Revista Geração Sustentável

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A reciclagem é o destino final mais adequado para esta revista. Lembre-se: o seu papel é importante para o planeta!

setembro/outubro 2008 • ano 2 • edição 9

10 Entrevista Reinhold Stephanes 14 Capa

24 Gestão Sustentável 30 Responsabilidade Social 37 Educação Sustentável 41 Empreendedor 48 Destaque Jurídico

Responsabilidade Social Corporativa

Planos de desenvolvimento capazes de trazer dignidade às comunidades carentes

Qualidade de vida de ponta a ponta na cadeia produtiva

Curso de Agronomia da UFPR completa 90 anos

Aneel autoriza Copel a seguir experiência com biodigestores

Unindo forças para reciclar

Visão Sustentável

36 Educando para o futuro

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38 Energias Renováveis

Matérias

Conservação e Desenvolvimento

32 Qualidade de Vida

Colunas

Capa

20 26

42 Responsabilidade Ambiental Fim do desperdício no processo produtivo 46 Reciclagem 02 13 23 25 29 31 35 39 43 45 49 55

Instituto Ethos Consult De Figueiredo Demeterco Trier Infante Ambiotech Philip Morris

Anunciantes e Parcerias

04 Editorial 05 Espaço do Leitor 06 Notas 50 Ong e Ação 52 Publicações e Eventos 54 Indicadores de Sustentabilidade

Paraná: em busca da sustentabilidade do agronegócio

IV Seminário de Meio Ambiente

Cong. de Gestão de Ciclo de Vida Eco Business Show 2008 Recibras ANB Agronegócio Brasil

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Editorial

Sustentabilidade no Agronegócio: Equilíbrio Econômico, Ambiental e Social Desde o lançamento da Revista GERAÇÃO SUSTENTÁVEL, o tema Agronegócio estava definido como um dos assuntos mais importantes para ser divulgado como matéria de capa. O impacto e a relação direta com o meio ambiente é uma das grandes preocupações deste seguimento, além do compromisso de gerar renda e promover a inclusão social no meio rural. O agronegócio precisará produzir de forma sustentável, em que o recurso natural passa a ser visto também como um capital: “Capital Natural”. O meio ambiente não será apenas um recipiente para a retirada de recursos, mas também com reposição, respeitando os ciclos naturais, nos quais os desequilíbrios e os impactos passem a ser minimizados. As questões sustentáveis vêm sendo muito debatidas por empresas que atuam nas cadeias produtivas de alimentos e de energia renovável. A “conversa atual” é se a agricultura desenvolverá mesmo uma tendência para a produção de energia conjugada com redução dos interesses para a produção de alimentos. As discussões são estendidas para, na questão energética, produzir energia com o menor impacto ambiental e social, e, na questão da produção de alimentos, o aspecto da rastreabilidade para a segurança alimentar. Este posicionamento tem gerado fortes debates e influenciado questões políticas e econômicas. Outro aspecto é que o agronegócio, principalmente no Paraná, tem uma estrutura de pequenas propriedades rurais (minifúndios). Resgata-se então o desafio de reduzir o êxodo rural e gerar alternativas para manter o “homem” no campo. O processo de desenvolvimento local é essencial para este cenário... As vocações regionais são fundamentais para criar alternativas de renda e de inclusão social e, acima de tudo, com respeito ao meio ambiente. Surgirão novos desafios, como por exemplo: Como gerar renda aos produtores e, ao mesmo tempo, contribuir para a conservação do meio ambiente? Que modelos de organização produtivas existem e serão fortalecidos? Para esta questão, o cooperativismo é um modelo que aglutina os produtores rurais, buscando atender as necessidades sociais e econômicas dos produtores. O grande desafio, neste significativo segmento brasileiro, é atingir o equilíbrio econômico, social e ambiental. Boa Leitura! Pedro Salanek Filho - Diretor Executivo

O sonho de uma Geração Sustentável A revista GERAÇÃO SUSTENTÁVEL foi idealizada por empreendedores que acreditam que questões voltadas ao tema sustentabilidade farão, cada vez mais, parte da vida das pessoas, como também influenciarão nas estratégias empresariais. O nosso foco principal será o desenvolvimento sustentável, através do qual buscaremos conquistar um espaço estratégico junto ao ambiente empresarial. Entre os objetivos está a divulgação das iniciativas, atitudes, ações e experiências bem sucedidas e aplicadas de forma sustentável nas atividades organizacionais. Caro leitor, compartilhe conosco deste sonho. 4

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Diretor Executivo Pedro Salanek Filho pedro@geracaosustentavel.com.br Jornalista Responsável Vanessa Brollo (MT - 1691/PR) vanessa@geracaosustentavel.com.br Projeto Gráfico e Direção de Arte Marcelo Winck criacao@geracaosustentavel.com.br Comercial Giovanna de Paula giovanna@geracaosustentavel.com.br Revisão Alessandra Domingues Conselho Editorial Pedro Salanek Filho Antenor Demeterco Neto Ivan de Melo Dutra Lenisse Isabel Buss Articulistas articulista@geracaosustentavel.com.br Colaboraram nesta edição Jornalistas: Criselli Montipó, Ana Letícia Genaro e Juliana Sartori Assinaturas assinatura@geracaosustentavel.com.br Fale conosco contato@geracaosustentavel.com.br Impressão Gráfica Infante

A parceria entre a PSG Editora e a Gráfica Infante para impressão da revista foi realizada dentro do conceito de desenvolvimento limpo. O sistema de revelação das chapas é feito com recirculação e tratamento de efluentes. O papel (miolo e capa) é produzido com matéria-prima certificada e foi o primeiro a ser credenciado pelo FSC - Forest Stewardship Council. O resíduo das tintas da impressora é retirado em pano industrial lavável, que é tratado por uma lavanderia especializada. As latas de tintas vazias e as aparas de papel são encaminhadas para a reciclagem. Em todas as etapas de produção existe uma preocupação com os resíduos gerados.

Tiragem da edição: 5.000 exemplares Revista Geração Sustentável Publicada pela PSG Editora Ltda. CNPJ nº 08.290.966/0001-12 Rua Bortolo Gusso, 577 Curitiba - Paraná - Brasil CEP: 81.110-200 Fone/Fax: (41) 3346-4541

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Entrevista

Luis Antônio/LAR Fotojornalismo

Sustentabilidade no Campo O economista Reinhold Stephanes formado pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) nasceu em uma pequena comunidade rural de Porto União (SC) na divisa com União da Vitória (PR), Stephanes trabalhou no Ministério da Agricultura e ocupou o cargo de diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na década de 70. Também foi Secretário de Agricultura do Estado Paraná (1979-1981), Ministro de Estado da Previdência Social (1992-1995) e Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social (1995-1998). Do final da década de 70 até 2007, foi deputado federal em seis legislaturas. Atuou também como Secretário Municipal de Fazenda de Curitiba de 1966 a 1967 e presidente do então Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), de 1970 a 1973. Além dos cargos públicos, Stephanes também foi professor da Universidade Católica do Paraná e presidente da Sociedade Brasileira de Economistas Rurais de 1981 a 1983. Em entrevista exclusiva à Revista GERAÇÃO SUSTENTÁVEL, Stephanes menciona os desafios da agricultura brasileira.

Reinhold Stephanes Ministro da Agricultura

Geração Sustentável • Em sua opinião, como a agricultura brasileira deve se preparar para enfrentar o atual cenário mundial? Ou seja, como alcançar sustentabilidade no campo? Reinhold Stephanes • Atualmente, a urbanização já ultrapassa 50% da população mundial, o que continuará pressionando os grandes produtores agrícolas por alimentos seguros e com custos baixos ou decrescentes. O Brasil tem demonstrado ser competitivo nessa produção e precisa firmar esta posição. Além disso, há esforço dos sistemas de produção e arranjos produtivos em reduzir seus custos e torná-los mais eficazes na utilização de in10

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sumos e de recursos naturais. O objetivo é ampliar a eficiência da agrobiodiversidade e fornecer maior amplitude genética dos sistemas de produção e de cuidados com a biodiversidade das áreas de reservas que nossa legislação preconiza.

GS • Que políticas governamentais têm efetivamente contribuído para o desenvolvimento sustentável do Agronegócio Nacional e que indicadores têm sido utilizados para medi-lo? RS • O Ministério da Agricultura atua na criação de sistemas de produção que racionalizem o uso de insumos e dos recursos naturais disponíveis.


Modelos como Sistemas Agropecuários de Produção Integrada, Boas Práticas Agrícolas e Pecuárias, Indicação Geográfica e de Produtos Orgânicos são exemplos de políticas públicas que sinalizam em seus indicadores específicos os rumos desejados do governo em busca de uma sociedade rural economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente equilibrada.

GS • Em todos os setores da economia um dos maiores desafios é o de se dar destino final adequado aos resíduos gerados, inclusive àqueles de origem urbana como o lixo e o lodo de esgoto. Para muitos destes tem-se preconizado sua utilização em sistemas agropecuários de produção. Qual a posição do Mapa (Ministério da Agricultura e da Pecuária) a respeito desta questão? RS • A destinação de resíduos urbanos como insumos para agricultura, pecuária e silvicultura é sempre bem-vinda, desde que não afete a saúde do agricultor, o meio ambiente e a inocuidade dos alimentos e das matérias-primas, frutos da produção agropecuária que os recebem. A Lei de Defesa do Consumidor e a Legislação Ambiental são instrumentos importantes na prevenção de abusos desta ordem. Quando o produto passa por qualquer tipo de registro no Ministério da Agricultura estes riscos são analisados e adequados aos níveis legalmente estabelecidos. As normas, os padrões e procedimentos dos novos sistemas sustentáveis de produção, em geral, estimulam o bom uso destes resíduos e vetam o uso daqueles com riscos de contaminações químicas, físicas e biológicas acima do aceitável. GS • Quais as diretrizes do Mapa para a rastreabilidade dos produtos agropecuários? Qual o papel desta atividade na promoção da segurança alimentar e na ampliação de nossos mercados? RS • O Ministério da Agricultura atua em toda a cadeia produtiva para garantir a qualidade dos produtos de origem animal e vegetal. Cada vez mais exige-se rigor na certificação dos processos de rastreabilidade, para atender a demanda dos consumidores nacionais e internacionais e os requisitos de interesse da fiscalização e inspeção agropecuária. Como exemplos dessas exigências encontram-se os regulamentos referentes à certificação fitossanitária de origem vegetal, ao GTA (Guia de Trânsito Animal) e ao Sisbov (Serviço Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos). Por outro lado, exigências além do necessário em relação à rastreabilidade resultam em aumento dos custos da produção agropecuária. Nesse sentido, o Mapa tem como diretriz propiciar mecanismos efi-

cientes e eficazes de rastreabilidade sem, no entanto, gerar aumentos injustificados nos custos de produção agropecuária. Nesse sentido, o papel da rastreabilidade também é o de facilitar a identificação de causas de não-conformidade em produtos e insumos agropecuários e a resposta rápida a essas inconformidades para a solução dos possíveis problemas detectados. Essa ação gera confiabilidade, auxilia na manutenção e ampliação dos mercados desses produtos e contribui para a segurança alimentar.

GS • Com relação a aspectos logísticos, que ações o Mapa vem desenvolvendo para suprir as deficiências em infra-estrutura e viabilizar o escoamento da produção? RS • Obras importantes inseridas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) darão mais estímulo ao agronegócio brasileiro. Destaco a dragagem do canal de navegação e a bacia de atracação no Porto do Itaqui, que junto com o Terminal de Grãos do Maranhão, em São Luís (MA), ampliarão a

Cada vez mais exige-se rigor na certificação dos processos de rastreabilidade, para atender a demanda dos consumidores nacionais e internacionais e os requisitos de interesse da fiscalização e inspeção agropecuária capacidade de embarque do Porto, de 2,1 milhões de toneladas de grãos para três milhões de toneladas, já no próximo ano. Para melhorar o transporte rodoviário e permitir o escoamento da produção no Centro-Oeste, estão em andamento obras de restauração, duplicação, pavimentação, conservação e construção de trechos da BR-158, BR-364, BR-163, BR-242 e BR-174. Enquanto os investimentos nas hidrovias são considerados pequenos diante do potencial brasileiro, contemplando a conclusão da primeira eclusa de Tucuruí (no rio TocantinsPA) para até 2010, o retorno aos investimentos em ferrovias permitirá melhor equilíbrio na matriz de transportes de grãos e alívio da pressão sobre os portos das Regiões Sul e Sudeste. Um exemplo é a Ferrovia Norte-Sul a qual integrará os estados do Tocantins, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo e terá 2.258 quilômetros.

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Entrevista

GS • Para os produtos agrícolas de pouca expressão e que se utilizam de pequenas áreas para atender ao mercado, o que o Mapa propõe ou está realizando no sentido de se viabilizar o registro de defensivos agrícolas necessários para estas culturas (“minor crops”)? RS • O Ministério da Agricultura recebeu este assunto como demanda estratégica do Conselho do Agronegócio e vem trabalhando para tornar viáveis os registros de agrotóxicos para as pequenas culturas ou também denominadas “culturas com suporte fitossanitário insuficiente”. Os registros de agrotóxicos são realizados por meio de demandas das empresas que verificam quais culturas têm maior potencial de vendas e retorno de investimentos. Em geral, culturas pequenas como as de hortaliças ou frutas sofrem pela falta de alternativas legais de controle de suas pragas. Internacionalmente, o problema foi abordado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e concluiu-se que a alternativa mais viável seria a inclusão do Estado na condução de estudos, testes e processos de monitoramento para que estas culturas pudessem ser incluídas no processo de registro. Este modelo, introduzido pelos EUA em 1967, vem mostrando as vantagens desta inclusão de culturas nas estratégias de defesa vegetal. No Brasil, o Mapa iniciou discussão com os demais órgãos envolvidos no Registro de Agrotóxicos (Anvisa e Ibama) para a construção de um marco legal e o início de um projeto de inclusão destas pequenas culturas nas grades de agrotóxicos. Após a publicação da norma, um projeto envolvendo a Secretaria

A destinação de resíduos urbanos como insumos para agricultura, pecuária e silvicultura é sempre bem-vinda, desde que não afete a saúde do agricultor, o meio ambiente e a inocuidade dos alimentos e das matérias-primas, frutos da produção agropecuária que os recebem

de Defesa Agropecuária, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e Embrapa (Empresa Brasileira de pesquisa Agropecuária) deverá estudar, junto às Câmaras Setoriais, as prioridades de pesquisa e inclusão de culturas nas indicações de uso dos agrotóxicos. Todos os procedimentos devem primar pela qualidade técnica das avaliações e pelo alinhamento internacional das decisões, garantindo que estes procedimentos não tragam prejuízos ao consumidor ou ao ambiente.

GS • Entre os dias 29 de outubro e 01 de novembro do corrente ano, a Associação dos Engenheiros Agrônomos do Paraná – Curitiba estará promovendo a realização da ANB – Agronegócio Brasil (Feira de Negócios e Eventos Técnico-científico-políticos). Qual a sua opinião a respeito da realização deste evento na capital do Estado do Paraná e quais os principais pontos que o senhor sugeriria para que fossem discutidos? RS • É sempre importante realizar eventos dessa natureza, nos quais se cria um ambiente para a discussão dos problemas e das vantagens do agronegócio brasileiro. Sobretudo, quando é patrocinado pela classe dos engenheiros agrônomos que representam o esteio tecnológico da agropecuária. Temas que poderiam ser tratados nessa ocasião: as questões de pesquisa na área de biotecnologia, meio ambiente, infra-estrutura e logística, financiamento para o agronegócio e administração rural.

GS • Que mensagem final deixaria aos leitores da revista Geração Sustentável? RS • Experiências no Brasil e no mundo têm demonstrado que existem grandes possibilidades em surpreender os céticos do desenvolvimento sustentável. Há oportunidades de melhoria em quase todos os sistemas de produção sustentável, desde a produção de commodities como as maiores responsáveis dos aspectos ambientais, sociais e trabalhistas, até produtos de alto valor agregado, com apelos capazes de sensibilizar nichos de mercado e relacioná-los com bens intangíveis, como marcas registradas, de certificação, marcas coletivas e indicações geográficas.


Capa

Paraná: em busca da sustentabilidade do agronegócio Saiba como o Estado que se destaca na produção agropecuária tenta equilibrar sua economia, sua preocupação com o meio ambiente e seu desenvolvimento social no campo Criselli Montipó

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da produção de leite. Em 2007, liderou a produção e os abates de frango no país, sendo responsável por 25,32% da produção nacional. Tem participação expressiva no aumento da oferta de carnes suína e bovina e, também, no aumento da produção de olerícolas, contribuindo com a oferta de alimentos para os mercados interno e externo.

Agronegócio X Desenvolvimento sustentável • Mendes destaca que o desenvolvimento sustentável do agronegócio – como um sistema de produção – não deve se preocupar apenas com o nível de bem-estar atual da população, mas também com o das futuras gerações. “Isto porque a demanda por produtos do agronegócio é crescente, tanto por causa do crescimento populacional como pela elevação da renda a longo prazo”. Salienta que o Paraná adota práticas sustentáveis em termo de conservação do meio ambiente, desde os anos 80, como por exemplo, o plantio direto e as curvas de nível, as quais preservam os solos e os mantêm com produtividades elevadas. “O Paraná luta para que sua produção agropecuária tenha requisitos da sustentabilidade”, comenta o secretário da Agricultura e do Abastecimento, Valter Bianchini. Dentre as políticas do Estado que estimulam a sustentabilidade no campo, estão os incentivos à agricultura familiar, que, de acordo com Bianchini, reúne gestão e trabalho numa única propriedade. “São sistemas mais sustentáveis, mas também mais complexos que as monoculturas, justamente por esta diversificação auto-sustentável. Das 375 mil propriedades rurais do Paraná, 350 mil são propriedades familiares”, destaca.

Agricultura familiar e orgânica • De acordo com o secretário, a agricultura familiar é a que mais inclui, representando um pólo social de 80% de ocupação no campo, lembrando que no Paraná, são quase um milhão de trabalhadores rurais. A produção paranaense de grãos e alimentos, em geral, está centrada na agricultura familiar, sistema que está presente em quase 90% das propriedades do Estado, nas quais se destacam as culturas de milho, feijão, sericicultura, olericultura e fruticultura. Os produtores familiares também reúnem a maioria dos que praticam a agricultura orgânica do país. O levantamento da última safra, feito pela Seab, apontou a existência de 6,6 mil agricultores orgânicos, o que corresponde a 28,5% do total do Brasil. São agricultores com uma área média de terra de 2,2 hectares e cultivam principalmente as folhosas (alface, agrião, rúcula, cheiro verde, entre outras). Esses produtores estão localizados em diversas regiões do Estado como a região setembro/outubro 2008

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esde que o ser humano colocou a primeira semente na terra, que germinou e deu frutos, percebeu que poderia interferir nos ciclos naturais e, assim, produzir mais alimento. Segundo estudiosos, isso aconteceu há cerca de 12 mil anos, na pré-história. Foi o surgimento da agricultura e da pecuária. De lá pra cá, essa descoberta gerou conseqüências no ambiente, na economia e no âmbito social. A agropecuária tornou-se agronegócio. Somado a este fator, a população mundial cresceu desordenadamente até atingir mais de 6,6 bilhões de pessoas. São mais pessoas para comer, para viver no ambiente e para participar da economia. Como equilibrar a necessidade do agronegócio e o desenvolvimento sustentável? A revista GERAÇÃO SUSTENTÁVEL conversou com especialistas e representantes públicos. Eles ajudaram a construir, em mosaico, um panorama do agronegócio sustentável, que, no Paraná, tem muitas experiências de sucesso. Em primeiro lugar, cabe conceituar o termo agronegócio, ainda confundido apenas com as atividades realizadas dentro da porteira. “Por agronegócio entende-se a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas, de produção destas unidades, do armazenamento, do processamento e da distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos com base neles. Em outras palavras, envolve toda a ‘cadeia produtiva’, começando com os insumos e bens de capital para a agropecuária e terminando os bens e serviços finais à disposição dos consumidores”, lembra o engenheiro agrônomo Judas Tadeu Grassi Mendes, mestre em Economia Rural e PhD em Economia. Ele destaca que é bom lembrar que restaurantes, supermercados, padarias, feiras, calçados, bebidas, papel, têxteis, madeira, vestuário, entre outros, fazem parte do agronegócio. E o Paraná tem esta cadeia produtiva. Afinal, o Estado brasileiro que é o maior produtor de milho, de feijão, de trigo, e o segundo maior produtor de soja do país – de acordo com dados da Seab (Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná) consegue produzir tudo isso, com apenas 2,3% do território nacional. Nos últimos 20 anos, a média de participação do Paraná na produção nacional de grãos foi de 21,52%. O Estado poderá produzir nesta safra mais de 32 milhões de toneladas, volume que dá suporte para o aumento da oferta de grãos como soja, milho, feijão, café e também outros produtos como mandioca, que são essenciais na composição da cesta básica de alimentos dos brasileiros. Ainda de acordo com a Seab, o Estado também se destaca na produção animal como o primeiro produtor de carne de frango, e segundo no ranking

“O Paraná luta para que sua produção agropecuária tenha requisitos da sustentabilidade”, comenta o secretário da Agricultura e do Abastecimento, Valter Bianchini

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“Não existe agronegócio sem meio ambiente. Então, trabalhamos com respeito ao ambiente, respaldados pela legislação. Temos um mercado exigente que estabelece uma produção de forma sustentável”, ressalta o secretário do Meio Ambiente, Lindsley da Silva Rasca Rodrigues

metropolitana de Curitiba, Cascavel, Francisco Beltrão, Toledo, Paranavaí, Umuarama, Maringá, Paranaguá, Ponta Grossa e União da Vitória. Com isso, a produção de alimentos orgânicos gera 10 mil empregos diretos no campo. O secretário salienta que esta é uma das práticas agrícolas que menos agride o meio ambiente. “O agricultor tem a função de produzir e cuidar do meio ambiente, que a cada dia, é mais público que privado”, ressalta.

O agronegócio e o meio ambiente • O secretário do Meio Ambiente, Lindsley da Silva Rasca Rodrigues, concorda que este é um desafio que o Paraná está enfrentando. Segundo ele, o Estado tem uma condição invejável, pois possui terra fértil, em decorrência dos fatores água, solo e sol. “Não existe agronegócio sem meio ambiente. Então, trabalhamos com respeito ao ambiente, respaldados pela legislação. Temos um mercado exigente que estabelece produção de forma sustentável. Asseguramos mercados e lutamos para não comprometer o futuro. Portanto, o Paraná está na vanguarda da produção sustentável”, completa Rasca Rodrigues. A questão da diversidade de solos e climas que dão enormes possibilidades ao Paraná é levantada pelo engenheiro agrônomo Luiz Antonio Corrêa Lucchesi, PhD em agronomia e mestre em Ciências do Solo. “O solo é um recurso não-renovável e o Paraná é privilegiado. Basta olhar para a história, muitas ascensões e quedas foram ligadas à

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“O desenvolvimento sustentável do agronegócio - como um sistema de produção - não deve se preocupar apenas com o nível de bem-estar atual da população, mas também com o das futuras gerações”, destaca o engenheiro agrônomo Judas Tadeu Grassi Mendes

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conservação dos solos. No solo paranaense podemos produzir de ‘A’ a ‘Z’. Mas não podemos desperdiçar o que será utilizado nas próximas gerações. Ainda precisamos conservar nossos solos, pois nas Cataratas (do Iguaçu) ainda há grande concentração da cor vermelha, o que significa erosão. Para chegar lá, precisamos de mais ciência e tecnologia, inovação, educação e ética”, destaca. Para Lucchesi, a biotecnologia é uma ferramenta que está ao dispor da humanidade para ser utilizada. “Envolve várias coisas, desde a multiplicação, o controle de pragas e doenças, mas toda inovação precisa de base científica aprovada, para que os riscos sejam minimizados. É a questão ética. Ferramenta que não pode usada apenas para auferir lucratividade. O lucro não pode ser o único fim”, comenta. A Sema (Secretaria de Meio Ambiente) também vê que a tecnologia é bem-vinda no campo, desde que respeite a vida. “Produzir sem segurança é um risco para a humanidade”, destaca Rasca Rodrigues. Por isso, o Paraná tem instrumentalizado políticas de rastreabilidade. “Temos trabalhado forte a fim de construir mecanismos para aferir a qualidade dos produtos paranaenses”, completa. “Meio ambiente e agropecuária podem conviver muito bem, desde que se tenha certos cuidados, mas sem os exageros pregados por alguns grupos ambientalistas fora da realidade. É possível, sim, produzir com pouca agressão – sem nenhuma é impossível – ao meio ambiente. Afinal, no mundo, são mais de 6 bilhões de estômagos que precisam comer todos os dias”, considera o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), Ágide Meneguette. Lucchesi levanta uma possibilidade de minimizar os impactos gerados por toda a cadeia: a recepção de resíduos da cidade, como o lixo orgânico, para a produção de adubo. No entanto, a questão ainda não é tratada como deveria.

O agronegócio e o social • Quando a qualidade de vida para o trabalhador e para o consumidor são asseguradas, o agronegócio atende à sua competência social, na opinião de Lucchesi. Como conseqüência, segundo ele, está a obrigação de atender ao princípio do pagamento justo. Para o presidente da FAEP, a questão social também pode ser atendida na manutenção dos empregos na área rural e na sustentação das pequenas propriedades com programas de reconversão da produção. Segundo ele, o Senar-PR, a Emater, a Embrapa, o Sescoop, entre outros, estão trabalhando para aprimorar a mão-de-obra no campo e, com isso, ajudar os trabalhadores e produtores rurais a melhorar a sua renda.


contra os grãos, necessários para agregar valor às carnes e ao leite, mas de atentar para outras fontes maiores de renda agrícola”, argumenta.

O agronegócio e a economia • Os entrevistados são unânimes acerca da importância do agronegócio paranaense para a economia do Estado e do Brasil, em particular nas exportações brasileiras. O presidente da FAEP lembra que grande parte da produção agrícola paranaense (soja, milho, madeira) e pecuária (bovina, suína e de aves) tem, como destino, o exterior e isso significa renda para os produtores rurais. “Para os produtores paranaenses, ainda bem que a economia é globalizada. A nossa economia já está inserida no mercado internacional onde atua com boa desenvoltura. Como o mundo está cada vez mais ávido por produtos da agropecuária, desde que os diversos agentes, sejam privados ou dos governos, ajam com inteligência, o nosso Estado tem tudo a ganhar”, comenta. Meneguette

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“O Senar-PR, em seus 15 anos de existência, já emitiu mais de um milhão de certificados de capacitação em diversas atividades do meio rural. Isso significa a capacitação de mais de 300 mil pessoas, o que certamente está provocando algum impacto positivo no setor, inclusive para estacar o êxodo rural”, conta Meneguette. Ainda é preciso avançar, porém. “Como a agropecuária é uma atividade de risco, um vez que o produtor não controla nem os preços nem o clima, é indispensável que o Governo Federal aprimore o seguro agrícola. Isso garantiria renda independentemente de variações de preços – que são muito comuns – e de clima. Portanto, é uma questão de segurança no setor”, defende. Segundo Meneguette, outra questão diz respeito à escala de produção. Os pequenos produtores não têm condições de sustento com produção de pouca densidade de valor. “Precisam produzir algo de mais valor por área ocupada. Isso significa a necessidade de reconversão das pequenas propriedades que, na verdade, já vem acontecendo, mas de forma ainda incipiente. É preciso acelerar esse processo por meio de incentivos oficiais. Com isso, será possível elevar a renda e manter o produtor, o trabalhador e suas famílias no campo, evitando que ele migre para a cidade em busca de uma oportunidade que não existe”. Esta opinião é compartilhada por Mendes. “Mais de 80% da produção de grãos no Paraná concentra-se em apenas dois produtos: soja e milho, que tem muita relação com carnes e leite. Por isso, o valor da produção do agronegócio e das cooperativas concentram-se demasiadamente no complexo soja, no leite e nas carnes de ave e suína. Os demais produtos (mais de 20) são relegados e têm pouco apoio institucional. É difícil um agricultor sobreviver apenas plantando cinco hectares de milho. A rentabilidade é muito baixa (não chega a R$ 200 por hectare). Mas, por outro lado, se nestes cinco hectares, produzisse frutas de clima temperado (onde o Brasil é importador) como maçãs, pêssegos e ameixas, por exemplo, abaixo do chamado “paralelo 24”, ou café semi-adensado no Norte-Noroeste do Estado (com 7 mil pés por hectare), esses agricultores poderiam gerar renda líquida de mais de R$ 3 mil por hectare e assim sobreviveriam muito bem”. Para Mendes, é necessário dar mais importância aos produtos que gerem maior valor econômico por hectare. “Os grãos, por gerarem pouco valor por hectare, expulsam muita mão-de-obra para as periferias das maiores cidades, gerando grandes problemas sociais. Somente as cooperativas podem corrigir essas distorções. Não se trata de ser

“As cooperativas, além de serem agentes de desenvolvimento econômico e social, estimulam práticas de responsabilidade ambiental. Temos vários projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) em fase final de desenvolvimento, na área de suinocultura, florestal e cogeração de energia”, comenta o Presidente do Sistema Ocepar João Paulo Koslovski

afirma que é preciso, apenas, cuidar da sanidade dos produtos, produzir de acordo com as exigências internacionais e recuperar a infra-estrutura para baratear as exportações. Mendes lembra do papel ocupado pelas cooperativas agropecuárias do Paraná. “São todas um excelente exemplo de sucesso no agronegócio. Nos últimos dez anos, elas trilharam o caminho da integração vertical, ou seja, cada vez mais processando e industrializando a produção agropecuária, e assim agregaram valores, participando mais da fatia de gastos dos consumidores finais. Com isto, os agricultores associados beneficiaram-se economicamente. Toda a economia paranaense está fortemente atrelada ao agronegócio, seja na produção de insumos e máquinas e equipamentos, como na produção agropecuária e principalmente na industrialização de bens e serviços”, sustenta. De acordo com ele, a economia paranaense tem uma dependência muito grande do agronegócio. Como as cooperativas são fundamentalmente setembro/outubro 2008

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formadas por pequenos agricultores e o agronegócio é o principal “business” das cooperativas, pode-se dizer que a forte contribuição do agronegócio é total no decorrer de toda a cadeia produtiva. “É uma grande geradora de renda e de mão-de-obra e principalmente de retenção de população no meio rural, com condições dignas”, ressalta.

O cooperativismo agropecuário • Segundo o presidente do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar), João Paulo Koslovski, o cooperativismo pode ser considerado um modelo de agronegócio sustentável. As 80 cooperativas agropecuárias do Paraná representam cerca de 55% da economia agrícola do Estado e participam de forma intensa em todo o processo de produção, beneficiamento, armazenamento, industrialização e comercialização. “As cooperativas também são importantes instrumentos de difusão de tecnologias e de solução de problemas como assistência técnica, crédito rural, conservação de solos e manejo de pragas. Além de ser um agente de desenvolvimento econômico e social, as cooperativas estimulam práticas de responsabilidade ambiental. Temos vários projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) em fase final de desenvolvimento, na área de suinocultura, florestal e co-geração de energia”, comenta. De acordo com dados da Ocepar, a maioria dos cooperados é pequeno e médio agricultor. Mais de 70% possuem propriedades de até 50 hectares. São 51 mil empregos diretos e mais de 950 mil postos de trabalho. Em 2007, as cooperativas movimentaram R$ 18,5 bilhões e geraram renda e emprego no campo e nas cidades. “É assim que

o cooperativismo atua em busca de resultados concretos para a promoção do homem, para que tenhamos uma sociedade mais justa, igualitária e desenvolvida”, salienta Koslovski. Para o presidente da Faep, o produtor paranaense procura, no associativismo, superar alguns dos desafios como comercializar melhor, reduzir custos e alcançar novos mercados. Koslovski lembra de um dos princípios que regem o cooperativismo: a preocupação com a comunidade, a qual estabelece que as cooperativas devem trabalhar pelo desenvolvimento sustentável das comunidades onde atuam.

Desafios • Para o secretário da Agricultura e do Abastecimento, o agronegócio sustentável pode desenvolver inúmeras funções, como fontes alternativas de energia. “É possível gerar alimentos e energia limpa, sem esquecer que uma das funções é a segurança alimentar. A agricultura tem que ter essa preocupação”. Na opinião de Lucchesi, é preciso educação e a conscientização do ser urbano. “Se a sociedade não se conscientizar da importância do setor rural, não haverá sustentabilidade. As decisões são tomadas no meio urbano: leis, políticas, questões ambientais que se dão, muitas vezes, sem o conhecimento da realidade”. Ele assegura que a sociedade urbana tem muita influência na manutenção do equilíbrio entre o econômico, o social e o ambiental no meio rural. “O povo quer o pão barato na padaria, mas sabe como o trigo está sendo produzido? É preciso conscientização e integração. Precisamos de mais educação, menos preconceito e mais conhecimento para que o consumidor exerça seu papel de cidadão”, sustenta.

opinião O Biólogo, Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Gastão Octávio Franco da Luz comenta o desenvolvimento no meio rural e destaca pontos críticos com relação ao tripé da sustentabilidade. Como atingir o equilíbrio ambiental, social e econômico no agronegócio? R.: Com relação ao equilíbrio ambiental-social-econômico, parto do pressuposto de que se constituem em três rotas conflitantes. Ou seja, no cenário do agronegócio, o equilíbrio ambiental é incompatível com 0 “equilíbrio social” e o “equilíbrio econômico”. Os limites mundiais que vêm sendo apontados pelos indicadores ambientais não conseguem ser respeitados pela política econômica de produção e consumo vigente. Nesse contexto, o “agronegócio” não se contém frente aos fatores limitantes do planeta, talvez tenhamos mesmo que chegar ao colapso para então compreendermos que não deu certo. Isso demonstra que os ciclos naturais e econômicos, do atual modelo, são incompatíveis.

Como acontece o desenvolvimento social no contexto da agroindústria? R.: Tendo em vista a fome de muitos; a exclusão, a concentração de riqueza, os conflitos urbanos e no campo. A não-reforma agrária no Brasil, a dificuldade generalizada dos setores “econômicos”; os abusos e ameaças em relação à água e às fontes de energia. Considerando que somente 7% do consumo de água é doméstico e o restante deve-se à indústria e à agropecuária, além da conscientização para o consumo doméstico temos que questionar também quais atitudes são possíveis de serem desenvolvidas pelos seguimentos mencionados acima. Considerando apenas este caso da água em um universo bem mais amplo do seguimento do agronegócio, de minha parte, enquanto educador e pesquisador, não consigo vislumbrar cenários otimistas quanto ao até agora indefinível “desenvolvimento sustentável”.


antenor demeterco neto

Destaque Jurídico

Advogado e Mestre em Organizações e Desenvolvimento

A idéia de democracia e liberdade é essencial, porque quando o processo de tomada de decisões socioeconômicas se der de forma mais participativa, os resultados inclinamse para uma maior satisfação social.

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GERAÇÃO SUSTENTÁVEL

Administração pública e participação popular

É

crescente, contemporaneamente, a preocupação em assegurar mecanismos de debate público que possibilitem à participação popular identificar as decisões da Administração Pública, bem como as políticas públicas, com os anseios da sociedade. Tornar a democracia mais democrática, por meio da participação, implica incrementar a ingerência popular no processo de tomada de decisões. Uma vez que a participação para ser considerada democrática deve ser livre, e posta em prática mediante regras procedimentais preestabelecidas e acessíveis a todos, valendo o princípio da maioria nos casos de necessidade de livre escolha. A idéia de participação popular, se identificada com o conceito de público participativo, entendido como cidadãos organizados que objetivam a inclusão socioeconômica e política por meio do debate público, do enaltecimento da transparência e da responsabilização, bem como da colocação em prática de suas escolhas e preferências. A prática administrativa, tradicionalmente, representa a expressão da vontade da Adminis-

setembro/outubro 2008

tração Pública e decorre do exercício da própria hegemonia desta. Visto que a constituição dessa vontade, para ter validade, sempre esteve correlacionada com o objetivo final da Administração Pública, ou seja, à realização do bem comum submetida ao cumprimento de certos métodos. No entanto, a tendência atual é a de incluir também a participação popular como elemento legitimador da prática administrativa, o que, no Brasil, pode-se verificar na legislação que trata das agências reguladoras, a qual explicitamente prevê a participação da população no processo de produção de normas reguladoras por meio de regras procedimentais em mecanismos como as audiências e consultas públicas. A participação popular, sem dúvida, confere legitimidade às práticas da Administração Pública. Porém, convém ressaltar, que para a realização do bem comum, que representa o objetivo final da Administração Pública, não é apenas suficiente a adequação das práticas administrativas à legalidade, porque a própria participação popular intensifica a obrigatória observância dos princípios da razoabilidade e da eficiência.


Contudo, é possível verificar um progresso com relação ao princípio do consenso na Administração Pública, o qual preconiza a participação popular por meios de regras procedimentais nos debates de assuntos de interesse público, procurando sempre chegar à uniformidade de posições. O consenso encorpa a transparência e a moralidade das práticas administrativas porque torna conhecida a identidade das partes envolvidas na conciliação e impede eventuais insinuações sobre a honestidade do procedimento, da mesma forma que garante mais estabilidade às relações administrativas ao maximizar a segurança jurídica quando soluciona antecipadamente divergências. É importante esclarecer que a participação popular mediante regras procedimentais não visa obrigatoriamente o consenso, mas sim incorporar e controlar possíveis insatisfações sociais ao oportunizar a inclusão popular no debate a respeito de assuntos que interessam a todos. Portanto, possibilitar a participação popular é a maneira mais eficiente para o Estado cooptar as opções sociais que deverão determinar as diretrizes de qualquer estratégia de ação do Estado, inclusive de políticas públicas que visem o desenvolvimento sustentável. E para isso, a idéia de democracia e liberdade é essencial, porque quando o processo de tomada de decisões socioeconômicas se der de forma mais participativa e envolvee interesses distintos, os resultados inclinam-se para uma maior satisfação social. Ou seja, a participação popular acaba por se tornar um importante elemento legitimador da ação do Estado, uma vez que incorpora e controla as possíveis insatisfações sociais ao oportunizar a inclusão da população no debate sobre assuntos de interesse coletivo, além de possibilitar à Administração Pública identificar suas estratégias com os anseios da sociedade, propiciando, dessa forma, a sustentabilidade de suas políticas. E-mail: adneto@defigueiredodemeterco.com.br


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