Edição Especial Comemorativa A Revista FIPECAFI é uma publicação exclusivamente eletrônica. Por ocasião de seu lançamento foram publicados 600 unidades distribuídas gratuitamente.
Conselho Supervisor
Alexsandro Broedel Lopes Ariovaldo dos Santos Edgard Cornacchione Jr. Edilson Paulo Ernesto Rubens Gelbcke Iran Siqueira Lima Luiz Nelson de Carvalho Natan Szuster Roberto Quiroga Mosquera Sergio de Iudícibus Tadeu Cendon Welington Rocha
Editor Chefe
Eliseu Martins
Editor Executivo
Eric Aversari Martins
Revisão Gramatical
Fabíola D’Agostini Peleias
FIPECAFI | Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras Rua Maestro Cardim, 1170 - Bela Vista - São Paulo/SP (55) 11 2184-2000 revista@fipecafi.org
Editorial Juntamente com a comemoração de seus 40 anos, a FIPECAFI lança esta nova revista. Constituída com o objetivo da disseminação de conhecimento contábil para a comunidade profissional e estudantil, a Revista FIPECAFI objetiva a publicação de artigos técnicos e informativos que foquem em temas atuais e relevantes para a prática contábil, bem como de artigos oriundos de pesquisas científicas que possuam relevância prática, com linguagem adaptada ao mercado profissional e estudantil. Não tem a característica normal das revistas acadêmicas mais voltadas às pesquisas científicas e aos níveis de Mestrado e Doutorado. A Revista FIPECAFI, portanto, vem com uma missão diferente da Revista Contabilidade & Finanças, também da FIPECAFI e do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP, que há 25 anos tem sido a mais conceituada revista acadêmica contábil no Brasil. A Revista FIPECAFI procura, na verdade, abrir mais um canal de comunicação entre a academia e a prática com características de maior acessibilidade pelo público a que se destina. Nesta edição inaugural, contamos com a participação do ex-ministro Pedro Malan respondendo a perguntas sobre sua participação como Trustee do IASB, bem como sobre o processo de harmonização contábil no Brasil e no mundo. E são apresentados quatro artigos. O primeiro traz uma visão internacional sobre o conteúdo e a relevância das notas explicativas, tema atual no Brasil e no mundo. O segundo discute a importância da educação contábil e apresenta o trabalho realizado pela Iniciativa Educacional da Fundação IFRS. O terceiro apresenta os recentes avanços no mundo sobre os relatos integrados. O último, cuja primeira parte é publicada nesta edição, a ser completada na próxima, discorre sobre os efeitos inflacionários nas demonstrações contábeis. Desejamos a todos uma excelente leitura! E pedimos comentários e sugestões de todos para o aperfeiçoamento da Revista.
Eliseu Martins Editor-Chefe
CHAMADA PARA SUBMISSÃO DE ARTIGOS A Revista FIPECAFI está realizando uma chamada pública para envio de artigos para compor suas primeiras edições. Para conhecer o processo de avaliação de artigos, formato sugerido dos textos e regras de submissão visite: http://revista.fipecafi.org. Abaixo encontra-se uma lista de temas sugeridos, mas não exclusivos, que podem ser abordados pelos autores. Outros temas que não estejam listados mas que sejam de interesse aos leitores da Revista FIPECAFI são benvindos. • Lei no 12.973/14 --Impactos contábeis e fiscais
• Evidenciação --Excesso de informações irrelevantes --Falta de informações relevantes --Relevância da informação contábil, o que desejam os analistas? --Simplificação das notas explicativas
• Possíveis alterações nas IFRS --Arrendamentos Mercantis --Instrumentos Financeiros --Efeitos práticos das alterações em discussão da Estrutura Conceitual --Atividades com tarifas reguladas
• Normas contábeis atuais --Pagamentos baseados em ação --Instrumentos Financeiros Híbridos --Valor Justo --IR diferido a valor nominal e classificável somente no não circulante --Efeitos da eliminação da consolidação (des)proporcional --Equivalência Patrimonial
• Contabilidade inflacionária --Efeitos da falta de correção monetária nos balanços --Reconhecimento dos efeitos inflacionários e os conceitos de manutenção de capital
• Auditoria --Rodízio de auditores --Eficácia das alterações no Relatório dos Auditores
• Educação --Ensino de IFRS --Evolução do conhecimento em IFRS
• Contabilidade Gerencial e de Custos --Sistema de custos para suporte ao processo de avaliação de desempenho e remuneração variável dos gestores --Sistema de custo padrão para fins de participação nos lucros e resultados das empresas (PLR) --Sistema de apuração de custos no setor de serviços: diferenças com o de manufatura --Alocação de custos de sistemas: hardware e software --Nível de volume de produção para fins de alocação de custos fixos aos produtos no setor de manufatura --Nível de volume de produção para fins de alocação de custos fixos aos produtos no setor de prestação de serviços --Contabilização e reporte de custos de overhead --Contabilização e reporte de custos da qualidade --Apuração de custos por fase do ciclo de vida dos produtos --Custeio por responsabilidade em logística --Adequação da Contabilidade Gerencial a fatores contingentes: porte, setor, estratégia, fase do ciclo de vida, tecnologia de produção, tecnologia de gestão, incerteza ambiental percebida, intensidade da concorrência etc. --Da DRE societária à gerencial: adaptações necessárias
Entrevista
Pedro Malan
Pedro Malan O IASB é o board (comissão) que emite as IFRSs (Normas Internacionais de Contabilidade, para simplificar), e é um comitê puramente técnico. A entidade jurídica que o abarca é a Fundação IFRS, que é a responsável pela manutenção da qualidade do trabalho técnico do board do IASB, pela promoção do uso dos IFRSs ao longo do mundo, do levantamento das necesidades dos diversos países etc. Também lhe cabe toda a parte administrativa, orçamentária, de captação de recursos, nomeações dos componentes do IASB, suas comissões e seus grupos, sem qualquer papel na elaboração das normas técnicas. Pedro Malan, ex-Presidente do Banco Central e ex-Ministro da Fazenda, foi membro do Conselho Curador dessa Fundação (Board of Trustees) por dois mandatos consecutivos, representando o Brasil até há poucos meses. Nosso primeiro entrevistado é ele, que tão gentilmente aceitou o convite para falar de sua experiência e de sua visão nessa tão alta função. Em números seguintes desta Revista entrevistaremos seu predecessor, Roberto Teixeira da Costa, e sua sucessora, Maria Helena Santana, que acaba de assumir a função. Muito obrigado, Pedro Malan, pela entrevista e pelo trabalho realizado em prol da contabilidade brasileira e internacional.
Folhapress
O Sr. foi Trustee da Fundação IFRS desde o ano de 2008 até o 2013. Quais foram as principais atividades realizadas no seu mandato? Foram seis anos de muito trabalho para o grupo IFRS. A grande crise internacional que começou em 2007 – e ainda não completamente superada – trouxe à tona a necessidade de maior interação entre reguladores, supervisores e os vários emissores de normas contábeis para demonstrações financeiras. Isto conferiu maior complexidade às atividades do grupo, mas por outro lado, e um tanto paradoxalmente, reforçou a necessidade de continuar o esforço de convergência no sentido de adoção de um padrão global, de qualidade, para demonstrações financeiras que assegurasse transparência e comparabilidade internacional – como é
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Entrevista
Pedro Malan
o IFRS, hoje adotado ou em vias Trustees no inicio dos anos 2000. de adoção por número crescente Mas o que realmente facilitou o de países no mundo. meu trabalho foi a extraordinária qualidade dos brasileiros espeO Sr. encontrou alguma dificulcialistas no tema, em particular dade por ser brasileiro ao ocuaqueles envolvidos direta ou indipar esse cargo? Nenhuma, pelo retamente com o CPC (Comitê de contrário. A posição que passei Pronunciamentos Contábeis) que a ocupar em janeiro de 2008 já já reunia, em brilhante e exemplar havia sido ocupada antes (e muiiniciativa, seis instituições fundato bem ocupada) por um ilustre brasileiro: Roberto Teixeira mentais para o Brasil e seu futuro da Costa. A Lei no 11.638 havia nesta área: ABRASCA, APIMEC, sido aprovada pelo Congresso BMF/BOVESPA, CFC, FIPECAFI em dezembro de 2007, sanciona- e IBRACON. Um Comitê que já da ainda naquele ano e a CVM tinha a CVM e o Banco Central começou imediatamente a atuar. como observadores. O Brasil já era um pais respeitado pelo que havia feito nesta área. Eu era um entre 22 Trustees, dos quais 6 da América do Norte, 6 da Europa, 6 da Ásia e 4 do “resto
“O que realmente facilitou o meu trabalho foi a extraordinária qualidade dos brasileiros especialistas no tema, em particular aqueles envolvidos direta ou indiretamente com o CPC.” do mundo”. Dentre os países em desenvolvimento estavam presentes: China, Índia, África do Sul e Brasil. Ajudou-me o fato de que fui convidado (em setembro/outubro de 2007) para o cargo por Paul Volcker, então Presidente do Nominating Committee e que havia sido primeiro chairman dos
O início do seu mandato coincidiu com o primeiro ano de adoção (mesmo que parcial) das normas internacionais do IFRS. Posteriormente, em 2010 o Brasil adotou integralmente as normas e passaram-se ainda 3 anos de adoção total. A curva de aprendizado, no Brasil, das normas internacionais certamente evoluiu ao longo desse período) Qual a sua visão sobre a qualidade do processo de convergência ocorrido no Brasil? A visão é muito positiva e elevou consideravelmente a imagem do Brasil, não só no meio dos reguladores, supervisores e standard-setters como junto aos investidores em geral. O modelo que adotamos, que foi evoluindo para transformar o CPC em uma Fundação, é um modelo vencedor e que poderia ser utilizado por vários outros da região. A adoção dos IFRS e não a adaptação às conveniências de cada país é uma tarefa complexa e gradual. Mas no fundo é benéfica para o país e, principalmente, para suas empresas.
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Como o Sr. enxerga os impactos no Brasil, positivos e/ou negativos, do processo de convergência? No geral são positivas. Os demonstrativos financeiros publicados de acordo com as normas do IFRS, hoje amplamente utilizadas no mundo, permitem algo fundamental para investidores: transparência e comparação internacional, contribuindo para facilitar o acesso ao mercado internacional de capitais, estimulando mais empresas a considerar listagem em bolsas, facilitando processos de consolidação. Não considero aspectos negativos do processo de convergência o fato de que este seja complexo e trabalhoso ou porque o Brasil – como dezenas e dezenas de outros países relevantes no mundo – esteja abrindo mão de desenvolver um especial “Brazilian Generally Accepted Accounting Principles” que só nós aplicaríamos e que poderíamos alterar à luz de nossos exclusivos interesses do momento. Não há muito espaço no mundo de hoje para “menus à la carte” de regras contábeis para demonstrações financeiras. Qual a visão que os membros do IASB têm sobre o Brasil em relação ao processo de convergência realizado no Brasil? Não tenho qualquer receio em afirmar que os membros do IASB, ai incluídos seu Chairman, Hans Hoogervorst, o vice-chairman, Ian Mackintosh e demais diretores, assim como o Chairman do Trustees, Michael Prada e a maioria dos Trustees, têm uma visão muito positiva sobre o processo de convergência que foi realizado no Brasil, e pela construtiva participação do país em todas as áreas da atividade do Grupo – inclusive
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Entrevista participações no financiamento do Grupo IFRS. O processo de convergência das normas internacionais é uma realidade no mundo. O Sr. entende que ele pode vir a gerar uma falta de independência dos normatizadores locais, como por exemplo, a CVM ou o BACEN? A participação formal de quaisquer país em qualquer conjunto de normas internacionais, seja na área de comércio, como por exemplo, na OMC, seja área regulatória (por exemplo normas decididas pelo Comitê de Basileia para instituições financeiras) e numerosas outras, envolve sempre algum julgamento sobre benefícios e custos e sobre o grau de participação do país nas atividades da instituição responsável pelas normas. Creio que os benefícios superam por larga margem os custos envolvidos em restrições a uma total margem de manobra e “independência” para adotar, internamente, normas que atendessem apenas a conveniências do momento. A adesão - voluntária - sempre pode ter algum custo. Mas os custos de não integração ao resto do mundo podem ser bem maiores. Verifica-se um visível aumento na participação do Brasil no IASB, ocorrido fundamentalmente ao longo do seu mandato. (Atualmente temos brasileiros no Board de Trustees (Maria Helena Santana, que o substituiu), Board do IASB (Amaro Gomes), no ASAF (Alexsandro Broedel Lopes), diversos membros brasileiros de Grupos de Trabalhos específicos, Valeska Barros no Advisory Council e
Pedro Malan
“O Brasil deve estar sempre preocupa-
do com a qualidade de suas contribui-
ções e das pessoas envolvidas, e não
com aspectos ligados à quantidade
de brasileiros com
posições no grupo.” um “quase brasileiro” na área de desenvolvimento e aplicação de materiais educacionais (Guillermo Braunbeck). Ainda, sessões de discussões de normas (roundtables) têm sido realizadas no país e há uma singela mas crescente participação de brasileiros no envio de cartas comentários ao IASB.) Qual a relevância, para o país, da participação no IASB? O Brasil deveria buscar aumentar esse envolvimento no IASB? A pergunta é excelente, em parte porque já traz em si a base para a sua resposta, ao listar a ativa e significativa presença do Brasil nas várias instâncias do grupo IFRS. Dentre os países ditos emergentes, não há nenhum outro que tenha, hoje, mais prestigio, mais voz e influência do que tem o Brasil no âmbito do IFRS. A relevância desta participação é que o Brasil pode, através de sólidos argumentos técnicos, influenciar, sem ilusões ufanistas e vagos discursos, o processo de discussão sobre normas contábeis, interpretações de normas e comentários sobre textos em audiências
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públicas, entre outros. O Brasil deve estar sempre preocupado com a qualidade de suas contribuições e das pessoas envolvidas, e não com aspectos ligados à quantidade de brasileiros com posições no grupo. Na sua visão, a participação do Brasil tem sido relevante, inclusive tecnicamente, no processo de elaboração e atualização das normas contábeis? Há uma percepção dessa relevância por parte dos membros do IASB? Não tenho dúvidas, aqui também, em responder na afirmativa. Estou seguro que, perguntados, os membros da Diretoria do IASB, o Chairman dos Trustees, e os mais antigos e experientes dos Trustees, têm consciência de papel relevante do Brasil, inclusive tecnicamente, no processo da elaboração e atualização das normas contábeis. Nomes como Eliseu Martins e Nelson Carvalho, dentre outros, que formaram, e formam, a consciência (e não apenas técnica) da profissão de contadores, auditores e analistas, são reconhecidos e respeitados internacionalmente. Um assunto que parece nunca ter saído de pauta, no Brasil, é o tratamento contábil para a inflação, muito pobremente considerado por parte do IASB. O Sr. entende que há uma necessidade premente de que as informações contábeis reconheçam os efeitos inflacionários sobre os patrimônios das empresas? Qual é a preocupação que outros países têm com esse tema? O resto do mundo nunca entendeu direito as elevadíssimas taxas de inflação que tínhamos no Brasil nas décadas que antecederam o
Entrevista lançamento do Real, chegando ao surrealismo das 1.000% ao ano em 1998 e 1989 e aos 2.500% de 1993. Desde o Real temos tido, na média dos últimos 20 anos, taxas de inflação civilizadas (relativamente às décadas anteriores). Mas o fato é que mais de 6% ao ano é uma taxa de inflação ainda alta por padrões internacionais e deveríamos ainda ter como objetivo a ser buscado com determinação reduzi-la ainda que gradualmente para o centro de meta atual (4,5%). O mundo desenvolvido adota como nível razoável para a inflação algo em torno de 2% porque em torno deste nível não há demandas por indexação. Na faixa dos 6 e 6,5% (e “ancoradas” por aí, quando a meta é bem mais baixa), são inevitáveis as pressões e demandas por correções pelo menos nestes níveis. O tratamento contábil para inflações mais elevadas realmente deixa um pouco a desejar por parte dos IFRS mas porque, em longa medida, este não é um problema relevante para o resto do mundo. Este, certo ou errado, vê o problema de inflação alta como algo que deveria ser resolvido através de políticas domésticas e não através de transitórias acomodações contábeis. Mas reconheço que uma inflação de cerca de 6% ao ano, se aceita como normal, representa cerca de 100% de inflação acumulada em 12 anos, com efeitos não desprezíveis sobre certos itens de balanço das empresas.
Pedro Malan um estreito diálogo com a CVM, o Banco Central e a SUSEP, investindo na qualidade da formação acadêmica e profissional de contadores, auditores, analistas de mercado de capitais e de preparadores de demonstrações financeiras de empresas médias. E estando sempre atento aos problemas de implementação e de interpretação dos IFRS que sejam relevantes para o nosso caso. No plano internacional, consolidar a presença, voz ativa, e influência potencial do Brasil nos comentários sobre propostas do IASB que sejam postas em audiência publica, sobre exposure drafts publicados e sobre diferenças de interpretações em consideração no âmbito do Interpretations Committee. Há que estar sempre atento. Na região da América Latina, trabalhar mais de perto com os países que estejam efetivamente mais interessados em avançar no sentido de adoção formal do IFRS – e em condições de contribuir ativamente e de maneira construtiva para as atividades do Grupo IFRS.
Como o senhor vê o papel da contabilidade no processo de desenvolvimento econômico? Demonstrativos contábeis de qualidade, que expressem a real situação das empresas de maneira transparente, segundo padrões e regras utilizadas por várias jurisdições nacionais e que, portanto, permitam confiável comparação internacional, constituem inestiComo o Brasil pode aprimorar mável contribuição ao processo de o seu processo de convergência? desenvolvimento econômico em Dando continuidade ao que vem qualquer país do mundo. O Brasil sendo feito. Vale dizer, no âmbito não é exceção. Como ouvi certa doméstico, fortalecendo e conso- vez do regulador indiano em conlidando o trabalho da Fundação ferência do IFRS em Nova Délhi “a CPC (e de seus pilares); mantendo contabilidade é uma linguagem. E
uma linguagem pode ser utilizada de várias formas. Inclusive para escrever obras de ficção”. Ele estava se referindo a um escândalo contábil que havia ocorrido então em seu país. E reafirmando que o processo de desenvolvimento econômico exige uma linguagem contábil que não seja ficcional, tanto no setor privado quanto no setor público. Uma linguagem baseada em fatos e em dados que não deixam de existir porque são ignorados, ou deliberadamente maquiados.
“Demonstrativos
contábeis de quali-
dade, que expressem a real situação das
empresas de maneira transparente, segundo padrões e regras utilizadas por varias
jurisdições nacionais e que, portanto, per-
mitam confiável com-
paração internacional, constituem inestimável contribuição ao
processo de desen-
volvimento econômico em qualquer pais do mundo. O Brasil não é exceção.”
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Notas Explicativas
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Notas Explicativas
Notas Explicativas
Uma visão Internacional Profa. Isabel Costa Lourenço
Instituto Universitário de Lisboa
Introdução A divulgação de informação financeira com qualidade contribui para uma diminuição da assimetria da informação entre os gestores e os investidores e para o bom funcionamento do mercado de capitais.
aspetos críticos relacionados às Notas Explicativas na hora de exigir a preparação, preparar, auditar, analisar ou, simplesmente, avaliar a informação divulgada pelas empresas nas suas demonstrações financeiras.
A importância crescente das Notas Explicativas como fonte de informação relevante justifica a atenção que muitos organismos de referência a nível internacional têm dado a esse tema nos últimos anos. A importância das Notas Explicativas Por exemplo, o IASB iniciou em 2012 uma iniciativa sobre Disclosure, com o objetivo de melhorar e simplificar as exigências de divulgação nas Notas Explicativas, e emitiu, em 2013, o Feedback Statement: Discussion Forum – Financial Reporting Disclosure, que identifica as iniciativas que o IASB pretende desenvolver nesse domínio.
As Notas Explicativas são um elemento chave das demonstrações financeiras. Apresentam informação genérica sobre a entidade informativa, um resumo das políticas contabilísticas significativas adotadas e outras informações explicativas que complementam o que está sendo apresentado nas restantes demonstrações financeiras. Desse modo, são relevantes para O FASB também tem trabalhado nesse tema e emia compreensão de qualquer uma delas. tiu, em 2014, uma proposta de um novo capítulo a incluir na sua estrutura conceitual, o Chapter 8: As Notas Explicativas, em conjunto com as outras Notes to Financial Statements, que discute a infor- demonstrações financeiras, são preparadas com o mação que deve ser considerada para inclusão nas objetivo de proporcionar informação que seja útil a Notas Explicativas. um vasto conjunto de utilizadores na tomada de deNesse contexto, apresenta-se uma discussão sobre cisões económicas. o tema das Notas Explicativas, em uma perspetiva internacional. Caracteriza-se a importância e a natureza das Notas, salientando-se os seus custos e benefícios e a necessidade de divulgar apenas informação relevante para a tomada de decisão. Por fim, caracterizam-se e discutem-se os fatores explicativos do (in)cumprimento das exigências de divulgação.
Existe evidência empírica de que a divulgação dessa informação contribui para uma diminuição da assimetria de informação entre os gestores e os investidores e, consequentemente, para um aumento da liquidez das ações, uma redução da volatilidade e uma diminuição do custo do capital1.
Pretende-se, dessa forma, contribuir para que os stakeholders estejam informados sobre alguns
1 Ver, por exemplo, Leuz, C. and Verrecchia, R., 2000, The Economic Consequences of Increased Disclosure, Journal of accounting research. 10
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Notas Explicativas Alguns estudos demonstraram também que a aplicação das IFRS, em substituição às normas locais, conduziu a um aumento significativo da qualidade da informação divulgada nas Notas Explicativas. Isso, por sua vez, está associado a um aumento da acurácia das previsões dos resultados efetuados pelos analistas que seguem as empresas2.
Benefícios Custos Diretos (processamento e divulgação) Indiretos (desvantagens competitivas)
Contudo, é importante que os benefícios obtidos superem os custos que as empresas suportam com a divulgação de informação nas Notas Explicativas, e tais custos podem ser diretos ou indiretos. Os custos diretos incluem custos de recolha, processamento e publicação da informação e dependem da natureza da empresa e da qualidade do seu sistema de informação. Os custos indiretos surgem, por exemplo, quando a divulgação de informação coloca a empresa em uma situação de desvantagem competitiva. A informação por segmentos e a informação sobre provisões e passivos contingentes são áreas sensíveis, em que a divulgação pode proporcionar aos usuários externos informação estratégica para a empresa, cuja divulgação possa afetar sua reputação e/ou colocá-la em uma posição de desvantagem perante seus concorrentes.
Menor assimetria da informação (gestores vs investidores) Maior liquidez Menor custo do capital
Notas Explicativas: quantidade versus qualidade As Notas Explicativas que integram as demonstrações financeiras das empresas sujeitas à aplicação das IFRS devem incluir as informações exigidas por cada uma das IFRS, sempre que essas forem aplicáveis e desde que a informação seja relevante. Assim, as extensas listas de informações a divulgar apresentadas nas IFRS não têm que ser, obrigatoriamente, aplicadas.
Uma empresa comercial não terá, possivelmente, que divulgar o conjunto de informações previsto nas A ponderação da relação custo - benefício pode não normas sobre agricultura, propriedades para investiser igual para todo tipo de entidades (ex: maiores mentos, pagamento com base em ações, concentraversus menores, listadas versus não listadas, fami- ções de negócios ou contratos de seguros, pois esses liares versus não familiares). Ademais, pode diver- assuntos não lhes serão aplicáveis. A divulgação de gir consoante o tipo de usuários da informação (ex: informação nas Notas Explicativas pode, assim, reinvestidores nacionais, estrangeiros e institucionais). sumir-se apenas à aplicação das exigências previstas em algumas IFRS. É, assim, fundamental que os organismos reguladores considerem a relação custo - benefício na hora Além disso, uma empresa de serviços não terá, posside exigir que as empresas divulguem um conjunto velmente, que divulgar informação detalhada sobre significativo de informação de natureza financeira. inúmeras classes de imobilizado. Pode ter também Eventualmente, isso pode ser diferente conforme a pouca informação por segmentos relevante para o natureza das empresas e as necessidades dos usuá- usuário externo. A divulgação de informação nas Notas Explicativas pode, assim, resumir-se apenas rios externos. à aplicação de algumas das exigências previstas em cada uma das IFRS. 2 Ver, por exemplo, Daske, H. and Gebhardt, G., 2006, International Financial Reporting Standards and Perceptions of Disclosure Quality, Abacus, e Glaum, M., Baetge, J., Grothe, A. and Oberdorster, T., 2013, Introduction of IAS, Disclosure Quality and Accuracy of Analysts’ Earnings Forecasts, European Accounting Review.
Contudo, o medo de confrontação, pedidos de explicação ou até de litígio pode induzir os gestores a divulgar muita informação, mesmo que essa seja
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Notas Explicativas desnecessária ou pouco relevante para os usuários externos. Esse comportamento depende da envolvente legal, ou seja, da probabilidade de existir uma chamada de atenção ou de uma ação legal, assim como da severidade das suas consequências. Todavia, pode depender também de fatores culturais, do nível de desenvolvimento do sistema de contabilidade e do sistema econômico de cada país. Verificam-se, assim, diferenças significativas a nível internacional na quantidade de informação apresentada pelas empresas, o que pode não ter a devida correspondência em termos de qualidade. Na Tabela 1, a seguir, a título de exemplo, apresenta-se o número médio de páginas que compreendem as Notas Explicativas incluídas nas demonstrações financeiras consolidadas das maiores empresas de quatro indústrias: construção, alimentar, aço e distribuição. Consideraram-se três países com características distintas: Brasil, França e Reino Unido. Compara-se o Brasil com a França, um país da Europa Continental, com um sistema de contabilidade tradicionalmente orientado para os credores e fortemente influenciado pela fiscalidade, mas onde se aplicam as IFRS há quase 10 anos. Faz-se também a comparação com o Reino Unido, um país anglo-saxônico, com um sistema de contabilidade orientado para os investidores e que segue, IFRS 3
há muitos anos, um modelo idêntico ao adotado pelo IASB. Os dados apresentados na tabela sugerem que as empresas brasileiras apresentam, em média, o dobro das páginas de Notas Explicativas, quando comparadas com as empresas do Reino Unido. As empresas francesas posicionam-se no meio: Tabela 1. Número médio de páginas que compreendem as Notas Explicativas (2012) Indústrias
Brasil
França
Reino Unido
Construção
86
61
45
Alimentar
91
47
44
Aço
97
75
46
Distribuição
96
86
41
Os valores representam a média das três maiores empresas de cada indústria, em termos de receita.
A classificação por indústria e a receita foi retirada da base de dados Datastream, da Thompson Reuters. Se admitirmos que uma maior quantidade de informação apresentada nas Notas Explicativas é sinônimo de maior qualidade das demonstrações financeiras, os usuários externos dispõem de condições mais vantajosas na hora de avaliar as empresas brasileiras. Contudo, é possível admitir também que as empresas apresentam uma grande quantidade de informação por razões de natureza cultural e/ou com o objetivo de minimizar o risco de litígio, mesmo que essa informação seja desnecessária ou pouco relevante para os usuários externos.
No
ta
s?
IAS 23
É, assim, fundamental que os organismos reguladores procurem garantir que as IAS 16 empresas não apresentem informação Aplicável? Relevante? excessiva para o mercado, mas sim ... apenas e obrigatoriamente a informação que permita atender ao objetivo IFRS 10 das demonstrações financeiras, isto é, proporcionar um conjunto de elemenIAS 12 tos que sejam úteis a um vasto conjunto IFRS 5 de utilizadores na tomada de decisões económicas. 12
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Notas Explicativas O (in)cumprimento das exigências de divulgação Ao considerar a natureza obrigatória de aplicação das normas de contabilidade, nomeadamente as IFRS, é de se esperar que as empresas cumpram todas as suas exigências de divulgação previstas, e que essas sejam aplicáveis e tenham um efeito relevante.
As empresas maiores3,4. Para as grandes empresas, com mais recursos e melhores sistemas de informação, os custos de processamento e divulgação da informação são menos significativos, quando comparados com as empresas de menor dimensão. Além disso, as grandes empresas, mais estáveis no mercado, não têm tanta necessidade de esconder informação estratégica que possa comprometer sua posição competitiva. Têm ainda maior visibilidade e tendem a divulgar mais informação, de modo a não comprometer sua reputação no mercado.5
Entretanto, uma análise das demonstrações financeiras das empresas de diversos países permite verificar que, na realidade, há empresas que não divulgam toda a informação exigida pelas IFRS. Esse incumprimento pode ser de natureza intencional ou As empresas mais rentáveis4,5,8. Os gestores das empresas mais rentáveis procuram sinalizar com não intencional. detalhe as boas notícias para o mercado, com o Algumas empresas omitem dados sem terem a inintuito de garantir o aumento do valor das ações tenção de esconder informação dos usuários exterda empresa e a melhoria das condições de finannos. Podem omitir informação simplesmente por ciamento. Além disso, as empresas mais rentáveis, desconhecimento ou interpretação equivocada de principalmente as que atuam em situações de mouma IFRS. Essa situação ocorre, por exemplo, quannopólio, procuram justificar com mais detalhe os do uma empresa não divulga informação sobre uma seus lucros, com vistas a diminuir eventuais presunidade geradora de caixa contendo um goodwill sões políticas por parte dos seus stakeholders. significativo, porque a unidade não sofreu nenhuma redução para o valor recuperável. As empresas cotadas em mercados internacionais6,8. As empresas com ações admitidas à cotaNo entanto, há também empresas que omitem inção em mercados internacionais, nomeadamente formação com a intenção de esconder elementos renos EUA, apresentam melhores níveis de divulgalevantes aos usuários externos. Pretendem guardar ção, pois é necessário que as suas demonstrações para si alguma informação que consideram estratéfinanceiras sejam compreendidas por potenciais gica e cuja divulgação pode se traduzir em uma desinvestidores de diferentes mercados, alguns deles vantagem competitiva perante os seus concorrentes. com maior nível de exigência. Um nível de cumPodem também omitir informação que possa coloprimento superior é interpretado como um bom car em causa o valor da empresa e a sua relação consinal pelos mercados, dando confiança, reduzindo tratual com terceiros. a assimetria da informação e reduzindo o custo do Existe evidência empírica de que o maior ou menor capital obtido no exterior.67 8 grau de cumprimento com as exigências de divulgaShalev, R., 2009, The information Content of Business ção de informação nas Notas Explicativas depende 5 Combination Disclosure Level, The Accounting Review. das características das empresas e das características 6 Street and Gray, 2002, Factors Influencing the Extent dos países. As empresas que, regra gera, apresentam maiores níveis de cumprimento com as exigências de divulgação de informação são:3,4 3 Akhtaruddin, M., 2005, Corporate Mandatory Disclosure Practices in Bangladesh, The International Journal of Accounting. 4 Ali, M., Ahmed, K. and Henry, D., 2004, Disclosure Compliance with National Accounting Standards by Listed Companies in South Asia, Accounting and Business Research.
of Corporate Compliance with IAS: Summary of a Research Monograph, Journal of International Accounting, Auditing & Taxation.
7 Glaum, M., Schmidt, P., Street, D. and Vogel, S., 2013, Compliance with IFRS 3 and IAS 36 Required Disclosures across 17 European Countries: Company and Country Level Determinants, Accounting and Business Research. 8 Lucas, S. and Lourenço, I., 2014, The Effect of Firm and Country Characteristics on Mandatory Disclosure Compliance, International Journal of Managerial and Financial Accounting, forthcoming.
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Notas Explicativas
Co m pl
ian
ce ?
Rentabilidade
Endividamento
Cotação Internacional
code-law está muito correlacionada à proteção ao investidor e à qualidade das regras relacionadas com os direitos dos investidoDimensão res9 . O nível de proteção aos investidores é significativamente maior nos países common-law. Dessa forma, é compreensível que as empresas desses países apresentem um maior nível de cumpriEnforcement mento das exigências de divulgação, quando comparadas com as empresas dos países code-law.9 Auditoria
As empresas auditadas pelas principais multinacionais de auditoria6,7. O recurso a uma multinacional de auditoria garante, geralmente, um maior nível de cumprimento das exigências de divulgação previstas nas normas de contabilidade. Os países onde se verifica um maior grau de cumprimento das exigências de divulgação são os que têm um mercado de capitais com maior dimensão7, e os que se baseiam, ou os que mais de aproximam, de um sistema common-law, onde se verifica também um maior nível de enforcement7,8. Nos países common-law (ex: Reino Unido, Austrália, EUA), o sistema de contabilidade está tradicionalmente orientado para proporcionar informação útil aos investidores, e as normas de contabilidade são emitidas com a participação ativa dos profissionais e com independência das regras fiscais. Nos países code-law (ex: França, Alemanha, Brasil), o sistema de contabilidade está tradicionalmente orientado para proporcionar informação útil aos credores, principalmente os bancos, e as normas de contabilidade são emitidas por organismos governamentais e são fortemente influenciadas pelas regras fiscais. A aplicação obrigatória das IFRS nos países code-law tem sido mais difícil, uma vez que implica uma alteração significativa no modelo contabilístico adotado. A classificação dos países em common-law e
Existe ainda evidência de que, nos países com maior nível de enforcement, as empresas mais rentáveis cumprem mais as exigências de divulgação, enquanto nos países com menor nível de enforcement, é o grau de endividamento que exerce uma influência determinante no comportamento das empresas 8. Nesse segundo grupo de países, em que o financiamento bancário assume um papel muito importante, as empresas divulgam mais informação quando é imperativo reduzir eventuais assimetrias entre os gestores e os bancos, garantir a obtenção de financiamento e/ou reduzir os custos da dívida. É, assim, fundamental que os organismos reguladores considerem os incentivos das empresas para serem transparentes com o mercado, dando cumprimento às exigências de divulgação de informação nas Notas Explicativas, e que criem um bom mecanismo de enforcement que possa garantir aos usuários a obtenção de informação verdadeiramente útil para a tomada de decisão.
Conclusão As Notas Explicativas são um elemento chave das demonstrações financeiras. Apresentam informação que complementa as restantes demonstrações financeiras, sendo relevantes para a compreensão de qualquer uma delas. A divulgação de informação nas Notas Explicativa permite diminuir a assimetria da informação entre 9 La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F. and Shleifer, A., 1998. Law and finance. Journal of Political Economy. 14
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Notas Explicativas os gestores e os investidores e contribui para um adequado funcionamento do mercado de capitais. Contudo, divulgação de informação pode implicar custos significativos paras as empresas. Assim, é relevante considerar não apenas os benefícios, mas também os custos na hora de exigir que as empresas divulguem um conjunto significativo de informação de natureza financeira aos seus usuários externos. As Notas Explicativas devem incluir as informações exigidas pelas IFRS que sejam aplicáveis e tenham um efeito relevante. Entretanto, o medo de confrontação ou litígio pode induzir os gestores a divulgar muita informação, mesmo que essa seja desnecessária ou pouco relevante para os usuários externos. É importante garantir que as empresas não apresentem informação excessiva, mas apenas a informação que permita atender ao objetivo das demonstrações
financeiras, isto é, proporcionar um conjunto de elementos que sejam úteis a um vasto conjunto de utilizadores na tomada de decisões económicas. Ao considerar a natureza obrigatória de aplicação das IFRS, é de se esperar que as empresas cumpram todas as suas exigências de divulgação previstas. Contudo, existe na realidade um grau significativo de incumprimento das exigências de divulgação, o qual depende das características das empresas e das características dos países. Cabe considerar os incentivos das empresas para o cumprimento às exigências de divulgação de informação nas Notas Explicativas, incluindo o tamanho, a rentabilidade, a cotação em bolsas internacionais e o tipo de auditoria, e a criação de um bom mecanismo de enforcement, que assegure aos usuários a obtenção de informação verdadeiramente útil para a tomada de decisão.
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Educação e IFRS
Educação Contábil No Mundo das IFRS Prof. Guillermo Braunbeck
Universidade de São Paulo - FEA/USP
Recentemente, o IASB divulgou os resultados de sua recente pesquisa sobre adoção das IFRS mundo afora. Os resultados obtidos são, no mínimo, impressionantes, considerando que as IFRS e o IASB, tal como os conhecemos hoje, têm aproximadamente 13 anos. Até o momento, participaram do levantamento um total de 122 jurisdições (ou seja, uma área geográfica na qual o poder público atua no sentido de fazer cumprir a lei, como pode ser o caso de um país como o Brasil, ou de reinado, como é o caso do Reino Unido, que possui diversos países, mas se constitui em uma jurisdição) e 83% requerem a adoção das IFRS para a maior parte ou todas as empresas listadas em seu mercado. Esse percentual inclui diversas jurisdições que não têm mercado de ações, mas que requerem as IFRS de seus bancos e outras entidades com prestação pública de contas. Não parece descabido afirmar que o que outrora fora um sonho é hoje uma contundente realidade. As demonstrações financeiras de mais de 100 jurisdições, incluindo a maior parte do G20, são elaboradas sob uma linguagem financeira comum. Essa rápida trajetória de adoção (e também convergência) é, naturalmente, resultado da leitura dessas jurisdições e de suas lideranças, acerca dos benefícios de se adotar uma linguagem financeira comum. Bem sabemos que está longe de ser fácil essa trajetória. No caso do Brasil e de tantas outras jurisdições, significativas modificações no ambiente legal e regulatório precisaram ser realizadas. Diversas barreiras culturais devem ser superadas para se poder ingressar nessa nova ordem contábil mundial.
que seja também uma adoção coerente e consistente, que resulte, de fato e não só de direito, em informações que sejam úteis à tomada de decisão econômica e permitam a comparação entre distintas entidades, independentemente da sua localização geográfica. A construção de capacitações humanas que sejam compatíveis com os julgamentos e estimativas que se requer na aplicação das IFRS é outro fator crítico para o sucesso na aplicação coerente e consistente das normas. Temos, portanto, um desafio educacional a considerar nessa jornada.
Não obstante, a conversão para as IFRS é tão somente um aspecto crítico dentre vários outros, na jornada que tem como objetivo não somente adotar um padrão internacional de contabilidade. Contudo,
A percepção da importância do desenvolvimento das capacitações humanas observada pelas iniciativas das Nações Unidas, do IAESB, do BID e de instituições brasileiras como o CFC, a Fipecafi e o Ibracon,
Não sem razão, o Grupo Intergovernamental de Especialistas em Normas Internacionais de Contabilidade e Relatório das Nações Unidas (ISAR/ UNCTAD) teve, em sua 30ª sessão, ocorrida em Novembro de 2013, importante foco devotado às discussões dos desafios no âmbito do desenvolvimento de recursos e capacidades humanas, na trajetória rumo a relatórios financeiros de alta qualidade. A educação em contabilidade é claramente um pilar fundamental no processo de construção dessas capacitações. A importância desse pilar também é visível a partir da iniciativa do Conselho de Normas Internacionais de Educação em Contabilidade (IAESB em inglês), que trabalha no interesse público por meio da emissão de normas e orientações para o desenvolvimento e manutenção das competências necessárias na atividade profissional do profissional contábil.
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Educação e IFRS é compartilhada pela Fundação IFRS e o IASB: ambos têm a visão clara de que a aplicação coerente das normas e a obtenção dos benefícios de uma linguagem financeira única passam, necessariamente, pela capacidade humana de realizar os julgamentos e estimativas das IFRS. Sobre essa visão, foi estruturada dentro das atividades do IASB a chamada Iniciativa Educacional IFRS, da qual trato a seguir.
O objetivo da Iniciativa Educacional A Iniciativa Educacional IFRS é parte integrante da organização denominada Fundação IFRS, que, por meio do IASB, persegue o objetivo de desenvolver as IFRS e promover sua adoção e aplicação coerente. A Iniciativa Educacional tem como meta reforçar esse objetivo de aplicação coerente das normas, pelo apoio aos processos educacionais nas distintas jurisdições onde as IFRS foram adotadas ou onde há planos de adoção.
do mesmo jeito? A Estrutura Conceitual das IFRS é muito clara, ao afirmar que os relatórios financeiros em IFRS baseiam-se em grande medida em estimativas, julgamentos e modelos, não em representações exatas. Portanto, a tarefa do educador, quer seja na educação fundamental em contabilidade ou na formação continuada após a formação fundamental, é ajudar seus alunos no desenvolvimento das capacitações para realizar esses julgamentos e estimativas. Isso requer uma abordagem distinta daquela que, muitas vezes, caracteriza os sistemas educacionais. Com frequência, observamos que se prioriza, no processo educativo, o requerimento contábil específico, a regra, a mecânica e o como fazer. Certamente, esses aspectos são importantes e devem fazer parte da formação dos profissionais contábeis, mas, possivelmente, devam deixar de ser protagonistas dentro da sala de aula. No cenário das IFRS, passa a ser fundamental entender o objetivo e os conceitos subjacentes ao relatório financeiro IFRS. Entender o porquê das coisas passa a ser uma etapa prévia e fundamental, para que se possa desenvolver uma “musculatura” intelectual capaz de implementar os “comos”, os requerimentos em particular.
A Iniciativa Educacional não é, todavia, provedora de treinamentos em IFRS ou certificadora de treinamentos ou qualquer outra espécie de formação profissional. Sua atuação se dá pelo apoio aos docentes que desejem capacitar seus alunos para realizar os O que a Iniciativa Educacional busca, nesse conjulgamentos e estimativas que as IFRS requerem. texto, é oferecer apoio aos docentes nessa jornada, ofertando uma ampla variedade de materiais educacionais que podem ser baixados sem custo em sua página web (ver alguns links a seguir – AJUSTAR Apoio aos docentes CONFORME PAGINAÇÃO NA EDIÇÃO FINAL). Na medida em que as jurisdições adotam as IFRS, Esses materiais cobrem não somente as IFRS, mas uma preocupação comum que emerge é saber o também a IFRS para as PMEs – Pequenas e Médias quanto as práticas didáticas utilizadas antes da ado- Empresas. A Iniciativa Educacional também realiza ção das IFRS são adequadas para preparar os profis- workshops regionais, com o apoio de organismos da profissão, agências de desenvolvimento e outros sionais para a aplicação das IFRS com rigor. organismos internacionais, cujo objetivo é “treinar Frequentes são os exemplos em que a norma con- os treinadores” nessa abordagem de ensino, objetitábil vigente antes da adoção das IFRS sofria forte vando a melhor equipar as gerações futuras para os influência de alguns usuários da informação con- desafios da contabilidade em IFRS. Com o apoio do tábil em particular, como o Fisco, um determinado BNDES e da Universidade de São Paulo, já foram organismo de regulação ou diretrizes emanadas do realizados vários desses workshops no Brasil, pregoverno central. A transição desses cenários para senciais e à distância. as IFRS, em que se busca fornecer informação útil a investidores e credores (existentes e potenciais), de- Dentre os materiais educacionais desenvolvidos pela manda uma reflexão sobre a abordagem de ensino. Iniciativa Educacional, merece destaque a série emSerá que dá para continuar ensinando contabilidade basada na Estrutura Conceitual, descrita a seguir. 17 Vol. 1, agosto 2014
Educação e IFRS terceiro situa-se ao final da trajetória, imediatemente antes dos exames de certificação profissional.
Ensino embasado na Estrutura Conceitual - o que é? O ensino embasado na Estrutura Conceitual parte de um princípio simples, mas fundamental: se o relatório financeiro IFRS deve ser útil para a tomada de decisão econômica de investidores e credores, não há como ensinar e aprender contabilidade sem compreender os fenômenos econômicos ensejados nas transações e eventos que ela captura, mede e divulga. Ao considerar o fenômeno econômico como ponto de partida em qualquer aula de contabilidade, essa abordagem tem como característica fundamental entender a contabilidade em IFRS a partir da Estrutura Conceitual. Dito de outra maneira, o ensino embasado na Estrutura Conceitual caracteriza-se por relacionar os requerimentos das IFRS com conceitos, definições e demais componentes da Estrutura Conceitual. Ensinar contabilidade dessa forma significa, constantemente, “erguer pontes” que ligam os débitos e créditos requeridos por quaisquer normas com a Estrutura Conceitual.
Nessa abordagem em três estágios, os objetivos das etapas são, evidentemente, diferentes. O foco está, como já dito, no desenvolvimento da capacidade de realização dos julgamentos e estimativas para a aplicação das IFRS. Como sintetizado na figura a seguir, a abordagem contempla a ideia de criar consciência acerca dos julgamentos e estimativas no Estágio 1 para, posteriormente, evoluir para os níveis cognitivos de compreensão e competência nos estágios seguintes: Níveis de cognição dentro da abordagem embasada na Estrutura Conceitual Estágio 1
Estágio 2
Estágio 3
Consciência
Compreensão
Competência—capacidade de fazer os julgamentos necessários para aplicar IFRS
Dentro dessa abordagem, a Iniciativa Educacional já publicou uma série completa de materiais didáticos para os três estágios de ensino, embasada na Estrutura Conceitual, tendo como objeto o ensino Alguém poderia nesse ponto argumentar: mas nem do ativo imobilizado e outros ativos não financeisempre o que uma norma específica requer é plena- ros. A primeira tradução desse material foi para o mente coerente com a Estrutura Conceitual! E quem Português, viabilizada por meio do apoio do BNDES fizer esse comentário estará coberto de razão. A e da revisão do Prof. Poueri do Carmo Mario. Essa abordagem não só reconhece essa realidade como a tradução está disponível para download na seguinutiliza em benefício do próprio processo de aprendi- te página web: http://www.ifrs.org/Use-aroundzado. As situações em que a norma específica requer the-world/Education/Pages/Framework-basedque algo seja contabilizado de forma não harmôni- teaching-material-Portuguese.aspx. ca com a Estrutura Conceitual são exploradas como matéria-prima de ensino. Entender onde, quando e, Além desse material para o ensino de imobilizado e sobretudo, o porquê de uma norma não ser coerente outros ativos não financeiros, também estão dispocom a Estrutura Conceitual é um ingrediente riquís- níveis através do link anterior os seguintes materiais: simo no desenvolvimento da “musculatura” intelec• Um estudo de caso sobre transações e eventual, à qual já fiz referência. tos para os quais não há requerimentos contábeis A abordagem de ensino embasado na Estrutura específicos nas IFRS (portanto, uma política contáConceitual foi dividida em três estágios, pensados a bil coerente com a Estrutura Conceitual precisa ser partir da perspectiva de cursos de formação funda- desenvolvida); e mental, que objetivam a qualificação de profissionais • Uma série de clipes multimídia que apresende contabilidade. Cada um dos estágios se adequa tam a abordagem em cada etapa e sugerem algumas facilmente às distintas configurações do ensino em formas de engajar sua sala de aula, com perguntas contabilidade ao redor do mundo. O primeiro con- de múltipla escolha sobre os assuntos tratados nos templa o ensino básico da contabilidade, o que mui- materiais didáticos desenvolvidos. tos cursos no Brasil denominam de contabilidade introdutória. O segundo posiciona-se de forma in- Particularmente para os materiais em Estágio 3, que termediária na consecução da formação, enquanto o são estudos de caso que buscam abordar transações 18
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Educação e IFRS e eventos pouco usuais (e, portanto, requerem a reflexão conceitual, pois não existem respostas preconcebidas), a Iniciativa Educacional também desenvolveu notas para o professor. Essas notas oferecem apoio ao docente na condução dos estudos de caso, uma sugestão de abordagem para as questões propostas e uma visão de como diversos participantes em workshops realizados em diversos lugares do mundo pensaram e resolveram essas questões. Trata-se de um precioso guia de aplicação do estudo de caso, cujo acesso é restrito a docentes. Essas notas também foram traduzidas para o Português. Para acessá-las, os professores de IFRS deverão fazer um cadastro e seguir as instruções no link a seguir: http://www.ifrs.org/Use-around-the-world/ Education/Pages/Teaching-notes-accompanyingcase-studies.aspx
Adicionalmente, o aprendizado da contabilidade a partir da Estrutura Conceitual pavimenta o terreno que oferece uma base para os julgamentos que, necessariamente, precisarão ser realizados na aplicação das IFRS. Seja na preparação, auditoria ou análise de relatórios financeiros em IFRS, a fundamentação das capacidades de julgamento a partir de seus elementos conceituais oferece um alicerce mais sólido para a realização desses julgamentos.
Por fim, mas não menos importante, o entendimento das IFRS embasado na Estrutura Conceitual permite uma base de atualização contínua nas normas. Não nos iludamos, pois as normas mudam e continuarão mudando. O mundo se transforma, a compreensão do mundo se transforma e o IASB é também um organismo evolutivo. Sempre há e haverá espaço para melhorar. O profissional de contabilidade que construiu seu conhecimento na base da memorização de requerimentos, sem uma visão conceitual e integrada desses, a cada mudança, tem que, basicamente, Ensino embasado na Estrutura “dar baixa” no que sabia e reaprender. O profissioConceitual—benefícios nal que compreende as normas de forma integrada e A perspectiva de ensino embasada na Estrutura fundamentada nos conceitos da Estrutura é capaz de Conceitual certamente não é a única forma de se enteder a mudança de forma evolutiva. A meu ver, ensinar IFRS, mas, provavelmente, é uma das boas muitos concordarão que essa abordagem, portanto, formas de se ensinar IFRS. Pela compreensão das oferece uma base muito mais robusta e verdadeiranormas a partir dos fenômenos econômicos e dos mente continuada e evolutiva da educação profissioconceitos da Estrutura Conceitual, mesmo quando nal. a norma possa se distanciar desses conceitos, o que se viabiliza, antes de mais nada, é uma compreensão consistente, lógica e integrada do conjunto de normas IFRS. A razão para se acreditar nisso é simples. A Estrutura Conceitual é o “fio condutor” do processo normativo do IASB. Ao tratar de um problema, uma questão de normatização contábil, os membros do IASB analisam possíveis respostas a partir dos elementos que constituem a Estrutura Conceitual. Ao deliberar sobre normas contábeis, os membros do IASB usam a Estrutura Conceitual para ter em mente o objetivo da informação financeira, seus usuários, suas características e sua taxonomia (ou seja, seus elementos de classificação: ativo, passivo, patrimônio líquido, receita e despesa). Portanto, o entendimento das normas baseado na Estrutura permite a visão dos requerimentos a partir de seu elemento constitutivo e genético, seu DNA. 19 Vol. 1, agosto 2014
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Relato Integrado
Relato Integrado
A Nova Revolução Contábil
Prof. Nelson Carvalho
Universidade de São Paulo - FEA/USP
Prof. José Roberto Kassai
Universidade de São Paulo - FEA/USP
Introdução A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, realizada no Brasil em Junho de 2012, a RIO+20, resultou em um documento final intitulado “The Future We Want”, e o seu parágrafo 47 reconhece a figura do Relato Integrado. Assim, temos razões para crer que essa será a próxima grande revolução na forma de comunicação de uma organização perante seus stakeholders, incluindo, mas não se limitando, aos relatórios financeiro-contábeis. 47. We acknowledge the importance of corporate sustainability reporting and encourage companies, where appropriate, especially publicly listed and large companies, to consider integrating sustainability information into their reporting cycle. We encourage industry, interested governments and relevant stakeholders with the support of the United Nations system, as appropriate, to develop models for best practice and facilitate action for the integration of sustainability reporting, taking into account experiences from already existing frameworks and paying particular attention to the needs of developing countries, including for capacity building. (The future we want. United Nations. RIO+20 United Nations Conference on Sustainable Development, 20-22 Jun 2012)
Como essa proposta envolve, principalmente, mudança de cultura por parte das organizações e de suas partes interessadas e implica regulamentações internacionais e locais, os resultados finais serão alcançados no longo prazo. Contudo, da forma como todo o processo está sendo conduzido e procurando envolver as pessoas chaves, certamente, a RIO+40 irá reconhecer o novo papel das organizações como atores importantes na construção do “Futuro que Queremos”. E, afinal de contas, o que é o Relato Integrado? O Quê e Como as empresas irão divulgar o tal Relato? Ele será compulsório ou voluntário? Deverá ser auditado ou assinado por profissional habilitado? Qual o perfil desses profissionais? É uma nova contabilidade? Somente as grandes empresas ou de capital aberto estarão sujeitas a esse novo padrão? Qual a relação com os relatórios de sustentabilidade do GRI (Global Reporting Initiative) ou com o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BMF&Bovespa? As normas internacionais de Artigo apresentado no XV Encontro Internacional sobre Gestão Empresarial e Meio Ambiente contribuições ao texto.
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Relato Integrado contabilidade (IFRS) e as americanas (FASB) serão 4. Quem é o International Integrated Reporting Council (IIRC). Como é formado e qual a sua missão? alteradas? Como mensurar as externalidades e os ativos intangíveis? São basicamente relatórios ou en- 5. Como provavelmente será o Relato Integrado? volve outras formas de comunicação? Neste capítulo, não se pretende responder a todas essas questões, até porque muitas respostas ainda estão sendo construídas e mais dúvidas surgirão até que se consolide esse novo padrão de comunicação corporativa. Por ocasião do lançamento mundial da minuta sobre Relato Integrado (2013), mais de uma centena de empresas em todo o mundo já havia se candidatado para participar do projeto piloto de teste da minuta da estrutura conceitual disponibilizada na ocasião. Muitas empresas de capital aberto no Brasil já elaboram algum tipo de relatório de sustentabilidade, e a versão 4 dos relatórios GRI já é uma realidade. Como esta ONG também é membro do IIRC, é possível acreditar que o formato desse novo modelo de comunicação corporativa deverá incorporar todas essas contribuições existentes. Muito provavelmente, a maior evolução (e revolução) cultural está relacionada com a postura da empresa diante de um novo modelo de negócio, em sintonia com os desafios discutidos na RIO+20 para este século XXI.
6. Considerações finais sobre as discussões em andamento sobre Relato Integrado 7. Referências Bibliográficas.
As Conferências da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável e o papel das Empresas
Imagine-se em um passado não tão distante, mais especificamente na manhã do dia 12 de abril de 1961, a bordo de uma pequena cápsula espacial chamada Vostok-1, sentado(a) ao lado de Yuri Alekseievitch Gagarin. O que passaria em sua mente se você estivesse sendo lançado(a) naquela primeira viagem tripulada ao espaço e, em menos de duas horas, pudesse dar uma volta ao redor de toda a órbita do planeta? Muitas são as especulações sobre o que teria dito ou pensado aquele jovem piloto de 27 anos e, sem dúvida, a frase mais conhecida é “a Terra é azul”. Oito anos depois, por meio de uma foto tirada do espaço, aquele “mar azul” pode ser contemplado Por esse motivo, julgamos ser relevante, neste mo- pelo restante da humanidade, chamando a atenção mento, relatar alguns dos principais eventos pós para o fato de que vivemos em um planeta único e RIO-92, que culminaram na criação do International interdependente. Integrated Reporting Council (IIRC),entidade resNaquela época, em que a população mundial ponsável pelo projeto de criação da proposta de en- foque do Relato Integrado. Ademais, incentivar os acabara de atingir três bilhões de habitantes, tinha-se leitores e interessados para que possam contribuir a impressão de que a única ameaça à preservação da com a implementação dessa proposta em suas or- humanidade eram as guerras; e o homem, por mais ganizações. Com esse objetivo, este trabalho foi es- descuidado que fosse, não tivera muito sucesso na truturado com a abordagem das seguintes temáticas, destruição da natureza. No entanto, ao ultrapassar os sete bilhões de habitantes, a situação mostra-se além desta introdução: preocupante, como evidenciam alguns cálculos sim1. As principais conferências da Organização das Nações ples realizados por geólogos (Goldemberg, 2012). Unidades (ONU) que trataram sobre o desenvolvimento sustentável, e o papel das empresas diante das projeções para Eles conseguiram medir o total de massa movimentada pelos fenômenos naturais que ocorrem todos este século; os anos no planeta, como erupções vulcânicas, ter2. As pesquisas do Núcleo de Estudo em Contabilidade e Meio remotos, tempestades, ventos fortes, precipitações, Ambiente (NECMA/USP) e a preocupação de integrar nos relatórios corporativos aspectos do meio ambiente e gover- furacões, tsunamis etc. e que são equivalentes a 50 nança, com destaque para duas pesquisas: Contabilidade bilhões de toneladas. Atualmente, com o uso inEcológica (1991) e Balanço Contábil das Nações (2008); tensivo de energias (principalmente fósseis) e de re3. Relatos sobre o evento “Diálogo IFRS & GRI”, tratando sobre cursos naturais não renováveis, cada um dos sete bia integração dos relatórios contábeis com os relatórios de lhões de habitantes movimenta, em média, cerca de 8 toneladas anuais (só de gasolina, consome-se, em sustentabilidade; 22
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Relato Integrado média, 1 tonelada per capita ano), o que resulta em um total de 56 bilhões de toneladas, mostrando-se, assim, a magnitude e a força das atividades humanas e industriais.
Planet Prize, considerado o Prêmio Nobel do Meio Ambiente e financiado por The Asahi Glass Foundation, reuniu-se alguns meses antes da RIO+20 e produziu um relatório de aproximadamente 200 páginas, com sugestões para serem apresentadas na grande Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, realizada em junho de 2012 no Rio de Janeiro (Blue Planet Laureates: Environmental and Development Challenges – The Imperative to Act, 2012). Uma síntese do resumo desse relatório destaca cinco ações prioritárias para equacionar as questões neste século XXI:
E se pensarmos em uma população prevista para meados deste século XXI, em torno de nove bilhões de habitantes, ao mesmo tempo em que os países pobres se empenharão para melhorar suas condições de vida e de consumo, e os países ricos relutarão em abrir mão de seu conforto atual, será muito difícil compatibilizar as origens e aplicações de recursos dessa equação, principalmente se não houver um aumento da consciência coletiva de que a respon- §§ Urge mudar o produto interno bruto (PIB) como indicador de desenvolvimento, incluindo indicadores de capital husabilidade pela preservação do meio ambiente é de mano, capital social e capital natural. todos. Ademais, se quisermos aproveitar o desafio de proporcionar um mundo melhor e menos desigual, §§ Eliminar os subsídios perversos na área de energia. será necessário reconhecer e atribuir valor às externalidades sociais e ambientais em toda a cadeia pro- §§ Evitar o crescimento desordenado da população, pois os próximos dois bilhões de habitantes irão consumir mais do dutiva, para promover a internalização desses custos que os dois bilhões anteriores. pelos agentes econômicos. A Organização das Nações Unidas (ONU) realizou três grandes reuniões mundiais para discutir problemas relacionados com os limites da natureza e com o futuro da humanidade: em Estocolmo (1972), em que reuniu em torno de 1.000 pessoas representantes de 113 países e de 400 entidades não governamentais; no Rio de Janeiro (1992), em que reuniu 22 mil pessoas nos eventos oficiais; e na RIO+20 (2012), em que reuniu 110 mil pessoas nos eventos oficias (só no Rio Centro, estiveram 45 mil pessoas) e mais de um milhão de pessoas nos eventos paralelos. Destacaram-se a Cúpula dos Povos no Aterro do Flamengo, o Espaço Humanidades no Forte Copacabana e o Pier Mauá, que teve o navio do Greenpeace ancorado de frente para a Bahia de Guanabara. (fotos e comentários estão disponíveis na página do Facebook USP NA RIO+20); No início, essas discussões eram restritas a grupos ambientalistas e, depois, tornaram-se foco de discussões de políticas públicas e regionais. Após a divulgação do Relatório STERN (2006) e de sua versão brasileira EMCB (2009), que basicamente traduziram em moeda financeira os relatórios técnicos do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), atraiu-se a atenção dos mercados e das empresas (Kassai & Kassai; 2013).
Um seleto grupo de laureados com o Blue
§§ Preservar a biodiversidade e evitar o desmatamento.
§§ Investir em conhecimentos para aprender qual rumo tomar.
Para concretizar essas cinco ações e outras decorrentes ou necessárias, as empresas assumem papel fundamental, pois são elas que converterão as soluções em serviços ou produtos em escala global. Além da participação dos governos, do mundo acadêmico e da sociedade civil, espera-se que a ONU ou outro órgão que vier a ser criado possa contribuir como uma espécie de governança internacional, discussão essa que não teve êxito na RIO+20, mas que é fundamental já estar consolidada até a RIO+40. Quanto à substituição do PIB como medida de desenvolvimento, há dezenas de modelos sendo estudados, dos quais citamos dois: o índice de desenvolvimento humano (IDH), que já uma realidade, e o índice Felicidade Interna Bruta (FIB), ainda uma aspiração, mas que repousa em um conceito intuitivamente válido, o de que “Produto Interno Bruto não é igual à Felicidade Interna Bruta”. O primeiro já é adotado pelos países da ONU e inclui três dimensões (renda, educação e saúde). O outro foi desenvolvido em um pequeno país de dois milhões de habitantes, o Butão, dirigido por um rei e um monge budista como primeiro ministro, e está sendo experimentado na Inglaterra, Canadá, Brasil, entre outros. Inclui nove indicadores (padrão de vida, educação, cultura,
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Relato Integrado saúde, bem-estar psicológico, vitalidade comunitária, meio ambiente, governança e uso equilibrado do tempo). Como exemplo de uso equilibrado do tempo, no Butão, diz-se que uma pessoa deve dormir em média oito horas por dia, trabalhar em média oito horas e, nas oito horas restantes, deve-se fazer o que mais gosta. As empresas já estão se antecipando a essa mudança no medidor de desenvolvimento dos países e começam a incluir em suas decisões não apenas os aspectos econômicos, mas também levam em consideração as dimensões ambientais, sociais e culturais. Expressões como Triple Bottom Line (Planet, People, Profit) estão sendo utilizadas há anos, e há métodos para evidenciar o desempenho e mensurar as externalidades nas dimensões econômica-social-ambiental-governança. Por exemplo, do Bilan Social na França (1977), dos relatórios IBASE no Brasil (1990), do GRI (1997), da Demonstração do Valor Adicionado no Brasil e o Relato Integrado (2013). Os governos enfrentarão dificuldades de naturezas técnicas, culturais e políticas para a implementação de um substituto do PIB, e apesar dessas mesmas dificuldades permearem a missão do Relato Integrado, certamente o know-how das empresas e a força dos mercados são vantagens favoráveis. Espera-se, assim, que o Relato Integrado venha a substituir os atuais relatórios corporativos, no mesmo contexto em que se busca um substituto para o PIB e que, dessa forma, as empresas e os mercados possam contribuir com as prioridades estabelecidas pelos agraciados com o Blue Planet Prize.
A Contabilidade Ecológica e o Balanço Contábil das Nações O Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/ USP) e a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI) trabalham pela melhoria dos relatórios empresariais desde a criação da FEA em 1946, e acompanharam, com atitudes proativas, diversos momentos de evolução, como, por exemplo: mudanças nas leis das sociedades por ações; processamento técnico dos dados das
Melhores e Maiores empresas do Brasil, da Revista Exame; reconhecimento dos efeitos inflacionários nos balanços pela correção monetária de balanços e correção integral; estudo e debate sobre contribuições advindas dos padrões norteamericanos de contabilidade (FASB); o primeiro balanço social na França (1977); as normas internacionais de contabilidade (IFRS); os relatórios de sustentabilidade (Ibase, GRI) e a proposta de Relato Integrado (IIRC). Para ilustrar a preocupação com os aspectos ambientais, destacamos duas pesquisas, uma realizada no início da década de 1990, denominada Contabilidade e Ecologia: uma exigência que se impõe (Carvalho, 1991), e a outra, Balanço Contábil das Nações: reflexões sobre mudanças climáticas globais (Kassai ET ali, 2008). O artigo publicado na Revista Brasileira de Contabilidade às vésperas da RIO 92 abordava, de forma visionária, as preocupações não apenas com o balanço social das atividades empresariais, mas também com os aspectos ambientais e ecológicos. “O relacionamento entre Contabilidade e Ecologia mesmo que, aparentemente, possa não parecer óbvio, é hoje cada vez mais vital e tem um grande objetivo”. Afastados da arcaica visão de escrituradores e rebelados contra o encilhamento da visão de fiscalistas, o espaço moderno dos contabilistas é o de comunicadores. Neste artigo, o contador Nelson Carvalho, professor de Contabilidade e Auditoria da FEA/USP mostra a razão de ser da combinação contabilidadeecologia, centrando o raciocínio no conceitochave de que a divulgação tem o poder de mudar comportamentos e atitudes e buscando posicionar a importância do contabilista neste contexto. Mais do que nunca, às vésperas da ECO-92, é preciso que as ideias floresçam neste campo até então árido. (CARVALHO, 1991)
Embora no país ainda não houvesse uma ampla consciência dos problemas ambientais, Carvalho elencava uma relação de 12 problemas no tocante à agressão que as empresas fazem ou permitem fazer ao meio ambiente, a saber: 24
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Relato Integrado Agressão das empresas ao meio ambiente O efeito estufa que pode vir a transformar a temperatura do planeta em insuportável para o ser humano. A depleção da camada de ozônio, desprotegendo a Terra da ação danosa dos raios solares ultravioletas. A chuva ácida. A qualidade do Ar. Os danos ao homem e à natureza advindos dos metais pesados. Os componentes e odores resultantes dos resíduos orgânicos voláteis. Os componentes orgânicos persistentes, ou de absorção prolongada. A poluição sonora. A gerência do luxo ou dos resíduos, principalmente os de conteúdo tóxico. A contaminação da terra por agrotóxicos. Os vazamentos poluidores. O efeito potencialmente antiecológico de algumas inovações biotecnológicas.
O autor ainda chamava a atenção para três perguntas que cada empresa, cada empresário, cada executivo, cada governante, cada parlamentar e cada cidadão deveria estar interessado em buscar soluções: Busca por soluções Que setores industriais ou de negócios mais agridem o meio ambiente? Que soluções tecnológicas existem e como melhorá-las ou implementá-las? Que pressões existem da parte da legislação vigente para eliminar esses problemas e como aperfeiçoá-las?
Carvalho alertava também para as questões relativas ao futuro da humanidade, como fome, miséria, desenvolvimento econômico, alocação e uso de recursos, habitabilidade do planeta e, de forma profética, afirmava: “No século XXI o contador será o comunicador da vida empresarial por excelência, pois a divulgação tem o poder de mudar comportamentos e atitudes” e ressaltava a metodologia contábil de conhecer-identificar-mensurar-reportar. (CARVALHO, 1991). Atualmente, sabemos que a figura do contador não se refere apenas ao profissional de ciências contábeis, tanto é que, por sua iniciativa, e apoiado pelo Prof. J. R. Kassai, foi criado em 2006 o Núcleo de Estudos em Contabilidade e Meio Ambiente (NECMA/USP), que conta com a participação de dezenas de pesquisadores com formação não apenas em escolas de negócios, mas também de outras áreas, como: biólogos, químicos, físicos, agrônomos, engenheiros, geólogos, advogados, jornalistas, dentre outros. (NECMA, CnPQ) Esse grupo de pesquisadores reuniu-se, então, para discutir o artigo pioneiro de CARVALHO (1991), e com base em dados oficiais do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC/ONU) e na expertise multidisciplinar de seus membros, elaborou o primeiro relatório de alguns países, integrando informações de natureza econômica, social, contábil e ambiental. A pesquisa teve início em 2006 e os resultados foram apresentados em 2008, no evento de abertura do Prêmio Eco da Amcham do Brasil, sob o título “Balanço Contábil das Nações: reflexões sobre mudanças climáticas globais”. Constou também do livro Civil Economy, Democray, Transparency and Social ad Environmental Accounting Research Role (BALDARELI, 2010) e do 25 Vol. 1, agosto 2014
Relato Integrado Compêndio de Indicadores de Sustentabilidade de e acúmulo de emissões de fontes variáveis. Assim, se Nações (LOUETTE, 2009), que apresenta um leque quisermos transformar o país em uma das primeiras de metodologias para avaliar a responsabilidade so- economias “verdes”, é necessário rever essas ações. cial e ambiental de empresas e de nações. Acredita-se que as empresas terão papel importante Conforme Louette (2009), o Balanço Contábil das nessa fase transitória da economia, devendo assumir Nações (BCN) é uma metodologia para a elabora- suas responsabilidades em toda a cadeira produtiva, ção de relatórios contábeis de países ou regiões, por mas sem descuidar, sobretudo, de sua viabilidade meio do método inquired balance sheet e da equação econômica. O lucro deixará de ser o único objeto e básica da contabilidade: ativo menos passivo é igual se tornará uma obrigação por parte de seus adminisao patrimônio líquido, composto por dados de na- tradores. Esses, de forma disciplinada e responsável, tureza financeira e não financeira. O Ativo é men- não poderão negligenciar os riscos envolvidos – emsurado com base no PIB, ajustado pela depreciação presa sustentável não é a que deu lucro no passado, socioambiental da região, calculada com base no mas sim a que é administrada de forma que continue consumo médio de energia em tonelada equivalente dando lucro em um futuro previsível, respeitando o de petróleo (Tep). O Patrimônio líquido é avaliado ambiente social onde está envolvida e o meio ampelo saldo residual de carbono, precificado pelo cus- biente. to do carbono evitado ou pela cotação em bolsas de valores, e corresponde à capacidade natural de cada região de capturar os gases do efeito estufa diminuído das emissões previstas em vários cenários. O Diálogo IFRS & GRI na FEA/USP Passivo é avaliado por equivalência contábil e está relacionado de maneira ampla às externalidades de Com a adoção das normas internacionais de contabilidade (IFRS) na Europa (2005), no Brasil (2007) cada região. e em diversos países, as empresas passaram a adotar Inicialmente, foi abordada uma amostra de sete paí- uma linguagem contábil global. Apesar dos novos ses (Brasil, Rússia, Índia, China, EUA, Alemanha e padrões de qualidade dos relatórios contábeis, os esJapão). Os resultados apontaram que apenas dois tudiosos dos relatórios de sustentabilidade estavam desses (Brasil e Rússia) apresentaram patrimônios inquietos e acreditavam que era o grande momento líquidos positivos ou superavitários. O balanço con- de unir as forças e promover uma convergência ainda solidado para o planeta em 2050 apontou um déficit mais ampla, incluindo também indicadores de natuequivalente a um quarto do PIB mundial, ou seja, reza social e ambiental. Fernando Elieser Figueiredo cada um dos sete bilhões de habitantes deveria guar- (2009), que depois se afiliou ao NECMA/USP, foi um dar o equivalente a 2,3 mil dólares anuais para mi- desses questionadores e, depois de averiguar norma tigação dos efeitos de mudanças climáticas globais. por norma, inclusive as que ainda não haviam sido traduzidas para o país, descobriu que realmente não Nesse relatório contábil, o Brasil é o país com o havia nenhuma norma com essa preocupação. Isso maior superávit ambiental do planeta, equivalente motivou um grupo de trabalho, resultando em um a 544 bilhões de dólares anuais, e confirma sua leevento realizado na FEA/USP em 12/05/2010, denogitimidade para mercados de créditos de carbono. minado “Diálogo IFRS & GRI”. (vídeo disponível em Entretanto, em pesquisas mais recentes (FELTRANwww.fea.usp.br/videos_view.php?id=167) BARBIERI; KASSAI; CINTRA; CARVALHO, 2012), em que foram analisadas as perspectivas de cada um A abertura desse evento foi feita pelo presidente indos estados brasileiros projetadas para 2030, con- ternacional do Global Reporting Initiative (Ernest cluiu-se que o superávit ambiental brasileiro, na Ligteringen), e foram discutidas as seguintes temáverdade, concentra-se na região Norte (Amazonas, ticas em torno da integração entre as informações Pará, Roraima), e que os estados mais desenvolvidos financeiras e não financeiras: Ética; transparência e da União ainda estão adotando políticas de cresci- accountability (Robert Henry Srou); IFRS e tendênmento nos mesmos moldes dos países desenvolvi- cias internacionais (Nelson Carvalho); Adoção das dos, ou seja, na base de dispêndio energético do PIB IFRS no Brasil (Eliseu Martins); Adoção da GRI no 26
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Relato Integrado Brasil e no mundo (Carlos Eduardo Lessa Brandão e Gláucia Terreo) e“Cases” de relatórios de sustenta-
Quem é o International Integrated Reporting Council (IIRC)?
bilidade (Roberto Souza Gonzalez). O debate final
A proposta de criação do Relato Integrado <IR> foi conduzido pelo especialista em demonstração está a cargo do International Integrated Reporting Council (IIRC), criado oficialmente em 02/08/2010, do valor adicionado, Ariovaldo dos Santos, e pelo conforme Press Release emitido pelo The Prince´s professor de Sustentabilidade, Jacques Marcovitch. Accounting for Sustainability Project (A4S), em conjunto com o Global Reporting Initiative (GRI), in(FEA/USP, 2010) titulado “Formation of the International Integrated 1 Por ocasião desse evento, foi realizada uma pesqui- Reporting Committee (IIRC): sa com os 177 participantes, predominantemente formada por especialistas em relatos empresariais. Os resultados podem ser vistos na página seguinte (KASSAI; HÁ; CARVALHO, 2011). Os resultados dessa pesquisa sinalizaram necessidade e oportunidade de integração dos relatórios contábeis e de sustentabilidade com a aproximação das diretrizes das IFRS e das GRI, e como argumento principal: “Se não houver uma ação conjunta por parte da contabilidade e finanças, que é a linguagem que os mercados entendem, de nada adianta a retórica dos ambientalistas diante dos desafios das mudanças climáticas globais” (Marcovitch; FEA/USP, 2010). Esse é o lema adotado pelo NECMA/USP, o que faz crer que o Relato Integrado esteja no caminho certo.
Alguns meses depois desse evento, em 02 de
agosto de 2010, Ernest Ligteringen (GRI) e Nelson Carvalho (NECMA/USP) participaram oficialmente da primeira reunião do recém-criado International Integrated Reporting Council (IIRC), formado por iniciativa do Príncipe de Gales, com o objetivo de discutir futuras normas sobre Relato Integrado.
“The Prince´s Accounting for Sustainability Projetct (A4S) and the Global Reporting Initiative (GRI) announced today the formation of the International Integrated Reporting Committee (IIRC)”. (A4S & GRI, 02/08/2010).
Nessa primeira reunião oficial do IIRC, realizada em Londres, os brasileiros Nelson Carvalho (FEA/USP) e Roberto Pedote (Natura) representaram o país, além de Maria Helena Santana, à época, presidente da CVM e do Comitê Executivo da IOSCO (International Organization of Securities Commissions). Atualmente, como já referido, são quatro os brasileiros que fazem parte do IIRC, incluindo Sandra Guerra (IBGC) e Marco Geovanne (PREVI). Vania Borgerth (BNDES) coordena a Comissão Brasileira de Acompanhamento do Relato Integrado e conta com o apoio de dezenas de pessoas, distribuídas em cinco grupos de trabalhos: GT1 Exposure Draft, GT2 Comunicação com as partes interessadas, GT3 Empresas pilotos, GT4 Relacionamento com Investidores e GT5 Road Show. Segue o teor do primeiro encontro do IIRC em 02 de agosto de 2010, como comunicado para a imprensa e testemunhado pelos integrantes brasileiros, ao sabor do tradicional chá inglês: 1 Mudou-se o termo “Committee” para “Council”, assim como se corrigiu a tradução para o português de “Relatórios Integrados” para “Relato Integrado”. Importante frisar que se evita, em português, a expressão “Relatório Integrado”, no singular, para descaracterizar o equívoco de entendê-lo como “Relatório único” – não se pretende substituir os vários relatórios atuais, mas sim alinhá-los em termos de uma informação empresarial harmonizada, sem mensagens conflitantes entre eles. 28
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Relato Integrado Em sua opinião, qual a imagem de uma empresa que publica relatórios de sustentabilidade no Brasil? 57% Estratégia de Marketing 12% Seriedade e comprometimento com o meio ambiente 24% Maior transparência gerando valor ao acionista 5%
Outro
Qual a sua opinião sobre as informações divulgadas nos relatórios de sustentabilidade publicados atualmente? 6%
São dados confiáveis e completos
61% São dados incompletos, mostrando somente aquilo que é de interesse da empresa 18% São dados incertos, pois não passaram por auditoria 12% Outro Publicar relatórios de sustentabilidade para uma empresa torna-se uma vantagem competitiva, mesmo considerando-se os seus custos de publicação? Dê uma nota de 1 a 6, sendo 1 pouco vantajoso e 6 muito vantajoso 1 2 3 4 5 6 1% 9% 15% 22% 28% 22% O fato de uma empresa publicar relatórios de sustentabilidade interfere favoravelmente na sua decisão de investir na compra de ações? Dê uma nota de 1 a 6, sendo 1 pouco vantajoso e 6 muito vantajoso 1 2 3 4 5 6 9% 7% 14% 33% 22% 13% Você conhece o relatório de sustentabilidade GRI (Global Reporting Initiative) ? 21% Sim 40% Só conheço superficialmente 37% Não Você considera importante que as empresas de capital aberto divulgue relatórios de sustentabilidade de acordo com as diretrizes da GRI ? Dê uma nota de 1 a 6, sendo 1 pouco vantajoso e 6 muito vantajoso 1 2 3 4 5 6 0% 1% 7% 20% 30% 41% Para você, qual seria a maior vantagem se for obrigatório e houver uma padronização dos índices de sustentabilidade nos demonstrativos contábeis ? 31% Deixa de ser uma estratégia de marketing 15% Enfoque na evolução do desenvolvimento sustentável como um todo 29% Comparabilidade na análise dos dados entre empresas 18% Mudança no comportamento das empresas com atitudes sustentáveis 5% Outro Supondo uma interseção entre GRI com os demonstrativos contábeis atuais, penso que: 50% Alguns indicadores da GRI devem fazer parte das demonstrações contábeis 23% É suficiente se alguns dos indicadores aparecerem em notas explicativas 25% Os relatórios devem ser distintos e independentes Qual a sua opinião sobre publicação de relatórios de sustentabilidade em relação às empresas de capital aberto ? 33% Deve ser escolha da empresa em elaborar e publicar 65% Deve ser obrigatória sua elaboração e publicação para as empresas 1% Não vejo necessidade em sua publicação O relatório GRI deve ser obrigatório para as empresas de capital aberto, mesmo que parcialmente ? 41% Sim, todo o relatório GRI 40% Sim, mas somente algumas de suas diretrizes 17% Não É importante que haja uma padronização dos relatórios de sustentabilidade divulgadas pelas empresas ? 87% Sim, pois assim há comparabilidade 8% Não, pois pode não ser adequado para todos os tipos de empresas 4% Não importa, pois não há auditoria dos dados 29 Vol. 1, agosto 2014
Relato Integrado O Projeto do Príncipe de Gales para a Sustentabilidade (A4S) e o Global Reporting Initiative (GRI) anunciaram hoje a formação do IIRC. O mundo nunca enfrentou desafios de tamanha magnitude: consumo excessivo de recursos naturais finitos, mudanças climáticas e a necessidade de fornecer água potável, alimento e melhores condições de vida para uma população global cada vez maior. Decisões tomadas para enfrentar estes desafios devem estar embasadas em informações claras e compreensivas; mas, como o Príncipe de Gales disse, estamos no momento “lutando para enfrentar desafios do século 21 com, na melhor das hipóteses, sistemas de relatórios e de tomada de decisão do século 20”. (grifamos) A missão do IIRC é de criar uma estrutura globalmente aceita de contabilidade para a sustentabilidade. Uma estrutura que reúna informações financeiras, ambientais, sociais e de governança em um formato claro, conciso, consistente e comparável – em síntese, em um formato “integrado”. A intenção é de contribuir com o desenvolvimento de informações mais abrangentes e compreensíveis sobre o desempenho total de uma organização, tanto prospectiva quanto retrospectivamente, para atender às demandas de um modelo econômico emergente e mais sustentável. O IIRC reúne representantes da sociedade civil, bem como dos setores empresarial, de contabilidade, de investimentos em ações, de regulação, ONGs, OIGs (organização intergovernamental) e normatizadores. Este Comitê inclui um Comitê de Orientação (“Steering Committee”) e um Grupo de Trabalho. O Comitê de Orientação é dirigido por Sir Michael Peat, Principal Secretário Particular de Sua Alteza Real o Príncipe de Gales e da Duquesa de Cornwall, com o Professor Mervyn King, Diretor do Comitê King de Governança Corporativa, e também Diretor da Iniciativa Global para Relatórios GRI como Diretor Adjunto. O Grupo de Trabalho tem como codiretores: Paul Druckman, Diretor do Comitê Executivo da A4S, e Ian Ball, Executivo Chefe da Federação Internacional de Contadores - IFAC. O papel do IIRC é o de responder à demanda de uma estrutura integrada de relatórios que seja concisa, clara, consistente e passível de comparações, refletindo os objetivos estratégicos da organização, seu modelo de negócios e governança, e integrando tanto as informações financeiras quanto as não financeiras. Toda companhia listada publicamente terá que submeter um relatório anual sobre seu desempenho financeiro de acordo com, na maioria dos casos, as Normas Internacionais de Relatórios Financeiros (IFRS) ou os Princípios de Contabilidade Geralmente Aceitos pelos Estados Unidos (U.S.GAAP). As companhias estão produzindo cada vez mais, voluntariamente, relatórios sobre responsabilidade corporativa social ou de sustentabilidade, mas estes podem variar muito em termos de relevância e qualidade, principalmente porque não há normas ou padrões globais para medir e reportar desempenhos na área ambiental, social e de governança. “Para tornar nossa economia sustentável, temos que reaprender tudo que aprendemos no passado. Isto significa fazer mais com menos e assegurar que governança, estratégia e sustentabilidade sejam inseparáveis” disse o Professor Mervyn King, Chairman do GRI. “Relato Integrado é um conceito construído em cima das práticas já existente de Relatórios Financeiros, Ambientais, Sociais e de Governança, que habilita as companhias a gerenciar estrategicamente suas operações, marca e reputação junto a acionistas, e a estarem mais bem preparadas para gerenciar quaisquer riscos que possam comprometer a sustentabilidade em longo prazo do negócio”. Sir David Tweedie, “Chairman” da Junta Internacional de Normas de Contabilidade IASB, disse “A justificativa para padrões globalmente consistentes de relatórios financeiros é bem compreendida e aceita. É apropriado aplicar a mesma abordagem global a outros aspectos dos relatórios corporativos. Esta iniciativa representa um passo importante dessa jornada”. Ian Ball, CEO da Federação Internacional de Contadores, disse “A meta do IIRC não é de aumentar a carga de relatórios das companhias e outras entidades. Ao invés disso, a meta é ajudá-las, e a todos seus acionistas, a tomarem decisões melhores em relação à alocação de recursos. Todos nós temos interesse em uma sociedade sustentável. Embora um relato integrado, sozinho, não possa garantir a sustentabilidade, ele é um mecanismo poderoso para nos ajudar a tomar decisões melhores sobre os recursos que consumimos e a vida que vivemos”. Jane Diplock, “Chairman” do Comitê Executivo da Organização Internacional de Comissões de Valores Mobiliários IOSCO, disse: “Eu acredito que vamos olhar no futuro para a criação deste Conselho como um ponto de virada no desenvolvimento dos relatórios corporativos”. 30
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Relato Integrado Uma lista dos membros do Comitê de Orientação e do Grupo de Trabalho está em anexo, e mais informações sobre o IIRC podem ser encontradas no site: www.integratedreporting.org ou theiirc.org . (A4S & GRI, 02/08/2010).
www.
O projeto A4S foi lançado em 2004 por Sua Alteza Real, o Príncipe de Gales, para desenvolver sistemas de relatórios e tomadas de decisão, que consideram as consequências mais amplas e de longo prazo das ações capazes de responder aos desafios de sustentabilidade do século XXI. Mudanças climáticas e o consumo excessivo de recursos naturais finitos apresentam riscos significativos, que terão impacto profundo sobre a sociedade e a economia. O projeto A4S trabalha com negócios, investidores, governos, a classe contábil, acadêmicos e a sociedade civil, com vistas a construir um consenso internacional sobre a necessidade de uma estrutura integrada de relatórios que seja aceita de modo geral. Ademais, para desenvolver diretrizes e ferramentas básicas, objetivando a incluir sustentabilidade nos processos de tomada de decisão. http://www.accountingforsustainability.org/ O Global Reporting Initiative (GRI) tem sido pioneiro no desenvolvimento das diretrizes para os relatórios de Sustentabilidade. Está comprometido com sua contínua melhoria, sua aplicação no mundo todo e sua completa compatibilidade com o Relato Integrado, sendo desenvolvido pelo IIRC. Sua estrutura estabelece um conjunto de princípios e indicadores, utilizados pelas organizações para medir e reportar voluntariamente seus desempenhos, nas dimensões econômica, social, ambiental e de governança. Exemplos de indicadores são: governança, compromisso e engajamento dos Stakeholders; informações econômicas e financeiras; materiais, água, energia, gases e emissões; salários, condições de trabalho, conflitos trabalhistas, segurança e saúde do trabalhador; políticas públicas e sociais; externalidades dos produtos e serviços; conflitos ambientais etc. Na versão 4 do GRI, incentiva-se focar os impactos mais relevantes e estratégicos para o negócios, citando a intensidade energética e de emissões por unidade de produto, e se a diretoria tinha alguma supervisão de questões relacionadas com a sustentabilidade. https://www.globalreporting.org
Afinal de contas, como será o Relato Integrado? Desde a sua criação em 2010, o IIRC tornou-se uma coalização global de reguladores governamentais, investidores, empresas, organismos de normatização, representantes do setor contábil, auditorias, universidades, ONGs etc. Da maneira como está sendo articulado entre os envolvidos, a logística de implantação simultânea e em diversos países será facilitada, haja vista o Memorando de Entendimento assinado em 07/02/2013 pelo presidente do Conselho do International Accounting Standards Board (IASB), Hans Hoogervorst, e pelo presidente do IIRC, Paul Druckmam. Todos compartilham da visão de que os relatórios corporativos precisam evoluir e que o Relato Integrado deve ser mais do que a junção dos relatórios financeiros com informações não financeiras; deve incluir uma visão concisa sobre como a estratégia, a governança, o desempenho, o seu ambiente externo e a postura diante das externalidades contribuem para a redução de riscos e o aumento do valor da empresa. Se, no passado, a figura do balanço patrimonial representava uma “fotografia” estática em um determinado momento da empresa, o relato integrado passa a representar um “vídeo”, orientando principalmente a história de criação de valor de cada empresa e as perspectivas futuras de sua perpetuação. Desse modo, não se trata apenas de uma banal junção dos relatórios contábeis com os relatórios de sustentabilidade, pois o Relato Integrado se refere a um processo de harmonização, de convergência dos sistemas de gestão organizacional e do processo de comunicação corporativa. Por isso, é fundamental que seja respeitado o tempo certo para que cada empresa ou profissional possa se adaptar a esse novo modelo de negócio, em sintonia com a sociedade, respeitando a natureza e mantendo o equilíbrio nos seus fluxos de caixa. Na raiz do conceito de Relato Integrado, está uma profunda mudança mental e de atitude de membros de conselhos de administração e diretores executivos, em um movimento “top – down”, que incorpore os valores de criação SUSTENTÁVEL de riqueza por toda a organização empresarial – tais valores devem fazer parte da estratégia da firma.
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Relato Integrado Como ilustração, em alguns seminários com executivos financeiros, o NECMA/USP (2013) promoveu uma enquete e pediu para que cada participante incluísse em suas análises financeiras de empresas alguns itens como: intensidade energética e de emissões do produto, uma externalidade positiva e a postura da empresa frente a uma principal externalidade negativa. O resultado apontou que a maioria (76%) nunca havia pensado nessas coisas e, tendo em vista que essa maioria nunca havia lido ou preenchido um relatório de sustentabilidade, não foi uma surpresa. Isso nos faz refletir que o preenchimento de relatórios de sustentabilidade, em um primeiro momento, sirva principalmente para ampliar a visão e o conhecimento dos profissionais em relação à empresa e ao seu meio ambiente (criar consciência) e, em outro momento, possa promover amadurecimento e mudança cultural. O tema Relato Integrado tem sido abordado na grade curricular da FEA/USP desde 2011. Ao final de um dos semestres letivos, realizou-se uma pesquisa exploratória e descritiva com esses alunos, por meio da seguinte pergunta: “Quais itens deveriam ser incluídos no Relato Integrado?”. Obteve-se 105 questionários válidos e um check list contendo sugestões de 35 itens. Na comparação com o relato da NATURA, distinguiram-se seis itens que poderiam enriquecer seu conteúdo: riqueza gerada com ações de sustentabilidade; saldo entre total de problemas e soluções realizadas; comparação com indicadores setoriais de sustentabilidade; destaque para o impacto pós-venda; ter semelhança com a demonstração do valor adicionado e apurar Green Economic Value Added. (UEHARA, KASSAI, CARVALHO; 2013) Segundo a Comissão Brasileira de Acompanhamento do Relato Integrado (2013) e com base no conteúdo da minuta sobre Relato Integrado, o Relato Integrado é: (1) Um processo de gestão e controle que resulta na comunicação de um relato integrado e periódico, a respeito da criação de valor ao longo do tempo; (2) Uma comunicação concisa e abrangente da estratégia, governança, desempenho e perspectivas que levam à criação de valor das empresas. Deve ainda seguir os seguintes princípios básicos: (1) Foco estratégico e orientação futura; (2) Conectividade de informações; (3) Responsividade das partes interessadas; (4) Materialidade e concisão; (5) Confiabilidade e completude; e (6) Consistência e comparabilidade.
O foco de abrangência do Relato Integrado, ao contrário do foco essencialmente financeiro do século passado, concentra-se em seis tipos de capitais interligados entre si: Natural, Humano, Social/ Relacionamento, Intelectual, Manufaturado e Financeiro. O novo modelo de negócio permite que os gestores tomem suas decisões não apenas com foco financeiro, mas também de acordo com o valor intrínseco dessas novas moedas. Talvez não seja fácil identificar o reflexo imediato no fluxo de caixa dessas novas moedas de troca, mas elas geram valor ao longo do tempo e isso é um diferencial competitivo. O Capital Financeiro representa os investimentos ou ativos operacionais necessários para a realização da atividade operacional. O Capital Manufaturado representa os bens tangíveis da firma. O Capital Intelectual é representado pela base de conhecimento em posse da empresa e a capacidade de sua estrutura organizacional em saber mantê-lo e expandi-lo. O Capital Humano é representado pelo conjunto de competências, capacidades, experiências e motivações dos colaboradores para buscar melhorias contínuas na atividade operacional, e é necessário esforço permanente em sua renovação. O Capital Social e de Relacionamento é difícil de mensurar, mas todos sabem de sua importância; abrange as instituições e relações estabelecidas dentro e fora da empresa, com todos os stakeholders; é alimentado pela ética e transparência e pelo sentimento de bem estar coletivo e individual, inclusive com gerações futuras; por fim, representa a reputação da empresa. Capital Natural é representado pelo conjunto de recursos da natureza de posse da empresa, ou pelos bens difusos sob sua responsabilidade, mantendo a perenidade de todos os demais tipos de capital. Esses tipos de “capitais” sempre existiram e são utilizados como recurso na atividade operacional das empresas, mas, muitas vezes, a custo zero, ou mensurados inadequadamente, ou ainda no pressuposto desavisado de que são infinitos. No início do século XX, em nome do princípio contábil da entidade, os comerciantes passaram a atribuir, por exemplo, um valor de aluguel para um cômodo de sua residência utilizado em seu negócio e, mesmo sem precisar desembolsar essa quantia, esse valor foi acrescido na análise dos custos e resultados. Percepções como essa permitiram que houvesse a consolidação e o equilíbrio nos mercados e, com isso, alavancou-se 32
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Relato Integrado o crescimento do capitalismo. Da mesma forma, o gestor do novo modelo de negócio, implícito na figura do Relato Integrado, terá que capturar os movimentos (acréscimos e decréscimos) desses novos “capitais” e comunicá-los a todos os interessados em desempenho e perspectivas de uma empresa, sejam credores, investidores, fornecedores, clientes, corpo de funcionários, “vizinhos” da empresa, Governo e quaisquer outros legítimos interessados. Com isso, pode-se propor uma nova redação aos principais postulados da contabilidade: o princípio da Entidade implícito nesse novo modelo de negócio pressupõe que a empresa deva segregar três entidades distintas: pessoa física, pessoa jurídica e pessoa difusa e, assim, será possível mensurar e/ ou comunicar adequadamente os seis tipos de capitais implícitos no conceito de Relato Integrado e garantir a sua Continuidade, dos mercados e do planeta, tal qual hoje conhecemos. Para finalizar este tópico, podemos acompanhar a evolução desta temática observando as empresas que já estão elaborando seus Relatos Integrados: mais de uma centena se ofereceu voluntariamente como empresa-piloto. Essa relação pode ser vista no site do IIRC (2013), e cabe destaque para as pioneiras brasileiras: BNDES, Itaú Unibanco, AES Brasil, Petrobrás, Via Gutenberg, Aegon NV, Votorantim, CCR e Natura. O Brasil é terceiro país em número de empresas pilotos, atrás apenas do Reino Unido e Holanda, e incentiva-se que outras empresas se candidatem.
voluntária será mais espontânea e consistente. Ao acompanhar essa trajetória dos relatórios corporativos, desde a migração das influências das escolas europeias para as escolas americanas, as reformulações das leis de sociedade anônimas nos diversos países, as crise da Enron e a de 2008, Sarbannes Oxley e adoção IFRS, relatórios IBASE, diretrizes GRI, A4S e, agora o IIRC, acredita-se que a evolução dos atuais relatórios corporativos para o RELATO INTEGRADO seja um caminho promissor. As empresas irão descobrir novas formas de alcançar rentabilidade e criar valor para o acionista, de acordo com um novo modelo de negócio, com base em seis diferentes tipos de capitais e com amplas e novas alternativas de negociação. O desafio está tanto no mundo profissional quanto na Academia, pois essa nova realidade de comunicação e de gestão corporativa irá provocar mudanças de comportamentos e de atitudes, com resultados à altura dos desafios previstos para este século XXI.
Referências Bibliográficas A4S – The Prince´s Accounting for Sustainability Projetc http://www.accountingforsustainability.org/ A4S & GRI – The Prince´s Accounting for Sustainability Project (A4S) and Global Reporting Initiative (GRI). Press Release: Formation of the International Integrated Reporting Committee (IIRC), 2nd August 2010. www.integratedreporting. org ou www.theiirc.org BALDARELI, M.G. Civil economy, democracy, transparency and social and environmental accounting research role. Italy: McGraw-Hill, 2010.
Considerações Finais Neste artigo, objetivou-se a abordar aspectos sobre o Relato Integrado e contribuir com as discussões em andamento para sua implementação. Há controvérsias sobre a conveniência de eventual obrigatoriedade ou adoção compulsória ou voluntária pelas empresas; por um lado, justifica-se, pois a obrigatoriedade regulamentada pelo menos para as grandes empresas e empresas de capital aberto irá agilizar o processo de adoção dessas normas, a exemplo do que ocorre no país quanto às IFRS. Por outro lado, analisando sob a ótica da relação “custo x benefício” e com base no princípio “relate ou explique”, a adoção
Biblioteca Virtual do NECMA: acesso livre (sem senha): http://www.erudito.fea.usp.br/portalfea/Default.aspx?idPagina=47667 Blue Planet Prize – Environmental and Development Challenges: The Imperative to Act. 20 February 2012. The Blue Planet Prize laureates. http://www.af-info.or.jp/bpplaureates/ doc/2012jp_fp_en.pdf BMF&BOVESPA – vídeo do lançamento mundial da minuta sobre Relato Integrado. São Paulo: 16 de abril de 2013: http:// www.bmfbovespa.com.br/novo-valor/pt-br/noticias/2013/ IIRC-Proposta-global-20130417.asp?titulo=IIRC Carvalho, L. N. Contabilidade e Ecologia: uma exigência que se impõe. Brasília: Revista Brasileira de Contabilidade, ano 20, nº 75, abr/jun 1991, pg. 4 a 10.
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Relato Integrado Comissão Brasileira de Acompanhamento do Relato Integrado – Consultation Draft of the International IR Framework – biblioteca virtual do NECMA, 2013. FEA/USP – Vídeo de Goldemberg, J. sobre a RIO+20 e o Futuro que Queremos. 2012. www.fea.usp.br/video FEA/USP – Vídeo do evento “Diálogo IFRS & GRI”. São Paulo: 12/05/2010. http://www.fea.usp.br/videos_view. php?id=167 FEA/USP – vídeo do evento “Relato Integrado e as ações do International Integrated Reporting Council. São Paulo: 2011- http://www.fea.usp.br/videos_view.php?id=168 FELTRAN-BARBIERI, R.; KASSAI, J.R.; CINTRA, Y. C.; CARVALHO, L. N. Experimental Simulations on Environmental Balance Sheets for Brazil and its States. In: IABE-2012 Venice- Summer Conference (International Academy of Business and Economics), 2012, Venicy - Italy. research / Teaching Excellence in Business and Economics. IABE Global Headquarters: Russ: International Academy of Business and Economics (IABE), 2012. FELTRAN-BARBIERI, R.; KASSAI, J.R.; CINTRA, Y.C.; CARVALHO, L.N. Experimental Simulations on Environmental Balance Sheets for Brazil and its States. Journal of Academy of Business and Economics, v. 12, p. 46-63, 2012. GRI – Global Reporting Initiative - https://www.globalreporting.org/Pages/default.aspx IBGC – vídeo Relato Integrado (Nelson Carvalho e Vania Borgerth) – 2013: http://itv.netpoint.com.br/ibgc/principal. asp?id=321 IIRC - International Integrated Reporting Council. Minuta Exposure Draft IIRC – http://www.theiirc.org/wp-content/uploads/Consultation-Draft/Consultation-Draft-of-the-InternationalIRFramework.pdf IIRC - International Integrated Reporting Council. http://www.theiirc.org/international-ir-framework/ Kassai, J.R. et alli. Balanço Contábil das Nações – reflexes sobre mudanças climáticas globais. BBR Business Review, abril a junho de 2012, volume 10, número 2. KASSAI, J.R.; HA, Helisa, CARVALHO, L.N. Diálogo IFRS e GRI para o desenvolvimento sustentável. Anais do EnANPAD 2011, Rio de Janeiro: 4 a 7 de setembro de 2011. http://www.anpad.org.br Kassai, J.R.; Kassai, J.R.S. Risco Retorno e Sustentabilidade Empresarial. Atlas, 2013. Kassai, J.R; Feltran-Barbieri; R.; Carvalho; L.N.; Cintra, Y.; Foschine, A. Balanço Contábil das Nações – Compêndio de Indicadores de Sustentabilidade das Nações, organizado por Anne Louette. São Paulo: WHH WILLIS Harman House, 2009. Uehara, C. T.; Kassai, J.R.; Carvalho, L.N. Informação Válidas para um Relato Integrado. Artigo apresentado no CSEAR 2013. Belém/PA: 2013. United Nations. RIO+20 United Nations Conference on Sustainable Development. The Future We Want. 20-22 Jun 2012. http://www.uncsd2012.org/ USP NA RIO+20 – página do facebook com fotos e comentários: https://www.facebook.com/UspNaRio20?fref=ts 34
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Vol. 1, agosto 2014
Inflação: Relembrando
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Inflação: Relembrando
Dos Velhos para a Nova Geração A INFLAÇÃO É INIMIGA MORTAL DA CONTABILIDADE*
Daqueles que estão com 35 anos ou menos, uma
pequena minoria tem consciência de que, além da sonegação fiscal, a contabilidade tem outro enorme inimigo: a inflação. Afinal, a não consideração dos seus efeitos nas demonstrações contábeis distorce o patrimônio e o lucro e ilude quanto às efetivas taxas de retorno do empreendimento. E ainda ilude na avaliação de empresas (valuation).
A extinção da correção monetária dos balanços a partir de 1996 colocou-nos no mundo dos desenvolvidos, que não reconhecem os efeitos inflacionários na contabilidade. Maravilha, poderíamos pensar. Estamos entre os bons, como os norte-americanos, os alemães, os japoneses, os ingleses etc. Só que a verdade é essa: os desenvolvidos não consideram os efeitos da inflação, simplesmente porque não têm a devida noção de quais são as verdadeiras dimensões desses efeitos. Nem para fins gerenciais. E nos igualamos a eles nisso: passamos a integrar o grupo dos que ignoram essa faceta tão importante da informação contábil. Quanto aos que sentiram ou ainda sentem tais efeitos, temos inclusive tentado, juntamente com o IASB, que analise detidamente o problema, mas não temos sido felizes: parece que fecham os olhos e não querem ver o que não é agradável. Temos várias dessas histórias, e recentíssimas, para contar (a última ainda neste ano!). * Artigo elaborado pela Editoria. Agradecemos ao Prof. Ariovaldo dos Santos pelas valiosas contribuições ao texto.
Contudo, vamos fazer o seguinte: vamos rememorar para alguns e, talvez, introduzir novidades para outros, discutindo um conjunto de exemplos sobre quais são esses efeitos, pelo menos os mais relevantes, para podermos entender melhor o assunto e, inclusive, entendermos melhor artigos, livros e materiais sobre o problema.
1o. Exemplo: A besteira do caixa parado Valores históricos puros
É claro que esse é um caso inadmissível na prática, mas vamos lá: A Cia. teve um capital formado em caixa de R$ 200 mil e, inadvertidamente, ficou com esse valor depositado no banco sem qualquer remuneração, esperando aprovação de um projeto que dependia de licença ambiental.... Assim, seu balanço inicial, sua demonstração do resultado e seu balanço final foram: Balanço Inicial - Histórico Caixa
200.000 Capital
200.000
Resultado Histórico
Balanço Final - Histórico
Caixa
200.000
Capital
200.000
E o retorno sobre o patrimônio líquido inicial: R$ 0/R$ 200.000 = 0%! 36
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Inflação: Relembrando Agora, imaginemos que tenha havido uma infla- patrimônio líquido final, esse valor. Logo, o que ção de 6% durante esse ano. O balanço inicial refle- ocorreu foi um prejuízo. tia perfeitamente a situação inicial. O balanço final também reflete, do lado do ativo, perfeitamente a E o balanço final era apresentado: Balanço Inicial - Histórico situação final: um caixa que, na data final, vale, em 200.000 Capital Corrigido 200.000 moeda dessa data, R$ 200 mil. Assim, o patrimônio Caixa Prej. Acumulado (12.000) líquido de R$ 200 mil também é verdadeiro nessa 200.000 data, mas será que sua composição está correta? Basta imaginarmos o raciocínio mais simples possível: se você ficar com R$ 200 mil durante 6% de inflação, estará tendo a sensação de que, de fato, nada mudou? Ou você vai achar que ficou um pouco menor do que era porque ficou com o dinheiro parado? É lógico que você se sentirá diminuído, já que, em média geral, sua capacidade de comprar bens e serviços na economia diminuiu. Em média, precisaria ter R$ 12 mil a mais para continuar comprando uma cesta de bens e serviços que antes comprava com R$ 200 mil. Assim, se você deveria ter R$ 212 mil, e tem só R$ 200 mil, sentirá a sensação de perda desses R$ 12 mil. Correção monetária simplificada
No modelo legal brasileiro utilizado até 1995, era feito o seguinte contabilmente: o Capital Social, nesse caso, representando o único componente do patrimônio líquido inicial, era corrigido pelos 6%, e esse valor era levado a débito do resultado, mostrando o prejuízo do período em termos econômicos, financeiros e contábeis. Nesse caso, débito ao resultado e crédito ao capital social. Dessa forma, a demonstração do resultado era assim apresentada: Resultado com a Correção Monetária Legal Antiga
Ou seja, o patrimônio líquido, nesse caso, seria o mesmo que o histórico, no seu total, mas demonstrando que o valor atualizado investido pelos sócios é de R$ 212 mil, e não o histórico desatualizado de R$ 200 mil. E demonstrando o prejuízo ocorrido até então. Vamos aqui, neste trabalho inteiro, exclusivamente por simplificação, ignorar os efeitos fiscais. Na verdade, à época do tempo da inflação alta, esses eram os valores também para efeitos fiscais, e assim a empresa estaria gerando um crédito tributário sobre esse prejuízo. Todavia, nós iremos, repetimos, apenas por simplificação, omitir esse assunto tão importante nos nossos exemplos. E qual a verdadeira taxa de retorno ocorrida? Sabemos que houve uma diminuição de patrimônio de R$ 12 mil, e deve esse valor ser comparado com R$ 200 mil? É verdade que a empresa encolheu 6%? Isso não é verdade! Afinal, se você está com um patrimônio de R$ 200 mil e devia estar com R$ 212 mil, qual foi o percentual de encolhimento? Precisamos comparar R$ 12 mil com o capital investido devidamente corrigido, ou seja, com R$ 212 mil! Taxa efetiva de retorno sobre o patrimônio líquido: R$ (12.000)/R$ 212.000 = -5,7%
Correção do Patrimônio Líquido Inicial
(12.000)
Resultado Líquido
(12.000)
E o resultado estampava a bobagem feita: perda porque o diretor financeiro bobeou! Repare que essa correção do patrimônio líquido pode ser explicada da seguinte forma: ao corrigir o seu valor inicial, estamos querendo dizer quanto que ele precisaria ter crescido nominalmente para, na verdade, continuar do mesmo tamanho que antes em termos reais. Assim, precisaria ter crescido R$ 12 mil. Como não cresceu, ficou faltando, no
Pegamos você, correto? Achou que tinha perdido 6% de poder de compra porque a inflação foi nesse percentual. Não é assim que se calcula taxa de crescimento ou de redução de tamanho. Por exemplo, se a inflação tivesse sido de 100%, você teria tido uma perda de 100% do seu poder de compra? Claro que não. Precisaria estar com R$ 400 mil para ter o mesmo poder de compra que tinha com R$ 200 mil um ano antes; como possui agora, ao final, apenas R$ 200 mil, perdeu a metade do poder de compra. Você é capaz de comprar apenas metade do que comprava antes em termos gerais. Assim, sua taxa de (des?)
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Inflação: Relembrando retorno será de R$ (200.000)/R$ 400.000 = -50%!
2o. Exemplo: Sem a besteira do caixa parado
Bem, voltando ao exemplo, mesmo com uma inflação de 6%, temos um descompasso significativo Valores históricos puros no resultado e na taxa de retorno apresentados pela contabilidade de hoje, com normas internacionais e tudo. Inclusive dentro das normas do FASB norte-a- Admitamos agora outro exemplo diferente. O capital formado da Cia. B foi de R$ 500 mil, mas o tesoumericano etc. reiro aqui aplicou direitinho o dinheiro e conseguiu E o que é pior, achando e dizendo que estamos pro- ganhar nominalmente 10% durante o ano. Suas deduzindo uma informação que representa uma “true monstrações contábeis tradicionais e legais (de hoje) and fair view” do patrimônio e sua evolução, ou uma serão, desconsiderando olimpicamente os impostos: “representação fidedigna” disso etc. etc. Balanço Inicial - Histórico
Correção monetária integral
Ap. Financeira
No entanto, antes de irmos em frente, tínhamos também, além dessa correção monetária legal, a qual passaremos a chamar de Correção Monetária Simplificada, o que se denominava de Correção Monetária Integral que, nesse exemplo extremamente simplificado, apenas dava melhor o nome aos bois: em vez de dizer, no resultado, que o prejuízo se devia à correção do patrimônio líquido inicial, dizia-se simplesmente que o prejuízo era devido ao caixa parado. Ou seja, dizia-se que os R$ 12 mil de prejuízo eram causados por perdas na capacidade aquisitiva do caixa parado, ou simplesmente, Perdas no Caixa. Assim, a única diferença era que, nesse exemplo, a demonstração ficava: Resultado Correção Monetária Integral Perda no Caixa
(12.000)
Resultado Líquido
(12.000)
500.000
Capital
500.000
Resultado Histórico Receita Financeira
50.000
Resultado Líquido
50.000 Balanço Final - Histórico
Ap. Financeira
550.000
Capital Lucro Acum.
550.000
500.000 50.000 550.000
Taxa nominal de retorno: R$ 50.000/R$ 500.000 = 10% Sempre admitindo a mesma inflação de 6% ao ano, que “baita” mentira, não? Dizer-se que o lucro de quem aplica dinheiro ganhando 10% numa inflação de 6% é 10% é tapar o sol com a peneira, correto? Isso tudo é válido em termos nominais, mas os termos nominais são uma enorme enganação em termos da realidade econômica.
O balanço final era o mesmo que o da correção sim- Vejam, por exemplo, quando o governo federal diz plificada. que a receita federal aumentou em x%, se eles estão comparando crescimento nominal. Não, estão semNote que o lucro pela correção integral é igual ao da pre dizendo: descontada a inflação! Contudo, em correção simplificada, e que a diferença entre o lucro nossos balanços, continuamos mentindo, mas estada simplificada e o histórico é a inserção da conta de mos em boas companhias no mundo... correção monetária do balanço. Conclusão O lucro líquido histórico nulo é falso. A empresa teve, na realidade, prejuízo de R$ 12 mil . Em vez de taxa de 0% de retorno, ela é negativa em 5,7%.
Correção monetária simplificada
Com base na correção legal antiga brasileira, teríamos o mesmo procedimento de corrigir o capital, creditando-o, e debitando o resultado pelos 6% sobre os R$ 500 mil: 38
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Inflação: Relembrando Resultado Correção Monetária Simplificada Receita Financeira
50.000
Correção do Patrimônio Líquido Inicial Resultado Líquido
(30.000) 20.000
Como houve 6% de inflação, tiramos do lucro nominal R$ 30 mil, que seria o necessário de crescimento para, na verdade, não haver crescimento algum, apenas a manutenção do valor efetivo original. Assim, diminui-se os R$ 30 mil dos R$ 50 mil e sobram R$ 20 mil de crescimento real.
O lucro contábil, para fins de tributação e para cálculo do dividendo, seria de apenas R$ 20 mil, e não Correção monetária integral os “malucos” R$ 50 mil! E o balanço final:
Bem, e o que mudaria com a aplicação da Correção Monetária Integral? Em vez de utilizar a conta de Ap. Financeira 550.000 Capital Corrigido 530.000 correção do patrimônio líquido inicial, ia-se mais Lucro Acumulado 20.000 diretamente ao ponto: a aplicação financeira pro 550.000 550.000 duziu um retorno nominal de R$ 50 mil, mas os primeiros R$ 30 mil são mera cobertura do efeito E qual a verdadeira taxa de retorno? Precisamos da inflação. É como se o dinheiro tivesse, concomiver que, de fato, o crescimento de R$ 500mil até R$ tantemente, produzido perda pela inflação de R$ 30 530mil seria exclusivamente para manter o mesmo mil, mas ganho financeiro nominal de R$ 50 mil. poder de compra anterior. Logo, o crescimento real Dessa forma, os R$ 20 mil correspondem, na verdaé o que aumentou a partir daí. E como cresceu, gede, à genuína receita financeira real, descontados nuinamente, de R$ 530 mil para R$ 550 mil, o cresos efeitos da inflação. E assim era apresentada a decimento genuíno é: monstração do resultado: Taxa efetiva de retorno: Resultado Correção Monetária Integral Balanço Final - Corrigido
R$ 20.000/R$ 530.000 = 3,8%! (Imagine-se numa situação dessas na realidade de hoje: os tributos sobre o lucro incidem sobre o lucro nominal de R$ 50 mil. Quanto sobra de lucro real? Calcule... À época, o lucro tributável era o mesmo que o contábil: R$ 20 mil. Só que a alíquota era maior. Dá para entender o motivo pelo qual a figura do Juro Sobre Capital Próprio não é nenhuma benevolência governamental? Mas essa é história para outro trabalho.) Que fantástica diferença no valor absoluto do lucro e no da taxa de retorno. Talvez dê para começarmos a ficar com vergonha de assinarmos balanços como os de hoje, pareceres como os de hoje, análises financeiras etc. .... Note-se que é possível explicar o saldo devedor da conta de correção monetária no resultado exatamente como feito no primeiro exemplo: o patrimônio cresceu, nominalmente, de R$ 500 mil para R$ 550 mil, que foi o lucro nominal, puramente histórico.
Receita Financeira Real
R$20.000
Resultado Líquido
R$20.000
Logo, a receita financeira efetiva, real, é de R$ 20mil, e não o valor nominal, enganoso, de R$ 50 mil. Percebe-se que há várias formas de explicar os efeitos da inflação nessas formas de contabilização, mas o essencial é que, sem considerar esses efeitos, o resultado e o patrimônio estão incorretos economicamente. E note que o lucro pela correção integral é igual ao da correção simplificada, e que a diferença entre o lucro da simplificada e o histórico é a inserção da conta de correção monetária do balanço. Conclusão O lucro líquido histórico de R$ 50 mil é falso. A empresa teve, na realidade, lucro de R$ 20 mil. Em vez de taxa de 10% de retorno, ela é de 3,8%.
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Inflação: Relembrando 3o. Exemplo: Atividade mercantil
Resultado Correção Monetária Simplificada Vendas
Valores históricos puros
CMV
Vamos agora a uma situação diferente: os sócios da Cia. C investiram R$ 1 milhão, compraram estoques, e só os venderam no final do ano, tudo à vista. Admitamos as seguintes demonstrações contábeis a valores históricos e legais de hoje: 1.000.000 Capital
1.000.000
Resultado Histórico
Vendas
(1.000.000)
Lucro Bruto
200.000
Despesas Operacionais
(70.000)
Resultado Líquido
130.000
Caixa Estoques
Balanço Final - Histórico 1.130.000 Capital -
Lucro Acum.
1.130.000
Despesas Operacionais
(70.000)
Correção do Pat. Líq. Inicial
(60.000) 70.000
Balanço Final - Corrigido Caixa
1.130.000 Capital Corrigido -
Estoques
Lucro Acumulado
1.130.000
1.060.000 70.000 1.130.000
Taxa real de retorno: R$ 70.000/R$ 1.060.000 = 6,6% e não 13%, como aparentava ser.
1.000.000 130.000 1.130.000
Tudo devidamente elaborado e auditado segundo as normas contábeis da CVM, do CFC, do IASB, do FASB etc. etc.! Taxa nominal de retorno:
200.000
E é uma verdade; se foram investidos R$ 1milhão, e agora, 6% de inflação depois, temos R$ 1.130.000, é porque o crescimento foi tão somente de R$ 70 mil.
1.200.000
CMV
(1.000.000)
Lucro Bruto
Resultado Líquido
Balanço Inicial - Histórico Estoques
1.200.000
Mais uma vez: poderíamos explicar a conta devedora, negativa, de R$ 60 mil no resultado como sendo a eliminação do crescimento nominal até então registrado de R$ 130 mil, da parcela que é para simplesmente manter o patrimônio líquido inicial em termos reais. Correção monetária integral
Pela correção integral, precisamos corrigir, primeiramente, o valor das vendas. Todavia, elas acontece(Afinal, o risco mercantil é maior do que o da apli- ram no final do ano, então, não há nada para corrigir cação financeira e isso está sendo devidamente re- (nada como fazer exemplos numa sala fechada....). munerado.) Porém, não dá para contrapor aos R$ 1.200.000 de R$ 130.000/R$ 1.000.000 = 13%
Apenas observemos que o dinheiro não foi ainda dinheiro recebido no final do ano pelas vendas o direinvestido nos novos estoques, o que também não nheiro investido há um ano na compra das mercadorias vendidas. Assim, por uma lógica econômica (e muda em nada nossa história. sem considerar o custo do dinheiro...), o mínimo a fazer é, primeiramente, atualizar monetariamente o Correção monetária simplificada dinheiro investido nos estoques e trazer o valor original de R$ 1 milhão para R$ 1.060 mil. Agora sim Com a inflação de 6%, e consistentemente nos es- dá para contrapor esse montante ao valor da venda e quecendo dos impostos, na correção legal brasileira ver que o lucro bruto foi, na verdade, de R$ 140 mil, e não de R$ 200 mil: antiga, teríamos: 40
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Inflação: Relembrando Balanço Inicial - Histórico
Resultado Correção Monetária Integral Vendas
1.200.000
Custo Corrigido das Mercadorias Vendidas
Terrenos
(1.060.000)
Lucro Bruto
Capital
1.000.000
1.000.000
Resultado Histórico
140.000
Lembre-se: isso só vale na correção integral se as vendas efetivamente tiverem ocorrido no final do ano!
Receita de Aluguel
100.000
Resultado Líquido
100.000
E as despesas operacionais? Vamos combinar uma simplificação (a ser desfeita mais à frente): vamos admitir como também tendo ocorrido e sido pagas no final do ano. Desse modo, o resultado completo pela correção integral fica:
Terrenos Caixa
1.000.000
Capital
100.000
Lucro Acumulado
1.100.000
1.000.000 100.000 1.100.000
Taxa nominal de retorno:
Resultado Correção Monetária Integral Vendas (final) CMV
Balanço Final - Histórico
R$ 100.000/R$ 1.000.000 = 10%.
1.200.000 (1.060.000)
Lucro Bruto
140.000
Despesas Operacionais (final)
(70.000)
Resultado Líquido
70.000
Afinal, investir em terrenos permite uma taxa menor do que investir em estoque, correto? Nominalmente, o investimento em estoque produziu 13% de retorno no exemplo anterior; agora, ficamos contentes com apenas 10%, já que o risco parece ser menor.
O balanço final corrigido pela correção integral é o mesmo que aquele já mostrado pela correção Só que 10% são a mesma taxa obtida nominal no exemplo 2, da aplicação financeira! Mas.... aplicar simplificada. no mercado financeiro numa taxa de inflação de 6% Note que o lucro pela correção integral é igual ao da e ganhar nominalmente 10% é a mesma coisa que correção simplificada, e que a diferença entre o lucro aplicar num terreno, e também, com inflação de 6%, da simplificada e o histórico é a inserção da conta de ganhar nominalmente os mesmos 10%? correção monetária do balanço. Notemos uma coisa: nos exemplos anteriores, no ativo, só tínhamos dinheiro no balanço final, e o que Conclusão temos de dinheiro numa data representa certo vaO lucro líquido histórico de R$ 130 lor com poder de compra dessa mesma data, é claro. mil é falso. A empresa teve, na realidaTodavia, nesse último caso, temos, ao final do ano, de, lucro de R$ 70 mil. Em vez de taxa um terreno no qual foram investidos R$ 1 milhão, de 13% de retorno, ela é de 6,6%. mas o investimento foi feito há 6% de inflação atrás, e ele continua registrado pelos mesmos R$ 1 milhão. Faz sentido isso economicamente? Faz sentido isso contabilmente? Parece que não, concorda?
Logo, num balanço que contenha os efeitos inflacionários, o terreno avaliado ao custo histórico precisa Valores históricos puros passar a ser avaliado pelo custo histórico corrigido, ou seja, nesse caso, precisa ser ajustado para R$ Admitamos agora que a Cia. D invista em terrenos, 1.060 mil. também só com capital próprio, e os arrende para É importante dizer que isso não significa dizer que uma empresa que explora estacionamentos. O alu- esse terreno passou a valer esse montante. Correção monetária é uma atualização da quantidade de guel é recebido ao final de cada ano: 4o. Exemplo: Investindo em Terrenos
41 Vol. 1, agosto 2014
Inflação: Relembrando moeda, e não um processo de avaliação a preços de mercado. Esse novo valor atualizado não quer dizer que, se fosse comprado agora no final do ano, custaria isso; e nem que, se fosse ser vendido, seria esse o seu valor; ou, ainda, que isso corresponde ao valor justo desse ativo. Quer dizer tão somente: o custo de aquisição desse terreno foi, no passado, de R$ 1 milhão, mas, em quantidade de moeda de hoje, essa quantia equivale a R$ 1.060 mil. Correção monetária simplificada
líquido. Logo, nesse caso, algo interessante: mesmo considerando os efeitos da inflação, o lucro continua o mesmo que na contabilidade a valores históricos. Ambos são iguais, R$ 100 mil. Contudo, os balanços finais são diferentes! Na contabilidade a valores históricos, o terreno não tem correção e o capital continua pelo valor original. Nos valores corrigidos, não. Vejamos: Balanço Final - Corrigido Caixa
100.000
Capital Corrigido
Terrenos
1.060.000
Lucro Acumulado
1.160.000
1.060.000 100.000 1.160.000
Dentro da contabilidade com a correção legal antiga, simplificada, fazia-se então o seguinte: corrigia-se o terreno, debitando-o por R$ 60 mil, e a contrapartida era jogada contra o resultado, creditando-a. É como se fosse uma receita. Muito esquisito, não? Mas continuemos, corrigindo agora o patrimônio líquido, como feito nos exemplos anteriores. Teríamos o seguinte:
Na verdade, a empresa tem, no final, exatamente o mesmo terreno que antes e mais um caixa que corresponde exatamente ao valor efetivo do seu lucro durante o ano, medido em moeda de poder aquisitivo do final do ano.
Resultado Correção Monetária Simplificada
Quase os mesmos 10% nominais, mas não exatamente o mesmo retorno que aquele apurado nominalmente.
Receita Aluguel (final) Correção do Terreno Correção do Pat. Líquido inicial
100.000
60.000
(60.000)
Saldo líquido da CMB Resultado Líquido
R$ 100.000/R$ 1.060.000 = 9,4%
Correção monetária integral
E a taxa de retorno?
100.000
Ou seja, um crédito ao resultado pela correção do terreno e um débito pela correção do patrimônio líquido. Na verdade, na demonstração do resultado, aparecia apenas o saldo líquido dessas duas correções, ou seja, o valor R$ 0, nesse caso. Um pouco difícil de entender a lógica disso, correto? A explicação mecânica dada pela correção simplificada segue aquele raciocínio já visto. Só que agora com uma novidade: o patrimônio líquido original de R$ 1 milhão cresceu, nominalmente, em R$ 100 mil pela receita de aluguel recebida, mas também cresceu nominalmente por R$ 60 mil, em razão da “mera” atualização monetária do terreno. Logo, ele cresceu nominalmente em R$ 160 mil. Só que, exposto a uma inflação de 6%, precisaria ter crescido R$ 60 mil para manter seu valor real. Deduzindo dos R$ 160 mil de crescimento nominal esse montante, chega-se ao lucro efetivo de R$ 100 mil de lucro
Em correção integral o assunto fica, economicamente, mais fácil de ser analisado: a única coisa que mudou, efetivamente, o patrimônio da empresa, foi a receita de aluguel. E como ela aconteceu no final do ano, em dinheiro, no montante de R$ 100 mil, esse é o único componente da demonstração do resultado: Resultado Correção Monetária Integral Receita de Aluguel (final)
100.000
Resultado Líquido
100.000
Veja-se, nesse caso, que a demonstração passou a ser exatamente igual à histórica!Note-se, então, como os efeitos da inflação são diferentes sobre o lucro e o patrimônio conforme a composição desse patrimônio! E que, sem um bom conhecimento disso, não há inclusive como se analisar bem o desempenho efetivo da empresa. Por exemplo, o mesmo valor de investimento de R$ 42
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Inflação: Relembrando 1 milhão em estoques, no exemplo 3, parecia, nomi- Taxa de retorno: nalmente, dar um retorno nominal de 13%, quando, R$ 300.000/R$ 2.000.000 = 15%. na verdade, foi de 6,6%. E agora, no terreno, o retorno nominal de 10% deu um retorno real de 9,4%!!! Afinal, admitamos que esse ramo industrial seja mais arriscado do que investir em terrenos, estoques Note que o lucro pela correção integral é igual ao da ou mercado financeiro. correção simplificada, e que a diferença entre o lucro da simplificada e o histórico é a inserção da conta de correção monetária do balanço. Só que esse saldo foi Correção monetária simplificada nulo, no caso; logo, sem diferença. Bem, só que com a análise dos efeitos inflacionários Conclusão e a mecânica da correção monetária simplificada O lucro líquido histórico de R$ 100 adotada legalmente no Brasil até 1995, teremos que mil é verdadeiro, mas o balanço é falatualizar o valor aplicado nas máquinas e o valor do so. A empresa teve, na realidade, lucapital inicial. Entretanto, ao ajustarmos o valor das cro de R$ 100 mil. Em vez de taxa de máquinas, teremos que recalcular a depreciação do 10% de retorno, ela é de 9,4%. período, que precisará ser de R$ 2.000.000 x 1,06 x 20% = R$ 424.000! Lembrando o que já fizemos com a correção dos terrenos, teremos que debitar o imobilizado inicial pela sua atualização monetária, creditando o resultado, e creditar o capital debitando o resultado. Teremos então, pela correção simplificada:
5o. Exemplo: Investindo em Imobilizado Depreciável Valores históricos puros
Resultado Correção Monetária Simplificada
Admitamos agora que a Cia. E invista R$ 2 milhões em máquinas que tenham 5 anos de vida útil e valor residual nulo, caracterizando uma depreciação de 20% por ano. E que tenhamos o seguinte: 2.000.000
Capital
2.000.000
Resultado Histórico Vendas
2.000.000
CPV
(1.000.000)
Lucro Bruto
1.000.000
Despesas Operacionais
(300.000)
Depreciação
(400.000)
Resultado Líquido
300.000
Máquinas
700.000 2.000.000
Capital Lucro Acum.
2.000.000
CPV
(1.000.000)
Lucro Bruto
1.000.000
Despesas Operacionais
(300.000)
Depreciação
(424.000)
120.000
(120.000)
Correção do PL Inicial CMB
Resultado Líquido
-
.
276.000
Vamos recapitular: independentemente de quando tenham sido feitas as vendas, ou formados o custo dos produtos vendidos e as despesas operacionais, as únicas mudanças com relação à demonstração histórica do resultado são, na correção simplificada: ajuste da depreciação, que passa a ser sobre o valor do imobilizado atualizado monetariamente;
Balanço Final - Histórico Caixa
Correção do Imobilizado
Balanço Inicial - Histórico Máquinas
Vendas
2.000.000 300.000
Dep. Acum.
(400.000)
2.300.000
2.300.000
conta de correção monetária do balanço (CMB), igual à correção do imobilizado menos a do patrimônio líquido. Com isso, o resultado, que era de R$ 300 mil, caiu
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Inflação: Relembrando para R$ 276 mil. Pequena diferença. E a taxa de re- homogeneamente ao longo do ano. Isso significa torno, que era de 15%, passou para: R$ 276.000/R$ que a soma de R$ 2 milhões é uma certa bagunça, 2.120.000 = 13,0%. com valores de vendas de janeiro somadas com as de junho, com as de dezembro etc. Logo, esse número Até que mudou pouco também, correto? Contudo, o não tem muito significado. Para tê-lo, é preciso que balanço final possui diferenças também: coloquemos os R$ 2 milhões numa única moeda, e no nosso caso, na moeda de capacidade aquisitiva Balanço Final - Corrigido do final do ano. Precisaríamos então conhecer as Caixa 700.000 Cap. Corrigido 2.120.000 vendas de janeiro e corrigi-las para até final de deMáquinas 2.120.000 Lucro Acum. 276.000 zembro; as de fevereiro também etc. Deprec. Acum.
(424.000)
2.396.000
2.396.000
Na verdade, só o Caixa permanece o mesmo que nos valores históricos. A lógica por trás desse modelo da correção simplificada é sempre a mesma: o patrimônio líquido cresceu nominalmente em razão do caixa de R$ 700 mil, cresceu também em R$ 120 mil pela atualização monetária das máquinas, mas decresceu devido à depreciação dessas mesmas máquinas em R$ 424.000. Logo, seu crescimento nominal foi de R$ 396 mil (veja-se o valor do patrimônio líquido final anteriormente, no último balanço). Só que, desses R$ 396 mil de crescimento nominal, R$ 120 mil são apenas para manter o valor real do patrimônio líquido inicial do período (6% de R$ 2 milhões). Assim, o crescimento efetivo é de R$ 276 mil! E isso significa 13,0% de crescimento efetivo. Correção monetária integral
Vamos agora à correção integral: como já visto, o valor de aquisição das máquinas precisará sofrer a atualização monetária, mas, na correção integral, nenhum crescimento meramente nominal é considerado lucro. O que interessa de fato é a análise dos genuínos componentes do resultado do período, em termos reais. Vamos então a essa análise, introduzindo algumas novidades: As receitas de vendas representam crescimento real do patrimônio líquido, do lucro? Sim, essas vendas correspondem, no exemplo, ao aumento real de dinheiro entrado em caixa.
Para simplificar, vamos admitir que ocorreram homogeneamente e que teremos um valor bem aproximado da realidade se corrigirmos o total de R$ 2 milhões pela inflação média do período. Se a inflação do ano foi de 6%, inflação média é aquela que seria a mesma durante o primeiro semestre e durante o segundo e que, juntas, dessem 6%. Obviamente, a inflação média não é a média aritmética de 6%, dividida em dois períodos. Afinal, se os preços subirem de R$ 100 para R$ 103 até o final do primeiro semestre e depois subirem mais 3% até o final do ano, no final do ano, estarão 3% acima de R$ 103, e isso nos dá R$ 106,09, ou seja, 6,09% de inflação total no ano. Todavia, como ela foi de 6%, temos que calcular a inflação média com base na média geométrica: tiramos a raiz quadrada de 1,06, o que nos dá 1,029563, tiramos a unidade e chegamos à inflação média de 2,9563% em cada semestre. Dessa forma, o valor das vendas corrigido para moeda de poder aquisitivo do final do ano, calculado um pouco mais sofisticadamente, é: R$ 2 milhões x 1,029563 = R$ 2.059.126. Isso significa que, caso a empresa fosse guardando o dinheiro recebido de cada venda e aplicando-o ganhando apenas a inflação, teria, no final do ano, esse montante no caixa. Se as vendas fossem feitas diariamente, e diariamente tivéssemos, por exemplo, uma moeda absolutamente forte chamada UMC (Unidade Monetária Contábil – melhor do que o dólar ou o euro), e calculássemos as vendas em quantidade de UMCs, e depois reconvertêssemos essa quantidade de UMCs para reais, teríamos como valor expressão das vendas do ano, em reais de capacidade de compra do final do ano, o montante de R$ 2.059.126.
Agora vem a segunda pergunta relativa às vendas: Vamos agora ao custo dos produtos vendidos. Para quando elas aconteceram? simplificar nossa vida, não vamos admitir estoques Vamos admitir que essas vendas ocorreram que demoram a ser consumidos. Estamos num
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Inflação: Relembrando exemplo de just in time perfeito, e admitamos que o custo, tanto em termos de materiais quanto de pessoal, de energia etc. foi também sendo formado ao longo do tempo. Só vamos excluir a depreciação desse cálculo e tratá-la à parte neste nosso exemplo simplificado. Assim, o CPV será também multiplicado pelo mesmo fator de atualização das vendas: R$ R$ 1 milhão x 1,029563 = R$ 1.029.563. As despesas operacionais, sendo tratadas da mesmíssima forma, ficam devidamente corrigidas para moeda do final do ano, em R$ 300 mil x 1,029563 = R$ 308.869.
deveria ter a mais no caixa se ele fosse sendo aplicado ganhando meramente a inflação. Se a contabilidade fosse escriturada em UMCs, e não em reais, a soma dos reais líquidos que totalizam R$ 700 mil durante esse período todo, em quantidade de UMCs, daria um total que, multiplicado pelo valor da UMC no final do ano, corresponderia a R$ 720.964. Como não existe esse montante no caixa, apenas R$ 700.000, precisaria a contabilidade registrar uma baixa (um tipo de impairment) na contabilidade em UMCs para adequá-la à realidade. Essa quantidade de UMCs representaria a perda no caixa nessa moeda que, pelo valor da UMC em reais do final do ano, resultaria, é óbvio, nos R$ 20.964.
Por sua vez, a depreciação, mesmo tendo ocorrido durante o ano inteiro, refere-se sempre a um percentual sobre o valor de aquisição. Desse modo, a depre- Dessa forma, temos agora condições de montar a deciação, em janeiro, corresponderia a 1/12 de 20% de monstração do resultado do período com base nos R$ 2 milhões corrigidos para janeiro; mas esse valor conceitos da correção monetária integral: precisaria depois ser corrigido para dezembro, e asResultado pela Correção Monetária Integral, em Resim sucessivamente. Assim, a depreciação total do ais de capacidade aquisitiva do final do ano ano, em moeda do final do ano, corresponde a 20% Vendas 2.059.126 sobre o valor das máquinas corrigido para o final do CPV (1.029.563) ano: R$ 2 milhões x 1,06 x 20% = R$ 424.000. Nesse Lucro Bruto (308.869) caso, exatamente igual ao valor constante na correDepreciação (424.000) ção simplificada já mostrada. Só que falta algo muito importante: o que aconteceu com o Caixa durante o ano? Para ser coerente com o que admitimos, o caixa, que no final do ano era de R$ 700 mil, foi sendo formado também homogeneamente durante todo o período. Ele corresponde ao recebimento das vendas de R$ 2 milhões menos o pagamento dos custos e despesas de R$ 1 milhão e R$ 300 mil, respectivamente.
Perda no Caixa
(20.694)
Resultado Líquido
276.000
Em primeiro lugar, nenhum valor “bate” com o resultado pelos valores históricos! Em segundo, somente a depreciação “bate” com a correção simplificada (na verdade, não “batia” porque a atualização da depreciação de janeiro e dos outros meses para moeda de dezembro era contabilizada na conta de correção monetária do balanço, e não na de Assim, se esse caixa foi sendo criado paulatinamente depreciação, mas isso já passou a ser cultura inútil). e não produziu nenhuma receita financeira nominal, No entanto, o lucro líquido é exatamente igual ao da foi sofrendo erosão na sua capacidade de compra, correção simplificada. exatamente como no primeiro exemplo visto no início deste estudo. Ora, os primeiros reais sofreram o Deixaremos ao leitor a tarefa de analisar o desempeefeito da inflação do ano inteiro, e os últimos, nada. nho dessa empresa, comparando os índices tradicioNa média, sofreram os 2,9563% de perda média de nais de rentabilidade, lucratividade e liquidez com base nos três modelos apresentados. Discutiremos capacidade de compra. depois, mais à frente, um pouco disso. Temos então ressuscitada a Perda no Caixa de 2,9563% x R$ 700 mil = R$ 20.964, perda essa que só Note que o lucro pela correção integral é igual ao da aparece na demonstração do resultado da correção correção simplificada, e que a diferença entre o lucro integral (ou quando, em vez de considerarmos a in- da simplificada e o histórico é a inserção da conta de flação, tomamos como base o cálculo baseado numa correção monetária do balanço e o novo valor da demoeda estrangeira). Essa perda corresponde ao que preciação. 45 Vol. 1, agosto 2014
Inflação: Relembrando O lucro líquido caiu de R$ 300 mil nominais para R$ 102 mil, comparativamente ao exemplo anterior, devido aos juros. E a taxa de retorno dos sócios subiu assustadoramente. Era, originalmente, de 15% o lucro líquido sobre o patrimônio líquido inicial, e agora, passou para a astronômica taxa de: R$ 102.000/ Todavia, até agora, só trabalhamos com tudo R$ 200.000 = 51%. financiado por capital próprio! Nada de dívidas. Vamos introduzir esse último item nesta série? Tudo bem, é verdade mesmo que o investimento Conclusão o lucro líquido histórico de R$ 300 mil é falso. A empresa teve, na realidade, lucro de R$ 276 mil. Em vez de taxa de 15% de retorno, ela é de 13%.
dos sócios caiu de R$ 2 milhões para R$ 200 mil, e o resultado das operações genuinamente produzido pelos ativos continuou o mesmo. Apenas as despesas 6o. Exemplo: Investindo em com juros estão afetando o resultado. E como o lucro Imobilizado Depreciável, mas com Financiamento de Terceiros sobre os ativos é nominalmente de 15% (R$ 300 mil/ R$ 2 milhões), e a dívida custa 11% (R$ 198 mil/R$ Valores históricos puros 1,8 milhão), esse diferencial aumenta drasticamente A Cia. F fez o mesmíssimo investimento e teve o a rentabilidade dos sócios. Essa alavancagem finanmesmíssimo desempenho que a Cia. E do último ceira, pegando-se dinheiro a 11% e aplicando-o a exemplo, só que conseguiu um financiamento de R$ 15%, faz com que esse pequeno percentual de 4%, 1,8 milhão para a compra de seu imobilizado, com o aplicado sobre o valor tomado emprestado, que é juro nominal de 11% ao ano. muito grande, produza um lucro que vai todo para Assim, suas demonstrações passam a ser as mesmas os sócios...... que antes, só que com a novidade da dívida e das despesas de juros. E vamos assumir que ela tenha Bem, vamos parar com a tentação de ficar analium prazo de carência desses juros e que eles não es- sando e repensar um pouco: as análises anteriores tejam ainda pagos no final do ano, incorporando-se nos deram alguns sustos; considerando os efeitos da ao valor do principal devido. Chegaremos então a: inflação, vimos que, em alguns casos, o que parecia Balanço Inicial - Histórico um grande lucro não era verdadeiro. Em outras siMáq. Financiadas 2.000.000 Financiamento 1.800.000 tuações, o lucro verdadeiro com a consideração dos Capital 200.000 efeitos da inflação até que ficou muito próximo do Resultado Histórico nominal, e num caso, até ficou igual. E neste caso, Vendas 2.000.000 será que não é necessário primeiramente analisarCPV (1.000.000) mos bem esses efeitos, antes de ficarmos tirando Lucro Bruto 1.000.000 conclusões? Despesas Operacionais
(300.000)
Depreciação
(400.000)
Despesas de Juros
(198.000)
Resultado Líquido
102.000 Balanço Final - Histórico
Caixa Máq. Financiadas Deprec. Acum.
700.000 Financ.
1.998.000
2.000.000 Capital
200.000
(400.000) Lucro Acum. 2.300.000
102.000 2.300.000
Vamos então aplicar, primeiramente, a metodologia da correção simplificada que a nossa legislação brasileira aplicava anteriormente. Correção monetária simplificada
As correções são as mesmíssimas que no exemplo anterior. Temos então as seguintes demonstrações: 46
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Inflação: Relembrando A depreciação, também como no exemplo da Cia. E, é sobre o valor atualizado das máquinas.
Resultado Correção Monetária Simplificada Vendas
2.000.000
CPV
Incrível! O lucro que, a montantes históricos como hoje, contabilizado pelas normas internacionais de contabilidade é de R$ 102.000, passa para R$ 186.000!
(1.000.000)
Lucro Bruto
1.000.000
Despesas Operacionais
(300.000)
Depreciação
(424.000)
Despesas de Juros
(198.000)
CMB
108.000
Resultado Líquido
186.000
Faz algum sentido isso? Faz sentido economicamente? Faz sentido financeiramente?
Nossa, a conta de correção monetária passou para credora, virou receita!
Vamos, primeiramente, mostrar o balanço final após a correção: Balanço Final - Corrigido
O saldo da correção monetária do balanço mudou porque o patrimônio líquido inicial mudou.
Caixa
Passou a ser:
Deprec. Acum.
(424.000) Lucro Acum.
2.396.000
Correção monetária das máquinas: 6% x R$ 2 milhões = R$ 120.000 Correção monetária do capital inicial; 6% x R$ 200 mil = (R$ 12.000)
Saldo da correção monetária do balanço = R$ 108.000 (valor positivo, credor, a aumentar o lucro!
Máq. Financiadas
700.000 Financiamento
1.998.000
2.120.000 Cap. Corrigido
212.000 186.000 2.396.000
E vamos agora refazer aquele raciocínio que embasa a correção simplificada: o patrimônio líquido aumentou pelo acréscimo de caixa de R$ 700 mil, aumentou pela mera atualização monetária das máquinas em R$ 120 mil, diminuiu pela depreciação
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Inflação: Relembrando de R$ 424 mil e diminuiu pelas despesas de juros de R$ 198 mil. Ou seja, o ativo nominal cresceu em R$ 396 mil (passou dos R$ 2 milhões originais para R$ 2.396 mil), mas o passivo nominal subiu R$ 198 mil. Assim, a diferença é um crescimento nominal no patrimônio líquido de R$ 396 mil, menos R$ 198 mil = R$ 198.000. O patrimônio inicial de R$ 200 mil subiu para R$ 398 mil, e isso está tudo corretamente correspondendo ao balanço final corrigido, como anteriormente.
R$ 1.800 mil, logo, os primeiros 6%, R$ 108 mil, são mera recomposição do meu capital emprestado, e não receita real. Desse modo, só o excedente, de R$ 90 mil, é de fato minha receita financeira real. E, na correção integral, esse é o montante que você mostraria na sua demonstração do resultado a esse título.
Ora, a situação do devedor é exatamente a mesma, só que do outro lado: se a dívida da Cia. F cresceu R$ 198 mil numa inflação de 6%, isso significa que Ora, se o patrimônio cresceu nominalmente R$ 198 ela cresceu, em termos reais, apenas os mesmos R$ mil, mas bastariam R$ 12 mil para manter o poder 90 mil. Assim, os primeiros R$ 108 mil de “despesas de compra do capital inicial de R$ 200 mil exposto à de juros”, ou seja, a atualização monetária da dívida inflação de 6%, isso significa que o crescimento real pela inflação, não são despesa real. Se forem pagos é mesmo de R$ 186 mil!!! Beleza, a correção simpli- os R$ 198 mil, e o serão, eles precisarão ser desmemficada mostrou um lucro que passa pelo teste econô- brados, em termos reais, em dois componentes: mico de valores. Entretanto, e pelo teste financeiro? O caixa cresceu R$ 700 mil, mas R$ 424 mil desse caixa são mera recomposição do valor perdido, devido à depreciação. Logo, apenas a diferença de R$ 276 mil é caixa que pode ser dado como lucro gerado pelos ativos. Só que o passivo cresceu R$ 198 mil, em razão dos juros. Se tivéssemos pago esses juros, teriam sobrado no caixa apenas R$ 78 mil. Como explicar então que o lucro é R$ 186 mil? Parece que algo está errado, certo? Vamos adiantar o seguinte: a correção simplificada não consegue, de fato, explicar essa parte. Vamos então verificar se a correção integral consegue fazê-lo?
R$ 90.000 serão genuinamente riqueza transferida do devedor para o credor, juros;
R$ 108.000 serão, na realidade, devolução de parte do dinheiro tomado emprestado.
Assim, R$ 108 mil, quando pagos, são amortização efetiva da dívida, e não despesa de juros, em termos econômicos e financeiros. Logo, na correção integral de balanços, o único valor a aparecer como despesa de juro é a despesa de juro real (tal qual a receita financeira real no exemplo 2). Com isso, teremos: Resultado Correção Monetária Integral Vendas (meio)
2.059.126
Correção monetária integral
CPV Lucro Bruto
1.029.563
As vendas, o CPV, as despesas operacionais e a depreciação são os mesmos montantes já discutidos na correção integral do exemplo anterior da Cia. E. A única diferença aqui são as novas despesas de juros, nominais, de R$ 198.000.
Despesas Operacionais (meio)
(308.869)
Depreciação
(424.000)
Para entender melhor, coloque-se na condição de credor dessa Cia. F. Você emprestou R$ 1,8 milhão para ela, ao juro anual de 11%, e tem direito a receber, no final do ano, R$ 1,998 mil. Você consideraria, dada a inflação de 6%, que seu ganho real é de R$ 198 mil? É claro que não.
(1.029.563)
Despesas de Juros Reais
(90.000)
Perda no Caixa
(20.694)
Resultado Líquido
186.000
Ou seja, o lucro é o mesmo que o da correção simplificada, mas fica agora claro que a empresa tem não só lucro contábil, mas também econômico (faltando apenas o cálculo do custo do capital próprio, não registrável pela contabilidade ainda) e também financeiro.
Tal qual mostrado no exemplo 2, em que houve uma Para corroborar essa última afirmação mais uma aplicação financeira, você raciocinaria: emprestei vez: o caixa no balanço da empresa é de R$ 700 mil; 48
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Inflação: Relembrando diminuindo-se a parcela que é reposição, devido à E assim é feita a conta da genuína taxa de custo depreciação, sobram R$ 276 mil. Quanto precisa ser do empréstimo do lado do devedor: R$ 90.000/R$ tirado para pagar o juro real? Vimos que são neces- 1.908.000 = 4,72%. E não os 11% nominais, é claro. sários R$ 90 mil. Desse modo, sobram no caixa R$ 186 mil, exatamente o lucro líquido do período
Note-se agora: os sócios aplicaram R$ 200 mil, o
que, em moeda corrigida, corresponde a R$ 212.000, (vale lembrar que, aqui, as receitas estão recebidas e e ganharam, com isso, aplicando esse montante no as despesas estão pagas, a menos dos juros). ativo, R$ 13,02%: Então o genuíno lucro da empresa é mesmo R$ 186.000! Contudo, somente a correção integral permite o mais completo entendimento dele.
Lucro obtido com o uso exclusivo do capital dos sócios: R$ 212.000 x 13,02% = R$ 27.600
Só que tomaram R$ 1,8 milhão emprestado, o que, Podemos divagar um pouco fazendo algumas aná- corrigido, corresponde a R$ 1.908 mil. Aplicaram lises com os números reais da correção integral. O esse montante a 13,02%, mas custando apenas genuíno lucro bruto é maior do que o nominal, as
4,72%. Que alavancagem maravilhosa. E esse valor
despesas operacionais também; e a empresa perdeu total ficou como lucro para os sócios: por ficar com dinheiro parado no caixa. O genuíno valor produzido de lucro pelos ativos, antes dos
Lucro adicional com o uso do capital de terceiros: R$ 1.908.000 x (13,02% - 4,72%) =
efeitos das despesas de juros originadas do passivo, foi de R$ 276 mil (vendas – CPV – despesas – depreciação – perda no caixa, ou o mesmo que somar
R$ 1.908.000 x 8,30% = R$ 158.400 Lucro total dos sócios explicado pela alavancagem financeira: R$ 27.600 com recursos próprios
ao lucro líquido a despesa real de juros, ou seja: R$ 186.000 + R$ 90.000 = R$ 276.000).
R$ 158.400 com recursos de terceiros R$186.000 de lucro líquido total!!!
O ativo cresceu de R$ 2 milhões para R$ 2,396 milhões; aplicando-se a inflação sobre o valor original,
Taxa de retorno total dos sócios:
vemos que cresceu, em termos reais, exatamente R$
R$
186.000/R$ 212.000 = 87,7%
276 mil! Logo, a taxa de retorno dos ativos, em ter-
Note que o lucro pela correção integral é igual ao da mos reais, é de = R$ 276.000/R$ 2.120.000 = 13,02% correção simplificada, e que a diferença entre o lucro (e não 15%, como parecia nos valores históricos pu- da simplificada e o histórico é a inserção da conta de ros).
correção monetária do balanço e o novo valor da de-
Todavia, o custo real da dívida não é de 11%.
preciação.
Coloque-se novamente no lado do credor: seu empréstimo cresce nominalmente de R$ 1,8 milhão para R$ 1,998 milhão. Em termos reais, precisaria ser R$ 1,8 milhão x 1,06 = R$ 1.908 mil para ser o mesmo valor. Cresceu daí até R$ 1.998 mil, ou seja,
Conclusão o lucro líquido histórico de R$ 102 mil é falso. A empresa teve, na realidade, lucro de R$ 186 mil. Em vez de taxa de 51% de retorno, ela é de 87,7%.
R$ 90 mil. Logo, a taxa real de juro para o credor é (Continua na próxima edição)
de 4,72%. 49 Vol. 1, agosto 2014
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