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OS INVASORES SOMOS NÓS

Revista

ANO XV - 176 - AGO/SET/2019 - 12,00

TM

Já alertávamos 10 anos atrás “Os invasores somos nós” Já alertávamos 10 anos atrás “Os invasores somos nós” Planeta Água 82, Dezembro de 2010: “Precisamos parar de agredir nossa casa”

Última chance

Aurélio Rosa Correspondente da Planeta Água na Europa

Vamos parar de chamar o fenômeno provocado pela ação humana de sexta grande extinção. Comecemos a chamar do que é: o “primeiro grande extermínio”. Em ensaio recente, o historiador ambiental Justin McBrien defende que descrever a atual erradicação de sistemas vivos (inclusive de sociedades humanas) como um evento de extinção faz com que essa catástrofe pareça um acidente passivo. Dióxido de carbono A série do Guardian sobre os poluidores mostra que 20 empresas de combustíveis fósseis, sendo algumas estatais e outras controladas por acionistas privados, produziram sozinhas 35% do dióxido de carbono e do metano liberados pelas atividades humanas desde 1965. Neste mesmo ano, o presidente da American Petroleum Institute disse a seus membros que o dióxido de carbono produzido por eles poderia causar “mudanças acentuadas no clima” até o ano 2000. Eles sabiam o que estavam fazendo. Mas a maior e mais bem espalhada mentira que se conta é a seguinte: que o primeiro grande extermínio é uma quesDesde sua primeira edição, em janeiro de 2004, a revista Planeta Água vem chamando a atenção para os riscos provocados pelas agressões ao planeta em que vivemos, denominado, inclusive, de Planeta Azul por suas belezas naturais e água abundante. Mas nos últimos 50 anos, com os “avanços tecnológicos” e a produção de energia a partir de combustíveis fósseis, o panorama mudou completamente e a Terra já não é mais tão bela. As milhares de barragens construídas para abrigar rejeitos de minérios altamente tóxicos, as experiências nucleares, a emissão de CO 2 na atmosfera, o derramamento de óleo no mar, as queimadas e o desmatamento indiscriminado de nossas florestas nos levaram ao limite extremo da imbecilidade de quem destroi, em ritmo acelerado, a própria casa onde vive. Aliás, a nossa única moradia no Universo. Mas o surgimento e a atuação do movimento denominado Extinction Rebellion acenam para uma pequena possibilidade de evitarmos a nossa extinção.

tão de escolha do consumidor. Em resposta às perguntas do Guardian, algumas empresas de petróleo argumentam que não são responsáveis por nossa decisão de usar seus produtos. Mas estamos inseridos em um sistema criado por eles – uma infraestrutura política, econômica e física que cria uma ilusão de escolha enquanto, na realidade, impede escolhas. Idelogia do consumismo Somos guiados por uma ideologia tão familiar e onipresente que nem a reconhecemos como uma ideologia. Chama-se consumismo. Foi criada com a ajuda de anunciantes e profissionais de marketing hábeis, pela cultura corporativa de celebridades e por uma mídia que nos formata como destinatários de bens e serviços, em vez de nos informar para sermos criadores da realidade política. O poder do consumismo, por sua extraordinária força de persuasão, nos torna impotentes. Ele nos prende a um círculo estreito de decisões, em que confundimos escolhas insignificantes entre diferentes tipos de destruição com mudanças efetivas. Devemos admitir: é um golpe brilhante.

O que é preciso mudar para evitar a extinção da raça humana?

Éo sistema que precisamos mudar, e não os produtos do sistema. É como cidadãos que devemos agir, não como consumidores. Mas como? Parte da resposta é dada em um pequeno livro publicado por um dos fundadores do Extinction Rebellion, Roger Hallam, chamado Common Sense for the 21st Century (Senso Comum para o Século 21, sem tradução em português). O livro parte da premissa de que campanhas gradualistas, que fazem pequenas demandas, não poderão impedir as catástrofes do clima e o colapso ecológico. Somente rupturas políticas em massa, a partir das quais poderão ser construídas estruturas democráticas novas e mais adaptáveis, poderão proporcionar a transformação necessária. Mobilizações bem sucedidas Ao estudar mobilizações bem-sucedidas, como a Marcha das Crianças, em Birmingham, Alabama, em 1963 (que desempenhou um papel fundamental para acabar com a segregação racial nos EUA), as Manifestações de Segunda-feira, em Leipzig, em 1989 (que, como uma bola de neve, ajudou a derrubar o regime da Alemanha Oriental) e o movimento Jana Andolan, no Nepal, em 2006 (que derrubou a monarquia absolutista e ajudou a acabar com a insurgência armada), Hallam desenvolveu uma fórmula para “ações de dilema” eficazes. Uma ação de dilema é aquela que coloca as autoridades

em uma posição desconfortável. Ou a polícia permite a continuação da desobediência civil, encorajando mais pessoas a se juntar à ação, ou ela ataca os manifestantes, criando um poderoso “simbolismo de sacrifício destemido”, e incentivando também mais pessoas a se juntarem. Se a ação for bem concebida e executada, as autoridades nunca conseguirão ganhar. Última chance Entre os elementos comuns cruciais que Hallam descobriu, estão a capacidade de reunir milhares de pessoas no centro da capital, uma disciplina estritamente não-violenta, o foco no governo e a permanência por dias ou semanas seguidas. Uma mudança radical, como revela sua pesquisa, “é principalmente uma questão de números. Historicamente, dez mil pessoas que infringiram a lei têm mais im

pacto do que o ativismo de pequena escala e alto risco”. O principal desafio é organizar ações que atraiam o maior número possível de participantes. Isso significa que devem ser planejados de forma aberta, inclusivos, divertidos, pacíficos e ativamente respeitosos. A pesquisa de Roger Hallam sugere que essa abordagem oferece, pelo menos, a possibilidade de romper a infraestrutura de mentiras criadas pelas empresas de combustíveis fósseis e de desenvolver uma política compatível com a escala dos desafios que enfrentamos. O seu sucesso é difícil e incerto. Mas, como ele ressalta, as chances de que as políticas hoje adotadas apresentem uma ação capaz de reverter nossa situação altamente preocupante são iguais a zero. Ações de dilema em massa podem ser nossa última – e melhor – chance de impedir o grande extermínio.

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