Revista LUPPA

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LUPPA PERFIL: Allan Bandeira e Lilith As essências de um agênero e uma drag não binária

ENTREVISTA: Augusto Carvalho e a ‘Arte pela Arte’ Cicatrizes de Concreto Memórias do Cine Capitólio Mídia Alternativa Uma nova forma de jornalismo

Edição 1 | Março 2017


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EDITORIAL UM OLHAR AUMENTADO!

início, mas esse UM partiu para espalhar as A Revista Luppa é fruto de uma inquietação da turma sementes do questionamento em outras terras). O do 3º período de Jornalismo da UEPB. Como resultado são 27 matérias divididas em seis trabalhar o jornalismo de revista de maneira editorias: Política, Cidades, Gênero e Sexualidades, inovadora e humanizada? Com o apoio da Cultura, Saúde e Esportes. orientadora Ada Guedes durante o componente Queremos, antes de tudo, agradecer a todxs que curricular Jornalismo Impresso II, fomos à procura acreditaram em nosso (e em seu próprio) potencial, de respostas. Buscamos nas ruas, na música, no e nos ajudaram a construir essa revista como um campo de futebol, na literatura, na sua (e na nossa) verdadeiro sujeito jornalístico coletivo. Sem o cabeça e até mesmo no espaço sideral. Era um apoio, dedicação e paciência de cada um, a revista verdadeiro multiverso inexplorado, pronto para nos Luppa não seria nada além de um sonho dessas acolher e nós a ele. Não demorou muito para percecabecinhas pensantes. Agradecimentos especiais a bermos que estávamos diante de uma das propostas mais complexas que poderíamos arranjar: Gabriella Dupim, Jhonatan Leal da contar histórias sobre e junto àqueles que São 20 pares de Costa e Marques de Souza por nem sempre tem vez e voz. colaborarem diretamente para olhos que O nome Luppa surgiu exatamente dessa enriquecer nosso projeto. encontraram ideia. Dar espaço e visibilidade àqueles Artistas de rua, drag queen, que estão ali, na nossa frente, mas não praticante de candomblé, jovens sintonia ao enxergamos, por preconceitos e estigmas militantes, hippies são alguns dos socialmente arraigados. A Luppa vem, concordarem em personagens, que nos presentearam então, para desconstruir isso, mostrar que não trabalhar em com suas histórias, e através da essas pessoas são muito mais do que os sintonia com o Luppa, essa riqueza de experiestereótipos para elas criados. E com esse ências chega até você, leitor. É intuito, somamos vozes e olhares. São 20 pensamento da chegada a hora de tirar essas pares de olhos que encontraram sintonia ao pessoas da margem da sociedade e grande mídia concordarem em não trabalhar em sintonia colocá-las no centro, como protacom o pensamento da grande mídia (éramos 21 de nistas de várias histórias que constroem as cidades paraibanas.

Andreza Valdevino Repórter Alessandra Clementino Editora-Chefe/Repórter Ricardo Junior Repórter/Editor de Texto/Social Media Maryanne Paulino Editora-Executiva/Repórter/Cronista

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EXPEDIENTE Calina Araújo Repórter Ingrid Vasiljevic Repórter

Pedro Silva Repórter /Resenhista

Felipe Bolis Repórter Betânia Diniz Repórter

Andreza Ewelyn Repórter/Social Media

Luciana Ferreira Repórter Rillary Martins Repórter

Luanna Albéria Repórter

Leandro Pedrosa Cronista

Sabrina Cipriano Repórter/Fotógrafa [Divulgação] Taís Resende Repórter

Kermelly Kelly Repórter /Fotógrafa

Jessica Tainan Repórter

Mayara Bezerra Diagramadora/Articulista Mateus Araújo Repórter e Articulista

Boa Leitura!



Indice Sem luta não

6 8

Mídia

há conquista

Alternativa

10 A espetacularização da disputa política 11 Entrevista com Adelmo Pereira 12 Mc Buarque, se assim posso dizer 14 Vem, Vamos pra Rua! 16 A ressignificação dos Brechós 18 Cicatrizes de Concreto - Memórias do Cine Capitólio 22 A conversa do Espaço

24 Ensaio ‘WE CAN DO IT’ 30

PERFIL ‘Uma Giselly, de tantas outras’ 32 Literatura

Gay Paraibana

34 PERFIL - Allan Bandeira e Lilith 38 Ela só queria usar o banheiro feminino... 40 Entrevista - Músico Independente

42 Coração Clandestino 44 Luppa Indica 46 Projeto Leia Mulheres 48 Resenha - Neblina Adalgisa 49 Linha do tempo - História da Loucura

50

Louco é quem me

diz - Uma experiência Etnográfica 54 8 ou 80

56

Desventuras em série de uma Chohnista

60 Considerações psicanalíticas sobre o autismo 61 Xeque- Mate 62

Quem não sonhou em ser um jogador de futebol 64 Tropa Campina


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Política

SEM LUTA NÃO HÁ CONQUISTA

Por:Jéssica Tainan A história do Brasil revela que, juntos, os estudantes podem conquistar seus direitos No início da década de 90, os “caras-pintadas” saíram às ruas de todo o país com seus rostos pintados, exigindo o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. O movimento integrado por jovens e adolescentes – sobretudo aqueles vinculados à União Nacional dos Estudantes (UNE) e à União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) – foi retratado pela mídia como algo pequeno, um fato isolado. Somente com a sua ampliação e resistência, a grande mídia passou a divulgar o que nas ruas já era expressivo e efervescente. Em 2013 foi a vez das “Manifestações dos 20 centavos” ou “Jornadas de Junho”, cujos atos pela redução das passagens dos transportes públicos ganharam repercussão e apoio popular em várias cidades brasileiras e até no exterior, levando também

Fotos: Jéssica Tainan

A juventude estudantil organizada sempre cumpriu um papel importante nas lutas políticas brasileiras ao sair em defesa dos direitos educacionais e, de forma mais ampla, sociais e políticos da população, contribuindo para a construção de uma sociedade mais participativa e democrática. Nas décadas de 60 e 70, os movimentos estudantis começaram a atuar como foco indispensável de mobilização social, principalmente pela capacidade de convocar expressivos contingentes de estudantes a participarem ativamente do âmbito político nacional. Insatisfeitos com a situação da época, os estudantes mostraram resistência à Ditadura Militar de 1964, e também em 1983, quando se juntaram aos integrantes das mais variadas camadas sociais para lutar pela redemocratização do Brasil numa das maiores manifestações populares já vistas por aqui: o movimento “Diretas Já”.

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Levante Popular da Juventude Entenda o movimento: Formado em 2012 e atua em três vertentes: Estudantil - movimento dentro das universidades e escolas públicas; Camponesa - diálogo com movimentos do campo, que fazem trabalho de base com agricultores; e territorial realiza trabalho de base com as comunidades, favelas e territórios que são segregados e acabam tendo algum déficit de sistema como saúde, educação e segurança.

um grande número de manifestantes às ruas. Em seu ápice, milhões de brasileiros protestavam não apenas contra o aumento das tarifas e a violência policial, mas contra os gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, a má qualidade dos serviços públicos e a corrupção política em geral. Em 2015, em São Paulo, os estudantes de ensino médio iniciaram um movimento de ocupação de escolas em protesto contra um projeto do governo de Geraldo Alckmin que levaria ao fechamento de 94 escolas. Anunciada em setembro daquele ano, a mudança previa a reorganização das escolas estaduais para que tivessem apenas um ciclo de ensino. Isso afetaria os estudantes e quase um terço dos 220 mil professores. Revoltados, os secundaristas iniciam o #ocupaescola em resposta à intervenção do governo, onde mais de 190 escolas foram ocupadas. O movimento também se estendeu ao estado do Rio Grande do Sul, onde vários problemas são enfrentados: falta de professores e de funcionários, atraso no repasse do recurso da autonomia financeira e problemas de estrutura. A juventude secundarista contemporânea, além de mais atuante no cenário político, conta com um grande aliado para a disseminação de suas ideias: a internet, e é por meio dela que os estudantes das escolas públicas de Campina Grande se organizam para articular protestos e expressar opiniões. “É importante defender uma escola inclusiva e democrática, promover a conscientização dos estudantes e apontar os desafios que nos são postos, principalmente agora, nessa incerta e ameaçadora

conjuntura política que coloca em risco todas as políticas públicas alcançadas nos últimos anos de históricas lutas do movimento estudantil”, diz Pedro Netho, secretário-geral do Grêmio Estudantil da Escola Estadual de Ensino Médio Doutor Hortêncio de Sousa Ribeiro (PREMEN) e vicepresidente da Associação dos Estudantes Secundaristas da Paraíba (AESP). Sobre a conscientização de jovens secundaristas e sua participação expressiva no cenário político dos últimos anos, o jovem de 17 anos que cursa o 2º ano do ensino médio, afirma: “São tempos difíceis. Vivemos uma crise de representatividade. Isso tem afastado as pessoas das discussões de interesse coletivo. Os jovens tendem a trilhar esse mesmo caminho. O tempo todo estamos estudando classes sociais, desigualdades, cidadania, democracia... e a política se faz presente nas mais simples relações cotidianas. O ensino médio é uma fase de muitas descobertas e escolhas. Considero essa fase muito oportuna para se construir politicamente. Descobrir o que norteia seus pensamentos, se aprofundar naquilo que te interessa, enfim, é fundamental que a educação nos possibilite pensar, questionar, ler o mundo”. Ao longo dos anos, várias manifestações foram realizadas no Brasil, algumas vezes com sucesso, outras nem tanto. O fato é que estudantes de todas as categorias se fizeram presentes, mostrando que juntos podem alcançar os seus objetivos e, principalmente, que sem luta não há conquista. Afinal, enquanto membros da sociedade civil, é também responsabilidade deles os rumos que o país vai tomar.

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Política

Por: Calina Araújo e Ingrid Vasilejvic

Mídia Alternativa – uma nova forma de Jornalismo São consideradas Mídias Alternativas, meios de comunicação não tradicionais, sobretudo as redes sociais como forma de divulgação de informações que não tem espaço na grande mídia. “Cada vez mais o meio e a mensagem se confundem, definindo novas técnicas que vêm competir com o estilo publicitário da mídia clássica.” DORDOR, Xavier A comunicação é considerada o quarto poder, pois detém centralidade e influência na sociedade tanto quanto os três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Isso porque o hábito de consumir informações a partir da grande mídia, sob o estatuto da verdade nos é passado desde a infância. Formas de comunicação alternativas existem desde a época colonial. A Coroa Portuguesa produzia apenas folhas para circulação de ideias, informações e conteúdos diversos totalmente controversos ao interesse da maioria, esta não tinha voz nem vez. Os meios de comunicação massivos surgiram e junto com eles a falsa sensação de que a sociedade podia se ver na televisão ou ouvir suas ideias e interesses repercutirem no rádio. Ledo engano. Nesses canais há espaço sim, mas só para o que interessa aqueles que os detém. Ao longo do tempo, os movimentos sociais ganharam fôlego, Os Caras Pintadas é um exemplo histórico, vimos o grande salto no ano de 2013 com a cobertura da Mídia Ninja sobre as manifestações que ocorreram no mês de julho. O

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coletivo utilizou as redes sociais para informar o que não era divulgado pela grande mídia. Estava expresso, nítido o quanto as redes sociais se constituem uma grande arma utilizada pelos jornalistas alternativos para informar a qualquer momento e em qualquer lugar. Qualquer pessoa pode publicar algum ocorrido ou sua opinião sobre algum fato, não importa se é jornalista, tendo a informação e algum aparelho com internet já é o suficiente para fazer sua noticia girar. Além da grande vantagem do leitor de acessar informações através do seu smartphone. Na busca pela liberdade de expressão, principalmente dos grupos oprimidos, jornalistas alternativos resolveram criar coletivos capazes de divulgar aquilo que é esquecido ou censurado. O foco são coberturas de manifestações ou acontecimentos rotineiros que geralmente são descartados ou transmitidos de forma vaga pela grande mídia. O coletivo Mídia NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) surgiu em 2011 com a cobertura ao vivo da Marcha da Liberdade em São Paulo, ganhou mais visibilidade nas manifestações que ocorreram em julho de 2013 com o movimento contra o aumento das passagens dos transportes públicos e o grande gasto de verbas em eventos esportivos. Já o Jornalistas Livres surgiu em 2015 com o objetivo de fazer a cobertura das manifestações do mês de maio, conhecidas como o “Vem Pra Rua”, movimento que tinha como objetivo lutar pela saída de


Geografia na UEPB. Atuante e coordenador da célula Elizabeth Teixeira, Campina Grande- PB.

Representação da juventude:

... Atuação no âmbito nacional

“Quem dá a grande divulgação dos fatos é a mídia alternativa e mais precisamente o Mídia Ninja. Sabemos que a grande mídia tem estruturas políticas e principalmente econômicas que não vão dar tanta ênfase a esse tipo de movimento, sendo os mesmos de teor comunista, socialista e progressista. Vivemos num momento da ditadura da informação, na qual quem a tem, detém o poder e, automaticamente tem o dinheiro. Por isso a Globo é tão poderosa, porque ela tem a grande parte da informação, porém divulga de acordo com seus interesses particulares, muitas vezes omitindo e manipulando como quer transmitir para o povo.”

Ato Fora Temer. “Temos muita atuação diante da atual conjuntura política do Brasil. Um golpe da burguesia e quem está indo às ruas lutar a favor da democracia, são em grande parte, jovens que representam o Levante Popular da Juventude. Vamos as ruas diretamente construindo atos contra esse golpe, contra os golpistas. De fato, 'dando a cara a tapa', nos expondo por essa causa. Nós vamos até a casa de políticos, levamos uma caixa de som, fazemos peças teatrais, manifestando contra as práticas dos mesmos.”

Atuação no âmbito local Movimento UEPB Tem Fome, Campina Grande- PB - “Deriva de uma instância chamada Liga dos Centros Acadêmicos, formada para trabalhar problemas dentro da universidade. A primeira questão é a pauta do RU [restaurante universitário], nós temos o RU mais caro do Brasil. Fomos dialogando com o pessoal, conscientizando os estudantes sobre o fato de que oito reais é muito caro, daí foi-se construindo o movimento. O que conseguimos de concreto foi a visibilidade da pauta. Não temos muitas vitórias concretas, não conseguimos baixar o preço nem triplicar o número de vagas como queríamos, mas conseguimos durante duas semanas almoços de graça, até o primeiro bloqueio da reitoria. Obtivemos conquistas passageiras, mas estamos trabalhando pra conseguir mais, até porque é um processo extremamente longo, trabalhar com as regras e as leis dentro da universidade.”

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Foto: Arielly Uchoa

Amaro Rosales, 21, estudante de

Dilma Rousseff do poder. Ambos os coletivos queriam mostrar o que acontecia de fato nas ruas, sem o filtro ou enquadramento da grande mídia. Criados em defesa da democracia e graças às redes sociais e ao apoio fiel dos leitores, suas transmissões e postagens estão ganhando mais poder a cada dia, incomodando assim os grandes oligopólios, resistindo à exaustiva tentativa destes de silencia-los. A informação é o grande poder da população e isso é o que os detentores do poder mais temem. A mídia alternativa está fazendo diferença, o que divulgam e repercute na internet, por vezes acaba forçando a grande mídia noticiar. Isso é significativo, importante e não pode parar!


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Opinião

A ESPETACULARIZAÇÃO DA DISPUTA ELEITORAL Mateus B. Araújo A cada quatro anos, a população dos 5.570 municípios brasileiros exerce sua cidadania, escolhendo através do voto, seus representantes municipais. O voto secreto é uma cláusula pétrea, não pode ser abolido, como prescreve o parágrafo 4°, inciso I, do artigo 60 da Constituição Federal. É através dele que o cidadão participa da democracia. É destinado um determinado período do ano para a escolha desses representantes, o chamado período eleitoral, que é intenso em todas as cidades, havendo disputas e envolvimento da população. Para que seja realizado de forma equilibrada e harmônica, a Justiça Eleitoral determina restrições para partidos, eleitores e mídia. As emissoras de rádio e TV, por exemplo, ficam impedidas de veicular propaganda política ou ainda dar tratamento privilegiado para um candidato, partido ou coligação, no decorrer de sua programação. Nos municípios menores, essa disputa se torna ainda mais acirrada devido às características típicas desses lugares. Afinal, a prática do coronelismo em suas diversas formas ainda é uma realidade presente em municípios pouco populosos, onde pessoas com notável poder econômico ou persuasivo utilizam de atitudes ilícitas para coagir financeira e intelectualmente os menos favorecidos a votarem naquele candidato. A compra de votos chega a ser algo comum: a população oferece voto em troca de uma “ajuda”, que inclui desde sacos de cimento e carteiras de habilitação até mesmo próteses dentárias. Trata-se de uma época em que os ânimos ficam à flor da pele. O assunto que está na boca do povo é apenas um, e todos especulam quem serão os grandes vencedores, se determinada pessoa mudou de partido ou se fulano declarou ser a favor de outro... As discussões intensificam-se durante o período de campanha já que muitas pessoas defendem com unhas

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e dentes a coligação da qual fazem parte. As apostas são constantes, tudo ou nada em nome de determinado candidato. O envolvimento é tão exacerbado que amizades e relações familiares ficam abaladas por conta do fanatismo. As cidades tornam-se palco de um verdadeiro embate. Por onde se passa é revelada a preferência política de cada um, seja através de adesivos e bandeiras hasteadas sobre as casas, cujas cores logo identificam o partido, ou até pelas paródias de músicas de sucesso que embalam os eleitores e reforçam o clima festivo. Dia de comício é sinônimo de festa. A população, eleitora ou não, se organiza, prepara a superestrutura e investe nos mínimos detalhes para que seja um momento de descontração. Os automóveis enfeitados e as carreatas a perder de vista são elementos que fazem da campanha um momento de alegria e interação entre as pessoas. A política partidária é uma ação importante e necessária para a preservação da democracia, é uma garantia ao exercício da cidadania, porém, assim como fazem nos horários de propaganda eleitoral, vemos candidatos tornando esse momento de extrema importância num verdadeiro show de stand up comedy, utilizando discursos humorísticos e populares a fim de agradar o eleitorado. Isso acaba não valorizando o real sentido da representação política que eles pretendem exercer. Em meio a tantos fatores que mostram a desvirtuação política e a perda de sua essência, percebe-se também a grande alienação em que se encontra a população, que transforma o período eleitoral em uma enorme festa, sem ater-se à relevância das eleições e as consequências de um voto impensado para o futuro dos municípios.


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Política

Entrevista

O Paraibano Adelino Pereira da Silva, 26 anos, é graduado em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Faculdade Cesrei, e Filosofia pela Universidade Estadual da Paraíba. Faz mestrado em comunicação pela Universidade Federal da Paraíba e tem como tema de pesquisa as mudanças nas formas de comunicação a partir do sistema digital em rede crescente na atualidade. Em entrevista nos contou um pouco sobre seu tema de investigação, os coletivos Mídia NINJA e Jornalistas Livres que fazem uso das plataformas digitais com transmissões ao vivo de tudo aquilo que é omitido ou tem pouca visibilidade da grande mídia. Como você define o jornalismo praticado por coletivos como o Mídia Ninja? É uma forma mais democrática. A mídia ninja faz um jornalismo com coberturas ao vivo, sem cortes, embora seja uma forma parcial deles mostrarem uma pequena parte do que está acontecendo. Não ocorre manipulação de falas, é um meio de democratizar as informações. Uma forma de poder contra o governo e as instituições de jornalismo que acabaram perdendo sua essência desde sua fundação. O jornalismo tem como característica a ética e imparcialidade, mas acabou perdendo ao longo do tempo pela oligarquia do poder que utiliza uma ideologia que não favorece a minoria. Vemos a exaustiva tentativa por parte da grande mídia, de enfraquecer o poder que o jornalismo alternativo, especificamente o coletivo Mídia Ninja, conquistou. Acredita que esse tipo de jornalismo irá resistir? E de que maneira? Sim, desde 2013 o número de coletivos vem crescendo de todas as formas e eles estão dialogando entre si, são coletivos diferentes, mas têm a mesma proposta. Em 2013 foram os ninjas e em 2015 surgiram vários jornalistas e não só desta

área como em outras profissões, pessoas se reuniram para propor esse tipo de jornalismo. Eles propõem uma forma horizontal de comunicação e o que vem ajudando é o meio pós-massivo da sociedade midiatizada com os aplicativos e o jornalismo móvel. Como descreveria o público que acessa informação através do jornalismo alternativo? Há como traçar um perfil desse público? Sim, a pesquisadora Gloria Maria da área das Ciências Sociais, levantou um estudo que aborda os movimentos sociais de 2013 e apontou que o público participante das manifestações utilizou como fonte de informação, os meios alternativos de comunicação. Nesta pesquisa ela analisou que o público alvo deste consumo é de classe média e classe média baixa, mas existe uma minoria da classe alta. Você vê relação entre o trabalho dos chamados “jornalistas livres” com a onda crescente de movimentos sociais, estudantis e urbanos com caráter político? Como isso acontece? Exato. No momento que os movimentos sociais começam a ascender é quando as mídias alternativas também ascendem. Essa onda de movimento começa em 2011 com a primavera árabe onde aconteceu o ápice internacional, pois foi neste momento em que um jovem usou a plataforma YouTube para transmitir a ação do seu primo queimando o próprio corpo como forma de protesto. Isso viralizou no restante do mundo, e isso foi crescendo com o Ocupa em 2011 nos Estados Unidos. Essa forma de jornalismo independente foi criando fôlego e na medida em que foi crescendo, foram se desenvolvendo novos aplicativos para novas transmissões de vídeo fazendo assim crescer ainda mais o poder da mídia alternativa.

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Opinião

MC BUARQUE -

Se assim posso dizer

A censura coibiu, mas paradoxalmente acabou legitimando, a posteriori, o discurso político de Gilberto Gil e Chico Buarque no período ditatorial. Trabalhar com o texto implícito, a metáfora, implodir o momento através da intelectualidade, foi um pedido estruturado na poesia de 'Cálice'. O hoje emula o ontem, à sua maneira. Num país onde aproximadamente 13 milhões de brasileiros são analfabetos funcionais, música rebuscada não tem sentido, não faz pensar, é chata, não dá para entender, não move. Comecei a entender 'Cálice' no ensino médio e, só agora, membro dessa seleta parcela da sociedade que tem acesso ao ensino superior, posso dizer que entendo a canção e seu contexto. No entanto, melhor seria ser filho da outra. Outra realidade assola a sociedade brasileira, e Mc Carol não precisa de recurso literário algum, canta o proibidão: “três dias de tortura numa sala cheia de rato/ É assim que eles tratam o bandido favelado/ Bandido Rico e poderoso tem cela separada/ Tratamento VIP e delação premiada”.

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Mayara Bezerra

Chico e Gilberto compuseram 'Cálice' na cobertura de um prédio na zona sul da cidade do Rio de Janeiro com vistas para a Lagoa aonde viram emergir o monstro... Mc Carol escreve 'Delação Premiada' a partir de suas experiências nas ruas do Morro do Preventório, Niterói, onde vê assassino fardado. Uma cantora de funk narra o momento político brasileiro e com objetividade, fala para todo o mundo entender. Num ritmo ainda marginalizado reflete a discriminação, o papel da mídia no fomento e estereotipização da identidade cultural de um povo, fala de corrupção policial e tudo isso lançando mão de recursos musicais atualíssimos, a qualidade vai além do texto, foge da erudição, o som é pesado. Aqui não vale eleger estrela de maior grandeza, Mc Carol nunca vai ter um status social e histórico que se equipare ao de Chico Buarque, mas ela existe e defende suas ideias com os recursos que dispõe. É aí onde está sua grandeza.


ARTE

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Título: Baderinwa; Técnica: Tela em óleo; Dimensões: 60 x 80. Legenda: Merecedora de respeito. A batalha por terras e direitos. (Fase adulta)

Ava Romanovsky LUPPA MARÇO 2017 | 13


Por Rillary Martins e Luciana Ferreira

“VEM, VAMOS PRA RUA. PODE VIR QUE A FESTA É SUA!” É importantíssima a participação de movimentos sociais para o fortalecimento da democracia, para a conquista de direitos e melhorias na qualidade de vida. Nesse sentido, no ano de 2015, surge em Campina Grande, o Movimento OcupAçude, idealizado por Marihana Cirne, Manoella Cavalcanti e Raphael Santos. A ideia é incentivar a ocupação dos espaços públicos da cidade. Através de uma página no Facebook a ação foi divulgada e a população convidada a participar do movimento que ocorre com intervalos de dois a três meses. Além de mostrar para a sociedade que o espaço público não só pode como deve ser ocupado, a iniciativa tem diversos aspectos positivos, como promover a movimentação de pessoas em um local tido como “perigoso” (justamente por não ser frequentado). Proporciona ainda a integração de di-

ferentes grupos, une movimentos artísticos de vários âmbitos, promove o comércio local e se constitui momento de socialização, despertando a população para as possibilidades de lazer em áreas abertas que a cidade oferece e que na maioria das vezes passam despercebidas. Quanto ao público-alvo não há segregações. “O público que queremos atingir é a população em geral. Queremos retomar os olhares para esse espaço de tamanha potencialidade de forma democrática, de forma que ele seja utilizado por pessoas de diferentes faixas etárias e de qualquer classe social”, destaca Marihana Cirne. “A ação é importante para compartilhamento das atividades artísticas e culturais, além de voltar nossa atenção para locais que pela violência leva ao abandono. E vejo muito respeito quanto à questão da

Beatriz Leite/ Alternativa Fotografias

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Beatriz Leite/ Alternativa Fotografias

diversidade e das diferenças.” Segundo Robert Almeida Costa, estudante de Psicologia que esteve presente em algumas ocupações. O engajamento cada vez maior de pessoas que compartilham dos mesmos sentimentos e objetivos, fez com que o movimento ganhasse novas proporções, estendendo-se para outros locais da cidade, como a Praça Tobias de Pace, no bairro do Catolé, que promoveu o OcuPraça. E assim como os artistas, que trabalham de forma voluntária, qualquer pessoa interessada em se integrar na organização é só entrar em contato com os idealizadores do evento através das redes sociais (facebook.com/ocupacude; Instagram.com/ocupacude).

As primeiras edições do movimento ocorreram no Parque Evaldo Cruz, conhecido como Açude Novo, contando com música, dança, literatura, artes visuais e outros.

Estimativas de público nos eventos: 1º - 300 pessoas 2º - 500 pessoas 3º - 900 pessoas 4º - 1600 pessoas

A CIDADE É MINHA, A CIDADE É SUA, A CIDADE É NOSSA, OCUPE-A!

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CIDADES

Brechó TUDO NOVO, DE NOVO Andreza Valdevino, Kermelly Santos e Taís Resende

A Ressignificação dos brechós De ultrapassado à cool Desde o século XX os brechós estão circulando pelo Brasil. Hoje, ganharam uma nova faceta. Considerado nos dias atuais como um ambiente de "achadinhos", virou queridinho das blogueiras e de seus seguidores. Em Campina Grande encontramos seis deles:

BRECHÓ MOÇA DE LUXO Rua José Araújo Freire, 326 Presidente Médici Campina Grande - PB. Contato: 9 9600-2690

BRECHÓ ASTRAL Itinerante - não possui endereço fixo. Campina Grande - PB Contato: 9 9961-4765 BRECHÓ CASA AMARELA Rua Afonso Campos, 167 Centro Campina Grande - PB.

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BRECHÓ DA VITÓRIA Rua Arrojado Lisboa, 901 Prata Campina Grande - PB.

BRECHÓ DA CIDA Rua Major Jovino do Ó, 76 Centro Campina Grande - PB. Contato: 9 9342-4647 BRECHÓ ELITE Rua Nilo Peçanha, 1118 Centenário Campina Grande - PB Contato: 3341-5096


O Moça de Luxo é da empreendedora Silvia Sousa e do advogado Leo Righi. Com 11 meses de funcionamento, dispõe de vestuário masculino, feminino e infantil; além de acessórios e calçados.Trabalha com aluguel de roupas para festas e eventos, conserto e criação de peças sob medida. Ah, não aceitam permutas mas aceitam parcelamentos! https://www.facebook.com/mocadeluxo

O Brechó Astral por ser itinerário não possui lugar fixo, porém, divulgam os locais onde vão estar através das redes sociais. João Paulo Xavier e Raíssa Almeida, estudantes de Comunicação e organizadores do brechó, vendem roupas e acessórios. Geralmente não aceitam permutas, mas abrem uma exceção se a peça for interessante. https://www.facebook.com/BrechoAstral

Organizado por Kati Tomati e Emannuel Messias, a Casa Amarela foi inaugurada no mês de junho. Recebem roupas e tem a colaboração de algumas marcas. Oferecem diversos produtos como acessórios, livros, além de roupas femininas e masculinas. Oferecem um espaço para que você desapegue de coisas que não lhe servem, mas que podem servir para outra pessoa! Ah, ressaltamos: não é possível trocar uma peça por outra. https://www.facebook.com/casaamarelacg

O Brechó Vitória funciona há dez anos trabalhando com roupas usadas e semi-novas, com preços variados. Célia, a dona do brechó, compra roupas usadas para revenda. Não aceita câmbio de peças. Há nove anos funcionando, o brechó da Cida trabalha por consignação, isto é, 50% da pessoa que forneceu o produto e 50% do brechó. Vendem-se roupas, acessórios, sapatos, CD's, eletrodomésticos com preços razoáveis. Funciona às terças e quintas-feiras, das 14h ás 16h30.

Funcionando há dezesseis anos, o brechó conta com peças - a maioria feminina - em bom estado. Vendem roupas, acessórios, bolsas e sapatos. Aceitam permutação dependendo do estado. A renda é particular.

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CIDADES

CICATRIZES DE CON

Por: Ricardo Junior

Caminhar pelo movimentado Centro de Campina Grande poderia ser uma agradável e rica experiência se, ao invés de repararmos apenas nos indícios da modernidade ao nosso redor, pudéssemos contemplar também, a sua história materializada em prédios antigos, cuja importância perpassa o número de tijolos, a quantidade de cimento, os litros de tinta empregados para construí-los. O que vemos, na realidade, são transeuntes sempre a passos largos, preocupados com suas próprias vidas: trabalho, estudos, consultas médicas, encontros afetuosos, compras insaciáveis. Tantos compromissos... A vida não pode – e nem costuma – esperar. Saborear os lugares e as lembranças que eles evocam é virtude de quem já encara no espelho as cicatrizes da mera condição da existência.

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Localizado na Rua Irineu Joffily, ergue-se com imponência o amplo espaço retangular onde funcionou por mais de seis décadas o Cine Capitólio. Cercado por estabelecimentos comerciais, com sua fachada tomada caoticamente por vendedores ambulantes e mototaxistas, não resta a menor dúvida do quanto a cidade se desenvolveu economicamente desde que foi inaugurado, em 20 de novembro de 1934. Somente o letreiro inconfundível, mais débil que nunca, anuncia sem o brilho ofuscante de outrora aquele que se consolidou como o mais prestigiado núcleo artístico-cultural de Campina. Apesar da ação implacável do tempo, as surradas paredes que lhe dão forma seguem firmes e fortes, servindo inclusive para mascarar um interior entregue às ruínas, tomado pelo lixo.


NCRETO – MEMÓRIAS DO CINE CAPITÓLIO Recentes anúncios de eventos – que os jovens insistem em denominar de culturais – se sobrepõem aos resquícios dos velhos cartazes publicitários ali colados. “Se o Capitólio fosse meu, eu mandava grafitar”, declara a inscrição em grafite gravada na lateral esquerda do prédio. Ela, junto a outras tantas – como, por exemplo, “rico depende do pobre pra tudo”, “exu não é demônio” e “seja livre, seja quenga” –, revela a situação de mais absoluto descaso ao qual, infelizmente, ele se encontra. Intencional ou não, há um tom de sarcasmo na díade alegação-ato que acaba reforçando o fato de que, na prática, o lugar não pertence a ninguém. Grupos que vivem à margem da sociedade apropriam-se de tal fragilidade para ecoar seus gritos mais urgentes. É como se a estrutura do Cine Capitólio, relegada a um estado de letargia desde que foi desativado em fins da década de 90, resolvesse manifestar as convicções deles por meio de cores, desenhos e palavras de ordem. Enquanto alguns querem se fazer entendidos, outros se escondem na incerteza dos símbolos. De qualquer forma, clamam aos quatro cantos para serem finalmente ouvidos. Não entendam mal, qualquer forma de expressão artística é válida e precisa devidamente ser estimulada; menos quando se trata de um prédio com inestimável valor histórico. Nesse caso, se configura crime contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, de acordo com os Artigos de 62 a 65 da Lei 9.605 de Crimes Ambientais, sancionada em 12 de fevereiro de 1998.

Berço do Cineclubismo Em 1964, o Cine Capitólio tornou-se o berço do movimento cineclubista de Campina Grande, responsável por reunir os jovens aficionados pela sétima arte para então discutir os filmes exibidos durante a semana. Naquele ano, o Brasil atravessava o lancinante período da Ditadura Militar, mas os integrantes do movimento, de tão jovens (entre 14 e 17 anos de idade), não possuíam um discurso essencialmente politizado. Havia uma irresistível excitação em descobrir e compreender as mensagens que as obras pretendiam difundir. Nesse sentido, o cinema se revelou um poderoso instrumento de reflexão e questionamento da realidade. “Dr. Fantástico” de Stanley Kubrick, por exemplo, suscitou uma série de discussões quanto ao uso de bombas atômicas como ar-

Fotos: Kermelly Santos

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Foto: Kermelly Santos

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CIDADES

armamento de guerra – empregando o contexto da Guerra Fria como pano de fundo –, e os potenciais riscos que elas representam à vida na Terra. Para alcançar tal objetivo, o renomado diretor apostou numa linguagem ácida e igualmente engenhosa. Já a narrativa de “Os Boas Vidas”, filme dirigido pelo italiano Federico Fellini, até certo ponto, refletiu a trajetória de inúmeros campinenses que em fins da década de 60 deixaram a cidade na busca por melhores perspectivas de vida e de trabalho nos grandes centros urbanos. Essa memorável seleção fílmica cabia ao Cineclube Campina Grande, cuja equipe estava sob o comando de Luiz Carlos Virgulino, um dos idealizadores do movimento. Priorizando o cinema norte-americano, mas abrindo espaço para as produções europeias e nacionais, foram muitos os filmes que encantaram a população durante as sessões, sempre realizadas nos seguintes horários: 15h 30min, 19h e 21h. Uma em especial, chamada “Cinema de Arte”, oferecida unicamente às quartas-feiras, se consagrou como um verdadeiro acontecimento na cidade, na medida em que estabelecia um diálogo entre a sétima arte e a cultura universal, proporcionando, assim, o encontro de diferentes gerações. Outra que fez bastante sucesso foi a sessão “Cine Distração”, promovida às 10h das manhãs dos sábados pelo Centro Estudantal Campinense. Na ocasião, foram exibidos filmes com teores humanístico, artístico e cultural, cujas propostas de linguagem e estética eram inovadoras para a época. LUPPA MARÇO 2017 | 20

Os cineclubistas não se davam por satisfeitos em assistir às projeções cinematográficas uma única vez e logo retornavam para fazê-lo, o que ampliava consideravelmente as posteriores possibilidades de reflexão e debate. As conversas geralmente tinham início à frente do Cine Capitólio, outras vezes em bares e restaurantes existentes naquelas imediações. Depois de uma semana, as discussões finalmente se estendiam ao Cineclube, nas reuniões de domingo. Sem dispor da quantidade de informação disponível hoje em dia (haviam pouquíssimos livros sobre cinema nos anos 60), e com recursos financeiros bastante limitados, o movimento talvez fosse a única forma de adquirir conhecimento sobre o assunto. Esse intercâmbio intimista do saber conferiu uma riquíssima formação cultural aos seus integrantes, e chegou a influenciar muitas das decisões por eles tomadas ao longo da vida. Por se tratar da única opção de lazer da cidade naquele contexto, onde os ingressos custavam um valor bem acessível, o lugar também atraía jovens sem interesse algum por cinema e um seleto grupo com poder aquisitivo mais elevado. Essa pequena elite cultural se vestia com uma formalidade distinta, principalmente as damas, em contraste às vestes simples dos demais espectadores. O Professor Doutor do curso de Comunicação Social da UEPB, Luiz Custódio da Silva, acompanhou com muita proximidade o período de efervescência cultural da cidade. No auge de sua juventude, fez parte


da gênese do movimento cineclubista e chegou até mesmo a coordenar várias sessões no Cine Capitólio. Sobre a lamentável situação em que hoje se encontra o prédio, ele diz com um brilho arrepiante no olhar: “É muito triste, uma sensação terrível. Porque foi ali que eu não somente comecei a aprender sobre cinema, mas também foi lá que assisti ao meu primeiro filme: “Intriga Internacional” de Alfred Hitchcock. Acho uma barbaridade [o prédio] estar na decadência que está”. Custódio revela já ter conversado com pessoas influentes para reverter o quadro, e apesar das perspectivas nem um pouco promissoras, o eterno sonhador parece não desanimar quanto ao futuro do lugar. “Eu gostaria que fosse uma espécie de centro cultural, onde se continuasse a exibir filmes autorais (no passado chamado cinema de arte) e temáticos; talvez uma sala só para as produções locais e outras para funcionar os debates do movimento cineclubista, além de atividades artísticas e culturais. E que tivesse também um espaço para os segmentos comunitários. Isso poderia incentivar uma infinidade de jovens a acompanhar a história do cinema e essa trajetória hoje em dia”. O professor ainda lamenta o fato das universidades e gestores cruzarem os braços para o problema, e propõe a organização da sociedade em prol dessa luta. Uma sugestão pertinente, inclusive. Afinal de contas, é o nosso patrimônio que vem sendo depredado por ações de puro vandalismo. É o nosso patrimônio que está sendo simplesmente esquecido – como se não tivesse nenhum valor – pelas autoridades e órgãos públicos que deveriam pretender medidas a fim de preservá-lo. Trata-se de um prédio que concretiza toda a conjuntura social, econômica, artística e cultural de uma época. Não se pode fechar os olhos quanto a isso. A sociedade precisa abdicar da passividade que por muito tempo lhe foi imposta e começar a batalhar pelo que acredita. A democracia lhe garante um poder que talvez ela não tenha se dado conta. Usemos as novas tecnologias para algo realmente útil. Até lá, nos resta um amargo saudosismo. Os créditos atravessam a tela escura com uma pressa incômoda.

#FicaADica TÍTULO EM PORTUGUÊS:

Dr.

Fantástico TÍTULO ORIGINAL: Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb DIREÇÃO: Stanley Kubrick ANO DE LANÇAMENTO: 1964 GÊNERO: Comédia DURAÇÃO: 1h 35min. NACIONALIDADES: Estados Unidos da América / Reino Unido

TÍTULO EM PORTUGUÊS: Os

Boas

Vidas TÍTULO ORIGINAL: I Vitelloni DIREÇÃO: Frederico Fellini ANO DE LANÇAMENTO: 1953 GÊNERO: Comédia DURAÇÃO: 1h 47min. NACIONALIDADES : França / Itália

TÍTULO EM PORTUGUÊS: Intriga

Internacional TÍTULO ORIGINAL: North

By

Northwest DIREÇÃO: Alfred Hitchcock ANO DE LANÇAMENTO: 1959 GÊNEROS: Ação / Aventura / Suspense / Espionagem DURAÇÃO: 2h 16min. NACIONALIDADE: Estados Unidos da América

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Ele: Como um planeta no universo. Eles que servem pra mostrar a gente o entendimento da poeira cósmica que é o homem no espaço... A pergunta era simples. “Como é ser hippie nessa selva de pedra?”. O interessado: Eu, apenas um estudante universitário a beira de um ataque de nervos para entregar um trabalho sobre a vida alternativa na cidade grande. Não conseguia enxergar sentido na resposta do homem com longos cabelos no estilo rastafári, sentado na calçada, criando alguma arte com arames e fios. Eu acenava a cabeça positivamente com aquele sorriso indecifrável tipo Mona Lisa. Eunuco por um momento. Parecia que montar um quebra-cabeça de 5000 peças de um quadro de Van Gogh seria tarefa mais amena ao meu Q.I de Humanas. Sim, caro leitor, o esforço para decifrar aquele enigma me tirava do eixo. O que era muito bom, creiam! Eu não era ingênuo, só diferente. Nada mal. Tudo aquilo poderia ir muito além do que eu esperava e foi. - Então, entendendo essa partícula suspensa que é o homem como uma parte pequenina escondida no infinito, você desperta a estrela adormecida do possível... Era um universo oculto, mas existia algo ali. Uma mensagem. Uma inteligência. Eu sentia o homem querendo comunicar algo através de suas crenças, marcas, traços, vivências – algo

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próprio dele diante de mim – astronauta – na miríade de palavras aparentemente inalcançáveis. Mistério a ser desvendado. No fundo, ao descobrir aquele homem eu me descobriria e descobriria outros homens. A Esfinge transcendental da paz e do amor entrevistada era o portal para a compreensão do outro. Este meu diferente e meu igual. - Porque é assim que nos enxergamos como... iguais. O silêncio não perturbava. Não fiz mais perguntas. Agradeci e segui meu caminho. Tranquilo. Admirado com o que tinha acontecido naquele espaço de tempo, naquele espaço de rua, naquele espaço de bairro, naquele espaço de cidade, naquele espaço de país, naquele espaço de mundo, naquele espaço de universo... Olhando o céu, testemunhando o desconhecido e aprendendo novas perspectivas de vida por um olhar bem diferente do meu, guardei o encontro como passo para o reconhecimento da maior de todas as aventuras: o espaço é o lugar das descobertas, das diferenças, das semelhanças, da compreensão e da aprendizagem. - Leandro Pedrosa


ARTE

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Por: Kermelly Santos, Taís Resende e Andreza Valdevino

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we

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Modelo: Thiago Albuquerque LUPPA MARÇO 2017 | 26


We fight together! LUPPA MARÇO 2017 | 27


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Modelo: Luciana Ferreira

Modelo: Alessandra Clementino LUPPA MARÇO 2017 | 28


Modelo: Rayssa Leonel LUPPA MARÇO 2017 | 29


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#Gênero&Sexualidades Por: Rillary Martins e Luciana Ferreira

UMA GISELLY, DE TANTAS OUTRAS “Não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta” forçou ainda mais sua luta por defender aquilo que acredita. Começou a fazer parte de movimentos sociais, em prol do movimento negro, dos direitos das mulheres, dos LGBTQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e queer), dentre outros. “Um mundo onde todos possam conviver uns com os outros em harmonia, com respeito, independente de religião, raça, orientação sexual ou condição financeira. Esse é meu maior sonho.” Ser negra, bissexual e praticante do candomblé em uma sociedade com todo um histórico de preconceito enraizado não seria tarefa fácil, mas Giselly não se deixaria abalar. “Crescer e amadurecer faz com que você abra os olhos para a realidade e enxergue que o mundo não é cor de rosa, e sim colorido, cada um escolhe a cor que lhe convém”, nos alerta.

Sobre amor e crença, o respeito faz toda a diferença Sem crise existencial! Giselly, que até seus dezessete anos teve relacionamentos heterossexuais, sempre encarou bem a ideia de que em algum momento poderia simplesmente se apaixonar por alguém do mesmo sexo e na sua cabeça isso não seria um problema. E não é. Assim como ela, a maioria das pessoas – senão todas – que se descobrem homossexuais ou bissexuais já se imaginam em alguma situação de discriminação. Alguns conseguem lidar bem com isso, já para outros é como se o mundo desabasse aos seus pés. Boa parte de seus familiares convive bem com sua orientação, outros nem tanto. Para alguns, há toda uma preocupação com a questão da violência e a dura realidade que a comunidade LGBTQ+ se depara diariamente. Mas Giselly não desistiu de quem ela é,

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Foto:Marcinha Lima

Passaram-se semanas. Nunca foi tão difícil driblar choques de horários. Mas não desistimos, queríamos Giselly! E cá estamos para contar um pouco de sua história. Pois bem, Giselly da Silva Barbosa, 18 anos, nasceu e foi criada em Campina Grande – PB, e mudou-se há poucos meses para a cidade de Petrolina, no estado de Pernambuco. Sua infância não foi como a de outras crianças, desde muito cedo teve que lidar com situações de preconceito. Escutar críticas e acusações dos colegas era difícil, mas, de forma paciente, sempre tentava mostrar que era possível ser de diferentes formas. E foi assim, aos poucos, que as pessoas mais próximas começaram a compreender que não estar dentro do “comum” era normal, que não existia certo ou errado, melhor ou pior. A transição da infância para a adolescência trouxe amadurecimento e possibilitou a construção de novos conhecimentos e visão de mundo, o que re-

e hoje está noiva de Glaycianny. Há sete anos faz parte de religiões de matriz africana. Atualmente praticante do candomblé, é Ekedy (cargo feminino de zeladora do Orixá) suspensa por Oxóssi do Ilê Axé Ojù Ofá Dana-Dana, da Doné (cargo de Iyalorixá ou Mãe Santo na nação Jeje) Renilda de Oxossi. Com muito orgulho, Giselly fala de como os praticantes se sentem felizes dentro do terreiro, amados pelos Orixás, do quanto queria que todos tivessem a oportunidade de conhecer melhor a religião para desconstruir a visão que se tem de “macumbeiros”, pois só o conhecimento é capaz de desfazer preconceitos. Faz questão de enfatizar que eles são extremamente envolvidos com


causas e movimentos sociais, lutam para defender os princípios e ideologias deixadas por seus ancestrais e tentam garantir que as próximas gerações tenham o direito de cultuar o que ou quem quiser. “Candomblé é resistência!”

Foto:Glaycianny Pires

Giselly também participa de projetos voltados ao movimento negro, como o feminismo negro. Procura disseminar a cultura afro para que as pessoas tenham conhecimento e possam superar as diferenças. Para ela, o preconceito com o candomblé tem relação direta com a discriminação racial, pois é uma prática religiosa de origem africana. E por conta do medo que o ser humano tem do desconhecido, daquilo que não lhe pertence, rejeitar torna-se mais fácil do que acolher. Em meados do século XVI, os europeus começaram a colonizar territórios africanos, e uma justificativa para dominar a população local seria que sua cor era inferior, suja – nasce a ditadura do cabelo liso, uma característica europeia, enquanto o cabelo afro é tachado de “ruim”, “duro” e tantos outros termos pejorativos –, seus costumes (o que envolve as crenças) eram tidos como errados, associava-se

“Uns com a pele clara, outros mais escura, mas todos viemos da mesma mistura” seus cultos politeístas à práticas demoníacas, então os classificaram como inferiores. Giselly costumava alisar o cabelo para estar dentro do tão famoso padrão que a sociedade impõe de que cabelo bonito é cabelo liso. “Comecei a passar produto químico no cabelo aos nove anos de idade e estava muito satisfeita com meu cabelo liso porque as pessoas elogiavam”. Quando passou a estudar sobre empoderamento da mulher, resolveu assumir seus cachos. Um difícil processo de mudança. “As críticas começaram dentro de casa, ouvi meus pais falarem: 'Nossa, como seu cabelo está feio! Por que não dá um jeito nele?'. Ouvir isso, absorver e seguir de cabeça erguida era complicado, mas tive o apoio de muitos amigos que já haviam passado pelo processo e me ajudaram. O empoderamento não está só em deixar o cabelo natural e sim em deixá-lo do jeito que quiser”. As histórias de Giselly nos fazem refletir sobre o fato de que a intolerância racial e o preconceito com a cultura negra não brotam simplesmente do nada, é uma herança antiga, arraigada em nossa sociedade. Algo tão sem nexo, mas que ainda é perpetuado e propagado até os dias atuais, muitas vezes sem o mínimo de questionamento. Mas sua postura determinada e ao mesmo tempo tranquila diante das pessoas e seus julgamentos nos passa a lição de que o amor, a tolerância e a resistência constituem o melhor caminho a ser seguido por aqueles que se propõem a quebrar paradigmas.

“Meu forte sempre foi desconstruir estereótipos” - Giselly da Silva Barbosa

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#Gênero&Sexualidades LUPPA

Opinião

LITERATURA GAY PARAIBANA Jhonatan Leal da Costa (UEPB)

Mosaicos Azuis Desejos, de Antonio de Pádua, usa de sua estrutra narrativa para plasmar a solidão sentida por suas personagens Atravessou todo o imenso corredor da Faculdade de Letras, chegando ao estacionamento do prédio pela saída de emergência. Quando entrou no seu carro, travou as portas, fechou os vidros e retirou do porta-luvas o trinta-e-oito todo municiado. Não deu tempo de pensar para não se arrepender (agora, tem que ser agora, neste exato momento). Apenas apontou a arma para a sua cabeça e, num lampejo de bastante ousadia, apertou o gatilho... (PÁDUA, 2011, p. 09).

O que parece ser uma cena digna de um filme de Pedro Almodóvar é, na verdade, um fragmento da abertura de Mosaicos Azuis Desejos (Ed. Giostri, 221 p., R$ 39), quinto livro de ficção publicado pelo escritor Antonio de Pádua. Dividido em 61 capítulos curtos, o enredo narra a história de Mário, um renomado professor universitário que, após ter encerrado um relacionamento, tenta esquecer o antigo amor com um novo. As lembranças da paixão anterior, no entanto, permanecem vívidas na memória do protagonista, o qual se revela ser capaz de tomar as medidas mais drásticas para se livrar das recordações. Como se não bastasse a dor de ter sido abandonado e de tentar encontrar inutilmente sua antiga relação nas novas que inicia, Mário é homoafetivo e, como tal, precisa lidar com todos os conflitos que essa condição implica em uma sociedade fechada para o amor entre iguais. Em meio a tantos dessabores, a solidão é a única que se faz companheira do professor, da primeira a última página do romance. Mário tem familiares, mas não se sente amado por eles. Possui amigos, mas esses não o preenchem emocionalmente. Resta ao protagonista a busca vã de encontrar completude em amores fortuitos e no sexo descompromissado. Esse perfil funciona como a representação não apenas do sujeito gay, mas do homem contemporâneo, constantemente insatisfeito com as relações que estabelece. É o que

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corrobora o sociólogo polaco Zygmunt Bauman (2008, p. 93), o qual afirma que “as relações humanas não são mais espaços de certeza, tranquilidade e conforto espiritual. Em vez disso, transformaram-se numa fonte prolífica de ansiedade. Em vez de oferecerem o ambicionado repouso, prometem uma ansiedade perpétua e uma vida em estado de alerta”. E é justamente esta instabilidade de sentimentos, promovida pelo medo exacerbado de ficar só, que desperta em Mário um instinto suicida como forma de autopreservação. Após disparar um tiro contra a própria cabeça e sobreviver a ele, Mário é submetido a uma série de cirurgias plásticas e logo em seguida parte em retiro para a Europa. O professor universitário dá início a uma reconstrução física e espiritual de si, numa tentativa de se fortalecer para enfrentar o duro regresso a realidade que insiste em se fazer presente. A imagem desse “estrangeiro”, que ora está em Paris, ora na Palestina, e ora em seu país de origem, o Brasil, revela o estranhamento de um personagem que se faz presente em vários lugares e não se sente pertencente a lugar nenhum. É por isso que Mosaicos Azuis Desejos seduz de formas diversas. Seu texto muitas vezes funciona como metatextos, no sentido de apropriação explícita de discursos prévios para produzir o próprio. Mais do que isso: inova ao resgatar o ideal do movimento Concretista surgido em 1953, que rejeitava as expressões artísticas que distinguiam forma e conteúdo.


Sobre o autor Jhonatan Leal da Costa é formado em Letras com habilitação em língua portuguesa e possui mestrado em Literatura e Interculturalidade pela UEPB, instituição onde leciona desde 2015. Suas pesquisas acadêmicas enfocam a literatura brasileira contemporânea, os estudos de gênero e sexualidades, a literatura infanto-juvenil e a Psicanálise. E-mail: jhonatan_leal@hotmail.com

A novidade trazida ao universo das letras por Antonio de Pádua é, no entanto, a não recusa ao estilo intimista e a preocupação para com as temáticas abordadas, dois fatores desconsiderados pelo movimento vanguardista. Em Mosaicos, é a estrutura da obra que plasma a solidão vivenciada pelo protagonista. Os capítulos não seguem uma linearidade narrativa, surgem como histórias isoladas (assim como se sente Mário em relação ao mundo), podendo ser lidas, inclusive, de maneira aleatória, única, individual, solitária. Mas como as pequenas peças de um mosaico – e eis o porquê do título do livro –, esses pequenos recortes de história, quando reunidos, compõem uma trama sólida e coerente, representação da condição dialógica em que se encontra o solitário: podemos nos sentir sozinhos, mas nunca estamos sozinhos. Permanecemos em um elo infindável de atribuição de sentidos com e para os outros, como bem definiu Bakhtin (2003). Desse modo, o leitor de Mosaicos Azuis Desejos também é instigado a sair de sua zona de conforto. Para preencher as pequenas lacunas que interligam uma narração e outra, o enunciatário deixa de ser um leitor comportado e passa a participar solidariamente das tensões do livro, imaginando possibilidades coerentes para os espaços vazios deixados propositalmente no enredo. Por trás de Mário, personagem que atravessa a maioria dos capítulos dando sustentabilidade a essa narrativa fragmentada, está um narrador sagaz, que tece, a cada página, o “fio de Ariadne” que o leitor terá que seguir caso deseje sair do labirinto de sentidos criado pelo próprio enunciador. Essa estratégia narrativa é um recurso utilizado pelo autor-implícito, o qual, segundo Dal

Farra (1978), é a instância que empresta ao narrador uma visão menos ou mais restrita do material narrado, contando com a deficiência ou a amplitude de seu ponto de vista para conseguir determinado efeito. E o efeito acontece. Antonio de Pádua, ao criar um mosaico de narrativas que podem sofrer combinações variadas, estabelece uma relação paradoxal de necessidade e independência, o que descentraliza as noções de verdade, desestabiliza o preconceito. A remoção da ideia de unicidade confunde-se com um mosaico de suposições, em que a normatividade é reduzida para dar vazão as multipossibilidades. Nesse sentido, seria possível interpretar a obra como uma espécie de caleidoscópio em que cada capítulo funciona como a faceta de uma verdade provisória, o que estaria para, como observou Ivan Teixeira (2012), o jeito contemporâneo de encarar o absoluto. A engenhosidade da sua estrutura, a honestidade no tratamento de uma das mais antigas facetas da sociedade humana – a homossexualidade – e a destreza com que desvenda as hipocrisias humanas, fazem de Mosaicos Azuis Desejos um romance que se lê num fôlego só!

#LUPPAINDICA Título: Lábios que beijei Autor: Aguinaldo Silva Editora: Siciliano Ano: 1992 Páginas: 216

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#Gênero&Sexualidades LUPPA

PERFIL

ALLAN BANDEIRA E LILITH Essências de um agênero e uma drag não-binária que habitam o mesmo corpo

Estudante de Engenharia Civil na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), pagão, bruxo, pansexual e agênero declarado, Allan Bandeira Costa é o tipo de pessoa na qual não cabem rótulos – apesar de tantas descrições. Aos 27 anos, é um jovem militante LGBTQ's que todas as manas e monas gostariam de ter em seu círculo de amizade. Nascido no Rio de Janeiro, Allan veio ainda criança para Campina Grande, e foi em solo paraibano que decidiu ser uma drag. “Eu via as drags e achava fantástico”, conta com entusiasmo. No início foi difícil, já que ele se sentia “super bad” quando tentava fazer algo que fugisse do binarismo. “Essa dicotomia entre o que é masculino e feminino… do menininho que tem que fazer o personagem de menininha, nos moldes da mídia: cabelo grande, peito bonito, salto alto, elegante, sempre bonita e perfeita… eu não gosto disso!”. A primeira vez que deu vida a uma drag foi em 2008, uma não-binária chamada Sara Fiorucci que, nas palavras do próprio Allan, era “uó”, “breguíssima”, “um desastre”, revela, aos risos. Naquele mo-

mento, o que lhe faltava era empoderamento. Sara acabou não resistindo e “foi para Paris”. Depois surgiu a ideia de fazer Charlote, “uma puta esotérica”. No entanto, em 2015, ao se montar para ir a balada, percebeu que diante do espelho não esta-va Charlote, e sim Lilith. A escolha do nome permeia o paganismo, a mitologia e o empoderamento. Lilith é uma antiga divindade babilônica a qual Allan cultua. De acordo com algumas teorias da conspira-ção, existe uma referência hebraica de Lilith na Bíblia, onde sua imagem é demonificada, ela supostamente seria a primeira mulher de Adão, que não aceitara se submeter a uma figura masculina. É tida também como a cobra que tentou Eva e até mesmo descrita como uma coruja que ataca homens que dormem sozinhos. Indo além das essências e referências mitológicas, a personagem surge na vida de Allan em meio a experiências vividas por ele próprio, que agregam militância e convivência com outras pessoas, em sua maioria, mulheres, seu crescimento, suas lutas, histórias e redescobertas.

INSPIRAÇÃO, DIFICULDADES E MILITÂNCIA Allan e Lilith não estão sozinhos. As Perlutanas, Onika, Doroth Hime, Luci Moon, Ororo, Von Potter, Nelita, Uli, Amelie, dentre outras, são uma família de drags que hoje se mostram como a inspiração de Lilith. Além delas, Allan lembra o reality show americano RuPauls Drag Race como um estímulo ao surgimento de novos personagens e assegura ainda que aqui no Brasil já existiam várias drags tão incríveis quanto as americanas e é pensando nisso que tanto ele quanto Lilith valorizam muito as drags locais. Numa sociedade preconceituosa e excludente como a nossa, resistir não é fácil, mas Allan Bandeira tenta se manter firme “Eu tenho uma rede de

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amigos e drags que me empoderam, principal-mente na militância. Até pessoas que não são próximas sempre tem uma mensagem legal para dizer”, conta. Aquariano com ascendente em sagitário e vários capricórnios no mapa astral, Allan geralmente não se importa muito com o julgamento das pessoas, mas assegura que não passa de uma máscara, ninguém tem essa força imbatível de sempre abstrair um olhar preconceituoso ou comentário destrutivo. “É fake, fake, fake”, diz entre risos. Allan até já pensou em desistir. “É tão trabalhoso ser a Lilith ou ser qualquer drag. Não é um trabalho reconhecido ou valorizado e a Lilith me esgota basta-


te. Tipo: 'tô' com uma energia, me monto, saio para um trabalho qualquer. No outro dia… é como se fosse uma possessão… quando ela sai ela leva a energia todinha. É um processo árduo”, contou. Mas quando lembra da capacidade de empoderamento desse trabalho, seu ânimo ressurge. “É um ato político ser drag queen e as atuais estão se posicio-nando mais, existe mais diálogo. A militância é fundamental numa drag”.

Em agosto de 2016, aconteceu o que, para Allan, foi seu melhor momento. Um de seus irmãos, Gabriel, de 13 anos, chegou da escola contando que um de seus colegas gostaria de conhecer a Lilith, porque a achava maravilhosa e também queria ser drag. “Já tive muitos momentos bons, mas esse foi muito importante”, contou sorridente e emocionado.

Foto: Hítalo Bezerra

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#Gênero&Sexualidades LUPPA

PERFIL MONTAÇÃO, PERFORMANCE E DINHEIRO Por Maryanne Paulino

A Lilith é uma drag clubber, mais trick e bem dark, também não apresenta dicotomia entre gêneros. Ela sempre tem um aspecto muito mitológico e muito trevoso ou muito trevoso sem mitologia alguma. “Mesmo quando tento fazer algo mais perto do binarismo como um peito, uma peruca ou um salto, ela insiste em ter um aspecto de morta, no mínimo”, brinca Allan. O processo de montação é demorado, leva entre duas a seis horas. Tudo começa com um processo criativo, se pensa na ideia a ser transmitida, no look, na maquiagem, na performance… tudo para aquele dia específico, mas sempre levando em conta o conceito da Lilith. Começar a montação como Allan, terminar como Lilith. É sempre assim: ela

“baixa” nele. Quanto a performance, geralmente não há uma coreografia planejada, segue apenas uma ideia, mas prefere atuações melancólicas, mais lentas, que tenham uma referência mais espiritual ou existencialista. Há ocasiões em que isso muda, como em abril de 2016, quando, junto com as Perlutanas, abriu o show de Inês Brasil em Campina Grande e a coreografia foi muito bem planejada. Já sobre retorno financeiro, Allan confessa: “Miga, não, ainda não dá para ganhar um bom dinheiro. A gente faz um show hoje com base de 200 reais, para discotecar algumas horas, mas são muitos os gastos, a gente gasta muito com maquiagem, por exemplo”.

Foto CAPA: Igor do Ó Foto: Zilmarc Paulino

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Foto: Zilmarc Paulino

“ALLAN É A ESSÊNCIA DE LILITH” Com personalidades diferentes, Allan e Lilith são partes integrantes de um mesmo corpo. Algumas vezes há uma potencialização natural do Allan na Lilith, como o fato de ela também ter déficit de atenção e ansiedade - originários de Allan - e não ter como se livrar disso ou quando ele se sente mais vulnerável e reprimido para expor algo no dia a dia, mas quando está na Lilith se sente mais livre, menos ansioso e mais empoderado. Ela, aliás, é uma força tão grande na vida de Allan que chega a ser mais fácil descrevê-la do que a si mesmo. “Ela é uma força, 'pra' mim, enquanto Allan, ,para todas as pessoas que falam que ela é uma força,

uma proteção, e para as que quiserem que ela seja. Então eu acho que a Lilith é uma força mística e incontrolável. Mas Allan… Allan é tão perdida, mulher”, conta rindo. Enquanto Lilith tem uma personalidade mais agressiva e dark, Allan é calmo, leve. “A Lilith é até um pouco chata. Acho que não iria querer conhecê-la se não fosse eu”, brinca. “Mas é muito incrível viver essas duas personalidades. ” Allan é a essência da Lilith, é o que faz essa força mística existir. “A Lilith só pode existir porque eu existo e Allan não poderia ser outra drag que não ela”, assegura com um sorriso.

Allan é a essência da Lilith, é o que faz essa força mística existir.

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#Gênero&Sexualidades

Por Maryanne Paulino

Ela só queria usar o banheiro feminino... Quarta-feira, feriado, 19h30m. Normalmente, eu e minhas amigas estaríamos na universidade, mas, cara, feriado tá aí pra isso: relaxar. Vamos beber. Fomos a um hipermercado. Amelie e eu seguimos para a seção onde ficam as bebidas. Cachaça com mel é a escolha do dia. Vitor e Ana foram para o outro lado procurar salgadinhos. ― Quinze minutos perto do caixa 5, OK? ― falou Vitor.

― Porra! A Ana tá demorando muito, vamos lá ― disse Vitor já um pouco irritado. Chegando próximo aos banheiros já se ouvia a gritaria. ― Esse homem aqui quer entrar no nosso banheiro. Tá vestido de mulher, mas é homem ― gritava histérica, na porta do banheiro feminino, uma mulher cis. “Ana”, pensei, “a confusão é com ela.”

E 15 minutos depois estávamos todos juntos na fila. Era tanta gente fazendo compras que demorou um pouco para chegar a nossa vez. Tempo suficiente para falarmos da próxima prova da universidade, memes e vídeos virais.

Ana é trans. Mulher trans. Estava no direito dela usar o banheiro feminino. ― Moça, já disse que sou mulher ― falou Ana já um pouco constrangida pela situação.

― Vinte e cinco reais ― disse a atendente. ― Eu pago, gente. Depois vocês me dão uma parte ― falei e todos concordaram. Paguei, Amelie pegou as sacolas e já na saída do mercado Ana disse que precisava ir ao banheiro. Pediu que a esperássemos ali, não ia demorar. 10 minutos e nada. 15, 20 minutos e nada de Ana voltar.

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― Não é, não. Aposto que tu só queria olhar as mulheres, seu escroto ― bravejava a mulher cada vez mais estressada. Ana estava desnorteada. Mais uma vez aquele problema… ― O que é que está acontecendo aqui? Nossa amiga é mulher e vai usar esse banheiro, sim ― disse Vitor se posicionando ao lado de Ana.


#Gênero&Sexualidades

― Nem pensar! Não é mulher. Olha essa cara de homem... Eu quero ele longe do meu banheiro ― dizia a mulher ― Desejo mais é que ele e todos desse tipo morram! Bando de aberrações. Ah se eu pudesse... “Aberração? Morte? Isso não dá”, pensei. Neste momento, Ana já estava aninhada nos braços de Vitor, chorando compulsivamente. A força que ela tinha acabou quando foi humilhada e ameaçada. Meu coração ficou apertado. A abraçamos. Havia várias pessoas em torno de nós e elas estavam divididas: algumas discutiam com a mulher, reprimindo sua fúria e ódio, outras, lhe apoiavam e continuavam a xingar nossa amiga.

Minha memória já está falha. Isso aconteceu há alguns anos, mas me lembro bem. Naquele dia o nosso feriado foi destruído por ódio e preconceito. Mas resistimos, ainda estamos aqui, todos juntos, formados e amigos. Ana hoje está mais forte, mais empoderada. Passou e ainda passa por outras situações de constrangimento e preconceito, mas sempre vai até o fim, em busca dos seus direitos. Certo dia me disse: ― É delicioso ser mulher, mas as vezes é doloroso. Uma luta diária para reafirmar meu gênero na sociedade. Tem dias que eu só quero usar o banheiro feminino em paz...

Sabíamos o que fazer e seguimos para a delegacia mais próxima. Registramos o B.O. O processo? Não foi pra frente. Ana não quis tomar outras atitudes judiciais, estava esgotada psicologicamente. Da mulher, aliás, não tivemos mais notícias. Nem queremos.

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Foto: Rafael Braga

Por: Andreza Ewelyn e Calina Araújo

Músico Independente Augusto Carvalho e a “arte pela arte”

O paraibano Augusto Rafael Carvalho, 25 anos, graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Campina Grande e mestrando em Acústica pela Universidade Federal de Santa Catarina, tem uma história com a música desde os 13 anos de idade, quando aprendeu a tocar violão e guitarra. Desde então, participou de várias bandas e projetos, tais como o “Um Monte de Areia em Cima do Carro” e “Universo de Bolso”. Sua carreira teve início na Inglaterra, onde gravou um EP com duas sessões de vídeos, intitulado “Mini-Acústico Augusto” e um CD com seis faixas, intitulado “Cacholete”, o qual proporcionou uma turnê pelo Brasil. Em entrevista, Augusto nos contou como é a vida de um músico independente e as dificuldades que enfrenta ao se dedicar a essa profissão.

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Você tem uma experiência musical marcada por desafios, diante disto, como é viver da música? Viver de música é muito difícil, porque você se propõe a uma vida fora dos padrões, onde não existe uma rotina certa e a questão financeira e pessoal também pesa muito. Passar 45 dias em turnê sem ver a família, de hotel em hotel, é muito complicado. Quanto à questão financeira, enquanto um show rende uma boa quantia de dinheiro, não existe segurança. Hoje é e amanhã pode não ser. Artistas saem de cena do dia pra noite. Diria que essa é a maior dificuldade, pelo menos pra mim. Não me acostumei com isso ainda, por isso decidi investir meu tempo em algo mais rentável e seguro, por enquanto.


Hoje em dia vemos que as mídias sociais são grandes aliadas da divulgação e você têm vídeos do seu trabalho sendo visto por várias de pessoas. Qual foi a sua reação quando percebeu a dimensão disso? A primeira reação foi de muita surpresa. O primeiro vídeo que lancei foi “Boa Hora”, hoje com mais de 50 mil visualizações. Quando lançamos no YouTube, eu não esperava que a repercussão fosse tão boa, porque a música é muito simples e aquela versão também é. Em menos de 24 horas já tinha mais de 1000 visualizações, o que acho considerável pra quem está começando. Quando fui postando outros vídeos, começaram a chegar mensagens elogiando, falando como minhas composições tinham tocado a vida de determinadas pessoas de forma bem particular. Existe um caso que me emociona muito: lembro-me de um rapaz que dormiu pra sempre ouvindo “Música de Frio”. A amiga dele tinha me enviado um e-mail falando que ele estava muito doente, mas muito feliz por ter descoberto minha música, e sentia muito por não poder ir a um show meu antes de partir. Marquei com eles um skype pra eu fazer um show particular, mas foi tarde demais pra ele. O papel do artista é aproximar a arte das pessoas, porém nem sempre é fácil. Qual a maior dificuldade? A maior dificuldade depende de cada um, porque cada caso é um caso. Tem gente que tem dinheiro pra investir, mas não tem talento. O oposto também ocorre. Eu pensava em desistir enquanto encarava a música como obrigação, como meu ganha-pão. Isso me frustrava muito, porque eu criava muitas expectativas e nem sempre elas eram atendidas. Quando decidi fazer a música pela música, sem esperar nenhum retorno financeiro, fiquei mais feliz comigo mesmo. Agora, pra mim é a arte pela arte. A sombra da desistência desapareceu depois que passei a encarar as coisas dessa maneira. Desmonetizar o que a gente ama é a única forma de fazermos algo com felicidade e amor.

Está mais complicado viver de música ou era mais difícil antigamente? As mentes de hoje tendem a ser mais criativas que as de antigamente devido ao maior acesso à informação, o que nem sempre se aplica a todo mundo. Isso gera um mercado de arte maior, com maior variedade e muitas opções. Além da variedade, também gera muita coisa igual, então é difícil encontrar alguém que tenha um som original, o que quer que isso signifique. Eu acho que viver de música sempre é difícil no começo. Se você estiver com a mente aberta para as novas experiências e para dar a cara a bater, um dia vai dar certo. Maior exemplo disso é o Cartola, que lançou seu primeiro disco oficial com 66 anos. Hoje há uma facilidade maior por conta das redes sociais. Isso ajuda a ter um alcance maior e até cria celebridades, como é o caso da Mallu Magalhães. Tudo depende se você é bom no que faz e se tem perseverança para continuar fazendo frente às adversidades. No cenário atual da Música Brasileira, você acha que o independente tem mais espaço? Quais dicas daria a um artista ou banda independente iniciante? Sim. Iniciativas como o Fora do Eixo, por exemplo, fomentam os artistas independentes e os incentivam a continuar produzindo. Outros programas lançados por empresas privadas e editais de fomento à cultura, lançados por partições públicas, também são uma ótima oportunidade para conseguir financiamento. Se a ideia for economizar, grava-se um vídeo e faz-se o upload nas redes sociais, tendo seu trabalho apreciado por outras pessoas. A evolução dos softwares de gravação (DAWs) também foi essencial para os músicos independentes. Enquanto antigamente se precisava de uma produtora, de ir para o estúdio com centenas de quilos de instrumentos para gravar, pagando muito caro, hoje um artista sem muitos recursos pode construir seu próprio estúdio em casa e obter alguns programas que são oferecidos de graça. O barateamento do processo de gravação ajuda bastante. Assim que se constroi esse espaço, se consegue acesso universal aos meios de produção musical e o desvencilhar das garras das produtoras.

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Coração clandestino

Nessa cidade faz frio. Pela manhã, no ônibus, os corpos paralisados por alguma inércia gelada não deixam a fala ou o olhar interagir. Da vista da janela a vida parece escassa. As portas fechadas, a rua calada. Quantos segredos estariam guardados ao redor? Quanto cinza ainda passaria rente à vista? Frio. “O que será que esse cara tá olhando?” Deduzi o pensamento de uma moça que atravessava a catraca do coletivo segurando livros. Era o dia sendo ele mesmo. Pensamentos distantes, mais lentos que a velocidade dos automóveis, mais rápidos que as horas da manhã. Breque. Subiu alguém. Um homem jovem, nada mais que 30 anos. Quantos rapazes beirando seus 30 entravam naquele coletivo diariamente? Centenas talvez. Fui surpreendido. Música entoada de um acordeom. Bela e distinta. Um ritmo diferente. Nada que soasse como a regionalidade sonora. Como não notara que trazia consigo uma maleta de instrumento? Algo mudou ali. Os olhares focados naquele homem músico e equilibrista rompeu o gelo do início da manhã. Existe uma mágica na música. Ela invade sem permissão os corpos, fincando uma sensação de arrebatamento. Começou a cantar, mas não em português. Deixei acontecer e quando terminou, para minha surpresa

percebi vida ali. Aplausos. A esperança é uma serpente a espreita na selva. Aquela imagem surpreendia pela magnitude dos gestos humanos. O homem contou um pouco de sua história. Narrou sobre a saída da terra natal e sobre o modo que vivia, sempre viajando, contando com os trocados dos anônimos que contribuíam após suas apresentações. Pensei na terra daquele homem, na família e amigos deixados para trás. Por que exatamente? Para que? Seria um sonho? Pensei também no bilhete deixado em cima da estante da sala – ou teria sido no chão, passado pela fresta da porta? Quando estendido o chapéu para o meu lado - paralisei. Ele desceu. Aonde iria? Através da janela olhei fixamente até a velocidade do ônibus forçar a mudança de paisagem e o homem sumir. Na tentativa de reativar aquele sentido passional, afetivo e catártico coletivo tentei balbuciar uma canção que diz: “Poeta, palhaço, pirata, corisco, errante judeu/ Cantando/ Dormindo na estrada, no nada, no nada/ E esse mundo é todo meu/ Mambembe, cigano/ Debaixo da ponte/ Cantando/ Por baixo da terra/ Cantando/ Na boca do povo/ Cantando”, mas não tive voz. - Leandro Pedrosa

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ARTE

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Bem-vindos ao lugar reservado aos cinéfilos, ao espaço onde a sétima arte se faz onipresente. Pra você que ainda é adepto a correr na locadora do bairro e alugar filmes pro final de semana, ou você, que utiliza a Netflix diariamente, ou até mesmo, os fãs de Torrent e sites onlines, se aconchega aí no sofá, prepara a pipoca com manteiga e aproveita as indicações da Revista Luppa!

Por Sabrina Cipriano e Luanna Albéria

WE CAN DO IT! A Excêntrica Família de Antonia: Vencedor do Oscar 95, como Melhor Filme Estrangeiro, A Excêntrica Família de Antonia vai além, ao contar a história de uma encantadora geração de mulheres, comandada por Antonia. O filme aborda personagens que divergem os padrões estabelecidos pela sociedade e se apodera do assunto Feminismo de maneira sucinta e bem explicada.

Allan Bandeira e Lilith - As essências de um agênero e uma drag não-binária que habitam o mesmo corpo RuPaul's Drag Race: RuPaul's Drag Race é um reality show norte-americano, idealizado e apresentado pela famigerada drag queen RuPaul, o programa procura carisma, singularidade, coragem e talento de uma drag queen. A série tem 5 temporadas disponíveis no serviço de streaming Netflix.

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Tropa Campina - Derrubando fronteiras, conquistando o seu lugar Desafiando Gigantes: Grant Taylor, técnico do Shiloh Eagles School há seis anos, nunca conseguiu levar sua equipe de Futebol Americano ao título da temporada. Além do mau desempenho no trabalho, o treinador enfrenta outros problemas graves em casa e seu estado psicológico e moral nunca esteve tão abalado. Quando tudo parece estar prestes a ir para o ralo, algo muda o destino do time. Vale a pena se emocionar com essa história.

Literatura Gay Paraibana A Single Man (Direito de Amar): George (Colin Firth) é um professor de inglês, que repentinamente perde seu companheiro de 16 anos. Sentindo-se perdido e sem conseguir levar adiante sua vida, ele resolve se matar. Para tanto passa a planejar cada passo do suicídio, mas neste processo alguns pequenos momentos lhe mostram que a vida ainda pode valer a pena.


Louco é quem me diz Uma experiência etnográfica Sem luta não há conquista Amantes Constantes: O longa conta a história de um grupo de jovens que se integraram ao movimento estudantil e participaram de barricadas e confrontos com a polícia em maio de 1968, na França. Um ano depois, François, seus amigos e Lille, uma bela escritora ao qual se apaixonou, dedicam-se ao ópio enquanto lembram-se dos momentos mais marcantes da revolta.

Estamira: Trabalhando há cerca de duas décadas em um aterro sanitário, situado em Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, Estamira Gomes de Sousa é uma mulher de 63 anos, que sofre de distúrbios mentais. O local recebe mais de oito mil toneladas de lixo da cidade do Rio de Janeiro, diariamente, e é também sua moradia. Com seu discurso filosófico e poético, em meio a frases, muitas vezes, sem sentido, Estamira analisa questões de interesse global fala também com uma lucidez impressionante e permite que o espectador possa repensar a loucura de cada um, inclusive a dela, moradora e sobrevivente de um lixão. A exaltação de autoras femininas no projeto "Leia Mulheres" em Campina Grande As horas: O filme ganhador do Oscar conta a história de três personagens depressivas em diferentes épocas. De alguma forma, as histórias da escritora Virginia Woolf de 1923, da dona de casa Laura Brown de 1951 e da moderna, independente e nova-iorquina Clarissa Vaughan de 2001 se interligam por conta do livro de Virginia, “Mrs. Dollaway”, que escreve os capítulos e acaba influenciando a vida de Laura. Clarissa é a personificação da personagem do romance. Aos poucos, é revelada a depressão de cada protagonista em sentidos claros e discretos.

Uma Giselly, de tantas outras Preciosa: O filme conta a história de uma jovem de 16 anos, negra, pobre e gorda, fora dos padrões de beleza em Nova Iorque nos anos 80. Preciosa passa a sua vida toda sofrendo abusos dos pais e bullying dos “colegas”. Preciosa tem um filho apelidado de Mongó, portador de síndrome de Down. Na sua segunda gestação, ela é expulsa da escola e levada para outra, especial. Lá, Preciosa encontra um meio de fugir de sua existência traumática, se refugiando em sua imaginação.

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CULTURA A exaltação de autoras femininas no projeto "Leia Mulheres" em Campina Grande Por José Pedro da Silva Júnior

Leia mulheres é um projeto que tem ganhado destaque em várias partes do país. Trata-se de um grupo de pessoas que se unem para ressaltar as vozes femininas na literatura tendo como inspiração a escritora britânica Joanna Walsh. Em Campina Grande, o projeto tem encontros mensais, sempre às 18h da última sexta-feira, no Teatro Municipal Severino Cabral e com entrada franca. Mulheres por mulheres Em 2015, três livreiras de São Paulo, Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques resolveram tirar o projeto do meio virtual e fundaram o primeiro grupo de leituras. Através de uma comunidade de mediadoras, a proposta foi se espalhando por meio de convites direcionados a pessoas amigas e conhecidas de outros estados do Brasil. Hoje, são mais de 30 clubes segundo o site oficial do projeto, espalhados por diversas cidades do país, entre elas Campina Grande. O grupo foi trazido para cá por Samuelly Laurentino e, hoje conta com mais três mediadoras: Renata Oliveira, Aianna Silva e Jéssica Salvino. Em 2014 a escritora Joana Walsh propôs a hashtag #readwomen2014 (#leiamulheres2014). Ao saber do movimento no país, Samuelly entrou em contato para abrir o clube na cidade, com o primeiro livro escolhido, o renomado “O Sol é Para Todos”, da norte-americana Harper Lee. A obra que aborda racismo e injustiça foi vencedora do prêmio Pulitzer de literatura em 1961. “Nos surpreendemos pelo número de pessoas, entre 12 a 15. Não achávamos que viria tanta gente. Vimos que a discussão em si adquiriu autonomia, o que era a nossa principal preocupação; evitar que ficasse aquele silêncio constrangedor”, diz Renata Oliveira, uma das mediadoras do clube. Ainda hoje é possível sentir no mercado editorial certa relutância em publicar obras de mulheres, há uma desigualdade em relação aos escritores. “É um reflexo explícito de uma cultura voltada ao masculiLUPPA MARÇO 2017 | 46

no, que preza por dar visibilidade a obras produzidas por homens, o feminino, a escrita das mulheres fica delegada a segundo plano”, ressalta Jéssica Salvino. Quando tinham a oportunidade de escrever, as autoras se escondiam atrás de um pseudônimo que nada dizia acerca de seu gênero ou então tinham os créditos dados aos esposos. Se assinavam com seu próprio nome, não eram levadas a sério. A proposta principal é levantar esse debate sobre desigualdade de gênero e aumentar a visibilidade da mulher no mercado editorial. Para Renata “essa iniciativa de ler mais mulheres, não só do ponto de vista editorial, é uma conquista, é algo que fará com que outras mulheres tenham mais oportunidade de publicar sua obra. Dialeticamente, a partir do momento que a mulher adquire visibilidade e participa mais, ela vai adquirindo a posição que lhe cabe na sociedade, da qual tem sido sistematicamente privada ao longo da história, já que não é conveniente para o status quo que uma mulher, por exemplo, seja presidente (um cargo de poder), pois ela foi criada para ser uma subalterna. Inverter essa lógica é uma das maiores mudanças que podemos fazer”. No Leia Mulheres, a discussão está aberta a qualquer gênero dentro da literatura. Em março de 2016, comemorando o lançamento da obra completa da autora Ana Cristina César, o clube homenageou a autora escolhendo essa obra para a discussão do mês. Segundo Renata, não houve tantas dificuldades pelo fato de serem poemas, mas sim pela atmosfera que ronda a produção e autora, desde seu suicídio ainda muito jovem, até suas produções melancólicas. “A poética de Ana Cristina César causava essa tensão, como disse uma das participantes: 'O silêncio estava de cortar de fato', inclusive teve gente que se emocionou, muitos se identificaram com os poemas. E ainda contamos com a participação de um membro do Ariel Coletivo, declamando alguns poemas”.


Para junho daquele ano, Clarice Lispector deu o ar da graça com a coletânea “Todos os Contos”, inclusive sendo o evento de maior público e duração: “Trabalhar con-tos foi quase impossível, porque todo mundo trouxe muita coisa para o encontro. Clarice foi outra autora com a qual muitas pessoas se identificaram e o inte-ressante é que apesar de estarmos falando de um personagem, os participantes se referiam a eles como Clarice, assim a galinha era a Clarice, o professor de matemática, a empregada... todos ficaram marcados no encontro, como uma expressão do que era Clarice Lispector”, mencionou Renata. Nos demais encontros, foram contemplados romances como “O sol é Para Todos”, já mencionado e “A Cor Púrpura”, de Alice Walker que além de racismo, carrega em suas páginas relatos de misoginia, ainda tão presente em nossa sociedade. Houve espaço para clássicos como “Frankenstein” escrito por Mary Shelley há mais de 200 anos, considerado o primeiro livro de ficção científica, trazendo temas como os direitos da mulher e a ética dentro das ciências. “Orlando” de Virginia Woolf que versa sobre identidade de gênero. Já “Persépolis” da iraniana Marjane Satrapi, abriu espaço para os quadrinhos.

“Particularmente, gosto muito dessa iniciativa de trocar experiências a partir de leituras de autoras. É percebido entre tantas sensibilidades e preciosidades de obras ao nosso redor que o toque feminino não deixa a desejar. É o feminino que se mostra com diferentes expressões de “eus”, com sabores para diversos paladares prontos para serem apreciados por todos”, disse Alianna Silva. Leia Mulheres, antes de tudo, é uma atividade que este grupo realiza meramente por prazer de ler, discutir, compartilhar impressões e ideias. No final, são criados vínculos nesse espaço de discussão e vivencias que antes não existia. É uma aprendizagem constante a cada encontro. Ao ser indagada: “E depois que lermos mais mulheres?”, Renata responde: “Seremos outras mulheres, outros homens, outras pessoas como temos nos tornado gradativamente. É um exercício não só mensal, mas também diário, porque a partir do momento que a literatura faz parte de forma mais constante do seu cotidiano, você começa a abrir sua percepção para questões sobre as quais, se não tivesse lido, nem teria parado para pensar. Sozinho todo mundo pode ler, mas a discussão dá outra vida à obra, autora e coisas que talvez nem tenhamos percebido durante a leitura solitária”.

Foto: divulgação

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Resenha Neblina – Adalgisa Nery Por José Pedro da Silva Júnior Adalgisa Nery é uma das (re)descobertas que José Olympio vem resgatando de seu acervo. A autora carioca que nasceu em 1905 foi, além de escritora, jornalista e deputada. Entre suas obras temos poesia e dois romances, sendo o primeiro deles “A imaginária”, de 1959. “Neblina” é o seu segundo romance, publicado originalmente em 1972. Na trama, uma mulher casada se isola de tudo após uma experiência de quase morte durante uma cirurgia e seu interesse em viver se torna turvo e sem sentido. Enquanto isso o egoísmo da família se mostra grandioso e a mulher é abandonada num quarto fechado. Esse estado da personagem lembra muito a depressão, mas em nenhum momento isso é mencionado. Com o passar do tempo a mulher é escanteada e jogada num "porão", já que a família deseja alugar seu quarto para um casal de inquilinos e assim aumentar a renda para suprir os gastos em casa. A mulher é tratada como uma parenta distante que ficou doente e que não gosta muito de sair, tudo para não manchar a imagem da família. Com exceção da mãe, todos na casa têm trabalho fixo. O marido da personagem principal ajuda com o pouco que pode em casa. Já a irmã diz que precisa curtir a juventude e por isso o dinheiro do seu trabalho deve ser para comprar produtos de beleza e roupas de marcas em boutiques. O único que não reclama é o patriarca, que tem uma imagem bem apagada dentro da casa. Na casa, a vida passa a ganhar outro rumo quando um casal aluga o quarto da moça e a inquilina passa a fazer visitas regulares ao porão a fim de conversar com a mulher que todos achavam ter ficado muda. E como uma flor, a mulher vai desabrochando e se abrindo com a inquilina e os amigos dela, em conversas filosóficas sobre a vida e a morte. Já a família se sente melhor por ter pessoas ilustres em sua residência, mas desconhece que a personagem central carrega em si as mágoas advindas dos maus tratos que recebe dos parentes. A narrativa nebulosa é em primeira pessoa, com a voz da mulher. É através do contato com uma memória que não é a dela, uma memória em forma de uma segunda cabeça, que ela fica ciente de tudo o que acontece a sua volta, passado e presente. É impressionante a qualidade literária da obra. O enredo a princípio pode até ser simples, mas vai ganhando notoriedade ao desenrolar do romance. Seu grande foco não está tanto na história em si, mas sim nas reflexões humanas da personagem central numa escrita contínua, intimista e sensível. É possível sentir uma grande empatia com essa mulher, afinal, quem nunca se sentiu deslocado em meio a tanta gente e até sua própria família? Às vezes temos nossos estados de introspecção e não importa se estamos num local iluminado e alegre, se nosso interior pede silêncio e escuridão. Se você gosta de um livro que disseca a personalidade do personagem - embora às vezes contraditório Neblina é uma ótima dica. Se fosse para definir em poucas palavras, diria que é uma mistura de Clarice Lispector escrevendo A Redoma de Vidro, da Sylvia Plath.

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SAÚDE

LINHA DO TEMPO Um fragmento de História

Antiguidade A Loucura era causada por forças sobrenaturais (deuses irados, maus espíritos e demônios) que assumiam o controle do homem e mandavam em seus comportamentos. A utilização de encantamentos, preces, poções e até mesmo sofrimentos físicos (apedrejamento e açoitamento) eram comuns.

Eras grega e romana (século IX a.C. - 476 d.C.) Influenciado pelo pensamento filosófico de Heráclito e principalmente de Empédocles, Hipócrates (460 - 377 a.C.), conhecido como o “pai da medicina moderna”, funda a Teoria Humoral, que considera o corpo humano como sendo governado por quatro humores (líquidos) no corpo. As doenças passam a ser tidas como mera consequência de disfunções nesses níveis humorais.

Idade Média (500 - 1500 d.C.) Com o surgimento de livros como o Martelo das Bruxas (Malleus Maleficarum, 1484) e o Compendio (1576), a Loucura passa a ser caracterizada na Idade Média mais uma vez como obra do demônio, seja por iniciativa própria ou por pedido de alguma Bruxa. A Teoria de Hipócrates é relegada ao esquecimento e a figura do louco passa a representar uma verdadeira ameaça social. O principal tratamento para a Loucura era o exorcismo, mas muitos foram também acorrentados e queimados nas fogueiras acusados de bruxaria.

Século XVI A Loucura sai do âmbito da possessão demoníaca e é reconhecida como doença. A partir disso, é criado em Londres o hospital Saint Mary of Bethlehem (1547), um lugar dedicado ao cuidado de “pessoas perturbadas”. Assim como os asilos que surgiram depois, o Saint Mary não passava de uma prisão. Os “cuidados” dedicados aos pacientes se reduziam ao confinamento e ao acorrentamento às paredes, que os impediam de se deitar para dormir.

Século XX Ÿ A virada do século é responsável por uma apressada mudança nos tratamentos da Loucura. O interesse

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teórico e clínico desloca-se para a subjetividade do doente. A doença mental passa a ser encarada como outro jeito de ser, não mais como o contrário de “normalidade”. No ano de 1971, em Trieste, na Itália, o psiquiatra Franco Basaglia põe fim à instituição psiquiátrica tradicional ao fechar os manicômios. 13 de maio de 1978 é instituída a Lei 180, de autoria de Basaglia, que não só proíbe a recuperação dos velhos manicômios e a construção de novos, como também reorganiza os recursos para a rede de cuidados psiquiátricos, restitui a cidadania e garante o direito ao tratamento psiquiátrico qualificado. Em 1986 surge a primeira experiência de CAPS no Brasil, denominado Professor Luís da Rocha Cerqueira, na cidade de São Paulo. Profissionais da saúde que contribuíram na constituição do Sistema Único de Saúde (SUS) criam em 1987 o Movimento da Luta Antimanicomial no Brasil, cujo lema era: “Por uma sociedade sem manicômios”. Foi definido que 18 de maio seria o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, data comemorada até os dias de hoje. Em 2001 foi aprovada a Lei 10.216, também conhecida como Lei Paulo Delgado, que preconiza a reestruturação da atenção em saúde mental, defende os direitos das pessoas que necessitam de tratamento e propõe a criação de serviços sem que isto signifique exclusão da vida social ou perda dos direitos e do lugar de cidadão. LUPPA MARÇO 2017 | 49


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SAÚDE

LOUCO É QUEM ME DIZ UMA EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA “A arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal” - Rafael Silveira Por Alessandra Clementino, Betânia Diniz e Luiz Felipe Bolis Doido. Maluco. Lelé da cuca. Fraco dos miolos. Até mesmo o conhecido sinal do indicador dando voltas ao redor da orelha que aprendemos quando ainda muito novos. Os sinônimos para a Loucura são diversos e dos mais criativos. Como se já não bastassem as palavras, o corpo também reage, maltrata e rotula, às vezes involuntariamente, outras com um sádico prazer proposital. Um abaixar de cabeça; uma palavra gritada a plenos pulmões, afiada feito navalha; as pernas que mudam de calçada; o sinal da cruz invocado com fervor, e o pior de todos os sinais corporais: o olhar de piedade. “Gentileza gera Gentileza”, diz a célebre frase colada logo na entrada dos ônibus de linha de Campina Grande. Aquele adesivo com as pontinhas enroladas e sujas pelo tempo já acompanhou as idas e vindas de milhares, talvez milhões de pessoas. Muitas sequer prestaram atenção na mensagem, outras deram um pequeno sorriso de concordância e seguiram seu caminho sem imaginar que por trás daquela singela mensagem, cheia de significados, está a mente de um homem de 79 anos nascido em São Paulo. Um louco, o Profeta Gentileza. Junto dele, vários outros nomes abrilhantam a história da loucura: Estamira, esquizofrênica, 70 anos, mora-

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dora do lixão no Rio de Janeiro, se mostrou ao mundo com um discurso filosófico que misturava devaneio e sanidade; Arthur Bispo do Rosário, paranoico-esquizofrênico, 78 anos, artista plástico sergipano que usou do lixo e da sucata para construir seu nome; o próprio pintor Van Gogh foi considerado louco; como também o poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês – ufa! – Antonin Artaud. Há também os loucos da ficção que nos abrilhantam com sua maneira de pensar. Como não falar do cavaleiro andante Dom Quixote de La Mancha? E do homem do chapéu mais famoso de todos os tempos, o Chapeleiro Maluco? Para os que gostam de quadrinhos, temos o Coringa e sua contraparte Arlequina. Uma pequena amostra de tantos e tantos outros nomes. Lidar com a loucura não é fácil. São mais de dois milênios de tentativas de desvendá-la. Filósofos, médicos, matemáticos, poetas, psiquiatras e psicólogos se debruçaram sobre a loucura e fizeram dela seu objeto de estudo por toda uma vida, sem saber que a resposta estava tão próxima quanto um estender de dedos. Tudo que eles precisavam fazer era se debruçar e ouvir com atenção. Nós ouvimos.


CAPS - Revivendo uma Luta sem Fim O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), presente em muitas cidades do Brasil, é um local de apoio e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e outros quadros que necessitem de um acompanhamento. A instituição visa promover a reinserção social dos usuários (termo adotado pela saúde mental para substituir o antigo “paciente”). Mas esse não é o único tipo de serviço de atenção em saúde mental; trata-se de uma rede de cuidados, que abrange desde residências terapêuticas até os leitos nos hospitais gerais. No bairro Centenário da cidade de Campina Grande, localiza-se o CAPS III Reviver, no qual mais de 4.400 pessoas estão cadastradas – destas comparecem entre 600 e 900 mensalmente. Nele acolhe-se, por exemplo, casos de depressão e síndrome do pânico. Enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicopedagogos, educadores físicos,

Somos (ou)viventes! Em visita à instituição, fomos recebidos por uma mulher que, tranquilamente sentada à varanda, nos aponta a porta. “Não trabalho aqui, sou usuária”. Simples, direta. Aquela mulher nos presenteou com o primeiro chacoalhão do dia. O primeiro de – somos gratos em dizer – muitos que viriam. Mais à frente, conhecemos uma usuária, a quem chamaremos Sofia, que no auge de seus 32 anos de idade apresenta transtorno bipolar e esquizofrenia. Um tanto reticente, nos observa da porta com grandes e curiosos olhos. Franzina e com os ombros encolhidos, se esconde debaixo de um vestido quadriculado e de um casaco cor-de- rosa que lhe cobre as mãos. Sofia nos olha e nós a olhamos. Que bela troca de olhares! Nós a convidamos para sentar-se conosco e participar da conversa, mas ela, ainda temerosa, resolve sair de cena. Alguns minutos depois, volta para a porta e mais uma vez nos olha. A conversa flui dessa vez. Sofia conta que sua mãe é natural do estado de Pernambuco e que o pai, falecido há cerca de quatro

cuidadores, auxiliares de serviço geral, dentre outros, formam uma equipe com mais de 50 funcionários atuando na instituição, além dos voluntários e estagiários. O Reviver, assim como os outros CAPS III, funciona 24 horas por dia. O único dia em que não há atividade é na sexta-feira pela manhã, quando então a equipe se reúne para discussão dos casos. É o momento onde todos os funcionários podem e devem ser ouvidos: o médico, o faxineiro, a cozinheira, o psicólogo, o porteiro. O dispositivo presta acompanhamentos à comunidade desde 2006, e de lá para cá a aconchegante casa em tons de verde e amarelo mantém em sua estrutura as marcas daqueles que por lá caminharam. E quem as narra são os próprios usuários, seus familiares e funcionários. Às vezes com um sorriso aberto, outras com olhar de desconforto e, não raro, uma lágrima na voz.

“Eles não são incapazes, e sim estão limitados pela sociedade.” anos, nasceu no Sertão da Paraíba. A irmã com quem mora também é “dodói da cabeça”, aponta Sofia, pondo as mãos sob os cabelos dourados. Ela havia chegado ao CAPS dois dias antes em decorrência de um surto, mas logo estaria de volta em casa – como nossa próxima visita veio a confirmar. Há alguns anos atrás, Sofia havia sido classificada para um curso técnico na área de Ciência e Tecnologia, mas por conta de um estado de depressão não o levou adiante. Em busca de melhores condições de vida para a sua família, chegou a trabalhar em três estabelecimentos, e em todos sofreu golpes. Diante dessas situações, nunca perdeu o bom humor, e defende: “nem relógio trabalha de graça porque precisa da pilha”. Sofia não gosta de dançar, mas acompanha a letra

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SAÚDE

de funk tocada na oficina de expressão corporal como ninguém! Gosta mesmo é de desenhar, pintar e escrever. Sobre o que produz, ela diz: “gosto de escrever aquilo que eu sinto, mesmo que tenha erros de português”. No mesmo dia conversamos também com Alice, a quem demos esse nome em virtude da personagem de Lewis Carroll (1832-1898), autor do clássico Alice no País das Maravilhas. Foi possível estabelecer muitas semelhanças entre elas, como o ato de sonhar, de indagar-se sobre si mesmo e sobre o mundo. Aos 26 anos, sempre com uma pergunta nos lábios, Alice se inspira nas princesas dos contos de fadas; deseja ser como elas, exalando todo o seu carisma e a sua beleza. Alice quer uma tiara, deseja se vestir igual a Branca de Neve. Mas Alice também quer ser dançarina, quer ir ao programa do Raul Gil e se mostrar para o mundo. Princesa ou dançarina, Alice é Alice. Seu modo de ser é muito mais especial e magnífico do que qualquer moça que tenha calçado um sapatinho de cristal ou estado frente a frente com uma fera assustadora. Além de Sofia e Alice, tantos outros usuários contaram suas histórias de vida e demonstraram seus sentimentos mais profundos. Todos demonstraram capacidade de realizar atividades simples e complexas, e de refletir sobre as questões que envolvem o mundo contemporâneo. Flávio Montenegro, educador físico com mais de vinte anos de experiência, explica: “eles não são incapazes, e sim estão limitados pela sociedade”. As pessoas com algum tipo de transtorno psicológico possuem dentro de si um tesouro muito precioso: seus dons, talentos e carismas. No entanto, às vezes são impossibilitadas de pôr em prática aquilo que sabem e possuem – isso quando não são impedidas de ser aquilo que desejam O CAPS busca capacitar os que passam por ele para que possam executar atividades com segurança e força de espírito. “Aqui no CAPS nós trabalhamos sempre na perspectiva de que a coerência não existe

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nesse sentido, de que eles têm de fazer laço social ou responder às nossas demandas”, afirma Inácio Mariz, estagiário de psicologia. Para ele, “a grande questão é essa: as demandas de participar da sociedade sempre vêm de nós, do serviço”. De acordo com estimativas internacionais e do Ministério da Saúde, 12% da população brasileira apresenta algum tipo de transtorno psicológico. É essencial e indispensável para todos eles o apoio f a m i l i a r. S e m a d e v i d a a t e n ç ã o e c a r i n h o , provavelmente uma desejável evolução no quadro clínico de cada um deles ocorrerá de forma mais lenta. Nessa luta que apenas se inicia em prol da reforma antimanicomial, é preciso garantir o exercício da cidadania e da dignidade daqueles que durante décadas foram mantidos em confinamento, para que os usuários do CAPS possam alçar novos voos e estabelecer laços mais fortes com a sociedade.


CAPS: lugar de referência e tratamento para pessoas com transtornos mentais graves e outros quadros onde, através de um trabalho clínico e de reabilitação psicossocial, busca-se incentivar a reinserção social delas. Municípios com menos de 20 mil habitantes não necessitam ter CAPS. Podem ser subdivididos em:

+ MAIS

Ÿ CAPS I - presta atendimento diurno a usuários adultos, funcionando de segunda a sexta-

feira. Opera em municípios com população entre 20 e 70 mil habitantes. Ÿ CAPS II - presta atendimento diurno a usuários adultos, funcionando de segunda a sexta-

feira. Opera em municípios com população entre 70 e 200 mil habitantes. Ÿ CAPS III - presta atendimento diurno e noturno a usuários adultos, funcionando durante os sete dias da semana, inclusive feriados. Opera em municípios com população acima de 200 mil habitantes Ÿ CAPSi - presta atendimento diurno a crianças e adolescentes, funcionando de segunda a sexta-feira. Opera em municípios com população acima de 200 mil habitantes. Ÿ CAPSad - presta atendimento diurno a usuários de álcool e outras drogas, funcionando de segunda a sexta-feira. Possui leitos de repouso com finalidade de desintoxicação. Opera em municípios com população acima de 100 mil habitantes. - OFICINAS TERAPÊUTICAS: momentos de cuidado, interação e socialização entre usuários e funcionários, tais como artesanato, corte e costura, desenho e pintura, dança, entre outros. - RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS: moradias destinadas às pessoas com longa permanência nos hospitais psiquiátricos e/ou usuários que perderam seus laços sociais e familiares.

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SAÚDE

8 e 80

Faz dieta. Acorda cedo. A consciência pesa. Se esforça. Desiste. Recomeça. Se olha no espelho. Passa mal. Recupera o ânimo. Desiste. Recomeça... O movimento nas academias de musculação é grande, com pessoas em busca de corpos sarados a qualquer custo, muitas vezes deixando o mais importante de lado: a saúde. Porém, com a correria do cotidiano, a maioria delas fica adiando ou evitando esse ambiente fitness. É nesse cenário bastante comum que nos deparamos com nossos personagens reais, os empresários André Figueiredo, de 138 kg, e Rafaela Diniz, de apenas 50 kg. Ambos relatam que já passaram por situações constrangedoras devido aos seus portes físicos. Por ser jogador de futebol americano, André teve uma adaptação tranquila – dentro de suas condições – na academia, enquanto Rafaela diz que sentiu dificuldades quando iniciou a prática de atividades físicas, uma vez que as dores musculares foram seus maiores incômodos.

Por Matheus B. Araújo O educador físico David Gomes de Farias aponta quais são alguns dos problemas enfrentados por pessoas sedentárias: “Geralmente não possuem coordenação motora, podendo apresentar hipertensão muscular, falta de força para atividades básicas do dia a dia, acarretando baixa autoestima e dificuldade de relacionar-se com as pessoas em sua volta”. Lembrando que é importante fazer exercícios da forma correta, evitando assim prejuízos como lesões sérias e rompimento de tendões e ligamentos. Quando a saúde é deixada erroneamente de lado e a estética priorizada, alguns meios são usados de forma incorreta, como os anabolizantes, cuja aplicação deve sempre partir da orientação profissional. “Os anabolizantes ou estimulantes hormonais podem trazer inúmeros benefícios para a saúde do usuário quando utilizados de forma orientada e supervisionada por profissionais capacitados e habilitados, e para fins específicos como, por exemplo, tratar a disfunção hormonal”, explica David com propriedade.

Situações extremamente opostas, cada um enfrentando sua realidade corporal, lidando diariamente com suas frustrações... No caso de André, 138 kg, a ciência ainda não sabe esclarecer totalmente porque as pessoas engordam a ponto de ficarem obesas. Vale salientar que não somente o excesso de comida deixa alguém nessa condição, mas outros fatores, como a genética, também influenciam o metabolismo. O excesso de gordura interfere nas reações químicas responsáveis por manter o nosso corpo em funcionamento. “Já desisti dos treinos algumas vezes por falta de investimento, mas nunca tive problemas mais sérios de saúde. Tenho uma alimentação pesada”, declara o empresário. LUPPA MARÇO 2017 | 54


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SAÚDE

A “evolução” pode ocorrer em dias ou meses, vai depender do organismo de cada um, da necessidade e da manipulação/administração da substância específica. No outro extremo temos Rafaela, atualmente com 50 kg, que por muito tempo esteve preocupada com o próprio peso, querendo a todo custo chegar aos 55 kg, e hoje em dia já não se importa tanto a ponto de sequer ter objetivos definidos. Não é normal perder peso sem mudar radicalmente os hábitos alimentares, magreza excessiva é sinal de que faltam vários nutrientes fundamentais para o organismo. Inclusive, ela pode vir de um distúrbio hormonal, por exemplo, o hipertireoidismo, uma vez que o funcionamento excessivo da glândula tireoide faz a pessoa perder peso mesmo que esteja comendo mais do que o habitual. “Depois que comecei a treinar e optei por uma alimentação saudável, notei várias mudanças no meu corpo e na minha saúde. Hoje me sinto mais disposta, minha respiração melhorou bastante e o meu condicionamento físico também, além de não sentir mais dores no joelho e nas costas, que antes eram constantes”, diz Rafaela sobre os efeitos da rotina de treinos.

...contudo, aprendendo a se adaptar ao próprio corpo, buscando sempre melhorias de vida com uma rotina de atividades físicas Indivíduos muito magros são aconselhados a comer à vontade, principalmente alimentos energéticos, um privilégio de certa forma. Algumas causas que podem levar a essa magreza, são: diabetes, AIDS, infecções, neoplasias, câncer dos mais diversos tipos etc. “Independente de sua classe social ou de algum

Foto: Rafaela Diniz

problema de saúde, sempre tente fazer exercício físico. Não desista nunca!”, diz André Figueiredo, que se considera saudável apesar do sobrepeso. A empresária Rafaela Diniz dá algumas dicas: “Acredito que para as pessoas com problemas de saúde é ainda mais complicado o início dos treinos devido à exaustão e à sensação de que não vale a pena continuar”. E acrescenta: “Aconselho a não se acomodar e não desistir, com o tempo você vai ver quão bons são os resultados para a sua saúde, respeitando seus limites e seu corpo. Não se compare a ninguém. Faça por onde e terá bons resultados”. Os empresários figuram em situações extremamente opostas, mas cada um enfrentando sua realidade corporal e lidando diariamente com suas frustrações; por outro lado, aprendendo a se adaptar ao próprio corpo, buscando melhorias de vida com uma rotina de atividades físicas e, o mais importante, conscientes na valorização da saúde.

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SAÚDE

DESVENTURAS EM SÉRIE DE UMA CROHNISTA Por Alessandra Clementino dos Santos “Parafraseando Shakespeare, que os portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) não sejam apenas gotas d'água perdidas em meio ao oceano e que nunca são vistas. Nós existimos sim!”, diz a legenda na foto do Facebook de Jullyanna Montenegro em referência ao 19 de maio, Dia Mundial da DII. A jovem estudante de 24 anos recebeu seu diploma no início de 2016 e esboça um sorriso descrente quando se autodenomina psicóloga. Diagnosticada com Doença de Crohn em setembro de 2015, Jullyanna tem se posto à frente, da sua maneira, de campanhas de divulgação da doença. Quando descobriu o diagnóstico, sua vontade era mesmo criar um grupo terapêutico de apoio às pessoas com Crohn, mas a vergonha dos outros em falar da doença tem minado a ideia da sonhadora que escreve literatura fantástica com as amigas nas horas vagas e já está no terceiro livro não publicado. “É complicado, as pessoas se escondem, não querem dizer que tiveram diarreia. Eu falo mesmo. Se não falar, vou ficar cheia de tabus e isso não é positivo para mim”. A vida enrolada e a guerra dos tronos pelo diagnóstico Jullyanna narra com desenvoltura suas aventuras e desventuras até descobrir a doença de Crohn. Nascida com seis meses e duas semanas, mesmo quando pequena tinha uma saúde muito frágil, sendo atacada por crises alérgicas e gripes que se repetiam. “Você se acostuma a sempre tá gripada, sempre tá com qualquer coisa”. Vivendo numa redoma em Campina Grande, o tempo que morou em Areia e Alagoa Nova lhe deu o gosto pela liberdade e alimentou sua paixão por livros. Desde que entrou na puberdade, seus ciclos menstruais vinham sempre acompanhados por muitas cólicas, junto com lágrimas, vômito e diarreia. “Minha mãe e minha irmã sempre sentiram cólica, então achavam que era um pouco de exagero meu”. Há alguns anos, Jullyanna trabalhou como Mamãe Noel no shopping. A rotina dupla de assalariada/estudante junto com o assédio moral e sexual sofridos dentro do trabalho foi a primeira da sucessão de fatos que acabou por desencadear a doença. “Comecei a sentir umas cólicas muito fortes, mesmo sem estar de TPM. Ficava muito enjoada e meu coração acelerava, mas eu disse 'vou ficar até o final'.” A decisão ruiu quando Jullyanna começou a passar muito mal durante o trabalho, pediu permissão à gerente para sair mais cedo, mas foi barrada. Precisava ficar até o fim do horário. A jovem não

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Foto: Kermelly Santos


aguentou, abandonou o trabalho na última semana e não voltou mais. Em casa, passou muito mal por três dias seguidos e, com o desaparecimento dos sintomas, desapareceu também a motivação de procurar um médico. As fatalidades foram se desenrolando numa bola de neve e em curto intervalo de tempo. Vítima de assalto pela primeira vez, o AVC de um primo e mais três outras cenas de assalto, incluindo um arrastão no ônibus e o infarto e eventual falecimento de uma tia no final de 2014 fizeram com que sua saúde desandasse de vez. As fortes dores na barriga retornaram, dessa vez, acompanhadas por crises de diarreia e/ou prisão de ventre. “Era algo do tipo: se você não vai ao banheiro, não vai ao banheiro por 15 dias. Se você vai ao banheiro, vai umas 50 vezes no mesmo dia”. Algo estava errado, mas a falta do plano de saúde e o medo do histórico familiar de câncer de intestino fizeram Jullyanna refletir mais que duas vezes. “Não queria ir ao méFoto: Kermelly Santos

dico porque não queria saber que tinha câncer”, revela. Mas a ida ao temido consultório médico foi inevitável, assim como o primeiro diagnóstico - Síndrome do Intestino Irritável - e a primeira receita medicamentosa. Foi nessa época que Jullyanna começou a perder peso. O constrangimento das idas constantes ao banheiro se somou à curiosidade das pessoas à sua volta. “Uma menina que estudou comigo me perguntou qual era a nutricionista que eu tinha ido porque ela era bombástica. E eu 'então mulher, não foi nutricionista. É uma doença mesmo'. A menina ficou muda”. Jullyanna foi obrigada a fazer o plano de saúde. Em fevereiro de 2015, ainda de férias, a jovem passou por uma forte crise. As fezes começaram a vir acompanhadas de sangue e a dor era tanta que muitas vezes acordava em lágrimas, mas teimava em não querer ir ao médico. “Sou uma pessoa muito ansiosa. Tinha medo de chegar lá [hospital] e me dizerem 'ta' morrendo, tem três dias de vida'”. Teve de ir. Diagnóstico? Infecção. Novo desespero, pois o plano de saúde não cobria a internação e a UTI. A solução foi simples, embora desgastante. Jullyanna teve de ir todos os dias para o hospital tirar sangue e tomar soro. A quantidade de medicamentos foi um golpe no organismo já debilitado. Enfraquecida, tomou o medicamento Flagyl, e teve “todos os efeitos colaterais prescritos na bula. Comecei a entrar em processo depressivo. Ficava aérea, não queria mais ler, não queria mais assistir nada. Só sentia dor. Virei cliente VIP da Clínica Santa Clara, já não tinha mais fila de espera para mim. Todo mundo sabia que 'a menina estava morrendo'”. Foram dois meses disso, sem sequer pôr o pé na universidade. Jullyanna estava então com 40kg. “Eu era literalmente uma caveira. Estava com muita olheira e quase sem cabelo. Meu cabelo não cacheava e caía muito, eram bolos e bolos de cabelo que ficavam no chão do banheiro”.

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SAÚDE

Foi a hematologista quem deu a primeira indicação de que poderia ser a doença de Crohn. Jullyanna entrou em pânico lembrando-se da época do ensino médio, das aulas de biologia e das imagens dos intestinos cheios de feridas. Por indicação da hematologista, veio o gastroenterologista e outros dois diagnósticos: intolerância à lactose e gastrite. Mais remédios e dieta. Durante três meses a situação parecia melhor, o cabelo voltou a crescer, ela tornou a ganhar peso, mas então veio um novo baque, e a morte do avô materno acabou trazendo os sintomas de volta. Era tanto sangue que podia mesmo ser confundido com uma hemorragia. Sem querer preocupar a mãe, Jullyanna contou com a irmã como cúmplice e com ela enfrentou uma colonoscopia de emergência. Além do exame invasivo e do medo, enfrentou a falta de ética e humanidade do profissional. “Ele

não deu anestesia, senti tudo na colonoscopia. Imagina enfiar um negócio em você e arrancar um pedaço no cru com o médico falando 'tá vendo isso aqui? Tá tudo tomado, já deve ser um câncer de altíssimo grau' e você acordada assistindo tudo”. Ao fim do exame, o temido diagnóstico foi confirmado: Doença de Crohn. O médico entregou dois panfletos sobre a doença e disse que ela entrasse no site da Associação de Doença de Crohn. Depois daquele dia horrível, voltou ao convívio familiar, mas não conseguia parar de chorar. O primo, representante farmacêutico, ouviu falar de um gastro em João Pessoa que estudava a doença. Foi um bálsamo em meio à trajetória conturbada. “Me chama de passarinha por causa do estado que cheguei lá, com menos de 40kg. Ele ficou horrorizado com o tanto de remédio que eu estava tomando. Meu organismo não suportava por causa

Foto: Kermelly Santos

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do peso perdido”. O novo médico deu início ao processo de desmame dos medicamentos. Da lista de remédios só sobrou o imunossupressor. Por se tratar de uma doença autoimune e inflamatória, o sistema imunológico ataca o organismo do portador e esse medicamento age diminuindo o sistema imunológico para que ele não fique se atacando. O resultado, além do controle da doença, é uma porta aberta para todos os tipos de infecção oportunistas. “Tenho tanta proteção que é como se tivesse quase nenhuma”. Hoje em dia, Jullyanna conta com dois profissionais de confiança na Santa Clara, um deles começou a estudar a doença depois dela, além do médico que a atende em João Pessoa. Quando voltou para a universidade, depois de meses de atestado, um conhecido da jovem quis saber o que havia acontecido. Sempre sincera, Jullyanna falou da doença de Crohn, e mesmo explicando tratar-se de uma doença inflamatória, intestinal e autoimune, a resposta veio em tom de pergunta quase acusatória: “'Tu ta com HIV, é?' E se fosse, qual o problema? Seria tão condenada quanto hoje”.

Mensageiros do Olimpo: Crohnistas da Alegria Blog: http://www.crohnistasdaalegria.com/ Página no Facebook: https://www.facebook.com/CrohnistasDaAle gria/?fref=ts Diário de um Crohnista Blog: http://www.diariodeumcrohnista.com.br/ Jullyanna Montenegro E-mail: jully_montenegro@hotmail.com

Negando a Capa da Invisibilidade: Informações e projetos para o Futuro Quando Jullyanna entrou no site que o médico havia indicado, descobriu que era necessário pagar R$150,00 por mês para acessá-lo. Desistiu logo de cara e partiu em uma busca obsessiva por artigos acadêmicos no google. Todos os artigos que encontrava partilhavam dos mesmos dados médicos: a incidência de pessoas, sintomas, tratamentos e a expectativa de vida após o desencadeamento da doença, cerca de dez anos. “Eu ficava 'tenho mais… uns 8 anos de vida. O que foi que ainda não fiz que preciso fazer nesses 8 anos de vida?'” Sempre se informando, encontrou os Crohnistas da Alegria. O grupo, que conta com uma página no Facebook e um blog, traz depoimentos de pessoas que possuem a doença e se ajudam mutuamente. Foi quando as informações começaram a ficar mais claras. A jovem tem projetos de, no futuro, escrever um romance abordando a doença, mas antes precisa terminar a série de livros que está escrevendo no momento. “Acho que é muito cedo também. Acabei de descobrir”. Quer tentar um mestrado que envolva a doença de Crohn e a psicologia, estudar como isso afeta os familiares. Seu desejo é ajudar outras pessoas que passam pelas mesmas desventuras. “Sou uma pessoa bem imaginativa. Tenho várias ideias, só que nem todas são realistas”.

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Opinião

Considerações psicanalíticas sobre o autismo O autismo não é um distúrbio meramente orgânico que deve ser tratado com métodos pedagógicos para fins de adaptação psicossocial. Muitas pesquisas foram feitas na tentativa de encontrar uma causalidade unívoca para o autismo, de genéticas, epigenéticas (durante a gravidez) e imunológicas, há pesquisas de toda sorte: com metais, determinados alimentos, ligados a obesidade da mãe, à idade dos pais ou ao uso de determinado medicamento. Todas essas hipóteses são sucessivamente evocadas, avaliadas, mensuradas em estudos estatísticos e que não obtêm o assentimento geral. A psicanálise não trabalha com a noção de diagnóstico baseado em um sistema que classifica os sintomas dos sujeitos em transtornos ou distúrbios de maior ou menor grau, tal qual o Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais, que já está em sua edição de número 5, sempre com novas desordens (DSM-V). A psiquiatria moderna junto com abordagens cognitivo-comportamentais alicerçadas pelo discurso do capitalismo e tendo a maioria de suas pesquisas ditas científicas financiadas pelos laboratórios farmacêuticos criaram esse manual com a finalidade de classificar e categorizar os sujeitos a partir de intensidades variadas de desordens, pressupondo uma pretensa normalidade. Para a psicanálise, o autismo ou Transtorno do Espectro Autista, como explicitado no DSM-V, trata-se de uma dificuldade estrutural do sujeito se relacionar com o Outro, quer dizer, não somente os Outros primordiais, mais comumente a mãe e o pai, mas o Outro da linguagem, da cultura. Essa dificuldade se manifesta de diferentes formas para cada sujeito autista. A particularidade com que cada um poderá lidar com esse Outro, com sua precariedade simbólica irá determinar como cada sujeito poderá se articular no social, variando de grandes cientistas com pouca habilidade social, talentosos artistas, há crianças que provocam automutilações e não conseguem se comunicar com o Outro nem por meio do olhar nem da voz. LUPPA MARÇO 2017 |60

Gabriella Dupim é psicanalista, professora adjunta do curso de Psicologia da UFCG; Coordena o LAPSO - Laboratório de Psicanálise de Orientação Lacaniana (UFCG/CNPq). É também coordenadora do Serviço-Escola de Psicologia da UFCG, e Doutora em Psicologia pela Université Rennes - França e pela UFRJ. e-mail: gabidupim@gmail.com

No autismo, o sujeito apresenta uma relação singular com o corpo. Isso se manifesta muito precocemente na primeira infância, antes mesmo da aquisição da linguagem. O que ocorre é que muitas vezes o diagnóstico do autismo é feito tardiamente, sendo confundido com a surdez e outras deficiências visuais ou auditivas. A dificuldade do autista em se relacionar com o Outro, quer dizer, com o laço social, com a linguagem, manifesta-se no corpo próprio do sujeito de diferentes formas. Alguns irão desenvolver estereotipias, como balançar o corpo de determinada maneira, mexer alguma parte do corpo ou pular repetitivamente, outros permanecem em silêncio por longas horas, têm entrecortes de vocalizações, ecolalias, frases isoladas, gritos, repetem a mesma música por horas, além de fenômenos de auto e hetero agressividade. Outra característica do autismo seria a relação de fixidez que eles determinam com um objeto particular, desde uma simples cordinha a uma tampa de garrafa ou um brinquedinho. O autista apresenta dificuldades em sustentar o olhar com o Outro e têm muita sensibilidade ao contato corporal. Essa dificuldade é estrutural, pois o sujeito autista se sente invadido pelo Outro, através de sua voz, ou insistência do olhar que ele tenta de toda forma isolar, criar um anteparo, na tentativa de defenderse. O autismo nos ensina que o Outro pode estar aí e não ter existência para um sujeito. A pedra angular dessa batalha consiste em permitir que cada criança elabore com seus pais um caminho próprio, e prossiga nele na idade adulta. Considerando a incrível variedade de sintomas que o denominado 'espectro do autismo' abarca, trata-se de uma batalha pelo respeito à diversidade.


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Opinião

Xeque-mate: precisamos falar sobre xadrez. Nos últimos cinco anos, o Brasil atravessou o período mais esportivo de sua história. Foram grandes mudanças estruturais e técnicas para receber eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, que só reforçaram a vocação desportiva de nossa terra. O momento era oportuno também para popularizar modalidades importantes, olímpicas ou não, que ainda passam despercebidas pela grande massa, assim como aconteceu com a canoagem, e com as medalhas de prata e de bronze de Isaquias Queiroz nas águas do Rio de Janeiro. Mas muito antes de todo esse “clímax olímpico”, uma modalidade que surgiu no sudoeste da Europa com raízes persas e indianas tem lutado para se firmar no país verde-amarelo: o Xadrez. Historicamente, o Xadrez tem passado despercebido pela sociedade, que o considera elitista. Puro engano. Mas calma, apesar da “máfama”, desde que foi reconhecido como esporte, em junho de 1999, através do Comitê Olímpico Internacional (COI), o xadrez tem conquistado cada vez mais adeptos. Isso porque a importância do jogo para o desenvolvimento humano tem sido objeto de estudo das mais diferentes abordagens: filosófica, sociológica, psicanalítica, psicológica e pedagógica. É um dos exemplos que melhor representa a frase “esporte é saúde”. Nesse caso, sobretudo a mental. O Xadrez estimula a atividade intelectual e estabiliza a personalidade de crianças e jovens durante seu crescimento. O raciocínio lógico e a capacidade de cálculo também são estimulados, produzindo excelentes resultados no desempenho

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Marques de Souza

escolar, com destaque particularmente notável nos casos de Física e Matemática. Normalmente, os alunos que jogam Xadrez apresentam nítida superioridade em força de vontade, tenacidade, memória e concentração, além de ensinar a criança a avaliar as consequências de seus atos, tornando-a mais prudente e responsável. As maiores barreiras para uma maior aceitação do Xadrez estão no número reduzido de jogadores possíveis em uma partida (apenas 2 competidores), na falta de prática dentro das escolas e na ausência de reportagens ou debates sobre o tema na grande mídia. Os programas esportivos, por exemplo, quase não tratam do assunto. Mas, apesar disso tudo, por que ele é considerado um esporte? Simples. Trata-se de um jogo onde há competição, uma atividade de alto rendimento em que há o desejo de superar a si próprio e ao adversário, há desgaste físico e mental, é praticado por milhares de pessoas, além de ser baseado em regras e possuir uma entidade reguladora (confederação e federação internacional). O Xadrez revela-se, sobretudo, inclusivo e acessível. É possível unir pessoas de todas as idades e classes sociais em torno de uma partida. Portanto, se faz necessário superar o discurso intolerante, principalmente entre os desportistas, para só assim conhecermos mais de uma modalidade tão construtiva. A torre, a dama e o rei devem ficar somente no tabuleiro. Xeque-mate! Precisamos falar mais sobre Xadrez...


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ESPORTES

Texto e fotos::Mateus B. Araújo

QUEM NÃO SONHOU EM SER UM JOGADOR DE FUTEBOL? O TIME DA MULETA

Brasil, país do futebol. Seleção masculina pentacampeã mundial, com jogadores consagrados em sua história, como: Careca, Heleno de Freitas, Clodoaldo, Didi, Júnior, Tostão, Leônidas da Silva, Rivellino, Carlos Alberto Torres, Nilton Santos, Gérson, Ronaldinho Gaúcho, Falcão, Jairzinho, Sócrates, Zico, Ronaldo, Garrincha, e o rei Pelé. Corinthians, Flamengo, Internacional, Palmeiras e Cruzeiro, são alguns dos maiores clubes do país. Região Nordeste, terra do Bahia, Sport, Fortaleza, Ceará e Santa Cruz, com suas gigantescas torcidas, e uma paixão arretada pelo futebol. Na Paraíba destacam-se três tradicionais clubes: Campinense e Treze Futebol Clube, popularmente conhecidos como Raposa e Galo, respectivamente, além do Botafogo, da capital João pessoa. Até aqui nomes de personagens e clubes conhecidos pela maioria de nós, não é mesmo, leitores? Em Boa Vista, cariri paraibano, aproximadamente 155 quilômetros de distância da capital João Pessoa, lugar de gente simples e guerreira, na zona rural, mais precisamente no sítio Santa Rosa, encontramos José Roberto Alves, 49 anos, agricultor; Patrício Benedito de Sousa, 46, servidor público; e Ranniere Mazzelle Santos de Lima, 41, pedreiro e pintor. O que eles têm em comum? Todos jogadores do Sport Futebol Club Santa Rosa, clube amador do município. Esse time, que certamente você não conhecia, surgiu por iniciativa do José Roberto, que além de jogador é também o vice-presidente do Sport. Fundado em 2015, o grande objetivo do clube atualmente é conseguir se manter ativo em meio a tantas dificuldades. A maioria dos atletas são agricultores, trabalhadores que passam toda a semana batalhando pelo sustento familiar, por isso mesmo o treino preparatório para a partida do fim de semana se torna inviável. “Não temos tempo pra treinar, temos dificuldades enormes em conciliar família, trabalho e esporte, mas estamos tentando apesar disso”, afirma Ranniere.

Com uma média de idade alta e um físico fora do ideal, os atletas do Sport Santa Rosa desafiam o real e mostram que o esporte é válido para todas as faixas etárias. Devido a essa característica, os jogadores enfrentam as brincadeiras dos adversários, mas sempre com muita descontração. “A população critica, dizendo que somos o time da muleta, por causa da idade, mas batalhamos com muita união, esforço e, apesar da idade ultrapassada, mostrando que é possível jogar um bom futebol”, ressalta Ranniere. Já para Patrício, a questão do peso dos anos serviu como estímulo para o seu retorno aos campos: “Eu passei aproximadamente uns três anos sem jogar, então conheci alguns amigos no município de Boqueirão, também com idade avançada, mas que ainda estavam jogando. Aquilo me estimulou a voltar e hoje continuo aqui. A idade não importa muito, o que importa é nos divertirmos, fazer novas amizades”. “DAS TRIPAS CORAÇÃO”

Extremamente longe dos grandes holofotes, onde milhões de reais são movimentados na indústria futebolística e jogadores se tornam celebridades, possuindo exorbitantes contas com zeros a perder de vista, e onde fabulosos estádios com suas estruturas fantásticas são abarrotados de torcedores dispostos a pagar quantias salgadas pelos ingressos, no Cariri paraibano a situação é bem diferente, e essa história se repete com pequenas variações pelos recôncavos do Brasil à fora. Os relatos desses homens impressionam, mostrando a crítica e dura realidade do futebol amador, com campos em péssimo estado, repletos de pedras e buracos, causando muitas vezes lesões nos esportistas, que por sua vez não tem condições financeiras de adquirir uma chuteira ideal. Além disso, vários outros problemas são mencionados, o alto índice de violência nas partidas, a falta de segurança, a ausência de transportes para locomoção até o local da disputa, e muitas vezes até falta de água para beber. José Roberto faz um apelo esperanLUPPA MARÇO 2017 | 62


çoso às autoridades da cidade: “O prefeito deveria olhar pra gente, se houver um pequeno investimento, mas que seja de bons olhos, e de coração, vai nos ajudar bastante”. A equipe é mantida com a ajuda dos próprios jogadores. Alguns dos envolvidos não têm condições para ajudar com nenhuma quantia. “Estamos fazendo das tripas coração pra ver se continuamos; muitas vezes não conseguimos nem manter a família, mas chegamos em campo com aqueles R$5,00, R$10,00 que sobra do financeiro familiar, fazemos o possível”, diz Ranniere Mazzelle com um brilho nos olhos. “O FUTEBOL ME TROUXE DE VOLTA A VIDA” Ao serem questionados se realmente vale a pena

passar por tantos obstáculos por causa do futebol, a resposta foi unânime: um “sim” cheio de convicção e amor. “É muito bom, não tenho palavras para definir”, afirma Patrício Benedito, com um sorriso no rosto. “Minha paixão pelo futebol é devido ao que passei em vida: eu fui deficiente físico, tive um problema sério de febre reumática, fiquei paralítico e o futebol me trouxe de volta a vida”, conta Ranniere Mazzelle de forma emocionada. “Não tinha como fazer fisioterapia, meu pai não tinha recursos financeiros, e meu professor Gilvan, que foi profissional da equipe do Treze, me tratou como se eu fosse um filho: ele que fazia a fisioterapia, fazia por onde ter forças nas pernas, ter aquele estímulo pra voltar a viver. Assim até hoje o futebol é a minha vida”, conclui com olhos lacrimejados. Em um estádio luxuoso ou em um campo pedregoso, com gigantescas torcidas eufóricas ou com quatro, cinco pessoas a prestigiar. Com as mais caras chuteiras e os mais belos uniformes ou com o calçado improvisado e o padrão surrado pelo tempo. Com os salários milionários ou com os R$2,00 que sobraram para o fim de semana. Com Neymar e Cristiano Ronaldo ou com José Roberto Alves, Patrício Benedito e Ranniere Mazzelle... Não é só futebol! É algo maior! Estamos falando de paixão, de algo incompreendido, que move todos os tipos de pessoas, não existindo fronteiras para esse amor incondicional. E isso nós conhecemos bem, não é, caro leitor?! LUPPA MARÇO 2017 | 63


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ESPORTES

Por:Mateus B. Araújo e Luanna Albéria

Tropa Campina - Derrubando fronteiras, conquistando o seu lugar O Tropa Campina de Futebol Americano vem calando a boca dos mais pessimistas e aos poucos alcançando feitos importantes para um esporte que busca adaptação a um ambiente que, pelo menos até então, não é favorável. Oriunda de outros times que surgiram em Campina Grande, de formações antigas que não deram muito certo, a atual formação da equipe data de 2013. De lá pra cá, em meio a várias adversidades, o time vem batalhando e conquistando o tão desejado reconhecimento. A primeira coisa que devemos entender é que o futebol americano se trata de um jogo de conquista de território, com o objetivo maior de chegar à extremidade do campo adversário (endzone). Um jogo possui quatro quartos, cada um com duração de 12 minutos. Entre o segundo e o terceiro há um intervalo também de 12 minutos. Vencerá quem tiver mais pontos ao seu final – o touchdown é a forma de pontuar que mais rende pontos, é aquela que faz a torcida gritar e comemorar. Vamos às posições: no ataque, temos Quarterback, Running Back, Wide Receiver, Tight End e Linha Ofensiva; e na defesa Linha Defensiva, Linebackers, Cornerbackers e Safetis. Lembrando que são onze jogadores titulares de ataque e onze de defesa, não havendo limite de substituições. A escolha dos novos atletas funciona através de uma seletiva, onde é feita uma grande divulgação e os interessados devem comparecer no dia e no local marcados, sendo realizados alguns testes de força, velocidade e também de agilidade. Não existe um padrão físico determinado, mas sim o perfil específico para cada posição, assim explica o jogador Emanuel Lucena. ”Temos atletas com 70 e até com 140 kg, desde caras de 1,70m até quase 2 metros. É bem democrático, o importante é compensar por aquilo que você é. A gente abraça o público em geral”. Muitas dificuldades são enfrentadas pelo clube, principalmente porque existe um preconceito com o esporte que, por necessitar de contato assim como vários outros, é considerado muito violento. Devido a essa má fama, acaba atrapalhando o trabalho dos

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envolvidos e afastando as pessoas. O Tropa Campina busca desfazer a impressão de se tratar apenas de brutalidade. Atualmente o time conta com alguns parceiros – uma academia de musculação, um clube de eventos, uma clínica médica e uma lanchonete –, no entanto, a maior parte dos gastos é bancada pelos próprios atletas através da cobrança de mensalidade. A Universidade Estadual da Paraíba o apoia nas viagens, cedendo o ônibus e, desse modo, diminuindo os gastos consideravelmente, uma vez que muitos atletas não teriam como custear a própria passagem (muitos já se desligaram do time por questões financeiras). A tendência é que no futuro aumente o número de patrocinadores. ”O que falta hoje é uma empresa que nos ajude de forma financeira, para que tenhamos uma renda fixa e possamos evoluir. Mas, no geral, nos consideramos privilegiados”, relata Emanuel Lucena. O número de torcedores vem aumentando com o passar do tempo à medida que a população aos poucos vem tomando conhecimento e simpatizando com o time. Prova disso é que, numa partida realizada em Pernambuco contra o Arcoverde Templários, o Tropa chegou a ter mais torcida no estádio do que o próprio clube mandante. A força da torcida é considerada o diferencial no esporte, ainda maior do que no soccer (o futebol tradicional), pois durante a disputa existe uma reunião chamada de huddle, onde a massa da arquibancada é fundamental para atrapalhar o time adversário. Devido a essa tamanha importância, na cultura do futebol americano há uma camisa específica para esse público – no caso do Tropa é a de número 12. Ninguém pode usá-la, somente os torcedores. “Temos amor pelo futebol americano. Da mesma forma que abraçamos Campina Grande, queremos


Fotos: Equipe Tropa

que Campina nos abrace”, diz o jogador Márcio de Melo. E ainda faz uma ressalva: “No soccer [futebol tradicional], o seu pai lhe estimula a praticar, já na maioria das vezes os jogadores do futebol americano sofrem repressão da família devido ao medo de se machucar, por exemplo”. Em parceria com a UEPB e o Departamento de Educação Física, o Tropa desenvolve um projeto intitulado Tropinha Flag Football, que consiste em uma iniciação ao futebol americano para crianças – na maior parte carentes –, cujos métodos são adaptados para uma forma mais lúdica e ao mesmo tempo mais segura. Os treinos são realizados gratuitamente às terças e quintas-feiras, sendo exigido apenas que a criança esteja devidamente

matriculada em uma escola e tenha uma frequência regular. O Tropa Campina de Futebol Americano busca, através dessa prática esportiva que infelizmente não é muito aceita na nossa região, alçar novos voos, em meio a tropeços que, ao invés de inibi-lo, o impulsionam a seguir conquistando vitórias. Além disso, segue divulgando positivamente o nome de Campina Grande, deixando bem claro que temos sim o que mostrar. Sem dúvidas, é um começo digno para um futuro promissor.

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