Revista Campus 2017

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Revista-laboratório do curso de Jornalismo Universidade do Sagrado Coração ISSN 2317-3041 Ano 6 - Número 1 - 2017

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Consumo, logo existo Os problemas gerados pelo consumismo

Apropriação cultural Um olhar sobre o uso de turbantes

Jogos eletrônicos Conheça o universo do eSport

Arte e ativismo

Artistas destacam como suas ações podem transformar realidades


Editorial Nos últimos anos, mas precisamente entre o final de 2016 até o momento, temos convivido com a constante tensão sobre o lugar da arte na escola, na universidade, e até mesmo nos museus. As tensões vão desde a retirada da arte como disciplina obrigatória às ameaças ao direito de cátedra e às reformulações no currículo da disciplina. Tendo em vista alguns exemplos que assombram conquistas históricas, é um dever do jornalista oferecer luz a esse debate por meio da informação. Necessitamos olhar com atenção para diversos argumentos sobre o papel e a presença da arte na sociedade. Para contribuir para o debate, esta edição da revista Campus traz como tema da matéria principal a relação entre arte e ativismo. A arte, do latim “Ars”, que significa técnica ou habilidade, é uma manifestação humana de ordem comunicativa muito antiga. Além de possuir um caráter estético, relacionado com as sensações e as emoções, a arte não tem função apenas contemplativa, mas pode ser acionada como um gesto político. Já o ativismo é qualquer prática ou argumentação que privilegie uma ação efetiva de transformação da realidade. Quem relaciona bem os dois conceitos é o filósofo francês Jacques Rancière, em seu livro “A partilha do sensível”, ao afirmar que a política e a arte têm uma origem comum. A política, para ele, é essencialmente estética, ou seja, está fundada sobre o mundo sensível, assim como a expressão artística. Por isso, o filósofo ressalta que um regime só pode ser democrático se incentivar a multiplicidade de manifestações dentro da comunidade. Pensando nisso, talvez, o poeta brasileiro Ferreira Gullar tenha deixado registrada a seguinte frase: “A arte existe porque a vida não basta”. Fica o convite para conhecer o trabalho de jovens artistas que usam a arte como instrumento de transformação na reportagem “Artivismo”, da Amanda Sampaio e da Fernanda Rosa. Tem arte, ativismo e muito mais! Boa leitura.

Erica Franzon

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Índice Trabalha para estudar, estuda para trabalhar

04

Estudante paga meia?

09

Longe de casa

13

Poesia visual

16

Arte e ativismo

23

Um olhar aprofundado sobre o uso de turbantes

27

Consumo, logo existo

31

A dimensão do problema

36

A construção do medo

39

A Era dos Jogos eletrônicos

44

Representatividade negra

49

Maternidade Questionada

51

Paralisia do sono

54


Créditos: Renata Martins

Créditos: Renata Martins

O estudante Nyan Alves precisou abrir mão de atividades de que gostava para conciliar estudo e trabalho

Trabalha para estudar, estuda para trabalhar Para alcançar uma vida estável e a profissão dos sonhos, jovens vivem uma jornada dupla entre trabalho e estudos Mayla Rodrigues e Renata Martins

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cada ano, a demanda no mercado de trabalho por mão de obra qualificada aumenta, fazendo com que jovens e adultos entrem na corrida pela qualificação. No percurso pelo tão sonhado sucesso profissional, muitos jovens conciliam diversas atividades e se tornam multitarefas. O ciclo se torna, muitas vezes, exaustivo: trabalham para se sustentar e estudam para crescer e garantir uma renda futura. Somando todas as responsabilidades, os jovens que ingressam muito cedo nesta rotina estão cada vez mais propensos à exaustão, depressão, cansaço e outros 4 ∞ Campus Magazine 2017

problemas de saúde. Atualmente, o Brasil conta com 2.391 instituições de ensino superior, possibilitando maior acesso à educação e qualificação para os brasileiros. Desse total, 2.090 são instituições privadas, onde o aluno paga mensalmente pelo ensino. Existem ainda situações em que o estudante precisa sair de sua cidade para estudar, gerando outro custo com estadia e alimentação. Dessa maneira, os jovens não têm outra opção a não ser entrar no mercado de trabalho para se sustentar ou, pelo menos, ajudar os pais nessa tarefa.


Vida Moderna

Com uma rotina pesada e nada saudável, vários estudos são feitos para analisar os resultados da jornada dupla vivida por muitos jovens. Segundo um estudo feito pela Universidade de São Paulo (USP) em 2016, essa jornada pode levar os estudantes a sérios problemas de saúde, como ganha ou perda excessiva de peso, sonolência, diminuição da capacidade de manter a atenção e queda no desempenho escolar. Em geral, a carga horária da jornada de trabalho é de 8 horas por dia e os cursos superiores apresentam de 4 a 6 horas diárias de estudos. Fora da universidade ainda existem os trabalhos a serem feitos e provas para estudar, o que diminui ainda mais o período de descanso do indivíduo. Luana Karolina da Silva (21 anos), estudante de jornalismo na Universidade do Sagrado Coração (USC), trabalha desde os 15 anos de idade como menor aprendiz. Entrou na faculdade trabalhando e passou por diversos serviços durante a graduação. “Há um tempo comecei a fotografar por conta para ter uma renda a mais, porém não consegui conciliar o emprego e a faculdade, então desisti da fotografia”, diz a jovem. Mais tarde, Luana abriu uma choperia junto com o pai e lá a estudante começou a vender marmita, mas como ela está na reta final da faculdade, conciliar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com o serviço é algo que interfere na sua vida pessoal.

Luana conta que passou noites em claro para poder conseguir concluir o trabalho final do curso. Nyan Antiquera Alves (18 anos), estudante do 2° ano de Recursos Humanos da Universidade do Sagrado Coração, já trabalhava antes de começar a faculdade, resolveu continuar devido à independência que acabou criando, principalmente financeira. Niã ainda ajuda seus pais nas despesas de casa para ter um pouco mais de conforto. O estudante sai de casa para trabalhar por volta das 7h da manhã e volta após a aula para sua cidade, em Pederneiras, às 23h30 da noite. Depois que começou a estudar, manter as notas boas tem sido uma tarefa difícil, a pressão das provas e dos trabalhos leva ao estresse e prejudica o psicológico e o físico. A dupla jornada fez com que Nyan deixasse atividades que amava de lado. “Para conciliar tudo, tive que abrir mão de algumas coisas, como curso de inglês, academia, aulas de violão e o principal de todos: o sono,” diz o jovem. Claudimeia Cristina Antiqueira Alves, mãe de Nyan, comenta que o filho ficou bem distante da família depois que começou uma rotina dupla, ela sente falta do companheirismo que eles tinham um com o outro e de fazer atividades juntos que já não fazem mais.

Créditos: Renata Martins

A Jornada

Para concluir a faculdade, a estudante Luana Karolina passou noites em claro

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Vida Moderna

O Rendimento Escolar

A Profª Dr.ª Jessica de Cássia Rossi leciona Teorias da Comunicação para os cursos de Relações Públicas e Jornalismo na Universidade do Sagrado Coração, e para ela, apesar de todo cansaço, é possível reconhecer o esforço do aluno em vários resultados. “Os alunos que trabalham, por vezes, são mais interessados e aproveitam melhor o tempo e as atividades em sala de aula porque valorizam mais o momento que estão na faculdade. Sendo assim, seus rendimentos nas disciplinas podem ser superiores aos de alunos que não trabalham e não valorizam tanto o tempo em que estão em sala de aula”, afirma. A professora relata que também precisou realizar uma jornada dupla em seu tempo de faculdade, e que foi uma experiência difícil, mas positiva, pois aprendeu a ser mais organizada e aproveitar melhor todo o tempo que tinha para o estudo. “Não foi fácil porque tive que me organizar bem para dar conta de tudo. Eu não tinha disponibilidade para me dedicar a outras atividades que a faculdade oferecia, como projetos de extensão, cursos livres em geral e trabalho voluntário”.

Créditos: Renata Martins

Thamyres Mayara Neves, 20 anos, estudante do 2° ano de administração da Universidade do Sagrado Coração, optou por estagiar para agregar conhecimentos, responsabilidades, valorização no currículo e já ir se adaptando a dupla rotina. A jovem trabalha de segunda a sexta das 11h da manhã às 18h da tarde, com intervalo de uma hora de almoço. Em seguida, vai para a faculdade onde permanece das 19h às 22h. Segundo Thamyres, horário certo para acordar não existe mais. “Às vezes acordo mais cedo para conseguir resolver algumas coisas, ou fazer um trabalho, mas quando dá, acordo mais tarde ou até mesmo em cima da hora para poder aproveitar o máximo de tempo dormindo”, comenta a aluna. E a estudante de administração não está errada em prolongar alguns minutos de sono. Segundo estudo publicado na revista Veja, acordar muito cedo aumenta o risco de depressão nos jovens, e as atividades que começam antes das 8h30 da manhã causam mais pressão no processo de sono e aumenta o impacto na saúde mental dos adolescentes.

Thamyres Mayara Neves é estudante de administração e enfrenta uma jornada dupla exaustiva

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Créditos: Renata Martins

A jornada dupla enfrentada por muitos jovens na sociedade contemporânea

Capacitação ou Mecanização?

Ter ensino superior hoje, não é uma regalia, mas um requisito para preencher e aquecer o mercado de trabalho dos países. No mundo contemporâneo, o foco não é mais a qualidade, mas sim a produção em massa. O ser humano precisa ser capaz de produzir o que o mercado capitalista necessita. Nessa ânsia de produção, o tempo passa a ser o pior inimigo do trabalhador e, de repente, 24 horas parecem não ser suficientes. A escritora e jornalista Eliane Brum classifica a sociedade atual como a “Sociedade do Desempenho”, onde os jovens, exaustos e cansados não buscam apenas a qualificação para conquistar um melhor emprego e condição de vida, precisam trabalhar mais, dobram o expediente para a produção ser maior e, no fim, conseguem um salário capaz de suprir o próprio consumo e acabam devolvendo todo o capital conquistado ao mercado novamente; desse modo se cria a falsa ideia de liberdade.

Sendo assim, a sociedade e, principalmente, os jovens buscam a façanha de abrigar em um único corpo o escravo e o senhor. Aquele que decide os próprios caminhos e aquele que tem os caminhos guiados pelo mercado consumidor. “Estamos sempre, de algum modo, trabalhando, fazendo networking, debatendo (ou brigando), intervindo, tentando não perder nada, principalmente a notícia ordinária [...] E, assim, perdemos só a alma. E alcançamos uma façanha inédita: ser senhor e escravo ao mesmo tempo”, escreve a escritora no texto “Exaustos-e-correndo-e-dopados” na sua coluna no jornal El País. Para Brum, as definições de senhor e escravo, nesse contexto, se dão pelo fato de que o ser humano faz parte de um sistema de produção e consumo que independe dele, o qual ele não possui nenhum controle e nenhuma escapatória, mas, mesmo assim, sente-se um consumidor e trabalhador livre, que dita seus próprios comportamentos e atitudes. Na relação Campus Magazine 2017 ∞ 7


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Créditos: Renata Martins

humana com o mercado de trabalho, esse paradigma fica muito claro: os indivíduos se qualificam para ter o poder de escolher um melhor emprego (são senhores), mas em nenhum momento a opção de não trabalhar se encontra disponível (são escravos). Para ampliar todo o mercado de trabalho e produção, eis que surge um grande aliado do sistema de multitarefas que as pessoas estão sujeitas: a internet. Graças às tecnologias na área de comunicação, o expediente do trabalhador nunca acaba. São vários meios de informação e comunicação que deixam o tempo ainda mais escasso ocupando horas do dia das pessoas entre redes sociais e notícias do cotidiano. “Já não há espaço de trabalho e espaço de lazer, não há nem mesmo casa. Tudo se confunde. A internet foi usada para borrar as fronteiras também do mundo interno, que agora é um fora”, escreve a jornalista. Para que o sistema capitalista e massivo da “Sociedade do Desempenho” não continue acarretando em problemas de saúde físicos e mentais, é necessário que as pessoas reservem um horário de descanso, que é necessário e obrigatório, explica a psicóloga Vania Pereira de Souza. “Uma das principais causas da exaustão mental é a exigência excessiva. As emoções e as tarefas do nosso cotidiano são, por vezes, demais: causam estresse, ansiedade e grande cansaço, principalmente mental, pois além de termos que nos esforçar para lembrarmos de tudo e dos detalhes de cada tarefa, ainda nos preocupamos por acreditar que o tempo para realizá-las não será suficiente”, avalia. A psicóloga sugere algumas posturas que podem ajudar a lidar melhor com essa situação. “Uma boa noite de sono, alimentação saudável e exercícios físicos. Contudo, também é necessário exercitar a mente através de atividades que estimulam o pensamento, realizar exercícios de respiração, ter um ambiente adequado para estudos e trabalho”, aconselha. Viver com mais otimismo também pode ajudar a aliviar o cansaço, mas o grande desafio é saber manusear as 24 horas do dia para todas essas atividades, aponta.

Jovens estudam para entrar no mercado de trabalho competitivo, mas para estudar precisam trabalhar

O Capitão Industrial “Eu não tenho tempo de ter o tempo livre de ser, de nada ter que fazer”, disse o compositor Marcos Valle em um de seus grandes sucessos “Capitão de Indústria”. Hoje, a música interpretada pela banda Paralamas do Sucesso ganha mais sentido do que em sua época de criação. Em relação à falta de tempo para descansar e para o lazer, a música faz uma crítica à rotina e ao objetivo de vida da sociedade, já que o ser humano acorda para trabalhar, dorme para trabalhar e, por fim, corre para trabalhar. Com versos repetitivos e tom mecânico, a letra sugere que as pessoas passam seus dias em um ritmo mecanizado de produção no mundo industrial e capitalista perdendo o real sentido de tudo aquilo e o real motivo que cada indivíduo trabalha. Como a entrada no mercado de trabalho é dada como uma obrigatoriedade para a sobrevivência e critério de caráter e moral, o ser humano se esquece de analisar o verdadeiro significado da sua vida, assim como o que ele verdadeiramente espera dela.


O desconto de 50%, destinado aos estudantes desde 2013, ainda gera muitas dúvidas por parte de alunos, produtores de eventos e donos de estabelecimentos Caroline Scarabotto e Paulo Clementino

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stá próxima a data do festival com as bandas mais famosas do mundo. No teatro vai ter uma peça com aquele artista renomado. Tem também o lançamento daquele filme que você não quer perder. No final de semana é dia de jogo do time do coração. E no mês que vem terá um curso com palestras sensacionais em outra cidade. Essas são algumas das inúmeras situações em que cabe a pergunta na ponta da língua de muitos jovens: “Estudante paga meia?”. Dúvida que pode ser tanto de usuários quanto de organizadores de eventos. São muitas interrogações e burocracias que acabam por limitar a utilização do direito à Lei da Meia-Entrada.

Assinada em 2013 pela então presidenta Dilma Rousseff, a lei garante inúmeros benefícios que o portador da carteira de estudante pode usufruir, e, não é só no cineminha que o estudante pode pagar meia. Sobre a meia-entrada, a Constituição Federal enumera as seguintes vantagens: “É assegurado aos estudantes o acesso às salas de cinema, cineclubes, teatros, espetáculos musicais e circenses e eventos educativos, esportivos, de lazer e de entretenimento, em todo o território nacional, promovidos por quaisquer entidades e realizados em estabelecimentos públicos ou particulares, mediante pagamento da metade do preço do ingresso efetivamente cobrado do público em geral.” Campus Magazine 2017 ∞ 9

Créditos: Caroline Scarabotto e Paulo Clementino/Montagem: Danielle Garcia Venancio

ESTUDANTE PAGA MEIA?


Meia-Entrada

Aos produtores dos eventos, cabe a eles disponibilizarem o número total de ingressos, os 40% do total disponíveis aos usuários da meia-entrada, avisar sobre o esgotamento em todos os pontos de venda, de forma visível e clara, quando for o caso, além de, apresentar um relatório da atração às entidades representantes dos estudantes. Mas, nem sempre os estabelecimentos produtores de eventos estão dispostos a fornecer meia-entrada aos seus frequentadores. As desculpas são inúmeras e a falsificação do documento estudantil é uma delas.

Boa intenção

Daniela, que prefere não se identificar, procurou pessoas que falsificam carteirinha estudantil. Ela alega que a causa foi nobre: “Eu precisava fazer um curso caríssimo na cidade de São Paulo e a Lei da Meia-Entrada foi a saída para conseguir o benefício do desconto de 50% destinado aos estudantes”, confessa. A validade para a utilização da “ajudinha” que a carteira de estudante dá aos seus usuários é até março do ano subsequente ao da sua expedição. Daniela afirma que vai utilizar a carteira falsificada que encomendou até o término do prazo de renovação, já que só a adquiriu com o objetivo de fazer o curso na capital. O grande número de falsificações e de órgãos responsáveis pela emissão de Carteira de Identificação Estudantil (CIE), eram as grandes barreiras para o cumprimento do Projeto de Lei do Senado nº 188/2007, que gerou a criação da Lei da Meia-Entrada em 2013. Com a Lei, veio a padronização da carteirinha que ficou por conta dos representantes estudantis (ANPG - Associação Nacional de Pós-Graduandos, UNE - União Nacional dos Estudantes, e UBES - União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). A padronização possui um documento com os critérios para produção de uma carteirinha com um manual de 18 páginas. Mesmo com tanta dificuldade de falsificação, Daniela adquiriu uma CIE em algumas 10 ∞ Campus Magazine 2017

horas. “De fato foi bem fácil, em duas horas eu consegui a carteira”, relata.

O lado do proprietário

Para Ricardo Scarcela, responsável por uma casa noturna em Bauru, São Paulo, o risco da falsificação do documento vai além do descumprimento da lei e pode causar problemas para o autor da farsa e para o dono do estabelecimento. Ele explica que já presenciou casos em que menores de 18 anos, com intuito de entrar na boate, falsificaram documentos. “Vivi várias situações bem constrangedoras, principalmente envolvendo até hospital depois. Em alguns casos, na cabeça dos pais ou responsáveis, não é o jovem que está errado, mas nós. Embora Scarcela saiba dos riscos que corre, muitas das vezes no corre-corre de grandes eventos, ele explica que fica difícil uma fiscalização mais contundente. “Na maior parte do tempo, confesso que não fazemos as fiscalizações por correria. Para quem é dono de uma boate como essa, fica uma loucura, principalmente com o tamanho dos eventos que acontecem”.

Cegos diante da lei

Para o advogado Ednilson Santos, há diversos problemas que envolvem o uso da carteirinha estudantil desde que foi instituído o benefício. Para ele, muitas pessoas que não são mais estudantes querem se beneficiar da meia-entrada e usam a carteirinha até mesmo de outros. “Tem até aqueles mais ousados que falsificam a declaração com a assinatura do diretor da escola’’, afirma. Ele acrescenta que as leis são severas em parte. “Nas casas noturnas são poucas as que realmente fazem a fiscalização. Nas mais voltadas aos adolescentes é mais difícil manter alguém na porta, um funcionário só para analisar isso”. Para o advogado, há o risco de que algo aconteça com o jovem dentro do estabelecimento e, desta forma, torna-se mais difícil para a polícia ou o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) responder junto ao dono daquele determinado local”.


Créditos: Caroline Svcarabotto

Meia-Entrada

Falta de informação da Lei é o maior vilão dos estudantes

Desconto no ônibus

Na cidade de Bauru os cartões têm um chip para estudantes e outro para as passagens convencionais e automaticamente a catraca já avisa no painel do motorista, qual o passageiro está utilizando. Isso serve de controle para a TRANSURB (Associação das Empresas de Transporte Coletivo de Bauru), responsável pelo transporte público na cidade, e para os motoristas. Gabriel é motorista da linha Geisel-Sambódromo, em Bauru, e explica que passou por dificuldades na hora de liberar a catraca no sistema eletrônico. Ele conta que teve problemas com passageiros querendo passar por estudantes. “Tive de voltar para garagem para resolver uma situação com ‘’carteirinhas’’. Gabriel afirma que há algumas pessoas mais velhas que estudam à noite e querem se aproveitar disso e falsificam, já que na maioria das vezes não pedem as fotos, mas que agora é obrigatório.

Certa vez uma dificuldade gerou estresse não só para o motorista, mas também aos passageiros, pois ele teve que levar o rapaz até a garagem dos ônibus. “Segurei o moço dentro do ônibus e o fiz pagar”, diz.

Burlando a meia-entrada

A UNE divulgou no seu site no dia 9 de outubro de 2017, que entrou com uma ação, juntamente com as demais entidades estudantis contra o Festival Lollapalooza que aconteceu em março de 2018 em São Paulo. As entidades alegam que o Lolla aumentou os ingressos em cerca de 63% em relação ao ano anterior. Segundo a ação, as entidades acreditam que seja uma maneira de driblar a Lei da Meia-Entrada que garante que 40% do total de ingressos seja destinado aos estudantes. Vale lembrar que só são válidas para eventos, como o Lolla, apenas as Carteiras de Identificação Estudantil padronizadas pelas entidades estudantis. Campus Magazine 2017 ∞ 11


Meia-Entrada

Saiba mais sobre a carteirinha

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Ensino fundamental Ensino médio e técnico Nível superior Pós-graduação (Lato e Stricto sensu)

O que é carteira internacional de estudante? Criada em 1953 por líderes estudantis da ISTC (International Student Travel Confederation), a ISIC, endossada pela UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) em 1968, a ISIC Carteira Mundial do Estudante é a única identidade estudantil reconhecida no mundo todo. Ela dá acesso a uma rede global de produtos e serviços personalizados e acessíveis aos estudantes, e, é passaporte para mais de 15.000 benefícios em mais de 130 países. Com ela os estudantes de outros países têm direito a usufruir dos benefícios da Lei da Meia-Entrada no Brasil. Para retira-la o estudante precisa entrar no site da ISTC e fazer o cadastro via Internet. O valor é de 45 reais com validade até março do ano subsequente a sua expedição. Quem pode ter o Documento do Estudante? Os beneficiários desse programa são os estudantes regularmente matriculados nos níveis e modalidades de educação e ensino: • Ensino infantil 12 ∞ Campus Magazine 2017

O que faço se houver recusa ao cumprimento da lei? O aluno poderá adquirir o ingresso com valor integral e requerer posteriormente a devolução da quantia paga a mais, por meio de um órgão de defesa do consumidor ou do próprio Poder Judiciário. Para isto, deverá apresentar cópia do ingresso, nota fiscal (sempre que possível) e a identificação estudantil. Se houver recusa do fornecimento de nota fiscal, a prática configura crime de sonegação de tributo cuja pena é de cadeia de 2 a 5 anos – Lei 8.137/90 art. 1o, inciso V. O estudante deverá acionar a Polícia Militar através do telefone 190 para imediata prisão do responsável ou o fornecimento da nota fiscal do serviço.

SOLICITE SEU DOCUMENTO DO ESTUDANTE

Créditos: Freepik

Créditos: Freepik

Quais documentos são necessários para solicitar o Documentodo Estudante? • 01 (uma) foto 3x4 recente digitalizada; • 01 (um) documento de identificação, como: RG, CPF, CNH, RNE (Registro Nacional de Estrangeiros) ou passaporte; • 01 (um) comprovante de matrícula, como declaração de escolaridade, boleto com o comprovante de pagamento ou boleto autenticado (com a autenticação mecânica do banco, realizada ao efetuar o pagamento).


Créditos: Daniel Bentoo

Longe de casa Relatos de estudantes e experiências de quem deixou o ambiente familiar para realizar os sonhos Daniel Bento e Luís Filipe Tinós

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Vida Universitária

A dor e a delícia da mudança

Segundo Isabella, a ideia de mudar-se para Bauru surgiu tanto por necessidade quanto por vontade. Ela diz que era muito cansativo pegar o ônibus todos os dias – uma hora para ir e outra para voltar, aproximadamente, e chegar tarde na sua casa. “Apesar de ter a possibilidade de morar com os meus pais, acabou ficando muito cansativo, e se eu voltar para a casa deles, não será exatamente por vontade, mas mais por necessidade”, acrescenta. A universitária conta que encontrou várias dificuldades e facilidades com a mudança. Dentre as facilidades, a maior delas é que reside perto da universidade. Porém, a universidade, por ser um pouco afastada do centro da cidade, exige um deslocamento maior e o uso de transporte público. Apesar da distância, Isabella diz que fica a maior parte do tempo em seu apartamento, e que essa dificuldade de deslocar-se com o transporte público não é tão 14 ∞ Campus Magazine 2017

incômoda. “Eu só vou ao mercado quando volto para a minha cidade, mas pelo fato de Bauru ser uma cidade maior, existe a possibilidade de fazer compras online caso seja necessário”, explica. A estudante encontrou mais pontos positivos do que negativos de morar em uma cidade diferente e longe do “controle” dos pais. “Enfim, encontrei muitas dificuldades, mas também muitas facilidades que conseguem superá-las”, acrescenta.

Sem os pais, mas não sozinho

O estudante Giovane Thiago Araujo, 26 anos, natural de Bauru - SP, precisou se arriscar na experiência de viver longe dos pais quando passou no vestibular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), para o curso de engenharia de produção, na cidade de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Durante o período longe de casa, o estudante diz que a saudade da família e dos amigos está entre as maiores dificuldades. Além de ter que aprender a se virar longe dos pais, explorar uma nova cidade, conhecer novos caminhos e aprender a cozinhar. Créditos: Luís Filipe Tinós.

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uitos imaginam que a vida fora da casa dos pais é algo libertador. Outros pensam que é uma vida complicada, com uma rotina difícil. Para alguns jovens, principalmente os universitários, existem dois extremos experimentados nessa mudança. Um é a vontade de morar em um lugar diferente, o outro é quando a mudança é forçada, e o jovem não tem interesse de sair de casa. A estudante Isabella Felipe, 21 anos, saiu de Dois Córregos, interior de São Paulo, para morar em Bauru, onde veio cursar psicologia na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ela conta que a mudança foi devido à facilidade de estudar e morar na mesma cidade, e que o início da vida longe da família trouxe a sensação de liberdade e medo do desconhecido. “Quando eu morava com meus pais, eu sentia bastante esse controle”, aponta. No entanto, morar com pessoas que não conhecia foi uma dificuldade. “Na verdade, eu sinto essa dificuldade até hoje, mas eu gosto muito de morar fora da casa dos meus pais”, afirma a estudante.

Mesmo com a mudança, os jovens ainda recorrem ao ambiente familiar

Por outro lado, o jovem acredita que quem se arrisca vivendo longe da comodidade da casa dos pais, fica mais responsável, aprende a planejar melhor os seus gastos e sem dúvidas, amadurece mais. Após o período de um semestre na cidade de Três Lagoas, Giovane voltou para Bauru, transferindo seu curso para a Universidade do Sagrado Coração (USC). O retorno não


Vida Universitaria

Créditos: Daniel Bento

significou morar de novo com os pais. O estudante escolheu dividir uma república. Segundo Giovane, a república onde divide a casa com outros sete jovens é bem tranquila, sem confusão. Por morar com pessoas que possuem a mesma mentalidade, o jovem diz ser bem divertido, tendo brincadeiras e risadas entre eles o tempo todo. “Às vezes querem que eu volte, mas, uma vez que se mora longe de casa, é praticamente impossível voltar a morar com os pais”, diz o jovem sobre morar na mesma cidade que os pais, porém em outra residência. A opinião dele se baseia na liberdade conquistada longe de casa. “Se a pessoa não tiver preguiça e quiser viver uma vida livre, nem olhe para trás, vai de cabeça, quem se dá bem na vida é quem se arrisca. Provavelmente a pessoa vai encontrar muitas dificuldades, mas é isso que fortalece”. É o conselho de Giovane para quem está pensando em sair de casa.

da aquisição de novas responsabilidades. Segundo a psicóloga, Cibele Vaso Vasques, os jovens que procuram ajuda não têm um padrão de queixas estabelecido, pelo fato de que as pessoas que passam pelo processo de mudança procurarem a ajuda psicológica com intenções diferentes, alguns pelo medo de assumir responsabilidades, outros pelo comodismo do tratamento recebido na casa dos pais. Cibele afirma que, geralmente, quem recorre à consulta são apenas os estudantes, sem seus pais. “Alguns escondem (ir à consulta) dos pais para que não fiquem com uma preocupação ainda maior em relação à saída do filho”, complementa. De acordo com Cibele, é fundamental saber que as pessoas são diferentes; algumas demoram mais para sentir falta de casa do que outras, e isso depende do estado emocional da pessoa. “Com o passar do tempo e da terapia, o adolescente vai se adaptando à vida fora da casa dos pais e tendo mais autonomia para tomar suas decisões e viver sozinho”, ressalta a psicóloga. QUESTÃO DE DOIS EXTREMOS

A partir da decisão de sair de casa, muitos vão para não voltar

Os estudantes que se mudam nem sempre se adaptam à rotina alternativa que lhes é apresentada. Existem casos em que, por não se adaptarem à mudança repentina, universitários recorrem a psicólogos para uma avaliação geral de seu estado emocional e para tratar de uma determinada situação desconfortável, a qual surgiu a partir

Muitos universitários mudam-se por necessidades, tanto pelo fato de adaptação à cidade onde estuda, quanto por fatores relacionados a trabalho ou estágio, que impulsiona o processo de mudança ainda que não desejado, por conta do conforto do ambiente familiar. Porém, há quem queira sair da “asa” dos pais e familiares e vivenciar uma experiência nova de vida, que envolve novas responsabilidades e independência. Frequentemente, estudantes planejam suas vidas em um ambiente diferente e com pessoas diferentes, pensando nos prós e contras de ter uma vida que não seja baseada em um grande montante de dependências. A ideia de adquirir novas responsabilidades e da aquisição de certa liberdade pode subir à cabeça de muitas pessoas, mas, existem os “decididos”, que sonham com uma estadia diferente da usual e, por isso, encontram apartamentos ou repúblicas para viverem.

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Créditos: Amanda Sampaio

Poesia visual “Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: amo os restos”( Manoel de Barros). Amanda Sampaio e Fernanda Rosa

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ão versos como esse que inspiraram essas imagens, produzidas na disciplina de Introdução à Fotografia do curso de Jornalismo. Elas foram guiadas pelos livros Ensaios Fotográficos, Memórias Inventadas e O Livro das Ignorãças do poeta matogrossense Manoel de Barros, que viveu de 1916 a 2014. Transformar a poesia imagética de 16 ∞ Campus Magazine 2017

Manoel de Barros em fotografia foi uma forma de demonstrar, como o próprio Manoel diria, “os deslimites da palavra”. Dedicamos este ensaio aos passarinhos, aos insetos, ao menino: doutor de formigas e compositor de silêncios, destinado a carregar água na peneira a vida toda, a encher vazios e agora é eternizado por seus despropósitos.


Créditos: Amanda Sampaio

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Fotografia

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Créditos: Fernanda Rosa

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Créditos: Fernanda Rosa

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Créditos: Fernanda Rosa

Créditos: Amanda Sampaio


Créditos: Amanda Sampaio/Montagem: Danielle Venancio

Foto: Foto: Amanda Amanda Sampaio Sampaio

Mariana Lacava, idealizadora do SubVerso SLAM - Batalha de`poesia evento mensal na Praça Rui Barbosa em Bauru

Como a arte tem sido usada como instrumento de mudança social através da utilização do espaço público Amanda Sampaio e Fernanda Rosa

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uem tem consciência para ter coragem, quem tem a força de saber que existe e no centro da própria engrenagem, inventa a contramola que resiste”, cantava o grupo Secos & Molhados, em 1973. O poema “Primavera nos Dentes” foi musicado pelo idealizador do grupo João Ricardo, responsável pelos

vocais, violão e harmônica, e escrito por seu pai, o poeta e jornalista português João Apolinário, que viveu o período da ditadura militar no Brasil. O grupo, também composto por Gérson Conrad, vocais e violão, e Ney Matogrosso nos vocais, fazia apresentações ousadas, com figurino e maquiagem extravagantes, chamava a atenção Campus Magazine 2017 ∞ 23


Créditos: Amanda Sampaio

Artivismo

pela sonoridade, juntando rock e poesia, e pelas letras engajadas politicamente. Ney Matogrosso, que impactava o público com aspectos insólitos em sua performance: androginia, sensualidade em seu movimento excêntrico para a época, servindo de agrado aos progressistas e descontentamento para os conservadores.

Expressão criativa engajada

Os traços da luta por mudanças por meio da arte parecem distantes no passado, mas é só atentar o olhar para encontrar quem segue passos parecidos nos dias atuais. A arte também é um instrumento dessa geração. O termo “artivismo” é recente se comparado à prática, que teve origem na década de 60, e diz respeito aos artistas que usam a expressão criativa para promover o diálogo e a mudança social. Em Bauru, interior de São Paulo, há uma significativa movimentação construída por jovens que buscam, através do artivismo, transformar a vida da comunidade local. Alguns exemplos des sa movimentação é o Sarau do Viaduto, a Frente Feminina de Hip Hop de Bauru e o SubVerso SLAM. O Sarau do Viaduto, idealizado pela Biblioteca Móvel - Quinto Elemento, incentiva a arte literária, poética e marginal, ocupa o espaço público e faz da rua “um local de expressão livre”. A Frente Feminina, criada por mulheres, atua por meio do Hip Hop para transformar vidas. Apostam na cultura musical para fortalecera visibilidade da mulher, discutir o femi24 ∞ Campus Magazine 2017

nismo, gênero, raça e classe. O SubVerso SLAM - Batalha de Poesia, evento mensal na Praça Rui Barbosa, no centro da cidade, é uma iniciativa de Mariana Lacava, e tem apoio da Frente Feminina e da Biblioteca Móvel. Essas manifestações artísticas crescentes na cidade, mostram como a tomada do espaço público pode torná-lo um campo de resistência, em que as ideias colidem, confrontam-se e complementam-se.“

“Arte, para mim, é ação”

A definição e a função de arte é geradora de discussão na esfera acadêmica e na sociedade. Para quem vivencia o processo artístico, a ideia da arte como algo belo, exposto em uma galeria, é ultrapassada. “A gente conhece a arte pela esfera eurocêntrica e majoritariamente branca, algo considerado erudito e distante do povo, distante das minorias. Na modernidade, vemos isso mudar. A arte como força expressiva é uma ferramenta de transformação. Na minha visão, arte não tem nem que ser bonita, tem que ter força. Para mim, arte é ação”, explica Gabriela Moreira, arte-educadora graduada em Artes Visuais pela Unesp de Bauru. “Aliás, se a arte está sendo produzida de burguês para burguês, não acrescenta em nada na sociedade e, para mim, não interessa. Quando digo isso, penso muito nas performances, na dança, na poesia, no grafite, no desenho, na fotografia, no cinema, zines, panfletagem, que tiraram aquela necessidade de ter que estar inserido em


Artivismo

Teu corpo, tua expressão

Se você, leitor, pudesse mudar algo em seu corpo, o que seria? É bem provável que a resposta tenha sido algo como “perder

A arte é a possibilidade de dar voz às minorias

Gabriela Moreira

a barriga”, “aumentar os seios”, “afinar o nariz”, “ganhar músculos” ou, até mesmo, “acabar com as espinhas”. Agora, lhe fazemos outra pergunta: por que o aspecto do seu corpo lhe incomoda tanto? Ou melhor: por que um corpo fora do padrão estabelecido por uma parte da sociedade incomoda tanto? Foi pensando nessas questões do corpo que a fotógrafa Gabriela Neves, graduada em Artes Visuais pela Unesp de Bauru, criou o projeto “Incômodos Corporais”, uma série de fotografias que, posteriormente, se tornaram um fotolivro e seu Trabalho de Conclusão de Curso. “Comecei a ver que mesmo com o empoderamento e a união das minas, a autoestima deixava (e deixa) a desejar bastante”, diz Gabriela. “Incômodos Corporais” une corpo, pele, fotografia e arte em uma só linguagem, com o debate do porquê de alguns detalhes do corpo serem vistos como imperfeitos. “Tenho uma doença de pele que surgiu na pré-adolescência e sofri muito com a exposição do meu corpo na época, tenho resquícios até hoje. Eu trabalhava com freelancer de fotografia, então pensei em iniciar o projeto sem compromisso com algumas perguntas. As perguntas eram algo do tipo ‘será que

Campus Magazine 2017 ∞ 25

Foto: Arquivo pessoal

uma escola de arte, ter a tinta X, conhecer técnicas Y”, aponta a arte-educadora. As formas de expressão citadas por Gabriela vêm tomando o espaço urbano, o que evidencia a força da arte nas ruas. “A arte é a possibilidade de dar voz às minorias. É uma maneira das minorias políticas, me reservo a falar com mais propriedade das mulheres, de inverter noções criadas socialmente e que nos travam a reagir, confrontar. Para mim, a arte das minorias é isso, é confronto”, afirma a arte-educadora. Outra questão que Gabriela destaca é o impacto que a arte provoca na consciência e nas emoções: “Ao se falar por meio de uma plataforma artística, seja ela qual for, você causa um impacto que sacode diversas estruturas sociais. É importante estarmos presentes e usar a arte como instrumento de militância, porque a arte toca no âmago, coloca o dedo na ferida, e a gente percebe o quanto as nossas dores e alegrias também são muitas vezes parecidas”, finaliza.


Créditos: Fernanda Rosa

Créditos: Arquivo pessoal

Gabriela Neves é fotógrafa e criadora do projeto “Incômodos Corporais”

as marcas do seu corpo são mesmo defeitos?’”, lembra a fotógrafa. Gabriela conta que divulgou a ideia e que os modelos foram pessoas atraídas pelo tema do projeto: “Os participantes tinham algo em comum, algum incômodo em relação ao corpo, seja por marcas, cicatrizes, doenças, por questões mais subjetivas como de gênero, o incômodo de mulheres e trans numa sociedade preconceituosa, e até mesmo as questões de raça e sexualidade.” A pintora mexicana Frida Kahlo se tornou um dos símbolos da luta feminista pela quebra de tabu, em que se opunha à expectativa de sua família em relação às roupas e ao casamento; quebra de padrões estéticos, com sua famosa monocelha; vestimenta tehuana, típica de mulheres mexicanas com reputação de terem independência econômica e pessoal. O seu estilo de pintura e os conteúdos presentes na sua obra são preferências políticas. Suas obras não continham a temática feminista em si, mas questões ligadas à identidade, dor e sofrimento da própria artista enquanto mulher. Além da vida pessoal de Frida, que foi marcada por traições do marido, o pintor Diego Rivera, relacionamentos bissexuais e militância política. Hoje, as obras da artista mexicana servem de inspiração e estudo. 26 ∞ Campus Magazine 2017

Criatividade e senso crítico

Gabriela Moreira criou o projeto MAAE - Mulheres Artistas e Arte-educação, onde utiliza as pinturas de Frida, as obras da artista visual alemã Janaína Tschäpe e da artista plástica japonesa Yayoi Kusama em atividades com crianças. “O MAAE surgiu durante meu processo de estágio no programa Curumim do Sesc Bauru. Queria envolver as crianças em atividades artísticas não apenas restritas ao fazer artesanal. Queria transmitir para elas algo que eu acreditava”, conta Gabriela. A intenção, segundo a arte-educadora, era fazer um panorama histórico e pro mover uma identificação das crianças com as obras, além de estimular a criatividade. “No começo, tive medo que elas ficassem entediadas de me ouvir falar da vida das artistas, mas eu fazia conversas breves e usava fatos interessantes, por exemplo, a história da Frida que é bem emocionante, e elas ficaram muito interessadas”. Além de ações artísticas, Gabriela frisa a importância da arte na construção da consciência crítica das crianças: “Para contribuir para a consciência crítica das crianças, elas têm que saber o motivo para estudar aquilo. Quando a criança é maior, a gente consegue conversar e ouve suas opiniões, e motivamos esse olhar crítico”, finaliza.


Créditos: Laura Frederico

Um olhar aprofundado sobre o uso de turbantes Entenda a história do uso do turbante como elemento cultural e como este adereço passou a ser utilizado pela indústria cultural Laura Frederico e Tiffany Tavares

U

m assunto bastante comentado nos últimos tempos é a questão do uso dos turbantes. Este assunto veio novamente à tona após a paranaense Thauane Cordeiro, 19 anos, de Curitiba, ser abordada no transporte público por mulheres negras que criticaram o fato da jovem de pele branca estar utilizando um turbante, um elemento da cultura africana. Thauane, no momento da crítica, explicou que é uma portadora de leucemia mieloide aguda e utilizava o aces-

sório para lidar com a queda de cabelos causada pelo câncer. Após o acontecido, fez um desabafo na rede social facebook, que acabou movimentando opiniões e reergueu a discussão sobre a utilização do acessório e também sobre o tema apropriação cultural.

Significado cultural

Existem dois critérios que ajudam a avaliar o uso de algum elemento e saber se ele está sendo apropriado culturalmente ou Campus Magazine 2017 ∞ 27


Cultura

não. O primeiro questionamento que se deve africanos que vinham ao país para serem fazer é: tem esvaziamento de um significa- escravizados. Os tecidos podiam ser colorido cultural? E o segundo é: envolve algum dos e os cabelos dos que usavam o acessóprivilegio de raça, classe ou religiosidade? rio eram muito curtos ou raspados. A graSe a resposta for sim, para ambas a questão duada em moda pelo Centro Universitário trata-se de uma apropriação cultural. O pri- de Rio Preto (UNIPR) e também autora de meiro exemplo é uma mulher branca, que um trabalho realizado para a universidade participa de um candomblé e utiliza o tur- sobre turbantes, Ana Julia Sales, comenta bante. Ela tem um sobre o uso do acesprivilégio de raça, sório no país. “Aqui por ser branca e o no Brasil, o acesacessório ser mais sório foi colocado bem visto nela, por anos como algo porém, não ocorque era utilizado em re o esvaziamento religiões de origem cultural, pois ele africana, que não tem um significado eram bem-vistas, religioso para essa em um limbo social pessoa. Não atenonde tudo que remedeu aos dois critétia aos negros e suas rios, então não se origens era margitrata de uma apronalizado”, explica. priação cultural. Por volta de O segundo 1920, o costureiro exemplo são as francês Paul Poirevistas de moda, ret fez renascer o abordando o quanuso dos turbantes to é estiloso utilizar no cenário fashion. turbantes. A maPorém, a moda se téria vem acompopularizou no final panhada de várias dos anos 30, quando fotos de pessoas o acessório passou brancas utilizando a ser uma forma o acessório, sem de disfarce dos canenhuma explicabelos malcuidados, ção do significado com o nascimento Créditos: Laura Frederico histórico ou conda Segunda Guerra tribuição para a valorização negra. Nes- Mundial. Nesse momento, a brasileira Carte exemplo, existe o esvaziamento do men Miranda passou a utilizar o turbante significado cultural e também envolve no seu figurino. o privilégio de raça. Portanto, trata-se Já nos anos 60, este item ressurgiu nos de uma ocasião de apropriação cultural. movimentos onde acontecia a luta pelos Não se sabe exatamente qual é a origem direitos civis, como um símbolo da culdo turbante, podendo ser no Oriente ou na tura negra. África, mas trata-se de um acessório que Atualmente muito se tem discutido a já foi muito utilizado em diferentes épo- respeito do uso do turbante. É um acessório cas e por diversas etnias. Os significados que está na moda e serve para demonstrar também são variados: alguns indicavam a charme, estilo e beleza. Porém, além de um tribo, outros origem, religião e até mesmo ícone fashion, ele é um elemento cultural a posição social da pessoa. bastante associado à culturas asiáticas, No Brasil, o adereço foi trazido pelos africanas e brasileiras. 28 ∞ Campus Magazine 2017


Cultura

Para a estudante de Relações Públicas da Universidade do Sagrado Coração (USC), Ana Lúcia da Selva, 24 anos, o uso do acessório vai além do mundo fashion. “O uso do turbante tem um significado imenso por trás, que apresenta cargas históricas, sociais e culturais muito fortes. A utilização deveria acontecer por todos aqueles que se sentem bem utilizando a peça, mas é importante que esteja acompanhada de uma conscientização da essência simbólica do acessório”, comenta. Hoje, Ana se define como uma pessoa negra, mas confessa que isso demorou para acontecer. Sempre soube que não era branca, mas achava que a tonalidade de sua pele era clara demais para ser negra. Até que com muita leitura, estudo e conhecimento, reconheceu essa negritude e diz ter sido libertador. “Junto a essa libertação, veio ainda mais a vontade de lutar pela causa. Hoje uso turbantes para disseminar a cultura e me conectar com as minhas origens. Além de achar maravilhoso esteticamente”, conclui.

O que é apropriação cultural?

Créditos: Laura Frederico

No dicionário, apropriação é vista como

um ato de apropriar-se ou tornar próprio e algo. Já no contexto atual, o fenômeno da apropriação cultural é o fato de uma cultura dominante pegar um elemento típico da cultura subordinada, tirar os significados que ele possui e passar a utilizá-lo. O problema está no momento em que quando a minoria, que são os subordinados, utilizam estes itens, eles não são bem-vistos. Muito pelo contrário, “os negros lutam pelo direito de usar seus adereços sem um julgamento e muitos possuem até medo de sofrer agressões ao utilizá-lo“, acrescenta Ana Júlia. Mas, quando os dominantes passam a usufruir destes elementos, os itens se tornam os mais desejados, são estampados nas capas de revistas e nasce uma nova tendência. Nátaly Neri, uma estudante de Ciências Sociais e dona do canal no YouTube chamado “Afros e Afins por Nátali Neri”, discute bastante sobre assuntos como este na sua plataforma. A youtuber fez um vídeo com o nome “Apropriação Cultural existe? Pode branca de turbante?”, que trouxe explicações e alguns fatos históricos para facilitar a compreensão do assunto. “A cultura afro-brasileira passou por processos

“O uso do turbante tem um significado imenso por trás, que apresenta cargas históricas, sociais e culturais muito fortes”, explica Ana Lúcia

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Créditos: Laura Frederico

violentíssimos de apagamento de forma institucionalizada. A história “maravilhosa” nos conta que pessoas negras, quando saíram da África e vieram para cá para serem escravizadas, foram intencionalmente esvaziadas culturalmente, porque era necessário que elas se tornassem massas ocas e vazias, prontas para a exploração”, explica. Para Nátaly, a partir do momento que a indústria cultural passa a comercializar os elementos do grupo minoritário, esvaziando os significados existentes neles, o processo de apagamento da identidade citado por ela se repete.

Moda e apropriação

A apropriação cultural está presente quando uma nova tendência de moda se apropria de um acessório e o reestrutura como um simples adorno, desconsiderando toda a luta de uma cultura que foi julgada por utilizar durante tanto tempo. Para a graduada em moda, Ana Julia, “toda tendência vem e vai, mas a cultura negra continua marginalizada. Torná-la, por hora, agradável, não é um avanço, é uma ofensa”, conclui. Ana Julia é uma pessoa adepta do uso do turbante e acredita que a apropriação cultural não é sobre quem pode ou não utilizar, mas, sim, sobre o motivo de usar, de 30 ∞ Campus Magazine 2017

saber da história e respeitar o significado. No entanto, vale lembrar que apropriação cultural não tem seu foco voltado apenas para o turbante. Tranças, dreads e cocares também fazem parte disso. De acordo com o sociólogo Silvio Azevedo a questão da apropriação cultural é mais complexa e contraditória que o mero uso dos acessórios acima mencionados. “Exemplo dessa complexidade é a situação ocorrida em 2015 na qual uma estilista francesa plagiou modelos de bordados utilizados por uma comunidade indígena de Oaxaca no México, e passou a vender peças com esses detalhes a preços estratosféricos. Nessa situação, a comunidade indígena não teve retorno financeiro algum, apesar de ter sofrido uma apropriação cultural”, conta o sociólogo. Quando Silvio aborda sobre a contradição em tempos de globalização econômica e cultural, ele cita o antropólogo argentino Nestor Garcia Canclini, que informa uma característica marcante na nossa sociedade contemporânea: a constituição de culturas híbridas – culturas que misturam elementos de distintas origens. Para o sociólogo, a questão principal reside em como ocorre à relação e interação entre grupos historicamente marginalizados e seus antagonistas.


Créditos: Freeík/Montagem Danielle Venancio

Conheça as consequências do consumismo e o impacto causado na vida do indivíduo e do meio ambiente Bianca Maciel e Leonardo Vieira

A

pesar de serem confundidos frequentemente, os termos “consumo” e “consumismo” têm significados distintos, de modo que o primeiro está associado ao simples ato de consumir, o que não é problema nenhum já que se trata de

uma ação essencial para a sobrevivência humana. Por ouro lado, “consumismo” é o nome dado ao consumo compulsivo, descontrolado e inconsciente de produtos e serviços supérfluos. Com a revolução industrial veio a posCampus Magazine 2017 ∞ 31


sibilidade de produção de grandes números de mercadorias em curto prazo. Nos últimos anos, a escala de produção teve um grande aumento, o que possibilitou o crescimento considerável da quantidade de produtos em circulação. Com isso, pode-se dizer que a quantidade de mercadorias produzidas é maior do que se pode consumir. De acordo com uma pesquisa feita em 2016 pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), apenas três a cada dez brasileiros são consumidores conscientes, dentre os outros sete, pelo menos quatro são inadimplentes que fazem ou já fizeram parte das listas de proteção ao crédito. Os consumidores são incapazes de resistir aos apelos e estímulos ao consumo. Sem consciência de sua realidade orçamentária, acabam por comprometer uma parcela maior do seu orçamento, causando certo desequilíbrio financeiro. O consumismo não se resume unicamente a adultos financeiramente ativos, de acordo com uma pesquisa feita em 2009 pelo Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), 73% da população consumista atual é composta por jovens de 16 a 26 anos. De acordo com o mesmo estudo, a maior parte dos casos de consumismo na juventude está atrelada principalmente á baixa autoestima, modismo e ansiedade. Para a psicóloga Amanda Sargenni, o consumo compulsivo é tão nocivo quanto o vício em álcool, drogas ou jogos. “Assim como todos os outros vícios, o consumo compulsivo vai além do que o individuo consegue controlar, é um distúrbio inconsciente, o que torna ainda mais difícil de ser diagnosticado e tratado. Essas pessoas normalmente não têm consciência do que fazem ou por qual motivo fazem”, explica.

Consumo como vício

Diferente do que muitos pensam, os danos causados pelo consumismo desenfreado não se resumem exclusivamente ao bolso dos cidadãos. O vício por compras é designado pelos psiquiatras como “oniomania”, e tem um funcionamento semelhante 32 ∞ Campus Magazine 2017

Créditos: Bianca Maciel

Sustentabilidade

A renovação dos produtos tecnológicos estimula o consumo da novidade

ao vício em jogo ou em entorpecentes. Este distúrbio não é raro. Por ser um vício silencioso não se sabe exatamente quantos brasileiros são viciados em compras, mas em 2003, uma estimativa apontava para 400 mil pessoas, com tendência a aumentar. Helena Oliveira, de 34 anos, sofreu durante dois anos com o transtorno que surgiu após uma depressão. “Para mim, as compras eram um meio de distração, então eu não enxergava aquilo como um problema, e essa é a pior parte. É muito difícil para a gente, reconhecer que realmente precisamos de ajuda. Principalmente porque você nunca acha que aquilo pode destruir, até o momento em que você se vê falida, e completamente dependente”. Em dois anos, Helena adquiriu uma dívida de 18 mil reais em cartões de crédito, e conta que precisou vender o carro para conseguir quitar as contas e se reestabelecer financeiramente. No caso dela, a conscientização aconteceu aos poucos, com ajuda do marido e de profissionais da área. “Foi


muito difícil deixar de comprar compulsivamente porque aquilo já era um hábito para mim, então nos primeiros meses eu não saia mais da minha casa porque eu sabia que se eu passasse em frente a uma loja eu ia querer gastar, e eu já não tinha mais o que gastar. Era como se só aquilo pudesse me saciar”, contou. A preocupação médica com os danos causados pelo consumismo não se resumem apenas com a saúde psicológica dos cidadãos; o consumo exagerado pode refletir diretamente na saúde física de uma pessoa. Hoje em dia um dos efeitos mais comuns desse processo é a obesidade, que tem atingido cada vez mais pessoas. Há muitos casos de obesidade causada por aspectos genéticos, mas de maneira geral, a principal causa é o desequilíbrio nas calorias ingeridas, na maioria das vezes provocado pela famosa “dieta do fast food”. Esse é o caso de Felipe Araújo, o jovem tem 23 anos e teve obesidade causada pelo excesso do consumo de alimentos e bebidas industrializadas. O estudante de Nutrição conta que a alimentação compulsiva começou muito cedo. “Eu sempre fui uma criança comilona, minha alimentação se resumia a comida rápida e industrializada. Por várias vezes eu comi até começar a vomitar ou até a pressão subir; a minha mãe ficava desesperada e tentava me ajudar a diminuir, mas era como uma necessidade, se eu comesse menos que aquilo era como se estivesse em uma crise de abstinência”, revela. A conscientização de Felipe aconteceu aos 16 anos quando foi diagnosticado com hipertensão. O tratamento durou quase três anos e contou com exercícios físicos e alimentação balanceada.

Impactos no bolso e no planeta

O comércio está presente em diversas sociedades há séculos e foi essencial para o desenvolvimento e crescimento de muitas civilizações. Mas com o tempo, a observação do impacto do consumo exagerado, alguns questionamentos foram sendo colocados: o que compramos, quanto com-

Créditos: Bianca Maciel

Sustentabilidade

Grifes, status e a satisfação pessoal.

pramos, para que compramos e como descartamos e reutilizamos? Esses questionamentos ganharam força devido a necessidade de consumo sustentável, já que estudos demonstram que a quantidade de recursos extraídos da natureza não condizem com à sua reposição. Em uma pesquisa divulgada pela revista Superinteressante, em um único semestre se consome a quantidade de recursos que, na teoria, deveria durar um ano. O seja, emite-se mais CO2 que os oceanos e as florestas dão conta de absorver em um ano. Há mais pesca de peixes, desmatamento de árvores e consumo de água que a terra é capaz de produzir no mesmo período. Esse fato ocorre desde 1969 devido à alta exploração de recursos por parte da indústria, e foi nesse período que houve a primeira conferência mundial que debatia o assunto, a conferência de Estocolmo de 1972, organizada pela Organização das Campus Magazine 2017 ∞ 33


34 ∞ Campus Magazine 2017

através da publicidade, da busca por status, acarretando impactos no meio ambiente e na vida das pessoas.

HAJA ÁGUA, HAJA SEDE A indústria se incumbiu de sofisticar cada vez mais as matérias primas, lapidando os produtos a fim de proporcionar comodidade e conforto ao consumidor final, com o uso de grande quantidade de recursos naturais foram gastos para que o consumo do produto. Para se ter uma ideia, o processo de produção de uma simples calça jeans, por exemplo, consome 11 mil litros de água durante toda a sua fabricação. Um smartphone consome 12.760 mil litros de água. Com o volume de água utilizado para produção de uma calça jeans, por exemplo, daria para manter uma residência média no Brasil por três meses. Segundo estudo realizado em 2015 pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), a indústria e agropecuária juntas consomem 94% do consumo de água do mundo, enquanto boa parte das reservas é destinada à indústria, 1 bilhão de pessoas não tem acesso à água potável.

Consumo x sustentabilidade

O equilíbrio na relação entre consumo e sustentabilidade sempre foi um desafio a ser superado, pois mesmo depois do surgimento da ideologia sustentável no fim da Segunda Guerra, diversos países como por exemplo o Brasil, tardaram na concepção de leis ambientais que freassem o consumismo desenfreado. Esse confronto de ideias continua bem atual, e dados comprovam “vitória” do consumismo, pois mesmo recursos considerados renováveis não conseguem se recompor na mesma intensidade que são extraídos, é como o caso do desmatamento das florestas, por exemplo. Mas nesse contexto não estão inseri-

Fonte: Revista Superinteressante

Nações Unidades (ONU). Posteriormente, novas conferências foram realizadas, como por exemplo, a RIO 92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), resultando finalmente em políticas sustentáveis, já que 179 países assinaram o documento agenda 21, que apresenta instrumentos para planejar uma sociedade sustentável. No Brasil por exemplo, logo após a reunião RIO 92, novas leis nacionais foram implantadas referentes à biossegurança, crimes ambientais, águas, e agrotóxicos, todas concebidas e baseadas nos princípios da agenda 21. Mesmo com a implementação de políticas de conscientização ambiental, dados comprovam que ainda não é cumprido o necessário para um equilíbrio entre consumo e natureza, dados da matéria da revista Superinteressante citada acima também apontam, que caso todos os países do mundo tivessem o mesmo ritmo de consumo dos Estados Unidos, seriam necessários cinco planetas Terra. São previsíveis índices mais altos de exploração de recursos naturais em países industrializados, até pela industrialização e forte consumismo presente na sociedade. O próprio Estados Unidos deu um ótimo exemplo de falta de cooperação, pois não aderiu ao protocolo de Kyoto, um documento que busca diminuir o aquecimento global, através da diminuição de gases que provocam o efeito estufa. Em uma visão global, a indústria que tanto emprega e produz, está intimamente ligada aos consumidores, e esses são condicionados em certos casos ao consumismo, através da publicidade, da busca por status, acarretando impactos no meio ambiente e na vida das pessoas. O próprio Estados Unidos deu um ótimo exemplo de falta de cooperação, pois não aderiu ao protocolo de Kyoto, um documento que busca diminuir o aquecimento global, através da diminuição de gases que provocam o efeito estufa. Em uma visão global, a indústria que tanto emprega e produz, está intimamente ligada aos consumidores, e esses são condicionados em certos casos ao consumismo,


Sustentabilidade

dos somente primeiro e segundo setor, as organizações não governamentais também desenvolvem trabalhos em diversos setores para suprir a ausência do estado. Segundo dados do site Brasil Escola, existem aproximadamente 200 mil ONGs no Brasil. As que mais se destacam são as que desenvolvem trabalhos ambientais. No país são centenas, e desde 1970 são engajadas em discussões e legislações referentes ao tema. Projetos desse viés podem ser encontrados em diversas regiões, em Macatuba por exemplo, há um projeto chamado RecriArte, um projeto que ensina formas de reutilizar objetos domésticos que geralmente são descartados pelas pessoas. A diretora Rafaela Lago, de 34 anos, acrescenta: “O ReCriArte é um projeto de reciclagem de um jeito mais dinâmico, para que as pessoas possam economizar dinheiro reutilizando, sem precisar com-

prar tudo novo. O objetivo inicial era só ser um passatempo, principalmente para senhoras da terceira idade, mas se torna uma iniciativa sustentável que envolve o município todo”. O projeto modifica a conduta dos alunos na hora do descarte, o que gera uma cadeia sustentável para o município. “As pessoas chegam aqui achando que se trata só de um passatempo, e saem sabendo que realmente fizeram a diferença. Além do meio ambiente a gente também tem a questão financeira, muita gente aprende a economizar reutilizando”, explica a diretora. Projetos como esse são de extrema importância, pois segundo dados do CEMPRE – Associação Empresarial para Reciclagem, o Brasil produz mais de 240 toneladas de lixo diário, sendo que 45% é reciclável, mas infelizmente o país recicla somente 2% de lixo urbano.

Dicas de sustentabilidade para o seu dia a dia Instale uma cisterna em sua casa

Consuma produtos orgânicos que não possuem agrotóxicos

Dê preferência a produtos orgânicos: não agridem o solo

Evite usar o carro, vá de bicicleta!

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Escolha produtos de embalagem retornável

Créditos: Freeík/Montagem Danielle Venancio

Aproveite a luz solar para economizar energia

Campus Magazine 2017 ∞ 35


Créditos: Paulo Macarini

A dimensão do problema Entenda o quanto o relacionamento abusivo pode ser prejudicial Felipe Sousa e Luana Karolina

B

riga, termina, chora e se reconcilia. Este ciclo que não termina em final feliz tem nome: relacionamento abusivo e está cada vez mais presente na vida de jovens e adolescentes. O relacionamento abusivo é aquele em que um dos parceiros exerce controle sobre o outro, pode ser caracterizado pelo sentimento de culpa por problemas do relacionamento ou pela pres36 ∞ Campus Magazine 2017

são de “servir” o parceiro em tudo o que ele ou ela deseja. “Um relacionamento se torna abusivo quando há claramente uma relação de poder muito desigual e com isso há a perda da dignidade”. É o que alerta a psicóloga Carol Sasso ao debater problemas sobre um relacionamento abusivo, algo que até hoje é visto como uma situação normal por grande parte


da sociedade, isso por conta das tradições passadas, porém é algo que incomoda, prejudica, e pode resultar em danos irreversíveis. Este drama acontece com muitos jovens atualmente, e o mapa da violência de 2015 traz dados significativos sobre essa informação. Segundo o mapa, o número de agressões contra mulheres é maior em mulheres entre 18 e 59 anos, e o principal agressor é o parceiro, ou ex-parceiro. As agressões variam de caso para caso e existem diferentes níveis de abuso, entre eles a violências física, emocional, verbal e financeira. Quem enfrenta essa situação tem dificuldade em reconhecê-la, como conta a estudante de psicologia, que mora em Botucatu, que viveu um relacionamento abusivo. Ela, que pediu para não ser identificada, explica como os abusos aconteceram em sua vida. A vítima afirma ter conhecido o ex-parceiro pela internet e sofreu agressões morais logo após o primeiro ano de relacionamento. “Ele tinha atitudes que me diminuía, ele sempre era superior, sempre me inferiozava, esse tipo de comportamento dele foi algo gradativo. “Foi muito complicado, eu fui mudando para agradar a pessoa para ser aceita por ele, foi algo que não dá para explicar”. A vítima sofreu um relacionamento abusivo durante um ano e seis meses. “Quando eu percebi, já estava no fundo do poço”, revela.

O abusador e a vítima

O processo de um relacionamento abusivo começa primeiro pela expectativa criada em ambas as partes no início da relação amorosas, no começo são criadas máscaras para agradar e criar uma ilusão sobre a parceira ou parceiro. Carol Sasso afirma que “com o passar do tempo e com a convivência, ambos acabam se soltando mais, e assim surge uma maior percepção sobre pessoa que está ao seu lado e isso pode acabar em decepção, ao descobrir que não era aquela mesma pessoa que você se apaixonou”. De acordo com a psicóloga esse problema acontece devido aos modos de agir padrão da sociedade. “Um deles é um jogo entre dois papéis, o de abusador e vítima.

Créditos: Felipe Sousa

Relacionamento Abusivo

As pessoas costumam entrar nesses papéis e se sentirem hora vítimas de uma situação, hora vilões, culpados por algo. Esse jogo é levado para as relações amorosas e se torna um problema”, observa. Um relacionamento que inclui dois jovens terá maior probabilidade de ocorrer uma relação abusiva, afirma Sasso. Isso porque o adolescente está no período de tentar se encaixar nos padrões sociais. “Considerando a idade, a chance de ser um parceiro e se tornar um opressor ou oprimido é alta, diz.

Ruínas de um relacionamento

O estágio da agressão em um relacionamento abusivo é o mais complicado, o opressor utiliza de agressões de diferentes tipos como moral, financeira, psicológica evoluindo a uma futura agressão física. Em todos os casos a vítima se sente culpada e presa ao parceiro e ao relacionamento. Uma dessas vítimas afirma que o agressor a manipulava com palavras afetando o seu psicológico. “Ele tinha uma frase que ele falava direto, que não existira nenhuma pessoa que pudesse fazer aquilo que ele estava fazendo, que no caso era me dar atenção, falar comigo, essas coisas simples, ele sempre tacava isso na minha cara, isso me fazia acreditar por meio das palavras. Eu sabia que ele me fazia muito mal, mas eu ficava ouvindo a frase, ‘você não vai encontrar um cara como ele’”, diz. Uns dos problemas do relacionamento abusivo é o fato de ser invisível para granCampus Magazine 2017 ∞ 37


de parte da sociedade, em dados sempre se fala de uma relação hetoroafetiva, porém algo que pouco informado e se torna um problema tão grande quanto é a relação abusiva homoafetiva. Quanto às semelhanças entre os relacionamentos abusivos, tanto homo quanto hetero são as opressões do parceiro, o fato da humilhação, a violência e agressão física, moral e psicológica. Outra vítima de relacionamento abusivo que preferiu não se identificar por segurança, afirma ter conhecido seu ex-parceiro pela internet, assim como a maioria das vítimas de uma relação abusiva, o começo foi encantador. “Ele se mostrava totalmente amigável, carinhoso e atencioso”. A vítima é homossexual, e por trás da experiência vivida, deixa claro que todos estão sujeitos a um relacionamento abusivo, independente da opção sexual. O desconhecimento sobre relacionamento abusivo pode trazer uma piora para a vítima, já que segundo pesquisas a vítima se culpa pelo que passa, e não enxerga tal situação como problemática. A vítima que reside em Lençóis Paulista, conta que vivia um relacionamento à distância, pois moravam em cidades diferentes, porém qualquer deslocamento que envolvesse dinheiro era somente ele que arcava com o prejuízo, o que gerou a violência financeira no relacionamento. “Foi quando me dei conta de que todas as vezes que saíamos, eu quem pagava as contas. Houve dias, por exemplo, que eu tinha apenas 60 reais que eu juntei durante a semana. Se íamos a uma pizzaria, ele pedia a pizza quase no valor que eu tinha, ou seja, a mais cara”, relatou a vítima. Além desse fato, houve outros episódios de abusos financeiros mais intensos, foi quando a vítima começou a notar, mas infelizmente os danos haviam lhe afetado. Embora o relacionamento tenha chegado ao fim, as dívidas permaneceram e as perseguições continuaram. “Eu troquei meu número três vezes, exclui meu facebook, e hoje penso mil vezes antes de aceitar uma pessoa, para não ter contato com ele. Além disso, demorei muito para me relacionar com outras pessoas”. 38 ∞ Campus Magazine 2017

Créditos: Luana Karolina

Relacionamento Abusivo

O problema do relacionamento abusivo levou a jovem Cristiane Alves, que mora em Portugal, a se mobilizar com a intenção de ajudar outras vítimas. Ela, que também viveu abusos na relação, conta que passou por experiências de violência física e psicológica. “Ele não me deixava comer, me trancava em casa, na minha gravidez ele dizia que eu estava feia, horrível. Eu aguentei tudo isso até eu pedir a separação”. O nível das agressões pode chegar traumáticas. Cristiane relata que chegou ao ponto de ter uma arma apontada para sua cabeça. “Ele queria que eu admitisse ter outro homem”. O momento em que Cristiane percebeu a situação, infelizmente já carregava problemas sérios com ela. A desconfiança era tão comum no relacionamento de Cristiane, que ela chegava se sentir culpada por algo que não havia feito. Para evitar essas situações e se livrar de episódios agressivos, a psicóloga Carolina Sasso orienta que é necessário se permitir sair do problema, além disso, permitir que o passado fique no passado. “É melhor enfrentar a dor do que ficar em sofrimento”, ressalta


Créditos: Letícia Yoshimuraoshimur

A construção do medo Tanto o excesso quanto a falta de medo podem causar danos. Conheça os fatores influenciadores dessa emoção que afeta a vida das pessoas Leonardo Smith e Letícia Yoshimura

P

rimeiro, os sentidos captam algo, a sensação de perigo iminente faz o corpo liberar componentes químicos, o batimento cardíaco aumenta, as pupilas se dilatam, a respiração acelera, os músculos se contraem, causando os calafrios. Estes são apenas alguns dos sintomas de quem um dia já sentiu medo. E embora essas emoções sejam incômodas, senti-las faz parte de nossas vidas. Do latim methus, relacionado ao verbo metuere (sentir medo), era relacionada ao temor de algo que estava prestes a acontecer. Para os povos antigos, esse sentimento não era associado à covardia ou apreensão,

mas, sim, ao entusiasmo ao novo, uma mistura de sentimentos como a inquietação e euforia sobre o que não se tinha controle. O medo é um aparato biológico, que nasce em todo ser humano e em muitas espécies animais com a função de autopreservação. Os sintomas são ações biológicas involuntárias que preparam o nosso corpo para uma possível fuga ou luta, que na maioria das vezes se manifesta a partir de um “gatilho” presente na memória de nossas primeiras experiências de vida, podendo ser uma experiência pós-traumática ou um mal processamento de informações. É como o ser lida com essas experiências que inCampus Magazine 2017 ∞ 39


Créditos: Letícia Yoshimura

Saúde

Os sintomas do medo são reações involuntárias do corpo para uma possível fuga ou luta

fluenciam o quão medroso o indivíduo fica. Os bebês mesmo nascendo com o aparato biológico de sentir medo, ainda não desenvolveram a noção de perigo, o que pode levá-los a cometerem ações que colocam suas vidas em risco, por isso a presença de um adulto é essencial para ensiná-los. Porém, os recém-nascidos vivenciam outros modos de medo. A doutoranda e psicóloga Caroline Garpelli Barbosa exemplifica: “A experiência de sentir fome é vivenciada como algo muito assustador para um bebê, pois ele não sabe distinguir o que é a sensação que ocorre em seu corpo.”. Este medo é inicial é decorrente do impacto que é a saída de um lugar aconchegante, o útero da mãe, para o ambiente externo, cheio de sons, luzes e sensações que ele desconhece. No decorrer do tempo, a criança passa a desenvolver segurança nos exemplos dos pais e no ambiente familiar, que traz proteção e segurança para a busca de novas experiências. O que difere a criança do adulto é que, o segundo teve mais experiências e foi aprendendo a lidar com essas situações. Tendo mais conhecimento sobre suas ações, 40 ∞ Campus Magazine 2017

gerando uma autopreservação maior. Além do medo existente nos anos iniciais de vida, outros surgem com o cres cimento. Até medos irracionais como o de óvnis, apocalipses e até mesmo de serem envenenamento. A psicóloga Silvana Brianezi explique que o desconhecido pode causar medo. A falta de habilidade de processar informações faz com que a pessoa queira explicar esses fenômenos em uma tentativa de familiarização. Segundo a professora e pisoterapeuta Caroline Garpelli Barbosa é comum o medo derivar das incertezas. “Tratam-se de enigmas que remetem à dimensão incerta e indeterminada da experiência humana”, explica.

Fatores do medo

O medo de determinadas situações se constrói em cada ser humano por meio de suas experiências e como ele lida com elas. Diferente da pré-história em que sentir medo era extremamente necessário para a sobrevivência. Hoje, o indivíduo cria ga-


Créditos: Leonardo Smith

Saúde

O que difere o medo, a fobia e a síndrome do pânico é a intensidade

tilhos diversos que não deveria, mas que geram mais medo. A criação é um dos fatores que levam a pessoa a ter “mais medo”, como quando as crianças temem o bicho-papão, o homem do saco ou qualquer ser mitológico. Isso ocorre quando os pais usam as histórias como forma de conter o mau comportamento dos filhos, e em alguns casos extremos, esse temor na infância pode ter influência no modo como eles sentirão medo na vida adulta. Outro aspecto que pode desencadear medos é o tipo de informação que a pessoa consome pela mídia, que possui um grande papel na sociedade já que a população tem acesso a variados meios de comunicação, em sua maioria as pessoas consomem notícias pela internet em portais oficiais e não-oficiais, ou por programas televisivos que transmitem inúmeras notícias sobre violência, ataques terroristas, acidentes e mortes presente em todas as classes sociais. Essa exposição diária causa duas consequências: a banalização das situações expostas, ou gera mais medo, contribuindo para que a pessoa sinta temor até de sair de casa. A cultura é outro fator que pode levar as pessoas a sentirem medo. Um exemplo disso são as superstições, que formam uma espécie de escravização mental dos que se

permitem levar à risca as histórias e superstições. E faz muitos brasileiros passem a manter um ritual para evitar certos conflitos, como não passar por baixo de escadas, não deixar bolsa no chão, não sair de casa na sexta-feira 13 ou evitar o número, e até mesmo temer um gato preto que lhe atravessa o caminho. A maioria são histórias criadas para gerar pavor, como o velho ditado da vó, “Tomar leite e chupar manga é mortal”. Essa crença, é na verdade, uma história antiga dos fazendeiros que para desestimular o consumo de leite entre os escravos disseminaram o conto, já que a maioria consumia a fruta abundante na região nordestina. Em algumas regiões do Norte, a lenda se espalhou com o açaí.

A ausência de medo

E embora muito rara, existem pessoas que não sentem medo. Esse distúrbio é conhecido como a doença de Urbach-Wiethe, que é caracterizada pelo “desligamento” do centro cerebral do controle de medo, a amígdala. Essa alteração provoca então outro sintoma, o aumento exagerado da curiosidade, o que torna extremamente perigoso aos portadores. Sem a proteção da sensação de medo o indivíduo passa Campus Magazine 2017 ∞ 41


Créditos: Leonardo Smith

Acima, em ordem, os principais medos dos paulistas segundo pesquisa publicada pelo jornal Folha de São Paulo

a realizar atividades que antes não faria, como chegar perto de um animal selvagem ou saltar de uma grande altura, colocando sua própria vida em risco. A ausência de medo é algo prejudicial, e saber controlá-la de modo que não afete o indivíduo, é essencial. Por isso, o autoconhecimento é o melhor caminho, como relata a psicóloga Lélia Emika Eto, que tinha angústia ao dirigir ao lado da marginal principal da cidade de Sorocaba. “Mesmo eu sendo psicóloga, não conseguia identificar o que me causava medo”. Somente depois de algumas sessões de psicoterapia, ela associou o medo de passar ao lado da marginal (Don Aguirre) situada ao lado do rio Sorocaba, a um episódio em que ela quase se afogou em um rio enquanto brincava com os primos na infância. Conhecer melhor o que causa os medos é um caminho para saber lidar com situações que podem prejudicar, e algo essencial para o ser humano e manter um bom convívio nas relações sociais e cotidianas para com o próximo e consigo mesmo. Um dos meios de se atingir esse objetivo é através de sessões com um profissional psicoterapeuta, que irá auxiliar nessa jornada de autoconhecimento. 42 ∞ Campus Magazine 2017

Medo, fobia e pânico

O medo é uma reação esperada de todos os seres humanos nas mais diversas ocasiões, seja em uma entrevista de emprego ou em um assalto. É uma resposta a um estímulo específico causado pela sensação de perigo no presente, ou uma antecipação de uma expectativa de ameaça futura percebida como um risco, sendo uma reação instintiva para acontecimentos incomuns ou que possam ser prejudiciais para o indivíduo. A fobia é uma forma de distúrbio de ansiedade e um tipo de “medo” específico. Geralmente se refere a algo ou alguma situação que não apresenta uma ameaça real, ou é desproporcional e incompatível com o perigo real que desencadeia, caracterizada por medos intensos e irracionais. Muitas vezes estão presentes por causa de algum tipo de trauma ou acontecimento prévio que possa ter originado o chamado “gatilho”. A síndrome do pânico é a manifestação extrema do medo, uma ansiedade caracterizada por ataques de pânico inesperados, normalmente derivados de algum trauma, casos de violência extrema ou até um descontrole mental de origem psiquiátrica. As crises não possuem necessariamente um elemento que desencadeia o pânico. Na maioria dos casos, a pessoa tem a sensação


expor. Já a fobia, impede ou faz com que seja muito difícil realizar determinada ação gerando um sofrimento que é difícil ser superado sem ajuda especializada. O ataque, além de também paralisar, provoca um grande mal-estar, com sintomas psíquicos de taquicardia, a pessoa chega a pensar que pode morrer.

Créditos: Letícia Yoshimura

de que o ataque começa “do nada”, o que faz com que seja ainda mais angustiante, já que é imprevisível e muito difícil de se escapar. O que diferencia cada uma é a sua intensidade. Como por exemplo, o que diferenciará o medo de falar em público de uma fobia social, a um ataque de pânico. Os indivíduos sentem em situações que podem

O medo se manifesta de diversas maneiras. Uma delas é quando temos distúrbios do sono, originando a insônia e o medo de dormir

O medo de dormir

Ficar com “medo de dormir” pode estar relacionado à distúrbios de sono, que afetam o indivíduo na sua produtividade diária, deixando-o cansado, levando ao estresse e a outros problemas físicos. Entre os diversos distúrbios do sono existem dois mais recorrentes: a apneia do sono e a paralisia do sono. Ambos distúrbios do sono podem levar ao receio de dormir, ocasionando a insônia e outros problemas. Por isso se deve procurar ajuda especializada antes de gerar problemas mais graves. A apneia do sono é um distúrbio que pode causar receio de dormir, podendo ela ser obstrutiva ou central. A primeira, mais comum, ocorre um bloqueio na garganta

impedindo a passagem do ar, e comumente atinge pessoas com excesso de peso e/ ou que usam certos medicamentos, mas até a anatomia craniofacial desfavorável pode ser um causador. A central não ocorre o bloqueio da garganta, porém a respiração cessa por alguns segundos. A paralisia do sono é quando a pessoa está conscientemente acordada, mas durante o episódio fica completamente paralisada, sem conseguir se mexer ou falar por alguns segundos ou minutos. Ainda que o indivíduo esteja consciente de onde está e o que está acontecendo, a paralisia causa uma grande sensação de angústia, além de não ser possível antecipar quando vai acontecer (leia mais sobre a paralisia do sono na página 54). Campus Magazine 2017 ∞ 43


Créditos: Leandro Pinto

A Era dos Jogos Eletrônicos Movimentando milhões em dinheiro e pessoas, o universo do eSport é um mercado em ascensão e se expande a cada dia para as mais variadas áreas Ana Giese e Leandro Pinto

A

pesar de ainda ser visto pelo grande público como “joguinhos”, o esporte eletrônico é uma realidade que vem crescendo no Brasil. Movimentando milhões - em dinheiro e pessoas - o nicho é um mercado em franca ascensão, expandindo seus tentáculos para inúmeras áreas. Do computador ao celular, do hobby ao profissional, a era dos jogos eletrônicos chegou e vem alcançando status profissional. No começo dos anos 2000, na primeira World 44 ∞ Campus Magazine 2017

Cyber Gaming (WCG), na Coréia, o embrião do eSport começou a ser fecundado. Dezessete anos depois, o cenário desponta como um dos mais rentáveis no mundo. Se colocar em número de premiações, o The International - o “mundial” de Dota 2 – teve como premiação um total de 24 milhões de dólares, grande parte disso, arrecadada pela própria comunidade (por meio de micro transações dentro do jogo). Claro, se comparado com alguns dos maiores prêmios dos esportes


Esportes mais tradicionais, os joguinhos ainda estão longe de estar em pé de igualdade. Mas os números são relevantes em cenário que está recém-estruturado como algo profissional, e ainda é um mercado muito de nicho. E atualmente, até aqui no Brasil - que por sua história e aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais - é muito atrasado, as empresas já enxergam esse potencial. Tanto é que transmissões de League of Legends (LoL) já podem ser vistas em canais como a ESPN – rede de TV dos Estados Unidos dedicada à transmissão e produção de programas esportivos -, por exemplo. Além disso, a final do Campeonato Brasileiro de League of Legends (o CBLOL para os mais íntimos) já é transmitido nos cinemas pela Cinelive há três anos, tirando um pouco essa ideia de ter que acessar a deep web - espaço da rede mundial da internet não rastreado por sites de busca - para ter acesso a essa transmissão. Mas apesar disso, muitas pessoas ainda veem as disputas como apenas entretenimento, diversão e não enxergam os jogadores como verdadeiros atletas que são. O esporte eletrônico é muito competitivo, pode ser até mais que muitos esportes ditos como mais tradicionais. Um cyber atleta nunca se vê totalmente confortável, suas técnicas precisam ser constantemente aprimoradas, ainda mais do que as dos atletas convencionais, isso se dá por conta dos famosos patches ou atualizações, que os jogos recebem. Imaginem a seguinte situação, e se, no futebol, o limite de substituições não existisse mais? E nos meses seguintes, junto a isso, os gols tivessem sua altura diminuída e largura aumentada, e se criassem uma nova regra que cada jogador da linha pudesse colocar a mão na bola pelo menos uma vez no jogo, sem o ato ser considerado como falta. Extrapolem para outros esportes, essas mudanças indo e vindo a cada um ou dois meses, isso são os patches. São com essas coisas que os cybers atletas precisam sempre se adaptar, tanto individualmente quanto em equipe; personagens, itens, modos, mapas são lançados, refeitos ou balanceados sempre, e é essa dinâmica que faz o eSport algo único e incrível de ser acompanhado. No entanto, a falta de reconhecimento

para com os atletas dos jogos eletrônicos não é a única questão que cerca o eSport. Muitos também não validam os joguinhos competitivos como uma modalidade esportiva, isso porque, segundo essas pessoas, eles não requerem esforço físico ou podem ser denominados uma atividade que vise à manutenção do condicionamento corporal e da saúde, que é algumas das características com as quais o dicionário define a palavra esporte. “Acho que muita gente liga os esportes ao esforço físico e os eSports não refletem isso. Existe esforço mental, treinamento, tem rotinas pré-definidas, mas muita gente ainda não enxerga como um esporte tradicional justamente por essa evidente falta de esforço físico. No final, as pessoas só veem um bando de “nerds” na frente do computador. Acho que isso tem mudado, principalmente com a entrada da mídia tradicional e a injeção de dinheiro. A tendência é que as pessoas enxerguem cada vez mais como esporte tradicional. Particularmente, acho que a legitimação é legal, mas os esports podem crescer muito bem sem ela”, disse o estudante de jornalismo e especialista Roque Marques, que trabalha com os eSports desde 2015 e escreve para a ESPN, quando perguntado sobre a sua opinião acerca do motivo de as pessoas não considerarem os jogos eletrônicos como esportes e se esse cenário tem sofrido alterações. Mas, pensando em outras modalidades que também não possuem envolvimento com o esforço físico e condicionamento da saúde, pelo menos não da saúde corporal, como é o caso do xadrez, das damas e do poker, e que são consideradas, por grande parte das pessoas, um esporte, faz-se pensar se a abordagem da questão com relação aos jogos competitivos não é algo mais cultural do que de definição e significado da palavra.

“No final, as pessoas só veem um bando de “nerds” na frente do computador.” Outro tema de grande relevância e que tem gerado diversificadas opiniões em torno desse universo, é se existe uma proCampus Magazine 2017 ∞ 45


Esportes

fissionalização no eSport. Apesar de muitos validarem a área como uma profissão, como mostram os dados arrecadados na pesquisa “Você conhece o eSport?” - realizada nos formulários Google e divulgada via Facebook. A pesquisa contou com a participação de 28 pessoas e, de acordo com os dados, 85,7% dizem acreditar que a modalidade pode, sim, ser considerada uma profissão, por se tratar de uma fonte de renda; enquanto 14,3% responderam que não, por não conhecerem muito sobre o tema ou por não considerarem as áreas envolvendo games algo válido. Um dos entrevistados respondeu positivamente à pergunta: “Pela rotina de quem é competidor e também pelo fato de não se reduzir apenas à uma prática recreativa, mas a uma atividade que atrai público e patrocinadores. É uma vertente que cresce de maneira exponencial como forma de entretenimento”. Um segundo entrevistado disse: “H havendo uma legislação com assinatura de contratos dos atletas e comissão técnica, quais seriam as diferenças para os atletas de outras modalidades?”. Nota-se assim, que mesmo sendo um mercado em ascensão, o eSport ainda não é um tema amplamente conhecido e entendido por aqueles que não estão diretamente relacionados a ele. A pesquisa mostra que o número de pessoas que sabem o que é o eSport chega a 57,1% e daquelas que não sabem de 42,9%. Números esses que deixam claro, a necessidade de se falar mais sobre esse tema para a sociedade em geral.

Você Conhece o eSports ?

Do nível 1 ao nível 100

A palavra eSports é uma abreviação de eletronic sport, no português, jogos eletrônicos. Um nicho específico dentro do mercado dos games, voltado a jogos de competição e grandes torneios, onde os melhores jogadores - bons o bastante para se tornarem profissionais - participam. Apesar de parecer uma modalidade recente por conta de sua atual extensão e nível global, essas competições existem há 46 ∞ Campus Magazine 2017

anos. A primeira aconteceu no ano de 1972, organizada pelos alunos da Universidade de Stanford e oferecia como prêmio um ano de assinatura da revista Rolling Stone. A ideia foi tão bem aceita que outras empresas seguiram o exemplo desses alunos e organizaram suas próprias competições. No entanto, diferentemente, dos que acontecem nos dias atuais, esses eram eventos mais amadores. Os jogadores se reuniam nos locais pré-determinados para jogarem da mesma forma como faziam em casa, às vezes, concorrendo a pequenas premiações. Foi nos anos 2000, que as grandes competições, agora com características e focos mais profissionais, e premiações que chegavam a quase 10 mil dólares, surgiram através do mundo. Isso, porque somente nos anos 90, com a chegada dos consoles – aparelho moderno de vídeo game - é que os games se tornaram amplamente popularizados. Em pouco tempo os eSports já apresentavam premiações na casa dos milhões, em 2013 o The International o “mundial” de Dota 2 premiou a campeã com quase 3 milhões de dólares. E muito se engana aqueles que pensam que as premiações milionárias ficam apenas para os atletas de console ou computador. Para provar o contrário, temos como exemplo os jogos Heartstone e Clash Royale, desenvolvidos pela Blizzard e Supercell, respectivamente. A primeira é uma desenvolvedora de jogos para diversas plataformas, já reconhecida no cenário que vem investindo pesado nos eSports. Já a Supercell entrou no mercado dos jogos móbile, para celular e tablet, por volta de 2010, e o que as duas têm em comum? Ambas irão premiar os campões dos seus jogos na quantia de 1 milhão de dólares em seus campeonatos mundiais de 2018.

Mais famosos do eSports

O país mais famoso na modalidade e com o maior número de gamers do mundo é a Coréia do Sul, com uma população total de aproximadamente 50 milhões de pessoas, e 26 milhões de gamers. No país, as pessoas são tão adeptas aos


Créditos: Leandro Pinto

Jogadores de todas as idades se encontram na Brasil Game Show, maior feira de games da América Latina que ocorre anualmente

jogos eletrônicos que, milhões de pessoas comparecerem aos estádios quando há algum torneio, presencial, acontecendo e, os jogadores são tão ou mais reconhecidos, do que os jogadores de futebol e os artistas do Brasil e dos EUA. Eles são quem ilustram as campanhas das grandes marcas presentes no país. Quanto aos jogos, no cenário competitivo, os mais populares são os de estratégia em tempo real e ação, em específico o League Of Legends, mais conhecido como LoL, que lidera o ranking com 67 milhões de jogadores em todo mundo. O jogo desenvolvido pela Riot Game, tem um número de adeptos maior do que o de pessoas que habitam a Coréia do Sul.

eSport no mercado profissional

Apesar do que dizem as pessoas e os números arrecadados através de pesquisas, acerca da profissionalização dentro do eSport, as áreas de atuação permitidas por essa modalidade esportiva são muitas. No cenário profissional dos jogos eletrônicos, fora os jogadores que são as grandes estrelas e disputam pelos holofotes e pelas poucas chances de entrarem nas grandes competições, existem muitas outras oportunidades e maneiras de inte-

grar-se a esse mercado. “Acho que todas as áreas dos eSports têm muito espaço. Plataformas para escrever não faltam, jogos para narrar idem. Os jogadores é que precisam de um esforço extra se quiserem suceder. Como é o lugar mais concorrido e glamoroso, você tem que se dedicar mais para se destacar. Só o talento não basta”, explica o estudante de jornalismo Roque Marques, que trabalha na ESPN na área de esportes e eSports. Segundo Roque, os jogadores das grandes competições dos eSports, são apenas uma pequena parcela dessa comunidade de profissionais capacitados. O número de jornalistas e outros tipos de criadores de conteúdo - sejam eles profissionais ou amadores - envolvidos na área é muito maior do que as pessoas acreditam. E isso, levando em conta uma realidade ainda muito recente. Quando questionado sobre querer atuar na área antes de entrar na faculdade, Roque conta que quando ingressou no curso de Jornalismo da Universidade do Sagrado Coração (USC), há 3 anos, o cenário não era como o dos dias atuais. “Já tinha passado pela minha cabeça sim, mas não era meu foco. Acompanho o cenário competitivo de Counter-Strike desde 2009 e como Campus Magazine 2017 ∞ 47


Créditos:Leandro Pinto

Esportes

A equipe Masculina de Counter Strike: Global Offensive, da Bootkamp Gaming, foi a campeã da Brasil Game Cup na 10ª edição da Brasil Game Show (BGS)

o jornalismo da área ainda era pequeno, nunca foquei nisso, apesar de gostar muito de jornalismo esportivo e de eSports. Comecei com o futebol, mas quando vi a chance nos eSports, acabei entrando para me aventurar. Hoje, já não me vejo fora dele.” Só na categoria amadora, as equipes contam com pelo menos alguns jogadores mais um técnico, enquanto as grandes equipes se estendem até profissionais da saúde. Eles contam com psicólogos, nutricionistas, assessores de empresa, analistas, jogadores reservas e uma gama de outros profissionais.

“Os jogadores é que precisam de um esforço extra se quiserem suceder. Como é o lugar mais concorrido e glamoroso, você tem que se dedicar mais para se destacar. Só o talento não basta” Inclusive, a área de assessoria de imprensa, assim como a de jornalismo é uma das mais fortes no cenário atual dos jogos. A assessora Branca Galdino, que trabalha há 5 anos com eSports e há 1 como assessora, aponta que esse é realmente um mercado aonde se pode investir, mas que ainda não é algo completamente estabelecido. “Ganhar 48 ∞ Campus Magazine 2017

a vida ainda é algo que depende de sorte e competência”, disse a assessora. Segundo o jogador Guilherme Fonseca, conhecido pelo apelido de GuiFera, primeiro campeão mundial vindo da América do Sul e do prêmio do torneio mundial de Pro Evolution Soccer League 2017 (PES 2017), o mercado dos jogos eletrônicos, de fato, requer muito esforço. Guilherme começou a jogar aos 4 anos de idade, quando o PES ainda tinha o nome de Winning Eleven para o plastation 1, mas até o ano de 2014 a prática era apenas para sua própria diversão. A profissionalização veio apenas depois disso, quando as pessoas que o conheciam passaram a incentivá-lo para que tentasse as grandes competições. “Um pessoal começou a falar que eu tinha potencial, aí conversei com minha família que sempre me apoiou, para me levarem aos torneios presencias e foi aí que tudo começou”, diz o jogador. No entanto, para o campeão, assim como para muitos outros jogadores, as coisas não são tão fáceis como as pessoas imaginam. “Tem que se empenhar muito, ter muito psicológico, pois o nervosismo atrapalha muito para participar dos torneios tanto off-line quanto on-line”, completa Guilherme.


Créditos: Arquivo Pessoal

Coletivo dos Palmares nas Faculdades Integradas de Jau (FIJ) realiza reuniões semanais para discutir a questão do negro na sociedade

Representatividade

Negra

Alunos e professores falam sobre ações de inclusão e visibilidade Gesiele Ferreira e Julia Amantini

E

m 2015, segundo dados do Instituto Brasileiro de Pesquisa, (IBGE), 12,8 % dos estudantes se declaravam negros ou pardos, comparando com a população branca, o numero equivale a menos da

metade dos jovens brancos com a mesma oportunidade, que eram 26,5%. O dado mostra a pequena inserção de negros nas universidades brasileiras e aponta a necessidade de ações para reverter essa realidade. Campus Magazine 2017 ∞ 49


Os universitários Danielle Ressaff e Kleber Amaral, conscientes desse contexto, decidiram criar o movimento “Coletivo dos Palmares”. Os jovens desenvolveram ações para discutir a questão do negro no ambiente universitário. “É importante ter uma discussão deste nível na faculdade, porque é um momento que nós jovens estamos nos formando intelectualmente e tendo uma visão crítica. Além disso, a falta de negros nas universidades pode ser vista quando fazemos aquilo que chamamos de ‘teste do pescoço’, que é olhar em volta e ver quantas pessoas tem a pele escura. Isso fica visível até no quadro de professores, porque até hoje tive apenas uma professora negra”, destaca a estudante e integrante coletivo, Danielle Ressaff. Outro integrante, Kleber Amaral, explica o que motivou a ação. “A semana da Consciência Negra nos motivou a reunir pessoas interessadas em fazer parte desta discussão, começamos a pensar em pautas para as reuniões e em eventos para serem realizados na faculdade”, explica. A ideia é tratar, por meio de debates e encontros, a questão racial. “Eu espero que um dia, as pessoas parem de julgar as outras em relação à cor da pele”, ressalta o estudante. Menos de 1% dos professores que atuam hoje nas universidades públicas brasileiras são negros. Entre as melhores universidades do país, a USP (Universidade de São Paulo), por exemplo, há 4,7 mil professores, o número de negros não chega a dez (0,2%). O indicativo é o mesmo na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), onde há 670 professores, três deles negros. A UnB (Universidade de Brasília) tem 15 negros para um total de 1,5 mil profissionais (1%), os dados são da pesquisa étnica e racial no Brasil, feita em 2012.

Professores Negros

Para o professor doutor Juarez Tadeu de Paula Xavier, coordenador do curso de jornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp/Bauru) e ativista do movimento negros “Kimpa”, que faz referência a uma revolucionária africana que lutou contra a escravidão a presença de negros no ambien50 ∞ Campus Magazine 2017

te acadêmico é muito pequena. Por isso, o movimento negro na Unesp surgiu a partir da iniciativa de alunas negras e alunos negros, depois de uma série de ações racistas na universidade em Bauru. Os estudantes passaram a desenvolver atos políticos internos e extremos, articularam-se com outras unidades, e contribuíram para a formação de novos coletivos estudantis. A Unesp tem hoje diversos coletivos: racial, de gênero e LGBT (Lésbicas, Gays,Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Trasngêneros) em suas 34 unidades espalhadas pelo estado. “A população preta e parda é maioria no país, mas são minorias nas universidades. Essa pequena representação é fruto da articulação de três fenômenos: preconceito, aliado a ação subjetiva de violência discriminação racial, segregação física da população negra, combatida pelas leis de cotas”, explica Xavier. Segundo o professor, esses fenômenos criam um paradoxo, os pretos e pardos pagam os impostos que permitem o financiamento dos serviços públicos, mas estão ausentes de suas estruturas.

As desigualdades étnico-raciais no Brasil têm relação com a população negra que teve suas origens no sistema escravista, que durante mais de 350 anos foram escravizados e tratados como mercadoria. Após as lutas abolicionistas e a promulgação da Lei Áurea (1888), a inexistência de políticas públicas que promovessem a inclusão social dos negros e lhes garantissem direitos de cidadania, resultou em pobreza, miséria e marginalidade, fazendo disseminar e crescer todas as formas de preconceitos. A professora, socióloga e ativista do movimento negro e feminista das Faculdades Integradas de Jau (FIJ), Grasiela Lima, acredita que as cotas funcionam como uma ação afirmativa. “É o que de melhor temos para a inserção de excluídos na educação e no mercado de trabalho. E os dados atuais demonstram o sucesso dessas políticas”, aponta. Mas, segundo a professora, outras ações devem ser realizadas no campo das políticas públicas em médio e longo prazos para promover a melhoria da qualidade da educação, uma melhor distribuição de renda e a garantia do exercício dos direitos sociais.


Créditos: Freepik./Montagem: Danielle Venancio

Maternidade questionada Ser mãe: ato voluntário ou uma pressão da sociedade? Arthur Lucas e Bianca Paulline

I

ndependente do fato de ser prazeroso ou não, dar à luz, ou melhor, ser mãe, é considerado para muitos um caminho inevitável para a mulher. Desde os primórdios, um filho era concebido pelo casal de forma natural, sem planejamento e sem questionamentos. Com o passar do tempo e após intensas mudanças sociais e culturais, houve certa mudança de valores e a conquista de certos direitos, com isso, a escolha da mulher a respeito da maternidade começou a ser discutido com mais amplitude. Atualmente, não é tão assustador ver casais planejando uma vida sem filhos. As prioridades hoje são as mais diversas, como ter um bom emprego, viajar, comprar imóveis e carros. Segundo

dados de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14% da população feminina no Brasil não pretendia engravidar, quatro pontos percentuais a mais que no censo anterior. O caso de Christiane Gomes de 22 anos é mais um exemplo sobre essas estatísticas. A jovem, que não pensa em ser mãe, tem opinião formada sobre o assunto. “A maternidade é algo muito discutido hoje em dia. Não tenho desejo de ser mãe. O motivo é que tenho muitos planos e talvez não vou poder realizá-los caso me torne mãe”, afirma. Christiane fala sobre a imposição desta ideia. “Com certeza é muito imposto. Quando falo que não tenho vontade de ser mãe, as pessoas dizem que um dia terei, Campus Magazine 2017 ∞ 51


Mulher

ter filhos”, acredita. A jovem ainda ressalta que existe uma crença errada sobre as mulheres, o fato de não terem encontrado o “homem certo” para ser mãe. “Algumas pessoas dizem isso como se existisse alguma justificativa quando, na verdade, é porque não tenho vontade. Tive alguns namorados e nunca passou pela minha cabeça ser mãe”, explica.

Visibilidade da mulher

Ser mãe é uma perspectiva de vida que não afeta apenas mulheres héteros, sendo elas solteiras ou possuindo parceiro. A estudante de publicidade e propaganda, Júlia Marques, de 19 anos, observa que uma mulher que não quer ter filhos é vista de forma diferente na sociedade. “Ainda há muito preconceito contra mulheres que desejam ser independentes e não sentem necessidade de gerar ou ter uma criança. Com a ascensão do feminismo nos anos 80 essa questão é passou a ser mais discutida. Talvez pelo fato de existir mulheres cada vez mais independentes e livres quanto às questões de pensamento e corpo. É justamente por isso que deve ser ressaltada a escolha de uma mulher querer ou não ter filhos. As pessoas precisam lidar mais com suas vidas do que com a dos outros”, diz.

Créditos: Bianca Pauline

Créditos: Arquivo pessoal

como se fosse obrigada a mudar e a sentir essa vontade”, conta. A família também tem grande papel sobre o tema. “Minha família me apoia muito, e de certa forma me faz manter essa decisão. Outras pessoas ficam questionando, querendo entender o porquê, sendo que o único dever é respeitar a decisão ou escolha das mulheres. Diante dessa situação, a jovem Christiane faz planos e almeja sucesso profissional. “Um dos meus principais sonhos é ser comissária de bordo e fazer um intercâmbio voluntário. Penso que mulheres que não possuem o desejo de serem mães têm suas justificativas, a maioria fica preocupada em realizar seus planos e, talvez, com um filho não seria possível. Acho que, na vida, precisamos abrir mão de muita coisa para alcançar o que a gente deseja.” Apesar de não pensar em ser mãe, Christiane afirma: “Particularmente, acho um gesto lindo, mas as coisas estão muito difíceis hoje em dia. Tem muita coisa ruim acontecendo no mundo, isso pode ser um dos fatores pelo qual muita gente não quer

Christiane Gomes faz planos para um futuro sem filhos

52 ∞ Campus Magazine 2017

A estudante Júlia Marques planeja ser mãe e ressalta a importância do amadurecimento para fazer escolhas


Créditos: Arquivo pessoal

Mulher

Kaline Mira é professora, tem 38 anos e é mãe de três filhos. Ao ser questionada se a maternidade traz algum demérito, ela respondeu: “Não diria que traria algum demérito. Porém, maternidade é doação. Um eterno ser em função de ver os filhos felizes. Doamos, a princípio, nosso corpo, e depois a mente e os sentimentos. Acredito que traz muitas mudanças em tudo, mudando objetivos e motivações. Sabe aquela história de que ‘ser mãe é como ter um coração batendo fora do corpo?’ É mais ou menos isso. Mas não é outro coração. É um pedaço do seu. E o pedaço maior”, explica a professora. Apesar de exercer a maternidade, ela acredita que não existe uma naturalidade quanto ao tema e que existe, sim, uma imposição. “A sociedade vê com estranheza uma mulher madura e sem filhos, mas já foi bem pior. Antigamente, cuidar dos filhos, da casa e do marido era nossa única ‘missão de vida’”, ilustra. Quando perguntada se a mulher é vista de uma forma diferente quando opta por não ter filhos, Kaline é bem clara e afirma que “poucas pessoas conseguem respeitar a escolha do outro, e a maioria pensa que a plenitude de uma mulher passa pela maternidade”, servindo muito bem para retratar o que é visto no senso comum.

Créditos: Bianca Pauline

Opinião de mãe

Família

A família de Julia deu todo apoio à sua decisão. “Todos somos bem abertos e respeitosos quanto à vontade do outro. Então, se um não quer algo, não será a gente que irá forçar”. A estudante deseja ser mãe, mas isso foi uma escolha particular. “Penso que o fator decisivo da minha escolha foi o amadurecimento. Amadurecimento de pensamento, atitudes e de vida. Em especial, minha namorada me faz desejar, cada dia mais, construir uma família,” ressalta. Campus Magazine 2017 ∞ 53


Saúde

Paralisia do sono Leonardo Smith e Letícia Yoshimura

Q

uando o corpo adormece, passa por duas duas fases: a primeira é a NREM (não-REM), subdividida em 3 etapas, a N1, N2 e N3, que corresponde ao sono mais leve. E a REM, do inglês “Rapid Eye Movement” (Movimento Rápido dos Olhos), a fase mais profunda do sono. Nas etapas N1 e N2, acontece a produção de hormônios e mediadores químicos no organismo, que são essenciais para o equilíbrio metabólico, psíquico, físico e sexual. A etapa N3 é identificada pelo sono de ondas lentas, isto é, um sono profundo e reparador. Durante a fase REM é quando a atividade cerebral se intensifica, o batimento cardíaco aumenta e há a ausência de movimentação do corpo. É nessa fase que acontecem os sonhos e, por isso, o corpo não consegue se mover. A paralisia do sono decorre quando uma pessoa desperta durante a fase de sono REM, ou seja, o cérebro está acordado, enquanto o corpo ainda está dormindo. Sendo 54 ∞ Campus Magazine 2017

assim, a pessoa está conscientemente despertada, porém, paralisada. “Senti muito medo, porque a sensação é que eu não conseguia mexer nenhuma parte do corpo e tentar falar, gritar não é uma opção, já que eu também não conseguia”, relata Tiffany Pancas que teve sua última paralisia este ano, depois de três anos sem nenhuma ocorrência. Embora a paralisia do sono não cause danos físicos, a pessoa pode ficar com “medo de dormir”, resultando em alguns casos a insônia transitória. Suas causas variam de estresse, falta de horário regular de sono, abuso de medicamentos estimulantes ou traumas de infância. Não existe, exatamente, um tratamento para paralisia do sono. O que se pode fazer é tentar controlar o estresse no dia para que não atrapalhe na hora de dormir, ter um horário de sono regular e não fazer automedicação. Além disso, é essencial uma orientação de um profissional para que não se tenha receio de dormir.


Crédito: Letícia Yoshimura

Campus CampusMagazine Magazine2017 2017∞∞55 55


Expediente

UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO Profª Dr.ª Irmã Susana de Jesus Fadel Reitora Profª Dr.ª Irmã Ilda Basso Vice-Reitora e Pró-Reitora Acadêmica Profª M.ª Daniela Luchesi Diretora do Centro de Ciências Exatas e Sociais Aplicadas Profª M.ª Mayra Fernanda Ferreira Coordenadora do Curso de Jornalismo CAMPUS MAGAZINE Publicação da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso II (Revista) com o apoio das disciplinas Design para Jornalismo e Fotojornalismo, do Curso de Jornalismo da USC. Professor de Design para Jornalismo: Prof. Dr. Rodrigo Holdschip Editora de conteúdo e fotografia, professora e jornalista responsável: Profª M.ª Érica Cristina de Souza Franzon (MTB 39.590). Edição Final: Profª M.ª Érica Cristina de Souza Franzon (MTB 39.590) e Profª M.ª Vanessa Grazielli Bueno do Amaral Edição de arte: Danielle Garcia Venancio Tiragem: 600 exemplares. Edição 1/ Ano 6: Dezembro de 2017. Endereço para correspondência: USC/Centro de Ciências Exatas e Sociais Aplicadas. Curso de Jornalismo. Rua Irmã Arminda, 10-50, Jardim Brasil, Bauru-SP. CEP:17011-170 Telefone: (14) 2107-7255 E-mail: jornalismo@usc.br C691c

Campus Magazine: revista-laboratório do curso de Jornalismo da Univesidade do Sagrado Coração / Universidade do Sagrado Coração - Ano 6, n. 1 (2017). Bauru, 2017. 56p.:il.; 15,0 x 23,0 cm Anual Texto em português ISSN 2317-3041 1. Ensino Superior. 2. Comunidade Universitária. 3. Jornalismo. I. Universidade do Sagrado Coração. CDD 378.05

Elaborado por Biblioteca Central “Cor Jesu”

EQUIPE DE REDAÇÃO Textos e fotografia: Amanda Sampaio Gomes, Ana Claudia Giese De Moraes, Arthur Lucas Da Silva Ferreira De Souza, Bianca Maciel Santos, Bianca Paulline Avanco Da Silva, Caroline Scarabotto De Araujo, Daniel Baena Bento, Felipe Matheus De Sousa, Fernanda Cristina Rosa, Gabriel Pereira Fagundes, Gesiele Gomes Ferreira, Julia Rota Amantini, Laura De Souza Frederico, Leandro Silva Pinto, Leonardo Smith Dos Santos Silva, Leonardo Vieira De Moura, Leticia Yukari Eto Yoshimura, Luana Karolina Da Silva, Luís Filipe Grael Tinós, Mayla Fernandes Rodrigues, Paulo Roberto Clementino Filho, Renata Lopes Martins Madureira, Romano Garrote Paschoarelli, Thalia Moreira Manzuti Garcia, Tiffany Pancas Tavares, Vivian Karolaynne Correa Nunes Messias

Projeto gráfico e diagramação: Amanda Ferreira Medeiros, Amauri De Almeida Duarte, Arthur Andrade Mariani, Beatriz Da Silva Pereira, Bruna Pedrosa Minini, Felipe Cres Da Fonte, Felipe Tiago Firmino, Gabriel Almeida Ferracini, Gabriela Da Silva Fontes, Gabriela De Oliveira Dos Santos, Gabrielle Aguiar Gonçalves, Gesiele Gomes Ferreira, Giovanni Pacheco Witzler, Isabela Martins Lopes Castilho, Izabela Suzuki, Jannaina Tardivo Santos, João Carlos Martins De Carvalho, João Pedro Pachioni Facin, Larissa Bastos Ferreira, Laylla Paes Fiore, Leonardo Ragazzi Colombo, Leonardo Ricci Gomes, Luara Botelho Giatti, Luiz Henrique De Andrade Ranzani, Marcio Aparecido Shibukawa, Mariana Miranda Oliveira, Matheus Garcia Da Silva, Matheus Santos Mariano, Micaella Lacava Ferreira Bizari, Stéfani De Oliveira Campos, Thainah Oliveira Massucci Da Silva, Thais Ferreira Pereira, Vitor Carr Tamelline, Vitoria Fogolin Vieira


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