ESPRESSO #01 . JUNHO 2017
E MAIS...
BELAS ARTES
A luta para salvar o cinema de rua
Editora Cásper
JOCKEY Os novos rumos do hipódromo
SP SUBTERRÂNEA
Lugares para conhecer o subsolo da cidade
A São Paulo de
ADONIRAN BARBOSA Um roteiro por lugares que marcaram a vida e a obra do sambista mais caricato do país
CARTA ESPRESSO AO LEITOR EXPEDIENTE Gabriele Martinez
A
cidade de São Paulo é a nossa grande inspiração. Entre suas tantas nuances, a Revista Espresso busca trazer um olhar histórico-cultural sobre a metrópole, aliando a prestação de serviço comum às publicações de turismo e a profundidade de conteúdo própria do jornalismo humanizado. Apostando principalmente no formato de reportagem, aborda temas de editorias de Cultura, Arte, Gastronomia, Esportes, Turismo e Entretenimento. Idealizada e produzida por alunas do segundo ano do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, todas as integrantes compartilharam as funções de repórter, fotógrafo, designer e editor, trazendo algumas matérias como um roteiro por lugares que marcaram a vida de Adoniran Barbosa, um retrato do atual momento de incertezas pelo qual passa o Jockey Club e um panorama sobre o movimento que lutou para salvar o tradiconal cinema Belas Artes. O objetivo é atribuir ao turismo de São Paulo algo fora do “clichê”, mergulhando em um universo pouco conhecido, mas com grande potencial a ser explorado e divulgado. Os agradecimentos da Revista Espresso vão para nossos orientadores do projeto, a professora Candida Almeida e o professor Rodrigo Ratier; à Júlia Molinari pela contribuição com as ilustrações de algumas das matérias produzidas; e não menos importante, à cidade de São Paulo que tanto encanta nossa equipe. São Paulo é para quem sabe ver cor no horizonte cinzento. É ordem em meio a desordem. Paraíso das coisas excêntricas. É liberdade para ser aquilo que quiser. Praticamente um país inteiro. É nosso caos favorito. Boa leitura!
Giovanna Forcioni Isabella Molinari Maria Teresa Lazarini Nicole Vasselai Sabryna Monteiro
Editora Cásper Publicação experimental para fins exclusivamente acadêmicos, desenvolvida pelos alunos do 2º ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero no ano de 2017
Orientação: Cândida Almeida Rodrigo Ratier
ÍNDICE ESPORTE•TRANSFORMAÇÃO
TURISMO•GASTRONOMIA
ARTE•ARQUITETURA
06 08 11 14 18 22 31 34 36 40 46 50
OLHAR PAULISTANO Moradores contam o que SP representa para eles
CAIXA BELAS ARTES A luta para salvar o tradicional cinema de rua
PRAÇA DA NASCENTE
A revitalização da antiga praça da Avenida Pompeia
FOTORREPORTAGEM
Os traços arquitetônicos da Escola Paulista Brutalista
PERFIL
A história da grafiteira Bela Gregório
A SP DE ADONIRAN
Roteiro por lugares que marcaram a vida do sambista
ESTAÇÃO DA LUZ
Um passeio pela história do cartão-postal paulistano
LEMNI CAFÉ
O pioneiro do movimento anti-café em SP
SP SUBTERRÂNEA
Lugares para conhecer o subsolo da cidade
JOCKEY CLUB
A crise e os novos rumos do hipódromo
PALESTRA ITÁLIA
O antes e o depois do estádio do Palmeiras
CRÔNICA Os doentes das Clínicas
OLHAR PAULISTANO
OPORTUNIDADE é onde todos podem realizar seus sonhos
HISTÓRIA
onde eu posso descobrir o passado e viver o presente
Beatriz de Barros estudante de psicologia
Luis Fernando Martinez inspetor de qualidade
PERTENCIMENTO
SUCESSO
é o lugar onde eu nasci, onde me sinto em casa
Camila Koblinsky estudante de administração
SÃO PAULO SIGNIFICA
DINAMISMO
é onde a cada segundo há uma coisa nova para se fazer Pedro Farina estudante de jornalismo
ATUALIDADE
o que é o Brasil de hoje, com todos os seus problemas e dificuldades Henrique Serra estudante de arquitetura
aqui posso fazer o que eu gosto e ser bem-sucedida Michelle Hartmann estudannte de design
INTENSIDADE
entre carros, prédios e uma infinidade de atrações, é uma cidade de movimento Tamires Peres estudante de design
LIBERDADE
aqui todo mundo pode se expressar como quiser sem ser julgado por isso Gabriela Nogueira estudante de moda
ESPRESSO URBANO
Histรณrias que sรณ Sรฃo Paulo pode te contar
ARTE•ARQUITETURA
08 JUNHO 2017
A LUTA POR UM PATRIMÔNIO AFETIVO tradicional Em um apelo pela salvação do cinema de rua, o então Entre 2011 e 2014, São Paulo presenciou o maior movimento da história brasileira em defesa de um patrimônio cultural: o cinema Belas Artes foi reaberto graças ao clamor dos paulistanos POR TERESA LAZARINI
Até janeiro de 2011, o número 2423 da Rua da Consolação tinha resistido por 68 anos. Entretanto, o Cinema Belas Artes, que já havia passado por graves crises financeiras no passado, se viu frente ao que parecia um rumo natural de patrimônios culturais em uma São Paulo comercial: o patrocínio econômico do banco inglês HSBC foi retirado em 2010 e o proprietário do imóvel, Flávio Maluf, subiu o aluguel de 65 mil para inalcançáveis 115 mil reais.
exibidor do Belas Artes André Strum buscou um diálogo com o proprietário do imóvel, tentando conciliar a faixa de preço para 85 mil reais. A conversa não foi efetiva. A ideia de sediar uma loja de departamento numa das ruas mais movimentadas de São Paulo era muito mais rentável. Sem respaldo do poder público, o ponto de encontro de amantes da sétima arte teve de fechar em 27 de janeiro de 2011, deixando mais de seis décadas de história para trás. Indignados com o fim de um dos poucos sobreviventes do cinema de rua, frequentadores do Belas Artes se uniram para tentar preservar a memória do espaço. Cartazes com protestos como “Salve o meu cinema” e “Cine Belas Artes: uma máquina de sonhos, não de dinheiro” foram erguidos em três passeatas na Av. Paulista em fevereiro de 2011. As súplicas, entretanto, não foram suficientes. “Se a gente quisesse reabrir o cinema, era necessário ter um núcleo que organizasse um plano de ação e buscasse saídas e propostas concretas”, comenta Eliane Manfré, ativista do Movimento
Fundado como Cine Ritz Consolação
Reaberto agora com seis salas, é o primeiro multiplex da América Latina
1943
1983 1982 Incêndio de causas desconhecidas: salas Portinari e Villa-Lobos queimadas
Belas Artes (MBA), iniciativa criada para salvar o cinema. A primeira medida encontrada pelo movimento, composto na época por cerca de 50 integrantes, foi a realização de um manifesto que circulou pelas redes sociais e pelas ruas de São Paulo. Em um ano de divulgação do anúncio, mais de 90 mil pessoas assinaram em defesa da reabertura do patrimônio, tanto online como presencialmente. Dentre elas, o MBA conseguiu colher nomes de defensores da cultura como o diretor de teatro Zé Celso e o vereador Nabil Bonduki. Depois de extensos diálogos com a Prefeitura, o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) tombou em 2012 o edifício onde funcionou o Belas Artes, o que se referia à fachada e aos primeiros quatro metros interiores a partir dela. Isso, por si só, não garantia que o local continuasse abrigando um cinema. O edifício estava abandonado e malcuidado. Para piorar, parecia que a gestão do prefeito Gilberto Kassab só engavetava as propostas do MBA, como percebeu João Brant, membro da Secretaria da Cultura da gestão seguinte. A mudança de cargos na Prefeitura não poderia ter sido em melhor ano. Em 2013, Fernando Haddad tomou posse e nomeou como Secretário Municipal da Cultura Juca Ferreira, quem já havia atuado como Ministro da Cultura no segundo governo Lula. Cientes da importância que a Prefei-
O cineasta André Strum reabre o cinema sob o nome HSBC Belas Artes
Reaberto como Caixa Belas Artes
2004
2014
2000
2011
Cinema fechado por falta de público e patrocínio
Fechado por falta de apoio da patrocinadora HSBC e preço de aluguel altíssimo REVISTA ESPRESSO 09
ARTE•ARQUITETURA
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4. Organizadores do Movimento na reabertura do cinema (da esq. para dir.: Fábio Ornelas, Eliane Manfré e Odete Machado) 5. Juca Ferreira assinando o contrato de parceria no anúncio da reabertura 6. Visitantes no primeiro dia do Caixa Belas Artes
1, 2 e 3. Manifestantes na primeira passeata contra o fechamento do cinema, em janeiro de 2011
tura tinha na reabertura do espaço, o MBA se reuniu na cerimônia da posse do prefeito na Câmara Municipal onde o novo representante dos interesses culturais dos cidadãos estaria presente. Eliane conseguiu alcançar Juca no final da cerimônia de posse e entregar uma carta com uma proposta para o Cine Belas Artes. “Nunca vou me esquecer”, disse ela. “O Juca falou que, para eu estar na Câmara no primeiro dia do ano, a proposta deveria ser bem séria. Prometeu ler com atenção e dar um retorno. Poucos dias depois, a assessoria dele entrou em contato, conseguimos marcar algumas reuniões e ele se comprometeu com a causa. ” Para concretizar a reabertura do patrimônio, um grande patrocínio era necessário, pois a prefeitura não conseguiria angariar a quantia necessária para a reforma e manutenção do espaço. Não era nem mesmo seu dever. João Brant, assessor de Juca Ferreira na época, conta que o verdadeiro papel da Secretaria da Cultura foi possibilitar um diálogo entre o proprietário do imóvel, o patrocinador e o exibidor André Sturm para que chegassem num acordo final. Após a abertura da CPI referente ao cinema e constante recusas de patrocínios por fundos como o Grupo 10 JUNHO 2017
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Pão de Açúcar, veio à tona o nome da Caixa Econômica Federal, banco público que já havia selado parcerias com o governo de Dilma Rousseff. “A ideia de a Prefeitura assumir o cinema passou na nossa cabeça, mas percebemos que aquele não era nosso papel, a prefeitura não tinha expertise nem estrutura para garantir isso. O que era importante era garantir que o cinema reabrisse e o contrato privado com a Caixa garantiu isso”, ressalta João Brant. O patrocínio selado com a Caixa em janeiro de 2014 estabelecia um auxílio de R$ 1,8 milhão anual, quantia suficiente para cobrir o aluguel do prédio imposto pelo proprietário Flávio Maluf. “E foi com esses três atores - o novo patrocinador, o
movimento social e a ação dos órgãos públicos - que a gente conseguiu reabrir o cinema”, comemora a ativista Eliane Manfré. A cerimônia de reabertura ocorreu em 19 de julho de 2014 com a presença de integrantes do Movimento Belas Artes, da Secretaria da Cultura, o prefeito Fernando Haddad, André Sturm e Flávio Maluf. O risco de fechamento foi adiado, mas não está de todo descartado. O cinema Belas Artes ainda vive pelo sustento anual da Caixa, que pode abandonar o patrocínio a qualquer momento. A luta do Movimento Belas Artes continua. O impacto dos cidadãos no espaço público também deve continuar, mas não só na Rua da Consolação.
MANIFESTO EM DEFESA DO BELAS ARTES (2011) Amparados na Constituição Federal, que inclui as “edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais” entre os bens que “constituem o patrimônio cultural brasileiro” (inciso IV do Artigo 126), defendemos o imediato tombamento do prédio da Rua da Consolação, 2.423, esquina com a avenida Paulista, onde funcionava o mítico Cine Belas Artes. Também demandamos das autoridades que lancem mão de todos os instrumentos necessários para reabrir o cinema. (...) Garantir o cinema de rua é valorizar um modo de vivenciar a cidade com seus bares, restaurantes, livrarias, as pipocas e as pizzas e os encontros com amores, amigos e conhecidos. É, acima de tudo, um exercício de cidadania – lugar de comunhão entre memória, cultura e afeto – que deve ser protegido e fomentado pelo Poder Público.
PRAÇA DA NASCENTE
SÍMBOLO DA REGENERAÇÃO DO ESPAÇO PÚLICO POR NICOLE VASSELAI
ARTE•ARQUITETURA
É
na esquina da Avenida Pompeia - localizada no bairro de mesmo nome - com a Rua André Casado que se encontra um lugar antes negligenciado. Invisível aos olhos dos moradores da região e do poder público, a Praça Homero Silva concentrava assaltos e violência, além de ter sido fonte de epidemias, como a dengue. Destino de lixo e ponto de drogas, o espaço público havia perdido totalmente sua potencialidade de troca, interação e convívio. Movido pela esperança e formado por moradores do bairro, surgiu o coletivo Ocupe&Abrace. O cenário abandonado de 12 mil m² era fruto do descaso e da falta de conectividade afetiva com o espaço, como afirma a arquiteta e filósofa Andrea Pesek. Membro do grupo de 15 cidadãos envolvidos
Escadaria de acesso à praça
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nesse projeto, ela conta: “Mesmo quem morava perto, dava a volta para não ter de passar pela praça”. Iniciada em abril de 2013, a mobilização foi impulsionada a partir de uma iniciativa da plataforma Cidade Democrática, que pedia sugestões de melhorias de bairros da cidade por parte dos próprios cidadãos. A proposta de revitalizar a praça Homero Silva foi uma das mais votadas e passou a ser a semente da transformação daquele ambiente. O local nunca havia chamado atenção de Andrea, até o dia em que ela teve o primeiro contato e percebeu o potencial de voltar a ser um meio natural. “Conheci a praça por acaso e por onde eu passava o chão estava molhado. Logo vi que ali poderiam ter nascentes”, explica a arquiteta.
TRANSFORMAÇÃO
Os sonhos das pessoas para aquele lugar chegavam ao coletivo por meio de relatos e passaram a delinear o que viria a ser a Praça da Nascente. Quando as ideias começaram a sair do papel, a enxada, acompanhada da boa vontade do grupo, tornou-se o principal instrumento de restauração. Sem esperar um retorno ou iniciativa do governo, cada um começou a fazer sua parte pela comunidade. Por meio de mutirões de limpeza, o espaço foi ganhando cores e vivacidade. “Deu muito trabalho porque tinha muito lixo”, afirma Andrea, “mas a gente vem aqui de sábado, pega na enxada e se enlameia todo. É divertido!”, completa, sorrindo. Ela também conta que a ajuda é mútua, mas cada um faz o que lhe agrada mais: uns preferem lidar com as instituições de poder, outros, como a Andrea, gostam de mexer com a terra. Conceituado como Bottom Up, o projeto leva esse nome por ser iniciado de baixo para cima - que parte da população e depois pode incluir o apoio do governo, algum patrocínio ou edital. O grupo optou por sustentar a proposta por conta própria. Atualmente, logo ao pisar na calçada envolta por árvores, no horizonte crianças se divertem nos brinquedos recém instalados e senhores conversam nos bancos espalhados entre mamoeiros e palmeiras. Os aparelhos de academia amarelos e azuis também refletem o clima de convívio que o ambiente proporciona, além de incentivar a saúde. O ar negativo e a sensação de medo e insegurança provocados pela antiga estrutura ficaram para trás. Uma página em branco foi preenchida com muito verde, água límpida e sinais de vida. O nome “praça” de fato começava a fazer sentido.
R. André Casado, 329, Perdizes ocupeeabrace.com.br facebook.com/PracaDaNascente
Placa de indicação da Nascente Cacimba; abaixo, um dos playgrounds da praça Em apenas alguns passos encontra-se o protagonista do verde: o lago, abrigo de inúmeros seres vivos e de oito nascentes do riacho da Água Preta. O movimento dos peixes e dos pequenos girinos exemplificam a pureza da água e sinalizam uma renovação do espaço. Além da parte verde, Andrea fala da importância da água tanto para a praça quanto para outros espaços urbanos. “São Paulo tem quase 2 mil cursos de água, todos soterrados e a gente não tem contato com essas águas e nem sabe que isso existe”, explica. Ela também se refere a esse fluido como elo de reconexão com o lugar e motivo da sensação de paz e calmaria.
assim. A transformação da parte biológica da praça permitiu a redução do número de Aedes Aegypti no bairro, principalmente sapos e peixes do lago se alimentam desses insetos. Uma moradora, inclusive, sentiu essa mudança. “Percebi que meus amigos de outros bairros comentavam da quantidade de mosquitos da dengue na casa deles. Na minha simplesmente não tinha e eu achei bem curioso”, relata Maria Martins, que vive no local há 19 anos. “A Praça da Nascente é um símbolo da possibilidade de regeneração da cidade pelos próprios cidadãos”, define Andrea. Apesar de representar o movimento de revitalização, esse fenômeno se estende cada vez mais a DENGUE outras áreas da cidade. A ideia O início de 2015 foi marca- de coletivos urbanos tem do pela epidemia de dengue em São ajudado a conectar Paulo. Nesse período não era raro encontrar mosquitos em excesso e ouvir relatos de pessoas contaminadas. Mas na região da Pompeia não foi
as pessoas aos territórios e transformá-los em espaços de compartilhamento. Foco de pesquisadores do mundo todo, a mobilização do Ocupe&Abrace coloca o dinheiro e a ação do Estado em segundo plano e prova que, mesmo com baixo orçamento, é possível reconstruir um lugar. Andrea inclusive comenta dos benefícios da cidadania e da união entre os próprios moradores para um ambiente melhor. Ela ainda resume a revitalização: “É resultado de um apoio mútuo, um aprende com o outro e isso só tende a aumentar”.
PERSPECTIVA
BRUTALISTA POR ISABELLA MOLINARI
O movimento arquitetônico inovador que rendeu alguns dos mais conhecidos e admirados edifícios paulistanos
Nas ruas de São Paulo, quem se depara em primeira mão com as grandes construções de concreto exposto e valorizado, apoiadas em delgadas colunas isoladas e extensos vãos, se impressiona. Esse tipo de arquitetura, denominado como Escola Brutalista, é relativamente comum na região central de São Paulo: teve seu apogeu entre as décadas de 1960-70 e um de seus grandes colaboradores foi o arquiteto João Batista Vilanova. Alguns dos exemplos mais lembrados são os prédios da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) e o MASP (Museu de Arte de São Paulo). Aqui, a Revista Espresso te convida a conhecer alguns dos projetos brutalistas mais icônicos.
Fundação Bienal de São Paulo Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1957)
MASP- Museu de Arte de São Paulo Projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi (1968)
Assembleia Legislativa de São Paulo Projetado pelos arquitetos Adolfo Rúbio Moraes e Fábio Kok de Sá (1968) 16 JUNHO 2017
FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Projetado pelos arquitetos João Batista Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi (1969)
FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Projetado pelo arquiteto Rino Levi (1969)
REVISTA ESPRESSO 17
“O grafite abriu meus olhos para enxergar o mundo como ele é”
O grafite segundo Bela Gregório
POR NICOLE VASSELAI SABRYNA MONTEIRO
“
A palavra ‘grafite’ vem de grafitto, que significa Com seu perfil mais descontraído e “fora escrever ou registrar”. É a partir dessa informação da caixa”, como se define, Bela esbarrou no grafique uma moça de estatura média e cabelos escuros começa te por meio de um trabalho em um grupo da faa falar do mundo de respingos e cores em que está envol- culdade de Jornalismo, onde é formada. O tema vida. Membro da rede Efemmera, composto por mais de abriu as portas para uma paixão sem volta. 50 mulheres, Bela Gregório deixa rastros por onde passa. Um encontro importante em São Pau Seja pela 23 de maio ou por uma ruela desco- lo, com a presença de artistas do mundo todo, pernhecida em São Paulo, as caminhadas da grafiteira de mitiu à moça nascida em Arujá enxergar esse 26 anos quase sempre envolvem uma latinha de tinta ambiente pelas lentes de uma câmera. Íntima da fona mão e muros transformados. O delineado da arte tografia, a jovem de olhos amendoados e alertas aprodela vai muito além do desenho pelo desenho. “Faço veitou o momento para registrar o máximo que podia: só letra, mas a letra é a essência total do grafite”, afir- desde imagens bem anguladas até conversas que a lema a moça, que estuda tipografia e quer levá-la às ruas. variam pelos mesmos trilhos das pessoas ali reunidas. Letras gordas e vivas representam o estilo Bomb, Quase sempre acompanhada da lua e do céu adotado por Bela. Também conhecido estrelado, em seus percursos artísticos, como grafite “rápido”, inclui duas ou no início sua principal companhia era um três cores de tinta, uma para preencher a “Faço, só letra grupo de homens. A única mulher dentre letra e outras para contornar e detalhar. mas a letra é a eles começou a se interessar pelo movi Pintar as paredes dessa formento das letras nos muros ao assistir aos ma já foi questão de ilegalidade e essência total do próprios colegas. Mas, antes mesmo de ser de vandalismo. Historicamente ligaquestionada, já adianta “Nunca desenhei, grafite” do à ideia de pichação e de protestos, não sou ilustradora e nem entusiasta”. Ela esse tipo de registro ainda é encarado ainda garante que não é necessário ter tacom certo preconceito. No entanto, Bela rebate esse lento, basta uma tinta na mão e uma parede em branco. pensamento: “Respeito a pichação, porque da onde Foi no grafite, ainda, que conheceu as proela veio vem também o grafite”. Considera inclusi- tagonistas de uma rede puramente feminina, da qual ve o ato de pichar uma questão social e uma conse- também faria parte. Narrava histórias de meninas que quência do próprio meio urbano e das desigualdades. viviam esse universo artístico no blog “Letrada”. Esse Ao falar de si mesma, Bela, convicta e autêntica, espaço deu abertura para Bela se juntar a duas grafiafirma “não faço personagem”, desde 2009, quando teve teiras e pouco a pouco formou-se o Efemmera, de hoje seu primeiro contato com esse novo mundo. Quando o praticamente 50 mulheres. “Não gosto da palavra coleassunto é cultura de rua, ela também conta que, até então, tivo, a gente é uma rede. Cada uma tem seu trabalho o hardcore era seu único exemplo, no contexto de banda individual e os realizados em conjunto”, explica Bela. de rock que manteve com alguns amigos por oito anos. O projeto começou em 2012 e partiu do pri19
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meiro festival de cultura urbana - Trilha. Além das jovens grafiteiras, o hip hop, o skate e a bike ganharam holofote também. Segundo Bela, a ideia principal era trabalhar com a Efemmera e ao mesmo tempo trazer à tona outros movimentos ligados à cultura de rua.
A união do grupo era formada também pelo altruísmo. Nem todas as mulheres tiveram acesso aos estudos e para tentar ajudá-las, outras oferecem aulas e ensinamentos, inclusive Bela. “O lance é usar as ferramentas que eu tenho para levar essas meninas pra frente”. Além de estender a mão a essas pessoas, Bela ainda dá palestras em universidades e importantes instituições, representando as grefiteiras. Esse grupo é também forma de ocupar as ruas e manter as mulheres mais unidas no ambiente do grafite. Muitas vezes hostilizadas na hora de pintar, Bela relata os vários momentos desagradáveis que viveu. “Nos rolês, a mulher é uma cota, nunca é meio a meio”. Na ausência de um grafiteiro, é provável que uma mulher não seja bem aceita para transformar o muro, de acordo com a jornalista. A desconfiança é resumida pela frase “me mostra seu trampo para ver se eu aprovo”, por parte dos homens. Além disso, na maioria dos casos, o grupo masculino oferece a parede mais escondida para elas. “Vai ali naquele canto”, narra Bela. “Mas e seus pais, lidaram bem com seu estilo de vida?”. A resposta da moça de família de alto poder aquisitivo é clara: “Não, mas hoje em dia minha família aprendeu muito comigo”. A experiência com o pai foi a parte mais desafiadora. De perfil mais conservador, estava sempre com um pé atrás e demorou a aceitar o universo do grafite, mas
aos poucos essa realidade foi mudando. “Hoje é muito louco porque meu pai reconhece os grafites na rua. Ele sabe de quem é aquele trabalho”, conta a filha. Definida, como uma “pessoa para frente”, a mãe mostra uma mentalidade diferente e sempre lutou para que Bela seguisse os próprios sonhos. No início, porém, também não entendia a ida da jovem à uma escola pública, para colorir as paredes - às seis da manhã de um domingo. As más impressões foram abandonadas quando a filha se manteve firme e não deixou dúvidas de que aquilo já fazia parte dela. A morada do núcleo familiar prova que o preconceito realmente foi deixado para trás. Muros desenhados tomam conta da casa, localizada em um condomínio elitista de São Paulo. Os churrascos de família também ganharam novos convidados: os amigos grafiteiros da moça. As ruas também a guiaram por caminhos impensados. O convívio e o próprio cotidiano dela mudaram. “Eu tive o privilégio de conhecer os dois lados: a favela e o condomínio”, conta. Dividir conversas e trabalhos com pessoas de classes so ciais variadas influenciou na perspectiva de vida da jovem. “O grafite abriu meus olhos para enxergar o mundo como ele é. A realidade não é a Avenida Paulista”, comenta. Bela justifica essa transformação pelo fato de andar por lugares onde as pessoas só passam de carro e por ter contato com realidades diferentes da “bolha em que vivemos”, como descreve.
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ESPRESSO TURĂ?STICO Embarque em uma viagem pelas ruas da cidade
TURISMO
22 JUNHO 2017
Dá licença de contar
Adoniran Barbosa cantou e encantou os quatro cantos de São Paulo. Aqui, um roteiro por lugares que marcaram a vida e da obra do sambista mais caricato do país POR GIOVANNA FORCIONI
A
doniran Barbosa nasceu João Rubinato. Menino de 1912, aos dez anos teve de falsificar os documentos para que pudesse trabalhar no serviço de cargas da São Paulo Railway. Foi entregador de marmitas, varredor de fábrica, pintor de parede e ator de rádio e de cinema. Na 25 de março foi vendedor em loja de tecidos, mas acabou demitido por estar sempre batucando no balcão. Tinha o sonho de ser sambista, mas achava que seu nome não dava samba. Pegou o Adoniran de um amigo, roubou o Barbosa de um cantor de rádio e tornou-se um dos artistas mais populares do país. Da família italiana do interior do estado adotou o falar macarrônico com acento caipira e ponhou o pé na estrada rumo à capital. Depois de passar por Valinhos, Jundiaí e Santo André, foi a São Paulo que entregou seu coração. Há 35 anos, a capital paulista se despedia um de seus maiores e mais sinceros cronistas. Hoje, a cidade mostra que a história e a obra do poeta Adoniran vivem em suas ruas. Conheça lugares que ainda guardam a essência e a memória do compositor de Trem das Onze, Saudosa Maloca e tantos outros sucessos. REVISTA ESPRESSO 23
TURISMO
Domingo nos fumo num samba no Bexiga Um dito popular que corre as ruas do Bixiga diz que algumas pessoas nunca morrem. O motivo? “Elas ficam para sempre na memória da gente.” Foi essa resposta que tive quando perguntei a uma moradora do bairro se ela conhecia Adoniran Barbosa. Por ali, é difícil encontrar alguém que não tenha um causo do sambista para contar. Adoniran nunca morou na Bela Vista, mas era nas mesas das cantinas italianas e nas rodas de samba que gostava de ver a vida passar. Não demorou muito para que se tornasse um símbolo do bairro. E não é para menos. Se hoje o reduto de imigrantes italianos é conhecido em todo o país, muito se deve às composições de Adoniran. O cantor deu voz a e lançou luz sobre o lugar em músicas como Um samba no Bexiga e Samba Italiano. E mesmo depois de mais de três décadas de sua partida, esse feito ainda é reconhecido. Com um olhar atento, basta uma volta rápida pela região para encontrar uma série de referências ao artista. Próximo ao tradicional Teatro Sérgio Cardoso, no cruzamento da rua Rui Barbosa com as ruas Conselheiro Carrão e Manoel Dutra, seu rosto está estampado nos semáforos de pedestre. A iniciativa partiu da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que em 2013 instalou em diferentes lugares da cidade sinalizações personalizadas com o objetivo de divulgar pontos turísticos de São Paulo. Pelo menos outros 12 endereços históricos, como o Mercado Municipal e o Edifício Altino Aran24 JUNHO 2017
tes, também foram homenageados. No Bixiga, a escolha não poderia ter sido outra. Fazendo jus à fama de exagerados, os descendentes de italianos parecem não se cansar de enaltecer seus personagens icônicos. O bairro que luta diariamente pela sobrevivência de suas raízes culturais faz questão de exibir seus grandes orgulhos. No coração da Praça Don Orione - a principal por ali - um monumento dispensa apresentações: sem placa nem indicação, o busto de Adoniran é atração. Mas para os desavisados a peça de bronze de 60 centímetros pode passar despercebida, principalmente aos domingos, quando o lugar recebe uma tradicional feira de antiguidades e as barracas com bugigangas disputam cada metro do espaço. Até às 17h30, os vendedores expõem de vinis a móveis e postais antigos. Pouco mais à frente, já em seu limite geográfico, este pedacinho de Itália no meio da Bela Vista traz outra boa surpresa: entre a Avenida Brigadeiro Luís Antônio e a Rua Jaceguai - famosa por ser endereço do Teatro Oficina -, uma placa avisa que ali começa a Rua Adoniran Barbosa. Pouco movimentada, a viela residencial não é a única pelo país a homenagear o sambista. Outros 37 logradouros também usam o mesmo nome, mas nenhum deles têm o charme de estar no bairro que foi a menina-dos-olhos do cantor. Fora do circuito mais turístico da região, mas ainda dentro de seus perímetros, a padaria São Domingos ocupa um lugar especial na história
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3 1 Semáforo na Rua Rui Barbosa 2 Busto de Adoniran na Praça Dom Orione 3 e 4 Rua Adonrian Barbosa
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26 JUNHO 2017
de São Paulo e do sambista. A tradição é tamanha que na década de 1960 foi anunciado que uma avenida passaria pelo endereço do comércio e um movimento lutou para que, depois de uma ordem de demolição, ele continuasse em pé no 330 da Rua São Domingos. O resultado? A alça de acesso ao Minhocão foi desviada e hoje quase que esbarra na construção centenária. Conhecendo os dotes culinários da proprietária Anita Albanese, era ali que Adoniran costumava traçar um fusilli com calabresa e bife à milanesa no andar de cima, junto com a família dona do negócio. Se o objetivo é bater perna pelo que o Bixiga tem de melhor a oferecer, escolha a Avenida Treze de Maio como ponto de partida. Como um bom reduto cantineiro que se preze, come-se bem em qualquer um dos restaurantes por ali e escolher um para mangiare bene> pode não ser tarefa fácil. Bom conhecedor do bairro, Adoniran tinha suas
1 Bruschettas da cantina Conchetta 2 Seu Walter Taverna, presidente do centro de Memória do Bixiga
preferências. A cantina Conchetta era uma de suas favoritas. O teto é coberto por um varal de roupas e as paredes são forradas de recortes de jornais e revistas falando da fama do restaurante em servir “o mais tradicional rodízio de massas de São Paulo”. Seu Walter Taverna, o “poderoso chefão” da casa, conta que todas as vezes que o cantor dava o ar da graça pedia um copo com água e um prato de spaghetti ao sugo (R$75), quase como um ritual. Taverna fala ainda que o cantor costumava ser discreto e não era muito de bater papo, mas como cliente frequente, acabaram se tornando amigos. Mais do que um dos muitos colegas de Adoniran, seu Walter tem uma relação de amor com o lugar onde vive. Presidente do Centro de Memória do Bixiga, ele foi o responsável por colocar o bairro por três vezes no Guinness Book: fez o maior bolo de aniversário da cidade, com 1,5 km, o maior sanduíche e a maior pizza. Aos 83 anos,
dedicou 100% deles ao Bixiga. “Isso daqui é tudo pra mim, é a minha vida.” Quem visita seu restaurante, no número 560 da Treze de Maio, com sorte, pode assistir a um show particular de seu Walter batendo panelas ao som da <tarantella>. É daqueles programas italianos, com marca registrada. A apresentação é rápida, mas animada. Logo depois, seu Walter volta ao caixa, de onde costuma observar o vai-e-vem dos garçons, quietinho. A 70 metros dali, fica outra cantina em que Adoniran gostava de jantar e sentar para tomar uma cerveja. Desde 1942, a Roperto é conhecida por servir o Ropertone (R$66), almôndega que leva filé mignon, frango, leite, ovos, parmesão, mu-
çarela e molho ao sugo na receita. Há quem diga que, de todo o Bixiga, esse era o restaurante queridinho do cantor. Verdade ou não, é compreensível que a casa leve essa fama: mesmo com mais de 300 lugares em seus salões internos, é comum ver uma fila de clientes na calçada esperando por uma mesa. Se a qualidade dos pratos era o que encantava Adoniran, parece que por ali pouca coisa mudou ao longo dos anos. Apesar de ser o polo de cantinas, a Treze de Maio hoje também é lembrada por reunir algumas das mais animadas casas noturnas da região. Ainda que, em 1977, tenha se apresentado ao lado de Cartola e Nelson Cavaquinho no Café Piu-Piu, espaço de música ao vivo em
funcionamento até hoje no número 134, Adoniran pouco aproveitou essa fase boêmia da rua. Quando ele costumava perambular por aquelas bandas, o foco do burburinho acontecia a algumas quadras dali, na Rua Major Diogo. Nessa época em que o bairro começou a ser conhecido como a Broadway paulistana, por sua grande concentração de teatros e casas de espetáculos, o Nick Bar era ponto de encontro de muitos outros artistas e figurões da cidade, como Inezita Barroso, Jorge Amado e Érico Veríssimo. O bar que ocupava o número 315, hoje já não existe mais, mas deixou sua marca na vida e nos versos do compositor. A referência à Rua Major em Um Samba no Bexiga é a prova disso.
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1 Vinil à venda na Feira de Antiguidades da Praça Dom Orione 2 Fila em frente à cantina Roperto 3 Fachada da padaria São Domingos 4 Café Piu-Piu, onde Adoniran tocou em 1977
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Dim-dim donde nos passemos os dias feliz de nossa vida Adoniran não nasceu em São Paulo, mas viveu na cidade como um paulistano da gema. Do Tatuapé à Casa Verde, ele parecia conhecer a capital como a palma de sua mão. Andava por seus quatro cantos e tirava versos de pequenas situações que observava pelo caminho. Já compôs sobre despejos, casamentos e até casos de polícia. Mas nenhum lugar o inspirou tanto quanto a região central. Foi a época em que morou na Rua Aurora com sua esposa Matilde e Peteleco, seu cachorrinho, que lhe rendeu alguns de seus maiores sucessos. Na década de 1960, Adoniran viu os arredores de sua casa tomarem novos rumos com a chegada da Jovem Guarda na cena boêmia da região: seu samba começou a perder espaço para as guitarras elétricas do rock nacional. Artistas da televisão e dos festivais passaram a circular pelas mesas dos bares e restaurantes onde antes reinava a batucada. E como acontecia toda vez que lhe dava na telha, compôs sobre a situação. A homenageada da vez foi a Rua dos Gusmões, a duas quadras de onde morava. Na música homônima, ele diz que é capaz de tudo, até atravessá-la lendo Ali Babá e os Quarenta Ladrões, desde que não peçam para que troque o samba pelo ieieiê. Como grande cronista que era, tinha o olhar apurado para identificar as questões da metrópole. Uma
de suas mais famosas composições, Saudosa Maloca, nasceu de uma cena que avistava da janela de sua casa. Dali ele via o velho Hotel Albion, abandonado, do outro lado da rua. Um prédio que foi sendo ocupado por sem-tetos e transformado em cortiço, até que um dia a prefeitura chegou e a ordem de demolição se cumpriu. Tudo veio abaixo e a história virou samba. Hoje, o lugar pouco lembra o saudosismo narrado nos versos do cantor: como muitos outros endereços da região, o 522 da Aurora é ocupado por um cinema de filmes pornô. Depois de Saudosa Maloca, foi a vez de Trem das Onze. A canção que se imortalizou na voz dos Demônios da Garoa nasceu em 1964, nas mesas do Moraes, um restaurante da Praça Júlio Mesquita. Hoje, mais de cinquenta anos depois, o negócio continua no mesmo endereço, só que agora sob o nome de Rei do Filet. E mesmo depois de tanto tempo os donos ainda se orgulham do fato de o estabelecimento ter
sido berço de uma das música-símbolo da cidade. Reza a lenda que enquanto a compunha, Adoniran traçava um bem servido filé mignon (a partir de R$72,75), a grande especialidade da casa. Mas dessa vez a inspiração veio de sua vida de ator de cinema. A Companhia Cinematográfica Maristela, onde ficavam os estúdios em que Adoniran gravava, estava a poucas quadras da estação Jaçanã. Não era raro que os atores ficassem até altas horas filmando e aproveitando a noite, então, em um pedido a Adhemar de Barros, governador da época, o horário de funcionamento da Estrada de Ferro da Cantareira foi prolongado até às 23h. Mas uma coisa era certa: o sambista sabia que se perdesse esse trem, o próximo sairia “só amanhã de manhã”. Uma vez na região da República, o passeio não pode ser dado como completo sem antes passar pelo cruzamento da Ipiranga com a Avenida São João. Muito antes de ser consagrada por Sampa de Cae-
tano Veloso, a esquina já fazia parte da São Paulo de Adoniran há tempos. É que o endereço abriga o tradicional Bar Brahma, onde, de tanto frequentá-lo, o sambista ganhou mesa cativa. Até hoje sua história é lembrada por ali: em homenagem a suas composições, os Demônios da Garoa se apresentam no lugar a cada quinze dias, religiosamente. Mas a Avenida São João não passou em branco pelas criações de Adoniran. Em Iracema>, ela é palco de um triste atropelamento. Um acidente que nunca aconteceu. Não da forma como canta na canção. A ideia teria nascido de uma notícia que lera no jornal sobre uma moça morta na Rua da Consolação poucos dias antes de seu casamento. Isso bastou. Para ele, pouco importava se as situações eram reais ou não. Para despertar sua imaginação elas só precisavam ter o elemento certo para “dar samba”. De sua relação com São Paulo, ele não teria o que reclamar. Essa, sim, deu samba. Samba dos bons.
TORRESMO À MILANESA Das canções para as mesas dos bares: conheça a história de Torresmo à Milanesa, uma das composições mais curiosas do sambista
Nos anos 1980, o Bar Mutamba (hoje, A Gruta Bar), localizado na Rua Major Quedinho, foi o lugar escolhido por Adoniran para compor Torresmo à milanesa, uma das canções mais curiosas de todo seu repertório. Entre um verso e outro, o sambista conta o que tinha em sua marmita. Na composição original ao lado de Carlinhos Vergueiro, além de arroz, feijão e ovo frito, o personagem levava bife à milanesa preparado por sua mulher. Mas Adoniran achou que se a música ganharia mais charme se
trocasse o bife por um torresmo à milanesa. Em 2010, quando a cidade comemorou o centenário do nascimento de Adoniran, alguns bares adotaram o item ao cardápio. Como a receita nasceu da música, não existia um passo a passo para se seguir: cada lugar adotou seu próprio modo de fazer. Hoje, o Paribar é conhecido por preparar um dos melhores torresmos à milanesa da cidade de São Paulo. O bar fica na República, no número 42 da Praça Dom José Gaspar.
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TURISMO
Salão principal da cantina Conchetta
SERVIÇO Feira de Antiguidades Como em um verdadeiro museu a céu aberto, mais de 200 barracas vendem móveis, discos de vinil, louças e brinquedos. Praça Dom Orione Aos domingos, das 9h às 17h30
Cantina Roperto Além do tradicional Ropertone (R$66), uma boa pedida é a perna de cabrito com batatas ao forno e brócolis alho e óleo (R$176). Rua Treze de Maio, 634 cantinaroperto.com.br 11 3288 2573
Rei do Filet Como o nome diz, a especialidade da casa são as diferentes receitas com filet mignon. A opção ao alho e óleo (R$ 120,90) é o carro-chefe. Praça Julio Mesquita, 175 reidofilet.com 113221 8066
Padaria São Domingos Além de massas, os destaques da mercearia centenária ficam por conta do pão italiano (R$7) e do cannoli com recheio de creme (R$7). Rua São Domingos,330 paoitalianosaodomingos.com.br 11 3104 7600
Café Piu-Piu De quinta a sábado, a playlist é tomada pelo rock nacional e internacional. Nos demais dias, outros gêneros animam a casa. Às segundas não abre. Rua Treze de Maio, 134 cafepiupiu.com.br 11 3258 8066
Paribar O cardápio é enxuto, mas oferece boas pedidas para petiscar, acompanhando uma cerveja gelada. Escolher uma das mesas da varanda é a melhor opção. Praça Dom José Gaspar, 42 paribar.com.br 11 3159 0219
Cantina Conchetta Como manda o costume, a casa serve o “rodízio de massas mais tradicional de São Paulo” (R$62), que também acmpanha antepastos, polenta e frango. Rua Treze de Maio, 560 conchetta.com.br 11 2894 7869
Bar Brahma Se não bastassem os shows quinzenais dos Demônios da Garoa, o bar recebe apresentações de música ao vivo de segunda a segunda, sem exceções. Avenida São João, 677 barbrahmacentro.com.br 11 2039 1250
A Gruta Bar No porão de um prédio em meio ao Bixiga, o local conta com música ao vivo, mesas de bilhar e boas opções de cervejas artesanais. Rua Major Quedinho, 112 agrutabar.com.br 11 3231 0185
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Luz(es) da
C
cidade
lac, clac. Malas fechadas. Chegou a hora. Na noite anterior, impossível dormir, apesar de ter que acordar cedo no dia seguinte. Mas não é por obrigação. É pelo momento mais esperado do ano. A cena se passa no princípio da década de 1970, em Diadema, São Paulo. O personagem é Luis Fernando Martinez, que junto com seus pais e irmãos, percorria a extensa rua Alfenas (ou da Mata, para os locais) até a divisa com a capital paulista para apanhar o ônibus da viação Para Todos com destino à Luz. A construção de aspecto inglês conhecida por ele é a partir da década de 1960, e, antes mesmo de ter nascido, Luis conhece esse ponto central da cidade. Viveu o auge da Ferrovia Paulista S.A., conhecida pela sigla FEPASA inscrita em seus vagões azuis e brancos, que operava nos três períodos do dia uma saída de trem com destino a Panorama, no noroeste do estado. Sua parada final era Tupã, também no interior paulista. Em relação ao prédio, sua principal lembrança é a da infância, na década de 1970, quando o charme e a imponência da estação se uniam com inquietação das milhares de pessoas que buscavam seus destinos, causavam encantamento do garoto, principalmente nos detalhes dos trabalhadores que lá praticavam seus ofícios: “Lembro bem quando íamos viajar dos carregadores de mala, com seus uniformes marrons e bonés amarelos. Também tinham os engraxates, que eram muitos, e os clientes faziam fila.” Hoje, apesar da degradação, a Luz ainda é parada obrigatória quando Luis está de férias: “Ela sempre desperta boas lembranças. ” E pensar que, coincidentemente, uma só letra impede seu nome de ter o mesmo som do local.
TURISMO
O
que antes era luz, hoje virou sombra. O que antes era fama, hoje virou indiferença. A Estação da Luz, além de ter sido parada de carga e descarga de café no passado, foi importante porta de entrada para imigrantes em São Paulo na década de 90. E hoje ela opera com uma singela quantidade de passageiros em seus trens metropolitanos e metrôs. Os primeiros passos apressados puderam ser ouvidos na estação a partir de 16 de fevereiro de 1867, sob a autorização de John James Aubertin, superintendente da estrada de ferro de São Paulo da época. Sentia-se o cheiro da fumaça que saia do trem. Surgia ali, na esquina da Rua Brigadeiro Tobias com a Rua Mauá, o primeiro prédio da Estação da Luz na cidade. Simples, constituída de um pequeno pavimento construído lateralmente às
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pioneiras estradas de ferro do estado, onde também se localizavam a casa do chefe da estação e uma área destinada à administração e engenharia da linha, foi erguida a edificação. Nesse tempo, a Luz foi responsável pela conexão da capital paulista às fazendas de café e ao Porto de Santos. A linha que atravessava a estação ia do centro santista até Jundiaí (interior do estado de São Paulo). Contudo, para atender o rápido crescimento da cidade na época, que chegava perto dos seis milhões de habitantes, o prédio foi demolido em maio de 1900. Uma nova Estação da Luz seria construída, dessa vez no endereço o qual se conhece hoje: a Praça da Luz, e com o intuito de proporcionar mobilidade para as pessoas. Assim, os trens também passaram a ser utilizados para o transporte público, tal como permanece atualmente.
Sua arquitetura foi inspirada na torre do sino Big Ben e na abadia de Westminster, ambas construções de Londres, capital inglesa. Tinha como um de seus maiores acionistas o importante industrial, banqueiro e político, Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá. A construção, por sua vez, não foi de fato “inaugurada”, pois começou a ser frequentada aos poucos. No entanto, ela foi definitivamente aberta ao público em 1º de maio de 1901. Ainda hoje mantém-se a mesma estrutura neoclássica aplicada à construção, apesar das várias reformas a qual passou no decorrer dos anos. Apesar de estar alcançando seu auge no século XX, tal importância concedida à estação só durou até o fim da Segunda Guerra Mundial, 1945. Com a evolução dos outros meios de transporte, as pessoas passaram a optar por outras formas de deslocamento: cada vez mais baratas, rápidas e eficientes. Àquela altura, nem se imaginava que a estação seria desprezada no século seguinte. Para se ter ideia de sua importância social e cultural, em 1982 o prédio foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico (Condephaat). E a construção ainda foi símbolo do poder paulista durante a República do Café com Leite (período em que os governos de São Paulo e Minas Gerais se alternavam no poder da república). Hoje, no entanto, a Estação da Luz é mais uma passagem para quem utiliza as linhas de metrô e trens metropolitanos da cidade. É uma pena que todo o encanto de sua arquitetura e sua noção de importância histórica passem despercebidos aos olhos dos paulistanos afervorados.
Novembro de 1946
A Luz quase se apagou. Boa parte da estação desfez-se em chamas, salva apenas a ala oeste da construção. Levou cinco anos para ser reconstruída e tal responsabilidade foi bancada pelo governo. Algumas fontes indicam uma causa criminosa para o ocorrido, mas nunca se soube ao certo o motivo do incêndio. Voltou a funcionar em 1951, dessa vez com uma inovação: um novo andar seria acrescentado ao edifício, que até então era composto por apenas um pavimento. Esse novo andar seria futuramente o Museu da Língua Portuguesa, tal como se conhece hoje. 2004
Para homenagear os 450 anos da cidade de São Paulo, a Estação da Luz foi restaurada. Tanto sua arquitetura quanto as plataformas foram readaptadas para os atuais trens metropolitanos que seriam disponibilizados para o uso público. Mais uma vez ela passaria por reformas e seria modernizada.
PASSEIOS DE TREM Se você gostaria de viver a experiência de embarcar à moda antiga em uma das plataformas da Luz, a CPTM disponibiliza três passeios na grande São Paulo através de seu Expresso Turístico: Jundiaí, Mogi das Cruzes e Paranapiacaba. Durante o percurso, monitores contam histórias sobre os caminhos de ferro que impulsionaram o crescimento do estado ao longo dos anos. Jundiaí
Com duração de 1h30 e a 60 km da capital, o passeio pela da Linha 8-Rubi tem como principal atração é o Museu Ferroviário da Companhia Paulista de Trens, dando a oportunidade aprofundar ainda mais nas histórias sobre construção da malha de ferro. Mogi das Cruzes
2006
Foi inaugurado o Museu da Língua Portuguesa, que constituía os três andares acima da estação ferroviária. Esse fato fez com que as luzes da notável estação se “apagassem”. De fato, todo o charme do local voltou-se para a novidade do momento.
Integrante da Linha 12-Safira, o trajeto passa pelo caminho que ligava a capital paulista ao Rio de Janeiro, um dos mais importantes trajetos que o país já teve, especialmente no século XX. É agendado para o segundo sábado de cada mês. Paranapiacaba
Dezembro de 2015
Praticamente todo o Museu que compunha o prédio com a Estação da Luz desfez-se em chamas. Mais uma vez os trilhos seriam interditados e novamente não se sabia, de forma convicta, qual era a real causa do incêndio. A mais comentada foi que o fogo se iniciou com uma pane na fiação elétrica do edifício e devido á estrutura de madeira a qual foi construído, as chamas se espalharam. No entanto, a ferrovia ficou por pouco tempo desativada e logo tornou a funcionar, operando até hoje.
Localizada em Santo André, a vila faz parecer que você chegou a uma cidade do interior da Inglaterra em que pode conhecer, em operação, a segunda locomotiva mais antiga do país. A saídas da Luz acontece aos domingos. O passageiro também tem a opção de embarcar às 9h00 na Estação Prefeito Celso Daniel - Santo André. As saídas acontecem às 8h30 e tem retorno previsto para às 16h30. R$48,00. É necessário agendamento prévio. Para mais informações acesse o site: cptm.sp.gov.br/sua-viagem/ExpressoTuristico
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Inspirado no movimento anti-café, a cafeteria Lemni cobra pelo tempo que o cliente fica no local e não pelo consumo dos produtos
Com açúcar, adoçante ou puro. De manhã, após o almoço ou no lanche da tarde. Sozinho ou acompanhado. Coado ou espresso. Com biscoitinhos de goiabada ou uma fatia de bolo. O aroma dos grãos torrados resgata lembranças e tem um significado praticamente ritualístico para quem o consome diariamente: a cada gole, uma sensação de bem-estar. A proposta do Lemni, localizado no bairro de Pinheiros, é a oportunidade de apreciar uma boa xícara de café sem pressa: o pagamento é referente ao tempo que se passa no local, por isso o ambiente é aconchegante e ideal para estudos, reuniões com amigos ou de trabalho e é claro, relaxar. Logo na entrada o cliente recebe uma comanda com o horário de chegada e ao ir embora o preço é calculado pelo tempo da estadia. Além do café, os clientes podem se servir à vontade dos quitutes: pães, cookies, croissants, bolos, chá, entre outros. O conceito, ainda novo em São Paulo, segue a tendência europeia dos “anti-cafés”, que começou na Rússia: espaços acolhedores (como uma extensão da própria casa), com poltronas confortáveis, decoração harmônica, rede wi-fi, e claro, um bom café feito na hora, que pode ser coado, espresso ou na prensa francesa. A cobrança por minuto não assusta os mais apressadinhos: é possível pedir bebida e salgadinhos como em uma cafeteria normal. Mas para aqueles que pretendem degustar a experiência completa do anti-café paulistano, os primeiros 30 minutos custam R$ 12, e, a partir disso, a cada 15 minutos é cobrado mais R$ 3. Segundo a proprietária Giulia Nogueira, a ideia de seguir o modelo russo começou a partir de uma viagem de sua irmã: “surgiu de uma vontade mútua minha e da
Becca, minha irmã, de empreender. Queríamos criar um lugar para pessoas se conectarem e que fosse um espaço para receber iniciativas, ideias para serem concretizadas. Nos inspiramos no movimento anti-café. A Becca quando viveu na França teve a experiência num anti-café em Paris e achou incrível, pois traz a essência da nova economia e de como ter uma vida mais simples e autônoma. Nossa vontade foi se transformando e virou o Lemni café. ” O nome do estabelecimento faz referência à sua essência: Lemni é a abreviação da palavra russa lemniscatta, que significa a curva do infinito, um “8 deitado”. O símbolo traz todo o conceito de tempo que é relativo, já que a experiência no Lemni pode ser interpretada e sentida de diferentes maneiras por cada pessoa que passa por lá: lendo, trabalhando, fazendo conexões ou apenas tomando um café. Inaugurado há quase um ano, o Café vem fazendo sucesso e ampliando seus horizontes, sendo palco de música ao vivo às terças-feiras e recebendo exposições de fotografia como a exposição Diorama, da artista Paula Pedrosa, que traz trabalhos realizados no Aquário de São Paulo. Rua Simão Álvares, 781, Pinheiros (11) 98611-7450 facebook.com/LemniCafe 2ª à 6ª, das 10 às 19h
SP
SUBTERRÂNEA Em São Paulo, o metrô não é a única atração debaixo da terra. Aqui, conheça cinco lugares para curtir o subsolo da cidade POR GIOVANNA FORCIONI TERESA LAZARINI
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Passagem Literária da Consolação CONSOLAÇÃO
Para atravessar a Rua da Consolação não é preciso esperar o verde do semáforo e muito menos caminhar sobre a faixa de pedestres. Desde a década de 1970, quem passa pela esquina com a Avenida Paulista pode contar com uma ligação subterrânea para facilitar a travessia. Projetado pelo arquiteto Nadir Mezerani, o local sofreu com depredações e com a falta de manutenção até 2005, quando a Subprefeitura da Sé transformou-o em um espaço cultural com exposições, shows e intervenções artísticas. Desde então, o corredor subterrâneo é ocupado diariamente por livreiros da Via Libris, associação responsável por cuidar da manutenção da Passagem e manter uma banca de livros usados de mais de 2 mil títulos. Rua da Consolação, s/n, Consolação (ao lado do Caixa Belas Artes) De segunda à sexta, das 7h às 20h. Aos sábados e feriados, das 10h às 20h facebook.com/Passagem-Literária-da-Consolação-114353181908749
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Aquário Subterrâneo da Luz BOM RETIRO
O Parque da Luz chama atenção pelos 113.400 m² de área arborizada em meio ao bairro do Bom Retiro. Mas o oásis de ar puro, localizado entre a Estação da Luz e a Pinacoteca do Estado, esconde atrações que poucos paulistanos conhecem, inclusive um aquário subterrâneo. Com 13 espécies de peixes nativos dos Rios Tietê e Paraíba do Sul, os tanques ficam em uma espécie de caverna estreita próxima ao Lago Cruz de Malta. Praça da Luz, s/n, Bom Retiro De terça a domingo, das 9h às 18h 11 3227 3545
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Teatro do Centro da Terra
SUMARÉ
O nome é auto-explicativo: a sala de apresentações fica a 12 metros abaixo do nível da rua. Inaugurado em 2001, o teatro, com capacidade para 100 pessoas, só pode ser aberto ao público depois de dez anos de escavações. Hoje o espaço ainda conta com salas de ensaio e uma escola de artes cênicas, música e artes visuais focada, principalmente, em uma linguagem contemporânea. Rua Piracuama, 19, Sumaré De segunda a sexta, das 9h às 12h e das 13h às 18h 11 3675 1595 / centrodaterra.com.br
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TURISMO
Cripta da Sé SÉ
Localizada abaixo do altar-mor da Catedral Metropolitana de São Paulo, foi inaugurada em 1919 com o objetivo de armazenar os restos mortais dos bispos e arcebispos da cidade. Com uma área de 619 m² e 7 m de altura, a cripta possui 30 câmaras mortuárias, sendo que 18 delas estão ocupadas por personagens históricos como o Cacique Tibiriçá, catequizado no século 16 pelo primeiro grupo de jesuítas que chegou à capital, e o Padre Feijó, representante do Império. O local também conta com uma exposição permanente sobre o Santo Sudário e recebe missas todas as sextas-feiras, às 9h. As visitas monitoradas tem duração de 15 minutos e custam R$7. Praça da Sé, s/n, Sé De segunda a domingo, das 9h30 às 17h 11 3107 6832
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Raiz Bar
PINHEIROS
Nos Estados Unidos dos anos 1920, comercializar bebidas alcoólicas era proibido. Para burlar as regras, pequenos grupos se reuniam em bares secretos, conhecidos como speakeasies – do inglês speak easy (fale baixo) – para beber em sigilo. Em São Paulo, para viver a experiência de pedir um drinque sem levantar suspeitas, basta descer os quinze degraus do restaurante Jacarandá para ter acesso ao Raiz Bar, no subsolo. Por ali, sofás e mesas baixas acomodam até 60 pessoas e criam um ambiente intimista onde a conversa é embalada por apresentações de música ao vivo. Rua Alves Guimarães, 153, Pinheiros De quarta a sábado, das 19h às 2h 11 3083 3014 / jacarandabr.com.br
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ESPRESSO ESPORTIVO
Um passeio pelo passado e presente do esporte paulistano
ESPORTE•TRASNFORMAÇÃO
As apostas se renovam Diante da vasta área verde em meio à cidade cinzenta, a Revista Espresso busca respostas acerca dos tempos de crise do Jockey Clube de São Paulo e a pretensão por novos horizontes POR ISABELLA MOLINARI TERESA LAZARINI
40 JUNHO 2017
ESPORTE•TRANSFORMAÇÃO
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ntre a marginal do Rio Pinheiros e a Avenida Lineu de Paula Machado, os quase 600 mil metros quadrados incrustrados em um dos bairros mais nobres da maior cidade do Brasil impressionam quem conhece os valores imobiliários de São Paulo. O tapete vermelho sobre a escadaria de mármore que dá acesso à tribuna de honra da pistas sobre o nível social das pessoas que costumavam frequentar os Grande Prêmios no Jockey Club São Paulo: mulheres usando vestidos e bolsas de grife, acessórios de luxo e chapéus pomposos; os homens, rigorosamente de terno, gravata e sapatos sociais. Ao nos depararmos com a história do Jockey Club, também podemos mergulhar em uma viagem até a São Paulo do final do século XIX, que reflete a cidade que se elitizava e industrializava. Fundado na Moóca em 14 de março de 1875, com o nome de Club de Corridas Paulistano e transferido para o bairro Cidade Jardim no século seguinte, em 25 de janeiro de 1941, hoje o Jockey Club é palco de eventos que nada se assemelham aos turfes. O hipódromo é muito mais do que um par de pistas de grama e areia: cada pessoa que passou por lá carrega consigo uma história para contar. Ao longo de seus 142 anos representou muito mais do que corridas e apostas. Exercia forte influência no esporte, na política, na sociedade de São Paulo, além do requinte e sofisticação como reflexo da expressão de uma mentalidade e prática cultural relevante da história daqueles tempos. Um dos exemplos dessa atuação política foi o posicionamento do Jockey Clube a favor da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, quando recebeu a visita do então candidato à presidência Juscelino Kubitschek. O hipódromo, hoje, se vê ameaçado por projetos da Prefeitura, que, em vista das dívidas acumuladas de IPTU do Jockey, pretende desapropriar o local para projetos
Grande Prêmio Asociacion Latino Americana em Cidade Jardim (1991). Fonte: Facebook Jockey Club de São Paulo 42 JUNHO 2017
Espectadores de um dos páreos do Grande Prêmio São Paulo de 1967. O momento foi clicado pelo fotógrafo Domicio Pinheiro. Fonte: Arquivo do Estadão.
públicos. Em janeiro de 2009, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, confirmou que seu governo estudava projetos para a construção de um parque no lugar do Hipódromo Cidade Jardim. Na época, a prefeitura avaliou o valor do imóvel em R$306,2 milhões. Já em 2017, com uma dívida de aproximadamente 220 milhões de reais, o projeto ainda não foi aprovado: o atual prefeito, João Dória, continua a proposta de transformar o local em um parque público e espaço cultural, com a área destinada para corridas de cavalos preservada. Apesar das aparências, o Jockey já não carrega consigo todo o glamour, as grandes apostas e o grande incentivo ao esporte. Os fanáticos ainda batem carteirinha e apostam quantias não tão significativas, mas pode-se dizer que “os tempos de ouro” chegaram ao seu fim. Enquanto uma decisão nova não vem, o Jockey tenta sobreviver como pode. Uma alternativa foi a diversificação das receitas para além das corridas de cavalos. O espaço vem sendo utilizado para eventos de diversos segmentos. Como por exemplo, casamentos, a Casacor (mostra anual de arquitetura), Feira dos Campeões Comer&Beber (evento gastronômico realizado pela Revista Veja) e festivais de música como o Planeta Terra Festival (2012), Lollapalooza (2012-13) e Electric Zoo (2017). O espaço já é aberto ao público, que pode usufruir gratuitamente da área verde, do playground e das áreas para corrida e caminhada. O restaurante também não é de acesso exclusivo aos sócios do clube. Os treinos dos jockeys ainda ocorrem em horários reservados durante a semana e algumas corridas aos finais de semanas, mas o futuro do esporte que passa por uma forte crise ainda é incerto nos estabelecimentos do Cidade Jardim, preocupando os ainda fanáticos pelas corridas. O que se pode afirmar é que independente dos Grande Prêmios, o Jockey Clube ainda tem uma longa história a ser traçada, sendo com os glamurosos cavalos atravessando a linha de chegada ou com as novas apropriações do espaço.
Um dos funcionários do Jockey Clube que presenciou a transformação lenta e gradual do espaço foi Rosemary Goes de Oliveira, supervisora de vendas de apostas, dona de uma pequena lanchonete para jockeis e casada com o fotógrafo oficial do Jockey há 25 anos. Rose, como é conhecida por todos que lá trabalham, tem 54 anos. Vinte e sete deles foram passados nos quarteirões da Av. Lineu de Paula Machado auxiliando na manutenção do clube e construindo sua própria história. Como começou sua trajetória no Jockey? Eu trabalhava no Banco Bradesco e vim ao Jockey pela primeira vez a titulo de curiosidade, porque uma amiga estava fazendo um trabalho no espaço e me convidou para conhecer. Fiquei encantada e comecei a trabalhar no Jockey no dia 2 de dezembro de 1989. Nos primeiros oito anos, fiquei no segundo andar social do Jockey, onde aconteciam as “apostas mais pesadas”. Mas naquela época as arquibancadas eram cheias, as corridas noturnas aconteciam duas vezes por seman; havia muito mais movimento. Hoje em dia, infelizmente, não há novos sócios, porque os antigos foram morrendo e não ocorreu uma renovação. Poucas pessoas ficaram com cargos no Jockey e isso consequentemente diminuiu o nível de apostas. Como você passou do segundo andar social para a lanchonete? A lanchonete era de uma amiga minha, esposa de um jockei. Com a crise financeira no Clube, a gerência atrasou pagamentos da maioria dos funcionários e então eles decidiram se mudar para o Rio de Janeiro no ano passado, porque lá a atividade é levada muito mais a sério. Hoje eu continuo trabalhando no segundo andar, mas vi a oportunidade de também ficar com essa lanchonete. Quando você percebeu a diminuição no movimento do Jockey que levou o espaço a entrar em crise? Faz uns cinco anos. Antes disso, o Jockey era bem movimentado, tinha aquele glamour característico. Nos dias de grande prêmio, que são comemorados todo mês de maio, o lugar ficava lotado. A presidência do Jockey mudou ano passado e o empresário Benjamin Steinbrunch assumiu. Você acha que as propostas dele vão incentivar mais o esporte ou mais os eventos que o Jockey sedia, como o Casacor? Acredito que a nova presidência irá incentivar os eventos e os esportes, tentar conciliar os dois. Vai ser algo muito bom para ambas as partes. Eu acho que a crise do Jockey não foi culpa
de um presidente específico, foi um problema que já vinha de longa data, que passou de presidência para presidência e virou uma bola de neve. A situação virou insustentável por causa da enorme dívida de IPTU: o Jockey teve de se desfazer de bens, articular uma negociação com a prefeitura e isso fez com que vários salários se atrasassem. Qual o principal motivo causador dessa crise? Falta de investimento ou falta de interesse por parte da população? Eu acredito que não apostaram na renovação dos sócios, que é um fator essencial para o bom andamento de um clube que se sustenta num esporte de elite. A própria crise econômica do país contribuiu também. Antes as quantias apostadas eram muito maiores, quem tinha dinheiro podia brincar com ele. Agora, as pessoas procuram guardar o dinheiro e pensam duas vezes antes de apostar. Além do mais, o número de cavalos diminuiu, porque o custo necessário para manter um é absurdamente alto. É o esporte dos reis, não é para qualquer um não. Você percebeu uma diferença entre as pessoas que frequentavam antigamente e as que frequentam hoje? Antigamente o Jockey parecia muito fechado, reservado às elites, penso que devido à falta de divulgação do espaço. Porém até hoje as pessoas acham que para entrar no Jockey você deve ser um sócio ou pagar uma taxa de entrada; poucos sabem que a entrada é franca e que só é preciso pagar o estacionamento, se vir de carro, por exemplo. Também acham que aqui é de difícil acesso, mas vários ônibus param praticamente na entrada. Todo mundo pode frequentar.
“É O ESPORTE DOS REIS, NÃO É PRA QUALQUER UM” O novo prefeito de São Paulo, João Dória, tem alguns planos de transformar o Jockey Clube em um parque público. Como você acredita que essa mudança estrutural afetará as corridas? Eu acho que essa transformação é valida, porque vai fazer com que as pessoas conheçam o que o Jockey realmente é. Esse lugar tem um potencial que não é muito bem explorado. Para uma criança, por exemplo, aqui é um lugar seguro em que ela pode ter contato com um animal de grande porte e assistir uma corrida de cavalos, uma opção de lazer totalmente diferente e isso tudo bem no meio da cidade de São Paulo. O que o Jockey representa para você? O Jockey tem algo que acho maravilhoso: todos que vivem ou trabalham aqui (cuidador de cavalos, porteiros...), tem uma história bonita para contar. Eu consegui, ganhando um salário modesto, construir minha vida no Jockey e aprender muito todos os dias, porque aqui convivo com gente de diferentes idades e classes sociais. Cada dia um capítulo novo é adicionado na minha vida, o Jockey é a minha segunda casa.
Av. Lineu de Paula Machado, 1263, Cidade Jardim De segunda à domingo, das 8h às 17h (11) 2161-0240 / jockeysp.com.br REVISTA ESPRESSO 45
A Terra Palestrina POR GABRIELE MARTINEZ
FOTO: Rogério Bromfman
ESPORTE•TRANSFORMAÇÃO
O
lugar já recebeu três vezes mais gente do que sua capacidade permitia. Foi palco de uma reunião de 50 mil fascistas. Já foi abatedouro de porco... e, ah, sim, também teve muito futebol. Turiassú. Palestra Itália. Parque Antártica. Allianz Parque. Muita coisa mudou nas Perdizes. Nomes e estruturas foram trocadas. Mas não a presença palmeirense. A história do estádio começa sem ao menos ser um estádio: quando ainda era apenas em campo, inaugurou os torneios oficias no Brasil com o primeiro jogo do Campeonato Paulista em 3 de maio de 1902, que terminou com a vitória por 2 a 1 do Mackenzie sobre o Germânia. A história palestrina começa a ser de fato escrita naquele terreno em 1917, mas mesmo antes disso, o Parque Antártica já se mostrava importante para a capital paulista: rivalizava com o Velódromo Paulistano pelo título de principal palco do futebol de São Paulo. E além da bola que rolava nas quatro linhas, o campo também era utilizado para diversos eventos, que iam desde corridas de cavalo até espe-
táculos de ópera. Em seus primórdios, o campo fazia parte do Parque da Antárctica , empresa que, por coincidência, era abatedora de suínos antes de migrar para o ramo cervejeiro. O Germânia, equipe de origem alemã mandante do primeiro jogo oficial brasileiro, era quem usava o campo majoritariamente. Com o início da 2ª Guerra Mundial, o clube perde força e quem passa a administrar o espaço é a própria Liga Paulista de Futebol. E o Palmeiras? É importante contextualizar que até 1917, duas entidades comandavam o futebol na cidade: a LPF (Liga Paulista de Futebol), e a APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos), uma dissidência da primeira. Algumas questões que geram debate até os dias de hoje no futebol já podiam ser observadas na época com o embate entre as duas federações, como elitização e profissionalismo. Outro dos duelos foi a questão do estádio sede da competição: enquanto a LPF utilizava o Parque Antártica, a APEA era adepta do Velódromo. O Palestra Itália, fundado em 1914 e que , em 1942 , receberia o nome atual, era associado à APEA, conhecendo seu lar apenas em 1917 , já que mandou jogos no Velódromo e na Chácara da Floresta. O primeiro jogo do alviverde em sua futura casa é em 21 de abril de 1917, contra o Internacional-SP, com uma goleada por 5 a1.
Com o desaparecimento da LPF, a APEA passou a cuidar de dois campos: o da Floresta, que substituiu o Velódromo, e o da Antártica. O Germânia, locatário oficial, sublocava o espaço para o América-SP. Em janeiro de 1918, depois de um tempo dividindo as instalações, o Palestra Itália decide arrendar o Campo do Parque Antártica. A “Loucura do Século” foi encarada por um grupo de investidores (ainda que seja de uma época mais romântica), e trouxe orgulho pra toda uma colônia. O conde Francisco Matarazzo liderou a arrecadação de 500 contos de réis. A título de comparação, um palacete bem localizado na cidade custava 50. Os alagamentos da região da Água Branca, que mais tarde explicam o famoso campo suspenso do estádio, ainda abaixaram o preço do terreno. 250 contos de réis foram pagos à vista, e mais duas parcelas de 125 completaram o sonho. Nada mais poderia ser considerado como loucura: 1930, uma nova era. A pedra fundamental é lançada e a ideia de um estádio toma forma. Depois de um concurso malsucedido para a escolha do projeto arquitetônico, devido às proporções quase faraônicas, um modelo mais factível foi colocado em prática. Foram três anos jogando entre obras até a inauguração em 13 de agosto de 1933, contra o Bangu-RJ. A finalização da obra se deu em 1936, tendo a próxima grande reforma só na década de 60. O Corinthians aparece de forma curiosa na história do estádio: devido a construção do Pacaembu em 1940 e do Morumbi em 1960, os dois clubes passaram a mandar seus jogos em estádios com capacidades maiores que a das suas casas, tornando o derby de 21 de janeiro de 1976 o último do
FOTOS: Departamento de Acervo Histórico do Palmeiras
Palestra Itália em demolição Palestra Itália. Apesar disso, o eterno rival do lado leste da cidade tem mais jogos do que se imagina no reduto alviverde, inclusive como mandante: 165 partidas, desde a época em que a Liga Paulista era administradora do campo da Cia. Antártica, até 1940. Nesse período, mesmo com o Parque São Jorge, permaneceu disputando seus clássicos no Palestra até a inauguração do Pacaembu. Como todo lugar lendário, há histórias que nunca foram provadas (e nem desmentidas): segundo o historiador do clube, Miro Amaral, no ano de 1920 circulou a informação nos jornais da capital que o jogo entre Paulistano e Palestra Itália, que poderia decidir o Campeonato Paulista daquele ano, registrou um público de aproximadamente 60.000 torcedores – um total muito superior à capacidade de então, 26 mil pessoas. Como a conta teria sido feita? A partir dos registros da companhia Light em relação aos bondes da região, que chegaram até em, imagine, congestionar as imediações do estádio no começo do século XX. Existem também os episódios
mais controversos: há quem diga que em um domingo do final da década de 30, 50.000 fascistas realizam uma reunião política nas arquibancadas do Palestra, em sua maioria imigrantes italianos do interior do estado de São Paulo. Em contrapartida, os torcedores da capital se orgulhavam de ter permanecido em casa, com o importante adendo de estarem comendo pasta. Por mais que sua capacidade fosse média comparada com outros estádios da capital, como o Canindé, que acomoda 21.004 – sim, não esqueça desses quatro – torcedores, e o Conde Rodolfo Crespi da Rua Javari, ainda menor, com 4.000 lugares, o Palestra Itália nunca pareceu perder seu aspecto de campo de bairro, ilustrado perfeitamente pela folclórica “Turma do Amendoim”, essencialmente palmeirense. Em 9 de julho de 2010, o gramado do velho Parque Antártica aguardou o alviverde imponente para a luta pela última vez. E o prélio foi contra o Grêmio, clube porto-alegrense com quem protagonizou uma acalorada rivalidade nos anos 90, amenizada, enfim, na figura
de Luiz Felipe Scolari, símbolo do lado paulista e gaúcho da história. É aí que começa o mais novo capítulo da história da Sociedade Esportiva Palmeiras: a Construção do Allianz Parque. Depois de quatro anos dividindo o Pacaembu com o meio irmão Corinthians (os dois teimam em se chamar de rivais, não percebendo que um não vive sem o outro), os alviverdes da capital paulista voltaram ao velho endereço. Inaugurado em 19 de novembro de 2014, já viu o time da casa ser campeão duas vezes em seu gramado, na Copa do Brasil de 2015 e no Campeonato Brasileiro de 2016. Depois dos rebaixamentos e um começo de século complicado, a torcida recupera sua confiança. Como todo novo estádio, é claro o processo de elitização , com a ditadura dos programas de sócio torcedor e entradas para torcedores comuns que começam na faixa de 90 reais. Mas, nas palavras do historiador Miro Amaral, nem mesmo isso tirou o clima apaixonado de dentro do estádio, já que aquele solo é, desde 1917, a Terra Prometida Palestrina. REVISTA ESPRESSO 49
Doentes das Clínicas
Quartas e domingos. O destino é sempre o mesmo. É fácil nos identificar. Percebem que algo não é comum. Somos levados às Clínicas. Uns chamam de estação do Metrô, mas eu ainda acho que é a sala de espera do manicômio. Lá fica bem claro que o quadro das pessoas não é dos mais normais, com todos os sintomas se intensificando, principalmente quando começa o encontro de muitos na mesma situação. Um padrão curioso: normalmente todos se vestem de preto e branco, apesar do verde da linha do metrô. Doutor Arnaldo é o responsável por atender todos nós. O médico nos dá boas vindas, tenta um diagnóstico. Olha pra um lado, olha pro outro: Faculdade de Medicina da USP, Instituto Adolfo Lutz, Instituto Emílio Ribas e nada. Nenhum destes centros de excelência parece ser o destino ideal para que a doença seja descoberta. A multidão fica cada vez mais ensandecida, e é necessária a ajuda de um major, o Natanael. Nem mesmo o cemitério do Araçá nos intimida. O militar nos leva por um caminho íngreme, mas prazeroso. Até que, depois de uma complicada travessia, entre flanelinhas, cambistas e vendedores, se avista a ponta de uma velha arquibancada. Em mais alguns metros, antigos portões. Até que surge um jovem bem-apessoado, com duas bolas, um par de chuteiras, um livro, e uniformes nas mãos. Dizia estar ali a solução para todos aqueles sentimentos expressos de maneira estranhamente organizada. O local do tratamento? Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o popular Pacaembu, mas pode chamar de hospital. Uma tarde de repouso no local e todos teriam sua sanidade recuperada. A promessa animou Dr. Arnaldo e Major Natanael. Sr. Miller, apesar de ter nascido no Brasil, mantinha uma expressão típica de sarcasmo britânico herdada dos pais bretões. Aliás, era da Terra da Rainha que Charles Miller (o rapaz milagroso) havia trazido seus instrumentos de cura. Educadamente, ele convidou todos a entrarem em seu imenso consultório. Um pouco diferente do comum, é verdade. Mas encantador à primeira, segunda e centésima vista. Após a acomodação dos milhares de doentes, Miller convoca seus 22 ajudantes. É aí que a magia acontece: O uniforme reafirmava nossa identidade e pertencimento em meio a tantos. O livro deixava claro que mesmo a loucura tem suas regras, por mais que por vezes ela tenha sido posta a prova mesmo nos momentos mais óbvios. O par de chuteiras tratava de dar àquela sessão de terapia ares de profissional. As bolas eram as injeções de choque naquela medicação. Dr. Arnaldo e Major Natanael, de longe, percebem que a intensidade dos atos daquelas pessoas crescia em medidas desproporcionais. No momento em que, a bola passa a linha que fica debaixo de três traves ligadas por uma rede na curiosa sala de cuidados, os dois perceberam o quão sádico foi Charles Miller em enganá-los. E, paradoxalmente, como aquele remédio era poderoso. Essa história se repete desde 1940. Ela foi majoritariamente contada em preto e branco. E não só pelo fato de ser antiga. Algumas pinceladas verdes fizeram questão de combinar com o piso daquele lugar. Os 22 assistentes do Sr. Charles se revezaram muito. Dr. Arnaldo e Major Natanael se tornaram cúmplices. A praça sem número ganhou alma. O hospício virou casa de muitos. Ultimamente, as consultas se tornaram mais raras. Mas há quem ainda faça o mesmo trajeto em busca das origens da sua insanidade. Gabriele Martinez é jornalista, e, desde 05 de março de 2006, é presença constante no consultório do Sr. Charles Miller