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NOSSAS FESTAS
from Morashá - Ed 114
Leis e Significado do Chamêts
Durante a festa de Pessach é estritamente proibido consumir, utilizar ou mesmo ter em casa chamêts. No entanto, há muitas pessoas que desconhecem o que seja o chamêts, pensando ser apenas pão ou um agente fermentador.
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Adefinição correta de chamêts é a seguinte: qualquer produto alimentar feito a partir destas espécies de grãos: trigo, cevada, centeio, aveia e espelta (ou trigovermelho), que tenha entrado em contato com água e que tenha fermentado. Na prática, é considerado chamêts praticamente tudo o que é feito com qualquer desses grãos – à exceção da matsá casher para Pessach. Incluem-se nessa regra farinha (mesmo antes de ter sido misturada com água)1 , bolos, biscoitos, massas, pães, cerveja, uísque e vários outros alimentos e bebidas feitos a partir de grãos fermentados.
De acordo com uma opinião que consta no Talmud, determinados outros grãos, como o arroz e o milheto (painço), também podem tornar-se chamêts, mas a Halachá, a Lei Judaica, não segue essa opinião. A proibição de consumo de chamêts em Pessach é especialmente severa, sendo uma violação dessa ordem considerada uma transgressão tão séria quanto comer em Yom Kipur. Sob certos aspectos, é até mais séria do que comer comida não-casher ou misturar carne com leite durante o restante do ano. Por exemplo, de modo geral, se uma pequena quantidade de alimento proibido for misturada, acidentalmente, com mais de 60 vezes o seu volume de alimento casher, o componente não-casher é anulado, tornando, assim, permitido ingerir-se todo o alimento.
Por outro lado, se houver uma quantidade qualquer de produto não chamêts misturada no alimento de Pessach – por menor que seja essa quantidade – todo o alimento se torna proibido para essa festividade.
Importante, também mencionar que durante Pessach é proibido não apenas consumir chamêts, mas até beneficiar-se do mesmo de alguma maneira. Exemplificando: não se pode alimentar um animal de estimação com algo chamêts, nem vender chamêts, nem sequer usá-lo como combustível para o fogo que traga benefícios à pessoa. Assim sendo, aqueles que possuem animais ou bichinhos de estimação devem alimentá-los
1 Tecnicamente, a farinha em si não precisaria ser considerada chamêts. No entanto, a prática comum dita que, antes mesmo de se iniciar o processo de sua trituração, os grãos de trigo são borrifados com água e descansam até que a umidade seja absorvida. Assim sendo, é costume considerar-se a farinha como sendo chamêts.
NOITE DE SEDER. "UMA JORNADA PELO MUNDO JUDAICO"
com alimentos permitidos em Pessach que, obviamente, não contenham chamêts.
Outra exigência é que nenhum judeu esteja de posse de espécies ou produtos chamêts durante a festividade. Em virtude desse rigor, deve-se ter enorme cautela assegurando-se de que não se está violando tal proibição. Mesmo os rabinos que, em geral, são mais lenientes em seus pareceres, são muitos severos nas questões que envolvem o chamêts durante a festa de Pessach.
Livrando-se do Chamêts
Um dia ou mais antes do início de Pessach, limpamos nossa casa, escritório e qualquer outro lugar que nos pertença de modo a nos livrarmos do chamêts. Ainda que seja digno de louvor aquele que é rigoroso no cumprimento das leis do chamêts, é importante não esquecer que poeira não constitui chamêts. A obrigação
Cena RETRATANDO A BUSCA POR CHAMÊTS, "BEDIKAT CHAMETZ". ISRAEL MUSEUM de nos livrarmos de tudo o que não é permitido não inclui algo que não seja comestível ou pequenas migalhas que sujam o chão ou mancham os tecidos. O propósito principal de limpeza e busca pelo chamêts é assegurar que, inadvertidamente, ninguém coma ou tire proveito desses alimentos durante a festa de Pessach.
A cozinha deve ser cuidadosamente limpa para garantir que não tenha restado vestígio de alimentos proibidos para a festa. Além disso – e extremamente importante de ser enfatizado – se a pessoa usar suas panelas e utensílios de cozinha de uso diário, não exclusivos da festa, todos eles devem ser “casherizados” para Pessach.
Venda do Chamêts
Seria adequado terminar de comer ou se livrar do que se tem de chamêts em
casa antes do início da festividade, mas isso pode ser difícil, na prática, ou, até mesmo, impossível financeiramente. Isto se aplica especialmente a lojas, fábricas e depósitos com grandes estoques de artigos chamêts ou indivíduos que tenham produtos dispendiosos proibidos durante a festa de Pessach, como bebidas ou outros. Por isso, a Lei Judaica autoriza a “venda” desses produtos, mediante a qual todo esse chamêts pode ser vendido a um não-judeu pelo período dos oito dias de duração da festividade, sendo automaticamente “recomprados” ao seu término.
Como são tão rígidas as leis referentes a se ter em sua posse, comer e se beneficiar do chamêts com algum propósito, todos os
HAGADÁ DE PESSACH DE VIENA, 1930. ARQUIVOS IRAQUIANOS NO ARQUIVO NACIONAL
"BUSCA DO CHAMÊTS", BERNARD PICART, HOLANDA, 1725 judeus – e até mesmo aqueles que tenham limpado sua casa muito bem, removendo todo o chamêts em seu poder – devem vender o seu chamêts. Isso porque sempre pode haver a possibilidade de que haja alimento não permitido em sua posse sem que a pessoa o saiba.
A venda de chamêts a um não-judeu não é uma venda simbólica, mas uma transação vinculante – e deve ser conduzida por um rabino. E para realizar a venda, é preciso assinar um documento fornecido pelos rabinos para esse fim. Tal documento dá o poder ao rabino de vender a um não-judeu qualquer chamêts que possa ser encontrado no endereço especificado no mesmo. Para aqueles que desconheçam onde fazer a venda, em pessoa, o site da Revista Morashá disponibiliza essa intermediação online.
O chamêts vendido e os utensílios que não forem “casherizados” para Pessach devem ser deixados em um lugar separado para tal fim, como um closet ou armário. Esse local de armazenamento deve ser claramente marcado para que ninguém, por distração ou pela força do hábito, utilize ou retire algo que esteja lá.
Em virtude do rigor na proibição de ter chamêts durante os oito dias de Pessach, nossos Sábios instituíram uma penalidade post facto para quem possuir ou adquirir qualquer produto chamêts durante a festividade – a isto se chama chamêts she’avar alav haPesach – expressão essa que dá nome à proibição. Não se deve consumir nem auferir benefício do chamêts que pertencia a um judeu durante Pessach. Essa é uma das razões pelas quais é tão importante vender os seus produtos proibidos nessa festividade antes de seu início. Se porventura alguém não o fizer e descobrir, durante Pessach, que estava de posse de chamêts, ele terá que ser destruído. Não poderá ser consumido, vendido nem que seja a um não judeu, nem tampouco beneficiar alguém de qualquer maneira que seja.
Eliminação do Chamêts
Na véspera do dia 14 de Nissan – a noite anterior ao Seder – procuramos em nossas casas qualquer vestígio de chamêts que possa ter-nos escapado
durante os processos de limpeza explicados acima. Costuma-se colocar 10 pedacinhos de pão bem embrulhados em lugares diferentes da casa. A seguir, faz-se uma busca por esses embrulhinhos usando uma vela, uma pena, uma colher de pau e uma sacola de papel onde se colocará o chamêts encontrado, bem como os 10 embrulhinhos de pão.
Não deve haver interrupção entre a recitação dessa bênção e o início da busca. E durante essa busca, só se deve discutir assuntos relativos à procura pelo chamêts que tenha ficado na casa. Esse processo é tão importante que, para garantir que o realizemos da maneira e na hora certa, é proibido comer e até mesmo estudar a Torá, à noite, até que a busca do chamêts seja concluída.
Anulação do Chamêts
Ao terminar essa busca, recitamos uma “declaração de anulação” mediante a qual renunciamos à posse de qualquer produto chamêts que, porventura e sem que o saibamos, esteja ainda em nossa posse. Essa declaração deve ser feita em um idioma que a pessoa entenda perfeitamente o que diz.
Ao anular esse chamêts que ainda possa estar em nossa propriedade, nós o consideramos nada mais que pó – que não pertence a ninguém. Dessa forma, está cumprida a mitzvá de remover todo o chamêts de nossa posse.
Queima do Chamêts
No dia 14 de Nissan, antes das 10:30 hs, queimamos qualquer chamêts que ainda tenhamos e no qual incluemse os 10 pedacinhos de pão da busca realizada na noite anterior. Após queimar o chamêts, recitamos novamente a declaração de sua anulação. Contudo, é importante observar que essa declaração de anulação tem palavras ligeiramente diferentes do que as que recitamos na noite anterior. A razão para a diferença no texto é que a declaração recitada na noite anterior inclui apenas o chamêts que não foi encontrado na busca. Mas não incluiu o chamêts que foi colocado de lado para ser ingerido pela manhã. A declaração de anulação que é pronunciada após a queima inclui todo o chamêts que possa ainda estar em nosso poder, sem que o saibamos. Serve, portanto, como uma “medida” de segurança final.
O que são Kitnyot?
Devido à gravidade da proibição do chamêts, os rabinos ashquenazitas medievais também proibiram o consumo de qualquer dos tipos de kitnyot – traduzidos como leguminosas – durante Pessach pelo fato de que poderiam ser confundidos com os grãos proibidos, e que definitivamente constituem chamêts. É importante enfatizar que as leis das kitnyot só se aplicam às comunidades ashquenazitas – não às sefarditas. Dessas leguminosas fazem parte – entre outras – o arroz, milho, soja, vagens, ervilhas, lentilhas, mostarda, gergelim e sementes de papoula. O veto às kitnyot foi
acatado como vinculante pelos judeus de origem ashquenazi.
Há uma nítida diferença entre as leis do chamêts e das kitnyot. Em primeiro lugar, as leis do chamêts provêm da Torá, enquanto o decreto das kitnyot foi de origem rabínica – e somente aplicável aos judeus asquenazitas.
Além disso, as consequências espirituais para quem consciente e propositalmente consome chamêts em Pessach são o karet – corte espiritual, no sentido de exclusão. Mas isso não procede nem se aplica aos judeus ashquenazim que consomem alguma das espécies de kitnyot durante Pessach.
Outro ponto é que diferente do chamêts, não há obrigação de destruir ou vender os tipos de kitnyot que se tenha em casa antes de Pessach, podendo-se usá-las para outros propósitos, como a alimentação de animais de estimação. fermentar. Esse alimento, produzido em condições muito específicas e exigentes, é chamado de matsá. Constitui a única forma de “pão” que podemos comer durante a semana de Pessach. A matsá geralmente é feita de farinha de trigo, mas também pode ser produzida a partir dos outros quatro tipos de grãos.
Durante as duas noites do Seder (uma noite apenas, em Eretz Israel) há uma obrigação da Torá de comer matsá. Ao contrário da crença popular, não há obrigação de comê-la no restante de Pessach, mesmo que seja meritório fazê-lo. É importante notar, no entanto, que no Shabat, quando há uma obrigação de comer pão, como a matsá é
Consumindo Matsá em Pessach
Durante os oito dias de Pessach, não se pode comer chamêts. A única maneira de comer qualquer produto feito das cinco espécies de grãos - trigo, cevada, aveia, espelta e centeio - é quando todo o processo de cozimento é realizado de tal maneira que a massa é impedida de crescer e
o único tipo de pão que podemos consumir em Pessach, devemos comê-la durante as refeições desse dia.
Ao comprar matsá para Pessach, deve-se tomar cuidado para que não contenha ingredientes adicionais além de farinha e água. Matzot com sabor, como as com cobertura de chocolate, podem ser consumidas durante a semana da festividade, desde que sejam casher para Pessach, mas não podem ser usadas para cumprir a obrigação de comer matsá durante o Seder. Deve-se notar que a matsá que se come em Pessach deve ter um certificado de cashrut para essa festa, especialmente tendo em vista o fato de que existem empresas que produzem matzot para consumo durante todo o ano, que, obviamente, não são adequadas para Pessach.
Muitas pessoas comem apenas matsá shmurá em Pessach - especialmente durante o Seder. A matsá shmurá é um tipo especial de matsá, assada com farinha de grãos que foram observados desde o momento de sua colheita para garantir que não tenham entrado em contato com água. De acordo com o misticismo judaico, é importante consumir matsá shmurá durante Pessach.
A matsá é o símbolo de Pessach. De fato, um dos nomes utilizados pela Torá para denominar Pessach é “a Festa das Matzot”, Chag haMatzot. Para fazer com que a experiência de comer matsá na noite do Seder seja singular, devemos abster-nos de comer matsá por um período antes da chegada da festa. De acordo com todas as opiniões rabínicas, deve-se, no mínimo, abster-se de comer matsá no dia anterior a Pessach.
JUDEUS CELEBRAM PESSACH. LUBOK, GRAVURA POPULAR RUSSA, SÉC.19
Simbolismo do Chamêts
Chamêts e matsá contêm os mesmos ingredientes: farinha e água. São, de fato, quase a mesma substância. E ainda assim, durante a festa de Pessach, ordenaram-nos comer matsá durante o Seder – sim, é um mandamento da Torá –, ao passo que estamos rigorosamente proibidos de consumir, possuir ou tirar benefício da menor quantidade de chamêts que seja. A única diferença importante entre matsá e chamêts – uma é uma grande mitzvá, ao passo que a outra, uma séria transgressão – é que o chamêts, por natureza própria, tende a crescer, enquanto a matsá permanece baixa, achatada, humilde.
Chamêts representa o inchaço do ego, que, segundo nossos Sábios, é a raiz de praticamente todo o mal. Um ego inflado geralmente se transforma em um comportamento egoísta, até mesmo cruel. É o inchaço do ego o que escraviza a alma, impedindo seu crescimento e desenvolvimento. Como chamêts representa o ego – o self inflado – uma vez ao ano, durante a festa de Pessach, celebramos nossa libertação da escravidão e nosso nascimento como nação, temos o especial cuidado de erradicar qualquer chamêts que possa estar em nossa propriedade.
Enquanto chamêts simboliza o ego, matsá, achatada, simples, representa humildade, autoanulação e desprendimento – pré-requisitos necessários para o crescimento espiritual e o desenvolvimento moral.
O comer matsá em Pessach, particularmente durante o Seder, ajuda-nos a nos conectarmos com D’us sem que nosso ego interfira. Esta é a razão pela qual o comer matsá em Pessach é tão fundamental para nossa fé. A matsá é a marca par excellence da festa de Pessach, o momento em que celebramos nossa libertação da escravidão.
Contrastando com o chamêts, a matsá nos ensina que somente quando colocamos nosso ego de lado – quando paramos de pensar apenas em nós mesmos e começamos a pensar no outro – somente então podemos alcançar a verdadeira emancipação, liberdade e crescimento em todas as áreas de nossa vida.
O casamento entre o Céu e a Terra
Por Rabino Gabriel Aboutboul
A festa de Shavuot comemora o momento da entrega da Torá e o casamento entre o Céu e a Terra. Até a Revelação Divina no Monte Sinai, D’us era inatingível. A entrega da Torá marca o momento em que D’us se revela a todo o povo judeu, sendo esse o momento em que fomos capazes de conhecê-Lo. Com a entrega da Torá, nossa missão deixa de ser atingir o Céu, mas sim trazer o Céu para a Terra.
na linguagem do Midrash: D’us desejou ter uma moradia neste mundo inferior. E cabe a nós transformar este nosso mundo em uma morada para Ele, pois, afinal, o objetivo maior é transformar a Terra em um paraíso.
Até a entrega da Torá existia um decreto Divino que separava de forma irreconciliável o mundo material do mundo espiritual. O ser humano buscava D’us por vários caminhos. Alguns acreditavam que o caminho para se chegar mais perto do Altíssimo era viver de uma forma espiritual, desconectando-se das coisas materiais e levando uma vida de abstinência. Porém, por mais elevada que a pessoa fosse, havia um abismo entre D’us Infinito e o ser humano finito – e esse abismo não podia ser cruzado pelo ser humano. D’us o cruzou com a Revelação Divina no Monte Sinai.
E assim está expresso nas palavras que definem a Revelação de D’us no Monte Sinai: “E D’us desceu ao Monte Sinai”. E quando isso ocorreu, o “Céu beijou a Terra” e o decreto que separava o mundo espiritual do material foi eliminado. Pela primeira e única vez na História, D’us Se revelou publicamente – a todo o Povo Judeu. Em Shavuot, comemoramos o recebimento pelo Povo Judeu de um código de leis morais e espirituais ditadas por D’us.
O encontro do Céu e a Terra
D’us, em sua eterna bondade, revelou no Monte Sinai como nos conectarmos a Ele. Isso é feito através das mitzvot (plural, em hebraico, de mitzvá). As mitzvot promulgadas pelo Eterno fundamentam a responsabilidade do ser humano perante outros seres humanos e Seu Criador. São leis espirituais que, uma vez trazidas à Terra, assumiram forma física e cotidiana.
O Eterno nos deu dois tipos de mitzvot: as positivas e as negativas. As mitzvot positivas são as que ditam o que devemos fazer: faça caridade, respeite pai e mãe, cumpra o Shabat etc. As mitzvot negativas ditam o que não devemos fazer: não mate, não roube, não cometa idolatria, não coma em Yom Kipur. Ao todo são 613 mitzvot: 248 positivas e 365 negativas.
A divisão das mitzvot entre positivas (faça) e negativas (não faça) nos ensina que, ao mesmo tempo em que precisamos nos preocupar em fazer o positivo, precisamos
“O Exôdo”, Marc Chagall. 1966
também nos proteger do negativo. No mundo em que vivemos, as forças negativas são maiores do que as positivas, e é por isso que existem mais mitzvot negativas do que positivas.
A palavra mitzvá é usualmente traduzida como mandamento, porém, em hebraico, ela advém da palavra tsavta que significa conexão ou ligação. O poder da mitzvá é justamente o de conectar o ser humano, limitado, com o Infinito; de conectar o mundo material ao espiritual, dotando o ser humano da capacidade de elevar os elementos materiais desse mundo permeandoos de espiritualidade.
Quando transgredimos alguma dessas mitzvot nosso ato causa uma desconexão de D’us. Através das mitzvot, D’us nos mostra como podemos nos conectar a Ele e como
COROA DA TORÁ, GALÍCIA
podemos perder essa conexão. De acordo com a Cabalá, nossas ações neste mundo causam transformações nas esferas mais elevadas. A ação é o principal
No Judaísmo, ao contrário de outras crenças, a ênfase está em nossas ações e não em nossas intenções ou pensamentos. Na linguagem dos nossos Sábios: ma’assê hu’aicar. A ação é o principal. O que isso significa? Significa que ter uma boa intenção ou meditar sobre o bem de nada adianta se não praticarmos, de fato, o bem. O mundo em que vivemos é chamado de mundo da ação, onde o que tem maior valor são os nossos atos, as nossas atitudes, o nosso comportamento e a maneira pela qual vivemos.
Havia um chassid muito caridoso, seguidor do Rebe Shneur Zalman, o primeiro Rebe de Lubavitch. Ele cumpria com muito zelo a mitzvá de receber hóspedes em sua casa, em especial pessoas com menos recursos materiais. Certa vez, angustiado,
ele abordou o Rebe. E o questionou se ele estaria agindo com todo o seu coração. O Rebe sorriu e lhe respondeu: “Seus hóspedes estão satisfeitos? Mesmo se você não agiu com a melhor de suas intenções, o objetivo foi alcançado. Essas pessoas estão sendo alimentadas e recebem a ajuda que, de fato, precisam para poderem crescer material e espiritualmente”.
Podemos questionar nossas intenções, porém elas não devem nos impedir de fazer o bem. É comum ouvir que o importante é ser um bom judeu no coração. O que está dentro de nós é de grande valor, mas palavras, sentimentos e filosofias não bastam. Somente ações podem transformar o mundo em que vivemos.
Realmente, uma ação completa é a que vem acompanhada de sentimento e conscientização. É quando nosso coração e mente andam juntos. De acordo com a Cabalá, nossa intenção é comparada a asas e elevam nossas ações a esferas mais elevadas.
Faremos e Ouviremos
O povo de Israel, reunido aos pés do Monte Sinai, prometeu seguir os mandamentos da Lei Divina e afirmou, em uníssono: “Naassê Venishmá” (Êxodo 24:7): “Faremos e ouviremos”.
“Segurando a Torá”, Shavuot, 1880, Moritz Daniel Oppenheim, Alemanha
temos a experiência e depois buscamos entender o que fizemos, o entendimento é mais profundo.
Por exemplo, é difícil “compreender”, em toda a acepção do termo, sem ter passado pela emoção de ouvir a reza da Neilá, quando se aproxima o término do Yom Kipur, ou ver um filho fazer Bar-mitzvá. Não conseguimos colocar em palavras a conexão que sentimos ao colocar Tefilin ou ao acender as velas de Shabat. Certas experiências, só conseguimos verdadeiramente “entender” depois de tê-las vivido. Por isso, o Judaísmo é, acima de tudo, experienciar e vivenciar nossas tradições.
A Torá e os anjos
O Talmud diz que quando Moshe subiu ao Céu para receber a Torá de D’us, ele discutiu com os anjos. Os anjos disseram que a Torá lhes pertencia e reclamaram, pois como um ser humano, com todas as suas imperfeições, poderia tomar posse da maior riqueza Divina?
Ao que Moshe lhes respondeu: “Anjos têm má ou boa inclinação? Trabalham e precisam descansar no Shabat? Foram escravos no Egito? Têm pai e mãe para respeitar?” E assim por diante. Moshe ganhou a discussão e trouxe a Torá para a Terra.
O chassidismo nos mostra o lado místico dessa conversa entre Moshe e os anjos. Os anjos reivindicavam a Torá para os Céus e Moshe mostrou que a Torá só tem valor na Terra. A Torá foi entregue a este nosso mundo, a seres humanos, com todos seus desafios, suas falhas e suas dificuldades.
“EM UMA SINAGOGA CHASSÍDICA”, yosef schneider (1848-1893). 2a. METADE DO SÉC. 19
Dissemos ao Todo Poderoso: faremos e depois buscaremos entender o que ouvimos, o que nos foi ordenado. Isso ressalta a importância de buscar entender o Judaísmo, estudar seus preceitos e não os seguir somente como um ato de fé. Uma das explicações para esse versículo é que muitas vezes o entendimento só vem depois de realizarmos uma ação. Quando fazemos algo, quando
Em uma entrevista particular com o Rebe de Lubavitch, uma pessoa perguntou: “Por que D’us precisa dos seres humanos? Os anjos cumprem a sua missão de uma maneira tão perfeita. E os seres humanos, desde que estão aqui neste mundo, só causam problemas”. A que o Rebe respondeu: “Existem paisagens muito bonitas no mundo e pessoas que fotografam e pintam essas paisagens. O que tem mais valor, uma foto ou uma pintura?”
“A pintura”, respondeu a pessoa e o Rebe voltou a fazer uma pergunta: “E o que é mais perfeito, a foto ou a pintura?” O Rebe então explicou que mesmo que a foto seja mais perfeita, replicando de maneira precisa a paisagem, ela é, em grande parte, fruto de uma máquina. A pintura, por sua vez, envolve todo o esforço e dedicação de um artista. O artista coloca sua alma e seu coração naquilo que está retratando. Por isso, a pintura tem maior valor. Da mesma forma, os anjos são mais perfeitos. Mas o ser humano, com todas as suas imperfeições, se esforça e trabalha para se transformar e transformar este nosso mundo. D’us ama nossas imperfeições e conhece nossos dilemas e desafios. E tudo o que alcançamos tem grande valor para Ele.
Os três pilares do mundo
Existem três pilares sobre os quais o mundo se sustenta: 1. O estudo da Torá. 2. Avodá – as rezas1 . 3. Os atos de bondade.
Esses três pilares fazem um paralelo com os três tipos de relacionamentos
1 A Tefilá, palavra hebraica que é comumente traduzida como “oração”, corresponde à Avodá, o serviço Divino. humanos: entre o homem e D’us, entre o homem e ele próprio e entre o homem e os outros seres humanos.
Vejamos exemplos desses três pilares.
O Estudo da Torá
A Torá foi dada para o nosso bem: proíbe tudo o que faz mal à nossa alma e pede que pratiquemos atos que fortaleçam nossa essência e nossa ligação com D’us. Ao estudarmos a Torá, vemos o mundo pela verdade Divina. outro aquilo que íamos fazer de qualquer maneira é como enganar e roubar. Chama-se gonev dat habriyot, roubar a consciência daquela pessoa. Sem as diretrizes da Torá, poderíamos considerar isso uma gentileza, um agrado ao amigo.
Por milênios os judeus foram chamados de preguiçosos por descansar no Shabat. Como poderiam descansar durante 1/7 de sua existência? Hoje em dia, o mundo reconhece a importância de um dia de descanso.
Rolos da Torá
A verdade Divina e a percepção humana muitas vezes diferem. Por exemplo: existe uma lei no Shulchan Aruch, nosso código de leis, que para muitos pode soar estranha. Ilustramos essa lei através da seguinte situação. Uma pessoa está em casa, decide abrir um vinho Casher antigo e inesperadamente um amigo aparece para visitá-lo. O impulso é dizer ao amigo, “Como você veio me visitar, vou abrir esse vinho em honra de sua visita”. Isto é proibido. De acordo com a Torá, fingir que se está fazendo pelo O correto e o não correto nem sempre seguem a lógica humana ou o tempo que que vivemos. Com o recebimento da Torá, foi-nos dado o privilégio de ver o mundo e a nós mesmos de uma forma Divina.
O estudo da Torá alimenta nossa mente e nossa alma e o conhecimento adquirido modifica nossa percepção. Quando um programa de computador processa sempre os mesmos dados, ele nos fornece sempre o mesmo resultado. Nossa mente funciona da mesma
forma. Quando recebemos sempre as mesmas informações, nossa percepção do mundo permanece inalterada. Quando adquirimos conhecimento Divino, crescemos e mudamos nossa forma de ver o mundo.
Modê Ani
Um dos três pilares do mundo é a reza. Ao acordarmos pela manhã, nosso primeiro ato é recitar: Modê ani lefanêcha, Mêlech chai vecayam, shehechezarta bi nishmati bechemlá rabá emunatêcha. Sou grato a ti, Rei vivo e eterno, por teres restaurado minha alma dentro de mim com misericórdia. Tua lealdade é grande.
Começamos o dia agradecendo a D’us por ter devolvido a alma ao nosso corpo. Como está escrito no Zohar, obra fundamental da Cabalá, durante o sono a alma se separa do nosso corpo, “recarrega” suas energias nos Céus e retorna ao acordarmos. Mas o que é essa prática tão sagrada de recitar o Modê ani? Mal abrimos os olhos, já agradecemos a D’us. Com o Modê ani aprendemos a praticar a gratidão, um sentimento importantíssimo em todos os âmbitos de nossa vida. Em hebraico, idioma sagrado, Modê significa agradecer, mas também significa reconhecer. Uma pessoa agradecida é alguém que reconhece o que os outros fazem por ela.
Todos os nossos relacionamentos – casamentos, relacionamento entre pais e filhos, entre amigos etc. – melhorariam significativamente se começássemos nosso dia agradecendo e reconhecendo o que os outros fazem por nós.
É interessante também notar que a frase faria mais sentido se ela fosse escrita de maneira diferente Ani modê - eu agradeço, mas ela é escrita da forma Modê ani – agradeço, eu. Perguntam os nossos
“ENTUSIÁSTICA REVERÊNCIA À TORÁ”. DESENHO EM GIZ DE COR. ANÔNIMO, alemanha Sábios, por que as palavras se encontram nessa ordem? A razão é para que não comecemos o dia com a palavra “eu” e sim com o ato de agradecer. “Eu” é a palavra que mais falamos durante o dia. Quando o “eu” vem antes, podemos nos tornar pessoas egoístas, só pensando em nós mesmos. O agradecer é o principal, sendo assim é importante que venha antes do “eu”.
A cada novo dia que nos é concedido, acordamos com a consciência de que existe motivo para continuarmos neste mundo, ou seja, ainda temos uma missão a cumprir. Se recebemos mais um dia não foi por acaso. A Cabalá nos explica que cada um de nós é insubstituível, cada um de nós tem sua missão específica e essa missão não pode ser cumprida por outra pessoa. Não vivemos e não permanecemos neste mundo à toa. Cabe a cada um de nós fazer a sua parte para transformar este mundo num lugar melhor, mais justo, honesto, mais Divino e espiritual. Cabe-nos, portanto, ajudar a transformar este mundo numa moradia própria para D’us, o Todo Poderoso.
Atos de Bondade
O terceiro pilar que sustenta o mundo são os atos de bondade, guemilut chassadim. O mandamento de guemilut chassadim inclui qualquer ato de bondade que é feito a outrem. Inclui emprestar dinheiro ou objetos, ser hospitaleiro, alegrar noivas e noivos, visitar os doentes, enterrar os mortos, consolar os enlutados e promover a paz entre as pessoas. O Midrash revela que a prática de atos de bondade é a pedra fundamental, o pilar sobre o qual se ergue todo o universo.
Um de nossos grandes Sábios, Rav Israel Salanter, dizia: Não existe ato mais espiritual do que uma pessoa de carne e osso dar um pedaço de pão a outra pessoa de carne e osso. Muitos acreditam que um ato espiritual significa um ato desconectado do material, distante do mundo em que vivemos, um ato que esteja ligado a anjos e almas. Na verdade, são os atos físicos e materiais os que são os mais espirituais e que fazem a verdadeira diferença neste mundo.
Quando falamos de atos de bondade, falamos também em tzedacá, o mandamento de ajudar os carentes, muito erroneamente traduzido como caridade. Tzedacá é justiça social, a própria etimologia da palavra em hebraico significa justiça; e não há nada mais justo do que alguém contribuir para o bemestar de outros.
Parte do mandamento de tzedacá é dar o dízimo, dar uma percentagem de seu dinheiro. O dízimo tem um poder muito grande que advém da quantidade de energia e vida que colocamos na luta por nosso sustento. Muitas pessoas “dão o sangue” para conseguir dinheiro e sustento, frequentemente colocando o dinheiro acima da própria saúde. É interessante que o Talmud use uma expressão similar para dinheiro e para a sangue. Damim, dinheiro, vem da palavra dam, sangue (sangue no plural, damim).
É interessante que a mitzvá de tzedacá esteja ligada a uma porcentagem e não a um valor fixo. Ao dar uma porcentagem que está diretamente ligada ao todo, estamos elevando o todo. Quando uma pessoa faz tzedacá, dando uma porcentagem daquele dinheiro para uma instituição ou para alguém de vida. São pessoas que entendem que não vieram a este mundo só para receber, mas também para fazer sua contribuição, para deixar sua marca e fazer uma diferença na vida das outras pessoas.
E há pessoas que só sabem receber, que têm dificuldade de abrir a mão para a próximo e não ajudam ninguém. Pessoas que infelizmente optam por engolir tudo o que recebem. Sobre elas está escrito: os perversos na vida são chamados de mortos. A sua fonte da vida perdeu o seu significado e sua razão de ser.
A lição clara para nós é que não viemos ao mundo para receber. Como apreendemos, ma’assê hu’aicar, a ação é o principal. D’us deu a cada um de nós a capacidade, a força e o poder de transformar o mundo para o bem. Em vez de nos afastarmos do mundo, devemos preenchêlo com boas ações, seguindo as diretrizes que nos foram dadas no Monte Sinai, e unir o Céu à Terra, transformando o mundo em um verdadeiro Jardim de D’us.
MINIATURA DE ROLO DA TORÁ. ITÁLIA, SÉC. 18, PROVAVELMENTE
necessitado, ela está elevando toda a energia que foi colocada naquele trabalho, tornando-o sagrado.
A lição de dar tzedacá é que não viemos para esse mundo só para receber, viemos para dar de nós mesmos. Viemos para fazer uma diferença na vida das pessoas, para doar de nosso tempo, nossa energia e uma porcentagem dos frutos do nosso trabalho.
Israel é banhado pelo Mar Morto e o Mar da Galileia. O Mar da Galileia é o maior lago de água doce do país. Vemos peixes, pássaros e crianças brincando n’água. É um lugar cheio de vida. Em contrapartida, no Mar Morto não há plantas nem peixes. Sua alta salinidade não permite a existência de vida. Curiosamente, ambos são alimentados pelo mesmo rio, o Rio Jordão. Só que no Mar da Galileia a água continuamente entra e sai, existe um constante dar e receber de água, enquanto no Mar Morto, toda água que entra é engolida. Só tem entrada e não saída, por isso é um lago morto.
Da mesma forma há dois tipos de pessoas na vida. Aquelas que dão e que recebem, essas são pessoas cheias
Rabino Gabriel Aboutboul é rabino da Sinagoga de Ipanema no Rio de Janeiro e palestrante.