Revista Plural / nº01

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edição 1º/junho de 2017

Entrevista exclusica com Amara Moira página 37

Fetiche com lésbicas ainda existe? página 42

Quem a homofobia matou hoje? página 58

Bu Tantan

a Drag DJ que vem dominando a ilha

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Você faz a Plural Reitor: Saulo Martins Coordenação do Curso de Jornalismo: Selma Cavaignac Projeto Experimental em Jornalismo de Revista: Profª Ms. Mariela Carvalho Laboratório de Jornalismo Opinativo: Profª Drª. Andrea Lobato

Diretor de Redação: Leonardo Azevedo Projeto Gráfico e Edição de Arte: Emmanuel Menezes, Jadna Lins, Marla Batalha, Matheus Sampaio e Rafaelle Fróes Redes Sociais: Isabel Lorena Erre, Jadna Lins, João Victor Sousa, Lucas Martins e Samantha Araújo Repórteres: Adriano Soares, Emmanuel Menezes, Isabel Lorena Erre, Jadna Lins, João Victor Sousa, Larissa Martins, Leonardo Azevedo, Lucas Martins, Marla Batalha, Mateus Sampaio, Rafaelle Fróes Samantha Araújo e Samya Ribeiro Revisão: Samya Ribeiro Conteúdo extra: Emmanuel Menezes e Larissa Martins

Vivemos hoje em um Brasil regado por um separatismo sem medida, adubado pela imposição de ideias que, em alguns casos, é acentuada pela era da (des)informação, que em nada contribuem para a construção de cidadãos mais humanos e tolerantes. Partindo disso, Plural propõe uma abordagem construtiva, compreensiva e criteriosa dos fatos que envolvem a diversidade sexual e de gênero, impulsionando o empoderamento e a igualdade de uma minoria que quer e precisa ser ouvida. Nesta edição única e especial, queremos “sair do armário” junto com nossos leitores e leitoras. Estamos mais do que certos de que o que se pretende publicar não são curiosidades sobre o universo LGBT, mas oferecer informações contextualizadas com a realidade, de forma clara e independente, capazes de disciplinar o senso comum de quem nos lê, para assim não cairmos no equívoco, movidos pelo preconceito. Nosso desafio é dar luz ao que não é frequentemente explorado nas coberturas tradicionais, e vamos além, porque reconhecemos que vivemos em uma sociedade rotulada e estereotipada. Destacamos que é necessário acalorar a discussão sobre questões de gênero dentro e fora do ambiente escolar, sem no entanto, desviá-las do foco principal, que é a luta por uma sociedade mais empática às diferenças individuais. Plural mostra que a falta de informação leva à discriminação, como ligar erroneamente a AIDS à homossexualidade, ou excluir a população LGBT do mercado de trabalho. Sobre este último aspecto, vale lembrar que no país onde a crise agrava o desemprego, esse é o retrato mais bárbaro de discriminação. Avesso aos discursos rotulados, convidamos você para adentrar no universo da diversidade. Mas, lembre-se que esse convite não oferece apenas um recorte representativo da pluralidade. Nós entendemos por essa palavra muito mais do que uma dezena de letras dotadas de significação. Nosso papel é elevar ainda mais esse conceito, pois temos a convicção de que é preciso ser um veículo com personalidade forte e ativa para que possa/possamos dar voz a essas novas pluralidades.

Leonardo Azevedo editor

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Nesta edição

11 GUIA DE TERMOS 16 HOMOSEXUALIDADE ALÉM DO TEMPO 22 A BOCA, A LÍNGUA, A SALIVA 26 UM DIA DE DRAG QUEEN

30 HOMOSEXUALIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR 33 LGBT’S NO MERCADO DE TRABALHO

72 RACISMO X HOMOFOBIA

74 LEIS E DIREITOS

44 AUTOMEDICAÇÃO

52 PROSTITUIÇÃO

78 CRÔNICA: QUE LIBERDADE NOS DEFINE?

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Editorial

M

O vazio da igualdade

uito se fala em igualdade e empoderamento, mas os discursos são vazios, sem fundamento e cheios de lacunas. A história de quem luta e enfrenta a homofobia, o racismo, a misoginia todos os dias é ignorada quando se proferem frases de efeito como “somos todos iguais”. Seria injusto dizer, dentro do conforto da sua casa, sou igual a Ana, que por ser travesti foi negada pelos pais, e que encontrou na prostituição a única fonte de renda para se sustentar. Ou que a Ana é igual ao João, o qual serve de piadinha para todos os colegas que o chamam de “assexuado” simplesmente porque ele não tem o mesmo apetite para o sexo do que eles. Milhões e milhões de exemplos poderiam ilustrar as singularidades que permeiam a nossa história. Respeito não significa colocar todos os indivíduos em um plano de igualdade, mas dar valor às diferenças, sendo justo na distribuição dos privilégios entre cada um.Aliás, por falar em privilégio, talvez essa seja a palavra mais diretamente ligada ao preconceito, mas quase nunca se percebe essa associação. Os privilégios estão presentes na vida dos indivíduos desde o ventre materno. Uns com mais, outros com bem menos. O usufruto se dá se a criança pertence a um núcleo familiar bem estruturado e de boa condição financeira, se é de pele branca, se é menino, e assim por diante. Tudo isso é muito sutil e a criança pode perder ou adquirir mais privilégios, de acordo com a sua trajetória de vida. Na nossa sociedade, a pessoa é aquilo que ela tem, e desde muito cedo somos instruídos a acreditar que aquilo que é diferente da nossa realidade não merece ser visto com bons olhos. Ainda que uma mulher hoje em dia possa escolher entre as tarefas domésticas e a carreira profissional, ela precisa ser delicada e cuidar bem da aparência. Um homem sentimental, que gosta de cozinhar ou costurar não pode ser um homem com H maiúsculo. Importante ressaltar que apesar de termos evoluído bastante na ruptura dos papeis sociais atribuídos a homens e mulheres, ainda há a crença de que ou você é homem ou você é mulher, e qualquer coisa que permeie entre os dois gêneros é taxada de “anormal”. Aos poucos, aqui e ali vão sendo discutidas as questões de gênero, liberdades individuais, porém as discussões não têm provocado transformações no comportamento e nas atitudes, porque não são compreendidos na prática. Falar de preconceito e luta por emancipação das minorias sem levantar o contexto histórico de luta, suas causas e possíveis ações de combate, é como convidar alguém para um evento, sem dizer a ela a hora e o lugar de encontro. Nesse caso, então, o combate se restringe a falar de uma coisa que não se sabe o porquê, mas que é “legal” colocar “textão” nas redes sociais, vestir a camisa da causa para se mostrar a par do assunto. Sejamos realistas, em que mundo isso pode contribuir para uma transformação sócio político cultural? No início do mês de abril deste ano, o Ministério da Educação retirou do documento final da Base Nacional Comum Curricular trechos que falavam sobre o respeito ao gênero e a orientação sexual como dever das instituições escolares e como competências a serem trabalhadas no ensino fundamental. Durante a infância, todo aprendiza-

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do é a base para a construção do que a criança será quando adulto. A ausência de reflexões que aproximem a criança da realidade durante essa fase significa mascarar o machismo, a homofobia afastando delas o exercício da empatia. Nesse mesmo caminho há o caso de uma escola em São Luís do Maranhão que pratica uma didática sexista pedindo aos pais na lista de material escolar panelinhas e bonecas para as meninas, e carrinhos e bola para os

meninos. Que tipo de adulto a nossa sociedade quer construir? É possível valorizar a pluralidade individual na educação infantil dizendo que o que é de menino não pode ser de menina? Essas são questões que deveriam ser discutidas quando se fala em igualdade de gênero, respeito diversidade. Restringir o potencial e a liberdade dos indivíduos sem crítica e debate principalmente na primeira fase da vida, dentro da instituição social mais importante

para a construção dos cidadãos do futuro é um retrocesso sem medidas. Precisamos transformar o modo como educamos as nossas crianças, para que no futuro se tornem adultos menos intolerantes e compreendam: todos temos direitos iguais, de usar o espaço público, de expressar nos sos desejos e opiniões, mas não somos iguais e nem devemos ser tratados como iguais, pois cada pessoa é um universo que luta para ser respeitado dentro da galáxia plural.

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O que você é?

As definições, apesar de chatas e limitadoras, merecem ser entendidas para o respeito e compreensão da autoidentificação TEXTO Marla Batalha

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René Magritte. La Reproduction Interdit. 1937. Óleo sobre tela. 81,3x65 cm. Museu Boijmans Van Beuningen, Roterdã, Holanda. (Getty Images)


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ão há quem viva no mundo de hoje e nunca tenha se deparado com a pergunta: “Quem é você?”. É praticamente um insulto à sociedade ocidental pós moderna não saber de cor e salteado qual a sua crença, qual o seu sexo, a sua cor preferida, qual o seu tipo ideal ou o que você quer ser no futuro. Você precisa se definir para existir. Porém, na prática, nossa vida não funciona de forma tão precisa e definida. Ao longo da nossa convivência com outras pessoas, a forma de organizarmos a própria vida, nosso sistema político, exemplos que usamos para definir o que é certo ou errado, nada disso é tão simples quanto 2+2. Não temos certeza do hoje, e o amanhã pode ser fragmentado. Como então encontrar uma definição para si mesmo, se o mundo que nos cerca é indefinido, o tempo passa, e o espaço se transforma?

A gente observa pessoas que se classificam não-binárias, e isso quer dizer que elas não se identificam nem com o guarda-chuva masculino e nem com o feminino

”Giovana Vieth

Sexo X gênero

Desde que nascemos, somos impelidos a acreditar que quem possui vagina é mulher e quem possui pênis é homem. Essa é uma concepção biológica e natural, de acordo com a psicóloga Giovana Vieth, professora e coordenadora do grupo de pesquisa em psicanálise e gênero da Universidade Ceu-

ma. Segundo ela, essas concepções acabam ignorando as participações do histórico do indivíduo, de seu meio social e da sua cultura na ideia que ele cria sobre si mesmo. E é essa visão biológica que impera ainda de forma muito forte e inconsciente no imaginário das pessoas. O sexo é binário, se você é homem, deve agir como homem, e se você é mulher, deve agir como mulher. Porém, ao longo dos anos, estudos vêm sendo desenvolvidos para comprovar que essa concepção limitada é incapaz de abarcar a pluralidade dos indivíduos. Os estudos de gênero, em contrapartida à crença no biológico, trabalham o histórico, o social e o cultural como variáveis que constroem os estereótipos de homem e mulher. “A construção social vai acontecer dependendo da sociedade, da cultura e da história de um lugar, que irão atribuir estereótipos de o que é esperado de um homem e do que é esperado de uma mulher dentro desse determinado lugar”, afirma Giovana. Porém, ela esclarece que, mesmo dentro da psicologia, há uma divergência nos discursos. Há abordagens que veem a transexualidade e a identificação com gêneros não-binários como um transtorno. E aponta: “Esse é um tema que tem crescido cada vez mais. A gente observa pessoas que se classificam não-binárias, e isso quer dizer que elas não se identificam nem com o guarda-chuva masculino e nem com o feminino. Ela vivencia performances, vamos dizer assim, de homens e de mulheres, e de outras combinações, dependendo do momento ou da situação, e não como algo determinante”.

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identidade de gênero e ideologia de gênero A identidade de gênero é a maneira como cada pessoa vivencia, interna e externamente, o gênero, correspondendo ou não ao sexo que lhe foi atribuído no nascimento. E em alguns casos, os indivíduos optam por passar por um processo de redesignação sexual. Pensadoras como Simone de Beauvoir e Luce Irigaray foram as percursoras nos estudos de gênero, mais precisamente em torno do papel da mulher na sociedade. Com isso, abriram portas para novas discussões sobre o assunto. O senso pessoal do corpo e o modo como a pessoa expressa o gênero ao qual se identifica, geram as diversas identidades de gênero que se tem conhecimento hoje. A noção de considerar apenas homem e mulher como identificações possíveis não é mais capaz de compreender a diversidade de gêneros de todas as culturas humanas. É importante considerar que ainda há alguns campos da ciência que consideram um transtorno de identidade de gênero a transexualidade e os gêneros que fogem do binarismo, mas aos poucos vão sendo desmistificados. Há pouco tempo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu reiterar-se deixando de tratar os diferentes

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gêneros como uma doença. Em nenhuma época ao longo da nossa história, as identidades de gênero foram tão múltiplas. Judith Butler, pesquisadora reconhecida nos estudos de gênero por seu livro “Problemas de gênero” (1990), afirma que se deve fugir da dicotomia homem/mulher, masculino/feminino, por isso se tornou um referencial nos estudos queer, transexuais e travestis. A Teoria queer se refere a esse desmonte do binarismo, e se debruça sobre o que a nossa sociedade considera como “anormal”: transexuais, travestis, pessoas intersexo, ou seja, tudo que rompe com a heteronormatividade.

a orientação sexual

George Otávio, youtuber e acadêmico de direito, reafirma como se sente quando tenta explicar para alguém a sua sexualidade. “É complicado explicar assexualidade para alguém, pois parece que quando falamos que pertencemos a comunidade assexual estamos colocando uma etiqueta de: ‘quebrado’”, reclama ele, que tenta explorar a assexualidade de uma forma didática e divertida em seu canal no Youtube. A assexualidade é incompreendida por grande parte da sociedade, inclusive dentro da comunidade LGBT. Sobre isso, George ressalta que já foi tachado de “um viado muito estranho”, por não praticar

o sexo da mesma forma que seus amigos. Situações como essa são comuns quando a autoidentidade leva alguém a ser parte de grupos minoritários, pois se criam imagens de si mesmos através da visão de um grupo dominante, portanto uma imagem negativa, já que o “eu” é definido como diferente em relação a referência da maioria. Sexualidade e assexualidade são formas de vivenciar e conceber O ato de nos definir enquanto pessoas, pertencentes a um grupo ou outro, diz respeito à autoidentidade. Esse ato está diretamente relacionado às atribuições construídas por grupos coletivos com os quais o indivíduo tem contato, cuja relação poderá criar uma força simbólica que legitima grupos majoritários e negativa grupos minoritários.

Para saber mais sobre a Teoria Queer, acesse o Dossiê Queer publicado pela revista Florestan, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) através do QR Code abaixo:


“Fluidez de gênero não é como se eu

estivesse numa extremidade ou outra. Na maior parte do tempo eu não me identifico com nenhum gênero. Eu não sou um homem, muitas vezes não me sinto como uma mulher, mesmo tendo nascido uma. Então estou em algum lugar no meio, onde – na minha imaginação – é como se eu tivesse o melhor de ambos os sexos. Tenho muitas características que estariam presentes em um homem, mas aí no outro dia me dá vontade de usar uma saia

Ruby Rose

Atriz Australiana

(Divulgação/Google)

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a atividade sexual. Elas caracterizam a existência ou não, respectivamente, da atração amorosa e do desejo sexual. Esses são termos que abarcam diversas orientações às quais as pessoas podem percorrer ao longo da vida. Giovana Vieth ressalta que, hoje em dia, a orientação sexual não é mais compreendida como imutável pela psicanálise: “Na teoria de gênero, a gente trabalha também com a ideia de que a orientação sexual é algo que provém do cultural, do social e do histórico que o indivíduo vai vivenciando. Existia a ideia de que se tinha definido a orientação desde a infância. Contudo, já se trabalha também com o não-binário em relação à sexualidade. Não existem somente pessoas heterossexuais, homossexuais e bissexuais. Existe a ideia de algo mais fluido, como se a orientação pudesse fluir. A pessoa não seria homossexual, ela está sendo homossexual. Não é algo definitivo”, esclarece. Dentro da sexualidade, há gays, lésbicas, bissexuais e pansexuais. No guarda-chuva da assexualidade há os românticos, arromânticos, demissexuais e gray-a. Nas próximas páginas, Plural vai lhe mostrar cada uma dessas orientações sexuais e suas ramificações.

Leigh Bowery: performer que ascendeu no cenário londrino como ícone Queer dos anos 80

Ney Matogrosso: como vocalista da banda Secos & Molhados, foi o percurssor da androginia no Brasil

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Guia de Termos Identidade de gênero

Gênero com o qual a pessoa se identifica que pode ou não concordar com o gênero que lhe foi atribuído em seu nascimento. É uma dimensão diferente da orientação sexual: uma pessoa transexual pode ser heterossexual ou bissexual, por exemplo, tanto quanto as pessoas cisgênero.

sexo

Classificação biológica, como macho ou femea, baseada nas características organizas, como cromossomos, níveis hormonais, órgãos reprodutivos e genitais.

Existe um vocabulario reconhecido para representar a diversidade de identidades de gênero e de orientação sexual. Escrever e falar corretamente esses termos é essencial para valorizar a cidadania de todas as pessoas.

orientação sexual

Sexualidade. Refere-se a atração que se sente por outros indivíduos. Ela geralmente também envolve questões sentimentais, e não somente sexuais.

expressão de gênero

Forma como a pessoa se apresenta, sua aparência e comportamento, diante das expectativas sociais de aparência e comportamento esperados para um determinado gênero. Depende da cultura e do meio social em que a pessoa vive.

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Orientação sexual Assexual – pessoa que não sente atração sexual por pessoas que qualquer gênero. A assexualidade agrupa outras orientações, que se dividem em românticos e arromânticos.

Bissexual – pessoa que se atrai afetiva e sexualmente por homens e mulheres.

Birromantico – alguém que se sente atraído

afetivamente por homens e mulheres

sexual quando há um vínculo emocional, psicológico ou intelectual com outra pessoa.

Demirromântico  - pessoas que só sentem at-

Heterossexual – pessoa que se atra afetiva e

Demissexual – pessoas que só sentem atração

ração romântica quando há um vínculo emocional/psicológico/intelectual com outra pessoa.

sexualmente por pessoas de gênero oposto ao qual se identifica.

Heterorromanticos – alguém que se sente

Homossexual – pessoa que se atrai afetiva e

atraído afetivamente por outra pessoa do gênero oposto.

sexualmente por pessoa de gênero igual aquele ao qual se identifica.

Homorromantico – alguém que se sente at-

Pansexual – pessoa que pode sentir atração

raído afetivamente por alguém do mesmo gênero.

Litorromantico – pessoas que sentem atração sexual sem vontade de serem correspondidas.

Panrromantico – quem se sente atraído afetivamente por pessoas de qualquer gênero: homem, mulher, transgenero, intergênero, etc.

Autoerótico – pessoa assexual que não sente

desejo de contato sexual, mas não exclui a masturbação.

Assexual radical – quem não tem interesse em vinculo afetivo com outra pessoa e nem a pratica masturbação Gray-a (assexual cinza ou graysexual) –

pessoas que se localizam entra a assexualidade e o interesse convencional. Sentem atração sexual ou romântica, mas com pouca frequência e não necessariamente concretizam o ato.

Arromantico – assexual que não sentem at12

ração sexual e nem sentimental por outra pessoa.

sexual por indivíduos que se identificam como homem ou mulher; no entanto, também pode sentir atração por aqueles que se identificam como intersexo, genderfluid, andrógino, transexual, ou qualquer uma das muitas identidades sexuais e de gênero.

Identidade de gênero Agênero - Alguém que não se identifica com

qualquer tipo de identidade de gênero. Esse termo também pode ser utilizado por alguém que intencionalmente não demonstra qualquer representação de gênero reconhecida. Há quem passe por tratamentos hormonais e/ou cirurgias para fazer com que seus corpos se adequem a sua identidade de gênero nenhum. Algumas pessoas usam termos similares como “sem gênero” ou “gênero neutro”.

Bigênero- pessoas que expressam duas identi-

dades de gênero, alternada e/ou simultamente. Essas identidades podem ser masculina e feminina. Binaridade – característica do que é binário,


que comporta dois aspectos.

Cisgênero - termo utilizado para se referir ao

indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o seu “gênero de nascença” .

Gênero fluido (Genderfluid) – Alguém cuja

identidade de gênero e apresentação não se limita a apenas uma categoria de gênero. Pessoas de gênero fluido podem ter compreensões dinâmicas ou flutuantes do próprio gênero, mudando de um para outro de acordo com o que sentir melhor no momento. Genderqueer (GQ ou não-binário) - é um “termo guarda-chuva” (termo que, neste caso, embarca várias identidades diferentes dentro de si) para identidades de gênero que não sejam exclusivamente homem nem mulher, estando portanto fora do binário de gênero e da cisnormatividade.

Interssexual - se refere a alguém cujos cromos-

somos, gônadas (ou seja, ovários e testículos), perfis hormonais, e anatomia não estão de acordo com o que se espera do corpo típico nem de homens ou de mulheres. O grupo composto por pessoas intersexuais tem-se mobilizado a nível mundial, para que a intersexualidade não seja entendida como uma patologia, mas como uma variação.

Não-binário - Pessoas qeu se identificam como

não-binárias desprezam a ideia de uma dicotomia entre macho e fêmea, ou mesmo de um contínuo entre macho e fêmea com a androginia no centro. Para eles, o gênero é uma ideia tão complexa que se encaixaria melhor num gráfico tridimensional, ou numa rede multidimensional.

Pangênero – termo que designa uma pessoa que

se identifica como um terceiro gênero ou algum tipo de combinação dos aspectos tanto masculinos como femininos ou que possa incluir todos os gêneros possíveis.

Travesti – Pessoa que vivencia papeis de gênero

feminino, mas não se reconhece necessariamente como mulher e nem como homem, podendo ou não realizar procedimentos estéticos e cirúrgicos.

Transgêneros - todas as pessoas que se identifi-

cam com um gênero que tradicionalmente não é associado a seu sexo. Pessoas que se identificam como transgênero podem ou não ter alterado seus corpos com cirurgias e/ou hormônios. Usase homem trans (ou trans homem) para aqueles que as caractericas biológicas são femininas, mas que se identificam com o gênero masculino, ou mulher trans (trans mulher) para designar aquelas que biologicamente nasceram homens, mas que se identificam como mulheres.

Expressão de gênero Andrógino - Alguém que não se identifica, nem se apresenta, como apenas como homem ou mulher. “Andrógino” é utilizado por quem tem qualidades masculinas e femininas e se considera um terceiro gênero separado. Alguns andróginos podem se identificar como gender benders, o que significa que estão intencionalmente distorcendo ou desafiando/transgredindo, os papéis de gênero estabelecidos pela sociedade.

Crossdresser – pessoa que frequentemente se

veste, usa acessórios e/ou se maquia diferentemente do que é socialmente estabelecido para o seu gênero, sem se identificar como travesti ou transexual.

Drag queen – homem que utiliza roupas socialmente tidas como femininas, de forma extravagante, imita voz e trejeitos femininos, com fins meramente artísticos. Não é uma identidade, é apenas umas personagem.

Drag king – neste caso as características mas-

culinas são incorporadas por uma mulher, ou até mesmo por um homem gay, também com fins performáticos.

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Nome social, bem mais que um capricho, um direito Por Lucas Martins Ao falar de nome social, a primeira coisa que vem na cabeça da maioria das pessoas é a de um nome utilizado por muitos para facilitar a pronúncia, ou para ser um nome mais “artístico” e assim se tornar mais carismático e ganhar mais votos, como é o caso de muitos políticos. Há também quem o utiliza simplesmente por não gostar do nome que consta em sua carteira de identidade, mas, há casos em que o nome de nascença não corresponde ao gênero com o qual a pessoa se identifica. A diferença entre os três primeiros exemplos citados e o último? Bem, os primeiros são encarados como algo completamente normal. É natural uma pessoa querer ter um nome fácil de ser pronunciado, um 14

político querer chamar mais atenção e assim se destacar mais, alguém não estar satisfeito com o nome que o foi dado, mas, quando o assunto é uma pessoa transexual ou travesti querer fazer uso de seu nome social, aí a coisa muda. Um direito se torna “frescura”. Felizmente, parece que nem tudo está perdido. Ano passado, foi criado um decreto aqui no Brasil de nº 8.727, permitindo o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Até o momento, só se aplica no Poder Executivo. De acordo com uma pesquisa realizada


pela Universidade de São Paulo (USP), pessoas transexuais têm duas vezes mais dificuldades no processo de mudança de nome. Segundo o advogado e membro do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADVS), Thiago Viana, via de regra, esse decreto tem sido respeitado, contudo, esbarra em dois problemas: de um lado, a resistência de alguns servidores e instituições em cumprir essa norma; de outro, o direito ao nome social ser algo ignorado pela maioria dos seus beneficiários. Enquanto uns ignoram ou até mesmo desconhecem essa possibilidade, outros aproveitam e não perdem a chance de, finalmente, fazerem uso daquilo que tanto desejaram, mas que antes era impossível. É o caso de Júlia Rodrigues, uma transexual que há tempos almejava poder carregar consigo um nome que condiz com seu gênero. “Um fato a ser evidenciado é que quando uma pessoa cis passa no Enem ela faz festa, comemora, mas quando uma pessoa trans passa no Enem ela se questiona: e agora? Como vou ser chamada? Como serei tratada? Que nome constará na lista de chamada? Poderei usar o banheiro com o qual me identifico? A minha transexualidade será critério para avaliação ou eliminação em caso de concorrência?”, comenta Júlia. Segundo ela, essas perguntas a incentivaram a iniciar uma pesquisa com o intuito de saná-las.

Etapas do processo legal “No meu caso, foi tudo muito rápido, pois era crescente a necessidade da Universidade se adequar à realidade contemporânea. Fui incentivada pelo professor David Bouças e, por meio dele, conheci o Dr. Rafael Silva, que faz parte dos Direitos Humanos da OAB, que prontamente se dispôs a me ouvir e colaborar com o projeto. De imediato começamos a

nos reunir para articular a elaboração da Resolução que asseguraria tal direito. De volta a UFMA, conversei com a Pró-reitora, Prof.ª Isabel Ibarra, com a proposta de Resolução em mãos. Ela foi acolhida e rapidamente foi formada uma comissão que iria regimentar os termos da Resolução do Nome Social”, descreve Júlia. No dia 10 de setembro de 2015, a Resolução do Nome Social foi assinada ad referendum e passou a ser Resolução 242. A partir desta data, o nome social passou a ser uma realidade onde discentes, docentes, técnicos, funcionários e usuários tiveram assegurado o uso do nome social no âmbito da Universidade Federal do Maranhão. No dia 14 de setembro de 2015, a Resolução 242 foi homologada em reunião do CONSUN (Conselho Universitário) em votação unânime.

Tratamento no ambiente universitário A designer de interiores diz que, no geral, as pessoas respeitam. “Algumas tem receio de não saber como tratar, como chamar, é bom salientar que algumas pessoas sabem como tratar, outras tratam com preconceito pra causar constrangimento mesmo. E tem aquelas que não sabem e até que eu as ensine como. Em alguns casos, exigem até a apresentação de documentos. Isso acontece com muitas transexuais e travestis”, comenta. Para Júlia, o decreto de nº 8.727 é sinônimo de respeito. “O nome social é um pacificador, um atenuador de situações. É muito constrangedor estar em uma sala de espera lotada e a/o atendente chamar pelo nome civil. Já presenciei meninas que estavam esperando atendimento, foram chamadas pelo nome de registro civil, deixaram passar 15 minutos e foram embora sem o atendimento. Observo o nome social, na verdade, como o nome real.” 15


Homossexualidade além do tempo Pintura a óleo localizada no Castelo della Manta. Itália, 1590. Autor desconhecido. (Reprodução/Google)

Sair do armário para muitos é apenas questão de tempo. A história da humanidade mostra que isso já vem sendo feito desde os primórdios. Por Rafaelle Fróes

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ara quem acha que a união civil entre pessoas do mesmo sexo se trata de algo recente, está bem enganado. Apesar de que hoje, o casamento gay esteja amparado apenas em cerca de 21 países, durante toda a história da humanidade há indícios de que a união estável e relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo não era considerado um tabu para diversos povos. Muitas etnias encaravam o amor entre pessoas do mesmo sexo como algo que fazia parte de suas crenças, afinal, muitos de seus deuses não tinham nem sexo definido. Para boa parte desses povos, o conceito de homossexualidade simplesmente não existia. Se voltarmos cerca de 10 mil anos, tribos das ilhas do oceano Pacífico já exercitavam algumas formas de homossexualidade. Os melanésios, como assim eram chamados, acre-

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ditavam que o conhecimento sagrado só poderia ser transmitido durante o coito entre pessoas do mesmo sexo. E as referências não param por aí. Durante seus rituais religiosos, um homem travestido representava um espírito dotado de grande alegria e suas vestimentas e ações não eram muito diferentes do que atualmente as chamadas Drag Queens fazem durante seus shows. Alguns mil anos depois, cerca de 1750 a.C, o imperador Hammurabi, na antiga Mesopotâmia, criou um dos mais importantes e polêmicos conjuntos de leis do mundo, que continham privilégios que deveriam ser dados aos prostitutos e prostitutas que participavam dos cultos religiosos da época. Eles se tornavam sagrados e podiam ter relações com os homens devotos dos templos Fenícia, Egito, Sicília e Índia, dentre outros lugares.


Antiguidade na normalidade A homossexualidade era absolutamente normal na Grécia e na Roma Antiga. Entre os principais percussores da época está o filosofo grego Sócrates, que era adepto do amor homossexual e pregava que o sexo anal era a melhor forma de inspiração. Naquela época, era normal as relações sexuais entre homens mais velhos com mais jovens. E para que isso acontecesse, a iniciação sexual dos jovens começava desde a adolescência quando os jovens atenienses aceitavam a amizade e criavam laços de amor com os mais velhos, como forma de absorver suas virtudes e conhecimentos filosóficos. Somente após os 12 anos, desde que tivesse consentimento, aquele garoto poderia se tornar um

parceiro passivo até quando aos 18 anos, ele poderia ter a aprovação de sua família. Segundo os gregos, aos 25 anos quando ele se tornava um homem, ele poderia assumir definitivamente um papel de ativo. O ideal de amor entre pessoas do mesmo sexo era encarado como um sentimento puro para os romanos. A pederastia – relação entre um homem adulto e um mais jovem – era tido como uma das formas amorosas mais importantes e dignas da época. No entanto, se a ordem fosse invertida e um homem mais velho mantivesse relações sexuais com outro homem mais velho, este iria ser amaldiçoado e além disso, ser encarado com desprezo pela sociedade.

“O ideal de amor entre pessoas do mesmo sexo é encarado como um sentimento puro.”

Mudança de olhar No século IV, com a conversão do imperador romano Constantino ao cristianismo, a religião se tornou obrigatória em todo o império. A partir dessa época, o sexo começou a ser encarado apenas como uma forma de gerar filhos e, com isso, a homossexualidade virou algo antinatural. Esse foi a ponto de partida para que futuros imperadores, monarcas e sociedades criassem regras, leis e castigos que deveriam ser aplicados aos homossexuais. Talvez, foi a partir desse momento que a palavra preconceito começou a ganhar forma e força. O imperador Justiniano, em 533 d.C, vinculou todas as relações homossexuais ao adultério e quem praticasse tal ato

estaria condenado a pena de morte. Mais tarde, outras leis foram criadas e obrigavam os homossexuais a sentirem arrependimento pelos seus pecados e fazerem penitência. Mas a situação não mudou apesar de todas essas regras. Até meados do século XIV, embora a fé e a religião condenassem os chamados “prazeres da carne”, a Igreja Católica passou por uma série de crises, como a conversão de muitos praticantes ao protestantismo We o surgimento do Renascimento e com ele, a volta do gosto pela forma masculina. Pintores, escritores, dramaturgos e poetas celebravam o amor entre homens. Dentre eles, Leonardo 17


Da Vinci, conhecido por seu trabalho em Monalisa, teria sido acusado e perseguido por ter tido diversos casos. Outro grande nome da época que sofreu os efeitos da sua homossexualidade, foi o pintor, escultor e poeta Michelangelo. Ele dedicou vários de seus sonetos ao seu companheiro, Tommaso de Cavallieri. Com a peste negra, que assolou a Europa e matou 25 milhões de pessoas, muitos especulavam que esse fato não teria acontecido por mera questão de saúde, mas sim, por conta da situação social vivida durante aquela época. O “pecado” em que os homens viviam foi apontado como a causa da peste e de outras catástrofes, como fomes e guerras. Em meio a isso, a única solução encontrada por monarcas foi a erradicação desses “grupos”. Na Itália, por exemplo, a sodomia – o sexo anal entre pessoas do mesmo sexo – foi proibido. Foram mais de 60 anos de perseguição a homens e mulheres que não tinham o direito de expressar sua sexualidade e seus desejos como indivíduos. As perseguições e punições continuaram. Há registros que apenas entre 1432 e 1502, mais de 17 mil pessoas foram incriminadas e outras três mil foram condenadas por sodomia. Na Inglaterra, o século XIX chegou com duras leis a quem fosse homossexual. Entre meados de 1800 e 1834, vários cidadãos foram enforcados acusados de sodomia.

Tomba del Tuffatore, pintado em 480-470 a.C. (Reprodução/Google)

Marginalização da homossexualidade De mocinhos a vilãos. Talvez, essa seja uma frase adequada ao se tratar a mudança de cenário que o século XIV trouxe a quem fosse homossexual. Cientistas do mundo inteiro começaram a se preocupar com os gays. Em 1848, o psicólogo alemão Karoly Maria Benkert criou a definição “homossexual” e alguns anos depois, em 1897, o inglês Havelock Ellis publicou o primeiro livro médico sobre homossexualismo – termo utilizado na época –, no qual defendia a ideia de que isso era congênito e hereditário. Mas nem todos pensavam assim. Muitos cientistas, médicos e psiquiatras afirmavam que a homossexualidade era uma doença anormal genética associada a problemas mentais familiares. 18


Com a teorização da homossexualidade, cientistas começaram a buscar a cura do que eles chamavam de problema. Um tratamento nada usual foi destinado aos homossexuais: a lobotomia. Desenvolvida pelo neurocirurgião António Egas Moniz, a técnica consistia em cortar um pedaço do cérebro dos “doentes psiquiátricos”. Na Suécia, três mil gays foram lobotomizados. Nos Estados Unidos, milhares de homossexuais passaram pelo processo e na Dinamarca o número chegou a 3,5, já que eram vistos como portadores de um defeito genético. Por conta da técnica, Moniz ganhou em 1949, o prêmio Nobel de Medicina. Mesmo com a retirada da homossexualidade da lista de doenças oficiais mentais, os homossexuais, já marginalizados o suficiente e taxados como portadores de doenças genéticas incuráveis e irreversíveis, ganharam mais motivos para serem discriminados pelo simples fato de amarem seus iguais. Com a descoberta da AIDS, os gays foram acusados de serem precursores na doença e muitos tiveram que viver à sombra da sociedade. Os anos 80 e 90, trouxeram dias um pouco melhores. A maioria dos países desenvolvidos descriminalizou a homossexualidade e proibiu a discriminação. Depois de tantos indícios de que a história da humanidade está interligada com a homoafetividade e esta tem sido um componente da vida humana, ainda existem aqueles que duvidam disso, alegando não se tratar de uma característica muito real da espécie humana. Ainda há muito o que provar, eles dizem. São eles que colocam barreiras, fecham portas e impedem que muitos possam “sair do armário”.

Parada gay nos Estados Unidos em 1985. (Reprodução/Getty Images)

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LGBT’s preconceituosos? A sigla LGBT foi criada para abranger lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Era de se esperar que cada um respeitasse a orientação sexual dos outros e as suas características. Só que não é bem assim que acontece.

Por: Lorena Erre

U

ma coisa é ser gay, a outra é ser fresco. Sou gay, mas não gosto de afeminados. Por piores que pareçam, essas são frases muito comuns em aplicativos de encontros, no trabalho, ou até mesmo dentro da própria comunidade LGBT. São frases carregadas de preconceito, como se gays afeminados ou “bichas” fossem pessoas ruins ou erradas por serem assim. Em contrapartida, vemos canais e mídias voltadas ao público LGBT alimentando um estereótipo de homossexual branco, sarado e que adora baladas e divas pop, o famoso ‘’padrãozinho’’. Mas peraí, os LGBT’s devem ter padrão? Estereótipo significa impressão sólida, e pode ser sobre a aparência, como roupas, estilo de cabelo ou comportamento, cultura etc. Quando estereotipamos alguém ou um grupo, atribuímos a todas as pessoas que fazem parte dele uma certa característica. Nesse caso em questão, atribuem-se aos gays um

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padrão de comportamento e de imagem de alguém espalhafatoso que adora “causar”, samba em salto, dança nas baladas ao som das divas pop, são brancos e sarados. A questão é que nem todos são assim, e por isso, os que fogem desse padrão – que não deveria existir – acabam sofrendo uma espécie de rejeição dentro da própria comunidade LGBT. Quanto ao preconceito com afeminados, para confirmar, basta dar uma olhadinha no Tinder, Scruff, Grindr ou qualquer aplicativo de relacionamento que você encontra perfis com escritos “não aceito afeminados”, “não gosto de bichas”, etc. Um gay afeminado sofre preconceito muitas vezes mais que um não-afeminado. Sofre entre os héteros, sofre na família, na sociedade e, para completar, sofre preconceito no meio LGBT, lugar onde ele deveria encontrar aceitação e conforto.


Bom, as lésbicas não estão por fora disso também, se elas gostam de usar saia, salto, maquiagem, já se deparam imediatamente com a frase ‘’nossa, mas nem parece que você é lésbica’’, como se, para exercerem a sua sexualidade, elas precisam ser necessariamente masculinas, não usar determinadas peças de roupas ou se absterem da vaidade. Já do outro lado... As lésbicas ditas como ‘’machinho’’ também não são cem por cento aceitas, sempre ouvem coisas do tipo ‘’ah... mas você queria mesmo ser homem, né?’’ ou ‘’você só faz isso pra confundir as meninas’’. Essas frases transbordam preconceito e repercutem um machismo que existe, também, no meio LGBT. ‘’É decepcionante em pleno século XXI ver que meu jeito de me vestir vai definir minha sexualidade’’, conta Maya Rodrigues, 19 anos. muitos afirmam: isso não existe, pois quem gosta Os bissexuais também estão inclusos nisso tudo, de um não gosta de outro. Apesar da sigla LGBT são chamados de ‘’confusos’’, ‘’ vulgares’’ ou, como incluir bissexuais, alguns gays e lésbicas ‘negam lugar’ a eles no movimento e sentem-se no direito de julgá-los. Alguns dizem ser só uma fase de indefinição. Contudo, Luíza Portella, 20, rebate: ‘’Não viro hétero quando namoro um homem, e nem lésbica quando namoro mulher, continuo sendo bi.’’ Acreditar que não existe preconceito dentro da comunidade LGBT é fechar os olhos para uma realidade bem escancarada a nossa frente. É sempre bom refletir sobre determinados pensamentos que possuímos e medir nossas ações. Às vezes, aquilo que nós consideramos apenas como gostos e comportamentos comuns são, na verdade, sentimentos altamente preconceituosos e carregados de uma pesada discriminação social.

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A boca a língua a saliva

A Calúnia

De selinhos rápidos e escondidos a beijos ousados e sem timidez,

Plural faz um histórico do beijo gay na teledramaturgia brasileira

Mãe de Santo

Leonardo Azevedo e Samantha Araújo

E

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le cativa, emociona e seduz. O que seriam das telenovelas sem as fortes paixões e do amor sem o beijo? Barreira está sendo ultrapassada na televisão brasileira, o beijo homoafetivo no passado era um tabu na teledramaturgia. O pudor de uma sociedade conservadora era tanto que não deixou nem o registro dessa primeira troca de afeto na história da TV no Brasil, vivida pelas personagens de Vida Alves e Geórgia Gomide, em 1966, em “A Calúnia”, na extinta TV Tupi. Não é novidade que os brasileiros ainda preservam um conservadorismo e o preconceito a respeito das relações homossexuais e suas manifestações de afeto. A exibição do beijo entre casais homossexuais em telenovelas é um progresso social e cultural, proporcionando aos telespectadores um caminho possível no combate à homofobia, no respeito às orientações sexuais de todos os cidadãos e, sobretudo, no respeito à liberdade e às diferenças. Dos anos 60 para cá, cada personagem veio conquistando seu espaço, mas esse avanço foi lento e gradual. Assistir à noite duas mulheres se beijando causava um choque no público, resultado: só houve um novo casal homossexual nas telinhas em 1990, no

A Próxima Vítima


Em Família

2014

Amor à Vida

20

14

05

1990

2011

196

6

Amor e Revolução

20

19 95

2003

America

Mulheres Apaixonadas

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11º episódio de “Mãe de Santo”, na também extinta TV Manchete. O longo tempo sem aparição de casais homossexuais nas tramas ficcionais não foi o suficiente para acalorar uma discussão sobre quais caminhos a sociedade estava tomando. Embora a televisão ainda estivesse se espalhando pelos lares do país, as novelas desde o início já refletiam normas e valores culturais. Num país que, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2016, há mais de 12 milhões de analfabetos, a teledramaturgia é uma ferramenta complementar no processo de educação e formação do cidadão, pois cada cena é resultado de mudanças e transformações sociais. Ao que parece, autores e diretores resolveram dar espaço ao assunto apostando em relações escondidas, como a do casal Sandrinho (André Gonçalves) e Jefferson (Lui Mendes), em 1995, em “A Próxima Vítima” (TV Globo), na qual os dois temiam serem descobertos e não imaginavam qual seria a reação de seus familiares. Outra estratégia foi mostrar personagens mantendo um relacionamento, mas sem exibição de beijo, como o casal lésbico Jennifer (Bárbara Borges) e Eleonora (Mylla Christie), em “Senhora do Destino” (TV Globo), em 2004. Até a segunda década do século, este foi o principal método da maior emissora de TV do Brasil, a Rede Globo de Televisão, que possui o monopólio de audiência entre os canais abertos. O mais próximo do ousado que a emissora chegou a mostrar foi o discreto selinho entre as namoradas Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli), em “Mulheres apaixonadas”, em 2003. Em 2005, o público estava na expectativa e aguardava ansioso pelo beijo gay em “América”, entre Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro), contudo, apesar das cenas da trama de Glória Perez terem sido gravadas, a

emissora resolveu não exibi-las. Ainda que a gigante carioca possua os maiores clássicos da teledramaturgia brasileira, com histórias presentes na memória social dos telespectadores, foi o SBT quem saiu na frente e tirou o fôlego do público com “Amor e revolução”, em 2011. Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Giselle Tigre) trocaram um beijo de verdade na novela, como deve ser, sem correria e timidez. As personagens entregaram-se às palavras que cativam, aos olhares que seduzem, ao calor de suas peles e ao sabor de seus perfumes. A cena foi ao ar dias depois do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer por unanimidade a união homoafetiva. Se até então a Globo ainda não tinha emplacado uma cena sem que fosse “no escondido”, ou aqueles meros selinhos tão rápidos e sem ritual, a superação veio em 2014 e no horário nobre, em “Amor à Vida”. O beijo entre Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) arrancou aplausos dos telespectadores. A emissora não apenas surpreendeu o público, mas também a crítica, e superou uma das maiores barreiras do preconceito: a conservadora sociedade brasileira. A repercussão parou a internet, afinal de contas, era a primeira vez que o canal mostrava dois homens se beijando numa sexta-feira à noite, para no domingo transmitir a tradicional missa às 6 da manhã. No mesmo ano e horário, “Em família”, de autoria de Manoel Carlos, trazia em seu enredo um romance lésbico que terminou em casamento, com direito a um beijo bem expressivo. As cenas que antes eram vetadas, hoje já estão na lista das conquistas dos que lutam, diariamente, pelos direitos da comunidade LGBT, e essas vitórias só devem ser acompanhadas de um debate sério onde exista, sobretudo, o respeito e o direito às diferenças.


Quem é a verdadeira Garota Dinamarquesa Por: Emmanuel Menezes

A Garota Dinamarquesa é um filme biográfico estadunidense, dirigido por Tom Hooper, que ganhou notória fama ao dirigir O Discurso do Rei, filme que venceu quatro estatuetas no Oscar de 2011. Baseado no romance homônimo de David Ebershoff e inspirado na vida das pintoras dina marquesas Lili Elbe e Gerda Wegener, o filme, protagonizado por Eddie Redmayne e Alicia Vikander, narra a história de uma das primeiras transexuais a se submeter a cirurgia de redesignação de sexo. Enair Wegener (Lili Elbe) começa a descobrir sua identidade feminina após sua esposa, Gerda, lhe pedir para posar para um quadro vestido com roupas femininas. Gerda, por sua vez, começa a perceber a mudança de comportamento do seu marido e o ajuda a enfrentar todas as barreiras que vem aparecendo no decorrer do filme, em uma época em que os transexuais eram internados apenas por sua identidade. Em sua maior parte, A Garota Dinamarquesa teve uma boa recepção crítica. O tema chegou em uma época em que a discussão sobre transexualidade está em ápice. Mas, a perspectiva abordada no filme é uma visão retrógrada em relação a transexuais. Lili Elbe é exibida em exageros, fetiches e estereótipos. Uma visão masculina sobre o que é ser mulher é narrada – dada, talvez, pela direção do longa ter ficado sobre um cargo masculino. A mudança no estilo de vida de Lili conforme vai assumindo sua real identidade de gênero é, em partes, uma utopia. Se tornar uma vendedora de perfumes, fazer amigas, dar risadinhas e fofocar enquanto flerta jovens cheirosos e bem vestidos. Como defesa, alguns dizem que essa representação foi dada a Lili por se tratar de um filme de época retratado na Europa, mas a Lili do cinema está mais para uma caricatura do que se convencionou chamar “moça de respeito”, e não uma mulher real. A ficção e realidade da vida de Einar/Lili e a esposa Gerda não foi de total cumplicidade até o fim, como o filme faz parecer. Novamente surge argumentos que tais liberdades existem à criação de um roteiro cinematográfico baseado em algo, e existem. Mas é estranho saber que milhões irão se emocionar por acreditar que tudo de fato aconteceu daquela forma, sendo que não é verdade. A Garota Dinamarquesa é um filme visualmente agradável e tecnicamente ele funciona, com figurinos e direção de arte de encher os olhos. A interpretação de Eddie Redmayne deixa a desejar, mas abre espaço para a sueca Alicia Vikander, que tem esplêndida interpretação e levou o Oscar de Atriz Coadjuvante pelo longa. Facilmente a garota dinamarquesa do título poderia ser Alicia/Gerda. Mas apesar de toda técnica bem-sucedida, A Garota Dinamarquesa desperdiça a chance de ir além no tema transexualidade, tão rico e discutido no atual momento.

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Um dia de

Drag Queen

com a Bu Tantan

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B

u Tantan? Talvez você não conheça, mas para o público que está mais antenado nas baladas realizadas na ilha do amor, o nome Bu Tantan como atração já se tornou comum. Uma Drag Queen DJ? Isso mesmo, sendo este, talvez, o maior diferencial da Bu Tantan. Criada pelo Robson Nascimento há dois anos, a Bu Tantan vem já ganhou notoriedade nas festas de São Luís e em outras cidades do Maranhão.

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A Plural TV acompanhou a DJ, que também é a capa da primeira edição da Revista Plural, durante um dia inteiro, vendo sua preparação para se apresentar no show da Pabllo Vittar, que aconteceu no último dia 26 de maio, na capital maranhense. Para assistir a matéria em vídeo completo, abra a câmera do seu celular no QR-Code abaixo.


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Homossexualidade no

ambiente escolar É necessårio aproximar o universo LGBT da maioria dos educadores que o desconhecem completamente Por Samantha Araujo

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E

m 1960, iniciou-se um processo de aprofundamento de mudanças com relação ao comportamento e à sexualidade. Nesse período houve inúmeros movimentos sociais e os que mais contribuíram para essas transformações foram o movimento feminista e os movimentos gay e lésbico. Até hoje, vivemos uma fase de transição, de transformações dos paradigmas de comportamento sexual e afetivo na nossa sociedade. Mas, mesmo com tantas mudanças no âmbito social e várias vitórias no universo LGBT em geral, com uma diversidade sexual mais rica e menos rotulada, ainda existem atitudes preconceituosas com relação ao que foge da heteronormatividade. Esses atos discriminatórios acontecem em diversos lugares, como em reuniões familiares, no trabalho e até mesmo no ambiente escolar, lugar onde as crianças e adolescentes deveriam ser ensinados a pensar fora da caixa, para que assim, futuramente, a homofobia possa ser olhada por todos como algo repugnante. Mas não, a sexologia no âmbito escolar é sempre ensinada de forma “padrão”, posicionando como natural apenas os opostos se relacionarem.Com esse conceito, os alunos que ainda estão construindo sua própria visão de mundo acabam recriminando tudo tudo que

não se encaixa dentro desse “molde” gerado pela sociedade. As escolas precisam se adequar a esta diversidade sexual e oferecer o apoio necessário aos alunos homossexuais para que eles tenham liberdade de expressão e se sintam seguros neste ambiente, sem medo de agressões tanto físicas como morais. Uma vez que esses acontecimentos têm um impacto direto na autoestima e no rendimento escolar desses jovens, podendo ocasionar até evasões. Uma pesquisa realizada no início de 2016 pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mostrou que 32% dos homossexuais entrevistados sofrem preconceito dentro das salas de aula e que os próprios educadores ainda não sabem reagir apropriadamente diante das agressões. “Muitos profissionais de educação ainda acham que a homossexualidade é uma doença que precisa ser tratada e encaminham o aluno para um psicólogo. Por isso nós temos pressionado os governos nas esferas federal, estadual e municipal para que criem ações de combate ao preconceito”, explica o presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais), Toni Reis, em entrevista concedida ao Zero Hora. 31


Alunos e alunas gays, bissexuais, lésbicas, travestis, transexuais estão assumindo suas identidades dentro da escola e, em muitos casos, tendo que enfrentar os próprios educadores e direção na afirmação de seus direitos. A professora do Departamento de Ciências Humanas e Educação (DCHE) da UFSCar, Rosiléa Cardoso, declarou em uma entrevista realizada com a Agência Brasil, que o entendimento desse cenário e a busca por estratégias para reverter o preconceito não depende apenas do movimento LGBT, mas também da educação que deve ser defendida e compreendida por todos os educadores.

É necessário que a formação de professoras e professores tenham um debate mais aprofundado sobre as questões de gênero e sexualidade, com disciplinas obrigatórias que tratem do tema. É fundamental também que se desconstruam as resistências para se falar da diversidade sexual e das diferenças, bem como das desigualdades persistentes e estruturais em nossa sociedade que são, sim, produtoras das violências – Rosiléa Cardoso, professora do Departamento de Ciências Humanas e Educação (DCHE) da UFSCar. É essencial que, nos dias de hoje, políticas públicas voltadas para profissionais da educação agem para deslocar as discussões sobre homo/trans/ do senso comum. É necessário aproximar o universo LGBT da maioria dos educadores que o desconhecem completamente. A diversidade, segundo o próprio discurso governamental expresso em documentos como o Programa Brasil Sem Homofobia, precisa ser encarada como recurso social para a transformação. A escola, atrelada a educação familiar, é uma ferramenta primordial para proporcionar o desenvolvimento humano, por esta razão, deve garantir a equidade para que todos tenham direito a uma educação plena. É preciso deixar claro que o enfrentamento do preconceito não depende apenas da escola, mas deve ser um esforço de toda a sociedade. É importante ampliar o debate sobre sexualidade, gênero e uma série de questões como forma de superar a homofobia. Alunos americanos aprendem sobre direitos da população LGBT em escola. (Site Polari Magazine/ Divulgação)

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A descriminação da população LGBT no mercado de trabalho Com o mercado de trabalho ainda hostil à comunidade LGBT, muitos se encontram em dificuldade de achar ou se manter em empregos. Empresas questionam a orientação sexual e esquecem da qualidade que esse profissional possa vir a ter.

Por Matheus Sampaio

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É

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inquestionável que, na realidade brasileira, o mercado de trabalho ainda está muito distante de promover a inclusão e a valorização efetiva da comunidade LGBT dentro de suas instituições. Essa reticência é decorrente da visão arcaica que infere um desgaste da credibilidade da empresa na associação da sua imagem à de um homossexual, por exemplo. Esse preconceito, logicamente, não é à toa, ele apenas revela a visão homofóbica de grande parcela da sociedade. Com a escassez de legislação competente à questão, além da problemática na admissão de homossexuais, precede um problema igualmente latente no seio do mercado de trabalho: o assédio moral em decorrência da orientação sexual. Casos desta natureza são recorrentes e muitas vezes passam despercebidos justamente pela dificuldade de ingresso da população LGBT na parcela economicamente ativa, muitas vezes tendo que se submeter a hostilidades e situações constrangedoras para preservar seus empregos e cargos. “A sociedade é historicamente homofóbica desde a Idade Média, então, há toda uma construção social em torno dessa rejeição. Isso é uma realidade Universal. No caso do mercado de trabalho, é uma simples questão de reflexo da população, se a mesma é homofóbica, a empresa vai ser também. Existe uma associação equivocada da figura do cidadão pertencente do grupo LGBT que é mergulhada em estereótipos e preconceito, e o empregador prefere manter-se dissociado disso, porque a sociedade “cobra” dele essa postura retrógrada e preconceituosa”, afirma Leonardo Pedroso, Advogado e Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Universidade Federal do Pará. Ainda segundo Leonardo, as empresas não deviam questionar a opção sexual e nem colocar empecilhos em volta de uma admissão. “Acredito que a orientação sexual de alguém sequer deveria entrar em pauta no momento de contratação. Se a empresa quer lucros, crescimento, ela deve contratar pessoas competentes. E competência não tem gênero”, relata. Embora se discuta muitas medidas para que a comunidade LGBT e empresas possam andar de mãos dadas, Leonardo Pedroso ressalta que o principal seria uma forte reeducação social por meio

“Se a empresa quer lucros, crescimento, ela deve contratar pessoas competentes. E competência não tem gênero”. Leonardo Pedroso, Advogado.

de campanhas e conscientização. “Para que esse aspecto tão negativo da sociedade se perca, temos que combater o assédio moral que ainda é muito forte. É preciso entender que orientação sexual não tem nada a ver com desempenho profissional”, finaliza.

O Desemprego

Infelizmente, alguns casos envolvendo mercado de trabalho e LGBT’s ainda são motivos de interrogações na cabeça de alguns, como foi o caso de Ademar Gonçalves, 28 anos, administrador, funcionário de uma empresa de contabilidade, demitido por motivos desconhecidos. Segundo o administrador, a relação com a empresa foi mudando drasticamente depois de coincidentemente ter sido visto com seu namorado em um shopping. Após menos de um mês teve seu contrato rescindido. “Não houve motivo algum. Eu havia me tornado responsável por outro departamento da empresa há quatro meses. Estava crescendo profissionalmente. Sempre fui centrado no meu local de trabalho,


mas na vida nunca escondi quem eu era. Depois que fui visto com meu namorado no shopping, o tratamento mudou. As pessoas se afastaram, os gestores passaram a agir de forma rude e então me demitiram. A alegação foi que eu não atendia ao perfil da empresa, sendo que tinha sido promovido meses atrás”, lamenta. Ademar citou que não tentou entrar em contato com nenhum colega de trabalho pra saber o real motivo ou até mesmo entrar com um processo contra a empresa. “Não havia o que discutir em juízo. Todos os meus direitos trabalhistas foram pagos, inclusive, aviso prévio indenizado. Como não foi justa causa não teria como alegar na justiça. O próprio assédio moral foi velado. Mas sei que foi por homofobia, pois sempre fui muito cotado no meu local de trabalho. Depois disso, tudo desmoronou”, relata. O administrador possui pósgraduação em Gestão de Pessoas e Mestrado e foi substituído por um funcionário apenas graduado, sem experiência na área. “Minha demissão não fez sentido algum”, afirma.

dizer perseguido por ser homossexual, quando, na verdade, só o estava pressionando porque precisava bater a meta do mês? Tem que haver o bom senso.” Os direitos da comunidade LGBT vêm crescendo gradativamente a passos lentos ao longo das décadas, e tem-se atentado pra um processo compassado de esclarecimento intelectual da sociedade a nível mundial, mas ainda não se atingiu o ponto de garantir a essas pessoas uma vida igualitária e sem medo, seja na esfera trabalhista ou em qualquer outra. Essa realidade é alarmante e atinge incontáveis indivíduos diariamente, e só mudará com a evolução da população e da ação dos setores públicos por meio de esforços e conscientização coletiva, além de coerção jurídica e legislativa, visando não uma imposição - ninguém vai ser obrigado a contratar ou manter em sua empresa um funcionário desqualificado apenas por ele ser homossexual -, mas uma garantia a não violação e desrespeito das liberdades individuais de um cidadão, que nada quer fazer além de contribuir.

Outra Lado Paulo Andrade, dono da empresa de contabilidade em que Ademar trabalhava, não manifestou situações específicas quando questionado sobre casos de assédio moral, mas deixou claro sua visão. “Já houve casos isolados. Isso acontece em todo lugar em que se lida com pessoas. Nossa empresa tem milhares de funcionários. O assédio moral é uma realidade que acaba ocorrendo. Ninguém aqui é menosprezado pela cor da pele ou por ser homem ou mulher, seria algo não só desumano, mas ilógico. Não somos obrigados a contratar ninguém, se contratamos é pela competência”, comentou. Paulo fala se hoje um homossexual se enquadraria no perfil de sua empresa e atrela isso ao bom senso. “Não temos problemas com homossexuais ou qualquer membro da comunidade LGBT. Mas é preciso ter discrição, porque querendo ou não é um tema delicado. Que garantia eu tenho que um funcionário não vai acusar um gestor de homofobia ao ser demitido, quando, na verdade, ele era apenas incompetente? Ou que um funcionário vai se 35


Por: Emmanuel Menezes Sobre direitos

trabalhista. “Mas, de fato, algumas pessoas que estão no poder barram, mesmo que de maneira discreta, A pesquisa mais recente sobre o assunto, feita em pessoas com ótimo potencial para algumas vagas 2015 pela Elancers, mostra que uma em cada cinco por conta de serem da comunidade LGBT”, afirma. empresas brasileiras não contrataria homossexuais para cargos. Isso significa 11% das empresas que Cartilha responderam à pesquisa. Seguindo a resposta da maioria dos recrutadores, o preconceito fica A Organização das Nações Unidas no Brasil (ONUevidente ao ser justificado que trabalhadores BR) lançou, em 2016, a segunda edição do manual homossexuais não são bem vistos principalmente sobre direitos das pessoas LGBT no mercado de em cargos executivos, onde tais pessoas estariam trabalho. Com o título “Construindo a igualdade de representando a empresa de forma pública. Essa oportunidades no mundo do trabalho: combatendo afirmação foi dada em 2015 pelo próprio diretor da a homo-lesbo-transfobia”, a cartilha é uma iniciativa Elancers, Cezar Tegon, em entrevista. que tem o apoio de diversos parceiros e é promovida Pesquisas realizadas nos Estados Unidos mostram por três agências da ONU no Brasil: Programa das que os homossexuais têm ainda menos chances de Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), serem chamados para uma seleção de vaga no país, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e cerca de 40%. Tal discriminação, que muitas vezes Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/ passa despercebida por grande parte da população, Aids (UNAIDS). pode ser considerada cultural. As causas desse Com linguagem acessível e propostas de exercícios cenário vão desde o receio em tratar o assunto com práticos coletivos, o material está disponível em três naturalidade, até o medo de uma “minoria” tomar línguas: português, espanhol e inglês. Ela pretende um cargo alto em uma hierarquia trabalhista. ser referência mundial na forma como o tema LGBT Isso faz com que muitos homossexuais percam deve ser tratado no ambiente de trabalho. diariamente chances de conquistar uma vaga no A cartilha evidencia as dificuldades sofridas por mercado. trabalhadores LGBT, quais seus direitos e deveres “Embora a legislação brasileira proíba as empresas no ambiente de trabalho, assim como os direitos e de dizerem que determinada vaga é para homem deveres do empregador. Também propõe estratégias ou mulher, o que poderia caracterizar uma para desenvolver debates e promover direitos discriminação de gênero, é fato que algumas essenciais – ainda privados a muitas pessoas – no empresas estão sim preocupadas com a sexualidade ambiente de trabalho. de seus empregados”, afirma Tegon. Além disso, conceitua importantes termos Para Magna Menezes, profissional em uma empresa que, apesar de bastante falados, são muitas de recrutamento e seleção trabalhista em São Luís, vezes empregados de maneira errada, como a orientação sexual de um empregado não pode ser heteronormatividade, identidade de gênero e nome critério de seleção em qualquer que seja a área social.

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mas quem é

Amara Moira?

Por Emmanuel Menezes

São Paulo, imensa e potente; indestrutível. Prédios, concreto e muitos espelhos. As pessoas andam, outras pedalam e outras correm por estarem atrasados. Uns admiram o cinza, outros preferem a garoa, outros gostam dos sinais do metrô. Em meio aos mais de 44 milhões de pessoas dentro daquele estado, ou dos 12 milhões que estão aos redores dos prédios da capital, existem diversas pessoas com histórias de vida parecidas com a dela, mas nunca igual a ela. Amara Moira, com seus cabelos cacheados e um batom vermelho forte e um pouco borrado. Roupas simples, bolsa de lado e algumas pulseiras. Inteligência complexa, esclarecida, engajada e um pouco perturbada.

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À primeira vista, esse é um nome um pouco incomum. Logo muitos se perguntam: que pais que dão um nome desses a uma filha? Mas não foram os pais de Amara que a batizaram, foi ela mesma. “Não fui batizada quando nasci. Aliás, nasci em Campinas, no bairro Barão Geraldo, mesmo bairro da Unicamp. Nasci e sempre fui uma criança introspectiva, fechada. Preferia os livros às pessoas. Bullying sofri desde sempre, antes por ser nerd e ser péssima em esportes; hoje, por ter me assumido como mulher trans e ser prostituta. Eu depositava tudo que era interno meu dentro das bibliotecas, lendo livros que ninguém ler, escrevendo artigos que ninguém vai ler”. Filha de classe média, os pais fizeram Direito e sempre deram muita importância aos livros. Por isso sempre foi fascinada pelo mundo da leitura e ainda afirma ter sido a maior leitora das bibliotecas de escolas onde estudou. Na sua adolescência começou a perceber mais sobre sua capacidade de se relacionar com homens e mulheres, mas só com 16 teve as primeiras experiências com ambos. “Gostar de homens quando ainda era um garoto sempre me deixou em crise. Sou, como muitas, fruto de uma sociedade homofóbica e nunca consegui superar os traços que essa cultura deixou em mim”, conta. Toda essa questão de o que é gênero e como entende-lo é complexo. Gênero pode ser considerado uma ferramenta para entendermos como as forças estão divididas na nossa sociedade. Banheiro por gênero não surge só por diferenças biológicas, mas por questões de segurança.

Gênero não é só o que você acredita que é, ou diz, mas a forma com é visto.

“A mulher não é mais fraca do que o homem; ela é criada para ser mais fraca, ter medo de dor, usar calçados e roupas que dificultam movimentos, não desenvolver força física nem habilidades de defesa. O homem é criado para testar limites, cair e já levantar, arrebentar o corpo, invadir, explorar, conquistar”, explica. Romper esse pensamento é considerado por muitos uma revolução. “Gênero não é só o que você acredita que é, ou diz, mas a forma como é visto. O fato de eu ir na padaria e ser tratada no feminino, perguntar onde é o banheiro e indicarem o feminino, é indicativo de que mais travestis e trans estão conseguindo transformar os sentidos das palavras homem e mulher”. Com extrema delicadeza, Amara leva toda essa ampla discussão para o lado mais pessoal e mostra como isso entrou em sua história de vida. “A descoberta de que o gênero que me impuseram não era a maneira como eu queria viver foi mais demorada. Mas, depois de um tempo, a gente começa a tomar coragem e faz 38


é r e h l u M r e s a r p criada m e m o h o ; a c a r f e r i a c a pr . r a t n a lev pequenas decisões que depois de um tempo são vitais. Vestir uma saia em público, passar esmalte, deixar o cabelo crescer, passar um bom batom vermelho. Tudo isso parece muito simples, mas eu só consegui fazer quando entrei para a militância LGBT há três, quatro anos, como bissexual”, admite. Seus maiores medos? Perder a família, amigos, o direito de estudar e o direito de ter um emprego ao qual pudesse ser chamado verdadeiramente de emprego. O medo é a perspectiva que a maioria das trans e travestis enfrentam. O medo de viver das migalhas que pagam às travestis, do estigma, da exclusão. “Isso me forçou, por anos, a viver naquele modelinho de homem padrão”. Mas foi no primeiro dia de maio de 2014 que Amara definitivamente nasceu. “Eu vim para a capital nessa data passar o feriado prolongado da Parada LGBT só com as roupas femininas que comprei na véspera. A partir dali, não teria mais volta: eu não me permitiria mais me reprimir por medo”, conta, mostrando força em sua voz, semelhante com as brincadeiras no limite do compreensível de seus textos. 39


Sobre suas intervenções, Amara toma hormônios há quase três anos e fez operação de fimose na adolescência. “Não tive nenhuma vontade de enfrentar essa burocra cia infernal que está sendo em relação ao nome social e cirurgia de redesignação. Enquanto não consigo, vou burlando o sistema”, brinca. Amara é formada em Letras, professora doutora em Crítica Literária. Apaixonada pelo viés obsceno de grandes autores como Marquês de Sade, Gregório de Mattos e principalmente James Joyce, objeto de sua tese de doutorado. Lançou, em 2016, seu primeiro livro, “E se eu fosse puta”, por sua vez título também de seu blog onde publica crônicas. “E se eu fosse puta” narra, explicitamente, suas experiências como prostituta. Mas longe de um diálogo onde Amara se posiciona como vítima: o livro narra e defende a vida das profissionais do sexo, aliado da dor causada pelo preconceito e falta de suporte. “São depoimentos impactantes, pesados, mas creio que o jeito de narrar acaba trazendo o leitor para dentro do jogo e o fazendo viver a história junto comigo”. James Joyce é o autor que mais influenciou a escrita de Amara, mas o estudo de poesia obscena que fez por muito tempo, desde a medieval, das cantigas de escárnio e maldizer, até a dos dias de hoje, de Hilda Hilst e Glauco Matoso, passando por Gregório de Matos, também foram essenciais. “A prostituição é uma de minhas fontes de inspiração. O medo da prostituição retardou minha transição, mas, quando me assumo Amara e militante, percebo que as figuras que lutaram para que eu hoje pudesse existir pagaram com a vida por serem travestis ou viveram vidas absurdamente sofridas, eram quase todas prostitutas”. A autora afirma que, mesmo quando ainda não era, muitas pessoas a tratavam como prostituta por a verem travesti. “Homens só se permitiam flertar comigo, dizer que eu era bonita, quando eu estava no bairro de prostituição onde minhas amigas viviam. Não havia muito espaço para relações afetivas, ou para me sentir bela. Começar a me prostituir era o que estava ao meu alcance para não enlouquecer, especialmente quando ainda estava tão frágil, dando os primeiros passos como Amara. E o dinheiro me ajudaria a acelerar o processo”. A prostituição, por muito tempo, foi a forma que fez Amara se sentir bonita, desejada, de viver o afeto, mesmo que momentâneo. Transar, especialmente com anônimos, se tornou um prazer inexplicável ao nível de palavras, mas foi sempre desgastante o fato de ser tratada tão mal. “Fora esses aspectos, a prostituição me força a escrever, me mostra a urgência de transformá-la em texto, talvez porque tenho cabeça de escritora e não sei entrar numa situação da minha vida e não imaginar como isso ficaria no papel”.

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A mulher é criada para não ter desejo, ser casta. Quando não se enquadra, vira alvo de violência. “A misoginia, o racismo, a xenofobia, a transfobia e a pobreza fazem dessa atividade algo bastante perigoso. Se entendermos o quanto o sexo é importante e se profissionais do sexo fossem respeitadas essa realidade pode ser diferente. Mas não. O machismo joga as esposas contra nós, os homens nos usam para saciar desejos inconfessáveis, cafetões e policiais tiram proveito da nossa falta de amparo social. Podíamos ser educadoras sexuais, ser contratadas para ensinar pessoas a transar, mas esse saber que trazemos não pode ser valorizado e somos tratadas como um buraco”, desabafa. Ter opções para além da prostituição é uma das prioridades do movimento trans. Além disso, tornar o espaço da prostituição menos violento e menos hostil também é um objetivo.


Agora, e quando se cria um sentimento no próprio trabalho? Amara já foi apaixona da por um cliente enquanto se prostituiu, mas não foi uma relação nada fácil. “É muito difícil sustentar um amor quando te tratam tão mal, só te querem na sombra. Para minha sorte, sou bissexual e estou namorando uma mulher cisgênero que amo muito, que nunca teve vergonha de mim nem do fato de eu ser prostituta”. A prostituição não fez Amara apenas ver o sentimento de outra forma. O ato se tornou diferente e quem pratica se mostra mais diferente ainda. “A prostituição me permitiu ver os homens sem as máscaras que carregam vida afora, homens frágeis, apaixonados, querendo explorar regiões do corpo e prazeres nunca permitidos. Homens em conflito, homens inconsequentes, homens violentos. A prostituta vê o homem que a sociedade de fato criou, mas também vê o homem mais real. Querem saber como eles são realmente são? Perguntem para nós.”

A maioria não gosta de puta de esquerda.

Quanto mais conhecida a travesti é, mais consegue repercutir discurso crítico, feminista, e mais temerário é alguém contratar seu serviço. Isso Amara afirma, mas de certo modo isso é ruim quando levado para o ramo das profissionais do sexo. “Desde que me fiz militante e ganhei visibilidade, meus clientes diminuíram drasticamente. A maioria não gosta de puta de esquerda”. Depois de uma longa conversa com Amara, se torna muito fácil perceber que a vida dela, assim como de outras milhões, não é fácil no mundo de opressões que vivemos. Há os que gostam de falar que somos todos diferente e cada um é um gênero, mas Amara faz entender que não é bem assim. O discurso do “todo mundo é diferente” faz com que não consigamos entender a origem das opressões. Você é capaz de dizer que o mundo é igual para negros e brancos? Mulheres e homens? Ricos e pobres? “É importante pensar o que nos une e o que nos separa. Gênero é categoria analítica da sociedade, não um mero rótulo”. Gênero não é brincadeira, não é assunto fácil, e deve ser pauta de discussão. Assim como ser mulher. Assim como ser travesti. Assim como ser puta. É como Amara afirma: travesti incomoda, ainda mais se puta, e ainda mais quando quer falar e ser ouvida.

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Fetiche

tem limite Por: Lorena Erre e Rafaelle Fróes

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ipersexualização. Essa palavra tem ganhado cada vez mais espaço dentro de discussões sociais, principalmente no universo LGBT. Seu significado consiste na sexualização da mulher ou do homem, como um objeto de desejo sexual para determinada

pessoa. Dentro da comunidade LGBT, a sexualização das lésbicas tem gerado inúmeras discussões acerca da importância do tema. O que muitas alegam é a forma como o tema é apresentado, da qual a sociedade não dá muito valor e por fim, as lésbicas acabam


sendo qualificadas como dramáticas. A estudante Viviane Mendes, de 21 anos, afirma que já foi vítima da hipersexualizacão por conta de sua orientação sexual e que a situação tem se tornado cada vez mais comum com as mulheres em geral. “Na realidade, eu acredito que a hipersexualização da mulher independe de sua orientação sexual, seja ela lésbica ou hétero. A mulher por si só é objetificada, é vista como mero fetiche sexual, é negada enquanto um ser livre e individual, porque, infelizmente, vivemos em uma sociedade machista”, declara. Entre os crimes sexuais, 90% são contra mulheres e isso só comprova o porquê fomos criadas pra ter medo, medo de andar sozinha, medo de sair tarde, medo de usar alguma roupa curta. Esses são os reflexos dessa cultura. “Nós, mulheres, somos hipersexualizadas o tempo inteiro. Até quando não percebemos. Na rua, na universidade, no trabalho, na mídia”, explica Viviane. A hipersexualização se esconde em várias situações e pode ser classificada como um simples elogio, de acordo com o ponto de vista, é claro, de quem o fez. Segundo a psicóloga Camila Oliveira, essas ações vêm da cultura do patriarcado, onde os homens veem a mulher como objeto sexual, o que se aplica duplamente mais as lésbicas, já que alguns homens usam o argumento de que a mulher só é lésbica por que nunca transou com um de verdade. Apesar da delicadeza do assunto, Viviane reconhece que dentro do próprio universo LGBT, algumas mulheres têm mudado suas posturas em relação ao tema, deixando de o taxar como drama. A hipersexualização causa, em todas as atividades humanas, referências distorcidas sobre a sexualidade e o respeito, principalmente, em relações amorosas. Ao sexualizar o olhar sobre o outro, isso precocemente afeta a pessoa, que se torna vítima desse olhar opressivo, como se ela tivesse a obrigação de ceder as investidas, o que caracteriza um desrespeito dos limites individuais. Viviane diz que o debate sobre essa problemática é necessário e deve acontecer de maneira estratégica, como forma de atingir ao público alvo. “É um tema muito sensível. Acredito que falar sobre o assunto já é um bom começo, mas têm que ser contínuo, estratégico, didático, suscitar a reflexão. Pode ser

por meio de campanhas, rodas de conversa, propagandas... Tem que levar o debate para as escolas, universidades, tem que ser falado em casa também”, ressalta.

Hipersexualização não requer tratamento, é simplesmente uma cultura machista que foi criada e espalhada a um público. - Camila Oliveira A psicóloga destaca a grande contribuição que a pornografia possui nessa questão. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos, publicada pelo site de conteúdo pornográfico Pornhub, revelou que 60% do país tem fantasias sexuais por lésbicas. Obviamente, a fascinação por duas mulheres juntas na cama não é uma preferência unicamente masculina, o lesbianismo também lidera as pesquisas feitas por mulheres no site. De acordo com o pesquisador Ogi Ogas, esse tipo de conteúdo pornográfico “duplica” o que os homens acham visualmente estimulante, já que em vez de uma mulher, são duas. Segundo Camila Oliveira, a hipersexualização da mulher não se trata de uma doença nem de uma disfunção mental. “É simplesmente uma cultura machista que foi criada e espalhada a um público, não precisa de tratamento nem de remédio, precisa de mudanças culturais que, felizmente, estão acontecendo mesmo que gradativamente”, finaliza.

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A automedicação de

hormônios por transgêneros é uma realidade A situação da saúde pública no amparo a travestis e transexuais é desigual entre os estados do Brasil. “Muitas vezes nós somos nossas experiências e médicos”, afirma a transexual Larissa Domici

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amparo da rede pública de saúde à população transgênero caminha a passos bastante desiguais entre os estados do país. São Paulo destaca-se entre todos eles: oferece desde 2010 o atendimento a hormonioterapia no Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento DST/ Aids, e vem evoluindo a cada

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etapa desde então. Em 2015 esse acesso se estendeu às Unidades Básica de Saúde (UBS). No entanto, o estado é uma exceção no cumprimento da Portaria Nº 457, lançada em 2008 pelo Ministério da Saúde, a qual regulamenta o processo transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). A portaria determina que as unidades ofereçam atenção especializada nas áreas de endocri-

nologia, ginecologia, urologia, psicologia, psiquiatria, obstetrícia, cirurgia plástica, além de enfermagem e assistência social. Ela promove um atendimento livre de discriminação, com respeito às diferenças e à dignidade humana, além de exigir a constituição de uma equipe interdisciplinar e a criação de procedimentos específicos. Mas, na prática, essas medidas não se


aplicam em todos os estados do Brasil. Como consequência dessa falha, muitos e muitas recorrem à automedicação de hormônios, aumentando os riscos relacionados ao uso inadequado. A travesti Andressa Sheron, presidente da Associação Maranhense de Travestis e Transexuais (AMATRA) afirma que essa é uma realidade bastante comum. “Tendo em vista que nós não temos um atendimento digno de fato, a automedicação é quase necessária para que as pessoas trans possam fazer sua transição. Não tem outra saída para essas pessoas que estão a mercê de uma saúde que não é prioridade”, salienta. Por outro lado, Andressa destaca a importância de políticas públicas que têm a finalidade de levar conhecimento sobre os riscos e consequências de automedicar-se. Em São Luís - MA, o único local de acolhimento a essa comunidade é a Unidade Presidente Dutra do Hospital Universitário da UFMA. O núcleo está em fase de implantação, mas já iniciou suas atividades há dois meses. “É muito recente. Por isso, quase todos os casos de terapia hormonal

é automedicação mesmo. Muitas utilizam grupo no Facebook pra ver o que outras trans falam sobre determinado medicamento, quanto usa e até mesmo o conhecimento básico sobre a terapia. Porém, é um processo muito perigoso. Não é você tomar vários comprimidos quando vai dormir e achar que vai acordar a Cinderela. É muito demorado”, alerta a transexual Larissa Dominici. Ela faz o processo de hormonioterapia por conta própria há quatro anos, mas reconhece seus privilégios. “A minha automedicação veio acompanhada de uma bateria de exames feita pela rede privada de saúde. Pude acompanhar como estava meu sangue, fígado etc. E estou sempre realizando os exames de rotina, mas sei que nem todas possuem essa possibilidade”. Larissa relatou que suas experiências com médicos não foram muito boas. Já chegou a ouvir até que pessoas trans não podem tomar hormônios antes da cirurgia e, por essas razões, optou pela auto-

medicação. Contudo, ela afirma que, antes de tomar sua primeira medicação, demorou quatro meses estudando e lendo muito a respeito, e sempre teve consciência de que uma hora ou outra o remédio poderia acarretar efeitos colaterais, não ser compatível com seu organismo e uma série de outros problemas.

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Não é você tomar vários comprimidos quando vai dormir e achar que vai acordar a Cinderela. É muito demorado. Larissa Dominici

“Eu digo que sou uma exceção, pois os hormônios “se deram bem” no meu corpo, mas não sou a favor. Só que, vejamos, nossa realidade é bem diferente e precária. Muitas vezes nós somos nossas experiências e médicos”, salienta Larissa. Andressa Sheron possui as mesmas ressalvas. “Olhando pelo lado da saúde e de

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forma mais consciente, sou contra, mas falta um serviço de saúde mais humano, de acordo com a necessidade de cada cidadão ou cidadã”. Ambas destacam a importância de um acompanhamento clínico, sobretudo psicológico, na descoberta do novo eu. Andressa chama atenção para a ausência de efetividade das medidas previstas pela portaria para a população trans. “Vejo muita falta de interesse dos órgãos públicos em tratar a diversidade e a saúde de LGBT’s em geral. Eles participam de encontros e seminários, mas não aliam teoria e prática. É como se fôssemos objetos de estudo somente”. Além disso, frisa a relevância da sensibilização dos funcionários da área da saúde para o respeito à identidade de gênero e o nome social.

Quais os riscos da automedicação? A transexual Larissa Dominici tem a consciência de seus privilégios e também dos riscos que corre, mas e quem acha que o correto é tomar hormônios demasiadamente e sem acompanhamento? Levando em consideração que a rede pública de saúde não atende à demanda existente, visto que em todo o país há apenas trezes instituições habilitadas a oferecer as ações previstas no Processo Transexualizador (de acordo com a última atualização do Ministério da Saúde datada de 2016), a realidade da automedicação torna-se um desafio para os/as endocrinologistas. Rafaela Lima, endocrinologista do Núcleo de Atendimento a Travestis e Transexuais da Unidade Presidente Dutra do Hospital Universitário da UFMA, preocupa-se 46

com esse cenário. “Com a ansiedade em obter resultados rápidos, muitos e muitas fazem uso de doses muito acima do necessário e recomendada para o tratamento e isso eleva o risco de efeitos colaterais”. Aumento de triglicerídeos, aumento de peso, trombose, eventos cardiovasculares, risco de câncer de mama e endométrio são algumas das complicações. “O acompanhamento médico no processo de hormonioterapia em pessoas transexuais é essencial. É feita uma avaliação hormonal e metabólica antes e durante, visando detectar contraindicações e perigos, bem como a evolução do tratamento”, enfatiza a especialista. As chances de neoplasias causadas pela elevação do estrogênio (hormônio sexual feminino) na corrente sanguínea, acentua-se com o uso da terapia hormonal. Nas mulheres trans, cresce a possibilidade de neoplasias nas mamas, enquanto nos homens trans, além das mamas, podem aparecer no útero, ovário e vagina. “Isto ocorre porque a testosterona pode ser convertida em estradiol através da enzima aromatase e isso estimula o surgimento desses tumores”, afirma a médica Rafaela Lima. Essas implicações só reforçam a luta pela efetivação de um sistema de saúde pública universal, integral e equitativo. Admite-se que a inclusão de políticas voltadas para a população transgênero no SUS foi um grande avanço, tendo em vista países como a Bolívia, que reconheceu legalmente a transexualidade só agora, em 2016. No entanto, o cenário brasileiro para essa parcela da sociedade ainda tem muito o que melhorar, pois há um hiato entre o que está escrito e a realidade.


AIDS, UMA BATALHA

AINDA A SER VENCIDA Os desafios vividos por quem sobrevive com a doença e a desinformação que causa discriminação

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oram 33 anos, tempo mais que suficiente para as coisas mudarem. 369 meses, 12.045 dias. Milhares de minutos e segundos. Há 33 anos o primeiro celular era vendido e ele pesava 800 gramas – cerca de sete iPhones. Há 33 anos os brasileiros foram às ruas pedindo pelas Diretas Já. Há 33 anos Michael Jackson se tornou o Rei do Pop. A forma das pessoas se comunicarem, se locomoverem, a forma de chegar naquele crush. Quase tudo mudou. No entanto, pouco mudou no conhecimento das pessoas sobre uma doença bastante popular, mas pouco entendida: a Aids. O vírus HIV foi descoberto em 1984 – há 33 anos, para facilitar a conta –, depois de várias pesquisas feitas em grupos separados liderados por Robert Gallo e por Luc Montagnier. Naquela época, as pessoas estavam cheias de dúvidas sobre essa nova doença: como se pega? Quais são os sintomas? E o tratamento, será que já existe ou vou morrer se eu pegar? Tudo isso a ciência já tratou de responder com o passar do tempo, mas têm muita gente que ainda não entendeu. Vamos supor que você fez sexo sem preservativo e um tempo depois sente uma coceirinha nas genitais. Essa suposição deixa claro que muitas pessoas ainda não entendem que sexo sem proteção pode causar doenças sexualmente transmissíveis, como o vírus da Aids. Um estudo feito pelo acadêmico de enfermagem Jadilson Neto, que trabalha diretamente com pessoas soropositivas e é membro da Liga Acadêmica DST/Aids, mostra que há sete anos o vírus atingia principalmente pessoas entre 25 e 27 anos de

Por: Lucas Martins e Emmanuel Menezes idade. Hoje, isso mudou, essa média de idade caiu para jovens entre 19 e 22 anos. “Isso é preocupante, pois significa dizer que a vida sexual dessas pessoas começou cedo demais e, provavelmente, sem a informação necessária para que pudessem começá-la de forma segura”, diz. Outra coisa que preocupa muito o estudante é a desinformação das pessoas sobre as formas de contágio. Para ele, isso é o que mais causa preconceito contra soropositivos. “Em pleno 2017 ainda é possível escutar pessoas dizendo que têm medo de serem picadas por mosquitos e estes terem picado alguém que tenha vírus HIV anteriormente e, assim, pegarem a doença. HIV significa vírus da imunodeficiência humana, logo, só afeta humanos, não afeta mosquitos”, destaca. A saliva é outro ponto que deixa muita gente em dúvida, se ela pode ou não passar a doença. Segundo ele, a saliva possui pouquíssimas partículas do vírus HIV, por esta razão, a chance de infecção através dela é mínima. Portanto, não é necessário se desesperar se uma pessoa soropositiva estiver falando perto de você e dê aquela leve cuspida involuntária.

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Discriminação

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comunidade LGBT, que jamais deveria bancar de vilã quando o assunto é preconceito, tem se saído muito mal quando a questão é respeito a pessoas soropositivas. Casos de discriminação estão se tornando comuns nesse meio, fazendo com que LGBT’s sintam vergonha de sua condição de saúde, bem como sentir medo do que pode acontecer caso “a notícia se espalhe”. Grupos de apoio são criados com o objetivo de aproximar pessoas que estejam vivendo a mesma situação e assim fazer com que elas compartilhem experiências e se sintam acolhidas. No entanto, é difícil alcançar esse objetivo com tanta discriminação. No dia 2 de junho de 2014, a ex-presidente Dilma Rousseff sancionou a lei 12.984/14, que tipifica a conduta de discriminar o portador do vírus HIV e o doente de AIDS em razão de sua condição, punindo tais práticas com pena de reclusão de um a quatro anos e multa. Se tornou crime: recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado; negar emprego ou trabalho; exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego; segregar no ambiente de trabalho ou escolar; divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de Aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade; recusar ou retardar atendimento de saúde. Tais medidas jurídicas são aliadas às políticas de combate e erradicação do HIV/Aids. Pacientes portadores do vírus ou doentes de Aids, possuem prioridade na vacinação preventiva e tratamento de determinadas doenças, em razão de sua especial condição consistente na debilidade imunológica.

HIV vs Aids Ter HIV não significa ter Aids. O vírus entra no organismo humano através de sêmen, fluido vaginal, 48

sangue e/ou leite materno infectado. Essa infecção pode acontecer através de sexo sem proteção, compartilhamento de seringas ou transmitido de mãe para filho. Depois de duas a quatro semanas da penetração do vírus, ele provoca uma infecção que faz muitos pensarem que estão gripados. Dores no corpo, garganta inflamada, febre e bolinhas vermelhas pelo corpo são alguns dos sintomas. Depois de alguns dias esses sintomas desaparecem e a pessoa volta a se sentir bem. Esse é o início da fase chamada latência. Na latência, o HIV se mantém quieto. A pessoa não sente nenhum tipo de sintoma e assim pensa que está tudo normal. Essa fase dura entre três e 20 anos, tendo como duração média oito anos. Vale lembrar que se feito o teste durante esse período, o resultado continuará dando positivo. Nessa fase a pessoa é classificada como sendo HIV positiva, porém, sem Aids. Na fase seguinte e final é que ocorre a Aids, quando o vírus volta a agir no organismo. Dessa vez ele começa a atacar o sistema imunológico, derrubando a contagem de linfócito T CD4, um tipo de células de defesa, para um número bem abaixo do normal. É nessa fase que a pessoa tem maior facilidade de adquirir diversas doenças, como câncer.


Tratamento No Brasil, desde 1996, há uma política pública de amparo, tratamento e auxílio aos portadores do vírus. Atualmente, os portadores do vírus HIV possuem no Brasil o acesso gratuito à TARV (tratamento antirretroviral) e a exames acurados para fins de controle da carga viral e combate às doenças oportunistas. PEP (Profilaxia Pós-Exposição): este tipo de tratamento é utilizado após casos de violência sexual, acidentes de trabalho (no caso de profissionais de saúde) e relação sexual sem proteção. Ela pode ser iniciada até 72 horas depois da possível contaminação e dura 28 dias. Ao longo desses dias a pessoa deve tomar uma pílula diária e initerruptamente. Se não seguida rigorosamente as prescrições médicas, o tratamento não faz efeito. Esse medicamento impede a reprodução do vírus no organismo. Coquetel de medicamentos: este já é utilizado em casos mais avançados da doença. Causa uma série de efeitos colaterais como: enjoo, vômito, mal-estar, perda de apetite e perda de gordura em todo o corpo. Esses sintomas são mais comuns no início do tratamento e devem ser comunicados ao médico sempre que aparecerem para que ele possa ajustar as doses, se houver necessidade. Campanhas são feitas pelo governo quase o tempo todo, principalmente durante o carnaval. A distribuição de preservativos também acontece no ano inteiro. Tudo isso parece ainda não ser o suficiente para fazer os jovens “se vestirem” na hora do sexo e escaparem de tanta dor de cabeça.

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Verdades e mitos 1. O vírus HIV pode ser transmitido por beijo, abraço ou aperto de mão? Mito. O vírus HIV é transmitido através do contato sexual e do sangue. Beijo, abraço e apertos de mão não transmitem o vírus. Sobre o beijo, o HIV foi achado na saliva, mas a composição dela consegue neutralizá-lo, a menos que a pessoa tenha alguma lesão grave na boca. 2. É possível contrair o vírus HIV no sexo oral? Verdade. Embora as chances sejam pequenas, especialistas recomendam o uso do preservativo durante o sexo oral. 3. Todo portador do HIV tem Aids? Mito. A manifestação do vírus vai acontecer normalmente alguns anos após a infecção. O indivíduo que tem HIV e não sente nada é apenas o portador do vírus, que é assintomático. Quando o indivíduo desenvolve o sintoma, aí que recebe o nome de Aids. 4. O diagnóstico é feito somente por exame de sangue? Verdade. No entanto, no último dia 20 de novembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou regras para o auto teste, que é a análise da presença do HIV por meio do teste da saliva, que poderá ser vendido nas farmácias. 5. É impossível contrair vírus HIV em estúdios de tatuagem, manicures e consultórios de dentista? Mito. É orientado que as pessoas devem escolher lugares não apenas pela limpeza, mas que utilizem instrumentos, como agulhas e seringas, descartáveis. 6. Portadores de HIV, mesmo fazendo tratamento correto, morrem mais cedo do que pessoas que não estão infectadas? Mito. Quanto mais cedo é detectada a presença do vírus HIV, maiores são as chances de que o indivíduo viva normalmente. A expectativa de vida das pessoas com HIV que fazem tratamento corretamente e que estão com sucesso terapêutico é igual ao da população geral que não tem HIV. 7. O tratamento de HIV causa muitos efeitos adversos? Mito. As pessoas ainda encaram o tratamento do HIV como algo muito ruim porque acham que a pessoa passa mal e tem que abandonar. Hoje, são poucos os efeitos adversos e poucas pessoas precisam trocar de remédio. 8. Mulheres soropositivas podem engravidar sem que o vírus HIV seja transmitido? Verdade. Existem hoje unidades específicas de atendimento à gestante soropositiva. O período pré-natal deve ser acompanhado por um infectologista, além do ginecologista. A mãe é acompanhada com a utilização do AZT, medicações antirretrovirais, para garantir a não passagem do HIV da mãe para o bebê. A criança também é acompanhada na sala de parto para receber medicação e deve ser acompanhada pelos 18 meses seguintes a fim de realizar testes específicos. 50


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Prostituição

Um trabalho sem direitos trabalhistas Por: Emmanuel Menezes 53


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prostituição no Brasil não é uma atividade profissional reconhecida pelo Ministério do Trabalho, en tretanto não possui restrições legais enquanto praticada por adultos e é considerada uma ocupação profissional. Desde 2004, a prostituição de menores é crime, e um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos cita o BrasWil como “fonte de homens, mulheres, meninos e meninas para prostituição forçada no país e no exterior”. Mas, se a prostituição não é uma profissão regulamentada por lei, por que tratá-la no contexto do mercado de trabalho? Como visto no Brasil, uma a cada cinco empresas não contrataria um profissional LGBT para seu grupo de profissionais. Nos Estados Unidos, onde, aparentemente, a homo-lesbo-transfobia é menor que no Brasil, os dados são ainda maiores. Devido ao preconceito, às vezes dentro da própria família, dificuldades financeiras e a clara falta de oportunidade no mercado de trabalho, é muito comum que LGBTs entrem para o mundo da prostituição. Dentre todos, os casos mais comuns são de profissionais do sexo travestis. De acordo com a psicóloga e linguista Jaqueline Gomes de Jesus, o termo travesti é mais antigo que transexual, por isso é mais utilizado. Esse maior uso, no entanto, é marcado pelo preconceito, já que o sentido empregado é pejorativo.

Segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB), mais antiga associação de defesa dos homossexuais e transexuais do Brasil, o ano de 2016 foi marcado pelo maior número de assassinatos da população LGBT desde o início da pesquisa, há 37 anos. Foram 347 mortes. Os dados mostram que as chances de uma travesti ou transexual ser assassinado no Brasil é de 40% a mais em relação a gays ou lésbicas. Mas como esses dados influenciam na prostituição? Bem, ser profissional do sexo, além de estar sem direitos trabalhistas, traz, principalmente, a insegurança, deixando travestis e transexuais a mercê das fobias. Uma vez que tal trabalho é praticado nas avenidas e esquinas das cidades, essas pessoas se tornam vulneráveis como vítimas. Andressa Sheron, presidenta da Associação Maranhense de Travestis e Transexuais (Amatra), afirma que muitas são expulsas de casa, de suas escolas, e entram no mundo da prostituição não apenas por falta de oportunidades no mercado de trabalho, mas sim em todas as instâncias da vida. “A discriminação sobre essas meninas que estão sempre à margem acontece pela falta de um olhar mais humano e generoso sobre elas”, declara. Nos últimos cinco anos, foram registrados 29 assassinatos de travestis e transexuais no Maranhão. Em estados como São Paulo e Bahia, os números são ainda mais alarmantes: 228 e 139, respectivamente.

Ponta de um iceberg

O assassinato da travesti Dandara Kataryne, de 42 anos, em março deste ano na cidade de Fortaleza, tomou grande repercussão nos últimos meses. A história reafirma as travestis e trans como uma população que vem sendo dizimada pelo ódio e preconceito. A crueldade da morte de Dandara, que foi agredida com chutes e golpes de pau, e depois assassinada a tiros, gravada em vídeo que circula nas redes sociais, joga luz sobre o combate à transfobia. Em todo o país, grupos LGBT cobram do poder público a aprovação de projetos e políticas sociais que garantam os direitos dessa população marginalizada. O caso também ganhou visibilidade internacional e atraiu para a periferia de Fortaleza equipes de TV e

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de jornais dos Estados Unidos e da Europa. A principal das lutas entre os militantes no Brasil é a criminalização da transfobia e da homofobia. Depois de oito anos em tramitação, o projeto de lei da Câmara dos Deputados (PLC 122/06) que dispõe sobre o tema foi arquivado em 2014, sem conseguir aprovação. O texto define crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero e orientação sexual e encontra resistência, sobretudo, entre parlamentares da bancada religiosa. Esse preconceito faz parte das estruturas sociais, marcados pelo machismo e o patriarcado. Nenhuma medida estruturante que reconheça travestis e trans como sujeitos de direito é tomada. A afirmação foi dada pelo coordenador de projetos do Grupo de Resistência Asa Branca (Grab), Dário Bezerra, em entrevista recente para o jornal Estado de Minas.

em 2013. O documento propõe alterações no Código Penal e vale para prostitutas cisgênero - com a identidade de gênero correspondente ao sexo ou transexuais, mulheres ou homens. Distingue a prostituição da exploração sexual, que é ilegal, pois ambos são marginalizados e não fiscalizados pelas autoridades competentes. É improvável que o projeto seja colocado em votação em breve, devido à composição conservadora do Congresso. A proposta recebe, no entanto, atenção de prostitutas militantes e é combatida por parte do movimento feminista radical.

Lei

Um dos defensores da necessidade de deixar mais clara uma diferença entre prostituição e comercialização de pessoas é o deputado federal Jean Wyllys (PSOL). Em 2012, ele retomou o projeto de lei criado em 2003 em parceria com a Rede Brasileira de Prostitutas, com a finalidade de regulamentar essa prática. O projeto foi batizado de lei Gabriela Leite, em homenagem à prostituta e ativista que morreu 55


O que diz o projeto

• Casas de prostituição Atualmente proibidas, casas de prostituição passariam a ser permitidas, contanto que não se ex• Exploração sexual O projeto de lei estabelece que “a obrigação de ercesse exploração sexual. As prostitutas poderiam prestação de serviço sexual é pessoal e intrans- trabalhar nesses locais como autônomas ou em coferível”. A exploração é vedada. Quem se apropriar operativas. O projeto assegura que as casas de prosde mais do que 50% da renda obtida pela prostitu- tituição, onde há prestação de serviço e condições ta, não pagar pelo serviço, ou obrigar alguém a se de trabalhos dignas, não serão mais punidas. prostituir mediante ameaça ou violência seria con• Aposentadoria especial siderado explorador sexual. A lei também avalia que profissionais do sexo se sujeitam a ‘condições de trabalho aviltantes, sofrem • Rufianismo Atualmente, o rufianismo, mais conhecido como com o envelhecimento precoce e com a falta de cafetinagem, é proibido, ou seja, qualquer um que oportunidades da carreira, que cedo termina’. Por se aproprie de parte da renda de uma prostituta está isso, teriam direito a aposentadoria especial pelo cometendo um crime. Com a mudança na lei, se INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), ou seja, enquadra nesse crime quem realiza exploração sex- obtida após apenas 25 anos de contribuição, dez a ual. Ela é caracterizada pela apropriação de mais de menos do que a aposentadoria regular para mu50% do rendimento de uma prostituta ou facilita o lheres. deslocamento, para dentro ou fora do país, de alguém que pode ser submetido a exploração.

Por que a proposta é controversa?

Parte do movimento feminista no Brasil tem críticas à regulamentação da prostituição. Afirma que liberar o repasse a terceiros de 50% da receita obtida pelas prostitutas é, na prática, legalizar a cafetinagem, que atualmente é crime independente da quantia repassada. A Marcha Mundial das Mulheres também afirma que a lei não traz políticas de assistência para quem vive da prostituição, e não resolveria a vulnerabilidade a que profissionais do sexo estão expostas diariamente. Há ainda uma crítica conceitual à proposta. Para parte do movimento feminista, a normatização da prostituição dialoga com a ideia de que há uma sexualidade masculina irrefreável, que precisa ser saciada. A interpretação é de que a regulamentação trata o consentimento como mercadoria e que ocorre uma “comoditização do consenso”.

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Regulamentação na prática

Simon Hedlin, pesquisador de políticas públicas que foi conselheiro sobre igualdade de gênero do primeiro ministro da Suécia, afirma, em artigo de opinião publicado pela Forbes, que há alguns indícios de que as demandas por serviços sexuais aumentam em países que os regulamentam. O pesquisador exemplifica comparando com países como a Dinamarca. A prostituição foi legalizada no país em 1999 e em 10 anos houve um aumento de 40%. No caso brasileiro, a prostituição já não é ilegal, mas o projeto de lei Gabriela Leite permitiria também casas de prostituição. Para seguir a lei, clientes teriam que identificar locais em que o limite de 50% da renda do programa recolhida por um terceiro fosse respeitado, ou em que as prostitutas se organizassem em cooperativas. Se tal lei não for fiscalizada com cautela, como funciona no país europeu, essa medida seria capaz de facilitar o tráfico humano.

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QUEM A HOMOFOBIA MATOU HOJE? A importância de denunciar a discriminação e a agressão na luta por seus direitos

Por Larissa Martins 58


T

alvez você já tenha ouvido falar que alguém se faz de vítima só por ser gay ou lésbica, por exemplo. Ou até mesmo que merece sofrer ou apanhar na rua pelo mesmo motivo. Talvez já vivenciou uma agressão ou soube de alguma e não denunciou. Essa é a triste realidade do mundo hoje. Pessoas que se escondem ou tem medo de ser quem realmente são, só pelo fato da homofobia ser tratada como normal por tanta gente, e não como um Na maioria dos casos, esses crimes nem são denuncrime, como de fato é, apesar de não existir uma lei ciados ou não é dado o devido valor e atenção. Indo específica para isso. contra isso, uma associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil, intitulada Cássio Bruno, de 27 anos, assumiu ser homossexual Grupo Gay da Bahia, denuncia diversos casos que aos 22 anos. As pessoas a sua volta já sabiam de sua acontecem quase todos os dias no país em um site orientação sexual e, por esse motivo, ele não sentia que leva o nome: “Quem a homofobia matou hoje?”. necessidade de se assumir. Mas, após um problema Milhares de casos já foram relatados, que vão de familiar, Cássio resolveu colocar as coisas em pra- pessoas executadas a tiros a pessoas mortas por tos limpos. Sofreu e, ainda sofre preconceito. Ele asfixia, muitos causam choque pela intensa crueldiz não ligar para nada disso, mas afirma que vive dade. Pode parecer estranho, mas é uma forma de uma luta diária, pois, apesar de seu comportamen- chamar a atenção de todos para algo que tem se torto continuar sendo o mesmo de sempre, o simples nado comum. Além dos relatos, é possível conferir fato de ter se assumido homossexual faz com que registros com os nomes das vítimas por ano, vídeas pessoas o olhem de maneira diferente até mes- os informativos e até um manual de sobrevivência mo quando faz coisas simples, como ir à padaria, com dicas para evitar sofrer violência. por exemplo. Sobre o medo de denunciar a agressão ou discriminação, ele fala: “Somos hostilizados O grupo existe desde 1980, denunciando O grupo em tudo quanto é ambiente. Somos considerados existe desde 1980, denunciando todas as expressões aberrações por muitos e somos minoria para ou- de homofobia (ódio aos homossexuais) e lutando tros. Alguns até riem quando os outros fazem piada contra qualquer forma de preconceito e discrimia nosso respeito. Então vem o medo de se expor, o nação contra gays, lésbicas, travestis e transexuais. medo de ser julgado e até ignorado pela própria fa- Além disso, divulga informações corretas sobre a mília. São muitos motivos. Nossa polícia e política orientação homossexual, com o intuito de construir não nos ajudam e tratam nossa busca por direitos um discurso científico e correto e busca consciencomo uma causa sem importância”. tizar o maior número de homossexuais da necessidade urgente de lutar por seus plenos direitos de ciMuitas vezes o preconceito ultrapassa todos os li- dadania, como está descrito na aba “Quem Somos” mites. No Brasil, 5 denúncias contra violência ho- do site. mofóbica são registradas por dia, segundo o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos No mundo atual, com toda violência que pareDireitos Humanos. E pelo menos uma dessas cinco ce nunca ter fim, poder contar com uma associadenúncias é de quando a homofobia chegou ao seu ção que dedica total apoio ao grupo LGBT até soa extremo, resultando em assassinato. reconfortante. Mas ainda há muito trabalho a ser feito, muitas pessoas para serem conscientizadas, e muito mais gente para dar apoio na batalha por uma lei que trate essas agressões como crime. Não ter medo e não ficar calado são os passos fundamentais nessa luta.

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(Reprodução/Getty Images)

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho E

Por Lorena Erre

m Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, o diretor Daniel Ribeiro desenvolve uma história mais do que comum, a descoberta do primeiro amor, mas com alguns toques especiais: a homossexualidade e a deficiência física. Descendente do curta Eu Não Quero Voltar Sozinho, também do mesmo diretor, onde o clímax era o medo do primeiro beijo, no longa, o debate se amplia para o amor em geral e para as perspectivas de independência do adolescente em crise.

O filme mostra o dia a dia de Leonardo (Guilherme Lobo), um adolescente gay e com deficiência visual completamente inserido na sociedade, estudando em uma escola para adolescentes sem deficiência, indo e voltando para casa com a amiga Giovana (Tess Amorim). No filme não existe o baque da chega60

da do garoto com deficiência visual à escola, nem a descoberta do próprio Leonardo de seu desejo por homens. O roteiro ultrapassa os típicos relatos cinematográficos de autodescoberta para saltar ao próximo passo: a autoafirmação. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho trabalha os conflitos da trama de maneira leve. Os momentos de bullying praticados por um grupo de colegas não abalam muito Leo; as brigas com os pais são passageiras; as discussões com Giovana apresentam uma evidente perspectiva de reconciliação. O universo não é hostil às minorias, pelo contrário, o garoto Gabriel (Fabio Audi), paixão de Leonardo, aparece logo na primeira cena como aluno novo, senta-se atrás dele e o vinculo é instantâneo. A ligação dos dois é suave, sem maldades ou segundas intenções. Este roteiro é romântico,


até ingênuo, em sua preocupação zelosa e paterna de garantir a todo personagem sua devida cota de amor. Nenhuma cena pretende se destacar ou chocar - aliás, fica o aviso para aqueles que se sentem ofendidos com um beijo gay de novela: dificilmente vão encontrar cena mais natural do que o primeiro selinho entre dois garotos. O desejo sexual também é retratado de maneira pudica, com a edição interrompendo a cena no instante certo. Mas não seria justo exigir de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho algo que ele não pretende mostrar. Este não é um filme sociológico ou psicológico e sim um retrato intimista da vida pessoal de qualquer adolescente, independente de gênero ou orientação sexual. Muitos romances gays são pejorativamente chamados de “delicados”, mas aqui o termo se aplica sem conotações negativas. O filme é certamente simples, mas consegue fazer um belo tratado de afetos, sejam eles entre dois garotos, entre um amigo e sua amiga ou entre os pais e os filhos. Há uma coletânea de cenas que mostram o talento da direção para retratar um amor natural e otimista em qualquer âmbito.

O longa é uma ireção de Daniel Ribeiro. (Reprodução/Getty Images)

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de FIgurantes a Protagonistas O crescimento da representação LGBT no cinema. Por João Victor Sousa

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Censura

O

cinema é tido como um espelho da sociedade, logo o conservadorismo impediu o progresso acentuado e por isso os papéis às minorias eram escassos. Em 1829, a presença de dois homens dançando juntos por 17 segundos no filme Dickson Experimental Sound FIlm, causou tanto impacto que gerou a mudança do nome do filme para The Gay Brothers, sendo considerada a primeira aparição de um casal gay no cinema. Hollywood não via problema na demonstração de afeto por pessoas do mesmo sexo, tanto que no filme “Asas” (1927) há uma cena com dois homens se beijando e, mesmo assim, a produção levou o primeiro Oscar de Melhor Filme da história da Academia. Todavia os filmes passaram a estereotipar os membros da comunidade LGBT. Os gays se vestiam de maneira espalhafatosa, tinham penteados estranhos e possuíam a função principal de causar risos no público. Já as lésbicas se vestiam como homens e tinham postura dura e grosseira.

The Dickson Experimental Sound Film (1894)- Edison Studios

A grande crise de 1929 afastou o público do cinema, e para retomar a audiência, a indústria lançava mão de subterfúgios chocantes para a época, como a nudez explícita, a violência e a homoafetividade, a exemplo do filme “O Sinal da Cruz” (1932). Tal atitude gerou uma comoção no conservadorismo, afirmando que os filmes causariam efeitos negativos na sociedade. Assim, a Suprema Corte dos EUA revogou a liberdade de expressão no cinema, gerando a criação de leis (Código de Produção Audiovisual) que barravam filmes que tinham conteúdos considerados impróprios e imorais para a época. Com receio da censura, as grandes produtoras excluíram personagens LBGT’s das películas. Para burlar os vetos, adaptações de livros originalmente com personagens homoafetivos sofriam alterações, como, por exemplo, no caso do filme “Rancor” (1947). O longa foi inspirado no livro “The brick foxhole” que tratava sobre homofobia e antissemitismo. Outra alternativa para escapar dos boicotes, era a utilização dos membros da comunidade LGBT como vilões das histórias. O consagrado Alfred Hitchcook fez uso dessa manobra em alguns filmes, como em “Rebeca, a Mulher Inesquecível” (1940) e “Festim Diabólico” (1948). Após o fim oficioso da censura, os personagens homoafetivos eram descritos como pessoas tristes e melancólicas, como no filme “Infâmia” (1961), que conta a paixão entre duas professoras e uma delas comete suicídio. Durante a maior parte da segunda metade do século XX, a comunidade LGBT só se via representada pelos personagens de produções independentes. Os olhares de Hollywood só se voltaram a este público de maneira minimamente satisfatória, a partir dos anos 90. A preocupação com a disseminação do vírus da Aids gerou um confronto de ideias. De um lado, o conservadorismo extremo que alegava que tais produções colaborariam com o aumento da epidemia, do outro lado, os liberais que viam os filmes como uma ferramenta de desconstrução de preconceitos. Durante a maior parte da segunda metade do século XX, a comunidade LGBT só se via representada

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pelos personagens de produções independentes. Os olhares de Hollywood só se voltaram a este público de maneira minimamente satisfatória, a partir dos anos 90. A preocupação com a disseminação do vírus da Aids gerou um confronto de ideias. De um lado, o conservadorismo extremo que alegava que tais produções colaborariam com o aumento da epidemia, do outro lado, os liberais que viam os filmes como uma ferramenta de desconstrução de preconceitos.

“Rancor” 1947- RKO Radio Pictures

Superado o tabu da presença LGBT nos filmes, o próximo seria a presença de cenas de beijos e sexo entre homoafetivos. As cenas eram exclusividade do Cinema Queer, que tinha o intuito de realizar produções que representassem a comunidade. Superado o tabu da presença LGBT nos filmes, o próximo seria a presença de cenas de beijos e sexo entre homoafetivos. As cenas eram exclusividade do Cinema Queer, que tinha o intuito de realizar produções que representassem a comunidade. Na indústria comercial, o filme com cenas de sexo homoafetivo que alcançou maior sucesso foi “O Segredo de Brokeback Montain” (2005).

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Os trangêneros também têm galgado seu espaço na telona. Os filmes “Transamérica” (2005) e o premiado “Tangerine” (2015) são os principais expoentes dentre as produções comerciais. Os trangêneros também têm galgado seu espaço na telona. Os filmes “Transamérica” (2005) e o premiado “Tangerine” (2015) são os principais expoentes dentre as produções comerciais. Nenhum filme envolvendo a temática LGBT foi

Moonlight: sob a luz do luar

Moonlight: Sob a Luz do Luar- 2016 tão premiado quanto “Moonlight”. O filme narra a história de Chiron, um menino introspectivo, filho de uma mãe viciada em crack cujo paradeiro do pai não se sabe. Quem acaba se tornando sua figura paterna é o traficante do bairro, Juan, vivido pelo impecável Mahershala Ali, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. É improvável, mas afetuosa e verdadeira a relação a que se estabelece entre os dois. E para tornar a vida mais complicada, Chiron sofre bullying dos colegas de escola simplesmente porque talvez seja gay, algo que nem ele entende muito bem ainda o que seja e muito menos sabe se é. Dividido em três etapas (infância, adolescência e fase adulta), Moonlight retrata a partir de uma figura masculina cheia de controversas uma imagem barra-pesada e sem perspectivas de uma Miami com tonalidades fortes e deprimentes, Chiron parece não ter qualquer escapatória a não ser a de se corromper pelo meio em que vive. Todavia, a afetividade discreta que se revela em meio a rispidez da vida, é a válvula de escape encontrada para a redenção ao meio. O roteirista Barry Jenkins encena essa situação com uma intimidade de deixar os nervos à flor da pele, seja por uma troca de carícias à beira-mar, pelas mãos que preparam uma refeição ou pelo uso da música como elemento narrativo, como o jukebox que reproduz “Hello Stranger”, de Barbara Lewis. Em uma existência de ranhuras como a de Chiron, um simples toque humano faz toda a diferença. Indicado a oito estatuetas, Moonlight venceu com Mahershala Ali como melhor ator coadjuvante, melhor roteiro adaptado e levou também o maior prêmio da noite, o de Melhor Filme.


o início do

verdadeiro eu

Em uma sociedade que permeia preconceitos e estereótipos, os transexuais encaram uma luta diária para viverem sua identidade. Por: Samantha Araújo A descoberta da identidade Ao se identificarem com um gênero diferente do que lhes foi concedido no nascimento, os transexuais começam a encarar uma luta para viverem sua identidade. O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais, com um quantitativo de um caso a cada 3 dias, registrado no ano de 2016, de acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB). Dados da União Nacional LGBT apontam que o tempo médio de vida de uma pessoa transgênero

no Brasil é de apenas 35 anos, ao mesmo tempo que a expectativa de vida da população em geral é de 75 anos, de acordo com informações divulgadas em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além do risco de serem vítimas de violência, não contam com uma legislação que as proteja, são excluídas do mercado de trabalho, têm enorme dificuldade para acessar serviços de saúde, são hostilizadas nas escolas, além de sofrerem com a

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incompreensão e a rejeição familiar. Dylan Lucas Machado nasceu em corpo feminino e até seus 17 anos se identificava apenas como lésbica, hoje, com 19 anos, Dylan se assume um homem trans. “Eu sempre fui uma pessoa que vivia dentro de uma bolha e não procurava informação nenhuma. Eu me entendi trans quando vi um amigo meu que se assumiu e vivia me contando as história dele e ali eu vi a minha história. Mas no começo, eu fiquei bem confuso, tinha medo, então procurei saber mais sobre transexualidade e comecei a me entender melhor e me reconhecer”, explica.

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Incompreensão ou preconceito? Casa, sinônimo de segurança e conforto, mas para grande parte da população trans, sinônimo de violência e humilhação. Além de ser vítima de ódio e discriminação, os transgêneros ainda são desconhecidos por grande parte da população. E a falta de conhecimento os impedem de serem tratados de maneira adequada. Do ambiente familiar para as ruas, a homofobia se concretiza de diversas formas: desde comentários ofensivos e xingamentos, até atos de violência física que matam. A incompreensão é a incapacidade de perceber o significado de algo, o preconceito é definido como um sentimento hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal. Em outras palavras, intolerância.

Dylan Lucas declara que quando se assumiu para sua família sofreu rejeição por parte de muitos. “Por ora, eu entendo a parte deles, porque assim como eu estou em transição, a partir do momento que eu me entendi e passei isso adiante, eles também entraram numa transição, não é fácil você que está acostumado com uma coisa e de uma hora pra outra tudo muda. E também, a falta de informação prejudicou bastante. Eu sofri muito no começo. Eu esperava mais aceitação das pessoas mais próximas, principalmente da minha família”, afirma. Em certas situações de incompreensão familiar, Dylan conta que sempre tentava colocar na cabeça que se uma pessoa o ama, uma hora ou outra vai lhe entender e lhe apoiar. “Se aquela pessoa realmente gosta de mim e coisa do tipo, ela vai ficar ali e, independentemente de qualquer coisa, vai procurar me entender. Isso às vezes funcionava e outras não, então resolvi buscar ajuda psicológica”, conta Dylan. Se na vida “real” a transfobia é muito presente, nas redes sociais ela aumenta, por ser bem mais fácil se esconder através de um perfil fake. São inúmeros os casos de usuários ofendidos na internet por sua orientação sexual ou identidade de gênero fora do “padrão” heteronormativo. É recomendado que, a partir do momento em que o trans se assume publicamente, ele passe a fazer tratamento psicológico, pois não é fácil encarar tudo sozinho. A discriminação e a falta de apoio por parte das pessoas tornam os transgêneros um dos grupos mais vulneráveis ao suicídio no mundo. “No começo eu me achava super forte e achava que eu iria aguentar qualquer tipo de pressão, mas depois eu vi que eu não ia aguentar nada, porque já estava guardando coisas demais. Melhor coisa que eu fiz foi ter procurado ajuda a quem entende do assunto. Para os trans ainda em aceitação o que posso dizer é: procure um psicólogo. É fundamental pra todo mundo e principalmente pra quem vai passar por muita coisa ainda. Sabemos que não é nada fácil nessa sociedade. E o mais importante: se aceite, não tem coisa melhor do que você saber quem você realmente é e não ter medo disso”, declara Dylan Lucas.


O corpo é meu A cirurgia de transgenitalização, conhecida como cirurgia de mudança de sexo, pode ser feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2008. O processo é longo e inclui psicólogos e tratamento hormonal. A demora até chegar a cirurgia faz com que trans com maior poder aquisitivo optem pela escolha do tratamento na rede particular. “Comecei pelo SUS mas eu não tenho paciência pra esperar centenas de pessoas na minha frente. Estou aguardando pra começar com a terapia particular e estou muito ansioso, porém eu já fiz alguns exames de sangue e, graças a Deus, eu vim privilegiado com um pouco mais de testosterona”, diz Dylan. A portaria do Ministério da Saúde estabelece que a idade mínima para procedimentos ambulatoriais (tratamento psicológico e hormonal) seja de 18 anos. Para procedimentos cirúrgicos, a idade mínima é de 21 anos. A redesignação de masculino para feminino inclui a amputação do pênis e a construção da neovagina (nome dado ao novo órgão), implante de próteses de silicone nas mamas e redução do pomo de adão para tornar a voz mais aguda. Já quem nasceu com

o fenótipo feminino e se identifica com o masculino, pode ser submetido à retirada dos seios, útero e ovários; cirurgia de cordas vocais e implante de próteses peniana e testiculares. Nos dois casos são feitos o acompanhamento clínico e a terapia hormonal por dois anos antes da cirurgia e um ano no pós-operatório. O amor vence o ódio Em uma sociedade permeada de preconceito e estereótipos, os transexuais acabam marginalizados. Nessa situação, onde conseguem afeto? Enfrentando dia após dia quase sempre sem apoio de parentes ou amigos, os transexuais se deparam com dificuldades em encontrar pessoas que entendam e aceitem sua identidade de gênero. Dylan Lucas Machado, um homem transexual, Ingrid Quesada, uma mulher cisgênero. A amizade virou algo mais. “Ela não reagiu muito bem no começo e isso me abalou bastante, mas tudo não passava de alguém que também vivia numa bolha. No começo, ela fez de tudo pra tentar me entender e eu via esse esforço da parte dela, então deixava ela o mais à vontade possível. Enquanto aos pais, a mãe dela estuda Psicologia e sabe sobre mim também, porém, não me trata como eu realmente sou [um homem], mas sabe, e, inclusive, fala sobre isso com a minha namorada”, conta.

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Ativo com local Para dar uma “variada no cardápio”, muitas pessoas buscam em aplicativos de relacionamento maneiras de conhecer, se envolver ou, até mesmo, algo mais sério. Por: Adriano Soares

A

cada dia o leque de possibilidades das mais variadas funções da internet se abre para os usuários dessa ferramenta, que mudou e continua transformando o mundo. Hoje, aplicativos de relacionamentos mais “apimentados” estão em alta e o público LGBT usa e abusa desse tipo de plataforma. Para dar uma “variada no cardápio”, muitas pessoas buscam em aplicativos de relacionamento maneiras de conhecer, se envolver e, até mesmo, engatar um relacionamento. Mas o que será que elas realmente querem, afinal? Para isso, fomos atrás de um usuário desses serviços a fim de tentar entender um pouco mais como funcionam. Conhecemos o jovem José Vitor Ramos, de 19 anos, estudante do curso de Design. O rapaz conta que começou a usar aplicativos de “pegação”, como são popularmente chamados, logo que começou a se descobrir homossexual. “Lembro até hoje: peguei e procurei ‘aplicativo de homem gay encontros e sexo’, aí, apareceu uma matéria no Google e eu comecei a ler... E nela mostrava os aplicativos, e um deles era o Grindr. Baixei, era cheio de gente mais velha. No início, eu tinha vergonha e medo ao mesmo tempo”, recorda. 68

ou os amente, baix er v o n , á L r. onhec o exterio divertir e c e foi morar n s le e e d , 4 a 1 m 0 r 2 manfo Em ue até hoje lular como q e s c a o o n ss e s p o i v aplicati a o porquê? is. “Conhec r a o g m a , a a o lt lg o a v a a minha alguém par rriso. e aguardam u q e , com um so to ta m e n v o c jo o o h n te te ran izer, né?”, ga Não posso d

Motivos

is por rmas digita fo ta la p s a ass o”, como ch ue utiliza e ã ç q ti r iz u d “c r o a it as um io ou José V Desde apen to mais sér s. n e o v m ti a o n m io c s la vário “Como dize os, a um re v l. ti ia a c c o li s p a lo s u ntar seu círc mam no nhos, aume a aumentar ti r a ta p n o o c s sm o e até m de amiumentar s de hoje: a ento quanto ia d m a s n o n io a c s o la m da diferenç tanto de re l ta ia n c o o c s io m e é meu m z tamb mo as ta. O rapa raçado é co g le n p e m o c “O , s. e” o lo, zad es aplicativ Por exemp ss s. e a e m tr r n e fo s erente existente oisas. rtam de dif exo, essas c o s p , o e ã s ç a s g a e o p . pess aria, mais rio”, afirma ix é a s b is is a a m m , é discreto que o Grindr m pessoas o é algo mais c s r, e e z d e v in s T Já o nda a diversa sempre ma que já saiu a e u m q r fi a iz é les D s Jo licativos. r se um de p e a v a r m a e p s u e o a de conhec ns amig , aquela cois a para algu a o ig ss r e r p a b a a d n foto frio legal aquele conhece. “É onta. e estão s amigos”, c o a r a p r homens qu a s d o d l man fi r e, e sobre o p . “Se pudess o o ic d r a ó n g io te st a e c Qu em é s hoativos, o jov itos homen u m m e T nesses aplic . os. A quanum gráfico d a ia b r u a c h n n e e s o e eu d em im com solteiros, ass cula, pelo menos aqui s o v ti fe a o m inús e onde asados é m o pequena it u m e d tidade de c a . id ca o usuário r ser uma c li o p p x , e ís ”, u o L id o p Sã o rá o corre muit a informaçã


Perigos

O jovem também fala dos perigos do uso e exposição uma pessoa que você queira conhecer ou sair. Você nos aplicativos de relacionamentos. “É difícil saber pode conhecer pessoas maravilhosas, depende de quem está do outro lado da tela. Infelizmente tem como você se porta no aplicativo, sabe? Se você gente que tem a mente muito ruim hoje. Grupos/ quiser sempre sexo, ter fotos chamativas é uma pessoas homofóbicas atacam por esses aplicativos. dica, pois assim as pessoas vão te ver apenas como Mesmo o Tinder sendo conectado pelo Facebook um parceiro sexual. Mas, se você preserva sua ine tudo mais, a gente não conhece a pessoa”, declara timidade, fácil, fácil você consegue alguém bacana”, esclarece o jovem. o rapaz. Sobre uma das situações mais inusitadas, José Vitor Por fim, José Vitor dá algumas recomendações para relembra um caso que enfrentou quando estava na quem pensa em sair com alguém que conheceu nos França. “Eu fui morar lá para estudar e não falava o app’s, como Tinder e, principalmente, Grindr. Para idioma ainda perfeitamente e entendia muito pou- ele, um bom e saudável papo é fundamental para co. Saí com um cara e ele não falava inglês, apenas começar. “Aquele homem que conversa com você, francês. Nos encontramos na estação de trem e ele que é engraçado, que é chato ao mesmo tempo, que estava com um casaco de moletom cinza, com um é direto, safado nas horas certas, que goste de uma capuz na cabeça e óculos, eu ri de nervoso. Estava boa música, de socializar. Porque, mermã, gente que não socializa, hoje em dia, é ‘uó’, então quero igual a Nazaré Tedesco”, conta sorrindo. José faz uma recomendação para quem faz o uso bem longe”, brinca o jovem. dos aplicativos mais “quentes”. “Às vezes, quando o Para ele, questões de higiene também são fundatesão está à flor da pele, mentais na hora H. “Já me nós não queremos saber Às vezes quando o tesão está à flor da deparei com umas peças, não preciso citar aqui, quem é a pessoa, apenas pele, nós não queremos saber quem é que se ela é gostosa e a posição porque tu não vai consexual dela. Falo isso por a pessoa, apenas se ela é gostosa e a seguir ler sem a mão na mim, mas aí, caio na real posição dela. Falo isso por mim, mas aí boca, tentando segurar e penso: cara, quem é que caio na real e penso: cara, quem é que o vômito. Acho que isso tá do outro lado?”, declara. nem preciso falar, né? É tá do outro lado? O rapaz afirma ser muito -José Vitor uma necessidade básica do cuidadoso na hora de ir ser humano. Mas, aqueao encontro com pessoas que conheceu nos aplica- le homem cheirosinho, um bom perfurme, uma tivos. “Tento conhecer ao máximo a pessoa, pegar boa roupa, que se preocupa consigo mesmo, é semo máximo de informações. Nunca vou de imedia- pre bom”, comenta aos risos. to a um encontro na residência ou em lugares que José Vitor é bem resolvido quando o assunto é aplicanão tenham muita gente, sempre marco com meus tivo de “pegação”. No fim da conversa com Plural, o amigos e os amigos dele para sairmos juntos ou algo rapaz faz uma declaração, no mínimo, bem-humordo gênero. Até porque eu gosto muito de conversar, ada. “Lógico que não estou procurando um homem tomar uns drinks e, a partir disso, a gente vai vendo perfeito. Quando quero um só para curtição, tento quem é a pessoa. O sexo é bom, mas eu sinto tesão ver dentro do meu gosto. Bem parrudos, barbudos, por pessoas inteligentes”, garante José. sabe? Parecendo uma árvore, como dizia um amigo meu, os famosos ursos. Gosto de magro, gordo, alto, baixo, gosto de homem, mas se falar merda, Pontos positivos e negativos Embora os aplicativos de relacionamento apresen- for sujo e chato, só faço o sinal de “próximo”. Nem tem perigos, muitos pontos positivos podem ser vou entrar no assunto de ser dotado ou não, porque desfrutados pelos usuários. Para José Vitor, só o fato vamos lá, pênis bem-dotado só é bonito, mas ninde não precisar sair de casa para conhecer alguém, guém gosta, repassem. Corpo sarado, é lindo, mas já é uma vantagem. “Não precisar ir a um lugar tipo também não me atrai muito, cinco minutos depois já me canso”, encerra a conversa. barzinho, boate ou uma festinha para encontrar 69


Gênero

não é diagnosticado A transexualidade é classificada como uma patologia, mas não se trata de uma Por Jadna Lins

O

sentimento de não pertencimento ao sexo biológico é uma realidade que transexuais enfrentam cotidianamente. Muitos percebem esse sentimento logo na sua infância, outros só conseguem compreendê-lo na vida adulta. Primeiro, porque na cultura em que estamos inseridos compreende-se que o sexo biológico precisa ser coerente com o gênero, ou seja, uma menina tem que se comportar como menina, da mesma forma que um menino precisa se comportar tal. E essa não adequação aos parâmetros preestabelecidos fortalece a ideia de patologização da transexualidade. Em todo caso, este é um assunto novo que vem sendo debatido pela psiquiatria e psicologia há cerca de 20 anos. Apesar do avanço nas pesquisas acadêmicas sobre a problematização a respeito dessa patologia, é difícil encontrar informes e produções em veículos de comunicação que abordem o tema. É a partir desse universo acadêmico que transexuais e travestis veem uma forma de adentrar esses espaços e quebrar tabus sociais e culturais com pesquisas que esclareçam todo esse processo transexualizador. Como nos conta a transexual Júlia Rodrigues, graduanda do curso de Hotelaria na Universidade Federal do Maranhão (UFMA): “Ainda é surpresa pra algumas pessoas ver transexuais e travestis nas universidades se graduando, fazendo mestrado, doutorado e assumindo cargos relevantes, ou seja, contrastando com esse imaginário. A prova disso é o crescente número de inscrições no Enem, aumentando o quantitativo dessa comunidade nas universidades de todo o Brasil. Fato esse que vem a corroborar para a desconstrução desse imaginário”. Um imaginário pautado em um pensamento binário, em que gênero e sexo biológico devem estar em coerência.

De volta ao passado

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Os relatos sobre transexualidade remontam a vários períodos históricos, mas somente na metade do século XX torna-se uma doença. Assim, a não adequação ao padrão estabelecido - entendida pela dis


cordância entre sexo e gênero - é vista como um transtorno e compreendida como patologia. O que antes era visto como perversão passou a ser considerada doença por uma sociedade arcaica. A psicóloga e Doutora em saúde coletiva, Daniela Murta, trabalha há quinze anos com essa temática. Em sua dissertação de mestrado, intitulada “A psiquiatrização da transexualidade: análises dos efeitos do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero nas práticas de saúde”, ela explica que a classificação da transexualidade como doença parte da necessidade de formalizar a assistência a pessoas que possuem a demanda por motivação corporal. Com isso, em 1997 o Conselho Federal de Medicina aprova uma resolução que autoriza a realização de cirurgias de transgenitalização em pacientes transexuais no Brasil. “Na primeira metade do século XX, você tem uma mudança na concepção de sexo e gênero, na verdade, sexo e gênero passam a ser coisas separadas. Existe uma ideia de que o gênero não vai poder ser modificado, mas que o sexo sim”, afirma Murta. A partir dos conhecimentos sobre os hormônios e dos desenvolvimentos de algumas técnicas cirúrgicas, as pessoas trans começam a apresentar essa demanda.

Transexualidade enquanto patologia

Em 1980, ela adentra ao catálogo de doenças do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) – que serve como um guia na classificação de transtornos psiquiátricos – e ingressa na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde – um sistema de codificação alfanumérica –, em 1992. Contudo,

a psicóloga Daniela Murta defende que não se trata de um diagnóstico, mas sim de uma assistência resultante da necessidade de um protocolo. Com isso, a quarta edição do DSM retira o termo transexualismo e adota o termo Transtorno de Identidade de Gênero. No DSM-V, sua versão mais atualizada, considera-se disforia de gênero. “A disforia é a ideia de que você tem um sofrimento em função da incongruência entre o seu sexo biológico e a sua identidade”, explica Daniela Murta. Contudo, é importante entender que por mais que seja classificada como patologia não se trata de uma. Essa interpretação patologizada das experiências trans está relacionada a uma concepção cultural. Atualmente, existe um movimento mundial conhecido como Stop trans pathologization que luta para que a transexualidade comece a ser vista como uma das múltiplas possibilidades da vida humana e para de ser compreendida como uma patologia psiquiátrica. Sendo assim, não existe diagnóstico. Segundo Murta, no Brasil, a orientação do Conselho Federal de Psiquiatria é que os psicólogos prestem uma assistência psicossocial nos casos em que haja a persistência da sensação de inadequação e o horror ao corpo, que é o desejo de mutilar suas próprias genitais. Em linhas gerais, esse sofrimento é um reflexo do preconceito enfrentado por pessoas trans todos os dias. “Se você for parar pra pensar, é um sentimento produzido pela sociedade que entende que nós devemos ser coerente”, reforça a especialista. É essa transfobia que fazem as pessoas sentiremse violadas e, nesse sentido, podem desenvolver algum transtorno.

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Racismo

x homofobia Reflexos de uma realidade Por: Adriano Soares

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éculo XXI. Se pararmos para pensar em todos os avanços que o ser humano conquistou até hoje, seria quase impossível viver sem muitas coisas que cercam a sociedade global atual e que, consequentemente, impactarão as futuras gerações. O ser humano é dotado de conhecimento e inteligência e, a cada dia, se reinventa, se transforma e modifica o mundo em que vive. Essas transformações têm reflexo nas mais diversas áreas, inclusive na social. De lá para cá muita coisa mudou. Mas o preconceito, este ainda permanece. A discriminação contra pessoas negras é uma delas. Ainda hoje, há pessoas que as enxergam com um ar de inferioridade, menosprezo e indiferença. Imagina uma pessoa negra e fora da heteronormatividade, o preconceito se multiplica. A desigualdade, o preconceito e a intolerância ainda rodeiam a sociedade atual. Muitos são vítimas de um desses fatores que, lamentavelmente, são corriqueiros em todos os lugares. Centenas de homossexuais, travestis e transexuais morrem a cada dia no Brasil. De acordo com dados de uma pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), no ano de 2016 foram registradas 347 mortes na população LGBT, sendo considerado o ano com maior número de assassinatos. Esta é uma realidade que precisa de soluções imediatas. Contudo, felizmente, existem os que conseguem contornar essa situação e mostram, a cada dia, sua força e seu empoderamento. Um exemplo disso é o DJ maranhense Erick Duarte, de 25 anos, mais conhecido nas pistas como Only Fuego. Negro e homossexual, o rapaz relata que mesmo com toda a luta e todos os direitos já conquistados, ainda

existe um preconceito muito grande, até mesmo no meio profissional. “Às vezes a gente nem sabe como reagir e a única maneira que eu vejo de mudar isso é mostrando quem eu sou através do meu trabalho”, afirma o jovem. Muito conhecido em São Luís do Maranhão, Only Fuego, como prefere ser chamado, afirma que a luta por igualdade não pode e nem deve parar, pois o fim do preconceito ainda está longe de chegar. Tocando em muitas festas da capital maranhense, Erick relata que nesses lugares ainda percebe alguns olhares de recriminação. “Geralmente, quando eu vou tocar em lugares/festas hétero é o que mais rola. Aí, depois eu subo no palco e mostro o que posso fazer, as piadinhas e olhares acabam”, garante o DJ. Mesmo com toda a coragem e força que Fuego tem quando o assunto é preconceito, ele diz que por vezes já se pegou pensando em sair correndo e chorar pelas situações tão difíceis que já passou. “Com relação a mim e ao meu ambiente de trabalho, acho que tem diminuído o número de piadinhas e olhares com um tom de preconceito. Mas, tem tanta gente que passa por isso todos os dias. É super traumático e constrangedor”, afirma o artista. Como recado às pessoas preconceituosas, ignorantes e intolerantes, Only Fuego, indignado, afirma que falaria uma “legião de palavrões”. “Eu não admito esse tipo de coisa”, diz. E para aqueles e aquelas que sofrem de opressão, o DJ deixa uma mensagem. “Sejam fortes, não chorem. Essas pessoas não merecem as suas lágrimas. Lutem contra isso diariamente”, finaliza.

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O DIREITO DE TER

DIREITO

A luta por leis que assegurem os direitos da população LGBT

Por Jadna Lins

Você é livre para fazer o que quiser”, quantas vezes muitos de nós nos deparamos com frases como essa? Em outros casos: “Nós temos direito a igualdade”. Pensar na liberdade e na igualdade é incluir todas as minorias dentro desse pensamento e tentar encaixar todo mundo no mesmo nível, aquele nível em que todos se respeitam independentemente de cor, etnia, situação social, religião, orientação sexual e identidade de gênero. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), reconhece em cada indivíduo o direito à liberdade e à dignidade. O advogado, membro do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADVS), Thiago Viana, esclarece: “Uma das expressões do direito à liberdade é o livre desenvolvimento da personalidade, ou seja, o direito de cada pessoa livremente desenvolver seus traços de personalidade e fazer suas escolhas de modelo de vida, desde que não prejudique terceiros, sem intervenção indevida do Estado ou da sociedade nesse processo”. Por mais que seja assegurado por lei como direito de todo cidadão, quando se refere a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, a liberdade se torna algo questionável. E a motivação dessa violação de direitos tem nome certo: D I S C R I M I N A Ç Ã O. Kassiano Monteles, 18 anos, acadêmico de Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), relata que já passou por situações bem complicadas por ser homossexual. A primeira

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vez foi com sua própria mãe que, após descobrir sobre sua orientação sexual o isolou do mundo, proibindo-o de ver seus amigos. “No começo foi horrível, eu tinha muitas crises de ansiedades, mas comecei a me impor e não deixar que minha família ditasse as regras. Essa revolução que fiz foi processual, mas hoje eu e minha mãe temos um relacionamento melhor”, desabafa. “Ser livre, pra mim, é ser respeitado não só em casa, mas também no dia a dia”, complementa. No Brasil, em 2010, foi aprovada a lei de nº 7.388 que dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT (CNCD), que tem por finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental em esfera nacional, voltadas para a promoção e defesa dos direitos da população LGBT. Apesar dos avanços e das vitórias obtidas no decorrer dos anos, o país ainda vivencia um cenário de violência que só tem crescido. “Todos os dias nossos direitos são violados, quando a gente sai na rua, às vezes somos vítimas de piadas, ofensas pelo nosso jeito de andar e de falar.

A LGBTfobia ataca não só com violências físicas, mas também verbais. E isso acontece pela falta de diálogo, as pessoas estão amarradas em seus julgamentos e não compreendem o que é ser gay, ser lésbica, ser trans. Não é algo de outro planeta! Isso tem que ser discutido dentro das escolas e a educação é fundamental para combater a LGBTfobia”, em desabafo, alerta o conselheiro municipal de juventude militante LGBT, Jefferson Maranhão. A LGBTfobia consiste em uma forma preconceituosa e discriminatória de violação contra LGBT’s, privando direitos fundamentais dessa população. Segundo os últimos dados do relatório de violência contra LGBT, disponibilizado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos do Brasil, no ano de 2013 foram registradas pelo Disque Direitos Humanos (Disque 100), 1.695 denúncias de 3.398 violações, envolvendo 1.906 vítimas e 2.461 suspeitos”, fora os casos não notificados. Uma realidade que choca quando voltamos ao ponto inicial da matéria: “E a liberdade?”. A Constituição Federal completará 30 anos e, infelizmente, nunca foi aprovada uma legislação

Ser livre, pra mim, é ser respeitado não só em casa, mas também no dia a dia”

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especifica para a população LGBT. A não aprovação é motivada por LGBTfobia dentro do próprio Congresso Nacional. “Embora outras minorias tenham conquistado legislações especificas, tais como criança e adolescente, pessoa idosa, pessoas com deficiência, mulheres e até torcedores de esportes. A população LGBT ainda não possui uma. Isso denuncia o descaso em relação às pessoas LGBTI”, lamenta o membro do GADVS, Thiago Viana. Júlia Rodrigues, graduanda do curso de Hotelaria da UFMA, foi a primeira mulher trans a conseguir o direito ao nome social e a retificação do registro civil, com base na resolução 242. Embora ela concorde com a necessidade de uma legislação específica, Júlia conta qual seria a maior conquista para a comunidade

LGBT: “Não precisarmos de termos, resoluções, pareceres etc., para termos nossos direitos respeitados, ou melhor, para que qualquer pessoa tenha seus direitos respeitados”. O ideal de felicidade que a estudante busca, enquanto uma mulher trans, é que seja assegurada a igualdade de oportunidades. “Que todas as minhas irmãs e irmãos tenham os direitos que qualquer pessoa deveria ter. Esse é o maior objetivo a ser alcançado”, declara. De acordo com a lei estadual de nº 8.444, datada de 31 de julho de 2006, está sob punições toda prática discriminatória em virtude de orientação sexual. Estabelece no art. 1° a aplicação de penalidades a toda e qualquer manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra qualquer cidadão em virtude de sua orientação sexual, no âmbito do estado do Maranhão. No inciso 8 do artigo 2°, considera atentatório e discriminatórios aos direitos individuais e coletivos dos cidadãos homossexuais, bissexu-

ais ou transgênero a tentativa de proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos. Kassiano relata que já passou por vários constrangimentos por demostrar afetividade a uma pessoa do mesmo sexo. “Uma vez eu estava com um garoto no terminal da Praia Grande e nós estávamos abraçados e nos beijando. Quase todo mundo ficava encarando a gente como se fôssemos seres de marte, que era no mínimo constrangedor”, conta. Relatos como esse comprovam o preconceito que LGBT’s enfrentam todos os dias e que, em casos de discriminação, devem ser denunciados. Segundo o advogado, denunciar um caso de violação aos direitos dessa população é essencial. “Primeiramente, registrar um boletim de ocorrência e procurar o Conselho Estadual LGBT, o Núcleo da Mulher e População LGBT da Defensoria Pública estadual, a Comissão de Diversidade Sexual da OAB ou o Núcleo LGBT do Ministério Público estadual”, instrui.


Leis que ainda tramitam A hora da união

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oje no país, de modo geral, existem projetos que asseguram os direitos de LGBT’s, constituindo um passo de uma longa caminhada. O projeto de lei prevendo o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo ainda aguarda aprovação. O que se tem, atualmente, é uma decisão do Supremo Tribunal Federal e uma resolução do Conselho Nacional de Justiça que garante o direito à união estável e ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, decisão advinda da falta de vontade política do Congresso Nacional em garantir tais direitos a essas pessoas. O procedimento para o casamento se dá da seguinte maneira, segundo o advogado Thiago: “Começa com o pedido do casal no cartório de registro civil, onde será analisado os documentos e verificado se não existe algum obstáculo legal para a união. Após essa fase, o oficial afixa os chamados proclamas do casamento em local de fácil acesso do cartório, além de publicar na imprensa local para conhecimento público e, caso não haja empecilho, em 15 dias sai a aprovação e em até 90 dias corridos os noivos estarão aptos para casar”.

Em busca do reconhecimento da identidade de gênero

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Lei João W. Nery, PL 5002/2013, proposta pelos deputados Jean Wyllys e Érika Kokay, é uma lei que dispõe o direito a identidade de gênero. Mas, que ainda tem um longo caminho pela frente. Segundo o advogado, precisa ser aprovada pela Câmera dos Deputados e pelo Senado para, assim, ser sancionada pela presidência da República. Porém, encarar a bancada evangélica torna qualquer projeto pró-LGBT dificultoso. “O PL João Nery se inspira na lei argentina de identidade de gênero, uma das mais avançadas do mundo. Garante às pessoas trans o direito ao livre desenvolvimento e reconhecimento de sua identidade de gênero, a partir do momento de sua identificação, o que é louvável, sem a necessidade de

realização de uma cirurgia de resignação sexual”, resume o especialista. A luta pelo reconhecimento, respeito, compreensão, liberdade e igualdade é constante por militantes, simpatizantes e LGBT’s. Causas como o Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006, que já foi arquivada no debate sobre o projeto de código penal, visa criminalizar a discriminação motivada pela orientação sexual ou identidade de gênero, ao qual alteraria a lei do racismo, passando a incluir essa discriminação no parâmetro legal. Acrescenta-se, também, o PL n° 2.285/2007, que diz respeito ao estatuto da família. Esses projetos são considerados os mais significativos a serem alcançados para garantias de direito da população LGBT.

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Que liberdade nos define? Por Leonardo Azevedo

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empre me convenci e, me confortei por isso, em acreditar que habitualmente conheço bem as pessoas que vivem ao meu redor. Claro, por que deveria desconfiar? Sei por qual time meu pai torce, quando o Flamengo já não tem chances no Brasileirão, que minha mãe tá cansada quando pede para eu colocar sua comida, o que os meus irmãos não gostariam de ganhar no Natal e, sei até o que não levar pra casa da minha amiga no domingo de manhã, quando eu e mais alguns da época do colegial marcamos sem ela saber, um almoço em seu apartamento. Eu nunca erro na escolha.Mas essa crença hoje falhou. Não era nenhuma ocasião especial e confesso que se fosse, talvez não teria ficado tão surpreso, talvez não constataria que não é possível conhecer alguém pelos emojis, como geralmente acho quando converso com eles em grupos de aplicativos de mensagens. Que dessa forma, não dá pra notar seus medos, angústias e desejos. Nós três apenas conversamos, conversamos como nunca havíamos conversado. Sempre me convenci e, me confortei por isso, em acreditar que habitualmente conheço bem as pessoas que vivem ao meu redor. Claro, por que deveria desconfiar? Sei por qual time meu pai torce, quando o Flamengo já não tem chances no Brasileirão, que minha mãe tá cansada quando pede para eu colocar sua comida, o que os meus irmãos não gostariam de ganhar no Natal e, sei até o que não levar pra casa da minha amiga no domingo de manhã, quando eu e mais alguns da época do colegial marcamos sem ela saber, um almoço em seu apartamento. Eu nunca erro na escolha. Mas essa crença hoje falhou. Não era nenhuma ocasião especial e confesso que se fosse, talvez não teria ficado tão surpreso, talvez não constataria que não é possível conhecer alguém pelos emojis, como geralmente acho quando converso com eles em grupos de aplicativos de mensagens. Que dessa forma, não dá pra notar seus medos, angústias e desejos. Nós três apenas conversamos, conversamos como nunca havíamos conversado. Foi assim que soube que, quando alguém entra no assunto, eles sempre preferem começar dizendo que nada disso é uma escolha, que desde sempre eles eram aquelas crianças que, literalmente, se você olhasse, você sabia! Mas, ainda assim, eles tentam entender o que há na cabeça dos pais, afirmando que eles gostam de criar algumas utopias. Como a de que todo garoto tem que nascer e desejar uma mulher. Vou parar de reproduzir o que disseram, eles podem falar agora. “Foi no primeiro ano da faculdade, eu estava comendo na sala de jantar e eu e minha mãe estávamos discutindo e o meu pai o tempo todo calado, aí eu falei. Ela ficou louca e começou a gritar, mas quando vieram os xingamentos eu fui pro quarto e me tranquei. Depois meu pai entrou, fechou a porta e ficou em silêncio, eu comecei a chorar sozinho, foi quando ele disse: tu não precisa chorar”. “No final da conversa foi cada um pro seu canto e ficou aquele climão, depois disso, por sorte, não demorou muito nessa situação... Eu pensei tanta coisa, passou até pela minha cabeça ser expulso de casa. Em menos de uma semana a situação já estava normal. Pra dizer a verdade, eu achei até melhor porque antes eu escutava muito comentário homofóbico quando passava alguma coisa [de homossexual] na TV. Hoje em

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dia, às vezes papai vê alguma coisa de gay na televisão e eu sinto que a boca tá coçando pra fazer algum comentário, mas ele acaba guardando pra ele”. “Hoje eu posso dizer que não tenho barreira nenhuma lá dentro de casa, e eu sou uma pessoa audaciosa, porque eu não tenho papas na língua pra falar de assunto nenhum, mas isto não é algo que eu fale tanto com eles. Eu não sou aberto com eles em relação a isso, mas eu também não escondo, por exemplo, que eu estou há cinco meses saindo com uma pessoa, mas nunca cheguei e falei: estou há cinco meses com alguém. Mas, todas as vezes que estou saindo, ou que ele vai lá em casa me buscar, deixar ou quando me liga, eu falo que estou com ele sem problema nenhum”. Em relação à sociedade: “Parece que a cada dia [as coisas estão] piorando. Eu já passei por situações que a própria sociedade tenta mascarar e, por isso não tenho como provar que passei. Fora os olhares que nós recebemos em todo lugar e a toda hora. A gente não pode ter uma conversa natural e falar sobre o garoto que a gente tá saindo que as pessoas vão começar a olhar de cara feia. Mas cara feia não dói ou machuca. Já na família tem comentários que doem bastante tu ouvir, porque são pessoas ali próximas de você”. “Ainda são muitas as barreiras, por exemplo: eu namoro e queria ter a liberdade que um hétero tem de sair na rua de mãos dadas, poder beijar sem encarar o preconceito. Eu não me sinto nem um pouco confortável em fazer isso, de segurar na mão ou de dar um selinho. Sinto medo de sofrer agressão verbal, física ou quem sabe nem voltar vivo pra casa”. Os relatos acima são trechos de uma conversa informal que tive com dois amigos gays que não quiseram ter suas identidades reveladas, pessoas que julgava conhecer minimamente pelo pouco tempo de convivência, ou pela rapidez de mensagens curtas e instantâneas, mas não. Não conhecia seus medos, suas angústias e seus desejos. Pessoas que apesar de diferentes, carregam as mesmas histórias, que querem o que qualquer outra pessoa já tem: liberdade. Liberdade pra viver sem limites, sem rótulos, sem modelos. O que pode ser mais essencial do que não ter limites? E não pode haver limites para romper barreiras físicas ou psicológicas, talvez seja isso o que realmente falta, ultrapassar a margem do que nos é habitual e conhecer melhor o que também não é diferente. Hoje fiz isso com uma simples conversa. E no fim dela lembrei de Beauvoir, que aqui quero somente como filósofa e existencialista, porque só ela para nos empoderar e dizer: “Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que viver é ser livre. Porque alguém disse e eu concordo que o tempo cura, que a mágoa passa, que decepção não mata. E que a vida sempre, sempre continua”. Avante!

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