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A realidade é mais tosca que este texto Paula de Aguiar Cardoso

A realidade é mais tosca que este texto

Paula de Aguiar Cardoso

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– Parem este parto! – Gritou a enfermeira ao entrar correndo na sala do bloco cirúrgico.

Imediatamente após o pronunciamento, um breve silêncio. A equipe toda travou. Assustado, o médico parou o bisturi ainda no ar. A mulher, que já quase não aguentava mais gritar, parou para ouvir. O pai, preparado, só continuou na mesma pose pra foto.

– O que está acontecendo? – Perguntou o médico, ainda tentando manter a calma.

– Nós temos um problema. Eu sinto muito… mas acabaram as mantas azuis! – Respondeu a enfermeira.

– Como assim? – Interrompeu o pai, já em desespero. – Mas eu vou ter um menino! – Completou a mãe, quase sem fôlego. – Como assim não tem mais? – Perguntou o médico. – A criança já vai nascer!

– Ter, até que tem. Mas só tem rosa! – Respondeu a enfermeira, que já suava frio.

– Mas meu Deus do céu, que hospital é esse?! Todo mundo aqui já sabia que era menino! Eu não vou aceitar um erro médico desse! – Reclamou o pai, claramente revoltado.

No meio disso tudo, ninguém sabia direito o que fazer, e os aparelhos começaram a apitar também em desespero.

– A criança precisa nascer agora! – Constatou o enfermeiro. – Então traz a manta rosa! – Gritou a mulher entre uma contração e outra.

– De jeito nenhum! – Rebateu o marido. – A gente veio aqui pra sair com um menino!

– Eu não aguento mais! E eu sempre quis menina! – Desabafou a mulher.

O homem mal podia acreditar no que acabara de ouvir. – Ah, a gente não vai entrar nessa discussão de novo! Se Deus quis menino, vai ser menino! E eu vou processar esse hospital!

– Não tem nada que eu possa fazer. A criança já vai nascer! – Avisou o médico, constrangido.

– Meu amor, vai me dizer que isso não é um sinal divino? A gente num hospital inteiro e só tem manta rosa? – Gritou a mãe, já encharcada de suor.

Desesperado e abalado com o argumento, o pai levou as mãos à cabeça e ficou alguns segundos em silêncio.

– Mas, querida, e o quarto que já tá pronto? Todo lindo, com tema do Cruzeiro. Onde que essa criança vai dormir? E… eu já avisei pra todo mundo no grupo do zap que meu garanhão tava chegando. Que constrangimento...

– O quarto a gente resolve! Às vezes o seguro cobre. Vai, vai! Manda um áudio, avisa todo mundo que a nossa princesinha tá chegando! – Apressou a mulher.

– Eu vou ter ressarcimento? – Perguntou o pai ao médico. – Alguém vai ter que cobrir esse prejuízo.

– Claro, senhor. Faremos o possível pra minimizar todos os danos ao senhor e à sua família.

– Então, traz a manta rosa! – Decretou o pai. E a mãe suspirou aliviada. O final dessa história é feliz. Tudo correu bem na cirurgia. Já ao fim da tarde, saíram do hospital o pai, a mãe, a filha e um gordo cheque de indenização. Colocaram na conta os prejuízos emocionais, um vale pro novo enxoval, uma taxa pelos 30% de salário que a criança deixaria de receber ao longo da vida, alguns seguros pelo risco de gravidez na adolescência, possíveis danos físicos causados por violência ou assédio, além de um bônus especial por colocar mais uma princesa do lar no mundo.

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