Revista litere se

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Equipe Editora­chefe Perla de Castro Conselho Editorial Alberto Neto Pedro Cotrim Perla de Castro Projeto Gráfico Perla de Castro Colunistas Alberto Neto Daniele Ferreira Diego Guerra Elves Boteri Jhefferson Passos Luana Melo Raquel Rasinhas Vagner Abreu Revisão Raquel Rasinhas

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Editorial Quem olha para fora,sonha. Quem olha para dentro,desperta. Carl Jung ''

'' -

Não foi fácil chegar até aqui. Foram dias corridos, noites em claro, dúvidas, mas também certezas. Muitos erros, mas também acertos. A base da Litere­ se era feita de sonhos. Mas faltava despertar e no momento certo, isso aconteceu. Além de sonhos foi nutrida de gente que acreditou, de força, de vontade e mais que tudo, de coragem. Litere­se nasceu de um mergulho de cabeça no acreditar que mesmo vivendo em um país onde não se é dado o devido valor a quem escreve, que é sim possível escrever. É possível sim colocar nas linhas de um papel, letras para uma história tecer e fazer ela voar ou florescer. Seremos uma vitrine para escritores que carecem de espaço para mostrar suas palavras,espaço esse que nós que fazemos a Litere­se, também sentimos falta. Seremos o incentivo e a mão que ajuda a seguir no caminho certo para que você escritor/leitor não pare nunca de escrever. Convidamos vocês a mergulharem conosco nesta primeira edição, onde falaremos das várias vertentes do medo. Alguns escritores dividiram conosco suas histórias de medos, angústias e pesadelos. E você? Está pronto para enfrentar seus maiores medos? Sejam bem­vindos e Litere­se!

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Autores nesta edição

Airton Cesar Ana Maria Araújo Ramos Daniel de Santana Pelotti Danieli Mützenberg Elisangela Domingos da Silva Elicio Santos Nascimento Jana Nascimento Jonnata Henrique Lisi de Castro Maluz Medeiros Mohanna Pfitcher Rivaldo Silva Rodrigo Marques Walter Cavalcanti

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Índice

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Perseguido pelo medo que perseguimos

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Escuridão profunda e vazia ­ Uma página sombria

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Resenha ­ O cemitério

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A noite das bruxas ­ Doces ou Travessuras?

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Aposta Final

A

A

A

17 Fonte Macabra da Juventude 18 No porão 19 Minudência 20

Entrevista com a autora Soraya Abuchaim

23 Contos, onde eu os encontro? A

A

24 Vida de Escritor 30

Loop

32 Réquiem para um sonho

33 Mula sem cabeça 34

Faça­me sangrar

A

A

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Índice

38 Ralo 39 A História da Estória

A

42 Inscrições para a próxima edição

A

A

43 O Velho Caolho 46 Pensamentos Atravessados 47 Pesadelo 49 Uma tese acerca da dor e do pesadelo 50 Silêncio 51 Psicopata

A

A

52 Perfil 56 O lado agridoce da Poesia 57 Chá das quatro 58 Prosa Poética 59 Esquizo

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A

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Perseguido pelo medo que perseguimos O medo é um sentimento que está em nossa raiz, sempre esteve e assim será para sempre. Existem motivos biológicos, psicológicos, mas o motivo real, é que gostamos de senti­lo O medo é uma sensação que sempre esteve presente em nossas vidas. É um aliado, já que nos protege das situações de risco. Ele pertence a todas as espécies e é um excelente mecanismo de defesa. É o que não nos permite simplesmente pular de uma grande altura ou, enfrentar um predador muito maior e mais forte que a gente (olhando para o Mundo Animal de um modo geral). Partindo para o ser humano, o surgimento e desenvolvimento da nossa sociedade está atrelada ao sentimento de medo. Muitas das importantes descobertas da humanidade, veio desse medo ou, da necessidade de evitá­lo. Fora assim nos primórdios, com a busca de abrigos, a descoberta do fogo e seucontrole, tirando nossos ancestrais dos perigos da escuridão, a transição de uma sociedade nômade, para sedentária, impulsionada também, pelo medo da escassez de alimentos, fazendo com que o homem primitivo passasse a cultivar alimentos e domesticar animais. Indo para a criação de outros mecanismos de defesa, agora físicos, a fim de proteger os territórios conquistados. . 7

Daí, nasceram as armas e depois a guerra e no século XX, as bombas nucleares. Sempre o medo de perder poder, perder hegemonia, medo que causou manchas permanentes na nossa história, tirou muitas vidas e, gerou muito mais medo. O ser humano, por conta do seu medo, é um gerador de medo. Suas escolhas inconsequentes, as escolhas desastrosas o egoísmo latente e primitivo, tudo para mais dinheiro, tudo por mais poder, tudo para gerar mais medo. Somos uma sociedade do medo. O medo gera o caos e esse caos pode e é revertido em prazer. É uma fonte de satisfação, é viciante. Só assim para explicar os motivos do ser humano gostar tanto de tê­lo presente, de gostar tanto de se colocar em situações de risco controlado. O medo nos move, nos estimula, nos excita.Está nos livros de história, plateia do Coliseu romano, sempre lotada, para ver escravos ‘lutar’ contra leões, ver pessoas se enfrentando até a morte, na Idade das Trevas (Idade Média), a espetacularização das execuções públicas, em que o carrasco era o herói, independente da inocência ou não, do réu, o importante era vê­lo morrer e isso vem com o nosso desenvolvimento, nos trazendo até os octógonos.


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Somos uma sociedade que ainda vive sobre a sombra da intolerância, do preconceito, com medo de aceitar as diferenças e gerando medo por conta disso. Somos uma sociedade sádica, somos uma sociedade da estagnação. Mas, como para tudo tem uma explicação, a ciência sabe o motivo de querermos sentir medo. Os motivos que nos levam a lotar salas de cinemas e adorarmos filmes como Exorcista, O Iluminado, O Bebê de Rosemery ou, se delicie com uma história de Allan Poe, um poema de Augusto dos Anjos ou, aquelas histórias tenebrosas à beira da fogueira. Ainda, por querermos praticar esportes radicais, buscar extrapolar os limites dos nossos corpos. A biologia explica que, em situações de risco, nosso corpo nos coloca em alerta e prontos para uma batalha, se for necessário. Ele ativa o nosso ‘circuito do medo’, formado por núcleos cerebrais – amígdala e hipocampo – e passa a produzir e liberar mais neuro­hormônios e neurotransmissores. Nosso corpo de enche de dopamina, endorfina e adrenalina, estamos prontos para nos proteger, mas, ao percebermos que o perigo é de ‘mentirinha’, o organismo suspende todos os processos.

Porém, a alta concentração de dopamina, que deixa o corpo em alerta por um momento, ao começar a diminuir, nos causa uma sensação de prazer e tranquilidade. Essa também é a explicação para que as obras de medo, não tenham situações de medo o tempo todo, pois o prazer depende desse aumento e diminuição de dopamina em nosso organismo. Assim como a biologia, a psicologia faz diversos estudos sobre a relação do ser humano com o medo. Essa relação de amor e ódio. Para o criador da psicanálise, Sigmund Freud, por exemplo, o homem precisa dessas situações de medo, “para construir o seu psiquismo” (Revista Galileu – Rita Loiola).“Essas narrativas tiram o medo que está dentro do ser humano, projetando para fora os objetos de pavor”, explicou o psicanalista Ernesto Duvidovich (Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo), para Rita Loiola, em matéria da Revista Galileu. Precisamos do medo, ele nos move, nos motiva e, mais que isso, faz parte de nós, da nossa formação e evolução. Ele está e sempre esteve presente na nossa organização social e assim será sempre. Somos uma sociedade perversamente medrosa. Nós gostamos disso!

Pedro Cotrim

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Escuridão profunda e vazia - Uma página sombria Por, Jhefferson Passos

Todos os seus amigos compareceram ao churrasco, menos sua namorada. Quiseram saber dela. Ele deu de ombros encarando a churrasqueira. Sobre a brasa, sangue e gordura pingavam das carnes...

Inferno existe? A mãe assistia TV quando a filha entrou na sala e perguntou se o inferno existia mesmo. Intrigada, a mãe quis saber por quê. ­ É que minha boneca está dizendo há dias que tinha escapado de lá e que precisa de um corpo urgente.

Disseram que ela tinha gordura localizada. Ao chegar em casa, pegou a faca e começou a cortar tudo. – Estava deliciosa a sopa, mamãe! A mãe sorri agradecida para o filho. – Mamãe? Vai ter mais amanhã? A mãe baixa os olhos para o único braço com tristeza e diz: – E como vou cozinhar sem braço, querido? – Posso ajudá­la! – responde animado o menino. O sorriso volta ao rosto da mãe. – Então, amanhã, vai ter sopa, querido! Vai ter! – Eu te amo, mamãe! – Eu também, querido. – a mãe dá um beijo na bochecha do filho. – Que tal a mamãe usar aquele resto do seu pai antes que estrague na geladeira?

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Só estava de calcinha quando desceu ao porão. “O que acha? Essa cor combina comigo, não acha?”, disse ele à menina amarrada e amordaçada na cadeira. Por algum tempo, no silêncio sujo daquele úmido porão e das lágrimas de pavor dela, ele a encarou duramente. “Estou com fome.” , disse, baixando a calcinha...


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Resenha

"O Cemitério” STEPHEN KING

Título: "O Cemitério" Título Original: "Pet Sematary" Autor: Stephen King Ano de Publicação: 1983 Editora que publicou no Brasil: Objetiva Número de Páginas: 285

Provavelmente é um erro acreditar que exista um limite para o horror que a mente humana pode suportar. Parece, ao contrário, que certos mecanismos exponenciais começam a prevalecer à medida que o infortúnio se torna mais profundo. Por menos que se goste de admitir, a experiência humana tende, sob muitos aspectos a corroborar a ideia de que quando o pesadelo se torna terrível o bastante, o horror produz mais horror, um mal que acontece por acaso engendra outro, frequentemente menos ocasional, até que finalmente a desgraça parece tomar conta de tudo. E a mais aterradora de todas as questões talvez seja simplesmente querer saber quanto horror a mente humana consegue suportar conservando uma atenta, viva, implacável sanidade". Stephen King, Pet Sematary

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Sobre o livro "O Cemitério" (Pet Sematary no original) é conhecido por ser o livro que Stephen King supostamente "achava tão assustador que não devia ser publicado", imagem vocês que loucura e que felicidade para nós fãs que ele resolveu compartilhar essa obra prima do terror conosco não é?! A ideia do livro rolou depois que o gato da filha de King foi atropelado e então ele imaginou como seria se o animal voltasse a viver. Fez pesquisas sobre a existência de cemitérios de animais, pesquisou costumes funerais e a imaginação das crianças referente a como lidam com a vida e a perda de seus animais de estimação. Tudo isso para a composição do livro. "O Cemitério" vendeu de 657,000 exemplares no primeiro ano. Até hoje, é considerado um livro de difícil leitura pela sua morbidez e conteúdo macabro. É considerado uma leitura pesada e para os que gostam do estilo, é considerado um dos melhores livros da bibliografia de King.

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O cemitério O livro se inicia quando Louis Creed, um

Louis para a floresta para lhe “fazer um

jovem médico e sua família ­ a esposa

favor”. As crianças das redondezas

Rachel, a filha Ellie, e o bebê Gage, se

construíram um cemitério para animais que

mudam para uma pacata cidade do Maine,

morrem na autoestrada, o "Cemitério de

para uma casa em Ludlow, onde Louis vai

Bichos" (escrito errado na placa em sua

trabalhar como chefe de Enfermaria na

entrada), o lugar fica bem atrás da casa dos

universidade. A tensa Rota 15 passa bem

Creed, numa área selvagem de Ludlow.

em frente a casa do casal, e isso os deixa

Mas, o que eles não sabiam era que mais

apavorados por ter que atravessar a

atrás existia um cemitério indigena

rodovia e topar com um caminhão em alta

construido pela tribo Micmac há séculos.

velocidade. Do outro lado da estrada vive um casal de idosos, Jud Crandall e sua

Por ser desconhecido e mais afastado,

esposa, Norma. Os Creed rapidamente se

Louis resolve enterrar Churchill nesse lugar

sentem em casa e ficam bem amigos de

sinistro, e para o espanto de todos, o gato

Jud e vão levando uma vida normal sem

volta a vida. Então, começa uma série de

grandes tumultos e acontecimentos até que

acontecimentos sinistros que dá a pegada

o gato de Ellie, Churchill, é atropelado por

inicial para o livro.

um automóvel na Rota 15. Logo após o acidente com o gato da filha, Jud leva Louis para a floresta para lhe “fazer um favor”.

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O gato morto volta para casa...algo parece "estranho", mas Ellie parece feliz com seu

É possível sentir perfeitamente como a

gato e não nota mudanças na aparência e

sanidade mental de Louis vai se

nem no comportamento do animal a

deteriorando cada vez mais rápido a

principio. Pouco tempo depois, a idílica vida

medida que a dor o consome. Chega um

dos Creed é esfacelada por uma tragédia

momento em que ele parece não se

brutal. Gage corre para a estrada e é

importar mais com nada, apenas com a

atropelado fatalmente por um caminhão. A

obsessiva busca por um fim de sua dor.

família é brutalmente dilacerada e mesmo passando meses da morte de Gage não

Em 1991, "O Cemitério" foi adaptado para o

conseguem voltar a viver uma vida normal.

cinema com roteiro escrito pelo próprio

Em meio a tristeza e desespero, Louis

Stephen King.

manda Rachel e Ellie para a casa dos sogros em Chicago e se lembra do gato que depois de enterrado no cemitério secreto e mistico dos indigenas voltou a vida. Pensou em fazer o mesmo com o filho já que não aceitava a morte do garoto. Vai até o cemitério onde o menino está enterrado e secretamente exuma o corpo de seu túmulo, o enterrando novamente no cemitério Micmac. Gage volta a vida como um ser monstruoso com uma sombra demoníaca dele mesmo, capaz de falar como um adulto.

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Daniele Ferreira


A noite das Bruxas – Doce ou travessura? Ela abre os olhos de repente. Assustada, olhando ao redor. Está presa em uma caixa. O desespero bate. Começa a arranhar e esmurrar a lateral da caixa e pedindo socorro, mas ninguém lhe ouviu. O ar começou a faltar, suas unhas começam a sangrar por causa do esforço que faz, tentando sair. Aos poucos vai perdendo a consciência, até sufocar... Natasha estava achando aquela festa um tédio. Só aceitou mesmo ir, por causa da sua amiga Ilanna, que ficou o mês inteiro lhe enchendo o saco; “Você tem que ir. Você precisa ir. Essa é a melhor festa de Halloween da cidade!”. Natasha não estava vendo nada de extraordinário ali. Ela sabia qual era a verdadeira intenção de sua amiga. Ilanna queria mesmo era ir para dar em cima do Capitão do time de basquete, e quando conseguiu a atenção dele, deixou ela ali, sozinha às moscas. Natasha já não estava aguentando mais aquela música chata. Levantou­se de onde estava, olhou ao redor para ver se encontrava a amiga, para avisar que estava indo embora. Mas nenhum sinal dela. “Quer saber? Ela me deixou aqui, também vou deixá­la” – pensou, passando entre as pessoas e indo em direção a porta para ir embora. Á noite estava agradável. Não tinha nenhuma estrela no céu, apenas a lua cheia se destacava. Na rua, havia ainda algumas pessoas fantasiadas e crianças pedindo doces nas casas. Natasha pôs o fone no ouvido e começou a caminhar até o ponto de ônibus.

Quando chegou no ponto, tinha dois caras vestidos de palhaços. Um segurava uma garrafa de vodca, enquanto o outro, mexia no celular. Ela ficou onde estava. Pois eles pareciam estar bêbados. Passou alguns minutos, e seu celular toca. Ela retira ele do bolso para atender, mas é surpreendida por uma pancada na cabeça e desmaia. Ela abre os olhos, meio desnorteada. Sua cabeça lateja. Olha ao redor, e se vê em um galpão abandonado. Tenta se levantar, mas não consegue, suas pernas e mãos estão amarradas. Grita por socorro, mas ninguém aparece. Ela começa a chorar. Nisso, a porta se abre, e os dois palhaços aparecem. ­ Doce ou travessura? – um deles diz, dando gargalhada. ­ Por que vocês estão fazendo isso comigo? – ela pergunta, chorando. ­ Oras, hoje é Halloween, gostamos de doces, mas travessura é mais divertido. – responde o outro. ­ Vocês são loucos! O que vocês vão fazer comigo? ­ Só uma travessura. Vamos te colocar em um caixão. – responde o primeiro palhaço, apontando para o canto do galpão. Ela tenta gritar, mas o outro palhaço com um lenço embebido em clorofórmio, tampa seu nariz, fazendo­a desmaiar novamente.

Lisa Hallowey 14


Aposta Final Tem gente que se apega em amuletos, signos e na pura sorte do destino para viver. Outros se valem da sua competência, inteligência e até da falta disso nos demais. Entretanto para essas últimas pessoas, há os que também possuem a soberba junto às boas qualidades. É o caso de um homem que ria do infortúnio dos outros. Era tão fácil para ele vencer em qualquer que fosse o jogo, que a aposta se tornou a sua profissão. Assim, todo dia ele saia de casa na mesma hora, fazia seu intervalo de almoço em horário acertado e voltava para o que chamava de serviço, até o horário de voltar para sua família. Os lugares eram sempre os mesmos. Mesas de bares, praças, festas de amigos… Não importava onde, o jogo e contra quem fosse. Ele sentava e apostava sem medo. Bem, agora muitos estão pensando: Rá! Um dia esse sujeito perderá mais do que pode pagar e aí já era! A verdade é que não é bem assim. Ele realmente encontrou um sujeito que o desafiou e que a princípio pareceu fácil de ganhar. Mas que não foi tão simples assim. O jogo era Damas, algo que ele mais gosta e conhece. O prêmio? Bem. O tal sujeito disse ser tudo o que tinham. Todavia, pela sua aparência, não parecia ser muito. Mesmo assim o homem apostador não recusou a oferta. Sentaram­se frente à mesa e montaram suas peças no tabuleiro. Ao fim da primeira partida, o sujeito estranho sorriu por baixo do chapéu maltrapilho e apontou para os bolsos do rapaz. 15

— Ora, deseja que te dê tudo que tenho aqui comigo? – indignou­se o homem apostador. Após o meneio positivo da cabeça, cada centavo lhe foi entregue a contragosto. Porém ele não permitiria que isso acabasse assim. Aliás, ambos não queriam que isso acabasse, pois antes mesmo do apostador pedir uma revanche, o sujeito estranho repetiu o desafio: apostemos tudo o que temos. O homem, ao menos, já sabia de algo que poderia receber dele agora. Seu dinheiro perdido. Logo trataram de ajeitarem o tabuleiro novamente. Agora, felizmente, o apostador sabia o esquema de jogo do estranho desafiador e poderia vencê­lo com facilidade. Porém a segunda partida encerrou com outra vitória do sujeito. — Bem, não tenho mais nada aqui comigo – sorriu o homem. — Dei cada centavo que havia em meus bolsos. Só se levar minhas roupas do corpo. — Conta bancária, senhor. E apostemos tudo o que temos. Tais palavras soaram como um choque elétrico que o petrificou, fazendo somente os pelos do corpo se moverem. — Tudo o que, cara. Cê acredita me levar mais o que? Minha casa, meu carro… minha família? RA­RA­RA! E o que cê tem pra me oferecer, afinal?


Porém, quando na quinta rodada, o apostador via agora que esse “tudo” que o sujeito tinha era muita coisa. Pois as posses que o estranho passou a ter ao longo das partidas era realmente sua própria casa, seu carro e sua fortuna (tanto bancária quanto dos bolsos). O que lhe deixava totalmente fora de si, porque agora era sua família quem estava em jogo. O suor escorria a cada peça movida. Ele esfregava o queixo sem cavanhaque e inspirava nervoso. Pensava na loucura disso tudo. Não fazia a menor ideia quem fosse ele, de onde viera e nem existia uma documentação de transferência de posses. Apenas o público como testemunha. “Mas isso já valia?” – pensava o homem. Mais uma vez ele esfregou a mão no queixo e fez sua jogada. Essas seriam as últimas. Os olhos passeando de rosto em rosto, os ouvidos captando cada cochicho a sua volta e a pele coçando em vários pontos. Não importava a estratégia que fizesse, o sujeito sabia muito bem como se defender e contornar a situação. Já ele… nada podia fazer para virar o jogo a seu favor.

Logo a partida se encerrou: — E aí, quer que eu lhe assine um termo de compromisso, comprovando que tudo é seu? – O homem abre um sorriso fraco e desanimado, com a respiração variando entre o raivoso e o cansado. Entretanto o estranho apenas sorriu de volta e pediu por mais outra jogada. Poderia até ser outro jogo da escolha do apostador, mas a aposta seria a mesma. Porém o que mais ele poderia querer, já que havia lhe levado tudo? Tudo mesmo! Ainda assim o sujeito, mais uma vez, repetiu: — Apostemos tudo o que temos nesta nossa aposta final.

Daniel de Santana Pelotti

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Fonte macabra da juventude Num instante Bia se perdeu do grupo. A trilha cheia de bifurcações era traiçoeira, se apresentava como um labirinto. Um uivo longo a arrepiou. Sentiu medo e gritou em vão por socorro. Desesperada, passou a correr sem rumo. Acabou tropeçando e caiu em uma ribanceira. Rolou até bater a cabeça num galho e desmaiar. Com uma dor aguda na cabeça, Bia abriu os olhos lentamente. Enquanto estivera desacordada, a noite caíra. Escutou um uivo bem próximo. Levantou­se apressada, sem destino. Seguiu para uma gruta, em busca de abrigo. Travou na entrada, ante a escuridão do local. Tentou pegar o isqueiro que levava na mochila quando passos nas folhas secas anunciaram a aproximação de alguém. Nervosa, desistiu do isqueiro. Arriscou entrar sem conhecer a gruta. No interior, escuridão total. Tateou a mochila novamente e enfim encontrou o isqueiro. A chama revelou uma catacumba com vários túmulos abertos servindo de morada para ratos. Bia estremeceu ao pensar onde estariam os corpos. Foi dando um giro de 180 graus até ver restos mortais minuciosamente empilhados. Ao redor, grandes velas negras a serem acesas. E sentada numa cadeira de balanço, uma velha senhora lendo um livro de magia negra. A velha ergueu a cabeça dizendo: — Finalmente chegou.

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O isqueiro foi ao chão tal era o tremor da mão de Bia. Viu a face enrugada de uma bruxa. Correu apavorada rumo a saída. Ao alcançar a parte externa se deparou com um lobo enorme de olhos acinzentados. Estava possuído. A bruxa o controlava. O lobo avançou contra Bia, fazendo­a retornar a gruta. Sem enxergar, bateu com o joelho num túmulo e caiu ferida. As velas foram acesas uma a uma iluminando o ambiente. Bia pode ver o lobo baforando a seu lado e a velha bruxa lhe revelando: — Fiz você se perder e a atrai para cá. Preciso do vigor do seu corpo. E o lobo saltou na jugular da moça. A mordida coletou a juventude de Bia e a transferiu para a bruxa. Em troca, a besta fera recebeu um banquete de ossos que foram triturados e engolidos com satisfação. Revigorada, a bruxa foi desfrutar de mais alguns anos de sua vida milenar.

Rodrigo Marques


No porão... Era uma noite fria e intensa de outono, nada poderia ser mais perfeito com esse clima do que uma xícara de café e um bom livro, ou quem saiba, um filme. Magg estava trabalhando como babá em uma casa onde as crianças já estavam a dormir. Ela foi até a cozinha, pegou uma lata de refrigerante e quando retornou na sala , no sofá estava sentada uma das crianças. Andy. Magg a principio se assustou, a menina estava encolhida, com os olhos vermelhos e os lábios azuis. A criança olhava fixamente a televisão que estava em volume baixo. Magg a tocou, mas Andy permaneceu sem se mover, como se estivesse em um profundo transe.–Ele não me deixa dormir –Andy falou baixinho em um tom monótomo que soava de uma maneira espantosa. –Quem não te deixa dormir, baby? Os olhos da menina se encheram de lágrimas e uma escapa molhando sua bochecha pálida. Ela aponta em direção do lado escuro da sala. Quando Magg olha para onde a menina aponta, vê uma sombra mais escura que a olha ameaçadoramente. Magg se levanta, pega Andy em seus braços e lentamente vai em direção às escadas para ver como está a outra criança. Quando ela está quase no último degrau, sente Andy sendo puxada pela sombra negra e quando olha para perto da porta, a outra criança está lá com um sorriso estampado no rosto. Um grito ensurdecedor ecoa pela casa. O grito de Magg, enquanto ela é empurrada da escada batendo seu corpo contra os degraus até chegar no chão pleno. Com o corpo doendo, Magg desmaia, mas antes, vê as crianças voltando para o quarto.

Magg acorda e não reconhece onde está, seu corpo está repleto de sangue e seu corpo implora por alguns cuidados para que a dor suma. Quando ela olha ao seu redor, encontra o corpo das crianças mortas, torturas violentamente. Tudo ao seu redor está vermelho.Vermelho na cor de sangue fresco. Ela se levanta e checa o corpo das meninas que já estão frias. Ela sobe as escadas e então percebe que está no porão. Seu corpo estremesse, ao tentar abrir a porta que está chaveada. Ela escuta passos na mesma escada no qual subiu e quando olha para o lado de baixo vê a temível criatura. Esquelética, cheia de sangue, com garras e dentes afiados, ele começa a se aproximar e Magg tenta escapar, fugir para algum lugar, mas não há escapatória. Ela se encolhe contra a porta e então sente sangue pingando em suas pernas nuas. Queria eu dizer que ela conseguiu escapar, mas não. Quando os pais das crianças chegaram se depararam com a pior cena que poderiam encontrar. Suas duas filhas e a babá nuas, com a pele azul e com os rostos deformados com marcas das imensas garras. A criatura ainda se escondeu na casa, mas nenhum morador quis compra­lá, então hoje, ela vaga por aí, procurando e esperando atenciosamente sua vitima olhar para o canto escuro do cômodo, onde ela lhe observa esperando o momento certo de lhe atacar e assim fazer de você seu brinquedo vivo, no qual no final, é quebrado.

Mohanna Pfitcher 18


Minudência O tudo virou nada. No nada ela mergulhou. O amor virou nada; A vida virou nada. Esperança, nada. Aquela noite seria a última ou um recomeço? O que via era um consolo em forma de garrafa. Bebeu como se fosse a última vez, cada gole uma lágrima. Engolia sua mágoa, sua dor, o desamor, suas faltas, suas preguiças e suas falhas. Com olhos cheios de nada, viu uma pequena luz que brilhava. Uma luz que dá coragem a quem não pensa em mais nada. Aquela lâmina afiada findaria o que agora era nada. Sua mão trêmula não a segurava, a lâmina pesava mais que a mágoa. Ela lutava. Não conseguiu ser forte. Num rompante avistou a porta... ­ Não vou mais me esconder. Pela porta saiu em disparada, quando o vento bateu em seu rosto e os olhos fitaram aquela noite estrelada... Uma vida surgiu do nada. Sentiu­se aliviada. Sentiu­se amada, mas um clarão do nada acabou com aquela mente atormentada. O seu desejo fora realizado, a morte levou aquela criança que não sabia de nada.

Lisi de Castro

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Entrevista com a autora Soraya Abuchaim Quando decidiu que era hora de escrever um livro?

A Revista Litere­se traz para você uma entrevista mega divertida com a autora de Até eu te possuir.

Na verdade a resposta é até um pouco engraçada: eu descobri quando um dos meus contos ficou longo demais (risos). Eu tinha o sonho de ser escritora, mas não fazia ideia por onde começar. Estava escrevendo um conto que eu pretendia mandar para uma antologia, e quando percebi, a história foi crescendo e eu me empolguei. Fui criando minha própria técnica (com ajuda de escritores já conceituados), e a o livro foi ganhando forma.

Quando a escrita entrou em sua vida?

De onde tira inspiração para escrever?

A escrita entrou na minha vida quando eu descobri que poderia colocar no papel tudo o que vinha na minha cabeça. Isso antes de eu me achar capaz de escrever um livro. Eu era adolescente ainda, e a vontade de escrever começou a tomar conta. A princípio, eram mais desabafos, mas comecei depois a criar personagens e histórias, e passei a escrever contos e crônicas. Era uma sensação maravilhosa! Ainda é, na verdade. Quando sento para escrever é como se eu vivesse outro mundo, como se tudo mudasse de lugar.

Eu não faço ideia (risos). A inspiração simplesmente vem, um pensamento, um sonho, uma conversa. Hoje em dia, tudo vira história. Tenho assunto para uns cinquenta livros, pelo menos. Como escrevo suspense, me sinto muito inspirada por filmes e séries desse gênero. Também assisto bastante Discovery ID. É um laboratório do crime (risos).

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www.revistaliterese.com Quais suas influências literárias? Em primeiro lugar, Stephen King. Ele reina quase absoluto nas minhas influências, é meu mestre e meu muso, mas também gosto de Elizabeth Haynes, Liza Klaussmann, Mary Higgins Clark, Gillian Flynn, Jane Austen, entre muitos outros. De onde surgiu a ideia para seu livro, Até eu te possuir? Como falei, era para ser um conto, mas a ideia foi crescendo muito. Eu comecei a criar a história e submeti minha irmã e uma das minhas amigas a um brainstorming, e as ideias floriram. Mas não foi nada específico, geralmente minhas ideias começam com um detalhe, e crescem muito mais do que eu imaginaria. Tanto que eu não tinha final até quase chegar às últimas páginas desse livro. Como funcionou seu processo de escrita do livro? Em quanto tempo conseguiu concluí­lo? Eu simplesmente fui escrevendo. Talvez eu tivesse sofrido menos se houvesse feito algum roteiro, mas foi de cabeça, mesmo com as alternâncias entre passado e presente. Eu o concluí em oito meses (a primeira parte). Depois mais alguns meses para reler e aparar as arestas. Na realidade, a parte mais fácil de publicar um livro é escrevê­lo (risos).

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Nos conte um pouco sobre como foi sua experiência na Bienal do Livro de São Paulo. A minha experiência na Bienal foi mágica. Estar ali como autora foi um sonho que eu nunca pensei que fosse realizar. Conheci outros escritores que admiro, falei com leitores e mostrei meu trabalho em uma das feiras que mais amo. Eu estava tão nervosa que nem dormi no dia anterior, mas fui me acalmando quando percebi que não era nenhum bicho de sete cabeças. Lá, pude conhecer um pouco mais sobre meu público, e isso também está sendo essencial para o meu direcionamento de marketing. Acho que foi uma excelente porta de entrada no mundo literário. Qual conselho daria para os escritores que ainda não tiraram seus originais das gavetas? Meu conselho é para que eles abram a gaveta e mostrem ao mundo seu talento. Nosso trabalho não é tão ruim quanto a gente pensa. Temos a mania (pelo menos eu tenho) de não confiar no que escrevemos, mas quando as pessoas entram em contato com nosso mundo,

com nossas ideias, percebemos que há público para todos os gostos. Hoje em dia temos a vantagem de poder publicar de várias formas, então basta criar coragem e ir em frente. O resultado é mágico. Novos projetos? Podemos esperar outra maravilha de livro vindo por aí? Sim!!! Estou terminando o segundo livro, um suspense que se passa em uma vila do final do século XIX (tem até o booktrailer dele no meu canal do Youtube) e já comecei um terceiro, mas esse ainda é segredo (pelo menos até eu terminar A vila dos pecados). Deixe uma mensagem para nossos queridos leitores. Um escritor não existe sem leitores, então, cada um de vocês tem um espaço no meu coração. Obrigada pelo apoio, pelo carinho, e por terem lido a entrevista até aqui. Se você chegou até a pergunta final, já ganhei meu dia <3

Perla de Castro 22


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Contos, onde eu os encontro?

Nas travessas das estantes, nas malas dos viajantes, nas máscaras dos comediantes e atores praticantes. Em todos esses lugares eu poderia achar tais impasses ou apenas observar a minha cidade, essa pequena lasca da sociedade e ver, e sentir aquilo que me faz refletir.

Prólogo de um Apocalipse Havia um zumbi vagando sozinho lá na

Eu que estava gripado,

praça da Matriz, com todas as suas

instintivamente funguei bem profundo

características tão bem ressaltadas:

e senti aquele cheiro repelente

Tinha uma pele meio esverdeada,

invadir o meu nariz, percebi também

exalava um miasma do tipo que atiça a

as moscas que dançavam em volta

asma de quem passa, os olhos do

daquele homem que as ignorava

tamanho de bolas de bilhar eram

mesmo que algumas se grudassem

vidrados e seu hálito azedo marcava a

em sua pele. E foi assim com o

sua fala enquanto pedia por ​ Cérebros!

chamado das moscas que todos nós

No entanto, não se criou pânico ou se

passamos a olhá​ lo com a merecida

teve qualquer sinal de receio por parte

curiosidade.

dos outros apenas a usual indiferença

“ZZZZZZZZZZZZZZzzzzzzzzzzzzzzz

se fez presente e tornou aquele ser

zzzz!!!”

especialmente distinto em apenas mais

Esse som foi crescendo e tomando

um excluído. Eu também confesso que

conta de toda a praça, substituindo o

inconscientemente o ignorei, na

"zum​ zum​ zum" tão característico dos

realidade só me dei por conta de sua

centros urbanos. Não conseguimos

existência enquanto sentava no banco

correr a tempo e tudo ficou negro.

do ônibus, estava demais ocupado

Foi como um eclipse marcando o

pensando nos meus horários e alguém

início do fenômeno conhecido como

comentou:

Apocalipse

Que cheiro de morte é esse?

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Alberto Neto


O Guia de Etiqueta Para Quem Deseja Ser Um Escritor Profissional 4 Dicas De Posturas Essenciais Para Quem Deseja Entrar Para o Mercado Editorial. Olá escritores, “Será que é só ir enviando para editoras e esperar resposta? “Então o que devemos fazer”? Bom… Adote uma postura profissional antes de mais nada. Confira nesse artigo o porquê disso! Esperando A Resposta… Primeiramente, decidir simplesmente enviar um material (do nada assim) é pedir para ganhar um eterno chá de cadeira. Nunca fui editor “off­line” – euzinho até gerencio sites para meus clientes; reviso textos e coordeno equipes – mas sei que a vida de um editor é complicadíssima. Engana­se quem acredita que esse profissional passa o dia atrás de uma mesa, apenas lendo e revisando os originais de jovens autores que chegam por e­mail. Aliás, muitos só chegam a ler material enviado na cabeceira da cama, antes de dormir.

… Ou em horários de intervalos. Na verdade, até faz parte das “características da classe” mexer no texto dos outros. Mas o pobre editor tem muito mais tarefas dentro do seu dia… E não são poucas! Desde escolher o melhor design para capas e diagramação até escrever textos de apresentação. Passando é claro por uma “bagalhada” de serviços burocráticos como inscrever na ISBN, fazer contato com distribuidores, ver contratos com autores, acompanhar os valores de vendas… Ufa! Me sinto cansado só de ler essa lista. Entre tantas atividades complexas seria presunção acreditar que esse profissional ficaria lá… de braços cruzados esperando seu e­mail chegar, né? Então como levar um editor a ler o seu original? (Calma lá! Não perca as esperanças, perca um pouquinho mais de tempo lendo a resposta abaixo

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Como Fazer Um Editor Ler Seu Original? (Sem Envolver Ameaças) Se existe uma coisa que aprendi com os amigos editores é que eles ficam irritados com muita facilidade… principalmente com as atitudes profissionais (ou não) de autores (ou ainda não) – sejam eles novatos ou velhos. O mais difícil e que poucos autores novatos compreendem é que cada editor trabalha do seu jeito. Assim como cada autor também trabalha do seu jeito! E cada editora (empresa) tem as suas regras. Conhecer como abordar esse editor é uma das façanhas mais épicas que um aspirante a escritor pode executar… Talvez mais épico do que terminar seu original. Então, para ajudar os leitores, organizei 4 atitudes que precisam ser pensadas por quem quer ser um profissional e ter seu livro publicado por uma editora. São dicas breves, fáceis de pôr em prática e por mais sutil que sejam, farão você destacar­se. Vamos lá?

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Dica 1 – Informe­se Sobre o Tipo De Publicação Da Casa Uma garantia de que você não será publicado é mandar um livro de fantasia para uma editora que SÓ publica livros jurídicos, por exemplo. Informe­se primeiro sobre quais tipos de livro a empresa trabalha, ANTES de mandar seu e­mail com o original. Se a editora trabalha APENAS com livros esotéricos (exemplo) mandar um livro de ficção pode resultar em mais um e­mail (o editor nem vai se dar ao trabalho de baixar seu anexo). Ou pior ainda! Vai que a editora resolve publicar… Aí você terá um livro publicado e direcionado para um público que talvez não irá consumir o seu material. Perdendo visibilidade. Pense bem: a estratégia de divulgação de uma empresa de publicação de livros jurídicos é toda voltada para alcançar sites, revistas e jornais que tenham um público­alvo interessado em “livros jurídicos”. Se essa editora, por algum motivo te publicar, ás chances de seu livro ir parar nas mãos de um leitor interessado é imensamente menor. “Ah, mas eu mesmo divulgo meu livro. Não preciso do departamento de marketing da editora”… Precisa sim! Sua função como escritor é escrever. Não pense que você pode indicar seu livro recém­publicado para seus 1.000 amigos no Facebook e que todos eles vão se interessar pelo seu material (ou que isso servirá como garantia de venda para uma editora).


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Editoras Pequenas: Uma Exceção a Regra Vale ser dito aqui que há uma exceção a essa regra! Se você está sendo publicado por uma editora mais indie ou por uma empresa menor que você logo percebe que não conta com uma estrutura de pessoal, nesse caso SIM o escritor também deve divulgar seu trabalho com todo o esforço possível. O que isso significa? Significa participar da divulgação, escrever releases para imprensa, recomendar para amigos nas redes sociais e fazer o máximo possível para que a obra atinja o máximo possível de gente. Quando a editora não dispões de equipe para divulgar o SEU livro, o ideal é você fazê­lo. Mas não se engana, escritor nem sempre saber ser vendedor ou empreendedor. Recomende seu livro, chame amigos para comprá­lo… Porém, faça com moderação. Evite ser um spammer. Converse com seu editor e pergunte­ lhe sobre a estrutura de divulgação para saber como você pode ajudar sem prejudicar sua carreira literária. Isso, é claro, depois que você for publicado.

Todo autor precisa contar com uma boa equipe. Ou: • Com um bom editor. • Com um bom ilustrador para a capa. • Com um bom revisor. • Com uma boa estrutura de distribuição de seu livro. • E com um bom setor Marketing ou divulgação. Se você não puder contar com um apoio em comunicação da editora, você terá que divulgar e divulgar muito o seu livro… Assim… Meio que bater de porta e porta. E se fizer isso, como espera escrever uma segunda obra? Bem, por falar em amigos nas redes sociais, veja o tema que vamos debater no próximo tópico. Dica 2 – Não Marque, Envie E­Mail Ou Obrigue Um Editor a Ler o Post Sobre O Seu Livro no Facebook Legal! Agora que você terminou um e­book sobre o seu livro é só subir para a web, criar um link e fazer uma publicação dele no Facebook; marcando várias pessoas que, você sabe, trabalham em editoras, correto? Não, errado! Nada deixa um editor mais fulo da vida do que ver suatimeline ou caixa de e­mail abarrotada de mensagens de pessoas desconhecidas.

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Ações de Novos Autores Que Irritam os Editores: • Não envie e­mail para editores sem tentar conversar pessoalmente (ou telefone) com eles antes. • Não o marque em postagens no Facebook sobre o seu livro. E o mesmo vale para demais mídias digitais. • Não se aproxime dele nas redes sociais com mensagens em inbox pedindo para ler seu original… E se o editor não gostar de ler sobre trabalho na rede? E se o Facebook dele for apenas usado para lazer? Como Fazer Seu Original Chegar Até o Editor... • Ter QI: Primeiro tente ter um QI (Quem Indica). Tente pedir para um amigo em comum entre você e o editor, fazer uma indicação. • Política de Envio: Descubra se a editora em que está interessado tem política de envio de originais (normalmente encontrado no site da editora). E se tiver, mande sua obra seguindo as regras estabelecidas pela editora. Tamanho de fonte, data dentro do prazo, seguindo o tema proposto pela empresa e tudo mais… 27

• Participe de Antologias: Ah, e quando estiver procurando por políticas de envio, aproveite para tentar descobrir se editora X abriu concurso para publicar uma Antologia de Contos… Veja o tema dessa antologia e pense se é possível inscrever algum conto seu já escrito sobre esse tema.E não deixe de mandá­lo.Muitas pessoas acreditam que não terão visibilidade se participarem de uma antologia de contos com outros autores. Elas pensam que haverá tantos nomes que o dela será apenas mais um. Que os leitores lerão seu conto e nem se lembrarão dela.De fato, nem todos os leitores lembram­se dos nomes dos escritores que escrevem em antologias – apenas se o conto mexeu com ele de alguma forma – mas editores SIM leem os nomes de quem escreve bons contos em antologias.Então… Se você quer ser lembrado por um editor que pode te publicar, vale a pena ter um escrito publicado em uma antologia! • Frequente eventos de literatura: É “ok” estar em um evento e durante uma conversa amigável com um editor, mencionar que você tem um original e aí tentar descobrir como fazer para sua obra ir parar na caixa de e­mail dele.Isso é claro, se nessa conversa você pedir um contato ou cartão e o editor parecer positivo quanto ao seu envio.


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Dica 3 – Saiba Divulgar o Seu Trabalho Do Jeito Certo Que todo escritor é um “pouquinho” egocêntrico, disso não se dúvida. Afinal de contas, é preciso de um pouco disso para bater no peito e dizer “esse livro está realmente sensacional”. Porém, escrever para a editora dizendo que sua obra é um “novo clássico” com uma “aventura envolvente” e propenso “best­seller” só serve para atrapalhar um editor de selecionar seu trabalho. Normalmente, é pedido para que o autor escreva uma sinopse de sua obra. Então, “uma aventura empolgante na Terra da Rainha” está fora de cogitação, pesquise na internet como se escreve uma sinopse com qualidade. Vale a dica: seja breve, porém consistente e dê um mínimo de informação da trama para fisgar o editor. E principalmente: não se preocupe com rótulos (terror, suspense, etc)

Além: • Ter uma grande quantidade de seguidores nas redes sociais e possível interesse de leitores (nunca use programas do Facebook ou Twitter que simulem seguidores); • Tente anexar outros trabalhos seus (se a política de envio de originais permitir), é sempre válido indicar seu blog ou antologias em que já foi publicado; • Nunca entre em discussões nas redes sociais com outros escritores ou editores. Isso pega muito mal para quem quer ser publicado. Nenhuma editora quer trabalhar com um autor de gênero difícil, mal­ educado, mentiroso e encrenqueiro. Dica 4 – “Poda­se” Que Tem Revisor, Evite Erros de Português! “Ah, mas eu posso escrever de qualquer jeito porque as editoras contratam revisores…” Sim! Só que muitos revisores ganham por erros encontrados. Se você tem um erro por página no seu livro de 500 páginas… Ferrou! Será um autor desnecessariamente caro! Por esse motivo, em e­mail de apresentação e sinopse de obra, tome cuidado com a ortografia, pontuação, acentuação e parágrafos. Pense nesse conteúdo como o cartão de visitas para o seu livro.

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Não Podemos Parar Por Aqui… Você Terá Que Comentar Suas Experiências Comporte­se como um profissional desde o primeiro dia em que decidir ser um escritor. Preocupe­se em fazer amizades, ser bem relacionado e ser conhecido pelo que você escreve – cuidado com as normas ortográficas e com a maneira como apresenta seu texto. É sério gente! Eu compilei nesse post as reclamações que meus amigos editores mais encontram. Um texto mal escrito, mas com potencial é fácil de contornar. O editor mandará o novo autor reescrever até chegar perto da perfeição. Agora, um autor com uma personalidade difícil que pensa ter a redação de um Fernando Pessoa, isso ninguém quer aturar. Do mesmo modo, esqueça o mito do Hank Moody… de que você pode ser um escritor que nunca terá que se preocupar com etiqueta, quem assistiu Californication sabe que o protagonista nunca conseguiu emprego decente… Se você sonha com a carreira literária, coloque em práticas essas dicas e diferencie­se de outras pessoas que só acham ser bons escritores.

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Vagner Abreu www.vidadeescritor.com.br


Loop A garota abriu os olhos subitamente. Suas mãos trêmulas e pálidas tatearam o criado­mudo a procura do seu celular. 03h02. Passou o antebraço pela testa molhada de suor. Escutou um barulho próximo a janela. Seus olhos, atentos, miraram as cortinas e o céu escuro da noite. O seu corpo, por mais cansado que estivesse, forçou­se a se libertar daquele transe que a prendia como uma descontrolada em um manicômio, mas sem as amarras. Os pés da garota tocaram o chão frio do quarto e logo ficou em pé andando em direção à janela aberta. Tentou lembrar se tinha deixado à janela aberta na noite passada, mas tudo não passava de um borrão. De repente um vulto passou pelos seus olhos lá embaixo em direção à porta da entrada. Nesse momento, ela pula de susto quando ouviu o som da campainha. Quem será uma hora dessas? Questionou­se de imediato. Mas decidiu verificar. Talvez fosse a mãe que deixara a chave em casa quando saiu com novo namorado. Já nas escadas, a garota pegou um velho jarro de flores que a mãe colocava em pequenas mesinhas espalhadas por todo o corredor. Seus passos eram lentos e cautelosos, com um ruído aqui e ali.Sentiu um frio subir por suas entranhas à medida que seguia adiante, como se estivesse fazendo uma coisa muito errada.

Seus cabelos dos braços e da nuca eriçaram quando desceu o último degrau. A garganta seca a incomodava, mas os braços, ainda com o jarro nas mãos, permaneceram no alto em sinal de ataque. Engoliu em seco, silenciou ainda mais os passos e estirou o braço esquerdo para girar a maçaneta. A campainha tocou novamente e ela se afastou com dois passos para trás, assustada. ­ Que... que... quem é? – ela disse, aproximando­se da porta. Silêncio. Talvez seja um trote desses garotos idiotas. Ela lembrou que isso já tinha acontecido antes. É, era só isso. Foi então que abriu a porta, rápido e sem hesitar. Ninguém. Saiu na varanda, olhando ao redor e descansou os braços finalmente. Todas as casas pareciam dormir. Não existia sinal de vida na rua. Mas, bem perto da cadeira preguiçosa ao lado da porta, a garota avistou um pequeno papel. Pegou o papel amarelado que tinha a textura de um simples cartão. Quando o virou estava escrito em letras maiúsculas e elegantes: “Olhe aqui atrás.” O coração da garota disparou de imediato e sua respiração passou de aliviada para ofegante como se estivesse acabado de correr em uma maratona.. Sua cabeça foi virando devagarzinho, ainda muito hesitante. No entanto, nada viu. Cansou daquela brincadeira que já tinha assustado­a demais. 30


Em passos longos, entrou de imediato para casa. Quando sua mão tocou a maçaneta e ela fechou a porta, seu grito de desespero foi calado com uma facada na garganta por alguém que se encontrava detrás da mesma. Uma, duas, três facadas foram suficientes para fazer o coração da garota parar por completo enquanto aquele ser horripilante desaparecia na escuridão. Ela não tinha entendido o bilhete da forma correta. De repente, a garota abriu os olhos. Suas mãos trêmulas e pálidas tatearam o criado­mudo a procura do seu celular. 03h02. Passou o antebraço pela testa molhada de suor. Escutou um barulho próximo a janela...

Rivaldo Silva

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RÉQUIEM PARA UM SONHO

Enquanto a velha mastiga, ele deseja. Revira a papa viscosa. Ouve as mesmas acusações da gorda entupida. Tempera a refeição com os pensamentos. No meio de outra mastigada, avança. Arranca o garfo das mãos flácidas e o penetra na jugular que lhe espirra. Sorri amaldiçoado, mas satisfeito porque comerá carne, um ano depois. Experimenta a peça cozida, todavia a reprova. Acha melhor a do entorno aos buracos, ainda cuspindo vermelho. Pega a faca rente e degola a senhora, que lhe fornece a consumação dos instintos. ­ O que foi, rapaz? Ficou surdo? ­ Hã? Nada, vó... nada. ­ Você sabe que não pode comer carne, né? O médico te proibiu e ... ­ Tá, vó. Tá. Já sei, sei... Com pouco, se ergue para arrumar a avó. Verifica uma falha nas costuras da boca e pescoço. A campainha toca. Retira a velha do cômodo, a fim de poupá­la. Sabe que ela abomina policiais.

Elicio Santos do Nascimento

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Mula Sem Cabeça a rainha flagrada comendo carne morta a moça que se casou com o padre católico a virgem para o namorado deu seu corpo o fim trágico que custou suas cabeças e foram castigadas no fogo de ardência na lua cheia perambulam pelos pastos saem como mula sem cabeça pelas matas estas pobres almas que ficaram perdidas que batem seus cascos no chão arrependidas com fogo no pescoço queimando até sempre num gemendo e relinchando assustando a gente pedindo para tirarem o encantamento furando o seu corpo até ver sangue descendo.

Gentil Poeta Brasileiro

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Faça-me sangrar O nome da garotinha encurralada e adoecida era Natasha. Sua mãe havia lido um livro de terror na gravidez e gostou do nome da protagonista cuja vida era rodeada por um mistério que envolvia uma caixa. Natasha foi abandonada ali como um saco de lixo. O orfanato era o último apelo de uma mãe que não queria o próprio bebê. E não era por falta de condições financeiras ou porque era má. Seu coração de mãe, imaturo demais para sofrer um golpe tão grande das escolhas que fizera na vida, sabia que ela estava errada, mas precisava… Deus como precisava chutar aquele bebê para longe. E, assim que a freira a viu no chão, viu também a mãe jovem e chorosa indo embora. Não deu tempo de alcançá­la, mas, ela sabia o desespero que amaldiçoava a maioria das mães, se é que se podia chamar de mãe alguém que abandonava o filho daquela forma, e as perdoava. Sinceramente as perdoava. A freira pegou o bebê, apaixonada por aqueles olhos azuis, vibrantes e sedutores como o oceano. E um grito invadiu os corredores do orfanato, mais potente que um alarme de guerra. Era um grito de dor, desespero e angústia.

A menina cresceu retraída, mas nutria um narcisismo macabro por sua imagem. O espelho era o único amigo que jamais tivera, aquele que a admirava também. Natasha pensou que algumas coisas eram assim mesmo, bonitas, não porque tinham um público para admirar, porque elas iam morrer um dia. A morte era sua comparsa, seu carrasco. Pensar no poder que a morte exercia sobre sua vida de órfã chegava a ser sufocante, mas para onde correria, senão em círculos, por aqueles corredores gelados, sem ter quem abraçar? Tudo morria perto dela porque tudo estava morto dentro dela. Natasha acordou aquela manhã, olhou­se no espelho pelo tempo que gostava, não pelo tempo que precisava e viu a imagem que não queria. Imaginou como era seu coração. Se o espelho o alcançasse, seria como um porão abandonado. Ela saiu do quarto e seguiu para a aula de música. O céu, cinza violento, cinza como seus pensamentos, inspirava Natasha a tocar canções fúnebres, mas que encantavam as freiras. Na verdade, eram músicas sacras, mas tudo o que Natasha tocava era triste e profundo. 34


A platéia admirava seus belos olhos azuis, mas eles eram intensos, severos, como se contemplasse um abismo. Concentrada na vida que não podia ter, Natasha tocou algo doce e primaveril para encantar sua pequena e inocente platéia. Ela insistia para que sempre houvessem poucas pessoas presentes com ela. As freiras também, por precaução. Algumas pessoas a julgavam como arrogante e desprezível. E ela tinha que ser. A proximidade podia gerar estranhamento, quem sabe algo pior. Quando terminou o concerto para os possíveis futuros pais, sumiu da presença de todos. Geralmente, ela era a preferida de todo casal porque tinha olhos azuis e era muito talentosa, além de silenciosa; pais não queriam crianças bagunceiras. Mas ela preferiu sumir, afastar­se para o seu lugar preferido. Na parte de trás do orfanato havia uma macieira sempre carregada de frutas lindas, coloridas e suculentas. Nenhuma outra macieira era tão fascinante quanto aquela que Natasha gostava. Era como se toda a vida que parecia não existir na menina, existisse na macieira. A macieira que todos cobiçavam derrubou uma maçã perto dos pés da menina. Ela agachou, pegou a fruta, sentou­se à sombra da árvore e comeu. Estava uma delícia, uma recompensa por se esforçar tanto para ser boa em algo e compensar a desgraça em sua vida. 35

Natasha pensava na vida que queria ter: uma vida sem dor, quando notou um garoto olhando em sua direção. Podia até não estar olhando para ela, ela tentou se convencer, mas assim que ela olhou de volta, ele caminhou em sua direção. A vergonha a manteve debaixo da sombra. Bem, mas tinha sido assim a vida toda… Porém, tudo amadurece, as maçãs e até o coração de um amaldiçoado. Foi assim que ela percebeu que, no mundo existia algo proibido, um fruto que ela não podia comer. Ela havia crescido distante do afeto porque era necessário, e, mesmo assim, reconheceu o poder do desejo queimar em sua pele. Ela permitiu que ele se aproximasse e sentiu calor pela primeira vez na vida. Embora a consciência do dever a obrigasse a ser rude com ele, a expulsá­lo dali com vida, Natasha deixou que o manto vermelho da paixão a dominasse. Os dois se olharam e, como todo casal que se deseja ardentemente, fingiram não sentir nada e apenas conversaram sobre a dureza da orfandade. Vários dias se passaram e o casal se encontrava escondido sob a macieira radiante de Natasha. Com isso, o desejo os envolvia. Até o dia em que Natasha percebeu que não precisava mais se reprimir. Por que seria tão horrível amar alguém? Tocá­lo e saboreá­lo como um doce?


A única coisa que sabia sobre sua maldita vida era a insistência das freiras em afastá­las de todos, em mantê­la distante, como um animal num celeiro. Só que animais em celeiros recebem carinho… Por que essa frieza? Por que todos podiam ser adotados? Ela questionou a madre sobre sua vida, as lágrimas eram amargas, a voz, uma marcha fúnebre. Mas a madre a encarava, dizia que apenas não podia. Apenas negava à ela o que todos tinham direito. Será que ela teria um dia? A raiva dominou o coração sombrio de Natasha que estava determinada a receber sua parte da herança de uma gorda conta bancária, cujos depósitos foram feitos durante toda sua vida com o mais puro diamante do desprezo. O que a impedia de tocá­lo? Se o rapaz a desejava, era isso que ela também queria. Quem a proibiria? Sua consciência? Senso de bondade? Bondade e justiça eram os argumentos daquelas velhas virgens para manter todos em cativeiro! Uma desculpa para banir o que para elas era vil. Mas que todos sabiam o nome certo era prazer, orgasmo, sexo… o nome não importava. Natasha podia ter bondade, justiça, o paraíso, tudo, e ainda assim ser miserável. Se esse era o preço a pagar, então, ela se deliciaria. Que perdesse esse tudo em troca do que não tinha, o amor de quem ansiava por seu corpo! Saiu ao encontro do rapaz que já a esperava debaixo da macieira. Seu coração palpitava, a pele ardia, a língua, tinha sede. E ao aproximar­se, olhou em seus olhos e lambeu os lábios olhando para os lábios dele.

Era esperta para não fazer sexo ali mesmo, mas tinha coragem. Causar assombro naquelas megeras era um prazer também. Então, os dois se abraçaram, despiram­se, deixaram à vista de todos sua pele nua e seu desprezo até explodirem em um prazer intenso, acrescido do prazer da afronta. Seus corpos arranhavam­se, lambiam­ se, apertavam­se, queimavam enquanto as freiras apenas esperavam. O que Natasha viu em seus olhos não foi espanto. Foi medo. Como ninguém ia se esforçar para impedí­la, ela continuou. E foi justamente quando entregou sua vazia alma àquela outra alma, quando seu corpo queimou, sentiu im líquido viscoso e quente escorrer entre suas pernas. Sentiu que um pedaço de sua carne se rasgava. Era como se uma lâmina afiada passasse sobre sua pele macia. Queimava. Só se deu conta quando sentiu de novo. A dor ainda mais forte, mais aguda. Céus… aquilo era sangue. Natasha sabia que nada que sangrava era saudável. Tudo remetia a sofrimento. Nunca na vida havia acreditado em Deus ou o Diabo, agora implorava internamente para que um milagre a salvasse. Ainda agarrada ao corpo nu e sangrento de seu amante, não parou, contudo, com aquele prazer infernal. Agora, sabia o que estava acontecendo.

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De sua pele saiam espinhos de no mínimo dez centímetros que rasgavam e feriam a carne do amante, que gritava mas não conseguia escapar do abraço mortal da menina de olhos azuis que ela tanto desejou. Natasha queria mais, precisava de mais. Os espinhos saiam de seu corpo nu e queimava dolorosamente. Mas era tão maravilhoso quanto fogo no inverno. Espinhos rasgaram a carne do amante já morto, o corpo frio. Natasha descobriu, enfim, o motivo que mantinha todos afastados de seu abraço. Saboreou o sabor do sangue para guardar em sua memória a lembrança de um momento quente de prazer… pelo menos tinha sentido calor um dia. Havia prazer na dor. Dor merecida, sem culpa, sem pecado. Deitados ali no meio do sangue, sob o céu cinza e perfurados com espinhos, os corpos pareciam uma estátua destruída. Natasha sorria…

E depois daquele dia, ninguém mais voltou a falar sobre o que viram. O caso de Natasha foi colocado em uma caixa, tornando­se mais um boato, um conto de terror do que um assunto entre os moradores do orfanato e da cidade inteira. A menina de olhos azuis foi obrigada a voltar para as sombras de onde nunca devia ter saido. A desgraça que ela era a tornou ainda mais sombria, guardou ainda mais raiva em seu coração. Quem no mundo ia querer viver com ódio de si próprio por ter matado a única pessoa que amou na vida? Quem ia conseguir viver sabendo que jamais poderia abraçar outra pessoa? Quem dera ela nunca tivesse perguntado o por quê ninguém a tocava… Dessa vez, ela tinha coragem para se manter longe. E assim viveu Natasha, sozinha. Até o dia em que teve vontade de comer uma maçã. Ela sorriu… o céu não era mesmo seu objetivo.

Jana Nascimento

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Ralo Depois do ritual de desfazer a cama, apago o abajur e espero a escuridão e os vultos virem me tragar, devorando­me em silêncios e pesadelos. Deito e fico estática esperando o pior. Mas não é a escuridão que me invade, e sim os raios de sol da manhã que já se inicia sem que eu percebesse. O clima pesa, a luz, não impede. Não consigo mais me assegurar de que estou acordada, tudo torna­se irreal, sinto pavor, corpo em alerta, as más energias se arrepiam por completo, imobilizo­me na cama, mesmo que eu queira não posso me mexer. Há pessoas aqui, eu sei. Os meus pensamentos fogem do controle, coisas invadem minha mente e me atordoam demais. Ouço vozes, minhas? Pensamentos meus? Não posso dizer, realmente não sei. Perdi minha sanidade durante dias. De repente qualquer toque me parecia ameaça, meus reflexos andaram melhorando muito desde então. Consigo levantar da cama, depois de horas de medo e angustia. Acendo as luzes e retorno, ainda insistindo que a claridade me protegesse de alguma coisa, em vão, eu sei!

Maldito silêncio matinal! Sem perceber como, lá estava eu totalmente perdida. O ralo foi destampado. E havia muito mais ressentimentos, dores e frustrações que insetos e sujeiras. Aquilo me corroía mais do que esses ácidos usados nos banheiros. No desespero saí dando tiros ao nada. Não consigo dormir, não vejo mais nada, mas sinto­me mal, náuseas, dores, vômitos me tomam o dia e início de tarde. Tento dormir. Sentia­me entregue a isso, não tinha como lutar, não conseguia pensar, não conseguia me ajudar. Não tinha ajuda. Estava impaciente, a impaciência me bastava. Impaciência de mediocridade urbana, mediocridade caseira também. O nosso produto interno bruto familiar. Tudo isso me rompeu em reflexões. E era tão clara a saída.

Maluz Medeiros

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A História da Estória

Por, Raquel Rasinhas

O Halloween está chegando e com ele o

Uma dupla que fez parte dessa transição

clima perfeito para as estórias de terror, das

foram ninguém menos do que os famosos

clássicas, passando pelos séculos e

irmãos Grinn, conhecidos por seus “contos

chegando as mais modernas. Mas já

de fadas” sem finais felizes e repletos de

pararam para se perguntar como Stephen

mensagens de aviso, eventos comuns para

King, Edgar Allan Poe, Bram Stoker, André

a sua época.

Vianco, H. P. Lovecraft, Anne Rice, Mery Shelley e os novos grandes talentos da

“Mas o terror é o gênero que só tem

nossa literatura nacional que vem

monstros cruéis e assassinos.”

aparecendo como: Macus Debrito, Raphael Montes, Marcus Barcellos, Jhefferson

O terror é muito mais do que isso, na

Passos, Marcio Benjamin, Marcio Neri,

verdade o terror é um subgênero da

dentre muitos outros começaram a escrever

Literatura Fantástica cuja intenção é causar

esse gênero?

medo e repulsa nos leitores. Claro o terror em sua maioria pende para o sobrenatural

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Como o terror realmente começou você

com fantasmas, bruxas, vampiros e etc.,

pergunta? Na verdade ele sempre existiu só

mas não se limita a isso. O terror também

que essas estórias eram transmitidas

pode lidar com os medos psicológicos do

oralmente passando de pai para filho e

mundo real.

sobrevivendo através das gerações, tendo

Lovecraft, considerado um dos pais do

origem no folclore e em tradições religiosas.

terror disse:

Quando a escrita surgiu, muitos desses

“A mais antiga e forte emoção da

contos e mitos foram registrados nos

humanidade é o medo, e o mais antigo e

mosteiros pelos monges escribas, mais

forte tipo de medo é o medo do

tarde elas foram reescritas para o mundo.

desconhecido.”


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O terror como gênero começou com o romance gótico no século XVII onde a mocinha era sequestrada e presa em castelos assustadores e sombrios. FATO INTERESSANTE Grande parte das estórias de terror da época era escrita para o público feminino. Mais para frente a ficção científica e o terror começaram a se misturar, isso começou lá pelo século XIX com o clássico de Mary Shelley, Frankenstein (1818). Com o tempo o nível só foi aumentando, o gênero foi se moldando, trazendo a loucura para o cotidiano. Edgar Allan Poe introduziu seus elementos sobrenaturais de conteúdo psicológico, agregando credibilidade e mais terror. Chegamos ao século XX e o terror ganha espaço nas revistas pup magazines, feitas de papel barato que substituíram os folhetins, dime novels e penny dreadfuls. Dedicadas à fantasia e ficção científica, mas também havia aventura, romance, faroeste e claro o terror. Grandes nomes como H. P. Lovecraft e M. R. James publicaram nessas revistas.

O cenário muda, chegando ao contemporâneo e não tem como não falar de Stephen King, com dezenas de títulos abordando os mais variados temas, mas seu maior talento está em trazer o pior da humanidade em suas obras. King era um leitor fanático dos quadrinhos EC's horror comics incluindo Tales from the crypt, que estimulou seu amor pelo terror. Na escola, ele escrevia histórias baseadas nos filmes que assistia e as copiava com a ajuda de seu irmão David. Seus livros venderam mais de 360 milhões de cópias, com publicações em mais de 40 países. Muitas de suas obras foram adaptadas para o cinema. É o nono autor mais traduzido no mundo. E chegamos a terras tupiniquins onde o terror está muito, mas muito bem representado e um desses representantes é ninguém menos que André Vianco, autor dos livros Os Sete, Sétimo, O Senhor da Chuva, O vampiro Rei 1 e 2 entre outros. Suas obras sobrenaturais misturam terror, suspense, fantasia e romance em histórias que geralmente envolvem o tema Vampiros.

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Seu primeiro best­seller foi Os Sete, lançado

A maior referencia para Jheferson é o grande

em 2000 de forma independente, deriva

Stephen King e os grandes autores clássicos

diretamente do seu primeiro romance O

como Edgar Allan Poe e Lovecraft, mas o

Senhor Da Chuva de 1998, em 2001 a editora

sonho da publicação cresceu quando

Novo Século se interessou por seu trabalho e

conheceu os vampiros da lenda nacional André

republicou o livro.

Vianco. Já tentou escrever outros gêneros,

Hoje temos o prazer de ver não só a literatura

mas descobriu que o lado negro lhe cai melhor.

brasileira crescer como também esse gênero

Sobre o cenário nacional e o gênero terror

que encanta, assusta e nos faz dormir com as

Jheferson se diz otimista.

luzes acesas. Novos talentos estão surgindo

“Isso se deve as redes sociais que abrangeram

nas plataformas de autopublicação e ganhando

e romperam fronteiras em questão de

espaço nas editoras que investem neles.

preconceito aos autores nacionais. Lógico que

Atualmente Amazon e Wattpad são as

ainda tem muito a melhorar. Os leitores

plataformas de autopublicação mais utilizadas

brasileiros ainda leem mais estrangeiros. O

pelos escritores, um deles é o talentosíssimo

marketing deles é maior. Isso falta muito aqui

Jhefferson Passos, colunista da revista Litere­

no Brasil, mas estamos no caminho. Com o

se e escritor de terror. Ele vem ganhando

surgimento de novos e talentosos autores do

destaque com seu livro de microcontos 100

gênero, aos poucos os leitores estão deixando

Gotas de Sangue com mais de seis mil leituras

aquela certa desconfiança com os nossos

e está também no Top 10 de recomendação da

nacionais.”

plataforma do Wattpad.Em uma breve

Chegamos ao final da nossa primeira jornada

entrevista, Jheferson nos contou que começou

por dentro da História da Estória, especial

publicando em outras plataformas e apenas no

Halloween. Espero ter ajudado a sanar

ano de 2016 descobriu e começou a utilizar o

qualquer dúvida sobre esse gênero incrível que

Wattpad, já possui um livro de contos

é o Terror, também espero ter inspirado vocês

publicado Carne e Sangue pela editora

para se aventurarem nesse mundo das trevas,

Multifoco onde nove dos contos são de sua

suspense e medo. Nos vemos na próxima

autoria.

edição de Litere­se.


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O VELHO CAOLHO Hail, meus queridos amantes das terras

A maior diferença entre fantasmas

gélidas e de seus grandes guerreiros e das

modernos e o gjenganger é que o

grandiosas sagas!!

gjenganger na tradição escandinava

Porém, por aqui não existem somente

assumiu uma forma completamente

batalhas, mas há também o sobrenatural, o

corpórea. Ele normalmente não tinha

medo, o terror e o horror!!

qualidades espectrais como qualquer outro

Os mais variados monstros e criaturas

fantasma. Nas tradições mais antigas do

percorrem e circundam esta terra gelada

gjenganger, diz­se também que ele foi

em meio a bruma advinda dos reinos de

muito malicioso e violento em vida, voltando

Hela nossa Deusa da morte, rainha do

do túmulo para atormentar a sua família e

submundo. Que de seu palácio Elivdnir

amigos. O medo dos gjenganger já foi tão

bane as almas para o reino da morte gélida.

real que as pessoas tomavam medidas

Aproveitando o espírito sombrio do

preventivas para que eles não

halloween, vamos falar sobre os mortos­

aparecessem: uma pilha de galhos e pedras

vivos que caminham por aqui. Não aqueles

era deixada no local em que a pessoa

apresentados pelos filmes de Holywood,

morreu, costumava­se desenhar símbolos

lerdos e famintos por cérebro. Mas sim

sagrados, fazer orações e marcarem os

como um Gjenganger!

caixões por dentro, tudo isso para evitar

Gjenganger é uma espécie de fantasma

que o cadáver se transformasse.

originário da escandinavia. Normalmente, é

Gjenganger são mais parecidas com

o espírito de alguém que deixou assuntos

vampiros do leste europeu do que

pendentes antes de morrer, sendo

fantasmas dos tempos modernos.

geralmente vítimas de assassinato ou suicídio ou o próprio assassino.

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Talvez o exemplo mais antigo que temos de

espalhando o hematoma rapidamente por todo o

uma tentativa de impedir alguém de voltar como

corpo, o que levaria muitas vezes à doença e

um gjenganger é uma inscrição rúnica do século

morte para a pessoa acometida.

seis. Foi escrito no interior da sepultura, de

Mais tarde no folclore sueco, é feita uma distinção

frente para os mortos onde se lê:

entre o gjenganger tradicional, no chamado

Norueguês:

gengångare sueco e outro tipo de fantasma

For Birginga riste broren runer

conhecido como gast. Considerando que a

Kjære syster mi, skån meg!

gengångare tem a aparência idêntica a um ser

Esta tradição do gjenganger violento remonta à

humano vivo, o gast era conhecido por ser

idade Viking, onde eles estão presentes em

transparente e/ou esquelético na aparência, às

muitas das sagas islandesas, entre outros: Saga

vezes ele também tinha dentes afiados e garras, o

Grettis, Eyrbyggja saga e a saga de Eric, O

que tornava impossível reconhecer quem o

Vermelho. Nesta tradição, o Gjenganger era

fantasma tinha sido em vida. E enquanto a versão

uma criatura mortal. Um exemplo disso é Grettir

sueca do gengångare (ao contrário dos seus

matar o Gjenganger Glámr com sua espada.

homólogos de outros países escandinavos) era

Estes Gjengangere da idade Viking foram

normalmente dito ser bastante inofensivo, foi o

muitas vezes chamados draugr, e os dois são

gast que ficou conhecido por causar

susceptíveis de serem nomes diferentes para o

doenças. Uma tradição que merece uma menção

mesmo fenômeno.

especial é a do "varp". O “varp” – como já

Em uma tradição um pouco mais recente, o

mencionado ­ é uma pilha de pedras ou galhos

gjenganger continua a ser uma entidade

que muitas vezes marca um lugar onde alguém

violenta, embora de uma forma menos direta, a

morreu. Acreditava­se que quando você passasse

tornar­se mais um espalhador de doenças.

por este lugar deveria jogar outra pedra/galho na

Estes gjengangere atacariam as pessoas com a

“varp”, para comemorar o que tinha acontecido lá.

sua chamada dødningeknip que em tradução

Ao fazê­lo, por vezes, este ato poderia trazer sorte

literal seria “beliscão do homem morto”. Isso

em suas viagens adicionais, e se não o fizesse,

faria com que a pele da vítima se tornasse roxa

isto iria resultar em má sorte e acidentes

e infectada,

perigosos.

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Muitos destes “varps” já desapareceram especialmente os feitos de galhos. Mas em alguns lugares o “varp” é marcado com um sinal ou algo semelhante, e a tradição é mantida viva até hoje, embora de forma muito mais flexível, e muitas vezes como uma brincadeira. E você caro leitor, o que faria se encontrasse em seu caminho algum destes

Móðir mín í kví, kví, Kvíddu ekki því, því, Ég skal ljá þér duluna mína Að dansa í Og dansa í ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ Querida mãe Não se preocupe porque, porque Vou dar o meu vestido Para dançar E dançar

“varps”? Um sábio conselho: preste bem atenção pelos caminhos que toma, sua viagem pode acabar em um trágico acidente “inexplicável”. Para os amantes da música: Existe uma antiga canção islandesa, que tem como pano de fundo uma história narrada. Uma mulher que carrega sua filha a uma floresta para deixá­la ali e que a floresta a leve. É surpreendida tempos mais tarde quando quer ir a um baile, mas não possui nenhum vestido adequado para a ocasião, é então, quando da escuridão da névoa, ela ouve a voz de sua filha morta, que lhe diz: Móðir mín í kví, kví, Kvíddu ekki því, því, Ég skal ljá þér duluna mína

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Elves Boteri


Pensamentos Atravessados

Ainda nem era noite, e ela já pensava no que falar ao travesseiro. Sabia que muito ­ ou quase tudo ­ do que lhe havia dito ontem, permanecia no ar. Embora tivesse certeza de que, por baixo da fronha macia, morava um amigo bom de ouvido, sentia­se envergonhada por nunca lhe dedicar alvíssaras, apenas alvoroços. A cabeça que se deitava sobre aquela espuma carregava o peso das almas penadas. De todos os temores familiares, o terror da hora de ir dormir era o mais tatuado em seu corpo. Não era mais um temor, mas um tumor com tendência à malignidade. Impossível fechar os olhos sem reabrir a ferida das frustrações do dia, aliás, diárias. A mente não mente. ­ Não, mente! Minta, ao menos uma vez! ­ ela implorava. O problema é que o cérebro não é uma máquina de lavar. Memórias não passam pelo cano que leva a água suja embora. O cérebro é bastante levado. Sobrava para o travesseiro, tão cheio de boas intenções, o inferno dos assuntos mal­ resolvidos. Não se tornou notívaga à toa. Vagava durante o dia, certa da insônia futura. Pensamentos recorrentes eram como queimaduras de terceiro grau, que atingem músculos e ossos, necrosando os tecidos. As terminações nervosas, vítimas desse fogo de pavio curto, acabavam por ocultar a dor que antes era pulsante. Sem meias palavras, atirava­se sobre o colchão, vestida de verdades fracionadas. O único a quem não conseguia ludibriar era o travesseiro, tão lúdico, tão lúcido. A esse, confessava­se, abnegada, já íntima das penitências. Mesmo dormente, ela virava o travesseiro de lado. Um lado só não comportaria tantos medos de tantos amanhãs.

Ana Maria Araújo Ramos

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Pesadelo A janela estava fechada, e o quarto, trancado. Ela estava na cama. Só. O cobertor era um amante que se enroscava em suas pernas feias e mancas. O rosto era de uma criança comum, nem bonita e nem feia, todavia marcado pelo medo e pelos machucados constantes. –Não apague a luz, mamãe! – Choramingou a menina. A mãe sorriu e disse: – Não tenha medo. Por acaso não fica escuro quando você fecha os olhos? Ou agora tem medo de ficar de olhos fechados? A criança tentava acreditar no que ela dissera e, então, fechou os olhos. A mãe saiu e desligou a luz. Por fora, ela trancou a porta, para que a menina, em um de seus constantes ataques de sonambulismo, não se machucasse pela casa. Agora, sem a mãe, sem a luz, não havia nada que lhe protegesse.

Não havia nada de preocupante naquele quarto. As paredes brancas estavam vazias, não havia pôsteres, nem enfeites. Só havia a cama, o guarda­roupa fechado e ela. Para a mãe, ela estava segura. Para a menina, entretanto, estar segura não era uma realidade. Ela via a última e terrível presença. Havia o Sombra. Era um ser estranho e malvado, com camadas e mais camadas de escuros e macios pelos. Todas os dias, ele se escondia entre os últimos resquícios de escuro, mas apenas enquanto a luz se fizesse presente. Quando a noite chagava, ele, enfim, surgia por completo. Não havia onde a menina se refugiar e nem mesmo ela poderia fugir. Tudo estava trancado. Só havia o Sombra e ela. –Vamos jogar, estrelinha! – Soou o Sombra, o melhor amigo e o pior inimigo dela.. Em todas as noites era a mesma coisa. Todas as noites, ele tentava lembrar a menina de que a noite pertencia aos seres que não tinham lugar na luz, ou era o que ela achava. –Não! – Ela ladrou.

Estava protegida, dizia a mãe. O quarto estava isolado. Estava tudo trancado. A janela de cerejeira, trancada com fechadura de aço e ferro; as portas, trancadas com duas chaves. Não havia nada embaixo da cama. E o guarda­roupa estava hermeticamente fechado, envolto por uma corrente e um grande cadeado.

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Contudo, não havia escolha. –Venha.


Com a rapidez que suas pernas esqueléticas e raquíticas deixaram, ela desceu da cama e se aproximou do Sombra. Ao contrário do que se acha, era, sim, possível ver algo escuro na noite, porque o Sombra era tão escuro que a própria noite era um Sol a lhe iluminar.

E um dia Sombra decidiu agir de forma inesperada, aproximando­se do rosto da menina, até que ela pode ver os terríveis olhos da cor de um impossível Sol noturno.

–O que eu sou? – A costumeira charada foi lançada.

A menina acenou com a cabeça, incapaz de saber o que dizer. – Se você me der o que eu sempre quis, eu lhe deixarei em paz.

–Sombra. A criatura esbofeteou a cara dela, que acordaria com mais manchas roxas em sua pele. A mãe, preocupada, perguntaria o que acontecera, mas ela, para apaziguá­la, diria que caíra da cama, como sempre fazia. – De novo... O que eu sou?

– Você quer me esquecer.

A garotinha vibrou intimamente, a esperança de esquecê­lo crescendo dentro de si. – O que você quer? Sombra sorriu, sendo que criaturas maléficas não sentem alegria, apenas prazer. – Quero sua inocência.

Dessa vez, a criança pensou. Mas como todas as noites, ela não sabia a resposta. –Eu não sei. Outro tapa. – Você é o escuro. Tapa. – Você... – Ela parou e olhou aquilo que parecia um mostro com asas e chifres. Aquilo que parecia o pesadelo de qualquer pessoa. O diabo de todas as religiões. O terror de todas as crianças. O ser que ninguém queria observar. – ...É o que todos querem esquecer.

Embora a menininha não soubesse, ela já fizera isso a muito tempo, mas enfim admitia isso a si mesma.

Danieli Mützenberg

Pelo menos por aquela noite, a criatura a deixou dormir sem pesadelos. Porém, ele voltou noite após noite, como a Lua que não abandona a Terra.

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UMA TESE ACERCA DA DOR E DO PESADELO ( Você está preparado...vá dormir.) Pertuba­o deitar porque está escuro? Não o tema. Enxergue­o como uma cálida mão acariciando sua face, esperando que você feche os olhos e desconecte. O vazio e a solidão te constrange, te inibe, te apavora? Não canse e acalente tua alma, ao menos agora... ...pois por ora você estará em off e será somente teu espírito e tua mente, mergulhados em planos não existenciais ou lembranças reprimidas num lugar onde nem mesmo você sabe. E não tema os pesadelos, pois você está apto a superar as mais absurdas aventuras e experiências sem fim que teu inconsciente servir...uma vez que a tua, a minha, a nossa vida seja por vezes um pesadelo concreto que se estende por horas ou até dias e meses. Nossas maiores fobias batem de frente com a maior e mais misteriosa fonte de mágoas e tristeza. Isto eu digo sem querer me aprofundar no que diz respeito exclusivamente à maldade. Quais monstros assustam mais? Uma vez me disseram: "O amor é uma semente que existe dentro de todos nós." Eu concordo e acredito no amor. Completamente. Mas uma coisa é certa, eu penso: Poucas, poucas pessoas querem de fato cultivar as sementes. E de nada adianta você dar uma planta que você cultivou com dedicação pra alguém que a regue com ácido ao invés de água. Durma...sonhe...tenha pesadelos. Você somente irá acordar, mas teu coração e tua alma ainda estarão razoavelmente bem. Ninguém está a salvo de absolutamente nada, mas sendo mais direto posso te garantir que talvez até o espaço pertencente aos pesadelos podem ser uma história de ninar se comparados à terrível realidade que pode nos aguardar. Talvez não hoje, nem amanhã. Mas de alguma maneira, nalgum dia, estes monstros e estas dores farão você sangrar. Aproveite esta viagem. Curta este passeio pelas estradas sem fim deste plano não existencial. E...à propósito... O pesadelo pode estar à espreita ao levantar... (Acordou? Força!!!Os monstros estão à solta por aí...)

Walter Cavalcanti

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silêncio! ouço um grito soturno alguém exasperou no medo desesperou seja uma alma perdida nos dando despedida alguém vociferou um breve mas colérico deturpamento histérico desabafo gritado sentimento calado sombra da inquietação uma libertação.

Gentil Poeta Brasileiro

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Psicopata Andarilho coletor de almas Alimento­me tua epiderme Bactéria social doce verme És a presa,sacia e acalmas Show sangrento batem palmas Outros enojam vão repudiar Estereótipo tentando rotular Tu ousas,teimas esconder Psicopata olho a vida escorrer Minha arte pessoas assassinar Carniceiro sempre a espreita Cão de caça,instinto farejo O vacilo,deslize,o bocejo Selvageria,perfídia a receita Cardápio ovelhinha não aceita Corre inutilmente pro altar Lá definha irei sacrificar Existência pra outra viver Psicopata olho vida escorrer Minha arte pessoas assassinar Souvenires coleciono e eternizo Sortuda vítima estilo remete Páginas policiais vira manchete Visceras obtenho,exímio,preciso Igual réptil,sorrateiro deslizo Na selva de pedra camuflar Camaleão intempéries adequar Vontade de matar sobreviver Psicopata olho vida escorrer Minha arte pessoas assassinar

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Feitiço no solo desfibrilado Alicerçado religião e fanatismo Trevas escrevo macabro romantismo Preconceito,bullying sou arraigado Maldade pura,atemporal pecado Hades grego moderno a queimar Lenda,mito,indo concretizar Cobaia instintivamente correr Psicopata olho vida escorrer Minha arte pessoas assassinar Analiso ensaio o vil ataque Deslocando de carro ou a pé Abordagem tua seiva é Extraída bem após o baque Olhares se cruzam o tic tac Do pulsante coração me deliciar Batidas decrescem até cessar Então vira objeto de prazer Psicopata olho vida escorrer Minha arte pessoas assassinar

Jonnata Henrique


Perfil

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Autor - Márcio Benjamin Costa Ribeiro Biografia Márcio Benjamin Costa Ribeiro, um natalense, do Estado do Rio Grande do Norte, tem 36 anos, trabalha como advogado, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e costuma apresentar­se como um escravo das letras. Desde os treze anos é metido com lápis e papéis, tentando mostrar aos outros um pouco do que se passa em sua cabeça. Participante usual de antologias de terror (Noctâmbulos, Caminhos do Medo, pela Editora Andross), também já fez muita gente rir com suas peças de teatro (Hippie­Drive, Flores de Plástico, Ultraje). Tenta tornar público seus contos exibidos com uma certa freqüência no site www.umanjopornografi co.blogspot.com.

Maldito Sertão foi o seu primeiro livro, de contos. Lançado em 2012 pela Editora Jovens Escribas, foi considerado um dos melhores de 2012 e 2013 pelo Troféu Cultura Potiguar, em breve será quadrinizado pelo coletivo K­Ótica, e reza a lenda que conhecerá a tela grande do cinema. Em 2015 foi lançada a segunda edição com mais contos.Em 201, foi convidado pela Universidade de Sorbonne, e expôs seu trabalho em Paris bem como participou do Salão do Livro na capital francesa. Gosta de pensar que poderá escrever pra sempre. Pelo menos é o que prometem as vozes em sua cabeça.

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Você começou no wattpad ou publicava em outro lugar antes? Até tenho wattpad, mas confesso que o uso muito pouco. Erro meu! Acho uma ferramenta muito interessante para ter contato com os leitores. Comecei a escrever e mostrar aos amigos, em uma época que nem havia internet, imagine só! (risos). Depois passei para o blog, o qual tive muito tempo (www.umanjopornografico.blogspot.c om), e só depois arrisquei a publicação Fome é o seu primeiro livro publicado em físico? Poderia nos informar onde podem ser compradas suas obras? 2) Na verdade o meu primeiro livro foi um livro de contos chamado “Maldito Sertão”, lançado em 2012 pela editora Jovens Escribas, reeditado com mais histórias em 2015. Também é de terror, formado por uma coletânea de lendas rurais, por assim, dizer (risos): mula­sem­ cabeça, lobisomem, papa­figo, dentre outros causos que todos já ouvimos, mas contados como história de terror mesmo! Me deixou muito orgulhoso, pois foi indicado duas vezes ao Troféu Cultura Potiguar, em 2013 e 53

Entrevista com o autor 2014, e me levou pra Paris esse ano; fui convidado pela Universidade de Sorbone para representar o Brasil, junto com outros escritores, na Primavera Literária Brasileira e no Salão do Livro de Paris. Também virou uma grapich novel cem por cento nacional que será lançada dia 10 de novembro, agora próximo mês, na Feira de Livros e Quadrinhos de Natal. Eles podem ser encontrados comigo, frete e autógrafo grátis, olha que beleza! (risos). Quem ou o que te inspirou a começar a escrever terror? Olha, eu sou um fã incondicional do terror desde que me entendo por gente. Acho um gênero muito honesto e criativo, duas qualidades que andam em falta na nossa arte, e que pode estimular muito a nossa mente, nos fazer refletir. Comecei com os filmes, assim como a maioria, né? Sexta­feira 13, A Hora do Pesadelo, e depois fui conhecendo e me apaixonando pela literatura de terror e suspense, como Lovecraft, Poe, e sempre, sempre Stephen King, eterno mestre. A inspiração veio desses aí, bem como de outros autores, os quais ainda que não façam terror, transitam pelo fantástico, o que também pode ser muito assustador: Cortázar, Marina Colasanti, García­Marquez, Borges, Carlos Fuentes, dentre outros. Naquela época, havia pouco terror nacional, e agora vejo com muita satisfação as coisas mudando e uma profusão de novos autores aparecendo, o que é ótimo, da mesma forma que o terror nacional cresce também em outros meios de expressão artísticos, como o cinema, por exemplo. Nos resta torcer e apoiar!


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Escreve outros gêneros? Também sou dramaturgo, e apesar de estar bem parado, ironicamente, tenho muitas comédias escritas, tais como Hippie­Drive, Flores de Plástico (que é uma homenagem ao universo de um cineasta que curto muito, Pedro Almodóvar), Luz, câmera, arsênico, Uma história pra cantar, dentre outras. Se bem que não tão irônico assim, pois são comédias não tão leves e doces, como se espera delas (risos) Como você vê o crescimento da literatura de terror no Brasil? Falei um pouco antes, mas é um prazer reforçar: acho foda! Acompanhar tanta gente boa estabelecendo o seu espaço é uma grande maravilha, até porque é um absurdo um país como o Brasil tão rico em cultura, em folclore, não se utilizá­los artisticamente para recriar o fantástico. Estamos em algumas batalhas de editais e habilitações de prêmios e fico muito feliz em dizer que existem vários projetos na linha do terror sendo pleiteados, torcemos por eles desde já! Também tenho contato via redes sociais com muitos desses artistas e é muito bom acompanhar o sucesso e qualidade dos seus trabalhos, não apenas em âmbito nacional como internacionalmente. Se bem que ainda falta muito do nosso apoio, por isso digo e repito: conheça, consuma e divulgue o nacional! Não só o artista merece como você, sem a sua cultura, não é nada.

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Resenha do livro Fome - Márcio Benjamin Costa Ribeiro -

Em uma cidade do interior, o apocalipse já começou. Num lugar esquecido pelo tempo, um grupo de pessoas entenderá o verdadeiro sentido da palavra medo, ao se encontrarem ilhados na terra que já chegou a ser seu lar. Confusos, precisam sobreviver em meio a uma horda de mortos­vivos, uma vez os próprios moradores, os quais apenas conseguem aplacar o seu apetite com carne humana. Lutando tanto para sobreviver quanto para entender o que está acontecendo, os últimos habitantes precisam se unir para defender­se, e desvendar aquele mistério é sua única esperança de saírem vivos. Fome, um romance de Márcio Benjamin, autor do sucesso Maldito Sertão, que traz o mito dos zumbis para o calor do nordeste, e com uma narrativa ágil, retumbada pelos tambores do candomblé, procura recontar uma história que fala tanto de nós mesmos, ainda que não aceitemos. O profeta estava certo. O sertão vai virar mar. De sangue.

Raquel Rasinhas

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O lado agridoce da Poesia Por, Luana Melo

Felicidade Roubada Ela tinha tudo pra ser feliz. Ela queria ser médica Para cuidar do câncer da mãe. E prolongar seus poucos dias de vida. Ela queria ser palhaça de circo, Pra trazer de volta o sorriso daquelas crianças. Ela queria ser jornalista, Para entrevistar os verdadeiros heróis da vida. Ela queria ser escritora Pra contar muitas histórias. Ela queria ser cantora, Para alegrar a vida das pessoas. Ela queria ser motorista de ônibus, Pra viajar o mundo e conhecer muita gente. Ela queria ser atriz, Para encenar no palco da vida. E poder ser todos os personagens que ela sonhava. Ela queria ser dançarina, Sentir­se livre e realizada. Ela queria... Ela queria... Mas certo dia, Todos os sonhos foram roubados. Em fração de segundos Todos os seus sonhos foram destruídos. Ela vinha da faculdade Já era tarde da noite, Quando ao passar na faixa de pedestres Um carro a atropelou.

A Prostituta Deitastes com tantos, E hoje... Resta apenas à solidão. Tantas jóias caras, Bolsas de grifes... Eram apenas máscaras. Pra quê tantos disfarces? Por onde andastes à procura do Amor? No calçadão de Copacabana, Conhecida como: A poderosa! No recanto do seu quarto, O vazio invade o peito... Resta apenas a tristeza... Sorrisos na rua, Lágrimas inundam seu travesseiro. No vazio do seu quarto, A máscara cai, O disfarce acaba. Encolhida na sua cama, Chorosa e triste... Sofres com a falta de um amor.

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Chá das quatro Por, Gabriela Villas Bôas Ovídio

"Se meus olhos Pudessem te devorar Nenhuma parte de ti Ia restar Porque se meus olhos pudessem te devorar Eu já teria te comido inteira Te mastigado E te engolido Seria tudo muito peculiar Te devoraria Pra gente se misturar E dentro de mim se embolar Te observar pra mim é pouco Eu quero é poder ser você E ter no meu corpo Cada átomo do seu."

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Prosa Poética Por, Diego Guerra

A menina e a janela

Raiz

Acordou um dia a bela donzela, abriu os olhos olhando a humanidade, despertada dos seus sonhos humanos. Acordou numa pequenina casa uma jovem aspirante, aspirava pelos quatro cantos do seu quarto o homem bom. Homem bom é aquele jovem acordado que está a esperá­la pela rua a fora, pacífico, compreensivo e a cima de tudo, humano. Um homem humano é o que faz nossa doce menina se debruçar sobre a janela, dias e dias, diante de todos os verbos que cabem aos homens repousarem. Nesta manhã ela prende o cabelo e abraça os seus olhos com os olhos do quarto, triste e quieta se deposita nas bordas de madeira, na certeza de que dentre os homens custará a encontrar o seu homem bom, diante tudo o que vê, está cada hora mais distante do que tanto sonhara. Seus olhos caem sobre os animais abaixo, a violência consumida no conservadorismo, sem espaço para descer, por os pés na rua, a menina retoma sua pele na cama e lembra­ se de um acalento para descansar, descansar do cansaço humano.

A divindade plantada por braços fortes floresce farta nos átrios, eleva o ser e estende a oblação. Divino adorado, esculpido em dores de amor, sopra aos galhos os ventos das ladainhas. Escorre em sangue a imagem da raiz, grossa e santa, que há de sustentar a esplandeceste árvore. Árvore de vida. Amor. Faz­se adoração a dança das folhas, os ninhos dos pássaros, os frutos doces, a leve sobra. O sustento. Leve árvore, culto de amor.

Dorme um dia a doce jovem perdida, mal sabia ela que do outro lado da rua o seu homem bom estava também a esperar uma doce mulher.

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Esquizo Paulo sai da estação de trem, pega a rua de sempre, no final dela, vira à direita e pronto, está em casa. Mas algo está diferente, ela está mais deserta que de costume. Está tarde, mas não era para tanto. Ele resolve pegar a paralela, um tanto mais movimentada. Mais estranho ainda, o movimento comum está lá, mas está tudo mais escuro, uma névoa densa está abaixando. Paulo fica receoso, mas segue o plano. Por um momento, tem a impressão de ser observado. Tudo está diferente, mais escuro, mais assustador, olhos o seguindo. Ele começa a se desesperar, aperta os passos, sente passos atrás dele, sente outras respirações, olhos o olhando, passa a andar mais rápido ainda. Sem que perceba começa a correr. Os uivos de cachorros que nunca foram ouvidos ali, agora ressoavam em seus ouvidos, como tubas anunciando a abertura dos portões das trevas. Vultos o circundam, o envolviam. O medo toma conta. Correndo em desespero, atrapalhado pela névoa que já compreende toda a extensão daquela rua. Escuta choro entre os uivos, pensa se não é o próprio, já que suor gélido e lágrimas se fundem pela face aterrorizada. Passa a pensar no seu dia, a se arrepender de ter aceitado aquele vinho, de ter feito aquela piada. Se tivesse voltado antes para a casa. Se não tivesse saído de casa. Tudo passa a revisitá­lo, as dores, as angústias, todo o seu medo sai pela boca, junto da respiração ofegante. Junto dos sussurros, entre os rangidos dos seus dentes.

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Nessa hora, enxerga uma luz, um ponto de esperança, que se transforma imediatamente no maior dos seus temores. Aquele ponto aumenta e vem em sua direção. Ele vê pessoas se aproximando e chamando por ele, as reconhece, são sua família. Eles estavam naquele carro. Ele se lembra do dia, se lembra de ter desistido na última hora. Era para ser um passeio de família, tornou­se o maior pesadelo da sua vida. Agora estava revivendo tudo aquilo, e sentindo vultos se aproximarem, sentindo a névoa mais densa o apertando, sentindo que deveria ter feito algo. Está tomado por um medo incontrolável. Sente que a sua hora está por vir, entende de quem se trata aquele vulto. Até pensa em desistir. Mas sabe que ainda é cedo, corre mais. Agora para longe da luz, mesmo sem saber o rumo certo, sem direção alguma, apenas corre para longe. Longe de tudo aquilo, tentando se livrar de suas angústias, as mesmas que passaram a persegui­lo assim que saiu daquela estação. Assim que teve a maldita ideia de trocar de rua. Gritos vêm do quarto 42, três enfermeiros entram lá, encontram um homem deitado, apertando a cabeça, dizendo não querer ir ainda, dizendo que falta muito o que consertar. Dizendo que precisa retomar a paz, que precisa simplesmente morrer. O homem é levado para a ala de tratamento intensivo.

Pedro Cotrim / Perla de Castro


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Estamos felizes por você estar aqui conosco. Continuaremos em contato através de nosso site e redes sociais,sempre com conteúdo novo para você. Esperamos você em nossa segunda edição. Um abraço de toda equipe e até Janeiro de 2017!


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