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CURSOS COM 60
AGEnda,
Composta por trabalhos com técnicas e suportes diferenciados, a exposição apresenta 28 obras criadas nos três últimos anos, com uma seleção de pinturas a óleo, esculturas em madeira talhada e ferro bruto e uma vídeo-performance, registrada em local próximo ao estúdio do artista em Brasília. “Trevisan cria pinturas e esculturas que são meditações de fisicalidade, buscando criar um espaço que ofereça uma profunda contemplação ao púbico”, define o curador, Simon Watson. As esculturas são construídas a partir de peças de ferro descartadas – parafusos, porcas, sucata etc. – e dormentes de madeira encontrados em pátios ferroviários. A qualidade bruta dessas esculturas parece remeter ao século 19 quando os trens de carga percorriam a rede ferroviária do Brasil. Em destaque estão grandes vigas de madeira conectadas por dobradiças de ferro; uma pilha organizada em forma de leque de grandes parafusos industriais; e uma pilha de placas de ferro – todas com uma sensual pátina de ferrugem avermelhada que ecoa as superfícies das pinturas próximas.
JOÃO TREVISAN: CORPO E ALMA • MAS • SÃO PAULO • 20/4 A 20/6/2021
de arte AZ,
PELO MUNDO • Família de Jean-Michel Basquiat promoverá exposição com obras nunca mostradas ao público. Duas irmãs do artista divulgarão pela primeira vez, em uma exposição a ser inaugurarada, em Nova York, na primavera de 2022, a sua extensa coleção de obras de Basquiat. O pintor neoexpressionista morreu aos 27 anos, em 1988 e tornou-se um dos artistas mais caros em leilão do mundo.
CURIOSIDADES • Agora você pode passar a noite em Versalhes. O majestoso Palácio de Versalhes da França abriu um hotel chamado Airelles Château de Versailles, Le Grand Contrôle. Logo após visitar as exposições do pálacio, você poderá desfrutar uma noite em um quarto temático de um edifício projetado por Jules Hardouin-Mansart no século 17 a partir de US$ 2.000 a diária.
CURIOSIDADES II • Uma petição on-line absurda instando o fundador da Amazon e um dos homens mais ricos do mundo a comprar a Mona Lisa e comê-la atraiu mais de 5.500 apoiadores. O raciocínio deles é sucinto: “Ninguém comeu a Mona Lisa e achamos que Jeff Bezos precisa se posicionar e fazer isso acontecer”. O impulso é apoiado por uma série de tags muito sérias, cujos argumentos mais usados incluem “devore a Mona Lisa”.
PELO MUNDO • Um especialista alega ter descoberto duas pinturas de Artemisia Gentileschi em Beirute. De acordo com o historiador de arte Gregory Buchakjian, dois quadros até então desconhecidos da pintora renascentista podem estar escondidos no Palácio Sursock em Beirute, que foi seriamente danificado na explosão que sacudiu a cidade no verão passado. Uma pintura de Santa Maria Madalena e uma tela maior, , sofreram danos. Buchakjian estabeleceu conexões com estilo da artista por meio do uso de jóias, um detalhe consistente nas pinturas de Gentileschi.
NOVO ESPAÇO • Instalado na Barra Funda, em São Paulo, novo espaço de arte criado por Luis Maluf estreia no cenário artístico com programa de residência coordenado pela curadora e pesquisadora Carollina Lauriano e VISTO POR AÍ apresenta sete jovens artistas. O espaço também vai receber exposições, ações sociais, educativas e eventos voltados à cultura e às artes plásticas. Rua Brigadeiro Galvão, 996 Barra Funda, São Paulo.
• DISSE O ARTISTA CHRISTO, em 2020, pouco antes de morrer. Agora, seu sonho será realizado em setembro deste ano. O trabalho começa no próximo mês para revestir o monumento francês em tecido azul, um ano após a morte do artista búlgaro.
emmenegger,
Raio de Sol na Floresta , 1906. © Andri Stadler, Lucerna
ARTISTA DE GRANDE ORIGINALIDADE, TANTO NA ESCOLHA DOS TEMAS COMO NA OUSADIA DE SUAS COMPOSIÇÕES, HANS EMMENEGGER É HOJE CONSIDERADO UM DOS MAIS IMPORTANTES PINTORES SUÍÇOS DE SUA ÉPOCA
POR MARIA TERESA SANTORO DÖRRENBERG
Apreciado por um grupo de especialistas, mas pouco conhecido pelo grande público fora de seu país, o artista Hans Emmeggener foi um dos pioneiros da arte moderna em sua Suíça natal no início do século 20. Uma ampla retrospectiva na Fundation de l’Hermitage, em Lucerna, de 25 de junho até 31 de outubro de 2021, apresenta grande parte da obra do artista. Emmenegger estudou arte em Lucerna e em vários ateliês em Paris e Munique, onde foi também introduzido no estudo de gravura. Numerosas outras viagens pela Europa e África enriqueceram seu conhecimento sobre as diferentes técnicas das artes plásticas e ampliaram seus contatos com outros artistas e com diferentes culturas. A Fundation de l’Hermitage mostra, em uma retrospectiva com cerca de 100 obras, o percurso artístico de Emmenegger, apontando não só sua aproximação com a cena alemã, como ainda sua evolução até um olhar especial e uma linguagem artística própria, mais madura e consciente. Começando seu percurso com pintura de paisagem e de natureza morta, foi influenciado ainda pela , pelo impressionismo e pelo simbolismo de outros artistas, como o pintor conterrâneo Arnold Böcklin.
Castelo sobre uma rocha I, 1900. © Andri Stadler, Lucerna.
À esquerda: Interior da floresta, 1933.
Pintor, desenhista, gravurista, o artista foi se libertando aos poucos das influências em que estava inserido, definindo seu estilo e linguagem. No começo do século 20, destruiu parte do trabalho anterior e se concentrou na criação do movimento na tela, engendrando uma particular arquitetura de composição que se aproxima da fotografia de movimento, ou de uma energia cinética. Testou ainda novos e singulares temas, destacando-o pelo resultado inusitado, com composições estilizadas e pouco conhecidas para sua época. Luz e sombra, reflexo e movimento são os novos experimentos de Emmenegger, em telas onde uma natureza mais abandonada, melancólica e solitária passa a ser retratada. Pedaços de um tronco de árvore, um trecho de chão com neve derretida, uma colina quase desnuda e outras cenas nada espetaculares ou idealizadas e sem horizontes assumem o centro de sua atenção. Um canto de casa com uns poucos vasos de flores, alguns peixes, as sombras de algumas árvores, o reflexo da água em uma poça, manchas de sol refletido, contrastes decorativos e efeitos de luz, sombra e cor passam a ser retratados pelo artista e se transformam em protagonistas da tela. Além da dedicação e amor ao trabalho artístico, seu engajamento político foi intenso e abrangente, tornando-se integrante da sociedade artística suíça em Lucerna e, posteriormente, seu presidente. Participou também como júri de múltiplas exposições, destacando-o ainda por apresentar ou refletir inúmeras facetas em sua obra, reflexo de seus incontáveis contatos e influências.
Pasto ensolarado , 1904. © Andri Stadler, Lucerna
Últimos raios de sol no Sustenspitz. @ Andri Sadler, Lucerna.
Além da arte e da política, foi um colecionador apaixonado. Cultivou uma grande paixão pela filatelia, ampliando compras e vendas de selos, o que, mais tarde, o levou a muitos problemas financeiros. Colecionou ainda obras de outros artistas. Dedicou-se também colecionar fotografias, minerais e fósseis. No início dos anos 1920, o artista começou a anotar informações importantes sobre o processo de desenvolvimento de sua técnica, transformando-as em um diário do artista em processo de trabalho. Repleto de análise das próprias obras, registrou
Laranjas, 1911. @ Andri Sadler, Lucerna
também suas dúvidas, sucesso e fracasso tecnológico. O diário do artista pode ser também apreciado na retrospectiva. Por trás dos estudos de movimento e técnicas de desenho e pintura está o objetivo de Emmenegger: registrar a impressão natural do tema retratado no trabalho artístico. Curado por Sylvie Wuhrmann, diretora da Fundation de l’Hermitage, e por Corinne Currat, curadora associada da Fundation de l’Hermitage, a retrospectiva apresenta,
© Andri Stadler, Lucerna Derretimento de neve , 1908-1909.
Reflexo na água ou Pequeno barco a vapor refletindo na água, 1909. À direita: Troncos de faias, 1938 © Andri Stadler, Lucerna
em paralelo, obras de artistas mentores, artistas contemporâneos e amigos de Emmenegger. Além desses, completam a exposição alguns trabalhos de artistas cujas propostas foram influenciadas por Emmenegger. E, no último andar do prédio, são apresentados trabalhos fotográficos de estudantes da Escola de Arte de Lucerna. Temas singulares, como ruínas, ciprestes, desertos de cores atenuadas e suaves, além de contrastes de claro e escuro, um trabalho que mostra seu interesse por uma singular beleza.
Maria Teresa Santoro Dörrenberg vive em Colônia, Alemanha, é escritora, curadora e pesquisa o corpo na arte, nas mídias e tecnologias contemporâneas.
MICHAEL ARMITAGE: PARADISE EDICT • ROYAL ACADEMY OF ARTS • LONDRES • 22/5 A 19/9/2021
Sem título, década de 1960-1984. Foto: Eduardo Ortega.
CONCEIÇÃO dos bugres,
AUTODIDATA, DE ORIGEM INDÍGENA, CONCEIÇÃO DO BUGRES SE TORNOU RENOMADA POR SUA PRODUÇÃO DOS CHAMADOS "BUGRES", ESCULTURAS EM MADEIRA COBERTAS POR CERA E TINTA QUE ELA CRIOU INCESSANTEMENTE AO LONGO DE TRÊS DÉCADAS
POR DRIKA DE OLIVEIRA
Em 14 de maio, o Museu de Arte de São Paulo (MASP) abriu a exposição
. Estão reunidas no museu 119 peças de Conceição, escultora de origem indígena, cuja obra e vida ainda são bastante desconhecidas. A pesquisa para a exposição foi realizada ao longo de um ano pelo Brasil, muito embora apenas duas instituições culturais no país, o Museu Afro Brasil e o Itaú Cultural, tenham obras da artista em seus acervos. A exposição foi montada sob a curadoria de Fernando Oliva e Amanda Carneiro. Além da mostra, que estará aberta ao público até janeiro de 2022, também foi elaborado um catálogo bilíngue (português e inglês), com as 119 obras reproduzidas em quatro cores, uma entrevista realizada nos anos 1970 com a artista, pela pesquisadora Aline Figueiredo, o texto inédito , escrito pela pesquisadora indígena Naine Terena, e outros textos ainda. É o primeiro livro dedicado à obra de Conceição dos Bugres, e a primeira exposição com essa dimensão e quantidade de peças reunidas.
Sem título, década de 1960-1984. Foto: Eduardo Ortega.
Sem título, década de 1960-1984. Foto: Eduardo Ortega.
Nascida Conceição Freitas da Silva, em 1914, em Povinho de Santiago, no Rio Grande do Sul, com apenas seis anos de idade Conceição migrou para Campo Grande, atual Mato Grosso do Sul, devido à perseguição aos índios no Sul, no início do século 20. No Centro-Oeste, Conceição muito provavelmente conviveu com índios das etnias Terena e Guarani, mas, apesar de ter sido criada em uma família indígena, não há documentos suficientes que possam comprovar isso. Como muitos outros artistas indígenas (e artistas populares, artistas mulheres, artistas negros), a obra de Conceição sofreu o já conhecido processo de apagamento da história “oficial” da arte brasileira. Ao fazer uma pesquisa para escrever este texto, encontrei
, a dissertação de mestrado de Isabella Banducci Amizo, publicada em 2018, e o catálogo da exposição
, que ocorreu em 2017, em São Paulo, na galeria Estação. Mas não há outras publicações disponíveis sobre ela. Conceição teve um reconhecimento parcial de sua arte já no fim da vida. Falecida em 1984, aos 70 anos, ela se tornou uma das artistas mais importantes do Mato Grosso do Sul, somente em meados dos anos 1960.
Isso só foi possível devido à 1ª Exposição de Pintura dos Artistas Mato-grossenses (1966), realizada na Rádio Clube de Campo Grande, e graças aos esforços da curadora Aline Figueiredo e do artista Humberto Espíndola, que lideraram o movimento. Hilton Silva, filho de Conceição, também participou da exposição, que no ano seguinte deu origem à Associação Matogrossense de Arte (1967). No entanto, as obras de Conceição ainda hoje não ocupam a grande maioria das instituições culturais no Brasil. Essa é uma questão bastante relevante para pensar a preservação de Conceição na história da arte brasileira. Pois, se as obras e os documentos sobre a vida da artista não estão presentes nesses espaços, e acessíveis ao público e aos pesquisadores, a obra se torna virtualmente inexistente. Conceição era autodidata e começou a criar seus “bugres” nos anos 1960. Na já citada entrevista que ela deu a Aline Figueiredo, em 1979, Conceição contou que certa vez viu uma cepa de mandioca, que tinha cara de gente: “pensei em fazer uma pessoa e fiz. Aí a mandioca foi secando e foi ficando com uma cara de velha. Gostei muito”" Desde então, a artista recolhia tocos de madeira que encontrava na floresta e, usando uma machadinha ou um facão, dava forma às estruturas, que ficaram popularmente conhecidas como “bugres” ou “bugrinhos”.
Sem título, cerca de 1970. Foto: Eduardo Ortega.
Sem título, década de 1960-1984. Foto: Eduardo Ortega.
É importante entender a origem do termo “bugre”, pois, embora ele componha o nome à própria artista, sua definição mais imediata tem caráter pejorativo: indígena rude, violento, incivilizado. Pode se referir, ainda, à mistura do índio com o branco. Contudo, “dada a origem da artista, é difícil desconsiderar o significado de ‘índio perseguido’ pelos ‘bugreiros’, personagens da formação cultural sulista”, como aponta Miguel Chaia no catálogo da exposição de 2017. Se os bugreiros formavam milícias particulares para perseguirem e matarem os índios da região em que instalavam sua colônia, em Conceição, o termo “bugre” deixa evidente esse passado violento e, ao mesmo tempo, enquanto apropriação, reafirma a força de uma identidade indígena a ser valorizada.
Sem título, década de 1960-1984. Foto: Eduardo Ortega.
Essas esculturas aparentemente simples, talhadas em madeira bruta, carregam em si uma complexidade sutil. Conceição usava peças únicas de madeira, por isso seus bugres têm diferentes tamanhos. Como em um pedido de licença para criar suas figuras a partir daqueles fragmentos, ela talhava a madeira seguindo suas formas naturais. Depois de encontrar a matéria-prima, com poucas ferramentas e poucos golpes a artista desenhava olhos, boca, pés, formando um corpo. Alguns detalhes, como os cabelos e os olhos, eram pintados com tinta preta. Depois de prontas, Conceição “vestia” as peças com cera de abelha. Os bugres criados pela artista nasceram de um processo de repetição, que durou mais de 30 anos. Com uma evidente semelhança entre si, as peças são, ao mesmo
Sem título, década de 1960-1984. Foto: Eduardo Ortega.
tempo, fartas de detalhes que as diversificam. As 119 peças apresentadas na exposição estão sobre uma mesma bancada, onde é possível ter uma visão mais geral (e privilegiada) da obra de Conceição. Com forte conexão à tradição artesanal, a maior parte das obras não têm título sequer registro de data – e também por isso parecem formar um só corpo. Ao olhar todas as peças juntas nesse mesmo espaço, vemos bugrinhos de 10 cm e totens de mais de um metro de altura. Percebemos os diferentes tons de pele, os cabelos lisos e retos de algumas peças, olhares que apontam para várias direções, braços que se abrem como se fossem asas, outros que parecem questionar o espectador, e outros ainda que se juntam como se fossem rezar; uns sentados, outros de pé, com expressões serenas ou olhar fantasmagórico – corpos que se comunicam ativamente com quem passeia diante deles. Também faz parte da exposição uma tela que exibe o curta-metragem (1979), de Cândido Alberto da Fonseca, o único cineasta a filmar a artista. Na época, Cândido ganhou um prêmio da Funarte (Fundação Nacional das Artes), a partir do roteiro do filme. O curto documentário tem 10 minutos, foi filmado na casa de Conceição, em película 35 mm colorida. Ele foi exibido em circuito comercial no Rio de Janeiro nos anos 1980, sob a Lei do Curta, que tornava obrigatória a exibição de curtas-metragens brasileiros antes de qualquer longametragem estrangeiro no cinema. O filme tem imagens raras de Conceição produzindo seus bugres, e trechos com depoimentos da artista. Mas durante muito tempo foi considerado perdido, pois parte dos negativos originais de câmera se deteriorou. Recentemente, em 2016, o curta foi recuperado, digitalizado e se tornou patrimônio do Estado do Mato Grosso do Sul. Assim como o filme de Cândido, a obra de Conceição parece ter sobrevivido por um fio. Assim como ela, outros artistas também pouco conhecidos tiveram exposições dedicadas recentemente no MASP, como Maria Auxiliadora e Djanira Motta e Silva.
Conceição produziu durante pelo menos três décadas e não se tem ideia de quantas peças ela fez. A maior parte dos itens presentes nessa exposição pertence a coleções particulares, como a de Edmar Pinto da Costa, que doou duas obras originais de Conceição para o acervo do MASP. Desde a morte da artista, a família continuou a obra dela: Abílio Freitas da Silva, marido, Sotera Sanchez da Silva, nora, e Ilton Silva, filho de Conceição, seguiram com a produção dos bugres. Hoje é Mariano Antunes Cabral Silva, neto de Conceição, que caminha pelos passos (e traços) da avó. A exposição no MASP é importante para pensar que o acesso às obras dos artistas, bem como os documentos que são fundamentais para mapear suas trajetórias, estão profundamente ligados à prática da preservação. Como coloca Ray Edmondson, “a preservação não é uma operação pontual, mas uma tarefa de gestão que não acaba nunca. Nunca se termina de preservar uma obra; na melhor das hipóteses, ela está sempre em processo de preservação”. Nesse sentido, a exposição é um dos muitos passos nesse processo interminável de conservação, tanto das obras quanto da memória. Um processo que remete à repetição vista nos bugres da artista e, em última instância, à própria conservação da natureza e do mundo. Um impulso voltado ao cultivo e à manutenção das vidas e das histórias que brotam da arte.
CONCEIÇÃO DOS BUGRES: TUDO É DA NATUREZA DO MUNDO • MASP • SÃO PAULO • 14/5 A 30/01/2022
Drika de Oliveira é diretora de conteúdos audiovisuais na
Redes da Maré. Atua como fotógrafa e é preservadora audiovisual voluntária na Cinemateca do MAM-Rio. É graduada em Comunicação Social-Cinema pela PUC-
Rio. Membra da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA).
Sem título, década de 1960-1984. Foto: Eduardo Ortega.
BARBARA hepworth,
Foto: Barbara Hepworth © Bowness Involute II, 1956.
EM COMEMORAÇÃO AOS 10 ANOS DA GALERIA THE HEPWORTH WAKEFIELD, ESTÁ ABERTA A MAIOR EXPOSIÇÃO RETROSPECTIVA DE BARBARA HEPWORTH, PIONEIRA BRITÂNICA DA ESCULTURA MODERNA
POR NICHOLAS ANDUEZA
A ESCULTURA COMO REINVENÇÃO DO ESPAÇO
Intitulada , a exposição conta com obras canonizadas, como as esculturas em madeira, pedra e bronze, e também trabalhos menos célebres, como desenhos e pinturas, juntamente com alguns elementos biográficos da artista. Além disso, as artistas contemporâneas Tacita Dean e Veronica Ryan foram convidadas pela galeria para produzir obras específicas para esta exposição, explorando, cada uma, pontos de encontro entre suas obras e a de Barbara
Hepworth.
No percurso escultórico da artista, cujo trabalho de vanguarda desponta nas décadas de 1920-1930, um On Fire at 80. © Judy Chicagotraço que parece unir as obras, por mais distintas que pareçam ser, é um encanto pela materialização do vazio, isto é, pelo dito “espaço negativo”. Desde as produções em madeira e pedra, pelas quais a artista inicia sua frutífera carreira, até aquelas em bronze, estas, posteriores, pensadas para o mercado internacional das artes (já na década de 1950), o que vemos, de modo geral, é um tratamento cauteloso, dedicado, manual, orientado tanto ao volume quanto ao vazio.
Orpheus, 1956. Foto: Barbara Hepworth © Bowness.
Barbara Hepworth trabalhando no gesso para Single Form, 1962, na fundição Morris Singer. Foto: Barbara Hepworth © Bowness.
A exposição na The Hepworth Wakefield facilita essa visão global devido à sua magnitude. Ali notamos como, em Hepworth, o volume não se acaba onde começa o vazio: pelo contrário, ele parece se abrir e se multiplicar infinitamente, como em uma interação viva com o vão. Assim, de modo mais fundamental, o que descobrimos em Barbara Hepworth é a corporalidade do próprio espaço, em sua misteriosa e insidiosa microfísica. Excitado pelas esculturas da artista, o espaço vibra e mostra de que é feito: de um bailado incessante entre “aquilo que vemos”, o volume, e “aquilo que nos olha”, o vazio, como já colocou certa vez Georges DidiHuberman. Nascida em Wakefield, em 1903, Barbara Hepworth se destacou como estudante de artes desde antes de iniciar a carreira. Já na década de 1920, no Royal College of Arts, em Londres, Hepworth e seu colega Henry Moore defendiam a noção da “verdade do material”, que rejeitava o tradicional planejamento da escultura em modelos de argila. Eles esculpiam diretamente na matéria-base e mediante as características dessa matéria – deixando-a guiá-los em vez de conformá-la a um projeto prévio. Após a conclusão dos estudos em Londres, passou dois anos na Itália, onde aprendeu a esculpir em mármore com Giovanni Ardini. Em 1931, ela passou a implementar em boa parte de suas esculturas um gesto chave que irá persistir, de um jeito ou de outro, ao longo da carreira: a perfuração da forma esculpida, o vazio no meio do volume – um recurso que mais tarde também aparecerá na obra de seu colega Moore.
Inside the night (You put your arms around me), 2018.
Em 1933, Hepworth fez uma viagem decisiva a Paris, onde entrou em contato com artistas como Pablo Picasso, Constantin Brancusi e Jean Arp. Influenciada por este último, como atesta Rosalind Krauss, a artista conseguiu sistematizar algo que já estava de certo modo presente em seu trabalho mesmo antes da ida a Paris: a noção vitalista da escultura, compreendendo-a como a concretização de um vivente; esculturacriação como criações são também as pedras, as árvores, os animais – uma ideia que aproxima, pelo , o escultor do Criador. A própria Hepworth, em dado momento, apontou que “a vitalidade não é um atributo físico, orgânico da escultura –é uma vida interior espiritual”. E, mesmo não sendo atributo físico, essa vitalidade acaba sendo sugerida por certas características materiais da escultura. Duas delas, em Hepworth, são centrais: a sinuosidade das formas e, de novo, o desdobramento do volume em seus vazios. Somadas uma a outra, essas duas qualidades principais garantem uma proliferação de vida nesses corposesculturas. Percebemos uma organicidade nas curvas, como se as peças fossem mesmo órgãos de um grande corpo, células de um vasto organismo espalhado pelo mundo. E, por meio dos vazios, canalizados aqui e ali por essas mesmas curvas, é possível imaginar uma respiração, uma troca de ares e olhares com o mundo – e conosco.
Pierced Form, 1932. Curve Form (Trevalgan), 1956. Oval form with strings and color, 1966. À esquerda: Figure for Landscape, 1960. Fotos: Barbara Hepworth © Bowness.
Em alguns casos, por exemplo em (1932), os vãos se apresentam como vazios-orifícios, perfurações que parecem olhos, bocas, poros, ânus. Em outros casos, como em (1960), são vazios-volumétricos, largos e expansivos, antivolumes que dão profundidade às peças por lhes sugerirem um “dentro”, por desenvolverem outro espaço no interior do espaço escultórico. A entrada do bronze no repertório da artista, aliás, viabilizou vãos mais largos e uma impressão maior de movimento às esculturas – vide (1956). Mas, mesmo para além do bronze, no bailado entre os polos espaciais do volume e do vão, a vitalidade buscada por Hepworth parece reluzir pela sugestão iminente do dualismo entre matéria e memória que, para Henri Bergson, caracteriza os seres vivos.
Em outras palavras, os vazios de Hepworth parecem espiritualizar seus volumes. Pois, se estes carregam uma densidade material, aqueles ganham peso de existência através de uma densidade relacional. Em alguns casos, como em (1966), essa densidade relacional chega ao ponto de se materializar por meio de linhas metálicas que atravessam o vazio. Assim, os volumes são o que dá corpo à carga de relações implícitas pelo vão. O resultado é uma expansão dupla da obra: ao mesmo tempo extensiva, pelo volume, e intensiva, pelo vazio – em um movimento que recria constantemente o espaço. Curiosamente, é uma obra que não traz orifícios nem interiores ocos que parece refletir com a maior clareza essa interação dual. Falo de (1935), peça feita em mármore branco, onde três formas arredondadas e distintas entre si são dispostas de modo assimétrico em um plano-pedestal também de mármore. Enquanto duas das formas são mais elípticas, diferindo entre si pelo tamanho, uma das formas é esférica. Carregando o sentido de uma fixidez implicada pela materialidade da pedra, parece dialogar com a tradição pictórica da natureza morta, mas de forma bastante destilada: por um lado, os três volumes,
sendo cada um absolutamente uniforme e liso, pouco dizem sobre si (não figuram), por outro lado, a relação entre esses três elementos fica posta de modo tão incontornável quanto a presença de tais volumes, pela própria triangulação dos corpos. Trata-se de uma peça célebre, realizada por Hepworth meses depois de dar à luz trigêmeos. E essa informação biográfica, claro, dá ainda mais densidade à obra, enquanto meditação potente acerca de uma trindade, da ideia do “três” e da relação entre esses três corpos, distintos entre si mas pertencentes ao mesmo plano. Contudo, saber dos trigêmeos também suscita questões sobre o processo artístico, para além do resultado: não só sobre a relação entre esculpir e gerar, que dialoga com aquela ideia vitalista da escultura-vivente, mas também sobre o penoso processo braçal, físico, de polir meticulosamente aquelas formas de mármore até que ficassem perfeitamente lisas pouco tempo depois de parir – e tendo que cuidar dos filhos. Certamente, os dispositivos patriarcais, que já dificultavam o desenvolvimento artístico de Hepworth por ser mulher, pesaram ainda mais mediante a função materna.
Three Forms, 1935. Foto: Barbara Hepworth © Bowness.
Série Skiagram 1949. Fotos: Barbara Hepworth © Bowness.
E foi a hospitalização de uma de suas filhas que fez com que a artista desenvolvesse uma série de desenhos que formam uma parte importante da mostra, por estabelecerem um desvio momentâneo, para além da escultura. Ao desenvolver uma amizade com o cirurgião que operou a filha dela ao fim dos anos 1940, a artista notou proximidades entre a sua prática e a do médico – pela forma de olhar e, especialmente, pela forma de manipular. Isso fica singularmente evidente na série conhecida como , cujos traços rápidos e leves percorrem toda a cena que apresenta o cirurgião ao centro. Em todos os desenhos, há um enfoque especial dado precisamente aos olhos e às mãos dos médicos. Pouco depois, em 1949, Barbara Hepworth se instala em St. Ives, ao sudoeste da Inglaterra, onde morou e produziu até seu falecimento, em 1975. Para além de madeira, pedra e bronze, mais tardiamente, Hepworth passou a trabalhar também com outros materiais, tais como cristal e alumínio. Curada por Eleanor Clayton, que é também biógrafa da artista, além de um grande número de obras, a exposição
Curved Form, Bryher II) 1961. Fotos: Barbara Hepworth © Bowness.
conta com materiais biográficos tais como cadernos, ilustrações e fotografias, que contribuem para uma contextualização da arte em relação à vida da artista. Salvo a primeira sala, focada em formas escultóricas importantes para o trabalho de Hepworth (de pé, em dupla, e fechada), a estrutura da exposição é mais ou menos cronológica. E, diante dessa vastidão, sob o risco de homogeneizar as produções de Barbara Hepworth, bem diferentes entre si, tentei aqui destilar uma questão central para este curto texto: a da dança incessante entre o volume e o vazio na formação de uma vida da escultura. O trabalho de Hepworth ensina não só sobre a possibilidade dessa vida escultórica, mas também que ela só floresce a partir do momento em que o próprio espaço é destrinchado e reinventado por entre curvas e vãos.
Nicholas Andueza é doutorando em Comunicação e Cultura/UFRJ, com especialização em cinema, corpo e imagem de arquivo. Mestre em Comunicação Social/PUC Rio (2016).
BARBARA HEPWORTH: ART & LIFE • THE HEPWORTH WAKEFIELD • INGLATERRA • 21/5/2021 A 27/2/2022
REFLEXO
Trilha Sonora. Foto: Pedro Motta.
JOSÉ , damasceno
EM EXPOSIÇÃO NA PINAOTECA DE SÃO PAULO, JOSÉ DAMASCENO É UM DOS ARTISTAS BRASILEIROS COM GRANDE INSERÇÃO NO CIRCUITO INTERNACIONAL DE ARTE CONTEMPORÂNEA, RECONHECIDO PELAS MÚLTIPLAS LINGUAGENS COM QUE OPERA, PELA ESCALA AGIGANTADA DAS PEÇAS, ALÉM DO CARÁTER REFLEXIVO DE SEUS TRABALHOS. CONVIDAMOS O ARTISTA PARA CONTAR EM DETALHES O PROCESSO DE CRIAÇÃO DE SUAS OBRAS
POR JOSÉ DAMASCENO
OBSERVATION PLAN, 2003/2015
Essa obra foi produzida pela primeira vez em 2004 e apresentada em Chicago, e é um desenvolvimento direto da peça apresentada na Bienal de Pontevedra, na Espanha, no ano de 2000, chamada ou que, inclusive, faz parte da coleção do MAM-SP e já foi apresentada algumas vezes em São Paulo. Creio que ela tenha uma série de relações a partir da perspectiva e uma espécie de foco que leva em consideração elementos insuspeitáveis para você atingir esse ponto. Ela vai, ao longo das montagens, produzindo uma sequência de imagens que vão contribuindo para esse foco também. O lápis produz, ao longo da peça, certa espessura com um devir, uma potência de possibilidades. Ainda que haja determinados princípios de silhuetas que devem ser seguidos na montagem, a cada vez, ela possui características próprias.”
Foto: Wilton Montenegro
CINEMAGMA, 2000/2015.
“Essa obra foi criada em 2000 e tem referência direta com um trabalho realizado em 1997, chamado
, no qual foi utilizado o resíduo têxtil, a estopa. O propósito de lentes seria uma pista que leva à ideia de imagens e de como elas se comportam e se desenvolvem. Adicionada à cor e à aleatoriedade de como esses elementos surgem, é uma colocação sobre como seria o desenvolvimento das imagens, sem que de fato você veja cada uma delas, como se elas fossem uma espécie de projeção de outro espaço. Sobre as possíveis relações com a pintura, interessa-me bastante o trânsito entre dimensões que, em um primeiro momento, não estariam próximas, sempre procurando outro tipo de observação, de descoberta. Uma descoberta que coincide com a invenção. É uma forma de trabalhar e pensar a invenção como um substrato muito potente.”
“Dentre muitas coisas, uma que me interessa bastante é trabalhar em uma escala intermediária, entre o que seria um modelo, uma maquete e uma escultura. A forma como se desenvolve lança mão de um recurso insuspeitável em relação à arquitetura, que é o nó. Eu já utilizei o mármore várias vezes, em muitas situações, mas sempre de forma a trazer algum elemento perturbador a alguma convenção ou categoria que seja. Alguns materiais trazem elementos que proporcionam uma dúvida que permanece. É a linguagem como possibilidade de investigar e questionar a natureza das coisas. Há uma inquietação que traz um questionamento do entorno e das circunstancias. É importante para mim o ponto em que se confundem o objeto em si e uma ideia e, igualmente, a relação entre eles. A reunião dessas obras na Pinacoteca é algo bastante inesperado, pela forma como elas se desenvolveram em vários momentos distintos. O que me surpreende são as relações e as circunstâncias entre si e como elas sempre estão se colocando novas.“
PARÁBOLA, 2000.
ESTUDO PARA INVERSÃO
This is the Future, film still, 2019. Courtesy the artist © Hito Steyerl.
Projeção. Foto: Galeria Fortes Villaça.
MASS MEDIA PARA MODELAR, 2001-2015
“ partiu de uma anotação minha em 2000. Ela foi realizada em Madri, na Arco, em um projeto chamado . Muitas peças surgem assim, a partir de pequenas anotações, simulações, maquetes... A massa de modelar está empregada tanto nas cadeiras quanto na pintura, são duas áreas distintas; em uma, a massa é manipulada e, na outra, não. Isso cria uma relação entre elas, um acontecimento que, em um primeiro momento, não nos permite entender o que se passa. Isso me interessa. Não existe qualquer lógica de composição na pintura na parede, o material é apenas manipulado, processado, cortado e adicionado na tela, sem qualquer . Eu diria que, muitas vezes, eu não sei o porquê dos objetos que eu lanço mão. Depois, então, vou me dando conta. Em um primeiro momento, as coisas não têm uma justificativa, não são endereçadas, são a reunião de elementos que, por algum motivo, foram associados. Diante deles, há essa incerteza sobre qual o propósito do que está ali. Você não sabe qual é, eu também desconheço e, de alguma forma, busco torná-los presentes. O não saber faz parte do conhecimento. É um movimento para o olhar adormecido, um equilíbrio tênue. ”
JOSÉ DAMASCENO: MOTO-CONTÍNUO • PINACOTECA DE SÃO PAULO • 24/4/2020 A 30/8/2021
JOSEPHbeuys,
COMO DESENHISTA, ESCULTOR, PROFESSOR, POLÍTICO E ATIVISTA, BEM COMO ARTISTA DE AÇÃO E INSTALAÇÃO, JOSEPH BEUYS (1921-1986) MUDOU FUNDAMENTALMENTE A ARTE DO SÉCULO 20. SUA INFLUÊNCIA AINDA PODE SER SENTIDA HOJE EM DISCURSOS ARTÍSTICOS E POLÍTICOS. SEU CENTENÁRIO EM 2021 É UMA OCASIÃO PARA REDESCOBRIR E QUESTIONAR CRITICAMENTE TANTO SUA OBRA COMPLEXA QUANTO SEU APELO INTERNACIONAL
POR JULIANA MENINGUE
100 ANOS DE JOSEPH BEUYS
Artista, professor e defensor ferrenho das causas ambientais, essas são algumas definições que retratam com precisão as paixões e compromissos do artista alemão Joseph Beuys ao longo de sua vida. O artista, que revolucionou o conceito de arte a partir de meados do século 20, acreditava que todos poderiam crias obras de arte, que todas as pessoas poderiam ser artistas. Beuys tratou de aplicar todas as temáticas que entendia como propulsoras para as ideias que defendia em suas performances. São exemplos a defesa do meio ambiente em (1982), ou as indagações constantes em sua carreira sobre ? ou ? Em Eu (1974), vemos isso na própria linguagem artística escolhida pelo artista, a performance.
Como explicar quadros a uma lebre morta, 1965.
Cadeira com gordura, 1963.
UM EPISÓDIO CATÁRTICO?
Piloto da força aérea alemã durante a Segunda Guerra Mundial, foi durante uma de suas missões que Joseph Beuys viveu um acontecimento que mudou sua vida. Em 1943, o então jovem piloto Joseph Beuys travava uma batalha aérea contra pilotos russos na região da Crimeia. Após seu avião ser abatido, o artista teria sobrevivido à queda graças à ajuda de nômades mongóis que estariam na região e o resgataram, tratando seus ferimentos com gordura e feltro. Para justificar a presença de gordura e feltro em suas obras de arte, o artista alemão associava suas escolhas a essa história de seu passado, apontando estes dois elementos como responsáveis pela sua cura - quando um elemento é constantemente usado na obra de um artista, dificilmente o questionamento sobre a escolha será evitado. Joseph também explica a presença da gordura em suas obras afirmando que o elemento seria fonte de energia, e poderia ser explorado em diferentes estados físicos. Atualmente, há questionamentos quanto à veracidade dos fatos descritos pelo artista durante esse episódio, porém, Beuys morreu alegando que a história realmente aconteceu.
Acima e à direita: 7 mil carvalhos, 1982.
JOSEPH EM OBRAS
Em 1982, Joseph participou de uma das exposições de arte mais importantes em contexto global, a Documenta de Kassel. A obra levou quase cinco longos anos para ser finalizada. Não era de forma alguma uma tarefa fácil: a proposta do artista foi a plantação de 7 mil árvores ao longo da cidade, e todos os indivíduos que desejassem fazer parte dessa obra poderiam contribuir. Forte defensor das causas ambientais, Beuys foi um dos fundadores do Partido Verde na Alemanha. A relação do artista com as questões ambientais não se limitava apenas ao discurso. Os elementos da natureza estavam presentes em quase a totalidade de suas obras, seu ativismo não ficava restrito ao campo político e é um exemplo disso. Sete mil pedras de basalto fora empilhas no gramado em frente ao Museum Fridericianum e, para cada carvalho que fosse plantado na cidade de Kassel, a partir de 1982, uma pedra deveria ser removida da pilha, dois elementos materiais opostos se confrontando. Tudo foi possível com a participação de milhares de
Transletras, 1974, 1985.
outras pessoas, o que posteriormente se revelou uma renovação urbana para a cidade. Aqui o artista se desloca da exposição e dos limites da instituição cultural para fazer parte do cotidiano de toda uma cidade. Infelizmente, o artista não viveu para presenciar o final de sua obra, iniciada na Documenta VII e finalizada na Documenta VIII. O último carvalho foi plantado em 1987, em Kassel, na presença de Eva e Wenzel Beuys, a esposa e o filho do artista. O uso do carvalho para o nome da obra não foi literal, já que nem todas as 7 mil árvores plantadas eram carvalhos. Joseph desejava confrontar o passado recente da Alemanha, pois o carvalho havia se convertido em um símbolo nazista. Para o artista, o carvalho como símbolo alemão deveria ser ressignificado. aconteceu na cidade de Nova York em maio de 1974. Aqui novamente temos a conciliação entre elementos materiais da natureza e uma espécie de revisão da história dos Estados Unidos. A , como também é conhecida, buscou referências em
elementos culturais dos povos indígenas norteamericanos. Um símbolo conhecido e famoso na cosmologia dos povos originários da América do Norte é o coiote, está relacionado ao conceito de transformação e elo entre o material e o espiritual. Segundo Joseph, respeitado pelos indígenas e perseguido pelo homem branco, o animal representaria um elo entre um passado ainda presente na forma de um trauma não trabalhado pela sociedade norteamericana. A performance teve início ainda na Alemanha, onde o artista saiu de sua residência enrolado em um manto de feltro direto para o aeroporto que o levaria aos Estados Unidos usando uma ambulância. Ao sair do avião, Joseph aparece novamente sendo transportado por uma maca, enrolado pelo feltro e levado pela ambulância, direto para a cela que o esperava em uma galeria de Nova York. Lá, um coiote capturado para a performance esperava o artista, que se liberta do feltro e passa a conviver por dias junto ao animal em uma cela repleta de feno e exemplares diários do jornal . Uma performance que começa expondo a ambulância como símbolo do estado de doença do indivíduo, ao mesmo tempo que atenta para emergência do tema. Dentro do local, as ações constituíam em caminhadas pela cela, registros fotográficos feitos durante a performance e a comunicação entre o artista e o coiote, que aconteceu de diferentes maneiras, ao jogar suas luvas pela cela, ou se enrolar no feltro, curvando-se em direção à bengala. O coite respondia as suas ações, com agressividade ou submissão. Nesta obra, o artista tentou reviver esse passado histórico, um passado de conciliação, com a linguagem sempre reforçando as possibilidades do fazer artístico para todos e sua potencialidade terapêutica.
Eu gosto da América e a América gosta de mim, 1974.
A Matilha, 1969.
Em 1972, Joseph foi demitido da Academia de Belas Artes de Dusseldorf por insubordinação, um episódio que reflete o lado político de Beuys, o professor. Um dos fundadores do Partido Universitário Alemão, o artista não hesitava em apoiar os estudantes em diferentes situações. Joseph passou a aceitar em suas aulas alunos que não haviam passado nos exames de admissão da Universidade, já que era contra o processo por acreditar que todos os que desejassem criar arte tinham esse direito, independente de uma suposta aptidão constatada em uma prova. O artista legou sua obra ao campo público, pois acreditava no poder de união entre as artes, política e ações educativas como elemento propulsor de mudanças sociais necessárias à sociedade. Radical, influenciador, carismático e revolucionário são adjetivos que aparecem constantemente quando o artista é mencionado. Para Joseph Beuys, a arte poderia mudar o mundo. Um artista que apresentou o fazer artístico como um processo libertário que não estava ligado a indivíduos especiais, mostrando, através de suas obras, que arte também poder ser política e, principalmente, instrumento de transformação social.
Juliana Meningue é historiadora da arte, professora, arte educadora e graduanda em história.
JOSEPH BEUYS: EVERYONE IS A ARTIST • KUNSTSAMMLUNG • ALEMANHA • 27/3 A 15/8/2021
NOTAS do mercado,
POR LIEGE JUNG @dasartesmercado
apareceu de sopetão no início de junho, com pouca divulgação e poucas visitas. Em geral, alguns expositores consultados informaram terem feito nenhuma ou poucas vendas, estas para clientes já conhecidos, e indicaram resultados mais fracos que na SP-Arte virtual do ano passado. Uma das galerias participantes informou ter tido menos de 600 visitas, um retorno parco para o investimento de R$6 mil pelo estande virtual com 20 obras. Também informou maior volume de visualizações em obras mais caras de artistas figurões. Talvez o balanço limitado do evento seja um reflexo de um momento de transição: com a retomada gradativa das exposições presenciais, os eventos virtuais perdem
Osvaldo Carvalho, Green Wolf, 2011. Galeria Janaina Torres. © Janaina Torres.
Maio é o mês da temporada de , com resultados impressionantes. Com mais de US$ 1,3 bilhão em vendas em apenas na semana de leilões de primavera de Nova York, Phillips, Sotheby’s e Christie’s divulgaram excelentes resultados, com muitos recordes de preço. A grande estrela foi Basquiat, que teve uma obra vendida por US$110 milhões pela Sotheby’s. Phillips realizou uma , venda “luva branca”, com todos os 37 lotes do leilão de arte contemporânea encontrando compradores. Algumas tendências se comprovaram: concentração de valores em alguns poucos lotes “superestrelas”, valorização de artistas contemporâneas mulheres do século 20 e de artistas negros. O mercado ainda não retomou o patamar frenético de 2018, mas os resultados são US$400 milhões superiores ao da temporada de 2016.
Obra de Sanyu vendida por US$15 milhões pela Christie's Hong Kong.
, a história se repete e impulsiona a capital como polo asiático da arte. Até o final de abril de 2021, US$ 470 milhões em vendas de arte em leilões foram registrados na China, 78,6% a mais que em 2019. Este valor não inclui os vários leilões que as três grandes casas realizaram na cidade na temporada de primavera em maio e junho, que somaram quase US$500 milhões. A tendência se mostra a favor dos artistas asiáticos: ainda que os lotes mais caros sigam sendo de arte ocidental – como o Basquiat vendido a US$30,2 milhões pela Sotheby’s – artistas como Zhang Daqian e o querido do momento Sanyu vem atraindo lances de sete e oito dígitos com frequência.
Livros,
Nesta publicação, uma reunião de ensaios sobre arte e cultura, Umberto Eco fala sobre a nossa necessidade de ter - ou, se necessário, inventar - um inimigo. "Ter um inimigo é importante não somente para definir a nossa identidade, mas também para encontrar o obstáculo em relação ao qual medir nosso sistema de valores e mostrar, no confronto, o nosso próprio valor. Portanto, quando o inimigo não existe, é preciso construí-lo", afirma Eco.
UMBERTO ECO: CONSTRUIR O INIMIGO • Editora Record • 224 pgs • R$ 49,90.
Lucas Dupin, artista visual que transita entre diferentes linguagens, se prepara para lançar seu primeiro livro que irá percorrer seus quase 15 anos de carreira, acentuando os diálogos e cruzamentos entre os trabalhos feitos em diferentes contextos. A publicação reunirá um recorte de trabalhos produzidos entre 2007 e 2021, passando pela pintura, instalação, fotografia e performance.
LUCAS DUPIN: A PARTE PELO DODO • Campanha de pré-venda em benfeitoria.com/apartepelotodo
A publicação traz informações sobre o artista e as exposições na Galeria Index e no Museu Nacional da República. Além de textos assinados pela curadora Fabricia Jordão e pelo crítico Ricardo Henrique Aires Alves, o livro reúne imagens de obras e vistas das exposições. O livro procura resgatar a poética e o pensamento de Vallauri, que atualmente é considerado um dos grandes responsáveis por introduzir o grafite como linguagem artística no Brasil.
ALEX VALLEURI • Editora Index • Disponivel online em mailchi.mp/galeriaindex/catalogo-galeria-index
Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil.
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