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Roberto Schima

Roberto Schima

Salto/SP

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Qando se Escreviam Cartas

Saudade do tempo da correspondência quando, no sossego de uma escrivaninha, punha-me a discorrer sobre acontecimentos do dia ou pequenos tumultos do pensamento, sobre certezas e incertezas, amenidades, decepções, vitórias e derrotas, um programa na TV, um livro apreciado, um passeio realizado, uma recordação de infância e coisas assim.

Saudade dessa época em que podia contar com a privacidade e explorar em maior profundidade um tema qualquer, para aquela pessoa em particular, a quem eu poderia melhor conhecer, compreender ou até discordar e discutir.

Ao escrever, eu podia entrar em um contato mais íntimo comigo mesmo, refletir melhor sobre as palavras a serem utilizadas e que melhor pudessem expressar meus pensamentos e sentimentos.

Ao ler, eu podia ouvir a voz da pessoa junto ao meu ouvido, como se ela estivesse ali ao lado, podia escutar suas confidências, ouvir suas risadas, compartilhar suas emoções, atentar-me aos detalhes de sua caligrafia.

Havia cumplicidade.

Não obstante os contratempos (ou até por causa deles) de escreverse uma carta à mão, adquirir envelope e selo, pegar uma fila na agência de correio mais próxima e aguardar dias ansiosos pela resposta, esse tempinho deixou sua cota de nostalgia e poder reler uma ou outra das antigas correspondências é resgatar não somente essa fase, mas a pessoa a quem confiamos nossas dissertações e filosofices de párachoque de caminhão, e, igualmente, escutarmos seus sonhos, suas alegrias e decepções.

Os tempos mudaram...

A informática e a Internet se por um lado facilitaram de forma extraordinária o contato, por outro - e

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paradoxalmente - distanciaram as pessoas ou, pelo menos, tornaram as "conversas" mais superficiais, genéricas e impessoais.

A privacidade se foi.

A profundidade tornou-se tão rasa quanto um pires.

A reflexão cedeu lugar a impulsividade.

Obviamente, isso vale para mim também. Confesso não ter mais paciência para apanhar uma fila no correio. Tampouco os dias corridos contribuem para que tenhamos um raro momento a fim de colocarmos as idéias no lugar, dialogarmos conosco, meditar com um mínimo de humildade ou discernimento sobre algo que idealizamos, fizemos, presenciamos, o que passou e o porvir.

Falamos em demasia e dizemos muito pouco.

Nossos ouvidos estão atordoados por tantas vozes vazias.

Onde estará aquele sussurro amigo, junto ao nosso ouvido, na paz de uma escrivaninha, enquanto que, através da janela, os últimos raios de sol despejam-se no horizonte? Restaram ecos. Ecos em consonância a um melancólico suspiro.

É o progresso... ... é pena.

E, assim, mais uma noite chegará a trazer os sons de grilos e o cintilar solitário das estrelas.

NOTA DO AUTOR: Esta pequena reflexão foi escrita em 06.01.2016. Sobre a correspondência, eu gosto de mencionar um artigo intitulado "Escrever Cartas uma Arte Esquecida", de Flora Rheta Schreiber, publicado em "Seleções do Reader's Digest" (março de 1961), onde a autora conclui: "... Reler essas cartas, recordando as emoções tranquilamente, é um infinito consolo que permite recapturar o passado sem perder-me nele e voltar para casa com marcos a indicar o caminho".

http://www.revistaconexaoliteratura.com.br/search?q=roberto+schima

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