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Israel, Mossad e a paz no novo Oriente Médio

POR JAIME SPITZCOVSKY

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Yossi Cohen, diretor do Mossad, o serviço de inteligência de Israel, desembarcou em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos em agosto para fazer história. Era o primeiro representante do alto escalão do governo israelense a visitar o país do golfo Pérsico após o anúncio do acordo de paz pelo presidente Donald Trump, numa ofensiva diplomática responsável ainda pela normalização dos laços entre o Estado judeu e os outrora inimigos Bahrein e Sudão.

Homem de confiança do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, Yossi Cohen desempenhou papel-chave na remodelação tectônica a ocorrer no Oriente Médio. Enquanto o premiê israelense, Donald Trump e o sheikh Mohamed bin Zayed, homem-forte dos Emirados Árabes Unidos, lideravam o processo histórico no plano diplomático, coube a articuladores como Yossi Cohen concretizar uma aproximação entre Israel e países árabes sem precedentes desde 1994, quando da assinatura do acordo de paz com a Jordânia, o segundo da história. O tratado pioneiro foi firmado com o Egito, em 1979.

Portanto, de 1948 a 2020, apenas dois países árabes haviam reconhecido o Estado de Israel. Em apenas dois meses, de agosto a outubro, mais três aderiram à opção pela paz. Espera-se que o número ainda cresça, para que, em cenário idealizado, possa um dia até englobar os 22 integrantes da Liga Árabe.

Omã e Marrocos despontam na lista de nações com potencial para embarcar na nova fase de pacificação, enquanto se reforçam expectativas de que a Arábia Saudita, líder financeira e religiosa no mundo muçulmano, possa também vir a reconhecer Israel. E não há dúvidas de que o movimento diplomático de Emirados Árabes Unidos e Bahrein contaram com sinal verde do regime saudita, a principal potência regional no golfo Pérsico.

As mudanças políticas frenéticas se evidenciaram no encontro histórico entre Cohen e Tahnoun bin Zayed, conselheiro do governo emiradense para assuntos de segurança nacional. A WAM, agência de notícias oficial baseada em Abu Dhabi, destacou as declarações do anfitrião sobre colaboração no combate à pandemia e a “abertura de novos horizontes de cooperação entre os dois países em vários campos”, incluindo o da segurança.

Na declaração oficial, Tahnoun bin Zayed também falou da importância das iniciativas diplomáticas na busca por estabilidade na região. “Os EAU não pouparam esforços para alcançar esse objetivo”, declarou ele.

E, em meio à sinalização dos objetivos no trabalho conjunto, Bin Zayed reservou espaço para elogiar o visitante, enfatizando seu papel na construção dos laços bilaterais, “o que contribuiu para o sucesso do tratado de paz entre EAU e Israel”.

SECRETÁRIO JOHN KERRY E O ENVIADO ESPECIAL LOWENSTEIN, DOS EUA, REUNIDOS COM O PRIMEIRO MINISTRO DE ISRAEL, BIBI NETANYAHU, E YOSSI COHEN, DIRETOR DO MOSSAD, ANTES DA REUNIÃO BILATERAL, EM WASHINGTON

Anunciado inicialmente a 13 de agosto por Donald Trump, os chamados “Acordos de Abrahão” foram assinados em cerimônia na Casa Branca a 15 de setembro. Na foto histórica, o presidente norteamericano, o premiê Binyamin Netanyahu, e os chanceleres Abdullah bin Zayed, emiradense, e Abdullatif bin Rashid, bareinita.

O 13 de agosto, uma quinta-feira, agitou o Salão Oval da Casa Branca. Donald Trump, cercado por seus principais assessores, entre eles o genro, Jared Kushner, anunciou o acordo histórico e informou que havia acabado de conversar ao telefone com Binyamin Netanyahu e com Mohamed bin Zayed, para acertar o início de uma nova era médio-oriental.

Em seguida, foi a vez do telefone de Yossi Cohen soar diversas vezes, segundo reportagem do canal de TV 12, de Israel. O diretor do Mossad recebeu diversas ligações para cumprimentá-lo pela atuaçãochave na movimentação diplomática e, segundo relatos, ele teria dito: “Não imaginava que ficaria tão emocionado”.

O “The Times of Israel” também reproduziu declaração atribuída a

NETANYAHU COM YOSSI COHEN, DIRETOR DO MOSSAD Cohen. “Ontem foi um dia muito empolgante para o Mossad”, disse ele. “Nosso trabalho não é apenas evitar guerras ou impedir ataques terroristas contra Israel, mas também identificar oportunidades de paz na região e dar nosso máximo para promovê-las. É isso o que fizemos, e é um sentimento de enorme satisfação para todos os funcionários do Mossad que trabalharam duro nesse importante esforço e contribuíram para seu avanço. Tenho orgulho deles”.

No comando do Mossad desde janeiro de 2016, Yossi Cohen, segundo relatos na mídia israelense, visitou diversos países árabes nos últimos anos, acelerando uma aproximação, em especial com as monarquias do Golfo Pérsico. Credita-se a ele a intermediação para a visita, em 2018, de Netanyahu ao sultão de

Omã, Qaboos bin Said, apesar da inexistência de relações diplomáticas entre os dois países.

Segundo um jornal árabe baseado em Londres, Yossi Cohen, num reflexo das novas articulações diplomáticas, teria contado com o auxílio de emiradenses para conseguir um encontro com o general sudanês Mohamed Hamdan Dagalo. O Sudão, que aceitou normalizar suas relações com Israel em outubro, negou que a reunião tenha ocorrido.

Versões conflitantes, no entanto, não ofuscam o trabalho do diretor do serviço de inteligência, publicamente elogiado por Netanyahu. Segundo um comunicado oficial, o primeiroministro telefonou a Cohen, para agradecer a contribuição do Mossad no “desenvolvimento dos laços com os países do Golfo ao longo dos anos, que auxiliaram na concretização do tratado de paz”.

“É um grande momento... estamos fazendo história”, declarou Netanyahu em sua primeira entrevista à rede de TV Sky News Arabia, baseada em Abu Dhabi. E, ao festejar a conquista da paz, o primeiro-ministro israelense falava de um processo construído ao longo de cerca de duas décadas, período no qual o país foi articulando contatos secretos com países árabes, sobretudo os do Golfo Pérsico.

Elemento fundamental na aproximação foi representado pela ameaça do Irã. O regime teocrático de Teerã carrega em seu DNA a rejeição ao sistema democrático, representado pelos Estados Unidos e por Israel, e alimenta-se também do nacionalismo persa e xiita, o que provoca rivalidade com nações vizinhas de maioria árabe e sunita.

Yossi Cohen

Portanto, com suas ambições expansionistas e de ampliar influência no Oriente Médio, o Irã elegeu Israel e Arábia Saudita como seus principais adversários regionais. Teerã, com seu programa nuclear e intervenções em países como Líbano, Síria e Iêmen, acabou promovendo aproximação entre sauditas e israelenses, que ocorre há vários anos nos bastidores da diplomacia médio-oriental.

A eleição de Donald Trump, em 2016, representou um ingrediente importante na equação. O republicano mantinha diálogo privilegiado com Netanyahu, por proximidade ideológica, e com os sauditas, por um histórico de relacionamentos que antecedem seu ingresso na política.

Em 2017, em uma de suas viagens iniciais ao exterior e na primeira ao Oriente Médio, Donald Trump desembarcou primeiramente em Riad, anunciou negócios bilionários com seus anfitriões e, em seguida, embarcou no Air Force One para Israel. Foi a vez pioneira na história que, oficialmente, um avião oriundo do espaço aéreo saudita aterrissou em solo israelense.

Surgiam então os sinais mais claros de que, na administração republicana, haveria investimento diplomático na aproximação árabe-israelense, sobretudo envolvendo monarquias do Golfo Pérsico. Em junho de 2019, por exemplo, Jared Kushner comandou a apresentação de um plano de cooperação econômica em evento internacional em Manama, capital do Bahrein, para avançar eventual entendimento entre israelenses

MEIR BEN-SHABAT, ASSESSOR NACIONAL DE SEGURANÇA DE ISRAEL E O ASSESSOR SÊNIOR DO PRESIDENTE TRUMP, JARED KUSHNER, COM O ASSESSOR DE SEGURANÇA NACIONAL DOS EUA, ROBERT O’BRIEN, EM POSE HISTÓRICA NA CHEGADA AO AEROPORTO INTERNACIONAL DE ABU-DHABI, 31 DE AGOSTO DE 2020

e palestinos. Cerca de sete meses depois, o genro de Trump trouxe a público uma proposta de paz para o conflito israelo-palestino, chamado de “o acordo do século”.

A estratégia trumpista para Israel incluiu também a transferência da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, anunciada no final de 2017, e o reconhecimento da soberania israelense sobre as colinas do Golã, conquistadas na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

A ofensiva diplomática da Casa Branca evidenciou novos contornos da dinâmica no Oriente Médio. Sinalizou o enfraquecimento político da liderança palestina e as novas leituras feitas por lideranças árabes.

Além da ameaça representada pelo Irã, existem outros fatores responsáveis por redesenhar o Oriente Médio, permitindo a Israel se aproximar de antigos inimigos. O elemento primordial dessa nova equação responde pelo nome de era pós-petróleo.

No século 21, evidenciou-se o declínio da indústria petrolífera, durante anos alicerce básico de economias do mundo árabe. Questões ambientais e geopolíticas, como a dependência de um instável Oriente Médio, alimentam a busca por fontes alternativas de energia, que sejam renováveis e menos poluentes.

Países do Golfo Pérsico embarcaram em planos ambiciosos de diversificação de suas economias, de olho na chamada era pós-petróleo. Investiram na criação de polos turísticos, de grandes empresas de aviação, de robustas instituições financeiras e passaram a investir também em ciência e em inovação.

CERIMÔNIA DE ASSINATURA DOS ACORDOS DE ABRAHÃO, NA CASA BRANCA, EM 15 DE SETEMBRO DE 2020

A monarquia emiradense ilustra a tendência. Em 2019, enviou o primeiro astronauta árabe ao espaço, para a Estação Espacial Internacional, graças a programas de cooperação com agências científicas dos EUA e da Rússia. Em julho, foi a vez de lançar uma sonda não tripulada a Marte.

Os projetos de modernização econômica de diversos países do Oriente Médio, calculados também para gerar empregos, levam ainda em consideração as consequências da Primavera Árabe, quando explosões sociais, provocadas sobretudo pela falta de perspectivas econômicas, derrubaram ditadores e trouxeram cenários de instabilidade a partir de dezembro de 2010.

A ameaça do Irã, a aproximação da era pós-petróleo e o medo de novas instabilidade sociais levaram dirigentes do Oriente Médio a reavaliar sua relação com Israel e com a liderança palestina. Apoiados em visão pragmática, destinada a garantir sua permanência no poder, concluíram ser fundamental rever a leitura do conflito israelo-palestino, alardeado por tanto tempo como “principal tragédia do mundo árabe”.

No caso sudanês, o novo governo buscou uma aproximação com os EUA e Israel para que o país fosse, em contrapartida, retirado da lista de apoiadores do terrorismo, o que implicava custosas sanções econômicas. Espera ainda ajuda para desenvolvimento em áreas como agricultura e medicina.

Um novo governo do Sudão se formou após a derrubada, no ano passado, de uma ditadura que abrigou o terrorista Osama bin Laden, entre 1991 e 1996, e que construiu também alianças com o Irã. E, em 1948, tropas sudanesas participaram do ataque contra Israel, quando da guerra de independência.

Sete décadas depois, líderes de países como Emirados Árabes Unidos e Bahrein, entre outros, passaram a entender o ex-inimigo Israel como parceiro e fornecedor de soluções tecnológicas nas áreas de defesa, segurança cibernética, agricultura no deserto e dessalinização de água, entre outras.

Cabe, a tais lideranças do Oriente Médio, mais um grande desafio histórico: convencer a opinião pública do mundo árabe sobre a nova visão em relação a Israel, a representar uma guinada radical na comparação com o discurso de ódio e de intolerância propagado por tanto tempo. Mas, como diz um provérbio chinês, uma longa caminhada sempre começa com o primeiro passo.

Jaime Spitzcovsky COLUNISTA DA FOLHA DE S.PAULO, FOI CORRESPONDENTE DO JORNAL EM MOSCOU E EM PEQUIM.

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