Revista de CINEMA 104

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ISSN 1518032-8

A geração do Cinema Livre

Conheça os cineastas que estão fazendo longas-metragens estéticos e libertos de gêneros e formatos

10 anos de Ancine A instituição que regula e incentiva o audiovisual completa uma década como a propulsora do novo cinema nacional

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Especial

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ANO XII • EDIÇÃO 104 • MAI/JUN DE 2011 • R$ 9,90

Tata Amaral

e a ditadura

A cineasta paulistana revela as consequências da ditadura na vida das pessoas perseguidas pelo regime

Estamos Juntos

Toni Venturi mergulha em drama pessoal e contexto social da cidade de São Paulo em seu novo filme

Cao Guimarães e a arte do sentido

Os filmes e o processo criativo do cineasta das significações, que faz filmes comunicando-se com outras artes



Entrevista Cao Guimarães

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Estamos Juntos

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Alexandre C.Mota

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Um dos mais livres cineastas do Brasil fala sobre sua trajetória e sobre seus novos longas, “Ex Isto” e “O Homem das Multidões”

Toni Venturi filma crise de jovem médica em busca de companhia e o drama dos sem-tetos na cidade de São Paulo

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Amor sem frescuras

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Tata Amaral e a ditadura militar

Na estreia em longas, com filme de baixo orçamento, Marcelo Laffitte cria fábula de amor entre travesti Madona e lésbica Elvis

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Ding Musa

Em “Hoje”, novo longa de Tata, em finalização, a cineasta põe à mostra as consequências da ditadura militar

32 06 Making Of > As personalidades, os filmes e os bastidores do cinema 10 Críticas > “Namorados para Sempre” – Apesar do título, longa é fábula trágica • “Reencontrando a Felicidade” – Nicole Kidman e Aaron Eckhart estrelam drama sobre perda de filho • “Caminho da Liberdade” – O mais novo longa do australiano Peter Weir 16

Almanaque > Os melhores lances do cinema na coluna da jornalista Maria do Rosário Caetano 40 10 anos de Ancine > A Agência Nacional de Cinema completa, em 2011, 10 anos de existência, buscando uma forma de articulação do audiovisual brasileiro 43

A volta do erotismo > O diretor e

roteirista Newton Cannito analisa o papel do erotismo no desempenho de “De Pernas pro Ar” e de “Bruna Surfistinha” nas bilheterias 44

Pensando o cinema di-

gital > A diretora Kátia Coelho reflete sobre o cinema digital, a partir de sua própria experiência em filmes como “A Via Láctea” 45 Legislação Audiovisual > A Lei Rouanet e o blog de Maria Bethânia 46 Produção audiovisual > Notas sobre os acontecimentos atuais da produção de cinema 48 Agenda > Tudo o que você precisa saber para inscrever seus filmes em festivais e eventos de cinema e audiovisual 50

Última página > Conheça as atrações do site da Revista de

CINEMA e as bancas em que a versão impressa pode ser encontrada

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O filme livre

Filmes de pesquisa de linguagem têm ganhado espaço entre longas-metragens de nova geração de cineastas sem grandes pretensões comerciais


O Cinema Livre Por Hermes Leal, Editor A Revista de CINEMA dedica esta edição ao cinema livre. Com o cinema brasileiro crescendo e se fortalecendo como uma economia criativa, e com o setor da animação bombando – como podemos ver em um levantamento que publicamos nesta edição –, um outro jeito de fazer cinema se firma. Mas ele precisa ser mais reconhecido e receber melhor apoio. É o cinema do significado e de difícil compreensão para as grandes plateias, mas não se contrapõe ao entretenimento, ao contrário, é um cinema focado em um público bem menor que os filmes de apelos comerciais. Filmes que, no máximo, ultrapassam R$ 1,5 milhão de orçamento e, fazendo muito sucesso, chegam a 50 mil espectadores. Bilheteria fantástica para um filme dessa categoria. Esse cinema livre se comunica mais com a linguagem do próprio cinema, a fotografia, a música, o documentário, o personagem, a montagem e as artes plásticas, e menos com a dramaturgia clássica, de roteiro meramente ficcional e jogo cênico combinando com a montagem. Um cinema que, inclusive, não se comunica mais com o Cinema Novo. Algumas de suas características residem no fato desse cinema ser novo, criativo, antinarrativo, como foi o Cinema Novo. Um cinema que se libertou finalmente da comparação com os cinemanovistas. Basta lembrar da pancadaria que Fernando Meirelles levou fazendo um filme de favela tão realista quanto foram os cinemanovistas. O cinema livre não tem mais compromisso com o social e o político, e sim com o real. Ele está livre inclusive da necessidade de existir em forma de um movimento. O leitor perceberá essa mudança de mentalidade nas entrevistas com os diretores dessa vertente e na opinião de especialistas e críticos de cinema publicados nesta edição da Revista de CINEMA. O veterano dessa geração livre é Cao Guimarães, um cineasta oriundo das artes plásticas e da videoarte que há mais de 10 anos investe no cinema. Em uma longa entrevista à Revista de CINEMA, Cao relata o seu processo criativo e conta como esse tipo de cinema foi se firmando aos poucos no Brasil e em outras partes do mundo. Cao já exibiu seus trabalhos em grandes galerias e nos melhores festivais de cinema do mundo. Os seus filmes são límpidos, um cinema feito com imagens rurais ou interioranas da sua terra natal, Minas Gerais. Seus filmes podem surgir do acaso, ou com personagens criadas com gente simples, da cultura regional, ou de vidas que não se enquadram em outro tipo de cinema ou arte. Seus personagens marginais podem ser um andarilho sem rumo ou, em outro caso, um sujeito que vive em uma caverna. Nossa reportagem sobre o Cinema Livre se deteve no trabalho de sete diretores que estão neste momento lançando seus filmes – alguns que já passaram em festivais e outros que entrarão este ano. São eles: Eduardo Nunes (RJ), Eryk Rocha (RJ), Felipe Bragança (RJ), Gabriel Mascaro (PE), Helvécio Marins (MG), Sérgio Borges (MG) e Tiago Mata Machado (MG). Minas Gerais e Rio de Janeiro continuam sendo o celeiro dessa geração. E no Nordeste, Recife vem se destacando nessa mesma linha. Uma mostra da força desse tipo de cinema dominou a programação do Festival de Brasília como nunca houve antes nos seus mais de 40 anos de existência.

“360” Por que até agora não apareceu na revista o making of

das filmagens de “360”, o novo filme do Fernando Meirelles? Julia Donato, São Paulo Cara Julia. Os filmes internacionais não deixam vazar suas filmagens como acontece aqui no Brasil. Uma pena. Mas logo teremos novidades sobre o filme.

Mais animação Acho que a Revista de CINEMA deveria

ter uma seção fixa e exclusiva para a animação brasileira. É um setor do audiovisual e cinema que está crescendo e promete muito para os próximos anos. Uma seção que dê notícias periódicas sobre as produções de curtas, longas e séries para a tv, fale sobre profissionais de sucesso na área, faça análises críticas de trabalhos premiados e informe sobre festivais, mostras e eventos da área. Jefferson, São Paulo Este email do Jefferson nos foi enviado faz algum tempo, inclusive já foi publicado aqui. Mas ele volta a aparecer porque agora vamos atender perfeitamente ao que ele

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deseja. A Revista de CINEMA, em todas as edições, vai falar da animação, e em nosso site novo, que já está quase pronto, teremos uma área de informação exclusiva para a animação, com entrevistas e reportagens em texto e vídeo. Vamos ser a mídia desse setor, assim como já estamos sendo para a produção independente para TV.

Para que lado fica saturno? Vocês poderiam me dizer

como encontrar o filme “Para que Lado Fica Saturno?”. Não sei o nome do diretor, mas me lembro de tê-lo visto em um canal que passava filmes de arte, em preto e branco. Um filme sobre uma mulher que se apaixona por um homem desajeitado, mas encantador, que escreve um livro sobre Saturno. Helena Maria, Juiz de Fora Helena, não conseguimos achar informação sobre o filme, não há referências sobre esse título nem em português nem em outra língua. Sei que você apelou para a gente porque já pesquisou na internet, mas tente pesquisar variando o nome do filme; quem sabe não encontra o que procura.

Diretores Hermes Leal e Julie Tseng Editor Hermes Leal hermes@revistadecinema.com.br Diretora administrativa Julie Tseng julie@revistadecinema.com.br Produção Editorial Gabriel Carneiro redacao@revistadecinema.com.br Redação Gabriel Carneiro, Júlio Bezerra e Maria do Rosário Caetano Correspondente no Rio de Janeiro Júlio Bezerra Colaboração Celso Sabadin e Daniel Schenker Diagramação e Direção de Arte Ana Luiza Pigatto Revisão Priscilla Vicenzo Comercial Julie Tseng julie@revistadecinema.com.br Assessoria Jurídica Cesnik, Quintino & Salinas Advogados Tel.: (11) 3661-0003 Circulação e Assinaturas Generaldo Campelo assinaturas@revistadecinema.com.br Atendimento ao leitor (11) 3726-6810 revistadecinema@revistadecinema.com.br Assinaturas (11) 3726-6810 assinaturas@revistadecinema.com.br Impressão Duograf Gráfica e Editora Distribuição Fernando Chinaglia A Revista de CINEMA é uma publicação da Editora Única. Redação e administração: Rua Corinto, 412 | Vila Indiana São Paulo - SP | CEP 05586-060 Telefax: (11) 3726-6810 Revista de CINEMA ON-LINE: Redação: Gabriel Carneiro site@revistadecinema.com.br http://www.revistadecinema.com.br Os artigos assinados são de ­r esponsabilidade de seus autores e não expressam necessariamente a opinião da revista. Edições anteriores podem ser solicitadas ao preço de capa de acordo com a disponibilidade de estoque. (11) 3726-6810 assinaturas@revistadecinema.com.br

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José Eduardo Belmonte estreia nas comédias cariocas Com “Billi Pig”, o diretor de verve experimental, José Eduardo Belmonte, estreia nas comédias de longa. O filme se passa quase todo na Zona Norte do Rio de Janeiro e traz Grazi Massafera e Selton Mello como protagonistas. O título é uma referência ao porco computadorizado que dá conselhos existenciais à personagem de Massafera. Com produção de Vânia Catani (Bananeira Filmes), o longa é inspirado nas chanchadas e nas comédias malucas.

Conceição Senna atua em longa baseado em conto de Stefan Zweig A atriz Conceição Senna volta às telas de cinema como parte do elenco de “A Coleção Invisível”, estreia do diretor francês Bernard Attal em longas. Baseado em conto de Stefan Zweig, o longa trata de um jovem hedonista que quer ganhar dinheiro fácil. Todo rodado no bairro Comércio, em Salvador, e na cidade de Itajuípe, na região cacaueira da Bahia, em seis semanas, o filme é orçado em R$ 1,8 milhão.

Em sua estreia em longas, a cineasta Julia Zakia escolheu um tema pouco típico em nossa cinematografia: o mundo cigano, retratado a partir de duas meninas ciganas, Kaia e Reka, que foram separadas na infância e cresceram em realidades diversas. Com produção da Superfilmes e orçamento de R$ 2,5 milhões, o filme foi contemplado nos editais da Sabesp, Petrobras e Paulínia, e rodado nesta cidade paulista e no sertão alagoano.

Marcos Prado faz primeiro longa de ficção Prado é mais conhecido como produtor de, entre outros, “Tropa de Elite 2”. Seu único longa como diretor é “Estamira”. Sócio na Zazen, Prado inverteu posições com o parceiro José Padilha em sua nova direção: a ficção “Paraísos Artificiais”, que trata de geração digital, raves, música eletrônica e drogas sintéticas. Mas Prado não se restringiu à direção, e forma com Nathália Dill e Luca Bianchi o elenco, no papel do pai de Luca.

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Gui Mohallem

Julia Zakia faz filme de tema cigano


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Toni Venturi comemora no palco o prêmio de melhor filme por “Estamos Juntos”, ao lado do elenco e equipe do filme

Zelito Viana, ao lado da mulher Vera de Paula e os filhos Marcos Palmeiras e Betse de Paula na homenagem aos 45 anos de cinema de Zelito

Celso Sabadin, Gabriel Carneiro, Hermes Leal e Maria do Rosário, com o troféu Calunga em homenagem à Revista de CINEMA

Cláudio Adão e a Ministra da Cultura Ana de Hollanda conversam com Pelé, o homenageado do festival por unir futebol e cinema

Carlos Reichenbach, autor de 15 longas-metragens, foi o grande homenageado do Prêmio Fiesp/Sesi por sua contribuição ao cinema

Sérgio Bianchi foi o grande vencedor do Prêmio, levando três categorias, inclusive filme e direção pelo filme “Os Inquilinos”

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CUR T A- M E T R A G E M

Solidão em stop motion

Entre as paredes de um motel Por Humberto Pereira da Silva “Namorados para Sempre”, de Derek Cianfrance, pelo título, sugere tratar-se de comédia romântica, ou mesmo traz à lembrança “9 ½ Semanas de Amor”, cult dos anos 80. No filme, Cindy e Dean se isolam num motel para terem momentos de amor que foram roubados pelo turbilhão da vida cotidiana. Eles são casados, têm uma filha de cinco anos, deixam a menina com o pai de Cindy e se preparam para a estada no motel como se fossem para uma viagem ao Tibet. Nas primeiras cenas, fica a impressão de um casal que espera, com o artifício do isolamento, reviver momentos de felicidade perdidos no passado. No caminho parao motel, um encontro casual entre Cindy e um rapaz num supermercado anuncia que há algo mais a ser encaixado no idílio amoroso do casal. O que apenas fora sugerido na casualidade do encontro se revela aos poucos. O rapaz do supermercado fora um antigo envolvimento de Cindy e é o pai legítimo de sua filha. A narrativa se desenvolve, então, em contraponto; alternam-se cenas em que o trio principal é apresentado no passado, sobre o ambiente no qual circulam, sobre as amizades, os afazeres e a maneira como Dean entra na vida de Cindy. No entanto, o recurso ao flash back não é adotado. O presente é rompido abruptamente com uma cena do passado, em seguida, a ação volta novamente ao presente. Esse procedimento oferece ao espectador as circunstâncias bastante especiais do enlace entre Cindy e Dean, a presença do antigo namorado, a gravidez indesejada e finalmente a decisão de se casarem. A partir de certo momento, o espectador é suficientemente informado de que Cindy e Dean desde o início tiveram uma relação marcada pelo movimento de mão única: Dean sempre fora apaixonado por ela, moveu pedras e montanhas para tê-la, assumiu uma filha que não era dele só para ter Cindy ao seu lado. E nessa altura da trama fica claro que o título do filme não tem nada a ver com uma comédia romântica e está longe do descolado clássico yuppie “9 ½ Semanas de Amor”. “Namorados para Sempre” é um drama com

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título propositadamente ambíguo: no original, “Blue Valentine”, que invoca tanto o azul como símbolo de liberdade, imensidão que se abre para a felicidade, quanto o sentimento de pesar e melancolia. No motel, com o quarto decorado com motivos futuristas, Cindy e Dean não se amam, mas reafirmam os conflitos e diferenças que existiram entre eles desde quando se encontraram. A tentativa de resolução dos conflitos apenas acentua que para eles o casamento não passou de um indigesto mal-entendido. Dean é o lado fraco da relação. Como no primeiro encontro, se submete a humilhações para ter Cindy. Ela, por sua vez, se sente culpada por não dar a ele o que é vital para que um relacionamento seja de fato de mão dupla. Assim, ela empurra as tensões com a barriga até o ponto em que, como é de se esperar, não há qualquer saída senão a separação. A trama de “Namorados para Sempre” é comum; nenhuma novidade de tema nem de tratamento; o final é previsível tão logo o espectador perceba as enormes diferenças de estilo de vida no casal principal. Deve-se ressaltar, contudo, que se trata de um filme com enorme potencial para sensibilizar jovens casais que se identifiquem com os infortúnios de Cindy e Dean: o namoro casual, as expectativas de realização, as diferenças. Frente a tudo isso, não há artifício em motel que pague as desavenças no futuro. Fora esse possível elemento de identificação mais imediata, “Namorados para Sempre” pode deixar na memória do espectador um ar de tristeza com a cena final: depois de uma briga na casa do pai de Cindy, ele a deixa com a filha e caminha pela calçada de uma rua na Pensilvânia, enquanto ao fundo se veem os fogos de artifício no dia de San Valetine, 14 de fevereiro, o dia dos namorados nos Estados Unidos e na Europa. Namorados para Sempre (EUA, 2010) Direção: Derek Cianfrance Distribuição: Paris Filmes Estreia: 10 de junho

Dentro da animação, o nome de Cesar Cabral vem ganhando destaque desde que seu “Dossiê Rê Bordosa” (2008) começou a rodar o mundo e a ganhar diversos prêmios. Seu último curta, “Tempestade”, também em stop motion, é um dos concorrentes na categoria curta de animação do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e já levou, entre outros, o prêmio de melhor direção no Festival de Paulínia, em 2010. Formado em cinema pela ECA-USP, Cabral logo escolheu a animação, numa época em que o gênero estava longe do boom de hoje, atraído pelos quadrinhos e pelos desenhos. “Tempestade” traz, em 10 minutos, a aventura de um marinheiro solitário para encontrar sua amada em meio a uma tempestade no oceano, que o tira, por diversas vezes, de sua rota. O curta é inspirado na canção “Eleanor Rigby”, dos Beatles, e nas pinturas de J.M.W. Turner. “’Tempestade’ surgiu quando ouvia uma música dos Beatles, antes mesmo da realização do ‘Dossiê Rê Bordosa’. Ainda estava na faculdade quando escrevi o argumento. No final de 2009, vi que estava aberto o edital da Cultura Inglesa, em que uma das exigências era que o projeto fosse baseado numa obra com origem na língua inglesa, e me lembrei desse argumento”, conta Cabral, um dos sócios da Coala Filmes. O prêmio do edital era de R$ 33 mil, mas o filme saiu por volta de R$ 50 mil, agregando prêmios conquistados com o filme anterior, como transfer para película, edição e mixagem de som, equipamentos de luz, entre outros. O filme trouxe algumas complicações técnicas, como animar manifestações de fenômenos naturais, tal qual uma tempestade real. “Estava buscando seguir um caminho diferente do filme anterior, sem diálogos, com um único personagem, desafios para realizar tecnicamente – algumas coisas complicadas em animação, como a tempestade, água/ondas, etc.”, pontua o realizador. O mar, porém, talvez tenha sido o mais difícil. “Considerava o mar como um segundo personagem do filme e sabia que a forma como o realizaríamos seria fundamental para criar um ‘diálogo’ ou mesmo uma força onipresente que ditaria os rumos do marujo. Fizemos vários testes com tintas, celofane, tecidos, etc., até chegarmos nesse caminho, que foi a modelagem de 15 tubos curvos em resina translúcida colocados em paralelo e com uma pequena defasagem progressiva de inclinação. Animando o eixo de cada tubo, criamos a sensação de um deslocamento das ondas”, explica. Cabral, enquanto vasculha suas anotações em busca de um próximo curta, está desenvolvendo projetos de séries para a TV e um projeto de longa com Angeli. “Esse primeiro contato que tivemos durante o ‘Dossiê’ deixou claro para a gente que podemos ter uma excelente parceria num projeto desse porte”, conclui. (Gabriel Carneiro)


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DVD

Realismo poético

Cinema da comunhão Por Júlio Bezerra Becca (Nicole Kidman) e Howie Corbett (Aaron Eckhart) são um casal perfeito. Bonitos, inteligentes e bem-empregados, vivem em uma enorme casa com jardim. Algo, no entanto, aconteceu. Não sabemos ainda muito bem o quê. Ela nega um convite feito por uma vizinha, parece nervosa, tensa, como se estivesse em um beco sem saída. Ele chega em casa do trabalho e se volta como um viciado aos vídeos caseiros gravados em um celular. Ambos conversam protocolarmente. Aos poucos, saberemos que o filho do casal morreu atropelado, em um trágico acidente. A estratégia conta-gotas da narrativa, revelando paulatinamente os contornos e detalhes que formam os personagens e os eventos que precedem o filme, nos joga desarmados para dentro da história, cara a cara com Becca, Howie e seus comportamentos. Adaptado da peça homônima de teatro de David Lindsay-Abaire (um dos roteiristas do longa), “Reencontrando a Felicidade” é o terceiro longa de John Cameron Mitchell (“Shortbus” e “Hedwig”). Desta vez, ele é diretor contratado – entrou no projeto convidando por Nicole Kidman, que também assina como produtora. Mas o fato é que “Reencontrando a Felicidade” lembra em seu melhor os demais filmes de Mitchell. Como em “Shortbus” e “Hedwig”, o cineasta filma com muita leveza, trabalhando seus personagens com elegante discrição. A câmera é quase invisível, sempre a serviço dos atores. Mitchell imprime, à sua maneira, um ritmo flutuante, com picos de intensidade dramática que surgem sem muito alarde. Em alguns momentos, o filme se torna surpreendentemente divertido, revelando um humor que nasce a partir de observações a respeito da natureza humana. Indicada ao Oscar, Nicole Kidman é outro ponto a favor do filme. Em uma interpretação exuberante, ela optou, astutamente, por sublinhar duas feições de Becca: sua raiva incontida e a consciência de que isso não a levará muito lon-

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ge. A cada sequência vemos uma personagem que não tem ideia do que fazer, mas sabe que tem de fazer alguma coisa. “Reencontrando a Felicidade” afirma mais uma vez um certo cinema da comunhão de Mitchell. O cineasta gosta de personagens tristes, mas jamais niilistas ou cínicos. Eles estão sempre atrás de uma saída, em busca da vida. Um cinema marcado por tragédias, mas disposto a seguir adiante delas. Talvez o maior problema deste filme, no entanto, seja a autoconsciência desse projeto de comunhão, um certo esquematismo que já dava as caras vez ou outra nos trabalhos de Mitchell e que agora ganhou a maioridade. “Reencontrando a Felicidade” é um filme bem-comportado, cristalino. A confusão de seus personagens é vista e encenada de maneira imperturbada. Em um longa sobre um casal reagindo à trágica morte de seu único filho, faltam emoções genuínas. A montagem vem embalada em cadeias explicativas. Becca e Howie encontram saídas no mesmo exato momento do filme. Mitchell acaba lidando com a perda num sentido mais abstrato. “Reencontrando a Felicidade” bate, por vezes, como uma autoajuda eficiente. “Reencontrando a Felicidade” é um longa atraente, cuidadoso na caracterização dos personagens, receoso nas chantagens do melodrama, leve e sóbrio em sua mise-en-scène, e com Nicole Kidman à frente do elenco. Apesar de tudo isso, persiste um certo distanciamento, uma frieza um tanto calculista. Em determinados momentos, Mitchell mais parece um burocrata. E essa burocracia impede que “Reencontrando a Felicidade” seja o que pretende: um filme sobre a complexidade da vida, a inconstância das coisas a nossa volta, a memória e o tempo. Reencontrando a Felicidade (EUA, 2010) Direção: John Cameron Mitchell Distribuição: Paris Filmes Estreia: 06 de maio

Gólgota é o lugar do calvário, onde Cristo foi crucificado, descrito nos quatro Evangelhos como o lugar da caveira. É também o título que o cineasta francês Julien Duvivier deu à sua versão do Evangelho de São Mateus, que sai agora em DVD distribuído pela Coleção Cult Classic. Duvivier foi um dos grandes nomes do realismo poético francês nos anos 30, ao lado de Jean Renoir e Marcel Carné. “Gólgota”, de 1935, se insere no conjunto de suas preocupações com a temática religiosa, como antes já havia feito em seu “A Vida Milagrosa de Teresa Martin” (não disponível em DVD no Brasil), ainda na época do cinema mudo. Cineasta extremamente prolífico, Duvivier, ao contrário de Renoir e Carné, não é tão conhecido do público brasileiro. Com o lançamento de “Gólgota”, temos a oportunidade de ver um cineasta que se tornou conhecido principalmente por seus “A Bandeira” (1935) e “Camaradas” (1936). Distribuídos aqui de forma discreta, refletem o ambiente político francês no período entre guerras. Nós nos acostumamos a ter como referência para a Paixão de Cristo a versão recente de Mel Gibson (2004), ou mesmo o “Jesus de Nazaré” (1977), de Franco Zeffirelli: ambas concebidas como espetáculo de acordo com o padrão das grandes produções hollywoodianas. A oportunidade que se abre com a vida de Cristo contada por Duvivier, com roteiro do padre Joseph Raymond, é a de ver que o cinema nos anos 30 na França foi capaz de realizar ao mesmo tempo um filme com grande orçamento e centrado na Sua imagem, na dos judeus e não no espetáculo masoquista do flagelo. Visto hoje, “Gólgota” traz ao espectador muito das preocupações sociais e políticas e da visão de cinema da época: a França passava por momento econômico e político terrível, que culminará em 1940 com a ocupação nazista. O realismo poético reflete aquele momento; retratar a vida de Cristo e extrair como título o lugar onde se deu o calvário carrega um sentido alegórico que o próprio Duvivier não podia desconfiar. Não se trata propriamente de um grande filme, quando se pensa no conjunto da obra de Duvivier, ou mesmo do que foi feito de melhor na França no período. Há algo um tanto gélido e impreciso na condução da narrativa, na apresentação dos personagens. A imagem de Cristo, de fato, em alguns momentos é congelada; com exceção de Judas Iscariotes, a face de seus discípulos é exibida num enquadramento oblíquo. Mas esse é, justamente, o dado do filme que, observado com atenção, deixa o espectador atual inquieto. Duvivier acentua o contraste entre a placidez do rosto de Cristo e a ânsia e furor dos judeus para crucificá-lo. Jesus Cristo praticamente não se dirige aos discípulos, e diante de Pilatos ou Herodes é inexpressivo, mas boa parte do “Gólgota” de Duvivier se ocupa da exibição do escárnio e humilhação que Lhe são dirigidas pelos judeus. (Humberto Pereira da Silva)


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Livro

Perdidos na convergência

Saga pela sobrevivência Por Celso Sabadin É visível a proliferação, nos últimos anos, dos filmes “baseados em fatos reais” e dos documentários. Provavelmente isso tem acontecido por dois fatores básicos: (1) os fatos reais estão se mostrando mais interessantes que a ficção e (2) os roteiristas de ficção parecem chegar a um limite de esgotamento criativo. Não concordo com o ex-cineasta e escritor Peter Bogdanovich, que diz que “todos os bons filmes já foram feitos”. Não. Mas não há como negar que – principalmente após o fatídico 11 de setembro de 2001 – a realidade tem se mostrado mais surpreendente que a ficção. Uma dessas histórias absolutamente surpreendentes veio à tona no livro “The Long Walk: The True Story of a Trek to Freedom”, publicado em 1956, onde o tenente polonês Slamovir Ra��� wicz�������������������������������������������� escreve sua própria história. Capturado pelos russos e condenado por espionagem durante a 2ª Guerra, Slamovir foi enviado para um campo de concentração na Sibéria, de onde, por incrível que pareça, conseguiu escapar. Mas sua fuga, ao lado de um pequeno grupo de companheiros, está longe de ser o ato mais inacreditável do livro. Ela é apenas o primeiro passo de uma gigantesca caminhada rumo à tão sonhada liberdade. O livro virou roteiro cinematográfico pelas mãos do documentarista Keith R. Clarke, e transforma-se agora num belíssimo filme assinado pelo australiano Peter Weir, diretor do inesquecível “Sociedade dos Poetas Mortos”. A produção foi bancada com dinheiro de produtores majoritariamente norte-americanos (incluindo o braço cinematográfico da centenária National Geographic Society), com uma pequena colaboração vinda da Polônia e do emirado árabe de Abu Dhabi. O ponto de partida do filme é a Polônia de 1940, dividida entre as forças de Hitler e de Stalin. Nesse cenário de total insegurança social e política, o jovem polonês Janusz é denunciado por espionagem pela própria esposa, e enviado para a Sibéria, onde é condenado a trabalhos forçados em condições sub-humanas. Engana-se, contudo, quem pensa que começa aí um clássico filme sobre prisão. A dramática aventura propriamente dita tem início quando Janusz e alguns colegas conseguem fugir do campo de concentração e se veem diante de

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milhões de quilômetros quadrados da mais desoladora e gélida paisagem que existe sobre a face da Terra. Só há uma solução para sair dali: caminhar. E muito. Mais de 6 mil quilômetros, como os letreiros iniciais do filme já, infelizmente, anunciaram (teria sido mais interessante deixar a informação para o final, mas enfim...). Esse punhado de homens que transita pelo tênue limite que separa a coragem da loucura aos poucos vai formando uma unidade indivisível na luta pela sobrevivência. Pessoas que há pouco sequer se conheciam, que não compartilhavam sequer o idioma, desenvolvem fortes laços de amizade, lealdade e interdependência, tudo em nome de um objetivo maior: um pouco mais de vida. Somente unidos eles poderão lutar contra o gelo avassalador, o sol assassino, a fome, a sede, o desequilíbrio emocional, e talvez o mais cruel dos inimigos: a ignorância do homem em tempo de guerra. Após sete anos sem filmar (seu último longa foi ”O Mestre dos Mares”, de 2003), Peter Weir mostra que continua genialmente sensível para dirigir histórias humanas. Afinal, não é todo ano que vemos nos cinemas filmes como “Sociedade dos Poetas Mortos”, “O Ano que Vivemos em Perigo” ou “O Show de Truman”, todos assinados por ele. Weir novamente se apoia sobre um elenco talentoso e sabe como dele extrair os melhores resultados. Em “Caminho da Liberdade”, obtém interpretações magistrais e uma magnífica unidade dramática de Ed Harris (de “Pollock”), Colin Farrell (“O Sonho de Cassandra”) e Saiorse Ronan (“Desejo e Reparação”), entre outros. Tecnicamente, “Caminho da Liberdade” é irretocável. A maquiagem nas cenas de intenso calor é das mais convincentes, a fotografia nos lança diretamente à ação, e as belíssimas locações incluem Índia, Marrocos, Bulgária e Austrália. O filme, no entanto, foi um retumbante fracasso de bilheteria nos EUA, onde não chegou a faturar US$ 3 milhões. Azar deles. Caminho da Liberdade (EUA, 2010) Direção: Peter Weir Distribuição: Califórnia Filmes Estreia: 13 de maio

A convergência é um conceito antigo que vem tomando novos significados. Assim pensa Henry Jenkins, em “Cultura da Convergência” (Editora Aleph), que investiga o alvoroço em torno das novas mídias e expõe as importantes transformações culturais que ocorrem à medida que esses meios convergem entre si. Estamos no ápice do ciclo da convergência dos modelos e meios de enviar e receber informações, numa transição midiática, num momento de confusa transformação. Segundo o autor, a convergência mais importante não está no sistema, no digital, mas na consciência das pessoas. O livro aborda os precurssores desse pensamento, que nos anos 80 já apontavam para uma proliferação de informações transmididas por meio de fios, revelando uma tendência de concentração, numa época em que se iniciava o processo de globalização do planeta. O estudo evolui até o nascimento da internet, a bolha da web em 2000 e os primeiros resultados da cultura da transmídia. O livro cita também o famoso caso de “A Bruxa de Blair”, o mais importante exemplo de como uma nova cultura se cruzou com outra. A cultura da convergência é um fenômeno que está revolucionando o modo de encarar a produção de conteúdo em todo o mundo. Todos os modelos de negócios a ela relacionados estão sendo revistos. Como exemplo, o autor nos introduz aos fãs de Harry Potter, que estão escrevendo suas próprias histórias, enquanto os executivos se debatem para controlar a franquia. Ele nos mostra, ainda, como o fenômeno “Matrix” levou a narrativa a novos patamares, criando um universo que junta partes da história entre filmes, quadrinhos, games, websites e animações.. O autor, ao invés de discorrer sobre prognósticos futuros, volta-se para trás e analisa o filme “Matrix” como sendo o primeiro filme a utilizar todos os recursos da convergência, o que ocorre nos três filmes da série. O filme utilizou-se de todas as mídias possiveis, no processo chamado de transmídia. Esse mesmo filme viu nascer um grande número de fãs que orientaram essas diferentes mídias. Fãs que, no caso de Hary Potter, usam a internet para recriar histórias em sites onde se juntaram para ganhar força contra processos dos dententores dos direitos autorais da obra. Em resumo, o livro de Henry Jenkins, que em sua nova edição traz também um capítulo inédito sobre o YouTube, trata do fato de que esse novo expectador, conectado às novas mídias, não é mais passivo – maneira com a qual se comportam apenas diante das mídias tradicionais como a televisão –, mas participativo e interativo, pronto a consumir tudo quanto que é novidade propiciada por essa cultura da convergência. (Hermes Leal)


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Maria do Rosário Caetano

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PELÉ, DARCY E A TELENOVELA Pelé (visto nesta foto com Brigitte Bardot) revelou a Evaldo Mocarzel, diretor do documentário “Cine Pelé”, ser fã assumido e fiel de nossas telenovelas. A ponto de, quando foi jogar no Cosmos, nos EUA, receber de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então o comandante artístico da Rede Globo, capítulos dos folhetins da temporada. Outro fã assumido de telenovelas era Darcy Ribeiro. Ele declarou a Roberto Berliner, no documentário “Meia Hora Com Darcy” (prêmio especial do júri no Festival É Tudo Verdade) ser um “noveleiro” apaixonado. Acompanhava diariamente, e com imenso prazer, dois folhetins: “O Rei do Gado” (Globo) e “Xica da Silva” (TV Manchete). O depoimento foi gravado em 1996, dois meses antes da morte do antropólogo, romancista (“Maíra”) e senador, vítima de um segundo câncer (o primeiro – brincava – “me tirou um pulmão e, por isso, não posso mais morrer de pneumonia dupla”, o segundo foi um câncer de próstata). Darcy entendia que o povo brasileiro estava interessado em seguir telenovelas, já que elas geram assunto para infindáveis conversas entre amigos e vizinhos.

DEUSAS DO CINEMA

PRÊMIO ALMANAQUE

FERNANDO TRUEBA O Prêmio Almanaque deste mês vai para João Gilberto (80 anos em 10 de junho, dia de Camões), Mateus Aleluia (de quem João gravou “Cordeiro de Nanã”) e para Fernando Trueba, autor de belas imagens de Aleluia, no Recôncavo Baiano, impressas em “Milagre no Candeal”, longa que segue inédito em nossos cinemas. Esses três artistas (dois baianos e um espanhol) são difusores privilegiados da grande música popular brasileira. “Prêmio-torcida”, este Almanaque deseja longuíssima vida a João. E torce pelo sucesso do CD “Cinco Sentidos”, de Mateus Aleluia (selo Garimpo Música), e pela chegada do documentário “Milagre do Candeal” a nossos cinemas, locadoras e redes de TVs.

Com a recente morte de Liz Taylor, nos reencontramos com a questão que mobiliza admiradores e admiradoras das deusas de celuloide. Quem foi a mais sensual e eletrizante beleza feminina do cinema? Para Camille Paglia, que nutre verdadeira ojeriza a atrizes “anoréxicas’ como Gwyneth Paltrow, a aparição de Liz em “Disque Butterfield 8” (1961) vence a disputa. Coube-lhe, na avaliação de Paglia, protagonizar o momento máximo da sensualidade no cinema: entrar em cena com um copo na mão, de camisola capaz de desenhar e ressaltar as curvas de seu corpo. Para a Geração Nouvelle Vague, ninguém foi mais sensual que Harriet Andersson, em “Mônica e o Desejo” (1952), de Bergman. O mundo também se apaixonaria, quatro anos depois, pela beleza arrebataO cinema brasileiro perdeu, nos últimos meses, dois grandes nomes da fodora de Brigitte Bardot em “E Deus Criou a tografia: Thomaz Farkas, aos 86 anos, e Paulo Jacinto dos Reis, o Feijão, aos 47. Mulher” (Vadin, 1956). E há Marilyn Monroe, Thomaz assinou a fotografia de muitos dos documentários que, nos anos 60 e code curta vida e lembrança indelével. Difícil meço dos 70, constituíram o rico acervo da chamada “Caravana Farkas”. Feijão optar por resposta tão categórica quanto a morreu em BH, deixando como legado as belas imagens de “Baile Perfumado” de Camille Paglia. (Lírio Ferreira & Paulo Caldas), “Mensageiras da Luz Parteiras da Amazônia” (Evaldo Mocarzel) e “Deserto Feliz” (Paulo Caldas). Seu último trabalho na ficção brasileira (“O País do Desejo”, ainda inédito) tem direção do mesmo Caldas, e à frente do elenco, Fábio Assunção e Maria Padilha. Paulo Jacinto fotografou, ainda, trabalhos para redes de TV internacionais. Um deles intitula-se “Biography of Mario Vargas Llosa”, produção que uniu Inglaterra, Peru, França, Espanha e Brasil em torno da obra do autor de “Pantaleão e as Visitadoras”. Antônio Leão, em seu novíssimo “Dicionário de Fotógrafos do Cinema Brasileiro” (Coleção Aplauso Especial, da Imprensa Oficial paulista) dedica ótimo verbete a Feijão.

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Fred Jordão

FEIJÃO, O FOTÓGRAFO


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DILMA E O CINEMA DE BATOM A presidenta Dilma Roussef recebeu 30 cineastas no Palácio da Alvorada, em Brasília, para comemorar o Dia Internacional da Mulher. Estavam lá veteranas como Ana Carolina, Tizuka Yamazaki e Suzana Amaral, e novatas como Ana Luiza Azevedo e Marina Person, passando por Daniela Thomas, Eliane Caffé e Lúcia Murat. A atriz Glória Pires e a diretora Anna Muylaert apresentaram o filme “É Proibido Fumar”, que antecedeu jantar e conversas amenas em torno dos ofícios femininos no cinema. As realizadoras fizeram fotos, brincaram (antagonizando o “cinema de batom” ao “cinema de cuecas”) e ouviram a presidenta listar alguns de seus filmes preferidos: “Hora e Vez de Augusto Matraga” (Roberto Santos), “Vidas Secas” (Nelson Pereira) e a comédia “Bendito Fruto” (Sérgio Goldenberg). O encontro presidencial se deu no momento em que o “cinema de batom” vive saudável mudança. Se mil cineastas brasileiros realizaram, do nascimento do cinema até hoje, cerca de 5 mil longas-metragens, destes, pelo menos 200 trazem assinaturas femininas. O pesquisador Luiz Felipe Miranda, autor do “Dicionário de Cineastas Brasileiros”, tabelou dados que causam entusiasmo: “Chegamos, em abril de 2011, ao número de 135 realizadoras de longas no Brasil”. Não foram relacionadas no levantamento, “Valquiria Salvá, Mary Strant, Edyala Iglésias, Samantha Ribeiro, Giselle Barroco, Manaíra Carneiro e Luciana Bezerra, que dirigiram somente episódios em longas-metragens”. Em breve, três novos nomes desembarcam na longa duração: Jane Malaquias, com “Restos de Deus entre os Dentes”, Júlia Zakia, com “Ao Relento”, sobre ciganos, e Adelina Pontual, que finaliza “Rio Doce/CDU”.

DONATO EM HAVANA

Cezar Moraes

“Nasci Para Bailar – João Donato em Havana” é o novo documentário de Tetê Moraes, conhecida pelos engajados “Terra para Rose” (vencedor do Festival de Havana) e “O Sonho de Rose”. Lançado pela TV Brasil, o filme encontra-se agora disponível em DVD, pela Biscoito Fino. O grande compositor acreano apresenta seus maiores sucessos em deliciosas jam sessions habaneras, somando músicos brasileiros e cubanos. Alguns com passagens pelo Buena Vista Social Club ou pelo conjunto de Pablo Milanez. Fora Donato, um coroa cheio de energia, quem imanta os olhos do espectador é o rosto pleno de felicidade de Robertinho Silva. Sem dúvida, o mais sorridente dos instrumentistas brasileiros. “Nasci para Bailar” se justifica mais por suas qualidades musicais que cinematográficas. Tetê deseja transformá-lo num longa-metragem (a versão atual tem 58 minutos). Se o fizer, poderá aprofundar novas conversas com Donato, um dos maiores nomes da Bossa Nova. O elo latino do brasileiro com músicos como Mongo Santamaria se construiu ao longo dos 12 anos em que Donato viveu nos EUA. Tetê lembra que “nos anos pré-Bossa Nova eram raros os que reconheciam ou apreciavam o swing de Donato, um precursor do movimento. Um inventor que, sem saber, com seu toque ao piano, inspirou João Gilberto a criar sua famosa batida de violão”. A diretora tem em mãos ótimos pontos de partida.

CINEMA KOMUNISTO O Festival É Tudo Verdade apresentou, este ano, um longa documental dos mais divertidos, irônicos e informativos: “Cinema Komunisto”, produção de uma das repúblicas que formavam a Iugoslávia. O filme, dirigido pela jovem Mila Turajlic, narra a fabulosa história do cinema iugoslavo na Era Tito. O longevo Josip Broz Tito (1892-1980), comandante da união de repúblicas iugoslavas era louco por cinema. Dono de passado aventuroso (lutou na Primeira e na Segunda Guerra Mundial), Tito fez questão de estimular, pessoalmente, a produção de filmes e festivais iugoslavos (em especial o de Pula, um balneário balcânico). Recebeu, em seu país, astros da grandeza de Orson Welles, Jack Palance e o casal Liz Taylor e Richard Burton. Afinal, coube ao marido de Liz representar o partisan Tito num épico de guerra. Tudo seria tedioso e oficialesco se “Cinema Komunisto” fosse um documentário metido a sério. Não é. Ao contrário, é muito divertido. Resta torcer para que algum exibidor adquira este filme sérvio, de 100 minutos, para lançamento nos cinemas brasileiros.

MICHEL LONSDALE O grande ator francês Michel Lonsdale custou a ganhar seu pri-

meiro prêmio César. Só o fez nas vésperas de completar 80 anos. Depois de trabalhar com Orson Welles (“O Processo”), Truffaut (“A Noiva Estava de Preto”), Louis Malle (“Sopro no Coração”), Marguerite Duras (“India Song”), Jean Eustache (“Une Sale Histoire”), Alain Resnais (“Stavisky”), Buñuel (“Fantasma da Liberdade”), Losey (“M. Klein”), Rivette (“Out One”), Costa-Gavras (“Sessão Especial de Justiça”), Annaud (“O Nome da Rosa”), passou por elencos de filmes mais comerciais. Os frequentadores da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo se encantaram com o trabalho de Lonsdale em “A Condição Humana”, de Nicolas Klotz, e “Homens e Deuses”, de Xavier Beauvois. Foi justamente este filme, no qual interpreta um monge confrontado com atos de intolerância religiosa, que lhe rendeu o César de melhor ator coadjuvante, três meses atrás.

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ao Guimarães é hoje o nosso cineasta que mais trafega no mundo das artes, do cinema experimental que tem a liberdade de não se ater a um tema, um tamanho (curta ou longa) ou se é ficção ou documentário. Uma das marcas do cinema desse cineasta mineiro que tem influenciado gerações e tornado Minas Gerais um reduto de cineastas experimentais é a liberdade de criação, onde um filme pode nascer de um roteiro, de um livro ou de uma ideia, ou seja, pouco importa como ele nasce, mas como ele termina. “Roteiro de filme, para mim, é a montagem. Ali realmente escrevo o filme, imprimo-lhe ritmo e frequência, dou ordem ao caos”, afirma o cineasta nesta entrevista exclusiva à Revista de CINEMA. Prestes a lançar seu sexto longa-metragem nos cinemas, “Ex Isto”, a partir de agosto, e já com previsão para rodar mais um, “O Homem das Multidões”, no primeiro semestre de 2012, Cao Guimarães conversou com a Revista de CINEMA, contando um pouco sobre sua trajetória, sobre seus novos filmes, seus parceiros, suas influências e sobre sua maneira de pensar a arte cinematográfica. Nascido em 1965, em Belo Horizonte, onde vive até hoje, Cao, além de cineasta, é artista plástico e fotógrafo, manifestações que lhe garantiram exibições ao redor do mundo, desde os anos 80, em museus e galerias como o Tate Modern, o Guggenheim Museum, o MoMA, entre muitos outros. Cao começou a filmar em 1998, com o curta “Otto, Eu Sou um Outro” e desde então realizou cerca de 20 curtas. Já em 2001, estreia nos longas-metragens, com “O Fim do sem Fim”, codirigido com Beto Magalhães e Lucas Bambozzi. Depois vieram os longas “Rua de Mão Dupla” (2002), “A Alma do Osso” (2004), “Acidente” (2005), codirigido por Pablo Lobato – do coletivo mineiro Teia –, “Andarilho” (2007) e “Ex Isto” (2010), além de curtas como “Sopro” (2000), “Concerto para Clorofila” (2004), “Da Janela do meu Quarto” (2004) e “Memória” (2008). “O Homem das Multidões”, baseado na obra de Edgar Allan Poe, será seu sétimo longa, em pouco mais de dez anos de carreira, fechando a Trilogia da Solidão – composta ainda por “A Alma do Osso” e “Andarilho”.

Revista de CINEMA – Seu próximo filme será “O Homem das Multidões”, contemplado no último ano com o programa Petrobras Cultural. Em que medida o fato de ser um projeto muito maior (em termos de aporte financeiro e equipe, principalmente) influenciará no seu modo de realização? Cao Guimarães – Certamente será uma experiência nova para mim. E isso é fundamental no meu processo de trabalho, que nunca é estanque, hermético, mas sempre aberto a novidades e novas formas do fazer. Imagino que aprenderei muito, pois os desafios são válvulas potencializadoras do conhecimento. É preciso desaprender para aprender de novo, não como se fosse uma escola, mas uma experiência. Adoro começar um filme como se fosse o meu primeiro, a energia sempre é revitalizada nessas situações de se sentir um pouco perdido e tentar encontrar o filme no meio desse caminho entre o imaginário e o devir, entre o que se fantasiou e o que está diante de seus olhos. Revista de CINEMA – Como surgiu a parceira com o Marcelo Gomes? E o que se pretende alcançar com ela? Cao – A parceria surgiu da amizade e da identidade. O desejo de compartilhar o delírio e a embriaguez pela paixão cinematográfica. A facilidade da troca de impressões e pensamento sobre o cinema e a vida de uma forma geral. A parceria também surgiu da diferença, da vontade de ser revolucionado pelo outro. Um encontro de pororocas para ver o que vai dar. Temos experiências distintas no fazer cinematográfico, mas respeito e admiração pela forma do fazer do outro. Acho que tanto em mim quanto no Marcelo existe o desejo de expandir o contato com o cinema, e, existindo respeito e admiração um pelo outro, a possibilidade de uma complementaridade é real. Mas para além de nós dois existe a entidade-filme que quer nascer, fruto desse embate e dessa celebração do amor pelo cinema. Um parto a quatro mãos e quatro olhos, gravidez prolongada, com mais amor do que ciência, entre a realidade e a ficção, do jeito que a vida deve ser vivida. Revista de CINEMA – “O Homem das Multidões”, parece, será seu primeiro longa em que o gênero ficcional é mais dominante. Isso parte de um interesse seu em cruzar a fronteira entre ficção e documen-

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Por Gabriel Carneiro

“Esse papo de ficção e documentário está restringindo muito as reais discussões sobre cinema. Em todos os filmes que realizei existiram situações reais e situações criadas” tário que permeia seus trabalhos, especialmente o “Ex Isto”? (Digo isso pensando no documentário como a representação do cotidiano e a ficção como a representação a partir de uma série de interferências, como a criação de situações ficcionais). Cao – Esse papo de ficção e documentário está restringindo muito as reais discussões sobre cinema. Em todos os filmes que realizei existiram situações reais e situações criadas. Mesmo assim, quando se imagina uma situação “criada” ela se torna real diante da câmera, então podemos deduzir disso que o cinema é a arte do real, por mais que se utilize de atores, roteiros, cenários e “criações” anteriores ao fato cinematográfico. A realidade está permeada de ficções. Eu ando hoje nas ruas das cidades e quase não acredito no que vejo. Eu entro numa sala de cinema para ver uma ficção-científica-pós-moderna-em-3D e acho mais real do que atravessar uma avenida na hora do rush. Onde, então, está a ficção e onde está a realidade? O que é mais real, um grão de areia ou a última das galáxias? O que é o advento da visão relacionado à realidade? Precisamos, hoje, ver para crer? Um filme é feito para e principalmente com o espectador. E quem é hoje o espectador? E quem é o futuro espectador? Alguém que experimenta mais a realidade em 3D do que simplesmente andar pelas ruas e comprar uma banana na esquina? “O Homem das Multidões” será um filme sobre isso. Sobre essa mistura entre o real e o virtual, sobre a solidão e o desespero que nascem disso.


Alexandre C.Mota

Cao Guimar達es

A ARTE DO SENTIDO Revista de CINEMA

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Revista de CINEMA – “O Homem das Multidões” é a terceira parte da Trilogia da Solidão, formada também por “A Alma do Osso” e “Andarilho”. De que maneira ele se aproximará dos dois filmes e por que esse interesse em tratar da solidão? Cao – A solidão é um dos grandes temas da humanidade, comum a todo e qualquer ser humano. Tanto em “Andarilho” quanto em “A alma do Osso”, busquei personagens que experimentavam uma forma de vida diferente da comum, seres à deriva da sociedade, um pouco por curiosidade por essas formas diferentes do estar no mundo, um pouco para tentar desestigmatizar o que se pensa dessas pessoas. Em “O Homem das Multidões”, o personagem principal não consegue nunca estar só, seguindo aglomerados de pessoas nas ruas de uma cidade grande. E não conseguir estar sozinho me parece das maiores solidões possíveis. A única diferença é que neste filme um ator desempenhará o papel do personagem e não personagens reais como foi o caso dos dois primeiros filmes. E o filme partirá de um roteiro pré-construído, o que não significa renunciar a uma interação radical com a realidade.

João Miguel é René Descartes em novo longa de Cao Guimarães, “Ex Isto”, baseado em “Catatau”, de Paulo Leminski

“Tanto em “Andarilho” quanto em “A Alma do Osso”, busquei personagens que experimentavam uma forma de vida diferente do comum, seres à deriva da sociedade (...). Em “O Homem das Multidões”, o personagem principal não consegue nunca estar só. E não conseguir estar sozinho me parece das maiores solidões possíveis” 22

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Revista de CINEMA – O “Ex Isto” é também, de certo modo, um filme de um personagem, um solitário. Porém, pela primeira vez, feito por um ator profissional interpretando um papel. Quão diferente foi isso? E por que tal escolha? Cao – O porquê da escolha foi óbvio: seria impossível encontrar o verdadeiro René Descartes para interpretar a si mesmo. Durante a fase preparativa, me isolei com o ator João Miguel por alguns dias para lermos o “Catatau” (e outros livros de Paulo Leminski e de Descartes, ver alguns filmes, etc.) juntos, anotando algumas ideias, grifando algumas passagens e conversando bastante sobre tudo que girava em torno desse universo. Convidei o João justamente porque sabia de sua vontade de participar de uma proposta diferente de fazer cinema, de sua capacidade de impregnação e imersão nas coisas que faz e no seu talento construtivo e criador de um personagem. Óbvio que estávamos os dois diante de uma proposta inteiramente nova para cada um de nós (o que é muito saudável), e as conversas sobre o “Catatau” chegavam a ser hilárias, pois é um livro muito aberto a diferentes interpretações. Depois de muito blá blá blá interessante sintetizamos uma conclusão nos seguintes termos: “João, você é René Descartes, o pai da filosofia moderna. E o que faz um filósofo? Pensa! Então pense, que eu vou filmar o seu pensamento!” E, por incrível que pareça, às vezes, no filme, posso sentir o que ele está pensando através de seu olhar (a construção narrativa do olhar do personagem durante todo o filme é das coisas mais lindas que o João Miguel já fez). Fragmentos grifados do livro foram, ao final da viagem (dentro de um quarto do Hotel Nacional em Brasília), gravados numa locução em off do ator ainda completamente impregnado do personagem (depois tentamos gravar outras coisas em estúdio, mas não conseguimos mais aquele tom, aquela força mágica da voz em pleno processo catártico entre ator/personagem). Esses fragmentos gravados serviram à escritura do filme feita na montagem. Roteiro de filme, para mim, é a montagem. Ali realmente escrevo o filme, imprimo-lhe ritmo e frequência, dou ordem ao caos. Revista de CINEMA – O fato de vermos João Miguel fazendo René Descartes e interagindo com a natureza e com as pessoas causa um choque muito maior no espectador. Era essa a intenção? Por que fazê-lo interagir com a população local urbana? Cao – Seria impossível para mim, enquanto diretor, fazer uma adaptação ao pé da letra de uma obra literária, acho que não conseguiria, não combina com o tipo de cinema que faço. Então o que fiz foi uma obra bastante livremente inspirada no “Catatau”, e me pareceu interessante do ponto de vista narrativo me permitir esses saltos cenográficos e cronológicos. O filme parece começar como um filme de época (século XVII), e de repente você está na Recife do século XXI.


“Roteiro de filme, para mim, é a montagem. Ali realmente escrevo o filme, imprimo-lhe ritmo e frequência, dou ordem ao caos” Revista de CINEMA – O filme é livremente adaptado do “Catatau” do Paulo Leminski, uma obra, teoricamente, inadaptável. Como foi o processo para encontrar o que seria o filme? O longa é também um projeto de encomenda do Itaú Cultural, parte da série Iconoclássicos, que busca biografar personagens da cultura brasileira que tiveram exposições na série Ocupação. Por que aceitou esse trabalho, mesmo sendo, em teoria, tão diferente do que você faz? Ou já era sabido que não precisaria fazer uma biografia? Cao – Quando o Itaú Cultural me convidou para fazer o filme, disse que topava fazer se eles me dessem liberdade total, ou seja, não precisaria (e nem conseguiria) fazer uma biografia clássica sobre o poeta. Ao reler a obra do poeta foi o “Catatau” que mais me instigou. Basicamente três sensações que o livro me trouxe ao lê-lo me seduziram na direção de uma aventura cinematográfica: a sensação da riqueza de seu argumento ou potência de sua proposição inicial (a suposição de uma possível vinda do filósofo René Descartes aos trópicos brasileiros com Mauricio de Nassau); a fluidez de suas palavras lidas em viva-voz; e, finalmente, uma deliciosa sensação de estar em um lugar anterior aos sentidos das palavras, um lugar parecido com o dos bebês quando ainda estão aprendendo a falar, onde os sentidos das palavras estão como que pairando em um certo horizonte que se aproxima e nunca chega. Óbvio que entendo este filme não como uma adaptação cinematográfica de uma obra literária, mas uma transcrição muito pessoal do livro em filme. É uma leitura muito subjetiva, procurei muito mais seguir a característica transgressora, inovadora e aberta da obra do poeta do que fazer um espelhamento narrativo da obra. Acho que o filme não se parece com o livro, mas seu cerne e sua ideia central estão ali. Procurei fazer com imagens e sons o que Leminski fez com as palavras, do meu jeito mas com o mesmo sentido libertário. Revista de CINEMA – Por que “Ex isto”, com essa grafia específica? Cao – É um jogo de palavra com o “Cogito ergo sum” do filósofo. “Penso logo existo”, “penso logo ex isto”. Indica, sobretudo, a mudança pela qual o filósofo passa no decorrer do filme ao entrar em contato com os trópicos. Indica uma transformação, um outro isto, uma nova visão das coisas. Revista de CINEMA – Você fez Filosofia e Jornalismo. Isso influenciou de alguma forma seus trabalhos artísticos? Cao – Não sou formado em nada. Apenas cursei alguns anos de faculdade, não sou um bicho acadêmico. Mas sempre fui um leitor compulsivo e adoro filosofia, então a influência é óbvia, não exatamente da universidade, mas dos filósofos que li. Revista de CINEMA – Depois você se especializou na fotografia, e ganhou o mundo como artista plástico. Qual a relação de seus filmes – arte em que se embrenhou posteriormente – e sua concepção de artista plástico e fotógrafo? O que você acha da pecha de videoarte? Cao – Sou um ser da imagem, sempre me fascinei pelo advento da imagem desde a primeira vez que entrei em uma câmera escura. E sempre fui fascinado pelo cinema, um frequentador assíduo de cineclubes. Então era natural a continuidade da fotografia no cinema e no vídeo (que considero mais ou menos a mesma coisa). Tudo depende do assunto que escolho e, a partir daí, tomo a decisão em resolver a obra em alguma dessas formas artísticas. O termo videoarte, para mim, não existe. Existe, sim, obras audiovisuais resolvidas em vídeo ou película, mostradas em salas de cinemas ou museus e galerias de arte. Revista de CINEMA – E o que o levou das artes plásticas para o cinema? Cao – Não fui de uma coisa para outra, ainda transito nas duas áreas. Meu interesse pelo cinema ainda é anterior ao interesse pelas artes plásticas. Assisti milhares de filmes na juventude, e o espectador também é um cineasta, então posso dizer que fui antes cineasta que artista plástico.

Revista de CINEMA – Se hoje, com o reconhecimento que você atingiu enquanto cineasta no mundo inteiro, já é difícil conseguir financiamento para filmar, como você fazia antes de ter alcançado tal status, nos primeiros curtas e longas? Cao – Amor pelo cinema e vontade de fazer. Encontrar cúmplices e parceiros com uma sensibilidade artística parecida, que topem a empreitada com você. Uma ideia, uma câmera, um equipamento de som e um carro (quando necessário). Revista de CINEMA – Como funciona seu processo de criação de um filme? Você trabalha com roteiro, argumento? Cao – Geralmente não elaboro um roteiro antes de filmar. Prefiro o que chamo de filme-processo. Como sempre trabalho na interseção entre o real e o ficcional, prefiro dispensar um roteiro tradicional de cinema, pois imagino que ele me prenderia a certos caminhos pré-determinados. Prefiro pensar o filme como uma entidade ainda desconhecida esperando seu cavalo de santo (a equipe do filme) para baixar. E para isso é preciso principalmente respeito à entidade, uma percepção aguda para sentir sua presença e uma capacidade de adequação à forma na qual ela quer existir. Essa relação é uma relação de troca que me remete muito à frase do filosofo Merleau-Ponty: “Não é o escultor quem esculpe a escultura, mas a escultura quem esculpe o escultor.” Acompanho os personagens até o momento em que sinto que o filme já está “na lata” (como se dizia antigamente). Revista de CINEMA – Como é feita a escolha de um personagem e de um local, no caso dos documentários? Cao – Uma coisa geralmente está relacionada a outra, mas pode também não estar. Normalmente, os cenários dos meus filmes são os cenários onde os personagens transitam, mas posso também gerar estranhamentos sugerindo locações diferentes do universo do personagem (o que é mais raro). Elejo os personagens de meus filmes pela força expressiva que demonstram e por sua capacidade de interpretar a si mesmo ou a um personagem qualquer que tenha relação com sua pessoa (no caso de atores). As locações são também elementos fundamentais de construção narrativa em meus filmes, pois de suas linhas e características formais nasce muito da força compositiva de um quadro cinematográfico. Revista de CINEMA – Quais, você diria, são suas principais influências na sua atividade cinematográfica? Cao – Varia muito de acordo com a época em que estou vivendo. Mas posso dizer que cineastas (e também artistas, escritores, filósofos, etc.) mais iconoclastas como [Andrei] Tarkovsky, [Alexander] Sokurov, [Michelangelo] Antonioni possuem uma influência mais permanente. Sempre volto aos seus filmes nas tardes vazias de um domingo.

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Dominguinhos, ermitão retratado na primeira parte da Trilogia da Solidão, “A Alma do Osso”

Revista de CINEMA – E quem você considera influenciado pelo seu trabalho? Cao – Não saberia dizer. Desde uma velhinha que após um filme meu veio me dizer que o filme mudou a vida dela (o que por si só já justificaria anos de trabalho cinematográfico a que me dediquei) até jovens pesquisadores, realizadores, artistas de lugares e culturas diferentes que sempre se dizem tocados pelo trabalho. Fui influenciado por muita gente e acho as influências saudáveis em determinados momentos da vida de uma pessoa. Da mesma forma que posso influenciar, sou influenciado pelo público de meus filmes, que são comigo coautores da obra. Muitas vezes percebo que os filmes que fiz são outros filmes nos olhos do outro, e isso é justamente a maior riqueza do trabalho artístico – essa indefinição, essa incerteza, essa coisa camaleônica e mutante que se transmuta e se multiplica em cada ser. Revista de CINEMA – Como se dá sua relação com a Teia? E com O Grivo? Cao – Com a Teia, somos amigos, vivemos na mesma cidade e, naturalmente, trocamos algumas figurinhas. Admiro o trabalho de cooperação que eles têm entre eles e outros grupos de realizadores pelo Brasil e uma atitude de autonomia e renovação na forma de fazer cinema. Já realizei até uma parceria com o Pablo Lobato (um dos integrantes da Teia), dirigindo juntos o longa-metragem “Acidente”. Já o Nelsinho e o Canário, do O Grivo, são minha cara-metade. Os caras me ensinaram a escutar (o que não é pouco!) Revista de CINEMA – Você costuma comparar a realidade (e, de certo modo, a forma de seu cinema) com um lago. Como sair da contemplação e chegar à imersão? Cao – A realidade é uma coisa híbrida, multifacetada pela incidência de olhares diversos, espelho sem fundo de um homem, uma cultura, um país. Se a pensarmos como essa lâmina reflexiva, que nos reflete e nos faz pensar, se a compararmos à superfície de um lago, podemos nos relacionar com ela de, pelo menos, três maneiras: Podemos ficar sentados no barranco contemplando sua superfície (e acho que a pele das coisas é um universo imenso que revela muito do que no fundo se esconde). Existe aí a possibilidade de um distanciamento, uma relação filtrada por um olhar distante, um olhar passante, algo que incide e elege, no momento mesmo do encontro da imagem que é dada e os olhos que a percebem.

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Podemos, ainda sentados no barranco ou em pé na margem do lago, lançar uma pedra na água para vê-la reverberar, gerar um movimento tectônico em sua superfície, embaralhar seus elementos, desorganizar o aparentemente organizado. Essa pedra funciona como um conceito, um dispositivo, uma proposição. Os trabalhos oriundos deste método são fundamentados no princípio de ação e reação. Uma proposição qualquer aciona um movimento que produz uma reação. São trabalhos que jogam com a noção do esvaziamento da autoria ou, pelo menos, nutrem o desejo do compartilhamento desta. Um jogo não se joga sozinho, jogos são também fundamentados em uma ação que espera uma reação. E, finalmente, podemos lançarmos a nós mesmos nesse lago. Afundarmos inteiros nessas misteriosas águas e, de dentro, abrir os olhos e ver o que acontece. Esta atitude imersiva reflete um desejo de entrega e investigação, uma propensão ao embate, à mescla, a vivenciar um pouco mais de perto o que se esconde dentro do espelho, no fundo das águas, encarar o peixe nos olhos, deixar-se levar pela correnteza ou hipnotizar-se com a calmaria do lago. Obviamente, essas três formas de posicionamento diante da realidade não são estanques e se embaralham umas nas outras. Não perco minha faculdade contemplativa, nem propositiva, quando me lanço imersivamente nas águas do lago. Revista de CINEMA – Nos seus filmes, o som é tão forte quanto a imagem, especialmente naqueles em que predomina o silêncio. Como se dá a construção dessa atmosfera? Cao – Essa atmosfera é construída junto com o Grivo, que participa de todo o processo de feitura dos filmes e já conhece profundamente as coisas de que gosto (e até das que achava um pouco estranhas e aprendi a gostar). O papel deles nos filmes é tão importante quanto o meu. São diretamente responsáveis pela outra camada narrativa, da mesma importância da imagem em um trabalho audiovisual: o som. Revista de CINEMA – Infelizmente, devido ao nosso mercado exibidor, que prioriza apenas os filmes que podem dar um ótimo lucro, seus filmes, que são mais herméticos, têm dificuldade de encontrar um espaço, sendo vistos mais pelo público de festivais. Mas isso tem mudado um pouco: “Andarilho” e “Rua de Mão Dupla” foram lançados em DVD, e “A Alma do Osso” chegou às salas comerciais, assim como deve ocorrer em 2011 com “Ex Isto”. Como você vê essa mudança? Cao – Como qualquer artista, faço obras para serem vistas. Mas não me preocupo muito (nem saberia fazê-lo) com o árduo processo de distribuição dessas obras. Acredito na força dos filmes e acho que, como crianças que botamos no mundo, eles mesmos encontrarão seu espaço. Não tenho pressa, prefiro ocupar meu tempo em realizar outras obras do que ficar discutindo valores estéticos e cinematográficos de uma obra com exibidores e distribuidores de cinema. Revista de CINEMA – Você pensa na internet como meio de alcançar mais espectadores? Cao – Não penso nisso, mas acredito, sim, na força da internet com relação a isso. Aí está o futuro (e por que não dizer, já o presente). Revista de CINEMA – Você tem outros projetos fílmicos pela frente? Quais? Cao – Tenho muitos projetos, alguns que ainda nem sei quais são. No meu caso, muitas vezes os filmes simplesmente acontecem. Nunca parei de fazer curtas, pois nunca parei de fazer cinema. Vou parar de fazer curtas quando parar de fazer cinema, pois um filme nunca diz antes o tamanho que ele quer ter. Tamanho não é documento!


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Tudo junto

Por Júlio Bezerra

Em “Estamos Juntos”, Toni Venturi mergulha, ao mesmo tempo, no drama de uma médica em busca de um parceiro ideal e na realidade dos sem-tetos que invadem prédios abandonados no centro da cidade de São Paulo

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novo e inédito longa-metragem de Toni Venturi, “Estamos Juntos”, com pré-estreia no festival de cinema de Recife em maio e lançamento em junho, reforça a tendência do diretor em trabalhar com o universo feminino, tornando esse tema de várias formas o centro de seus filmes. Apesar disso, o que mais importa na cinematografia de Venturi não é o tema, mas o contexto em que esses dramas femininos se desenrolam. Tanto que neste novo filme a história foi dividida enre os problemas pessoais de uma médica e o drama social dos sem-tetos de São Paulo massacrados pela polícia. Foi assim em seus dois filmes de ficção: um tema político, em “Cabra Cega”, onde uma mulher dá guarida a um guerrilheiro procurado pela ditadura; e em “Latitude Zero”, onde uma mulher grávida, na aridez do centro-oeste, luta literalmente com as próprias mãos para sobreviver. Desta vez, Toni filma a história de Carmem (Leandra Leal), uma jovem médica que fará uma mudança repentina em sua vida, ao deixar o interior do Rio de Janeiro para investir na carreira profissional na cidade de São Paulo, e que, na solidão da cidade grande, é capaz de criar um universo além da realidade. Realidade brutal está na parte em que mostra a vida dura dos sem tetos enfrentando as balas da polícia. O filme pretende explorar essa descida ao íntimo da personagem em um mosaico de imersão pessoal em contato com a realidade de São Paulo. Carmem é residente em um conturbado hospital público do centro da cidade, e é voluntária de prevenção e saúde em um movimento de sem-teto. Com poucas e frágeis amizades, além de seu amigo de infância Murilo (Cauã Reymond, na pele de um gay), Carmem, disposta a aproveitar uma vida diferente

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Leandra Leal como uma médica solitaria e seu único amigo Cauã Raymond no papel de um DJ gay


da que tinha no interior, se entrega a uma sedutora aventura amorosa com Juan (Nazareno Casero), um músico argentino mais novo do que ela. Ao mesmo tempo em que divide sua intimidade com um homem pra lá de misterioso (Lee Taylor), e que parece não fazer parte de seu mundo real. Leandra Leal é a protagonista absoluta de “Estamos Juntos”. Os três homens desta história, “sobre os recônditos da alma feminina”, como gosta de definir Venturi, giram em torno da personagem de Carmem. “Os personagens femininos sempre me interessam mais. Eu tenho me dado conta disso. A mulher me parece sempre mais rica, mais forte. Ela é capaz de dar à luz. É profissional e é mãe. Eu me vejo mesmo mais fascinado pela insondável alma feminina. Mas isso não é uma coisa pensada, cerebral. É algo natural, como uma pulsão orgânica”, descreve Venturi, traçando, em seguida, comparações com o ímpeto político de seu cinema. “Não penso em fazer cinema político. Eu vejo o mundo dessa maneira. É como o curso de um rio. É algo que vem da minha formação, dos meus interesses e da concepção que eu tenho do cinema, sempre no embate entre o micro e o macro, entre o íntimo e o público”.

A realidade das famílias dos sem-tetos é inserida no filme como forma de denunciar o problema na cidade de São Paulo

Filme levou mais de uma década para sair do papel O curioso é que “Estamos juntos” é, na verdade, o primeiro projeto de Venturi. “Tudo começou na década de 90 como um exercício formal de escrever um roteiro de gênero a quatro mãos com o Di Moretti, meu parceiro de outros filmes. No início dos anos 2000, tomou forma de um projeto autoral e de médio porte (orçamento mais robusto e ambição de comunicação com um público maior). Mas foi no ano de 2008, com a vinda do roteirista Hilton Lacerda e da produtora Aurora Filmes (Rui Pires e André Montenegro), que o filme deslanchou e adquiriu sua cara e personalidade final”, revela o cineasta, que realizou o filme através do programa de coprodução Ibermedia. “Coprodução dá trabalho, mas os frutos são maiores. Acreditamos que o filme também será bem lançado na Argentina”. Para atender aos critérios do acordo de coprodução internacional, o filme contou com o técnico de som portenho Gaspar Scheuer e o roteiro sofreu alteração: o caso de amor da personagem central, que era brasileiro no original, passou a ser de um argentino, vivido por Nazareno Casero (“Crônica de uma Fuga”). Cauã Reymond surgiu como opção para o homossexual Murilo depois que Venturi assistiu “Se Nada Mais Der Certo” (2009), de José Eduardo Belmonte. “Fazer um gay assumido, nada caricato, é difícil e exige composição de personagem. Coisa de gente grande. E ele está brilhante no papel. Elenco é combinação, sinergia”, afirma Toni. Para Carmem, Toni jamais pensou em outra atriz senão Leandra Leal. “Esperei a Lele terminar a peça que estava fazendo para poder mergulhar de cabeça no projeto. Ela foi sempre a minha primeira escolha. É uma atriz especial, muito concentrada, hipnótica, que dá uma densidade ímpar ao filme”.

A construção do filme em dois universos distintos Na direção de atores, Venturi contou com a ajuda da produtora de elenco Vivian Golombek, da atriz Débora Duboc, e da diretora de teatro Ariela Goldmann, e usou um método experimental de trabalho, que ele mesmo explica. “É um software próprio, ainda em fase de testes. Trabalhamos em duas frentes: vivências e experimentações. Os atores precisam mergulhar em seus ambientes, passar por um processo de imersão na realidade do personagem, para então podermos trabalhar livremente os diálogos e as situações encenadas. Uma equação que funcionou muito bem e nos deu prazer”. O cenário do filme abrange a cidade de São Paulo de formas diferentes, da periferia às classes média e baixa, o dia a dia de uma cidade feroz, desigual e plural, como é a capital paulista. Aliás, São Paulo está no centro não só do filme, como da filmografia de Venturi. “Amo São Paulo, mas às vezes fico triste de ver tantos muros altos, cercas eletrificadas, seguranças armados e mundos tão segregados convivendo num mesmo espaço e tempo. Sem dúvida, trazer à tona questões vitais da cidade como a habitação, sem didatismos ou proselitismos, é também uma das ideias deste projeto. A realidade dos sem-teto é muito forte. Sou pai. Não suportaria viver na rua com meus meninos, brigaria mesmo por esse direito. ‘Dia de Festa’ foi um filme que trouxe uma experiência que me

tatuou a alma. Eu senti necessidade de trazê-la e ela ‘ocupou’ a ficção”. Essa divisão de cenários foi pensada desde o começo do filme. Desde o princípio a equipe do filme trabalhou com esses dois universos sociais de São Paulo, de forma a mostrar ambos sem fazer dois filmes. “Essa foi uma das conceituações estéticas estabelecidas entre nós (Lula Carvalho, fotógrafo, Renata Pinheiro, arte, e produção) desde o começo. Os mundos (rico e pobre) são distintos, mas o olhar, a câmera, as cores, a vertigem são um só. Nenhum deles poderia ter um tratamento diferenciado. Os elementos precisavam estar coerentes com os contextos, mas sem cair na estilização ou no clichê. A ideia era amalgamar os dois universos. Isso foi muito bem trabalhado, por exemplo, na paleta de cores e no figurino, que representam realidades distintas sem separá-las em absoluto”, explica. O próximo filme de Venturi, escrito em parceria com o roteirista Hilton Lacerda, deve seguir a mesma linha. Trata-se de “Nuvens” (nome provisório), que será ambientado na Amazônia. “Não posso falar mais do que isso. Mas adianto que, em minhas mãos, como sempre, a personagem feminina está se transformando em uma espécie guerreira”, confessa.

O cineasta Toni Venturi nas filmagens de “Estamos Juntos”; o desafio de unir dramas pessoais e sociais em um mesmo filme

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Amor sem frescuras Em tom carnavalesco, “Elvis & Madona” mostra a relação sem preconceitos entre uma lésbica e um travesti vivendo numa sociedade acostumada à desesperança Por Júlio Bezerra

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ão há como ignorar a ousadia temática de “Elvis & Madona”, o longa-metragem de estreia de Marcelo Laffitte, uma comédia centrada em uma lésbica de classe média que abandona a família conservadora e um ator/cabeleireiro travesti. Dessa combinação improvável nasce um estranho caso de amor. O filme investe em um universo pop bastante presente na cultura brasileira, mas distante do cinema brasileiro de ficção, assim como nosso samba e futebol. Nem precisa refletir muito sobre o assunto para presumir que levantar os recursos da produção orçada em R$ 1,2 milhões não foi fácil. Vencedor do concurso anual de baixo orçamento promovido pelo Ministério da Cultura em 2005, “Elvis & Madona” conta, desde o seu primeiro roteiro até o seu lançamento, mais de dez anos de busca por patrocínios. Filmado em 2007, “Elvis & Madona” já participou de 50 festivais. O diretor já levou seu filme a festivais brasileiros em Paris e Los Angeles, e participou de outros festivais internacionais na Austrália, no Festival de Tribeca em Nova York, em Varsóvia, Zagreb, Sófia, e em Portugal. A ideia de Laffitte, realizador com cinco curtas-metragens na bagagem e militante na ABD (Associação Brasileira de Documentaristas),

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onde foi presidente, não era fazer apenas uma comédia escrachada. Seu desejo era por uma espécie de fábula moderna, com personagens factíveis. “Nossa sociedade vivia uma eterna crise econômica, com alta taxa de desemprego e uma desesperança quase crônica. Eu acreditava que isso poderia mudar e decidi inserir essa visão de uma sociedade mais justa no enredo de ‘Elvis & Madona’. Um dia, após muitas sinopses, fui para o computador e escrevi todo o roteiro em uma semana”. Foi assim que Laffitte chegou à história de um travesti chamado Madona e da lésbica Elvis. Madona (Ígor Cotrim) trabalha como cabeleireira, faz shows na noite e sonha com um espetáculo fixo de drag queens. Elvis (Simone Spoladore) quer ser fotógrafa de jornal, mas, por enquanto, vive entregando pizza. Para dar o tom carnavalesco, o diretor convidou o criador do grupo Dzi Croquettes, Bayard Tonelli, o cabeça do debochado grupo de dançarinos travestidos que ficou famoso mundo afora nos anos 70, para colaborar nos figurinos e no visual do elenco. “Outra fonte de inspiração para criar o visual anárquico de ‘Elvis & Madona’ veio de Roy Lichtenstein, que trabalhava cores e emoções como ninguém em suas pinturas pop. Foi com esse pincel que o diretor de arte Rafael Targat, o fotógrafo Uli Burtin e eu fomos criar a arte do


Igor Cotrim, como travesti Madona, e Simone Spoladore, na pele da lésbica Elvis; dupla de atores são o destaque do filme

filme com os recursos que tínhamos à mão, e deu no que deu”, diz Laffitte. O filme também mostra uma Simone Spoladore completamente diferente do usual, na pele de uma lésbica supersensual que atrai bastante os homens. “Isso tem muito a ver com a minha opção de evitar estereótipos. Mas também foi resultado do processo do teste de elenco e da química resultante do encontro da Simone com o Igor. Veja bem: com aquela Madona forte e masculina, não tinha como a Elvis ser ‘caminhoneira’”, brinca o diretor.

Agruras de um iniciante no longa-metragem Para Laffitte, a experiência do primeiro longa foi como andar de montanha-russa: muita velocidade, perigo e incertezas, “mas totalmente prazeroso”, completa ele, lembrando das enormes dificuldades encontradas. “Imagine um diretor estreante tentar fazer um filme de ‘viado’ no início dos anos 2000?! Foi difícil e quase que não acontece. Só conseguimos vencer o concurso na terceira tentativa, em 2005, e o dinheiro só foi sair em 2007. E o dinheiro do MinC não foi suficiente para terminar o filme. São muitos personagens, muitas locações diferentes, muitas cenas de rua. O concurso da Oi Telecomunições nos permitiu terminá-lo”, explica o cineasta. “Eu adoro trabalhar com equipes e elenco. Eles sempre me dão conforto e segurança para que eu possa ir construindo a narrativa das imagens desde o primeiro dia de filmagem”, conta. “Este é um tema espinhoso”, continua o cineasta. “Na minha opinião, existe uma certa patrulha cultural no cinema brasileiro que diz: ou você é Globo Filmes, ou você é cinema cabeção. Para a turma situada neste

último caso, é um pecado capital criar personagens chamados Elvis, Madona, Clark ou João Tripé, como se isso não fosse o fruto da formação do povo brasileiro”, desabafa Laffite. “Alguns representantes desse setor torcem o nariz para meu filme como se a forma bem-humorada e histriônica do filme fosse um impedimento para que o conteúdo fosse assimilado pelo público, o que não é, nem de longe, reflexo da verdade”, conclui o diretor. Finalmente, o filme estreia agora em junho, e Laffitte já tem uma ideia de como será a reação do público. “Em todas as sessões, o que mais chama a atenção é o fato de o público entrar na história de amor entre Elvis e Madona. Com dez minutos de filme, todo mundo já esqueceu que elas são uma lésbica e um travesti que se chamam Elvis e Madona, pois o que importa é o amor entre elas”, conta o cineasta, bastante otimista com a estreia que se aproxima. “Vamos lançar com poucas cópias e em poucas cidades, para ir caminhando aos poucos. Mas o filme tem potencial para bater recordes de expectadores por cópia e de ficar várias semanas em cartaz pelos cinemas do Brasil”. Laffitte pretende continuar a mesma linha de “Elvis & Madona” em seus próximos filmes. “Estou escrevendo um roteiro chamado ‘Salomé’, que é a história de uma grande atriz, uma estrela do filme pornô, que precisa voltar à sua pequena cidade natal depois de 15 anos para o enterro de seu pai. Todos na cidade acompanham a sua vida pelas revistas, seus filmes foram vistos por quase todos, tem um bar e uma oficina mecânica com o seu nome, mas ninguém fala com ela. Será um ensaio sobre o moralismo”.

Marcelo Laffitte (à esquerda) inspirou-se no mundo dos transformistas para realizar seu primeiro longa-metragem

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As consequ锚ncias da ditadura, por

Tata Amaral Tata Amaral, entre os atores Denise Fraga e Cesar Troncoso; hist贸ria do filme resgata acerto de contas com o passado

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Ding Musa

Cineasta paulistana filma acerto de contas entre passado e presente, resgatando a mem贸ria de quem teve a vida alterada pela repress茫o da ditadura militar nos anos 70


A

ditadura militar é um assunto que ainda tem muito a render e muitas facetas a serem exploradas. E contar uma nova história do Regime Militar (1964-1985), com um novo olhar, é a missão da cineasta paulistana Tata Amaral em seu novo longa, “Hoje”, baseado no livro “Prova Contrária”, de Fernando Bonassi, que narra a história de Vera (Denise Fraga), uma ex-militante que recebe, em 1998, uma indenização do governo em reconhecimento da morte do ex-companheiro, Luiz (César Troncoso), um uruguaio (como o ator) vítima da repressão, desaparecido em 1974. Com o dinheiro, Vera compra um apartamento. No dia em que se muda, Luiz reaparece em sua vida. O projeto, que já existe desde 2005, época em que a diretora finalizava “Antônia” (2006), foi sugerido a ela pelo próprio Bonassi, quando ainda trazia a atriz Betty Faria como principal interessada na adaptação. Retomando marcas muito fortes da realizadora, que permeiam seus dois primeiros longas, “Um Céu de Estrelas” (1996) e “Através da Janela” (2000), “Hoje” é também a história de uma personagem feminina – preocupação que a cineasta garante ter deixado para trás, com seus três primeiros longas –, com fortes discussões de relacionamento e diálogos catárticos. A intensidade e dramaticidade da história foi uma das razões que cativaram a atriz Denise Fraga, conhecida por seus papéis cômicos. “Coisas que só meu espelho sabia, a Tata trouxe. O filme tocou em lugares que nunca tinham me tocado na ficção. A Tata pega uma emoção e puxa aquele fiozinho”, conta Denise. “É também um retorno à obra do Fernando Bonassi, é o encontro de dois atores numa única locação, que se passa num curto espaço de tempo, fala de uma relação afetiva, etc. Porém, em ‘Hoje’, há uma novidade: a memória e o passado se tornam presentes”, aponta Tata, que começou sua carreira como diretora há 25 anos, com o curta “Poema: Cidade” (1986), codirigido com Francisco César Filho. Não à toa, Tata fez questão que as falas de Vera estivessem todas no tempo presente quando se referissem à época da ditadura. A questão da memória é muito importante para Tata em seu novo longa, rodado em digital com Red, em menos de um mês, quase todo num apartamento na Av. São Luís, em São Paulo. “Em ‘Hoje’, falo da necessidade de lembrar, os personagens precisam lembrar. A Vera não quer lembrar e o Luiz vem para ajudá-la nisso, porque lembrar é curar. É um acerto de contas com o passado dela, entre eles. É quase uma analogia com o que acontece com a sociedade brasileira, porque o Estado nunca julgou ou puniu seus torturadores”, explica a cineasta, que foi militante de esquerda na organização Liberdade e Luta.

O viés que Tata Amaral usa para abordar um diferente aspecto da ditadura militar é a Lei 9140, de 1995. “A história se constrói em cima da lei 9140, em que o Estado reconhece que as pessoas estão mortas. A Comissão de Justiça e Verdade (antes era de Mortos e Desaparecidos) recebe os pedidos de investigação e uma vez comprovada a morte, ela é decretada. Como o Estado assume a responsabilidade por essas mortes, paga uma indenização – o máximo foi R$ 130 mil, se não me engano. Na história, que se passa em 1998, deu para a Vera comprar um bom apartamento no centro, ainda que decadente”, explica Tata. Para a cineasta, a existência da lei é muito importante para se pensar nas consequências do Regime Militar para a vida cotidiana das pessoas, que sofre interferências muitas vezes absurdas. “Antes dessa lei, havia anomalias, como a mulher não poder casar de novo, porque seria bígama, porque o marido não morreu. Ou uma mãe que não poderia viajar com a criança por estar incorrendo em ilegalidade, já que precisa de autorização do pai”, pontua.

Roteiro inicial era baseado em duas histórias Desde que começaram a surgir as primeiras notícias efetivas sobre “Hoje”, várias coisas mudaram. O filme, antes, era composto por duas histórias. Uma era a de “Galeria Metrópole”, do Mário Viana, e a outra “Prova Contrária”. Ney Latorraca, único ator confirmado antes de fevereiro deste ano, faria um personagem do “Galeria Metrópole”. “Chegou dezembro e não conseguia ter um roteiro que articulasse as duas histórias. Uma se passaria na Praça Dom José Gaspar e a outra, no apartamento. Achei que não estava bom, que ficavam se cortando, por isso desisti. Mas ainda gostaria de fazer a ‘Galeria Metrópole’”, conta Tata. Com roteiro de Tata, Jean-Claude Bernardet (seu habitual colaborador) e Rubens Rewald, o projeto teve a entrada de Felipe Sholl no time, depois da queda da segunda história. No meio do caminho, Tata ainda realizou para a TV Cultura a minissérie “Trago Comigo”, protagonizada por Carlos Alberto Riccelli, onde intercalava a ficção com depoimentos reais, e que serviu como material de pesquisa. Atualmente, busca recursos para finalizá-la como longa. Tem havido, também, uma longa luta para levantar recursos para “Hoje”. Só em 2010 é que conseguiram verba suficiente para as filmagens, feitas ao longo do mês de março de 2011. Rodaram com R$1,2 milhão, e R$ 700 mil já estão prometidos para finalização. Além disso, ainda aguardam resultado do edital de Paulínia para poderem rodar em estúdio algumas cenas que julgam cruciais, usando projeções na ambientação. “A ideia é usar mais projeções. Nessas cenas, Vera se relaciona com a memória e a memória está sendo projetada”. “Hoje” deve demorar mais algum tempo para ver a luz do dia. A ideia é finalizá-lo até novembro, mas isso apenas se conseguirem filmar no estúdio ainda neste ano. De qualquer forma, já é certo o que Tata fará no segundo semestre de 2011. Junto com sua filha Caru Alves de Souza, dirigirá o roteiro de Caru “De Menor”, vencedor do edital de B.O. do Ministério da Cultura em 2010, sobre Helena, uma jovem que acaba de se formar em direito e passa a defender adolescentes em situação irregular. (Gabriel Carneiro)

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Uma geração de cineastas está chegando com filmes estéticos, experimentais, libertos de gêneros e formatos. É o cinema livre, que está renovando a cinematografia brasileira Por Gabriel Carneiro

inalmente o cinema brasileiro voltou suas câmeras para novos desafios no setor da linguagem, e a Revista de CINEMA foi a campo para saber que filmes são esses, quais as propostas de seus autores, quais os temas abordados e como se relacionam com o publico. Conversamos com sete realizadores que estão com longas em finalização ou recentemente prontos: Eduardo Nunes (RJ), Eryk Rocha (RJ), Felipe Bragança (RJ), Gabriel Mascaro (PE), Helvécio Marins (MG), Sérgio Borges (MG) e Tiago Mata Machado (MG). Como se vê, Minas Gerais tem se tornado um grande ninho de cineastas com verve experimental, num diálogo muito próximo com a cultura de Minas e com as artes plásticas. A principal característica desta geração é não ser marcada por um movimento, uma escola ou qualquer outra coisa. São apenas diretores interessados num cinema livre, sem qualquer tipo de amarra, com exceção do grupo Teia, de Minas Gerais, onde um grupo de diretores se une para focar suas câmeras nesse tipo de cinema. A novidade também é o grande número de novos filmes e realizadores, como nunca tivemos antes, e a quebra de barreiras quanto à realização. Filmes experimentais são muito comuns na seara do curta, e muito raros no longa, especialmente porque o cinema brasileiro é mantido por leis de incentivo e tem como principal objetivo, neste momento, atingir o grande público – preconceito com filmes que se opõem, de certa forma, ao dito cinema comercial parece ter diminuído. “O cinema deixou de ser um fetiche, uma coisa grandiosa, das grandes produções. Esse tipo de cinema está sendo desmistificado. Em ‘Pachamama’, era praticamente eu e a câmera, que funcionava como uma extensão do meu corpo. A câmera hoje é quase como uma caneta. Filmes assim estão inovando na linguagem, pesquisando o cinema, oxigenando a produção”, afirma o cineasta Eryk Rocha, que está prestes a lançar seu quarto longa, o primeiro de ficção, “Transeunte” – sobre um homem recém-aposentado que caminha nas ruas do Rio de Janeiro em busca de uma distração. Feito com R$ 1,5 milhão, o filme tem um trabalho muito forte de ambientação do personagem principal, interpretado por Fernando Bezerra, através da fotografia em p&b, com muitos closes e câmera na mão, e do som, permitindo diferentes camadas, da aridez à imersão. Rocha aponta o digital como a principal razão do florescimento de tal geração, permitindo-se fazer filmes mais leves, com menos gente e, especialmente, menos dinheiro. “A revolução técnica do digital tem apontado novas direções estéticas, o que influencia diretamente a produção e a linguagem, novas possibilidades de cinema”, complementa.

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FILME DE ARTE EM OPOSIÇÃO AO CINEMA COMERCIAL? A questão pode ser falsa, mas filmes que buscam uma linguagem diferente do padrão e experimentam novas coisas têm uma dificuldade maior de fazer dinheiro ou mesmo de chegar ao circuito comercial. “Não conheço nenhum título deles que tenha tido maior diálogo com o público, o que não quer dizer nada a respeito de um hipotético valor estético dos filmes”, afirma Luiz Zanin de Oricchio, crítico do jornal O Estado de S. Paulo. Quando se diz que se opõem ao cinema comercial, não é uma forma de denegrir tais produções, mas de esclarecer que, para eles, o fazer cinema está além da preocupação em fazer grande público ou muito dinheiro. Não fazem questão de atingir grandes massas. “Tenho noção de que o cinema não vai me deixar rico ou que meus filmes não vão fazer um milhão de espectadores, mas há outro tipo de retorno que é bem bonito, que é motivar e encantar outras pessoas”, justifica o mineiro Helvécio Marins, da Teia Filmes, que está em fase de finalização de seu primeiro longa, “Girimunho”, realizado em parceria com Clarissa Campolina. “Meus projetos já nascem falidos, tangente a qualquer possibilidade de sucesso comercial. Como decidi para minha vida não aspirar por muito dinheiro e ter uma vida simples, os filmes que tenho feito dialogam com minhas escolhas. Fazer filme que daria dinheiro daria também muito trabalho. Não tem nada mais chato do que um set de filmagem. Se fosse para fazer dinheiro, escolheria outra coisa”, explica o pernambucano Gabriel Mascaro, realizador dos longas “Um Lugar ao Sol” e “Avenida Brasília Formosa”, entre outros.


SUDOESTE

O CÉU SOBRE OS OMBROS

A ALEGRIA

Pedro Veneroso

OS RESIDENTES

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O filme livre é feito como forma de expressão, de busca de sentidos, e não como maneira de lucrar. “Tratamos cinema como expressão artística, e não como negócio – por mais que tenhamos consciência de como operam os vários mercados possíveis do audiovisual e nos coloquemos dentro dele”, aponta Sérgio Borges, também da Teia Filmes, diretor do longa “O Céu sobre os Ombros”, ganhador de 5 prêmios no último Festival de Brasília, incluindo filme e direção. O cineasta Tiago Mata Machado tem chamado a atenção para si com seu último longa, “Os Residentes”, que divide a crítica e o público desde sua estreia no 43º Festival de Brasília. Seu filme, hermético e muito influenciado pela obra do suíço Jean-Luc Godard, aborda um grupo de residentes em uma casa, explorando conceitos como ética e estética. Para ele, o aspecto comercial pouco importa. “[Os Residentes] tem circulado bem, a cinemateca de Berlim, por ocasião da Berlinalle, comprou uma cópia legendada em alemão. Precisamos pensar também em termos de cinematografia, não apenas em termos de indústria. O fato da cinemateca berlinense querer ter meu filme em seu acervo, algo raro em termos de cinema brasileiro, me parece tão ou mais importante do que emplacar um blockbuster nacional. Interesso-me pelos filmes que podem sobreviver ao tempo”, discorre. Eduardo Nunes, cineasta do Rio de Janeiro, que ficou conhecido por seus curtas plásticos e experimentais, como “Sopro” e “Tropel”, tem uma linha de pensamento parecida com a de Tiago. “Todos desejamos que nosso cinema seja comercial, no sentido de chegar ao público. Por isso, não acho que exista exatamente uma oposição, como um inimigo a ser derrotado. De uma forma geral, é saudável para o cinema brasileiro que existam esses grandes sucessos de públicos. Mas o que está havendo é que isso serve de parâmetro para toda a produção: a formatação do projeto, a escolha dos incentivos e os estímulos de distribuição. E isso é muito ruim. Um filme que busca uma nova linguagem, que investiga novas formas é mais precioso para uma cinematografia do que um blockbuster. Mas você não percebe isso de imediato, apenas depois de algum tempo”, contemporiza.

MINAS GERAIS É CELEIRO DE LINGUAGEM O estado de Minas Gerais parece ser um celeiro para essa produção mais livre, que tem se destacado quanto à pesquisa de linguagem, desde que Cao Guimarães ganhou o mundo com seus longas. Para Sérgio Borges, “a vocação de vanguarda, de atenção aos elementos estéticos e de linguagem” é algo arraigado na cultura cinematográfica mineira. “Há uma relação muito fértil entre a academia e os realizadores, o que faz existir um campo mais propício para um cinema que pensa a forma e a linguagem com esses subsídios”, pontua. “Acho que Minas ser esse celeiro se deve ao fato de vivermos em Belo Horizonte, ao mesmo tempo perto e distante do Rio e de São Paulo, polos de produção audiovisual. Para o bem e para o mal, não há profissionalismo, ou

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seja, uma ocupação profissional na área, o que significa que temos mais tempo também para experimentar na vida e na arte, mais ócio, não somos massacrados pelo ritmo do trabalho, como em São Paulo – vivi lá sete anos e sentia diariamente esse massacre”, explica Tiago Mata Machado. Cao pode não ser uma influência direta para vários dos realizadores mineiros de hoje, mas é certo que sua projeção ajudou a impulsionar a produção local no quesito de divulgação. Cao se destacou por ultrapassar a barreira da videoarte e entrar de fato no cinema, mas ainda assim embebido das influências das artes plásticas, onde estão suas raízes. “Ele é também uma referência importante no modo de produção não só meu, mas de toda a Teia, de como viemos a operar: o trabalho com equipes muito reduzidas, a relação com um documentário mais plástico, com uma poética do cotidiano”, afirma Sérgio Borges. Não só no que se refere a Cao, como a todo o pessoal da Teia Filmes – produtora e coletivo formado por seis realizadores: Clarissa Campolina, Helvécio Marins, Leonardo Barcelos, Marília Rocha, Pablo Lobato e Sérgio Borges –, as artes plásticas são influência fundamental para entender o que eles produzem, especialmente as instalações. Um dos principais nomes da videoarte, nos anos 80, foi Eder Santos. “Minas sempre foi considerado um berço da videoarte, menos pelo Cao e mais pelo Eder Santos. A influência das artes plásticas acaba sendo, então, inegável, mesmo que hoje seja menor. No início dos anos 90, tinha um festival muito interessante chamado Fórum BHZ Vídeo. Mais ou menos nessa época, o Itaú Cultural abriu uma salinha em Belo Horizonte. Acabamos vendo muita coisa, como Nam June Paik [sul-coreano considerado o criador da videoarte] e Bill Viola [videoartista dos EUA]”, pontua Helvécio Marins. Fundada em 2003, em Belo Horizonte, a Teia, que se denomina como “um centro de pesquisa e produção audiovisual”, já realizou mais de 40 trabalhos audiovisuais, entre longas, médias, curtas, vídeos e instalações. Quando começaram, eram os seis, mais um assistente geral e um produtor geral. Hoje, com mais prestígio no cenário e mais trabalhos, há um produtor e um assistente para cada um, mesmo que o intercâmbio que marca o coletivo continue. “A Teia não tem exatamente uma lógica de acontecer, tentamos preservar uma certa estrutura de fundo de quintal. Se engessarmos mais, é melhor parar um pouco, dar uma repensada. Procuramos ter sempre uma certa liberdade. Não queremos que a parte empresarial engesse a parte criativa”, anuncia Helvécio Marins.

DIÁLOGOS COM A EXPERIMENTAÇÃO E FILMES FORA DO PADRÃO “A experimentação é a essência do ser humano, mas experimentar não significa necessariamente fazer filmes experimentais. No Brasil, existe um grupo cada vez maior de realizadores fazendo filmes fora do padrão oficial e, ainda assim, com grande potencial de se expressar com o público”. A frase de Sérgio Borges sintetiza um pouco o que é essa geração de realizadores de filmes mais soltos. Em “O Céu Sobre os Ombros”, de Sérgio, há uma linha narrativa estruturada, que pode ser entendida como começo, meio e fim, personagens bem construídos, etc. – elementos presentes em qualquer filme mais convencional. A experimentação desses realizadores surge de uma reflexão sobre determinados pontos de um filme e a aplicação deles, não necessariamente transformando-os no que é conhecido como filme experimental. “Precisamos entender a experimentação como algo natural a qualquer forma de arte, não como um gênero específico numa prateleira. Entendo-a como a busca da linguagem de cada realizador”, pontua Eduardo Nunes. Essa busca de Nunes resultou, por exemplo, numa nova janela. Em “Sudoeste”, novo longa do diretor, feito em p&b, Nunes adotou a janela 3.66:1, tentando mostrar a horizontalidade das paisagens onde foi rodado. “Tudo em nossas locações era muito horizontal. Nos enquadramentos dos testes sempre sobrava muito teto e muito chão, perdíamos o assunto principal do quadro”, explica. A história do filme também é atípica: em apenas um dia, Clarice passa por todas as etapas da vida – nascimento, crescimento, envelhecimento e morte. “Faço filmes para alcançar uma determinada experiência que acho que só seria possível com o cinema. Uma ex-


Leo Lara Aline Arruda

ERYK ROCHA

GABRIEL MASCARO FELIPE BRAGANÇA HELVÉCIO MARINS E CLARISSE CAMPOLINA

Leo Lara

SÉRGIO BORGES

Alexandre Mota

periência de uma história, mas também muito sensorial e emotiva”, aponta. “A linguagem cinematográfica está sempre ligada a um lugar de experimentação, já que se trata do território da ilusão e do truque. Há sempre o risco de um truque não ser tão sedutor quanto o imaginamos”, reflete o diretor e roteirista Felipe Bragança. Em sua investigação cinematográfica, Bragança criou uma fábula sobre super-heróis, juventude, morte e indignação perante o mundo, em “A Alegria”, que codirigiu com sua parceira de vários anos, Marina Meliande. O longa estreou na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes de 2010. A experimentação, assim, vem de uma vontade de evoluir em termos de linguagem, de estética e de forma, de encontrar novos caminhos, novas maneiras para se criar imagens e sons. “Peguemos minha sócia, Marília Rocha, como exemplo. Ela fez ‘Aboio’, que é um filme superplástico. Depois fez ‘Acácio’, que tem muito material de arquivo. ‘A Falta que me Faz’, o último, já não é tão plástico, trabalha mais com o interior. Há uma vontade muito grande de ir mudando, se atualizando, pesquisando, querendo fazer coisas diferentes”, conta Helvécio Marins. O desejo de tentar fazer algo sem precedentes também é uma das razões. “Trabalhei como estagiário de direção do filme ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’, de Marcelo Gomes. Esse filme, que me é um marco afetivo – tinha 17 anos –, marca uma postura de cinema: a possibilidade de ir além da disciplina de produção, a possibilidade de mudar de planos. Isso, para mim, é referência na minha formação”, conta Gabriel Mascaro. Tiago Mata Machado talvez seja o mais radical dessa geração em termos de experimentação, característica que dá o tom de seu longa “Os Residentes”, construído a partir de imagens não usuais e de excessos. “Não vejo sentido em realizar filmes que não sejam de investigação estética e de risco, gosto de fazer filmes em que não saiba de antemão aonde vou chegar, o que é inevitável se você leva realmente a fundo todas as fases do processo de criação cinematográfica. Vejo o roteiro como uma fase meio utópica, em que todo um mundo novo é possível, a filmagem é um pouco como um choque de realidade, e a montagem como ressurreição e morte de todo o conceito inicial do projeto. O que importa é estar o tempo inteiro aberto à reinvenção do filme, às intensidades do processo criativo”, argumenta.

TIAGO MATA MACHADO

EDUARDO NUNES

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NO CINEMA LIVRE NÃO EXISTE DOCUMENTÁRIO OU FICÇÃO

Um dos aspectos que mais se notabiliza em muitos desses filmes é a fronteira rompida entre o documentário e a ficção. “Acho que é uma marca de nosso tempo. No ‘Transeunte’, trabalhamos para incorporar a cena no espaço público, misturando atores, figurantes e transeuntes. A dramaturgia do filme nasce do confronto com a realidade”, comenta Eryk Rocha. “Brincar com a fronteira entre documentário e ficção é lançar o cinema na vida. Não nos preocupamos com essa questão de gênero. O foco é a linguagem”, complementa. Outros que radicalizam nessa brincadeira com os gêneros são Gabriel Mascaro, em “Avenida Brasília Formosa”, e Sérgio Borges, em “O Céu Sobre os Ombros”. O longa de Mascaro foi concebido como uma ficção. Quando abriu um edital do DOCTV, no valor de R$ 110 mil, Mascaro resolveu inscrevê-lo no projeto, usando algumas “falcatruas”, como incluir um falso CPF dos personagens. Edital ganho, o cineasta partiu em busca de seus personagens, no bairro de Brasília Teimosa, em Recife/PE, que passou por uma grande reestruturação no governo Lula, acabando com as estruturas de palafitas e abrindo uma grande avenida, a tal Brasília Formosa do título. No filme, há vários personagens reais, retratados de forma documental, mas há também aqueles que viveram uma condição imposta pelo filme. Fábio Melo, um cinegrafista amador, entre outras coisas, por exemplo, não mora em Brasília Formosa. Já Débora não queria concorrer ao Big Brother Brasil. No longa, Fábio é contratado por Débora para fazer o vídeo de inscrição no reality show. “A criação é um processo. Se der filme no final, ótimo! Se não, aí dá trabalho para justificar as coisas, inventar situações, refilmar, manipular, colocar falas falsas na pós-produção como se fosse fala dos personagens, ser antiético... As estratégias são várias. Em ‘Avenida Brasília Formosa’, mudei até o sentido dos diálogos legendando em português as cenas. Terminar é sempre mais difícil que começar”, conta Mascaro. Já em “O Céu sobre os Ombros”, Sérgio Borges ficcionaliza em cima dos próprios personagens e uma série de ações, baseadas em suas vidas (seja o presente ou o passado), mas também documenta outras tantas. Um dispositivo usado foi induzir situações sem o ator-personagem saber disso. Exemplo disso é quando Lwei Bakongo, um escritor que não quer ser publicado, com

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tendências suicidas e pai de uma criança com problemas mentais, recebe a ligação de uma pessoa interessada em publicar um de seus escritos, o que deixa Lwei extremamente agoniado. “Todos os atores do filme são inteligentes e sensíveis o bastante para ter consciência da imagem deles estampada no filme. E em grande parte, para ter consciência de que a imagem deles não é o que eles são de fato. Isso é um filme, uma expressão artística”, afirma Borges.

A ESCOLHA DOS PROJETOS E A DIFÍCIL BUSCA DE RECURSOS A condição da produção, ou seja, os meios técnicos e recursos necessários, acaba sendo muito importante na escolha dos projetos, o que faz com que eles sejam reciclados, largados ou muito batalhados. “Tenho dois impulsos no cinema. Alguns roteiros são ideias mais caras, complexas e que precisam de patrocínio e têm maior potencial de público. Outros são ideias de filmes que serão mais bonitos quanto mais precários forem. Procuro me equilibrar nesses dois lugares e entender, quando uma ideia me vem na cabeça, em qual lugar ela se encaixa. Daí começo a desenvolvê-la, procurando os parceiros ideais para sua natureza”, comenta Felipe Bragança, que estreou em longas com “A Fuga da Mulher Gorila”, que custou R$ 10 mil, e fez, em seguida, “A Alegria”, orçado em cerca de R$ 1 milhão. “Fazer cinema é falar aquilo que não poderia deixar de ser dito. Porém, escolho meus projetos seguintes não apenas baseado no meu desejo de fazer aquele filme, mas de acordo com as possibilidades de produção do projeto”, acrescenta Eryk Rocha. Para Eduardo Nunes, a escolha de levar um roteiro às telas é muito baseada no desejo de realizar o filme, batalhando como puder para que isso aconteça. É justamente o que fez com “Sudoeste”, premiado no edital de B.O. do MinC em 2008. “Fico muito tempo planejando um projeto novo, e sempre insisto na realização desse projeto depois que o escolhi. Com o projeto do ‘Sudoeste’, levei dez anos tentando conseguir recursos em todos os concursos durante a década de 2000. Precisávamos de algum orçamento, mesmo que pequeno. Acho que existem projetos de diferentes tamanhos, mas isso não deve servir de incentivo a realização de filmes sem nenhum recurso, pois é preciso que se viva do próprio trabalho, e fazer filmes é isso. Devemos, na verdade, reformatar nossos editais de produção e exibição”, explica Nunes, sem deixar de criticar o modelo vigente de editais

públicos para cinema. Helvécio Marins conta ter uma dificuldade enorme de selecionar o próximo filme, pela abundância de projetos de longa com que trabalha – atualmente são 11. “O próximo, defini porque é totalmente diferente do ‘Girimunho’. O novo, ‘A Mulher do Homem que Come Raio Laser’, é totalmente ficção. Comecei a querer rascunhá-lo e não conseguia parar. Em 15 dias, tinha o roteiro. Foi o primeiro que escrevi sozinho”, conta. Em finalização, “Girimunho” é uma ficção baseada em fatos e personagens verdadeiros, da pequena cidade de São Romão, no sertão mineiro. Foram oito anos pesquisando a vida das protagonistas, o que resultou num roteiro coescrito com Felipe Bragança, mesmo que não tenha sido seguido à risca nas filmagens. “Tem um projeto que quero fazer só mais velho, quando tiver 50 anos. Vai um pouco do sentimento”, relata. Mesmo com muitos projetos, não é fácil realizá-los. Quase não há espaço em editais para novos realizadores. Os poucos são em concursos locais e o edital de B.O. do Ministério da Cultura. Há também as vias tortas, que tem sido utilizadas em muitos casos, como usar o dinheiro ganho para fazer um curta e transformá-lo em longa, ou se aproveitar de editais como o do DOCTV. Os maiores, como da Petrobrás, do BNDES e da Ancine, raramente dão espaço a esse tipo de produção. Cao Guimarães, por exemplo, só gabhou o edital da Petrobrás no ano passado – com “O Homem das Multidões” –, depois de já ter um nome estabelecido. O mesmo para a Teia, que conseguiu o edital de distribuição para “O Céu Sobre os Ombros” (nem em curtas haviam ganho). Helvécio Marins aponta ainda uma terceira via para conseguir financiamento. “Penso que os festivais internacionais nos salvaram de alguma forma. Meus curtas todos foram muito exibidos no mundo inteiro. Muitas vezes, era o único brasileiro, ou o único latino selecionado em competição. Não me ligava nisso, mas depois que você vai duas vezes para Rotterdan, Locarno, Sundance, você começa a ver que as mesmas caras estão sempre lá. Do mesmo jeito que tem olheiros para revelar talentos, existe esse tipo de produtor que acredita nisso. A primeira vez que a Sara Silveira [produtora de ‘Girimunho’] viu um filme meu foi em Santa Maria da Feira. Ela estava com o Carlão [Reichenbach], que encheu a bola do filme, e ela ficou de olho. Na segunda vez, estávamos em Brasília, com o ‘Trecho’, que ganhou melhor curta. Ela já veio direto falar comigo:


‘o dia que você tiver algum projeto de longa me procura, me dá preferência’”, conta.

O DESAFIO DE SE COMUNICAR COM O PÚBLICO CERTO “É uma geração saída com uma atitude crítica muito forte. Só devia se preocupar mais em chegar mais ao público, porque o cinema é uma arte popular. O [cineasta Ozualdo] Candeias [nome importante do Cinema Marginal] falava, quando perguntado sobre mercado: ‘tenho que, no mínimo, devolver o dinheiro para o meu produtor’. Você tem que buscar isso, tem que ter um contato. O filme é resultado do contato. Parece-me que o problema é que alguns se acham muito inteligentes e querem fazer filmes muito inteligentes. Então acaba fazendo um filme só para ele. Isso é complicado. Você quer dizer uma coisa, precisa encontrar o caminho. Não é mais fácil dizer as coisas de maneira mais simples, de uma forma que pessoas entendam?”, argumenta o crítico da Folha de S. Paulo, Inácio Araújo. “Você vai ver ‘Os Residentes’, é um bom filme, mas muito miúra. O cinema hoje é muito comercial. De um lado você tem o cinema ‘comercial’ e de outro o ‘artístico’. Ou o Tiago [Mata Machado, diretor do longa] vai para Cannes e ganha, e aí entra nesse star system de autor, ou não vai acontecer nada com o filme. Esse é o problema. Acho perfeitamente factível fazer filmes de que as pessoas gostem. Tenho a impressão de que você tem que ter a dimensão de que está falando com o espectador, que deve ser tratado com o maior respeito do mundo, mas também pode buscar maneiras de falar. Todo mundo quer começar e fazer Godard. O cara precisa limpar um pouco esse superego e refletir sobre o que viveu, o que sentiu, sobre o que determinada coisa te faz falar. Não vou dizer que não tenha isso nesses filmes. São pessoas talentosas, e justamente por isso gostaria que pudessem ser mais vistos – vistos, a rigor, porque se não, passa apenas em Brasília, Tiradentes e boas festas. Ninguém vê. O cara que exibe o filme, claro, quer um retorno”, complementa Inácio. “O Céu sobre os Ombros” já tem distribuição garantida nas salas de cinema. Assim como Sérgio Borges, outros realizadores com filmes de invenção também estão procurando atingir um nicho, um público mais especializado, interessado em filmes mais livres. “Filmes como ‘O Céu de Suely’, ou ‘Baixio das Bestas’, por exemplo, alcançaram 40 mil de público nas salas de cinema.

‘Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo’, 25 mil. Obviamente, é muito difícil um filme como o meu chegar a isso, ou ir além. Vamos experimentar as salas de cinema de arte, mas acredito que temos que encontrar novos públicos e formas de exibição. Fomentar a distribuição é prioridade no país. Vou experimentar o circuito do Cine Mais Cultura, que tem hoje mais de 1000 cineclubes espalhados pelo país. Vamos distribuir o filme gratuitamente nesse circuito e criar uma forma de mensurar esse público de maneira confiável”, discursa Sérgio. “Meus dois longas serão lançados comercialmente e estão sendo vendidos para o mercado internacional e para o mercado de TV brasileiro. Em festivais, já acumularam cerca de 6 mil espectadores cada um. Gostaria de conseguir que ao menos 15 ou 20 mil pessoas fossem ver ambos em salas de cinema – são números pequenos, mas são pequenos filmes baratos que devem ser lançados com três ou quatro cópias cada um, com pouca divulgação, que podem encontrar seu lugar de interesse nas brechas do mercado. Sou completamente contra um olhar angelical do realizador que diz que não sabe e nem pensa em quem vai ver seus filmes”, complementa Felipe Bragança. Eduardo Nunes aponta um caminho a ser construído, muito parecido com o apontado por Inácio Araújo. “Começando por festivais internacionais, depois festivais brasileiros, buscando uma mídia, um reconhecimento de qualidade do filme. Assim podemos despertar o interesse de um determinado público, pois ele existe. Veja o público médio de um filme europeu ou asiático lançado no Brasil: é um número bastante interessante. E esse é um público que, se cativado, chegaria ao cinema autoral brasileiro”, aponta. Uma das alternativas parece ser a de centro culturais, museus, cineclubes e espaços alternativos, como pretende fazer a distribuidora Vitrine Filmes – a ser testado ainda este ano, com filmes como “A Fuga da Mulher Gorila” –, e a de pequenas salas comerciais, com projeção digital e preços populares. “Salas pequenas, baratas, com projeção digital: esse é o caminho para o cinema como um todo, não só para filmes mais autorais. O filme precisa competir com a pirataria, o custo do ingresso tem que ser acessível. O PontoCine [cinema carioca de 73 lugares, cujo ingresso inteiro custa R$ 6,00] é a sintetização desse esquema. É a sala que tem a maior proporção, quanto a filmes brasileiros, entre público e lugares”, conclui Eryk Rocha.

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Fotos: Divulgação

Cinematografia DSLR: um modismo de produção ou uma tendência de mercado?

pouquíssimas câmeras produziam imagens tão cinematográficas, e as existentes custavam caro aos produtores. A aparência cinematográfica tão apreciada deve-se a diversas características técnicas, entre elas o tamanho do sensor, semelhante ao filme 35 mm, que permite obter mais facilmente imagens com foco seletivo. Por exemplo, um personagem focado em primeiro plano, destacado do segundo plano desfocado. Lentes tradicionalmente utilizadas na produção cinematográfica podem ser utilizadas em DSLRs e a gravação em 24 quadros por segundo as aproxima ainda mais das câmeras cinematográficas. Apesar da beleza estética das imagens produzidas, câmeras fotográficas DSLRs O lançamento das câmeras digitais SLR, como a Canon EOS 5D, revolucionaram a produção audiovisual possuem limitações, pois não foram desenvolvidas para serem câmeras de vídeo. A m 2008, duas câmeras fotográficas digitais SLR fofim de contornar essas dificuldades, são neram lançadas com um recurso especial: a capacidacessários equipamentos complementares que podem custar de de gravação de vídeo digital de alta definição. A caro aos produtores. primeira foi a Nikon D90, seguida pela Canon EOS 5D Mark II. Desde então, tem ocorrido uma revolução no modo de proComo os profissionais estão dução de filmes independentes, documentários, programas utilizando as DSLRs de televisão, comerciais, videoclipes e eventos. Um dos principais motivos para a rápida aceitação das As câmeras fotográficas DSLR (com o recurso de gravação novas câmeras pelo mercado de produção não foi a capade vídeo) surgiram como produto de uma convergência natural cidade de gravação de vídeo de alta definição. Os modelos entre a fotografia estática e o vídeo. No passado, fotógrafos reconvencionais já tinham esse recurso. O diferencial que ennomados tornaram-se também realizadores de filmes e vídeos, cantou os realizadores foi a capacidade de produzir imagens como Robert Frank, Henri Cartier-Bresson e Gordon Parks. A com aparência realmente cinematográfica por um custo baixo tecnologia DSLR tem estimulado muitos fotógrafos a trabalhaquando comparado às câmeras de vídeo e cinema. Até então, rem também no mercado de produção audiovisual. O fotógrafo americano Vincent Laforet, por exemplo, produziu Reverie, o primeiro curta-metragem gravado com uma câmera DSLR. Reverie foi visto mais de 2 milhões de vezes na

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O primeiro curta-metragem filmado com uma câmera DSLR, Reverie, do fotógrafo americano Vincent Laforet (ao lado)

primeira semana após o seu lançamento, em 2009. Desde então, Laforet tornou-se mundialmente conhecido e passou a se dedicar também à produção de filmes. Atualmente, é fotógrafo e diretor membro do Director’s Guild of America. Enquanto alguns criticam a cinematografia DSLR por suas limitações técnicas, produtores renomados exploram o que ela tem de melhor. A Lucasfilm, empresa fundada por George Lucas e responsável por sucessos de bilheteria como Star Wars e Indiana Jones, tem como uma de suas marcas o pioneirismo na utilização de novas tecnologias. Atualmente, a empresa está utilizando câmeras DSLR na produção do filme Red Tail e do seriado de TV Star Wars. A famosa série médica House, produzida pela Fox, também teve o capítulo final da 6a temporada inteiramente produzido com uma câmera DSLR (Canon EOS 5D Mark II).

Cinema nacional No Brasil, começam a surgir os primeiros filmes de longa-metragem realizados por produtoras independentes. Alguém Qualquer, por exemplo, dirigido por Tiaraju Aronovich e Polyana Lott e que está sendo finalizado pela produtora paulistana Reticom Filmes, foi inteiramente captado com uma câmera DSLR (Canon EOS 7D). A equipe experiente da Reticom Filmes enfrentou todos os problemas técnicos comuns em câmeras DSLR, entre eles o superaquecimento, que eventualmente obriga a pausas na gravação. Porém, quando perguntados se a opção valeu a pena, a resposta em uníssono foi sim. “Nunca produzimos imagens tão belas e interessantes com tão pouca verba”, afirma Tiaraju Aronovich. Desde 2008, a tecnologia DSLR tem beneficiado principalmente os produtores independentes. Ao invés de alugar, muitos optaram por comprar seus próprios

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equipamentos. Porém, a cinematografia DSLR não é uma unanimidade entre produtores, diretores de fotografia e técnicos de cinema. Como toda nova tecnologia, há admiradores e críticos. Por que escolher uma DSLR em lugar de uma câmera de vídeo? O fato é que nem toda nova tecnologia surge para substituir as anteriores. A tecnologia DSLR é apenas uma entre as diversas alternativas disponíveis. Cabe aos produtores definir quais são as soluções tecnológicas mais adequadas aos seus projetos.

O espaço Cine Senac apresenta reportagens elaboradas pela equipe de audiovisual do Senac em parceria com a Revista de CINEMA. O principal objetivo é trazer informações relevantes sobre esse setor. O conteúdo exemplifica o conhecimento que é gerado pela instituição.


Uma década de muitas mudanças Em 10 anos de existência, a Ancine foi além da regulação do mercado, e se tornou a principal propulsora do processo industrial do cinema brasileiro, que praticamente triplicou sua produção neste período Por Daniel Schenker

Atual diretoria colegiada da Ancine: Mário Diamante, Manoel Rangel (presidente), Glauber Piva e Paulo Alcoforado

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Ancine (Agência Nacional do Cinema) foi criada em setembro de 2001, logo após o 3º Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, com a missão institucional de induzir condições de competição nas relações dos agentes econômicos da atividade cinematográfica no Brasil e proporcionar o desenvolvimento de uma indústria forte, competitiva e autossustentada. Nascia exatamente após a chamada retomada do cinema nacional, depois de ter sua indústria sucateada no governo Collor de Mello. “A Ancine surgiu como fruto de uma crise. Houve a debacle do cinema brasileiro em 1991, com a extinção da Embrafilme, do Concine e da Fundação do Cinema Brasileiro. À extinção da presença do Estado correspondeu um período de paralisação da produção cinematográfica. Tivemos um filme lançado em 1992, dois em 1993 e participação no mercado de 0,05%. Assistimos a uma queda geral no número de ingressos vendidos no Brasil, a uma redução na quantidade de salas de cinema”, afirma o atual diretor-presidente da agência, Manoel Rangel, referindo-se à desarticulação do cinema brasileiro promovido pelo governo Collor. O diretorial atual é formado pelos diretores Glauber Piva, Paulo Alcoforado e Mário Diamante.

Ancine nasce para organizar a legislação audiovisual Na chamada fase da retomada, o cinema nacional começou, pouco a pouco, a recuperar o fôlego. Começou em 1995 com o grande sucesso do filme “Carlota Joaquina – Princeza do Brasil”, de Carla Camuratti. O filme marcou a retomada da produção, da institucionalização do cinema brasileiro no âmbito do Estado com a criação da Comissão de Cinema, a implementação e o aperfeiçoamento da Lei do Audiovisual. Essa retomada surge em um momento de desestabilizações econômicas no Brasil e no exterior. “Em 1998, as crises econômicas atravessadas no Brasil e no mundo (a crise asiática, a russa) e o processo de privatização das telefônicas e de outras companhias estatais provocaram uma crise direta, de financiamento, na atividade cinematográfica. Havia a necessidade de uma atuação regulatória que não era exercida pelo Estado naquele momento. Surgiram as primeiras pressões para uma produção independente de televisão. O governo brasileiro não foi capaz de oferecer uma resposta”, afirma Manoel Rangel, atual presidente da Ancine. Tudo isso gerou o 3º CBC, que reuniu diversos segmentos da atividade em torno da necessidade de superar a crise de financiamento e a fragilidade institucional e repor algum grau de regulação. Também cabia um órgão gestor da política cinematográfica e audiovisual. O CBC produziu uma plataforma de 69 pontos, alinhavando um conjunto de proposições dos diversos setores, um verdadeiro mapa de navegação. “A Ancine nasceu, portanto, dos acertos da década anterior e, ao mesmo tempo, de uma crise desse primeiro fôlego da retomada do

cinema brasileiro”, contextualiza Manoel Rangel. A Ancine foi aprovada em dezembro de 2001 e começou a operar em fevereiro de 2002, com Gustavo Dahl como diretor-presidente. “Desde o início, a Ancine tinha uma contradição: ser uma agência de desenvolvimento e de regulação. É como se fosse uma águia de duas cabeças. A harmonização dessas duas áreas representa um desafio”, observa Dahl, que deixou a presidência do CBC para assumir a presidência da recém-criada agência regulatória. “A Ancine propiciou conquistas importantes: a retomada da regulação e normatização da atividade cinematográfica e audiovisual, a sistematização de colheita e disseminação de informações do mercado, a inauguração de uma política de coprodução com a TV por assinatura e o resgate das relações internacionais através da reintegração ao programa Ibermédia”, enumera Dahl, que permaneceu à frente da Ancine até o final de 2006. Também fizeram parte da primeira diretoria Augusto Sevá, João Eustáquio da Silveira e Lia Gomensoro Lopes.

Novo foco no financiamento, distribuição e exibição Em 2004 o governo resolveu também regular a televisão e assim, ampliar os poderes da Ancine, que, segundo o MinC, se chamaria Ancinav, uma mudança nos rumos da entidade lançada, na ocasião, pelo próprio Ministro Gilberto Gil. O projeto não resistiu à consultoria pública e foi bombardeado pelos grandes canais de TV e por uma oposição política ao governo no Congresso Nacional. Resultado: o projeto não saiu do papel. Em 2007 Manoel Rangel assume a presidência da entidade e começa a criação de novos mecanismos de regulação e incentivo à atividade audiovisual. “Recuperamos uma possibilidade de investimento direto pelo Estado com a criação do Fundo Setorial do Audiovisual, do Prêmio Adicional de Renda, do Programa Ancine de Qualidade. Tratamos de engajar outros órgãos no desenvolvimento da atividade – sensibilizamos o BNDES, que criou o seu departamento de economia da cultura. O Itamaraty criou a divisão de audiovisual para cumprir função específica de promoção do audiovisual no exterior. E temos hoje em tramitação no Congresso Nacional algo muito relevante: um novo marco regulatório para a televisão por assinatura”, explica Rangel. Outro desafio da Ancine esteve no esforço em abrir o foco da política de financiamento, antes voltada basicamente para a produção de filmes de longa-metragem. A entidade incrementou o financiamento de longas e abriu caminho para a produção independente de TV, animação e política de financiamento à distribuição, exibição, infraestrutura e fortalecimento das empresas brasileiras. “Procuramos fazer do Brasil um grande centro produtor e programador de obras audiovisuais, criando uma política competitiva e inovadora”, destaca Rangel. Um desses novos focos foi a questão da exibição e da distribuição. Havia filmes demais e distribuidores de menos, e coube à Ancine fortalecer as distribuidoras brasileiras. “Criamos linhas de financiamento, mecanismos de indução que estimulassem as distribuidoras privadas que atuavam no mercado de DVD a ampliar as operações para terem o produto brasileiro como um dos centrais na sua carteira, e uma atuação horizontal, abrangendo cinema, televisão e mercado de DVD”, diz Rangel. A televisão vem sendo tratada como prioridade. “Construímos um leque maior de parcerias da produção independente com a televisão brasileira – programadoras nacionais, internacionais ou TVs abertas”, confirma. A expansão do parque exibidor entrou na pauta da Ancine através do lançamento, em 2005, de uma linha de condições especiais

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para oferecimento de crédito a empresas exibidoras no BNDES. Em 2010 foi lançado o programa Cinema Perto de Você, com condições excepcionais de estímulo para abertura de salas no país, segundo Rangel. Em 2002/2003 havia cerca de 30 filmes brasileiros no cinema; em 2009/2010, o número subiu para 80. Nos últimos dois anos a produção superou a marca anterior à criação da Ancine. Chegamos em 2010 a 26 milhões de ingressos vendidos no cinema nacional, a maior quantidade desde a década de 80, época tomada por uma realidade completamente diferente em número de salas, em instrumentos de operação (o Estado contava com uma distribuidora) e regras (havia uma cota de tela de mais de 100 dias). “Nossas produtoras passaram a produzir mais filmes e, ao mesmo tempo, diversificaram. Aumentou a competitividade no setor. Há mais preocupação com resultado, em atingir parcelas do público, fazer circular a obra, alcançar resultados estéticos elevados. Nós estamos na melhor fase do cinema e do audiovisual brasileiro desde o momento em que a Embrafilme, o Concine e a Fundação do Cinema Brasileiro foram extintos”, observa Rangel.

tivemos com a TV Brasil. Também considero determinante a aceleração da coprodução com outros países. É a chance de pagarmos metade dos custos e atingirmos dois públicos ao invés de um”, pondera a produtora, que presidiu o CBC entre 2001 e 2002, no auge da criação da Ancine. Gustavo Dahl traz à tona a delicada questão da distribuição num momento marcado pela ascensão de novas tecnologias. “As salas de cinema hoje são importantes, mas não dá para equalizar uma política só em função delas. O DVD é um suporte a caminho da crise. No âmbito da TV por assinatura, a produção independente brasileira está restrita ao Canal Brasil e na TV aberta o espaço é pequeno. O modelo na internet ainda não foi desenhado. É preciso abrir caminho para as novas circunstâncias de negócios propiciadas pela tecnologia”, assinala Dahl. O atual presidente da Ancine afirma que se alguns filmes atualmente conseguem conquistar o mercado, enquanto outros sequer são lançados, trata-se um fenômeno mundial. O negócio do cinema passou a se organizar de maneira ainda mais acentuada numa lógica do evento e do fenômeno social que arrasta as pessoas para a sala. Alguns filmes têm a força de serem eventos; outros não se pretendem – e é bom que ofereçam proposta diversa. No Brasil, há políticas que suavizam essa situação visando a favorecer um conjunto de filmes na sua chegada ao mercado. “Temos edital de Entidade ainda tem problemas a solucionar apoio à distribuição, existente desde 2003, a cargo da Petrobras. Adaptamos mecanismos de incentivo fiscal para permitir que a Petrobras concreO problema da distribuição/exibição persiste até hoje e não tizasse isto. Percebemos que a iniciativa deveria ser voltada para os filmes parece ser um caso que a Ancine tenha de resolver sozinha. A das distribuidoras independentes, com menor estrutura de financiamento produtora Assunção Hernandes, que ajudou a articular a criapor trás de seu processo de produção. A Secretaria do Audiovisual criou ção do CBC e da Ancine, avalia, nesse momento de revisão, que a Programadora Brasil, que disponibiliza acervo de filmes brasileiros aos até hoje, após 10 anos de percurso da Ancine, o cinema brasicineclubes”, assinala Rangel. leiro ainda lida com antigos problemas. “Só 8% dos brasileiros Rangel aponta outros avanços da Ancine, como a abertura da televisão têm acesso ao cinema, seja porque não há salas em várias cipara a produção independente, que há dez anos trás era completamente fedades, seja porque o preço do ingresso é caro. Assistimos ao chada aos produtores, e as coproduções internacionais, que têm ajudado o fechamento quase absoluto das salas de rua. O cinema migrou cinema brasileiro a conseguir mais recursos e visibilidade no exterior. “Abripara os shoppings, onde vão aqueles que podem consumir. É mos o olhar dos produtores, dos agentes brasileiros, para o mercado interuma exclusão inaceitável num país que se diz democrático. nacional. Renovamos um conjunto de acordos de coprodução internacional, Tem que haver uma ação de Estado para viabilizar o acesso das criamos alguns editais internacionais de apoio à produção cinematográfica. várias camadas da população à cultura. E continuamos à marHouve uma mudança de mentalidade nas TVs, que se abriram para absorver gem da comunicação via TV, apesar do pequeno avanço que a produção independente e o cinema. O Brasil passou a ter uma produção de obras seriadas para TV, de alta qualidade e circulação internacional”, finaliza Rangel. Para Gustavo Dahl, o investimento nesse setor ainda é pequeno. “O cinema brasileiro acaba ficando isolado do resto do mundo. Às vezes, um filme alcança maior repercussão fora do que dentro do país. É o caso de “Estômago”, de Marcos Jorge, que foi visto por 100 mil espectadores no Brasil e por 1 milhão no exterior”, cita. Neste momento, a Ancine passa por uma reestruturação para faciliatar o trabalho da agência com os produtores. Em 2010 existiam 1.229 projetos ativos na Ancine, contra 759 em 2005. O número de agentes econômicos (produtoras de cinema, publicidade e TV) cadastrados na Ancine também aumentou de 692 em 2005 para 1.338 o ano passado. Além disso, estuda com o Conselho Superior de Cinema um plano para o cinema brasileiro nos próximos dez anos. (ver matéria sobre o O primeiro presidente da Ancine, Gustavo Dahl, e o distribuidor Marco Aurélio Marcondes em reuniões do CBC assunto na pagina 46). em 2001, durante a criação da agência reguladora do audiovisual

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osartigosartigosartigosartig osartigosartigosartigosarti os rtig sati rtti iggo osar rtig sati goos saar rtti ar iggo osar gosa osartigosartigosartigosarti O triunfante retorno da erotização no cinema brasileiro ROTEIRO

Priscila Prade

Por Newton Cannito

bado. Enquanto a personagem de “De Pernas pro Ar” é feita sob medida para conquistar o padrão da mulher consumidora atual, a personagem de “Bruna” é uma rebelde que desce aos infernos e gera uma identificação de outro tipo, uma identificação que mistura repulsa e fascinação. O fato de ser baseado em fatos reais e ter um blog de sucesso é, evidentemente, um elemento que ajuda na promoção do filme. Mas, mesmo assim, não era um filme de sucesso garantido. Uma coisa é ler o blog sozinha em casa, outra coisa é ir ao cinema assistir isso em imagens e com família reunida. O tema é ousado e um erro de tom poderia espantar o público. Por outro lado, se for demasiado pudico, não terá os elementos que o público busca. Trabalhar nesse limiar é um desafio que tem que ser resolvido na realização: no roteiro, na direção, na fotografia, etc... E assim foi! A rebeldia da personagem ficou bem construída na apresentação e sua “decadência” foi gradativa e justificada dramaticamente. Um destaque de direção são os vários pequenos momentos líricos, magnificamente construídos pela fotografia, que nos ajudam a entrar na emoção da personagem. Além de mostrar a possibilidade de erotização, a comparação desses filmes com a pornochanchada evidencia ainda outro aspecto de nosso cinema contemporâneo: a elitização dos personagens. A pornochanchada era um gênero popular e, via de regra, trabalhava com personagens populares. Tanto “De Pernas pro Ar” quanto “Bruna Surfistinha” trabalham com a classe média tradicional. Em “De Pernas pro Ar” a personagem é uma executiva e, até mesmo a entrada no mundo irracional do sexo é justificada pela “racionalidade” empreendedora de abrir um negócio. Em “Bruna”, o que choca não é ela ser “puta”, é ela ter saído da “Vila Mariana”, ser “uma de nós”. Depois do ciclo de interesse pela favela (que foi revelada para a classe média via cinema e cujos filmes interessaram mais a classe média do que aos favelados), nosso cinema volta a centrar esforços na representação da classe média tradicional, que é, atualmente, a grande consumidora de cinema. O próximo passo, no entanto, é a representação dos “emergentes”, os batalhadores da nova classe média, que são a grande novidade em nosso país. Eles são classe média em termos financeiros, mas não “culturais”, e consomem uma cultura de subúrbio vastamente contemplada na imensa variedade de nossa indústria musical, mas ainda ignorada por nossa indústria cinematográfica. Está aí o nosso novo desafio!

Newton Cannito

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os anos do pós-renascimento o cinema brasileiro tinha ficado meio pudico, casto, envergonhado. Traumatizado com a imagem que o público tinha de que nosso cinema era demasiado erótico, o cinema brasileiro seguiu o caminho inverso: todos passaram a criticar a pornochanchada e nosso cinema ficou bastante bem-comportado, focando em filmes sérios (dramas sociais e dramas históricos) e em comédias românticas leves sobre o universo da classe média tradicional. O sucesso recente de dois filmes (“Bruna Surfistinha” e “De Pernas pro Ar”) mostrou que o erotismo ainda é um elemento de atração do público, seja na comédia, seja no drama. Analisar e refletir sobre o sucesso desses dois filmes ajuda a pensar possibilidades para nosso cinema. “De Pernas pro Ar” retoma um tipo de sexualização que lembra os primeiros anos da pornochanchada, quando o gênero ainda era mais chanchada que pornô. As comédias eram mais puras e a sexualidade era muito mais um tema do que um fato. As cenas de sexo e nudez eram poucas e/ou inexistentes. “De Pernas pro Ar” faz isso, mas com uma grande novidade: é uma pornochanchada do ponto de vista feminino! Ao contrário do que acontecia nos anos 70, com a maioria dos filmes falando de liberação do ponto de vista masculino, a novidade de “De Pernas pro Ar” foi inserir no gênero o universo feminino. Mudar o ponto de vista de um gênero é sempre uma formula de inovação e sucesso. “Tropa de Elite” inovou ao construir um policial do ponto de vista da polícia, e “De Pernas para o Ar” inovou ao construir uma pornochanchada do ponto de vista da mulher. O filme se tornou, assim, uma bem-sucedida autoajuda para a liberação sexual feminina. “Bruna Surfistinha”, por outro lado, não tem nada de chanchada. Está mais para o que o crítico Inimá Simões chamou de “cinema erótico paulista”. “Bruna” é um drama muito bem realizado e feito na dose certa para, simultaneamente, chocar e fascinar as mulheres da classe média atual. Muitas são liberais no discurso, mas não na prática; adoram ler sobre putas (há dados que mostram que o universo de “Bruna” era mais lido por mulheres do que por homens), mesmo que depois as critiquem veementemente, em verdadeiros surtos de moralismo exacer-

é roteirista e ex-Secretário do Audiovisual do MinC

‘De Pernas pro Ar’ inovou ao construir uma pornochanchada do ponto de vista da mulher. O filme se tornou, assim, uma bem-sucedida autoajuda para a liberação sexual feminina

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osartigosartigo rtig gosa arti artigosartigosartigosartigo ig osartigosartigosartigoos sa r a ig rt sa go ti ar gosartigos ti artigosartigosartigosartigo Fotografia

Sou a favor de que se estabeleçam normas nos desenhos do workflow do início ao fim de um projeto. Filmes que foram pensados inicialmente como uma futura ampliação, ao serem projetados digitalmente fora dos padrões das normas estabelecidas, perdem a riqueza do grão que foi somado na textura do transfer e da cópia Por Kátia Coelho

Kátia Coelho

é diretora de fotografia de “A Via Láctea” e “Corpos Celestes”, entre outros.

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embrar a todos que o cinema digital está rodando a 24 quadros equivale a dizer que o digital quer ser cinema, ele quer democratizar, pluralizar a linguagem, mas não é seu desejo banalizar a imagem. Essa crise da identidade da imagem digital chega, em muitos momentos, com força a mim e a muitos dos meus colegas diretores de fotografia. Receptiva à chegada do formato, fotografei “A Via Láctea”, filme dirigido pela cineasta Lina Chamie, captado com a câmera Mini-DV Panasonic DVX100, recém-lançada na época. O filme foi feito com a consciência de que aquela imagem, testada em todas as suas locações internas e exteriores noturnos, era a correta para narrar aquela história. Havíamos feito juntas “Tônica Dominante”, longa-metragem captado em película 35 mm em linguagem mais clássica. “A Via Láctea” representou o Brasil no Festival de Cannes em 2007, foi exibido em mais de 50 festivais internacionais e isso nos trouxe a certeza de que a forma de captação foi corretamente escolhida como narrativa da imagem. Após “A Via Láctea”, filmei “Corpos Celestes”, dirigido por Marcos Jorge e Fernando Severo, captado em 35 mm; “O Senhor do Labirinto”, dirigido por Geraldo Motta e Gisella de Mello, em Super 16 mm com posterior ampliação; fiz também um longa-metragem em Super 8 que foi concebido para posterior ampliação em 35 mm em testes feitos na preparação da filmagem. No ano passado, fiz projetos com a Red e em Super 35. Meus próximos longas serão captados nos mais variados formatos, do digital ao Super 35 mm. Em paralelo às parcerias com meus colegas diretores, o próprio digital, com seus erros e acertos, me fez desejar outras formas de realizar o cinema. Venho escrevendo roteiros com o diretor de fotografia Naji Sidki, e estamos nos preparando para a filmagem de um curta-metragem em 3D, parceria com a Cinepro/Dot, além de um documentário de longa-metragem filmado com duas câmeras Red em captações simultâneas. Outro aspecto do nosso trabalho como diretor de fotografia diz res-

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Aline Marco

Pensando a fotografia digital

peito à exibição, projeção ótica ou digital. Por vezes, tem sido frustrante a exibição dos filmes que fotografo. A não obediência a normas mundiais estabelecidas em relação ao que seria a qualidade da exibição digital pode trazer muitas frustrações no trabalho do diretor e do diretor de fotografia. Nada contra formas variadas de exibição, mas tudo a favor de que se estabeleçam normas nos desenhos do workflow do início ao fim de um projeto. Filmes que foram pensados inicialmente como uma futura ampliação, ao serem projetados digitalmente fora dos padrões das normas estabelecidas, perdem a riqueza do grão que foi somado na textura do transfer e da cópia. O grão é um fator de importância na narrativa de uma história se assim foi previamente determinado. O que seria o pontilhismo na pintura sem o grão? O cinema nasceu mudo. O som digital procura ainda seu espaço absoluto se impondo nas salas de cinema como parte da sensibilização que o filme pode agregar ao espectador. Contudo, temo que ele, o cinema, tenha deixado de ser mudo, mas esteja ficando cego. A imagem, confusa, procura entender o que ela mesma representa. O cinema brasileiro vem ganhando prestígio, com sua qualidade no fazer e no dizer, em festivais internacionais, mas a autoestima do seu produto tem que existir dentro do próprio país. Novas normas de pensamento para o digital devem ser estabelecidas desde a captação até a exibição, visando a preservação da espécie do cineasta e do diretor de fotografia brasileiro. É extremamente necessário que o prazer de construir e ver uma imagem sobreviva.


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legislacao audiovisual ..

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A Lei Rouanet e o blog da Bethânia

atividades, dentre as quais o cinema e audiovisual, esporte e assistência social (fundos da criança e adolescente e fundos de amparo ao idoso). Destes todos, só a Lei Rouanet confere aos doadores e patrocinadores benefício fiscal inferior a 100% (em grande parte dos casos como uso de Rouanet o benefício é da ordem de 64% do valor patrocinado, e o patrocinador arca com os 36% restantes). A primeira questão que se coloca, do ponto de vista da renúncia fiscal da União, então, é: se a ideia é acabar com a Lei Rouanet, por que não acabar junto com todas as outras? É óbvio que só ela é mencionada pois somente ela foi alvejada pelo irresponsável discurso. Virou a grande vilã não apenas do setor cultural, mas de todas as políticas do Governo Federal. Nada mais injusto. E o resultado da aplicação de recursos? Está patente para todos os cidadãos: filmes no cinema ocupando mais de 20% do market share, programação extensa de teatro e espetáculos de música, exposições da maior importância, projetos sócio-culturais belíssimos: Sinfônica de Heliópolis (trabalho brilhante do Instituto Bacarelli), projeto de leitura na Amazônia “Vagalume” e outras centenas, senão milhares, que não caberiam neste artigo. Especificamente em relação ao blog da Bethânia, perguntamos: por que não mais um belo projeto de poesia a ser difundido via internet de forma aberta a toda população? A ideia em si é excelente, e plenamente adequada aos objetivos da Lei Rouanet. Relegada às relações de mercado, uma artista como a Bethânia poderia dedicar-se seriamente à difusão da poesia? Não estaria aqui a Lei Rouanet cumprindo seu papel? Não conhecemos o conteúdo do projeto no seu detalhe e nem dele somos parte, para aqueles que já pensem no petardo leviano de defesa em causa própria. Para além da questão do blog da Bethânia, está em discussão um modelo bem-sucedido de financiamento conjunto, parceria entre Estado e iniciativa privada, que funciona. Recomendamos: ampliemos o foco. Do contrário, talvez valha a pena aos críticos de plantão defender, junto com o fim da Lei Rouanet, o exame de renda das pessoas que compraram automóveis com isenção de IPI, pois no caso é renúncia fiscal para estimular o aumento do patrimônio daqueles que podem comprar um automóvel (!). Mais: defendam que os carros adquiridos com isenção de IPI circulem com a bandeira do Brasil e logomarca do Governo Federal, e seus proprietários obrigados a dar carona para a população brasileira que padece de um bom sistema de transporte público. E por fim: a imunidade tributária de papel para impressão de livros, defendida por Jorge Amado na década de 40 como universal, seja restrita a livros de destinação social. Ora, faça-nos o favor.

são advogados sócios do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados. Fabio é autor do livro “Guia de Incentivo à Cultura” e coautor dos livros “Projetos Culturais” e “Globalização da Cultura”

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esolvemos entrar nesse debate para subsidiar o direito que todos os cidadãos têm de conhecer diferentes pontos de vista, além de jogar um pouco de lenha na fogueira. Alguns estão vendo na discussão a pretensa confirmação da necessidade de alterar a Lei Rouanet; outros estão defendendo o direito do artista de receber pelo trabalho que realiza. De nossa parte, estamos buscando evitar que discussões menores e de curto alcance venham a nublar uma visão mais abrangente sobre os rumos da política cultural no país. A pretensa discussão encaminhada pelo Ministério da Cultura sobre o rumos da Lei Rouanet até inicio do ano passado mais se aproximou de um monólogo. A proposta de alteração da Lei Rouanet formulada naquele período era sofrível sob todos os pontos de vista: técnico-legislativo, político, de mercado, dos artistas, da população e de quem mais se possa imaginar. Aqueles que possam discordar já do primeiro parágrafo, atenção: não estamos criticando o discurso do Ministério do ponto de vista conceitual, mas sim a baixa qualidade técnica do texto que pretendia dar cabo às mudanças. Este continha ofensas seguidas ao principio da legalidade e não atingia a nenhum dos problemas apontados no discurso. Repetimos: não atingia a nenhum dos problemas apontados no discurso utilizado para fundamentá-lo. O discurso era apresentado em duas facetas: uma voltada para mídia, buscando mostrar o quão nefasta e perversa era a Lei Rouanet, dominada pelos “homens de marketing”; e outra que apresentava as modificações propostas, como o aumento da ingerência do Estado nas decisões e o tolhimento da participação da sociedade atualmente garantida pela Lei Rouanet. A partir disso tudo mudaria, como num passe de mágica, com o assim batizado Procultura. Era um engodo. O texto protocolado na Câmara era, como dissemos, um desastre. Para sorte de todos, ao longo de 2010, a Comissão de Educação e Cultura da Câmara coletou opiniões mais heterogêneas no mercado e, ajudados por uma importante lucidez que surge no Ministério da Cultura nesse período, tivemos o substitutivo ao texto do governo aprovado na Comissão de Educação e Cultura. A autora do substitutivo, deputada Alice Portugal, realmente acertou a mão nas modificações realizadas e hoje temos um bom projeto tramitando no Congresso Nacional. Ressalte-se: completamente diferente do texto original (pode ter ajustes e melhoras pontuais ainda ao longo de sua tramitação, mas o texto que circula é muito melhor em todos os sentidos e muito mais afinado com o discurso original que todos aplaudiam). Percebendo que do ponto de vista técnico-legislativo o projeto avançou, como fica o resíduo do discurso? Sobrou para a população comum a percepção de que a Lei Rouanet é uma perversidade e ponto. O pior é que o “tiro no pé” sai da boca justo das pessoas do meio cultural, e não representa a verdade. Senão vejamos: de todos os incentivos concedidos pela União, a Rouanet representa cerca de 1,2% do total. A calha sob a qual as pessoas físicas ou empresas podem destinar recursos a atividades culturais concorre com inúmeras outras

Se a ideia é acabar com a Lei Roua� ����� net, por que não acabar junto com todas as outras? A lei virou a grande vilã não apenas do setor cultural, mas de todas as políticas do Gover� no Federal. Nada mais injusto.

Fabio de Sá Cesnik e José Maurício Fittipaldi

Por Fabio de Sá Cesnik e José Maurício Fittipaldi

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cinema nacional ............................................................................................................................................

Conselho sugere diretrizes para próximos 10 anos ove produtores membros do Conselho Superior de Cinema, órgão vinculado ao Ministério da Cultura e presidido pela Ancine, criaram uma sugestão de pauta para diretrizes e ações políticas, como meta para os próximos dez anos do audiovisual brasileiro, buscando reivindicar seu espaço de importância. “É um bom momento para se reavaliar, à medida que o tempo vai passando, os mecanismos, a legislação, tudo que existe voltado para o audiovisual, o papel do cinema, o papel cada vez mais crescente da televisão, das novas mídias. A primeira avaliação que tivemos nesse primeiro governo tinha como proposta estabelecer metas para os próximos anos, quais são as prioridades”, comenta Marco Altberg, representante civil na área de televisão e novas mídias, signatário do documento, ao lado de Bruno Wainer, João Daniel Tikhomiroff, Mariza Leão, Paulo Mendonça, Ricardo Difini Leite, Roberto Moreira, Rodrigo Saturnino Braga e Wilson Feitosa. “A deliberação é do ponto de vista dos produtores. Partimos do pressuposto de que não se trabalha de projeto a projeto. Desejamos que, numa indústria de audiovisual, as empresas tenham seus programas de projetos de longa duração, e não a cada projeto, como vivemos hoje. O que se deseja é que se tenha uma perspectiva duradoura, de um programa de produção para empresa. Trata-se de um projeto de fortalecimento das empresas”, explica Altberg, que assumiu como conselheiro titular agora em 2011. Entre outras reivindicações do documento, estão a desburocratização do mecanismo do Fundo Setorial, a revisão e correção do regime tributário e fiscal, o aumento na difusão internacional, uma política de produção transmi-

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Membros do Conselho Superior de Cinema na primeira reunião de 2011, em Brasília

diática a partir do PLC 116, o aumento de recursos da SAv para novos diretores, e o reforço de políticas de preservação e de difusão via cinematecas e cineclubes. O Conselho Superior de Cinema ganhou sua nova e atual configuração com a fundação, em 2001, da Ancine, o órgão responsável para aplicação das orientações do conselho. No novo governo, a ideia é que as reuniões trimestrais sejam seguidas à risca e que os grupos de trabalho exerçam suas tarefas.

mercado .............................................................................................................................................................

Agentes facilitam a venda de filme brasileiro no exterior az alguns anos o cinema brasileiro conta com agentes internacionais que ajudam os produtores a vender seus filmes para o mercado externo. Esse agentes tem preferências por filmes que façam percursos de festivais de prestígio, como Cannes, Berlim, Toronto, Locarno e Roterdã. Mas também apostam em filmes que ainda não chegaram aos festivais, e inclusive alguns agentes ajudam o filme a entrar nesses eventos. “O agente basicamente faz a ponte entre um produtor de um determinado país e distribuidores de outros lugares do mundo. Ou seja, é o representante comercial fora do país de origem. O produtor não tem custos e a world sales ganha uma comissão com as vendas do filme”, explica Eduardo

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Raccah, representante da FiGa Films, que opera nos EUA e na Alemanha, distribuindo para o mundo o novo cinema latino-americano. Fora do Brasil, qualquer filme brasileiro é cinema alternativo, de “Tropa de Elite 2” a “Céu sobre os Ombros”. E ainda tem a língua portuguesa, que diferentemente do inglês ou espanhol, é pouco conhecida no mundo. Além da FiGa Films, outras agências de vendas se especializaram no cinema brasileiro e latino, como a Ondamax, a Tropicalstorment Entertainment, a Americine, a Elo Company, a One Eyes Films, entre outros. Produtores normalmente tem suas competências e energias voltados a financiar e vender os filmes que produzem em seu próprio país. Como o agente de vendas é

especializado somente na comercialização e conhece profundamente o mercado internacional, sabe muito bem como apresentar um determinado filme fora do Brasil, conhece as peculiaridades do mercado de cada região. “Vale lembrar que é o agente de vendas que promove o filme em festivais no exterior e dessa maneira acaba prestando uma consultaria de festivais aos produtores. Dependendo da época do ano em que um filme ficou pronto e quais são suas características, o agente vai traçar uma estratégia para a presença do filme em festivais, o que é de suma importância para o sucesso comercial e de público”, complementa Raccah, que tem em sua carteira de distribuição os filmes “O Céu sobre os Ombros”, “Riscado” e “A Alegria”.


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animacao ............................................................................................................................................................ ..

Enfim chegou a retomada da animação Revista de CINEMA publica em primeira mão um levantamento inédito dos filmes de animação que mostra claramente um grande aumento da produção desse gênero de cinema no país. Novos filmes e programas televisivos do gênero animação começaram a se destacar nos últimos anos, e atualmente estão sendo produzidas 35 séries de animação e 15 longas-metragens. Os dados foram levantados pelo animador Arnaldo Galvão, um dos fundadores da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA). Cena de “Carrapatos e Catapultas”, da Zoom Elefante, uma das animações premiadas pelo AnimaTV, que ganhou 13 episódios Para Galvão, são três os motivos desse aumento: “Nos últimos da produção publicitária foi quem ensinou ser apreciadas sem fronteiras, com uma simanos, os investimentos em audiovisual fomuitos dos profissionais a trabalhar e manples dublagem”, explica. ram mais diversificados. Não só para proteve o caixa das empresas”, explica. No Entre os programas que têm incentivado dução, mas também para desenvolvimenlevantamento, dos 23 longas de animação a animação, está o AnimaTV, uma parceria to. Muitos projetos receberam incentivos já produzidos na história do país, 16 são de da SAv, do SPC, da ABEPEC, da TV Brasil e para investir em roteiro, desenvolvimento São Paulo. “Em mais de 90 anos de história da TV Cultura. Criado em 2008, o programa de personagens, criação da bíblia e plano do cinema de animação, foram realizados acompanhou todas as etapas de desenvolvide negócio. Outro tipo de incentivo permite 23 longas aqui. Metade desses foram feitos mento de uma série televisiva de animação: que as TVs paguem apenas uma fração do na última década. A TV só começou a exi250 projetos, voltados para o público de 6 a custo total das séries, garantindo competibir series de animação produzidas no Brasil 14 anos, foram inscritos no concurso naciotividade com o produto importado que chehá quatro anos atrás. Esse resultado que nal; 17 foram pré-selecionados para desenga com o preço subsidiado. Os incentivos começamos a ver parece o começo de um volverem um piloto. Após a teledifusão dos também atingiram pequenas produtoras, novo ciclo, mas muita gente trabalhou para pilotos, dois foram escolhidos para serem agências e criativas, que conseguiram isso ficar visível. Cada vez mais produtores, desenvolvidos, cada um com 13 episódios de acessar recursos para produzir”. distribuidores, exibidores e gestores cultu11 minutos. Os selecionados foram “Tromba rais estão interessados em animação e com Trem”, da produtora Copa Estúdio, e “CarNovos softwares e mais recursos para o paciência para entender o tempo de maturapatos e Catapultas”, da Zoom Elefante. A setor – Alguns incentivos permitem que os ração”, comenta Galvão. primeira animação versa sobre um elefante produtores viajem para os mercados exterNo levantamento, só entraram projetos desmemoriado e um tamanduá vegetariano nos e exibam seus produtos. Outra questão que já receberam algum tipo de verba em numa viagem de trem pela América Latina, são os novos e potentes softwares que faedital público, como Petrobrás, BNDES, FSA e a segunda sobre quatro carrapatos no cilitam o trabalho de animar e gerenciar a ou local. São eles: “Lutas”, “Bugigangue no Planeta Vaca. Em breve, a Fundação Padre produção, além de novos hardwares mais Espaço”, “Minhocas”, “Historiestas AssomAnchieta - TV Cultura deve lançar o Funcine baratos e acessíveis. O terceiro fator é que, bradas”, “Uma Noite na Biblioteca”, “Um PeAnima SP, que terá mais de R$ 20 milhões disa partir de 2005, com a criação da Cinema do queno Problema – Peixonauta”, “Tarsilinha”, poníveis para aplicação. Brasil e da Associação Brasileira dos Pro“Nautilus” e “Cuca no Jardim”, todos de São No levantamento de Galvão, uma coisa dutores Independentes de Televisão (APBIPaulo, e “A Floresta é Nossa” (PR), “Até que se sobressai: das 35 sériesque estão sen-TV), os produtores começaram a buscar o a Sbórnia nos Separe” (RS), “Bruxaria 3D” do produzidas atualmente, 32 estão sendo mercado internacional, onde a animação tem (RS), “As Aventuras do Avião Vermelho” feitas em São Paulo. No quesito longas, a grande destaque, uma vez que possibilita a (RS), “Ritos de Passagem” (BA) e “A Turma situação é menos discrepante: das 15, 9 são criação de histórias universais que podem do Pererê” (RJ). paulistas. “Acredito que o fator histórico

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INSCRIÇÕES 11º Indie – Mostra de Cinema Mundial Focado na exibição do cinema independente, autoral e na realização de novos diretores, o Indie acontece em Belo Horizonte e em São Paulo. Inscrições: até 31 de maio. Data: 2 a 8 de setembro (BH), 16 a 22 de setembro (SP). Mais informações: www.indiefestival.com.br 39º Festival de Cinema de Gramado Mesmo tendo o prestígio abalado nos últimos anos, o Festival de Gramado, um dos mais antigos do país, continua um dos mais importantes. Inscrições: até 1 de junho. Data: 5 a 13 de agosto. Mais informações: www.festivaldegramado.net 22º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo O Curta Kinoforum é hoje a principal janela para curtas-metragens do país, tendo uma programação com mais de 400 filmes do mundo inteiro. Inscrições: até 16 de maio, se concluído em 2010; até 10 de junho, se concluído em 2011. Data: 25 de agosto a 02 de setembro. Mais informações: www.kinoforum.org.br 38ª Jornada Internacional de Cinema da Bahia Um dos mais antigos do país, o festival é o maior do estado baiano. Inscrições: até 20 de junho. Data: 9 a 15 de setembro. Mais informações: www.jornadabahia.com 6º Cinefantasy – Festival Internacional de Cinema Fantástico O maior festival dedicado ao gênero fantástico (ficção científica, horror e fantasia) da cidade de São Paulo. Incrições: até 24 de junho. Data: 30 de agosto a 11 de setembro. Mais informações: www. cinefantasy.com.br 13º Festival Internacional de Curtas BH Principal festival dedicado exclusivamente a curtas-metragens do estado de Minas Gerais. Inscrições: até 30 de junho. Data: 14 a 23 de outubro. Mais informações: www.festcurtasbh.com.br 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo Principal mostra de cinema do país dá destaque a novos realizadores, com vastíssima quantidade de produções exibidas. Inscrições: até 1º de julho. Data: 21 de outubro a 3 de novembro. Mais informações: www.mostra.org 21º Curta Cinema – Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro O Curta Cinema acontece no Rio de Janeiro, e é o único festival no Brasil a qualificar anualmente um curta nacional e um curta estrangeiro a pleitear uma indicação ao Oscar. Inscrições: até 15 de julho. Data: 27 de outubro a 6 de novembro. Mais informações: www. shortfilmdepot.com 13º Festival do Rio Além de vitrine para a produção contemporânea mundial, serve como plataforma de lançamentos do cinema brasileiro e latino. Inscrições: maio e junho. Data: 6 a 18 de outubro. Mais informações: www. festivaldorio.com.br FESTIVAIS E MOSTRAS CineDocumenta – 8ª Mostra de Cinema Documentário de Ipatinga A mostra, que ocorre na cidade mineira, objetiva a produção documental e o fortalecimento audiovisual do Vale do Aço. Data: 18 a 22 de maio. Mais informações: www.cinedocumenta.com.br

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21º Cine Ceará – Festival IberoAmericano de Cinema Há duas décadas, contribui com a imagem da cultura no Ceará, reunindo manifestações artísticas do Brasil e da Ibero-América. Data: 8 a 15 de junho. Mais informações: www. cineceara.com.br XIII FICA – Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental A interação entre cinema e ecologia, sintonizada para a mostra e discussão da temática ambientalista, é a base que faz do festival goiano. Data: 14 a 19 de junho. Mais informações: www.fica.art.br Cinesul 2011 - Festival IberoAmericano de Cinema e Vídeo Em sua 21ª edição, a mostra ibero-americana ocorre no Rio de Janeiro, promovendo filmes em seus mais variados formatos. Data: 14 a 26 de junho. Mais informações: www. cinesul.com.br 6ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto A mostra é especializada em trazer o cinema brasileiro do passado para as novas gerações, pensando-o criticamente. Data: 15 a 20 de junho. Mais Informações: www.cineop.com.br 10ª Mostra do Cinema Infantil de Florianópolis Primeira Mostra de Cinema exclusiva para o público infantil no Brasil. Tem como objetivo principal o desenvolvimento e fortalecimento do cinema voltado para as crianças, atuando concretamente na formação para o cinema brasileiro. Data: 23 de junho a 10 de julho. Mais informações: www.mostradecinemainfantil.com.br 15º FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul Além da difusão de filmes, é lugar de discussão sobre as políticas públicas, debates sobre cultura e estética na produção audiovisual e intercâmbio de ideias e projetos através do Fórum Audiovisual Mercosul. Data: 24 de junho a 1º de julho. Mais informações: www.panvision.com.br Revista de CINEMA

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REVISTA DE CINEMA ON-LINE www.revistadecinema.com.br

• Espaço do Realizador Lista completa com investidores e distribuidoras internacionais, concursos e editais ao redor do Brasil, e um arquivo da cobertura de mercado da Revista de CINEMA

• 21º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema Entre 8 e 15 de junho, acontece, em Fortaleza, um dos maiores festivais brasileiros

• 6º CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto Voltado para preservação e memória, o Cine OP ganhou adeptos por pensar no patrimônio histórico. Acontece na cidade mineira entre 15 e 20 de junho

• 15º FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul O FAM é o principal festival voltado para o mercado do Mercosul. Ocorre em Florianópolis, entre 24 de junho e 1º de julho

• Estreias

“Carros 2”, de John Lasseter e Brad Lewis

SERVIÇO • BILHETERIAS Acompanhamento semanal do desempenho dos filmes nas salas de cinema

• FESTIVAIS E EDITAIS Lista completa dos principais festivais e editais de cinema no país

• PRODUÇÃO Lista completa do levantamento da produção nacional atual e arquivo das anteriores

• NEWSLETTER Receba a newsletter do site da Revista de CINEMA, com informações exclusivas sobre renda e público dos filmes, além das principais notícias do site.

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Revista de CINEMA

ONDE ENCONTRAR A REVISTA DE CINEMA BELO HORIZONTE • Rodoviária, s/nº – Centro • R. Rio de Janeiro, 602 – Centro / Praça 7 • Av. Cristóvão Colombo, 280 – Funcionários • Av. Brasil, 911 – Santa Efigênia • Av. Afonso Pena, 728 – Centro • R. Tamoios c/ R. Rio de Janeiro – Centro • Av. Cristiano Machado, 4.000 – Cidade Nova / Minas Shopping • Av. André Cavalcante, 583 – Gutierrez • Av. Carlos Luz, 3.001 – Pampulha / Shopping Del Rey • Rod. BR 040, 447 – Belvedere • Av. Olegário Maciel, 1.600 – Lourdes • Av. Francisco Sales, 898 – Santa Efigênia / Extra • Av. João César de Oilveira – Cidade Industrial / Itaú Shopping BRASÍLIA • Livraria Cultura – Shopping Casa Park • FNAC Brasil – Park Shopping • Leal e Cintra – Brasília Shopping • Edna Cintra – EQS 103 Asa Sul • Rita Milar – Rodoviária do Plano Piloto • Samuel Credmann – Rodoviária do Plano Piloto • Helenice Dias – Estacionamento do Pátio Brasil Shopping • Siciliano – Park Shopping • Sueli Pereira – Centro Comercial Gilberto Salomão Lago Sul • Trevo Presentes – Terraço Shopping CURITIBA • Av. Luiz Xavier, 84 • R. Bom Jesus, 1.032 • Pça. da Espanha, 93 • FNAC – Shopping Barigüi • R. Cel. Menna B. Monclaro, 24 • Av. Sete de Setembro, 5.516 • Pça. Divina Pastora • Av. Luiz Xavier esq. Ébano Pereira • Av. Rep. Argentina, 391 FLORIANÓPOLIS • Pça. XV de Novembro, s/nº – Centro – Frente Catedral • R. Henrique Veras, 270 – Lagoa da Conceição • Pça. XV, s/nº – Centro – Frente calçadão • Shopping Center Itaguaçu – Itaguaçu • Gov. Ivo Silveira, 2.445 – Capoeiras • R. dos Ilhéus, 46 Loja 03 – Centro • R. Tiradentes, 10 – Centro • R. Lauro Linhares, 600 A – Trindade • Beiramar Shopping Center– Centro • Shopping Center Floripa – Saco Grande JUNDIAÍ • Banca Boulevard – Av. 9 de Julho, 1.650 • Revistaria Maxi Shopping – Av. Antônio Frederico Ozanan • Valmon Comercial – Rod. dos Bandeirantes, km 28 • Valmon Comercial – Rod. dos Bandeirantes, km 72 PORTO ALEGRE • R. da República c/ Av. João Pessoa • R. José de Alencar, 938

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Av. Praia de Belas, 408 Pça. Largo Glênio Peres, 0 Av. Túlio de Rose, 80 Av. Praia de Belas, 1.181 Av. Ipiranga, 5.200 R. dos Andradas, 1.001

RIO DE JANEIRO • Av. Francisco Bicalho, 1 – São Cristóvão • Av. das Américas, 4.666 – Barra da Tijuca • R. Visconde de Pirajá, 276 – Ipanema • R. Irineu Marinho, 30 – Cidade Nova • Av. Ataulfo de Paiva, 1.292 – Leblon • R. do Catete c/ R. Machado de Assis, s/nº – Largo do Machado • Av. das Américas, 500 – Barra da Tijuca • R. Jardim Botânico, 588 – Jardim Botânico • R. Visconde do Rio Branco, 139 – Niterói • R. Jardim Botânico, 700 – Jardim Botânico • Av. das Américas, 1.510 – Barra da Tijuca • Av. Rio Branco, 156 – Centro SALVADOR Caren Livros e Revistas Ltda. – Shopping Itaigara VYB Banca de Revistas Ltda. – Shoppim Iguatemi. Av. Manoel Dias da Silva, 2089 – Pituba Ponto Cultural – Av. Oceânica, Ondina Expansão Jornais e Revistas Ltda. – Shopping Barra • Banca Hiper – Av. Octavio Mangabeira, Armação • A Justino e Cia. Ltda. – Aeroporto de Salvador. • A Noticia Jornais Livros e Revistas Ltda • • • • •

SÃO PAULO • Livraria do Espaço Unibanco de Cinema – R. Augusta, 1.470 – Cerqueira César • Al. Santos, 960 – Bela Vista • Av. das Nações Unidas, 4.777 – Alto de Pinheiros • Av. Paulista, 2.073 – Cerqueira César • Pça. dos Omaguas, 34 – Pinheiros • Av. Paulista, 2.093 – Cerqueira César • Av. Sumaré, 440 – Perdizes • Av. Jabaquara, 1.397 – Mirandópolis • Terminal Rodoviário Barra Funda – Barra Funda • R. Barão de Itapetininga, 163 – Centro • Pça. da República, 32 – Centro • Pça. Vilaboim, 44 – Higienópolis • R. Assungui, 642 – Vila Gumercindo • Pça. Dep. Dário de Barros, 15 – Cidade Jardim • Trav. Casalbuono, 120 – Vila Guilherme • R. Gonçalves Crespo, 78 – Tatuapé • Pça. Charles Miller, s/nº – Pacaembu • Av. Paulista, 900 – Paraíso VITÓRIA • Av. Vitória, s/nº, Jucutuquara • Av. Jerônimo Monteiro – Centro • R. Ferreira Coelho – Praia do Suá • R. José Neves Cipreste – Jardim da Penha • Av. Nossa Senhora da Penha – Praia do Canto • Pça. Regina Frigeri Furmo – Jardim da Penha • R. Gastão Roubac – Praia da Costa – Vila Velha • Av. Gil Veloso – Praia da Costa – Vila Velha • Av. Abdo Saad, 1.296 – Jacaraípe – Serra • Av. José Maria Vivacqua – Jardim Camburi




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