Revista CONCERTO # 159

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Os melhores CDs do mês • Notas sonoras • Cristina Ortiz O legado de John Cage para a música de nossos dias

CONCERTO Guia mensal de música clássica

Março 2010

150 anos de nascimento de

Mahler

Matéria especial da Revista GRAMOPHONE apresenta as sinfonias de Mahler na opinião dos maiores regentes da atualidade. Nesta edição: Mackerras sobre a nº 1 Jansons sobre a nº 2 Maazel sobre a nº 3 Zinman sobre a nº 4 Rattle sobre a nº 5

ROTEIRO MUSICAL LIVROS • CDs • DVDs Palco 20 anos da Orquestra Experimental de Repertório Atrás da pauta por Júlio Medaglia

r$ 9,90 ISSN 1413-2052 - ANO XV - Nº 159

minha música Paulo von Poser vidas musicais Gustav Mahler entrevista com NELSON FREIRE Pianista, que toca em São Paulo, fala sobre Frédéric Chopin

temporadaS 2010 Osesp, Filarmônica de Minas Gerais, Sinfônica de Brasília e muito mais




Prezado Leitor, Você tem em mãos a edição de março da Revista CONCERTO, o guia da música clássica no Brasil. Aqui você se informa sobre tudo o que acontece no mundo musical, desde o roteiro de eventos – e as temporadas estão começando! – até os lançamentos de CDs, DVDs e livros. Uma das mais significativas contribuições para a música clássica brasileira de nossa geração chama-se Orquestra Experimental de Repertório (OER). Criada e dirigida pelo maestro Jamil Maluf, a Experimental cumpre um papel importantíssimo para a formação de novos instrumentistas ao mesmo tempo em que enriquece, com seus criativos programas, a oferta cultural da cidade. Em 2010, a OER completa 20 anos de atividades ininterruptas e programa uma temporada especial no Teatro Bradesco. A jornalista Camila Frésca visitou um ensaio da Orquestra Experimental de Repertório e conversou com o maestro Jamil Maluf, que falou da história do conjunto e do concerto comemorativo dos seus 20 anos, que acontece no próximo dia 21 de março, na Sala São Paulo (pág. 18). O pianista Nelson Freire, celebrado no mundo inteiro como um dos maiores intérpretes da atualidade, recebeu nosso colaborador Irineu Franco Perpetuo em sua casa, no Rio de Janeiro, para um descontraído papo. Pauta: Frédéric Chopin (pag. 20). Nelson Freire abre, em São Paulo, as comemorações oficiais dos 200 anos de nascimento do pianista-compositor polonês interpretando o seu Concerto nº 1 acompanhado de orquestra regida pelo maestro Cláudio Cruz (dia 13, na Sala São Paulo). Outra efeméride de 2010 são os 150 anos de nascimento do compositor austríaco Gustav Mahler, que é o retratado de nossa seção “Vidas Musicais” (pág. 24). Já nas páginas 26 e seguintes você encontra a nossa reportagem de capa, “Uma odisseia mahleriana”, a primeira parte de uma grande matéria produzida pela revista inglesa GRAMOPHONE. Nela, os maiores regentes da atualidade comentam as sinfonias de Mahler, em um projeto editorial considerado um dos mais importantes produzidos pela publicação inglesa em sua história. Esperamos que a série estimule nossos leitores a ouvir e descobrir esse grande artista, em gravações e apresentações ao vivo. Aliás, paulistanos e brasilienses já podem se preparar: em março a Osesp apresenta a Quarta e a Sinfônica de Brasília a Nona de Gustav Mahler... E não perca em nossa edição de abril a parte final dessa odisseia mahleriana, com textos de Christoph Eschenbach (Sinfonia nº 6), Valery Gergiev (Sinfonia nº 7), Michael Tilson Thomas (Sinfonia nº 8), Kent Nagano (Das Lied von der Erde), Esa-Pekka Salonen (Sinfonia nº 9) e Riccardo Chailly (Sinfonia nº 10). Também da GRAMOPHONE publicamos a nossa habitual seção (pág. 52), com os melhores lançamentos do mercado internacional, um debate acerca do legado do compositor norte-americano John Cage e uma pequena entrevista com a pianista brasileira Cristina Ortiz sobre a sua premiada gravação do Quinteto de Cesar Franck. Cristina Ortiz estará no Rio de Janeiro este mês abrindo a série de concertos da Sala Cecília Meireles (dia 13). Leia a Revista CONCERTO e descubra com a gente o maravilhoso mundo da música!

foto: gramophone/Sterreichisches theatermuseum

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Alexandre Machado Takahama, maestro Camila Frésca, jornalista e pesquisadora Clóvis Marques, jornalista e crítico musical Guilherme Leite Cunha, professor e artista plástico Irineu Franco Perpétuo, jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, jornalista e crítico musical Júlio Medaglia, maestro Leonardo Martinelli, jornalista e compositor

ACONTECEU EM MARÇO Nascimentos Heitor Villa-Lobos 5 de março de 1887 Samuel Barber 9 de março de 1910 Yara Bernette 14 de março de 1920 Johann Sebastian Bach 21 de março de 1685 Bela Bartók 25 de março de 1881 FALECIMENTOS Johann Pachelbel 3 de março de 1706 Guiomar Novaes 7 de março de 1979 Yehudi Menuhin 12 de março de 1999 Ludwig van Beethoven 26 de março de 1827 Estreias Sinfonia Concertante Haydn – 9/03/1792 Rigoletto Giuseppe Verdi – 11/03/1851

Nelson Rubens Kunze diretor-editor 2 Março 2010 CONCERTO

Maria Tudor Carlos Gomes – 27/03/1879


CONCERTO Março de 2010 nº 159

8 24

2 Carta ao Leitor 4 Cartas 6 Contraponto Notícias do mundo musical 12 Brasil Musical Leonardo Martinelli escreve sobre o curso ecumênico

13 58

de formação litúrgico-musical

13 Atrás da Pauta Coluna mensal do maestro Júlio Medaglia 14 Ensaio Murillo Furtado e a primeira ópera do Rio Grande do Sul 16 Acontece Programa Sala de Concerto da rádio MEC FM completa dez anos 18 Palco Orquestra Experimental de Repertório comemora 20 anos 20 Em Conversa O pianista Nelson Freire fala sobre Frédéric Chopin

60

18

22 Opinião João Marcos Coelho escreve sobre o novo livro do compositor Willy Corrêa de Oliveira

24 Vidas Musicais Gustav Mahler, por Leonardo Martinelli 26 Uma odisseia mahleriana – Parte 1 Reportagem especial da revista GRAMOPHONE apresenta as sinfonias de Gustav Mahler na opinião dos maiores regentes

20

34 Roteiro Musical Destaques da programação musical no Brasil 36 Roteiro Musical São Paulo 44 Roteiro Musical Rio de Janeiro 48 Roteiro Musical Outras Cidades

Uma seleção exclusiva do melhor da revista GRAMOPHONE

53 Gramophone Uma seleção exclusiva do melhor da revista GRAMOPHONE

53 Notas Sonoras Notícias internacionais

57 Livros

Entrevista com Cristina Ortiz

54 Debate Philip Clark, Alex Ross e Brian Brandt discutem

58 CDs e DVDs 61 Outros Eventos 63 Classificados

sobre a contribuição de John Cage para o desenvolvimento da música do século XX

63 Scherzo O espaço de humor da Revista CONCERTO

56 A escolha do editor James Inverne aponta os dez melhores CDs do mês

64 Minha Música A música que inspira o artista plástico Paulo von Poser

CONCERTO Março 2010 3


Arnaldo Cohen e Jacques Klein

Franz Liszt por Lauro Machado Coelho

É a primeira vez que leio a Revista CONCERTO e gostaria de parabenizá-los pelo excelente conteúdo das reportagens. Em 1988 participei de uma master class de Arnaldo Cohen no Conservatório Carlos Gomes, em Belém. Tivemos a oportunidade de ouvir dele um curioso episódio sobre o início de seus estudos com Jacques Klein. Cohen teve que estudar as lições articulando todas as notas com força e somente dessa forma. Ao final de um ano inteiro estudando assim, seus dedos mais pareciam pilões de tanto martelar as teclas do piano. Foi a partir desse desenvolvimento da musculatura de mãos e dedos que passou a receber outras orientações de Klein, e então desenvolver as habilidades necessárias para tornar-se um pianista de sucesso.

Gostaria de parabenizar Lauro Machado Coelho e a Editora Algol pelo livro intitulado “Cigano visionário – vida e obra de Franz Liszt”. É uma das mais belas e fiéis biografias que já li sobre o mestre húngaro, isenta de qualquer lenda romântica e recheada de informações claras, comprovadas, e que dão ao leitor um retrato verdadeiro da trajetória de vida e da criação desse compositor. Parabéns à Loja CLÁSSICOS pela comercialização desse belíssimo livro, à editora e, principalmente, ao biógrafo. Paulo Gazzaneo, São Paulo, SP

Aleyson Scopel

Alexandre Mota, Belém, PA

Fiquei muito surpreso e grato com o CD gravado ao vivo pelo nosso jovem talento Aleyson Scopel, com algumas joias pianísiticas tão bem lapidadas por sua sensibilidade.

Edson Elias

Yvan Arcuri, Mogi-Guaçu, SP

Só agora pude ler com toda a atenção o artigo “Pianolatria” de autoria de Camila Frésca, publicado na edição de outubro de 2009. Quero dar os parabéns à autora. Entretanto, desejo acrescentar uma informação que faltou no referido artigo. O pianista e professor brasileiro Edson Elias – que foi aluno de Jacques Klein, vencedor de importantes concursos internacionais e falecido em 2008 – teve uma conquista muito importante, que não deve ser esquecida: concorrendo com 150 pianistas e professores de vários países, conquistou a cátedra de “Virtuosismo pianístico” do Conservatório de Genebra, que foi criada por Liszt e que teve como titulares Dinu Lipatti, Nikita Magaloff e Maria Tipo. Considerando o valor da contribuição que Edson Elias deu ao ensino do piano, o Conservatório fará um concerto de seus alunos em sua homenagem, conforme descrito no e-mail que estou repassando, enviado por sua viúva, também pianista e professora, Helena Elias. Lembro também que aqui no Brasil Edson Elias ministrou diversas master classes e teve como aluno um destacado pianista, Eduardo Monteiro.

Ótimos os dois CDs que recebemos de presente – Aleyson Scopel na edição de janeiro-fevereiro e Marcelo Bratke pela assinatura. Obrigada e parabéns. A CONCERTO está cada vez melhor!

Oswaldo E. Aranha, Curitiba, PR

Carmen Rossignoli, por e-mail

Errata: Diferentemente do publicado em nossa última edição, Roberto Minczuk é apenas diretor artístico do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Regente titular da referida casa é o maestro Silvio Viegas.

e-mail: cartas@concerto.com.br Cartas para esta seção devem ser remetidas por e-mail: cartas@concerto.com.br, fax (11) 5533-3062 ou correio (Rua João Álvares Soares, 1.404 – CEP 04609-003 São Paulo, SP), com nome e telefone. Escreva para nós e dê sua opinião! A cada mês uma correspondência será premiada com um CD de música clássica. (Em razão do espaço disponível, reservamo-nos o direito de editar as cartas.)

Site e Revista CONCERTO. A boa música mais perto de você.

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Guia mensal de música clássica www.concerto.com.br MARÇO 2010 Ano XV – Número 159 Periodicidade mensal ISSN 1413-2052 Redação e Publicidade Rua João Álvares Soares, 1.404 04609-003 São Paulo, SP Tel. (11) 5535-4345 – Fax (11) 5533-3062 e-mail: concerto@concerto.com.br Realização diretor-editor Nelson Rubens Kunze (MTb-32719) editoras executivas Cornelia Rosenthal Mirian Maruyama Croce reportagens Camila Frésca revisão Gabriela García Maloucaze apoio de produção Kátia Sabino, Luciana Alfredo Oliveira, Priscila Martins, Regina Fonseca, Vanessa Solis da Silva projeto gráfico BVDA Brasil Verde editoração e produção gráfica Lume Artes Gráficas / Gilberto Duobles As datas e programações de concertos são fornecidas pelas próprias entidades promotoras, não nos cabendo responsabilidade por alterações e/ou incorreções de informações. Inserções de eventos são gratuitas e devem ser enviadas à redação até o dia 10 do mês anterior ao da edição, por fax (11) 5533-3062 ou e-mail: concerto@concerto.com.br. Artigos assinados são de respon­sa­bi­li­dade de seus autores e não refletem, neces­sariamente, a opinião da redação. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução por qualquer meio sem a prévia autorização.

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CONCERTO é uma publicação de Clássicos Editorial Ltda.

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4 Março 2010 CONCERTO

A Clássicos Editorial Ltda, consciente das questões ambientais e sociais, utiliza papéis com certificação FSC (Forest Stewardship Council) na impressão deste material. A certificação FSC garante que uma matéria-prima florestal provenha de um manejo considerado social, ambiental e economicamente adequado. Impresso na IBEP Gráfica Ltda. - certificada na cadeia de custódia - FSC.


O melhor do clássico, jazz e MPB em uma série de grandes espetáculos Pela Cura, realizados na Sala São Paulo. 100% do valor das assinaturas é revertido para o tratamento do câncer em crianças e adolescentes carentes, atendidos pela TUCCA.

17 de março | 21h

Swingle Singers

TUCCA Filarmonia João Maurício Galindo regente 26 de maio | 21h

Chico Pinheiro

convida

Edu Lobo e César Camargo Mariano 29 de setembro | 21h

Brad Mehldau piano solo 5 de outubro | 21h

Nona de Beethoven

Sinfonia nº 9 em ré menor, Op.125 (Ludwig van Beethoven) Orquestra Sinfônica Municipal e Coral Lírico Rodrigo de Carvalho regente 10 de novembro | 21h Pepe Romero violão Concierto de Aranjuez (Joaquim Rodrigo) Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo Lígia Amadio regente Programação sujeita a alterações Preços: de R$ 170,00 a R$ 550,00, para a assinatura de 2010. Assine por telefone: T 11 2344.1051 | 3057.0131 (2ª a 6ª das 10 às 18h) Assine por e-mail: ingressos@tucca.org.br www.tucca.org.br Patrocínio

Apoio


Horácio Schaefer, Roberto Ring e Pablo de León

divulgação / BOB WOLFESON

Notícias do mundo musical

Solistas de Paulínia participam do Festival Internacional de Ushuaia Os solistas de Paulínia, grupo formado por Pablo de León (violino), Horácio Schaefer (viola) e Roberto Ring (violoncelo), foi convidado para participar da sexta edição do Festival Internacional de Ushuaia, cidade argentina capital da Terra do Fogo. O grupo estabeleceu-se no ano passado, quando Paulínia, cidade paulista a 120 km da capital, decidiu investir em um ambicioso projeto musical para oferecer à cidade uma programação de música clássica de ótimo nível. O projeto alcançou sucesso e repercussão além das expectativas, tanto que agora, em 2010, não apenas terá continuidade como será ampliado, ganhando novos desdobramentos. O festival de Ushuaia acontece no período de 2 a 17 de abril e terá como destaques, além dos solistas brasileiros, a orquestra barroca espanhola Sphera Antiqva, o pianista norueguês Einar Steen-Nokleberg e a soprano italiana Tania Di Giorgio. Na ocasião, os Solistas de Paulínia terão como convidado o pianista gaúcho Ney Fialkow e apresentarão obras de Henrique Oswald (Quarteto em sol maior op. 26) e Dvorák (Quarteto em dó maior op. 23).

“Vesperais líricas” completam 30 anos Projeto do Teatro Municipal de São Paulo que, além de explorar o vasto repertório operístico foi responsável por revelar novos cantores, as “Vesperais líricas” completam 30 anos de atividades ininterruptas. A iniciativa surgiu em 1980 a partir Projeto Pró Ópera da Secretaria Municipal de Cultura, que visava encontrar e lançar novos e jovens cantores e valorizar artistas brasileiros consagrados. A procura dos cantores foi tão grande que não havia lugar para todos se apresentarem. “Foi então que surgiu a ideia de uma série que pudesse dar a esses e outros jovens cantores a oportunidade de se apresentarem em público, e assim nasciam as ‘Vesperais líricas’”, conta a mezzosoprano Eloisa Baldin, atual coordenadora do projeto. O primeiro concerto aconteceu em setembro de 1980 no Saguão do Teatro Municipal, com o tenor Tomasino Castelli e o pianista Claudio de Brito. Ao longo dos anos as “Vesperais líricas” foram apresentadas em locais como a Biblioteca Mário de Andrade, o Teatro Paulo Eiró e o Auditório do MuBE. “Em 2005 as “Vesperais” foram para a Sala Olido e a partir de então muitas de suas produções começaram a ser encenadas com os devidos figurinos, cenários, quase uma ópera completa”, relembra Eloisa. Durante esses anos nomes de nosso cenário lírico começaram suas carreiras ou tiveram nas “Vesperais líricas” a oportunidade de amadurecer e se aperfeiçoar, como Paulo Szot, Adelia Issa, Carlos Augusto Vial, Andrea Ferreira, Denise de Freitas, Luciana Bueno, Regina Elena Mesquita, Luiz Tenaglia, Sebastião Teixeira, Rosana Lamosa, Fernando Portari e Eiko Senda, entre muitos outros.

6 Março 2010 CONCERTO

A Associação Amigos do Projeto Guri (AAPG) está prestes a realizar o sonho de muitos “ex-guris”. Isso porque irá implantar o Fundo de bolsas de estudos para ex-alunos da organização. A iniciativa possibilitará a jovens sem condições financeiras continuar os estudos em universidades e escolas de música particulares no Brasil ou no exterior. O fundo foi idealizado a partir de uma demanda de duas ex-guris, Anna Murakawa e Milena Salvatti, que, ao se apresentarem a renomados músicos, foram convidadas a estudar em importantes academias europeias. Anna Murakawa ganhou uma bolsa de estudos de um ano e meio para estudar violino na Academia Pancho Vladigerov em Sófia, Bulgária. Já Milena Salvatti foi convidada pelo professor Marek Jerie, que leciona na Musikhoch­ schule de Lucerna, Suíça, para ser sua aluna de mestrado em performance em violoncelo. Em abril, o Projeto Guri – que atende mais de 40 mil jovens no estado de São Paulo – completa 15 anos de atividades. Tem início em maio a nova série de recitais de piano da Osesp. A ideia da série teve origem no ano passado, quando quatro recitais de piano foram incorporados à temporada da Osesp e obtiveram ótima repercussão junto ao público e crítica. Neste ano, o público paulista terá a oportunidade de conferir jovens revelações como a polonesa Ewa Kupiec (que abre a série dia 17 de maio), o macedônio Simon Trpceski (30 de agosto) e o inglês Paul Lewis (21 de setembro), além do já consagrado francês Jean-Efflam Bavouzet (9 de agosto). A TV Futura apresenta aos domingos, às 16 horas, Valores da música, última produção do maestro Silvio Barbato, falecido na queda do avião da Air France no ano passado. A série aborda temas como educação musical, formação de orquestra, diferentes estilos, trilhas sonoras utilizadas para cinema e balé, projetos sociais ligados ao mundo da música e a construção de instrumentos. Com uma linguagem simples e cenas cotidianas, a série pretende desmistificar assuntos técnico-musicais. Com consultoria de Aída Machado, a Faculdade Cantareira lança um novo curso de pós-gradução “lato sensu” intitulado Especialização em educação musical: ação e reflexão para a sala de aula, para atender a uma crescente demanda por professores especializados. (Leia mais detalhes na seção Outros eventos.) Uma gravação de obras de Felix Mendelssohn interpretadas por Cyril Huvé em um pianoforte do século XIX venceu a categoria “melhor gravação do ano” do prêmio francês Victoire de la Musique. A gravação é do selo independente “Paraty” criado pelo cravista brasileiro Bruno Procópio. “É um fato histórico para um selo independente e de pequeno porte. Ganhamos do Philippe Jarousky e da Cecilia Bartolli!”, comemorou feliz o produtor. Bruno Procópio nasceu em 1976, em Juiz de Fora (MG). Começou seus estudos musicais no Rio de Janeiro, com Marcelo Fagerlande e Pedro Persone. Em 1993 partiu para Paris ingressando no Conservatoire National de Région, onde concluiu o curso de aperfeiçoamento com menção honrosa. Em 1996 obteve a primeira colocação no concurso de admissão para o Conservatório de Paris nas classes de cravo do professor Cristophe Rousset. Durante oito anos teve aulas com o cravista Pierre Hantaï. Além de sua atividade como diretor do selo “Paraty”, Bruno desenvolve importante carreira como recitalista na França.



Notícias do mundo musical

Cartaz do Metropolitan Opera House de Nova York anuncia a estreia de O nariz, de Shostakovitch

Este mês de março promete ser inesquecível para o barítono Paulo Szot, um dos cantores líricos brasileiros de maior projeção internacional. Isso porque, no próximo dia 5, Szot (pronuncia-se “xót”) fará sua estreia como protagonista no mítico palco do Metropolitan Opera House, em Nova York, ao encarnar o desafortunado Kovalyov da ópera O nariz, escrita entre 1927-28 pelo compositor russo Dmitri Shostakovitch. Baseado no conto do Nikolai Golgol, esta produção terá direção de cena e cenários de William Kentridge (alvo de uma ampla reportagem da prestigiada revista “The New Yorker”) e a regência do celebrado maestro russo Valery Gergiev. Com sua estreia como o protagonista de O nariz (anteriormente, Szot já havia atuado no Met como doppione), o barítono escreve mais um capítulo de uma carreira de sucesso, que foi alçada ao estrelato internacional com sua atuação no musical South Pacific, que lhe rendeu no ano passado o Tony Award de “melhor performance de ator principal em musical”. Foi enquanto ainda atuava em South Pacific que Szot recebeu o convite do Met, e paralelamente às suas apresentações na Broadway, começou sua preparação para o papel. “É um trabalho difícil, mas O nariz é uma grande obra. A música de Shostakovitch é muito interessante de ouvir, mas muito complicada de tocar. E, para os cantores, é um pesadelo para decorar. Você precisa de tempo para se acostumar aos intervalos, às mudanças rítmicas. Por isso, é preferível começar muito cedo e fazer um pouco a cada dia”, disse Szot em uma entrevista publicada no site do Met. Sobre a mudança de um gênero mais popular, tal como é o musical, para uma ópera moderna, Szot não vê muitas diferenças em sua postura como músico. “Por exemplo, se você pega uma ópera de Mozart com [libreto de] Da Ponte, os recitativos transformam-se em árias. E então, com um Rodgers e Hammerstein [criadores da Noviça rebelde], as cenas transformam-se diretamente em canções. É exatamente a mesma coisa, o mesmo padrão. O desafio está em criar uma transição gradual entre uma cena ou recitativo para uma canção ou ária”, completa o cantor. Paulo Szot é natural de São Paulo e realizou sua formação na Polônia. Desde então tem atuado nos mais diferentes teatros de ópera da Europa e Estados Unidos, além de produções esparsas no Brasil.

Ofes apresenta temporada Se em São Paulo ou no Rio já é difícil, imagine em outros estados. Mas o governo do Espírito Santo tem demonstrado persistência, e o maestro Helder Trefzger acaba de anunciar mais uma boa temporada da Orquestra Orquestra Filarmônica do Espírito Santo (Ofes), da qual é regente titular. A programação dará continuidade ao que foi mostrado nos últimos três anos quando, ao lado de destacados solistas e maestros convidados, foram apresentadas grandes obras do repertório universal e brasileiro. Entre os destaques desta temporada ano estão as suítes dos balés O pássaro de fogo e Pulcinella, de Stravinsky, as Sinfonias nº 2 e nº 3 e o Concerto duplo para violino e violoncelo, de Brahms, e obras de Tchaikovsky, Fauré, Ravel, Debussy e Cesar Franck, entre outros. Também será apresentada a ópera La bohème, de Puccini, em forma de concerto, e muita música brasileira. Adriana Clis, Gabriella Pace, Luciana Bueno, Martin Muehle, Nicolas Koeckert, Daniel Guedes, 8 Março 2010 CONCERTO

Antônio del Claro, Linda Bustani, Yuriy Rakevich e Luis Carlos Justi são alguns dos solistas convidados. Já o time de maestros contará, além de Trefzger e Modesto Flávio (maestro adjunto), com Roberto Duarte, Ira Levin, André Cardoso, Emilio de Cesar, Guilherme Mannis, Marcelo de Jesus, Alexandre Lopes e o português Mário Mateus. Além da temporada principal, a Ofes continuará com apresentações itinerantes pelo estado do Espírito Santo e com a série didática “A orquestra nas escolas”. “Acreditamos que a temporada 2010 contribuirá para a continuidade do crescimento qualitativo da Ofes, ao mesmo tempo em que brindará ao público a audição de peças expressivas do repertório sinfônico, colaborando ainda para a sua consolidação dentro do cenário artístico nacional”, afirma o maestro Trefzger. Acompanhe a temporada da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo todos os meses na Revista CONCERTO.

Pianista Giuliano Montini falece em acidente de carro O meio musical brasileiro perdeu o destacado pianista Giuliano Montini. No último dia 17 de fevereiro, quartafeira de cinzas, o músico sofreu um acidente na Marginal Tietê, em São Paulo. Nascido em Veneza em 29 de outubro de 1932, Montini iniciou seus estudos musicais ainda criança no Conservatório de Santa Cecília, em Roma. Graduou-se com a mais alta distinção na Academia de Música de Viena, na classe do professor Bruno Seidlhofer, e aperfeiçoou-se em Paris com Magdalena Tagliaferro e na Suíça com Alfred Cortot. Tendo recebido medalhas nos concursos internacionais de Genebra e Munique, o músico desenvolveu brilhante carreira, realizando concertos e recitais nas principais cidades europeias e escandinavas, tocando em emissoras de rádio e participando como solista nos festivais internacionais de Viena e Bruxelas. Também fazia concertos por toda a América e no Brasil, onde se radicou, e foi integrante do Trio Dell’Arte, ao lado da violinista Elisa Fukuda e do violoncelista Peter Dauelsberg, na década de 1990. Com Elisa Fukuda também atuava, desde 1992, em um excelente duo de violino e piano. O trabalho do Duo MontiniFukuda está registrado em um belo CD lançado em 2006 com obras de Villa-Lobos, Brahms, Schumann e Claudio Santoro.

DIVULGAção

REPRODUção

Paulo Szot estreia no Metropolitan Opera House



Notícias do mundo musical

A Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, que tem direção artística e regência titular do maestro Ira Levin, planeja uma excelente e ambiciosa temporada para 2010: serão 29 programas diferentes com a participação de importantes solistas. Já a abertura, dia 9 de março, traz a Nona sinfonia de Gustav Mahler, uma das partituras mais exigentes de toda a literatura da música ocidental (leia mais sobre os concertos de março na página 49 desta edição). Conforme o maestro Ira Levin, “será uma as mais ricas e coloridas temporadas de Brasília, talvez do Brasil”. Os repertórios abrangem obras de grandes mestres como Mozart (Serenata noturna, Sinfonia nº 26 e Concerto para violino nº 5), Beethoven (Sinfonia nº 5, Sinfonia coral nº 9 e o Concerto para piano nº 4), Brahms (Concerto para violino e Sinfonia nº 2), Schumann (Concerto para piano, para violoncelo, Sinfonia nº 2 e aberturas), Haydn, Chopin e Ravel, mas também obras de autores bem menos conhecidos como Enescu, Bloch, Ibert, Revueltas e Schreker. A temporada também abre espaço para obras brasileiras: Mignone (Sinfonia tropical), Villa-Lobos (Choros 6 e Fantasia para saxofone), Leopoldo Miguez (Prometeus), Osvaldo Lacerda (Cromos), Claudio Santoro (Sinfonia nº 5 e Canto de amor e paz), Guarnieri (Choro para clarinete) e André Mehmari (Danças reais e imaginárias). Entre os solistas que estarão em Brasília destacam-se os pianistas Krzysztof Jablonski, Janne Mertanen, Peter Donohue, Simon Tripceski e os brasileiros Ricardo Castro e José Feghali. Outros solistas são Ney Rosauro (marimba), Antonio Meneses (violoncelo, no concerto de Saint-Saëns), Marcio

Carneiro (violoncelo), Flavia Ira Levin dirige a Sinfônica de Brasília Fernandes (soprano que cantará na Quarta de Mahler), Ori Kam (viola, em suíte de Bloch) e os violinistas Carmine Lauri, Eugene Fodor, Rafael Gintoli, Laurent Breuninger, Nicolas Koeckert e Erich Lehninger. O titular Ira Levin estará no comando de 20 programas; os outros maestros convidados são Alessandro Borgomanero (que também será o violinista solista do concerto de Mendelssohn), Henrique Morelenbaum, Daniel Havens e Helder Trefzger, além dos estrangeiros Arthur Fangen, Enrique Batiz, Stefan Lano e Lior Shambadal. Para o encerramento da temporada, em dezembro, está prevista a apresentação da ópera Otello, de Giuseppe Verdi. Elenco e maiores detalhes dessa apresentação, contudo, ainda não foram divulgados. Os concertos da Orquestra Sinfônica de Brasília acontecem em sua sede, o Teatro Nacional Claudio Santoro. Acompanhe mês a mês a programação detalhada na Revista CONCERTO.

divulgação

Marcelo Lehninger será assistente da Orquestra Sinfônica de Boston O jovem maestro Marcelo Lehninger, que até recentemente trabalhava como regente substituto da National Symphony em Washington, Estados Unidos, foi selecionado, por prova, pelo maestro James Levine, para assumir o cargo de regente assistente da Orquestra Sinfônica de Boston a partir da temporada de 2011. A orquestra é uma das mais importantes do mundo e tem James Levine como diretor musical. Conforme esclareceu Marcelo, ele ocupará um dos postos de regente assistente; a segunda vaga ainda está aberta e será decidida em breve. Feliz, Marcelo Lehninger afirmou: “Sou o segundo brasileiro a reger tão prestigiada orquestra. O primeiro foi o nosso saudoso maestro Eleazar de Carvalho.” E contou: “Já fui convidado para reger um concerto na temporada oficial no Symphony Hall e outro em Tanglewood. Além disso, cuidarei de concertos didáticos e concertos para a juventude, e atuarei como regente substituto do próprio Levine e dos maestros convidados durante um período inicial de dois anos.” Marcelo Lehninger é formado em violino e piano e cursou pós-graduação em regência no Conductors Institute do Bard College em Nova York, EUA. Participou de master classes com Kurt Masur, Leonard Slatkin, Marin Alsop, Moche Atzmon e Andreás Weiss e foi aluno do National Conducting Institute. Selecionado por Kurt Masur, Lehninger ganhou uma bolsa da Fundação dos Amigos Americanos de Mendelssohn e trabalhou durante um mês, em 2008, como assistente do maestro nas Orquestras Nacional da França, Gewandhaus de Leipzig e Filarmônica de Nova York. Pelo menos em 2010 Marcelo Lehninger estará mais próximo do público brasileiro, já que durante este ano ele trabalhará como assistente de Fábio Mechetti na Filarmônica Maestro Marcelo Lehninger de Minas Gerais. 10 Março 2010 CONCERTO

Faleceu no último dia 17 de janeiro, aos 91 anos, a pianista Ida Maltese. Nascida em 1918, Maltese formou-se pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em 1936, onde foi aluna de Mário de Andrade, Caldeira Filho, Nestor Assis Ribeiro, Martin Braunwieser e, principalmente, do grande professor de piano Agostino Cantú. A pianista foi ativa recitalista e camerista, tendo sido premiada pela Sociedade Bach de São Paulo e pelo jornal “Folha de S. Paulo”. Ida Maltese também distinguiu-se como professora e foi responsável pela formação musical e pianística de vários músicos e professores da atualidade, entre os quais sua filha Sylvia Maltese. Com ela constituiu o Duo Maltese, dedicado a gravações e apresentações de obras de compositores brasileiros para piano a quatro mãos e dois pianos, e com o qual ainda se apresentava até recentemente. [Conheça as gravações do Duo Maltese no site www.lojaclassicos. com.br.] O Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão está com inscrições abertas até 26 de março para bolsistas da sua 41ª edição, que será realizada entre 3 de julho e 1º de agosto. Entre os artistas convidados estão Gilles Apap, Antonio Meneses, Menahem Pressler, Cristina Ortiz, Arnaldo Cohen, Les Musiciens de Saint-Julien, Mark Coppey e Akademie für alte Musik Berlin. Veja mais detalhes em www.festivalcamposdojordao.org.br.

divulgação

Sinfônica de Brasília lança destacada temporada



Música sacra: entre a cruz e a espada Por dez dias, cristãos de todos os rincões do país – católicos em sua imensa maioria – confinam-se nos dormitórios de um seminário franciscano para ter aulas diárias no Curso Ecumênico de Formação Litúrgico-Musical Por Leonardo Martinelli

12 Março 2010 CONCERTO

essa música? Estariam os católicos dos mais diferentes cantos do Brasil musicalmente aptos a arcar com essa empreitada? Talvez esteja aí a explicação para as características atuais do Celmu, que hoje funciona como uma espécie de festival. Por dez dias cristãos de todos os rincões do país – católicos em sua imensa maioria – se confinam nos dormitórios do seminário franciscano para ter aulas que se iniciam às oito da manhã e que atravessam o dia até às nove da noite, com pausas de duas horas para o almoço e o jantar. Além de aulas de música – divididas entre avançadas (para quem já tem leitura musical) e básicas (alfabetização musical) – há várias disciplinas de caráter litúrgico, tanto referentes às práticas protestantes quanto às católicas, frequentadas por todos, independentemente de sua profissão de fé. É aí que reside a importância do Celmu, já que a infiltração dos fenômenos musicais pop nos serviços religiosos com frequência põe em xeque a valia litúrgica e religiosa da celebração. Debates calorosos são travados nas salas, corredores e dormitórios em torno do papel da música – e, principalmente, dos estilos musicais – no cristianismo brasileiro da atualidade. Entre a cruz da função litúrgica e a espada do apelo popular, afinal, por qual caminho deve trilhar a música da igreja? O jornalista Leonardo Martinelli é professor convidado (de História da música e de Harmonia) do Celmu. Para saber mais acesse www.celmu.org.br. Seminário Santo Antônio, em Agudos (SP)

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ão 6h30 da manhã, e em pleno horário de verão, apenas os primeiros raios solares despontam, tímidos, no horizonte verde, ao som do gorjear dos pássaros matutinos. Porém, ao poucos, uma alegre e alta cantoria vai ganhando corpo nos corredores da imensa construção da década de 1950. Trata-se da música do grupo designado para realizar o despertar para mais um dia de intenso trabalho e estudos no Curso Ecumênico de Formação Litúrgico-Musical (Celmu), realizado no Seminário Santo Antônio, parte da Província Franciscana da Imaculada Conceição, na cidade de Agudos, no centro do Estado de São Paulo. Iniciado em 1991, quando foi realizado nas dependências da Universidade Metodista, em São Bernardo dos Campos (SP), o Celmu surgiu como um ambiente de aprimoramento das práticas musicais e litúrgicas de diferentes profissões de fé cristãs em um ambiente ecumênico, que desde então se realiza anualmente no mês de janeiro ao longo de três etapas, distribuídas em três anos. Como se sabe, a música está no cerne de diferentes serviços religiosos (liturgia) desde o início do cristianismo, e é a essas práticas musicais que se remetem os primórdios da própria história da música ocidental. Ou seja, diferentes práticas litúrgicas sempre mantiveram estreita relação com o ambiente musical que as circundava, e se entre a Idade Média e o século XVIII essa relação propiciou os mais belos exemplos de arte sacra (lembremo-nos das obras litúrgicas de Machaut, Palestrina, Monteverdi, Bach, Mozart etc.), a partir da Revolução Francesa a presença de músicos e compositores profissionais nas catedrais foi gradativamente minguando para, enfim, no século XX, deixar mesmo de ser relevante ao falarmos de repertório na música de concerto contemporânea. No caso do Brasil, a situação tornou-se mais complicada, pois esse distanciamento foi acompanhado do gradual declínio do ensino formal de música no país, ao mesmo tempo em que a ascensão dos meios de comunicação de massa e da indústria cultura modificava de forma definitiva nossa relação com a arte dos sons. Por seu turno, as diversas confissões protestantes, em maior ou menor medida, sempre se preocuparam em realizar em casa a formação dos músicos que atuariam em seus serviços. Nelas o ensino religioso está frequentemente de mãos dadas com o ensino musical (não é por um acaso que a grande massa de músicos clássicos brasileiros provém dessas igrejas). Já com os católicos a situação ficou mais grave na medida em que a formação musical foi por séculos destinada exclusivamente aos clérigos. Com o Concílio Vaticano II (1961-65), quando foi oficialmente autorizada a realização dos ofícios nos idiomas locais e não mais em latim, emergiu ao mesmo tempo a renovação completa de toda a parte musical. Porém, que música seria essa? Quem faria


Por Júlio Medaglia

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Dankeschön, Prof. Oelsner! Violista Johannes Oelsner faleceu em São Paulo, aos 94 anos

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curioso notar que, na área da música de concerto do século passado, alguns instrumentos possuíam “nacionalidade”. Seria impossível, por exemplo, estudar viola em São Paulo sem se defrontar com os húngaros Perez Dworecki, George Kiszely, Edith Pereny, Michel Verebes, Abrahão Kaniefsky ou Bela Mori. Assim como Leopold Auer, Carl Flesch e Josef Joachim, que criaram a moderna escola de violino no final do século XIX – com boas pitadas da tradição cigana na técnica e musicalidade –, esses húngaros judeus saíram mundo afora e aqui chegaram fugindo das perseguições étnicas do horror nazista. Mas foi esse mesmo horror que, provocando o início da Segunda Guerra Mundial, fez com que o Brasil ganhasse um grande violista, esse puro sangue germânico, que prestou inestimáveis serviços à música de nosso país por sua técnica, musicalidade, domínio da tradição, por seu comportamento sempre ético e elegante, o professor Alwin Ewald Johannes Oelsner. Nascido em 1915 na cidade de Dresden, um dos mais importantes polos culturais da europa central, Oelsner estudou violino com Gustav Fritsche, que possuía naquela cidade, na primeira metade do século XX, um famoso quarteto de cordas. Dedicando-se depois exclusivamente à viola e revelando talento fora do comum, foi convidado por seu ex-mestre para integrar seu conjunto. Em 1939, durante uma viagem do Quarteto Fritsche pela América Latina, estourou a Segunda Guerra Mundial, o que motivou a permanência de seus músicos por aqui. São Paulo já possuía um excelente conjunto de cordas, o Quarteto Haydn, criado por Mário de Andrade quando este era secretário de cultura da cidade. Dele faziam parte Anselmo Slatopovsky e Gino Alfonsi, violinos, Amadeo Bardi, viola, e Calixto Corazza, violoncelo. Mário de Andrade, encantado com o quarteto alemão, pediu a seus músicos que tocassem com os brasileiros, o que resultou em um memorável concerto com a execução do Octeto de Felix Mendelssohn. Com a saída de Bardi e Slatopovsky, Alexandre Schaffman, um músico paulista de formação norte-americana, foi convida-

Maestro Júlio Medaglia com Johannes Oelsner

do para ser o segundo violino do quarteto e Oelsner para ocupar a vaga da viola. Em 1944, já com o nome de Quarteto de Cordas de São Paulo, formou-se um dos mais importantes conjuntos de nossa música. Chegava a ser hilário presenciar o relacionamento desses quatro músicos, já que se tratava de quatro personalidades absolutamente distintas. Quando faziam música, porém, o resultado era de uma homogeneidade, fluência e beleza fora do comum. Durante quase quatro décadas, ensaiando diariamente, essa formação atuou no Brasil e no exterior, obtendo não só as melhores críticas como também o apreço do público e de nossos maiores compositores. Inúmeras obras foram dedicadas a eles, inclusive o Quarteto nº 13 de Villa-Lobos. Oelsner era o último dessa formação que chegou até nossos dias. Depois de aposentado continuou dando aulas e tocando em grupos diversos para não perder a técnica e o contato com a música. Foi responsável por uma verdadeira geração de novos violistas que ocupam hoje os melhores postos de nossas orquestras. Esteve também sempre rodeado de amigos e ex-alunos, que demonstravam por ele imensa admiração e carinho. Johannes Oelsner deixou-nos em janeiro último, mas, mesmo antevendo o final de sua existência, aos 94 anos, revelava um estado de espírito saudável, até jovial, como pude presenciar na festa de seu último aniversário. Foi merecedor de uma homenagem das mais significativas que um músico brasileiro poderia obter. O grande cineasta paulista Ugo Giorgetti (Festa, Sábado, Boleiros (1 e 2) e O príncipe, entre outros), também autor de preciosos documentários, realizou um curta-metragem sobre sua vida: Variações sobre um quarteto de cordas – A música de Johannes Oelsner. Nele é possível conhecer sua trajetória e detalhes de sua personalidade. Observa-se também nesse filme seu grande amor pelo Brasil, país que o recebeu de braços abertos em um momento em que sua pátria distante, tida como a mais culta e vanguardista do Ocidente, via seus cidadãos se comportarem como o homem da pedra lascada... CONCERTO Março 2010 13


Murillo Furtado e a primeira ópera do Rio Grande do Sul A ópera Sandro, que estreou em Porto Alegre em 1902, descreve uma sequência dos acontecimentos narrados na Cavalleria rusticana, de Pietro Mascagni Por Alexandre Machado Takahama

14 Março 2010 CONCERTO

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Rio Grande do Sul é um estado que possui um passado musical bastante valioso, sendo que sua capital foi o berço de importantes compositores tais como José de Araújo Viana, Radamés Gnattali, Luiz Cosme, Esther Scliar dentre outros. Tendo seus primórdios pela iniciativa de colonizadores açorianos em fins do século XVIII, a atividade musical nessa cidade floresceu a partir do século XIX, principalmente no campo da ópera italiana, o que demonstra uma influência direta da corte portuguesa no Brasil e da presença dos imigrantes italianos em Porto Alegre, a partir da segunda metade do século. O fato de esse tipo de atividade ter se estabelecido na cidade fez surgir o interesse dos compositores locais pelo gênero, entre os quais Murillo Furtado (1873-1958) figura como um de seus principais representantes. Discípulo de Giuseppe Panise e Thomaz Legori – dois músicos italianos radicados na capital gaúcha –, Furtado demonstrou interesse pela ópera. O contato com algumas obras veristas foi especialmente importante para firmar a sua orientação musical. Desde sua fase de formação, o compositor gaúcho procurava participar de todas as atividades musicais que a cidade de Porto Alegre lhe proporcionava, e ele não tardou a se aproximar dos artistas estrangeiros que se apresentavam constantemente no Teatro São Pedro, os quais geralmente faziam parte das companhias líricas itinerantes que vinham do exterior, principalmente de Buenos Aires e Montevidéu. Foi dessa maneira que ele conheceu o cantor e libretista italiano Arturo Evangelisti, que havia deixado a Itália para atuar na Companhia de Caetano Lambiase, em Buenos Aires. Furtado e Evangelisti travaram sólida amizade e uma parceria que, pouco tempo depois, renderia um trabalho de importância indelével para a história da música no Rio Grande do Sul: a ópera Sandro. Sandro é uma ópera verista, cujo enredo descreve uma sequência dos acontecimentos narrados na ópera Cavalleria rusticana, de Pietro Mascagni. Escrita para sete solistas, coro e orquestra, a ópera tem dois atos, em um total de 15 cenas, além de uma abertura no início e um prelúdio entre as duas partes. O libreto traz os personagens já existentes na Cavalleria, com exceção de Turiddu, e introduz três novos: Sandro (irmão de Turiddu), Rocco (amigo de Mamma Lucia) e Michele (amigo de Sandro). Na nova história, Sandro é irmão de Turiddu e vivia em Marselha na ocasião em que, na Sicília, se desenrolaram os acontecimentos da Cavalleria. Poucos meses depois, ainda sem saber da morte de seu irmão, Sandro chega a sua aldeia e descobre que Turiddu havia morrido. Tentando saber o que realmente

Anúncio de jornal de Porto Alegre, de 1902. No fundo, primeira página de Sandro no manuscrito de Murillo Furtado

acontecera, ele só consegue depoimentos contraditórios. Santuzza, por sua vez, encontra-se grávida de Turiddu, e Sandro promete acolher o sobrinho como se fosse seu próprio filho. A tragédia fica por conta de uma briga entre Santuzza e Lola, que acaba ferida mortalmente por um punhal. Estreada em 24 de setembro de 1902 durante a primeira temporada lírica do século XX no Rio Grande do Sul, Sandro foi a primeira ópera de um compositor gaúcho a ser apresentada em Porto Alegre, tornando-se um marco para a história da composição musical nesse estado. Sua execução esteve sob responsabilidade da Companhia Lírica Italiana do empresário Ferrari, com regência do próprio compositor. Notas da imprensa da época relatam um estrondoso sucesso e a ópera foi reapresentada dois dias após sua estreia. No ano de 1908, após ter aperfeiçoado seus conhecimentos com Enrico Polo em Milão, Furtado revisou a obra e a pôs novamente em cena, sendo essa a sua última execução documentada. Após mais de um século de esquecimento, essa importante obra recebeu, recentemente, a sua primeira edição revisada. Espera-se agora que um pouco mais de luz seja direcionado a essa ópera que ocupa uma posição de destaque na cultura sulrio-grandense. Alexandre Machado Takahama, maestro, está concluindo seu doutorado na Unicamp com a primeira edição revisada e estudo detalhado da ópera Sandro. Takahama é Professor Assistente do Curso de Música do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).



Clássicos ao vivo no rádio O programa Sala de Concerto, produzido por Lauro Gomes e transmitido ao vivo pela rádio MEC FM do Rio de Janeiro, completa dez anos

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divulgação / VICENTE DE PAULA

urgida na Europa e cultivada em instituições de radiodifusão como a ORTF francesa, a BBC inglesa, a RAI italiana e os sistemas regionais alemães, a tradição da música de concerto levada ao ar ao vivo pelo rádio morreu um pouco no Brasil desde que a reprodução de gravações ocupou os espaços principais. Mas nem sempre foi assim. Na passagem da década de 1950 para a de 1960, a Rádio MEC orgulhava-se de manter uma orquestra sinfônica, outra de câmara e vários conjuntos instrumentais e vocais que se apresentavam em programas transmitidos diretamente de seus estúdios e auditórios. Hoje a prática é mantida na MEC FM (98.9 no dial carioca) no programa Sala de Concerto, no ar há dez anos. Por meio dele, o produtor Lauro Gomes já pôs o público em contato com uma infinidade de artistas, em sua esmagadora maioria brasileiros. Nas tardes de sexta-feira (com repetição gravada na noite de sábado), a música flui ao vivo do famoso Estúdio Sinfônico Alceo Bocchino, inaugurado em 1948. Reformado em 1996, ele ganhou então o nome do maestro que foi um dos fundadores, ao lado de Francisco Mignone e Edino Krieger, da Orquestra Sinfônica Nacional (OSN) – que nos anos 1960 estabeleceu por algum tempo no Brasil uma tradição de música orquestral no rádio.

A pianista Clara Sverner se apresenta no programa Sala de Concerto dia 5 de março

16 Março 2010 CONCERTO

Por Clóvis Marques

Em seu formato atual, o programa Sala de Concerto – que recebe o público nos 100 lugares do estúdio, um dos motivos de orgulho de seu produtor – começou em janeiro de 2000, com uma apresentação da pianista Rosana Diniz. Entre os primeiros a dar um recital estava, em fevereiro daquele mesmo ano, a pianista Clara Sverner, que neste dia 5 de março – Dia da Música Clássica – reabre a temporada com obras de Villa-Lobos, Chiquinha Gonzaga e Chopin, de quem está lançando um CD no ano do bicentenário de seu nascimento. Sverner tem outro motivo para sentir-se realizada neste retorno: “Eu comecei minha carreira aos seis anos, na década de 1940, tocando precisamente em uma estação de rádio em São Paulo, onde nasci”, conta ela. “Toquei Schubert nesse primeiro recital da minha vida, que foi uma transmissão radiofônica em uma estação cujo nome esqueci. Da segunda vez, aos sete anos, toquei algumas sonatas mais fáceis de Beethoven. Era incrível, tinha um grande público presente. Meu pai me levava, ficava sentado me ouvindo, e o resto da família ouvia pelo rádio em casa. Me lembra um pouco do que a Rádio MEC faz agora.” A rádio MEC foi fundada em 7 de setembro de 1936, a partir de uma doação ao governo federal da primeira emissora do país, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, criada em 1923 por Edgar Roquette-Pinto. A condição imposta era de que mantivesse uma programação educativa e cultural. Em uma época em que o rádio era o rei da comunicação, entre os anos 1940 e 1960, uma floração de conjuntos de câmara e o nascimento da OSN marcaram a vocação da emissora para o serviço público na área musical. Hoje, a antiga Rádio Ministério da Educação é a única estação de rádio que programa música clássica no estado do Rio de Janeiro, dedicando 90% de sua programação a esse gênero, com janelas de jazz, choro e música instrumental. A relação com a OSN estendeu-se durante 20 anos, e a orquestra legou extensa produção de registros fonográficos, que chegam a 2.270 obras de autores eruditos estrangeiros e brasileiros. Nos arquivos da Rádio MEC existem gravações de mais de cem obras de autores brasileiros, com a participação de maestros como John Neschling e Isaac Karabtchevsky e solistas como Nelson Freire e o flautista Jean-Pierre Rampal, no período de 1961 a 1972. O acervo da emissora tem sido posto à disposição do público em forma de gravações também. Depois das três caixas de CDs lançadas na primeira metade desta década, com vasto panorama da música brasileira de concerto, o próprio Lauro Gomes organizou para futuro lançamento tesouros radiofônicos de compositores como José Siqueira, Camargo Guarnieri, Francisco Braga, Osvaldo Lacerda, Cláudio Santoro, Leopoldo Miguez (as sinfonias), Henrique Oswald e Alberto Nepomuceno. Hoje, persistindo quase que heroicamente na divulgação da música clássica, a MEC mantém vivo em programas como o Sala de Concerto o lema com que Roquette-Pinto não só inaugurou como lutou por manter incólume o ideal da radiofonia de fins culturais distante do comercialismo: “Pela cultura dos que vivem em nossa terra, pelo progresso do Brasil.”


CONCERTO Marรงo 2010 17


Artistas convidados Gilles ApAp MyriAM lAfAr DMitri Berlinsky Antonio Meneses MenAheM pressler CristinA ortiz ArnAlDo Cohen les MusiCiens De sAint-Julien MArC Coppey zBiGniew rAuBo AkADeMie für Alte Musik Berlin QuArteto De CorDAs DA CiDADe De são pAulo BesChi trio Maestros da Orquestra do Festival CláuDio Cruz yAn pAsCAl tortelier Violino eliAne tokeshi Dr. luís arrobas Martins elisA fukuDA Ashot sArkissJAn BetinA steGMAnn DAniel GueDes 3 de julho a 1º de agosto de 2010 theoDorA GerAets kees hülsMAnn seBAstiAn GottsChiCk nelson rios irvine ArDitti AriADne DAskAlAkis Viola rAlf ehlers MArCelo JAffé horACio sChAefer riCArDo kuBAlA rAiner MooG Christophe DesJArDins Violoncelo fABio presGrAve luCAs fels DiAnA liGeti roBert suetholz MAtiAs De oliveirA pinto DiMos GouDAroulis Contrabaixo sérGio De oliveirA CAtAlin rotAru herBert MAyr peDro GADelhA Flauta philippe BernolD AlBerto AlMArzA MAuríCio freire Oboé ChristiAn wetzel wAshinGton BArellA Clarinete JérôMe JulienlAferrière luis Afonso MontAnhA rAlph MAnno InscrIções CristiAno Alves Fagote BenJAMin Coelho vinCent GoDel para bolsIstas fABio Cury Trompa BostJAn lipovsek luiz GArCiA Trompete vAlentín GArvie fernAnDo DissenhA Trombone De 1º a 26 de março rADeGunDis feitosA MArtin sChippers Tuba rolAnD Quatro semanas de szentpAli Piano riCArDo BAllestero riChArD Bishop imersão em música, eDuArDo Monteiro pAulo AlvAres fAny solter com aulas, concertos, sheilA ArnolD horACio GouveiA Cravo niColAu master classes e palestras. fiGueireDo Percussão eDuArDo leAnDro florent Duas semanas de aulas JoDelet CArlos tArChA Harpa Geneviève létAnG individuais de instrumento Violão fáBio zAnon José Antonio esCoBAr e prática de música de câmara. zorAn DukiC Canto BArBArA zAniChelli Duas semanas de prática orquestral. Composição stefAno GervAsoni Técnica de gravação JAkoB hänDel www.festivalcamposDojorDao.org.br

41º festIval InternacIonal de Inverno de campos do jordão

patrocínio oficial

apoio institucional

realização


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