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Revista Desassossegos vol 7 (ISSN 2595-6566)

SUMÁRIO

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MIL FACES SECRETAS

QUILOMBOS IN PAPEL: PERIFERIAS CONTRA O

APARTHEID EDITORIAL BRASILEIRO por Nivaldo Brito

LENTE DE AUMENTO

A NATUREZA CIVILIZADA: DESTRUIÇÃO NA ESTEIRA DO PROGRESSO por Gustavo F. Olesko

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7 OLHOS

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EDITORIAL por Daniel José Gonçalves

SOBRE A TELA

CORINGA: UM RETRATO DA SOCIEDADE NO ESPELHO por Joel Júnior Cavalcante

CONTRARREGRA

PENSANDO UM MUNDO PÓS- PANDEMIA: O ACERTO DE CONTAS, O AGRADECIMENTO E AS EXPECTATIVAS DO FUTURO por Ana Claudia Santano

AGOUROS DA ÁGORA

UBERIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO por Rondnelly Diniz Leite

GAZETAS

O PECADO DAS MULHERES por Isabella Martins

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38 ÓCIOS

PALAVRAS MAIORES

A SABEDORIA DO AMOR: CONHECIMENTO PODEROSO por Giselle Moura Schnorr

LEITURAS

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NO CINEMA A PARTIR DOS LIVROS A MÍSTICA FEMININA (BETTY FRIEDAN) E O MITO DA

BELEZA (NAOMI WOLF) por Natália Bocanera Monteiro Latorre

DESASSOSSEGOS

ENTREVISTA com Adriana Carrijo por Raquel Zanini

A VASSOURA DE CARQUEJA

por Luís Henrique Pellanda

Revista Desassossegos: Absurdemos a vida, de leste a oeste Publicação Semestral. V. 7, n. 2, 2021. ISSN 2595-6566

Comissão editorial Daniel José Gonçalves Professor - Instituto Federal do Paraná, Campus Telêmaco Borba

José Aparicio da Silva Professor - Instituto Federal do Paraná, Campus Pinhais

Mayco A. Martins Delavy Professor - SEED-PR

Arte da capa Dyego Marçal sobre a obra A ronda de prisioneiros, de Vincent van Gogh, 1890.

Projeto gráfico e diagramação Dyego Marçal

Revisão Daniel José Gonçalves

Fotografias Arthur Faria Amorim Daniel Carvalho

Ilustração Ana Pérola Oliveira da Silva Estudante do Ensino Médio - EEB Maria Rita Flor, Bombinhas - SC

Editor Instituto Federal do Paraná Campus Telêmaco Borba Rodovia PR 160 - Km 19,5 Jardim Bandeirantes CEP 84269-090 Telêmaco Borba - PR

Contato revistadesassossegos@gmail.com (42) 98424-3225 Envie seu artigo, crítica ou sugestão.

Venda proibida. Distribuição gratuita.

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião dos editores e do Instituto Federal do Paraná. A reprodução parcial dos textos é permitida desde que devidamente citada a fonte e autoria.

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43OLHOS SOBRE A TELA

CORINGA: UM RETRATODA SOCIEDADE NO ESPELHO

Cena do filme Joker

por Joel Júnior Cavalcante

Consegui (com o atraso), nesses dias estranhos, assistir ao filme Coringa (Joker - Warner, 2019), estrelado pelo ator Joaquin Phoenix. Filme que é o resultado de uma explosão social que começa com a explosão de um indivíduo. Arthur Fleck, o Coringa, é um outsider, um desajustado, um humorista frustrado que, após fracassar em tudo na vida, devolve à sociedade sua vingança e ressentimento. Ridicularizado, incompreendido, começa a empreender uma série de crimes, tornando-se símbolo da convulsão social empreendida por uma massa de sujeitos insatisfeitos. A explosão catártica do personagem

central do filme nos faz pensar no fracasso de todas as instituições: não apenas na falência e sucateamento das redes de proteção à saúde pública e mental, que o filme brevemente denuncia, mas também o fracasso da família, do Estado, das instituições de reinserção etc. Durkheim e, por que não, Marx e Freud mandam aquele abraço!

É uma trama que demora a ser digerida. A imagem do personagem “palhaço maluco”, mergulhado em seus dramas, fica nos perseguindo por dias. É um filme que trata da anomalia social de nossos tempos, de uma sociedade sempre tensionada, prestes a esgarçar seu tecido, na iminência da explosão,

como os segundos finais da clássica cena dos filmes de ação em que o protagonista, com tremores e suando frio, deve cortar um dos dois fios: apenas um salva a sua existência. É um retrato sensível da tragédia humana, que traz a imagem poética do palhaço triste, rindo por fora, despedaçado por dentro. O riso histérico e incontido do personagem revela a trágica loucura fruto de uma sucessão de frustrações pessoais. Reedita o clássico arquétipo e estético do palhaço triste, que chora e é infeliz secretamente, do Pierrot e sua infelicidade secreta. Fenômeno que, aliás, tem encontrado grande vazão na realidade, já que não são poucos os relatos da relação íntima, aparente-

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CONTRARREGRA

PENSANDO UM MUNDO PÓS-PANDEMIA: O ACERTO DE CONTAS, O AGRADECIMENTO E AS EXPECTATIVAS DO FUTURO

por Ana Claudia Santano

Ano passado, escrevi para

esta mesma revista sobre a pandemia, o genocídio (que ainda estamos vivendo) e a minha insistência em acreditar em dias melhores. Pois bem: passado exatamente um ano do envio daquele artigo, volto à folha de papel para escrever sobre o momento que nos espera, aquele em que todas e todos que sobreviveram poderão contar essa dolorosa história sobre como o Brasil chegou onde chegou.

Li há alguns dias um artigo no jornal Folha de São Paulo que falou muitas coisas as quais eu queria trazer aqui. O texto versava sobre agradecimento, uma grande gratidão para as pessoas que fizeram de tudo para que a pandemia não fosse ainda pior do que ela foi até agora (e continua a ser, afinal, ainda não acabou). Identifiquei-me muito com o

texto, pois faço minhas aquelas palavras de carinho para todo mundo que fez de tudo para proteger os seus e a sociedade.

Eu mesma, que tomei a sério todo o confinamento e que enfrentei as suas consequências, não me arrependo nem um pouco de não ter caído na sedução da minimização da desgraça coletiva, nem nos impulsos egoístas que sempre estão conosco. Mas isso não me faz uma pessoa melhor, moralmente superior, e é por isso que o acerto de contas não deve ser minha responsabilidade. Não me cabe apontar dedos a quem eu acho que errou ou que não procedeu como deveria. Porém, entendo que cabe a mim reconhecer e agradecer muito àqueles que, como eu, tomaram essa decisão de se privar da vida normal, na esperança de que o futuro, sem esse vírus tão terrível, chegasse antes.

Meus sentimentos perante a realidade mudaram consideravelmente desde que tomei as duas doses da vacina. Agradeci o esclarecimento que a vida me deu para também não cair na armadilha dos sommeliers de vacina. Fiquei sinceramente emocionada as duas vezes que fui até o postinho e, mesmo sendo muito politizada e bastante crítica com absolutamente tudo o que vem ocorrendo no Brasil, aquele momento eu não queria que fosse uma lembrança agressiva, de raiva ou de revolta.

Tomei a vacina feliz, com aquele sentimento de profundo agradecimento às enfermeiras, à ciência, a tudo que me permitiu ter aquilo no meu braço. O momento ficou ainda mais especial para mim, porque quando fui tomar a primeira dose, pela primeira vez peguei o carro e fui dirigindo sozinha. Isso mesmo! Eu aprendi a dirigir durante a pan-

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AGOUROS DA ÁGORA

UBERIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

por Rondnelly Diniz Leite

Agouros da Agora

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Este artigo tentará contribuir com uma análise bem concisa do processo de plataformização do trabalho ou, em outros termos, do processo de uberização do trabalho. A partir do fim do Estado de Bem- -estar Social, com a crise do petróleo de 1973, entramos em uma nova etapa do processo de acumulação do capital. Trata-se do que David Harvey designou “acumulação flexível”, isto é, o processo de financeirização do capital, cuja expressão político-econômica é o Neoliberalismo. Essa nova etapa é marcada, simultaneamente, por um novo paradigma de gestão da força de trabalho e por mudanças tecnológicas, decorrentes da Terceira Revolução Industrial. É a era do trabalho polivalente, da Tecnologia da Informação e Comunicação e da desregulamentação do trabalho. Em nossos dias, essas características assumem uma dramaticidade perversa com o surgimento das plataformas digitais, cujo paradigma é a empresa Uber. Esse fenômeno pode ser definido como uma nova modalidade de controle e gerenciamento do trabalho articulado a um processo de informalização,

que leva ao estabelecimento da figura do trabalhador sob demanda ou prestador de serviço. Nesse sentido, as mudanças organizativas no processo de trabalho, aliadas à Tecnologia de Informação e Comunicação, não servem ao propósito da eficiência ou racionalidade na condução do processo de trabalho, senão à maneira como a luta de classes ganha efetividade (Wirklichkeit) nas estruturas de controle e comando da produção, procurando disciplinar o trabalho e o trabalhador e viabilizar o processo de acumulação do capital. Entretanto, antes de nos lançarmos nessa empreitada, é imperioso que travemos um diálogo rememorante com a tradição do pensamento liberal e com a crítica marxiana para podermos indicar a origem desse processo de exploração do trabalho e seu destino sócio-histórico nos últimos três séculos.

O filósofo inglês John Locke (1632- 1704) considera o trabalho como sendo o fundamento da propriedade privada. Na medida em que os seres humanos atuam sobre algum ente natural, eles acrescentam algo ao que foi submetido à sua ação, convertendo-

-o em sua propriedade. Portanto, aquilo que está à disposição de todos os homens na natureza pode ser apropriado privadamente, porque os seres humanos agregam sua individualidade àquele ente natural em virtude do esforço empregado, ou seja, do trabalho realizado.

Entretanto, coerentemente, Locke propugna que essa apropriação deve coadunar com um pressuposto de seu pensamento de que ela deve acontecer, porquanto reste o “suficiente aos outros, em quantidade e qualidade”. Por isso, o direito de uns não pode implicar em uma diminuição ou, no limite, no fim do direito dos outros. Porém, como o filósofo inglês resolve o problema da acumulação para além da subsistência, própria do capitalismo?

Para responder a essa questão, Locke afirma que o princípio da igualdade pressupõe o preceito da parcimônia no usufruto das provisões comuns. Com o fito de justificar a apropriação para além do que é necessário para viver, o pensador desloca esse preceito para a esfera do mercado, onde esse

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GAZETAS

O PECADO DAS MULHERES

Foto de cottonbro no Pexels

por Isabella Martins

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Há um tabu em torno da menstruação que leva esse processo natural do ciclo reprodutivo feminino a ser visto como algo nojento, vergonhoso, um tipo de “pecado”, e que, portanto, deve ser escondido. Essa estigmatização faz com que a menstruação seja um tema interditado, gerando desinformação

e insegurança, especialmente, nas mais jovens. Não bastasse isso, devido à vulnerabilidade social, muitas mulheres, meninas e jovens ainda precisam enfrentar a “pobreza menstrual”, que consiste nas faltas de produtos básicos para cuidar da higiene menstrual e infraestrutura sanitária adequada, e que tem como principais agravantes justamente a desinformação e a carência

de assistência social. Dessa forma, por se tratar de um problema social e de saúde pública que afeta a vida de milhares pelo país afora, é urgente desmistificar o tema da menstruação e combater as consequências da estigmatização, desinformação e pobreza menstrual.

Uma pesquisa realizada em 2013, pelo IBGE, mostra que 90% das mulheres come-

MIL FACES SECRETAS

Foto de Daniel Carvalho

QUILOMBOS IN PAPEL: PERIFERIAS CONTRA O

APARTHEID EDITORIAL

BRASILEIRO por Nivaldo Brito

Partindo do pressuposto que a escrita e a leitura são formas de intervenções no mundo, pensar a produção literária feita nas periferias brasileiras tem sido um desafio urgente e necessário para o entendimento de aspectos socioculturais mais amplos destes dias. Ao longo dos últimos séculos, formou-se no Brasil uma série de publicações que apresentam personagens marginais/marginalizados e pretendem expor e compreender, através da literatura, hábitos, peculiaridades e questões socioculturais inerentes aos indivíduos que habitam as bordas da cidade/sociedade. De Aluísio de Azevedo a Jorge Amado, não faltam exemplos de autores que exploraram a periferia como base (quase personagens) para seus projetos literários e desenvolveram inúmeros estereótipos. Esse tipo de produção traz diver-

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LENTE DE AUMENTO

A NATUREZA CIVILIZADA: DESTRUIÇÃO NA ESTEIRA DO PROGRESSO

Lente de Aumento

por Gustavo F. Olesko

A

reflexão acerca da destruição desenfreada que se assiste no Brasil e no mundo na questão da natureza é indispensável. Por um breve instante, o título deste texto foi “Natureza ou barbárie”. Contudo, pensando com calma, esse título não seria válido, uma vez que quem destrói a natureza não é o bárbaro, mas sim o civilizado. O desenrolar de uma crise ambiental há muito tempo posta em nossa cara só ganhou as manchetes, ainda que de forma tímida, durante a pandemia. Há décadas que há um debate longo e profícuo sobre a devastação da natureza dentro de círculos críticos. No entanto, foi somente com o novo relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change, da ONU), lançado no início de agosto de 2021, que se viu um pouco de preocupação e divulgação na grande mídia. Porém, dois problemas surgem já nas notícias: primeiro, que se trata de uma questão de ordem global e que está totalmente conectada com o modo capitalista de produção, o que é ignorado ou eclipsado

nas notícias e no próprio relatório; segundo, a defesa de que as mudanças necessárias possam partir de ações individuais e/ou de Estados, a partir de elementos meramente sociais e não político-econômicos. São esses os pontos que se busca aqui esmiuçar.

A expansão do modo de produção capitalista ao largo do globo é relativamente recente. Alguns pensadores da chamada teoria decolonial, marxistas ou não, defendem que foi somente com a Revolução Industrial, que comumente se trata como iniciada em meados do século XVIII, que o capitalismo criou as bases para, no século XIX, passar a dominar o mundo. Rosa Luxemburgo, em sua obra magistral sobre a acumulação de capital, discorre também sobre tal processo e crava: a continuidade do capitalismo, a produção de capitais e a subsequente reprodução ampliada só é possível através da subordinação de modos de produção distintos ao capitalista sob seu comando. Passado muito tempo e muito debate, se pode concluir que

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PALAVRAS MAIORES

A SABEDORIA DO AMOR: CONHECIMENTO PODEROSO

Foto de lilartsy no Pexels

por Giselle Moura Schnorr

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LEITURAS A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NO CINEMA A PARTIR DOS LIVROS A MÍSTICA FEMININA (BETTY FRIEDAN) E O MITO DA BELEZA (NAOMI WOLF)

Leituras

por Natália Bocanera Monteiro Latorre

O feminismo não é uma luta nova, em que pese sua atual evidência. Muito embora tenha se consolidado como movimento há relativamente pouco tempo, é certo que os desafios enfrentados pelas mulheres para o alcance da igualdade de gênero não encontram um fim. E talvez nunca o encontrem. Com o advento das mídias sociais, o feminismo tornou-se acessível, evidenciando a urgência de uma mudança de postura e reestruturação social.

A influência das linguagens artísticas na formação cultural e educação não só salta aos olhos como é fundamental para a construção social. Não só a arte imita a vida. A vida imita a arte, certamente. E o cinema vem espelhando e influenciando tempos.

De tal premissa, abordemos, brevemente, a representatividade feminina no cinema (ou a falta dela) e sua influência na sociedade ocidental a partir dos livros A

Mística Feminina e O Mito da Beleza, aventando como o cinema auxilia no processo de formação de pensamento crítico.

O livro A Mística Feminina, de Betty Friedan, foi publicado em 1963 e se tornou um marco para a segunda onda feminista. O livro refletiu um complexo estudo feito pela autora sobre mulheres num contexto pós 2ª Guerra Mundial. Havia um incentivo de reestruturação econômica e levante capitalista que retirou as mulheres do mercado de trabalho para ceder espaço aos homens sobreviventes do conflito, alocando-as no ambiente privativo do lar, sendo amplamente disseminada a ideia de que a mulher pertencia ao lar, e que seu objetivo de vida consistiria em casar-se, ter filhos e zelar pela família.

Às mulheres foi incutida a ideia do consumismo em resposta à necessidade de alimentação do setor industrial da época. A autora constatou nas mulheres estudadas um aumento significativo de casos de depressão e doenças mentais, e buscou

descobrir as origens de tal problemática, a chamada “mística feminina” ou “problema sem nome”, que parecia perseguir silenciosamente o feminino da época.

O dito “problema sem nome”, em linhas muito simples, consistia em um sentimento de vazio e angústia que as mulheres silenciosamente compartilhavam, e que se conclui estar atrelado à falta de objetivo e à ausência de um papel social fora dos lares.

Nesse contexto, o cinema exerceu grande influência na reprodução da figura feminina como pertencente ao âmbito doméstico. Tratava-se de uma imposição velada e implícita. Vendia-se a imagem da mulher ideal tal como a mística exigia, ideia que passou a ser reformulada e repensada a partir da publicação do livro de Friedan.

Importante considerar que Hollywood foi construída sob ótica masculina, branca e heterossexual. Dessa forma, nos termos da “mística”, as mulheres retratadas no cinema rememoravam seus impostos papéis sociais

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Arquivo Pessoal. Adriana Carrijo

DESASSOSSEGOS ENTREVISTA

com Adriana Carrijo por Raquel Zanini

“Com o isolamento social, a quebra da convivência, as novas formas de conviver, de participar, trocar, existir, adoecemos mais. Mas o que faremos diante disso?”

A

professora Adriana Carrijo, pós-doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é, desde 2009, coordenadora do Núcleo Rio de Janeiro (regional RJ) da Associação Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO. Atualmente, é professora adjunta e chefe do Departamento de Estudos da Infância da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Desenvolve importante trabalho de articulação entre a Psicologia e a Educação, marcado pela ampla experiência tanto como docente na UERJ quanto por sua atuação clínica há mais de vinte e sete anos.

Nesta entrevista concedida via e-mail, com base na prática reflexiva e atenta ao contexto social, Carrijo aborda aspectos sobre saúde mental em tempos de pandemia e seus reflexos na sociedade, de forma geral, e na escola, de forma particular.

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ÓCIOSA vassoura de carqueja

Luís Henrique Pellanda

Deixaram a festa de casamento, na paróquia

da noiva, no fim da tarde. Foram os últimos a sair. O noivo tinha emprestado um caminhãozinho Ford para a pequena viagem de volta para casa, na aldeia. Sua família tinha partido logo depois do almoço, de carroça. Evitaram viajar à noite. Tinha chovido muito pela manhã e estava quente demais. Se chovesse de novo, a estrada ficaria intransitável, e não queriam correr o risco de atolar no escuro, no meio do mato.

A noiva, por sua vez, nem sabia o que a esperava. Nunca tinha saído de seu povoado. Nunca tinha estado na roça. Aquele casamento, como era de costume, havia sido arranjado por um de seus irmãos, amigo e sócio do noivo num armazém recém-inaugurado. Vendiam embutidos, queijos, café, açúcar, fumo, ferramentas. A noiva nunca tinha visitado esse armazém, nem sabia direito onde ficava. O próprio noivo, para ela, era quase um desconhecido. Morava longe, era dez anos mais velho, e tinham estado juntos, no máximo, meia dúzia de vezes.

Já rodavam fazia duas horas quando anoi-

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