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Maestra do ensino
Andrea Zimmer é diretora de uma das melhores escolas do mundo, de Novo Hamburgo, e fala sobre o poder da educação
Por Amanda Krohn (texto e fotos)
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Quando se pensa em referência em ensino, quais são as primeiras instituições que vem à nossa mente? É seguro dizer que uma escola pública não é a primeira. No entanto, a Escola Municipal de Ensino Básico (EMEB) Professora Adolfina J.M. Diefenthäler vem para mudar esse cenário: foi uma das três finalistas da premiação World’s Best School, na categoria Colaboração da Comunidade, mostrando que a educação pública tem, sim, um grande potencial. A instituição de ensino disputou, na última etapa do concurso, com uma escola da Escócia e outra da Índia, após já ter vencido as outras 47 participantes. Sem estabelecer segundo e terceiro colocados, o concurso definiu apenas o primeiro lugar para a escocesa Dunoon Grammar School, que recebeu um prêmio equivalente a cerca de R$250 mil. Mesmo sem a vitória, o reconhecimento como finalista coloca a escola hamburguense em posição de destaque e é motivo de orgulho para a região. Em entrevista exclusiva à Revista Expansão, a diretora Andrea Zimmer falou sobre a EMEB e sua participação no concurso mundial.
Para começarmos, gostaria que você contasse um pouco da história da E.M.E.B. Prof. Adolfina J.M. Diefenthäler. A Adolfina foi fundada em 1954 e está no prédio atual há aproximadamente 15 anos. A mudança ocorreu porque, no prédio antigo, a escola ia apenas até o sexto ano. Por isso, os pais dos alunos conversaram em conjunto com a secretária de educação à época, Maristela Guasseli – que é a mesma hoje em dia –, para solicitar um prédio novo que pudesse contemplar até o nono ano. Então a administração atendeu à nossa solicitação e, aos poucos, começamos a incluir sexto, sétimo e oitavo ano. No antigo prédio, tínhamos 500 alunos e, a partir da mudança de endereço, passamos a ter 750, aumentando gradativamente a quantidade.
A Adolfina foi uma das três finalistas na categoria Colaboração da Comunidade, devido ao projeto Gestão Democrática. Como funciona o projeto e como ele contribui com o desenvolvimento dos estudantes? Ele iniciou em 2013 e, mensalmente, realizamos a assembleia de professores, pais, funcionários e alunos, na qual fazemos um planejamento coletivo de ações e melhorias para a escola. Além disso, anualmente ocorre uma conferência, na qual geramos um documento com todas as ideias que serão aplicadas no ano seguinte, que vieram dos pais e alunos. É bem bacana e faz diferença na aprendizagem dos alunos, porque eles se sentem parte da escola. Muitas das atividades que temos agora vieram das sugestões passadas nas assembleias e conferências. Uma delas é o Recreio sob Rodas, em que uma vez por mês os alunos podem trazer patinete, patins, bicicleta ou o que quiserem para o intervalo das aulas. Também temos uma sala de ciências e uma sala de jogos, que levou três anos para ser aplicada devido à falta de um espaço para isso. Assim que foi possível, construímos, pintamos e ficou bem bonita. É isso o que faz com que os alunos sintam que a escola é pensada para eles.
Assim que foi possível, construímos, pintamos e ficou bem bonita. É isso o que faz com que os alunos sintam que a escola é pensada para eles.”
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Quais características do projeto você atribui a esse reconhecimento? Acredito que o que mais chamou a atenção das pessoas foi o que fizemos no ano passado, em que trocamos todo o mobiliário das salas de aula: agora não tem mais essa coisa de classe uma atrás da outra, são mesas redondas, para que seja mais colaborativo e se trabalhe em grupo. Recebemos visitas de diversos lugares, inclusive de viajantes do Canadá, além de futuros professores, que ficaram encantados com a iniciativa. É uma ideia diferente porque não precisa de dinheiro para implantar: basta ouvir as pessoas, então qualquer diretor do mundo pode implementar ações semelhantes.
Como foi a experiência de ver a escola que tu diriges concorrendo à posição de melhor escola do mundo? Não imaginei isso nem nos meus melhores sonhos. O bacana é que mesmo as pessoas que nunca nem passaram na frente da escola nos parabenizam. A repercussão não foi apenas municipal, foi no país inteiro, recebemos elogios até de moradores de Brasília. Também é muito legal ver a alegria das crianças aqui na comunidade e enxergar que o trabalho de uma escola pública é sério, sim. Por isso digo para as minhas colegas de profissão: “inscrevam as suas escolas também, não é só na Adolfina que tem ações bacanas”.
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Falando nisso, para você, qual é a importância de premiações como esta para o fomento à educação, em especial à educação pública? É muito importante. Outras escolas públicas participaram também, uma delas era a Escola de Referência em Ensino Fundamental Evandro Ferreira dos Santos, de Pernambuco, que esteve entre as 15 finalistas na categoria Superação de Adversidades. A Escola Técnica Estadual Professor Agamenon Magalhães (Etepam), no Recife, também chegou a essa etapa, na categoria Inovação. É um reconhecimento importante para enxergarmos que a escola pública também tem trabalho sério: talvez se houvesse maior investimento do governo, faríamos mais sucesso. Mas participar de concursos como esses são uma oportunidade de reverter uma pauta com as quais as pessoas estão acostumadas, que é acreditar que as escolas públicas brasileiras não têm qualidade e que se matricula os filhos lá por falta de condições financeiras para uma escola particular. Concorremos com escolas particulares também, então é uma chance de mostrar o outro lado da escola pública.
Quais projetos oriundos da Gestão Democrática são os que mais se destacam entre os pais e os alunos? Tem o recreio compartilhado, no qual todos ficam juntos no recreio, onde eles utilizam todos os espaços da escola; a Feira de Iniciação Científica, onde os alunos que estão entre o terceiro e o nono ano se dividem em grupos e fazem pesquisas durante o semestre inteiro, uma vez por semana, sobre um assunto que seja do interesse deles, orientados por um professor. Os estudos que mais se destacam participam da feira, em julho. Temos ainda o Fora da Caixa, que contempla os alunos do primeiro até o quinto ano e consiste em oficinas de 50 minutos, que ocorrem após o recreio, nas quintas-feiras. Temos oficinas de culinária, pintura, desenho, brincadeiras folclóricas… geralmente são dois encontros por professor, que vai sendo trocado. Além disso, temos a roda de poesia, em que os alunos da educação infantil ao quinto ano declamam poesias na biblioteca, nas terças e quartas-feiras de manhã.
Quais outras atividades a escola aplica para incentivar o desenvolvimento de características como liderança, colaboração, criatividade, idade e empatia? Temos também os monitores do recreio, no qual um grupo de alunos é selecionado diariamente para cuidar do intervalo das aulas. Nessa atividade eles desenvolvem a liderança, aprendem a ouvir, mediar conflitos, é bem legal. Organizamos diversas ações que auxiliam na formação humana de nossos alunos, como o Recreio Cultural, em que os alunos podem cantar ou tocar algum instrumento para os colegas no intervalo; o Núcleo de Orquestra Jovens, em parceria com a Secretaria de Cultura de Novo Hamburgo, em que eles aprendem a tocar instrumentos musicais e fazem shows, como o do Natal da cidade, do qual eles vão participar também, entre outros. São projetos em que todo mundo ensina e todo mundo aprende.
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Para você, qual é a importância da educação básica para a formação humana como um todo? Acredito que é muito importante, porque é na escola que muitos alunos passam a ter acesso a livros, leitura, viagens. Não serve apenas para aprender matemática, geografia, português ou história, vai muito além disso. A escola é um lugar de cultura, esporte e de protagonismo, onde a gente aprende a se relacionar e ter empatia, então é essencial.
Como iniciou sua relação com a educação? A minha relação com a educação iniciou quando, em nível de segundo grau, fiz o curso que na época era chamado de Magistério. Durante o curso, eu fiquei como estagiária em um projeto chamado Aprender Fazendo, da prefeitura, para o qual me candidatei e fui trabalhar como auxiliar de professora em uma Emei, com crianças pequenas. Então me formei, fiz o concurso da prefeitura e comecei, há 31 anos estou nesta caminhada.
O que é educação para você? Você acredita em seu poder transformador? Acho que tem vários espaços de educação, eu vejo que a gente aprende muitas coisas na escola, mas a gente aprende muitas coisas em todos os lugares: a mídia nos educa, a arte, a família nos educa, né? Outros espaços também nos ensinam, como por exemplo, a lidar com pessoas. Acredito que a gente é transformado por esses lugares, esses espaços, à medida em que vamos interagindo com eles. Acho que a escola é, sim, um lugar de aprendizado, mas não o único. Desde que nascemos estamos aprendendo e ensinando, as pessoas aprendem muito também na relação com o outro, aqui na Adolfina a gente trabalha muito essa questão do se relacionar, se misturar e compartilhar.
Você já fez parte de alguma história sobre o poder que a educação tem na vida de alguém? A gente tem vários alunos nossos que hoje estão em vários outros espaços, como o Liberato, que estão na Feevale, ou em outros lugares, vivendo suas trajetórias. Aqui nós incentivamos muito essa questão de os alunos irem estudar no Liberato, de terem um projeto de vida, é bem interessante. E daí a gente tem vários alunos que foram para lá, todo ano temos um grupo de alunos que depois vãai para a faculdade, enfim. Neste ano teve a Mostratec, e a gente reencontrou lá vários ex-alunos que estão estudando no Liberato e apresentando seus trabalhos científicos, isso deixou a gente muito feliz. Acho muito legal ver essa alegria em estar sempre estudando e aprendendo coisas novas. No entanto, penso que a gente privilegia muito essas histórias. Elas são bacanas, mas os alunos que decidiram não cursar uma faculdade, por exemplo, não estão vivendo uma história de fracasso, e sim, foram para outros caminhos, o projeto de vida deles é outro.
Na sua visão, que medidas deveriam ser tomadas para reduzir a desigualdade na qualidade entre o ensino público e o privado, para que mais escolas possam receber o mesmo reconhecimento que a Adolfina? Vejo que a maior desigualdade entre as duas está na estrutura, pois temos professores tão qualificados quanto os da escola privada. Acho que deveria haver mais verbas e incentivo para escolas públicas. Quando entrei, não havia verba municipal, não existia repasse de dinheiro das prefeituras para as escolas e agora tem. Mas é claro que sempre pode melhorar, para que possamos fazer mais projetos e possuir uma estrutura melhor.