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ENTREVISTA

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EDITORIAL

EDITORIAL

DR. HENRIQUE MAURÍCIO FANSTONE

Filho do casal inglês James Fanstone e Ethel Marguerite Fanstone, a Dona Dayse, o Dr. Henrique Maurício Fanstone nasceu em 1926, em Anápolis (GO). Seus pais vieram para o Brasil em 1922 e também seus irmãos nasceram aqui. “Meu pai, mesmo tendo sido livre docente na Universidade de Londres e tendo servido cinco anos no exército britânico, levou dois anos para legalizar o diploma dele aqui. Foi obrigado a defender três teses perante uma universidade brasileira, a UFMG: terapêutica, cirurgia e clínica médica. Tanto é que ele acabou sendo doutor em Medicina aqui também. Depois que concluiu suas teses, a direção da universidade o elogiou e disse que sentia-se honrada por ele ter defendido lá suas teses”. Henrique Fanstone exerceu a Medicina de 1951, ano em que formouse médico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, até meados da década de 70. Foi deputado federal por dois mandatos nos anos 1970 e afirma que voltou para Anápolis porque quis. “Como deputado e secretário de saúde, tinha tudo para continuar sendo político, mas escolhi permanecer na Medicina”, lembra. Meu pai se aposentou e passou a direção do Hospital para mim. Foi quando as especialidades médicas foram ampliadas e ele disse: ‘Vou te passar o bastão porque não me acostumo com esse negócio de 10 médicos fazerem o que eu fazia sozinho’. O Dr. Henrique Fanstone, que cortou a fita simbólica de inauguração do novo e moderno Centro de Hemodinâmica do HEG no dia 26 de setembro, é o nosso entrevistado.

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FOTO: TAW RANON

“O HEG é um hospital de primeiríssima categoria”

Como o senhor se sente ao presenciar mais um avanço do HEG no que tange ao processo de modernização que marca as transformações que aqui vêm ocorrendo nos últimos anos?

Como eu passei praticamente toda a minha vida aqui dentro, fico entusiasmadíssimo ao ver que o HEG é hoje um hospital de primeira categoria mesmo. E olha que eu tenho competência para falar isso. Conheço alguns dos melhores hospitais do mundo e digo, com toda sinceridade e sem qualquer pretensão, que o HEG não deixa nada a desejar.

O senhor se afastou há algum tempo, mas continua ligado, de alguma forma, à administração do Hospital?

Não. Há tempos passei tudo para os meninos - os filhos e os genros - e nem mais acionista eu sou. Vivo de minha renda pessoal e estou morando muito sossegadamente numa casa que construí e que é adequada para a minha idade. Deixei todas as minhas atividades, não frequento mais nem a Maçonaria, nem o Rotary e só vou quando sou convidado para alguma ocasião especial. Abdiquei-me de minha vida social por vontade própria e por entender que, nos meus 88 anos, depois de passar a vida toda trabalhando com gente em todas as minhas profissões, que já era hora de ficar quieto em casa. Almoço no Chão Goiano (restaurante anapolino) com minha esposa. Posso fazer uma propagandazinha para eles, não é? A comida lá é boa, aproveito a saída para o almoço para ver o que está acontecendo na cidade e, depois, volto direto pra casa. Essa tem sido minha rotina nos últimos anos.

O senhor conhece boa parte do mundo. As viagens continuam?

Não. A última que fiz foi um desastre. Hoje é tudo muito tumultuado, não tem nada marcado. No meu tempo de jovem a viagem de avião era grãfina. Na época as companhias eram Panair, Varig, Vasp. A gente chegava no aeroporto e praticamente era carregado para o avião. A primeira classe era joia. Hoje não. Na minha última viagem, me perdi em Roma e foi um desastre, por isso, o que quero mesmo é ficar quieto no meu canto, assistindo televisão, lendo, principalmente a Bíblia, porque na minha idade a gente tem que pensar mais no futuro, não é?

Quem dirige o HEG hoje?

Por coincidência, os diretores do Hospital são meus dois filhos e meus dois genros, que constituem uma sociedade anônima. Entreguei todas as minhas ações e tudo o que quero é levar uma vida totalmente afastada de qualquer problema, leve, tranquilo. Analiso minha vida e vejo que fui extremamente agitado. Nos meus 88 anos, vejo que fui bastante impetuoso, por isso, estou numa calma total. O grupo que frequento é o grupo que se

reúne para orar toda quarta-feira, entre eles ex-funcionários meus. Não ando mais no meio dos grã-finos, mas de vez em quando me chamam para algum evento, como o fizeram dia desses para uma conversa com o governador Marconi Perillo e lá, como era eu o mais idoso e o mais ilustrezinho, me colocaram ao lado dele. Mas isso é quando me levam.Pecados como ambição e vontade de ficar rico não cometi, porque era filho de papai e nunca precisei pensar nisso. Tudo cai na mão da gente quando se é filho de papai e, nessa condições, tudo o que temos que fazer é aproveitar e não deixar o momento passar.

Com os graves problemas que assolam a saúde no Brasil, vemos o fechamento de mais e mais hospitais particulares a cada dia. Como o senhor analisa isso, Dr. Henrique?

Hoje, uma santa casa trata de 10 pessoas que, se fossem tratadas num hospital comum, ficava por 10, mas como é na santa casa eles recebem mais outros 10 de ajuda porque a medicina pública é muito mais cara que a particular. Essa é a mentalidade que predomina hoje. Todas as vantagens são para os hospitais públicos ou filantrópicos. Hoje, o médico ganha bem quando é particular, em sua clínica. Na minha época, a consulta era acessível a todos, inclusive ao assalariado. Eu recebia o dinheiro e enfiava numa gaveta. Lembro-me de um dia em que minha secretária trouxe um punhado de trocados e eu disse a ela para devolver o dinheiro para o paciente e que faria a consulta de graça porque entendi que ele estava precisando mais do que eu. Isso demonstra que todos tinham acesso fácil e rápido à assistência médica. Quando vim trabalhar em Anápolis com meu pai, em janeiro de 1951, época em que não existiam planos de saúde, lembro-me que ele não cobrava de militares, policiais civis, juízes, promotores, dizendo que essa era uma maneira de retribuirmos tudo o que eles faziam por nós. Encontreime alguns anos atrás com um velho coronel, também maçom, e ele me disse: ‘Sabe, Henrique. Quando eu era tenente e delegado em Jaraguá, minha mulher ficou três meses aqui no hospital e, quando fui acertar, pensei comigo: Estou rodado (estou em uma situação delicada). Como é que vou acertar isso? E seu pai me disse que sabia que soldado não ganhava bem e que por isso não iria cobrar, o que para mim foi um alívio tão grande que até hoje me lembro e me emociono’.

“Às vezes numa cirurgia tranquila, sem qualquer problema, o paciente acaba morrendo por circunstâncias as mais diversas mas, naquele tempo, ninguém jamais sonharia em acusar o médico de culpado

E hoje, com a modernização, as coisas ficaram mais fáceis para o paciente?

Não. Hoje está mais difícil. Tudo o que é estatizado é mais difícil. Na Inglaterra, a Medicina é de graça, isto é, o governo paga o particular para atender à população. As clínicas e os hospitais atendem e mandam a conta para o governo. Como se fosse particular. Não sei se no Brasil o mesmo poderia ser feito. Quando vim trabalhar em Anápolis, apalpava o abdome dos pacientes com apendicite, por exemplo, escutava o coração dele, a Drª. Rethye (Henrietta Wilding) picava o dedo dele para examinar o sangue e verificar alguma anemia e aí eu já operava. Hoje não. Para o mesmo procedimento, se gasta, literalmente, uma fortuna, porque tem que fazer dezenas de exames e a família e o Conselho de Medicina exigem isso, senão a família registra uma ocorrência e o médico pode ser preso. Qualquer deslize, o paciente procura a polícia e temos advogados exclusivamente para esse tipo de situação. No meu tempo, ninguém teria coragem de maltratar o médico, embora ocorressem os mesmos incidentes que hoje acontecem, sem culpa de ninguém. Às vezes, numa cirurgia tranquila, sem qualquer problema, o paciente acaba morrendo por circunstâncias diversas, mas, naquele tempo, ninguém jamais sonharia em acusar o médico de culpado pela morte incidental de um paciente. Hoje, o Conselho de Medicina proíbe o médico de fazer parto na casa da gestante, ao passo que na Inglaterra, um país muito mais avançado do que o Brasil em assistência à saúde, quem faz os partos é a parteira, na residência. Parteira formada, que tem muito mais experiência do que médicos jovens que atendem de vez em quando. Ela vai até a residência e, se surgir algum imprevisto, liga para a ambulância e leva a paciente para o hospital. Aqui em Anápolis, cinquenta anos atrás, as alunas do terceiro ano do curso de enfermagem da Escola Florence Nightingale, com experiência em maternidade, entravam numa charrete e iam até a periferia para fazer os partos. O problema é cultural. No Brasil, nós queremos que tudo seja caro, seja mais difícil. Ainda bem que estou por fora de tudo e acho até que estou criticando coisas que nem mais estou fazendo. Vou votar nestas eleições se estiver um dia bonito, se chover eu fico em casa. Por outro lado, tem a dificuldade de votar escolhendo entres dois amigos pessoais mais uma dúzia de dezenas de outros amigos para deputado. Não é fácil não.

Um filósofo francês disse que, assim como a Filosofia, a Medicina tem muitas drogas, pouquíssimas delas boas e nenhuma específica. O senhor concorda com essa premissa?

Em parte. Hoje, a Medicina tem enfrentado sérias dificuldades para ser exercida. Veja você o caso da Anvisa, por exemplo, lotada de pessoas que pensam que tudo sabem e que vivem ditando regras de assuntos que nada entendem. Por determinação deles, os hospitais tiveram que aumentar a área dos banheiros para as pessoas não caírem. Se você contar na Inglaterra que aqui no Brasil eles pegam o doente, o obrigam a se assentar num carrinho com um buraco no centro e ordenam a ele para fazer suas necessidades, ninguém acreditará. Na Inglaterra, ou você leva o instrumento para o paciente fazer as necessidades fisiológicas na cama ou ele vai ao banheiro andando. Aqui não. Se vira, infeliz, dizem eles. Tomar banho, então, é outra novela. Tiveram de aumentar o espaço (no HEG) para entrar um carrinho, quando o correto seria o paciente tomar o seu banho se estiver em condições. Senão, fica na cama mesmo. Não se pode contar isso em país civilizado porque eles não acreditariam.

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