Revista de Engenharia: reflexões, experiências, ensino 2015 - UP

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Volume 1 - NĂşmero 1 de 2015


Expediente

Conselho Editorial

Publicação anual - Cursos de Engenharia da Universidade Positivo Reitor José Pio Martins Pró-Reitor Administrativo Arno Antonio Gnoatto

Integrantes externos Prof. Dr. Alan Ricardo da Silva Prof. Dra. Bárbara de Cássia Xavier Cassins Aguiar Prof. MSc. Emilio E. Kavamura Prof. Dr. Márcio André Martins Prof. Dr. Nestor Saavedra Prof. Dr. Rubens Alexandre de Faria Prof. Dr. Volmir Eugênio Wilhelm Prof. Dr. Wilerson Sturm

Pró-Reitor Acadêmico Carlos Longo

Integrantes da UP Giancarlo de França Aguiar Celso Rogério Klammer Vitória Rodrigues e Silva Ricardo Pedrosa Macedo

Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa João Batista Machado

Coordenação Editorial Giancarlo de França Aguiar Celso Rogério Klammer Vitória Rodrigues e Silva

Diretor da Escola de Engenharia Luciano Carstens

Assistente de Pesquisa e Organização Giancarlo de França Aguiar Projeto Gráfico e Diagramação Letícia Corona Fazolari Ricardo Pedrosa Macedo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca da Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil)

E57

Engenharia : reflexões, experiências, ensino. – Vol. 1, n. 1 (jun. 2015)- . – Curitiba : Universidade Positivo, 2015Anual. ISSN 2446-807X Impressa ISSN 2446-7030 Digital 1. Engenharia - Periódicos I Universidade Positivo.

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Sumário

Evolução e Atualidades das diretrizes e ações para a educação em Engenharia

13

Organizador Benedito Guimarães Aguiar Neto

ATIVIDADES PRÁTICAS NA DISCIPLINA DE QUÍMICA: AMPLIANDO OS LIMITES DO LABORATÓRIO E INTEGRANDO CONHECIMENTOS

43

Paulo Roberto Janissek Karen J. Amaral

O ENSINO DA FÍSICA E OS PRIMEIROS ANOS DE ENGENHARIA: O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA BEM SUCEDIDA

57

VOLUMES DE SÓLIDOS DE REVOLUÇÃO COM A UTILIZAÇÃO DE TRABALHOS EM ENGENHARIA

71

ALGORITMOS VIVOS

81

METODOLOGIA DE PROJETOS NO ENSINO DE TECNOLOGIA DOS MATERIAIS E CONSTRUÇÃO CIVIL

89

REVISÃO COM INTEGRAÇÃO DE CONTEÚDOS NO PROCESSO DE MOTIVAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS EM UMA DISCIPLINA DE SISTEMAS DIGITAIS

101

Jackson Milano

Giancarlo de França Aguiar Bárbara de Cássia Xavier Cassins Aguiar

Pedro Luis Kantek Garcia Navarro

Patrícia Lizi de Oliveira Maggi

Valfredo Pilla Jr


AVALIAÇÃO DA VIABILIDADE TÉCNICA E ECONÔMICA NO USO DE LÂMPADAS DE LEDS

113

Amarildo Geraldo Reichel

Uso de técnicas de gamificação como proposta motivacional na engenharia – UM ESTUDO DE CASO NA ENGENHARIA DA COMPUTAÇÃO

125

Eduardo Juliano Alberti Felipe Augusto Przysiada Alessandro Brawerman

AS ARMAS NUCLEARES E AS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS Dinis Gomes Traghetta

137



Apresentação

É com enorme satisfação que apresento a revista “Engenharias: reflexões, experiência e ensino” produzida por professores da Universidade Positivo interessados em criar novas alternativas de ensino para a área de ciências exatas. Sabemos que a aprendizagem neste segmento é considerada um grande desafio há muitas gerações. Mais do que nunca, requer, ou mesmo exige, dos educadores constantes pesquisas e projetos experimentais que busquem ampliar o nível dos resultados alcançados pelos alunos nessa importante área de conhecimento. O lançamento desta revista é, sem dúvida alguma, um marco para a Universidade Positivo e contribui para fortalecer, cada vez mais, a formação de seus professores e suas práticas pedagógicas, devendo ser referência para outras áreas. Nosso desejo é que se torne instrumento eficaz para maior envolvimento dos alunos no processo de aprendizagem, e que aos professores sirva de mecanismo para criar ambientes propícios à curiosidade e à vontade de estudar. Não posso concluir essa mensagem sem enaltecer os autores dos textos e destacar o envolvimento e a dedicação dos professores que compuseram a Comissão Editorial dessa publicação. À Direção do Grupo Positivo o nosso reconhecimento pela definição de importantes estratégias educacionais. Essa revista expressa, dentre tantas outras ações, o objetivo maior que é o necessário avanço da qualidade educacional em nosso país.

Márcia Teixeira Sebastiani


Introdução

Existe uma preocupação geral acerca da qualidade da educação em nosso país. Há um consenso universal de que o processo de aprendizado humano é por sua vez extremamente complexo e rodeado por um conjunto muito vasto de variáveis. Uma das variáveis mais debatidas e pensadas na Universidade Positivo, faz menção à organização do planejamento das aulas institucionais. O planejamento das aulas pode ser organizado e articulado por etapas, sendo as de maior destaque: a justificativa, os objetivos, os conteúdos temáticos, a metodologia de trabalho, a avaliação, as leituras recomendadas e o cronograma de atividades. Por sua vez, a organização e o planejamento de uma aula requerem a elaboração de um conjunto de trabalhos do professor para uma determinada aula ou conjunto de aulas. E foi pensando na organização e planejamento da aula docente que surgiu a proposta de edição e publicação de uma Revista do Núcleo de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Positivo. Uma revista de Educação com viés no Ensino de Engenharia. A revista “ENGENHARIA: reflexões, experiências e ensino”, pretende provocar pesquisadores e docentes com a divulgação de reflexões e experiências de metodologias que tem gerado bons resultados no processo de ensino e aprendizagem em programas de Engenharia. Nasceu do desejo de um conjunto de professores que gostariam de compartilhar a sua prática docente em sala de aula. A Universidade Positivo realiza constantemente reuniões pedagógicas, atuando principalmente na capacitação de seus professores e colaboradores. Um trabalho essencial, muito debatido e realizado na Universidade Positivo, são as oficinas de desenvolvimento docente, o programa de capacitação docente promove oficinas de discussão do trabalho e prática docente. Ao ministrar um curso de verão no início do ano letivo (meados de 2013), convidei os participantes a divulgarem algumas das práticas provocadas naquela oficina. Estes trabalhos estão aqui publicados e não pretendem oferecer fórmulas mágicas para a boa prática docente, mas subsidiar com modelos de sucesso, os professores que buscam o seu desenvolvimento pessoal e desejam o sucesso de seus estudantes. Todos os revisores nesta revista pontuados foram convidados para adicionar experiência aos trabalhos, todos sem exceção buscam, e são referência no ensino de engenharia e tem orientado com excelência em programas de doutorado, mestrado, especialização e graduação. Foi um grande prazer poder participar da organização desta primeira edição da revista “ENGENHARIA: reflexões, experiências e ensino”, pois ao me deparar com a


leitura (muito prazerosa) dos trabalhos, pude enriquecer meu trato com o processo de ensino e aprendizagem em Engenharia. O primeiro trabalho deste volume, do professor Benedito Guimarães Aguiar Neto, passeia pela evolução da Engenharia e discute quais ações devem ser tomadas nas diretrizes que fomentam os cursos de Engenharia. O segundo trabalho, do professor Paulo Roberto Janissek, descreve uma abordagem utilizada para desenvolver, de forma integrada, atividades teóricas e práticas da disciplina Química Tecnológica em um curso de 1° ano de Engenharia. O terceiro trabalho, do professor Jackson Milano, apresenta um desafio proposto aos estudantes de 2° ano de um curso de Engenharia de Produção, na disciplina Física B. O objetivo é a formação de equipes para projetar e construir um Marble Machine (máquina de movimento contínuo de esferas), utilizando materiais de baixo custo. O quarto trabalho, do professor Giancarlo de França Aguiar, aborda algumas reflexões sobre a construção e utilização de implementações práticas no ensino do tema sólidos de revolução na disciplina Cálculo Diferencial e Integral em um curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo. O quinto trabalho, do professor Pedro Luiz Kantek Garcia Navarro, expõe uma metodologia para gerar exercícios individuais e diferentes para cada estudante em uma turma universitária. O “Algoritmos Vivos”, como é chamado, é um gerador de exercícios inteligente para gerar instâncias não evidentes, nem triviais, mas certamente possíveis de resolver em tempo finito, para professores de Engenharia. O sexto trabalho, da professora Patrícia Lizi de Oliveira Maggi, narra uma aplicação da Metodologia de Projetos, também conhecida como PBL (Problem Based Learning), apresentando a implementação deste método, na disciplina de Construção Civil e Ciência e Tecnologia dos Materiais em um curso de Engenharia Civil. O sétimo trabalho, do professor Valfredo Pilla Junior, delineia o processo de ensino desenvolvido na disciplina Sistemas Digitais, no qual uma revisão de conteúdos estudados em disciplinas de períodos anteriores são também integrados e transformados em novos conhecimentos. O oitavo trabalho, do professor Amarildo Geraldo Reichel, relata uma pesquisa do estado atual da tecnologia de lâmpadas LEDS (diodos emissores de luz) aplicados a sistemas de iluminação. O nono trabalho, do professor Eduardo Juliano Alberti, ilustra a utilização de técnicas de Gamificação (Gamification do inglês) como proposta motivacional no processo de ensino a aprendizagem em cursos de Engenharia.


E por fim, o décimo trabalho, do professor Dinis Gomes Traghetta, apresenta uma resenha do livro “A Bomba Atômica Revelada – a recriação da bomba atômica através da literatura aberta”, relatando através do diálogo, como as armas nucleares se difundiram através de publicações científicas. Esta revista enfoca uma necessidade fundamental da vida, a socialização do indivíduo, quer seja dentro ou fora do âmbito escolar e acadêmico. Neste contexto, valoriza-se o papel fundamental do professor no processo de ensino-aprendizagem através de suas práticas. Esperamos que a leitura dos textos seja prazerosa e que possa contribuir significativamente para a melhor prática docente. Entendemos a revista como um novo ambiente de divulgação, de reflexão técnica, científica e metodológica. Portanto convidamos toda comunidade acadêmica e científica para por meio da submissão de artigos, resenhas e trabalhos, publicar os seus estudos, resultados e suas pesquisas.

Giancarlo de França Aguiar Editor chefe da Revista Engenharia: Reflexões, Experiências, Ensino




ORGANIZADOR BENEDITO GUIMARÃES AGUIAR NETO

EVOLUÇÃO E ATUALIDADES DAS DIRETRIZES E AÇÕES PARA A EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA Benedito Guimarães Aguiar NETO1 Danilo Pereira PINTO Alberto Bastos DO CANTO Filho Antônio Cláudio Gómez DE SOUSA Liane Ludwig LODER Maria Helena SILVEIRA Maria José Gazzi SALUM Protásio Dutra MARTINS Filho

APRESENTAÇÃO O tema Evolução e Atualidades das Diretrizes e Ações para a Educação em Engenharia, tratado em sessão dirigida durante o XXXVIII Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia, constituiuse em oportunidade ímpar para uma reflexão da comunidade acadêmica e profissional da engenharia, acerca do apoio e desenvolvimento da educação da engenharia no país. As questões pertinentes foram discutidas à luz da legislação, das diretrizes, de programas e ações que têm impactado, diretamente, a formação acadêmica e o exercício profissional da engenharia, em termos de mudanças nos aspectos organizacionais, pedagógicos e metodológicos. O início deste século apresentou ao ensino de engenharia no Brasil um cenário mundial que demandava o uso intensivo da ciência e tecnologia, exigindo profissionais altamente qualificados. Conceitos como interdisciplinaridade, engenharia concorrente, reengenharia, qualidade total e planejamento sistemático são cada vez mais exigidos dos profissionais da engenharia, no sentido de que estes se adaptem a esse cenário e aos novos paradigmas da sociedade moderna (BORGES; AGUIAR NETO, 2000). 1 Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba (1977), mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba (1982), doutorado em Engenharia Elétrica pela Technische Universität Berlin, Alemanha (1987) e pós-doutorado pela University of Washington, EUA (2008).

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A partir de meados da década de noventa, foram lançadas pela Secretaria de Educação Superior/Ministério da Educação (SESU/ MEC), em 1997, as bases para uma discussão nacional a respeito de um novo conceito de referência para as Instituições de ensino superior (IES), quanto à organização curricular dos seus cursos, denominadas Diretrizes Curriculares Nacionais, (DCNs) que permitiria uma maior flexibilidade às IES quanto à construção dos seus currículos plenos, frente ao conceito rígido de currículo mínimo, estabelecido pela resolução n.º48/76 do Conselho Federal de Educação (CFE). A Associação Brasileira de Educação em Engenharia (ABENGE) liderou, então, um processo intenso de discussão na tentativa de construir uma proposta de diretrizes curriculares para as engenharias, que fossem referência para a adequação curricular dos cursos de engenharia do país, frente aos desafios da formação de engenheiros na nova realidade. A efervescência que se formou durante a discussão para a construção do Programa REENGE e, sobretudo, a luta pela sua continuidade, proporcionou um terreno fértil para a discussão das DCNs em todo o país. A ação da ABENGE culminou com a apresentação, à SESU/ MEC, de uma proposta de diretriz curricular para as engenharias, que foi a base da proposta levada para análise e deliberação do Conselho Nacional de Educação (CNE) (ABENGE, 1999). A referida proposta de diretriz curricular, elaborada pela ABENGE, foi sistematizada por uma comissão de professores de notória competência e envolvimento com o ensino de engenharia no país, e foi realizada em atendimento a uma recomendação do Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia, realizado na cidade de Salvador, BA, em outubro de 1997 (AGUIAR NETO, ARAÚJO FILHO, 2010). A formação em engenharia no Brasil, experimentou no ano de 2002, um importante momento, quando em 09 de abril, o Diário Oficial da União (DOU) trouxe a resolução n.º11/2002, do Conselho Nacional de Educação (CNE) Câmara de Educação Superior (CES), a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em engenharia (BRASIL, 2002). Desde 1996, quando foi promulgada, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) já apontava nessa direção, quando estabelecia para as universidades, no exercício da sua autonomia, a atribuição (inciso II, art. 53) de “fixar os currículos dos seus cursos e programas, 14| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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observadas as diretrizes gerais pertinentes” (BRASIL, 1996). O Exame Nacional de Avaliação do Desempenho dos Estudantes (ENADE), instituído no âmbito da lei n.º 10.861, de 14 de abril de 2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), utiliza, na sua concepção, uma avaliação baseada em habilidades e competências para a aferição do desempenho dos estudantes (BRASIL, 2004). Pelo ENADE, é verificado o desempenho do estudante em relação aos conteúdos previstos nas DCNs para as engenharias, os saberes agregados durante o curso, mas também uma tentativa de aferir o desenvolvimento de habilidades cognitivas. Após a sua primeira edição para as engenharias, em 2005, o ENADE voltou a ser aplicado em 2008, apresentando um diagnóstico significativo do desempenho do formando em engenharia que, em adição ao que vinha sendo realizado pelo antigo Exame Nacional de Cursos, permite algumas reflexões extremamente relevantes sobre a formação em engenharia no país (AGUIAR NETO, ARAÚJO FILHO, 2010). O Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais (REUNI) possibilitou um aumento extraordinário de vagas nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), mas que não foi acompanhado de um aumento do número de formandos no ensino médio. A menor procura expressa em termos de candidatos / vaga, associada à política de preenchimento de vagas, tem sido responsável pelo ingresso de um grupo de estudantes cada vez mais heterogêneo, o que pode comprometer a qualidade dos cursos e aumentar índices de evasão. O capítulo inicia com uma análise das “Tecnologias e das Diretrizes Curriculares”, elaborado por Antônio Cláudio Gómez de Sousa (UFRJ). Na sequência, é discutido o tema, “Criatividade e Inovação: aplicação do conhecimento científico” por Protásio Dutra Martins Filho e Maria Helena Silveira (UFRJ). A seguir, Maria José Gazzi Salum (UFMG) analisa os “Referenciais Nacionais para os Cursos de Engenharia Frente à Atual Legislação do Ensino de Engenharia”. Por fim, Alberto Bastos do Canto Filho e Liane Ludwig Loder (UFRGS), discorrem sobre o tema “Engenheiros – Quantidade X Qualidade”. Assim, neste capítulo, os temas discutidos, a seguir, representam uma compilação das contribuições dos respectivos autores apresentadas durante a sessão dirigida. ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015 |15


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O processo envolveu a submissão prévia de artigos para o coordenador da sessão dirigida, Benedito Guimarães Aguiar Neto (UFCG), que juntamente com o relator Danilo Pereira Pinto (UFJF), os selecionaram para, em seguida, estruturá-los no presente capítulo.

1 AS DIRETRIZES CURRICULARES A resolução que estabeleceu as atuais diretrizes curriculares foi discutida limitadamente. A exiguidade do prazo e a falta de qualquer organização de um processo nacional de discussão influíram, negativamente, no processo. Mesmo assim, houve discussões com a participação de universidades, associações docentes, instituições ligadas ao ensino de engenharia (como é o caso da ABENGE), instituições que regulam o exercício da profissão, sindicatos e clubes de engenharia. A participação das universidades públicas deu-se de forma independente da estrutura do estado, num processo similar ao das demais instituições da sociedade civil. Finalmente, em 2002, o Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior, por meio da resolução CNE/CES 11, de 11 de março de 2002, instituiu as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em engenharia. Para a discussão das mesmas, o CNE/CES estabeleceu que as diretrizes curriculares fossem definidas pelas competências a serem exigidas dos novos profissionais, e, secundariamente, o conteúdo dos cursos. As competências foram definidas como conhecimentos, habilidades e atitudes, e as propostas passaram a definir o que se exigiria do novo profissional nesses termos. Na versão final foi tudo misturado, criando-se um grupo de competências e habilidades, definido como competências e habilidades para: “aplicar os conhecimentos da ciência na engenharia; realizar todas as atividades relativas à engenharia, inclusive as de concepção; saber se comunicar; atuar em equipe; analisar o impacto da engenharia no contexto social e ambiental; atualizar-se continuadamente”. As atitudes, uma das dimensões do que poderia ser entendido como competências, foram definidas durante as discussões como compromissos com: “a socialização do conhecimento e a pluralidade de concepções; as necessidades sociais da maioria da população e a luta contra toda forma de exploração, opressão ou discriminação dos seres 16| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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humanos; a ética profissional e a responsabilidade social e ambiental; a inovação e a atualização profissional permanente; uma postura próativa e empreendedora; a defesa das culturas e da sociedade brasileira”. No entanto, na versão final, as atitudes foram excluídas das DCNs, menos a da atualização permanente que passou a constar na relação de competências e habilidades. Essa exclusão eliminou da definição da formação do engenheiro a responsabilidade social e ambiental e o compromisso com a eliminação de toda forma de exploração, opressão ou discriminação. O tempo mínimo de integralização curricular só foi definido posteriormente, pela resolução CNE/CES 2/2007, de 18 de junho de 2007, em 3.600 horas para a engenharia. A análise das diretrizes curriculares mostra que o resultado final é heterogêneo. A formação do engenheiro com visão crítica, social e ambiental, permaneceu em poucas referências secundárias. Predomina uma visão não crítica dos conhecimentos tecnológicos, considerandoos verdadeiros e neutros, perfeitamente enquadrados na perspectiva da reprodução capitalista. A estrutura flexível dá uma grande liberdade. Em geral, as universidades seguiram a estrutura curricular tradicional e conservadora, mas agora há novas experiências que buscam integrar os conhecimentos técnicos com os conhecimentos de outras áreas, através de novas organizações curriculares e institucionais. Pode-se concluir, então, que as diretrizes curriculares apresentam aspectos conflitantes, mas que predominam os aspectos que permitem defini-la, usando a expressão de Apple (APPLE, 2002), como modernizadora e conservadora.

2 O local do engenheiro no Brasil Antes de 1930, o engenheiro exercia, no Brasil, um papel secundário como profissional liberal, empresário ou assalariado do estado, no desenvolvimento da infra-estrutura para a produção do setor agroexportador e para a urbanização. Com o processo de industrialização iniciado na década de 1930, o engenheiro passou a ter um papel relevante na produção industrial, crescendo rapidamente seu número na indústria em posições de mando. ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015 |17


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Segundo Kawamura (KAWAMURA, 1981), no período de 1930 a 1945, o engenheiro cumpriu o papel de intelectual orgânico da burguesia industrial por excelência, colocando-se como o ideólogo do desenvolvimento industrial capitalista. Essa foi a “época de ouro” para a engenharia no Brasil, e tornou-se um ponto de referência. Após a segunda guerra mundial, a função de intelectual orgânico do engenheiro passou a plano secundário em relação a outras categorias profissionais, na medida em que se agravavam as relações de dependência do Brasil, ocasionando um declínio do papel do engenheiro na produção. O caráter monopolista do desenvolvimento capitalista agravou a divisão internacional do trabalho, com os países “centrais” desenvolvendo técnicas e os países “periféricos” comprandoas. A atividade do engenheiro na indústria passou a ter menos conteúdo tecnológico, passando a tarefas de adaptação de técnicas importadas e manutenção. Com a implantação de empresas estrangeiras esse processo se agravou, e o engenheiro na indústria passou a realizar, nessas empresas, tarefas em posições hierárquicas inferiores, rotineiras, parceladas, assemelhando-se ao trabalho operário, no que passou a ser chamado de proletarização do engenheiro. Fugiu dessa situação o engenheiro que trabalhava em gerência ou como assalariado do estado. Com a crise internacional do fim da década de setenta e as políticas neoliberais dos governos brasileiros, a partir dos anos oitenta, a desnacionalização agravou-se na indústria e atingiu o setor de serviços, que passou de público a privado, em muitas áreas. Como consequência, aumentou o desemprego e o subemprego, e surgiu um novo fenômeno agravando esse processo. A política neoliberal de “modernização” das relações trabalhistas incentivou a contratação dos engenheiros não mais como assalariados, mas como prestadores de serviço, precarizando as relações trabalhistas, o que já existia para muitas outras categorias. A contradição dos interesses do engenheiro ao desenvolvimento monopolista com dependência tecnológica e com relações trabalhistas precárias levou ao surgimento de várias posições contrárias a este processo. Esses interesses em conflito expressaram-se na discussão das diretrizes curriculares através de propostas políticas diferenciadas, assim como pesaram também as propostas de setores que procuram ver “a educação para além do capital”, usando aqui a expressão de Mészáros (MÉSZÁROS, 2005) que deu título a um de seus livros.

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Para resolver, efetivamente, as contradições dos interesses dos engenheiros com o atual desenvolvimento, assim como as contradições das demais categorias profissionais do Brasil, deve-se pensar em uma nova sociedade, e a formação dos engenheiros deve ser direcionada para esse objetivo: formar engenheiros críticos, inconformados com o agravamento dos problemas sociais e ambientais, e comprometidos com a busca de uma nova sociedade solidária, que respeite a alteridade e onde as diferenças individuais não signifiquem diferenças de oportunidades nem de poder. Estes objetivos estão além das diretrizes curriculares.

2.1 As tecnologias atuais Na sociedade de consumo, onde ele é amplamente incentivado, a novidade é a força de venda. Com a ideia de inovação é colocado que o novo é melhor. Não é discutido melhor em que e para que, mas é aceito que ele é melhor. Esse dinamismo no consumo é apoiado no dinamismo da produção e da propaganda. Na verdade, produz-se para o mercado, mas o mercado de hoje não é um mercado livre, onde as pessoas livremente escolhem produtos para atender às suas necessidades. As necessidades das pessoas são manipuladas pela propaganda maciça dos meios de divulgação. As pessoas são incentivadas a consumir sempre, pois sempre há algo “melhor”, do qual depende a satisfação de seu possuidor. A propaganda divulga também a ideia de que a sociedade atual é tão extraordinária, que o ser humano deve se maravilhar com o que está sendo produzido e não são necessárias mudanças. Ela é justificada, moralmente, pois as dificuldades atuais são irrisórias, diante do que esta sociedade oferece para o futuro da humanidade. Expressões como “não se faz omelete sem quebrar o ovo” e “temos de fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”, servem para justificá-la, pois o desenvolvimento permitirá, no futuro, corrigir tudo e para todos. Essa ideologia se expressa no ensino da engenharia, em que a tecnologia aparece isolada de seu contexto histórico e social. Pior ainda, ela aparece como neutra e acima da sociedade. A neutralidade da tecnologia é alimentada com uma confusão entre tecnologia e artefato. Para justificar a neutralidade das tecnologias é colocado o exemplo da faca: pode ser usada para fazer alimentos ou para matar. Em si a faca não é boa nem ruim, depende de como é usada, ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015 |19


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portanto é neutra. Acontece que a faca não é uma tecnologia, ela é um artefato, um produto de uma tecnologia. Quando se vê um artefato, pode-se ter uma ideia da tecnologia que a produziu, mas não se pode confundi-las. A tecnologia compreende a totalidade dos instrumentos, processos, dispositivos, invenções e relações sociais que a compõem. Ela estabelece relações de produção e de distribuição. Na tecnologia atual, o trabalho é coletivo, há divisão do trabalho, e ele é realizado dentro de uma estrutura hierárquica, mesmo que em alguns processos os níveis não estejam bem delimitados, o resultado do trabalho é apropriado pelo capital, o trabalhador vende sua força de trabalho como mercadoria e é alienado do resultado do seu trabalho e do processo de produção. Estas são características básicas analisadas por Marx (MARX,1979 e1980) em sua crítica ao modo de produção capitalista. Estas são características fixas da produção capitalista. Essas características estabelecem antagonismos de classes na luta pela divisão da riqueza, são instrumentos de controle e dominação e se expressam em ideias dominantes. Para terminar com a desigualdade da distribuição da riqueza, do conhecimento e de oportunidades, é necessário mudar as bases da tecnologia atual, que moldam a sociedade capitalista. O socialismo real foi uma tentativa de mudar a sociedade. Ele estabeleceu a apropriação coletiva da produção, mas manteve a mesma tecnologia do modo de produção capitalista, com estrutura hierárquica, alienação na produção, e superestrutura hierárquica com diferenciações. A contradição entre a apropriação coletiva e a decisão de casta levou a tensões e choques. Essa contradição foi resolvida pelo fortalecimento da casta, transformando-se em nova classe, com papel diferenciado na produção e no poder do estado, retornando à divisão de classes com diferenciação de distribuição de riquezas, conhecimento e oportunidades (GARAUDY, 1970). O grande problema colocado para a humanidade é como passar do sistema atual para um novo sistema mais equilibrado, social e ambientalmente, sem perder os avanços atingidos até hoje dentro do capitalismo, inclusive quanto à produção. Para isso, discute-se um aspecto colocado pelo desenvolvimento tecnológico, que pode abrir novas possibilidades.

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Hoje, há artefatos de livre uso, produzidos em redes colaborativas. Como exemplos, pode-se citar os softwares Linux, Firefox e Apache Web, todos de uso livre (SCHACH, 2009). Esta produção trouxe duas novidades: foram produzidos artefatos com valor de uso, não mais com valor de troca, como é inerente à produção capitalista. Fora isso, a produção deu-se em um sistema distribuído em uma rede colaborativa, em que a participação de todos foi criativa. Deve-se salientar que esses artefatos são de alta tecnologia, o que destrói os argumentos dos críticos a estas formas de produção, que alegam que as formas de produção colaborativas são válidas apenas para a produção artesanal ou com técnicas pobres. As técnicas de redes abriram novas possibilidades de participação, de criação, de comunicação descentralizada e não centralmente controlada. São possibilidades e não significa que, automaticamente, elas vão mudar a sociedade. Não é uma evolução mecanicista determinista, mas essas técnicas abrem possibilidades que podem ser pensadas para uma nova sociedade, democrática, livre, em que a produção e a distribuição possam ser dirigidas para atender às necessidades básicas de todos os seres humanos, e não para o mercado e para atingir lucros apropriados por minorias. Uma produção na qual todos participem e possam decidir e utilizar sua capacidade criadora, uma produção em que a capacidade não será a capacidade “da gerência”, mas a soma da capacidade de todos. Esta perspectiva é importante, porque em função dela pode-se rediscutir as diretrizes curriculares, verificando se elas podem ajudar nesse novo direcionamento da engenharia e da sociedade.

3 ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO O contraste entre o vigor da ciência brasileira, festejado pela presença registrada no index internacional, como registrado em veículos de comunicação, (CNPQ, 2010 e O ESTADO DE SÃO PAULO, 2010) que, em dados de 2008, já representava 2,6% da produção mundial, subindo o país da 15ª, em 2006, para a 13ª posição, e a debilitada realidade econômico-tecnológica do desenvolvimento brasileiro, analisada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em (FORMIGA,M.M.M.(Eds),2010; CNI, 2006, 2010) que focam o potencial do investimento industrial e as oportunidades nos panoramas ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015 |21


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econômicos nacional e mundial, é marcante. A análise aponta ainda, a necessidade de uma política de governo que articule iniciativas nas áreas da educação, do planejamento e da ciência e tecnologia. Isso coloca em evidência o desencontro entre as políticas públicas brasileiras: enquanto o trabalho acadêmico em “produção científica” alcança marcos vistosos e promissores, aquele “na formação de engenheiros e tecnólogos” deixa agentes econômicos carentes de força humana capacitada para realizar projetos de envergadura, com potencial para alçar o desenvolvimento nacional; um patamar mais equilibrado e, tecnologicamente avançado, nas diversas plataformas industriais, e mais socialmente abrangente e sustentável, nos diversos fragmentos sócio-econômicos do Brasil, é desejável e factível. Apesar dos aspectos favoráveis da publicação científica, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) divulgou, recentemente, a compilação estatística da base técnicocientífica nacional, “Doutores 2010 - Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira” (CGEE/MCT, 2010), em cooperação com Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que identifica a extrema carência na formação de pessoas qualificadas, cientistas e engenheiros, para fazer frente à necessidade dez vezes maior, para o enfrentamento dos desafios para o desenvolvimento. O papel dos profissionais de engenharia é realçado nesse confronto de panoramas e representa um elo afirmativo na construção da ponte que poderá uni-los e potencializar ações de empreendimento que alcancem desenvolvimento econômico, social e tecnológico do país. Por um lado, a formação de profissionais das engenharias pode ser enriquecida pelas realizações no campo da produção científica, potencializando, economicamente, ciência e tecnologia. Por outro, a temática trabalhada pelas pautas científicas da academia, em princípio, vinculadas ao fórum indexado, pode afastar a realização dessa meta, enquanto o resultado analítico das pesquisas se mantiver distante da realidade, restando como conhecimento potencial, abstrato, somente realizável se/quando as referências empíricas dos projetos puderem ser modeladas à semelhança das motivadoras das pesquisas. Nas universidades, a qualidade do trabalho acadêmico tem sido norteada, primordialmente, pela autoria em publicação científica, classificada segundo os veículos de divulgação, e pela frequência de 22| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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citação em outros artigos. Isso coloca a ênfase do mérito sobre a pesquisa, em detrimento do ensino e da extensão, trinômio indissociável, balizador legal da ação acadêmica. Essa condição foi alcançada pela importância do aporte das agências financiadoras da pós-graduação e pesquisa, associado à percepção dominante de que a produção científica é a força meritória no trabalho de formação de pesquisadores (não considerado projeto educativo, ou de ensino). A ausência de paralelos em aportes ao ensino até o terceiro grau ou aos projetos de extensão acadêmica à sociedade, reafirma o padrão avaliativo externo. Com a relativização entre os critérios de mérito acadêmico para a produção científica e para a educação de engenharia (ensino), há comprometimento do esforço na formação do engenheiro (secundarizando o trabalho docente na graduação, como também os aspectos pedagógicos da pós-graduação). Além disso, há a despreocupação com a formação da capacidade investigativa do engenheiro sobre bases empíricas materiais, reais, que caracterizam a pesquisa tecnológica (conhecimento logificado sobre o fazer concreto (VIEIRA PINTO A., 2005), essencial no campo econômico, e na produção de conhecimento tecnológico patenteável. As políticas acadêmicas de formação de engenheiros, especialistas, tecnológicos, já ponderam, teoricamente, a importância da capacitação investigativa, mas precisa incorporar, efetivamente, a postura científica, como método, e a capacidade de pesquisa tecnológica como meta, balizados, porém, pela realidade técnica material dos segmentos da sociedade onde se inserirá o profissional engenheiro. Isso exige uma articulação entre as políticas acadêmicas de ensino, pesquisa, extensão, e as políticas públicas de educação e de ciência e tecnologia, como parte do planejamento econômico estratégico para o país.

3.1 Inovação e educação: projetos políticos solidários Em “Estratégia para o Brasil Crescer”, (CGEE/MCT, 2010) a CNI propõe considerar a inovação como uma das referências-meta das políticas. Considerada um diferencial na competitividade, essa qualidade é uma potencialidade do trabalho humano, advindo do encadeamento de capacidades como a visão crítica, a sólida base técnico-científica do conhecimento, a habilidade da análise empírica no contexto da experiência prática. Decorre, primordialmente, da liberdade criativa e da confiança e ousadia de fazer na prática, que recaem na capacidade de

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projetar, tecnologicamente, com disciplina e conhecimento adequado. Na consideração da formação apropriada do engenheiro para fazer frente a essa demanda, tem-se preconizado a incorporação dos avanços científicos sob forma de disciplinas curriculares e também a mobilidade curricular do estudante, apostando nas virtudes do contato com realidades científico-tecnológicas estimulantes. São ações positivas, mas não chegam ao cerne da questão: a atitude inovadora. A inovação, além de capacidade-chave quanto à vantagem competitiva, nos sistemas industrial nacional e global, é também capacidade importante para o aprimoramento de ações solidárias, planejadas em projetos de benefício social, que são acionados por políticas públicas que focam subsistemas econômicos locais, regionais. Essa capacidade inovadora das pessoas é, na verdade, ativada pelo seu envolvimento e interesse nos projetos produtivos, no âmbito pessoal, social ou profissional e é sustentada pelo conhecimento (o técnico e o científico) e pela criatividade, atividades trabalhadas nos projetos educacionais, de formação de cidadãos desde o “ensino” básico, à educação superior. Também a formação de pesquisadores, retoricamente voltada para o aprimoramento do conhecimento científico da humanidade, tem a ganhar quando a motivação dos atores envolvidos estabelece bases concretas, socialmente justificadas. A inovação, em si, advém do sucesso de empreendimentos humanos que ousam tentar mudanças, a partir da convicção de que elas são possíveis, e da disciplina de planejar as mudanças a partir do reconhecimento e da (re) formulação dos elementos operativos essenciais, vitais. Esse é um processo de busca investigativa, o projeto, área acadêmica interdisciplinar, aplicada a campos variados, focados na intencionalidade de intervenção humana. Na esfera industrial e na da economia solidária ou da educação, os projetos são inerentemente políticos, conceitualmente interconectados ao escopo técnico, pois envolvem uma percepção do coletivo e da ação social coordenada. Na educação, que se volta para o desenvolvimento das capacidades humanas, o político estabelece o panorama contextual que dá sentido ao esforço intelectual do educando. Aí, fica óbvia essa dimensão. No entanto, mesmo no campo do trabalho técnico-profissional essa dimensão é inegável, pois a absoluta necessidade da ação produtiva, coordenada e eficiente, exige a correlação entre a expectativa de qualidade, associada às metas de produtividade e os balizamentos de 24| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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estímulo e recompensa. A capacidade inovadora no empreendimento é atrelada à política de relações no trabalho, referência de mérito a ser reconhecida negociada, perseguida como valor profissional.

3.2 A formação do engenheiro: mérito e qualidade As intervenções das engenharias, para serem viabilizadas, passam pela crítica e pela antevisão das mudanças pertinentes, objetivando a alteração vantajosa, ou seja, depende da capacidade criativa desse profissional em conceber, desenvolver os conceitos em documentos para a caracterização precisa do objeto e/ou implementação das ações para produzi-lo industrialmente. O projeto de engenharia é pouco ou nada trabalhado nos cursos de formação de engenheiros, sendo, costumeiramente, planejado sob disciplinas obrigatórias nos últimos períodos, na esteira de disciplinas de formação analítica (ciências básicas, ciências da engenharia, análises científicas aplicadas), como integradoras e aplicadoras interdisciplinares daqueles conceitos analíticos. Embora o processo de projetar tenha nas análises um apoio imprescindível, que permite discernir os limites de aceitabilidade dos conceitos do projeto, não se restringe a essas aplicações, mesmo envolvendo múltiplas disciplinas, pois não abraçam o elemento vital do projeto. São acessórias a ele. A síntese conjetural, produzida pela abdução, como conceituada por (PIERCE,1877,1878), diferentemente do ajuntamento de partes constituintes já conhecidas a priori, encerra o núcleo do projeto. Isso inclui, primordialmente, a criatividade inovadora capaz de delinear as alterações da realidade instalada, para uma mudança vantajosa, alterando, potencialmente, a situação criticada, seja na perspectiva do sistema produtivo, seja considerando intervenções pontuais, locais. Epistemologicamente, a investigação do projeto se distingue da pesquisa científica pelos movimentos intelectuais ativados, essencialmente sintéticos, criativos, abdutivos, enquanto a análise científica se apoia na indução e na dedução, primordialmente (CROSS, 2001). A conceituação do projeto de engenharia, por ser complexa e requisitar precisão tecnológica, vista como derivado linearmente da análise validada pelo conhecimento científico, estabelece uma limitação aos projetos de engenharia que, sem inovação, restringemENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015 |25


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se aos objetos do campo empírico, tocados pela pesquisa analítica. A evolução conceitual nos projetos de engenharia tende a ser lenta ou a provir de contribuições de outros campos profissionais, mais inovadores. Diferentemente das áreas de projeto mais próximas à arte e à comunicação, em que a intuição e a critica em campos cognitivos abstratos e interpretativos são vitais para a produção intelectual, nas engenharias, a intuição e a crítica são desprezadas, ou racionalizadas como funções suplementares, desimportantes. Esse distanciamento tem confinado, via de regra, a produção de bens e ideias brasileiras a um domínio externo de referência, norteado por criações provindas de fora, ou delas adaptadas, com exceções importantes.

3.3 Política acadêmica para as engenharias Pesquisas colaborativas com grupos industriais fortes têm estabelecido conexões virtuosas com a academia. As áreas de energia, em geral, do petróleo e gás, em particular, e a agroindustrial, são exemplos importantes de sucesso. Essa aproximação tem propiciado o fortalecimento de áreas acadêmicas específicas, com a instalação de laboratórios e o fortalecimento de grupos de pesquisa aplicada e, em conjunção com as iniciativas de pós-graduação, tem estimulado a formação de pesquisadores e a consolidação de competência tecnológica. Essas iniciativas alcançam apenas perifericamente os projetos de graduação, com efeitos pontuais na iniciação científica e na atração de formandos. Áreas sem força econômica, com carências tecnológicas, têm potencial de alavancagem num projeto desenvolvimentista, mas deixam de usufruir e de realizar avanços. Na mesma proporção, perdem os setores acadêmicos correlatos, ao não reforçar o elo político-social de seu trabalho. As agências reguladoras tendem a reafirmar o modelo de articulação da academia com grupos industriais fortes. Na verdade, caracterizam um canal redundante da conexão universidade-empresa. A Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), como o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), viabiliza a prestação de serviços de consultoria científica e tecnológica, para projetos industriais estratégicos. Sob a forma de editais abertos, tem viabilizado, a fundo perdido, projetos voltados para mudanças na formação de engenheiros, como REENGE e PROMOVE. Apesar da pequena envergadura 26| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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financeira, da definição da pauta financiável arbitrada sem a participação das IFES, e da abrangência restrita no acolhimento das instituições, esses editais permitiram avanços na discussão da problemática educacional da engenharia. Essas iniciativas não consolidaram linhas políticas de ação acadêmica, desmobilizando e desmotivando grupos, pela descontinuidade no apoio. Uma deficiência estrutural das instituições é evidenciada pelo poder de influência dos agentes financiadores sobre a universidade: ela é governada por interesses externos, que inibem a construção do espírito corporativo para aprofundar o estabelecimento de responsabilidades político-sociais, e encaminhar a produção de conhecimento relevante e meritório, socialmente demandado. Essa deficiência impede que a cultura da avaliação, da busca da qualidade acadêmica, seja uma referência autônoma, o que incluiria a qualidade da formação em geral e de engenheiros, em particular. Sem isso, as universidades alojam grupos acadêmicos dispersos, alguns quase autônomos, em patamares científico-tecnológicos de variados níveis.

4 REFERENCIAIS NACIONAIS PARA OS CURSOS DE ENGENHARIA FRENTE À ATUAL LEGISLAÇÃO DO ENSINO DE ENGENHARIA Em 2009, a SESU colocou sob consulta pública um documento, denominado Referenciais Nacionais dos Cursos de Graduação. De acordo com o documento, ainda disponível no Portal do MEC (MEC, 2010), os referenciais nacionais são considerados como instrumentos ou mecanismos criados para os seguintes objetivos: I) “contribuir com a avaliação, a regulação e a supervisão dos cursos de graduação (bacharelado e licenciatura), com desdobramentos para a mobilidade e empregabilidade dos egressos desses cursos”; II) “constituir-se em referência para o aprimoramento dos projetos pedagógicos, para orientar estudantes nas escolhas profissionais e para facilitar a mobilidade interinstitucional, assim como propiciar aos setores de recursos humanos das empresas, órgãos públicos e do terceiro setor maior clareza na identificação da formação necessária aos seus quadros de pessoal”; ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015 |27


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III) “contribuir para organizar as ofertas de cursos superiores, uniformizando denominações para conteúdos e perfis similares, de modo a produzir convergências que facilitem a compreensão por todos os segmentos interessados na formação superior, sem inibir possibilidades de contemplar especificidades demandadas por regiões ou setores laborais do País”; IV) dada a existência de denominações variadas para os cursos de graduação, “elaborar, com o auxílio de profissionais e pesquisadores que atuam nas áreas, uma proposta de nomenclatura que adapta as denominações atualmente existentes”. Além disso, questões foram pontuadas em declarações do diretor da SESU, Paulo Wollinger, que coordenou o projeto dos referenciais de cursos, antes mesmo do MEC disponibilizar o documento para consulta pública (TIBURCIO, 2009). São exemplos: I) redução do número de denominações de cursos de engenharia de duzentos e trinta e quatro para apenas vinte dois; II) referenciais, contendo a carga horária mínima, o perfil do egresso, os temas abordados na formação, áreas de atuação e infra-estrutura recomendada serviriam para melhorar a avaliação dos cursos: “temos um problema na avaliação no ENADE, pois avaliamos cursos dentro de uma mesma área que nem sempre têm um perfil semelhante. A avaliação não é representativa”. No dia 29 de junho de 2009, todas essas falas estavam traduzidas nos documentos disponibilizados pelo MEC: referenciais nacionais para os cursos de engenharia (MEC, 2009) e convergência de denominação (MEC, 2009), com algumas poucas diferenças. Outros documentos foram, posteriormente, disponibilizados, contendo correções e acréscimos em relação a este primeiro, que serão discutidos posteriormente. Logo após a publicação do primeiro documento sobre os referenciais, a ABENGE manifestou-se, por meio de ofício, contrária à forma de encaminhamento dos referenciais, pelo pouco envolvimento da comunidade acadêmica no processo, diferentemente do que havia ocorrido na construção das diretrizes curriculares. Das negociações entre a ABENGE e a SESU resultaram: a extensão do prazo de contribuições 28| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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para os referenciais e a discussão do documento no COBENGE 2009, com a presença de representante do MEC (ABENGE, 2009). De acordo com o MEC, após a consulta pública, a versão final dos referenciais seria publicada em novembro e a partir de janeiro de 2010 seria dado um prazo para as instituições iniciarem suas adaptações ao novo modelo (MEC, 2010). Entretanto, até o momento, não existe uma posição oficial do MEC a este respeito. Supõe-se aqui que a forte intervenção da ABENGE e as manifestações de docentes e IES recebidas durante o COBENGE 2009 foram responsáveis por essa interrupção do processo (ABENGE, 2009; COBENGE, 2009). De acordo com o MEC: “O referencial de curso é um descritivo que aponta, em linhas gerais, um perfil do profissional a ser formado, os temas abordados durante a formação, as áreas em que o profissional poderá atuar e a infra-estrutura necessária para a implantação do curso”. Ele não limita as instituições na proposição de cursos, uma vez que traça um referencial que não é limitador, mas apenas orientador. Portanto, cada IES pode, respeitando o mínimo apontado no referencial, inserir novas temáticas, bem como delinear linhas de formação no curso. As linhas de formação particularizam o curso, enfocando aspectos teóricos ou práticos pertinentes para o curso oferecido pela IES no contexto histórico e social em que ela se insere. No entanto, não se configuram como habilitações, pois não aparecem no nome do curso, apenas nas habilidades e competências desenvolvidas pelo aluno ao longo de sua formação e no detalhamento do seu histórico escolar. O documento finaliza dizendo que: “o referencial de curso não se configura como currículo mínimo, nem deve ser entendido como uma diretriz curricular, visto que os cursos que já possuem diretrizes estabelecidas devem continuar seguindo-as” (MEC, 2010). Considera-se que para a afirmativa grifada no último parágrafo ser real, os referenciais não podem conflitar com legislações vigentes e com os princípios que regem as diretrizes curriculares. Do início do processo até o último documento publicado pelo MEC, várias mudanças foram feitas, de forma a adequar o conteúdo dos referenciais às resoluções do CNE/CES sobre o ensino de engenharia. A tabela 1 representa as evoluções do documento e aponta seus conflitos iniciais em relação à legislação vigente.

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Tabela 1 – Diferenças entre as Diretrizes Curriculares e os Referenciais Nacionais Diretrizes Curriculares Não define nomes de cursos de engenharia

Referenciais Nacionais Delimita e nomeia vinte e dois cursos de engenharia (2009)

Delimita e nomeia vinte e seis cursos (2010) Delimita as áreas de atuação profissional Não define áreas de atuação dos de acordo com os temas abordados egressos dos cursos de engenharia durante a formação Define o perfil do engenheiro de Define o perfil do engenheiro por curso forma generalista Não explicita a divisão em núcleos de Explicita a divisão dos currículos conhecimento dos currículos e suas em núcleos de conhecimentos e suas porcentagens em relação à carga horária porcentagens em relação à carga mínima dos cursos (2009) horária mínima: conteúdos básicos (30%), conteúdos profissionalizantes a necessidade do (15%) e conteúdos específicos Menciona cumprimento dos conteúdos básicos (55%) (2010) Descrimina os conteúdos profissionalizantes para cada um dos Apresenta uma listagem de vinte e dois cursos de engenharia (2009) cinquenta e três tópicos que deverão ser coerentemente integrados pelas IES para compor os conteúdos Muda a terminologia utilizada de conteúdos profissionalizantes para profissionalizantes temas abordados na formação, cumprido o conteúdo básico (2010) Refere-se aos conteúdos específicos Não faz referência aos conteúdos como aqueles que irão aprofundar os específicos conhecimentos profissionalizantes

Da tabela 1, apreende-se que, considerado o arcabouço de 2009, os referenciais nacionais, em relação às diretrizes curriculares: I) diminuem o grau de liberdade dado às IES para a elaboração dos conteúdos profissionalizantes dos seus currículos e denominação dos cursos; 30| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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II) determinam o conteúdo profissionalizante mínimo por curso, conflitando, portanto, com o fundamento das diretrizes curriculares de flexibilidade dada às IES de composição dos seus projetos pedagógicos e de denominação das modalidades da engenharia, considerados como consequência do projeto pedagógico elaborado para o curso. Diante desses fatos, pode-se dizer que, se considerados os primeiros documentos publicados pelo MEC, eles eram, de fato, conflitantes com as diretrizes curriculares. Tome-se como exemplo prático, para ratificar essas observações, o caso específico do curso de engenharia de minas, comparando o proposto pelas diretrizes curriculares e pelos referenciais em relação ao núcleo de conteúdos profissionalizantes. Nas diretrizes curriculares, o núcleo de conteúdos profissionalizantes é composto por um conjunto de conteúdos tomados a partir de uma listagem de cinquenta e três tópicos, perfazendo 15% da carga horária do curso. Os cinquenta e três tópicos listados nas diretrizes curriculares abordam conteúdos específicos de determinadas modalidades da engenharia, das chamadas ciências das engenharias e aprofundamentos dos conteúdos básicos. Já nos referenciais, os conteúdos listados dizem respeito estritamente a conteúdos específicos para a formação do profissional da modalidade de engenharia de minas. A tabela 2 sintetiza todas as correspondências encontradas entre os conteúdos profissionalizantes listados nos referenciais de 2009 e nas diretrizes curriculares. A partir dela, conclui-se que: dos treze conteúdos profissionalizantes listados nos referenciais, seis não têm correspondência nas diretrizes curriculares e dois têm correspondência nos conteúdos básicos e não nos profissionalizantes das diretrizes curriculares. Em resumo, a correspondência entre os dois conteúdos profissionalizantes era de apenas 38,46%, demonstrando a interferência dos referenciais nacionais nas diretrizes curriculares. Tabela 2 – Diferenças entre os conteúdos profissionalizantes dos referenciais de curso e as diretrizes curriculares do curso de engenharia de minas Referenciais Nacionais Geometria analítica Desenho técnico

Diretrizes Curriculares Matemática, nos conteúdos básicos: Expressão gráfica, nos conteúdos básicos;

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Petrologia Mecânica Mineralogia Solos Topografia Tratamento de minérios Elementos de máquina Geologia dinâmica Geofísica Estratigrafia Topografia * Lavra de minas

Sem correspondência; Mecânica aplicada, nos conteúdos profissionalizantes; Mineralogia, nos conteúdos profissionalizantes; Sem correspondência; Topografia e geodésia, nos conteúdos profissionalizantes; Tratamento de minérios, profissionalizantes;

nos

conteúdos

Sistemas mecânicos, nos profissionalizantes; Sem correspondência; Sem correspondência; Sem correspondência; Topografia e geodésia, nos profissionalizantes; Sem correspondência.

conteúdos

conteúdos

* Conteúdo repetido nos referenciais nacionais dos cursos de engenharia de minas (fonte: MEC, 2009)

A modificação no último documento dos referenciais (MEC, 2010) do termo: conteúdos profissionalizantes para temas a serem abordados na formação, resolve o conflito apresentado com as diretrizes curriculares na tabela 2, desde que eles possam ser absorvidos no currículo no contexto de qualquer um dos núcleos de conteúdos das diretrizes curriculares: básico, profissionalizante ou específico. Permanece, entretanto, o conflito teórico nos referenciais e nas diretrizes curriculares. As diretrizes dão liberdade às IES para nominar as modalidades da engenharia de acordo com seus projetos pedagógicos e, portanto, com as competências e habilidades esperadas dos seus egressos, as quais podem, inclusive, se diferenciar entre alunos do mesmo curso. Já os referenciais, ao restringir para vinte e seis o número de modalidades da engenharia, têm como premissa homogeneizar os cursos, o que está traduzido na fala do diretor do MEC, já comentada: “temos um problema na avaliação no ENADE, pois avaliamos cursos dentro de uma mesma área que nem sempre têm um perfil semelhante. A avaliação não é representativa”. Assim, a partir da premissa de que os cursos querem se sair bem no ENADE, algumas IES podem direcionar seus projetos pedagógicos para atender à formação mais clássica de 32| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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engenheiros, dentro das vinte e seis modalidades pré-determinadas pelo MEC. Conteúdos inter e transdisciplinares, que, acredita-se, sejam importantes na formação do engenheiro, iriam, em alguns casos, se somar àqueles que definem as modalidades da engenharia prédeterminada pelo MEC, conduzindo a currículos com carga horária elevada, outro contraponto em relação à diretriz curricular, que não estimulam altas cargas horárias.

5 ENGENHEIROS QUANTIDADE X QUALIDADE Os recentes indicativos de crescimento econômico do país têm indicado a necessidade de incrementar o número de engenheiros formados, de forma a garantir a existência do número de profissionais necessários para tornar esta expansão sustentável. Em alguns ramos, como por exemplo, na engenharia naval e na engenharia de minas, a demanda é tamanha que supera a atual capacidade de as universidades graduá-los (Revista Veja, 2009). O incremento do número de profissionais de nível superior em geral, e de engenheiros em particular, tem sido abordado através do Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais - REUNI que já propiciou um incremento de quatorze mil, oitocentos e vinte e três vagas no ensino superior, entre 2007 e 2008 (MEC, 2008). Através deste programa, conciliam-se os objetivos: combater as desigualdades sociais através da educação; melhorar o aproveitamento dos potenciais humanos necessários para dar suporte ao crescimento do país. Os longos prazos existentes entre o ingresso de um calouro e a formatura de um engenheiro exigem que se definam sistemáticas de diagnóstico precoce, que permitam projetar eventuais impactos negativos e atuar de forma preventiva. A UFRGS, integrante do projeto REUNI, teme de controle e Automação e engenharia de energia. A figura 1 apresenta a evolução do número de vagas no vestibular e a figura 2 mostra o impacto do aumento de vagas sobre a relação candidados / vaga. Observe a tendência de declínio, decorrente de um maior número de vagas sem que exista um incremento proporcional no número de candidatos.

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EVOLUÇÃO E ATUALIDADES DAS DIRETRIZES E AÇÕES PARA A EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA Elétrica

Computação

Controle e Automação

Energia

250

200 30 150 30 100

50

100

30

30

30

60

60

60

80

80

80

2008

2009

2010

0 2007

Figura 1 – Número de vagas no vestibular Candidatos

Vagas

Cand/Vaga

1400

9,00 1260

8,11 1200

1143

1257

8,00

7,41

1054

7,00

1000

6,72

6,29

6,00

800

5,00

600

4,00 3,00

400 200

130

170

170

200

2,00 1,00

0

0,00 2007

2008

2009

2010

Figura 2 – Candidatos por vaga

A menor procura, expressa em termos de candidatos / vaga, associada a política de preenchimento de vagas, tem sido responsável pelo ingresso de um grupo de estudantes cada vez mais heterogêneo. A figura 3 apresenta a evolução dos argumentos de ingresso do primeiro e último colocado no curso de engenharia elétrica, comparativamente ao curso de medicina. Observe a grande diferença existente entre o primeiro e o último ingressante no curso de engenharia elétrica. Observe também como esta diferença vem aumentando de uma forma mais significativa no curso de engenharia elétrica do que no curso de medicina, por exemplo.

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Prim. Elétrica

Prim. Medicina

Últ. Elétrica

Últ. Medicina

900 782

779

800

729 700

714

709

799

776

786

747

675

678

657

600 568 500 433

400

418

398

300 2007

2008

2009

2010

Figura 3 – Argumentos de entrada do primeiro e último ingressante

À medida que as turmas se tornam heterogêneas, com ingressantes sem habilidades e competências adequadamente dimensionadas para o curso superior de engenharia, os índices de reprovação tendem a crescer. A figura 4 mostra a tendência de crescimento dos índices de reprovação da disciplina Física I, ministrada para ingressantes do curso de engenharia elétrica. Observe que as turmas cujo ingresso ocorre no primeiro semestre, apresentam índices de reprovação menores do que as turmas com ingresso no segundo semestre. Isto se deve ao fato de que os primeiros 50% classificados no vestibular ingressam no primeiro semestre. 60,0 55,4 50,0 46,7 40,0

31,4

30,0

30,6

20,0

10,0

10,7

7,7

0,0 2007/1

2007/2

2008/1

2008/2

2009/1

2009/2

Figura 4 – Percentual de reprovação na disciplina de Física I

A figura 5 apresenta possíveis desdobramentos do crescimento dos índices de reprovação: a decepção dos estudantes, que terminam por evadir e o aumento da demanda por vagas em disciplinas, necessárias para atender a alunos reprovados. Esta demanda por vagas adicionais em disciplinas, por sua vez, se não atendida através de uma oferta maior, significará a evasão dos alunos de menor desempenho que, sem ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015 |35


EVOLUÇÃO E ATUALIDADES DAS DIRETRIZES E AÇÕES PARA A EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA

vagas para matricular-se, não poderão progredir no curso. Por outro lado, o aumento da oferta de vagas em disciplinas, dentro dos mesmos padrões atuais, significa uma maior demanda por recursos. Finalmente, a alteração das políticas das disciplinas, visando aumento dos índices de aprovação, é uma alternativa que deve ser considerada com muito cuidado, devido aos riscos de perda de qualidade. Reprovações

Frustração e Decepção Demanda por vagas

Evasão Oferta de vagas inferior à demanda Demanda por recursos: docentes, salas, laboratórios, etc

Políticas de aprovação em massa

Perda de Qualidade

Redução de aulas práticas;

Mais alunos por sala

Figura 5 – Consequências do incremento dos índices de reprovação

5.1 Níveis de atuação O combate aos índices de evasão deve ser estabelecido em três níveis de atuação: ensino superior; processo seletivo; ensino fundamental e médio.

6 INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR Neste nível de atuação, encontram-se as ações a serem implementadas dentro do curso de engenharia. Pereira & Chaves (PEREIRA & CHAVES, 2006) citam exemplos de ações desta natureza, aplicadas com sucesso, 36| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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tais como a revisão dos conteúdos de matemática do ensino médio e a conscientização dos alunos e seus responsáveis sobre a necessidade de uma dedicação maior aos estudos. A UFRGS tem trabalhado de forma intensa neste nível de ação em programas que visam à redução das reprovações e evasão nos cursos de engenharia, tais como: précálculo, aulas de reforço aos sábados, programa de recuperação durante o período de férias, grupos de pesquisa voltados para redução de índices de evasão e retenção, programas de monitoria, comissão de boas vindas, atividades de extensão voltadas à motivação dos estudantes, criação de disciplinas introdutórias motivadoras, programas de formação de professores, eventos para discussão do ensino, etc. Não obstante a atuação dentro do curso superior seja de fundamental importância, ela possui alcance restrito, pois, se não houver qualidade nos processos formativos que antecedem o curso superior, dificilmente o aluno terá condições de acompanhar um curso de excelência, devendose atuar também nos outros dois níveis de ação, apresentados a seguir.

7 PROCESSO SELETIVO Segundo Loder, (LODER, 2009) os professores das disciplinas iniciais de matemática e física (UFRGS) observam, em muitos calouros, lacunas de formação que dificultam sua trajetória. Trata-se de um problema crônico, observado em diversos cursos de engenharia, especialmente aqueles que apresentam menor competição no vestibular. Uma alternativa eficaz para a redução da evasão é a adoção de um processo seletivo mais restritivo, que procure identificar os estudantes com perfil típico do aluno que conclui o curso com sucesso. Soares (SOARES, 2009) apresenta a forma como a UFRJ tem adotado esta estratégia, buscando aperfeiçoar o seu processo seletivo na busca de uma melhor qualificação de seus ingressantes. Esta solução, embora simples, nem sempre pode ser implementada devido a existência de políticas de preenchimento de vagas que, eventualmente, significam a admissão de estudantes sem pré-requisitos fundamentais para aproveitamento do curso.

8 ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO Nas últimas décadas, o Brasil tem feito um esforço significativo para proporcionar acesso universal ao ensino público. Nesta busca de ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015 |37


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indicadores quantitativos, tem ocorrido uma degradação progressiva no ensino fundamental e médio, proporcionando à iniciativa privada a oportunidade de concentrar a maior parte das vagas de qualidade. Como decorrência, por mais talento e vontade que um jovem tenha, ele terá dificuldades de desenvolver seu potencial caso não tenha condições de financiar seus estudos numa instituição de ensino privado. Perde o país, que desperdiça um talento que poderia contribuir para seu crescimento. Perde este jovem que poderia, ao contribuir para o crescimento do país, encontrar uma oportunidade de ascender socialmente. As universidades podem atuar diretamente nesta instância do ensino médio, aproveitando o grande contingente de estudantes com perfil adequado para ciências exatas que, com o preparo adequado, estaria apto a cursar engenharia com sucesso. A UFRGS, através de seus programas PBID (bolsa de iniciação à docência) deu início a um ambicioso programa, que visa interagir de uma forma mais intensa com as escolas de ensino fundamental e médio. Atualmente, inicia-se uma discussão sobre uma forma eficaz de integrar as iniciativas na área de pedagogia, com as necessidades de uma melhor qualificação dos vestibulandos de engenharia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Após as sessões dirigidas e variadas discussões em grupo no COBENGE algumas considerações foram levantadas: Houve consenso de que há a necessidade de as IES definirem políticas específicas (internas e externas) para implementação dos projetos pedagógicos. Com o REUNI, surgiram necessidades novas, tais como a ampliação de laboratórios e bibliotecas; novas exigências dos processos avaliativos no âmbito do SINAES; necessidade de ampliar a bibliografia básica dos cursos e, consequentemente, aquisição de novos títulos e maior número de exemplares e ampliação do número de vagas e do número de docentes. Em consequência, surge a necessidade de um programa de capacitação para a docência, que capacite o egresso a atuar nos novos paradigmas da educação em engenharia, visando também aproximar os pesquisadores com a docência, por exemplo, através de um mestrado profissional em docência em engenharia. Os alunos do ensino médio não têm se interessado pela engenharia, 38| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015


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o que pode ser verificado na relação candidatos / vaga nos processos seletivos, pela falta, principalmente, de valorização do engenheiro na sociedade. Além disso, tem-se que estar atento, pois o aumento de vagas do REUNI pode levar a uma significativa diminuição da qualidade da formação dos engenheiros. As diretrizes curriculares permitem avanços que devem ser discutidos, visando a uma formação crítica e reflexiva. As mudanças na formação se justificam. Como exemplo, verifica-se que a tecnologia não é neutra, porém esta pode estar sendo considerada neutra devido à falta de um pensamento reflexivo. Além disso, há que se discutir o papel do engenheiro na sociedade e o local de trabalho do engenheiro. Em relação aos referenciais curriculares para os cursos de graduação, alertou-se para o fato de que os referenciais poderiam vir a se tornar o “currículo mínimo” para os cursos. Embora a proposta do MEC não seja esta, na elaboração dos projetos político pedagógicos, eles podem assumir este papel, à medida que listam os conteúdos. Os referenciais curriculares, ao acrescentarem conteúdos específicos, estão ferindo as diretrizes curriculares, que conferem às IES essa tarefa, além de ferirem a flexibilidade destas na elaboração dos projetos político pedagógicos, assegurada por lei. Sugerir áreas de atuação dos profissionais e os laboratórios para os diversos cursos é interessante e nos auxiliam na luta por esta infra-estrutura. Portanto, os referenciais possuem aspectos bastante positivos, mas como estão colocados, vão de encontro com as diretrizes curriculares. Finalizando, coloca-se a necessidade de uma conscientização quanto à valorização das atividades de síntese de conhecimento nos projetos pedagógicos de curso. O grande problema desta questão é a falta de políticas específicas; as IES não se apropriaram dos conceitos que estão nas diretrizes curriculares, no sentido de que é necessário criar novas infra-estruturas, nova mentalidade, desenvolver todo um conjunto de atividades que possibilite a melhoria da relação universidade empresa, objetivando uma maior presença de atividades de projetos e, com isso, possibilitar a formação de engenheiros que a sociedade necessita.

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[14] CROSS, N.: Designerly Ways of Knowing: Design discipline versus design science; Design Issues, MIT Press: Volume 17, Number 3 Summer 2001. [15] FORMIGA, M. M. M. et al (Ed); Engenharia para o desenvolvimento: inovação, sustentabilidade, responsabilidade social como novos paradigmas; Brasília: SENAI/DN, 2010. ISBN 978-85-7519-319-8 [16] GARAUDY, Roger. A grande virada do socialismo. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A., 1970. [17] KAWAMURA, Lili Katsuco. Engenheiro: trabalho e ideologia. 2 ed. São Paulo: Ed. Ática, 1981. [18] LODER L. L. O aluno de engenharia elétrica: algumas considerações sobre suas expectativas, competências e trajetórias escolares. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA, Recife, 2009. [19] MARX, Karl. O Capital - livro 1 volume 1. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1980. [20] MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979. p. 125-128. [21] MEC (2009) Convergência da nomenclatura dos cursos de engenharia (De – Para) <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/convergencia denominacao. pdf>Acesso em 10/06/2010 [22] MEC (2010) Projeto referenciais nacionais para os cursos de engenharia. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/referenciais2.pdf Abril de 2010. [23] MEC (2009) Projeto referenciais nacionais para os cursos de engenharia. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/referenciais.pdf Acesso em 10/06/2010 [24] MEC (2010) Projeto referenciais nacionais dos cursos de graduação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/referencial_ consulta3.pdf>. Acesso em 10/06/2010 [25] MEC (2008) , Reuni 2008 – Relatório de primeiro ano: http://portal.mec. gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=2069 [26] MÉSZÁROS, Itsván. A educação para além do Capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. [27] O ESTADO DE SÃO PAULO, 2010 em: URL:http://www.estadao.com. br/noticias/geral,producao-cientifica-do-brasil-ultrapassa-a-da-russia-dizestudo,502188,0.htm ; acessado em 13/6/2010 15:42:52 ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 013-042| 2015 |41


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[28] PEIRCE, C.S. :How to Make Our Ideas Clear; Popular Science Monthly 12, pp286-302,January 1878. [29] PEIRCE, C.S.: The fixation of Belief; Popular Science Monthly 12 , pp 1-15,November 1877. [30] PEREIRA, T. R. D. S.; FILHO, A. B. G.; CHAVES, D. A. R. Evitando evasão em cursos de engenharia: um estudo de caso. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENSINO DE ENGENHARIA, Passo Fundo, 2006. [31] Revista Veja, 2009 – Acervo Digital: http://veja.abril.com.br/111109/ reconstrucao-uma-carreira-p-174.shtml [32] RIBEIRO, M.A.F.M; CURI, R.S. A visão dos alunos do curso de engenharia civil diante da implementação do projeto Reuni na UFCG. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA, Recife, 2009. [33] SCHACH, Stephen R., Engenharia de software: os paradigmas clássico e orientado a objetos. 7 ed. São Paulo: McGraw Hill, 2009. [34] SOARES I. S. UFRJ Politécnica – vestibular 1993-2009 – revisão histórica – vagas, evasão e retenção. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO EM ENGENHARIA, Recife, 2009. [35] TIBÚRCIO, T. MEC propõe reduzir para 22 as denominações de cursos de Engenharia. Disponível em: <http://www.abenge.org.br/notícias> Acesso em 10 de junho de 2010. [36] VIEIRA PINTO, A.: O Conceito de Tecnologia, vol.I e vol.II,Contraponto Ed., Rio de Janeiro, 2005.

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ATIVIDADES PRÁTICAS NA DISCIPLINA DE QUÍMICA: AMPLIANDO OS LIMITES DO LABORATÓRIO E INTEGRANDO CONHECIMENTOS Paulo Roberto JANISSEK1 Karen J. AMARAL2

RESUMO Este artigo descreve a abordagem utilizada para desenvolver, de forma integrada, atividades teóricas e práticas da disciplina de Química Tecnológica, ministrada no 1º ano do curso de Engenharia Civil. A partir do conteúdo funções inorgânicas, e da teoria ácido-base, foi desenvolvida uma aula prática avaliando este e outros parâmetros do solo. A prática em laboratório foi precedida de coleta e condicionamento de 2 tipos diferentes de solo pelos integrantes de cada equipe. Após a execução dos experimentos para avaliação dos solos, as equipes apresentaram, em formato de seminários os resultados obtidos, e as possíveis correlações, enfatizando possíveis aplicações no âmbito da engenharia civil. Para todas as etapas foram elaborados documentos de orientação, e divulgadas planilhas informando todos os critérios que seriam contemplados nas respectivas avaliações. Os alunos também participaram avaliando as apresentações das outras equipes. A prática foi bem recebida pelos alunos, que demonstraram interesse e envolvimento em todas as atividades propostas. De forma informal, vários alunos relataram que a visão e o interesse pela disciplina foram positivamente modificados. A estratégia de envolver os alunos, que assumiram a responsabilidade por várias etapas, desde a coleta e condicionamento das amostras até a apresentação e contextualização dos resultados, possibilitou o aprendizado ativo, e pode ser adotada com sucesso para qualquer conteúdo. 1 Graduado em Química (UFSM-RS), Doutorado em Química Orgânica (USP-SP). 2 Graduada em Engenharia Civil (UEPG-PR), Mestrado em Engenharia Civil (UFRJ), Doutorado em Engenharia Civil (UFRJ). ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 043-056| 2015 | 43


ATIVIDADES PRÁTICAS NA DISCIPLINA DE QUÍMICA: AMPLIANDO OS LIMITES DO LABORATÓRIO E INTEGRANDO CONHECIMENTOS

Palavras-chave: Aprendizagem ativa; Contextualização; Integração de conteúdos; Práticas de química; Análise de solos.

ABSTRACT This article describes the approach used to develop integrated theoretical and practical activities of Technology Chemistry. The discipline is taught in the 1st year of Civil Engineering curriculum. Using concepts of inorganic functions, and acid-base theory, an experimental lab class was developed for the students evaluate multiples soil parameters. Field collection and laboratory conditioning of two different soil samples, performed by each student’s team, preceded the practice. After the execution of experiments to evaluate the soils, the teams presented, in a seminary format, the results and correlations, emphasizing possible applications in civil engineering. Guidance documents and spreadsheets informing assessment criteria for all stages were provided in advance. Students also participated in the assessment performances of the other team’s results and presentations. The overall learning strategy was well received by students, who demonstrated enthusiasm and involvement in all proposed activities. Informally, several students reported that the vision and interest for the chemistry discipline were positively modified. The students took active part in all stages, especially on samples collection and conditioning, lab analyses, data treatment, presentation and contextualization of the results. The students engaging strategy presented in this paper enables active learning, and is a powerful tool that can be successfully adopted for any contend. Keywords: Active learning; Contextualization; Content integration; Chemistry experiment; Soil analysis.

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INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta uma estratégia utilizada para apresentar os conceitos ácido-base para alunos do primeiro ano do Curso de Engenharia Civil. Este conteúdo é abordado de diferentes formas, sendo a maioria delas relacionadas ao equilíbrio químico [BROWN e HOLME (2011); OXBOTY ET AL. (1994). JOESTEN e WOOD (1996)] enfatizam o caráter antagônico destas duas funções, enquanto Eubanks (2009) contextualiza as questões ambientais como chuva ácida para apresentar os conceitos ácido-base. No entanto, nenhuma destas abordagens, que foram testadas anteriormente em cursos de engenharia parecia adequada para despertar o interesse e envolver os alunos. A estratégia apresentada neste trabalho teve as seguintes premissas principais, elaboradas para facilitar e melhorar o processo de aprendizado: A : contextualização dos conteúdos teóricos a serem desenvolvidos com aspectos práticos do curso, e escolha de um tema central que possibilitasse uma abordagem multi e transdisciplinar. B : planejamento de atividades com a participação dos alunos de forma ativa, e a utilização de dispositivos eletrônicos, como celulares com câmera digital e GPS (smarthphones); C: elaboração de um roteiro detalhado de todas as etapas, que deveriam ser conduzidas em equipe e divulgação clara dos critérios de avaliação das atividades; D: divulgação prévia, via portal acadêmico, possibilitando a formação das equipes e obtenção / preparo dos materiais. O tema central escolhido como elemento integrador foi o solo, que possibilitou, além de trabalhar o caráter ácido/base, a caracterização em laboratório de outros parâmetros do solo, e a discussão das diferentes funções e aplicações na Engenharia Civil, bem como as principais formas de modificação do mesmo. Os alunos foram incumbidos de: Identificar locais relevantes para a coleta, reconhecer e coletar dois tipos diferentes de solo, Condicionar as amostras coletadas em laboratório (processo de secagem), ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 043-056| 2015 | 45


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Executar os experimentos de caracterização em laboratório (caráter ácido/básico, capacidade de tamponamento, compactação, densidade e permeabilidade/retenção de água), Apresentar e contextualizar os resultados obtidos através de seminários. Os detalhes desta estratégia de ensino e os resultados obtidos são apresentados neste trabalho.

DESAFIOS PARA ADOTAR ESTRATÉGIAS INOVADORAS Diversos fatores podem ser elencados para que a disciplina de química não desperte a atenção e seja motivadora para a aprendizagem dos alunos. A disciplina compõe o ciclo básico, sendo ministrada no primeiro ano do curso. É uma disciplina que exige vários conhecimentos do ensino médio, muitas vezes não “disponíveis” pelos alunos. Apesar do expressivo progresso e modificação do referencial teórico, apresentando exemplos e oportunidades para a contextualização dos conteúdos, nem sempre o professor encontra meios, recursos ou motivação para desenvolver atividades que facilitem e motivem a aprendizagem através da contextualização prática dos conceitos teóricos. Outra realidade enfrentada por muitos colegas professores, é que nem sempre as estratégias adotadas promovem o desejado aprendizado e envolvimento dos alunos. Também podem ser apontados como fatores impeditivos a falta de materiais, reagentes ou equipamentos, que devido às questões legais e comerciais (referência), restringem o acesso e a disponibilidade. O relato apresentado supera facilmente estas dificuldades, pois os alunos ficam responsáveis por praticamente todas as tarefas, que são de fácil execução experimental, requerem uma infraestrutura mínima e utilizam materiais e equipamentos de baixo custo e prontamente disponíveis. A atividade é executada em equipes, formadas por livre escolha dos alunos, e durante quatro semanas, oportunizando as habilidades de planejamento e compartilhamento de responsabilidades, essenciais nas atividades profissionais em praticamente todas as áreas. Ao apresentar, na forma de seminários, os resultados obtidos 46 | ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 043-056| 2015


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e as possíveis implicações na caracterização e usos do solo, o aluno desenvolve habilidades de expressão/comunicação, além da abordagem multidisciplinar. Outro desafio encontrado era referente à atitude dos alunos durante a apresentação de seminários. Observa-se, em muitos casos, que os alunos apresentam para o professor, ficando a maioria da assistência (colegas que não estão apresentando) completamente alheios ao assunto apresentado. Também esta dificuldade pode ser superada, pois os alunos deveriam, no relatório final, comparar e discutir as diferenças dos seus resultados com os obtidos pelas outras equipes. Os alunos deveriam também avaliar a apresentação dos colegas, de acordo com critérios previamente divulgados, e também utilizados para o professor fazer a avaliação. Na etapa de apresentação dos seminários, foi observada a participação e acompanhamento mais efetivo das equipes que já haviam apresentado. As equipes que ainda iam apresentar estavam envolvidas em ajustes de última hora. Uma modificação sugerida nesta dinâmica é a entrega prévia do material, e o sorteio da ordem de apresentação de forma gradual, ou seja, sorteando a próxima equipe ao final de cada apresentação.

DETALHES EXPERIMENTAIS DA PROPOSTA São descritos a seguir o planejamento geral e alguns detalhes experimentais relevantes da atividade de ensino. O objetivo é proporcionar subsídios para que o procedimento possa ser modificado/ adaptado para outros conteúdos, não ficando restrito à área de química. A Tabela 1 apresenta o planejamento/cronograma de todas as etapas utilizadas para trabalhar o conteúdo. Tabela 1 – Cronograma de atividades e procedimentos utilizados para trabalhar com as características e aplicações dos diversos tipos de solo. Etapa

1 (A)

Principal atividade Conteúdos

Formas de condução Estratégias / procedimentos

Conteúdo teórico. Apresentação da proposta.

Aula presencial, explorando os aspectos teóricos e apresentando a proposta e os objetivos da aprendizagem

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Material de apoio Referências

Divulgação (meio eletrônicoportal) de: I. Cronograma de atividades; Ii.Planilha com critérios de avaliação Iii.Referências teóricas Iv. Roteiro experimental detalhando todas as atividades para as amostras de solo

3 (B)

Coleta e condicionamento das amostras solo

Coleta, documentação fotográfica e georeferenciamento do ponto (gps); Secagem em estufa com cálculo da umidade

4 (A)

Avaliação das propriedades

Aula prática, realizada em laboratório

5 (A)

Apresentação dos resultados seminários

Realizado pelas equipes e avaliado pelo docente e pelas outras equipes.

6 (B)

Relatório escrito

Entrega do relatório, meio eletrônico; 1 relatório por equipe

Divulgação das avaliações (notas)

Encaminhamento das planilhas indicando o desempenho das equipes em cada critério.

2 (B)

7 (B)

Realizado em aula presencial; na atividade descrita, são previstos 3 encontros ou semanas

Realizado como atividade extra-classe, em horários alternativos, muitos deles por meios eletrônicos. Apenas para a secagem das amostras é necessária a disponibilização do laboratório. No caso específico, o laboratório ficou disponível durante 3 dias, 30 minutos antes (no período noturno) ou após as aulas (no período matutino) e no intervalo das aulas nos respectivos períodos. O cronograma de atividades proposto na Tabela 1 pode ser alterado ou adaptado para respeitar e atender as individualidades de conteúdos e propostas de trabalho de cada docente. É possível, por exemplo, primeiro realizar as atividades práticas e depois apresentar os conteúdos teóricos, com o professor fazendo a síntese integradora. Na estratégia descrita neste trabalho, os alunos foram os principais responsáveis pelas 48 | ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 043-056| 2015


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atividades práticas (experimentos) e as explicações, contextualizações, e aplicações dos conteúdos teóricos. Assim, a apresentação inicial dos conceitos, a explicação da proposta e todo o material de apoio foram trabalhados e disponibilizados no início. Uma outra possibilidade é a opção de só trabalhar com seminários de apresentação dos resultados, ou então, em função do cronograma ou do tempo disponível, suprimir esta etapa só considerando os relatórios. Na opinião dos autores, entretanto, estas duas são essenciais na formação dos alunos, permitindo o desenvolvimento de competências importantes no exercício das atividades profissionais. A Tabela 2 apresenta os materiais necessários para a execução das atividades propostas. Tabela 2 – Materiais necessários e critérios de avaliação da estratégia de aprendizagem proposta. Etapa (a) 3 Coleta 3 Caracterização

Materiais necessários por equipe (b) Pá ou objeto semelhante, que permita a coleta do solo, e recipiente (vidro ou metal) para armazenar a amostra Máquina fotográfica ou celular com câmera. GPS ou celular com este aplicativo

3 Secagem (a)

Balança para pesagem das amostras antes e após a secagem e estufa de aquecimento com controle de temperatura (Figura 1a).

4 Experimentos de avaliação das características do solo

Proveta (cilindro graduado) (Figura 1b), utilizada para medir a quantidade de água adicionada e a permeabilidade do solo; Coluna de percolação, que pode ser realizada com garrafa de água mineral de 500 mL, e furos na tampa (Figura 1c); Paquímetro ou régua, para calcular o volume; Cronômetro para marcar o tempo; pHmetro (Figura 1d)

5 Apresentação

Computador com projetor multimídia, ou alternativamente “flipchart” (Figura 1e) ou cartolinas que podem ser fixadas na parede

(a): Alternativamente, o solo pode ser disposto em uma camada de jornal ou papel toalha, em local com circulação forçada de ar (ventilador)

Pode ser observado na Tabela 2 que, apesar de relevantes, todos os materiais são de fácil obtenção. Esta característica deve ser ressaltada, pois, ao contrário do que possa parecer, a relevância dos experimentos e a potencialidade pedagógica não está na sofisticação dos métodos ou equipamentos. Ao contrário, eles podem dificultar a ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 043-056| 2015 | 49


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aprendizagem, ficando inacessíveis para os alunos, que vão utilizá-los de forma automática, sem conhecer o princípio de funcionamento dos mesmos (referência). Isso acontece com muitos dispositivos modernos, do tipo “plug-and-play”, onde o usuário (alunos) e muitas vezes o próprio professor não tem sequer noção dos princípios fundamentais de funcionamento. A Figura 1 apresenta uma ilustração representativa dos materiais referenciados na Tabela 2.

a

b

c

d

a): estufa de secagem; b) cilindro graduado (proveta) ou copo graduado encontrado como utensílios de cozinha; c): coluna cromatográfica ou adaptação com garrafa de plástico para a mesma função; pHmetros de bancada (custo médio de 500,00 reais) ou de bolso (obtidos a partir de 50,00 reais) Figura 1: Materiais utilizados para a caracterização do solo

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Exceto pelo pHmetro e estufa, que devem ser providenciados pelo professor, os demais materiais podem ser facilmente obtidos, e cada equipe fica encarregada de providenciar os seus materiais. Essa estratégia é facilitadora do planejamento e da responsabilidade, promovendo também o envolvimento ativo do aluno, competências importantes no processo educativo.

RESULTADOS OBTIDOS E OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM Coleta do Solo: tipos de solo, características e funções Na apresentação dos resultados os alunos podem trabalhar as diversas formas de classificar o solo, e apresentar, através de fotos, as diferentes funções que ele exerce. Assim, os conceitos teóricos são correlacionados com a realidade do aluno, um fator motivador da aprendizagem, pela significação dos conceitos. A caracterização do tipo de solo.

T

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c http://www.engenhariacivil.com/imagens/murosuporte.jpg Tipos e usos do solo; a): triângulo de classificação do solo quanto à textura; b): tipos característicos de solo; c): função do solo em grandes obras civis Figura 2: Caracterização do solo quanto à textura, coloração e utilizações.

Ao utilizarem dispositivos eletrônicos para a documentação (fotografias e GPS) os alunos são incentivados a incorporar estes dispositivos em sala de aula. Este é outro desafio para os professores, e muitas estratégias, tais como o portal SOCRATIVE (2014), tem sido utilizadas para aproveitar as oportunidades de aprendizagem que este dispositivo oferece.

Caracterização do solo: propriedades, resultados e interpretações No laboratório foram realizadas diversas experiências de caracterização do solo, descritas nos roteiros de prática disponibilizados para os alunos e realizados pelas equipes sob a orientação do professor. Todas as equipes precisavam incorporar nos seus trabalhos a descrição dos procedimentos realizados, e os resultados obtidos por todas as equipes. A Figura 3 mostra alguns resultados obtidos, e ilustram uma outra competência que também é desenvolvida na prática. A representação gráfica de resultados é importante em apresentações e relatórios, mas observa-se muitas dificuldades por parte dos alunos nesse aspecto.

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a) densidades aparentes dos solos avaliados

b)variação do pH para solos ácidos, básicos e neutros.

c) permeabilidade e retenção de água Figura 3: Representação gráfica das características do solo determinadas em aula prática pelos alunos

A Figura 4 representa, de forma esquemática, as diversas abordagens que podem ser trabalhadas a partir das propriedades do solo avaliadas em laboratório. Tendo em vista a relevância do tema para o curso de Engenharia Civil, ele pode ser trabalhado de forma integrada nas demais disciplinas.

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ATIVIDADES PRÁTICAS NA DISCIPLINA DE QUÍMICA: AMPLIANDO OS LIMITES DO LABORATÓRIO E INTEGRANDO CONHECIMENTOS

Figura 4: Inter e transdisciplinaridade dos conceitos trabalhados

CONCLUSÕES A partir dos conceitos ácido-base, usualmente explorados em livros didáticos e em estratégias pedagógicas de forma convencional, foi elaborada uma abordagem inovadora, de grande relevância pedagógica. Foram exploradas a aprendizagem ativa, a contextualização, e a abordagem multidisciplinar, entre outros. Também foram exploradas as habilidades de interpretação e correlação dos resultados, representação gráfica e técnicas de apresentação, pois as equipes apresentaram os resultados obtidos através de seminários. Adicionalmente, foi desenvolvida a avaliação participativa, pois os alunos avaliaram as apresentações utilizando os mesmos critérios utilizados pelo professor. Ao serem divulgados os resultados e as justificativas para as notas 54 | ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 043-056| 2015


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obtidas, a avaliação também teve um caráter formativo. Apesar de muito rica em termos de conteúdo, a estratégia utilizada é de execução simples, e não envolve materiais nem instrumentos complexos ou caros, ficando ao encargo das equipes providenciá-los, o que é outra estratégia para aumentar a participação e o comprometimento dos acadêmicos nas atividades. Espera-se, com este trabalho, provocar a utilização de abordagens semelhantes, melhorando a qualidade do processo ensinoaprendizagem.

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ATIVIDADES PRÁTICAS NA DISCIPLINA DE QUÍMICA: AMPLIANDO OS LIMITES DO LABORATÓRIO E INTEGRANDO CONHECIMENTOS

REFERÊNCIAS [1]BROWN, Lawrence S., HOLME, Thomas A. Chemistry for Engineering Students. 2. ed. Belmont: Brooks/Cole, 2011. 578 p, il. [2]EUBANKS, Lucy Pryde, Chemistry in context: applying chemistry to society, 6 ed. New York: Mc Graw Hill, 2009. 586 p, il., [3]JOESTEN, Melvin D.; WOOD, James L. World of Chemistry, 2. ed. Florida: Saunders College Publishing, 1996, 731 p, il. [4]OXTOBY, NACHTRIEB, FREEMAN, Chemistry: Science of Change. 2. ed. Florida: Saunders College Publishing, 1994. 1001 p, il. [5]SOCRATIVE, Engage the class, 2014. Disponível em: http://www. socrative.com, Acesso em 05 maio 2014.

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O ENSINO DA FÍSICA E OS PRIMEIROS ANOS DE ENGENHARIA: O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA BEM SUCEDIDA Jackson MILANO1

RESUMO Este documento apresenta o desafio proposto aos alunos do 2º ano do curso de Engenharia de Produção, relacionado à disciplina de Física B, cujo objetivo específico é a formação de equipes para projetar e construir um Marble Machine (máquina de movimento contínuo de esferas) utilizando materiais de baixo custo. Relata ainda as dificuldades encontradas pelos estudantes, durante suas apresentações, para fazer com que os projetos teóricos se tornassem viáveis na prática. A partir de atividades como a proposta, destaca-se a relevância de atividades práticas e/ou experimentos para o ensino da Física na Engenharia de Produção. Palavras-chave: Marble Machine; Movimento Contínuo; Física; Engenharia.

ABSTRACT This document presents a proposed challenge to the students of de second year of the production engineering course, related to the subject of Physics B, whose goal is to the students teams project and build a Marble Machine (a machine of continuous movement of balls), using low costs materials. This paper also reports the difficulties found by the students during their presentations, to make the theoretical designs feasible in practice. From activities like the proposed, reinforce the importance of practical activities and/or experiments to teaching Physics for the Production Engineering Course. Keywords: Marble Machine; Continuous Movement; Physics; Engineering. 1 Graduado e Licenciado em Física (UFPR), MBA em Gestão das Organizações Educacionais (UP).

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O ENSINO DA FÍSICA E OS PRIMEIROS ANOS DE ENGENHARIA: O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA BEM SUCEDIDA

INTRODUÇÃO A genialidade e a criatividade do ser humano parecem não ter limites. Quando se imagina que tudo que poderia ser inventado já o foi, somos surpreendidos diariamente por mentes geniais que nos apresentam novidades nunca antes pensadas. E isto não ocorre apenas na área tecnológica e da informática, muitos são os artefatos extremamente simples que anualmente são inventados seja pela necessidade de resolução de um problema ou pela enorme satisfação de seu mentor em expor suas ideias e transformá-las em algo real e que possa ser útil (PEREIRA, 2013). Albert Einstein, o físico mais famoso do século XX afirmava que “o mais importante de tudo é nunca deixar de se perguntar. A curiosidade tem sua própria razão de existir”. E essa característica humana tem, em alguns momentos de nossa existência, nos apresentado relatos e inventos fascinantes. Desde a antiguidade nos destacamos por sermos capazes de criar. É exatamente essa a causa de termos sobrevivido em momentos difíceis, pois nunca fomos a mais forte nem a mais ágil das espécies sobre a Terra, mas certamente somos a única capaz de concretizar nossos pensamentos com o objetivo de facilitar nossa sobrevivência (PEREIRA, 2013). Na Idade Média muitos nomes se destacaram, mas um que chama a atenção é a figura única de Leonardo Da Vinci que além de pintor e escultor renascentista era um inventor fabuloso. Algumas de suas ideias e projetos nos surpreendem até hoje pela complexidade e conjunto dos detalhes para sua construção, como as engrenagens para mergulho, o submarino, a ponte giratória, a asa delta planadora, o parafuso voador (helicóptero) e o tanque de guerra blindado (ROCHA, 2007). Mas a criatividade humana nas invenções enfrentava uma grande dificuldade. Era necessário estudar e conhecer as leis da Física para concretizar muitas dessas ideias. Talvez nesse instante tenha se originado a “engenharia” que no dicionário Michaelis é definida como “a arte de aplicar os conhecimentos científicos à invenção, aperfeiçoamento

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ou a utilização da técnica industrial em todas as suas determinações” ou, como afirma Pereira, “o termo em si tem uma etimologia muito mais recente, derivando da palavra engenheiro, que apareceu na língua portuguesa no início do século XVI e que se referia a alguém que construía ou operava um engenho”. Frente ao exposto anteriormente fica, portanto, evidenciada a importância do estudo e compreensão da Física, em todas as suas áreas para a formação completa do futuro profissional que deseja se tornar Engenheiro, em qualquer das especialidades que esta possa se apresentar.

PONTO DE PARTIDA Será que nos cursos de Engenharia ofertados por nossas Faculdades e Universidades no Brasil esse caráter investigativo e prático da Física está sendo explorado? Ou nossos alunos estão sendo massacrados por uma teoria excessiva, que na grande maioria das vezes, jamais será utilizada pelo engenheiro durante sua atividade cotidiana? Qual a utilização real que se está fazendo das atividades práticas? Essas atividades, quando acontecem, levam o jovem aprendiz a criar, pensar e inovar ou apenas se limitam a repetir antigas experiências consagradas para comprovar a veracidade de fórmulas e leis descobertas nos séculos XVI ou XVII? A partir disso, pode ser questionada a maneira tradicional como a Física, essa importante disciplina, está sendo ministrada na academia, bem como a forma como isso está sendo feito pela maioria dos professores. Quem sabe seja o momento de mudar, aceitar novos paradigmas, outras ideias, como propôs o francês Yves Chevallard quando introduziu o conceito de transposição didática. Este didata francês do campo do ensino das matemáticas, leciona atualmente no Institut Universitaire de Formation des Maîtres de l’Académie d’Aix-Marseille, onde coordena também a pesquisa na área da formação docente em matemática. Ele afirma que: Um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão tornáENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 057-070| 2015 |59


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lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de transposição didática. (CHEVALLARD, 1991, p.39).

Durante um estudo de caso, desenvolvido em parceria com MarieAlberte Joshua, intitulado Um exemplo de análise de transposição didática, no qual a trajetória da noção matemática de distância é investigada, Chevallard (1991) afirma que a apresentação de um estudo empírico proporciona importante testemunho da dinâmica da “evolução da teoria”, impulsionada pelo confronto com a prática da pesquisa. Está na hora de arriscarmos outras técnicas e verificar, através de dados reais, se os resultados em relação à aprendizagem seriam os mesmos ou não. Um dos fatores mais relevantes sempre foi a motivação dos educandos. É preciso aproveitar isso a nosso favor. Como seria o ensino da termodinâmica, parte de extrema importância na Física, se invertêssemos seu aprendizado? Se antes de qualquer conceituação teórica, iniciássemos com o estudo dos motores a combustão na prática e à medida que precisássemos dos conceitos tanto da Mecânica quanto da Termodinâmica eles fossem sendo gradativamente estudados, mas visando sempre o lado prático do funcionamento real de motores, que são fabricados atualmente e que equipam a maioria dos nossos meios de transporte? Certamente exigiria professores muito melhor preparados, laboratórios de excelência e turmas reduzidas para que iniciativas como essa obtenham sucesso. A função do professor na sala de aula está mudando radicalmente. Este, cada vez mais, assume o papel de coordenador, de mediador, organizador e motivador do trabalho a ser realizado, passando de ator principal para um coadjuvante no processo ensino/aprendizagem e transferindo para os alunos a responsabilidade principal. Estes, por sua vez, devem sair da posição de inércia em que hoje se encontram e assumir esse papel principal, pois cabe exatamente a eles a responsabilidade maior pelo interesse e motivação no ambiente educacional. Nesse contexto, Séré, Coelho e Nunes (2003), em seu relato sobre O Papel da Experimentação no Ensino da Física, deixam claro que 60| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 057-070| 2015


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“é através das atividades experimentais que o aluno é estimulado a não permanecer somente no mundo dos conceitos e das linguagens, pois tem a oportunidade de relacionar esses dois mundos com o empírico” (p.39). Com o objetivo de buscar modificar esse quadro de estagnação e mera contemplação nas aulas de Física Básica nos primeiros anos de Engenharia de Produção na Universidade Positivo, os alunos do 2º ano de 2014 (três turmas, totalizando 90 alunos), foram desafiados a construir um Marble Machine, cujo objetivo principal era o de proporcionar o movimento contínuo de esferas de metal ou de vidro. Para isso deveriam utilizar materiais de baixo custo, como madeira e plástico além da possibilidade de utilização de um motor elétrico para auxiliar no procedimento de elevação das esferas. Os trabalhos foram avaliados quanto à utilização de material de baixo custo, criatividade, complexidade e originalidade da montagem, além da entrega de relatório com um esboço do projeto, grandezas físicas envolvidas, relato das dificuldades, fotos da montagem e planilha com custos. No total, realizaram a atividade 90 alunos, divididos em equipes de 3 a 5 integrantes. Foram disponibilizados para as equipes 45 dias para a construção de seus projetos, sendo agendada uma data no final do bimestre para a apresentação. Nesse dia, 18 Marble Machines foram apresentados em pleno funcionamento.

TEORIA E PRÁTICA Durante a apresentação do projeto, nenhuma equipe revelou ter apresentado muitas dificuldades. Os comentários apresentados nos relatórios citam a criação de um dispositivo para elevar as esferas (uma espécie de elevador) como o maior “desafio inventivo” e a velocidade de rotação dos motores encontrados como a “grande surpresa negativa”, pois a maioria dos motores testados girava rápido demais, fato que dificultava a elevação e o encaixe das esferas. Todas as equipes relataram ter sido a parte mais fácil do trabalho o retorno das esferas ao nível de referência, pois a gravidade “realizou praticamente todo o trabalho, foi ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 057-070| 2015 |61


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necessário apenas construir o caminho para isso”. As imagens abaixo ilustram alguns desses trabalhos, seguidos por uma breve explicação de cada um. A ‘Figura 1’ ilustra um dos trabalhos em que os estudantes optaram pela não utilização de motor elétrico, uma vez que esse dispositivo era uma peça opcional, e utilizaram o sistema de polia com giro manual, como dispositivo para elevar as esferas, fato perfeitamente possível na descrição do projeto.

Figura 1: Marble Machine manual com sistema de polia e excêntrico

O eixo excêntrico localizado na parte inferior, semelhante ao virabrequim de um motor a combustão, é responsável por elevar os “degraus” do elevador na ordem certa, fazendo as esferas subirem um degrau de cada vez até o último onde, por uma rampa lateral inclinada para baixo, retornam ao ponto de referência para iniciar o movimento novamente. Na ‘Figura 2’, podemos ver mais um modelo: dessa vez, um elevador foi montado com a utilização de um motor de corrente alternada (AC),

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utilizado em micro-ondas convencionais, que possui uma frequência de rotação muito baixa. A opção nesta montagem é a de um orifício central, em uma peça de acrílico, onde a captação da esfera do nível de referência eleva toda a coluna de esferas, fazendo a mais elevada sair do elevador e percorrer a trajetória.

Figura 2: Marble Machine com motor de micro-ondas e elevador em acrílico

Neste caso os estudantes optaram por várias rampas de descida, com a colocação de furos e obstáculos durante o trajeto, tornando assim o movimento de descida mais interessante, uma vez que as esferas poderiam realizar caminhos diferentes. A parte mais engenhosa do projeto foi a modelagem em acrílico da peça captadora da esfera no nível de referência que possui uma ranhura onde apenas uma esfera é transportada de cada vez. O centro dessa peça foi acoplado diretamente ao eixo do motor AC.

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A ‘Figura 3’ ilustra um sistema constituído de motor e alavanca, que capta uma esfera de vidro quando está na posição horizontal e eleva-a até o ponto mais alto da rampa inicial onde ela começa sua descida por gravidade. Ao passar por uma peça móvel (última imagem), a esfera desce por caminhos diferentes. Pela pista preta, descerá ao nível de referência por três rampas feitas com pregos até a rampa final de madeira, mas se a peça móvel estiver virada para o outro lado, a esfera descerá pelo caminho vermelho constituído por rampa de escada em espiral até novamente atingir o nível de referência e aguardar sua vez para recomeçar todo o ciclo.

Figura 3: Marble Machine com braço de alavanca elevador

É interessante notar também o sistema de contenção e liberação das esferas, constituído de contra peso e alavanca (em vermelho) que só libera uma esfera quando o elevador atinge o nível de referência e retém as demais até seu momento de efetuar o trajeto.

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Os membros desta equipe relataram vários pequenos problemas entre o projeto teórico e sua realização prática. O primeiro deles foi em relação às rampas de pregos pois foram colocadas inicialmente com pouca inclinação, fazendo com que as esferas parassem seu movimento de descida. O contra peso no sistema de liberação de esferas para o elevador foi outro problema encontrado e solucionado de forma empírica, adicionando massas até seu perfeito funcionamento. O maior problema, porém, foi a peça móvel que seleciona o caminho da esfera, que inicialmente travava, não girando e consequentemente impedindo a passagem. Foi necessária a raspagem da pintura (fato visível na ‘Figura 3’), com o objetivo de liberar completamente seu movimento, para que a peça direcionasse a descida da esfera de forma alternada, conforme havia sido projetado. Na ‘Figura 4’, temos um sistema de elevador similar ao da ‘Figura 1’, com a utilização de motor elétrico para tal função. O interessante é que a equipe também encontrou dificuldades com um motor com baixa rotação e grande torque em seu projeto e por esse motivo, adaptou uma furadeira elétrica ao eixo do excêntrico, tomando o cuidado de construir uma caixa para a sua colocação.

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Figura 4: Marble Machine com furadeira elétrica no eixo principal

Destacaram-se, no equipamento acima descrito, o capricho no acabamento (todo em couro), a escrita com adesivos, a pintura das peças, espelhos utilizados na montagem e iluminação. A ‘Figura 5’, na sequência, mostra um Marble Machine construído com duas rodas funcionando como sistema elevador e várias opções de descida. Como as rodas conseguem elevar um grande número de esferas, esse equipamento, quando em funcionamento, tinha aproximadamente 30 esferas em movimento contínuo e simultâneo, o que causava uma sensação extraordinária ao espectador, que ficava sem saber o que olhar.

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Figura 5: Marble Machine com duas rodas no sistema do elevador

Este equipamento, ao alternar rampas de madeira em vários níveis, com descidas em espiral feitas com arame de metal, foi o projeto que apresentou a maior complexidade de movimento entre todas as montagens.

PORQUE ESSE RELATO É UMA BOA PRÁTICA DE ENSINO E APRENDIZAGEM A empolgação dos estudantes ao relatarem a construção e a felicidade ao conseguirem cumprir com o objetivo proposto mostram que projetos como esse aproximam a Física da prática diária do futuro engenheiro, no qual muitos conceitos, teoremas e leis tiveram que ser obedecidos e respeitados para o funcionamento perfeito de cada máquina apresentada.

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O sorriso de satisfação das equipes e suas formas atuais e extravagantes de se cumprimentarem pela realização de algo que parecia inicialmente impossível de ser concluído, ilustra que este projeto se constituiu uma boa prática no ensino de Física para os futuros engenheiros.

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Referências [1]BORGES, T. A. Novos rumos para o laboratório escolar de Ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, n. 3, p. 291-313, dez. 2002. [2]CHEVALLARD Y. (1985a), La transposition didactique - Du savoir savant au savoir enseigné, La Pensée sauvage, Grenoble (126 p.). Deuxième édition augmentée 1991. [3]GASPAR, A. Experiências de Ciências para o Ensino Fundamental. São Paulo : Editora Ática, 2005. [4]MASSETO, M. T. Atividades pedagógicas no cotidiano da sala de aula universitária : reflexões e sugestões práticas. Disponível em http://www. escoladavida.eng.br/anotacaopu/Formacao%20de%20Professores/modulo_6. htm. Acesso em 06/05/2014. [5]PEREIRA, F. S. C. História da Engenharia. Disponível em http://www. crea-rn.org.br/artigos/ver/120. Acesso em 11/05/2014. [6]R.G.C. de Almeida, O Papel dos Engenheiros e Matemáticos na História do Ensino de Física no Pará (1931-1970). Tese de Doutoramento, Universidade de São Paulo, 2006. [7]ROCHA, A. J. F.; SILVA, G. T.; MARMO, A. M. C. B.; DURO, M. A. S.; MIRANDA, L. F. M.; OLIVEIRA, Y. M. B. M., Engenharia, origens e evolução. XXXV Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia – COBENGE, 2007. [8]SÉRÉ, M. G.; COELHO, S, M.; NUNES, A. D. O papel da experimentação no ensino de Física. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 30-42, abr. 2003.

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GIANCARLO DE FRANÇA AGUIAR - BÁRBARA DE CÁSSIA XAVIER CASSINS AGUIAR

VOLUMES DE SÓLIDOS DE REVOLUÇÃO COM A UTILIZAÇÃO DE TRABALHOS EM ENGENHARIA Giancarlo de França AGUIAR1 Bárbara de Cássia Xavier Cassins AGUIAR2

RESUMO O presente trabalho aborda algumas reflexões sobre a construção e utilização de implementações práticas no ensino do tema sólidos de revolução na disciplina Cálculo Diferencial e Integral, sendo seu desenvolvimento realizado no curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo. Este texto expõe algumas construções desenvolvidas por estudantes do 1° ano, relata as suas dificuldades no processo de ensino-aprendizagem da disciplina e fomenta alguns passos do desenvolvimento do trabalho proposto. Palavras-chave: Sólidos de Revolução; Projetos de Engenharia; Processo de Ensino-Aprendizagem.

ABSTRACT This paper discusses some reflections on the construction and use of practical implementations in teaching revolution solids theme in discipline Differential and Integral Calculus, and its development carried out in the course of Positivo University Computer Engineering. This text exposes some buildings developed by students of 1st year, reports its difficulties in the discipline teaching-learning process and encourages steps of the development of the proposed work. Keywords: Solids of Revolution; Engineering Projects; TeachingLearning Process. 1 Graduado em Matemática (UFPR - 2000), Mestre em Programação Matemática (UFPR - 2003), Doutorando em Métodos Numéricos Aplicados à Engenharia (UFPR - Atual). 2 Graduada em Matemática (UFPR - 2000), Mestre em Métodos Numéricos Aplicados à Engenharia (UFPR - 2003), Doutora em Métodos Numéricos Aplicados à Engenharia (UFPR - 2014).

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INTRODUÇÃO Afortunada por suas dimensões e aplicabilidade, a disciplina Cálculo Diferencial e Integral (com seus conceitos e ferramentas) assume uma função essencial em cursos de Matemática, Engenharia, Computação e Ciências afins. Entretanto, o refinamento desses conceitos requer pré-requisitos fundamentais (uma matemática básica apurada) a um estudante de graduação. No entanto, a crescente oferta e aumento do número de vagas em cursos de graduação em nosso país, fez ascender uma demanda reprimida de estudantes, que por sua vez, estão alcançando o ingresso no ensino superior com a ausência de conceitos fundamentais. Fatores condicionantes dessa carência estão além de uma opinião global, contudo o professor (independente de suas dificuldades) do ensino superior pode, e deve assumir o compromisso da equidade, procurando ampliar gradativamente a qualidade do ensino. Neste trabalho foi ilustrado como a construção e utilização de implementações práticas no ensino do tema sólidos de revolução pode auxiliar os estudantes na compreensão conceitual, geométrica, numérica e algébrica do tema. Estimular o desenvolvimento prático aos estudantes põe em evidência o papel do sujeito aprendiz e o coloca como ator do processo, permitindo que o mesmo aprenda e consiga atingir seus objetivos (MASSETO, 2009). A partir das contribuições de abordagens cognitivas da aprendizagem matemática como as propostas por Vergnaud, compreendemos que a ampliação gradativa da qualidade das aprendizagens conceituais do estudante e o desenvolvimento das competências do raciocínio matemático são dimensões inter-relacionadas que compõem a complexidade/riqueza do conhecimento matemático e que a tomada de consciência deste fato por parte dos docentes e estudantes é um passo importante para orientar a busca de parâmetros de qualidade que podem orientar o planejamento de ensino e das atividades de estudo (PEIXOTO, et al, 2008).

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PONTO DE PARTIDA A determinação de volumes de objetos caracteriza um importante papel no estudo (ensino-aprendizagem) de muitos problemas nas ciências físicas. De maneira geral, os cursos de Cálculo Diferencial e Integral abordam os problemas de volumes utilizando funções de uma variável real que revolvem em torno de um eixo (reta no plano) de rotação, como pode ser observado na Figura 1 (a). O resultado é um modelo tridimensional (Figura 1 (b)) chamado de sólido de revolução e que possui um volume condicionado (dependente do domínio da função).

Figura 1: Sólido de revolução gerado por uma função rotacional em torno do eixo-y. Fonte: http://cwx.prenhall. com/bookbind/pubbooks/thomas_br/medialib/trans/cap5.ppt

No entanto, em geral os professores se limitam a abordar o estudo dos sólidos de revolução com uma explanação teórica e algum tipo de recurso computacional (softwares MATLAB, MAPLE, WINPLOT, entre outros) com animações e visualizações dos sólidos tratados em sala de aula. As dificuldades apresentadas pelos estudantes são aparentes (carência de matemática básica, falta de foco na compreensão conceitual, desestímulo por ausência imediata das aplicações) e estão condicionadas, por exemplo, a fatores como falta de tempo apropriado ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 071-080| 2015 |73


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para o estudo, rigor da abordagem oferecida e, sobretudo a insuficiência de estímulo motivacional. Neste trabalho trataremos um fator motivacional para os estudantes, o desenvolvimento de um sólido de revolução, utilizando para isto, materiais reciclados e carcaças de hardwares. Os estudantes devem confeccionar o sólido e montar uma apresentação para a sua turma através de seminário teórico, utilização de mídia e softwares matemáticos e enfim a apresentação dos objetos (sólidos de revolução). Aprender, segundo PEREIRA (2008), é substituir valores, reformular visões de mundo, acrescentar conhecimentos aos modelos da vida social e confrontar com o novo.

TEORIA E PRÁTICA A seguir está ilustrado um conjunto de quatro momentos do trabalho proposto: No 1° encontro do 2° semestre foi tratado o contrato didático do trabalho (tópicos de pesquisa, divisão das equipes, tarefas agendadas, regras e objetivos). O trabalho teve peso de 4,0 pontos na nota do 3° bimestre. Após um estudo satisfatório das integrais, os alunos tiveram o 1° contato com os conceitos e relações sobre sólidos de revolução. Como tarefa os estudantes deveriam começar a construção de seus materiais concretos (visualização de sólidos de revolução) com materiais sucateados (carcaças de impressoras, computadores). Simultaneamente os alunos deveriam elaborar um relatório descritivo dos experimentos. Em data agendada no início do semestre os estudantes tiveram de apresentar um seminário sobre os tópicos discutidos e suas construções didáticas. É válido reforçar que trabalhos sempre devem vir acompanhados do fator motivacional “pontos na nota”. Muito provavelmente a pontuação será um bom motivador para o seu desenvolvimento.

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Segundo VICENTE E GOMES, (2008) quando um trabalho é proposto sem um valor (peso) na nota (bimestral ou parcial), ou seja, não é de caráter obrigatório, o aluno pode dispersar e não ter interesse no desenvolvimento do afazer. Segundo eles, em uma de suas pesquisas proposta no ano de 2007 na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral, de 54 alunos de uma determinada turma, somente 25 entregaram uma atividade (entrega de relatório sobre o desenvolvimento de funções e análise de seus gráficos utilizando o software Winplot) de caráter opcional (ou seja, 54% não entregaram). Na Figura 2, a seguir, está ilustrado um mapa conceitual que os estudantes deveriam seguir para a sua concepção de conhecimentos no processo de ensino-aprendizagem. Eles deveriam estar atentos para os quatro fatores fundamentais na abordagem (compreensão numérica, gráfica, simbólica e física), e que seriam fomentados no dia das apresentações dos seminários.

Figura 2: Mapa Conceitual da Representação de 4 Momentos de Aprendizagem do Tema Sólidos de Revolução Fonte: Os autores

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VOLUMES DE SÓLIDOS DE REVOLUÇÃO COM A UTILIZAÇÃO DE TRABALHOS EM ENGENHARIA

POR QUE ESSE RELATO É UMA BOA PRÁTICA DE ENSINO E APRENDIZAGEM A seguir está ilustrado o produto de algumas equipes participantes do estudo, bem como, as considerações sobre o trabalho desenvolvido. A Figura 3 apresenta três funções: o semicírculo (que sendo rotacionada no eixo da fonte, gera visualmente a percepção de uma esfera), o retângulo (que visualmente origina um cilindro reto), o triângulo retângulo (que visualmente determina um cone) e a fonte que gera os sólidos de revolução.

Figura 3: Materiais (funções) utilizados na fonte que gerava os sólidos de revolução Fonte: Os autores

A Figura 4 ilustra na primeira foto a função (triângulo retângulo) posicionada na fonte, e na segunda foto a percepção de um cone provocada com a função em rotação.

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GIANCARLO DE FRANÇA AGUIAR - BÁRBARA DE CÁSSIA XAVIER CASSINS AGUIAR

Figura 4: Fonte em funcionamento Fonte: Os autores

A Figura 5 ilustra alguns trabalhos, em que os estudantes puderam apresentar a sua criatividade acrescentando à fonte, por exemplo, um display contador do número de rotações (figura da esquerda) ou uma placa protoboard para controlar a fonte (figura da direita).

Figura 5: Trabalhos dos estudantes. Fonte: Os autores

Algumas considerações e observações podem ser de grande valia ao professor/pesquisador, e desta forma podemos citar: • A carência de tempo (atrelada à pesquisa científica) para o planejamento das aulas, acompanhada da reduzida carga ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 071-080| 2015 |77


VOLUMES DE SÓLIDOS DE REVOLUÇÃO COM A UTILIZAÇÃO DE TRABALHOS EM ENGENHARIA

horária da disciplina Cálculo Diferencial e Integral nos cursos de graduação em muitas universidades, pode contribuir para o enriquecimento das aulas teóricas e o empobrecimento das aulas experimentais. • Contudo, estimular o desenvolvimento de trabalhos em equipe pode se tornar um canal de descobrimento para os estudantes, e uma ferramenta de observação para o professor. • O saber-fazer pressupõe uma abordagem mais que multidisciplinar, ela consolida teoria e prática, que é um dos pilares da educação. O modelo teoria versus prática produz uma espiral ascendente, que representa o conhecimento agregado pelo aluno ao longo de todo o processo de ensino-aprendizagem (FERLIN, et al, 2005).

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GIANCARLO DE FRANÇA AGUIAR - BÁRBARA DE CÁSSIA XAVIER CASSINS AGUIAR

REFERÊNCIAS E CITAÇÕES [1]FERLIN, E. P., GONÇALVEZ, M. M., PILLA JUNIOR, V. The Integration of Hardware Area Courses in the Computer Engineering Program at UnicenP. In: FIE 2005 - 35th ASEE/IEEE - Frontiers in Education Conference, Indianapolis, IN, 2005. [2]GEORGE, B. T. J., FINNEY, R. L., WEIR, M. D., GIORDANO, F. R. Cálculo, vol. 1, Pearson, São Paulo, 2002. http://cwx.prenhall.com/bookbind/ pubbooks/thomas_br. [3]MASSETO, M. T. Atividades pedagógicas no cotidiano da sala de aula universitária: reflexões e sugestões práticas. Disponível em: http://www. escoladavida.eng.br/anotacaopu/Formacao%20de%20Professores/modulo_6. htm. Acesso em: 14/02/2011. [4]PEIXOTO, J. L. B, et al. Análise da Aprendizagem Conceitual de Derivada Através das Respostas dos Alunos que Cursaram a Disciplina Cálculo I II Forum da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, SBEMBA, Bahia, 2008. [5]PEREIRA, L.T.V; BAZZO, W.A. Introdução à engenharia: conceitos, ferramentas e comportamentos. In: XXXVI COBENGE, 2008, São Paulo. Anais. São Paulo: POLI-USP Instituto Mauá, 2008. [6]VICENTE, S. A. S.; GOMES, G. H. Diferenciação Implícita: Visualizando as retas Tangentes e normais com o Auxílio do Winplot. IV Colóquio de História e Tecnologia no Ensino de Matemática, UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.

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PEDRO LUIS KANTEK GARCIA NAVARRO

ALGORITMOS VIVOS Pedro Luis Kantek Garcia NAVARRO1

RESUMO Este trabalho apresenta uma metodologia para gerar exercícios individuais e diferentes para cada aluno. Em uso há 20 anos nas Faculdades Positivo, UNICENP e Universidade Positivo, nas disciplinas de programação, estruturas de dados, compiladores, inteligência artificial, raciocínio lógico e tópicos avançados em informática. Desenvolvido inteiramente em APL, utiliza profundamente as principais vantagens dessa linguagem: rápida prototipação e desenvolvimento, confiabilidade e presteza. Palavras-chave: algoritmos; exercícios individuais; prática de programação.

1 Graduado em Matemática (PUCPR, 1981), Mestre em Informática Industrial (UTFPR, 1993), Doutor em Engenharia Elétrica (UFSC, 2000).

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ALGORITMOS VIVOS

APRESENTAÇÃO O ano é 1993. Recém contratado na PUC para dar a disciplina de Estrutura de Dados, uma das mais difíceis e abstratas do curso de ciência da computação, eu me perguntava como faria para torná-la mais atraente e, de quebra, como melhorar o desempenho dos alunos nela, que historicamente era muito ruim. Embora não tivesse estudado pedagogia e as teorias a ela associados, eu já era “rato de sala” de aula há muito tempo: como aluno desde os 6 anos de idade e como professor há 17 anos, nessa época. Já sabia que a melhor maneira de aprender algo era (e é) pondo as mãos na massa. Nada contra a teoria, a observação, os livros, a conversa. Tudo isso é condição necessária, mas insuficiente para aprender. O que garante mesmo o aprendizado é praticar, e praticar e praticar de novo. E, preferencialmente problemas ou instâncias de problemas inéditos: não existentes nos livros nem vistos antes em sala de aula. É aí que se demandam as ligações e os elos do conhecimento que de fato significam aprender alguma coisa. Em resumo, bem aventuradas as disciplinas e as profissões que fazem deste fato (a prática como pedagogia principal) seu norte. Elas terão bons profissionais. Voltando ao ano de 1993, a pergunta era como implementar essa ideia (a prática como pedagogia) em um curso tão abstrato e difícil quanto estruturas de dados. A solução, quando veio, parecia evidente: estivera lá o tempo todo, a ponto de me perguntar como não pensara nisso antes.

A SOLUÇÃO Para aprender o computador, bastaria fazer esse mesmo computador gerar um problema inédito e diferente para cada um dos alunos na sala. Se fosse possível, ter-se-ia o melhor dos mundos, a saber: • Cada aluno teria um exercício único, nunca antes resolvido. • O gerador de exercícios já o teria resolvido e guardado o gabarito correto, pelo que sua correção seria muito fácil e não 82| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 081-088| 2015


PEDRO LUIS KANTEK GARCIA NAVARRO

sujeita à discussão. • Como todos os exercícios da sala seriam parecidos, os alunos poderiam se reunir e discutir o processo de solução, mas depois cada um teria que aplicar-se na sua instância. • Claramente dava-se uma rasteira na prática de socialização de resultados. A dificuldade que se apresentou a seguir era como construir o gerador de exercícios: deveria ser suficientemente inteligente para gerar instâncias não evidentes, nem triviais, mas certamente possíveis de resolver em tempo finito. Para muitos problemas da ciência da computação, isto é mais fácil dizer do que fazer. No primeiro momento concentrei-me em gerar o primeiro problema: o algoritmo de compressão de Hufmann. Cada aluno tinha um universo de caracteres diferente, o que implicava em uma árvore de compressão diferente. Daí usando essa árvore, o gerador comprimia uma frase de uma peça de Shakespeare e pedia que o aluno descomprimisse o texto e obtivesse a frase original. O resultado foi espetacular: a grande maioria dos alunos (quase 50 na sala) atirou-se de cabeça na solução, demorou um tanto, mas boa parte deles obteve a sua frase. O retorno que me foi dado foi o melhor possível. Daí a minha convicção de que estava no caminho certo. A propósito, depois desse ano nunca mais dei aula para esta turma. Três anos depois, na sua formatura, eles me convidaram para paraninfo. Foi um bom começo.

TEORIA E PRÁTICA Na visão de hoje, os algoritmos vivos são uma ferramenta de ajuda ao ensino e aprendizado de temas da ciência e engenharia da computação. Do ponto de vista do aluno, trata-se de uma folha de papel contendo três coisas: • A teoria subjacente a um determinado tópico, incluindo-se os algoritmos necessários para a solução do problema proposto.

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ALGORITMOS VIVOS

• Um exemplo completo do uso desses algoritmos, especificandose os dados de entrada, o tratamento sofrido por esses dados e o resultados que eles produzem. Este exemplo é o mesmo para todos os alunos. • Uma nova instância de execução, na qual apenas os dados de entrada são apresentados, pedindo-se ao aluno que, em seguida, que a solucione. Esta nova instância tem dados diferentes para cada aluno. As respostas sempre são um conjunto pequeno de dados. Cada aluno recebe uma folha, personalizada, com seu nome, seu código e demais informações que auxiliarão na correção automatizada do exercício, incluindo-se um código de barras para leitura ótica. Obviamente, se cada aluno tem a sua folha, os dados que a compõe podem ser distintos. Relembre-se que esta folha é emitida por um programa de computador, que portanto, gera dados distintos para cada aluno. Do ponto de vista do professor, trata-se de ferramenta importante, já que permite que cada aluno se defronte com um problema diferente, impedindo aquele comportamento muitas vezes usual: um ou dois fazem os exercícios, enquanto os demais divagam, sendo o resultado obtido ao final devidamente socializado entre todos. Ao liberar o professor de conduzir a iniciativa comum de solucionar a questão, o uso desta técnica permite que ele atenda os alunos, atacando as dificuldades de cada um de maneira individual. Permite também que cada aluno siga o seu ritmo e trabalhe na velocidade que lhe é peculiar, liberando-se a turma da necessidade de todos irem atrelados a um determinado ritmo e que em geral é determinado pelos alunos que maior dificuldade apresentam. Aqui alguns alunos resolvem o problema em 15 minutos. Outros, em duas ou três tardes. Certamente isto está de acordo com a moderna pedagogia que apregoa a necessidade de limitar aulas meramente expositivas. Tenho apresentado esta questão de maneira simples e direta: quem tem que trabalhar é o aluno. O professor, supostamente, já sabe isso tudo. A ele 84| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 081-088| 2015


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cabe ajudar os que têm dificuldade e não atrapalhar, saindo da frente dos que vão sozinhos. Essa ideia não é de minha autoria. Outros, mais abalizados já o disseram, como por exemplo, Lauro de Oliveira Lima: “o problema da aula expositiva é que, ou é intragável e suporífera ou é brilhante, cativante e dramática. No primeiro caso, simplesmente não existe. No segundo, o próprio brilhantismo do orador e o interesse em acompanhar a exposição, impedem qualquer reflexão, ..., de modo que terminada a aula, ficam boiando na consciência, apenas alguns pontos pitorescos, quase sempre os menos relevantes”. A possibilidade de realizar muitos trabalhos individuais ao longo do bimestre, tipicamente mais de 10, permite que sejam atribuídos graus a tais trabalhos, minimizando a importância, inclusive quantitativa, da prova bimestral. Assim, o conceito numérico do aluno vai sendo construído dia-a-dia, dando chance aos que apresentam maior dificuldade, orientando o estudo, diluindo-o ao longo do tempo e não apenas apresentando uma prova que dará origem a um grau absoluto e irrecorrível. Na Universidade Positivo, onde os algoritmos vivos estão sendo usados, eles têm contribuído com 60% da nota bimestral, reservando-se os 40% restantes para a prova, que até mesmo por ter tido sua importância relativa diminuída, pode ainda continuar sendo de uma exigência formal e conceitual absoluta. Se toda a nota do bimestre corresse por conta apenas do exame, os critérios de correção possivelmente teriam que ser relaxados, sob pena de médias baixas e consequente insucesso de grande parte dos alunos. O programa que gera os algoritmos vivos, gera também as respostas dos mesmos. Afinal, se cada aluno tem um exercício diferente, há que se dar ao professor alguma facilidade na correção. Isto ocorre de tal maneira que é possível até, transferir a tarefa de correção a monitores ou outros auxiliares que não precisam conhecer o conteúdo ou o tema de estudo. Tal resposta é gerada em mídia magnética (excepcionalmente em papel), permitindo uma correção vis-a-vis com a resposta dada.

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ALGORITMOS VIVOS

TEORIA E PRÁTICA A seguir uma lista com as quantidades de Algoritmos Vivos em abril de 2014.

POR QUE ESSE RELATO É UMA BOA PRÁTICA DE ENSINO E APRENDIZAGEM As aulas tem sido mais participativas, produtivas e agradáveis. Alunos têm manifestado o interesse que a abordagem lhes desperta. Problemas que assustam pela complexidade quando são apresentados, revelam sua singeleza quando postos em execução. Ou, ao contrário, os detalhes dinâmicos de um algoritmo aparentemente simples, quando vivenciados pelos alunos, mostram sua complexidade. O entendimento e a depuração de programas baseados nos problemas

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PEDRO LUIS KANTEK GARCIA NAVARRO

estudados fica facilitado, segundo relatados alunos. De posse de um algoritmo vivo preenchido e entendido é menos difícil projetar e construir um programa de computador que funcione. As médias bimestrais das turmas em que os algoritmos vivos são usados têm crescido. A disciplina de estrutura de dados e arquivos, que há vários anos tinha o duvidoso título de “a que mais reprova alunos”, perdeu-o, e passou a ter índices similares, e em certos casos, melhores do que as demais disciplinas do curso. A parte expositiva da matéria, ainda e sempre necessária, foi reduzida, já que algoritmos vivos consomem muito tempo em sala de aula. Ela precisou ser apurada, concentrada, despida de trivialidades. Desconfiase que o que permaneceu, ficou enriquecido e fortalecido. A perda de alunos ao longo do ano também diminuiu. Era comum a desistência de grandes contingentes de participantes. Alunos que aparentavam estarem “perdidos” iam desistindo, sobretudo no início do curso. Hoje, o número de desistentes é menor e é compatível com as demais disciplinas do curso. Finalmente, os algoritmos vivos tem ajudado a planejar e dar versões mais enriquecidas das disciplinas de estruturas de dados e de tópicos avançados. Embora representem uma carga adicional de trabalho para o professor na preparação e correção, esta carga tem sido contrabalançada com os resultados positivos obtidos.

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ALGORITMOS VIVOS

REFERÊNCIAS [1]DE MARCO, Tom e LISTER, Timothy. Peopleware. Ed McGraw Hill. 1990. [2]DECRETO LEI n. 2306, de 19 de agosto de 1997, que regulamenta as Instituições de Ensino Superior no Brasil. Disponível na íntegra em www. mec.gov.br/Sesu/ftp/Decreto2306.doc. [3]DEWDNEY, A. K. The Turing Omnibus. Computer Science Press. 1989. [4]KANTEK, Pedro. Uma Introdução ao APL. CELEPAR. 1982. [5]LIMA, Lauro de Oliveira. Treinamento em Dinâmica de Grupo. Vozes. 1973.

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PATRÍCIA LIZI DE OLIVEIRA MAGGI

METODOLOGIA DE PROJETOS NO ENSINO DE TECNOLOGIA DOS MATERIAIS E CONSTRUÇÃO CIVIL Patrícia Lizi de Oliveira MAGGI1

RESUMO A experiência de professores, em sala de aula, tem mostrado que é crescente a dificuldade de concentração dos alunos em aulas expositivas. Busca-se, desta forma, maneiras mais eficientes de conduzir estes alunos, a fim de atingir o objetivo do aprendizado. A Metodologia de Projetos, também conhecida como PBL (Problem Based Learning) é uma alternativa de trabalho que tem apresentado resultados positivos. Neste método, são propostos problemas ou projetos, a serem desenvolvidos pelos alunos. Os professores atuam como orientadores. Desta forma, o agente ativo no processo de aprendizagem passa a ser o aluno e não mais o professor. Neste trabalho, apresenta-se a experiência de implantação deste método, de uma forma adaptada, na disciplina de Construção Civil e Ciência e Tecnologia dos Materiais do curso de Engenharia Civil da Universidade Positivo. São relatados os trabalhos e atividades propostos durante o período da disciplina e o método de avaliação utilizado. São apresentados os pontos positivos e negativos observados pela professora e pelos alunos. Para análise dos resultados são comparadas as médias dos alunos nos anos de aplicação do método e nos anos anteriores à implantação. São colhidos depoimentos de alunos de ambas as fases a fim de comparar o grau de satisfação com relação ao método de aprendizado. Palavras-chave: Metodologia de Projetos; Ensino com Base em Problemas; Construção Civil; Materiais de Construção.

ABSTRACT The experience of teachers in the classroom has shown that there is a growing difficulty in concentration of students. The academy is looking 1 Graduada em Engenharia Civil (UFPR). Mestre e doutora em Engenharia de estruturas (EESC-USP).

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METODOLOGIA DE PROJETOS NO ENSINO DE TECNOLOGIA DOS MATERIAIS E CONSTRUÇÃO CIVIL

for more efficient ways to drive these students to achieve the learning objective. The Project Methodology also known as PBL (Problem Based Learning) is an alternative that has shown positive results. In this method, problems or projects, to be developed by the students are proposed by the teachers that act as mentors to the students. Thus, the active agent in the learning process becomes the student and not the teacher. This paper presents an experience of implementation of this method, in an adapted form, in the Construction and Materials course of Positivo University. The proposed activities during the period of the course and the valuation method are reported. The positive and negative points observed by the teacher and the students are presented. For data analysis compares the average of students in the years of application of the method and in the years prior to deployment. Testimonials from students of both phases are collected in order to compare the degree of satisfaction with the learning method. Keywords: Problem based learning, construction, materials.

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PATRÍCIA LIZI DE OLIVEIRA MAGGI

INTRODUÇÃO Neste trabalho é apresentada uma experiência prática de implantação da metodologia de projetos na disciplina de Construção Civil e Ciência e Tecnologia dos Materiais do curso de Engenharia Civil da Universidade Positivo. São relatados os trabalhos e atividades desenvolvidos na disciplina e o método de avaliação utilizado. Este trabalho foi originalmente apresentado no COBENGE, em 2009. Após a primeira apresentação a autora realizou novas reflexões sobre os resultados do trabalho que são apresentadas neste artigo.

PONTO DE PARTIDA A disciplina de Construção Civil e Ciência e Tecnologia dos Materiais abrange duas áreas da Engenharia Civil. O conteúdo não está resumido em um ou dois livros-texto. Trabalha-se com uma quantidade grande de informações que devem ser entendidas em um contexto e não isoladamente. Nos dois primeiros anos que a autora lecionou a disciplina na Universidade Positivo, optou por trabalhar com aulas expositivas e exercícios didáticos. Enfrentou muitas críticas nas avaliações dos discentes que afirmavam que as aulas eram monótonas e com um volume exagerado de conteúdo. Não conseguiam ver a ligação com a prática. A partir deste cenário, foi elaborado um projeto de implantação de um método adaptado a partir do PBL nesta disciplina. Desta forma, o aluno seria provocado a lidar com o volume de informações necessário para a solução de problemas o mais próximo possível da realidade.

TEORIA E PRÁTICA A aprendizagem baseada em projetos, também conhecida como ensino baseado em problemas (PBL – Problem Based Learning), ao contrário das aulas expositivas, é uma metodologia que busca deslocar o foco da aprendizagem do professor, para o aluno. O aprendiz passa a ser agente ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 089-100| 2015 |91


METODOLOGIA DE PROJETOS NO ENSINO DE TECNOLOGIA DOS MATERIAIS E CONSTRUÇÃO CIVIL

ativo no processo de aquisição do conhecimento e de habilidades. Segundo Moran (2000), a aprendizagem baseada em projetos demanda um ensino que provoque ações colaborativas. “A metodologia de aprendizagem por projetos que contemple um paradigma da complexidade na sociedade do conhecimento tem sido beneficiada com procedimentos relevantes para o trabalho docente.” (BEHRENS, 2006) Encontram-se na bibliografia relatos de experiências da implantação da metodologia de projetos, como os trabalhos de OLIVEIRA (2006), MANFREDO (2006), VENTURA et. al. (2006), FREITAS e MOURA (2008), com indicação de número máximo de alunos por professor, sequência de atividades, dificuldades encontradas e resultados obtidos. Essas sugestões devem ser analisadas e adaptadas a cada contexto, a fim de se adequar a metodologia à realidade da disciplina, do professor, do curso e da Universidade onde será implantada. No curso de Engenharia Civil da Universidade Positivo, Construção Civil e Ciência e Tecnologia dos Materiais é uma disciplina anual. Por se tratar de uma única disciplina, os assuntos relacionados a materiais de construção e tecnologias construtivas não foram separados, como é de costume na maioria dos cursos de Engenharia Civil. Para o desenvolvimento das atividades, foi escolhido um projeto, que fazia parte do Projeto Integrado do curso (KRÜGER et al., 2006). No primeiro dia de aula era apresentado um desafio para os alunos: durante o ano letivo eles desenvolveriam atividades relacionadas ao planejamento da construção de um edifício. No ano de 2007, tratava-se de uma escola. Em 2008, foi um hotel. O projeto arquitetônico destes edifícios foi desenvolvido pelos próprios alunos, durante a disciplina de Desenho técnico, no ano anterior. Como o mesmo projeto foi utilizado em outras disciplinas do curso, foi necessário ajustar o calendário das atividades com os demais professores, para que os dados necessários estivessem disponíveis em cada etapa.

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PATRÍCIA LIZI DE OLIVEIRA MAGGI

A primeira atividade desenvolvida pelos alunos foi a determinação do custo estimado da construção do edifício em questão e do preço a ser apresentado para o cliente. Para tanto, seguiram roteiro entregue em material escrito pela professora. A turma foi dividida em equipes e cada equipe ficou responsável pela apresentação de um sistema estrutural. Após as apresentações, foi realizado um debate e foram escolhidos os sistemas estruturais a serem adotados para a construção do edifício. O estudo do concreto foi dividido em várias etapas. Inicialmente foi feita uma contextualização, onde as características necessárias para o concreto a ser desenvolvido foram apresentadas aos alunos. Estas propriedades dependem do projeto estrutural que estava sendo desenvolvido pela turma da última série do curso. Em seguida foram desenvolvidos ensaios, em laboratório, para caracterização dos agregados a serem utilizados na dosagem do concreto. A avaliação desta atividade foi feita mediante entrega de relatório, em equipe. Para a escolha do tipo de cimento a ser utilizado foi solicitada uma pesquisa individual, em que cada aluno escolheu um tipo de cimento e, em aula, foi realizado um debate. Na sequência foi solicitado que os alunos, divididos em equipes, encontrassem um traço para o concreto, usando o método de dosagem da ABCP. Parte da atividade foi realizada em laboratório de projetos, onde estão disponíveis computadores para todos os alunos. A segunda parte da atividade foi desenvolvida em laboratório de materiais. A avaliação desta atividade foi feita mediante entrega de relatório, em equipe. Também foi solicitado que os alunos desenvolvam o mesmo traço, utilizando o método do IPT. Assim como na atividade anterior, foram usados os laboratórios de projetos e de materiais. Para avaliação foi solicitado outro relatório, em equipe. Depois das aulas de laboratório os alunos passam a entender o comportamento do concreto e a influência de cada material nas suas propriedades. Foi solicitada, então, uma pesquisa sobre aditivos e ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 089-100| 2015 |93


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adições. Em debate, é escolhido um tipo de aditivo capaz de melhorar as propriedades ou corrigir defeitos no concreto dosado anteriormente. Para estudo das esquadrias foi feita uma apresentação dialogada onde são analisadas as vantagens e desvantagens de cada tipo de esquadria. Em debate são escolhidos os tipos a serem usados na construção do edifício do Projeto Integrado. Para estudo das vedações verticais foram desenvolvidas três atividades. A primeira foi uma pesquisa sobre as tecnologias disponíveis para fechamento vertical de edifícios. A segunda tratou-se de ensaios de aceitação de blocos para alvenaria. Para esta atividade, os alunos foram divididos em equipes e cada equipe ensaiou um tipo de bloco de concreto e um tipo de bloco cerâmico. As equipes deveriam apresentar relatório aceitando ou rejeitando o lote analisado. Depois de conhecerem as propriedades dos blocos, a turma selecionou os processos que seriam adotados nas vedações verticais do edifício. Escolhidos os sistemas, foi solicitado um trabalho, em duplas, de projeto de vedações, contendo: plantas de primeira e de segunda fiada, paginação de paredes e especificação técnica. Para estudo das argamassas e escolha dos traços a serem usadas nas diferentes atividades de construção do edifício, foram executados diversos traços, indicados pela professora. Cada traço é ensaiado quanto à consistência, rendimento, resistência, aderência e elasticidade. Para avaliação da atividade foi solicitado relatório. Para seleção das tecnologias de revestimento a serem usadas na construção do edifício foi solicitada pesquisa individual e feito debate, em sala. O estudo da madeira é justificado, no contexto da disciplina, para sua aplicação no projeto da estrutura do telhado. Foram realizados ensaios e foi solicitado relatório para avaliação. Para estudo da cobertura, foi escolhido, em debate, o tipo de telha a ser utilizado no projeto. A seguir, foi solicitado que os alunos, em duplas, desenvolvam o projeto da estrutura deste telhado. 94| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 089-100| 2015


PATRÍCIA LIZI DE OLIVEIRA MAGGI

Tendo disponível o pré-dimensionamento de toda estrutura do edifício, os alunos (em duplas) desenvolveram projeto executivo das fôrmas de lajes, vigas e pilares do edifício. Neste projeto foram apresentados esquema de corte e de montagem das fôrmas. Os diversos metais utilizados na construção civil foram apresentados em aula expositiva, pela professora. Barras de aço para concreto armado são ensaiadas quanto à massa linear, resistência, módulo de elasticidade e tensão de escoamento. Foi solicitado relatório, em equipe. Para a próxima etapa, foi necessário que a turma da última série tivesse concluído o dimensionamento das lajes do edifício. Solicitou-se um trabalho no qual as barras de aço CA-50 seriam substituídas por tela soldada, de aço CA-60. Para as barras retas, de vigas e pilares, foi desenvolvido projeto de corte, buscando a menor perda possível de material, considerando que as barras são vendidas em barras de 12 metros. Para escolha dos sistemas de impermeabilização do edifício foi solicitada pesquisa individual, realizado debate, em sala de aula e desenvolvido um projeto de impermeabilização. Os tipos e características das tintas disponíveis no mercado foram estudados em aula expositiva dialogada. A escolha dos sistemas de pintura foi feita em debate da turma com a participação da professora. Depois de escolhidas e estudadas as tecnologias e materiais para a construção do edifício foi solicitado um orçamento detalhado do mesmo. Para tanto, os alunos desenvolveram, em equipes, planilhas de custos unitários e realizaram o levantamento quantitativo dos serviços para construção do edifício. Os serviços foram divididos entre as diversas equipes. Tendo em mãos o orçamento da obra, as equipes desenharam um cronograma para execução da mesma. As produtividades foram pesquisadas na literatura e a sequência de execução foi debatida em sala. Para esta etapa é utilizado software de planejamento.

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METODOLOGIA DE PROJETOS NO ENSINO DE TECNOLOGIA DOS MATERIAIS E CONSTRUÇÃO CIVIL

O último trabalho do ano foi o projeto do canteiro de obras. A turma foi dividida em equipes e cada equipe projetou o canteiro para uma etapa da obra. Os trabalhos são interdependentes e deve haver muito diálogo, em sala, para fechamento de projetos compatíveis. Para determinação das dimensões das diversas áreas e verificação dos equipamentos de segurança coletiva necessários, os alunos realizam pesquisa na bibliografia.

POR QUE ESSE RELATO É UMA BOA PRÁTICA DE ENSINO E APRENDIZAGEM Para análise da eficácia da metodologia, a professora buscou observar o comportamento dos alunos durante as atividades. Um bom indicativo do aumento do interesse pela disciplina pode ser verificado nos últimos minutos de aula. Na metodologia de aula expositiva verificava-se uma impaciência e uma ânsia pelo encerramento da aula. Na maioria das aulas com a metodologia de projetos os alunos permaneciam em sala após o término do tempo. Algumas turmas, que tem quatro horas-aula da disciplina no mesmo dia, optavam por não fazer o intervalo de vinte minutos previsto para acontecer após a segunda hora de aula. As reclamações sobre a dificuldade da disciplina diminuíram consideravelmente, apesar dos alunos acharem que a quantidade de trabalho fosse grande. Alguns alunos, que por motivos particulares ou de trabalho precisavam se ausentar em muitas aulas, aproximando-se do limite de 25% de faltas, tiveram suas notas prejudicadas, pois perderam muitas atividades que serviam ao mesmo tempo como atividade de aprendizagem e de avaliação. As pesquisas, os projetos e os ensaios, realizados pelos alunos, geravam dúvidas que eram trazidas para sala de aula. O papel da professora era de propor, conduzir e organizar as atividades e sanar as dúvidas, à medida que apareciam. Quando as respostas são apresentadas antes do surgimento das perguntas, o interesse dos alunos é muito pequeno.

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PATRÍCIA LIZI DE OLIVEIRA MAGGI

Quando a explicação da professora ocorre após uma solicitação, oriunda de um problema verifica-se elevado grau de atenção da turma. Para análise da aceitação da metodologia, pelos alunos, foi solicitado o depoimento de alunos que cursaram a disciplina antes de 2007, e depois de 2007, quando foi implantada a metodologia de projetos. Apresentam-se os depoimentos de alunos que cursaram a disciplina com aulas expositivas: “Quando cursei a disciplina de construção civil, era muito maçante e não trazia interesse, pois a professora somente passava slides e fazia comentários. O que fazia a aula mais interessante eram os comentários dos alunos que tinham uma certa experiência em obras e traziam estas experiências para a sala de aula. Quando cursei a disciplina, tinha dentro de mim a certeza que nunca iria aproveitar nada ou quase nada, pois não atuo na área de construção civil e sim obras de arte em concreto, sendo que utilizamos sempre concreto usinado. Porém qual foi a minha surpresa que logo o término do período letivo, tivemos que montar uma pequena central de concreto na obra, e tive que recorrer às anotações de aula para calcular os traços que seriam utilizados na central de concreto.” (aluno da turma de 2005, noite)

“Acredito que as aulas em sala nos prepararam melhor para as aulas de laboratório. Aulas em sala costumam ser mais produtivas que nos laboratórios, eu digo em relação à quantidade de informação recebida em sala. Em sala temos ajuda do canhão (multimídia) para poder visualizar melhor vários exemplos referentes à matéria. Como pontos negativos a aula era muito cansativa e a quantidade de informação é relativamente grande; por um lado é bom, porém se o conteúdo fosse menor, poderíamos aprender melhor poucos assuntos e não um pouco de tudo”. (aluno da turma de 2005, noite)

Apresentam-se os depoimentos de alunos que cursaram a disciplina com metodologia de projetos: “Gostei bastante do desenvolvimento da disciplina. Acho que incentiva a pesquisa, o hábito de ler todo o material antes da ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 089-100| 2015 |97


METODOLOGIA DE PROJETOS NO ENSINO DE TECNOLOGIA DOS MATERIAIS E CONSTRUÇÃO CIVIL

aula e é possível absorver mais o conteúdo. Pode ser um péssimo método para aquele aluno preguiçoso e para aqueles que não conseguem trabalhar sozinhos e não se empenham.” (aluno da turma de 2008, manhã) “O método PBL possibilita a aprendizagem através de problemas que imitam situações encontradas pelo aluno em sua vida profissional a seguir. Como o aluno ainda não possui as ferramentas para resolver este problema é dever do mesmo estudar com antecedência. Entretanto, cabe ao professor analisar o exercício a ser proposto para sanar dúvidas e oferecer algumas diretrizes durante a aula. Desta maneira, o sucesso do método depende inteiramente dos participantes. Se o aluno não se dedica fora da sala, a aula é gasta com conceitos básicos, impossibilitando o maior aprofundamento da matéria e até maior entendimento da mesma. Por outro lado, se o professor não estuda os detalhes do problema, pode aumentar o tempo gasto, desnecessariamente, e confundir os alunos. O método aplicado corretamente permite aprofundar o assunto abordado, porém para o aluno não se ater ao problema trabalhado é favorável haver uma discussão sobre situações diferentes e suas consequências na resolução.” (aluno da turma de 2008, manhã)

Destaca-se, nesses depoimentos, que os alunos que tiveram as aulas expositivas achavam as aulas cansativas e pouco interessantes. Em um dos comentários destaca-se que os casos práticos trazidos por outros alunos se tornavam mais interessantes que as aulas teóricas, conceituais. Na metodologia anterior, encontrava-se muita dificuldade em destacar o papel do engenheiro na Construção Civil. Grande parte dos alunos ansiava por aprender as atividades dos operários da construção. Depois da implantação da metodologia de projetos os alunos ainda não realizam atividades de operários, pois desenvolvem projetos executivos, estudo de materiais e planejamento, mas não são mais registradas reclamações de falta de prática na disciplina. Percebe-se que passaram a entender melhor o papel do engenheiro. Quanto à nova metodologia, é importante destacar que até mesmo os alunos reconhecem que a exigência sobre eles é maior, mas que o 98| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 089-100| 2015


PATRÍCIA LIZI DE OLIVEIRA MAGGI

aprendizado também é mais efetivo. A figura 1 mostra a variação das médias bimestrais das turmas de Construção Civil entre os anos de 2005 e 2008. Em 2005 e 2006 foram ministradas aulas expositivas. Em 2007 e 2008 foi adotada a metodologia de projetos.

Figura 1 – Médias dos resultados das turmas nas avaliações (2005 a 2008)

Analisando o gráfico, é possível identificar que as médias das turmas da manhã não foram alteradas significativamente com a mudança de abordagem pedagógica. Por outro lado, para as turmas da noite existe uma redução nas médias para as duas turmas. A redução de desempenho nas turmas da noite justifica-se pelo grande peso atribuído aos trabalhos. No período noturno os alunos tiveram maior dificuldade de concluí-los por falta de tempo extraclasse. A implantação desta metodologia ativa não apresentou impacto significativo na média dos alunos, mas houve uma mudança no tipo de aprendizagem adquirida. Enquanto nos dois primeiros anos a atenção era voltada à memorização, nos seguintes passou-se a solução de problemas. Além da mudança do tipo de aprendizagem obtido, outro resultado positivo foi o aumento do grau de satisfação dos alunos com a disciplina e com a professora, que obteve um aumento de cerca de 20% em sua nota na avaliação docente, aplicada pela instituição de ensino. ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 089-100| 2015 |99


METODOLOGIA DE PROJETOS NO ENSINO DE TECNOLOGIA DOS MATERIAIS E CONSTRUÇÃO CIVIL

REFERÊNCIAS [1]BEHREMS, Marilda A. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos, contratos didáticos e portifólios. Petrópolis: Nozes, 2006. [2]FREITAS, F. M.; MOURA, D. G. A metodologia de projetos numa visão transdisciplinar na formação de profissionais da administração. Educação e Tecnologia. Belo Horizonte, v. 13, n. 1, p. 43–48, 2008. [3]KRÜGER, C. M. et al. Projeto Integrado – uma experiência multidisciplinar em Engenharia Civil. Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia – COBENGE 2006. Passo Fundo. 2006. [4]MORAN, José Manuel. (org.). Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000. [5]OLIVEIRA, C. L. Significado e contribuições da afetividade, no contexto da Metodologia de Projetos, na Educação Básica, Belo Horizonte, 2006. Dissertação (mestrado) – CEFET-MG. [6]MANFREDO, E. C. G. Metodologia de projetos e formação de professores: uma experiência significativa na prática de ensino de ciências naturais. Experiências em ensino de ciências. Pará, v. 1, p. 45-57, 2006. [8]VENTURA, P. C. S.; MOURA, D. G.; OLIVEIRA, C. L.; OLIVEIRA, L. M.. A metodologia de projetos como ferramenta de pesquisa em um laboratório de física, visto como ambiente não formal de aprendizagem. In.: XXXIV COBENGE. Anais. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, p. 1655-66, 2006.

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VALFREDO PILLA JR

REVISÃO COM INTEGRAÇÃO DE CONTEÚDOS NO PROCESSO DE MOTIVAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS EM UMA DISCIPLINA DE SISTEMAS DIGITAIS Valfredo PILLA Jr1

RESUMO Este trabalho apresenta o processo de ensino desenvolvido na introdução da disciplina Sistemas Digitais, no qual uma revisão de conteúdos estudados em disciplinas de períodos anteriores são também integrados e transformados em novos conhecimentos. O objetivo desta abordagem, além da retomada de temas básicos para a disciplina, é dar aos alunos uma primeira ideia de como a integração de conteúdos leva a novos conhecimentos, e fornecem a base da disciplina Sistemas Digitais, além de fornecerem a motivação para os estudos nesta nova disciplina. Palavras-chave: Revisão de conteúdos; Integração de conhecimentos; Conhecimento multidisciplinar; Motivação; Bases de Sistemas Digitais.

ABSTRACT This paper presents the teaching process applied to the introduction of a Digital Systems course. The process begins with a revision of contents studied in previous courses. This contents are integrated and transformed into new knowledge. The purpose of this approach, beyond the recovery of basic themes for the course, is to give to students a first idea of how the integration of contents leads to new knowledges, which provide the basis of the discipline Digital Systems, and provide a motivation for studies in this new course. Keywords: Revision of Contents; Knowledge Integration, Multidisciplinar Knowledge; Motivation; bases of Digital Systems. 1 Graduado em Engenharia Elétrica (USP), Mestre em Engenharia Biomédica (UTFPR), ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 101-112| 2015 | 101


REVISÃO COM INTEGRAÇÃO DE CONTEÚDOS NO PROCESSO DE MOTIVAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS EM UMA DISCIPLINA DE SISTEMAS DIGITAIS

INTRODUÇÃO Neste trabalho relatam-se as atividades iniciais da disciplina Sistemas Digitais, a qual pertence ao currículo da terceira série do Curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo (2011). Estas atividades são centradas na revisão de conteúdos das disciplinas que fornecem o principal suporte teórico-prático para Sistemas Digitais. O processo de revisão é organizado inicialmente por meio de atividades isoladas, segundo as áreas específicas dos conhecimentos, e concluído através de exemplo de grande relevância prática que só pode ser obtido pela integração de conhecimentos. Os alunos são induzidos a alcançar o resultado integrado, o qual é apresentado como uma grande síntese de conhecimentos multidisciplinares, como é a própria disciplina Sistemas Digitais. Ao longo do processo procura-se a criação do conhecimento no sentido da internalização pelo educando das teorias e práticas e na sua transformação, não simples aplicação, como conhecimento apropriado.

PONTO DE PARTIDA Duas importantes áreas do conhecimento, a Eletrônica (incluindo a Análise de Circuitos) (BOYLESTAD, 2012) (NASHELSKY & BYLESTAD, 2013) e a Lógica Matemática (em particular o seu subconjunto denominado Álgebra Booleana) (DAGHLIAN, 1995), compõem o conjunto teórico que dão suporte a Sistemas Digitais. No currículo do Curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo (2011) há disciplinas específicas para estas áreas. A disciplina de Lógica Matemática é desenvolvida na primeira série e Eletrônica na segunda série. Sistemas Digitais é uma disciplina da terceira série, que requer uma integração de conhecimentos das outras duas. No início da terceira série depara-se com um cenário que requer a revisão de conhecimentos do que se estudou nos períodos anteriores antes de se estabelecer a sua própria integração, conformando conhecimentos de lógica e de eletrônica na composição dos chamados “sistemas digitais”. Então a primeira questão que se coloca é a da necessidade da revisão de conteúdos das disciplinas-base e, com a finalidade tanto de motivar 102 | ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 101-112| 2015


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o aluno para os estudos de novos conhecimentos em área integrada, quanto já propriamente iniciar estes estudos em “sistemas digitais”. Assim, o primeiro grande obstáculo é transformar um processo de revisão em desafio motivador, processo cujo ápice se dá na descoberta do que a integração de conhecimentos pode alcançar, inclusive quanto à sua aplicabilidade prática.

TEORIA E PRÁTICA Os grandes objetivos que motivaram o desenvolvimento da atividade aqui descrita englobam a necessidade de rever conteúdos já estudados em disciplinas anteriores (Eletrônica e Lógica Matemática, mais especificamente), integrá-los na forma de novos conhecimentos já no contexto de Sistemas Digitais, demonstrando que conhecimento se desenvolve em fluxo contínuo e integrado, além de criar uma motivação de aprendizado para esta nova disciplina mostrando sua aplicabilidade. Assim, a sequência de atividades, descrita a seguir, procura alcançar estes objetivos. A atividade se inicia com uma revisão de conteúdos da área de análise de circuitos (base para eletrônica). A atividade é desenvolvida com a apresentação de exercícios que devem ser resolvidos por alunos em equipes de dois ou três alunos. Após o tempo determinado para a resolução, o professor realiza a correção da atividade apresentando uma solução-padrão e discutindo alternativas. São desenvolvidos exercícios de complexidade crescentes em que os tópicos teóricos são tratados, como revisão ou reforço, na medida em que se apresentam. A Figura 1 apresenta um destes exemplos, utilizado para o estudo dos conceitos de Diferença de Potencial, Intensidade do Fluxo de Corrente, Teoremas de Thevenin e de Norton na análise de circuitos de Corrente Contínua, e o conceito da Análise de Superposição para Circuitos Lineares.

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REVISÃO COM INTEGRAÇÃO DE CONTEÚDOS NO PROCESSO DE MOTIVAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS EM UMA DISCIPLINA DE SISTEMAS DIGITAIS

Figura 1 – Exemplo de exercício de revisão. Enunciado: determinar a intensidade e sentido da corrente no resistor R1

Um último exercício é apresentado nesta sequência de revisão, ainda abordando termos de revisão de análise de circuitos. Este circuito possui uma característica especial em sua arquitetura, a qual vai permitir, em ajustes que ocorrem em sequência, a integração de conteúdos diversos e também servir como exemplo motivador. A Figura 2 apresenta a arquitetura deste circuito conhecido como Rede R2R. Os estudantes são instigados a obter a equação da tensão sobre o nó x em relação à referência como função das tensões das fontes A, V e C, na forma: (1)

Figura 2 – Rede R2R utilizada na determinação da equação de Vx

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A solução para este problema requer uma análise que considera as características especiais da arquitetura e os conceitos de análise de circuitos que estavam em revisão. A solução para a análise é: (2)

Desta forma, temos um circuito que possui a característica especial de fornecer uma tensão de saída controlada por ponderações de suas fontes de tensão. Neste momento, este modelo é reapresentado com uma adaptação, onde as fontes de tensão são substituídas por outras cuja amplitude é controlada por variáveis lógicas, como na Figura 3.

Figura 3 – Rede R2R agora com fontes de tensão controladas por variáveis lógicas A, B e C

Esta nova configuração de circuito nos traz a possibilidade de rever alguns conceitos básicos da Lógica Matemática, a definição das variáveis lógicas, e de associá-las ao circuito que controla a tensão fornecida por cada uma das novas fontes de alimentação. Se as variáveis lógicas A, B ,C podem assumir os estados lógicos 0 e 1, podemos associar estes estados lógicos aos possíveis estados de configuração das chaves, Aberta ou Fechada com a correspondência: Estado 0 → Chave Aberta; Estado 1 → Chave Fechada. Esta definição permite estabelecer novas definições para as fontes VA, VB e VC que podem ser representadas pelas equações: ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 101-112| 2015 | 105


REVISÃO COM INTEGRAÇÃO DE CONTEÚDOS NO PROCESSO DE MOTIVAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS EM UMA DISCIPLINA DE SISTEMAS DIGITAIS

(3)

(4)

(5)

Assim, os alunos são instigados a obter a nova equação para Vx, cujo resultado tem a forma: (6)

Ou seja, temos uma fonte de tensão que é controlada por variáveis lógicas. Ainda, há uma ponderação dos pesos relacionadas às variáveis lógicas relacionadas como bits de um número binário de três dígitos (o que nos leva à revisão de mais um conceito, o da conversão numérica entre a representação binária e a decimal). O exercício ainda não está completo. O próximo passo requer a revisão de alguns importantes tópicos de Eletrônica, conhecidos como Amplificadores Operacionais (PERTENCE JÚNIOR, 2011). Uma rápida revisão desta arquitetura de circuitos é realizada, o que culmina com a dedução da sua equação de funcionamento na chamada configuração “amplificador inversor”. A Figura 4 apresenta o circuito utilizado neste estágio da revisão, sendo sua equação:

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(7)

Figura 4 – Amplificador operacional na arquitetura “amplificador inversor”

Neste momento, os estudantes são organizados em pequenos grupos (de até 3 pessoas) e instigados a inserir o circuito amplificador inversor (Figura 4) no circuito da rede R2R (Figura 3), constituindo uma nova arquitetura. Porém, alguns requisitos são estabelecidos: a) A arquitetura deve ser ajustada de modo que a característica R2R não possa ser desconstruída, o que significa que a equação (6) deve continuar válida para a tensão Vx. b) O mesmo deve ser considerado para a equação de V0 (7), ou seja, a arquitetura amplificadora inversora não pode ser desconstruída. c) A nova equação levará em conta a expressão de Vx condicionada à expressão de V0, que será a nova saída do circuito. 5.

A solução para este problema encontra-se na equação (8) e na Figura

(8)

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REVISÃO COM INTEGRAÇÃO DE CONTEÚDOS NO PROCESSO DE MOTIVAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS EM UMA DISCIPLINA DE SISTEMAS DIGITAIS

A equação (8) é definida para a Figura 5 com: RO =R7 = R e R1 = R4 = 2R.

Figura 5 – Circuito resultante da integração da rede R2R e do amplificador inversor.

Após esta solução, obtida por interação entre as propostas obtidas dos grupos de estudantes, os alunos são instigados a substituir a fonte de tensão VREF por uma fonte de amplitude de 15 V e a elaborar uma tabela, calculando o valor para cada uma das combinações das variáveis lógicas A, B e C. O resultado encontra-se na Tabela 1. Tabela 1 – Tensão de saída (V0) para o circuito da Figura 5. A

B

C

V0 [V]

0

0

0

0,0

0

0

1

-0,625

0

1

0

-1,25

0

1

1

-1,875

1

0

0

-2,5

1

0

1

-3,125

1

1

0

-3,75

1

1

1

-4,375

Neste momento os estudantes são instigados a exprimir oralmente qual a função exata deste circuito. Uma possível conclusão seria que este circuito “produz tensões de saída proporcionais à combinação binária de variáveis lógicas”. Em seguida, a definição oficial deste 108 | ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 101-112| 2015


VALFREDO PILLA JR

circuito é apresentada como um “conversor digital para analógico”, ou circuito DAC (Digital to Analogic Converter) (TOCCI, 2011). Após esta definição são apresentadas as inúmeras aplicações práticas destes circuitos, como exemplo, todas as interfaces utilizadas para a reprodução de som em equipamentos digitais (reprodutores MP3, por exemplo) portáteis ou de computadores, reprodução de som em smartphones, entre muitas outras aplicações. A atividade então é concluída com a apresentação de conceitos teóricos específicos do domínio dos conversores digitais para analógicos e os alunos são instigados a buscar informações sobre componentes reais disponíveis no mercado, suas características e aplicações. Procurou-se organizar a atividade de forma que os alunos atingissem pelo menos o nível da análise, segundo a Taxonomia dos Objetivos Educacionais de Bloom (ANDERSON & KRATHWOHL, 2001; PILLA JR & FERLIN, 2011). Outro elemento norteador da organização da atividade foi a busca pela motivação através da aplicabilidade prática dos conhecimentos (FILHO, 2012).

POR QUE ESSE RELATO É UMA BOA PRÁTICA DE ENSINO E APRENDIZAGEM A atividade descrita neste trabalho tem como objetivo revisar conteúdos que constituem o embasamento teórico para a disciplina Sistemas Digitais, abordadas nas disciplinas de períodos anteriores Lógica Matemática e de Eletrônica que ocorrem em períodos anteriores no Curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo. O primeiro desafio que norteou esta abordagem foi a de buscar um processo de revisão que permitisse uma abordagem integradora, multidisciplinar, envolvendo ambas as disciplinas de base, mas ao mesmo tempo permitindo explorar novos conteúdos e gerando novos conhecimentos. Além disso, era fundamental que todo este processo gerasse um estímulo ao futuro estudo dos tópicos específicos da disciplina Sistemas Digitais.

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REVISÃO COM INTEGRAÇÃO DE CONTEÚDOS NO PROCESSO DE MOTIVAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVOS CONHECIMENTOS EM UMA DISCIPLINA DE SISTEMAS DIGITAIS

Este processo se refletiu em perceptível acréscimo em interesse por parte dos alunos, os quais normalmente encaram um procedimento de retomada de conteúdos maçante e desestimulante. Confrontados com a necessidade de integrar conhecimentos, o que não haviam ainda realizado no contexto destas disciplinas, e surpreendidos pelo alcance do resultado final tanto em termos da própria integração quanto da aplicabilidade, este processo de revisão tornou-se uma importante ferramenta de estímulo ao aprendizado na disciplina Sistemas Digitais. Se por um lado é difícil de mensurar quantitativamente este resultado, o grau de interesse crescente dos alunos ao longo do processo que atinge o seu ápice ao descobrir ter sido capaz de modelar um sistema desta complexidade, que envolve conhecimentos de áreas diversas, e que ainda possui uma aplicabilidade prática imensa, é claramente notado, inclusive na percepção positiva por parte dos estudantes quanto à importância e a aplicabilidade da disciplina Sistemas Digitais.

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VALFREDO PILLA JR

REFERÊNCIAS [1] ANDERSON, Lorin W.; KRATHWOHL, David R. A Taxonomy for Learning, Teaching, and Assessing. New York: Longman, 2001. [2] BOYLESTAD, ROBERT L., Introdução à Análise de Circuitos (12ª Ed). São Paulo: Pearson, 2012. [3] DAGHLIAN, JACOB, Lógica e Álgebra de Boole (4ª Ed). São Paulo: Atlas, 1995. [4] FILHO, ALBERTO BASTOS DO CANTO; FERREIRA, LUIZ FERNANDO; BERCHT, MAGDA; TAROUCO, LIANE MARGARIDA ROCHENBACH; LIMA, JOSÉ VALDENI. Objetos de Aprendizagem no apoio a Aprendizagem de Engenharia: Explorando a Motivação Extrinseca. Revista Novas Tecnologias na Educação, CINTED - UFRGS, v. 10, n. 3, Dez. 2012. [5] NASHELSKY, LUIS; BOYLESTAD, ROBERT L., Dispositivos Eletrônicos e Teoria de Circuitos (11ª Ed). São Paulo: Pearson, 2013. [6] PERTENCE JÚNIOR, ANTONIO. Amplificadores Operacionais (7ª Ed). São Paulo: Tekne – Artmed, 2011. [7] PILLA JÚNIOR, V; FERLIN, E. P. Os Níveis de Aprendizagem da Taxonomia de Bloom Aplicados em uma Disciplina de um Curso de Engenharia da Computação. Anais: XXXIX Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia. Blumenau, 2011. [8] TOCCI, RONALD J.; WIDMER, NEAL S.; MOSS, GREGORY L. Sistemas Digitais – Princípios e Aplicações (11ª Ed). São Paulo: Pearson, 2011). [9] UNIVERSIDADE POSITIVO, Projeto Político-Pedagógico do Curso de Engenharia da Computação. Universidade Positivo, Curso de Engenharia da Computação, 2011.

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AMARILDO GERALDO REICHEL

AVALIAÇÃO DA VIABILIDADE TÉCNICA E ECONÔMICA NO USO DE LÂMPADAS DE LEDS Amarildo Geraldo REICHEL1

RESUMO Este trabalho foi baseado na pesquisa do estado atual da tecnologia de lâmpadas a leds (diodos emissores de luz) aplicados a sistemas de iluminação, identificando suas principais características técnicas e funcionais necessárias em projetos de iluminação, como consumo de energia, fluxo luminoso, eficiência energética e qualidade da luz gerada. Para fins comparativos, foram realizadas análises de viabilidades técnica e econômica pelo uso de lâmpadas de leds em relação a fontes convencionais de iluminação residencial. Palavras-chave: LED; Iluminação com leds; Lâmpadas de leds.

ABSTRACT The aim at this work was the research of the current state of the technology of led lamp (led - light emitting diodes), for application in systems of illumination, identifying the principal technical and functional characteristics, used in illumination projects as electric power consumption, luminous flow, energy efficiency and quality of the generated light. A comparative analysis was elaborated between the conventional technologies of residential illumination and the led lamps, being looked for the knowledge of the viabilities technique and economical in the led use. Keywords: LED; Ilumination using leds; led lamps.

1 Graduado em Engenharia Elétrica (UTFPR), Mestre em Engenharia Elétrica e Informática Industrial (UTFPR) e professor nos cursos de Engenharia Elétrica, Computação, Mecânica e Civil da Universidade Positivo.

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AVALIAÇÃO DA VIABILIDADE TÉCNICA E ECONÔMICA NO USO DE LÂMPADAS DE LEDS

INTRODUÇÃO Com o surgimento de novas tecnologias, dispositivos e materiais mais eficientes, na última década, aplicados à geração de luz através de dispositivos eletrônicos, inúmeras novas aplicações estão sendo possíveis de serem desenvolvidas. Frente a estas novas descobertas, abre-se um novo potencial de desenvolvimento e uso em dispositivos energeticamente mais eficientes, aplicados principalmente na iluminação de ambientes prediais. Desta forma, incentiva-se a conservação de energia, com a redução ou postergação de investimentos em novas fontes de geração, menor agressão ao meio ambiente, redução de poluentes e uma possível redução de temperatura global, tudo isso sem a redução do crescimento da economia. Apesar de muitos países terem decretado o fim da produção, comercialização e uso de lâmpadas incandescentes, estas ainda são a maioria em uso atualmente. O maior problema da iluminação tipicamente através de lâmpadas incandescentes é devido ao seu baixo nível de eficiência energética, ou seja, a proporção de potência luminosa emitida em relação à energia consumida. Para este tipo de lâmpada, o rendimento situa-se entre 10 a 20%. Desde a invenção da primeira lâmpada incandescente de uso residencial com filamento a carvão em 1879, houve inúmeras modificações e inovações, com uso de materiais mais resistentes do filamento, com maior durabilidade e eficiência. Em 1901 surgem as primeiras lâmpadas a vapor de mercúrio, seguidas pelas lâmpadas à base de gases nobres em 1910. As lâmpadas baseadas em descarga em gases como a fluorescente, foram desenvolvidas em 1933. As lâmpadas fluorescentes compactas (FLC) com reator e as eletrônicas, só foram desenvolvidas entre 1980 e 1992. Os leds ou diodos emissores de luz (Light Emitting Diode – LED), são componentes semicondutores baseados na mesma tecnologia de fabricação de transistores e circuitos integrados. Sua principal característica é a transformação de energia elétrica em luz visível através do princípio de eletroluminescência, princípio este observado pela primeira vez em 1907, pelo pesquisador inglês Henry Joseph Round. Este fato foi registrado pela revista Electrical World, na edição de fevereiro de 1907.

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AMARILDO GERALDO REICHEL

Apesar de vários estudos da geração de eletroluminescência, somente em 1955, com o anúncio da emissão de luz na faixa do infravermelho, e posteriormente em 1962 inicia-se a criação do primeiro led de luz visível à base de Fósforo, Arsênio e Gálio – GaAsP, emitindo luz da cor vermelha. Na década de oitenta surgiram os leds compostos de Fósforo, Arsênio, Alumínio e Gálio – GaAlAsP nas cores vermelha, amarela e verde com níveis de iluminação superiores aos leds anteriores. Somente no início dos anos 90, através da tecnologia InGaN foi possível a obtenção de leds com comprimento de onda menores, nas cores azul, ciano e branco, cobrindo assim todo o espectro de cores visível.

1. ILUMINAÇÃO PREDIAL Projetos de iluminação não devem ser mais baseados em aspectos puramente técnicos, mas devem levar em conta os fatores comportamentais do ser humano. Buscar economia em iluminação, não significa ter que conviver com sistemas deficientes de iluminação ou não ter iluminação alguma, mas conciliar dispositivos mais eficientes, projetistas que utilizem novos métodos e novas tecnologias em projetos, além de usuários conscientizados em reduzir sua participação na degradação da vida no planeta. Eficiência energética, reprodução de cores, intensidade luminosa, efeitos decorativos, são alguns dos objetivos essenciais em projetos de iluminação buscados pelos consumidores. Num bom projeto de iluminação, a lâmpada é um dos componentes mais importantes, mas não o único responsável pelo sucesso. Devem ser observadas as condições do ambiente a ser iluminado como paredes, piso, mobiliário, o conjunto luminária - lâmpada, o tipo de atividade e o perfil ou preferência dos usuários.

1.1 Lâmpadas Convencionais As lâmpadas atualmente utilizadas na iluminação podem ser classificadas pelo seu princípio físico de funcionamento, pela aplicação, por suas características de reprodução de cores, pela temperatura da cor ou pela eficiência luminosa proporcionada para cada ambiente. De ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 113-124| 2015 |115


AVALIAÇÃO DA VIABILIDADE TÉCNICA E ECONÔMICA NO USO DE LÂMPADAS DE LEDS

forma mais ampla, as lâmpadas podem ser classificadas pelo princípio físico da incandescência, fluorescência ou eletroluminiscência. As fontes de luz artificiais devem permitir, ao olho humano, a percepção das cores o mais próximo possível da luz natural do dia. O índice de reprodução de cor (IRC ou Ra) é a medida relativa entre a cor real de um objeto ou superfície e sua aparência sob uma fonte de luz. É um índice adimensional e varia de 0 a 100, em que o número 100 representa a luz solar. Quanto maior for o IRC, melhor a reprodução das cores. O conceito Temperatura de Cor Correlata (TCC) é utilizado para descrever a cor de uma fonte de luz. É medido em Kelvin (K) e as principais cores utilizadas em iluminação se encontram entre 2700K e 6500K. A luz incandescente é gerada pela passagem da corrente elétrica através de um filamento de tungstênio. Tem sua aplicação predominantemente residencial, com temperatura de cor amarelada, na faixa de 2.700K, índice de reprodução de cor 100, vida média de 1000 horas e eficiência luminosa de 10 a 20 lm/W. Lâmpadas fluorescente tubulares possuem alta eficiência e longa durabilidade. Emitem luz pela ionização de um gás devido à passagem da corrente elétrica. A eficiência energética deste tipo de lâmpada situase entre 60 lm/W e 100 lm/W, vida média de 8000 horas, temperatura de cor 3.000K (quente), 4.000K (neutra) e 6.500K (fria) e índice de reprodução de cor de 85, 66 e 72, respectivamente. São muito usadas em áreas comerciais e industriais. Lâmpadas fluorescentes compactas – FLC, são fabricadas com a mesma tecnologia das fluorescentes tubulares. Comparadas às incandescentes possuem: consumo de energia 80% menor, durabilidade 10 vezes maior, geram menos calor, têm IRC em torno de 85 e temperatura de cor de 2.700K (semelhante às incandescentes) a 6.500K (fria) e vida útil de 6.000 a 8.000 horas.

1.2 Lâmpadas a Leds O led utiliza o princípio da eletroluminescência para a transformação de energia elétrica em luminosa.

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Os leds brancos podem ser fabricados de várias formas: a partir dos leds azuis, pela adição de fósforo ao chip para converter a luz azul de baixo comprimento de onda em comprimentos de onda superiores; um led azul e um amarelo; um led ultravioleta + (vermelho, verde e azul) e através de um led triplo RGB (vermelho, azul e verde) num único chip. Um dos fatores limitantes pelo uso de leds para iluminação está relacionado ao custo dos dispositivos. Basicamente os leds de alta potência são compostos por terminais catodo e anodo, fios de ouro nas conexões, um chip semicondutor, uma base de montagem com proteção contra descargas eletrostáticas (ESD), um dissipador de calor e lentes de vidro ou polímeros. Como são alimentados em corrente contínua, para sua conexão à rede de energia elétrica é necessário um dispositivo externo para redução de tensão e limitação da corrente. Algumas vantagens no uso de leds podem ser citadas: alta eficiência luminosa, baixo impacto ambiental, longa vida útil, baixo consumo de energia elétrica, elevada confiabilidade, geração de luz com muito pouca produção de calor, várias cores, tamanho reduzido, alta resistência a impactos e vibrações, excelente estabilidade térmica, não emitem radiação infravermelho e ultravioleta, podem ser considerados lixo comum e não precisam de tratamento especial para descarte, impacto ambiental praticamente nulo, sua luz não desbota roupas ou obras de arte, entre outras. As primeiras lâmpadas a base de leds chamadas “lampleds” tem formas e composições diversas. Algumas são baseadas em inúmeros leds de 5 mm de alta intensidade, dispostos em vários ângulos ou somente na face frontal, conforme pode ser visto na figura 1. A potência total destas lâmpadas varia entre 1 e 3 W.

Figura 1: Lâmpadas para iluminação residencial à base de leds de baixa potência

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As lampleds com leds de alta potência apresentam rendimentos maiores e um número de led sensivelmente menor. Uma característica destes dispositivos é a presença de dissipadores incorporados em sua estrutura, como pode ser visto na figura 2. Podem ser encontradas com leds de 1 a 20 W em potências diversas.

Figura 2: Lâmpadas para iluminação residencial à base de leds de alta potência

1.3 Características de lâmpadas de leds Um dos fatores que vem motivando todos os setores produtivos e sociedade em geral, é a preocupação com o meio ambiente. Nunca se falou tanto em eficiência energética e aquecimento global do planeta. Como os leds proporcionam de 80 a 90% de redução no consumo em sistemas de iluminação em relação às incandescentes, vem sendo utilizado por vários setores da economia, inclusive como objeto de marketing das empresas. Outro fator importante para a qualidade de vida no planeta, vem do fato de que lâmpadas de leds não contêm mercúrio na sua composição como as lâmpadas fluorescentes convencionais e as compactas. O índice de reprodução de cores (IRC) de lâmpadas a leds atuais chegam a 92 para a temperatura de cor de 3000 K, e para 5000 K fica em torno de 75. Desta forma, em termos de IRC as lampleds superam as fluorescentes, mas ainda ficam abaixo das incandescentes com IRC 100. Como os leds têm um espectro de cor controlado, a luz gerada não ataca, altera ou envelhece os objetos expostos à sua a iluminação, pois não emite radiação ultravioleta ou infravermelho, podendo ser utilizada em museus e exposições de obras de arte. Com relação à vida útil (tempo necessário para que a intensidade luminosa chegue a 75% da nominal) e vida mediana (tempo para que 118| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 113-124| 2015


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50% do lote ensaiado esteja queimado), as vantagens são muito grandes em relação às lâmpadas incandescentes. A vida útil pode variar de 50.000 a 100.000 horas. Os sistemas de iluminação baseados em leds geram muito menos calor devido a ausência de radiação infravermelha, com eficiência energética em torno de 90%, o que se traduz em menor carga térmica para os sistemas de ar condicionado reduzindo o consumo global de energia da instalação de forma sistêmica.

METODOLOGIA DE ANÁLISE Para avaliação do uso ou substituição de lâmpadas convencionais, principalmente as incandescentes por lâmpadas a leds, foi necessário realizar um estudo de viabilidade técnica e econômica completa, observando vários fatores como: eficiência luminosa, tempo de vida, fluxo emitido por fonte, potência de entrada por fonte, índice de reprodução de cor de acordo com a aplicação, bem como os custos de investimento, manutenção e consumo ao longo da vida útil de cada dispositivo. Os dados desta pesquisa foram avaliados de forma quantitativa e descritiva observando a redução de consumo, a eficiência energética, o índice de reprodução de cores, redução de agressão ao meio ambiente, viabilidade técnica e econômica. Para a realização do estudo quantitativo, foram utilizadas planilhas eletrônicas com os dados de quatro tipos de lâmpadas mais utilizadas em iluminação residencial e comercial: lâmpadas incandescentes, halógena dicróica, fluorescente compacta e lâmpada de leds, conforme pode ser visto pela tabela 1.

DISCUSSÕES Para a análise comparativa foi fixado o fluxo luminoso em torno de 600 lm, suas potências nominais, a vida útil média e os custos de investimento na compra e substituição da lâmpada, custos de manutenção para a troca (o tempo gasto ou o serviço de terceiros). Também foi adotado o custo da energia elétrica classe residencial – B1, conforme Resolução ANEEL, número 663 (COPEL, 2008) no Estado do Paraná, ao valor de R$ 0,3879 por kWh.

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Para fins de comparação de fluxo luminoso utilizaram-se duas lâmpadas de leds de 3 W a um custo aproximado de R$ 35,00 cada, totalizando R$ 70,00. Incandescente comum

Incandescente dicróica

LEDs

Flourescente FLC

Fluxo luminoso (lm) Potência nominal (W) IRC Vida útil (h) Eficiência (lm/W) Tempo de uso diário (h) Tempo total de uso p/mês (h) Tempo total de uso p/ano (h) Energia total consumida mensal (kWh) Substituição lâmpada (un p/ ano) Total de lâmpadas em tempo análise (un)

600 50 100 1.000 12 10 300 3600 15 3,6 2,5

650 50 100 2000 13 10 300 3600 15 1,8 1,25

600 6 85 50000 100 10 300 3600 1,8 0,072 0,05

600 11 70 8000 55 10 300 3600 3,3 0,45 0,3125

Custo por lâmpada (R$) Custo total de energia mensal (R$) Custo total de manutenção MO estimado [R$]

2 5,82 25

2 5,82 12,5

70 0,70 0,5

15 1,28 3,125

Custo total de energia (R$) (em tempo análise) Custo total das lâmpadas (R$) Custo total Investimento + MO + Energia (R$) Tempo de equivalência a Leds (meses)

48,49 5 78,49 1,0

48,49 2,5 63,49 1,2

5,82 70 76,32 1,0

10,67 15 28,79 0,38

Tempo de uso diário (h) Vida útil estimada da lâmpada de leds (h) Tempo de análise (h) Tempo de retorno (anos) Tempo de retorno (meses) Custo total de manutenção MO em R$ por troca Custo da energia (R$/ kWh)

10 50000 2500 0,69 8,3 10 0,3879

Tipo de lâmpada

Tabela 1 – Cálculo de retorno para lâmpadas incandescente, dicróica e FLC x Leds

A viabilidade econômica para lâmpadas de leds, comparadas à incandescente comum acontece com retorno do investimento em 8,3 meses para 2500 horas com 10 horas de uso diário. Para as halógenas, em 10 meses e para fluorescente compacta - FLC em 48 meses. Nestes cálculos levou-se em consideração a vida útil de cada lâmpada, estimando-se um número de trocas para cada período avaliado. Também foi considerado o custo de cada troca, caso fosse necessária a contratação de serviço de terceiros para sua execução. Como o tempo de uso diário pode ser variável, e para cada valor adotado o tempo de retorno varia, foi fixado em 10 horas/dia. Quanto menor o uso diário, maior será o tempo de retorno, pois o desgaste das lâmpadas incandescentes e FLC 120| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 113-124| 2015


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será menor, reduzindo os custos mensais. O tempo de análise utilizado foi de 50.000 horas, igual ao tempo da vida útil das lâmpadas de leds analisadas, conforme o fabricante. Para tempos menores (como 1000 horas), o custo da lâmpada de leds tornase o mais elevado na análise. Para 3600 horas somente a lâmpada FLC ainda é mais vantajosa e a partir de 14.500 horas (48 meses) a lâmpada de leds é a melhor opção entre as quatro.

CONCLUSÕES A tendência mundial pela busca de soluções energéticas mais eficientes e menos poluentes é fato comum em muitos países, até mesmo nos menos preocupados com as questões ambientais. A globalização da economia traz também a globalização dos problemas de forma mundial. Atualmente a substituição das lâmpadas incandescentes por lâmpadas fluorescentes normais e compactas parece ser a solução ideal, visto que a tecnologia encontra-se num nível de credibilidade bastante aceitável. Entretanto problemas ambientais como o descarte adequado dos seus resíduos como o mercúrio ainda é precário. Neste cenário, lâmpada com leds se mostra uma solução cada vez mais interessante, eficiente e ecologicamente correta. Seus resíduos podem ser classificados como lixo comum, não possuem materiais tóxicos na sua composição e geram muito pouco calor e menos CO2 ao planeta. Do ponto de vista energético, a cada dia surgem novos dispositivos leds de maior eficiência luminosa, ultrapassando os níveis atuais das lâmpadas fluorescentes e, em breve, as lâmpadas de sódio e vapor metálico (atualmente as de mais eficiência no mercado e muito utilizadas na iluminação pública e industrial). Soluções de iluminação de uso residencial e comercial utilizando tecnologia a base de leds já podem ser viabilizadas tecnicamente. Do ponto de vista econômico, numa análise inicial comparativa observando somente o investimento inicial na aquisição das lâmpadas e luminárias, os sistemas a base de leds não se viabilizam. Ainda existe a falta de conscientização por parte da população para os conceitos de eficientização energética. Se forem considerados os fatores como a vida útil dos dispositivos, a redução na frequência de substituição ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 113-124| 2015 |121


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de lâmpadas, manutenção e a economia de energia ao longo de toda a sua vida útil, os projetos de iluminação a base de leds poderão ser perfeitamente viáveis. Como continuidade deste trabalho, sugere-se um estudo da aceitabilidade pelos usuários deste tipo de lâmpada, em função da temperatura, de cor, da redução de energia e investimento inicial.

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USO DE TÉCNICAS DE GAMIFICAÇÃO COMO PROPOSTA MOTIVACIONAL NA ENGENHARIA – UM ESTUDO DE CASO NA ENGENHARIA DA COMPUTAÇÃO Eduardo Juliano ALBERTI Felipe Augusto PRZYSIADA Alessandro BRAWERMAN

RESUMO Inegavelmente, estamos em uma época inovadora. A todo momento, produtos, ideias e avanços tecnológicos emergem e toda essa demanda por ciência acarreta em uma demanda profissional diretamente proporcional. O sistema de ensino, contudo, enfrenta uma situação na qual a formação de bons profissionais está baseada em diversos pontos críticos, sendo um deles a motivação do aluno. Como formar, então, bons profissionais motivados a praticar a Engenharia? Ou ainda, como motivar os alunos da Engenharia a tornarem-se bons profissionais? Como uma das abordagens possíveis para auxiliar em tal situação, este trabalho propõe a aplicação de técnicas de gamificação, utilizando jogos e competições, nos eventos promovidos durante o ano letivo do curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo, como um fator extraclasse motivacional. As ideias de gamificação aplicadas pelo NDE – Núcleo Docente Estruturante – do curso, são apresentadas e descritas de forma a poder ser replicadas por outras instituições de ensino. Os resultados obtidos demonstram que os alunos que participam de tais eventos apresentam uma maior motivação no dia-a-dia acadêmico, um entendimento melhor do que envolve a profissão de Engenharia da Computação, um espírito de competição saudável, maior colaboração com seus pares e vêm, por iniciativa própria, ajudando a promover o curso para sociedade. Palavras-chave: Gamificação; Motivação Educacional; Toy Hacking; Robótica; Maratona de Programação.

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1. INTRODUÇÃO Estamos, inegavelmente, em uma época em que as inovações se voltam para a área tecnológica e cada vez mais o profissional desta área ganha foco. Cada vez mais programas de apoio a startups auxiliam empresas inovadoras em seu começo de vida, e muitos destes programas procuram por empresas na área tecnológica. Entretanto, apesar de fomento para pesquisa e desenvolvimento, e de um mercado em crescimento com falta de mão-de-obra, os cursos de tecnologia ainda possuem baixa procura e grande evasão, muitas vezes devido à sua complexidade. Um exemplo é o curso de graduação em Engenharia da Computação. Desde a criação do sistema CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia) e regulamentação das profissões de Engenharia em 1936, apenas 5418 profissionais foram registrados na área de Engenharia Elétrica com Ênfase em Computação, que mais tarde foi regulamentada como Engenharia da Computação (CONFEA, 2013). Assim como as demais Engenharias, os alunos ingressantes possuem, em seu primeiro ano acadêmico, poucas disciplinas afins a sua área de atuação, então, a questão é como motivar estes alunos a continuar sua jornada acadêmica na Engenharia, ou ainda, como manter os graduandos de Engenharia motivados durante o curso? Como uma possibilidade de auxílio a motivar os alunos e a criar um cultura de participação em eventos de âmbito regional e nacional, bem como uma cultura de próatividade dos alunos, o NDE (Núcleo Docente Estruturante) do curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo propôs a adoção de eventos internos diversos baseados na ideia de gamificação. Gamificação é o termo utilizado para denominar uma estratégia na qual elementos de jogos digitais e de design de jogos é aplicada em situações não-jogo. As pessoas, naturalmente, possuem desejo por competições, altruísmo e auto-expressão, que podem ser trabalhadas em estratégias de gamificação (Revista Exame, 2013). Segundo pesquisas realizadas pelo instituto Gartner, é esperado que no ano de 2015 cerca de 50% das instituições globais utilizem-se desta técnica (Gamification ORG, 2013). Por fim, Leonardo Kenski descreve esta técnica como um estratégia de interação entre empresas e/ou pessoas (Revista Exame, 2013). A aplicação de regras, recompensas e técnicas de jogos em tarefas simples 126| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 125-136| 2015


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pode ser utilizada como ferramenta de monitoramento, incentivando cooperação e competitividade (Reeves & Read, 2009; Read, 2011). A cooperação entre membros de equipes em ambientes de competição saudáveis é uma das apostas do NDE do curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo. Espera-se com esta estratégia motivar os alunos a participarem de tais eventos e se dedicarem nos projetos e desafios propostos, aprendendo conceitos de Engenharia na prática. Este artigo tem por finalidade apresentar os eventos de gamificação que já são adotados pelo curso, bem como os resultados obtidos, para que outras instituições de ensino, se assim desejarem, sigam este modelo de motivação educacional, através da apresentação de desafios em ambientes de competição. O restante do artigo apresenta na sessão de metodologia os eventos adotados, bem como detalhes da aplicação dos mesmos como uma ferramenta motivacional que possa ser replicada por outras instituições de ensino. Esta é seguida por uma descrição dos resultados obtidos com cada evento e o artigo é finalizado com as considerações finais.

2. METODOLOGIA Nesta seção são apresentados os eventos de gamificação promovidos pelo curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo. Espera-se despertar nos alunos um sentimento de competição saudável, além de trabalhar na motivação dos mesmos, possibilitando através destes eventos que eles entendam na prática o dia-a-dia de um Engenheiro.

2.1 Maratona de Programação A Maratona de Programação promovida pelo curso de Engenharia da Computação tem por objetivo despertar nos alunos qualidades de um bom desenvolvedor, como a dinâmica de trabalho, agilidade do pensamento lógico e a prática em certa linguagem de programação, além, é claro, de promover o intercâmbio de conhecimento e o trabalho em grupo entre os alunos do curso.

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Figura 1 - Participantes da Maratona de Programação

Para a participação, os alunos montam equipes de 3 integrantes, e durante o evento produzem códigos para resolver exercícios distribuídos, conforme ilustrado pela Figura 1. A Maratona de Programação é baseada na competição oficial promovida pela Sociedade Brasileira de Computação – SBC e pela ACM (Association for Computing Machinery), que apresenta classificatórias regionais, uma competição nacional e uma competição internacional (IME, 2013; ICPC, 2013). A correção dos exercícios é realizada por um servidor autônomo que, ao receber o programa de cada equipe, compila e o submete ao conjunto de entradas de testes padrão (criadas pelo administrador da maratona). O programa é considerado correto quando, ao comparar as saídas obtidas pela execução do programa recebido e as saídas esperadas, o servidor não encontra diferenças entre os arquivos. Uma execução pode gerar diversas saídas que não a de execução com sucesso, como a erro de compilação, erro de execução, saídas incorretas ou de problemas na leitura das entradas. Cada equipe pode enviar um exercício e acompanhar o seu estado através de um sistema Web, desenvolvido em PHP, chamado BOCA (De Campos e Ferreira, 2004). Este automatiza todo o processo da maratona e deve ser instalado e hospedado em um servidor na rede local da instituição.

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Cada um dos exercícios propostos propõem um problema que deverá ser programado e impelido a aceitar regras e formatos de entrada particulares. As saídas do programa também devem ser formatadas conforme a descrição do exercício. Os exercícios desenvolvidos para a Maratona de Programação do curso de Engenharia da Computação foram propostos pelos professores de Programação I e Programação II, levando em consideração o campo de conhecimento dos alunos participantes. As equipes foram classificadas conforme o número de exercícios resolvidos corretamente e o tempo de resolução. O tempo de resolução foi contabilizado desde o início da maratona até a entrega de cada uma das resoluções corretas. Para cada entrega inválida, as equipes foram penalizadas em 20 minutos. Portanto, as equipes deveriam resolver o maior número de exercícios, corretamente, no menor intervalo de tempo. Não foram impostas restrições para a participação dos alunos e a formação das equipes, desta forma alunos de 1º a 5º anos puderam formar equipes mistas. A competição entre equipes mistas além de promover o trabalho em equipe entre os alunos, aumenta o intercâmbio de conhecimento e espírito de unidade do curso. Os primeiros colocados receberam premiações pelo reconhecimento de seus esforços e pelo trabalho em equipe. Além de serem treinados, se assim quisessem, para participar na competição regional oficial da SBC.

2.2 Robótica – Basquete de Robôs Dentre as modalidades de competições que envolvem os estudantes de Engenharia da Computação, as competições na área de robótica são as mais populares. Estas competições envolvem conhecimentos gerais ligados a eletrônica, a programação de microcontroladores e a mecânica. O NDE do curso já vêm implantando o tema de robótica há alguns anos em disciplinas como Sistemas Embarcados, Automação e Trabalhos de Engenharia. Entretanto, a partir de 2011, optou-se também por criar competições na área. Uma competição que já vêm sendo realizada é a de Basquete de Robôs. Esta é uma competição voltada para os alunos a partir do 2º ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 125-136| 2015 |129


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ano do curso. São pré-requisitos para tal competição o conhecimento mínimo de eletrônica, para a confecção de um robô guiado por controle e conhecimento em programação de microcontroladores, para o desenvolvimento de sistema de controle. A competição de Basquete de Robôs propõe que cada robô seja capaz de apanhar uma bola de golf (Figura 2B), situada sobre um suporte de madeira em um dos lados do campo, e levá-la até o outro lado, depositando-a em uma caixa de madeira com dimensões próximas à da bola (Figura 2A).

Figura 2 - Exemplos de Robôs desenvolvidos pelas equipes.

Nota-se que na imagem A o robô está depositando a bola de golf no cesto, enquanto na imagem B o robô está apanhando a bola no suporte. O campo criado para esta competição nada mais é que uma parede de madeira com aproximadamente 15 cm de altura, 2 metros de comprimento e 1,50 metros de largura. As equipes possuem aproximadamente 4 meses para desenvolver um robô capaz de participar do torneio. Inicialmente, é de conhecimento tanto a especificação do quadra de basquete quanto do tamanho da bola e da cesta. Na etapa de desenvolvimento, as equipes tem liberdade para solicitar informações e auxílio aos professores do curso, que podem orientar no processo, porém não trabalhar no desenvolvimento. Durante a competição cada robô ocupa individualmente o campo, sendo que o número de cestas e o tempo em que realizará a ação são as variáveis levadas em consideração para a qualificação da equipe. As equipes são divididas em dois grandes grupos para que possam competir entre si e os campeões destes passam para uma nova competição da qual o ganhador é o grande campeão. 130| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 125-136| 2015


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2.3 Toy Hacking O Toy Hacking é um termo empregado para denominar uma prática, há pouco tempo utilizada formalmente, cujo objetivo é o intercâmbio de peças, componentes e/ou mecanismos de brinquedos a fim de desenvolver novos brinquedos ou até mesmo outras soluções tais como robôs ou ferramentas. Nesta modalidade o NDE do curso optou por não usar a ideia de competição, mas sim de oficinas. O objetivo é a criação de novos dispositivos eletrônicos através de elementos provenientes de brinquedos desmontados. Desta forma, a atividade lúdica desenvolvida, permite observar a qualidade do pensamento lógico e a capacidade de criação e de adaptação do aluno mediante a elementos limitados porém combináveis. O Toy Hacking é uma técnica que vem sendo empregada em escolas até mesmo de ensino infanto-juvenil para promover o desenvolvimento do pensamento criativo. Seu emprego, neste caso, não está ligado exclusivamente ao uso de brinquedos eletrônicos, muitas vezes o objetivo é a criação de um novo ser, proveniente da imaginação de uma criança, pela junção de partes do corpo de diversos brinquedos ou a promoção de uso de ferramentas normalmente não acessíveis às crianças, como mostrado pela Figura 3.

Figura 3 - Oficina de Toy Hacking destinada ao público infanto-juvenil (Maker Kids, 2013).

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Na área de eletrônica, a aplicação do Toy Hacking permite a criação de novos dispositivos que podem desenvolver ações simples como a adaptação de um boneco para balançar um sachê de chá dentro de uma xícara, mostrado pela Figura 4, até funções mais complexas, como o uso de rádiofrequência para controlar remotamente os dispositivos/ brinquedos desenvolvidos.

Figura 4 - Exemplo de resultado de uma Oficina de Toy Hacking (Seeed Studio, 2011)

Aos participantes é solicitado que tragam um conjunto de brinquedos, normalmente dispositivos eletrônicos com preços ao redor de R$1,99, e durante o evento são convidados a desmontá-los para criar um novo dispositivo. É interessante observar que grande parte dos brinquedos possui sistemas de movimentação e articulação de certa complexidade mecânica e o seu uso pode apresentar prós e contras: por um lado pode-se observar a facilidade para criação devido a não necessidade de arquitetar estruturas mecânicas para exercer certas atividades, por outro lado, observa-se a limitação que estruturas prontas podem causar para desempenhar atividades previstas pelo participante. Outro ponto a ser considerado é que o número de brinquedos está altamente ligado a complexidade da tarefa, quanto mais complexa, maior o número de brinquedos necessários. Cada equipe de participantes tem liberdade para escolher qual será seu objetivo (robô, carrinho, boneco ou outros) com uma única restrição de que o dispositivo resultante contenha artefatos eletrônicos que realize alguma ação.

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3. RESULTADOS Os resultados obtidos com a aplicação das técnicas de gamificação foram significativos. Os alunos participantes dos eventos demonstraram maior desenvoltura nas atividades acadêmicas e durante as disciplinas se mostraram mais participativos e motivados. A Maratona de Programação, apesar de se enquadrar em um evento de competição, promove o intercâmbio de conhecimento entre os alunos dos diversos anos letivos do curso de Engenharia da Computação. As turmas do primeiro ano do curso, passaram por uma pequena sequência de exercícios durante 2 meses que modelaram a forma com que enfrentavam os problemas lógicos dos exercícios. Durante a maratona, o resultado foi surpreendente. A turma de primeiro ano conseguiu uma colocação alta mesmo possuindo menor conhecimento prático de programação se comparado às turmas posteriores do curso. Pode-se afirmar que tal evento se tornou um objeto de motivação para os alunos do curso, promovendo o estudo independente das linguagens de programação e melhorando seu desempenho em disciplinas tais como Lógica Matemática e Programação de Computadores. Esta competição foi adotada em caráter de teste em 2007 e efetivada como permanente em nosso calendário em 2009. Desde então a Universidade Positivo têm inscrito equipes que queiram participar nos eventos regionais da SBC. Com os excelentes resultados alcançados pela Maratona de Programação em termos de motivação, trabalho em equipe e um maior sentimento de unidade no curso, optou-se por propor outros eventos deste tipo. Assim nasceu a competição de Basquete de Robôs. Durante a competição de Basquete de Robôs é visível a motivação dos alunos em criar protótipos robóticos bem estruturados e conseguir vencer o desafio proposto. Os alunos da Engenharia da Computação são aficionados pela área de construção de Sistemas Embarcados, o que para a tarefa proposta pela competição era altamente essencial. Esta atividade extracurricular vêm promovendo a integração dos alunos do curso, o intercâmbio cultural e de conhecimento, além de motivar o aluno com a construção de um dispositivo que está altamente ligado a sua vida profissional, o que geralmente não é possível de ser realizado como tarefa de alguma matéria. O último evento citado, a oficina de Toy Hacking, por sua vez, além de ótimo indicador da capacidade de criação dos alunos, é um ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 125-136| 2015 |133


USO DE TÉCNICAS DE GAMIFICAÇÃO COMO PROPOSTA MOTIVACIONAL NA ENGENHARIA – UM ESTUDO DE CASO NA ENGENHARIA DA COMPUTAÇÃO

grande motivador para a construção de elementos eletro-mecânicos. Os participantes inserem-se em um universo no qual, através de uma gama limitada de opções e ferramentas, são impelidos a criar um robô para alcançar um objetivo específico. A criatividade é grande aliada do participante do Toy Hacking. É, de certa forma popular, o pensamento de que os profissionais da Engenharia apresentam um pensamento mais racionalista e mais autônomo para desenvolvimento de suas soluções, desta forma os participantes são levados a observar a importância do pensamento racional e, principalmente, da criatividade no mundo da Engenharia. Nas primeiras oficinas de Toy Hacking, os alunos ainda sentiam um certo desconforto para realizar o exercício, talvez um pouco de vergonha em tentar uma solução que não funcionasse. Entretanto, com o apoio dos instrutores das oficinas e com o passar das edições, ano-aano, este sentimento foi superado e soluções funcionais diversas foram propostas. Os participantes do Toy Hacking visivelmente apresentam melhora em sua desenvoltura no desenvolvimento dos exercícios cotidianos do curso, especialmente, nas disciplinas ligadas a área da eletrônica. Pode-se notar que tal raciocínio desenvolto, apesar de não estar ligado diretamente a disciplinas de programação, altera a capacidade do participante de enfrentar códigos e elementos lógicos, tornando-os mais limpos e dinâmicos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo apresentou a proposta de uso de técnicas de gamificação em eventos extracurriculares que vêm sendo adotada pelo Núcleo Docente Estruturante do curso de Engenharia da Computação da Universidade Positivo. Tais técnicas são conhecidas por promover o despertar de duas grandes características gerais de todos nós: competitividade e cooperação. São propostos diferentes eventos, baseados em gamificação, durante o calendário anual do curso. Os eventos adotados são a Maratona de Programação, nos moldes do evento oficial da Sociedade Brasileira de Computação, com âmbitos regional, nacional e internacional; competições de robótica, especificamente neste caso a de Basquete de Robôs; e oficinais de Toy Hacking, que visam exercitar a criatividade 134| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 125-136| 2015


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dos alunos, além de seus conhecimentos de eletrônica, ao desmontar diversos brinquedos e propor/montar uma nova solução com os componentes adquiridos. Os resultados obtidos com tais eventos são bastante animadores. Os alunos que participam vêm demonstrando maior motivação no dia-adia acadêmico, um entendimento melhor do que envolve a profissão de Engenharia da Computação, um espírito de competição saudável, maior colaboração com seus pares e vêm, por iniciativa própria, ajudando a promover o curso para sociedade. Ações como estas, demonstram que pequenas atitudes acadêmicas, podem melhorar a visão que os alunos possuem da academia e da profissão na qual serão inseridos. Com tais melhorias o aluno passa então a encontrar sentido nas teorias dos anos iniciais do curso e promovem um olhar mais científico sobre suas atividades.

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USO DE TÉCNICAS DE GAMIFICAÇÃO COMO PROPOSTA MOTIVACIONAL NA ENGENHARIA – UM ESTUDO DE CASO NA ENGENHARIA DA COMPUTAÇÃO

REFERÊNCIAS [1] CONFEA - Conselho Nacional de Engenharia e Agronomia. Disponível em: <www.confea.org.br> Acessado em: Maio de 2013 [2] De Campos, C. P.; Ferreira, C. E.. BOCA: um sistema de apoio a competições de programação. Anais do Workshop de Educação em Computação, 2004, Salvador. [3] Gamification ORG. Gamification. Gamification. Disponível em: <http:// www.gamification.org/>. Acessado em: Maio de 2013 [4] ICPC - International Collegiate Programming Contest. Disponível em: <http://icpc.baylor.edu/>. Acessado em: Maio de 2013. [5] IME - Instituto Militar de Engenharia. Maratona de Programação. Disponível em: <http://maratona.ime.usp.br/>. Acessado em: Maio de 2013. [6] Maker Kids. Toyhacking. Disponível em: <http://www.makerkids.ca/ how-old-are-you-now/img_20130323_154354-2/> Acessado em: 20 de mai de 2013. [7] Read, Jane McGonigal. Reality Is Broken: Why Games Make Us Better and How They Can Change The World. s.l. : Penguin Press, 2011. [8] Reeves, Byron e Read, J. Leighton. Total Engagement: Using Games and Virtual Worlds to Change the Way People Work and Businesses Compete. s.l. : Harvard Business Press, 2009. [9] Revista Exame. O que é Gamification? Revista Exame. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/pme/dicas-de-especialista/noticias/o-que-egamification.> Acessado em: Maio de 2013. [10] Seeed Studio. Toyhacking Contest. [Online] 2011. Disponível em: <http://www.seeedstudio.com/blog/2011/09/28/toy-hacking-contest-vote-foryour-favorite-project/> Acessado em: 20 de mai de 2013 [11] TI Maior - Programa Estratégico de Software e Serviços de Tecnologia da Informação. Disponível em: <http://timaior.mcti.gov.br/>. Acessado em: Maio de 2013.

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DINIS GOMES TRAGHETTA

AS ARMAS NUCLEARES E AS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS Dinis Gomes TRAGHETTA1 Após a Segunda Grande Guerra Mundial, as armas nucleares foram objeto do desejo de todas as nações desenvolvidas, levando instituições de pesquisa subordinadas ao poder público, a utilizar formas diversas de compreendê-las e produzi-las. Da espionagem à cooperação e autonomia científica e tecnológica, em menos de duas décadas havia cinco potências nucleares espalhadas pelo planeta: Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, França e China. A partir de Agosto de 1949, a humanidade entrou numa fase de expectativa jamais vivenciada, quando a primeira bomba atômica soviética foi detonada no deserto do Cazaquistão, à época uma das repúblicas da hoje extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), selando em definitivo um longo período de tensão mundial denominado de Guerra Fria. Neste período de recrudescimento das relações internacionais entre as duas principais potências mundiais, os Estados Unidos e a União Soviética disputaram a hegemonia política, bélica e ideológica em todos os continentes até 1991. Em 2013 publiquei um livro intitulado “A Bomba Atômica Revelada – a recriação da bomba atômica através da literatura aberta” o qual faz uma compilação de informações das principais fontes de divulgação na literatura científica e de divulgação científica sobre os detalhes de funcionamento de uma arma nuclear. O conteúdo do livro tem enfoque alternativo ao risco associado a uma guerra nuclear entre as principais potências nuclearmente armadas: a possibilidade real de que grupos terroristas bem organizados construam estes artefatos bélicos e façam uso deles. Enquanto os países detentores de armamento nuclear têm enorme inércia em usá-las por motivos diversos, dentre os quais o duvidoso triunfo de qualquer uma das nações em conflito, devido à represália de mesma intensidade pelo país agredido se este possuir armamento nuclear e em caso contrário, pelo revide de outros países nuclearmente armados, não se pode afirmar o mesmo em relação a grupos terroristas. No caso de uma agressão terrorista não há Estado a ser contra atacado e inexiste qualquer tipo de compromisso destes 1 Graduação em Física (USP), Mestrado em Física (USP), Doutorado em Física (USP). ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 137-144| 2015 |137


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grupos com organismos internacionais de vigilância da paz mundial, muito menos responsabilidade moral por atos criminosos contra a humanidade. Os atos terroristas têm em comum a extrema violência contra o indivíduo para a obtenção de posicionamento e visibilidade ideológica, intimidação, ganhos políticos ou simplesmente a instalação da anarquia social. Após o episódio terrorista do “11 de Setembro” ocorrido em 2001 em Nova Iorque nos Estados Unidos, a expectativa de ações sofisticadas por parte de grupos radicais deu um salto considerável no que diz respeito ao planejamento, a ousadia e aos danos à sociedade algumas ordens de grandeza na escala dos atentados terroristas até então registrados. Muito antes do ato terrorista infligido às torres gêmeas do World Trade Center, especialistas norte-americanos em antiterrorismo, alertavam para a probabilidade não remota de um atentado terrorista que utilize um artefato nuclear à base de Urânio ou Plutônio altamente enriquecidos, denominados na literatura especializada de combustível nuclear weapon-grade: grau de enriquecimento para arma nuclear, aproximadamente de 90% para o Urânio no isótopo 235 e 93% no isótopo 239 do Plutônio. Entre estes estudiosos, há previsões que variam entre 10 a 50% que um atentado desta natureza e magnitude possa ocorrer ainda dentro desta década. Uma arma nuclear de Urânio requer em torno de 50kg deste material e uma de Plutônio, de 6kg. Atualmente há aproximadamente duas mil toneladas de Urânio e quinhentas toneladas de Plutônio altamente enriquecidos espalhados pelas potências nucleares e sujeitos a uma falível estratégia de segurança, principalmente em algumas regiões da Rússia, cujas cidades serviram de instalações de enriquecimento e montagem de armas nucleares ativamente durante quase quarenta anos. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), relatou mais de uma dezena de furtos de material nuclear para uso em armas nucleares nas duas últimas décadas. O fator predominante na suspeita de que grupos terroristas possam utilizar um artefato desta natureza para planejar um atentado, leva em consideração não somente a possibilidade de furto deste material nuclear, mas outra realidade incontestável: a desconcertante simplicidade relativa do método de detonação de um artefato nuclear semelhante à bomba atômica que destruiu Hiroshima. Fundamentalmente existem dois tipos de mecanismos de detonação de armas nucleares: o método da implosão e o método da bala de 138| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 137-144| 2015


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canhão ou balístico. Ambos são eficazes em levar o combustível nuclear (Urânio ou Plutônio) de uma condição subcrítica (incapaz de explodir espontaneamente) a uma condição supercrítica, necessária para que o mesmo exploda. Devido à enorme profusão de material técnico e científico sobre estes métodos na literatura aberta e à facilidade com que atualmente é possível obter os componentes necessários à confecção de um artefato nuclear, dos explosivos convencionais necessários para a ignição da bomba aos materiais que compõem os mecanismos de detonação, o risco de um atentado desta natureza é real. O método da implosão, historicamente utilizado para o Plutônio numa bomba teste e em outra bomba lançada sobre a cidade de Nagasaki, no Japão, é bastante complexo no tocante ao mecanismo de detonação do combustível nuclear. A dificuldade inerente deste método, que consiste na montagem de lentes explosivas capazes de conduzir o combustível nuclear à condição supercrítica num curtíssimo intervalo de tempo (da ordem de microssegundos) deve comprimi-lo rigorosamente na forma esfericamente simétrica. Embora o projeto e a construção de tal mecanismo ofereça bastante dificuldade técnica, não é impossível de ser realizado por um grupo terrorista competente, que disponha de recursos materiais e local conveniente para testes sigilosos. O método balístico, em contraposição, é de uma simplicidade perturbadora e se isto não bastasse para aumentar a desconfiança das agências de segurança antiterroristas, ele é tecnicamente recomendável somente para o Urânio 235, um combustível nuclear que do ponto de vista da preferência de um grupo de pessoas que atuam na clandestinidade seria o ideal por várias razões, dentre elas: é o mais abundante entre os combustíveis para armamento nuclear além de ser pouco radioativo, propriedade física que facilita seu manuseio e o transporte através de sistemas de detecção. A quantidade necessária para uma arma nuclear de Urânio 235, em torno de 50kg, ocuparia um volume menor que o de uma bola de futebol portanto, de fácil portabilidade. Para induzir o Urânio 235 à condição de explosão por este método, basta juntar duas peças subcríticas deste combustível a uma velocidade inferior à supersônica, tarefa possível com explosivos convencionais como elemento propulsor. O projeto que tinha por objetivo a idealização e construção das armas nucleares em território norte-americano, iniciado em 1942 e concluído objetivamente em Julho de 1945 com a construção de três ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 137-144| 2015 |139


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bombas atômicas, foi denominado de Projeto Manhattan. A um custo final equivalente a 23 bilhões de dólares em valores atuais, mobilizou duzentas mil pessoas em cinco estados e reuniu centenas de cientistas, engenheiros e milhares de técnicos das mais diversas áreas. Entre os cientistas que participaram deste projeto oito já haviam recebido o prêmio Nobel e doze foram laureados com o mesmo prêmio após o término da Segunda Guerra Mundial. No entanto, esta magnífica empreitada não precisa ser retomada por um grupo de pessoas que tenham por objetivo a construção de uma arma nuclear rudimentar: basta compreender os mecanismos de funcionamento do produto final. É assim com qualquer tipo de tecnologia pré-existente: a reprodução de um dispositivo tecnológico independe das pesquisas teóricas e dos exaustivos testes experimentais que levaram à sua concretização. O projeto de armas nucleares idealizado por um Estado é expediente por demais complexo. Um país que tenha pretensões de tornarse nuclearmente armado, além de tentar convencer o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) da necessidade de assumir tal posição militarmente estratégica, terá de travar a infrutífera batalha de se sobrepor ao TNP-Tratado de Não Proliferação Nuclear (se signatário deste tratado), no qual um dos principais objetivos está o de impedir que outros países, além dos que já reconhecidamente possuem armas nucleares (EUA, Rússia, Inglaterra, França, China, Paquistão, Índia e Israel), tornem-se potências nucleares. Atualmente presenciamos a ofensiva do Conselho de Segurança da ONU contra dois países que conduzem projetos de construção de bombas atômicas: a República Islâmica do Irã (signatária do TNP) e a República Democrática da Coréia (Coréia do Norte), não signatária do TNP. A dificuldade para que um país torne-se militarmente nuclear não esbarra somente nos trâmites legais de tratados internacionais de não proliferação nuclear, mas também na complexidade técnica. Os combustíveis nucleares necessários para suprir as bombas atômicas não são objetos de comércio internacional; o Urânio tem de ser produzido em onerosas instalações de enriquecimento e a produção de Plutônio é realizada em reatores nucleares especificamente projetados com este propósito. Além disso, ainda restaria uma etapa não menos complexa que é a criação do veículo de lançamento das armas nucleares aos seus alvos, fruto de projeto de mísseis balísticos. Contrariamente, um grupo terrorista que tenha pretensão de fazer uso deste tipo de armamento, em tese teria 140| ENGENHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 137-144| 2015


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como maior empecilho aos seus objetivos a obtenção de quantidade suficiente de combustível nuclear. O “lançamento” do artefato poderia ser feito a partir de qualquer veículo convencional, como um furgão, um microônibus, ou mesmo a partir da sala de um apartamento, garagem, etc. Uma arma nuclear é tão poderosa que em princípio, não importa o seu local de detonação. Durante muitos anos após o final da Segunda Guerra Mundial os segredos da bomba atômica permaneceram inacessíveis ao cidadão comum e para a maioria dos cientistas do mundo todo. Aos poucos as características técnicas daquele objeto foram sendo timidamente reveladas, até chegar aos dias atuais, onde é possível encontrarmos detalhes dos mecanismos de funcionamento das duas bombas atômicas que arrasaram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, disseminados em todas as formas de mídia. O início da divulgação dos aspectos teórico e técnico das armas nucleares ocorreu durante o governo do presidente norte-americano Harry S. Truman em 12 de Agosto de 1945, apenas três dias após o ataque à cidade de Nagasaki, através de um documento de pouco mais de duzentas páginas que ficou conhecido como Relatório Smyth, codinome para Energia Atômica para Fins Militares. Elaborado com a finalidade de divulgar informação básica sobre armas nucleares o texto teve como principal foco uma prestação de contas do governo estadunidense com o contribuinte norte-americano, financiador do Projeto Manhattan. O Relatório Smyth foi revolucionário do ponto de vista de que seu conteúdo fez o primeiro contato entre o cidadão comum e os princípios básicos no interior do invólucro de aço das bombas atômicas. Todas as informações sobre armas nucleares que fariam parte de livros de divulgação científica e de enciclopédias pelos anos seguintes tiveram como base o conteúdo abrangido pelo Relatório Smyth. Decorridos quase setenta anos da criação e uso das primeiras armas nucleares, o nível de informação sobre estes objetos, outrora consideradas confidenciais e fruto de inúmeros casos de espionagem empreendidos por Estados interessados em tornarem-se nuclearmente armados, chegou a um ponto de saturação. O que se nota ao pesquisar a imensa quantidade de material sobre o tema é que um grupo terrorista bem organizado teria subsídios suficientes para construir um artefato nuclear rudimentar cuja complexidade de projeto situe-se no contexto tecnológico do ano de 1945. ENGeNHARIA - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 1| n.1|p. 137-144| 2015 |141


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Diz a mitologia grega que Pandora, a bela mulher criada por Zeus, ao abrir a lendária Caixa de Pandora, libertou ao mundo todos os males que atormentariam a humanidade, sobrando em seu interior apenas a Esperança. O Relatório Smyth não tinha o conteúdo nem a mínima pretensão de se comparar à importância do mito grego para o pensamento humano, mas ele abriu um precedente temerário de divulgações científicas sobre as armas nucleares ao tornar público as primeiras e até então únicas informações sobre estes objetos desenvolvidos nos dois anos e meio do Projeto Manhattan. A verdade é que muito pouco sobrou na “caixa de segredos” da bomba atômica após as inúmeras publicações sobre o assunto ao longo de décadas. Como o futuro da humanidade depende, além da abstrata esperança, de ações concretas, enquanto subsistir a salvaguarda eficaz dos estoques de Urânio e de Plutônio altamente enriquecidos, assim como no mito de Pandora, existirá a crença de que atentados terroristas utilizando armas nucleares nunca ocorram em lugar algum do mundo.

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REFERÊNCIAS Dados sobre o livro “A Bomba Atômica Revelada – a recriação da bomba atômica através da literatura aberta.” Editora: Appris – Curitiba, PR. Ano: 2013. Número de páginas: 237 Prêmio Jabuti de Literatura de 2014: finalista entre os dez melhores livros em território nacional na categoria de Ciências Exatas, Tecnologia, Informática e Divulgação Científica.

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