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Saulo Alves

Saulo Alves

Brasília/DF

Negócios no Dragão Desdentado

*

De longe é possível ver na placa em madeira, já gasta pelo tempo, os dizeres “O Dragão Desdentado”, mostrando completo escárnio em relação a seres fantásticos como os dragões. Aqui, na taverna mais movimentada da cidade de Cit, é possível encontrar indivíduos de todos os tipos, raças e índoles. Se você quer ficar bem-informado ou arrumar algum tipo de trabalho, seja ele dentro ou fora da lei, a taverna é o lugar certo. Porém, uma vez aqui, é necessário esperar de tudo.

Hoje a taverna estava particularmente cheia. Era possível ver de Goblins a reptilianos, passando por Dalmeks e Truoglots, mas o que chamou mesmo a atenção do grupo de Burg foi um guerreiro, o homem que vestia uma armadura surrada, sem nenhum emblema e uma espada em sua bainha, estava particularmente feliz. Agitava a caneca para os lados, gritando que pagaria a próxima rodada para todos ao seu redor. Burg então se aproximou de forma casual para ouvir o motivo de tanta alegria. ‒ Ficarei rico ‒ gritou o homem enfatizando: ‒ Bebida para todos os meus amigos aqui.

Enquanto dizia, apontava o dedo para umas dez pessoas ao seu redor, que com muita alegria e satisfação aceitavam o agrado. Não conheciam aquele cidadão, mas se ele estava feliz o bastante para compartilhar de sua alegria com agrados, por que não aproveitar?

Burg, então, de forma despretensiosa, perguntou: ‒ O que estamos celebrando? Qual a grande ocasião?

Sem nem olhar para quem fizera a pergunta disse: ‒ Ficarei rico.

Burg respondeu: ‒ E como será isso, uma vez que está distribuindo dinheiro?

O homem prontamente respondeu, enquanto deitava a mão em uma bolsa a tiracolo: ‒ Indo atrás do tesouro.

Se aquela informação era lançada por ingenuidade ou devido à bebida, não sabiam, porém, uma coisa é certa: Temos aqui um fato que não deve ser compartilhado, ainda mais em um estabelecimento como aquele.

Burg voltou junto aos seus outros dois amigos ou comparsas, chame como quiser, e relatou a

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história. Porém a informação era desnecessária. O feliz futuro rico não fazia questão de moderar a sua voz. Então, aquele trio que vivia de pequenos golpes decidiu agir. Esperaram o alegre guerreiro de deliciar com mais algumas canecas e o chamaram para juntar-se a eles, o que foi prontamente atendido. Burg abriu espaço logo ao seu lado e passaram o resto da noite brindando e celebrando. Logo antes do amanhecer o guerreiro apagou e entrou em sono profundo. Foi acordado tempos depois, apenas para descobrir que havia sido furtado. Estava sozinho à mesa. ** ‒ Esse talvez tenha sido o melhor negócio que fizemos ‒ disse Ves, um dos comparsas de Burg. O outro era conhecido por Rob.

Leram o mapa. Podiam ver um caminho que terminava com um grande “X” vermelho, que os guiou para os arredores de Cit, mais precisamente para a entrada de uma grande caverna sob as montanhas. Seguiram pelo percurso indicado. À medida que iam montanha adentro, a luz ia se tornando escassa, precisando usar algumas tochas. Ali era um labirinto com incontáveis caminhos. Mesmo com o mapa era difícil se situar. Algumas tentativas e nada. Pararam em um caminho sem saída. Essas idas e vindas confundiam a cabeça do mais experiente aventureiro. ‒ Um Goblin aqui não seria nada mal ‒ disse Burg. ‒ Só se fosse para acordar sem cabeça ‒ rebateu Rob.

‒ Temos essa mesma preocupação com você aqui, Rob ‒respondeu Ves.

Em determinado momento se depararam com um vão, deveria ter uns dois metros de comprimento, teriam que pular. Saltaram um de cada vez, sendo Burg o primeiro, Rob e Ves, respectivamente. Tudo certo nos dois primeiros. Contudo na vez do desafortunado Ves, a borda do vão cedeu, fazendo com que o pobre caísse para um fim inesperado. Fizeram uns trinta segundo de silêncio e seguiram pelo caminho indicado pelo mapa. Não eram amigos, apenas se beneficiavam com a presença e o número que era importante para aquele tipo de negócio. Na verdade, podia-se dizer que estavam satisfeitos com a nova forma de divisão. De trinta e três por cento, uma dizima periódica, para cinquenta porcento dos lucros. Secretamente, cada um deles pensava na derrocada do outro, para ter o ganho todo para si.

Chegaram à área demarcada, mas não havia nada exceto uma grande e maciça parede. Verificaram o mapa novamente. Estavam na parte indicada. Começaram a procurar por qualquer tipo de dica que pudessem utilizar, até que viram uma pedra diferente na parede ao lado, pressionaram e o enorme bloco começou a se mover, estava subindo. Viram uma enorme quantidade ouro do outro lado, o que os enlouqueceu. A febre do ouro. Ao soltar a pedra, a

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parede começava a retornar para a sua posição original. ‒ Vá Rob, eu seguro a pedra.

Então, Rob iniciou as várias idas e vindas, enchendo sua sacola com o precioso tesouro. Por volta da trigésima vez, quando ele voltava com a última saca, Burg disse: ‒ Aí está a sua parte, foi um prazer fazer negócios com você. ***

Soltou a pedra, a única coisa que mantinha a parede levantada, impossibilitando a saída do traído Rob. Então Burg começou o seu caminho de volta, repetidamente, levando consigo o tesouro. A cada passo ia pensando nas milhares de coisas que faria com aquela fortuna. Não teria mais que fazer negócios, nem se afiliar com ninguém.

Desse modo, decorrido algum tempo, finalmente deixou a caverna com o último saco de ouro. Um segundo depois, algo o acertou por trás. A pancada foi o suficiente para deixá-lo atordoado. Não era capaz de levantar-se, via tudo de forma turva. À sua frente, viu surgir o guerreiro que outrora teve o seu mapa furtado por aquele grupo. ‒ Obrigado por fazer todo o trabalho duro e arriscado.

Burg se arrastava, na vã tentativa de impedir que o homem carregasse algumas carroças com o seu precioso ouro. Caiu desacordado, sangrando, largado à sua própria sorte.

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