Especial Safra
Esmagando
mais que l Por: Francisco Reis Fotos: Roberto Silva Arte: 18 JĂşlio Kniss
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A safra da laranja
de 2008/2009 foi cerca de 28% menor que a safra passada, devido à uma quebra de 18% no volume de fruta produzida e 10% no rendimento de suco. Estima-se que o Brasil produza cerca de 400 milhões de caixas de 40,8 kg de laranja por ano das quais 100 milhões são consumidas internamente e 300 milhões transformadas em suco de laranja e exportadas. “Se não bastassem os problemas climáticos, doenças, pragas e perda de produtividade devido aos baixos preços recebidos pelos citricultores, existem os fatores externos”, diz Flávio de Carvalho Pinto Viegas, presidente da Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus). “As safras têm se reduzido por ação das indústrias de processamento, que altamente verticalizadas, da produção de laranja até a venda de suco ao consumidor através de parcerias com as maiores engarrafadoras de suco, optaram por reduzir a oferta para aumentarem suas margens”. Nessa briga de gente grande, com as indústrias sendo acusadas pela Associtrus de formação de cartel (todas indústrias pagariam o mesmo preço ao produtor, e não concorriam pela compra dos pomares) e investigadas pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça sobre práticas anticoncorrenciais no setor citricultor, o caminhoneiro só espera um entendimento entre as partes para que ele possa finalmente fazer o que mais gosta: trabalhar honestamente e ganhar o que merece. “Os problemas do caminhoneiro são o custo da manutenção dos veículos, combustível, pedágio e remuneração defasada”, enumera Carlos Alberto Boteon, vice-Presidente do Conselho da Associtrus. “O caminhoneiro recebe o frete e o valor do pedágio, mas em função do custo do pedágio e do aumento do diesel, o valor do frete ficou ainda mais defasado. O caminhoneiro para tentar ganhar mais, trabalha com excesso de peso e o caminhão acaba se deteriorando mais rápido, sem dar oportunidade ao caminhoneiro de trocá-lo por um mais novo”. Segundo Boteon, existe uma possibilidade de o governo abrir uma linha de crédito, com juros especiais para se renovar a
Enquanto indústria e produtores de laranja brigam no campo e na Justiça, os caminhoneiros pagam o pato, e sem laranja, com o baixo frete e longas esperas para descarregar.
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frota do setor. A frota do setor citricultor é uma frota antiga, envelhecida e mal cuidada. “Tem gente com caminhão de 13 toneladas que coloca 20 e larga na banguela”, diz Boteon. “Quando a indústria passou o frete para os produtores, a formação do preço baseou-se no que ela pagava aos caminhoneiros. Este preço previa uma carga composta
praga do campo, mas sim a praga da indústria, que não remunera os produtores da maneira que devia, ou poderia, formando um cartel e pagando o preço abaixo do que deveria”, desabafa Carlos Alberto Boteon, que também é um produtor de laranjas. “A indústria não paga ao produtor o valor mínimo que deveria, com isso, o produtor não tem
E como dificuldade pouca é bobagem, o caminhoneiro autônomo ainda tem que aguentar o privilégio dos caminhoneiros das indústrias que passam direto pelas intermináveis filas do descarregamento. Isso gera um custo a mais para o caminhoneiro, que tem o custo de permanência, de refeição e ele deixa de estar sendo remunerado.
Às vezes estou na fila há dois dias e fico vendo os caminhões da indústria passando por mim”, por 400 a 420 caixas de 40,8 kg., o que totaliza entre 16,3 e 17,1 toneladas para um caminhão trucado que, pela lei da balança, só pode carregar no máximo 14 toneladas, ou seja, as indústrias induzem os caminhoneiros a cometerem uma infração grave, e as opções eram: pegar e assumir os riscos, ou largar e ficar sem trabalho”.
A pior praga “A pior praga da citricultura não é a
como pagar melhor os apanhadores de laranja, nem os caminhoneiros que transportam a laranja até a indústria”. O apanhador de laranja ganha R$ 0,50 por saco de 27 quilos, e o carregador, que apanha este saco e joga para dentro do caminhão, ganha 0,10 por saco. Segundo ele, se as indústrias pagassem R$ 17,00 a caixa, todo mundo ganharia mais. Atualmente estão pagando R$ 6,00, até R$ 5,00 por caixa o que está inviabilizando o cultivo da laranja.
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Não conseguiu descarregar, não pode carregar de novo. E isso acaba gerando uma paralisia na colheita, pois sem caminhão para carregar, não há como continuar a colheita. “Às vezes estou na fila há dois dias e fico vendo os caminhões da indústria passando por mim”, lamenta Reginaldo Pavão, 55 anos de idade e 32 de profissão. “Se eu conseguisse fazer pelo menos uma viagem por dia, seriam seis por semana, ou R$ 1.800 por semana.
pequenas carretas onde os catadores colocam a laranja. Depois de cheias, as carretas são puxadas com trator e descarregadas nos caminhões. “O diferencial sofre muito porque a carroçaria se entorta toda, os eixos são muito exigidos”, explica Reginaldo Pavão, depois de tirar fumaça dos pneus para conseguir sair com o caminhão do meio do plantio. E para quem pensa que uma vez carregado o caminhão segue para a indústria, está enganado. “O transportador precisa estar cadastrado, a empresa estabelece para o produtor o número de cargas que pode ser entregue por semana e, além disso, há preferência para entrada dos caminhões que transportam a fruta da própria indústria e de produtores amigos”, explica Flávio
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Foto: Rodrigo Leal
Livre das despesas, eu conseguiria tirar R$ 4.000,00 por mês. Mas isso não acontece e eu não tenho condições de trocar o meu Mercedes-Benz 1113, ano 74, por um menos velho”. Segundo Carlos Boteon, o consumo de laranja in natura é muito baixo e para as indústrias não é vantagem vender nos mercados. Por isso, para as indústrias que têm todo o ciclo, plantação, industrialização e distribuição o bom é exportar o suco. “As indústrias ditam o preço que querem para os produtores, mas nas gôndolas dos supermercados, os preços desde 2004 só sobem, não abaixam”, acusa Boteon. “E o produtor não tem força porque ou vende para a indústria, ou perde a produção”. Os caminhoneiros são desorganizados, desunidos, e não conseguem se unir para exigir um frete melhor. As indústrias são unidas e por isso levam vantagem. Hoje, elas já detém 40% dos caminhões que transportam laranjas. “Seria uma atitude inteligente por parte dos sindicatos dos caminhoneiros e também dos trabalhadores rurais, somarem forças com a Associtrus, pois os produtores, colhedores e transportadores, enquanto continuarem dispersos e buscando apenas os próprios interesses, continuarão sendo o lado fraco deste `cabo de guerra´, e consequentemente, perdendo para o lado forte, que é a indústria, que trabalha unida e organizada”, diz Boteon. “O caminhoneiro acaba sendo um herói porque ele fica diante dessa situação, que tem uma missão: transportar laranja”, diz Ismael Ferreira, gestor de Pessoal da Semp Assessoria Rural. “Tanto é que o frotista laranjeiro não abre mão de transportar laranja, toda safra ele volta para a laranja”. Uma vez no campo, o caminhoneiro tem que ter muito cuidado e uma ótima visão para não quebrar nenhum galho de árvore, nem quebrar a caçamba, ou o espelho retrovisor e, principalmente não ficar atolado no carreador. A habilidade é colocada em prática todos os dias, exceto quando chove. Com chuva é impossível entrar até o carreador. Algumas fazendas utilizam
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Viegas, presidente Associtrus. “Os produtores estão sujeitos a interrupções nas entregas por razões diversas. Este sistema gera filas que implicam em custos adicionais para transportadores e produtores”. E nessas filas, Reginaldo Pavão vê outros caminhoneiros passarem sua frente. “Esses caminhoneiros ganham metade do que a gente ganha pelo frete, mas como fazem duas e até três viagens por dia, no final das contas acabam ganhando mais”, lamenta Pavão. “Normalmente quem faz esse tipo de frete, são jovens que estão começando na profissão. Eles acham que estão ganhando bem. Só que na hora de fazer as contas, colocando todas as despesas com manutenção, ele verá que não ganhou nada. Nesse ponto,
ou ele exige melhor frete, e perderá a mordomia, ou fica como está e vai usar o caminhão até ficar sucateado”. Reginaldo Pavão diz que seu filho trabalhou um tempo no transporte de laranja, mas conseguiu “subir na vida”. “Ele juntou todas as economias e comprou um Mercedes Atego 2425 para puxar suco da usina até o Rio de Janeiro”, diz orgulhoso Pavão. “Ele consegue fazer quatro viagens por semana, e pagar a prestação em torno de R$ 4.000,00 do seu caminhão. Mas ele é jovem e tem um caminhão novo. Eu sou velho e tenho um caminhão usado, preciso me contentar com esse meu trabalho. Mas também não descuido do caminhão. Como sei que não tenho condições de comprar outro, mantenho este sempre em dia”.
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E é graças ao trabalho de caminhoneiros como Reginaldo Pavão, que transporta as laranjas até as usinas, e do seu filho, que transporta o suco de laranja das usinas até os portos de Paranaguá e Santos, que o Brasil exportou cerca de dois milhões de toneladas de suco em 2008. Este volume tem crescido não apenas pela maior produção, mas principalmente à tendência de substituir o suco concentrado por suco não concentrado. A relação de volume entre o suco concentrado e o suco não concentrado é de 1:7, ou seja, cada litro de suco concentrado se faz sete litros de suco não concentrado. A Europa é o maior importador do suco de laranja brasileiro, com 70%. A América do Norte fica com 15% e os outros 15% para os demais países. Uma das empresas que exporta é a Corol. Localizada no Paraná, ela mantém o transporte do suco que produz nas mãos de terceiros. De suas instalações, saem tambores com o suco que são entregues no porto de Paranaguá, onde navios com contêineres especiais, tanques isotérmicos, resfriados, acomodam os tonéis mantendo a integridade do produto até o seu destino final. O suco é mantido em baixas temperaturas, em navios especializados com câmaras frigoríficas onde ficam os tanques nos quais o suco é transportado. l A Cutrale e a Citrosuco foram consultadas, mas preferiram não participar da matéria.