Revista O Comércio Especial Cidade do Livro

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R$ 5,00 Ano 2 Edição Nº 25 Lençóis Paulista Abril de 2012

A Serviço da Comunidade.

EDIÇÃO ESPECIAL CIDADE DO LIVRO t 154 ANOS

Parabéns Lençóis Paulista! Por tua fé e tradição, Por teu povo honrado e forte, Consciente e cristão. ... Trecho do Hino de Lençóis Paulista

A Noiva do Corvo Branco e outros contos fantásticos! A Noiva do Corvo Branco ............................ 8 Curandeiro ...............................................10 Pisadeira ..................................................11 Fantasma da Educação.............................12 Fantasma da meia-noite ..........................13 Cobra d’água ............................................14

Corpo Seco ...............................................15 Assombração em Borebi...........................16 Fantasma da Facilpa.................................17 Bola de Fogo ............................................18 Contos da Escola Paulo Zillo......................22 Fantasma da Cultura ................................25

Tapera Queimada.....................................26 Mula-sem-cabeça ....................................28 Saci de pés vermelhos..............................30 Causos de arrepiar....................................32 A Noiva do Bonfim ...................................34 Lobisomem ..............................................38

REVISTA


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Artigo

Como posso eu duvidar da minha mãe, do meu pai e do meu nono? Quem é que já não ouvi as assombrosas histórias contadas com riquezas de detalhes pelas pessoas com um pouco mais de idade? Vivi uma infância cheia de lendas e personagens folclóricos, recheada de seres fantásticos e sobrenaturais que nunca esquecerei. Faz parte da minha vida quando era criança e meus avôs e minhas avós eram as pessoas mais queridas do mundo, aqueles que deixam a gente fazer o que quer e ainda nos enchem de doces e contam historinhas emocionantes. Bons tempos. Que saudade. Que amor eles foram na época em que eu era apenas um menino lá do Núcleo e que adorava correr atrás de rodamoinhos com uma peneira na mão. Mas eu juro. Nunca peguei um ‘maledeto’ Saci. Desde criança, sempre gostei dos mais velhos, sempre ouvia com atenção aquelas histórias que me faziam dormir encolhido debaixo das cobertas mesmo que fosse alto verão. Não podia ver um senhor com seu cachimbo sentado num banco – lá no Núcleo – que eu ia puxar conversa. Queria escutar o que ele tinha a me dizer. E tem coisa que um velhinho goste mais do que conversar com uma criança? Certamente, na vida dele – assim como na minha – foi algo prazeroso, mais que isso, valioso. É uma pena que isso – essa conversa entre crianças e velhos – esteja cada vez menos habitual, cada vez mais rara. Pergunto-me: como duvidar de tantas coisas que ouvi, de tantas histórias que escutei de gente que eu me espelhava, gente que para mim não mentiria jamais? Meu nono, que muita gente conhece, um espanhol danado de forte, o Seu Zé Quadrado, que foi mecânico muito tempo, dizia que tinha visto, várias vezes, um lobisomem nas imediações da Rua 28 de Abril, onde morava quando tudo não passava de mato

e casinhas dispersas. Conta ele, que um bicho de orelhas grandes andava sobre dois pés, acompanhado por uma matilha e que ele espiava o bicho pela fresta da janela de madeira, cheio de medo por seus filhos. Já meu pai, o saudoso Pedro Prado Lima, filho da Dona Anésia e do Seu Arthur, que fez tantas coisas na vida que aqui não teria espaço para contar, mas, para se ter uma idéia, foi de inventor a jogador de futebol, passando por metalúrgico na extinta Sidelpa, até banda de rock teve, além de gerente do extinto Banco Mercantil. O homem foi uma odisséia ambulante pelas terras lençoenses. Dizia ele, quando retornava de Quatá – cidade que trabalhou por algum tempo – que teve contato com um bicho peludo e estranho. Um lobisomem vinha à porta do seu alojamento e arranhava-a com muita força, daí, ele já me contava a famosa história do sal. Ele me garantiu o que homem no dia seguinte – ‘destransformado’ – procurou-o. Vai saber! Foi ele quem disse! Minha mãe, Vanda Terezinha Quadrado – que Deus a tenha – nunca foi de ter medo de nada não, nem de homem, nem de bicho, nem de assombração. Mas, tal como sua mãe – minha nona – Edenize Judith Capelari Quadrado, acreditava nessas coisas do além, do invisível, do místico. Sempre gostou de um bom filme de terror. Era fã de O Exorcista e é uma pena que não viveu para assistir Atividade Paranormal, se bem a conheci, iria ver trezentas vezes e contar o final para quem não tivesse visto. Ela se divertia fazendo isso. Como Servidora Pública, trabalhou muito tempo na Cozinha Piloto e – como ela dizia – lá era assombrado, desde as câmeras frias que fechavam e abriam sozinhas até à vaca mecânica que – à noite – começava a funcionar do nada e gerava

uma bagunça para ser limpa no dia seguinte. Confesso que sempre – lá na Escola Rubens Pietraróia – tomei os leitinhos de soja que vinham da vaca mecânica com certo receio. Com aquele rabo de olho. Ia ao banheiro com medo da Mulher do Algodão, da Mulher de Branco, da Mulher Gilette. Fui criança em um tempo sem internet, onde nossas fontes de conhecimento eram os livros, os vovozinhos da rua, os professores queridos, o Sítio do Pica Pau Amarelo. Em uma época em que as diversões eram jogar bola, queimada, bolinha de gude, esconde-esconde, soltar pipa. Corri tanto atrás dos rodamoinhos que levantavam poeira. Havia uma parte do Rio Lençóis – conhecida na minha época como Pastinho – que para chegar até lá e nadar era preciso atravessar canaviais e passar por cima de uma ponte deteriorada sobre os trilhos do trem. Meus olhos de criança viam coisas escondidas na cana, enquanto chupava o caldo de uma, duas ou mais. Ah, como eu queria ter pegado um Sacizinho e guardado na garrafa. Ah, como eu queria que as crianças de hoje pudessem ter todos os vovozinhos que tive e escutar deles as históricas mágicas que escutei. Nosso folclore jamais seria abandonado, jamais seria esquecido, jamais seria extinto.

"OEFSTPO 1SBEP EF -JNB Diretor da Revista O Comércio, Diretor-Secretário da Acilpa, Colaborador do Jornal Tribuna, Conselheiro do Comtur, formado em Letras e Marketing de Varejo.


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Editorial

Todo mundo tem uma boa história para contar Escrever uma edição especial resgatando o folclore lençoense, para a equipe da Revista O Comércio, consistiu num grande desafio e em uma oportunidade de aprendizado. Não tínhamos dimensão da importância da cultura popular em nossa vida. Descobrimos que o folclore vai muito além de um causo de saci. O fato é que todo mundo conhece pelo menos uma história sobrenatu-

ral. Pode ser um causo cômico, no qual a assombração estava mais no medo do suposto assombrado. Pode ser um conto rico em detalhes. Também é verdade que a maioria das pessoas gosta de parar e ouvir essas histórias. O objetivo da edição pelo 154º aniversário de Lençóis Paulista, num primeiro momento, foi resgatar as histórias que nossos pais e avós contavam. Ter um registro

seguro, capaz de sobreviver à passagem do tempo. Percebemos que a cultura popular e a cultura erudita estão muito próximas. Como defendeu Luís da Câmara Cascudo, o folclore é a tradição e ciência de um povo. Para compor a edição, conseguimos relatos de diversos perfis de pessoas. Educadores, que sabem valorizar as figuras tradicionais, como o saci, o curu-

pira, que sabem diferenciar o que é o terror causado por sugestão do medo, e não dispensam um bom causo de assombração, seja porque se acostumaram a ouvir o que os pais e avós contavam, seja porque estiveram envolvidos em uma situação impossível de explicar. Violeiros, profissionais liberais, enfim, todos que apresentaram um bom repertório. Nossas fontes representam a diversifica-

da comunidade lençoense. É importante ressaltar que, em nenhum momento, as matérias fazem julgamento sobre a crença pessoal de cada um. Todos têm o direito de acreditar ou não em eventos e criaturas sobrenaturais. Assim como é direito acreditar que exista uma explicação para cada fato narrado. Reforçando o que dissemos no começo, idealizamos uma edição que

mostrasse um pouco as raízes de nosso povo. Alguns personagens como o saci, o lobisomem, as mulheres de branco, já eram esperados. Outros representaram uma grande surpresa. Esperamos que todos apreciem as histórias folclóricas e os causos de assombração relatados. Desejamos que a leitura proporcione o mesmo prazer de ouvir as histórias que a vovó contava.

A Revista O Comércio apresenta às pessoas e empresas envolvidas com o projeto a missão, a visão e os valores que norteiam as idéias, pensamentos e atitudes de nossos colaboradores.

merece aplausos tanto dos cidadãos quantos dos poderes públicos constituídos. Expor ideais, valores e projetos que contribuem para o desenvolvimento das comunidades nas quais estamos inseridos é o que pauta a linha editorial deste veículo de comunicação junto ao seu público. Imprimir em nossas páginas o trabalho do gênio humano é o nosso direcionamento, aliando informações que auxiliem no crescimento profissional à edi-

torias atuais como sustentabilidade e comportamento, dentro de um programa economicamente viável.

os perfis sociais, culturais e econômicos ligados à nossa produção editorial para gerar interação entre categorias de interesses afins, possibilitando parcerias e experimentações. Solidificar-se como referência nos quesitos: comprometimento com o cliente, lealdade ao leitor, compromisso com fornecedor e atendimento profissionalizado, ao mesmo passo que prospectamos novos clientes para dar amplitude ao nosso raio de circulação.

Valores

sa equipe; r)POFTUJEBEF TFSJFEBde, transparência, idoneidade, competência e competitividade compõem nossas seis diretrizes das relações comerciais; r5FNPS B %FVT BNPS à Pátria e à democracia, aliados aos princípios universais de liberdade, igualdade e fraternidade norteiam pessoal e profissionalmente nossos colaboradores e suas relações internas e externas.

Missão

A construção de uma sociedade se dá a partir da história de homens e mulheres que se tornaram referenciais ao contribuir para o progresso de cidades. Gerar emprego é uma capacidade que

Visão

Constituir um canal de comunicação diferenciado no que tange à classe empresarial e seus consumidores, que também considera o poder de compra dos leitores de modo correlato à necessidade de venda dos anunciantes, seja produto, seja serviço. Dominar por excelência

r$PNQSPNFUJNFOUP compromisso, respeito e lealdade às pessoas e às empresas que investem em nosso veículo de comunicação; r7BMPSJ[BÉÈP QBSUJDJQBção, reconhecimento e gratidão aos nossos colaboradores, distribuidores e fornecedores (diretos e indiretos); r3FTQFJUP Æ UFOEËODJB político-religiosa, assim como, estímulo à criatividade e liberdade de expressão entre os membros de nos-


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Tradição e ciência de um povo Folclore e lendas de todo o Brasil está presente na literatura há mais de um século; Câmara Cascudo é especialista no assunto

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ão dá para imaginar a obra de Monteiro Lobato sem o saci. Tampouco os livros de Francisco Marins sem o curupira. Os personagens e lendas do folclore brasileiro enriquecem a literatura e dizem muito sobre as origens de um povo. No Brasil, a principal autoridade no assunto é o folclorista e historiador potiguar Luís da Câmara Cascudo. Ele escreveu 150 livros, 300 artigos e 1.500

cartas. Ele defendia que o folclore representava a tradição e a ciência de um povo. “A memória é a imaginação do povo, mantida comunicável pela tradição, movimentando as culturas, convergidas para o uso, através do tempo”. Em depoimento ao jornalista Pedro Bloch, publicado, em 1956, na revista Manchete, Cascudo narra os estímulos iniciais ao seu trabalho. “Eu não achava graça no que se escrevia

por aqui. Era tudo na base do ‘alto gabarito’. Eu achava graça mais era no trivial cotidiano. Comecei a fazer rodapés, ‘ronda da noite’, acompanhava a cavalo a ronda policial e ia descrever o que via, pileques e prostitutas, brigas e trapaças. O escândalo maior era ser feito por um menino rico. Depois, vieram naturalmente coisas como a Festa dos Reis Magos. Tanta coisa que Mário de Andrade (escritor) não podia compre-

ender. Pensava que eu tinha sido levado à cultura popular pela erudição. Mentira. A cultura popular é que me levou a cultura erudita”. De acordo com Câmara Cascudo, todos os países do mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes profissionais, possuem um patrimônio de tradições que se transmite oralmente e é defendido e conservado pelo costume. “Esse patrimônio é milenar e contemporâneo. Cres-

ce com os conhecimentos diários desde que se integrem nos hábitos grupais, domésticos ou nacionais. Esse patrimônio é o folclore. Folk, povo, nação, família, parentalha. Lore, instrução, conhecimento na acepção da consciência individual do saber. Saber que sabe. Contemporaneidade, atualização imediatista do conhecimento”. O estudioso acreditava existir uma cultura erudita, reservada para a iniciação,

e a cultura popular, aberta à transmissão oral. As duas de fundamental importância. “Estórias de caça e pesca, de episódios guerreiros e cômicos, a gesta dos heróis mais acessível à retentiva infantil e adolescente. Entre os indígenas brasileiros haverá sempre, ao lado dos segredos dos entes superiores, doadores das técnicas do cultivo da terra e das sementes preciosas o vasto repositório anedótico, fácil e comum”, definiu.

EXPEDIENTE EDITORA RESPONSÁVEL: Gazeta Paulista Empreendimentos Editoriais Ltda. | CNPJ: 01.782.039/0001-70. COMERCIALIZAÇÃO E PRODUÇÃO: Bistrô Serviços de Publicidade Ltda. - ME. Rua 13 de Maio, Nº 1.347, Centro, Lençóis Paulista, CEP: 18683-370, CNPJ: 10.744.028/0001-97. TIRAGEM: 5.000 exemplares. CIRCULAÇÃO: Agudos, Borebi, Lençóis Paulista e Macatuba. DIRETORES: Anderson Prado de Lima e Breno Medola. EDITORA CHEFE: Kátia Gisele Sartori (MTB 46.650). REVISTA O COMÉRCIO: (14) 3264-8187 e 3263-6886 | ocomercio@revistaocomercio.com.br | www.revistaocomercio.com.br. Artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, portanto, podem corresponder ou não à opinião desta revista.


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A Noiva do Corvo Branco

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A noiva na

estrada Mulher com aspecto fantasmagórico costuma assombrar motoristas que passam pela rodovia SP-261 durante a noite

Foto: Revista O Comércio

Vista da igrejinha do Corvo Branco, localizada na Osny Matheus; trecho é considerado mal-assombrado

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designer Juliano Ruiz tem convicção de que avistou a Noiva do Corvo Branco há alguns anos. Ele se recorda bem de como tudo aconteceu. “Foi em 2006. Eu morava em Barra Bonita. Tinha ido ao cinema, em Bauru, com um amigo de Lençóis Paulista, por isso fazia o trajeto pela SP-261. Aconteceu no caminho de volta, tinha acabado de deixar meu amigo na casa dele e seguia pela estrada no sentido a Macatuba”. Vale ressaltar que Juliano nunca tinha ouvido falar dessas histórias de assombração e não sabia que o local se chavama Corvo Branco. Ele lembra que a estrada estava deserta. Já passava da meia-noite. “Vinha distraído e com o rádio ligado, quando cheguei no ponto da pista onde há uma descida seguida de um aclive. Não podia acreditar no que meus olhos viam: logo que começou a subida avistei uma figura feminina, sentada na pista, exatamente so-

O mito

bre a faixa que divide as duas mãos de direção. Apesar de ter passado rápido por ela, pude ver que usava uma roupa suja, ou o que tinha sobrado de uma roupa clara, ou branca. Ela segurava os joelhos, com as pernas juntas. Parecia não olhar para nenhuma direção, uma expressão tranquila e ao mesmo tempo fantasmagórica, pálida sob o farol do carro”. O susto foi grande. Quando resolveu olhar pelo retrovisor, a mulher de branco já havia desaparecido. Juliano conta que chegou a pegar o telefone e ligar para o policiamento rodoviário, caso se tratasse de uma andari-

lha que precisava de ajuda. “O policial me perguntou o quilômetro em que eu havia visto a mulher. Disse que não sabia informar, mas logo adiante avistei uma placa com a informação e acrescentei que o trecho ficava bem próximo a Lençóis. Houve um silêncio antes de ele informar que mandaria alguém verificar. Tive a impressão que ele pensou se tratar de um trote”. Juliano também ligou para o amigo de Lençóis Paulista, que o havia feito companhia no cinema. Seu amigo, na mesma hora, afirmou que ele tinha avistado a famosa noiva do Corvo Branco. Foto: ilustração

A mulher de branco é um mito universal. Ocorre nas Américas e em toda Europa, de onde remonta a origem dessa lenda. Trata-se de uma aparição na forma de uma bela mulher, normalmente trajada de branco. Alguns dizem que é uma alma penada que não sabe que já morreu ou que faleceu de forma muito trágica, inclusive que fora assassinada no dia do casamento. O fato é que a assombração parece não se dar conta que já morreu. É comum surgir de noite, nas estradas, assustando motoristas e provocando acidentes. Em Lençóis Paulista, há diversos relatos sobre uma mulher de branco que aparece na rodovia Osny Matheus (SP-261), na altura do bairro Corvo Branco, por isso se popularizou como ‘A Noiva do Corvo Branco’.


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Curandeiro

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Benzedor Figura popular, Zé Mineiro atende quem procura conforto físico ou espiritual na sua modesta casa em Alfredo Guedes

Foto: Revista O Comércio

Zé Mineiro diz que descobriu vocação de benzedor quando tinha apenas sete anos e curou uma picada de cobra

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ma das figuras mais carismáticas do folclore brasileiro, presente em todo o país, é o ‘benzedor’. Em geral, trata-se de um homem ou mulher da comunidade, que recebeu ensinamentos dos mais velhos, sempre pela tradição oral. São conhecedores de ervas e plantas capazes de curar doenças ou trazer conforto espiritual. Os benzedores socorriam a população de regiões remotas, onde o acesso a hospitais era difícil e os remédios inacessíveis. As distâncias encurtaram, os serviços públicos de saúde atingem boa parte da população, mas esta figura tão querida resiste ao tempo. No distrito de Alfredo Guedes, o benzedor Zé Mineiro já ajudou muita gente de Lençóis Paulista e de toda a região. “Para ‘benzer’, basta crer em Deus”, resume ele. Zé Mineiro nasceu José Rocha dos Santos Filho, no município de Teófilo Otoni, interior de Minas Gerais – daí a origem do ape-

lido. Sua história é cheia de curiosidades, a começar pela idade. Ele tem duas identidades. Numa delas, a data de nascimento é de 1919. Na mais recente, 1931. Ele garante que a data mais antiga é a verdadeira e só tirou documentos novos porque estava com dificuldade em achar emprego numa determinada época de sua vida. Ele conta que a vocação de benzedor despertou quando ainda era criança, em Minas Gerais. “Eu tinha sete anos de idade. O meu primeiro pedido foi para curar uma ofensa de cobra. Tinha esse rapaz que tinha acabado de ser picado na perna. Estavam esperando chegar o Galdino, que era o benzedor na época. Eu via o rapaz chorando, reclamando de muita dor. Peguei um cipó verde e pedi para ele deixar eu rasgar a calça. Ele olhou para mim bravo e falou: o que você entende, moleque? Mas acabou cortando a calça ele mesmo, com uma faca de cabo torto. Eu amarrei o cipó ver-

de, fiz o sinal da cruz. Dali a três horas é que foi chegar o benzedor. Ele olhou e perguntou quem tinha feito aquilo. Aí disseram que tinha sido eu. O benzedor disse: olha, foi a salvaguarda desse homem. Se esse menino não faz essa simpatia, ele não resistia”. Apesar do apelido, Zé Mineiro deixou sua terra natal ainda jovem e rodou muito por esse país. Foi do Pará ao Paraná. Também viveu um tempo na Bolívia. Além de atender pessoas que o procuram em busca de conforto físico e espiritual, sempre trabalhou na lavoura. Zé Mineiro tem uma vida no mínimo curiosa. Já acompanhou um circo. Teve 14 companheiras diferentes e mais de 20 filhos. Agora, está com endereço fixo em Alfredo Guedes. Vive plantando, colhendo, fazendo vassouras e atendendo quem o procura, não importa o dia da semana ou o horário. Para finalizar, garante. “Eu só peço coisas boas”.


Pisadeira

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Cuidado com a Pisadeira!

Foto: Revista O Comércio

O violeiro e contador de causos, Divino Moura, alerta para o perigo da Pisadeira e ensina como se proteger desta figura má-intencionada, que ataca de surpresa

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uem nunca teve um pesadelo que de tão real, parecia impossível acordar. O violeiro e contador de causos, Divino Moura, alerta para os perigos de encontrar a Pisadeira – uma espécie de bruxa que gosta de atacar quem acabou de se deitar para um descanso, principalmente após uma refeição bem pesada. Senhor Divino diz que nunca viu a Pisadeira, mas já foi atacado por ela diversas vezes. “Esses tempos mesmo, estava em casa com a família. Minha filha estava assistindo tele-

O mito

visão e eu estava no quarto porque não gosto de novelas. Tive uma sensação estranha. Era a Pisadeira tentando me pegar. Ela conseguiu me segurar. Eu gritava por ajuda, mas ninguém conseguia me ouvir”, explica. A Pisadeira tem o poder de imobilizar as pessoas que estão deitadas. Quem é atacado sente-se incapaz de mover ou pedir auxílio. Como se fosse um pesadelo do qual é impossível acordar mesmo. Senhor Divino diz que é capaz de pressentir quando está por vir um ataque da Pisadeira.

O violeiro conta que diversas pessoas de sua família já foram assombrados pela Pisadeira, inclusive seu pai. “Tem pessoas que conseguem ver a Pisadeira. Meu pai dizia ver. Eu mesmo nunca vi. Mas dizem que é uma velha muito feia”. O retrato falado da Pisadeira descreve uma mulher de aparência assustadora. Ela seria alta e magra, com unhas bem grandes em dedos compridos e secos, olhos vermelhos e arregalados, nariz comprido para baixo e queixo grande. Os cabelos estão sempre

desgranhados. Seu olhar transmite algo de maligno, assim como suas gargalhadas que mostram seus horríveis dentes verdes. Apesar de já ter sido atacado diversas vezes pela criatura e de ouvir relatos de ataques a outras pessoas, senhor Divino diz não ter conhecimento de ninguém que tenha morrido por causa da Pisadeira. Para quem quer se proteger, ele ainda ensina uns versinhos, que aprendeu com um tio. Se você disser as frases com fé, a Pisadeira vai embora rapidinho. “Se você disser, ela liberta você”.

A Pisadeira é uma lenda do folclore brasileiro muito popular no interior dos estados de Minas Gerais e São Paulo. De acordo com a lenda, a Pisadeira passa grande parte do tempo nos telhados das casas. Ela fica observando o movimento dentro das residências. Após o jantar, quando alguém vai dormir de barriga cheia ela entra em ação. Sai de seu esconderijo e pisa em seu peito, deixando-o em estado de paralisia. Porém, a vítima da Pisadeira consegue acompanhar tudo de forma consciente, o que traz grande desespero, pois nada consegue fazer para sair da situação.

Reza contra a Pisadeira Pisadeira da mão furada, Essa casa tem quatro cantos, Cada canto tem seu santo, Pai, Filho e Espírito Santo.

O violeiro Divino Moura dá dicas contra ataque da Pisadeira


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Fantasma da Educação

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Com a corda no pescoço Foto: Ader Ferreira Neves

Fantasma de homem que cometeu suicídio assombra a Diretoria de Educação

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iversos prédios públicos em Lençóis Paulista escondem histórias de arrepiar. Na rua 7 de Setembro, a sede da Diretoria de Educação, também possui seus fantasmas. De acordo com o historiador Edson Fernandes, a maior parte dos prédios utilizados pela municipalidade, localizados na região central da cidade, foi fundada no século 20. Entretanto, esses imóveis já foram utilizados para outros fins. A educadora Neusa Carone, atualmente diretora da escola municipal Luiz Zillo, ajuda a resgatar o fantasma da Diretoria de Educação. No passado, as instalações abrigaram o fórum da cidade. “Quando eu assumi a Diretoria de Educação pela primeira vez não aconteceu nada. Quando assumi pela segunda vez, na

primeira gestão do prefeito José Antonio Marise, a diretoria tinha se mudado para o prédio da rua 7 de Setembro. Foi uma época de trabalho muito intenso. Às vezes o expediente ia até as 22h. E eu comecei a encontrar dificuldades para encontrar funcionários dispostos a permanecer lá comigo. Eu não entendia. Sempre pedia para alguém me fazer companhia, pois não queria ficar sozinha até muito tarde. Raramente alguém aceitava”. A explicação, de acordo com a educadora, não tardou a vir. “Comecei a criar teorias sobre o que poderia estar acontecendo. Uma

Curiosidade

funcionária explicou: aqui era o fórum, onde eram julgados os presos”. Não é possível checar a veracidade da informação, mas diz a lenda que um dos condenados teria se enforcado no prédio após receber a sentença de condenação. Em consequência disso, sua alma teria ficado presa ao local. Há relatos de vozes misteriosas e barulhos estranhos. Neusa diz que a arquitetura do prédio dá indícios de que ali foi mesmo o fórum. “Realmente, o salão da frente era utilizado pelos juízes. Quando cheguei existia uma mesa de pedra, que é onde fica-

Muito próximo à Diretoria de Educação, há rumores sobre a existência de fantasmas também na Cozinha Piloto. Há relatos de barulhos, vozes e máquinas que supostamente ligavam sozinhas durante a madrugada.

va o juiz. E até hoje o piso é diferente naquele espaço. Havia uma parede, atrás, uma porta, que dava acesso a uma sala que está sendo usada como arquivo. Realmente, é uma sala sem nada”. A educadora ressalta ainda que enquanto durava o julgamento, o preso permanecia numa sala sem janelas e praticamente sem ventilação, o que remete a um estado de agonia. Apesar das histórias, Neusa garante que nunca viu fantasmas. “Eu confesso que fiquei sugestionada com aquilo. Depois que você conhece a história, acaba mesmo ficando desconfiado. Um vento mais forte lá fora, realmente faz um barulho. Se você não está preocupado com isso, você não se assusta. Se você acredita que tem um fantasma, pode pensar que é uma assombração. Mas nunca vi nenhum fantasma”.


Contos da escola Lençóis Paulista Abril de 2012

Projeto da escola Luiz Zillo resgata causos e lendas populares Foto: Revista O Comércio Foto: Raul de Oliveira

A diretora Neusa Carone estimula os alunos a resgatarem histórias; ao lado, ilustração para o conto ‘O fantasma da meia-noite’

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diretora da escola Luiz Zillo, Neusa Carone, sabe o valor de um causo antigo ou de uma boa história de assombração. “Eu sou mineira criada no interior de Minas Gerais. Minha avó tinha 53 netos e minha infância foi marcada por essas histórias de assombração”, brinca. Ela conta que toda noite ia para a casa da avó com os primos. A matriarca preparava iguarias da culinária mineira, sentava com a criançada e sempre tinha uma ótima história para contar. “A gente voltava para casa por volta de 21h, morrendo de medo do escuro. Mas ninguém queria deixar de ir na casa de minha avó escutar essas histórias. E isso também era uma forma que ela encontrava para unir os netos, estar perto deles. Quando cheguei

em Lençóis demorou para eu ouvir alguma história de assombração”, recorda. Desde 2006, Neusa levou a proposta de ouvir e contar histórias para os alunos da escola Luiz Zillo. “O projeto começou quando eu li este livro: Sete histórias de sacudir o esqueleto”. O projeto foi dividido em etapas. Primeiro as crianças conheceriam os contos do livro. Depois, deveriam pedir para os pais contarem histórias em casa, lendas urbanas, causos de assombração da infância e levarem essas histórias para a sala de aula. “Todo mundo na sala ouviu as histórias e elegeu a melhor. Depois o conto foi reproduzido na lousa e passou por uma correção com a participação de todos os alunos”, explica Neusa. As melhores histórias foram

O fantasma da meia-noite

compiladas em livro. O projeto continua com força. É realizado a cada dois anos, com estudantes dos primeiros e segundos anos. Assim está sempre envolvendo novas crianças. “O objetivo é estimular a leitura, produzir textos divertidos, de significado real. Promover a interação em casa e na escola. Você divulga vários causos, uma criança conta para a outra e você preserva a memória dessas histórias”, resume. O incentivo à leitura e à preservação oral faz parte da rotina da escola. “Todos os dias, antes de começar a aula, lemos uma história, em suas versões originais, que traz mais detalhes e vocabulários mais ricos. São tantos detalhes que você consegue criar imagens na sua imaginação”.

Uma certa noite eu estava deitada na minha cama sozinha quando ouvi passos lentos vindo da direção da cozinha. Mas fui ficando com medo, pois o espaço era muito curto para tantos passos, não tive coragem de olhar e naquele momento dormi. No outro dia perguntei para minha mãe se ela teria levantado a noite. Nem ela e nem meu pai tinham levantado e nem viram nada. Foi quando eu percebi que era alguma coisa sobrenatural. Mas não tive medo, passado algum tempo, através de parentes, fique sabendo que a minha avó, que morava muito longe, havia falecido. Não sei se foi um aviso que senti a presença de alguém ou de alguma coisa que eu não consigo explicar. Esta é a minha história. Não sei se é de terror ou de fantasma. Esta é a minha história que eu consegui contar. História selecionada pelo projeto da escola Luiz Zillo. Gabriela da Silva (3ª C)

Fantasma da meia-noite

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Cobra d’água

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Os monstros do Tietê Foto: ilustração

Rio que serviu ao desenvolvimento da região abrigava criaturas gigantes

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m monstro que assombrou índios e bandeirantes habitou o Rio Tietê, na região de Lençóis Paulista, à época da colonização. Fantasmas e cobras gigantes também assombravam índios e desbravadores. O professor Edson Fernandes, doutor em História pela Unesp, reuniu fragmentos dessas lendas. Ele destaca que assim como acontece em toda a região, o Tietê é cercado de lendas, crendices e mesmo de mitos universais. Os relatos sobre alguns desses monstros, serpentes e fantasmas estão reunidos no livro História do rio Tietê, de Mello Nóbrega. A obra foi publicada em colaboração com a Universidade de São Paulo. A compilação traz histórias coletadas por desbravadores e estudiosos.

As lendas mais antigas são de tradição indígena e contam histórias de monstros hostis que infestavam o rio. Uma delas é a lenda do Avanhandava, descrito como uma sucuri gigante, que certa vez tentou engolir um índio inteiro. Os relatos das cobras gigantes que infestavam o rio começaram no século 16, com o aventureiro alemão Ulrico Schmidel. Além de serpentes gigantes, o Tietê abrigava outros monstros. “Sim, porque o Tietê também teve mães-d’água. Pelo menos sua existência ia provocando grande incidente na expedição do Doutor Lacerda e Almeida, no dia 23 de dezembro do ano da graça de 1788, à altura dos poços de Lençóis”, explica trecho do livro de Nóbrega. Essas criaturas folclóricas, segundo diário do viajante Lacerda e Almeida,

ficaram conhecidas por mães-d’água e eram seres encantados, capazes de criar ondas gigantescas e que faziam barulho ensurdecedor. Entretanto, não há retrato fiel sobre a aparência desses monstros.

Fantasmas do rio

Desbravadores e população ribeirinha também foram atormentados por fantasmas ao longo do curso do Rio Tietê: almas penadas de sertanistas mortos por doenças, flechados por índios ou mesmo estraçalhados por onças nos seus pousos noturnos, mortos por cobras peçonhentas e outros animais selvagens. “Almas penadas a descer e subir o rio em embarcações misteriosas, sem remo nem zinga, em noites cheias de bruma, em várzeas alagadiças”, descreve o autor.

O mito

Mãe d’água é o nome mais popular para esta criatura em todo o Brasil. Segundo o dicionário Houaiss, a forma mãe-d’água é registrada desde 1716, mas referia-se originalmente ao mito de uma serpente do rio, elemento que faz parte das populações indígenas brasileiras, cuja crença ainda sobrevive em certas áreas com o nome de boiúna ou cobra-grande, e que se encaixa aos relatos observados no rio Tietê. A concepção da mãe-d’água como mulher-peixe aparece na segunda metade do século 19 em diante.


Corpo seco

Lençóis Paulista Abril de 2012

Corpo seco Morto-vivo costumava assustar viajantes e trabalhadores rurais que circulavam pelas estradas de terra de Borebi

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iziam os antigos que quando uma pessoa é muito má em vida e não se arrepende de seus atos e pecados, depois de morta, até mesmo a terra se recusa a decompor este cadáver. Casos assim ficaram conhecidos como a lenda do corpo seco. Um desses espíritos costumava assombrar a região, onde hoje está localizado o município de Borebi. “Eu conheci esse corpo seco. Foi há muito tempo”, recorda o aposentado Luís José da Costa, 77 anos. “Nós trabalhávamos com trator, ali perto de Borebi, e sentíamos a presença dele. Era uma região conhecida como Ponte Preta”, completa. Esse caso aconteceu na década de 40. “Em Agudos tinha outro corpo seco, que ficava perto de um cemitério, conhecido como Cemitério da Forquilha. Nessa época estava abandonado”. Senhor Luís explica que o corpo seco foi uma pessoa que fez muito mal para os pais durante a vida. Depois de morto, como seu cadáver não é decomposto, ele deixa sua tumba para assustar as pessoas. “Ele sai

Foto: Revista O Comércio

Luís José da Costa lembra da época que o corpo seco assombrava

do túmulo e fica encostado numa árvore ou pedaço de madeira seca, no meio da mata. Os pais ou parentes fazem orações, removem ele, devolvem na catacumba. Quando é no dia seguinte, o corpo seco está na árvore outra vez”, ensina. De tão famoso que ficou e de tanto assustar as pessoas, foi preciso até a intervenção do padre Salústio José Rodrigues Machado, que estava na comunidade lençoense justamente nessa época, para dar fim no corpo seco. “Muita gente tinha medo dessa assom-

bração”, recorda. Para dar fim no corpo seco de vez, senhor Luís explica que é necessário um longo processo. Primeiro, é preciso localizar a assombração e encontrar um padre ou sacerdote que lhe encomende a alma devidamente. Depois é necessário queimá-lo até que restem só cinzas. Por último, deve se jogar as cinzas num rio. Esta etapa é muito importante, segundo explica o senhor Luís. “Se você não jogar as cinzas no rio, ele é tão insistente que consegue voltar das cinzas”. Foto: ilustração

O mito

O Corpo Seco é comum dos estados de São Paulo, Minas Gerais e da região Centro-Oeste. Diz a lenda que em vida, tratava-se de um homem malvado, que vivia prejudicando as pessoas. Era tão ruim que maltratava e batia na própria mãe. Após sua morte, ele foi rejeitado por Deus e até pelo diabo. Até mesmo a terra, onde havia sido enterrado, o expulsou-o. Com o corpo em estado de decomposição, teve que sair de seu túmulo. Começou a viver como alma penada, grudando nos troncos das árvores, que secavam quase que imediatamente.

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Assombração em Borebi

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O fantasma

do rio

Foto: Revista O Comércio

Pedro Freitas Cunha cresceu ouvindo e presenciando histórias sobre assombrações

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m Borebi, às margens de um rio que provavelmente é o Lençóis, habita o fantasma de uma mãe que não cessa a procura pelos filhos. Pescadores ou mesmo antigos moradores da região conhecem bem essa história. Muitos já se depararam com este evento sobrenatural. O aposentado Pedro Freitas Cunha, de 70 anos, por muitos anos ouviu esse causo contado por amigos. “A mulher perdeu os dois filhos numa enchente. Os corpos nunca foram encontrados. Ficou meio avariada da cabeça e morreu louca. Muitos dizem que era possível ver a mulher na beira do rio com uma peneira, gritando: ‘procuro e não acho’. Eu nunca vi. Mesmo quem não via, dizia escutar o barulho da peneira embaixo d´água”, relata. Há variações dessa história que dizem que a própria mãe foi responsável pela morte dos filhos, e isso a teria levado à loucura e, posteriormente, à morte. Senhor Pedro acredita em seres sobrenaturais e muito jovem presenciou eventos desse tipo. Ele conta que cresceu em Lorena, município na divisa dos Estados de Rio de Janeiro e São Paulo. Tratava-se de uma área pertencente ao governo, com matas fechadas e cenários assustadores. Ele viveu ali até o final da década de 60. “Dava medo porque havia florestas fechadas, reservas de eucalipto. Às dez da noite, todo mundo já estava em casa dormindo. Tinha uma passagem de nível na linha

Pedro Freitas Cunha trouxe histórias da região onde cresceu e aprendeu novos causos quando chegou em Lençóis Paulista

do trem. Essa passagem era fechada às 18h. Aconteceram muitas coisas ali. Meu pai presenciou muitas delas”. Na adolescência, senhor Pedro trabalhava num armazém debulhando milho, para ganhar um dinheirinho. O trabalho ia até tarde muitas vezes. “Um homem dizia para não passarmos das 11 da noite, porque ali existia um andarilho, um fantasma, que aparecia e sumia sem explicação. Um dia, por volta da meia-noite, o guarda da repartição me chamou e me mandou olhar numa dire-

ção. Eu vi uma bicicleta. Só a bicicleta, mas não tinha ninguém guiando”. Senhor Pedro também confirma ter visto o fantasma do andarilho, no mesmo armazém onde debulhava milho. “O guarda saiu para fechar a repartição. Foi bater o ponto no relógio que ficava próximo à porteira. Chegou uma pessoa, passou pela porteira fechada. Eu pensei: que negócio é esse? E ele continuou, passou por mais uma porteira fechada. O guarda disse que o fantasma aparecia direto”. Foto: ilustração


Fantasma da Facilpa

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Vigilante noturno Recinto da Facilpa era habitado por fantasmas; antigo vigia conta que assombração caminhava pelas instalações e depois desaparecia na lagoa

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igia noturno pode ser uma das profissões mais desafiadoras. É preciso ter coragem para enfrentar os perigos e criaturas que vagam pela noite. O funcionário público, Lourival da Silva Moura, 65 anos, atualmente aposentado, sabe bem como é isso. Ele tem histórias da época que trabalhou como guarda na Casa da Cultura Maria Bove Coneglian e no recinto da Facilpa (Feira Agropecuária, Comercial e Industrial de Lençóis Paulista). Hoje o recinto conta com iluminação e melhor infraestrutura, mas quando a feira começou a ser realizada onde é hoje, as condições eram um pouco precárias. Os turnos dos vigilantes eram longos. As noites frias. Foi justamen-

te nessa época que Lourival e outros dois amigos vigias se depararam com um fantasma. Do trio que vigiava a Facilpa, infelizmente apenas Lourival está vivo. Ele conta que conversando com os colegas, chegou à conclusão de que todos viam o mesmo fantasma. “Uma vez brincamos que ele nos ajudava a fazer a ronda”. Hoje a história é contada com bom humor, mas o causo só se tornou público depois que os colegas de trabalho deixaram o posto. “Eu guardei a história para mim por muito tempo, tinha medo de dividir com os companheiros e deixá-los assustados. Eles tiveram a mesma reação”, justifica. Lourival lembra bem da madrugada em que o

encontro aconteceu. “Tinha que fazer a ronda para me certificar de que estava tudo em ordem. Sempre parava ali onde é a casa do criador, próximo à cocheira. Junto com a gente sempre tinha um cachorro. Nós tratávamos dele e ele ajudava a tomar conta. Era bravo e não permitia que estranhos entrassem”. Naquela noite, enquanto voltava da vigília, Lourival avistou um homem parado nas proximidades do prédio onde é o escritório. “O cachorro seguia na frente, pensei que ia atacar ou morder o homem. Mas o animal passou direto. Pensei: sobrou para mim. Era por volta de duas horas. Quando cheguei perto do homem, ele virou as costas, não deu nem para ver o rosto. Só vi que era

branco inteirinho. Ele desceu pelo barranco, como se andasse em linha reta. Eu fiquei olhando para ver onde ele ia parar. Quando chegou na margem da lagoa, desapareceu”. Anos mais tarde, numa conversa informal, os colegas descreveram o mesmo fantasma. Um dos companheiros teria avistado a assombração e atirado. O fantasma desapareceu após os disparos. Lourival acredita que o fantasma poderia ser a alma perdida de alguém que morreu na lagoa. “Muitas pessoas se afogaram ali”. Mas acredita que o espírito era de paz. “Depois de muito tempo comecei a analisar e cheguei à conclusão que ele não queria me fazer mal. Se quisesse, teria feito”.

Foto: Revista O Comércio

Lourival Moura foi vigilante do recinto José Oliveira Prado há mais de 30 anos; local também era habitado por fantasmas


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Bola de fogo

Lençóis Paulista Abril de 2012 Ilustração: Ader Ferreira Neves

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ma bola de fogo, um grande feixe de luz que persegue e confunde os motoristas. Muita gente já viu ou foi perseguido por um clarão que surgiu não se sabe de onde, e depois desapareceu, sem deixar rastro. A experiência nem sempre é agradável. “Comigo aconteceu por volta de 1986, 1987”, conta o aposentado Luís José da Costa. Na época ele tinha um caminhão e transportava trabalhadores rurais. “A gente saía da roça por volta das 17h. Até chegar na cidade já estava escurecendo. Eu estava na estrada e via uma motocicleta pelo retrovisor, reduzi a velocidade para que passasse, mas não passava. De repente, não vi mais nada. Fizemos uma parada e aproveitei para fumar um cigarro. Nisso passou uma faixa de luz por baixo do caminhão. Muita gente viu. Teve uma moça que quase desmaiou. Meu filho também viu. Diz que era o Boitatá. Era uma bola de fogo que passou por baixo do caminhão”, relembra. O empresário Alencar Marques também teve uma experiência com a bola de fogo, na rodovia Osny Matheus (SP-261), há mais de

duas décadas. “Estávamos eu e um amigo. Nós morávamos em Macatuba e os dois tinham namoradas em Lençóis Paulista. Revezávamos o transporte. Um dia vínhamos com o carro dele, um dia vínhamos com o meu. Nesse dia estávamos voltando de Lençóis Paulista para Macatuba com o carro dele. Era por volta de meia-noite e meia. Já tínhamos passado o Corvo Branco quando uma bola de fogo nos alcançou e começou a nos acompanhar”, recorda. Tudo aconteceu muito rápido. “Eu disse para ele que era a Lua. Mas não era. Ele acelerava, eu pedia calma e dizia que era a Lua. De repente, a bola de fogo desapareceu. Era bem grande e dava a impressão que ela tentava entrar no carro, pelo vidro”. A experiência foi intensa e ele acredita que sua vida esteve mesmo em risco. “Acelerando daquele jeito podíamos sofrer um acidente. Temos um amigo, de Santo André, que capotou o carro depois de ver essa bola de fogo”.

Como um farol

Num dos sítios da família, o pai da educadora Clarides Martins, costumava ver

uma bola iluminada. O fenômeno ocorria quase toda noite. “Ao lado da casa tinha uma moita grande de bambu. Era comum aparecer essa bola de fogo, circular a casa, em ir em direção ao rio. Sempre antes da meia-noite. Por volta de 3h, 4h da madrugada voltava, iluminava tudo. Até as galinhas saíam do poleiro achando que tivesse amanhecido. Meu pai sempre via isso”. Depois de adulta, a própria Clarides teve uma experiência com a famosa bola de fogo. “Um dia, eu minha irmã e as crianças fomos para Santa Bárbara. Estávamos voltando no final da tarde e o carro bateu num banco de areia, já que naquele trecho a estrada não é asfaltada, e afogou. Estava quase na hora de escurecer. O carro não pegava, não entendíamos nada de mecânica. Sugeri que esperássemos. Era por volta de 18h30 e ainda havia luz. O carro não queria pegar e resolvemos esperar até que alguém passasse. Quando eram por volta de 19h nós avistamos o farol, a bola de fogo vindo em nossa direção. Entramos correndo no carro, demos partida e o carro pegou. Viemos embora sem olhar para trás”.


Bola de fogo

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Uma bola de fogo no céu Fotos: Revista O Comércio

Fenômeno acontece principalmente na rodovia Osny Matheus, assusta motoristas e já provocou acidentes O mito

Bola de fogo ou Mãe-do-ouro A Mãe-do-ouro, no folclore brasileiro, é uma bola de fogo que indica os locais onde se encontram jazidas que não devem ser exploradas. Existe uma variação do mito que diz esta bola se transforma numa bela mulher, loira que reflete a luz do sol e tem um vestido de seda branco que voa pelos ares. O empresário Alencar Marques (acima) e a educadora Clarides Martins (abaixo) já encontraram a bola de fogo na rodovia SP-261

Boitatá Segundo Luís da Câmara Cascudo, Boitatá é o primeiro mito a ser registrado no Brasil. Foi o padre José de Anchieta quem o referiu pela primeira vez, na Carta de São Vicente, datada de 31 de maio de 1560, como “um facho cintilante correndo para ali; acomete rapidamente os índios e mata-os…” Uma serpente de fogo, saltitante. Para muitos é uma alma penada. Um mito que ocorre em todas as regiões do Brasil e o correspondente ao fogo-fátuo europeu. Alguns acreditam ser uma espécie de defensora das matas, outros, o resultado de uma união de sacrilégio. Dizem que o viajante, ao encontrá-la, deve fechar os olhos e permanecer parado, imóvel, então ela desaparecerá. Caso contrário, a Boitatá o perseguirá, infernizando-o até matá-lo.

Ilustração: Ader Ferreira Neves


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-FOĂŽĂ˜JT 1BVMJTUB Abril de 2012

Rainha, Princesa e Madrinha da Facilpa à editoria Moda & Estilo; ensaio foi prod sintonizar-se com a maior festa sertane No dia 14 de abril, no salão de eventos Humaitå Hall, foram eleitas as três garotas que têm a missão de representar a beleza lençoense na 35ª Facilpa (Feira Agropecuåria, Comercial e Industrial de Lençóis Paulista). Para tanto, os jurados escolheram a Rainha Karoline, a Princesa Tamiris e a Madrinha Ana Flåvia. A organização ficou por conta da Brandão Promoçþes e Eventos, alÊm da participação da Ibem Produçþes. Neste ensaio, antenado à tendência em questão, o jeanswear darå o tom para uma das mais renomadas feiras do país. Nunca se viu tanta influência do mundo country na moda atual. Aliås, esta influência não se reflete apenas na moda. Estå na música, no estilo de

vida, no comporta mo, nos novos astro tacando no mundo tĂŁo badalado sertan Chegamos, en 2012 – maior pat co-cultural de Len resgatando a eleiç lençoenses que sim ta. As belas repre Ok Modas com infl tes do sertanejo mo botas texanas com babados em contr jeans, cintos e o ‘ete guram o figurino d cesa e da Madrinh festa popular. A R cio deseja que repr com beleza, simpa elegância e amor a

28 de Abril | Lençó


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amento, no consuros que vem se deso artĂ­stico com o nejo universitĂĄrio. nfim, Ă Facilpa trimĂ´nio turĂ­stinçóis Paulista – ção das beldades mbolizam a fesesentantes vestem fluĂŞncias marcanoderno. Saias com m bicos redondos, raste com camisas erno’ xadrez confida Rainha, da Prinha da nossa maior Revista O ComĂŠrresentem a Facilpa atia, simplicidade, a Lençóis Paulista.

Ăłis Paulista | 154 Anos

EscritĂłrio ContĂĄbil do

EXTINTORES

ProcĂłpio

ASTERIX


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Escola Dr. Paulo Zillo

Descanse em paz U

ma escola erguida num terreno que no passado abrigou um cemitério. Não é lenda. Em Lençóis Paulista, a história é real. Pode ser comprovada por registros históricos e mapas antigos, como mostra o artigo do professor de História Edson Fernandes. Registros à parte, o prédio que primeiramente abrigou a escola estadual Virgílio Capoani, e que atualmente abriga a escola Dr. Paulo Zillo, sempre mexeu com a imaginação de crianças, jovens e adultos. Alguns juram ter ouvido barulhos estranhos, inexplicáveis. Outros garantem que a unidade, de assombrada, só tem a fama. A educadora Clarides Martins, que trabalhou como professora, vice-diretora e diretora na unidade entre os anos de 1983 e 1991, diz que nunca viu assombração, mas reconhece que as lendas sobre a escola exerciam grande poder

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Escola Paulo Zillo, que já foi cemitério, é reduto de histórias de fantasmas

Foto: Revista O Comércio

sobre as crianças. “É público que o terreno da escola abrigou um cemitério, então as crianças já iniciavam os estudos com um pouco de medo. Antes da municipalização do ensino, a unidade recebia os alunos dos primeiros anos do ensino fundamental, então tínhamos estudantes de seis anos. Eles já entravam na primeira série com essa ideia de que a escola era assombrada. Os alunos mais velhos se aproveitavam para brincar com os pequenininhos”, avalia. Ainda de acordo com Clarides, era comum algum aluno encontrar um objeto que não soubesse identificar e acreditar que era de algum túmulo antigo. “Tem até uma história pitoresca. Um aluninho da primeira série um dia chegou para mim e disse: dona diretora, dona diretora, olha aqui: o ossinho do bracinho de um anjinho. Fui olhar, era uma perninha de frango”.

Adriane estudou no Paulo Zillo e ouviu vozes vindo do galpão que deveria estar deserto; lembrança ainda causa arrepios

‘Arrepio ao lembrar’

Já Adriane Cunha Médola Matias, ex-aluna do Paulo Zillo, não traz recordações muito boas. Sozinha nos fundos da escola,

ela garante ter ouvido barulhos inexplicáveis. “Eu estava mal-intencionada, estava pensando numa maneira de ir embora mais cedo. Mas o mo-

nitor impedia que os alunos tentassem pular o muro. Enquanto pensava em como ia sair fui até o pátio e tomei água. Não fui no banheiro sozinha, porque tinha medo. Escolas têm histórias de assombração nos banheiros”. Adriane diz que o caso aconteceu quando ela tinha 17 anos. Por muito tempo escondeu a história com medo da reação das pessoas. “Eu saí do pátio e fui em direção a um galpão velho, onde a direção da escola mantinha cadeiras e carteiras velhas. Tinha uma corrente segurando a porta. Passei por trás. O monitor não estava lá então deduzi que ele estava no portão da frente. Nesse momento, tive uma sensação estranha e ouvi um murmurar de vozes dentro do galpão. Não havia ninguém ali, apenas eu. Mas eu ouvia vozes de dentro do galpão e eram de mais de uma pessoa. Senti-me enjoada. Não tive coragem de olhar. Mas

vinha de lá de dentro. Congelei, paralisei e fui me arrastando”. Quando Adriane voltou do pátio para a escola, encontrou o monitor. “Ele me encaminhou para a sala de aula. Ele percebeu que tinha acontecido alguma coisa. Às vezes, você ouve alguma coisa, se assusta, e percebe que não é nada. Mas naquela ocasião senti um mal físico, senti frio. Eram vozes de mulher, um murmurar. Não sei se estavam cantando, reclamando. Sei que me arrepia só de lembrar”.

Curiosidade

Na época em que o prédio abrigava a escola Virgílio Capoani havia uma figura conhecida e temida dos alunos: a Julian. Tratava-se de um esqueleto (do sexo feminino) utilizado pelos professores nas aulas de ciência. Dizem que quando a escola mudou, o esqueleto também foi na mudança. Posteriormente, acabou sendo enterrado.


Escola Dr. Paulo Zillo

Lençóis Paulista Abril de 2012 Foto: ilustração

Artigo

Os mortos e os vivos - a disputa pelo cemitério Edson Fernandes A primeira menção a um cemitério em nossa cidade é datada de 1851. No dia 19 de junho daquele longínquo ano, o vigário Isidoro Gonçalves Campos abençoou um cemitério no povoado dos Lençóes, perante pouco mais de duas dezenas de moradores. Difícil saber se este cemitério foi o que ficou quando o povoado foi elevado à freguesia e depois à vila. Décadas depois, em 1891, já no período republicano, a Câmara Municipal já discutia a necessidade de se edificar um novo cemitério que não prejudicasse a saúde pública, ou seja, a certa distância do núcleo urbano. Em 1894, na sessão de 12 de setembro, a discussão girou em torno da administração do cemitério da vila: quem guardaria os mortos, a igreja ou o poder público? Consultada sobre o assunto, a Secretaria do Interior reconheceu que o cemitério deveria ficar sob a responsabilidade da Câmara Municipal. O fabriqueiro (o encarregado de cuidar dos móveis, paramentos, além de administrar internamente a igreja), mesmo não se conformando, foi obrigado a entregar as cha-

ves do campo santo. No entanto, a questão se arrastou e, por fim, a Câmara perdeu o controle sobre o cemitério que ficou em poder do vigário. Os vereadores solicitaram, em nome da saúde pública, ao governo do Estado uma verba de 6 contos de réis como auxílio na construção de um novo cemitério e a vinda de um engenheiro para escolher o local e orçar as obras. Uma comissão foi nomeada, um parecer foi elaborado, o lugar definido e o intendente autorizado a obter o terreno propondo indenização e chamando concorrentes para sua construção. O plano do novo cemitério foi aprovado na sessão do dia 20 de junho de 1896. O terreno para a edificação do cemitério foi doado pelo do barão Melo de Oliveira. Seu nome batizou a alameda onde foi construído. Em 25 de dezembro de 1897, deu-se a abertura do novo cemitério. Enquanto se discutia a construção, o cidadão Otávio Bosi requereu à Câmara autorização para sepultar seu filho, falecido no inicio de 1897, na sepultura particular do padre Magnani. Os vereadores indeferiram o pedido, mesmo assim a criança foi sepultada na capelinha de propriedade de Magnani. O caso foi parar na Diretoria de Servi-

ços Sanitários do Estado. Em dezembro de 1897, a lei nº 20 estabeleceu critérios para a construção de novos cemitérios na cidade: distância de pelo menos 300 metros das habitações, e “em pontos elevados na contra vertente das águas que tenham de alimentar poços e sistemas, e assentar na vertente oposta da colina em que assentar a povoação”. A lei proibiu o enterro de cadáveres no cemitério antigo, sob pena de multa de 50$000 (Réis) e oito dias de prisão. Por alguns anos, a cidade contou com dois cemitérios, o municipal e o paroquial, sendo que este último praticamente deixou de ser usado após a proibição de enterros. O mato foi tomando conta, tumbas eram profanadas, ossos eram espalhados pela ação de chuvas e animais. No dia de finados de 1914, o padre Magnani convidou algumas pessoas do povo, roçou o mato e derrubou árvores, deixando o cemitério novamente acessível à população. Três anos depois, em 1917, o cemitério municipal já necessitava de ampliação, o que levou o poder público à aquisição do terreno necessário para tal.

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Fantasma da Cultura

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Sons do

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Foto: Revista O Comércio

além Casa da Cultura é outro prédio público que esconde fantasmas e histórias

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prédio que hoje abriga a Casa da Cultura Professora Maria Bove Coneglian já foi um hotel. Não se sabe se o imóvel foi palco de alguma história trágica no passado. Certo é que durante a noite, sons estranhos, barulhos inexplicáveis e até fantasmas podem ser vistos. Lourival da Silva Moura, que foi vigia do prédio por alguns anos, confirma que durante a noite podia-se ouvir diversos barulhos que não tinham explicação lógica. Por exemplo, todos os dias ele tinha que descer para bater o ponto e ajustar o relógio – isso na épo-

ca em que se usava o relógio manual. O aparelho ficava isolado das demais salas do prédio, no andar de baixo, separado por uma grade que fica sempre fechada e que poucas pessoas têm a chave. “Apenas o Nilceu Bernardo, que era coordenador, tinha a chave. Lembro de uma noite que não tinha mais ninguém no prédio. Um dia eu estava ajustando o relógio e ouvi o barulho de alguém descendo. Foi nítido. Alguém abriu a grade e veio pelas escadas. Mas ninguém apareceu. Subi, acendi as luzes, ninguém. Abri e fechei portas. Nin-

Durante a noite barulhos estranhos assombram as dependências da Casa da Cultura; atriz e músico já viveram situações de medo intenso

guém. No outro dia, aconteceu a mesma coisa”. Um dos casos mais assustadores aconteceu com uma atriz do Grupo Atos & Cenas. Infelizmente ela não faz mais parte da companhia. Ela era moradora em Jaú. Quando o grupo ensaiava até tarde, a jovem optava por dormir em Lençóis Paulista, nas dependências da Casa da Cultura. Já estava habituada

com essa rotina. Certa vez, a atriz acordou apavorada com a imagem de um homem, um anão. Ele circulava pelo prédio, como se ela não estivesse ali. “Ela acordou com aquele anão do lado da cama dela. Despertou correndo e saiu com o pijama mesmo. Foi procurar o guarda”. Nessa noite Lourival não estava de plantão. Existem histórias sobre o fantasma. Dizem que o

tal anão era funcionário do hotel, possivelmente um garçom. Ele teria morrido de forma trágica e sua alma ficou presa ao local de trabalho. Em outra ocasião, um dos músicos da orquestra estava sozinho guardando instrumentos. Era o mesmo caso da atriz. O rapaz morava em outra cidade e quando ensaiava até tarde, dormia na Casa da Cultura.

Ouviu um barulho e resolveu dar um soco na parede, por brincadeira, bateu na parede. Do outro lado, alguém respondeu. Lourival estava trabalhando neste dia, garante que só estavam ele e o jovem no prédio, e jura que não foi ele quem fez o barulho. “Contando, depois de tanto tempo, a gente ri, mas no momento em que acontece o medo é indescritível”.


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Tapera Queimada

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Mistérios da Tapera Queimada Em Borebi, pessoas de diversas partes do mundo viveram em comunidade; principal marca é cemitério abandonado

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ugares históricos da região são banhados pelo mistério e pelo místico. É assim com a Tapera Queimada, um povoado formado por muitos japoneses que existiu, durante aproximadamente uma década, em Borebi – isso ainda na época em que o aprazível município era território lençoense. A principal marca deixada pela Tapera Queimada é um cemitério abandonado, que inclusive foi tema da dissertação de conclusão de curso da jornalista lençoense Tânia Morbi. “Tapera Queimada foi um povoado que existiu de fato. Alguns indícios comprovam isso, mas não se encontram provas concretas de sua existência, nem podem ser vistas no local, marcas da tradição dos habitantes orientais que viveram, trabalharam e coexistiram com os habitantes locais, dividindo os problemas e conquis-

Foto: Tânia Morbi

tas, tristezas e alegrias do lugar”, relata Tânia. “O que resta de palpável é um cemitério abandonado, onde grande parte dos imigrantes foi sepultada – o Cemitério da Tapera Queimada”. O cemitério fica pelo menos 10 quilômetros distante da cidade. O acesso é bastante difícil. Apenas quem conhece bem as estradas rurais da região consegue chegar com facilidade. Onde existe um cemitério abandonado, existe fermento para a imaginação. Logo, não é difícil encontrar histórias de assombração sobre o local. O aposentado Luís José da Costa trabalhou como motorista e circulou muito pela região. Ele diz que nunca viu nenhum fantasma, mas não aconselha ninguém a andar sozinho pelas redondezas. “Só sei que quando estava próximo do cemitério da Tapera Queimada, de noite, havia muitas luzes. E não eram vagalumes e nem velas”.

Túmulo remanescente no cemitério da Tapera Queimada, em Borebi

A história

A imigração japonesa acabou trazendo muitos orientais para a região.

Eles vieram para trabalhar nas lavouras de algodão que existiam por aqui, segundo o livro reportagem

da jornalista Tânia Morbi. “As casas do vilarejo eram construídas em grupos de cinco ou seis moradias cada. Havia vários grupos, com certa distância entre si. Na vila havia ainda três casas de comércio, escola, centro telefônico e igreja construídos com madeira retirada das matas mais próximas, que por sua força, sustentava as importantes mudanças, naquele começo de século 20”, descreve no trabalho. De acordo com a jornalista, instalar-se em Tapera Queimada não era difícil. “As famílias, imigrantes ou não, chegavam e escolhiam um pedaço de terra onde pudessem plantar um pouco de milho ou outro cultivo para sua subsistência. Se tivesse algumas galinhas, uns porquinhos e, quem sabe, uma vaquinha, então era mais fácil ainda, desde que fosse perto de uma das “águas” que existiam ao longo do tre-

cho entre o Turvinho e Tapera. Mas a verdade é que na maioria das vezes não possuíam nem isso. Ao todo eram oito nascentes de rios que se espalhavam pela região, dividindo-se em vários ramais, que garantiam a fertilidade da terra”. Acredita-se que boa parte da população acabou dizimada por doenças. Talvez assim tenham começado as superstições sobre o local. “As causas das mortes variam pouco e as doenças reforçam ainda mais a precariedade em que subsistia o povoado. Doenças como insuficiência cardíaca, paralisia, broncopneumonia, tétano, gastrenterite, derrame cerebral, tuberculose assombraram as moradias simples do povoado. Mas, dentre todos, o mal mais temido era a malária, doença até então desconhecida pelos japoneses e que podia produzir tragédias”, retrata o livro reportagem.


Tapera Queimada

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Boneca de porcelana E

m Tapera Queimada, apesar de o cemitério não ser exclusivo para sepultamentos de imigrantes - pois era o único da região a atender as famílias que residiam inclusive nas fazendas próximas – o local acabou ficando conhecido como Cemitério Japonês, devido à excentricidade das manifestações religiosas promovidas pelos familiares dos orientais mortos. Se a simbologia era forte na época em que as famílias imigrantes residiam no local, mesmo depois de vários anos, a tradição da oferenda e das homenagens aos mortos foi mantida, em parte com o auxílio da prefeitura de Borebi, que ainda hoje auxilia as famílias que visitam o cemitério do local em

busca dos restos mortais dos imigrantes ali sepultados. Em uma dessas visitas, de famílias em busca de seus antepassados, ocorreu uma das mais marcantes representações da fé e da crença japonesas, de que se tem notícia na região. Uma família estava em busca do jazigo de uma criança que havia sido sepultada no cemitério. Ao chegarem ao local e se depararem com o túmulo, disseram que não estavam em busca dos restos mortais da criança enterrada ali, que sabiam, já havia sido recolhido e transferido para um outro local. O interesse dos familiares era por uma boneca que havia sido sepultada junto com a menina, morta aos sete anos de idade.

Mesmo sem acreditar que seria possível encontrar o brinquedo depois de cerca de cinquenta anos, um funcionário da prefeitura designado para acompanhar os visitantes seguiu as instruções dos familiares. A cova foi aberta e a terra retirada cuidadosamente, sob a orientação dos parentes da menina. A pá foi suavemente removendo a terra até que, para surpresa do funcionário, trouxe à tona o que parecia ser apenas um pedaço de pano, sujo e roto, mas que no rosto de porcelana demonstrava ser o brinquedo buscado depois de meio século. O encontro emocionou os familiares, que guardaram cuidadosamente o brinquedo, enrolado em tecidos macios.

27 Foto: Tânia Morbi

Um dos túmulos remanescentes no Cemitério da Tapera Queimada; muitos japoneses voltaram para retirar seus entes ali enterrados

Depois de fechada a sepultura, os descendentes emocionados fizeram um ritual típico das tradições religiosas orientais, oferecendo alimentos frescos aos seus mortos. Comida típica japonesa e frutas foram

deixadas sobre o túmulo. O grupo ainda fez questão de recolher um punhado de terra do local e guardar como se fosse um fotografia que se faz de um local muito bonito do qual se quer uma lembrança física para recor-

dar, embora o cemitério não fosse mais do que uma série de ruínas de tumbas abandonadas, em meio ao mato que insistia em tomar conta do local, apesar da manutenção de limpeza feita pela prefeitura.

*Trecho extraído do livro reportagem “Tapera Queimada - A história não contada da Colônia Japonesa de Borebi”, trabalho de conclusão de curso da jornalista Tânia Morbi


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Mula-sem-cabeça

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A tropa sem cabeça Histórias que são contadas de geração para geração: cavaleiros eram conduzidos por animais fantasmas

Foto: ilustração

A

educadora Clarides Martins passou sua infância num sítio, na região da Barrinha. Cresceu ouvindo histórias sobre assombrações e seres folclóricos. A história que será reproduzida a seguir supostamente aconteceu com seus tios-avôs. O grupo de jovens literalmente encontrou uma tropa de cavaleiros sendo conduzida por animais sem cabeça. O ocorrido remete à lenda da mula-sem-cabeça, com o diferencial de que os animais desta história não soltavam fogo pelas ventas. Clarides lembra que a bisavó era pessoa bastante religiosa, de devoção católica. “Vinte e cinco de março é o dia da ascensão de Nossa Senhora. Na concepção dos antigos, não se devia fazer nada nesse dia. Não era dia de diversão, de ligar rádio, de passeio, assim co-

O mito

mo acontece na Sexta-Feira Santa, quando os cristãos velam o Cristo”, explica. Os tios-avôs, entretanto, gostavam muito de brincadeira, e no auge da juventude, nem sempre consideravam os conselhos da mãe. “Naquele 25 de março, como meus tios tinham passado o dia todo em casa, quando chegou a noite, estavam com disposição para sair. Arriaram os cavalos e foram passear, na região da Vanglória”, segue com a história. Vale lembrar que naquela época existiam quase que exclusivamente estradas de terra e o transporte era feito a cavalo ou carroças. “Eles estavam em quatro. O caminho de volta era escuro. Eles começaram a ouvir um tropel de cavalos, como se uma tropa fosse cruzar com eles. À medida que foram se aproximando, eles avis-

tavam os cavalos. O comboio foi chegando próximo, e quando estava muito perto deles, eles olharam para os cavalos e notaram que os animais não tinham cabeça. E os cavaleiros eram homem enormes, com chapéus gigantes, que se assemelhavam a tachos. Os animais ainda ostentavam cencerros (espécie de sineta) no pescoço. Eles desviaram, entraram no meio do mato, e a tropa passou. Eles dizem terem ficado tontos, sem rumo por um tempo”, resume. Esta história sempre foi contada na família, e com uma curiosidade. “Um dos meus tios-avôs, Nicolau Martins, era ainda jovem e já tinha uma mecha de cabelo branco na fronte. A família dizia que essa mecha nasceu do medo do encontro com essas mulas-sem-cabeça”.

A mula sem cabeça é uma lenda do folclore brasileiro. A sua origem é desconhecida, mas bastante evidenciada em todo o Brasil. Trata-se literalmente de um equino sem cabeça, que solta fogo pelo pescoço, local onde deveria estar sua cabeça. Possui ferraduras que são de prata ou de aço e apresentam coloração marrom ou preta. Segundo alguns pesquisadores, apesar de ter origem desconhecida, a lenda fez parte da cultura da população que vivia sobre o domínio da Igreja Católica.


Casarão assombrado

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Casa mal-assombrada

Foto: ilustração

Família dividia casarão antigo com fantasmas; espíritos faziam barulho a noite

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sta história aconteceu num antigo casarão de Lençóis Paulista. Vamos manter os nomes em sigilo para preservar a família. O imóvel era bastante grande. O ganha-pão da família consistia num bar, que ficava na frente da casa. Numa noite, após fechar o bar e se recolher, o homem

encontrou com a esposa na sala. Ela estava grávida de aproximadamente sete meses e vinha sendo uma gestação difícil, cheia de problemas. Ele questionou a esposa: o que ela estava fazendo acordada até tão tarde. A mulher explicou que sentiu desejo de comer um doce e tomar guaraná. O marido achou melhor Foto: Revista O Comércio

Eliane Márcia Médola lembra das histórias ocorridas no antigo casarão

atender o desejo da esposa e pediu que ela voltasse ao quarto. A mãe da moça, que também morava na casa, ouviu a movimentação, ficou preocupada com a saúde da filha e se levantou para preparar um chá. Sogra e esposo se depararam com uma visão fantasmagórica na cozinha. Um casal, que alegava ser o dono da casa, exigia que os atuais moradores saíssem. O marido, preocupado com a esposa, chegou a implorar a assombração que os deixasse em paz. Depois do ocorrido, não houve mais sossego no casarão. O barulho de torneiras sendo ligadas, passos no assoalho e outros sons passaram a dominar a madrugada. Eliane Márcia Médola Cunha chegou a viver nesse casarão. Felizmente, foi por pouco tempo. Apesar de espaçoso e confortável, era ao

mesmo tempo perturbador. “Ouvíamos passos a noite inteira na casa. Nós dávamos bronca nos filhos. Reclamávamos que eles chegavam tarde e demoravam para se deitar”. O momento mais tenso, de acordo com Eliane, aconteceu numa noite de verão. Ela estava sozinha em casa com uma das filhas. A garota estava se preparando para sair e tomar sorvete. “Ela estava tomando banho, passou por mim só de toalha gritando: corre mãe. Eu destranquei a porta e fomos para a rua. Minha filha chorava e tremia”. Quando a menina finalmente conseguiu explicar a história, relatou que sentiu passos no banheiro. Quando olhou para o lado viu um homem, de idade já avançada, que também tomava banho como se não houvesse mais ninguém ali. “Eu tinha uma amiga de

Pederneiras que passava os finais de semana em casa. Ela dormia na copa, onde havia um sofá. Ouvia esses barulhos a noi-

te toda, coitada. Dava para sentir os passos. Eu tinha impressão que se retirasse aquele assoalho do chão ia tirar gente morta”.


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Saci de pés vermelhos

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De gorro e cachimbo

Foto: Fernando Laz

Aventura em Botucatu resgatou casal de sacis para repovoamento em Lençóis

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m Lençóis Paulista, nas imediações do Parque Paradão, habita uma espécie de saci exclusiva de nossa região: o saci de pés vermelhos. O saci de pés vermelhos foi patenteado pela professora Rosângela Danoel Rissatto na Sosaci (Sociedade dos Observadores de Saci). “Há muito tempo que estou na luta pela preservação e resgate de nossa identidade cultural. Sou professora de educação física e comecei esta batalha em minhas aulas com as danças regionais. Mas tomei tanto gosto pelas pesquisas que acabei trabalhando também na Diretoria de Cultura”. Rosângela cresceu na capital paulista. Uma das principais lembranças que traz da vida na maior cidade brasileira é a interação com pessoas vindas de diferentes regiões. Ela se apaixonou por essa diversidade. Quando chegou ao interior paulista, como professora de educação física, resolveu utilizar esses elementos para tornar suas aulas ainda mais interessantes. Hoje, o saci vive livre e

feliz pelas matas de Lençóis Paulista graças à iniciativa do poder público e da comunidade. Nas comemorações pelo mês do folclore, em agosto, a diretoria de Esportes e a diretoria de Cultura promoveram um passeio ciclístico até a Polo Cuesta de Botucatu, onde existem muitos sacis. “A urbanização de nosso município nos últimos anos tinha espantado este amigo de nossas matas. Agora, com tantos projetos de preservação do meio ambiente por aqui, ele resolveu ficar. Melhor ainda, ele conseguiu morada nos corações dos lençoenses”, lembra Rosângela. O objetivo do passeio era justamente capturar um casal da espécie e trazê-los para o repovoamento aqui na cidade. A inicia-

tiva obteve sucesso. “Os danados gostaram tanto daqui, a adaptação aconteceu de forma tão rápida, que os bichinhos já estão ficando com os pés vermelhos, característica de quem nasce por essas bandas. Por isso eles acabaram recebendo o nome de sacis dos pés vermelhos. Desde que chegaram, as crianças falam muito neles e constantemente estamos relatando suas aventuras”. As características peculiares do saci de pés vermelhos já foram retratadas por artistas plásticos de Lençóis Paulista, entre eles, Cássia Rando, responsável pela Sacica, Fernando Laz e pelo jornalista Júnior Placca.

Curiosidade

Em 1917, o escritor paulista Monteiro Lobato propôs a abertura de um inquérito sobre a existência do saci-pererê. Colunista do jornal o Estado de S. Paulo, deu início à campanha pedindo aos leitores que enviassem cartas contando suas experiências ou informações sobre o mito. Esse material rendeu o livro “O Sacy-Pererê”.


Saci de pés vermelhos

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Eu vi um saci

Q

uando a maior parte da população ainda vivia na zona rural, muitas vezes isolada e distante da cidade, acontecimentos estranhos aguçavam a imaginação e instigavam a existência dos sacis. A educadora Clarides Martins tem pelo menos duas boas histórias para contar sobre o saci. A primeira ela sempre ouviu os membros mais velhos da família contar. Isso aconteceu bem antes de ela nascer, quando a família de seu pai vivia num sítio na região da Barrinha, próximo à Usina São José e tinha entre suas referências o conserto de armas de fogo. “Não dizem que no rodamoinho tem o saci? Minha mãe e avó contavam que meus tios eram cé-

O mito

ticos quanto a essas crenças”. Certo dia, um dos tios de Clarices disparou contra um desses rodamoinhos, com a finalidade de acertar um saci. A arma desapareceu na roda de vento. Só foi encontrada muito tempo depois, longe de onde havia sumido, toda emperrada e precisando de conserto. Ainda na região da Barrinha – e esses fatos Clarides pode comprovar – o pai da educadora mantinha diversos cavalos. Ele tinha afeição especial pelos animais e gostava até mesmo de domá-los. “De noite os animais se aquietam, mas havia noites que os cavalos corriam o tempo inteiro. Nós ficávamos ouvindo aquilo. Os animais corriam e relinchavam. Meu pai levantava, acendia

as luzes, olhava, mas não via nada. Como isso acontecia direto, paramos de nos preocupar. Só que no dia seguinte, quando meu pai ia tratar dos animais, observava que as crinas estavam todas embaraçadas, amarradinhas”, recorda. A lenda dizia que o sacia emaranhava as crinas dos cavalos para poder enroscar o pezinho e cavalgar com segurança. A dona de casa Maria Angelita Moura, que cresceu na região do Campinho, também recorda das histórias. “Os sacis trançavam as crinas dos cavalos. Na época em que eu era criança também aprontavam muitas outras travessuras. Minha vó dizia que ele cuspia dentro da canjica”.

O saci é um jovem negro de uma só perna, que usa uma carapuça sobre a cabeça – o que supostamente lhe concede poderes mágicos. Considerado uma figura brincalhona, se diverte com animais e pessoas, fazendo pequenas travessuras que criam dificuldades domésticas, ou assustando viajantes noturnos com seus assobios - bastante agudos e impossíveis de serem localizados. Há rumores de que ele se esconde nos rodamoinhos. Dizem que os sacis fazem tranças nos cabelos dos animais, depois de deixá-los cansados com correrias, faz as cozinheiras queimarem as comidas e os viajantes se perderem nas estradas. O mito existe pelo menos desde o fim do século 18.

31 Foto: Júnior Placca


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Causos de arrepiar

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Histórias de fantasmas Independente da crença, todo mundo conhece pelo menos uma boa história de assombração. Muitos viveram uma situação que só parece ter explicação sobrenatural. Outros trazem relatos contados por pais, avôs ou bisavôs. Reunimos aqui algumas dessas histórias.

Cemitério da Forquilha

Segundo conta Luís José da Costa, em Agudos, havia um cemitério abandonado e mal-assombrado, conhecido como Cemitério da Forquilha. “Isso que vou contar aconteceu perto desse cemitério, com um conhecido meu. Esse homem andava muito todos os dias. Percorria uma distância a cava-

lo, depois pegava um ônibus. Antes de pegar o ônibus, deixou o cavalo perto desse cemitério. Quando retornou da cidade, desceu do ônibus. Começou a escurecer. O homem tinha um medo que Deus me livre. Ele olhou para o lado e teve a visão de quatro homens carregando um defunto. Só podia ser um fan-

Fotos: ilustração

tasma. Ninguém mais era enterrado ali daquele jeito. De tanto medo pulou do cavalo. Aí o cavalo saiu correndo, disparou. Ele ficou tão apavorado que esqueceu do cavalo. Quando viu que estava a pé, bateu atrás do cavalo, evocou as rezas que sua mãe fazia. Quando alcançou o cavalo, esqueceu da assombração”.

A loira do banheiro Quase toda escola possui uma ‘loira do banheiro’ ou ‘mulher do algodão’. Os alunos da escola Luiz Zillo resgataram esse mito. Em Lençóis Paulista, a assombração já foi vista em praticamente todas as escolas estaduais. As versões para a lenda são muitas. Ela possui farta cabeleira loira, é muito pálida, tem os olhos fundos e as narinas tapadas por algodão, a fim de que o san-

gue não escorra. Dizem que era uma aluna que gostava de cabular as aulas, escondendo-se no banheiro. Um dia, caiu, bateu com a cabeça e morreu. Sua alma ficou presa à escola. Em outras versões, é uma professora que se apaixonou por um aluno. Terminou assassinada, a facadas, pelo marido traído. Tem o rosto e o corpo ensanguentados e as roupas em frangalhos.

‘Eu enfrentei o diabo’ O violeiro Divino Moura tem muita história para contar. Já viu lobisomem, já foi atacado pela Pisadeira. Já cruzou com fantasmas em estradas assombradas. Ele diz que já foi desafiado até pelo diabo. Desafio na linguagem dos violeiros é uma espécie de competição musical. Você é provocado em forma de música e deve responder do mesmo jeito. O caso aconteceu em Palmeiral. “Participava de muitos

desafios. Onde me convidavam, eu aceitava”. Naquela época se andava a cavalo e Divino tinha um desafio num lugar distante. O caminho era longínquo e assustador. “No meio da estrada encontrei um homem com uma viola, que me perguntou: você é bom de cantoria? Eu respondi que não era dos piores. Ele me chamou para fazer uns versos. Cantou para mim que era o diabo. Eu respondi que cantava em nome de Jesus Cristo.

Ele largou a viola dele no chão e foi embora. Essa viola permaneceu na casa da minha mãe, em Campinas, por muitos anos. Deve estar lá até hoje. Pedimos para o padre abençoá-la”.


Causos de arrepiar

Lençóis Paulista Abril de 2012 Foto: ilustração

Trote de cavalo Quando a Clarides Martins era criança, morava na região da Barrinha. Ela e os irmãos vinham estudar na cidade, na escola Virgílio Capoani e sempre pegavam o ônibus. “O Mourão saía de Vanglória e vinha pela estrada vicinal. Nós esperávamos o ônibus, mas havia uma caminhada antes de chegar ao ponto. Às 18h, nós pegávamos o ônibus de volta para o sítio. Meu pai às vezes ia buscar, ou mandava alguém nos buscar na volta da escola. Mas no verão, quando as tardes eram mais longas e demorava mais a escurecer, íamos sozinhos mesmo. Aquela não era uma época de violência como agora. Não havia preocupação e não tínhamos medo”. O pai de Clarides era

conhecidos. Esse cavalo começou a chegar muito próximo, mas não víamos. Ele passou por nós. Fazia barulho no chão seco, olhávamos para o lado e não víamos cavalo nenhum. Depois foi se distanciando. Em casa, recebemos a notícia de que Manoel Ferreira havia falecido. Foi justamente naquele horário que estávamos voltando da escola. Curiosamente, ele passava sempre naquela estrada a cavalo”.

No rio Lençóis Às margens do rio Lençóis, em Alfredo Guedes, José Rocha dos Santos Filho, o Zé Mineiro, viu uma assombração. Isso aconteceu há aproximadamente 30 anos.

João Pestana

E amigo de Manoel Luís Ferreira, figura muito conhecida e querida dos lençoenses. Um dia, na volta da escola, um fato no mínimo curioso aconteceu. “Nós descemos do ônibus e seguimos olhando as borboletas – por ali existiam muitas. De repente, começamos a ouvir os cascos de cavalo na terra batida, como se estivesse se aproximando um cavaleiro. Nem nos preocupamos porque todos ali eram

De acordo com ele, era comum o fantasma aparecer por ali e afugentar os pescadores. “Eu mesmo fui pescar e vi um cara sentado numa mala, no meio do rio”. Se-

gundo Zé Mineiro, o fantasma utilizava a mala como se fosse uma embarcação. “Eu corri de medo. Esqueci até a vara. O cachorro que estava comigo correu também”.

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ssa história foi contada por meu avô e aconteceu com o pai dele, meu bisavô. Ele estava sentado na varanda de sua casa, tomando um ar puro, junto com minha bisavó. Eles estavam conversando e minha bisavó foi para dentro ver o bolo que estava no forno. Foi quando meu bisavô viu um vulto meio azulado, meio branco, que soltava um pó brilhante. Ele imediatamente chamou minha bisavó. Os dois ficaram lá um tempão e não viram mais nada. Minha bisavó foi se recolher. Meu bisavô não sossegou, queria saber o que era aquilo que ele tinha visto. Esperou e viu o vulto de novo. Ele se escondeu para poder espiar e viu o homenzinho entrando na casa. Seguiu-o e o viu jogando areia nos olhos de minha bisavó, que já estava dormindo. Meu bisavô

Ilustração: Ader Ferreira Neves

tentou enxergar o que estava acontecendo, esfregou os olhos e não viu mais nada. Quando minha bisavó acordou, estava com areia

nos olhos. Dizem que quem faz isso é o João Pestana. Ele joga areia nos olhos das crianças e dos adultos.

* História contada por Amanda Caroline da Silva, aluna da escola Dr. Osmar Francisco da Conceição, de Macatuba


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A Noiva do Bonfim

Ilustração: Ader Ferreira Neves

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A curva do Bonfim Na estrada que Lençóis Paulista a Macatuba existe um lugar cheio de mistérios e superstições

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ma das curvas mais perigosas da rodovia Osny Matheus (SP261) abriga um lugar místico: o Bonfim. Para muitos, trata-se de local para expressar sua fé. Para outros, é um trecho que causa medo, já que esconderia mitos e fantasmas. A capelinha que ali existia e suas tradições católicas remontam à história de Lençóis Paulista. “A formação do Bonfim é da época do meu avô (Delfino Bueno do Prado). Macatuba – que ainda era território lençoense - não tinha cemitério. Os cadáveres eram levados para sepultamento em Lençóis Paulista. Iam numa rede. Nem caixão existia. Colocavam os corpos numa toalha ou coberta, amarravam numa vara e o corpo ia no ombro, balançando”, recorda o proprietário rural Ernesto Aleixo do Prado, 77 anos. Ernesto, que ainda mo-

ra na região, cresceu ouvindo as histórias sobre o sepultamento de pessoas e a peregrinação ao local. Reza a lenda, que nos primeiros anos do século 20, a população que vivia na região do Porto (divisa com Igaraçu do Tietê), foi assolada pela febre tifóide. Uma das consequências desta doença seria a decomposição rápida dos corpos. “Eles vinham trazendo o primeiro cadáver, quando chegou na altura do Bonfim, o cadáver estava numa condição muito ruim. Um dos acompanhantes sugeriu que fosse deixado por ali, que ele recomendaria o corpo com as mesmas palavras que o padre dizia antes do sepultamento. E vieram mais depois desses. Sei que existiam 13 sinais grandes. Cada coqueiro, meu falecido pai dizia que correspondia a um sepultamento”. Foi assim que surgiu o nome Bonfim, já que ali


A Noiva do Bonfim

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Fotos: Revista O Comércio

acabou sendo o destino de muitas pessoas. Em 1922 foi construída uma capelinha, uma forma de trazer paz às almas ali sepultadas. Há alguns anos, a capela foi queimada por vândalos e acabou totalmente destruída. No local, resta uma igreja, fundada em 1977. Ernesto, proprietários rurais da região e fiéis trabalham para a conservação do templo.

Mistérios do Bonfim

Até hoje a igrejinha erguida no meio da mata mexe com a imaginação das pessoas. O templo quase não é utilizado já que o acesso só é possível por veículo automotivo. Todo dia 1º de maio é celebrada uma missa para marcar sua fundação. Além disso, é comum as pessoas abandonarem imagens quebradas nas proximidades. Outra curiosidade: as imediações são utilizadas como locais de ‘despachos’, a popular macumba. A aposentada Aparecida Aleixo do Prado, 85 anos, também cresceu na região ouvindo histórias sobre o local. “Eu nunca vi nada, mas meu primo Gino dizia ter visto uma luz na capelinha quando era

jovem. Quando ele chegou perto para ver se tinha alguém, a luz desapareceu. Atualmente, ele mora em outro estado”. Ernesto Aleixo do Prado garante que o Bonfim é um lugar santo e que não existe assombração. “O medo está mais na cabeça das pessoas. Um dia estávamos fugindo de uma chuva forte e vimos a capela acesa. Pensamos em nos abrigar ali, mas ficamos com medo. Quando fomos conferir, encontramos um conhecido, que também estava se escondendo da chuva e acendeu uma vela para fazer uma oração até que a chuva passasse. Se não fôssemos checar, sairíamos dali dizendo que tinha uma assombração na capela”.

A Noiva

Naquele ponto da estrada também existe um mito sobre uma mulher de branco. Muita gente ouviu os pais ou avós contarem sobre a Noiva do Bonfim. Existem diversas versões para a história. Uma dessas versões foi resgatada por alunos da escola estadual Dr. Osmar Francisco da Conceição, em Macatuba, na obra “A Noiva do Bonfim e outros con-

tos”, resultado de um projeto feito com os alunos em 2006. O livro reúne 19 contos de temática folclórica, com ilustrações, receitas da vovó e dicas de remédios caseiros pesquisados pelos alunos. A versão retratada no livro foi resgatada pelo aluno Wesley Rafael de Freitas, que na época estava na oitava série. Ele explica no conto que ouviu a história da Noiva do Bonfim ser contada pelo avô. De acordo com o estudante, o mito da Noiva do Bonfim começa após um final trágico, para um dia que deveria ser apenas de alegria. Diz a lenda, que uma noiva de Macatuba, que seguia para se casar em Lençóis Paulista, sofreu um acidente de carro e morreu, justamente no quilômetro 121 da rodovia, onde está a igrejinha. Dizem que até hoje a moça aparece na pista, em pé, com a mão estendida para todo homem que passa. Nas mãos, segura uma aliança de ouro. O mito resgatado pelo estudante ainda diz que quem tiver coragem de colocar a aliança na mão da noiva receberá uma recompensa.

Ernesto Aleixo do Prado diz que o Bonfim é lugar santo e que nunca encontrou assombração

Vista da igreja do Bonfim, onde pessoas abandonam imagens quebradas; capelinha foi destruída por incêndio


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Curupira

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Em busca do curupira

Foto: ilustração

Depois de resgatar o saci, passeio ciclístico do folclore mostra outros seres amigos da natureza; em agosto tem pedalada até o município de Pratânia

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epois de trazer o saci para fazer o repovoamento da região, ciclistas lençoenses agora vivem em busca das origens do curupira. Pelo terceiro ano consecutivo, em 2012, as Diretorias de Cultura e de Esportes realizam o desafio ‘Lençóis de bike em busca do Curupira’, com uma pedalada até Pratânia. O evento, realizado sempre em agosto, é uma forma

O mito

de comemorar o mês de folclore e reverenciar suas figuras mais importantes. De acordo com Maurício Diniz, um dos idealizadores do passeio, são aproximadamente 50 quilômetros de pedalada até Pratânia. Naquele município, a principal parada é no sítio Taquara-Poca, reduto do Curupipa. Em seguida tem almoço de confraternização e os ciclistas retornam de ônibus. Este

ano o desafio acontecerá no dia 19 de agosto. Maurício explica que o sítio Taquara-Poca pertence ao escritor Francisco Marins. Nascido em Pratânia, ele é autor da série de livros infanto-juvenis sobre a fazenda, com personagens fictícios resgatados de nossa cultura, tal qual o curupira, e fatos históricos da época do desbravamento. Os livros do escritor Francisco Marins, tra-

duzidos para 12 idiomas, levam as histórias típicas de nossa terra a vários países do mundo. Durante o passeio ciclístico, além de conferir um pouco mais as belezas naturais da região, crianças e jovens podem aprender mais sobre o defensor das matas, o curupira.

De acordo com a lenda, contada principalmente no interior do Brasil, o curupira habita as matas. De estatura baixa, possui cabelos avermelhados (cor de fogo) e seus pés são voltados para trás. A função do curupira é proteger as árvores, plantas e animais das florestas. Seus alvos principais são os caçadores, lenhadores e pessoas que destroem as matas de forma predatória. Para assustar os caçadores e lenhadores, o curupira emite sons e assovios agudos. Outra tática usada é a criação de imagens ilusórias e assustadoras para espantar os “inimigos da florestas”. Dificilmente é localizado pelos caçadores, pois seus pés virados para trás servem para despistar, deixando rastros falsos pelas matas. Além disso, sua velocidade é surpreendente, sendo quase impossível um ser humano alcançá-lo numa corrida.


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Lobisomem

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Lua cheia

Foto: ilustração

Famoso no Brasil e no exterior, lobisomem existe em todos os lugares e muita gente já encontrou ou foi perseguida por esta criatura

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as noites de lua cheia, é preciso ter coragem para permanecer sozinho nas ruas. Principalmente após o relógio dar as doze badaladas, aumenta o risco de se encontrar um lobisomem. Esta é uma das criaturas folclóricas que mais povoam a fantasia dos brasileiros, não importa a região do país. E o lobisomem está em todo lugar, na zona rural ou mesmo nas cidades. O aposentado Pedro Freitas Cunha lembra de uma época recente em Lençóis Paulista, quando o desenvolvimento urbano ainda era pequeno. “A cidade praticamente terminava

ali perto do asilo. Contam que por aquela redondeza viviam dois lobisomens. Amigos e conhecidos falavam que viam os bichos”. O violeiro Divino Moura diz que conheceu um lobisomem, há muito tempo atrás, antes se mudar para Lençóis Paulista. “Ele era uma pessoa normal. Trabalhava, frequentava a casa da gente. Só que quando a lua mudava de fase ele ficava diferente. Lembro que ele era conhecido onde a gente morava como João Bodinho”, recorda. Senhor Divino diz que ele e as irmãs chegaram a pregar uma peça no tal lobisomem, para confirmar as

suspeitas. Hoje ele ri quando se lembra da brincadeira, mas na época confessa que chegou a ficar com medo. “Nós sabíamos que ele ia virar lobisomem e nesse dia ele estava em nossa casa. Quando chegou perto da hora, o homem começou a ficar inquieto. E a gente não deixava ele ir embora. Vamos conversar? Vamos conversar mais um pouco, senhor João, nós ficávamos

insistindo. Até que o homem perdeu a paciência e ameaçou virar lobisomem ali mesmo. Sei que quando ele saiu para ir embora, a cachorrada já foi acompanhando. Meu pai ficou sabendo da história e ficou bravo com a gente, disse que o lobisomem podia querer se vingar. Mas logo depois daquilo ele foi embora. Foi trabalhar em outro lugar”.

O mito

Tudo indica que a lenda do lobisomem se originou na Europa e espalhou-se pelo resto do mundo. No Velho Mundo, esta criatura nada mais é do que um homem que foi mordido por lobo em noite de lua cheia. Caso o lobisomem morda outra pessoa, a vítima passará pelo mesmo feitiço. No Brasil (principalmente no sertão), a lenda ganhou várias versões. Em alguns locais dizem que o sétimo menino, de uma sucessão de filhos homens, pode transformar-se em lobisomem. Em outras regiões, diz a lenda que se uma mãe tiver seis filhas mulheres e o sétimo for homem, este sétimo se transformará em lobisomem. Existem também versões que falam que, se um filho não for batizado, poderá se transformar em lobisomem na fase adulta.


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