Revista Combustão #0

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EDIÇÃO #0 ● ANO 1 ● DEZEMBRO 2012

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EDIÇÃO #0 ● ANO 1 ● DEZEMBRO 2012 04 Editorial 05 Rapidinhas: Brian de Palma e a obsessão 06 Uma volta pelo lado selvagem: prostituição 10 Uma década de ‘Songs for the Deaf’: do deserto viemos e a ele voltamos 12 O Velho e Bar 18 Escolha uma vida 20 Ensaio Carol Baby 28 Sofre menos pelo ódio quem conhece a indiferença 30 Helter Skelter à la Brasil e Robin Hoodies de Brasília 34 Resenha do caralho

Expediente Editor Laio Brandão Diagramação Daniel Fardin Pedro Augusto Rodrigo Castro Fotografia Júlia Boaventura Roberta Monteiro

Redatores Daniel Fardin Eduardo Nascimento Jr. Fábio Moura Fernanda Castro Laio Brandão Pedro Augusto Rodrigo Castro Thiago Soares

Colaboradores Leandro Reis Thiago Penna Editora Xisto Press Tiragem 10 exemplares

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Editorial

Contra a caretice A música, a literatura, o cinema e as outras artes sempre foram expoentes do erotismo - ainda que não nessa condição, valorizavam e valorizam, entretanto, o corpo. O vigor das formas, um rosto bem talhado, o corpo torneado ou a saúde do volume das curvas sempre povoaram as artes. E não poderia ser diferente, enquanto reflexo mesmo da ação e imaginação humana. Diferentemente dos clássicos e antigos, o erotismo e a nudez representada foram delineando caminhos mais distintos, a pornografia ganhou força sobre a arte. E ora, nada contra a pornografia!, mas a estética tem seu lugar. Deixemos, por enquanto, de lado a beleza industrial e nos rendamos à realidade flagrante de uma pequena celulite, a fartura das mulheres comuns. Deixemos de sonhar com as mulheres de capa em nosso dia-a-dia e tragamos as pedaçudas do cotidiano para nossas as capas. Ninguém irá se arrepender. Vamos levar Viçosa ao século vinte um das ideias e retomar um caminho já percorrido e esquecido no tempo, minorar o falso moralismo e deixar claro que a contemplação da beleza não é falta

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de respeito. E muito pelo contrário, é exaltação. A estética nudista, contudo, é apenas um dos fatores que marcam esta publicação. Desde sempre, o que nos moveu enquanto jornalistas foi a possibilidade de contato próximo com a cultura de forma geral e a arte em seus diversos níveis. Esta é a realização de um projeto de tantos outros que trazemos conosco. Vamos valorizar a produção local, criando um centro de discussão do que acontece por aqui, bem como rememorar e trazer ao público o cinema, a música e a literatura universais duradouras, que atravessam os tempos e permanecem genuínas. É assim que, neste piloto, trazemos um perfil do ilustre Parzanini – o dono do bar mais pindaíba em um dos m² mais caros da cidade –, uma comemoração dos 10 anos do álbum seminal dos Queens of The Stone Age, Albert Camus, Danny Boyle, o ensaio da bela Carol Baby e outras editorias como a Resenha do Caralho e Rapidinhas, e muito mais. Que Combustão Zero alcance o que se propôs a fazer: resistência.

Laio Brandão


Rapidinhas

Brian de Palma ea Obsessão

Laio Brandão

N

ascido em Nova Jersey, em 1940, Brian de Palma é um dos ícones ítalo-americanos do cinema hollywoodiano e, por que não, mundial. O diretor, apesar da consolidação e reconhecimento de um estilo dramático e

estético próprio, com produções em parceria com Oliver Stone, De Niro e Al Pacino, teve uma trajetória de altos e baixos, com sucessos comerciais e de bilheteria, mas com ressalvas da crítica. Sua obra, ampla em extensão cronológica e filmográfica, abarca uma série de temas sociais e políticos, tendo sempre no cerne da questão tensões de ordem psicológica – transtornos mentais, fixação, ciúmes, psicopatia, megalomania que balizam o destino da trama. De Palma, com seu estilo, mais tarde seria considerado o sucessor de Hitchcock, com thrillers intensos e uma montagem e ritmo miméticos ao inglês, mas também autênticos. A Combustão traz, em sua estreia, aqueles que podem ser considerados os três mais representativos filmes de De Palma sobre sujeitos obsessivos: em todos há um objetivo a ser alcançado, e nenhum dos três protagonistas medirá esforços e consequências para isso.

Scarface

Os Intocáveis

Carlito’s Way

Polêmico até hoje, esse ultraviolence narra a trajetória megalomaníaca e meteórica do ilegal cubano em Miami, Tony Montana. Latino ferrado, sonha tornar-se o grande criminoso do estado. Adaptado de um original da década de 30, o remake escrito por Oliver Stone tem trilha e cenário oitentistas, com um ritmo acelerado e uma tensão sempre presente.

Com elenco estelar, o filme recria a Chicago da década de 30, em plena Lei Seca, o Federal Eliot Ness tem a incumbência de prender Al Capone. A tarefa se torna uma obsessão, uma perseguição policial tensa, que perpassa os guetos, a high society e o campo com um bang bang autêntico. E a trilha de Ennio Morricone, um espetáculo à parte.

Num flashback de um homem à beira da morte, o porto-riquenho Carlito Brigante começa do final uma história instigante que ele próprio havia tentado modificar: a fuga incessante da criminalidade de um extraficante de cocaína, agora gerente de uma boate que dará o ritmo alucinante com uma trama de cenários incríveis e perseguições marcantes.

1983

1987

1993

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Prostituição Uma volta pelo lado selvagem

Eduardo Nascimento e Fernanda Castro fotos Júlia Boaventura Meretriz, rameira, cortesã, quenga, messalina, piranha, puta, biscate, roda-bolsinha, mulher da vida, profissional do sexo, garota de programa... Os adjetivos são muitos e todos eles servem para designar uma categoria: as prostitutas. Muitas pessoas afirmam que a prostituição é a “profissão mais antiga do mundo”. Contudo, não há nenhum registro histórico ou antropológico que comprove a afirmação. Sabe-se, entretanto, que a troca de favores sexuais era tido como um rito de iniciação, que marcava a saída da infância e a entrada na puberdade das garotas de muitas das civilizações antigas. No Egito e nas civilizações da região mesopotâmica as prostitutas eram consideradas sacerdotisas poderosas e recebiam grandes honrarias, conferidas as divindades, em troca de sexo. Já nas sociedades grega e romana as meretrizes eram muito admiradas, porém, pagavam pesados impostos ao Estado, além de serem obrigadas a portar 6

uma vestimenta que as identificassem sob pena de serem penitenciadas severamente. A situação de admiração se alterou com a chegada da Idade Média e da forte influência da recém-criada Igreja Católica. A moral cristã, aplicada com o uso de dogmas, tradições e textos bíblicos passou a comandar a vida das pessoas que foram influenciadas a ver nas prostitutas a grande causa do surto de doenças sexualmente transmissíveis que acometeu a Europa nesse período. O sexo fácil, sem compromisso foi demonizado e em seu lugar, o casamento cortês, realizado nos templos e com enorme influência política, passou a ser visto como o único caminho “limpo” para a prática sexual sem culpa e com um único propósito: gerar descendentes. A busca pelo prazer foi abolida de vez. Essa é a lógica que prevalece até os dias atuais, embora alguns avanços mereçam ser destacados. A psicanálise, criada por Sigmund


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Freud deu início aos estudos mais profundos sobre a sexualidade que, sem dúvida, influenciaram as pesquisas do entomologista e zoólogo americano Alfred Kinsey, criador do “Instituto Kinsey para Pesquisa sobre Sexo, Gênero e Reprodução” e considerado um dos grandes responsáveis pela chamada “Revolução Sexual”, ocorrida a partir dos anos 60. Entretanto, nem mesmo Freud ou Kinsey conseguiram vencer a “moralidade cristã”. Na maioria dos países, a prostituição ainda é considerada um crime. Dos 192 países membros da ONU (Organização das Nações Unidas), somente 19, além de um estado americano e três australianos admitem a prostituição de forma legalizada e regulamentada. São eles: México, Panamá, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Senegal, Turquia, Alemanha, Holanda, Hungria, Áustria, Suíça, Letônia, Bangladesh, Nova Zelândia, além dos estados de Nevada (EUA), Queensland, Nova Gales do Sul e Victoria (Austrália). O Brasil avançou nessa questão. O país regularizou a ocupação de “profissional do sexo” (como consta no Catálogo Brasileiro de Ocupações – CBO/2010, sob o código 519805), mas ainda criminaliza as atividades organizadas, os chamados “prostíbulos” ou “zonas de baixo meretrício”. A saída encontrada é a busca por um alvará de boate, bar ou pousada. Em Viçosa, uma dessas “pousadas” é a popularmente chamada

de “Alcântara”. E mesmo não possuindo nenhuma placa de identificação, todos os viçosenses sabem o que lá acontece. A cor de sua fachada também ajudou a dar outro apelido: a “casa amarela”. Apesar da pintura, os sinais de que a edificação é antiga são notados logo em sua entrada. Um portão simples separa a rua das escadarias que leva ao salão principal. Por dentro o local se mostra ainda mais degradado. A parede pintada num tom azul-piscina não dá conta de esconder a sujeira e a umidade. Mesmo sendo proibida a entrada nos quartos, uma porta aberta revelava um local pequeno, com uma cama de casal com roupas de cama brancas, desarrumadas, onde descansava uma garota após terminar seu programa. De dentro de uma salinha aparece Maria Madalena*, avisando que ali a entrevista aconteceria de forma mais tranquila. O local era

servia para esconder o fato de ela estar um pouco acima do peso. Nos pés, um desses calçados comuns, uma espécie de tamanco, na cor bege, com um pequeno salto. Não usava maquiagem. Nem batom. Nem esmalte. Talvez isso conferisse a Maria uma aparência cansada, desleixada. Já acomodada, Madalena não mostrava nervosismo. O único momento de desconforto se deu quando algumas das outras mulheres do local passaram a atrapalhar a entrevista, com frases do tipo: “o que não se faz por umas ‘verdinhas’, hein?” O forte sotaque de Maria denotava que ela não era de Viçosa. O que de fato foi confirmado logo no início da entrevista: era de Itaperuna, município do Rio de Janeiro. De acordo com Maria, há uma grande manipulação em torno do motivo que leva tantas mulheres a procurar a vida de prostituta. Segundo ela, quase a totalidade entra nessa vida porque quer. Não há exploração. “A maioria entra por causa do dinheiro, para sustentar seu vício em drogas”, afirma enfática. Ela mesma não admite culpar ninguém por ter deixado a profissão de costureira e ter se tornado uma profissional do sexo. Maria Madalena disse que entrou pela atrativa condição financeira. E, ao contrário das colegas, o dinheiro ganho não é investido em coisas ilícitas. Madalena não fuma, não bebe e nem faz uso de qualquer tipo de droga. Tudo que ganha é para sua própria sobrevivência. E apenas isso. O que talvez a tenha impedido

“Pensando agora, como fui burra! Se eu tivesse cobrado por todas as vezes que me deitei com um homem, agora estaria rica!”

* Nome fictício. 8

minúsculo, decorado com mesas brancas de plástico e três cadeiras, comumente encontradas em bares e lanchonetes. Maria é alta, bastante alta. Tem 30 anos. Os cabelos escuros e levemente oleosos lhe caem nos ombros. Trajava calça jeans, blusa com estampa de pele de onça. Não usava sutiã. Com certeza, uma estratégia para estimular os clientes. Os seios eram grandes, mas devido a sua altura, aparentavam o contrário. O frio da tarde era combatido com uma jaqueta branca, que também


de ser apenas mais uma nas estatísticas que associam prostituição e consumo de drogas, foi o fato de ter começado já “velha”: aos 27 anos. Há apenas três anos se dedica a trocar sexo por dinheiro. E em momento algum se mostra arrependida. Mesmo tendo um filho, fruto de um relacionamento com um empresário evangélico da cidade natal, ela afirma que não trocaria de profissão. Não se vê como dona de casa, dependendo do dinheiro ganho por um homem. “Depender de homem é muito ruim. A mulher tem que ser independente. E como não há trabalho bom, que pague bem, a gente se vira como pode”, relata. A clientela é diversificada. “Aqui vem homens de todos os tipos: ricos, pobres, limpos, sujos. Mas o tipo que mais aparece são os coronéis”, brinca. Segundo Maria, há dois motivos que levam os homens a procurar o serviço de uma prostituta: os problemas em seus casamentos e a “safadeza”, típica dos homens, como ela gosta de frisar. E para cada um desses, ela age

de um jeito diferente: “nessas horas temos que ser verdadeiras atrizes”, explica. No “Alcântara” trabalham, em média, seis ou sete mulheres. Há períodos em que são vistas 10 ou até mesmo 12 garotas. Lá não vigora o regime de “cárcere privado”. Entra quem quer, sai à hora que quer. A única exigência feita pelo casal que gerencia o lugar é o pagamento pelo uso do quarto. Por cada programa realizado, um pagamento. Logo, cinco programas, paga-se cinco vezes pelo uso do cubículo. Amizade e amor são dois assuntos que desconfortam Maria Madalena. Segundo seu relato, ela teve de abrir mão de qualquer tipo de apego. Acabou perdendo a companhia das antigas companheiras e até mesmo a atenção do filho. “Gosto do meu filho, mas não morro de saudades dele não. Eu o visito, nos falamos pelo telefone, mas tive de me desligar dele para seguir nessa vida. É o jeito”, lamenta. E mesmo dentro da casa ela não se sente acompanhada. Afirma que se dá bem com a maioria das garotas, mas amizade mesmo é muito

difícil. “O ambiente é muito pesado e aqui é cada uma por si”, relata enfaticamente. Passados três anos, ela ainda se lembra de seu primeiro programa. Disse não ter sentido nada de diferente e nem mesmo ter ficado acanhada. “Não foi nada de diferente do que já fazia quando saía para as festas”, disse. Nesse momento, Maria se cala e coloca-se a pensar. Em seguida, solta: “Pensando agora, como fui burra! Se eu tivesse cobrado por todas as vezes que me deitei com um homem, agora estaria rica!”, gargalha. Dinheiro. Esse é o real motivo da busca pela prostituição. E no caso de Maria Madalena ele já tem um destino certo. Ela acaba de adquirir um apartamento no valor de 50 mil reais. Enquanto não termina o pagamento, aluga-o. E finaliza: “depois desse, quero comprar outro e viver com o aluguel dele”. Essa é a única forma vista por ela para deixar a vida “fácil” e seguir a rotina comum da grande maioria das mulheres. ♠

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Uma década de ‘Songs for the Deaf’: Do deserto viemos e a ele voltamos O cenário é o deserto californiano e o ruído é o da porta de um carro recém-fechada com força. Na cabeça, uma leve ressaca e a nicotina, bem-vinda nos dias difíceis e nos de festa. Cercadas pelo porta-luvas ou soterradas pelo banco do carona, substâncias, digamos, imorais. A mão direita liga o rádio e ouve um estranho locutor anunciar a Klon Radio, “a estação que mais soa como todo mundo do que qualquer outra”. Durante o movimento que buscaria o volante, o braço para no ar, logo acima da marcha, e segue as primeiras faíscas da bateria de Dave Grohl. A estrada escolhe a sua trilha sonora. ONDE ESTAMOS Era 2002 e Cobain já tinha estourado os miolos há muito tempo. No mesmo ano, Layne Staley, do Alice in Chains, perdia a batalha contra a seringa e deixava o mundo ainda mais estranho. O rock respirava a ressaca do grunge e vomitava Nickelback e Creed. Do outro lado, bandinhas como Strokes construíam uma cena de guitarrinhas domesticadas e cabelos metodicamente desarrumados. O Radiohead, com Kid A e Amnesiac, transcendia o gênero e largava um pouco as guitarras. Existia vida inteligente com Jack White e mais algumas cabeças a fim de correr riscos, mas era pouco. Faltava, na verdade, mais testosterona. A ajuda veio, e do lugar mais primitivo e inóspito: o deserto. Songs for the Deaf, do Queens of the Stone Age, é um murro nos tímpanos. Uma injeção de testosterona. O álbum completou uma década 10

de críticas positivas e tentativas de homicídio em 27 de agosto. IDENTIDADE O Queens of the Stone Age surgiu das cinzas do Kyuss, ícone do stoner rock dissolvido em 1995. Após uma turnê com o Screaming Trees, Josh Homme começou as Desert Sessions, projeto em que reunia músicos no deserto californiano para trabalhar sons mais experimentais. Em 1997, com Alfredo Hernandez, seu ex-companheiro de Kyuss, Homme volta ao estúdio para começar o que seria o primeiro álbum do Queens. Depois da boa recepção do disco homônimo, começa a se formar a identidade musical do QOTSA, que se configuraria, praticamente, numa Desert Sessions itinerante. Para o segundo álbum, Rated R (2000), Josh Homme trouxe o baixista mau elemento Nick Oliveri, também ex-companheiro de Kyuss, e mais um monte de gente pacífica: Mark Lanegan, Barret

Martin, Rob Halford – sim, aquele do Judas Priest – Pete Stahl, Dave Catching e outros. Desse disco, ficaram Oliveri e Lanegan para o Songs for the Deaf. Ao lado deles e de Josh Homme, chegaram Dave Grohl e Troy Van Leeuwen.

FAIXAS As batidas de Grohl iniciam a trinca homicida do Songs for the Deaf: “You Think I Ain’t Worth a Dollar, But I Feel Like a Millionaire” tem Oliveri nos vocais gritando algo sobre um touro morto e bebidas. Mas o que se destaca nessa música é a subversão de vários clichês


do hard rock – riffs matadores, velocidade em queda livre, guitarras violentas – em destruição calculada. “No One Knows”, a “Smells Like Teen Spirit” do Queens, é um groove embriagado que pode deixar a sua namorada um pouco, digamos, animada com a voz de Josh Homme. Na mudança de estação, o ruivo canta um refrão profético em “First it Giveth” e Grohl faz as honras na cozinha com uma bateria de dois bumbos. E essas são apenas as três primeiras. Mark Lanegan, que vinha de sua obra-prima Field Songs (2001), empresta seu vocal tóxico a “A Song for the Dead”, quase homônima do álbum. A música é praticamente uma jam pesada e carrega uma homenagem ao Black Flag: após a introdução de Homme na guitarra, Grohl carinhosamente rouba a bateria de “Slip It In” dos seus heróis do punk. “The Sky is Fallin’” é uma enxurrada de versos de amargura, mas sem lamentação barata. Em falsete, Homme canta que se fechem os olhos e que o céu está caindo. A mão direita sai do volante momentaneamente para tocar “Six Shooter”, que retoma a insanidade

de “Millionaire”, com Oliveri cantando o ódio. (E aqui, uma pausa para reconhecer a volta de Grohl ao rock’n’roll. Desde 1997, quando o Foo Fighters lançou o The Colour And The Shape, o ex-Nirvana não parecia disposto a correr muitos riscos). O álbum subseqüente, There Is Nothing Left To Lose, prenunciou o limbo criativo do FF, que se estende até hoje. Wasting Light é pura regurgitação de uma carreira mediana. Pois bem, em Songs for the Deaf, Grohl voltou às baquetas, de onde, talvez, não deveria ter saído. Uma grande parte dessa recuperação pode ser atribuída ao relacionamento de Grohl e Homme. Ilustra-se: em trecho da biografia não autorizada do baterista, This is a Call, de Paul Brannigan, Grohl comenta sobre a conexão musical que existe entre ele e Homme. “Como baterista, tocando com ele, temos esse norte, essa freqüência. É algo que não expressamos, intangível, quase uma experiência sobrenatural”, diz. Seguindo: “Hanging Tree” volta com Lanegan nos vocais e é marcada por uma ótima linha de baixo. Como nem só de porrada vive o rock’n’roll, “Go With the Flow”,

“Gonna Leave You” e “Another Love Song” são da lista das canções que colam no ouvido e, se a MTV ainda tocasse música, integrariam a programação da emissora. Homme retorna em “Do It Again” para tentar – e conseguir – roubar sua namorada mais uma vez. Mas agora ele é um pouco mais direto: “Você e eu nos completamos”, canta. Nos shows, aliás, ele troca a palavra “fit” (encaixar, caber) por aquela outra com “F” que traduz o que pretende com a sua namorada. “A Song for the Deaf” é a faixa mais sombria do álbum. Em pouco mais de 6 minutos nos fones de ouvido, mesmo que não se fale claramente nos versos, é difícil não imaginar aquele toque inesperado de foice na porta. Maldita também é “Mosquito Song”, que tem um arranjo incrível de cordas de vários colaboradores. Não é a última, mas “God is in the Radio” é a canção que resume todo o álbum. Além do perfeito casamento entre instrumentação e versos, “God” faz uma auto-referência: “Eu sei que Deus está no rádio / Checando as estações”. E Ele, como o Diabo, propaga sua publicidade: “Você volte outro dia / E não faça nada de errado”. Os solos, longe de domesticados, mas concisos, marcam também “God is in the Radio” em catarse. Como em todo álbum, não há masturbação de guitarras nem ostentação exagerada. Elas seguem o ritmo e as ondas áridas do rádio. São criminosas, é verdade, mas de seus crimes estamos agradecidos. Chove no deserto.

Leandro Reis Estagiário n’A Gazeta e estudante de Jornalismo na UFES 11


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O Velho o Bar

&

Texto e fotos Thiago Soares

Avenida PH Rolfs, centro de Viçosa. Área nobre do comércio na cidade. Ali, perdido entre alguns grandes e luxuosos prédios, encontramos um bar. Um bar sem placa. Com alguns anúncios de cerveja já antigos pendurados na fachada: “Antártica R$1,99”. Causa estranhamento a qualquer um ver anunciarem a tal cerveja a um preço tão mais baixo do que o que se imaginaria encontrar em estabelecimentos daquelas redondezas. Maior estranhamento possa ser analisar o interior desse bar. Escuro, desleixado, feio. Com caixas e mais caixas dos mais variados produtos a atulhar as paredes. Velho. Com bêbados que por ali trafegam desde as primeiras horas do dia e até o anoitecer. Pessoas humildes. Nada de muitos estudantes. Esses, por lá não costumam se prender por muito tempo. Passam, pegam seus cigarros, tomam um trago ou outro e seguem. Estacionados junto ao balcão permanecem trabalhadores ou desempregados do mais modesto

comportamento. Gente que, entre uma pinga e outra, às vezes espera apenas pelo resultado do “bicho” e bebe d’outras tantas para por em dia as reminiscências do passado. Por trás do balcão, um pouco mais ao fundo, entre prateleiras de conservas, grãos, massas, fumo e o que mais se possa imaginar; lá está Manoel José Parzanini. Comerciante antigo e conhecido em toda cidade, Parzanini me aguarda sentado com os pés postos em um banco. Os joelhos inchados pela artrose precisam de repouso. Bengala ao lado, ele me repreende pelo atraso de meia hora. Peço desculpas meio sem desconcertado e rio concordando que de fato me atrasara um pouco. Parzanini me corrige. “Um pouco não. Bastante.” Fala seca. Enquanto os ralos cabelos se mostram totalmente brancos, as sobrancelhas ainda denunciam o castanho escuro da mocidade. Aparência frágil. Vestindo uma velha camiseta desgrenhada o comerciante deixa mais à vista

as manchas que se estendem dos braços ao rosto. Manchas que ele diz provocadas pelo sol e pela idade. “Duas coisas inevitáveis” - pondera. Apoiado sem sua bengala me guia até os fundos de seu boteco. Muito maior que possa à maioria parecer; são muitas e longas as estantes que exibem os produtos ali postos a venda. Pacotes de arroz e feijão, garrafas de óleo, latas de extrato de tomate. Muitos cigarros! O bar é conhecido por suprir os outros bares quando nesses acaba o estoque de tabaco. Chegamos a uma sala com duas cadeiras, uma mesa e um guarda-roupa. Dentro do guarda-roupa deixa roupas para que não tenha que ir até sua casa para se trocar sempre que necessário. E faz isso basicamente em duas situações: Todas as tardes, por volta das seis, quando fecha as portas de seu comercio e parte rumo à academia em que faz hidroterapia; e quando morre algum conhecido. Aos 69 anos de idade, ele já se diz habituado de ver um ou outro amigo “partindo”. 13


A história da família Parzanini em Viçosa começa com a chegada de Pedro Parzanini, agricultor da região da Calábria na Itália que veio para o Brasil fugindo dos horrores da primeira guerra. Viagem longa. Vinte e cinco dias de navio pelo atlântico. Trouxe consigo a família e entre seus filhos estava Faustino Parzanini. Ainda menino, Faustino aprendeu com o pai a trabalhar no campo. E isso fez até o fim de sua vida, no sítio da família, localizado no bairro da Violeira e, mais a frente, no pomar da Universidade Federal de Viçosa. Foi com o cultivo da terra que Faustino criou a família que constituiu com Francisca Antonina Bernados. Francisca trabalhava com alfaiataria. Ela e Faustino criaram os sete filhos no mesmo bairro em que seus pais os haviam criado. E na verdade, o que hoje se chama de bairro, àquela altura era apenas uma comunidade agrária das mais afastadas. “Onde hoje tem quatrocentas casas, na época tinha quatro.” - me diz o velho Parza ao contar a história de seus pais. Desde cedo ele começou a trabalhar. Aprendeu com o pai a mexer na roça e com a mãe a costurar. Fazia as duas coisas. E não só elas. Tendo largado o “grupo” aos 10 anos, desde essa idade já trabalhara como engraxate, barbeiro, fruteiro, em aviario, em alambique; e claro, com o jogo do bicho. Até hoje, sobre seu balcão, se aglomeram os jogadores esperançosos pela boa sorte. Da infância e adolescência vividas na Violeira, Parzanini traz lembranças e cicatrizes. Quando estava ainda no segundo ano de escola quebrou pela primeira vez a perna. De lá pra cá, coisas assim 14

tornaram-se praxe. Vira e mexe algum acidente lhe espatifa um ou outro osso. Hoje, os vários traumas físicos sofridos ao longo dos anos dificultam o caminhar e a execução de suas atividades como comerciante. Àquela época fora a escola a prejudicada. Morando longe, numa comunidade isolada, de difícil acesso, sem colégios; Mané, como era chamado, caminhava por três horas para poder assistir às aulas. Sacrifício que se orgulha de ter feito. Ainda mais por ter conseguido ao fim daquele ano, contra todas as adversidades, passar de série. “Me senti grande! E logo aos oito anos...” Quando adolescente, até toureiro se bancou a ser. Em um picadeiro construído por seu tio “Mingo”, que era carpinteiro, testou sua coragem diante de um touro bravo. Festa completa. Foi uma daquelas ocasiões em que a celebração tomou conta de todas as casas da pequena comunidade. Comida, música e os homens pondo em prova sua valentia. Afastados das iniciativas municipais, tanto àquela época quanto nos dias de hoje, o povo da violeira mostrava nessas ocasiões ser possível engendrar as próprias alegrias. De tudo que viveu ali, é desse espírito cooperativo que Parzanini sente mais falta. Apaixonado por futebol, não havia domingo em que não se punha a correr atrás da redonda. Nos campos daqui ou das cidades vizinhas, era certo que uma vez por semana lá estaria o jovem a desfilar seu talento no gramado. Datam dessa época alguns dos infortúnios que o levaram às camas de hospitais. Certa vez, após um encontrão de cabeças com um adversário, teve o crânio fraturado e passou vinte

“Todos os dias, das sete da manhã às seis da noite, mantêm-se firme à frente de seu bar. É ele quem abre e fecha as velhas portas de metal. Durante o dia, não come nada.” e dois dias desacordado na CTI do hospital São Sebastião. Quando lembra do caso Parzanini leva a mão ao lado direito da cabeça e aperta, mostrando-me como ali já não existe mais osso. Só uma “frágil moleira”, como define. Outra vez, em Juiz de Fora, foi uma garrafada dada por um torcedor à beira do campo que enviou o jovem viçosense de volta a um hospital. Dessa vez foram dois dias internado inconsciente na cidade vizinha. Ainda sobre futebol, se declara torcedor do Atlético Mineiro e do Botafogo. Além da “Azurra” (a seleção italiana de futebol). Da seleção brasileira tem verdadeiro asco. Torce pra todos que contra ela jogam. Seja quem for. Quando chegou a idade militar, Parzanini seguiu rumo ao Rio de Janeiro. Resolvera seguir carreira no exército. E lá partiu em um ônibus da viação Águia de Ouro. Dispensado por excesso de contingente, ficou no Rio por ainda mais seis meses em um comércio na Av. Bráz de Pina. Próximo à igreja da Penha. Lá, vendendo galináceos, começou a perceber a forte vocação que tinha para o comércio. Voltando a Viçosa, em agosto de 63, abriu seu primeiro negócio. Deixando os frangos e galinhas de lado, o que ele se dedicava a comercializar eram frutas. De


todos os fruteiros que havia na cidade, Parzanini era o único a vender frutas importadas. Daí nasce a preferência que os muitos estrangeiros (professores da UFV em sua maioria) que viviam por aqui passam a dispensar ao pequeno comércio localizado próximo a estação central. Quem o ajuda a guiar o estabelecimento é Maria da Conceição Silva, sua primeira esposa. Ela e Parzanini se casaram quando ele tinha vinte e três anos e ela dezenove. Jovens e apaixonados, vivem juntos por dez anos, quando Maria da Conceição vem a falecer. Acometida por uma dor de cabeça que a acompanhava desde antes mesmo de se casarem, a esposa de Parzanini partiu sem que de fato os médicos descobrissem o motivo das tais dores. Com uma carinhosa saudade no olhar, ele lamenta não ter naquela época as facilidades de tratamento médico

que se tem hoje em dia. Do casamento de dez anos ficaram boas lembranças. De uma mulher que, sempre a seu lado, ajudou-o a estabelecer-se como comerciante respeitado em toda cidade. Mais que isso, atribui a ela o motivo pelo qual, na década de setenta, conseguiu se eleger como o vereador mais votado da cidade. “Ela era muito boazinha. Todo mundo gostava dela. Foi por esse carinho que todos lhe tinham, que eu acho que o povo votou em mim.” Na política se manteve por muitos anos. Sendo vereador suplente em duas oportunidades e vereador titular em outra ocasião além daquela em que havia sido o político com mais votos para a câmara viçosense. Como vereador focou sua ajuda, principalmente, na violeira. Várias obras de pavimentação e saneamento do bairro partiram da inciativa do

antigo morador. Sobre o trabalho como vereador define: “Vereador não faz nada. O que faz é pedir. E aí eu pedia mais para aquelas comunidades mais esquecidas”. Largou a política para se dedicar exclusivamente ao comércio. De onde realmente tirava o sustento. A política virou conversa de bar como afinal não poderia deixar de ser. Ex-filiado ao PMDB (na época, década de 70, ainda MDB), fala com respeito dos adversários de outros partidos. Não fez dele, a política, um homem mesquinho, com queda para acusações caluniosas. De Raimundo da Violeira (ex-prefeito cassado de Viçosa), por exemplo, afirma acreditar na inocência ante as acusações a ele atribuídas. “Acho que ele, mesmo sendo meu adversário político, merece todo meu respeito. É um homem bom. Honesto. Acredito que o maior erro dele foi confiar demais em quem 15


não devia. Mas a vida é assim. No Homem de muita fé, Parzanini Se não se sabe negociar, compracomércio já me dei muito mal por ia sempre a missa aos domingos se caro. Com isso é preciso vender confiar em gente desonesta.” na catedral da Praça Silviano caro. E assim não se vende. Com a Dois anos após o Brandão. Agora, com dificuldade experiência de quem alega ter gafalecimento da primeira esposa, de subir escadas, tem deixado isso nho muito dinheiro, mesmo que casou-se novamente. Dessa vez, de lado. Assim como deixou de gastado quase tudo também, ele com Maria do Carmo Rodrigues. lado as visitas que fazia ao túmulo parecer saber do que fala. Sua pinga Maria do Carmo era sobrinha de de sua primeira esposa sempre lá custa dez centavos, mesmo preço sua primeira esposa. Tinha ela pelas cinco e tantas. Logo sob os do cafezinho; e não há estabeledezessete anos quando acrescentou primeiros vestígios do amanhecer. cimento no centro da cidade que o sobrenome Parzanini ao seu. Mas isso fora por outro motivo consiga competir com os dois e cinAinda hoje permanecem juntos. além dos joelhos enfraquecidos. quenta de um refrigerante de dois Mesmo que oficialmente separados Há dois anos Parzanini foi litros, ou com os vinte e 30 centavos convivem sob o mesmo teto, no dominado por um assaltante que, de um Hollywood a varejo. Conta centro de Viçosa, ao lado do jornal tendo notado sua assiduidade com ele, que muitos dos pacotes de coFolha da Mata. Já há trinta e cinco esse compromisso, o abordou no mida que ali estão à venda, vieram anos. das mãos de menDos dois ca“Chegando ao bar, aproveitando-se de digos que, recesamentos vieram um momento de distração do bandido, bendo um pouco quatro filhos. acertou-o com a gaveta em que estava o da “generosidade Sendo dois de dinheiro. Iniciaram então um corpo a não perecível” da cada. E sendo dois corpo pelo chão a fora que bem durou sociedade viçohomens e duas sense, preferem uns cinco minutos” mulheres. É com trocar o ganho imenso orgulho que me fala de seus cemitério e o levou até seu bar. por alguns trocados. Ou alguns meninos. Walmir, o mais velho, Ninguém na rua àquelas horas, tragos. (Afinal, onde um sem teto trabalha na vigilância da Universi- foi fácil para o “nóia” conduzir poderia cozinhar esses alimentos?) dade Federal. Aos trinta e sete anos um homem de sessenta e sete Outros desafortunados - um pouco ajuda o pai sempre que possível a anos à força sem ser notado. Sem menos desafortunados que os pricuidar do bar. Mais agora que seu armas a não ser um pedaço de pau. meiros - aproveitam-se disso para velho anda debilitado. Chegando ao bar, aproveitando- adquirir um quilo de feijão vermeCom sua voz rouca e de dicção se de um momento de distração lho por três reais. Por muitas vezes, difícil, causada pelo maxilar fra- do bandido, acertou-o com a preço melhor do que o praticado turado em um acidente de Jeep, gaveta em que estava o dinheiro. pelos supermercados. fala também com toda a pompa de Iniciaram então um corpo a corpo Todos os dias, das sete da manhã seus outros filhos. Roseane, que tra- pelo chão a fora que bem durou uns às seis da noite, mantêm-se firme à balhou como secretária de quatro cinco minutos, segundo me conta. frente de seu bar. É ele quem abre prefeitos diferentes, é a outra filha Mais apanhando que batendo, o e fecha as velhas portas de metal. que teve com sua primeira mulher. comerciante conseguiu, ao menos, Durante o dia não come nada. Não Só tinha dois anos quando a mãe fazer com que o outro homem tem por hábito. Só à noite, após a morreu e dela se lembra bem pou- partisse sem levar nada mais que uma hora de terapia sob água é que co. Com o pai mantêm ainda estrei- um ou outro maço de cigarro que janta. “Costume! Quando meu filho tos laços. Do segundo casamento catou às pressas enquanto fugia. ta aqui no bar fica me enchendo vieram mais dois filhos: Cristiano e Com a malandragem que pra comer alguma coisinha. Mas Gianini (única filha a não viver em aprendeu nesses mais de trinta e realmente não gosto. Sinto que até Viçosa. É veterinária em São Pau- cinco anos de comércio, Parzanini, me atrapalha.” Prova o café que lo). De seus filhos vieram seis ne- acredita que o grande segredo da vende. Mas só prova. Café é uma das tos. Dois de cada. E só a mais nova venda, está na compra. É, para ele, restrições que os médicos teimam não teve nenhum. nessa hora que se ganha dinheiro. em lhe aplicar de uns tempos pra cá. 16


Outra é quanto ao álcool. Mas esta ele desacata em surdina. Nem seus filhos sabem, mas quase todas as noites, quando volta da atividade física e antes de chegar em casa, para em um bar da rua São José e lá toma sempre uma cerveja e uma cachaça. Decachaça entendemuito.Além de ter trabalhado na fabricação ainda quando garoto, lá se vão muitos e muitos anos no comércio de destilados. Experiência que usa para selecionar bem a aguardente que compra para vender em seu bar. Com um graduômetro ele testa a pureza das bebidas que os produtores lhe levam. No dia da entrevista um desses produtores por lá apareceu. Parzanini pegou seu aparelho de medição e pediu a minha ajuda para ver qual o “grau” o aparelho ia denunciar já que suas vistas não funcionam assim tão bem mais. “Dezesseis”-

disse eu. Como estava abaixo dos vinte graus que seriam acusados caso a bebida estivesse pura, sem ter sido batizada com água, ele dispensa o vendedor. “Isso é água suja”. O vendedor agradece e parte meio desconcertado. Parzanini aproveita a amostra que foi usada na medição e toma um gole. “Essa nem meu médico iria proibir. Tão fraquinha” - e ri debochadamente. Após quase três horas encerramos nossa conversa. De tudo, o que mais impressiona é justamente aquilo que não foi dito. Foram os olhares incisivos com o vendedor de cachaça, foi o brilho no olhar ao falar dos filhos, as mãos que se esfregaram timidamente ao lembrar da doença da primeira esposa e o senso de humor debochado. De nada da vida ele parece se arrepender. Das coisas que talvez julgasse que poderiam soar mal, como seu envolvimento

com o jogo do bicho, falou com ar de desafio como quem pensasse “Quem é você ou qualquer um para me julgar?!” Quando perguntado sobre o que na vida lhe trazia mais arrependimento, pensou um pouco, respirou fundo e disse: “Matei alguns passarinhos com o estilingue quando criança”. Parzanini é cheio de si. Confiante que só. Alguém que criou sua família com todo carinho e só se sente relaxado agora que sabe que seus filhos já não dependem dele. É, apesar das roupas desleixadas que costuma usar, um homem vaidoso. Na bolsa que carrega para a academia leva cremes para mãos e rosto. A barba faz todos dias. É um homem que se preocupa com sua imagem. Que tem orgulho de sua história e se enche de prazer ao contá-la.

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“Escolha uma vida

,

escolha um emprego. Escolha uma carreira, escolha uma família. Escolha uma televisão grande, máquina de lavar, carros, CD player, abridor de lata elétrico. Escolha saúde, colesterol baixo e plano dentário. Escolha prestações fixas para pagar. Escolha uma casa. Ter amigos. Escolha roupas e acessórios. Escolha um terno feito do melhor tecido. Se masturbar domingo de manhã pensando na vida. Sentar no sofá e ficar vendo televisão. Comer um monte de porcarias. Escolha uma família e se envergonhe de filhos egoístas, que você pôs no mundo para substituí-lo. Escolha seu futuro. Escolha uma vida.” Eduardo Nascimento Jr. É com essa sucessão de frases que a história se inicia. Quem as profere é o personagem principal, Mark Renton, interpretado por um Ewan McGregor bem antes de ser tornar o famoso Obi-Wan Kenobi em sua juventude. A primeira vista, Renton nada mais é do que um punk no seu sentido mais literal. Ou seja, um vagabundo, um rebelde. Um outsider. E o que parece ser a comprovação vem logo a seguir, na sequência da cena de abertura: “Por que eu iria querer isto? Preferi não ter uma vida. Preferi outra coisa. E os motivos? Não há motivos. Para que motivos se há heroína?” Entretanto, o que Renton esconde do espectador é que por trás 18

dessa aparente recusa por viver “normalmente” há um imenso desconforto perante uma sociedade escocesa estagnada, chata, sem muito que fazer e totalmente dependente dos colonizadores ingleses. Esse é o mote de Trainspotting – Sem Limites. Na gíria escocesa, trainspotting é, literalmente, observar a passagem dos trens, ou seja, uma atividade sem sentido, algo que é uma total perda de tempo. E é exatamente assim que Renton, Sick Boy (Jonny Lee Miller), Spud (Ewen Bremner), Frank Begbie (o excelente Robert Carlyle) e Tommy (Kevin McKidd) vivem. Bebida, futebol e heroína. É isso, e somente isso que há para se fazer. Originalmente Trainspotting é

um livro, escrito entre 1988 e 1990, por Irvine Welsh. Teve sua primeira publicação em 1992 no Reino Unido. Já em 1994 se tornou um grande sucesso no teatro (na peça, Bremner foi quem viveu Renton). Em 1996, Danny Boyle levou o livro às telas. Welsh jamais imaginou que uma história sobre drogados da classe trabalhadora de Edimburgo


DIVULGAÇÃO

Danny Boyle e o roteirista John Hodge conseguiram, com extrema maestria, mostrar que os jovens escoceses não eram vítimas, mas meros consumidores da vida que lhes era oferecida. Ou, nas palavras do próprio Mark Renton: “Os tempos estavam mudando, as drogas estavam mudando e as pessoas estavam mudando”.

Scream e até mesmo Ice MC, que além de marcarem pontos chaves na película, servem ao espectador como um elemento de inserção na atmosfera dos jovens da Escócia e Inglaterra na virada da década de 80 para a década de 90. Muito além de somente “endeusar” a heroína, Trainspotting propõe uma reflexão a quem

“A primeira vista, Renton nada mais é do que um punk no seu sentido mais literal. Ou seja, um vagabundo, um rebelde. Um outsider.” Além do excelente ritmo narrativo (que prende a atenção em todos os seus 96 minutos de duração), a trilha sonora é tão importante que pode ser até mesmo considerada como uma “atriz coadjuvante”. Os destaques ficam por conta de Iggy Pop, Lou Reed, Blur, Pulp, Primal

assiste. Viver não é tão simples quanto se prega e, às vezes, é necessário que se esteja no «pior banheiro da Escócia” para perceber o quão fundo podemos chegar ao fazermos nossas escolhas.

E você, escolhe viver? O livro Trainspotting tem uma “segunda parte”: Pornô, ambos lançados no Brasil pela editora Rocco. Pornô prossegue com a história retomando os personagens dez anos depois dos acontecimentos do livro anterior tendo, desta vez, Sick Boy como o personagem principal. Não é necessária a leitura prévia do primeiro livro para entender Pornô. Mas recomendamos fortemente! Trainspotting Irvine Welsh, Rocco, 2004

Pornô Irvine Welsh, Rocco, 2006

pudesse fazer tanto sucesso. Para engano dele (e sorte nossa), tanto o livro quanto o filme se tornaram cultuados instantaneamente. E a principal contribuição que o filme trouxe foi a de ser exatamente o oposto de um filme de arte engajado. 19


Carol

Baby Ensaio Roberta Monteiro

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Sofre menos pelo ódio quem conhece a indiferença NASCERÁ DA IMPOTÊNCIA QUE TEMOS DE PENSAR COM OS NOSSOS CONCEITOS E COM AS NOSSAS PALAVRAS OS ACONTECIMENTOS DO MUNDO Jean Paul Sartre, sobre o absurdo presente em O Estrangeiro

Thiago Penna Albert Camus, é que este é um livro ao menos se propõe refletir sobre

L

ançado em 1942, no auge da segunda guerra mundial, a única afirmação definitiva que se pode ter de O Estrangeiro, de

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incomum. Ele não traz nenhuma grande revelação ao mundo, não altera qualquer forma de escrita, tampouco é responsável por criar ou remontar qualquer universo distante. E mesmo assim é incomum. Escrito em um dos períodos mais conflituosos da Europa Moderna, o autor não traz nenhuma denúncia direta sobre a situação social, política e econômica; e nem

qualquer ponto nesse sentido. O que se evidencia ao longo de O Estrangeiro é uma análise mais profunda e um tanto quanto pessimista sobre a situação do homem. A primeira maneira encontrada para fazer isto, e um dos principais traços do Estrangeiro, foi pôr o foco da história todo no anti-herói. Frase por frase, o leitor vai descobrindo o protagonista Merssault


como alguém sem qualquer resquício moral, incapaz de extravasar qualquer sentimento, seja diante da morte da própria mãe ou de um desconhecido. Aliás, talvez seja justamente este traço que dá ao livro o tom extremamente incomum, a completa ausência da histeria por parte do protagonista. Outro ponto que destoa no livro são as frequentes observações do narrador-personagem sobre o universo ao seu redor, como no clássico O Apanhador no Campo de Centeio, o protagonista critica o próprio contexto e o próprio cotidiano o tempo todo. A diferença abissal entre ambos encontra-se justamente na forma como o elemento central lida com todo contexto a sua volta, enquanto o jovem Holden Caufield está em constante crise existencial e demonstra emoções em todo o trajeto para casa, o experiente Merssault ignora. No fim das contas, o que incomoda o protagonista de Camus é justamen-

te qualquer tipo de compaixão. Um exemplo da personalidade d’o Estrangeiro é quando ele se diz incomodado com o cão do vizinho. O cachorro em questão vivia sob os maus-tratos do dono, um velho gordo a quem M é indiferente, mas se incomoda com o choro do

“No fim das contas, o que incomoda o protagonista de Camus é justamente qualquer tipo de compaixão” cachorro e a reação das pessoas a respeito. A relação com o vizinho de cima também chama a atenção: o homem, um proxeneta, conhecido pela violência e a fama por ter agredido algumas mulheres ante-

riormente. Eis que Merssault não apenas faz amizade com ele, como permanece sem compreender as razões pela qual a vizinhança tem ojeriza ao velho. No final das contas, a obra de Camus é, na verdade, uma grande ode ao absurdo e ao mesmo tempo um convite à reflexão. O que espanta é como a narrativa converge num ponto em que, mesmo achando um contrassenso, aberração ou disparate o que vive o protagonista, acabamos sendo incapazes de condená-lo efetivamente. O absurdo em o Estrangeiro é a razão principal pela qual qualquer um deva conhecê-lo: ao confrontar os sentimentos mais universais, sobre o certo e errado, o comum e o repugnante, acaba se tornando um personagem muito mais emblemático do que o proposto. Foi uma maneira simples encontrada pelo autor para contemplar uma das facetas mais intrigantes da natureza humana: a indiferença. 31


Helter Skelter à la Brasil e Robin Hoodies de Brasília Laio Brandão

“A verossimilhança tende a dominar o espírito das multidões em virtude da sua semelhança com a verdade” Platão 32

O que eu temia aconteceu. Após aprovação no Senado, a Presidente Dilma Rousseff sancionou a nova lei sobre cotas raciais e econômicas que garante a 50% dos candidatos ao vestibular, nas instituições federais do país, uma vantagem maioral a setores da comunidade estudantil secundarista, na fase mais dramática de sua formação. Houve, na década de 60, um malu-

co cujas lucubrações, além de renderem boas piadas, hoje, causaram ondas de terror intenso. Crendo piamente ser Jesus Cristo e que as músicas dos Beatles eram feitas em sua homenagem e chamado, Charles Manson agregou uma legião de lunáticos homicidas a fim estabelecer o caos, por meio de assassinatos e violência desproporcional. A justificativa era anteceder um conflito de raças inevitável entre negros brancos. Helter Skelter.


A Família Manson de Brasília não chegou a tanto, mas a medida contestável tomada pelo legislativo já atiçou os nervos de uma moçada. Nada sanguinário como há pouco mais de 40 anos, entretanto, a lei divide negros e brancos num espectro social para o qual a solução seria a unificação. O Brasil é um só. Segundo o texto original, no inciso I: “no mínimo cinquenta por cento das vagas de que trata o caput serão reservadas a estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a um inteiro e cinco décimos salário-mínimo per capita”. Ou seja, se um par de irmãos que moram com a mãe que tem renda mensal de 2800 reais tem, necessariamente, direito a uma vaguinha no ensinogratuitopúblicodequalidade. Pretty cool, vai sobrar dinheiro pro GAP e o Nike. As vagas de que trata o caput são “(...) mínimo cinquenta por cen-

to de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas(...)”. O critério será econômico e racial, mas a premissa é o ensino público, de modo que quem (branco ou negro) estuda numa escola particular mesmo que das piores, mas tem a mesma renda de um aluno negro de instituição municipal ou estadual, será sorrateiramente solapado na avaliação. Há diversas maneiras de subverter o contrato. Por exemplo, se utilizando da lei nº 8.971 de 1994, a qual afirma que “Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição, nos termos desta lei.” Aquela mesma, que dá à prole mais uma fonte de renda informal: a pensão alçada dos bolsos do pai (não que seja errado, claro. Entretanto, informal já que muitas vezes o valor chega 20% da renda do pai, e que quase nunca é feito judicialmente devido a entraves jurídicos, ficando num acordo entre as partes). Mas fica garantida aos moleques, a priori, uma carteira em alguma UF, mesmo com a renda excedida nos limites dispostos pela cota - isso, para citar um caso de burlar o sistema. O texto ainda prevê que as cotas devem ser prioritariamente ocupadas por negros, pardos ou índios. Se houver sobra de vagas, elas irão para os demais alunos das escolas públicas. Assim, os 50% das cotas restantes podem ser ocupados por quem tem renda maior, desde que seja obedecido o critério racial. Portanto, somente a partir daí, então, é que o branco pobre, filho

de empregada e agricultor familiar - pagadores de impostos tanto quanto seu amigo mulato - terá a chance de ingressar numa instituição federal sob-benefício do Estado. Nem Charles Manson foi tão sagaz ao insurgir brancos contra negros. Não entrarão apenas os muito burros, obviamente. Pois como constatado, escola pública não exporta apenas ignorância e de lá saem muitos bons e competentes. Entretanto, de um lado entrarão os 50% brutalmente selecionados (competindo entre Privado vs Privado vs Público ), enquanto do outro lado do muro, joio e trigo misturam-se e o número de parvos abaixo da linha da ignorância aceitável vão acotovelar-se aos montes. Sabendo, obviamente, da defasagem ululante do ensino básico do país, o ministro Aloízio Mercadante afirmou ainda que os cotistas poderão receber auxílio da universidade caso tenham dificuldade em determinadas matérias e que as instituições terão de adotar políticas de inclusão. É como se as universidades, ao invés de primarem pela excelência, assumissem o papel de “escola de reforço”, perdendo tempo e dinheiro em ensinar a quem não aprendeu o que deveria nos anos destinados a isso. Não é possível compensar 12 anos em um semestre, num período de verão ou em monitorias. Os argumentos utilizados, por mais estrambólicos que se mostrem, e façam a carótida saltar, não revelam a totalidade da proposição. O revisionismo histórico de linhas progressistas depreende em 33


Charles Milles Manson sociopata americano

“O curso espinhoso percorrendo nos últim é matéria de quem nasce

seu invólucro ideológico, entre tantas outras causas, uma justiça social compensatória de anos de “exploração” do negro - entre aspas, pois àquela época a prática era comum, e nem por isso menos demencial. O curso espinhoso que o negro vem percorrendo nos últimos 120 poucos anos não é matéria de quem nasceu há menos de 30. Bertrand de Jouvenel, escritor e economista francês, afirmou em 1976, em seu As Origens do Estado Moderno, sabidamente, que “O Estado moderno apoia sua ação sobre os direitos do conjunto em face de seus membros”. Dessa monta, nada anormal que os engravatados do legislativo não pudessem, de própria venta, tentar resolver o imbróglio do modo que lhes viesse à telha. Resolver aquilo que, além de tudo, precede a constituição do governo do qual fazem parte. Conseguindo ainda demorar 34

13 anos para isso - tempo que a lei demorou a ser aprovada. Já Henry D. Thoreau, libertário naturalista, escritor abolicionista do século XIX, preso simplesmente por se negar a pagar impostos a um Estado de cujo modelo de funcionamento ele discordava (escravidão, guerras, coerção, impostos), sentenciou, em reflexo de sua condição, a situação de muitos: “O próprio governo, que é simplesmente uma forma que o povo escolheu para executar a sua vontade, está igualmente disposto a abusos e perversões antes mesmo que o povo possa agir por meio dele”. Assim sendo, não fica difícil imaginar quantos jovens e seus pais veem-se agora minados por anos de contribuição impositiva, sem que por meio dela tenham retorno. Pagando por uma justiça social cuja procedência muitos sequer conhecem. Se hoje, não há

melhores condições para maioria negra, é porque o próprio estado, em décadas de conservadorismo político, econômico e industrial perpetuou os obstáculos de seu desenvolvimento. Imagine agora Bolívia, Paraguai e Peru buscando um revisionismo histórico contra a Espanha? Aliás, imaginemos nós mesmos indo a Portugal, falido, pedir uns trocados? “Apalavra de ordem da política de desenvolvimento é mudada a cada dez anos” – Reiner Erkens Não obstante o arrazoado das justificativas, a abjeção completa das propostas tem caráter temerário devido ao possível desajuste futuro. Quantos os casos de pais que privilegiaram a educação dos filhos em detrimento da compra de um carro ou uma casa melhor e agora serão devidamente encaminhados à pegadinha? E os que economizaram durante um bom tempo no ensino fundamental para poder dar aos filhos um Sprint final no complemento secundarista? Quem falará por eles? Uma medida pode não ser apenas ineficiente como danosa. Nos


David Henry Thoureau filósofo libertário

o que o negro vem mos 120 poucos anos não eu há menos de 30.”

10 anos envoltos pela medida, algumas gerações singrarão no ensino médio. Nada mais lógico e dedutivo que, sabendo das vantagens asseguradas pela, agora, fisiologia do ensino público, os pais favoreçam o ingresso de seus pimpolhos na escola pública. Sabendo da esculhambação generalizada sob a qual se encontra o setor, o caos é um perspectiva moderada. Além do que, o limite econômico deduzido é um tanto quanto elástico (933 reais per capita, mais do que gasto, por exemplo, morando fora), ainda mais no Brasil, com recursos como sonegação e recebimento em cash, e alteração na folha de pagamentos. Garantido uma leve alteração na renda. Pra quem abre um flanco em pleno Banco Central de Fortaleza , esconder 500 pratas é papo de botequim pra brasileiro. Talvez, um progressista não saiba o que é isso pois acha que todos trabalham batendo cartão. As cabecinhas dialéticas das humanas Brasil a fora tem aplaudido a medida. Embora hoje esperneiem quanto ao REUNI (um dos principais apontados como causa do sucateamento das Fede-

rais) que há poucos anos foi matéria regozijo e orgulho progressistas. Conjeturar não é pecado, portanto nada impede de deduzir que resida de maneira velada a intenção real de garantir o acesso do suposto pobre e negro na universidade pública, mantendo uma cotação aberta nos outros 50%, e forçando o estudante secundarista “com condições sociais” a se encaminhar pra faculdade privada - por mais horrível que seja - mais próxima. Nada como um lobby eleitoreiro pra inglês ver. É necessário e urgente atentar para a imoralidade da questão. Onde o ato de rodar o chapéu com dinheiro alheio atrofia o estado democrático de direito. Não obstante a imposição de uma carga tributária brutal cuja finalidade o cidadão não escolheu, ele agora vê-se restringindo insociavelmente a gozar de menos um dos serviços do qual

dispunha. Se tivesse de haver cotas, que fossem econômicas, e só. Embora todos paguem impostos igualmente, seria o mais correto. Ou o menos errado. Mas econômica e racial, é ceifar completamente o futuro do filho da dona Maria. Incorrendo, ainda, no risco (não especificado pelos jornais) de mensurar quem é negro, pardo ou índio. Segundo o economista americano Walter Williams, “Ninguém tem moral para dizer: vamos ajudar o indivíduo D de hoje, punindo o indivíduo C de hoje por aquilo que o indivíduo A de ontem fez ao indivíduo B de ontem.” Acredite, o filho de Dª. Maria não tem culpa de nada, portanto não deve ele pagar pelo que não é responsável. Numa nova ordem de fatores, logo mais o branco será o novo negro, no ensino público. 35


resenha do caralho

Hotel Desire Ano: 2011 Duração: 38 minutos Diretor : Sergej Moya

Roteiro: Sergej Moya Elenco: Saralisa Volm , JanGregor Kremp, Clemens Schick, Frederick Lau, Palina Rojinski, Trystan Wyn Puetter

Gênero: Curta, drama romântico Nacionalidade: Alemanha

Pedro Augusto Um pornô sincero. Bem diferente de tudo que está rolando, esse filme alemão é construído acima dos limites do softcore mas sem a chatice do “fazendo amor” dos filmes mais artísticos. Resumindo, um banquete pra quem gosta de ver uma trepada honesta, mas está sem estômago para um hardcore. “É o dia mais quente dos últimos sete anos. Um céu sem nuvens, e ainda vai chover.” É essa a frase que dá início ao filme e é ela que dá força e substância à sequência de acontecimentos que resultam na foda. Isso mesmo, temos um enredo. Nada espetacular, mas convence que a protagonista

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não dá há sete anos. Saralisa Volm faz o papel de Antonia, mãe solteira e camareira em um hotel de Berlim. Uma delícia, tudo natural e até uma penugem justa. O diretor não esconde nada. É sexo e está sendo feito. Os cortes e planos são sofisticados - até demais - mas são adequados dentro do contexto construído. Não espere putaria do princípio ao fim. Na verdade o coito dura só 5 minutos e 29 segundos, mas não se preocupe, dá pra assistir o filme. E é até bom que você faça isso, o roteiro consegue ser bem edificante. É sutil sem ser babaca, ótima pedida pra assistir acompanhado. Não precisa nem falar que é pornô, não é chocante, é sincero.


Demasiadas cigarras cantando numa pobre tarde de homem Um mix de viagens sem rumo com muitos amores e o dobro de dores. Em um dos meus momentos atemporais de leitura, uma luz: “Passeio à infância” de Rubem Braga. As palavras, as pontuações, o feeling que Rubem passou com sua crônica foram de encontro com meus trabalhos fotográficos, meus olhares. Fotografias de momentos (des) conexos.

Roberta Monteiro fotógrafa

robertamonteiroart@gmail.com 31 9377-2258 flickr.com/betamonteiro 37


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