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índice
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O COMÉRCIO DA ARTE EM ESPAÇOS PÚBLICOS (p. 8) de
Maria Eduarda Amorim
As feirinhas de rua em São Paulo são espaços excelentes para a venda de artesanato. Você conhece as principais?
VIA DE MÃO DUPLA (p. 12) de
Sophia Andreazza
Assim como as cidades são influenciadas pelas nossas expressões artísticas, a arte também é influenciada pelos nossos espaços urbanos (basta lembrar de “Sampa”, de Caetano) opinião
DIÁLOGO ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E MÍDIA RADICAL (p. 5) de
Keytyane Medeiros
O paralelo entre manifestações artísticas do passado e do presente que ocupam as ruas no dia-a-dia
O CAMINHO DA ARTE DE RUA E A ARTE RUA ENQUANTO CAMINHO (p. 16) de
Carolina Rodrigues
Pelotas, São Paulo, Bauru, Porto Alegre e Belo Horizonte: a arte está presente desde as ruas do interior de São Paulo até o extremo sul do país
CENTRO-FAVELA, FAVELA-CENTRO: (p. 25) cultura
RESENHA: SAÍDA PELA LOJA DE PRESENTES OU COMO BANSKY PRODUZIU UM DOCUMENTÁRIO (p. 42) de
Marcela Busch
PLAYLIST: ARTE DE RUA (p. 44) de
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Vanessa Souza
de
Keytyane Medeiros
As relações entre a produção cultural nos centros e nas periferias mudaram
REPORTAGEM FOTOGRÁFICA: SER ARTÍSTICO (p. 29) de
Carolina Rodrigues
Enquanto houver um espaço na calçada ou um muro, vai ter lugar pra um pouquinho de arte revistalampiao.com
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editorial
EXPRESSÕES ARTÍSTICAS NA RUA É difícil saber desde quando o ser humano utiliza de suas capicidades motoras e criativas para a arte. Hoje, no ano de 2015, qualquer canto é propício para nós, humanos, nos expressarmos artisticamente. Nossas reportagens foram a diversas cidades do nosso país para mostrar como a arte de rua está em todos os lados. Pelotas, Porto Alegre, São Paulo, Bauru e Belo Horizonte: várias cidades de diferentes portes, diferentes movimentos e diferentes tipos de expressão. Mas, seja como for, ela está lá. Se o Brasil parecer pouco, fomos aos nossos vizinhos mostrar algumas das peculiaridades e belezas. A 298 km de distância de Montevidéu, no Uruguai, fomos até a Punta del Diablo para ter contato não só com a beleza natural, mas também com aquilo que tem a marca humana. Em Santiago, no Chile, a mesma coisa. Por meio das pinturas, músicas, apresentações e outras expressões, a população encontra um jeito de falar sobre aquilo que sente, o que presencia, o que vive. Portanto, o contexto socioeconômico e político é, obviamente, essencial. Atentamos para debater a relação entre a produção cultural da periferia e aquela que é “mais aceita”, digamos assim. Também mostramos como manifestações artísticas do passado sofreram mudanças internas e externas. As feirinhas que existem em quase todas as cidades pelo Brasil são muito importantes tanto para quem compra, que pode achar aquele item de artesanato que procura há tanto tempo, quanto para os artistas, que encontram um apoio financeiro para sua produção. Visitamos algumas das principais em São Paulo, a da Liberdade, a da Praça da República, a do MASP e a da Praça Benedito Calixto, e mostramos como é o comércio e os aspectos mais escondidos (e burocráticos) essas exposições. Por fim, também buscamos mostrar como, além de influenciarmos o ambiente, as ruas também influenciam nossas produções (e Caetano e Criolo, por exemplo, mostram em suas canções como a cidade os inspirou).
Diretor Executivo Gabriel Hirabahasi Diretor Jurídico Rafael Barizan Conselho Editorial Carolina Rodrigues, Estevão Rinaldi,
Gabriel Hirabahasi, Maria Eduarda Amorim, Rafael Barizan, Thafarel Pitton e Vanessa Souza Editoras Carolina Rodrigues, Estevão Rinaldi, Maria Eduarda Amorim e Vanessa Souza Diagramador Gabriel Hirabahasi Foto de capa Carolina Rodrigues Repórteres/Colaboradores Keytyane Medeiros, Marcela Busch, Sophia Andreazza Contato contato@revistalampiao.com.br
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Edição nº 7 Expressão artística nas ruas
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JÁ CONHECE
O NÓ DE OITO?
ACESSE: NODEOITO.COM.BR
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opinião
DIÁLOGO ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E MÍDIA RADICAL texto de
Keytyane Medeiros
Estudante de Jornalismo na Unesp. Foi presidente de Centro Acadêmico de comunicação e se interessa temáticas relacionadas a direitos humanos, direitos à comunicação e direitos de minorias.
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graffiti, enquanto manifestação artística, tem suas
origens em territorialidades distintas. O movimento Punk reinvindica seu surgimento nos porões e prédios abandonados de Berlim, Amsterdã e Londres no final da década de 1970, enquanto o movimento Hip Hop clama seu nascimento a partir dos guetos do bairro do Bronx em Nova York na mesma década. Independentemente das origens, o graffiti parece ser uma das maiores e mais profundas revoluções artísticas das últimas décadas e deve ser compreendido também como ferramenta de comunicação moderna. Entre 1970 e 1980, a Europa vivia o auge da contra-cultura. Como reflexo da contestação de modelos hierarquizados de conhecimento, da presença da Polícia em universidades e exigindo reformas profundas no sistema educacional, jovens franceses dão início ao que ficou conhecido como Maio de 1968. O movimento se amplia, ganha ares de greve geral dos trabalhadores e faz frente à violência praticada pela polícia. Unem-se a eles movimentos anarquistas locais, que passam a questionar valores tradi-
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cionais como família, religião e Estado. Após a renúncia do general De Gaulle, em 1969, o movimento arrefece enquanto coletivo, mas vive um momento de pulverização em todo continente europeu. As questões levantadas pelo movimento de 1968 levam jovens e militantes a reivindicar o direito de ocupação dos espaços públicos, revitalizá-los com atividades culturais gratuitas e torná-los ambientes de interesse social. Surgem então lojas, pubs e moradias coletivas em prédios abandonados em Amsterdã, Berlim, Londres e Paris. Nesse contexto, surge o movimento Punk, questionando estruturas de poder e anunciando seu anarquismo do século XX. Junto a bandas, grupos de arte alternativa e artesãos, surgiam os primeiros grafiteiros e pixadores da Europa. Profundamente ligado às classes média e média baixa europeias, o graffiti se torna uma forma de manifestação artística e ferramenta de diálogo entre os vários grupos que existiam nos prédios e ocupações públicas. A identidade visual das cidades passa por profundas mudanças, trocando o cinza por cores vibrantes, questionamentos e tags. Por outro lado, no final dos anos de 1960, período de grande agitação política e cultural nos Estados Unidos graças ao movimento pelos Direitos Civis dos afro-americanos, surgem as primeiras manifestações que darão origem ao movimento Hip Hop. Paralelamente a esses movimentos de auto afirmação identitária, a situação socioeconômica da população negra decaía nos guetos de Nova York, ao longo dos anos seguintes. A pauperização dos bairros era crescente e o problema com o uso e tráfico de drogas só aumentava, fazendo com que várias famílias passassem a ser chefiadas por um único membro, geralmente as mulheres. Aproximadamente 300 gangues disputavam espaço na cidade, levando consigo cerca de 20 mil jovens. Liderados por Afrika Bambaataa (ex-líder da gangue Black Spades), Kool
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Herc (DJ jamaicano naturalizado americano) e GrandMaster Flash (DJ nova-iorquino e produtor cultural), os jovens negros do Bronx passam a se reunir em pátios de colégios e quadras públicas para dançar, ouvir música e graffitar. Para além das origens intrigantes, paralelas e paradoxais do graffiti, o estudioso Celso Gitahy destaca que, conceitualmente, esta manifestação se caracteriza por seu caráter “subversivo, espontâneo, gratuito e efêmero”, por “discutir e denunciar valores sociais, políticos e econômicos com humor e ironia”. Foram muitos os experimentos até que se consolidasse uma maneira de graffitar em que o artista possuísse mais controle sobre o traço e o desenho final. Inicialmente, os desenhos eram feitos com tinta látex, com traços mais grossos e quase sempre em preto e branco. A partir da década de 1980, a descoberta que bicos de latas de desodorantes e outros aerossóis permitia traços mais finos, começa a aplicação de volume às figuras e assinaturas e também a ampliação do uso das cores. Isso contribui para a aceitação do graffiti enquanto arte, em especial no Brasil. Graffiti, tal como conhecemos, é na verdade o plural da palavra italiana “graffito” que significa rabisco, frequentemente utilizado na Arqueologia para denominar pinturas encontradas em cavernas ou escavações. O termo, associado a pinturas em paredes e muros dos grandes centros urbanos contemporâneos, não surge como denominação dada pelos próprios artistas ao seu trabalho, mas como expressão frequentemente atribuída pela imprensa norte-americana a essas manifestações. Na época, era comum que a imprensa produzisse reportagens e conteúdos televisivos a fim de combater graffitis e pixações em Nova York nas décadas de 1970 e 1980. É importante ressaltar que nos Estados Unidos, até o começo do século XXI, não havia distinção entre graffiti e pixação, tanto jurídica quanto popularmente, como acontece no Brasil desde 2011. revistalampiao.com
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O graffiti chega por aqui paralelamente ao seu desenvolvimento nos Estados Unidos, na década de 1970 e 1980, ou seja, durante a nossa Ditadura Militar. É importante lembrar que a repressão policial era muito forte naquele momento, reforçada pela existência de uma polícia política e da polícia militar. Para driblar a repressão daquele tempo, os jovens artistas desenvolviam maneiras inteligentes e experimentais de se manifestar, tais como fanzines, adesivos, pixações, perfomances e videoarte. Assim como nos Estados Unidos, a imprensa – aqui silenciada pelo regime militar – também pedia o fim das intervenções urbanas, pixações e graffitis pelas cidades, em especial em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. No entanto, alguns veículos alternativos de cultura defendiam a empreitada urbana dos jovens contestadores em defesa da liberdade de expressão e pensamento. Ainda hoje as telecomunicações desempenham um papel fundamental na difusão de conhecimento e cultura nos grandes centros urbanos. No entanto, a concentração de meios, especialmente no Brasil, impede a livre circulação de ideias. Para o professor Sandro Cajé, “as telecomunicações tem um papel político fundamental na estruturação das sociedades, sendo sempre instrumentos de uma relação verticalizada, em que os poderosos atuam como emissores e os humildes como receptores e reagentes”. Essa relação é reforçada pelo difícil acesso às concessões públicas de radiodifusão no país, cujas leis são as mesmas desde a Constituição de 1988. Segundo o projeto Donos da Mídia, realizado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom) desde 2002, atualmente 41 grupos e redes de telecomunicações possuem abrangência nacional, aglomerando 551 veículos. Desse total, 324 veículos tem em seu quadro de diretores e sócios 271 políticos brasileiros.
Essa concentração de veículos em figuras públicas e políticas reflete diretamente na qualidade do conteúdo oferecido pelas redes em âmbito nacional, estadual e municipal. Dessa maneira, discutir alternativas de comunicação contraria o fluxo de comunicação social esperado pelos proprietários de grandes veículos, sendo capaz de instaurar novos paradigmas de atuação social. Nesse contexto, o graffiti associado à mídia radical pode ser compreendido como uma plataforma que privilegia discursos contra-hegemônicos, de combate ao racismo e de afirmação da vida nas periferias, já que esses discursos não serão reportados por meio da mídia tradicional, por conta de seus interesses políticos e econômicos. Para o pesquisador britânico John Downing, a definição de mídia radical supera a discussão conceitual pura e simples do que é mídia. Ele acredita que o termo “radical” se faz necessário porque vivemos um momento de urgência pelo “ativismo da mídia diante dos bloqueios à expressão pública”. A cultura popular torna-se chave para compreender a mídia radical como um processo social, estético, congnitivo e tecnológico, pois permite que agentes sociais desprovidos de concessões públicas e equipamentos caros de reprodução possam se apropriar autonomamente de espaços e plataformas públicas – como são os muros e paredes das cidades – para manifestar-se e exercer seu direito à liberdade de expressão. Isto acontece porque, apesar de muitas vezes a cultura popular reproduzir discursos opressivos hegemônicos como o machismo, racismo, sexismo, homofobia e/ou xenofobia, ela ainda é uma forma de manifestação social e cultural que independe do poder público ou de instituições sociais para existir. Sendo assim, o caráter democrático do graffiti vem para reforçar a noção de que produtores e consumidores de cultura são, com frequência, os mesmos agentes sociais na mídia radical. Ele passa a cumprir um papel inovador de agitador cultural.
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reportagem
O COMÉRCIO DA ARTE EM ESPAÇOS PÚBLICOS texto de
Maria Eduarda Amorim
Jornalista, unespiana, apaixonada por músicas, séries e cachorros. Acredita que o mundo está cheio de histórias que merecem ser contadas. Gosta de pessoas, sorrisos e conversas.
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om 11,89 milhões de habitantes, São Paulo é a cidade que contém a maior quantidade de pessoas
do mundo. Devido ao grande fluxo de transeuntes, a rua se torna um local propício para o comércio de produtos artísticos dos mais variados tipos, pois nela é possível um contato direto com o consumidor. Existem mais de 900 feiras de artesanato espalhadas pela capital paulista, cada uma com sua particularidade e produtos específicos. Elas se localizam em diferentes regiões da cidade e são organizadas durante a semana. Entre telas, pinturas, desenhos, bolsas, peças de roupa e acessórios, objetos de decoração e itens culinários, é difícil não se encantar com o que é oferecido. O artesão é reconhecido como artista, pois cada peça que produz é única e demanda um trabalho manual habilidoso. Os preços dos produtos são acessíveis e a comida é sempre fresquinha e saborosa, por isso, as feiras são sempre uma ótima opção para passeios e compras. Engana-se, porém, quem pensa que basta ter um produto diferente para montar sua barraquinha e começar a ganhar dinheiro com sua arte. O decreto municipal número 43.798, de 16 de setembro de 2003, instituído pela então prefeita Marta Suplicy, regulamenta o funcionamento das feiras de arte, artesanato e antiguidades no município de São Paulo e delimita que tipos de produtos podem ser comercializados e os deveres e direitos dos expositores. Além disso, as feiras de rua geralmente são organizadas pelas subprefeituras dos municípios e para participar delas é necessário aguardar a abertura de inscrições, o que não ocorre com frequência. A criação de novas vagas depende de diversos fatores, então, o interessado deve acompanhar o Diário Oficial do Município, que irá publicar essas oportunidades quando elas surgirem. Quando as vagas estiverem oficialmente abertas, o artesão deve comparecer à subprefeitura para ter seus trabalhos e objetivos profissionais analisados por uma comissão e deve aguardar uma resposta. Caso o interessado seja convocado, será emitido um Termo de Permissão de Uso (TPU), que é justamente a licença para o mesmo expor na feira escolhida.
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Foto: Luciana Carpinelli/cozinhandopara2ou1 com.br
Foto: agendadasemana.wordpress.com
Inaugurada em 1975, a Feira de Arte, Artesanato e Cultura da Liberdade foi criada para expor o trabalho dos imigrantes japoneses e tornar sua cultura mais conhecida entre os brasileiros. Hoje, a feirinha reúne artesão de diferentes nacionalidades e, além de produtos típicos da cultura japonesa, é possível encontrar sabonetes, velas, artigos em couro, bijuterias, plantas, esculturas, quadros e outros artigos. Durante o ano, ocorrem eventos tradicionais japoneses incorporados à cultura paulistana e festivais com a participação das colônias japonesa e chinesa. *Av. Liberdade, 365 - Liberdade, São Paulo (sábados e domingos – das 9 às 17h)
A feira da Praça Benedito Calixto é conhecida como uma das melhores feiras de antiguidades e artesanato do Brasil. Ela acontece desde 1987 e reúne todos os sábados mais de 300 expositores. Entre os produtos oferecidos, encontramos obras de artes, discos de vinil, móveis e objetos de decoração antigos, brinquedos e roupas. Na praça de alimentação, as comidas típicas dão água na boca e são acompanhadas pelo chorinho de Canário e seu Regional. Duas vezes por mês também acontece o projeto “Autor na Praça”, em que os autores fazem lançamentos de livro e podem conversar com os visitantes da feira. *Praça Benedito Calixto, 158/162 – Pinheiros, São Paulo (sábados – das 9 às 19h)
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Foto: Be Moraes/aliceincarnival.wordpress.com
Foto: Marcelo Duarte/spcuriosos.com.br
Criada há mais de 25 anos, a Feira de Antiguidades da Paulista é um paraíso para colecionadores. Nela, os visitantes encontram câmeras fotográficas, canetas, porcelanas, brinquedos, miniaturas, joias, moedas, relógios e muitas outras peças antigas que enchem os olhos dos apaixonados por essas iguarias. A feira conta com o trabalho da Associação dos Antiquários do Estado de São Paulo, responsável pela administração, padronização visual, montagem, manutenção e realização das exposições. *Avenida Paulista, 1.578 – Vão Livre do Masp, São Paulo (domingos – das 9 às 17h)
A Feira da Praça da República teve seu início com uma pequena feira de selos, que cresceu com a chegada de colecionadores de moeda e hippies ao local. Logo, o evento se transformou em um espaço voltado para a arte e o artesanato. Na feira, o visitante encontra produtos de decoração, acessórios, sabonetes, roupas, bijuterias e brinquedos. As principais atrações são as pinturas e os desenhos feitos pelos artistas locais ali mesmo. Grande parte dos artigos é vendida pelos próprios produtores, o que garante o contato direto entre o artista e o público, por isso, os preços são acessíveis. Além disso, a pequena praça de alimentação conta com comidas deliciosas. Churrascos, doces e empanadas chilenas estão entre os itens mais procurados. *Praça da República, s/n, próximo ao Metrô República – Centro, São Paulo (sábados e domingos – das 9 às 17h)
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VIA DE MÃO DUPLA texto de
Sophia Andreazza
Estudante de Jornalismo na Unesp, professora do Cursinho Principia e colaboradora da Revista Lampião.
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stou convencido de que as separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso da
televisão a cabo, a falta de comunicação, a ausência do desejo, a apatia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, as contrações musculares, a insegurança, a hipocondria, o stress e o sedentarismo são responsabilidades dos arquitetos e dos empresários da construção. Desses males, a não ser do suicídio, padeço de todos”. Com essa citação, alternando entre imagens de vários prédios cinzentos de Buenos Aires, inicia-se o filme Medianeras: Buenos Aires na era do amor digital (2011, Gustavo Taretto). O longa argentino narra o cotidiano de Martin (Javier Drolas) e Mariana (Pilar Lopéz de Ayala): vizinhos de quitinetes, frequentadores da mesma academia de natação, transeuntes das mesmas ruas, mas que não se conhecem. Ambos levam vidas solitárias e colecionam neuroses — ela, arquiteta que nunca projetou edifício algum e trabalha como vitrinista, tem medo de elevadores e diverte-se com o livro infantil “Onde está Wally?”. Ele projeta sites, tem dores na coluna e não gosta de sair na rua. Com sutileza e humor refinado, o diretor confronta o espectador com uma solidão que é própria da era digital, agravada pela arquitetura claustrofóbica e pelos dias chuvosos de Buenos Aires, cidade que cresceu desordenadamente e sem nenhum planejamento, cujos prédios (cada vez menores) atrofiam-se e lutam por um espaço que não existe mais — “que se pode esperar de uma cidade que
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Cartaz do filme “Medianeras: Buenos Aires na era do amor digital” Foto: Divulgação
dá as costas ao seu rio?”, pergunta-se Martin no início do filme. As cidades, desde a Antiguidade — passando pelas aldeias na beira de rios na Mesopotâmia e no Egito, pelas pólis gregas, cidades romanas, cercamentos ingleses e burgos da Idade Média — surgiram como espaços de troca de informações e produtos. Espaços de convivência de pessoas diferentes, de contratos políticos e sociais, e da construção da esfera pública. Com o advento da modernidade e, mais tarde, da era digital, porém, as cidades foram pouco a pouco perdendo essa característica única de convívio e troca social. A Buenos Aires apresentada por Taretto em Medianeras é cinzenta e estática; um espaço no qual não há interação ou troca, apenas pessoas que se deslocam de um lado para o outro, de
casa para o trabalho, numa espécie de solidão compartilhada. Segundo Raquel Rolnik, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em seu artigo O lazer humaniza o espaço urbano, “a rua é um simples local de acesso, tornando-se apenas o suporte para a conexão de pontos, de endereços; rotas para se chegar aos locais onde existe prazer, isso tanto dentro do espaço doméstico — televisão, vídeo, vida familiar —, como nos espaços de consumo cultural e esportivo”. A imobilidade e a apatia das grandes cidades modernas podem ser revertidas, no entanto. O papel de devolver ao espaço urbano sua autonomia e seus atributos de interação social cabe, em partes, à arte de rua. É o que diz Carlos Doles, ator e diretor da Trupé de Teatro: “os centros urbanos não são apenas cons-
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Cena da peça “Do Alto da Santa Cruz vi o Auto do Menino Luz” (Sorocaba, 2012), da Trupé de Teatro
truções, projetos arquitetônicos e urbanísticos. Eles possuem fluxos sociais, culturais. O cotidiano, a lógica do consumo e a frenética rotina da vida urbana massificam esses fluxos. Andamos sem perceber o entorno. Deixamos que o cenário que nos cerca suma na pressa”. Para ele, “quando uma performance artística acontece, esta altera, modifica o fluxo. Propõe um estranhamento no cotidiano. Ela amplia o olhar, a audição... Ela revela a própria arquitetura urbana esquecida. Ressignifica uma praça, uma rua, um prédio ou monumento. Altera o espaço e o tempo. Desloca o passante para outra realidade”. A ressignificação do espaço urbano é uma via de mão dupla:
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do mesmo modo que a arte de rua — o teatro, o grafite, a música, a literatura — tem a capacidade de reconfigurar e renovar a cidade, modificando a maneira como as pessoas enxergam os muros, as calçadas e as fachadas de edifícios, a cidade é uma das principais fontes de inspiração para a arte contemporânea. Segundo o estilista João Maraschin, “a rua é o principal canal de relacionamento de nós, seres consumidores, tanto com a vitrine estática das lojas quanto com a vitrine ambulante das pessoas que vem e vão. Além disso, o ambiente urbano transgrediu a posição de cenário/ambiente e transformou-se no principal influenciador da vanguarda, que olha para a rua como fonte de revistalampiao.com
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“O teatro tem papel singular nas artes de rua. Enquanto um malabarista ou um músico podem estabelecer um espaço e ali ficar por horas, quase se tornando parte do fluxo da cidade, a performance teatral tem tempo de início e fim. Tem uma narrativa finita. Estabelece-se, desenvolve-se e se finda. Isso faz com que esse passante queira ficar. Pare para ver e ouvir. Queira chegar ao fim da narrativa, que muitas vezes não é linear”, diz Carlos Dolesras
inspiração e geração de novos resultados visuais”. Não faltam exemplos de obras que buscam no fluxo incessante e singular das cidades a sua inspiração. Além do longa Medianeras, filmes como O som ao redor (Kleber Mendonça Filho, 2012) e o documentário Cidade Cinza (Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo, 2014) são críticas e reflexões sobre o impacto da violência, da urbanização desenfreada e da convivência entre diversas classes sociais na vida das pessoas que habitam a cidade. A cidade de São Paulo influenciou tanto Caetano Veloso quando o rapper Criolo a comporem algumas de suas canções mais proeminentes — “Sampa” e “Não Existe
Amor em SP”, respectivamente. A arte de rua deve ser encarada não como uma manifestação marginal, menor e de menos importância que a arte dos museus e dos Teatros Municipais, mas como um dos principais mecanismos de salvação da cidade e das interações entre as pessoas. “Rua, arte, política, resistência, poesia, público. A arte pública nos espaços públicos do público. Novos sentidos para a cidade, para o artista e para a própria arte. Arte viva criada em comunhão com fluxos vivos de uma cidade que caminha para o concreto, para a não-identidade e o não-lugar”, reflete Carlos Doles.
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O CAMINHO DA ARTE DE RUA E A ARTE DE RUA ENQUANTO CAMINHO texto de
Carolina Rodrigues
Jornalista em (trans)formação, apaixonada por escrever, fotografar e curtir um som. Acredita que a beleza está nos detalhes e que a vida faz mais sentido durante uma boa viagem.
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ndar pelas ruas de Pelotas, no Rio Grande do Sul, é respirar arte. E não estamos
muito acostumados com isso. Vivemos nosso dia a dia na correria, sem prestar muita atenção no grafite do muro ou no artista com o chapéu no chão da praça. Infelizmente. Mas em uma cidade com mais de 13 mil alunos (de todo o país) de cursos como Artes Visuais, Cinema e Animação, Design, Museologia, Música, Conservação e Restauro, entre outros, as coisas são diferentes. Todo mundo se juntou: estudantes da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), moradores, prefeitura e outras instituições. O resultado é nítido: existe uma vida cultural impressionante nas ruas. E a explicação é fácil: “uma atividade inspira a outra”, diz Ana Pessoa, integrante do projeto Sofá na Rua de Pelotas. A arte de rua é antiga e não tem uma origem certa. Sabe-se que lá na Grécia Antiga já existiam artistas que passavam pelas ruas discursando e cantando. Mas a arte como ocupação urbana, respeitada e regulamentada por lei, é recente. De qualquer forma, o viés crítico e de transformação social segue vivo – e talvez mais do que nunca.
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Uma cidade histórica-contemporânea. Pelotas, como já citei, foi uma cidade que se transformou com a ocupação artística das ruas. O professor do departamento de Museologia e Conservação e Restauro da UFPel, Roberto Heiden, diz que Pelotas tem um “contraste entre o patrimônio cultural e as recorrentes manifestações artísticas contemporâneas, ou seja, os mosaicos, grafites, vitrais, performances, esculturas, estêncis, etc”. Basicamente, uma cidade histórica, com grandes prédios antigos, e ao mesmo tempo contemporânea, pelas intervenções artísticas. Justamente por reparar esse contraste um tanto quanto curioso, Roberto criou a página “Pelotas Arte Urbana” para documentar as diversas intervenções artísticas. O objetivo é “contribuir com a visibilidade da arte urbana e promover o debate sobre os diferentes tipos de arte que existem nas ruas da cidade”. E se as intervenções artísticas são tantas e constantes, nada melhor do que um bom exemplo para comprovar: o Sofá na Rua. O próprio nome já diz tudo, basta colocar o sofá de casa na calçada, literalmente na rua, e interagir nesse espaço urbano que é público e pode (se não deve) ser ocupado. O projeto nasceu sem querer no final de 2012. Na época, a Casa Fora do Eixo de Pelotas estava realizando um evento cultural e no último dia tiveram um problema de alvará. Tudo já estava pronto: os artistas e o público. Só faltava o lugar. “E aí, como nossa casa não comportava um evento desses, levamos tudo para a rua da frente. Desde então, mensalmente, colocamos o sofá da nossa casa na rua, chamamos duas bandas para se apresentarem, abrimos para quem quiser expor seus materiais em uma feira de trocas e chamamos artistas para fazerem outros tipos de intervenções. Hoje, cerca de duas mil pessoas circulam por aqui”, conta Ana Pessoa.
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Projeto Sofรก na Rua (Pelotas-RS) Fotos: Arquivo do projeto
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Companhia de Artes do Baque Bolado (São Paulo-SP) Foto: Arquivo da Companhia
A regulamentação da arte de rua em São Paulo e a valorização da cultura brasileira. Mas é claro que esse tipo de intervenção acontece em diversas partes do Brasil e do mundo. Digamos que é uma tendência mundial de se ocupar espaços públicos urbanos com arte. Afinal, se é público, é nosso. E se é nosso, temos direito. Na cidade de São Paulo, desde junho de 2011, existe um decreto municipal que assegura a liberdade de expressão artística nos espaços públicos da cidade. Está garantido apresentar-se em ruas, praças e parques sem a necessidade de licença ou autorização, contanto que se permita a circulação de pedestres e veículos; passar o chapéu sem ser “comércio ilegal” e utilizar equipamentos eletrônicos, desde que sejam respeitados os limites de ruídos. Aloysio Letra faz parte da direção da Companhia de Artes
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do Baque Bolado da cidade de São Paulo. A Companhia existe desde 1996 e surgiu dos encontros de artistas pesquisadores do maracatu de baque virado, manifestação cultural oriunda de Recife (PE) e também de fonte africana. Por meio de espetáculos musicais, intervenções, cortejos e peças teatrais, os integrantes misturam a cultura popular tradicional e outras linguagens artísticas, como circo, arte de rua, dança contemporânea, entre outros. E assim eles fazem das ruas um espaço de intervenção e valorização da própria cultura brasileira. “Atualmente trabalhamos com um foco maior no projeto Batuque a Cidade, que tem por objetivo conhecer e gerar intervenções em espaços que são referência para a história da cultura negra em São Paulo, subúrbios, periferias ou espaços culturais revistalampiao.com
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Projeto Sofá na Rua (Pelotas-RS) Fotos: Arquivo do projeto
de resistência, a fim de dar visibilidade à cultura afro-brasileira, à dança, ao canto e à arte de rua em geral”, explica Aloysio. A arte de rua está, em certa medida, vinculada com um ativismo social. “Para nós, muito da valorização e do sucesso em promover uma real igualdade racial é para reconhecer nossa própria cultura e, em vez de negá-la, usá-la para nos expressarmos em prol do nosso coletivo e de outros. Na cultura popular se aprende muitas vezes por meio da oralidade e também do escambo, formas de aprendizado que praticamos e incentivamos dentro e fora do Baque Bolado”, diz Aloysio. Afinal de contas, as ruas estão aí para serem palco de escambo mesmo. “Nosso trabalho, junto do trabalho de outros tantos coletivos, visa afirmar uma cultura negra que se faz viva, que já foi e ainda é alvo de muitos preconceitos”.
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Arte de rua: mudança e reinvento. Bauru, no interior de São Paulo, tem um movimento hip-hop muito bem consolidado e o grafite está sempre presente nas ruas por aí. Sérgio Oliveira, mais do que um grafiteiro, é um artista. “Existe diferença entre um grafiteiro e um artista do grafite. O artista vive da sua arte. Ele não só grafita, mas também dá oficinas de grafite, aulas. O artista tem um certo ativismo social”. Hoje, Sérgio é instrutor na pinacoteca Casa Ponce Paz. Ele afirma que a diferença da arte de rua para outras artes é justamente a troca de experiências e ideias que ela proporciona. A arte nas ruas é importante porque ajuda os moradores a saírem daquela rotina maçante. “Se a pessoa está andando pela rua, passa pela praça e escuta alguém cantando aquela música do Zezé de Camargo e Luciano que era da época em que ele conheceu a esposa, seu humor já muda, tudo muda!”. A partir do grafite podemos perceber como a arte de rua vem mudando e se reinventando com o tempo sem perder completamente sua essência e seus objetivos. Originalmente marginalizado, o grafite surgia na calada da noite, carregado de adrenalina, uma vez que a qualquer momento um policial podia surgir e o grafiteiro ser preso (algo que ainda pode acontecer, claro, mas talvez em menor proporção). Entretanto, a arte cresceu tanto e ganhou tanto respeito que já são comuns casos em que pessoas, empresas ou mesmo órgãos públicos, como prefeituras, contratem grafiteiros (ou artistas do grafite) para pintar muros e portões. Afinal, é ou não é uma forma de colorir a vida?
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Festival Internacional de Arte de Rua (Porto Alegre-RS) Fotos: Arquivo do Festival
Espaços públicos, Estado e sociedade. Será que o Estado, como órgão público, deve incentivar esse tipo de iniciativa? O professor Roberto faz um questionamento. “O grafite já perdeu parte de sua especificidade, que era a marginalidade. Se ele for apoiado pelo Estado, não passa a ser tão arte contemporânea ou acadêmica como a arte da Bienal ou do museu?”. E de novo voltamos ao fato de a arte de rua estar se renovando e se reinventando a cada dia. “Mas não penso que isso seja ruim, pelo contrário!”, completa. O incentivo das diversas áreas da sociedade é fundamental. A arte nas ruas acontece em espaços públicos, então se torna evidente que deve haver apoio do Estado (e também de iniciativas privadas). Isso porque a arte de rua é o mais democrático que uma arte pode ser: ninguém paga para ver um grafite no muro ou um cara tocando sanfona na entrada do metrô – a não ser que queira dar uma gorjeta. Alexandre Vargas, coordenador geral do Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre vai além nessa discussão. “Espaços públicos deteriorados são lugares de solidão, conflito e criminalidade. Espaços públicos cuidados são de in-
teração, amizade e desfrute, fundamentos de uma democracia cidadã. É evidente que existe conexão entre espaço público e a democracia. E espaço público e regimes totalitários. O espaço público tornou-se uma agenda prioritária para as cidades em anos recentes”, ele diz. O Festival já está em sua 6ª edição e o nome também é autoexplicativo: as apresentações de teatro se dão nas ruas de Porto Alegre. O evento é dividido em cinco eixos: apresentações de teatro de rua, intervenções urbanas e performances, formação (com cursos, oficinas, workshops), reflexão (com seminários, conferências, palestras) e ações especiais (com rodadas de negócios e homenagens). É realizado no mês de abril e ocupa 30 bairros da cidade, com todas as atividades gratuitas. O público atingido gira em torno de 135.000 pessoas. Isto é, um festival de grande porte. Mas Alexandre também faz a crítica de que ainda existem poucas políticas públicas com o intuito de democratizar o acesso ao teatro e às artes de rua em geral: “tanto o Estado do Rio Grande do Sul como o município de Porto Alegre não possuem políticas para esse tipo de arte. Ou seja, os governos são primitivos nesse aspecto”.
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A arte de rua enquanto caminho. Em Belo Horizonte, Minas Gerais, existe o Projeto Vira Lata, um coletivo artístico. Rafael Bertolacini, integrante, diz que “atualmente, projetos como esse têm um potencial educacional muito forte nas cidades. São importantes para a desvinculação de jovens com o tráfico e crimes em geral”. Isso porque quase sempre “dentro das escolas formais não se valoriza o desenvolvimento artístico, então projetos assim vêm para inspirar”. A arte de rua pode, então, ser um caminho de mudança. Tanto para quem faz, quanto para quem recebe. Essa troca entre artista e público é múltipla e infinita. Afinal, as ruas de uma cidade são reflexo dos costumes e ideais da população daquele local. E o contrário também é verdadeiro: a população é reflexo do que se dá nas ruas. A arte de rua, como meio e fim, vem pra inspirar, refletir, embelezar e até mesmo criticar a sociedade. A arte de rua é, enfim, uma forma de dar voz ao povo. Pois, como enfatizou Sérgio Oliveira durante nossa conversa em uma tarde chuvosa de Bauru, “parede branca, povo mudo”.
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GOG e Vitrola no encerramento da Semana Municipal do Hip Hop 2014 FOto: Keytyane Medeiros
CENTRO-FAVELA, FAVELA-CENTRO:
REFLEXOS DE MUDANÇAS CULTURAIS texto de
Keytyane Medeiros
Estudante de Jornalismo na Unesp. Foi presidente de Centro Acadêmico de comunicação e se interessa temáticas relacionadas a direitos humanos, à comunicação e de minorias.
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o livro A Cidade Como Projeto Educativo (2003), Gó-
mez-Granell e Villa defendem que, desde seu surgimento, a cidade atua como lugar de encontro e participação política, cultural e social. A cidade teria, assim, um papel demarcado como espaço público de convivência e agitações de todos os tipos. No entanto, nos últimos anos, a cidade teria perdido “sua função comunitária, educativa e civilizadora” e se tornado um lugar de conflitos de interesse e poderes, dado o descaso do poder público e das classes dominantes com questões coletivas de interesse social como saúde, educação e cultura. O Estado teria abandonado seu papel principal como provedor de condições básicas para a convivência social. Em grandes cidades não planejadas, como São Paulo, o Estado e as classes dominantes determinam a disposição geográfica dos grupos sociais pelo espaço urbano. É comum encontrar favelas ao lado de grandes condomínios ou observar incêndios mal explicados em favelas localizadas em regiões de crescente especulação imobiliária. O projeto Fogo no Barraco, de 2012, por exemplo, busca mapear os incidentes desse tipo que ocorreram na capital desde 2005 e mostrar como esses inquéritos foram ou estão sendo apurados. Em Bauru, município com incidência de pobreza em 14%, segundo o último Censo do IBGE, a disposição do espaço urbano não é feita de maneira muito diferente. Na cidade de quase 350 mil habitantes, no interior de São Paulo, há favelas e “quebradas” espalhadas pelos quatro cantos e com frequência podemos ver que o poder público é pouco presente. Em bairros como Bauru I e Jardim TV, por exemplo, além das escolas públicas, a mão do Estado agindo como provedor de condições básicas de convivência e trocas interpessoais é quase imperceptível. Essas regiões periféricas carecem, também, de espaços de produção cultural, embora as periferias bauruenses sejam responsáveis por um dos maiores tesouros da região: o movimento Hip Hop. Desde 2012, o movimento Hip Hop, um dos representantes da cultura de rua no Brasil, tem recebido mais atenção da mídia tradicional, em especial depois do lançamento dos CDs
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Mapa Fogo no Barraco (http://fogonobarraco.laboratorio.us/) dos rappers Criolo e Emicida, “Nó na orelha” e “O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui”, respectivamente, que caíram nas graças da chamada classe média. Além desses, entre 2012 e 2013, outros ótimos lançamentos para os militantes do movimento, como os discos de Kamau, Síntese, Edi Rock, Flora Matos e Carol Konká, refrescaram e definiram uma nova sonoridade no rap nacional. A partir daí, a presença do rap em eventos como a Virada Cultural tanto na capital quanto no interior tem aumentado. Em 2012, Bauru foi palco, mais uma vez, para os Racionais MCs, um dos maiores representantes do movimento no país, e em 2014, a Semana Municipal do Hip Hop trouxe nomes como Dexter, Thaíde, Inquérito, GOG, Rael e Banks BackSpin, além de dar espaço para grupos locais como Além da Rima, Oliveira MC e David Mc. O editor do portal de Hip Hop Bocada Forte, colunista do jornal Brasil de Fato, colaborador da revista Fórum e produtor cultural, Jair dos Santos, também conhecido como DJ Cortecertu, acredita que o espaço adquirido pelo movimento nos últimos tempos é resultado de anos história e criatividade. Para ele, “o rap e o Hip Hop voltaram a chamar a atenção por causa das criações e articurevistalampiao.com
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lações de artistas, militantes, produtores da cultura de rua. Sem essa pressão, nenhuma administração pública ou privada ‘daria’ espaço pra gente. O rap e o hip hop mostraram que são forças culturais e, principalmente, podem gerar renda. Os de fora enxergam dessa maneira. Quem é do rap e do hip hop consegue identificar mais coisas nessa retomada. São códigos sociais, raciais e de luta por igualdade que sustentam a base disso tudo”. Além disso, o intercâmbio cultural observado em momentos como a Virada Cultural e outros festivais também proporciona a ampliação de saberes dentro dos povos e culturas. Para o DJ CorteCertu, “sempre houve trânsito entre as culturas, uma carrega elementos das outras. Desde as que nascem para subverter e são assimiladas pela cultura de massa, passando pela cultura que se propõe superior e dominante, mas que é ressignificada por outros grupos sociais”. O DJ ainda destaca que nem sempre essas relações de troca são harmoniosas, por vezes gerando conflitos e embates sociais e ideológicos. Rafael Schiavo, coordenador de projetos do Ponto de Cultura Acesso Hip Hop de Bauru, acredita que a Virada Cultural Paulista é uma boa iniciativa e contempla o tamanho da cidade, embora não dê destaque a grupos locais de música. Para ele, a relação entre centro e periferia pode ser ampliada, pois não acredita que haja um verdadeiro intercâmbio cultural entre ambas as partes que compõem a cidade durante o evento. “Na realidade se não fossemos atrás dos espaços do centro da cidade, este espaço dificilmente viria até nós”, destaca. A Virada Cultural de Bauru acontece no primeiro semestre de todo ano e traz companhias de teatro, dança, bandas e músicos para a cidade e ocupa espaços como Teatro Municipal, SESC e Parque Vitória Régia. Esses locais, ocupados periodicamente em festivais e eventos de grande e médio porte, reforçariam a tese dos escritores Gómez-Granell e Villa de que a cidade tem perdido seu papel de trocas sociais e culturais cotidianas e relegado essas atividades a algumas vezes no ano e a alguns grupos sociais. Schiavo ainda reforça que longe de datas festivas e grandes
David MC no palco da Semana Municipal do Hip Hop 2014 Foto: Lucas Rodrigues
Almir Sater naVirada Cultural 2014 Foto: Mariana Duré
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Almir Sater encerra Virada Cultural 2014 Foto: Mariana Duré
BBoy dançando no Calçadão da Batista em 2014 Foto: Keytyane Medeiros
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eventos na cidade a relação entre centro e periferia é diferente e mais próxima, ainda que conflituosa. Para ele, “a cultura periférica está muito misturada com o centro da cidade. Por exemplo, a questão da pixação e do grafite. Você começa a fazer na sua vila, mas de repente você sente a necessidade de mostrar isto pra Bauru toda, assim como a questão do skate, bike, roller, fazer o street na cidade é bem melhor do que na ‘quebra’ (por conta de escadas, corrimãos, infraestrutura)”. Assim, independentemente da Virada Cultural, existem pólos culturais na cidade que sustentariam a relação periferia-centro ao longo do ano, e nesse ponto, é destacada a presença dos Pontos de Cultura, ONGs da região e Oficinas Culturais, que contribuem fortemente para o cenário local. Cabe aí o debate, sempre polêmico, sobre o que é centro e o que são as periferias, do ponto de vista humano e cultural. O diálogo é possível? Heloisa Buarque de Hollanda, pesquisadora e ensaísta da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especializada em cultura contemporânea, destaca no projeto Tramas Urbanas o papel dos saraus periféricos como espaço de produção cultural e troca de conhecimentos. Em entrevista concedida à revista Raiz, Heloisa afirma que a cultura periférica surgiu como “um fenômeno mais amplo, não restrito aos guetos, e que ressoa e estimula a cultura urbana de forma explosiva e irreversível.” Já que todos somos produtores e consumidores culturais, e dividimos o mesmo espaço urbano e político na cidade, devemos olhar com mais atenção as manifestações artísticas de Bauru, incentivá-las, interagir com elas, além de cobrar do poder público mais participação democrática e igualitária em grandes eventos culturais e dar chance para novos artistas locais se apresentarem. Embora hajam restrições econômicas entre as classes sociais de uma cidade, que podem dificultar a troca de experiências culturais, a criatividade flui como o vento, de um canto a outro, ocupando o espaço disponível, enchendo de renovação as esquinas das grandes e médias cidades. O intercâmbio entre culturas periféricas e cultura de massa deve regar e renovar os espíritos dos cidadãos, e gerar novos saberes, novas culturas, com sutilezas e contradições. Bauru, cujo potencial criativo é enorme, mas mal aproveitado e pouco incentivado pelo poder público, infelizmente ainda não leva a sério o lema que a define. revistalampiao.com
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REPORTAGEM FOTOGRÁFICA:
SER ARTÍSTICO texto e fotos de
Carolina Rodrigues
Jornalista em (trans)formação, apaixonada por escrever, fotografar e curtir um som. Acredita que a beleza está nos detalhes e que a vida faz mais sentido durante uma boa viagem.
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ão importa onde você esteja. As manifestações artísticas acompanham cada passo
nosso. Seja o graffiti nos muros de Punta del Diablo, no Uruguai, nas telas que ganham vida nas feiras artesanais em Santiago, no Chile, ou na música ao vivo também na capital chiena. O clichê de que “o ser humano é um ser social” pode ser parafraseado para dizermos que, sim, o ser humano é um ser cultural e artístico.
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Piquinique cultural Pelotas-RS
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Casa abandonada na beira do mar (Punta del Diablo - Uruguai)
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Manifestaçþes culturais de domingo (Santiago - Chile)
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Artista se apresenta nas ruas do Chile (Santiago - Chile)
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Feira de artesanato ao ar livre (Santiago - Chile)
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Estรกtua viva (Santiago - Chile)
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Casa de Pablo Neruda (Isla Negra - Chile)
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cultura
“Exit through the gift shop” Direção: Banksy Produção: Paranoid Pictures Duração: 87 minutos
SAÍDA PELA LOJA DE PRESENTES OU COMO BANKSY PRODUZIU UM PSEUDODOCUMENTÁRIO texto de
Marcela Busch
Jornalista e feminista com orgulho. Adora escrever, hard news, política, tem o sonho de trabalhar em Brasília e poder dizer que tem “fontes dentro do Palácio do Planalto”. Ah, também ama gatos.
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o procurar no Google por Exit through the gift shop,
documentário assinado pelo enigmático e indefectível artista de rua inglês Banksy, as críticas positivas são inúmeras e as indicações ao Oscar pululam. A primeira impressão que se tem é que o alegado documentário é imperdível para quem quer saber mais sobre o movimento da street art e seus expoentes. Ledo engano. A primeira meia hora de documentário nos leva a crer de que Thierry Guetta, francês radicado em Los Angeles, tenta documentar o movimento da street art e alguns de seus expoentes, como Space Invader e Shepard Fairey, enquanto traz a importância dessa forma de arte para o movimento da contracultura, segundo a narração “considerada o maior movimento de contracultura depois do punk”. Os artistas, entre eles o ícone da street art, Banksy, concordam com a importância do trabalho de Guetta para a visibilidade da arte. O trabalho do videomaker, porém, era péssimo. O restante do filme guia o espectador pela transformação de registrador em registro: quando Banksy pontua o fracasso do filme feito por Thierry, também sugere que ele crie sua arte. A partir desse momento, assistimos toda a criação artística e concepção de Thierry, que assume a alcunha de Mr. Brainwash. Assessorado por um time dos melhores ilustradores, escultores e artistas, além de corroboração de Fairey e do próprio Banksy, MBW consegue deturpar todo o conceito da pop
art, da banalização da imagem pop e também do significado da street art quando, copiando arte e produzindo sem nenhum conceito, ele inaugura uma megaexposição em Los Angeles e arrecada mais de US$ 1 milhão. O documentário, indicado ao Oscar de Melhor Documentário em 2011, causa polêmica entre críticos até hoje, e não poderia deixar de fazê-lo, já que é uma obra prima de Banksy. Isso tudo porque, dizem por aí, ser um pseudodocumentário: Thierry Guetta não é real, Mr. Brainwash e toda a exposição promovida são obras do próprio Banksy. Toda a dinâmica do filme é engraçada demais, uma história perfeita demais para ser verdade, além de possuir uma estética extremamente condizente com o discurso de Banksy: a mercantilização da arte e a falta de significado nos movimentos sociais, sempre presentes em seus stêncils, toma forma quase palpável nesta obra. É sublime a maneira como o enredo nos atrai, e como estamos preparados para ridicularizar Guetta – que, dizem alguns, é o próprio Banksy – e sua infâmia tentativa de popularizar o pop e dessignificar o dessignificado, enquanto estamos ali, pote de pipoca na frente e entretenimento na tela. O que fica da experiência de assistir Exit through the gift shop é um pouco de conhecimento sobre a street art, Banksy e a impressão de que, se somos manipulados por 90 minutos a pensar algo, como é possível que nos libertemos das amarras do pop mercantil que nos prendem há tanto tempo?
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PLAYLIST:
ARTE DE RUA texto de
Vanessa Souza
Comunicadora social, louca por sorvete de flocos e apaixonada por chocolate meio amargo. Acha que o feminismo pode melhorar o mundo e gosta de cantar para se alegrar, desestressar e sobreviver.
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uitos artistas encontram na rua uma forma de se
expressar e de se apresentar sem depender de alguém lhes ceder um espaço ou um horário para mostrar sua arte. É dessa forma que vários músicos começam sua carreira artística, seja para ganhar um dinheirinho ou só para se divertir. Ouça cinco artistas que iniciaram dessa maneira e veja dois clipes que retratam um pouco da arte nas ruas: 1. B.B. King – 3 O’Clock Blues O que o jovem Riley B. King fazia para conseguir uns trocados? Isso mesmo, tocava nas esquinas das ruas e chegava a se apresentar em até quatro cidades por noite. Por volta dos 22 anos de idade, foi para Memphis seguir carreira musical e virou DJ em uma rádio. King deixou seu nome de batismo para trás e foi apelidado de “Beale Street Blues Boy”, em referência à Beale Street, rua na região central de Memphis que reunia os entusiastas de música, particularmente com estilo do blues. Logo o apelido foi encurtado para “Blues Boy” e, em seguida, simplesmente “B.B.”. King faleceu em maio deste ano, mas seu primeiro sucesso, “3 O’Clock Blues”, continua entre nós. 2. Tracy Chapman – Fast Car Em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos, há uma praça chamada Harvard Square, onde vários artistas de rua
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tentam se apresentar devido ao grande número de pedestres passando o tempo todo. ‘Tentam’ porque não é tão simples assim: o local é tão concorrido que os artistas precisam de uma permissão do Conselho de Artes de Cambridge para poderem mostrar seu talento por lá. Tracy Chapman, durante seus anos de estudante da Universidade Tufts, conseguiu sua permissão e frequentemente era vista cantando e tocando violão nessa praça. Outro estudante da Tufts, Brian Koppelman, virou fã da artista ao vê-la cantar e apresentou-a ao seu pai, Charles Koppelman, que a contratou e ajudou-a a fazer parte do catálogo da gravadora Elektra Records, em 1987, quando Tracy se formou na faculdade. No ano seguinte ela lançou seu álbum de estreia Tracy Chapman, sucesso de público e crítica, de onde saiu o hit “Fast Car”. 3. Rod Stewart – Maggie May Rod Stewart tinha dois caminhos para seguir profissionalmente: ser jogador de futebol ou músico, já que, segundo ele mesmo, essas eram as duas coisas que ele sabia fazer. Depois de ser rejeitado pelo time Brentford F.C., ele decidiu que seguiria carreira na música. Não que tenha sido mais fácil, já que as primeiras bandas das quais ele fez parte também não deram certo. Aí foi a vez de partir para a rua: ele se juntou ao cantor de folk Wizz Jones e eles começaram se apresentando em espaços públicos de Londres. Em seguida, começaram um revistalampiao.com
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Vídeo: Dana McKeon – Street Art Já o primeiro single da artista maltesa não se limita só ao nome na hora de se referir à arte de rua: a canção usa esse tipo de expressão artística como uma metáfora inteligente sobre as restrições e barreiras que alguém pode encontrar durante sua caminhada como artista. Afinal, nada desafia mais as normas já estabelecidas no meio artístico do que a arte no espaço público. O clipe da música embarca nessa vibe e mostra um exemplar de grafite reverso – em que não é necessário tinta para fazer a arte, já que o desenho é montado ao limpar certas partes da superfície em vez de aplicar algum material – feito em um muro especialmente para o vídeo. Além de cantora e compositora, Dana também é beatboxer e já foi vice-campeã da versão feminina do campeonato britânico de beatbox.
Vídeo: Seu Jorge – Tive Razão Quem conhece o cantor fluminense sabe que ele flerta com o cinema também. Seu Jorge atuou em mais de dez filmes e, no clipe de “Tive Razão”, também usou esse seu talento para interpretar um músico de rua. Gravada em Roma, a breve história mostra Seu Jorge tocando e cantando a música para ganhar uns trocados. Mas ele consegue mais que isso: o artista ganha o cartão de um produtor, que pede para que ele entre em contato, e em seguida um esporro do padre que cuida da igreja na frente da qual ele se apresentava. tour de 18 meses pela Europa como artistas de rua, chegando até a dormir embaixo de pontes. O passeio acabou quando Rod foi deportado em Barcelona. Mas tudo bem, afinal, ao voltar para Londres, as coisas começaram a engatar e, em 1971, seu primeiro álbum solo Every Picture Tells a Story chegou ao primeiro lugar das paradas britânicas e americanas junto ao single “Maggie May”. 4. Jesuton – I’ll Never Love This Way Again Jesuton é britânica, mas foi nas ruas do Rio de Janeiro que ela encontrou seu verdadeiro palco. Depois de estudar na Universidade de Oxford e trabalhar em uma ONG em favor dos direitos de indígenas peruanos, a cantora chegou ao Brasil por, segundo ela, sempre ter tido “curiosidade sobre a América Latina”. Ela cantava em lugares como o Largo do Machado e o Largo da Carioca, na capital fluminense, sem muitas preten-
sões até ser levada ao programa Caldeirão do Hulk, da Globo, e ser contratada pela Som Livre. A sua versão da música “I’ll Never Love This Way Again”, por exemplo, virou trilha sonora da novela Salve Jorge. 5. Jewel – Who Will Save Your Soul A cantora americana nasceu Utah, mas cresceu no Alasca e estudou em Michigan, onde aprendeu a tocar violão. Durante um período de sua vida, sua casa foi seu carro e ela decidiu rodar o país se apresentando nas ruas. Jewel, então, começou a fazer pequenos shows em cafés na região de San Diego, na Califórnia, e acabou assinando contrato com a gravadora Atlantic Records. Seu primeiro álbum, de onde o single “Who Will Save Your Soul” saiu, vendeu 12 milhões de cópias só nos Estados Unidos.
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