola que é dona, entre outros empreendimentos, do jornal El País. Em Portugal, o 5 Dias não faz diferente. O weblog coletivo atualizado diariamente por jornalistas, arquitetos, juristas, estudantes, publicitários, funcionários públicos, entre outros, tem uma média de 2,5 a 3 mil leitores por dia e está, desde sua criação, entre os dez blogs mais acessados que discutem política e acontecimentos atuais no país. Segundo Nuno Tito, um dos fundadores, a visibilidade do 5 Dias se explica por sua linguagem descontraída, de fácil acesso e por ser um blog que participa das discussões com os principais blogs e sites formadores de opinião do país: ─ É interessante escrever para muita gente. Entretanto, o objetivo do blog não foi ter audiência pela audiência e, sim, disseminar determinados conteúdos e expressar um conjunto de opiniões de forma mais direta. A blogosfera é uma conquista tecnológica que permitiu o desenvolvimento da cidadania, afirma. Mesmo reconhecendo a proporção que blogs internacionais como o Generación Y atingiram, o jornalista Sandro Vaia não acredita, no entanto, no sucesso, no Brasil, de um site independente que seja capaz de produzir informação exclusiva ou inédita e consiga se financiar. Para ele, por muito tempo ainda, a informação primária e de qualidade continuará sendo veiculada pelos grandes grupos de informação, enquanto que os blogs de opinião autônomos se destinarão a trabalhar a partir dessas notícias captadas, processadas e distribuídas pelos profissionais qualificados das empresas jornalísticas.


─ O Generación Y, assim como os demais blogs famosos de outros países, são casos específicos. No Brasil a realidade é outra. O problema é que a qualidade da informação jornalística está ligada ao custo da atividade. Não é barato produzir grandes massas de informação confiável. Não é à toa que os sites de notícias mais acessados pertencem a organizações jornalísticas já consagradas. É muito difícil alguém buscar informação nova e confiável em sites sem marca, sem lastro, sem história de confiabilidade pregressa já consagrada. Só grandes empresas, geralmente financiadas por receitas publicitárias, têm condições financeiras para bancar estruturas de captação e produção de informações. Todos os blogueiros do Brasil, de esquerda, de direita, de centro, vivem de comentar informações geradas pelos grandes grupos de informação, ressalta. Por sua vez, o comunicólogo brasileiro Nemo Nox, criador do que é considerado o primeiro blog em português, o Diário da Megalópole, de 1998, consegue gerenciar, desde 2001, o Por um Punhado de Pixels – que é basicamente um guia e um caderno de anotações virtual sobre os produtos culturais que o autor consome. O blog, que tem uma periodicidade de atualizações quase diária e já foi escolhido pelo voto popular como o Melhor Weblog no Deutsche Welle International Weblog Awards 2004 e eleito pela revista Isto É Gente um dos dez melhores sites brasileiros no mesmo ano, vai contra a teoria de Sandro Vaia e demonstra que ferramentas independentes têm espaço, sim, na “cobertura” da Internet no Brasil. Para Nemo, o sucesso do Por um Punhado de Pixels foi uma surpresa. O blog, cujo objetivo inicial era apenas registrar para amigos e conhecidos suas experiências com artigos culturais, acabou por se tornar uma referência para aqueles consomem cultura. ─ Eu sempre fiz anotações sobre filmes e livros e a possibilidade de publicar isso em forma de posts permitiu que outras pessoas lessem e interagissem através de comentários e sugestões. É surpreendente saber que muita gente se interessa pelo o que eu escrevo, levando em conta a pouca divulgação que fiz do blog. O Por um Punhado de Pixels apareceu várias vezes na mídia e se tornou esse sucesso todo muito espontaneamente, afirmou. Quanto ao cuidado da informação por ele divulgada, o comunicólogo acrescenta:

─ A preocupação com a qualidade jornalística deveria existir independente do meio usado: jornal, revista, rádio, televisão, Internet. O blog é um formato que pode ser usado para fazer bom ou mau jornalismo, ou coisas sem qualquer relação com o jornalismo. Assim como o Por um Punhado de Pixels, existem muitos outros websites autônomos famosos no Brasil. Na opinião do jornalista Ricardo Noblat, autor do blog de política mais acessado do país, vinculado ao jornal O Globo, a possibilidade de websites independentes fazerem parte do processo de comunicação é uma conquista importante, isto, segundo ele, se for realizada de forma responsável. ─ A Internet acabou com o monopólio que os jornalistas tinham da produção e distribuição de informações. Essa é uma realidade que não tem retorno. Nós, jornalistas formados e empregados não somos os únicos incumbidos de produzir informação e contribuir para a formação de opiniões. Não vejo problema se outras pessoas fazem isso através de sites ou de blogs, desde que seja de maneira competente, afirma. Assim como Noblat, o mestrando em comunicação da UERJ, especialista em blogs políticos, Marcelo Rutowitsch Chimento, vê a blogosfera como um espaço comunicacional que só tende a crescer. Para ele, veicular informação de interesse público na Internet não é uma exclusividade das empresas jornalísticas como também não é um potencial que todos têm. ─ Há a possibilidade, sim, de outros agentes usarem as ferramentas comunicacionais de forma criativa e interessante sem serem, necessariamente, jornalistas ou ligados a grandes veículos. Algumas pessoas têm um potencial maior de escrever sobre determinado assuntos e ter reconhecimento por isso que outras. A tendência é cada vez mais pessoas usarem as redes sociais para comunicar, opinar sobre assuntos atuais e se informar. No entanto, diante do uso inadequado e da ausência de um recurso que avalie e determine quais informações são confiáveis, os meios de comunicação institucionais ainda serão referência de credibilidade na Internet e os jornalistas ainda terão um papel importante, pois é um sujeito que pode apontar determinados padrões de comportamento de publicações. A prática jornalística permanecerá durante muito tempo como padrão de funcionamento correto, até para coibir a prática baixa e inadequada. ● BABEL

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Antes e depois: as mudanças de sites jornalísticos ao longo dos anos

Perspectivas do Jornalismo Digital no Brasil Do surgimento da Internet e das influências do impresso até as questões de convergência e interatividade no jornalismo digital contemporâneo

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om a consolidação da Internet, a criação de mídias digitais e os constantes avanços tecnológicos, o jornalismo está tendo de se adaptar diariamente às novas realidades e paradigmas da produção de notícia. A recente história do jornalismo digital no Brasil e a velocidade com que diferentes ferramentas de comunicação chegam ao mercado dificultam a configuração de um modelo ideal: em ambiente eletrônico, a linguagem e o formato dos jornais ainda estão em fase de experimentação. Nos últimos anos, muitas dessas tentativas vêm sendo objeto de estudos e pesquisas. Não é novidade que, nos Estados Unidos, os estudos do uso da transferência de dados em rede com fins militares datam da metade do século XX e que a Internet já estava sen-

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Lailla Micas do utilizada desde a década de 1970 em universidades e institutos de pesquisa. Embora o uso da web naquele país tenha se consolidado no início dos anos 1990 e o jornalismo digital já estivesse presente em mais da metade das redações jornalísticas norte-americanas na segunda metade dessa década, no Brasil, tal realidade só chegou com muitos anos de atraso. No Brasil, a Internet surgiu através de estudos acadêmicos subordinados ao Ministério de Ciência e Tecnologia em 1991, cerca de 20 anos após o primeiro e-mail ter sido enviado nos EUA. Mas não só no Brasil como nos Estados Unidos e no resto do mundo, o que alavancou de fato a Internet, foi a criação da web. Apesar de usado comumente como sinônimo de Internet, o termo tem significado diferente: a web, ou “World Wide Web” (WWW), seu


nome original, é um modelo de compartilhamento de informações na rede, uma espécie de linguagem desenvolvida para o meio, e foi o que possibilitou o uso comercial da Internet. Só em 1995, ano que marca o início de seu uso comercial no Brasil, o país teria o seu primeiro jornal eletrônico: o JB Online, lançado pelo Jornal do Brasil. Apesar da iniciativa pioneira, tratava-se tão-somente da transcrição literal de algumas matérias do jornal impresso para o site. No ano seguinte, em caráter experimental, seria lançado o Universo Online (UOL), este sim, o primeiro jornal online brasileiro em tempo real e com conteúdo exclusivo para a Internet. Para Ariane Holzbach, professora e doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e professora substituta de jornalismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o atraso na adoção das tecnologias da Internet no Brasil explica a ainda pouco consolidada estrutura narrativa do jornalismo digital no país. Com uma história ainda muito recente e com os atropelos experimentados no seu início, a plataforma em rede foi absorvida por seus usuários de forma confusa: ─ A Internet aqui no Brasil já chegou completa, com e-mail, páginas multimídias, jornalismo online, tudo ao mesmo tempo. Não foi um processo gradual como aconteceu nos Estados Unidos, onde a Internet trouxe primeiro o email, depois o “www”, em seguida vieram as páginas de site, depois o jornalismo digital. Por isso, hoje, eles trabalham mais as estruturas hipertextuais e interativas da notícia online, pois tanto os jornalistas como os leitores/usuários norte-americanos percebem os elementos de uma forma mais clara do que acontece no Brasil, argumenta.

que surgem com o advento de novas tecnologias da comunicação. Para Ariane, o desenvolvimento de outras mídias, mesmo as eletrônicas como o rádio e a televisão, sempre tiveram como referência o jornalismo impresso. Por não ter uma linguagem própria bem definida, toda nova mídia quando surge se apropria e/ou se adequa a linguagens e formatos já existentes. “As matérias da web são pautadas procurando uma estrutura que o jornalismo impresso consolidou: a importância dada ao texto, e a imagem sendo um complemento, no lugar de ser talvez a protagonista da informação”, sugere. Segundo ela, “a leitura na Internet precisa ser fácil”: ─ Não dá para ter um texto corrido com uma fonte minúscula. A leitura precisa ser fragmentada em blocos para facilitar a vida do leitor. A professora acredita que, apesar das influências, “o jornalismo online no Brasil está se esforçando para facilitar a linguagem, para se adaptar à web”. Apesar das grandes mudanças percebidas nos últimos dois ou três anos, Ariane diz que há muito caminho pela frente. Para a doutoranda da UFF, apesar de ser ainda muito cedo para se falar em um formato fixo, é possível perceber tentativas de uma estrutura mais adaptada à Internet.

O jornalismo impresso ainda se constitui como matriz básica e exemplar para as mídias digitais

─ Existem tentativas, conseguimos perceber. Por exemplo, observando páginas de grandes portais, vemos uma estrutura: eles trabalham com texto, fotografias, normalmente colocam um vídeo e alguns links nas matérias, comenta.

Linguagem digital

Para ela, uma dificuldade para a adaptação do formato online está na evolução constante das mídias e recursos digitais.

A linguagem do jornalismo digital é outra questão muito discutida entre os acadêmicos e profissionais que estudam o assunto. Por ser o meio mais antigo e consolidado no Brasil, o jornalismo impresso ainda se constitui como matriz básica e exemplar para as mídias digitais

─ No jornalismo digital, todos os dias temos elementos novos para colocar na matéria. É de ficar maluco, pelo menos por enquanto. Pode ser que daqui a alguns anos isso cesse e comecemos a dominar realmente a linguagem e a saber exatamente o que e como usar, BABEL

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o que acontece atualmente nos consolidados jornalismos televisivo e impresso. Convergência No auge da emergência de mídias digitais no Brasil, muitos intelectuais especulam sobre o fim de alguns meios de comunicação, como o jornal impresso e a televisão. Para Ariane Holzbach, a falta de domínio e de conhecimento das possibilidades digitais gera essas incertezas. Mas, segundo ela, um argumento que pode anular esta ideia é a questão da convergência.

A tendência do jornalismo digital é trabalhar suas notícias e matérias por meio da narrativa hipermídia

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─ A convergência está fazendo com que todas as linguagens midiáticas arranjem uma maneira de se complementar. A Internet é fundamental para a vida de hoje, não vivemos mais sem ela, mas ela tem trabalhado sempre junto com a televisão e com o impresso. Então, acredito que dizer que tais mídias irão desaparecer é só medo do desconhecido. Ao contrário dos que temem a morte das mídias mais tradicionais, há quem afirme que a Internet não é sequer um meio de comunicação, mas sim uma plataforma digital, já que é possível ter uma rádio ou uma TV online e versões digitais para jornais e revistas disponibilizados na web, congregando todas as mídias nesta plataforma. No entanto, a opinião mais difundida e aceita pela sociedade é a de que a Internet é uma multimídia. Para João Canavilhas, professor da Universidade da Beira Interior, em Portugal, e grande estudioso em webjornalismo, o fato de a Internet congregar outros meios não impede que ela tenha sua própria linguagem e sua independência. No artigo apresentado no I Congresso Ibérico de Comunicação, ele escreve sobre as potencialidades do jornalismo na Internet e sobre a convergência de mídias. “A Internet, por força de poder utilizar texto, som e imagem em movimento, terá também uma linguagem própria, baseada nas potencialidades do hipertexto e construída em

torno de alguns conteúdos produzidos pelos meios existentes”, aposta. Ele ainda destaca que “com base na convergência, o webjornalismo pode oferecer um produto completamente novo: a webnotícia”. A tendência do jornalismo digital é seguir este conceito e trabalhar suas notícias e matérias por meio da narrativa hipermídia, que é a ideia de contar uma história utilizandose de diversos elementos e recursos digitais, como nuvem de tags, hiperlink, infográfico animado, flash, 3D, opções de compartilhamento etc. O próprio Canavilhas, no artigo citado, escrito há quase uma década, já apresentava alguns destes itens como “exemplos da possível integração de elementos multimídia à webnotícia”. Interatividade Muitos destes elementos e recursos possibilitam a interatividade do leitor com a notícia, uma característica bastante comentada atualmente como ponto positivo das novas mídias. Apesar de existir também nos meios tradicionais, neles, a possibilidade de interação do leitor se dá de forma muito limitada, como através de correspondências ou ligações telefônicas. Com a instantaneidade e as facilidades da Internet, esta característica se potencializa. Canavilhas conta no artigo que “num jornal tradicional o leitor que discorda de uma determinada ideia veiculada pelo jornalista limita-se a enviar uma carta para o jornal e aguardar sua publicação numa edição seguinte, tendo habitualmente que invocar a Lei da Imprensa para consegui-lo”. Na Internet, “a própria natureza do meio permite que o webleitor interaja no imediato”, completa. Ariane Holzbach concorda e dá exemplos de interatividade: “Hoje o leitor pode comentar uma matéria, editar, avaliar, ranquear...”. Para ela, “o jornalismo tem se esforçado para utilizar ferramentas de aproximação com o leitor, para possibilitar a interação dinâmica e dialógica com o leitor pela Internet”. ●


ABERJE

Caindo na grande rede

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Leonardo Sales

uitas empresas estão apostando nas redes sociais da Internet como um campo de inúmeras possibilidades para suas estratégias em comunicação. Há algum tempo, ferramentas como blogs, Twitter, Facebook, Flickr, Foursquare e YouTube transformaram-se em instrumentos imprescindíveis para reforçar o conhecimento de uma marca, fidelizar clientes e gerar resultados financeiros concretos. Por meio destas mídias, tem sido possível conhecer cada vez mais de perto o perfil dos consumidores de determinado produto ou serviço. No entanto, esta tendência à especialização também trouxe à tona uma das maiores e mais delicadas questões que envolvem a Internet atualmente: a governança da privacidade. BABEL

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“Estreitar laços com usuários de redes sociais é mais complexo do que se imagina” Ricardo Perrota

“Uma boa dica é resistir à tentação de fazer spam ou abordagens incisivas” Márcio Lima

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Na era da Internet, num cenário marcado pelo hibridismo de linguagens e formatos, as redes sociais podem representar riscos e oportunidades. O desafio de pequenas, médias e grandes empresas passa a ser a adoção de abordagens adequadas às peculiaridades de cada meio, sob pena de produzirem danos irreparáveis em sua imagem junto aos clientes e potenciais consumidores. Cases de sucesso como o da construtora Tecnisa, que vendeu apartamentos pelo Twitter, e da companhia aérea Azul, que “turbina”suas vendas graças a promoções-relâmpago divulgadas em comunidades virtuais, são citados com entusiasmo por empresários e especialistas que apostam no poder da Web 2.0. Vender por meio de marketing digital, comunidades online ou mídia em portais demanda estratégia, experiência e criatividade. É o que advertem Ricardo Perrotta e Márcio Lima, da agência All in Media especializada em publicidade digital e que atende gigantes do comércio varejista do Brasil, como o Grupo Pão de Açúcar. Para eles, redes sociais como Twitter e Facebook possuem grande potencial para alavancar vendas, todavia não basta criar um perfil e partir para a simples oferta de produtos ou promoções. ─ Esta estratégia de buscar resultados imediatos pode dar certo, mas estreitar laços com usuários destas redes é mais complexo do que se imagina. Assim como qualquer trabalho, é preciso criar uma estratégia baseada em uma longa e minuciosa pesquisa. Para cada rede é necessário ter uma abordagem diferente, pois o usuário do Facebook é diferente do Twitter, Foursquare, Orkut, LinkedIn. Em todos os casos a interação é primordial para obter dados mais precisos, explica Perrota.

de mídias sociais”, empresas de pequeno e médio porte apostam nos serviços de consultoria, como os oferecidos pela All in Media, para fazer campanhas de divulgação de qualidade a baixo custo e orientar decisões que envolvam investimentos. Para Lima, usufruir do mesmo espaço que as grandes empresas usam para divulgar sua marca e seus serviços é um importante passo para quem está começando. Ele explica que muitas vezes é possível que surjam parcerias online. ─ Basta fazer o dever de casa, trabalhar direito e ser audacioso e responsável. Para isso é necessário ter muita criatividade, evitando práticas que possam comprometer a imagem de um negócio. Uma boa dica é resistir à tentação de fazer spam ou abordagens incisivas que possam aborrecer as pessoas, afirma. Boas condutas na Internet aliadas a criatividade são o trunfo da floricultura online Giuliana Flores, que há um ano investe em mídias sociais com foco no Twitter. Com algumas ações, o perfil da loja na rede já conquistou inúmeros seguidores ativos. “Temos quase 600 seguidores e registramos inúmeras vendas estimuladas por nossos tweets”, conta o diretor Clóvis Souza. Os resultados foram tão expressivos que a floricultura acaba de fechar contrato com uma consultoria especializada em administrar redes sociais. O objetivo é profissionalizar a participação na Web 2.0, expandindo para Facebook, Orkut, blogs e outras ferramentas.

Oportunidade para pequenas empresas

─ Receber feedback constante e também aprender a usar a linguagem dos internautas de acordo com cada grupo ou comunidade são alguns de nossos objetivos com a contratação dessa consultoria”, diz Souza.

Os especialistas em social media recomendam a utilização de instrumentos capazes de avaliar uma marca ou serviço nas redes sociais e muitas empresas estão voltando suas atenções para o segmento. Enquanto grandes organizações criam a função do “gerente

Já o Facebook foi a plataforma escolhida pela loja virtual Wine para conquistar um público seleto e se tornar uma referência nas redes sociais quando o assunto é vinho. A Wine, empresa 100% online criada em novembro de 2008, identifica nas mídias so-


ciais três grandes oportunidades: apresentar conteúdo interessante, oferecer produtos e promoções diferenciadas e aprimorar o atendimento aos clientes. Com mais de 1,3 mil seguidores em seu Twitter, e quase 400 participantes em suas comunidades no Orkut e no Facebook, a Wine acaba de lançar um blog. Seguindo a tendência apontada pelas consultorias, o espaço prioriza artigos sobre a história do vinho, dicas de harmonização oferecidas por sommeliers e matérias sobre regiões produtoras. “Nosso objetivo é fazer com que o internauta que visita o blog se identifique com nossa marca”, afirma Anselmo Endilich, diretor de marketing e de TI da Wine. A consultora de beleza Sack’s também utiliza vários canais como blog, Twitter, Facebook e Twitter para se relacionar com os clientes. Além disso, vídeos sobre moda, beleza e comportamento, importados sdo YouTube, ocupam grande destaque no site da companhia. O sucesso da Sack’s nestas plataformas na Internet foi comprovado com a grande adesão ao concurso “I Love Sack’s”, realizado em maio deste ano. A empresa premiou com uma viagem para Nova York os internautas autores das ações mais votadas e mais criativas do site. Os vencedores assistirão, com tudo pago, ao desfile da grife Carolina Herrera, no evento “New York Fashion Week”, que vai acontecer em setembro.

Segundo Igor Fidalgo, o segredo para que um blog de uma marca conquiste a fidelidade de internautas e, consequentemente, potenciais consumidores está em não falar só de seus produtos ou serviços. É fundamental abordar outros assuntos que dialoguem com o lifestyle do cliente. ─ Não se pode cair na armadilha de só falar de si e achar que o consumidor só usa o seu produto. Essa pretensão faz com que a marca seja vista como chata. A grande ‘sacada’ é fazer um texto interessante que seja lido não apenas por quem é cliente, sentencia. O jornalista também cita o blog da grife carioca de roupas femininas Farm, que há dois anos resolveu investir pesado em ferramentas de interatividade. Ele conta que a empresa criou em sua estrutura um setor específico para cuidar do blog, com uma equipe de designers, publicitários e jornalistas. Além disso, investiu em assinaturas de diversas e conceituadas revistas internacionais de moda e tendência. Com dicas de beleza, estilo e entretenimento, o blog é atualizado frequentemente e recebe cerca de 12 mil acessos por dia.

A tendência dos blogs Inicialmente concebidos como diários virtuais, atualmente, os blogs vão muito além das confissões de adolescentes apaixonados. Eles se tornaram importantes ferramentas corporativas e principal instrumento de trabalho do jornalista de moda Igor Fidalgo, que produz conteúdo para sites de grifes e de um shopping carioca. Ele conta que ao ser chamado para cuidar do site da Foxton, o primeiro passo foi analisar as marcas concorrentes e fazer uma reforma editorial. “A partir desta análise, nós procuramos desenvolver uma identidade para a marca na Internet, uma ‘cara’, criando uma tríade de conceitos que norteariam todos os posts do blog: rock, skate e surf”, explica.

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Nas pegadas dos consumidores

“O sucesso de um blog corporativo é fazer um texto interessante e que não seja lido só por quem é cliente” Igor Fidalgo

Para que uma empresa consiga conhecer o perfil de seus clientes por meio das redes sociais, ela precisa se infiltrar nestas mídias, fazendo parte e atuando como se fosse um usuário. É como os especialistas Ricardo Perrota e Marcio Lima costumam orientar seus clientes. No entanto, eles alertam para os riscos que representa deixar o perfil da empresa nas mãos de qualquer pessoa. Administrar um perfil corporativo requer cuidados e nem todos estão cientes do perigo desta prática. Em alguns casos, uma pessoa mal preparada e sem afinidade com as redes sociais pode cometer gafes ou emitir opiniões que não refletem os valores da empresa. Instituições renomadas já passaram por crises e contornar este tipo de inconveniente é trabalhoso, afirma Perrota. ─ Para minimizar as chances de uma empreitada mal-sucedida na web, o ideal é sempre recorrer a empresas especializadas em consultoria em redes sociais ou um profissional gabaritado, capaz de identificar tendências no comportamento dos usuários das redes sociais. Com dados em mãos é possível agir, mas não se deve esperar milagres. Vender nas redes sociais é tão difícil quanto em uma loja física. É preciso cativar, conclui Lima. O Big Brother das compras

“A privacidade dos internautas é um alvo em movimento” Peter S. Fader

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Especialistas em vendas online são unânimes em afirmar que para se fazer uma boa campanha de divulgação é preciso observar hábitos de usuários das redes e para captar suas necessidades em termos de produtos e serviços. No entanto, esta prática suscita a polêmica questão da privacidade dos internautas. Até que ponto as informações pessoais disponibilizadas na rede podem servir a interesses mercadológicos? Estaríamos vivenciando uma faceta da sociedade de controle identificada pelo filósofo Gilles Deleuze, no início dos anos 1990? Ainda não há respostas categóricas a estas perguntas, mas já existem segmentos interessados em engrossar o debate. Professo-

res, pesquisadores, alunos e profissionais de Comunicação, Sociologia, Filosofia têm buscado no pensamento de teóricos como Aníbal Ford um manancial de ideias para refletir sobre o tema. Uma geração está crescendo à sombra de sites como Orkut e Facebook (este último esteve recentemente envolvido em uma polêmica judicial envolvendo dados pesoais de usuários), postando relatos de suas vidas para os amigos e para o mundo. O que pouca gente percebe é que quando alguém publica uma foto, um vídeo ou faz uma lista das coisas de que mais gosta em uma comunidade, a informação colocada no ar pode criar uma espécie de “impressão digital do comportamento”, convertendo o usuário em consumidor em potencial. Este é o alerta feito pelo Universia-Knowledge@Wharton. O site da instituição informa que as redes sociais, ao armazenarem estas informações, têm ao seu alcance uma verdadeira galinha dos ovos de ouro, pois elas podem vender essas informações para outras empresas. Existem inúmeras pesquisas sobre as redes sociais e seus impactos sobre os padrões de privacidade, mas nenhuma conseguiu medir ainda as consequências deste processo a longo prazo. Como avalia Peter S. Fader, professor de marketing da Wharton, “a privacidade é um alvo em movimento”. Desde que a grande rede mundial de computadores se firmou como nova plataforma de acesso ao conhecimento, os rumos da comunicação social sofreram profundas modificações, mas seus efeitos ainda não puderam ser sentidos em sua integralidade. A natureza instável e em constante evolução da Internet neste início de século indica que estamos longe de obtermos respostas a tantas problemáticas que se impõem. Neste cenário onde todos são produtores e consumidores de informação, o papel do comunicador, seja ele publicitário ou jornalista, passa a ser o de orientar consumidores e leitores, sem deixar de lado os princípios éticos que regem a profissão, como a defesa da verdade e o compromisso com a democracia e com a cidadania, que devem preceder a qualquer interesse corporativo. ●


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Eleições 2010: a campanha da internet Natalia Zimbrão

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ampanha e-marketing 2.0. Essa será a expressão que, embora pouco usada, pode marcar a campanha eleitoral de 2010 no Brasil e, possivelmente, dos pleitos seguintes. Trata-se da campanha eleitoral na Internet, na qual os políticos utilizam principalmente as redes sociais para se comunicar com o público eleitor. O uso político dessa ferramenta ganhou visibilidade na campanha de Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos em 2008, quando teve, pela primeira vez, intensa exploração de seu potencial eleitoreiro. A campanha bem sucedida de Obama na rede serviu de exemplo para candidatos em outros países, que passaram a se integrar nesse meio a fim de usufruir das possibilidades que ele proporciona. Assim, a campanha na Internet chegou ao Brasil, onde deverá ter relevância na disputa eleitoral deste ano, uma vez que políticos, partidos e militantes já se mobilizam para promover algumas candidaturas na rede. Em apenas alguns minutos navegando

pela Internet é possível encontrar diversos dados e informações sobre os candidatos da eleição brasileira de 2010, seja para presidente, governador, senador ou deputado. Esse material vai desde sites oficiais, blogs, comunidades em redes sociais, como Orkut, até perfis no mais recente microblog Twitter. Todos esses canais se caracterizam não só por promover a comunicação por parte do candidato, mas também por permitir a interação com o eleitor. É justamente essa interatividade que define o termo web 2.0, criado por Tim O’Reilly, fundador da O’Reilly Media, para designar a utilização da Internet como uma plataforma em que qualquer pessoa possa produzir e publicar conteúdos – blogs, YouTube e redes sociais. Explorando essa característica, Barack Obama promoveu, em 2008, uma grande mobilização de eleitores que conseguiu arrecadar cerca de US$500 bilhões em doações e estabelecer contato direto com o eleitor. Durante a campanha propriamenBABEL

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A campanha de Obama tornou-se um marco do novo jogo político, ao inserir as eleições na era do marketing 2.0

No Brasil, o Twitter deve ser uma das principais ferramentas dos candidatos na rede

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te dita, foram utilizados diversos canais, como Facebook, Flickr, YouTube, MySpace, Twitter e outros. Mas o centro da estratégia democrata na Internet se deu pelo site MyBarackObama.com, idealizado por um dos criadores do Facebook, Chris Hughes, e que passou a ser chamado de MyBO. Nele, o eleitor podia cadastrar-se como voluntário e até criar um blog próprio em apoio à candidatura de Obama. A mobilização do eleitorado aproveitando as alternativas da Internet foi inclusive utilizada durante as atividades mais tradicionais de campanha, para estimular o envolvimento por parte do eleitor. O especialista em tecnologia da informação, Inácio Rodrigo de Castro, destacou em seu blog como Obama estava “antenado” com a sua campanha digital:

mesmo tempo, recebem as manifestações dos eleitores. Tais candidatos estão presentes também em outras redes sociais, como Orkut e Facebook. Segundo o cientista político Juliano Borges, doutor pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), a campanha na Internet este ano deve ser usada na mobilização intensa das redes sociais, deixando em segundo plano as estratégias anteriores que ficavam focadas nos sites oficiais. Porém, para além das campanhas dos próprios candidatos, a Internet serve também para dar lugar à atuação de outras pessoas, muitas praticando uma campanha negativa em relação a determinado candidato. Reportagem da Folha de S. Paulo de 19 de abril trouxe levantamento realizado pelo jornal sobre blogs de militância que trazem ataques aos adversários políticos. Segundo o ─ No ponto alto do evento, depois de um repórter Ranier Bragon, naquele mês foram discurso empolgante, Barack convocou os mais numerosos na rede os sites dilmistas presentes a se juntar à campanha. Como? anti-Serra, como “Anti-tucano”, “Os amigos Gritando em alto e bom som algo como: do presidente Lula”, “Inimigos de José Ser“peguem seus celulares agora, digitem ‘Join’ ra”, “Blog da Dilma”. Dentre os sites tucanos, e enviem o SMS para o número X”. Feito. destaca-se o “Gente que mente”, criado pelo Isso foi o bastante para que os presentes se PSDB para postar ataques a Dilma e à camconectassem à campanha através do mais panha petista. “íntimo” dos seus aparelhos. E foi também Juliano Borges destaca que esse tipo de o adeus definitivo às velhinhas voluntárias campanha na Internet é o mais realizado no que recolhem assinaturas no bom e velho Brasil. Ele lembra a disputa de 2002, quanpapel, ao lado do palanque. do Ciro Gomes (então no PPS) sofreu ataques serristas por meio de sites piratas e eCom a eleição de Obama, sua campanha mails virais. Os danos que essas campanhas tornou-se um marco do novo jogo político, podem causar, no entanto, são difíceis de ao inserir as eleições na era do marketing ser mensurados. 2.0. E por isso, serviu de exemplo para que candidatos em outros países desenvolves- ─ Isso porque também se deve levar em sem suas estratégias de atuação na Internet. conta o tipo de ataque e a credibilidade das No Brasil, o Twitter deve ser uma das informações que circulam. Por exemplo, a principais ferramentas dos candidatos na campanha de 2010 mal começou e já circurede. Os candidatos à Presidência José Ser- lam em listas de email mensagens atacando ra (PSDB), Dilma Rousseff (PT), Marina Silva Dilma Rousseff, caracterizando sua resistên(PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) já cia à ditadura como “ato de terrorismo” ou possuem perfil no microblog. Fazem atuali- apontando-a como “assaltante de bancos”. zações regularmente, com informações sobre a eleição, suas agendas, opiniões e, ao O cientista político considera pouco pro-


vável que usuários da Internet sem predisposição contrária a Dilma se deixem levar por essas táticas, em geral consideradas na rede como hoax (boatos ou distorções). Além disso, tais esforços devem atingir uma parcela pequena da população. Segundo pesquisa TIC Domicílios 2009, do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br), apenas 43% da população brasileira tinha acessado a Internet pelo menos uma vez nos três meses anteriores ao levantamento, realizado no ano passado. A penetração ainda limitada da Internet

entre os brasileiros é apontada por Juliano como um dos principais pontos a diferenciar a campanha eleitoral no Brasil da de Barack Obama nos EUA. Ele afirma não haver dúvida de que “a televisão ainda é o principal meio de comunicação política do Brasil”, donde se pode notar a força do horário eleitoral nas campanhas. E por isso diz que “é de se esperar que os efeitos sejam mais significativos quando as ações forem concebidas e voltadas para os grupos que efetivamente utilizam a Internet de forma intensa, que já a tenham incorporado como meio de comunicação”. ●

Uma legislação específica para a rede Neste ano, a legislação eleitoral contará com capítulo próprio para fiscalizar e controlar o uso da rede. Para a professora de Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Vânia Siqueira Aieta, essa legislação específica para a campanha na Internet apresenta uma importância esvaziada pelo fato de ser uma “tarefa inglória”: ─ Campanhas negativas de cunho acentuadamente depreciativo podem gerar a obrigatoriedade de o blog indenizar a pessoa atingida, mas o que fazer quando a origem é de um provedor no exterior? Até entrar com o processo, esperar a intimação através de data rogatória etc, o mal já está feito. Os candidatos poderão trabalhar com blogs, redes socias, YouTube. Ou seja, não serão obrigados a criar sites oficias com o endereço terminado em “can.br”, como nas outras eleições. De modo geral, a campanha na Internet deverá seguir a legislação que norteia todas as formas de propaganda eleitoral. Alguns pontos específicos, entretanto,

são polêmicos. O cientista político Juliano Borges aponta o direito de resposta como um ponto delicado, que ultrapassa estas eleições: “Diz respeito a um dos principais dilemas jurídicos para a Internet: como regular os abusos sobre o excesso de liberdade que a rede permite?” Outro ponto é a proibição do anonimato durante as campanhas em rede. Para Vânia Aieta, não é possível fazer essa proibição. “A melhor forma de controle é desconsiderar as denúncias anônimas, pois são covardes e geralmente produzidas pelos próprios adversários”, defende. Ela, no entanto, ressalta que o anonimato é proibido pela Constituição. A legislação eleitoral permitiu, ainda, doações financeiras às campanhas através da Internet. Juliano afirma não ser possível saber se essa forma de financiamento terá resultado. Ele lembra que, no Brasil, não há uma cultura de doações por parte de pessoas físicas para partidos e candidatos. Vânia concorda que se trata de uma realidade americana e acrescenta que, embora ache importante estimular o pequeno doador, não crê “que a rede incrementará tal objetivo, pelo menos em curto prazo”. BABEL

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Os candidatos na era das redes sociais Maria Luísa de Melo

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ão basta ser candidato, tem que “twittar”, “blogar” e “orkutar”. Estar plugado nas redes sociais parece ser o mais novo desafio para a classe política do país que vai enfrentar as urnas eleitorais no dia 3 de outubro. Se antes eles contavam apenas com o espaço na tevê e no rádio, e com sua página na Internet (a famosa can.com), um novo universo de divulgação e interatividade se abre para quem precisa do voto do povo. Com a nova legislação e com o sucesso da campanha de Barack Obama utilizando as tais redes, os políticos brasileiros têm se valido dessa liberdade para expressar sua opinião sobre qualquer assunto e angariar eleitores em redes sociais como o Twitter, o Orkut, o Facebook e o Formspring.me. Na crista da onda, o microblog tem sido uma das principais ferramentas utilizadas pelos políticos brasileiros. O que tem maior número de seguidores é o perfil do governador de São Paulo, José Serra, seguido por 246.494 pessoas. Em seguida está o vereador paulista Gabriel Chalita, com 47.170 seguidores. E, em terceiro lugar, o deputado federal Fernando Gabeira com 37.436. Para além do Twitter, já tem candidato criando até rede social pró-

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pria, como é o caso do ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia. O economista, aliás, é um dos principais expoentes entre aqueles que apostam nas redes sociais para a garantia de uma prática política constante, independentemente das campanhas eleitorais. Desde 2001, César Maia mantém um blog que discute episódios da política nacional e internacional, entre outros assuntos, sem deixar faltar, é claro, umas alfinetadas no governo federal. O blog transformou-se em newsletter a partir de 2005. O motivo, segundo Maia, é que o grande número de acessos e a necessidade de atualizações durante o dia criavam problemas. Assim, a ferramenta passou a ser uma newsletter, ou “Ex-Blog”, como ele prefere chamar, emitida de segunda a sexta, às 9h da manhã. O nome “Ex-blog” foi mantido porque, segundo ele, faz referência ao blog ─ o único conduzido por um político brasileiro naquele momento. O sucesso da ferramenta foi tanto que, por diversas vezes, os assuntos enviados para as 39 mil pessoas cadastradas para receber suas mensagens chegavam a ser pautados nos jornais cariocas. Diante do interesse, em 2009, o ex-prefeito decidiu então criar perfis no


─ Internet é um dos meios à disposição dos candidatos. Estes devem entender a dinâmica de cada um, desde os tradicionais meios de comunicação de massa até a Internet. Deve-se usar todas as mídias. Não usar a Internet é não ir ao limite do potencial de votos. Usar apenas a Internet é não ter os votos necessários. Dentre os deputados federais, por exemplo, a adesão ao Twitter foi de quase 50%. Dos 513 deputados federais, 250 mantêm atualizado seu perfil no microblog e “twittam” com frequência, não apenas sobre política. Depois do assunto eleições, os mais tratados têm sido esporte ─ talvez pela coincidência do período de Copa do Mundo ─ e cultura. Um dos deputados federais que não abre mão do Twitter é Brizola Neto, com 2.920 seguidores. Esta semana o deputado anunciou no microblog a primeira exibição da TV Tijolaço (blog mantido por ele desde julho de 2009). Como de costume, ele utilizou o Twitter para divulgar suas matérias postadas no blog (www.tijolaco.com). Além disso, o político utiliza o microblog para alfinetar publicações de blogueiros como o jornalista Ricardo Noblat. Entre os Senadores, a adesão ao microblog não tem sido alta. Dos 81 Senadores, apenas 32 mantêm Twitter atualizado. Enquanto isso, entre os vereadores de todo o

─ Estou me inteirando da legislação sobre o financiamento da campanha eleitoral através da Internet. Apesar de ter notado que toda “reforma” eleitoral dos últimos anos vem sempre no sentido de facilitar para quem tem poder econômico, e de dificultar para quem trabalha com valores ideológicos na transformação social, vou me aproveitar de todas as possibilidades do financiamento de pessoas físicas pela Internet, com absoluta transparência.

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país, apenas 68 possuem o microblog. E entre os deputados federais, 38. No conjunto dos prefeitos, a proporção é ainda menor (12). E entre os 27 governadores, apenas quatro possuem microblog. Para o cientista político Juliano Borges, em comparação ao que foi verificado nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos, a Internet no Brasil não vai ter a mesma força para eleger um presidente. O motivo? O acesso à rede ainda é muito pequeno se comparado, por exemplo, à tevê ou ao rádio. Com relação a arrecadar fundos para a campanha eleitoral através da Internet, como Obama fez, com êxito, nos Estados Unidos, o jornalista, ex-deputado federal pelo PT em dois mandatos, e ex-deputado estadual, Milton Temer, do PSOL, acredita que essa seja uma maneira de os partidos menores conseguirem doações através de pessoas físicas. Nas eleições que se aproximam, Temer vai concorrer a uma das duas cadeiras do Rio de Janeiro no Senado Federal.

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Orkut, no Facebook e no Twitter. Além disso, em seguida, criou a Rede CM, uma rede de relacionamentos própria. No entanto, o sucesso conquistado no “Ex-blog” ainda não foi replicado nas demais redes. Na Rede CM, por exemplo, César Maia conta com pouco mais de 1.600 membros. No Twitter, seu número de seguidores é de apenas 8.695. Questionado sobre a utilização das redes sociais como auxílio para a campanha rumo ao Senado este ano, César se defende: “Foi a maneira encontrada de manter contato com o eleitor, independente de campanha”. O exprefeito acredita que os candidatos devem se valer de todos os tipos de mídia e entender a dinâmica de cada uma delas para se dar bem nas eleições:

Para Temer, que possui perfis no Twitter e no Facebook e rejeita o Orkut por considerálo uma ferramenta mais voltada para o trato pessoal, não há como comparar a importância do rádio e da televisão com a Internet no que tange à campanha eleitoral. ─ O porcentual de brasileiros conectados à rede é infinitamente menor do que aqueles que o fazem nos países capitalistas mais poderosos. Mas para o âmbito do eleitorado que pretendo alcançar (aquele eleitorado disperso, mas nem por isso desligado da conjuntura e da informação), creio que a Internet possa ser muito útil. ● BABEL

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Interrompemos nossa programação para o horário de piadas gratuitas Renata Sofia Freire

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ona Marina, a senhora é mais serra pelada ou mata atlântica?” Com essa pergunta maliciosa, o programa “Custe o que custar” (“CQC”), da TV Bandeirantes, tenta quebrar a seriedade da candidata à Presidência Marina Silva. “Nunca antes na história desse país” o político participou tanto da piada de corpo presente. É a nova face do humor, explorada em programas como “CQC” e “Pânico na TV”, da Rede TV!. Na história da recente democracia brasileira, a política sempre foi alvo de humor, seja nas sátiras do “Casseta e Planeta”, seja nas charges impressas em jornal. O que chama a atenção agora é que o humor não se contenta mais em representar os políticos em desenhos e caracterizações: o alvo da piada é o próprio político, em carne e osso. Perguntar aquilo que não cabe na pauta do jornalismo e convidar os engravatados para dançar o Rebolation são estratégias que vão além de fazer rir o telespectador: mais que personificar a brincadeira, o político se vê numa verdadeira saia justa ─ ou aceita virar piada ou banca o antipático. O humorista Ulisses Mattos e o cientista político Juliano Borges, ambos formados em jornalismo, concordam que programas como “CQC” e “Pânico na TV” podem até permitir

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que o público venha a conhecer os políticos e que, na hora de votar, use esse conhecimento para balizar sua escolha. Mas esse meio não deveria ser o padrão. ─ Não duvido que muita gente só chegue a conhecer os candidatos nesse tipo de programação, porque a ignorância política do povo é vasta. Claro que o melhor seria se o eleitor buscasse conhecê-los através de jornais e revistas, e através de pesquisas sobre a história de cada um, diz Ulisses. Juliano reconhece nestes humorísticos um canal de visibilidade política, mas destaca que visibilidade não é tudo: é necessário que se avalie a qualidade dessas aparições já que “os candidatos quase sempre são ridicularizados pelos humoristas, cujas críticas não costumam contextualizar politicamente o telespectador”. Mesmo que a linguagem desses programas não dê espaço para análises políticas profundas, Ulisses acredita que eles podem despertar o interesse do eleitor: ─ Se houver algum escândalo durante a campanha, podemos ter certeza de que isso vai virar um quadro em um programa humorístico. Através dessas piadas, o eleitor pode até


se interessar por saber do que se trata aquela de não ser interessado no assunto, mas sabe zombaria, qual é a explicação. de todas as novidades da rede: o jovem. Em suas palestras e entrevistas pelo Brasil, é posEle também acredita que o humor feito sível ver o comandante do “CQC”, Marcelo à custa dos políticos em geral, e não apenas Tas, repetindo a afirmação de que “o humor dos candidatos, possa trazer um esclareci- é um caminho que se encontrou para falar mento às avessas: com essa garotada que está cansada de discursos chatos”. Ulisses ilustra a afirmação de ─ Dificilmente políticos bons e limpos apare- Tas com o caso de outro político: o senador cerão nas pautas. A piada feita com os maus Suplicy, que vestiu uma cueca vermelha para políticos dá ao eleitor, pelo menos, a ideia de o “Pânico na TV”. Apesar de, na ocasião, sua quem são os que estão envolvidos em falca- atitude ter sido considerada uma falta de truas e acusações. Assim ele pode saber em senso de ridículo por parte do petista, Suplicy quem não votar, comenta Ulisses. “soube cavar um espaço invejável na TV através desses programas, tornando-se mais simApesar de ainda não haver nenhum manual pático ao público jovem”. de relacionamento com humoristas, como os que O que faz um assunto sério como política orientam a figura pública a lidar com a imprensa, render tanta piada? O comediante Ulisses dealguns políticos parecem enxergar nos humorís- fende que esse assunto se encaixa no que ele ticos um espaço de divulgação de sua imagem próprio denomina humor de revide. Essa moonde antes só viam risco de ridicularização. dalidade é praticada com aqueles que, de alguma forma, fizeram por merecer tornar-se alvo ─ Ser alvo de gozação não é propriamente de zombarias. E nada melhor, diz ele, do que positivo, de fato. Mas isso não significa que a ver os “safados e ladrões” sendo ridicularizapiada não possa “cair bem” em certas ocasi- dos. Mesmo que não exista nenhuma denúncia ões, pondera Juliano. grave de corrupção envolvendo os candidatos atuais, eles ainda fazem de um grupo que tem Ulisses exemplifica essa atuação política uma carga muito negativa ─ os políticos com a atitude de Paulo Maluf com os repórDos candidatos à presidência, quem vai teres do “CQC”: ser motivo de mais gargalhadas? Ulisses parece esperar um festival de sátiras: ─ Existe a possibilidade de o político se safar da zombaria, ou de tentar mostrar as coisas ─ É impossível fugir de um humorista. Todos como acredita serem. Um exemplo disso foi rendem piada de alguma forma. Podem sacaquando o “CQC” levou Maluf para dentro de near a antipatia do Serra, e as tentativas que uma van, esperando a hora de sair para fa- ele faz para parecer legal. No caso da Marina, lar diretamente com pessoas abordadas na não é difícil extrair humor de situações em rua, que sem saber de sua presença, quase que ela apareceria em exageros ecológicos, sempre faziam comentários negativos sobre ou mesmo explorando as crenças mais radio político. Ali, Maluf topou participar de uma cais dos evangélicos. E também dá para falar brincadeira, na qual muitos o chamavam de da Dilma, mostrando-a como marionete ou ladrão, e soube aproveitar a oportunidade como o poste escolhido pelo presidente, ou para retrucar com frases como “você já viu mesmo apresentando-a de uma forma comialguma prova disso?” camente autoritária. Só que, mesmo que tenha o espaço para responder, a classe política ainda pode se complicar muito com o raciocínio rápido de quem sabe fazer rir. Ulisses e Juliano concordam que as reações tendem a ser espontâneas. E um pequeno deslize pode gerar uma enorme repercussão. Como Juliano lembra, a reprodução no YouTube e a replicação via redes sociais podem causar grandes estragos. Submeter-se à piada também pode ter sido um caminho que os políticos encontraram para falar com um grupo que tem a fama

Juliano também acredita no potencial dos três principais concorrentes à presidência: ─ Todos são igualmente pouco humorados. Isso, às vezes, é justamente o componente necessário para satirizar.

“É impossível fugir de um humorista. Todos os candidatos rendem piada de alguma forma” Ulisses Mattos

“Todos são igualmente pouco humorados. Isso, às vezes, é justamente o componente necessário para satirizar” Juliano Borges

E como um bom humorista, Ulisses não poderia se esquecer do político que mais divertiu os brasileiros: “Ainda não encontrei ninguém com o potencial de um Enéas. Mas o show ainda não começou” . ● BABEL

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O perfil nada frágil das jornalistas no front da reportagem A inserção feminina em universo tipicamente masculino e a batalha diária travada pela imprensa de saia

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rimeiro elas conquistaram o direito ao voto. Depois tiveram que ocupar o lugar dos homens no mercado de trabalho em consequência das Guerras Mundiais. Aí veio o ingresso massivo às universidades. Agora vêm se instalando em cargos de chefia, disputando um espaço predominantemente ocupado por homens. As mulheres saíram às ruas em busca de igualdade profissional e ainda hoje vêm travando uma luta contra o preconceito e a discriminação de gênero. Atualmente, no jornalismo, o mercado de trabalho assiste à ascensão cada vez maior da população feminina. Apesar de a jornada ter sido dura, algumas barreiras im-

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Alexandra Barbora portantes já foram rompidas. Até pouco tempo, as mulheres levavam desvantagem nos processos de seleção. Independentemente da experiência acumulada ou do talento para a função, muitas empresas acreditavam que a atenção dada por elas ao lar, ao marido e aos filhos poderia representar um empecilho ao trabalho. Essa visão retrógrada e preconceituosa virou coisa do passado. O que antes era visto como um fator negativo, hoje é encarado como uma qualidade. A busca por profissionais cada vez mais versáteis e preparados para atuar em diversas frentes colocou a mulher em condição


de alta competitividade: polivalente por formação, ela está acostumada ao acúmulo de funções e à simultaneidade de tarefas. Como se não bastasse um aumento da participação feminina nos últimos anos em áreas classicamente destinadas aos homens, elas agora despontam em carreiras antes impensáveis para o chamado sexo frágil. Hoje é possível vê-las perfurando poços de petróleo, comandando tropas e pilotando jatos. A desconfiança da capacidade feminina vem de longe e por diversas vezes foi retratada no cinema. Como não mencionar o filme “Menina de Ouro” (2004)? Nele, um treinador de boxe veterano se recusa a treinar uma lutadora amadora: por questão de princípios, não treina mulher, ainda mais uma que ele considera muito velha para começar a carreira. Tanto na ficção quanto na vida real, superação é a palavra-chave na vida de qualquer profissional. Elas venceram o preconceito, a desconfiança e as diferenças salariais; alçaram novos voos e conquistaram um lugar para si. A vida não se cansa de revelar exemplos de verdadeiras guerreiras. Assim como a lutadora da ficção, a pugilista Laila Ali, filha do lutador Mohamed Ali, segue firmemente os passos do pai em carreia que exige força e resistência físicas. Silvia Regina de Oliveira abriu as portas de um novo mercado de trabalho ao despontar como a primeira mulher a apitar um jogo de futebol do Campeonato Brasileiro da série A. Marta, atacante da Seleção Brasileira de futebol, foi considerada quatro vezes consecutivas a melhor jogadora do mundo, superando as marcas dos craques Ronaldo e Zidane (cada um deles com três títulos), e fazendo um país se render ao talento do até então quase desconhecido futebol feminino. A inserção da mulher na imprensa brasileira deu-se no início do século XX, mais precisamente a partir da década de 1940. No começo, mulher em redação só trabalhava em culinária, suplemento feminino, os chamados assuntos de cama e mesa. Com o processo de profissionalização do jornalista, veio também o aumento da feminização da carreira, como informa Paula Melani Rocha, professora de jornalismo da UniCOC e doutora em Sociologia. Hoje, o número de mulheres que ingres-

sam nos cursos de graduação em jornalismo é superior ao de homens e é notória sua participação em veículos tradicionais como rádio, TV e principalmente nas mídias impressas. A profissional de jornalismo não teme o trabalho pesado: dependendo da área de atuação, assim como os homens, ela chega a encarar uma dura jornada que oscila entre sete horas e meia a doze horas diárias, inclusive com plantões nos finais de semana e feriados. Andréia Maciel ou “Maria Chuteira” como é conhecida, faz parte do grupo de jornalismo esportivo da Rádio Globo. Radialista desde 1984, Andréia diz que o amor pelo futebol influenciou sua escolha pelo jornalismo esportivo: “Eu observava meu pai ouvindo seu radinho de pilha, virou a minha paixão”. Andréia começou a carreira em uma rádio de Teresópolis, onde comentava os lances e os resultado dos jogos. Sempre com irreverência, sua marca registrada até hoje, não perdia a oportunidade de ir à sede da CBF, na Granja Comary, quando a Seleção ou os grandes times lá se concentravam. Apesar da crescente presença feminina no esporte, a jornalista afirma que ainda existe preconceito contra a mulher que trabalha com futebol: ─ Infelizmente sempre tem, mas essa postura machista tem diminuído. Até porque hoje, a profissional e as mulheres de uma maneira geral, entendem as regras do jogo. Se você é competente e tem amor pelo que faz, não há quem possa dizer nada em contrário. A repórter Mariana Becker é mais uma que venceu a barreira masculina que existia na cobertura de Fórmula 1. Com 15 anos de Rede Globo, a repórter gaúcha, em entrevista ao site Globo.com, conta que, quando estreou em 2007, passou por uma prova de fogo: ─ De cara, peguei corridas nada fáceis. Ao mesmo tempo em que fiz etapas que há tempos sonhava cobrir, como o GP da Europa, em Nürburgring, e o da Bélgica, em Spa-Francorchamps, tive pela frente uma “bomba” política: o julgamento do caso de espionagem envolvendo as equipes da McLaren e da Ferrari. BABEL

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Roberta Trindade em mais um dia de trabalho

Mariana revela que sua paixão pela velocidade vem de longe, e que já participou de diversas competições automobilísticas.

─ Já corri em três edições do Rali dos Sertões, e como competidora mesmo. O primeiro que fiz, em 2000, foi como navegadora; os outros dois, em 2001 e 2003, foi pilotando, conta no site. Mariana destaca que, trabalhando em cobertura automobilística, o preconceito parte do público, que, segundo ela, ainda está se acostumando com a reportagem feminina na modalidade. ─ Não vou negar que tem gente que olha atravessado, um povo meio ressabiado... Mas eu tiro de letra. Acredito que, por ser mulher, possa ter uma ótica diferenciada sobre a competição, e, por ainda estar começando na cobertura da categoria, consigo ter uma abordagem nova do que vejo, diz. Uma das áreas mais difíceis de atuação dos profissionais de jornalismo é aquela ligada à violência. Subir e descer morros, ficar na frente da linha de tiro entre polícia e bandido, tem exigido do jornalista muito mais do que coragem. A jornalista Roberta Trindade é Editora de Polícia do jornal Povo do Rio. Sua paixão pela profissão começou aos 11 anos, quando, com a ajuda do pai criou um jornal de bairro com textos, desenhos e piadas, distribuindo-o nas caixas de correio de seus vizinhos. Quando começou na profissão, Roberta tinha o sonho de trabalhar como repórter esportiva, mas ao cobrir as férias de um repórter policial, nunca mais saiu dessa editoria. Trabalhar com questões relacionadas à segurança é sempre muito complicado. Segundo ela, algumas empresas, como a Rede Globo, adotaram medidas de segurança após o assassinato do jornalista Tim Lopes, mas nos outros veículos, geralmente, a decisão

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de expor-se em situações de insegurança fica a cargo da equipe. A jornalista também diz que nem todas as matérias feitas em comunidades contam com a presença da polícia. Até porque, na sua opinião, “proteção da Polícia” nem sempre é sinônimo de estar protegido. Ela ainda relembra as situações difíceis por que passou nesses dez anos de carreira. ─ Entre muitos momentos tensos, o de maior tensão é sempre o último que, se não me engano, ocorreu no meio do ano passado, no Morro Pavão-Pavãozinho-Cantagalo, em Copacabana, na Zona Sul do Rio. Acompanhava uma equipe da Delegacia de Combate às Drogas (DCOD) e quando chegamos ao alto do morro, houve uma separação e ficamos ao lado de dois policiais, encurralados durante troca de tiros entre traficantes e policiais que estavam no helicóptero da Polícia Civil. Os policiais mandaram que eu entrasse em um buraco para me proteger e acabei sendo esmagada pelo fotógrafo que, apavorado, tentava entrar onde eu estava, mesmo não havendo espaço para ele, recorda. Para não cometer erros na hora de escrever as matérias, Roberta fez dois cursos por conta própria. Um na Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e ao Desenvolvimento da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (Faepol), de Noções de Direito Penal e Processual. E outro de Noções de Armamento e Munição, para aprender um pouco sobre armas. De acordo com ela, essas sugestões foram dadas por policiais, no momento das operações. Como em qualquer outra profissão, a editora de Polícia relata que também já sofreu discriminação por parte dos colegas. – Muitas pessoas acham que a maior dificuldade de se trabalhar em um meio considerado masculinizado é lidar com as fontes e os personagens. Ao contrário, a dificuldade só existe no meio no qual estamos: os próprios “coleguinhas” são nossos algozes. Já sofri preconceitos por parte de colegas de profissão, mas, depois de uma década de carreira, a gente aprende a lidar – e a ignorar – certas atitudes, conta. ●


YOUTUBE.CO

Perdoem nossas falhas: o constrangimento ao vivo

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Fátima Machado

oites mal dormidas, alimentação irregular, muitas horas de trabalho, pouco tempo com a família, preocupação de cumprir o deadline, estresse, muito estresse. Assim Rômulo Gomes, jornalista do site Canal da Imprensa em sua matéria “Jornalista no divã”, descreve a rotina dos profissionais da imprensa. Vida de jornalista é correr contra o tempo: sua matéria-prima, a notícia, é altamente perecível, perde a atualidade rapidamente – e quando envelhece, deixa de existir. Na tevê, o jornalista soma as usuais cobranças dos chefes de reportagem à competição por um lugar na janela privilegiada que é o telejornal e à estrutura cronometrada da programação. Além disso, tem de lidar com um fator estressante que não existe no jornalismo impresso: a transmissão ao vivo. No jornalismo televisivo, cuja estrutura é previamente fixada para levar à audiência um panorama completo das notícias num período de tempo determinado, nada pode sair do previsto. Tudo é cronometrado: a abertura do telejornal, as reportagens, os blocos, os intervalos e até as entradas ao vivo. Mais do que

um recorte da realidade, o que vai ao ar é um programa de tevê produzido para funcionar com perfeição. O fato de ser transmitido ao vivo, no entanto, introduz uma singularidade: ali, não se pode evitar que os erros eventualmente cheguem ao público. Apesar de fazerem parte do esquema de transmissão, as falhas sempre surpreendem. Elas invariavelmente expõem o lado humano do jornalista, justamente aquele que deve ficar de fora para garantir o profissionalismo de repórter. Em seu livro “Desculpem a Nossa Falha”, a repórter Fernanda Esteves compartilha a dualidade vivida pelo jornalista: ao mesmo tempo em que tem de ser frio para não se deixar envolver pela situação narrada, ele tem de ser sensível para perceber o fato em sua totalidade. Para ela, o jornalista interpreta um papel de script pronto. Nele, é a notícia que tem que brilhar. Porém, na televisão mais do que no impresso, o jornalista muitas vezes atrai a atenção para si quando as câmeras captam suas falhas, que podem ser tanto o erro na verbalização da notícia quanto o incidente técnico ou a intromissão da emoção no território da objetividade. BABEL

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Emoção no ar Segundo Ana Carolina Rocha Pessoa Temer, doutora e mestre em Comunicação Social, em entrevista à Revista Verso e Reverso, “a emoção é essencial para o telejornal”: ─ A emoção garante que o público fique ligado, não migre para outro canal. Os conteúdos emocionais estão sempre presentes no jornalismo televisivo. Na era do espetáculo, mesmo que possa conferir mais atrativos para o telejornal, a emoção ainda soa como um imprevisto: neste caso é comum dizer-se que o repórter foi traído por ela, que seus sentimentos ficaram inesperadamente à frente da notícia. Foi o que aconteceu com o jornalista e editor-chefe do Jornal Nacional William Bonner, ao dar a notícia da morte do presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, em agosto de 2003. No último bloco, ao ler uma carta dos filhos de Marinho, Bonner não conseguiu conter a emoção. Com lágrimas nos olhos, encerrou o jornal, em cena que foi acessada milhares de vezes no YouTube. Em reação oposta, a jornalista Lillian Witte Fibe acabou protagonizando cena igualmente atípica. Em abril de 2006, no meio da leitura de uma matéria, a âncora do noticiário do Portal Terra não resistiu à história de uma senhora de 87 anos e de seu namorado de 57 anos, presos pelo contrabando de uma enorme quantidade de ecstasy. A jornalista caiu na gargalhada quando reproduzia o depoimento da “velhinha” de que

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imaginava ser viagra, e não ecstasy, o material contrabandeado. Sem conseguir concluir a matéria de tanto que ria, Lilian encerrou o jornal e continuou a gargalhada ao fundo. O humorista e apresentador Jô Soares, ao comentar o caso em seu programa, ao lado de Lillian, defendeu as risadas da colega: ─ Eu adoro isso, pois mostra realmente a verdade das pessoas. Quer dizer, esse senso de humor, essa alegria de menina que, às vezes, se esconde atrás de um profissional. É maravilhoso. Outro que foi vítima de uma dessas traições do humano sobre o profissional foi Zeca Camargo, apresentador do Fantástico, surpreendido com um bocejo no retorno dos intervalos. Restou ao jornalista pedir desculpas ao público e seguir em frente com o programa. No dia seguinte, os numerosos comentários postados no Twitter e o sucesso de visitação do vídeo no YouTube, levaram Camargo a dar explicações pelo site Globo.com: ─ Outro dia, durante uma chamada ao vivo para o programa de domingo, brinquei com a Ingrid Guimarães que se a gente fizesse alguma coisa inesperada, fora do roteiro, além daquilo que o público esperasse, seria um sucesso no Twitter... Acho que o bocejo – quer algo mais inesperado que isso? – foi um bom “piloto” de uma situação dessas. Bonner chorou, Lillian riu, Zeca bocejou. A emoção que tomou conta da repórter Andrea Beron, do programa Câmera Record, foi o medo, que resultou em uma matéria nitidamente conduzida por uma profissional aterrorizada. Em outubro de 2009, Beron teve de se aventurar num dos territórios mais remotos do planeta: Vanuatu, lugar em que vivem os Small Nambas, tribo primitiva que mantinha práticas canibais até recentemente. ─ Os Small Nambas têm um histórico de canibalismo. Eu sabia que o costume não era mais tão forte entre os nativos, mas não estava segura do que iria encontrar. Você confiaria num ex-canibal?, pergunta ela em seu blog.


Erro ao vivo Além de deixar-se trair pelas emoções, um tipo de falha que compromete o trabalho dos jornalistas de tevê é o erro na leitura ao vivo das matérias. Em 2008, ao apresentar o Jornal Hoje, a apresentadora Zileide Silva atrapalhou-se ao tentar ler o teleprompter (monitor que exibe o texto da notícia para o repórter) a ponto de compartilhar com o telespectador sua dificuldade. Suas expressões faciais mostravam nitidamente o nervosismo e a insegurança da jornalista. Mais tarde, em nota pela Central Globo de Comunicação, veio a explicação: sua lente de contato deslocou, causando o problema. Casos como o dela, embora em menor proporção, são comumente vistos no jornalismo ao vivo. Mais que julgar o profissional que erra, o público se diverte com a falha e com a “saia justa” vivida pelo repórter. Incidentes técnicos Embora a grande parte dos telejornais seja transmitida ao vivo, as chamadas da escalada (as manchetes do telejornal anunciadas sempre no início de cada edição) são geralmente gravadas antecipadamente para minimizar o erro no momento de grande tensão que é a abertura do programa. Isso não impediu, todavia, que uma edição de setembro de 2009 do Jornal Nacional exibisse não só o erro do apresentador Heraldo Pereira como também sua reação de irritação com a falha. O jornalista havia gravado a escalada, e devido ao erro, nova gravação havia sido feita, dessa vez sem surpresas. Na hora de soltar o VT (videotape), no entanto, a mesa de edição liberou a primeira versão. Diante do erro técnico e da exibição da reação de Heraldo, a equipe responsável pela liberação do vídeo interrompeu a escalada, deixando a tela escura por alguns segundos. Mesmo sem a entrada de vinheta, o jornal teve início meio atribulado, já que o apresentador ainda se encontrava nervoso. Outro incidente levaria o apresentador do Jornal da Band, Boris Casoy, a ter que pe-

dir desculpas no ar por estas palavras proferidas inadvertidamente em off (fora do ar): ─ Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho. O vazamento do áudio de Casoy causou grande revolta junto aos garis e repercutiu mal junto ao público. Para reverter o caso, no dia seguinte, o ancora do telejornal pediu desculpas no ar pelo que havia dito. Casoy protagonizou ainda mais um incidente técnico em sua carreira. Dessa vez, em dezembro de 2009, no Jornal da Record, o cenário atrás dele pegou fogo com o telejornal no ar. A postura do apresentador diante do fato foi surpreendente: continuou a apresentação do jornal, informando ao público que as cabíveis providências já estavam sendo tomadas. Acostumado com o espetáculo perfeitamente controlado dos telejornais, o público se diverte com as falhas dos jornalistas. Por serem profissionais que se colocam a serviço da notícia – esta, sim, a verdadeira protagonista dos programas jornalísticos – os jornalistas não se perdoam quando, por uma falha qualquer, roubam o brilho da cena. Seus erros parecem depor contra o profissionalismo, expor a face falível do trabalho humano e do show televisivo e, ainda, manchar a credibilidade e a seriedade do trabalho jornalístico. A aura que reveste o jornalista e a estrutura “confiável” do telejornalismo impede que se tratem as falhas na medida de sua dimensão humana e que se riam delas como ocorre em outras áreas da produção televisiva. O quadro “Falha Nossa” do programa de variedades Vídeo Show, da Rede Globo, por exemplo, explora com grande sucesso e sem cerimônia os erros de gravação de novelas e programas de auditório. Os atores e apresentadores têm consciência de que seus erros vão ser exibidos no quadro e de que vão render risos junto ao público. A falha que é constrangedora para o jornalista não precisa pedir desculpas para ir ao ar fora do jornalismo. ●

Clique e assista! Bonner chora a morte de Roberto Marinho http://bit.ly/tmCm5 Witte Fibe ri ao ler notícia http://bit.ly/qgSeX Bocejo de Zeca Camargo http://bit.ly/cvG7ox Zileide Silva perde o TP http://bit.ly/Q2rcV Boris e os lixeiros http://bit.ly/4xslyV http://bit.ly/5O5UXz Incêndio durante o jornal http://bit.ly/aXdtAK Heraldo Pereira irritado http://bit.ly/OgamL

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20 anos de photoshop. E daí? Prêmio Esso de fotografia, Arnaldo Carvalho, fala sobre fotografia, Photoshop e mercado de trabalho

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Paulo Eduardo Gonçalves com a colaboração de Mariana Moreira

homas Knoll não fazia idéia da revolução que ele estaria por provocar quando em 1987, o então estudante de PhD da Universidade de Michigan, resolveu desenvolver um programa para mostrar imagens em escala de cinza em um monitor preto-ebranco. Thomas criava o ImagePro. Em 1990 era comercializada a primeira unidade do programa, desta vez com o nome de Adobe Photoshop. Em 2010 o Photoshop completou 20 anos com muita história para contar. Mas muito, muito mais, ainda está por vir.


Hoje o Photoshop é quase uma unanimidade. As principais publicações do Brasil fazem uso do programa e no mercado são exigidos cada vez mais profissionais que saibam tratar imagens com ele. Isso se aplica também ao próprio fotógrafo, como é o caso de Arnaldo Carvalho, vencedor do prêmio Esso de Fotojornalismo de 2009 e fotógrafo do Jornal do Commercio de Pernambuco:

hoje já sabe que as fotos destas publicações sofrem alterações na pós-produção para “melhorar” o fotografado. Há fatos marcantes na história do mau uso do programa. Em 2009, a campanha publicitária da marca Calvin Klein apresentou modelos com corpos tão desproporcionais que as imagens passaram a ilustrar o uso equivocado do programa. Em 2004, as imagens do atentado terrorista na Espanha sofreram uma “limpeza” ─ Hoje em dia, a maioria dos fotógrafos é tam- para que estampassem as páginas de um jornal bém seu próprio laboratorista, ajustando as espanhol: partes de um corpo foram eliminaimagens em função daquilo que pretendia ao das da foto. A maquiagem ficou nítida quando capturá-la, seja ele fotojornalista ou não. Saímos a mesma foto foi vista sem retoques em publido quarto escuro para a tela clara. O programa cações do resto do mundo. também trouxe benefícios como agilidade e faNa Comunicação Social, casos como estes cilidade. Comecei a trabalhar no analógico e não vêm alimentando uma discussão sobre a ética tenho saudades nenhuma desta época. O digi- da manipulação de imagens pelo Photoshop: tal chegou para facilitar a nossa vida dentro do a imagem fotográfica que sempre foi a prova jornal, no meu caso, o Jornal do Commercio de dos nove da veracidade jornalística deixa de ser Pernambuco. A mudança foi lenta e o processo confiável. Tanto quanto na publicidade, agora gradativo. Começamos em 2003 e no ano de o jornalismo passa a maquiar a verdade para 2006 conseguimos digitalizar todo o processo. efeitos de consumo. Em ambos os casos a credibilidade fica ameaçada. Uma discussão ética na Comunicação Social Para Arnaldo, há uma fronteira entre a edição jornalística e o que ele classifica Nem tudo, no entanto, são flores no mun- como manipulação: do da fotografia digital. Junto com todas as facilidades para o jornalismo, o Photoshop ─ O limite é o meio que a mensagem vai ser trouxe também um grande problema que en- veiculada. Uma coisa é informação com credivolve, inclusive, a ética da profissão: subtra- bilidade e, outra, é publicidade. Editar é escoção ou inclusão de elementos em uma foto. lher, cortar. Apagar elementos é manipular. Ao Dessa forma, hoje uma fotografia, seja ela recortar uma foto, seja para uma composição uma imagem factual ou não, pode gerar dú- mais perfeita ou para valorizar determinado vidas no leitor a respeito de sua veracidade, elemento, eu estou editando; ao apagar elecomo é o caso de revistas especializadas em mentos dentro desta foto, eu estou manipulanboa forma ou revistas masculinas. O público do digitalmente. ARQUIVO PESSOAL

Essas duas fotos mostram o antes e o depois de uma foto tratada por Arnaldo Carvalho. A foto original (esquerda) é um pouco maior que a editada (direita) ─ Arnaldo cortou um pouco o quadro da imagem. Na imagem da direita há ganho no contraste, com maior evidência de tons claros e da luz. Ou seja, a edição feita por um fotojornalista é restrita e não altera a realidade da fotografia, faz apenas pequenos ajustes. Os mesmos ajustes que eram feitos desde os tempos do filme fotográfico tratado em laboratório.

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Arnaldo Carvalho Nasceu em Recife no ano de 1972. Começou no fotojornalismo ainda estudando jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco, em 1994. Em 1997, começou estágio no Jornal do Commercio, e no fim do mesmo ano foi contratado como profissional. Em 2001, passou a exercer a função de editorassistente de fotografia do JC onde continua até hoje. Vencedor do Prêmio Esso, com o trabalho “Exilados da Fome” (2009) e do Prêmio Cristina Tavares de Jornalismo (2008). Esportes e pautas de cunho social são os trabalhos que mais gosta de fazer. Arnaldo disponibiliza uma página na web com foto de seu trabalho. Mas atenção! São fotografias fantásticas! www.flickr.com/photos/acarvalho

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Não é de hoje que a manipulação acontece na fotografia. Antigamente, no analógico, a alteração de uma foto era uma técnica dominada apenas por profissionais que trabalhavam com o negativo da foto, considerada praticamente uma arte. Fazer essas manipulações com primazia era comum no governo comunista de Stálin na antiga União Soviética: quando um ex-companheiro virava inimigo, sua imagem era eliminada das fotografias oficiais. Hoje, o talento para a manipulação não é mais restrito aos artistas da fotografia, já que qualquer adolescente consegue manipular uma imagem. Segundo Arnaldo, entretanto, não se deve somente culpar o Photoshop. É preciso ter cuidado com o que se publica nos veículos jornalísticos: ─ Não vai ser o Photoshop que vai gerar esse ceticismo, mas a forma como isso é colocado e informado aos leitores. O maior patrimônio de um jornal é a sua credibilidade. Levam-se anos para construí-la e basta um deslize para derrubá-la: um texto mal apurado, uma foto manipulada. O Photoshop deve ser utilizado com parcimônia em material produzido para fins de informação. A manipulação digital não deve ser usada no fotojornalismo sem que o leitor seja informado explicitamente em crédito, pois se assim não o for, é estelionato. É vender o “irreal” como “real”. Particularmente não gosto de manipulação digital de nenhuma espécie, mas diretores de arte não pensam da mesma forma. Em meio a este turbilhão de mudanças, onde fica o bom fotógrafo que sempre soube fazer seu trabalho sem o Photoshop? Especialização é a palavra-chave. Ele deve saber fotografar como sempre fotografou, mas, se não dominar o uso do programa, deve saber ao menos o potencial do programa, o que pode ser melhorado na fotografia. Ao mesmo tempo, não se pode achar que a fotografia de hoje se resume ao Photoshop, afinal nada substitui a visão e a linguagem do fotógrafo. ─ O momento pré-fotografia e o pós-fotografia tem de andar lado a lado, eles se completam e não devem acabar. Todo o processo do pré e do pós deve ser dominado. Não adianta capturar a imagem de qualquer jeito e deixar para resolver depois no Photoshop. Quanto melhor desempenhadas as etapas do pré e do pós, melhor será o produto final. O futuro dessa relação eu não sei qual vai ser, mas sei que o fotógrafo atual tem de dominar a cada dia muito mais técnicas que o fotógrafo de ontem, completa Arnaldo. ●

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Fotos modificadas bem antes da invenção do Photoshop Acima, três fotos foram compostas para ser criada apenas uma, a do topo da página. Foi retidado o rosto do homem de uma foto, o cavalo e a paisagem de outras. Isso no século XIX.

Ao lado, uma das famosas manipulações comunistas. Em uma foto, Stalin com um aliado ou membro do Partido. Depois, o “amigo” não existe mais. Ou melhor, nunca existiu.


Imagem e cidade: a convergência necessária

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através da percepção visual e auditiva que nos relacionamos com as pessoas à nossa volta, e o conhecimento adquirido dos fenômenos culturais é controlado por nossa habilidade em corresponder e compreender. A câmera fotográfica ou digital, por exemplo, apresenta um sistema ótico sem processo seletivo que, sozinha, não oferece meios para contornar a necessidade que temos em experimentar a sensibilidade perceptiva. É sempre contraproducente permitirmos que a técnica se interponha entre o fotógrafo, as circunstâncias humanas que o envolvem, as minúcias da observação e o seu critério de escolha. Raras vezes a carência de perícia técnica provoca um obstáculo nesses três campos que envolvem o ato de fotografar. Somente a sensibilidade humana pode abrir os “olhos” da câmera de forma significativa para a natureza fragmentada da vida moderna. Essa fragmentação está focada nos locus urbanos que caracterizam a cidade do Rio de Janeiro. São espaços com dinâmica própria, personagens distintos e arquitetura específica. Com significados diferentes. A cidade é, sob determinadas situações, o espaço social no qual a imagem fotográ-

fica ou digital tem percorrido, pelas suas lentes, e deflagrando uma documentação expressiva desde o século XIX. A fotografia documental urbana encontra analogias e diversidades com a cidade quando estabelece a sua expressividade secreta, evidenciada pelo detalhamento e a dissecação dos locus urbanos, para recolher, sem gestos sentimentais, as marcas do privado no cenário público. Essa é a razão pela qual a imagem fotográfica ou digital está visceralmente ligada à cidade. Uma depende da outra. Por essa razão, vimos desenvolvendo o projeto Programa de Referência Visual do Rio de Janeiro, com a finalidade de localizar, identificar e roteirizar os locus urbanos. Ele está integrado à dinâmica desenvolvida na disciplina Fotojornalismo I, semestralmente. A cada período acadêmico, novos grupos de alunos são estimulados a produzir imagens com características documentais, a partir do rastreamento do espaço urbano para a identificação do assunto a ser documentado. Através dessa produção visual, a relação da imagem fotográfica e digital com a cidade tem resultado em uma convergência latente, pois ela é o elo de uma mo-

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Prof. Ricardo de Hollanda

Ricardo de Hollanda é Mestre e Doutor em Ciência da Informação, com formação em Jornalismo e Fotografia Profissional. Criou as Oficinas em Fotografia do Departamento Cultural e é professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ, onde coordena o Laboratório de Pesquisas em Imagem Documental e Jornalística, desenvolvendo atividades vinculadas ao projeto Programa de Referência Visual do Rio de Janeiro.

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dernidade. A cidade torna-se um tema privilegiado e tradicional para a imagem documental, de tal modo, que a paisagem urbana pode ser considerada como um gênero fotográfico, pois a imagem naturaliza a cidade que, passa a ser um organismo vivo. Ela pode ser considerada uma arte de pedestre e quase sempre uma prática do flâneur. E, nisso, o flâneur, é o primeiro herói da modernidade que se arrisca a navegar pelo deserto dos homens, o primeiro expert na ciência da exploração urbana. Possivelmente, a sua versão contemporânea seja a do fotógrafo que, condenado ou ligado visceralmente à existência da cidade, observa e aceita o universo urbano em constante mutação ─ uma característica tão comum entre as cidades. Poderíamos afirmar que o fotógrafo é a versão mecânica do flâneur. Assim, a cidade e a fotografia ajustam-se, perfeitamente, como se fossem feitas uma para a outra. E é nisto que o espaço discursivo da imagem se assemelha ao espetáculo moderno da metrópole: uma predileção congênita pelos fragmentos e pelos registros que constituem os ingredientes da experiência cotidiana. É que pela dinâmica moderna da cidade se acolhe uma incontável quantidade de visões rápidas, partes de conversas, retalhos de encontros. A rapidez da vida nas ruas e o seu aspecto contemporâneo coincidem, em seu dispositivo essencial, com o atributo da imagem fotográfica e digital. Só ela é capaz de registrar, em seu aparato mecânico, a precipitação incessante do novo, através da

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concisão do preto e branco ou pela policromia que as cores oferecem. As produções visuais aqui apresentadas retratam alguns espaços representativos da cidade do Rio de Janeiro. As pesquisas de texto e de campo proporcionaram a escolha das imagens produzidas e editadas, posteriormente. São fragmentos visuais que denotam a visão particularizada de cada aluno com trabalhos excepcionais sobre o Campo de Santana, o SAARA, o Arco do Teles, a Feira de São Cristóvão, o Palácio Gustavo Capanema, entre outros espaços. São representações visuais significativas que valorizam o projeto Memória Visual do Rio de Janeiro do Laboratório de Pesquisas em Imagem Documental e Jornalística da Faculdade de Comunicação Social da UERJ. Mas, não foi fácil para cada aluno fotógrafo estabelecer diálogos com o espaço urbano selecionado, em busca de uma documentação pelos registros visuais. Houve, naturalmente, um processo intelectual anterior que permitiu estabelecer vínculos com o processo de produção de imagens, resultando nessa sequência primorosa de imagens. Participaram do projeto Alexandra Barbosa, Daniela Martins, Fátima Machado, Henri Duarte, Igor Mello, Isabella Paschuini, Júlio Altieri, Lailla Micas, Marcela Vaz, Maria Luisa de Melo, Mariana Moreira, Natalia Zimbrão, Paulo Gonçalves, Pedro Staite, Renata Sofia Freire, Verônica Vasque, Vitor Straliotto e Vivian Raffaeli. ●


O Campo de Santana (na página ao lado e acima) fica no centro do Rio de Janeiro. É uma grande área verde próxima às avenidas movimentadas do Centro da Cidade. As fotos são de Vivian Raffaeli, Maria de Fátima Machado, Alexandra Barbosa e Leandro Neves

O Palácio Gustavo Capanema (abaixo) é um edifício projetado por uma equipe de arquitetos brasileiros, incluindo Oscar Niemeyer. Fica na Rua da Imprensa. As fotos são de Natália Zimbrão, Júlio Altieri, Verônica Vasque, Marcela Vaz e Vitor Straliotto

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SAARA (à esquerda e direita) é uma associação formada em 1962 por comerciantes do Centro do Rio de Janeiro que inclui trechos das ruas: dos Andradas, Buenos Aires, Alfândega e Praça da República. As fotos são de Isabella Paschuini

O Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas (abaixo e no alto da página 59), conhecido como Feira de São Cristóvão, é um pedaço do Nordeste no Rio. A feira concentra culinária típica da região, lojas de artesanato, literatura de cordel, além de palcos para shows de música, poetas e repentistas. As fotografias são de Lailla Micas, Pedro Staite e Renata Sofia Freire

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O Odeon (ao lado e abaixo) é o último cinema que resiste ao tempo no Centro da cidade. Idealizado por Francisco Cerrador, o lugar é uma lenda viva do Rio de Janeiro. Fotos de Paulo Eduardo Gonçalves, Mariana Moreira, Luiz Portilho e Janine Mainel

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Por dentro da Babel

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Fábio Klotz

m desafio e tanto. Ainda mais para quem lida diariamente com TV e Internet no estágio. A revista impressa, nos moldes a que Babel se propôs, pedia um árduo trabalho, muita dedicação e esmero. A proposta não era das mais fáceis: trazer temas abordados em profundidade, mas com uma narrativa mais leve, sem o peso de uma revista acadêmica; discutir a Comunicação e o perfil do comunicador num ambiente em constante transformação e fazê-lo não apenas pela perspectiva factual – era preciso contextualizar e analisar. O desafio teria sido insuperável não fosse o fato de que o projeto de Babel foi conduzido como um grande trabalho em conjunto. Cada decisão foi analisada e tomada por todos, pensando no que considerávamos ideal. E as escolhas não foram poucas, a começar pelo próprio nome da revista. As sugestões eram muitas. Risca uma aqui, e lá se foi Horizonte; veta outra acolá, adeus Olhares... Assim, até chegar a Babel. Pronto! A revista ganhava um nome, tinha um rosto e um ideal: não ser apenas uma revistinha de aluno, com cara de trabalho amador. Perfil do comunicador, redes sociais, assessoria de imprensa, queda do diploma de Jornalismo, profissional multimídia, TV e Rádio digitais... tudo em pauta na Babel. A revista também mergulhou no mundo da política e a sua relação com a Internet. O sucesso de blogs amadores na grande rede também foi analisado. Babel acompanhou de perto assuntos como a autorregulação do jornalismo e “repercutiu” o aniversário de um ano da queda da obrigatoriedade do diploma. Fácil? Muito pelo contrário. A complexidade dos temas exigia a localização de fontes cujo acesso era quase impossível. Os assuntos eram complicados. E como falar sobre algo que é ainda embrionário no Brasil? TV e Rádio digitais, por exemplo, eram pautas que esbarravam na desinformação generalizada no país. Para apurá-las foi preciso enfrentar o jogo do empurra das emissoras, que passaram o repórter de ramal para ramal. Como contatar pessoas inatingíveis? Às vezes foi preciso recorrer ao Twitter para se chegar à fonte. Email? Muitos, vários não respondidos. Até as assessorias, que por vezes correm atrás dos jornais, desempenharam papel contrário. Foi Babel quem perturbou, insistiu em busca de informações e detalhes. Antes da apuração propriamente dita, muitas decisões precisavam ser tomadas em conjunto para a

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pré-produção da revista. E como acompanhar o andamento da edição com apenas dois parcos encontros semanais nas salas da Uerj? Essa foi a função do blog (http://revistababelfcs.blogspot.com/), ou melhor, criamos um blog para que funcionasse como uma redação virtual para a produção de Babel, um espaço onde poderíamos nos encontrar para além da agenda de aulas e estágio de cada um. A revista concebida e discutida em aula foi ganhando forma com as trocas de ideias no blog. Lá, estava tudo registrado – as pautas, devidamente comentadas e “repercutidas”, os avanços nas matérias, as sugestões, as ajudas que cada um oferecia ao trabalho do outro. Enfim, sem a ferramenta que permitia à turma encontrar-se e discutir a revista virtualmente, Babel certamente não teria virado realidade. Não no prazo curto das quatro horas/aulas semanais no semestre. O projeto gráfico da revista, decidido depois de muitas considerações em sala, também foi explorado no blog. Tipologia com ou sem serifa, tamanho da fonte, uso de capitular, disposição do título, configuração do lidão – tudo amplamente debatido pelos alunos. Aliás, Babel é da turma, tem o feitio de quem fez, dos alunos que se engajaram no projeto, para além do horário acadêmico, e até mesmo nas férias, nos retoques da pós-produção. Nossa revista expressa a motivação da turma em fazer uma revista especial, de qualidade, e representa o desafio de enveredar num veículo impresso, então pouco explorado. Até ganhar corpo, até estar impressa, Babel era apenas um projeto, ou melhor, um Projeto Experimental, como é chamada a disciplina que deu origem à revista. Entretanto, aos poucos, a inebriante sensação de contribuir com o planejamento fez com que Babel virasse uma conquista coletiva, com contornos afetivos. Não era apenas um trabalho acadêmico, era algo maior, fruto de um esforço do qual nos orgulhávamos e que havia sido conduzido com sabor de desafio e aventura. Missão cumprida. A revista que agora temos em mãos é a nossa recompensa. Lembrar da primeira aula, do início do projeto, do primeiro post no blog, das entrevistas, da hora de escrever a matéria, da dificuldade de cortar palavras para caber no espaço pré-determinado, de contar caracteres para que o título ficasse no tamanho certo, de aprender a editar na marra – tudo faz de Babel ainda mais especial. Para nós, ela é única. ●




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