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Iraci José Marin
Iraci José Marin
Caxias do Sul/RS
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O Casarão
Numa noite de antigamente, encontrava-me no meio de alguns adultos no pátio da casa e ao redor de um fogo de chão. Eles contaram muitas histórias misturadas. Eram histórias ouvidas dos avós, que agora recontavam.
Lembro-me de uma que falava de um casarão velho e descolorido que existia em algum lugar que até hoje não consegui identificar. Estava com portas e janelas sempre trancadas e ninguém sabia ao certo o que existia ou o que se passava por trás daquelas paredes. Afirmavam, também, que não se ouvia barulho algum vindo de dentro, nem conversa, ou arrastar de cadeiras, ou cheiro ruim. Era uma casa enigmática, diziam na pequena vila. Mas alguns comentavam que era mal-assombrada.
Houve poucas tentativas de entrar nela, forçando uma porta ou janela, ou pelo telhado. Foi isto que fizeram uns corajosos e inocentes garotos. Mas mal tinham tirado algumas telhas de barro do telhado, abrindo um buraco por onde podiam entrar no sótão e vasculhar o casarão, ouviram um barulho medonho, muito forte, de estourar as paredes. Assustados e apavorados, pularam do telhado e fugiram.
No outro dia, foram continuar a aventura, mas... não tinha mais o buraco no telhado. Retornaram, medrosamente surpresos, noticiando na vila que a casa enigmática era morada de fantasmas.
Alguns dias após, alguém afirmou ter visto um velho corcunda caminhando rente à parede. Era de dia, mas dava a impressão de que ele queria se esconder na sombra da casa, para não ser visto.
Depois dessa vez, outro afirmou que tinha visto um velho magro e alto caminhando ligeiro até o quintal e retornar em seguida com galhos secos nos braços.
Um terceiro disse que ficou um dia inteiro na espreita e então viu um homem, nem moço, nem velho, que foi até o forno. Estava anoitecendo e ele não conseguiu divisar bem se era massa de pão que o homem levava na bacia de cobre ou a cabeça de um bezerro - e a imagem na minha cabeça sugeria que era outra coisa, talvez uma perna ou um braço humano.
Estes episódios aceleraram o medo e as angústias da população.
O casarão fora construído distante da vila, numa clareira da
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floresta, com muitas árvores bem perto dele. Ficava isolado. Não havia caminho que levasse até o prédio, apenas uma pequena trilha no meio da mataria. Ninguém sabia nada com certeza a respeito do prédio, nem do abandono. Vagamente, um ou outro informava que tinha sido construído no século passado e que os moradores, um dia, abandonaram-no sem levar nada de dentro. O casarão virou um grande mistério e ninguém estava com coragem para desvendá-lo.
O tempo passou e a preocupação aumentou. Decidiram fazer uma reunião. Após exaustivas discussões e inumeráveis martelinhos de pinga, decidiram que era um caso típico de bruxaria.
O padre foi convocado para expulsar do casarão o bruxo, com suas bênçãos, ou que ele secasse lá dentro. Rezando em voz alta, numa língua que ninguém entendia, ele atirou água benta contra o casarão. Caminhava ao redor dele, acompanhado de várias pessoas com cassetetes e medo. Foram muitas voltas ao redor do prédio e tantas bênçãos que a água benta acabou.
Chamaram também um pastor, que costumava pregar no porão de uma casa afastada da vila. Ele chegou engravatado e começou a pregar aos gritos, conclamando a mulher, os dois filhos e os três fiéis que o acompanhavam a levantarem seus braços para os céus, pedindo clemência ao todo-poderoso. Ordenou que repetissem a reza que fazia; seus acompanhantes assim fizeram, em altas e desencontradas vozes.
Para surpresa geral, as manifestações de bruxaria - barulhos, gritos loucos, estranhas aparições noturnas - começaram a aparecer, o que não acontecia antes. Não sei se foi invenção do homem que contava a história, ou se de fato isto se deu assim.
Uns passaram a afirmar que as bênçãos e rezas acordaram de vez o bruxo. Outros, que as bênçãos e rezas tinham dado resultado contrário. Outros tantos respondiam que aquela afirmação era pura maldade.
Um morador da colônia revelou que ouvia o pessoal da vila falar a respeito, mas não acreditava que tivesse bruxaria no casarão. Como seus interlocutores insistissem que era verdade, decidiu ir até lá, ele mesmo, para tirar as dúvidas. Foi, mas ficou distante, entre as árvores. Mesmo de longe, sentiu um cheiro azedo de doer o nariz e uns gritos agoniados, como de alma penada. Retornou assegurando, com convicção, que o casarão era uma legítima casa dos espíritos.
As opiniões dos moradores da vila eram diversas. Uns garantiam que não iam botar nunca os pés nem perto do casarão. Outros se encorajavam a visitá-lo e até entrar nele; para estes, seria uma aventura; para os primeiros, era audácia temerária.
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O homem que contava a história não disse se alguém foi até a casa. A história pulou para uma noite de chuva forte, com muitos relâmpagos e trovões. Os moradores se esconderam em suas casas e todos os barulhos eram estranhos e pavorosos.
Passada a noite e o tempo ruim, alguém viu fumaça saindo pela chaminé do casarão. Era mais um sinal de fantasma habitando-o. Um sugeriu a medida extrema da destruição, afinal não era de ninguém e só atrapalhava o sossego deles. Outro ponderou para ficarem de tocaia, primeiro, observando se algum vivo aparecia. E assim fizeram.
Reuniram-se em pequenos grupos atrás de árvores ao redor do prédio, desde cedo. De repente, a porta da frente se abriu e apareceu um homem baixinho, de postura ereta e ar rebarbativo. Aumentou a expectativa medrosa daquela gente. O homem olhou ao redor, espreguiçou-se e, deixando a porta aberta, entrou na casa; logo, todas as janelas se abriram misteriosamente.
A surpresa foi geral. As incertezas e o medo também. Estariam eles diante de um fantasma que virou homem? “É possível isto acontecer?” – então perguntou alguém, e outro respondeu que com fantasma tudo era possível. Alguns se encorajaram e foram até bem perto do casarão. Retornaram, depois de um tempo, afirmando que estava tudo em ordem e que não viram nada de extraordinário. Retornaram para suas casas no final do dia, com alguma tranquilidade e muitas dúvidas.
Porém, no meio da noite, o sossego foi interrompido. Pequenos relâmpagos de luz azulada, acompanhada de um barulho surdo, começaram a aparecer por cima das árvores. Um, metido a sabido, informou que aquilo não era nada mais do que fogo-fátuo. Ninguém lhe deu crédito. Só podia ser assombração: aquelas luzes saíam justamente de onde se localizava o casarão.
Os raios azulados que subiam da terra aos céus continuaram a aparecer, noite após noite, apavorando todo mundo na vila. Já não dormiam, de puro medo. Vários foram morar com parentes em outras vilas ou na colônia.
A certeza geral era de assombração medonha, mas alguns afirmavam que aquilo era maldição que caía sobre eles.
Numa certa noite, porém, os raios luminosos cessaram e nenhum som estranho foi ouvido. A noite passou calmamente. Foi uma surpresa geral, e um certo alívio tomou conta deles.
Então resolveram ir até o casarão, na manhã do outro dia, com toda a precaução, escondendo-se atrás das árvores. De repente, pararam estupefatos, sem acreditar no que viam. O casarão tinha desaparecido por completo e no lugar dele tinha só um vasto gramado.