#56 , DEZEMBRO , 11 , ANO 6
NÃO TEM PREÇO
REVISTA
BRASIL EDIÇÃO
PAÍS DO FUTURO RENÊ SILVA É EMPREENDEDOR SOCIAL DE SUCESSO E CRIADOR DO VOZ DA COMUNIDADE, IMPORTANTE CANAL DE COMUNICAÇÃO NOS MORROS CARIOCAS. ELE SÓ TEM 18 ANOS. E NÃO VAI PARAR POR AQUI
Amigo de São Pedro
Entidade usa espírito do cacique Cobra Coral para espantar chuva
Notícias do front
Relatos de três pracinhas que lutaram na Segunda Guerra Mundial
E mais: .Snowboard em
Jackson Hole .Passaportes brasileiros .Ragga Summer Fashion
Floresta babilônica On the road na Amazônia que não é mais virgem
f a c e b o o k . c o m / q u i k s i lv e r b r
O espírito olímpico invade sua nOite. Está definido seu circuito de corrida de rua em Belo Horizonte.
04 de fevereiro etapa oceania
5 10
km
14 de abril etapa ásia
11 de agosto etapa américa
inscrEva-sE
ragganightrun.com.br
10 de novembro etapa europa
realização
BÚSSOLA
20
Tá frio Teca Lobato e cia chega ao Oeste americano com o Ehlas na Neve
26
Guerra e paz A inesquecível Guerra Mundial relembrada por três pracinhas
32
Olha a chuva! O espírito indígena que interfere na previsão do tempo
37
Além da passarela Resumo do Ragga Summer Fashion: moda, música e arte
68
Filhos deste solo Retratos e histórias da nacionalidade mais misturada do mundo
76
No Complexo do Alemão Com jornalismo e consciência social, Renê Silva muda a rotina dos morros cariocas
já é de casa
12 48
DESTRINCHANDO
RAGGA GIRL , Fernanda Fernandes
QUEM É RAGGA
EU QUERO , Ano Novo
ON THE ROAD , Amazônia
50
ESTILO , Paulo Borges
64 66
56
EDITORIAL
Que país é este? mos por outro lado, muito do que nos gabar. Ainda levando em consideração a fiel fotografia de um povo, provavelmente não se encontre tanta riqueza cultural, gastronômica e natural em nenhum outro álbum mundo afora. E estamos aprendendo aos poucos a perceber e valorizar cada vez mais esses nossos valores positivos. Taí o Neymar, que não me deixa mentir. Apesar de ser bem fácil escolher ficar por aqui, quando se está cercado de amigos, mulheres, mimos e alguns milhares de reais na conta, não deixa de ser um símbolo inclusive econômico, de que aos poucos estamos conseguindo também ser bons de conta. Sim, deixa o menino aqui, a gente paga! E se tem uma metáfora, ou simbolismo que funciona por aqui é o tal do futebol. Quem sabe assim, não aprendemos um dia a encher o peito e tirar onda por dirigir um carro exportado? Não há dúvidas: somos um país contraditório, tão rico e tão pobre, tão fértil e tão podre, tão esperto e tão burro, tão grande e tão inseguro. Mas, afinal de contas, assim são os jovens e o Brasil é um deles, e se até ontem a maturidade era um porto seguro cheio de verdades e certezas, a Europa começa a nos deixar em dúvidas. Vale pensar no fato de que se ninguém é perfeito individualmente, como uma nação haveria de ser? E se é um grande mérito saber rir de si mesmo, então, nesse ponto estamos indo muito bem... Boa leitura. Lucas Fonda — Diretor Geral lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br
B RUNO SENNA
Um caldeirão étnico. Assim poderia ser definido o Brasil. E, provavelmente, por ser composto por tamanha diversidade, consiga ser tão único. Gosto sempre de pensar em proporções. E levando essa mania em consideração, só aqui na Ragga, temos descendentes diretos de mexicanos, libaneses, alemães, eslovenos, italianos, portugueses e gregos e somos pouco mais do que 20 pessoas. Faça agora a proporção para um país com cento e noventa milhões de habitantes. Certamente, não ficará nenhum continente de fora dessa mistura. Quem sabe não seja exatamente por isso que não sejamos tão fiéis e defensores de ideais de defesa da nossa pátria. Não que isso seja positivo ou negativo, muito menos que deveria ser uma regra dependurar nossa bandeira verde e amarela nas portas de nossas casas ou se matar por uma medalha de honra ao mérito. Acho apenas curioso, pois parece realmente que somos uma nação de tantas identidades que acabamos ficando sem nenhuma. Afinal, um país não é nada mais nada menos do que o retrato fiel de seu povo. Se o patriotismo não é o nosso forte, te-
CAIXA DE ENTRADA
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Romário, a entrevista que não foi Fomos até o gabinete do ex-jogador e deputado federal em Brasília, mas o “Baixinho” não nos atendeu. Leia sobre as dificuldades dessa entrevista no Blog da Redação.
Sim, nós temos talentos! Aproveitando que o tema da última edição da revista foi talento, decidimos mostrar toda a versatilidade da galera da Ragga em um divertido vídeo no nosso canal do YouTube.
SCRAP por Alex Capella
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/ Novo visual / Primeira vodka produzida no Brasil, a Orloff colocou no mercado um novo modelo de garrafa, com shape cilíndrico com base oval. A águia, símbolo da marca, também foi reestilizada e o rótulo e o contra-rótulo contam com grafismos que interagem entre si, trazendo dinamismo maior para a embalagem, com predominância do preto em contraste com o vermelho. A intenção da empresa é interagir com a nova geração de consumidores, a partir da nova embalagem.
REVISÃO DE TEXTO vigilantes do texto IMPRESSÃO rona editora REVISTA DIGITAL [revistaragga.com.br/digital] REDAÇÃO rua do ouro, 136/ 7º andar. serra cep 30220-000. bh. mg. 55 (31) 3225 4400
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Dê uma chance ao Tecnobrega Nós damos bons motivos para você começar a ouvir esse novo tipo de ritmo brasileiro que mistura batidas folclóricas, bregas e pops com as bases da música eletrônica.
fale com ele: alexcapella.mg@diariosassociados.com.br *A coluna Scrap S/A foi fechada no dia 20 de setembro. Sugestões e informações para a edição de novembro, favor entre em contato pelo e-mail da coluna.
/ Joia rara / A designer de joias Raquel Braga acaba de abrir as portas de seu novo atelier, no Bairro Carmo Sion, na Região Sul de Belo Horizonte. A marca se consolida pela exclusividade dos brincos, colares, anéis, pulseiras e peças para noivas, desenvolvendo trabalhos também para outras lojas como a Closet 15, NEO e Voglia. A partir do novo ponto, que conta com a coleção LOVE IT, inspirada nas pessoas e nos sentimentos cotidianos, a marca prepara uma loja virtual para atender os pedidos de todo o Brasil e até mesmo do exterior.
/ Todos por uma / Com a campanha intitulada “Um por todos. Todos por uma”, a Ambev reforça o posicionamento da Skol para o próximo verão. Batizado de “Terremoto”, o filme, criado pela F/Nazca S&S, mostra com bom-humor os valores que são apontados como os pontos fortes da marca: a amizade, o companheirismo e a irreverência. Terremoto segue a mesma linha dos demais filmes da campanha: situações inusitadas, mostrando que a Skol faz parte da galera e está sempre junto nos melhores momentos da vida.
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ARTIGO
COMPLICADA E PERFEITINHA “Sem discurso nem requerimento, Leila Diniz soltou as mulheres de vinte anos presas ao tronco de uma especial escravidão.” Carlos Drummond de Andrade
POR LUCAS MACHADO ILUSTRAÇÃO ESTÚDIO LOS ANGULOS
Sempre quis escrever sobre Leila Diniz. Porém, toda vez que lia e ouvia suas histórias, havia muitas controvérsias. Carioca de Niterói, Leila sempre foi uma personalidade libertária, a medida certa da rebeldia e transgressão. Em um aniversário de um amigo no Rio de Janeiro, num condomínio na subida da Pedra da Gávea, fui apresentado a um parente dela. Apesar de hoje ser um grande amigo, vou preferir preservar a fonte. Pensei comigo: chegou a hora de saber os verdadeiros segredos dessa grande artista e musa brasileira. Começamos falando sobre futebol, e já de cara ele me disse que era flamenguista doente, contou histórias bastante curiosas, afinal de contas, ele viveu as épocas áureas do “legalize total” na Cidade Maravilhosa. Antes de começar o interrogatório, quis me mostrar mais simpático. Afinal, cada um tem sua forma de lidar com suas fontes. Acabei dizendo que tinha uma enorme afinidade com o Flamengo, aquela coisa literária de “como fazer amigos e influenciar pessoas”. Leila Diniz foi uma carioca da gema, revolucionária, espontânea e, sobretudo, muito autêntica e livre. Entre uma prosa e outra, o tal parente me confirmou várias coisas que eu já havia lido e ouvido sobre a atriz. Ela foi o resultado final de uma linhagem de mulheres que, nos anos 1940 e 1950, lutaram pela sua independência, foram à frente em relação à moral vigente e quebraram tabus. Já havia muito de Leila em Liliane Lacerda de Menezes, Marília Kranz, Tonia Carrero e Danuza Leão. E mesmo entre as contemporâneas nos anos 1960, ela nunca esteve sozinha: tínhamos Betty Faria, Ana Maria Magalhães, Marieta Severo — depois disso, um ninho de embriões de Leilas que surgiram. Aos 14 anos, ela já saía de casa e tinha amigos mais velhos. Aos 17, acompanhada do amigo Antônio Carlos Jobim, no local chamado Faroeste, no posto 6 de Ipanema, a que os
boêmios recorriam depois que todos os botecos fechavam na cidade, conheceu o ator e cineasta Domingos de Oliveira, seu primeiro namorado e futuro marido. Pouco tempo depois, Leila juntou suas trouxas e casou-se com Domingos. Ao final do casamento, que durou entre 1962 e 1965, ele escreveu e dirigiu Todas as mulheres do mundo, que conta um pouco do relacionamento dos dois, interpretados pela própria Leila e pelo autor Paulo José. A partir daí, a atriz começou a ser conhecida, ficou famosa e fez carreira no cinema, no teatro e na televisão. Leila roletou de moto por todos os cantos do Rio, teve vários namorados, todos conquistados com facilidade — ela só foi rejeitada por uma pessoa pela qual se interessou: Roberto Carlos. A atriz protagonizou dois momentos marcantes. O primeiro quando foi fotografada, em 1971, de biquíni na praia, grávida de seis meses. A foto, publicada nos grandes jornais, chocou o Brasil inteiro, as grandes massas nunca tinham visto isso — na época, as grávidas tinham costume de usar uma bata costurada acima do biquíni ou o bom e velho maiozão. O segundo aconteceu em novembro de 1969, sua entrevista para o número 22 do jornal O Pasquim deu o que falar. O jornal, por mais liberal, bem-humorado e soco na cara que fosse, não podia soltar uma entrevista com 72 palavrões. Então, o jornalista teve que trocá-los por piadas e asteriscos. A entrevista quase rendeu a Leila uma prisão pelos militares e a perda do contrato com a Globo. Leila deixou um legado que só depois de tantos anos estamos vendo coisa parecida. Imagine o que ela já causava há 40 anos, tempos de ditadura militar e repressão, defendendo o amor livre e o prazer sexual da mulher. A atriz morreu em um acidente aéreo em junho de 1972, aos 27 anos, no auge de sua carreira. Quebrando tabus e questionando o senso comum, Leila Diniz deixou-se julgar por um país inteiro para que ninguém mais fosse julgado.
Leila teve vários namorados, todos conquistados com facilidade — ela só foi rejeitada por uma pessoa pela qual se interessou: Roberto Carlos
J.C. manifestações: articulista.mg@diariosassociados.com.br | Twitter: @lucasmachado1 | Comunidade Orkut: Destrinchando | facebook.com/lucastmachado ,12
ILUSTRADOR CONVIDADO
Estúdio Los angulos
[www.losangulos.com.br] Com gostos e influências opostas, Lud fernandes e Gabriele (Bigabi) compõem o Estúdio Los angulos. Com a fusão dos dois caminhos opostos e criativos, surge uma linguagem autoral que intriga e acalma olhares. contato@losangulos.com.br flickr.com/photos/bigabii ludfernandes.carbonmade.com
Quer rabiscar a Ragga? Mande seu portfólio para annepattrice.mg@diariosassociados.com.br
Facebook.com/OakleyBrasil
Venice, CA
Inspirada nas praias, ruas e nas pessoas que vivem esta vida diariamente.
CALIFORNIA CULTURE COLLECTION
COLUNA ,reflexões reflexivas do twitter
RENATO STOCKLER
Pornôs belgas, sexo e oração
< RAFINHA BASTOS >
estúdio los angulos
é jornalista e ator de comédia stand-up
Eu tenho coração, ok? Acabei de chorar vendo um filme lindo. #Exterminador DoFuturo2
Se quando disseram que eu ficaria preso, se referiam ao meu intestino... estavam certos. Tá foda!
Momento fresco: obrigado pelas muitas msgs carinhosas que vcs têm me enviado nos últimos dias. E quando digo “muitas”, digo 4. Mas tá valendo.
Passei na frente do Outback. Engordei 6 quilos.
98% do que os sites de fofoca publicam são merdas mentirosas, 2% são bostas inventadas.
Só eu notei que o Justin Bieber está cada dia mais parecido com a Maria Gadú? Não se fazem mais pornôs belgas como antigamente.
Um testículo à mostra está super out neste verão. #DicaFashion
Saia da rotina, amigo. Surpreenda sua mulher na cama. Não peça sexo, peça uma oração. Jesus voltará só p/ dizer: “Sabe aquele moço de terno que pegou o seu $ em meu nome? Então... nem conheço”.
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fale com ele: rafinhabastos.mg@diariosassociados.com.br
Peidar alto na cama e dizer: “Opa!”. Sinal de amor.
Três processos. Posso pedir música, Fantástico?
Na boa, ñ existe vaca amarela. E mesmo que exista, ñ tem sentido no mundo p/ ela cagar numa panela. Discutam. Não exponha a sua intimidade na internet. Siga o exemplo de um cara como eu, que só tem um testículo. Bacon é crime.
COLUNA ,provador
ELISA MENDES
Sobre ser amável
Você é o que foi capaz de fazer, mas também é o que ainda tem potencial para realizar
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estúdio los angulos
< CRIS GUERRA >
41 anos, é redatora publicitária, ex-consumidora compulsiva, ex-viúva, mãe (parafrancisco. blogspot.com) e modelo do seu próprio blogue de moda (hojevouassim.com.br)
É como a sensação de conhecer de perto alguém famoso. De repente você se vê obrigado a rever o conceito que tinha a respeito daquela pessoa, porque ao conviver com ela você se surpreendeu. A convivência vai precisar se estender para que você acredite, porque a sua opinião sobre ele é arraigada. É muito forte aquele pré-conceito. Da mesma forma que você tem um conceito formado sobre alguém com quem pouco convive, você também é expectador de si mesmo. E nem sempre se conhece como é. Aliás, você passou anos construindo esse conceito, seja se olhando no espelho, ouvindo sua própria voz ou somando os fatos da sua vida. Aquela menina que não lhe deu bola na festa foi um tijolinho dessa construção. A brincadeira de mau gosto do seu colega na pré-escola. Comentários velados da sua mãe sobre a sua magreza. A aula de educação física em que ninguém queria escalar você para o time de basquete. Os fatos de nossas vidas dizem muito sobre nós, e muitas vezes é a partir deles que construímos nosso autoconceito. Mas os fatos não são a nossa sinopse. Desconsideramos muitos outros acontecimentos ainda fale com ela: crisguerra.mg@diariosassociados.com.br
por vir, que podem nos mostrar muito mais do que somos capazes. Você é o que foi capaz de fazer, mas também é o que ainda tem potencial para realizar. A impressão que você tinha daquela pessoa famosa teve sua construção determinada por vários fatores. E quanto mais enraizada é a imagem equivocada, mais esforços serão necessários para desconstruí-la. O mesmo acontece com a imagem que você tem de si. Foi preciso um tempo para elaborá-la, e inverter as chaves que a sustentam é trabalho árduo. Mas — boa notícia! — é possível. Assim como é natural mudarmos ao longo do tempo. Já parou pra pensar nisso? O conceito que temos sobre as pessoas desconsidera a possibilidade de elas mudarem. Estamos falando de uma palavrinha desgastada, mas que tem uma influência absurda sobre a forma como levamos a vida: autoestima. Que é consequência direta da maneira como nos vemos, e cujo significado nada mais é do que “amor por si mesmo”. Ter autoestima é se considerar digno de amor. Em outras palavras, amável. Observe essa palavra: amável. Ela nos remete imediatamente à gentileza, receptividade e carinho. O que nos leva a uma revelação importante: pessoas com elevada autoestima tratam bem a si mesmas tanto quanto tratam os outros. Do contrário, estamos falando de outra coisa: egocentrismo. Esteja aberto para se re-conhecer e descobrir a seu respeito o que sequer imaginava. Transformar a visão que você tem de si mesmo é mudar o mundo à sua volta.
ESPORTE ,snowboard
EHLAS NA NEVE ,20
Quatro garotas, sete dias nas montanhas de Jackson Hole e um sonho realizado
Em sua segunda temporada, Claudinha mostrou intimidade com o snow
POR TECA LOBATO FOTOS PEDRO WEINSCHENCK
Dentre todas as histórias que eu gostava de ler e ouvir, uma me fascinava mais. A resistência das tribos indígenas no Oeste dos Estados Unidos atraía a minha atenção (e ainda atrai) para o estilo de vida, costumes e crenças de povos como os Siouxs, Cheyennes e Cherokees. O estado de Wyoming foi o cenário de uma das mais importantes batalhas da época. Liderada pelo chefe Touro Sentado, a união de diversas tribos dizimou uma legião de soldados do general Custer, sem armas de fogo. Essa história parece lenda. Mas, longe disso, pode ser considerada um milagre para esses povos que queriam apenas proteger suas terras e sua cultura. Por isso, conhecer essa terra era um sonho antigo meu. O chefe Touro Sentado permanece até hoje em minhas pinturas, coleção de livros e fotografias. Porém, nunca imaginei que meu sonho se realizaria da maneira mais ideal possível: em uma trip de snowboard. ,EHLAS
Brigitte Mayer é surfista profissional, campeã brasileira e editora da revista virtual Ehlas. Também responsável pela produção de conteúdo e criação da revista, Cláudia Gonçalves é modelo, jornalista e roda o mundo competindo nos melhores picos de surfe do planeta. Foi desse time pesado que recebi o convite. Uma snowtrip de sete dias para a terra do snowboarder Travis Rice. Jackson Hole seria o destino dessa viagem só de mulheres dos esportes de prancha. Adicione à barca a também modelo, kitesurfer, surfista e wakeboarder Marcela Witt, e a gangue está fechada. Eu, que sempre me considerei “fissuradinha”, imaginei que nessa trip o snowboard não seria a atração principal, já que outras atividades estavam previstas. Mas, engano meu: a pilha para descer as montanhas de Jackson era tanta que em quatro dias atingimos nossas mais ousadas metas. ,21
Eu atingindo uma das vĂĄrias metas no segundo dia
Isis, Claudinha, eu e Marcela no lift
Marcela encarando a pista Black diamond, o temido â&#x20AC;&#x153;Traimâ&#x20AC;?
,22
A PILHA PARA DESCER AS MONTANHAS DE JACKSON ERA TANTA QUE EM QUATRO DIAS ATINGIMOS NOSSAS MAIS OUSADAS METAS
,CAPTURANDO IMAGENS
Mas a meta não seria só satisfação pessoal e snowboard. Claudinha comanda também o programa Se joga!, do canal Multishow, e precisava de imagens para os patrocinadores. Por essas e outras, estavam na barca Carla Rocha, o filmaker Fábio Fantauzzi e o fotógrafo Pedro Weinschenck. Os dois últimos quebravam no snowboard e levavam a captura das imagens às últimas consequências. Eu mesma fui vítima da “joselitagem” do Fabinho protagonizando uma das “vacas” mais cinematográficas da trip e rolando montanha abaixo com ele e seus equipamentos de filmagem. Um dos lugares mais bonitos que já fui na vida, Jackson é a terra dos cowboys e o estado com menos habitantes por metro quadrado dos EUA. A famosa cadeia de montanhas (os Grand Tetons) é considerada uma das maiores e mais difíceis para se praticar ski e snowboard no mundo. Eu, que abusei muito do meu corpo nos esportes que pratiquei durante anos seguidos, não queria me lesionar, mas, quando percebi, estava seguindo as meninas (mais experientes do que eu) e me jogando sem responsabilidade nos parks e nas montanhas fora do resort. O ponto alto dessa trip foi, sem dúvida, encarar a mais temida pista de Jackson, o traim. A pista preta, mais difícil pela inclinação, estava puro gelo por conta da falta de nevascas, e o vento estava muito forte. A possibilidade de conhecer uma pista que ficava aberta até as 20h e andar de snow à noite também marcou nossos dias. Na última noite, nevou muito e a ideia era partir para uma montanha fora do resort (para fora das delimitações e pistas) e aproveitar o powder. Essa foi uma das melhores experiências com pranchas da minha vida. Apesar da longa subida e da dificuldade de caminhar na neve, a rápida descida compensava o esforço.
A IMPRESSÃO QUE TIVE DE JACKSON FOI A DE UM LUGAR PARA OS VERDADEIROS AMANTES DO SNOWBOARD E DO SKI. PARA APROVEITAR AS MONTANHAS, VOCÊ TEM QUE ESTAR DISPOSTO A CAIR E A ESTENDER SEUS LIMITES ,ÚLTIMO ATO
A impressão que tive de Jackson foi a de um lugar para os verdadeiros amantes do snowboard e do ski. Para aproveitar as montanhas, você tem que estar disposto a cair e a estender seus limites. Embora a região tenha enorme potencial turístico, presenciei o envolvimento de pessoas que estavam ali simplesmente para praticar seus esportes. Lá, ou você é cowboy ou toca em alguma banda de música country em um dos poucos e tradicionais bares de Jackson, anda de ski ou snowboard ou vende ar,24
Eu mandando um indy grab em dos “mini” kickers do park
tigos indígenas. Brincadeiras à parte, se você está em Jackson, tem 90% de chance de ser do sexo masculino. Com uma cultura marcante, essa pequena cidade do Wiyoming me surpreendeu. Estar com mulheres que dedicam boa parte de suas vidas e tempo aos esportes que praticam foi a realização de um sonho antigo. Foi muito importante compartilhar experiências e dificuldades com elas. É raro encontrar pessoas com coragem o suficiente para encarar esse caminho, muitas vezes difícil, apesar de recompensador, que é viver dos esportes de prancha.
Nテグ DEIXE A ROTINA TE ABDUZIR.
BRASIL
Heróis
da resistência Já se passaram quase 70 anos, mas a vida dos brasileiros que foram à Segunda Guerra Mundial nunca mais foi a mesma. Entre terror, lembranças e alegrias, os ex-combatentes eternizaram seus nomes na história
POR BRUNO MATEUS FOTOS CARLOS HAUCK
“Era uma tarde de janeiro. Daquelas tardes chuvosas de janeiro. Talvez de 1992, não se sabe ao certo, mas foi por aquele começo de década. O garoto havia saído com a mãe para fazer-lhe companhia pelo Centro de Belo Horizonte. Andanças. Ele adorava comer pastel com caldo de cana, o que inegavelmente deu ao passeio um tom mais atraente. No fim da tarde, com o céu ameaçando chuva, foram ao museu da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Quando chegaram, um senhor estava trancando a porta solenemente. O horário de visitação havia se encerrado e mãe e filho perderam viagem. Uma pena, disse, trouxe meu filho para conhecer o museu, o avô dele foi combatente na guerra. E qual é o nome dele, perguntou o senhor, e quando ouviu, abriu um largo sorriso. Se ,26
é para o neto do Jair, faço questão, disse, recuando e abrindo a porta. Ao entrar no museu, a imaginação tomou conta da cabeça do menino e as histórias que ele ouviu ganharam contorno nas fardas, armas e granadas; nos mapas, nos relatos. Em 2008, com todas as honras que lhe eram devidas, o ex-combatente Jair foi enterrado e o garoto de outrora, agora já homem feito, não pôde estar lá, já que morava em outro país. Hoje, ele até se arrepende um pouco de não ter conversado mais sobre os horrores e a solidão da guerra com seu avô, mas são coisas da vida. E hoje, também, sobram o respeito, as lembranças e algumas palavras como homenagem.”
Josino Aguiar Filho, Divaldo Medrado e Geraldo Taitson (à frente): a Segunda Guerra Mundial marcou a vida dos três pracinhas e ainda permanece viva na memória
Vinte e cinco mil trezentos e vinte e quatro soldados. Dois mil setecentos e sessenta e dois feridos e 465 mortos. Esse foi o saldo da participação do Brasil, único país latino-americano a enviar tropas para a Europa, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Com Getúlio Vargas como presidente entre 1937 e 1945, no chamado Estado Novo, o país mantinha uma boa relação com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que Getúlio governava com medidas ditatoriais, o que era visto com preocupação pelos norte-americanos. O Brasil adotou uma posição neutra até 1942, quando decidiu se juntar aos Aliados, declarando guerra aos alemães e italianos em agosto. Em novembro de
1943, criou-se, então, a Força Expedicionária Brasileira (FEB); em junho de 1944, a primeira tropa embarcou para a Europa. A ocupação dos pracinhas — como os veteranos brasileiros são conhecidos —, durou quase um ano: em maio de 1945 foi declarado o fim da guerra, mas retornaram ao Brasil somente em agosto. Desde então, milhares de brasileiros convivem com as lembranças das batalhas, do frio rigorosíssimo e da alegria e alívio que sentiram naquele 8 de maio de 1945, o Dia da Vitória. Dali pra frente, seus nomes ganharam a eternidade. ,27
,PELAS ONDAS DO RÁDIO
Geraldo Campos Taitson soube que iria para a guerra pela Rádio Inconfidência. Como se fosse ontem, ele lembra o que sentiu quando recebeu a notícia: “Expectativa, ninguém se sente bem com a guerra, né? A família ficou muito apreensiva, mas eu tinha que me apresentar”, diz o senhor que deixou pais e oito irmãos no Brasil. Hoje, aos 90 anos, Geraldo é 1° tenente reformado do Exército e foi à Itália como soldado do 11° RI de São João del Rei. Geraldo, juntamente com seu batalhão, recebeu instruções no Rio de Janeiro antes de embarcar para a Itália em setembro de 1944. Em 29 de novembro do mesmo ano, entrou em combate na região de Monte Castelo. “Atacamos várias vezes Monte Castelo. Não participei da tomada, mas a minha tropa, sim”, comenta a importante conquista dos Aliados. A estratégia dos grandes ataques era decidida pelos generais ou coronéis. Nos intervalos de folga, os soldados jogavam baralho, batiam papo, e “quando era para atacar, às vezes ficávamos sabendo duas horas antes”. Quanto às refeições, ele não tem nada do que reclamar. “Tinha de tudo, tudo que é bom. Comíamos ração americana, biscoito, chocolate, tudo vitaminado. Tinha sopa também. Recebíamos duas caixinhas para passar o dia, almoço e jantar. Cigarro, dois maços por dia. Cigarro americano muito bom, Philip Morris, Camel”, recorda-se. A saudade de casa era aliviada pelas cartas que recebia e mandava para a família. Cartas essas que eram lidas pelos superiores, que escolhiam o que eles podiam ou não ler. A carta podia cair na mão do inimigo. “E só podia mandar ou receber notícia boa”, afirma. Geraldo teve um ferimento leve por estilhaços de uma granada. O medo da morte não era o pior sentimento do então soldado. “Ver colegas morrendo, como vi um colega morrer a oito metros da minha posição, é a pior sensação possível. A gente procura até esquecer coisa ruim, mas alguma coisa fica, a gente não consegue esquecer tudo. É uma tragédia”, lamenta. A volta ao Brasil, em agosto de 1945, foi uma alegria pura, como o sorriso de Geraldo não deixa dúvidas. “Fomos muito ,28
bem recebidos. O governo [do Rio] decretou feriado municipal para desfilarmos”, lembra. Mas a valorização parece ter sido fugaz. Para o veterano, os pracinhas foram esquecidos pelo governo brasileiro até 1988, quando a nova Constituição da República assegurou os direitos a todos que estiveram na guerra. Entretanto, a pecha de salvadores da pátria é rechaçada por Geraldo. “Nós não somos heróis, cumprimos com o nosso dever quando fomos convocados”. ,DEVER CUMPRIDO
“Quando soube que iria para a guerra, senti um prazer, uma emoção muito grande.” Muitos tinham um sentimento radicalmente contrário, mas foi exatamente assim que Divaldo Medrado, capitão reformado pelo Exército, se sentiu quando soube que lutaria nos campos da Itália. Divaldo já tinha um certo destaque dentro de seu batalhão e fez questão de ir à guerra. Não quis abandonar os companheiros. O veterano, que lutou como 3° sargento comandante de grupo de combate, foi gravemente ferido — tomou uma rajada de 13 tiros no ombro. “Isso foi em 12 de dezembro de 1944”, lembra-se vivamente o senhor que no dia seguinte a esta entrevista completou 90 anos. Mesmo baleado, Divaldo teve força para pedir ao bazuqueiro “um tiro naquela janela daquele prédio”. E ele foi ao local. Só havia um alemão que não fora atingido. “Eu poderia ter matado o sujeito que atirou em mim, poderia ter atirado no olho dele, mas não tive coragem de matar o sujeito. Trouxe ele comigo, foi prisioneiro”, diz. Como o ferimento foi gravíssimo, Divaldo teve que retornar ao Brasil em fevereiro de 1945. “Cheguei da guerra e encontrei minha mãe com dois calos no joelho. Ela passou ajoelhada rezando o tempo todo. A apreensão era muito grande.” No Dia da
Vitória, internado em um hospital no Rio de Janeiro, Divaldo recebeu a notícia com a sensação de dever cumprido e a saudade dos companheiros. As situações complicadas, segundo o veterano, foram os primeiros avanços, os primeiros encontros com o inimigo. Restava aceitar a morte como realidade: “Depois que aceitamos isso, a coisa ficou mais branda. O que mais poderia me acontecer?”. Para ele, o lado mais terrível da guerra estava a poucos metros: “Muitos tomaram tiro do meu lado, muitos. Na guerra, a gente se torna uma fera indominável. Você vê os companheiros caírem, te pedirem socorro e você sem poder socorrer. Imagine o nosso sentimento”. Hoje, Divaldo lembra da guerra com serenidade, sem dor. Seja no Museu da FEB, no Bairro Floresta, em Belo Horizonte, com os amigos pracinhas, ou em colégios e palestras das quais participa, ele fala daqueles tempos sombrios com tranquilidade. Os sonhos ainda teimam em visitá-lo vez ou outra, mas os traumas foram superados. Bem humorado, quando perguntando se matou alguém na guerra, ele só ri: “Não sei, atirei muito, quem matou foi a bala”. ,NA GUERRA POR ACASO
Josino Aguiar Filho entrou na guerra por acaso. Mineiro de Várzea da Palma, ele chegou em Belo Horizonte em 1943, aos 16 anos. No ano seguinte, prestou concurso para um banco e foi aprovado, mas não tinha documentos. Como era menor de idade, o chefe de pessoal do banco aconselhou que ele fosse buscar o documento de isenção do serviço militar. Na manhã seguinte, fez os exames necessários e foi aprovado. O que ele não contava é que seria incorporado ao batalhão. Ele disse para o comandante que não era aquilo que queria, mas se negasse a farda seria considerado submisso. O sonho de trabalhar no banco havia acabado. Quando Getúlio Vargas decidiu enviar os pracinhas à guerra, Josino participou de uma seleção em seu batalhão. Quem
quisesse ir à guerra, um passo a frente. Poucos deram — Josino foi um deles. “A minha expectativa era de receber baixa e ir trabalhar. Eu era muito novo, tinha só 17 anos. Eu nunca quis estar lá, nem me passava pela cabeça. Não tinha nem noção o que era mar, o que era embarcar em um navio. Não tinha noção de perigo, de responsabilidade, do que era uma guerra”, afirma o veterano, que já havia perdido pai e mãe e era o caçula de oito irmãos. Mas não teve jeito. Josino, de 85 anos, hoje 2º tenente reformado, embarcou em setembro de 1944 e, logo quando atracou em Nápoles, na Itália, viu a cena que nunca mais sairia de sua memória. “Já havíamos jantado e subimos para o convés do navio. Uma chuva sem fim, aquela multidão no cais do porto. Começamos a jogar pedaços de pães que tínhamos trazido e aquela multidão avançava...”, o pracinha não se contém e a lembrança é atropelada pelo choro. De todos os horrores, o medo da morte não é o pior, mas o que a guerra deixa como herança: “O pior não é a morte em si, mas são os traumas que a guerra deixa. É ver pais de família entregando esposa e filhas em troca de comida, de sapato, é a perda de colegas. Alguns a gente podia socorrer, outros não. E quando não podia e tinha que passar por cima?”. Nos momentos de folga, aproveitavam para ir à cidade mais próxima, “coisa rápida, desanuviar a cabeça, tomar um vinho, ver umas meninas”. A Segunda Guerra Mundial acabou em maio de 1945. Alívio para Josino, o pesadelo havia terminado. Quando chegou ao Brasil, em agosto daquele ano, a primeira coisa que fez foi prestar concurso para os Correios. Pediu licença do Exército e voltou à vida civil. Em novembro, tomou posse no concurso e realizou o sonho interrompido pelos horrores da guerra. ,29
Em 2011, produções cinematográficas jogaram luz sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. Heróis, do diretor Guto Aeraphe, mostra a saga de três pracinhas mineiros que se viram em combate contra uma tropa alemã nos campos da Itália. O média-metragem foi lançado em agosto e exibido em cinco capítulos no portal do Jornal Estado de Minas. Outra produção de destaque é o filme A montanha, rodado no inverno europeu entre dezembro de 2010 e março deste ano, com previsão de lançamento para o segundo semestre do ano que vem. Segundo o diretor Vicente Ferraz, “A montanha não é um típico filme de guerra. É a história de brasileiros, italianos e alemães que se encontram durante o maior conflito do século 20. E esse inusitado encontro mostra que, mesmo durante a guerra, os aspectos humanos podem sobreviver”. Os documentários O Lapa Azul (2007), de Durval Jr., e Um brasileiro no Dia D (2006), dirigido por Victor Lopes e produzido e codirigido pelo baterista do Paralamas, João Barone, são outros exemplos de produções temáticas sobre os veteranos brasileiros na Segunda Guerra. ,30
ARQUIVO O CRUZEIRO/ESTADO DE MINAS ARQUIVO O CRUZEIRO/ESTADO DE MINAS
A GUERRA NAS TELAS
ARQUIVO ESTADO DE MINAS
EM NOVEMBRO DE 1943, CRIOU-SE, ENTÃO, A FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA (FEB); EM JUNHO DE 1944, A PRIMEIRA TROPA EMBARCOU PARA A EUROPA. A OCUPAÇÃO DOS PRACINHAS NA ITÁLIA DUROU QUASE UM ANO
A guerra em três momentos: antes do embarque para a Europa, os pracinhas recebem a visita de Getúlio Vargas; chegando à Itália, em fevereiro de 1945; o rigoroso frio também era um dos inimigos (abaixo)
BRASIL
Cacique Cobra Coral, suposto espírito que teria sido de Galileu Galilei e de Abraham Lincoln, manipula a metereologia para políticos e empresários brasileiros
POR ALEX CAPELLA ILUSTRAÇÕES ESTÚDIO LOS ANGULOS
O burburinho no interior do Ceará está cada vez maior. Afinal, o encontro dos chamados “profetas das chuvas”, que acontece no segundo sábado do mês de janeiro, está próximo. Na última edição, o evento reuniu mais de 40 participantes no município de Quixadá, no Sertão Central, a 158 quilômetros da capital Fortaleza. Para 2012, a expectativa é que o número de participantes seja ainda maior. Gente simples que, a partir das experiências pessoais e da observação da natureza, arrisca palpites sobre o clima. Muitos agricultores, isolados do mundo vendido pela televisão, só iniciam o roçado a partir das previsões dos velhos conselheiros. O alto índice de acertos nas previsões meteorológicas vem chamando a atenção da comunidade científica. Tanto que a nova edição do encontro deve levar ao antigo Clube dos Agrônomos, que fica próximo ao Açude do Cedro, vários sociólogos e antropólogos do país e do exterior, menos a corretora de imóveis Adelaide Scritori. “Nunca ouvi falar dela. Aqui, ela não vem. Ninguém tem dinheiro para comprar casa não”, diz João Soares, um dos coordenadores do encontro dos profetas. O desconhecimento de Soares, que também é presidente do Instituto de Pesquisa de Violas e Poesia Cultural Popular do Sertão Central, no Ceará, é justificado pela aversão de Adelaide à mídia. E isso só faz aumentar o mistério em torno da mulher que diz se comunicar com o cacique Cobra Coral, suposto espírito que teria sido do italiano Galileu Galilei e do norte-americano Abraham Lincoln, e seria capaz de manobrar fenômenos naturais. Filha do médium Ângelo Scritori, que morreu aos 104 anos, em 2002, ela nasceu acompanhada de uma profecia. Logo que sua mãe entrou em trabalho de parto, no interior do Paraná, o espírito do Padre Cícero teria se manifestado. O velho Scritori, então possuído pelo espírito, teria avisado que a mais nova integrante da família receberia poderes para se comunicar com outro espírito, um ente poderoso o suficiente para alterar fenômenos naturais. Sete anos depois, já menina, Adelaide lembra ter recebido, pela primeira vez, no centro espírita frequentado pelos Scritori, as mensagens enviadas pelo cacique Cobra Coral. A partir daí, passou a ganhar fama nos mundos empresarial e político. Mas tudo com muita discrição, para não chamar a atenção demasiada da mídia.
,TRABALHO VOLUNTÁRIO PARA GOVERNOS
Longe dos holofotes, a médium foi fazendo suas previsões sobre as mudanças climáticas. Teria “mandado chuva” para o Iraque, para a Flórida e a Austrália, locais que sofrem com incêndios pavorosos no tempo de calor. As façanhas feitas no exterior chamaram a atenção de alguns governantes brasileiros. Entre eles, do ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB), do ex-governador do Rio Grande do Sul e atual presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários, Germano Rigotto (PMDB), e do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, também do PMDB, que contratou a fundação encabeçada por Adelaide. “É um contrato de prestação de assistência técnicocientífica gratuita para o município em questões climáticas”, diz a assessoria do prefeito.
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,O SHOW TEM DE CONTINUAR
Alheia à opinião dos cientistas, Adelaide vem exibindo uma coleção de serviços prestados ao poder público e à iniciativa privada. Segunda ela, cumpre apenas “ordens do astral”. Muitas das previsões surgem à noite, durante o sono, ou ao longo das duas horas diárias de meditação, sempre pela manhã. As mais recentes foram em apoio ao Governo do Rio à invasão da Rocinha, e ao empresário Roberto Medina, organizador do Rock in Rio e do festival SWU. No Rock in Rio, a fundação foi contratada para criar um “bolsão seco” sobre a chamada Cidade do Rock. Mas a água caiu com vontade.
AS PREVISÕES MAIS RECENTES FORAM EM APOIO AO GOVERNO DO RIO, À INVASÃO DA ROCINHA, E AO EMPRESÁRIO ROBERTO MEDINA, ORGANIZADOR DO ROCK IN RIO E DO FESTIVAL SWU
REPRODUÇÃO DA INTERNET
Diferentemente do empirismo dos profetas do sertão, Adelaide tem uma atuação amarrada por fortes laços com a ciência. Na Fundação Cacique Cobra Coral (FCCC), sediada em Guarulhos, na Grande São Paulo, ela montou um braço operacional de previsões meteorológicas. A médium confirma o uso de tecnologia para auxiliar a fundação na prestação de serviços meteorológicos. Mas, nas poucas respostas dadas aos questionamentos, diz que o espírito do cacique Cobra Coral tem força suficiente para atenuar as intempéries e não nega seus “poderes”. “O dom para a mediunidade está no sangue. Meu pai era médium”, lembra. Apesar da confiança de Adelaide, cientistas e pesquisadores guardam uma distância regulamentar sobre a mediunidade e os feitos a ela atribuídos. Integrante do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o professor Alexander Moreira-Almeida analisou, no ano passado, cerca de 100 médiuns de Juiz de Fora para listar critérios para um diagnóstico que diferencie experiências espirituais de transtornos. Ele lembra que a mediunidade foi considerada, pela medicina, nos séculos 19 e 20, como um grave transtorno mental. Nas últimas décadas, porém, esse conceito mudou. “Os médiuns, assim como qualquer pessoa, podem sofrer de transtornos. Mas ainda há carência de estudos para definirmos alguns critérios”, alerta.
Documento, de 1996, comprova a parceria entre a Fundação Cobra Cobral e o governo do Rio Grande do Sul
A Cacique Cobra Coral justificou o mau tempo. Segundo a fundação, a equipe não conseguiu entrar na área do show, porque o carro que a transportava não estava credenciado. “Tínhamos 30 minutos para entrar na Cidade do Rock, fazer o que precisava ser feito e voltar à nossa base, para distribuir a chuva por toda a cidade, para evitar enchentes. Por falta do adesivo no carro, não tivemos acesso. Com o tempo escasso, retornamos à base e priorizamos a cidade”, disse Adelaide, por meio de nota. No SWU, realizado na cidade paulista de Paulínia, Medina voltou a contratar a fundação. Mais uma vez, não teve jeito. No último dia de festival, a chuva e a lama deixaram o SWU parecido com Woodstock. Mesmo com a eficiência dos serviços contestada, a médium continua com prestígio junto a empresários e políticos. E todo exercício de futurologismo fantástico não teria envolvimento de dinheiro. Apesar de especular-se que Medina teria pagado cerca 10 mil dólares pelos préstimos, a médium jura que o “Cacique” não a ajuda nos negócios ou nos relacionamentos. Tudo o que ele faz seria em “beneficio da população”. A fundação, que teve o escritor Paulo Coelho como vice-presidente entre 2004 e 2006, tem como braço financeiro uma empresa de seguros e a corretagem de imóveis com valores acima de R$ 1 milhão. Diante de cifra tão expressiva, o velho João Soares, que organiza o encontro dos profetas, já pode se gabar de sua profecia. Certamente, a médium não irá ao encontro dos homens do tempo do Nordeste. Afinal, na boa e velha Quixadá, imóvel nesse valor é coisa rara, igual chuva. Quem sabe, então, nas areias de Canoa Quebrada? Fica a minha previsão.
BRUNO SENNA CARLOS HAUCK
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MODA MÚSICA ARTE Palco, passarela e galeria no mesmo local.
Três mil expectadores. Open bar e uma noite aberta. Deu fila, claro. Tanta gente disposta, muita coisa por acontecer, você queria o quê? Sem problemas. Fez tempo quente no Mix Garden para o primeiro Ragga Summer Fashion. O evento aconteceu na noite do dia 5/11. A música não parou um minuto, pela passarela desfilaram Cila, GreenCo., Oakley, Quiksilver e Roxy, mostrando tendências do verão 2011/2012 e das paredes saltavam trabalhos de fotógrafos e artistas contemporâneos. POR DIEGO SURIADAKIS
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MODA
LEANDRO RIBEIRO USA
goggle, chaveiros usados como colar, bermuda e chinelo Oakley
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MARINA CANÇADO USA
viseira e óculos Oakley sut camiseta e biquini Cila squeeze Jump chinelo Green Co
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FOTOGRAFIA Bruno Senna MODELOS
BELEZA Dill Diaz ASSISTENTES
Leandro Ribeiro Marina Cançado (Woll Agency) STYLING Méria Cristiane
Gustavo Brito Letícia Martins AGRADECIMENTO
LOJAS
Cila – Savassi (31)2555 7566 GreenCo – Boulevard Shopping (31) 3332 3130 Oakley – Diamond Mall (31) 3292 9104 Quikilver/Roxy – Loja Território (31) 3415 6206
Fabiana Duffles ,41
Moda e arte para os olhos, música em todos os sentidos. A quadrilha mineira ILoveBubble abriu os canais de áudio da noite. Trajados de terno, os garotos, que formam uma espécie de agremiação para assuntos culturais diversos movida a música contemporânea, levaram às pickups os mesmos compassos que caracterizam outros trabalhos que eles vêm desenvolvendo. Tocaram hits que andam mexendo com corpos de Los Angeles à Londres. “A música é o reflexo direto dos desejos, sonhos e ambições de todos nós, principalmente quando pensamos na música que é feita por jovens”, é o que diz um dos quatro, Raul Sampaio, sobre a escolha de seu setlist: Diplo, Major Lazer, Dillon Francis, SB RTKT, Jamie XX e outras novidades fizeram ainda vezes de trilha sonora para o desfile de moda, segunda atração da noite. Ao fim do desfile, uma pequena correria de roadies e lanternas no palco. Em pouco tempo, o Natiruts soltava o primeiro acorde. Seu repertório é sempre escolhido logo antes da
CARLOS HAUCK
MÚSICA
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A GALERA NÃO SE RENDEU E SÓ PAROU DE DANÇAR ÀS CINCO DA MANHÃ POR CONTA DE ALGUM DEDO INSENSÍVEL QUE RESOLVEU ACENDER A LUZ
ANA SLIKA CARLOS HAUCK
ILoveBubble e ROMI (abaixo) comandaram a noite nas pick-ups
subida ao palco. “Até clássicos como Presente de um beija flor podem ficar de fora”, disse Alexandre Carlo, o frontman da banda, em sua última entrevista para a Ragga antes do show. Na noite do Ragga Summer Fashion, a banda foi generosa. O show foi grande e a plateia acompanhou cantando várias do grupo de Brasília. O reggae do cerrado continua, melodioso e tranquilo, a embalar a cabeça da juventude. Já ao projeto ROMI, formado pelos DJ’s Rodolfo Brito e Michel Lara, coube a função de levar a pista pelo corpo madrugada adentro. A dupla de Belo Horizonte preza por produções inovadoras, mashups precisos e muito improviso. Fazendo marcação cerrada nas reações da pista, eles tiveram trabalho pesado no RSF: a galera não se rendeu e só parou de dançar às cinco da manhã por conta de algum dedo insensível que resolveu acender a luz. “Agora é curtir o verão e esperar quem sabe uma edição do Ragga Winter Fashion”, comentou Rodolfo. ,43
Logo à entrada, estava exposto o Arquivo Ragga: fotos publicadas na revista e também trabalhos inéditos de Carlos Hauck, Bruno Senna, Bernardo Biagioni, Carol Vargas, Juliano Sacramento e da Quaddro Fotografia — agência que registra os editoriais de moda do Ragga Drops. Destaque para as imagens de shows (Phoenix, Alanis Morissette e Ana Cañas) e esporte (wake, boxe, skate e bike). Na exposição, com curadoria da designer Marina Teixeira, também figuraram as ilustrações de Davi Augusto, Luís Matuto, Raquel Pinheiro, Yan Sorgi e Estúdio EL, que já rabiscaram edições da revista. BRUNO SENNA
ARTE
CARLOS HAUCK
TANTO NA TÉCNICA QUANTO NAS TEMÁTICAS, A CONTEMPORANEIDADE ESTAVA EXPRESSA NAS PAREDES sitam pelo design e pela criação de trabalho com grandes marcas. “Deslocar a galeria do espaço físico convencional é uma boa forma de quebrar barreiras entre espectador e obra. Muito legal ter criado um espaço de circulação, onde as pessoas podem descansar, contemplar os trabalhos, além de curtir a festa, tudo ao mesmo tempo”, completa Angelina Camelo, artista e curadora no RSF. No lounge, obras de GBL, Lucas Torres, João Maciel, Clara Valente, Angelina Camelo, Talita Hoffmann, Vital Lordelo, da coreana Junkhouse e do americano David Flores. Tinta acrílica, spray, madeira, serigrafia, tecido e formas mistas de pintura. Tanto na técnica quanto nas temáticas, a contemporaneidade estava expressa nas paredes.
JULIANA DUTRA
ANA SLIKA
Junto ao Arquivo, o trabalho mais recente do artista plástico Felipe Gobbi. Modelo das antigas, o “surfista mineiro” reside atualmente no México e as cores do país o inspiraram. Eram seis telas, pintadas com um canetão a base de gasolina, e temática um tanto explosiva: na obra ‘Megalomaníacos’ reuniu o ratinho Cérebro, Obama e Muamar Kadafi. A Mini Galeria aprontou no evento. Fez uma parceria com a Guarani FM e botou várias latas de spray na mão de Lucas Torres. O moleque grafitou ao vivo e curtiu. “Bem interessante isso, pintando, passar a informação para o público na hora”, disse o grafiteiro. E a Mini foi além. Preparou um lounge diferente, apresentando uma seleção de artistas jovens que, além das artes plásticas também tran-
BRUNO SENNA
FOTOS: ANA SLIKA
RSF > MOMENTS
AGRADECIMENTOS
QUEM Ă&#x2030; fotos Ana Slika
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ON THE ROAD ,amazônia
Dias de fé e de coragem. Caos e leveza. O encontro das águas do Rio Negro e Solimões
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QUEIMA,
AMAZÔNIA Garotas sacanas e mata desbravada. Manaus não é virgem mais
POR BERNARDO BIAGIONI FOTOS FERNANDO BIAGIONI
Certo. Ali estávamos eu, Fernando, Deusa, Jéssica e “a Nau”, saindo do Hotel Tropical, um tanto em silêncio e sem jeito, nos embrenhando pela orla da Ponta Negra, sentido Avenida do Turismo, desconversando conversas fiadas em sorrisos trôpegos e esforçados. Era óbvio que se tratava de um grande mal-entendido. A Nau estava gostando, em todo caso. E disse, quando avistou a imponente placa do Motel Nirvana: “Por que a gente não para aqui um pouquinho para ver o que acontece?” Não era o que tínhamos em mente para a nossa primeira noite em Manaus. Saímos do hotel confortados com a ideia de encarar um forró estranho, e coisa e tal, mas nada que fosse tirar muito da nossa energia para conhecer a floresta amazônica no dia seguinte. Tudo que conhecíamos na cidade era aquele bar que vimos mais cedo, “O Novo Point de Manaus”. E, por isso, pareceu seguro pedir ajuda para aquelas três garotas que estavam na recepção do Tropical. Deusa, Jessica e “a Nau”. Eram esses os nomes e a minha sinceridade não me deixa mentir. De uma hora para o outra, nos descobrimos lá enfiando o carro pela cidade com as três garotas de olhos oblíquos e dissimulados. Uma não largava o celular, a outra trazia o shortinho encravado nos ossos traseiros — você deve imaginar qual — e a última ficava alisando meu pescoço como se nada estivesse acontecendo. Quando eu olhava para trás, ela me mostrava sua expressão de desonesta. ,FLORESTA BABILÔNICA
Manaus é assim uma cidade um tanto quente. E o colapso é tão iminente quanto necessário. Muitas das pessoas que morreram na região, nos últimos anos, foi decorrente de acidentes de carro. Segundo um taxista, barões de madeireiras e descendentes de índios loucos dirigiam suas caminhonetes sem dó nem piedade, até a instalação de centenas de radares pela cidade. Hoje, dificilmente se atinge mais de 60km/h nas ruas largas e espaçadas nos arredores da Avenida do Turismo, onde estão todos os bares de forró, bebidas tropicais e bandidas perigosas. Todo mundo teve que segurar a onda, em algum momento desta última década. O descontrole estava deixando as coisas meio preocupantes. A começar pelo desequilíbrio social. Manaus é uma cidade de pouca gente muita rica, e de muita gente muito pobre. As ruas do centro histórico estão cheias de trabalhadores informais, gringos bêbados, empresários com gravatas tortas, barraquinhas de roupas, pilhas, penduricalhos da China, guloseimas esquisitas, frangos assados e especiarias regionais. O trânsito congestionado deixa esse rolé mais caótico do que passar um dia com todos os bichos da Amazônia reunidos em um só hectare de terra. ,51
Garotas manauaras esperam seus homens no cais
A AMAZÔNIA FAZ ISSO COM AS PESSOAS. ENTORPECE E ACALMA. É IMPOSSÍVEL NÃO VIVER OS EXTREMOS DA EXISTÊNCIA, SER TESTADO UM POUCO Os hormônios acabam ficando meio alardeados, é claro. E os gringos respeitados e bem casados que vem para congressos e conferências não conseguem escapar das investidas animalescas da selvageria que escoa pelos becos da noite. O turismo sexual rola solto. E, dependendo de onde você se meter na noite manauense, é bem possível que acabe dirigindo por aí com três ou mais garotas sorridentes no carro. Tudo certo. Só é bom estar preparado para dançar um forró mais arretado. ,BALADA TROPICAL
Mas rola também um movimento de house music nervo,52
so. E foi onde a gente foi parar, depois de conseguir desfazer o mal-entendido com as três manauras fogosas. A balada do Tropical, onde a noite tinha começado, fica colada na recepção do hotel. E, ao contrário do que sugere a fachada, a boate deve deixar qualquer gringo meio de cara. Primeiro por causa da iluminação, baseada em bolas coloridas que piscam em sincronia. Segundo por conta das índias e manauras que descem e quebram e giram com expressões quentes e sacanas. “Pode chegar forte, que as garotas são do Norte”, recomendou um segurança para um paulista na entrada. Para qualquer lugar que a gente olhava, lá existia um olhar nos observando. Garotas atrás de problema. Um DJ espanhol era responsável por deixar todo mundo meio louco. Pelo que entendi, essa balada do hotel era frequentada tanto pelos turistas hospedados no Tropical como pelos filhos dos donos de madeireiras da floresta. Muita vodka circulando. E um pessoal se jogando como se a Amazônia fosse tipo uma boate temática de Ibiza. ,RIO NEGRO E SOLIMÕES
Se quer um conselho sobre esta viagem, bom mesmo é aproveitar o dia. Tão logo amanhecemos, já descolamos um
Nas casas suspensas de Terra Nova tem TV e novela da Globo. Os índios vestem camisetas de surfe
passeio de barco pelo Rio Negro, descendo até o encontro com o Rio Solimões. Misturado no vento vai a inquietude da alma de se sentir parte deste pedaço do país que respira um ritmo mais verde e puritano. Silva, o marinheiro que tocava o barco, sabia das coisas. E apontava a proa rio abaixo levantando os braços para falar dos amores e desamores que já encontrou por aqueles caminhos. Seguimos até o Encontro das Águas e logo adiante aportamos em Terra Nova. Alguns filhos de índios nos receberam com sorrisos largos e camisetas da Billabong. As casas são de madeira naval e as palafitas as suspendem dois metro para cima da terra úmida e cheirosa. Silva mostrou a marca de onde a água bate, nos períodos de cheia, e começamos a adentrar pela mata. Ficamos pequenos, lá. A natureza enche os olhos de cores e sabores que a mente desconhece. Poucos são os brasileiros que conhecem a Amazônia de perto. Porque são “bravos os homens que se aventuram pela própria terra, com vontade de conhecer e transformar”. Silva conversava pouco, mas dizia o bastante. Dizem que a selva dá ao homem a chance de ele ser ele mesmo. Silva é um sujeito de um erro só. Se perdeu uma vez na floresta e nunca mais ousou se embrumar na mata de novo.
“A Nau” desfila em fotografia proibidona
,MANAUARA
A Amazônia faz isso com as pessoas. Entorpece e acalma. É impossível não viver os extremos da existência, ser testado um pouco. Faz muito calor e chove bastante. As pessoas são sinceras em seu provincianismo. Todo mundo é cordial, mas espera um pouco. Eles estão ilhados do restante do país. Os acessos são complicados. Manaus tenta sobreviver em um tempo que já mudou. Amadurecendo e despontando agora. Parece uma flor que não é virgem mais. E por isso sambam e gritam e trepam e matam. Por isso o trânsito é uma loucura desesperada. Todo mundo tentando agarrar um filete disso que está no ar agora. Dinheiro, dinheiro e dinheiro. Os gringos, a especulação mobiliária, os investimentos, os portos, a política, o cais. Os prédios da orla da Ponta Negra valem milhões. E todo mundo anda sabendo disso. O encontro das águas é mais ou menos o encontro entre o presente e o futuro. Todos andam se perguntando como é que o barco vai dobrar, agora que Manaus cresce e prospera. Os pobres, os índios, os ricos. Por muitos anos a Amazônia queimou e o Brasil fingiu que não via a sua fumaça. Agora que o Brasil consome tanto fôlego, dá para imaginar aonde é que precisaremos subir para respirar. ,53
NOITE ADENTRO
Durante o ano, o projeto It’s Burning esteve nas melhores festas, boates e casas de shows de Belo Horizonte. Das coberturas especiais, como nos shows do Jota Quest 15 anos e do Sublime with Rome, às festas, como a Insanidade Mental, passando pela Velvet, Circus Rock Bar, Marriah e Mambo Drinkeria, o It’s Burning flagrou, pelas lentes dos nossos fotógrafos, o que de melhor aconteceu na noite belo-horizontina. Aqui vai uma seleção de alguns dos melhores momentos do projeto. E vale esperar pelas novidades de 2012.
Circus Rock Bar Abril
Alfândega Bar Agosto
Marriah Maio
Festa da Insanidade Setembro
Lord Pub Fevereiro
Jack Rock Bar Marรงo
Sublime Junho
Mambo Drinkeria Julho
Velvet Club Outubro
Jota Quest 15 anos Novembro
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Ragga MODELO FERNANDA FERNANDES FOTOS LUCIANA MATOSINHOS
Respire, caro amigo POR DIEGO SURIADAKIS
Ah, meu bom rapaz, olho aberto, tome cuidado. Quando a dama é mandona e muito séria, há de se ver bem. Ela acorda sempre de bom humor — você diria. Olhe para cima, está nublando, e por isso mesmo repare: na bolsa dela não vai guarda-chuva. Moça do interior, sabe companheiro, esteja atento. Tipo da menina, mal chega o fim da tarde, ela faz balanço de seu dia. Eu não estou para brincadeiras — você tentaria. Tome nota em sua agenda, tudo bem certo, que a da moça lá vai cheia. ,57
Gestora empresarial, cara, alto lá. O cachorro, que já era alegre na lama do quintal, não precisou de mais para ganhar colo. E eu sempre impecável — você arriscaria! Não é a beleza, é a entrega e uma firmeza, ela não lhe explicaria. Mas respire, caro amigo, que não vai nisso mal algum. Uma pequena assim tem um balanço próprio, não é bem uma disritmia. Não deixe que ela saiba, não diga nada. Esqueça do tempo, não olhe para o dia, lembre de si. Apenas dançe-a. ,59
MODELO Fernanda Fernandes
House Models FOTOS Luciana Matosinhos PRODUÇÃO E MAQUIAGEM
Júlia Astigarraga AGRADECIMENTOS
House Models e Loja Caridad
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ANA SLIKA
CONSUMO
FOTOS: DIVULGAÇÃO
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EU QUERO ANO NOVO
Dois mil e onze foi bom. Bom nuns dias e ruim, noutros. E foi calmo e estressante, sério e divertido — o tipo de mistura positiva e negativa que se repete desde sempre. Mas quando chega o último dia de dezembro, mesmo sabendo que nem só de bons momentos o próximo ano será feito, todo mundo se esquece temporariamente da realidade e se une para desejar amor, saúde para dar e vender e coisa e tal. Não deve fazer mal acreditar ou brindar à boa sorte de mais 365 dias pela frente. Como escreveu Drumond, “o último dia do ano não é o último dia do tempo. Outros dias virão”. Que 2012 seja bem-vindo.
CARLOS HAUCK
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ANA SLIKA
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4 1. < EM CORES > É a tal história de usar, no Réveillon, uma calcinha nova e de certa cor para atrair um benefício específico, a partir de janeiro. Azul (R$ 27) é para harmonia; verde (R$ 36) para esperança; branca (R$ 38) para paz; vermelha (R$ 34) para paixão e rosa (R$ 36) para o amor. Todas da Santa Liga. santaliga.com.br
2. < MONEY, MONEY > CARLOS HAUCK
E se os votos de “muito dinheiro no bolso” se transformarem em realidade? Melhor estar preparado. Os cofres da T-Shit (Caveira, R$ 49,90) e d’O Segredo do Vitório (Time to Save, R$ 99,90) dão conta do recado, assim como a carteira em couro da Lacoste (R$ 279) tshit.com.br osegredodovitorio.com.br lacoste.com.br
3. < ESTÁ MARCADO >
4. < TINTIM >
O aniversário da namorada, o aniversário de namoro, o aniversário da mãe da namorada, o aniversário de casamento da cunhada... Tudo será pretexto para comprar o calendário de parede Banksy. À venda na Fnac. R$ 29,90 (21) 3878 2000
Não há de faltar motivos para brindar nos próximos 12 meses. E, para um bom brinde, bastam duas taças. A cesta de piquenique da Bazzar (Shopping 5ª Avenida) tem, além disso, jogo de talheres e dois pratos. Ideal para esperar 2012 ao ar livre. Venha. R$ 177 (31) 3281 2174
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ESTILO
PAULO BORGES POR LUCAS MACHADO FOTOS CARLOS HAUCK
Paulo Borges nasceu em São José do Rio Preto, em 1963. Na infância, pedia à mãe para levá-lo para assistir casamentos. Segundo ele, a cerimônia se parece com um desfile de moda. Aos 18 anos, foi para a capital paulista estudar comércio exterior e ciência da computação. Logo depois de ser chamado para fazer o lançamento de uma loja de roupas de um amigo, veio o convite da jornalista e diretora de moda Regina Guerreiro para trabalhar na Vogue Brasil. Depois de 10 anos na revista, criou o maior evento de moda do Brasil e o mais importante da América Latina, o São Paulo Fashion Week (SPFW), que chegará a sua 32ª edição em janeiro de 2012. Hoje, sua empresa, a Luminosidade, faz também o segundo maior evento da moda brasileira, o Fashion Rio. “Nunca estudei moda, sempre encarei com paixão e extrema curiosidade. Em meus eventos, procuro compartilhar a relação humana, artística e social, com enorme capacidade de transformação, é tudo aquilo que eu posso traduzir no meu trabalho”, comenta. Paulo tem falado muito, inclusive em suas palestras, sobre plataformas de convergência. “Nós construímos o SPFW com uma mescla de movimentos muito inovadores. Há 11 anos, transmitimos os desfiles ao vivo pela internet. Para se ter uma ideia, a semana de moda de Nova York começou no ano passado. Nós temos um subterfúgio para discussões muito além de moda, inovação, criação, design e cultura brasileira. Lançamos livros, criamos conferência. Isso é trazer para um desfile uma série de atividades e acontecimentos que se desdobram em assuntos, produtos e informação.”
< Paulo usa > camisa Lacoste blusão Mooji calça Herchcovitch tênis Balenciaga
< Kit sobrevivência >
iPhone Livro Retratos da Bahia – Pierre Verger
DVD Maria Bethânia ao vivo: Amor, festa e devoção Óculos Chilli Beans ,66
J.C.
BRASIL
NACIONALIDADE: BRASILEIRA Identidade e diversidade de biotipos na população mais miscigenada do mundo
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FOTO: ANA SLIKA
SUNG IN RA
POR SABRINA ABREU ILUSTRAÇÕES ESTÚDIO LOS ANGULOS
“O passaporte brasileiro é o mais procurado no mercado negro.” A afirmação, difícil de ser investigada, conta com a confirmação da Polícia Federal de Minas Gerais, que atribui ao fato tanto à facilidade de falsificar o documento em sua antiga forma, com a capa verdinha, quanto à característica mais marcante da população do país: a diversidade incomparável de biotipos. O passaporte antigo está em vias de extinção. Substituído gradativamente desde 2007 pelo modelo azul, em menos de quatro anos deixará de existir. A Polícia Federal comemora: em Minas, nunca foi encontrada uma falsificação do documento em sua nova forma (embora exista registro de passaportes originais feitos a partir de outros documentos fraudados, como a carteira de identidade e o título eleitoral). O chip inserido na contracapa e a plastificação mais moderna (que funde papel e plástico tornando impossível a troca dos dados e da foto) são duas das várias medidas que fazem o documento mais seguro. Um desafio a mais para aqueles que querem fingir ter identidade brasileira — aquela que pode servir a um fugitivo ruivo, negro ou com traços orientais sem provocar desconfiança. Apesar da crescente mistura que toma conta do mundo, dos indianos que parecem maioria em grandes centros ingleses ou dos chineses que se multiplicam nas cidades dos Estados Unidos, o Brasil saiu na frente no quesito miscigenação. Por aqui, ela ocorre desde 1500, época em que, para citar Gilberto Freire, o país começou a ser “cifilizado” pelos portugueses. O diferencial aqui não é o fato de haver pessoas provenientes de várias nações, mas o fato de terem se mesclado e dado origem a um único mosaico de traços, nomes e sobrenomes. De acordo com o Censo de 2000 do IBGE, convivem no Brasil estrangeiros e descendentes de estrangeiros de 65 países diferentes (as pesquisas de 2010 ainda não foram tabuladas por tópicos).
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Acostumada a ser chamada de “Japa” desde os tempos do colégio, Sung In Ra, de 25 anos, estudante de administração de empresas, tem ascendência coreana. As famílias, tanto materna quanto paterna, se mudaram para São Paulo na década de 1950, por causa das animosidades entre as duas Coreias, dividias desde 1948. “Não é fácil precisar datas, porque os que imigraram não gostam de falar detalhes. São mais fechados”. Vieram para passar curto período, até que o conflito cessasse. Mas nunca foram embora. A mãe e o pai de Sung, jovens coreanos na capital paulista, se casaram e tiveram três filhos. Como ele faleceu há 12 anos, foi a mãe que desempenhou a tarefa de criar as crianças, em Belo Horizonte, dentro das tradições, comendo a comida e falando a língua do país de origem. “Por causa dos costumes, ela espera que eu me case com um coreano. Mas já avisei que não vai dar, até hoje só namorei brasileiros”, assegura. A rebeldia, no que se refere ao namoro, não se aplica a tudo o mais. “Vivo em casa como se estivesse lá do outro lado, deixo sapato na porta”, exemplifica. “Lá” é um lugar que ela só deve conhecer em 2012, quando planeja viver e trabalhar em Seul. Mesmo sem nunca ter ido à terra de seus ancestrais, Sung se sente coreana. E nem por isso deixa de se sentir brasileira. “Não sei precisar o que sou, estou nesse choque há 25 anos. Até hoje não me defini.” ,69
KALIL HELOU BADRA
FOTO: ANA SLIKA
FOTO: IGOR MAROTTI
MARINA TEIXEIRA
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Kalil Helou Badra, de 28, morador de São José dos Campos, em São Paulo, também nunca foi ao país de onde vieram seus avós. Nem pretende: “O Líbano é uma confusão há anos. Se não mudar, não quero chegar perto”, garante. Nascido em Guajará-Mirim, em Rondônia, na infância e adolescência ele se sentia confortável sendo um entre os muitos árabes da cidade, que, “por causa da linha de trem, sempre foi uma Torre de Babel, com gregos, espanhóis e gente de todo canto”. Na infância, Kalil e seu irmão Caio, dois anos mais velho, se apaixonaram pelos aviões que constantemente cruzavam o céu do bairro. “Por causa da proximidade com a Bolívia, a região é rota certa dos voos carregados com produtos do tráfico de drogas. A razão é ruim, mas os aviões nunca saíram da nossa cabeça.” Já adultos, Kalil tornou-se engenheiro aeronáutico e seu irmão, piloto. Em 2001, Caio fazia curso para tirar o primeiro brevê, no Rio Grande do Sul, quando as Torres Gêmeas foram derrubadas em Nova York. O FBI fez um cadastro com todos os estudantes do curso de aviação no Brasil e ele foi incluído. Uma década depois, Kalil foi convidado a visitar Wichita, no estado americano do Kansas, para ser parte de um ato em memória das vítimas dos atentados de 11 de Setembro. Foi com surpresa que ele percebeu que a liberação de seu visto demorou mais do que a de seus colegas. E, no avião, a caminho dos EUA, ficou preocupado, lembrando da combinação entre cadastro pelo qual seu irmão tinha passado anos antes, seu nome, sobrenome e traços árabes. Em Guajará-Mirim, o avô paterno muçulmano e o avô materno maronita — religião cristã popular no Líbano e semelhante à católica — se casaram com bolivianas. “Tudo era ,70
misturado e simples”, lembra. No aeroporto de Atlanta, Kalil percebeu as complicações que o local de origem de sua família poderia acarretar. “Não foi só por passar pelo scanner mais de uma vez que me senti humilhado. Foi um conjunto de ações que me fazem acreditar que não devo voltar àquele país. Não sei se gostaria de passar por aquilo de novo.” Sobre sua identidade, afirma: “Sou 100% brasileiro”. Mas completa: “A culinária árabe tem seu lugar. E, ah, também sinto raiva quando vejo os conflitos entre o Líbano e Israel, no telejornal. Sempre fico do lado do Líbano”. *****
Sem saber notícias de qualquer antepassado vindo de fora do Brasil, a designer gráfico Marina Teixeira, de 27, desperta dúvidas quanto à sua nacionalidade por causa de seu biotipo. “No Rio, ao passar por uma pessoa que alugava casas de veraneio para turistas, percebi que ela imediatamente parou de dizer ‘apartamento! Apartamento!’ e trocou para o inglês ‘apartment! Apartment!’, assim que me viu”, conta, dando risada. A confusão não se dá só por aqui, “em Madri, um cara não podia acreditar que existem ruivas brasileiras”, ela completa. Na infância, o pai de Marina era a única criança de cabelos vermelhos de Bom Despacho, no interior de Minas. A característica lhe rendeu um apelido: “Colorido”. Quando se mudou para Belo Horizonte, ele conheceu uma moça de cabelos castanhos, mas que tinha “uns primos ruivos”. Foi dessa junção genética que os filhos do casal herdaram a cor irlandesa de seus cabelos. Como uma adaptação da Marina Morena de Dorival Caymmi, ela virou Marina Ruiva. “Ou somente ‘Ruiva’, muita gente nem sabe que meu nome é Marina”, afirma. Além de apelido, a cor do cabelo virou endereço de e-mail e nome do perfil de uma rede social.
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As três gerações no Rio Grande do Sul fizeram da família de Juliana Winck, de 34, menos alemã a cada ano. E totalmente gaúcha. “Essa é minha principal identidade, mesmo antes da brasileira.” Nascida em Santa Bárbara do Sul, ela cresceu em Carazinho, no interior do mesmo estado e passou um ano em Porto Alegre, antes de estudar moda no Rio de Janeiro, em 1999. Na capital fluminense, conheceu um mineiro que fez com que mudasse de planos e de rota. Fixou residência em Belo Horizonte, casou, teve um filho, separou e, apesar de estar há oito anos no novo endereço, ainda não consegue se referir a ele como sua casa. “Casa, mesmo, só no Rio Grande do Sul.” Caucasiana como tantos outros brasileiros, ela se assusta com os estrangeiros que duvidam de sua nacionalidade por conta da cor da pele e do cabelo loiro. “No meio do ano, enquanto fazia uma especialização em Bournemouth, no Reino Unido, o vendedor de uma loja perguntou se eu era brasileira ou alemã. Olha que esquisito”, ela relembra. E emenda: “E, em diferentes cidades italianas, muita gente achou interessante uma loira ter nascido no Brasil”. Para Juliana, o pior é o fato de ser difícil explicar para esses estrangeiros que, além de brasileira, ou antes de ser brasileira, ela é gaúcha.
JULIANA WINCK
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FOTOS: ANA SLIKA
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O bisavô materno de DJZeu era escravo numa fazenda de café no entorno da cidade mineira de Governador Valadares. O avô também trabalhou na lavoura cafeeira, embora alforriado. Quebrando o ciclo rural no qual a família estava inserida, sua mãe, Ermita, se mudou para Belo Horizonte em busca de novas oportunidades. Mas se alojou numa favela. “A consciência do passado escravo sempre esteve comigo. Em minha casa, há um ferro de passar roupas daquele tempo e, na escola, aprendendo sobre as senzalas, desde muito cedo percebi que a realidade do negro não mudou muito ao longo do tempo”, reflete. Do primeiro casamento, a mãe teve dois filhos: uma menina e um menino, que precisou de doação de sangue e foi ajudado por um amigo da família. Esse amigo, mais tarde, se tornou o segundo marido de Ermita e, da união, tiveram sete filhos. Zeu é o mais novo deles. O avô paterno, que veio da Sicília, saiu de lá e veio para o Brasil. Dessa parte da família, a conexão de Zeu é com a culinária, além das lembranças do pai que falava italiano. Envolvido com o movimento hip hop, para o DJ, o assunto identidade é coisa séria. “Penso que os negros do Brasil são semelhantes aos africanos que vieram para cá forçados, como meus antepassados. Mesmo com os problemas, somos alegres”. Mas a consciência social também é séria e o faz concluir. “Há quem romantize a favela, mas ela é um lugar cruel, a senzala da atualidade, todos querem sair de lá. Mudou o nome do local de confinamento. Mas são os mesmos pés descalços”, revela com frases bem pausadas Zeu, que não gosta de revelar seu nome de batismo e se considera um “brasileiro negro”, não “um brasileiro e ponto”.
DJZEU
O DIFERENCIAL AQUI NÃO É O FATO DE HAVER PESSOAS PROVENIENTES DE VÁRIAS NAÇÕES, MAS O FATO DE TEREM SE MESCLADO E DADO ORIGEM A UM ÚNICO MOSAICO DE TRAÇOS, NOMES E SOBRENOMES
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O Grande Gatsby, Scott Fitzgerald (L&PM Pocket)
Publicado em 1925, O Grande Gatsby, de Scott Fitzgerald, tornou-se um dos clássicos da literatura mundial. Ambientado no verão de 1922, em Long Island, o livro narra o caos, a euforia e o vazio de uma sociedade elegantemente perdida. Jay Gatsby é um empresário misterioso que desperta rumores sobre sua fortuna, famoso pelas festas em sua mansão regadas a álcool e jazz. Gatsby cultiva um antigo amor mal resolvido por Daisy, que vive entre a paixão do passado e seu casamento cambaleante com um milionário. Retrato da geração de 1920, da chamada Era do Jazz — e Fitzgerald é certamente seu melhor cronista —, O Grande Gatsby escancara o sonho americano, glamouroso e decadente, lindo e melancólico. O livro ganhou sua primeira adaptação para o cinema em 1974, com Robert Redford no papel de Jay Gatsby e Mia Farrow interpretando a confusa Daisy Buchanan. Uma segunda versão já está sendo filmada, com Leonardo DiCaprio na papel principal. O lançamento está previsto para dezembro de 2012.
por Bruno Mateus
Pantera no porão, Amós Oz (Companhia das Letras)
Budapeste, Chico Buarque (Companhia das Letras)
Jerusalém, verão de 1947, último ano da ocupação inglesa na região. Um garoto de 12 anos fica amigo de um sargento inglês. Fantasiando ser militante pela resistência judaica, pensa estar tirando proveito dessa aproximação em favor do futuro estado israelense, mas é visto como traidor pelos amigos. Lançado em 1999, Pantera no porão é um relato autobiográfico que passeia entre o real e o imaginário. O livro deu origem ao longa O pequeno traidor (2007), do diretor Lynn Roth.
Lançado em 2003, o romance conta a história de José Costa, um talentoso ghost writer que escreve artigos, cartas, discursos e livros para terceiros assinarem. Voltando de um congresso na capital húngara, Costa se apaixona por uma mulher, e sua esposa o espera, grávida, no Rio de Janeiro. E é entre Budapeste e Rio, entre as duas mulheres, que Costa tenta descobrir-se, ao mesmo tempo em que se divide em dois. O filme homônimo chegou ao cinema em 2009, dirigido por Walter Carvalho.
divulgação
imagens: DIVULGAÇÃO
Livros que viraram filmes
PRATA CASA
da
por Lucas Buzatti
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Nas últimas décadas, Minas se afirmou como uma das grandes potências do pop rock nacional, mantendo um padrão de nomes de qualidade. Prova recente disso é a Shitam, banda formada em 2008 por Bernardo Viana (vocal), Danilo Hamdan (bateria), Eduardo Dequech (guitarra), Matheus Ribeiro (guitarra) e Euclydes Bomfim (baixo). Apesar da criação musical inspirada no rock clássico de ícones como Led Zeppelin e AC/DC, a banda propõe uma sonoridade própria, sem a necessidade
de se prender ou ser semelhante a nenhum gênero. Saindo por aí, o recém-lançado debut, ilustra perfeitamente o momento do quinteto, que já tocou nas principais casas de BH e quer, agora, partir para o interior do estado. A aceitação começa a ser percebida pelos membros, que têm, hoje, a banda como prioridade. “É a realização de um sonho. Fazer música, expressar o que temos a dizer, interagir com diferentes pessoas e ambientes. É especial”, conclui o guitarrista Matheus.
COLUNA
A MÚSICA E O TEMA PARAÍSO TROPICAL por Kiko Ferreira
CAMILA MIRANDA/DIVULGAÇÃO
Arquivo O Cruzeiro/EM-D.A Press
Cada um na sua: o Brasil virou música nas letras de Ary Barroso e Mano Brown (abaixo)
Brasil, qual é o seu negócio? O nome do seu sócio? Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro. Brasil, escutai vossos pandeiros, iluminai os terreiros, que nós queremos sambar. O Brazil não merece o Brasil. O Brazil nunca foi ao Brasil. Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou. São trezentos picaretas com anel de doutor. Eles ficaram ofendidos com a afirmação, que reflete na verdade o sentimento da nação. É lobby, é conchavo, é propina e jeton. Variações do mesmo tema, sem sair do tom. Oh, musa do meu fado. Oh, minha mãe gentil. Te deixo consternado no primeiro abril. Mas não sê tão ingrata! Não esquece quem te amou e em tua densa mata se perdeu e se encontrou. Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal: ainda vai tornar-se um imenso Portugal! As praias do Brasil ensolaradas. O chão onde o país se elevou. A mão de Deus abençoou. Mulher que nasce aqui tem muito mais amor. O céu do meu Brasil tem mais estrelas. O sol do meu país mais esplendor. A mão de Deus abençoou. Em terras brasileiras, vou plantar amor. Eu te amo, meu Brasil, eu te amo. Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil. Eu te amo, meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura a juventude do Brasil. Brasil com P: pesquisa publicada prova. Preferencialmente preto, pobre, prostituta pra policia prender. Pare, pense, por que, prossigo. Pelas periferias praticam perversidades. PMs pelos palanques políticos prometem, prometem pura palhaçada. Proveito próprio, praias programas, piscinas, palmas. Pra periferia pânico, pólvora. Pá, Pá, Pá. Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse? Sou brasileiro de estatura mediana. Gosto muito de fulana, mas sicrana é quem me quer. Porque no amor quem perde quase sempre
ganha. Veja só que coisa estranha, saia dessa se puder. Não guardo mágoa, não blasfemo, não pondero. Não tolero lero-lero, devo nada pra ninguém. Sou descansado, minha vida eu levo a muque. Do batente pro batuque faço como me convém. Quando você for convidado pra subir no adro da fundação Casa de Jorge Amado, pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos, dando porrada na nuca de malandros pretos, de ladrões mulatos e outros quase brancos, tratados como pretos. Só pra mostrar aos outros quase pretos (e são quase todos pretos) e aos quase brancos pobres como pretos, como é que pretos, pobres e mulatos e quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados. E não importa se os olhos do mundo inteiro possam estar por um momento voltados para o largo, onde os escravos eram castigados. O Haiti é aqui. O Haiti não é aqui. Aqui é o meu país. Nos seios da minha amada. Nos olhos da perdiz. Na lua, na invernada. Nas trilhas, estradas e veias que vão. Do céu ao coração. Aqui é o meu país. De botas, cavalos e histórias. De iaras e sacis. Violas cantando glórias. Vitórias, ponteios e desafios no peito do Brasil. Me diz, me diz como ser feliz em outro lugar. Aqui é o meu país. Dos sonhos sem cabimento. Aqui sou um passarim, que as penas estão por dentro. Por isso aprendi a cantar. Voar, voar, voar. Me diz, me diz, como ser feliz em outro lugar. Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora. O Brasil, do ufanismo pré, durante e pósditadura ao terceiro milênio, pelas letras de músicas de Ary Barroso, Cazuza, Herbert Vianna, Maurício Tapajós & Aldir Blanc, Chico Buarque, Dom & Ravel, Racionais MCs, Jorge Ben Jor, Renato Russo. Edu Lobo & Capinam, Caetano Veloso & Gilberto Gil, Ivan Lins.
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PERFIL
GAROTO PRODÍGIO
Empreendedor social de sucesso, Renê Silva, de 18 anos, criou o jornal Voz da comunidade porque queria que os problemas do morro fossem ouvidos. Conseguiu. Agora, sua fala impressiona em palestras e em entrevistas veiculadas no Brasil inteiro
POR SABRINA ABREU FOTOS PAULA HUVEN
Renê Silva é um profissional de sucesso. Com o Voz da comunidade, jornal que criou há sete anos, construiu uma carreira que o colocou em contato com alguns dos maiores comunicadores do país — como o jornalista Willian Bonner e a apresentadora Regina Casé —, recebeu convites para ser palestrante em eventos de renome — Campus Party e TEDxCuritiba — e foi premiado — Faz a diferença, do jornal O Globo, e Real-Time Academy of short form arts & sciences, o “Oscar“ do Twitter. O currículo, impressionante por si só, torna-se ainda mais digno de atenção quando se considera a idade do empreendedor a nossa frente: 18 anos (sim, tinha 11 quando deu início ao jornal, com conceito e nome criados por ele). E, apesar de sua fala e atitude não evidenciarem as dificuldades pelas quais passou, também faz sua carreira bem-sucedida ainda mais ad,76
mirável o fato de ter nascido no Morro do Adeus, uma das 12 favelas que compõem o Complexo do Alemão. Orfão de pai aos 7 anos, Renê foi criado, junto ao casal de irmãos mais novos, pela mãe, com a ajuda dos avós, moradores de uma casa ao lado da sua. Desde muito cedo, olhando para os lados e vendo que havia quem precisasse de ajuda, alimentou o desejo por ajudar o próximo. Começou a realizar o objetivo aos 10 anos, arrecadando alimentos que formaram 25 cestas básicas. Quando viu os resultados do poder da mobilização, nunca mais parou. O Voz da comunidade surgiu um ano depois. Aos poucos, foi ganhando destaque na mídia nacional. Em 2010, ganhou visibilidade no Brasil e no mundo, enquanto a polícia tomava o Complexo e os enfrentamentos com os traficantes, os tiros, as áreas de cada ação eram reportadas por Renê e seus companheiros de redação, via Twitter. Hoje, o jornal tem periodicidade mensal, tiragem de 5 mil exemplares e se desdobrou num portal que serve a outros morros cariocas. Em breve, terá um
programa em vídeo veiculado pela internet. Um ano, alguns prêmios e várias viagens depois, Renê se dá conta, cada vez mais, da importância de seu papel como empreendedor social. A sede do Voz da comunidade, espaço cedido pelo grupo Afroreggae, foi equipada pelo programa Caldeirão do Huck. Renê foi garoto propaganda da Tim, virou consultor da TV Globo na temporada 2011. E faz planos de ser um empresário da comunicação. Ser funcionário de qualquer lugar, realmente, seria pouco para ele. Com a bolsa de jornalismo garantida por uma faculdade carioca e estágio prometido num canal esportivo de TV, o futuro parece promissor. Mas o adolescente está bem conectado com o presente, curtindo o bom momento, como mostrou ao nos receber, na redação com vista para o morro, com sorriso no rosto e ouvidos atentos aos fogos que indicariam a quantas andava o clássico Flamengo x Vasco, naquele domingo de final do Campeonato Brasileiro. De fato, para marcar entrevista no horário da partida mais importante do ano para seu time, ele teve que ser muito, muito profissional — sacrifício atenuado pelo fato de o rival não ter levado o titulo deste ano. O QUE VOCÊ ACHA QUE FEZ DE VOCÊ UMA PESSOA MOBILIZADORA, EMPREENDEDORA? DESDE PEQUENO, empre gostei de fazer alguma coisa pelo próximo, ajudar. Via campanhas na TV, “ajude o Fome Zero, contribua com alimento não perecíve”, ou “contribua com brinquedo“. Queria ajudar, mas era muito pequeno e não conseguia. Em 2004, antes de completar a 4ª série, fiz uma campanha na rua da minha escola — que cortava um bairro nobre, na Zona Norte mesmo. Fui de porta em porta com outros três colegas e conseguimos material para formar 25 cestas básicas para o Natal. COMO SURGIU O VOZ DA COMUNIDADE? COMECEI O JORNAL quando tinha 11 anos de idade, estudava numa escola municipal e, depois de um tempo, comecei a conversar com a diretora para criar um jornal para a comunidade. Já existia um jornal escolar criado pelo grêmio [estudantil], mas perguntei se a gente poderia criar um jornal para os moradores. Ela falou: “você tá maluco, é muito jovem, tem 11 anos, não dá para fazer isso ainda”. Mas eu disse: “vamos tentar”, e comecei. A primeira edição saiu em agosto de 2005. E a diretora foi dando todo o apoio. EXISTIA UMA EQUIPE? O PRIMEIRO fiz com a direção da escola e os professores, eu era o único aluno. Eles ajudaram bastante com a correção, o que iria falar, o que não iria falar, essas coisas. A diretora me ensinou a usar o computador, porque eu não sabia ainda. O QUE O LEVOU A TER ESSA IDEIA? HAVIA MUITA NECESSIDADE na comunidade. Os moradores daqui precisavam muito ter informações sobre eventos que estavam acontecendo, precisavam expor os problemas sociais. A grande mídia não ia à comunidade, ainda não vai muito. Por exemplo, não vai cobrir um esgoto a céu aberto dentro da favela, faz isso na Zona Sul. ESTOURA UM CANO NA ZONA SUL E ISSO É NOTÍCIA. ESTOURA AQUI E NÃO É. MAS É NOTÍCIA para o Voz da comunidade. Por isso comecei, achava que precisávamos ter voz e daí surgiu o nome também.
E NOS JORNAIS SEGUINTES, DE SETEMBRO, OUTUBRO, OS COLEGAS COMEÇARAM A COLABORAR? DEPOIS DO PRIMEIRO, um monte de gente surgiu querendo participar, outros vizinhos da minha idade, outras crianças. As pessoas foram me ajudando, tirando fotos. Eu não tinha máquina, mas pegava emprestada. Depois de uns dois anos, o jornal começou a ser sustentado apenas por comerciantes locais e consegui dinheiro para comprar o computador, uma câmera digital. O ESPAÇO DA PRIMEIRA REDAÇÃO NÃO ERA ESSE. Era na minha casa. Meio complicado: a sala de televisão e de almoçar era o espaço de reunião e outras coisas do jornal. Depois de um tempo, a associação de moradores abriu um espaço. Ficou sendo na minha casa por dois anos, minha mãe participou de todo esse processo. No início, ela apoiava, mas não gostava que eu chegasse tarde, depois da aula — se tivesse um acidente na rua da escola, eu ficava até mais tarde procurando saber o que tinha acontecido e atrasava para voltar para casa. Depois da 5ª série, na mesma escola onde comecei o jornal, fui chamado para ser bolsista numa escola particular aqui perto. Eu distribuía o jornal de porta em porta e ele caiu nas mãos de uma diretora que eu ainda não sabia quem era. Ela ligou para minha mãe e ofereceu a bolsa CONTA SOBRE SUA FAMÍLIA, A HISTÓRIA DA SUA MÃE E DO SEU PAI, COMO ELES VIERAM PARA CÁ. MINHA MÃE é nascida e criada no Complexo do Alemão, a família dela é daqui mesmo do Rio e a do meu pai é da Paraíba. Ela tem 37 anos, viúva do meu pai, que morreu quando eu tinha 7. Ele era gari comunitário e morreu porque era alcoólatra, bebia muito. Deixou meu irmão, Renato, que hoje tem 15 anos, e eu. Minha irmã tem 9 anos e é filha do segundo casamento da minha mãe. Atualmente, minha mãe é solteira. Moramos nós quatro e minha avó mora do lado. VOCÊ FALOU DA CAMPANHA FOME ZERO, QUE ERA DO [SOCIÓLOGO] BETINHO. TEM MAIS ALGUÉM QUE LHE INSPIRE A AJUDAR OS OUTROS? NÃO [pensativo]... Que me inspire a ajudar os outros, acho que não. Pelo menos, que eu me lembre agora. E NO JORNALISMO? O WILLIAM BONNER. Posso até mandar uma foto que tenho com ele, se você quiser. TEM SIDO MUITO REPERCUTIDO O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DA PACIFICAÇÃO DO COMPLEXO DO ALEMÃO. COMO MORADOR, QUE DIFERENÇA ISSO FEZ NO SEU NO DIA A DIA? A DIFERENÇA é que o Voz da comunidade realmente virou referência no Morro do Alemão. Por exemplo, na semana passada, o teleférico ficou paralisado durante uma hora e balançando muito. Já tinham tirado os moradores, mas a gente estava aqui na redação e fez as imagens do teleférico balançando, publicamos e a TV Globo ligou perguntando se podia exibir. Exibiram e deram os créditos para o Voz da comunidade. Outra [diferença] é que a gente percebe a grande mídia abordando mais casos das comunidades e está creditando mais essas novas mídias — como a nossa, comunitária. Mas, às vezes, a gente vê uma matéria nossa completa em outro portal de notícia, falando do Alemão e sem falar que é do Voz da comunidade, assinam “Da redação”. ,77
TEREMOS, A PARTIR DE JANEIRO — EXCLUSIVA PARA VOCÊS ESSA NOTÍCIA — O CHURRASCO NA LAJE. ESSE É O NOME DO NOSSO PROGRAMA, VAMOS ENTREVISTAR DIVERSAS PERSONALIDADES DA TV
VOCÊ JÁ SOFREU PRECONCEITO POR MORAR NO MORRO DO ADEUS? ACHO QUE NÃO, sempre quando vou a eventos, sou bem tratado. Mesmo antes [de ser conhecido], também nunca tive problema. Mas alguns comerciantes que não são moradores do morro diziam: “ah, esse jornal aí, sei lá”, não acreditavam muito no trabalho, não davam uma chance. Isso, logo no começo, agora tem briga até para anunciar [risos]. E JÁ SENTIU ALGUM OUTRO TIPO DE PRECONCEITO? SIM, POR SER NEGRO. É um assunto muito complicado de falar, na escola a gente trata, o professor fala de um tema, os alunos começam a questionar a cota para negros, por exemplo, se é a favor, se é contra. VOCÊ É A FAVOR? SIM, porque acredito que os brancos, geralmente, têm boas condições de vida e conseguem estudar em escola particular e quando vão fazer faculdade, fazem em faculdades públicas. O negro vem da escola pública e quando vai fazer a faculdade pública, não consegue. Se não houvesse a cota, acho que nem haveria negro nessas faculdades, é muito mais difícil. O pobre não consegue na pública e vai recorrer à particular, e vai ter que trabalhar durante o tempo em que está estudando para poder pagar. VOCÊ ACHA QUE ESTÁ MUDANDO A IMAGEM DO MORRO, JÁ QUE GANHOU DIFERENTES PRÊMIOS, VIAJA FAZENDO PALESTRAS E VÁRIOS PROGRAMAS DE TV VIERAM AQUI PARA LHE ENTREVISTAR? SIM, acho que está mudando esse aspecto de falar “na favela só tem bandido, na favela as pessoas não querem estudar, na favela ninguém quer nada com a vida”. A gente está mostrando um lado diferente e isso serve de ,78
Flamenguista de coração: Renê não segurou a curiosidade aguçada pelo barulho dos foguetes e ligou o celular para saber o resultado do clássico. Bem na hora do gol do Vasco. Mas deu empate e o rival não foi campeão
exemplo para os jovens daqui. VOCÊS INSPIRARAM NÚCLEOS DE COMUNICAÇÃO EM OUTRAS COMUNIDADES. EXISTEM em vários lugares. Semana passada, um menino estava falando comigo no Twitter que criou um Voz da comunidade em Manaus e está tendo a maior repercussão, que as pessoas estão gostando. Ontem, mandei o logotipo para eles escrito “Voz da comunidade Manaus”. [BARULHOS DE FOTOS E GRITOS DA TORCIDA DEIXAM O ENTREVISTADO DESCONCENTRADO.] SE VOCÊ QUISER VER DE QUEM FOI O GOL, EU ESPERO NUMA BOA. ACHO que não precisa. Deve ser do Flamengo. Ou não... [decide conferir de quem foi o gol, na tela do celular]. Foi do Vasco [fala, fazendo um sinal com o polegar para baixo]. HOJE, VOCÊ FEZ DISSO O INÍCIO DE UMA CARREIRA. MAS, EM ALGUM MOMENTO, PENSOU EM DESISTIR? NÃO CHEGUEI A PENSAR, pelo fato de no início não ter sido uma coisa tão séria. A gente fazia sem pensar muito na responsabilidade de levar a informação para o leitor. Como tinha 11 anos, não tinha muita noção do que era ou não era notícia. Com o passar do tempo, fui descobrindo. QUANDO VIU QUE FOI FICANDO MAIS SÉRIO? QUANDO EMPRESAS GRANDES começaram a anunciar, como o Santander. O valor era muito alto, eles pediam um orçamento e eu não sabia nem orçar. NO ÍNICIO, COMO COLOCAVA O PREÇO? FALAVA UM PREÇO bem baixo e eles respondiam: “não, o que é isso”, e pagavam mais. Isso foi em 2007 e 2008. EM 2009, VOCÊ FEZ O TWITTER E ELE FICOU MEIO PARADO, MAS EM 2010, QUANDO A POLÍCIA TOMOU O ALEMÃO, PASSOU A SER UMA FERRAMENTA IMPORTANTE.
FOI MESMO. Depois do Twitter, o Voz da comunidade mudou, fico conhecido nacionalmente e até internacionalmente. Todas as emissoras noticiavam, foi isso que fez com que a gente pudesse ter maior visibilidade e as pessoas acreditarem mais no projeto. QUAIS OS PRÓXIMOS PLANOS PARA O VOZ DA COMUNIDADE? TEMOS O JORNAL IMPRESSO, o portal [Vozes da comunidade] e teremos, a partir de janeiro — exclusiva para vocês essa notícia [risos] — o Churrasco na laje. Esse é o nome do nosso programa, vamos entrevistar diversas personalidades da TV. A gente já convidou a Regina Casé, a Fernanda Paes Leme, a Preta Gil, o Dudu Nobre — churrasco com pagode, tudo a ver. E a ideia dessa TV é fazer um canal no YouTube, no qual as pessoas de fora da comunidade vão ter acesso aos programas. E, aqui, as pessoas terão cinco pontos fixos, que nos finais de semana vão ser exibidos os programas. QUANDO PENSA NO FUTURO, VOCÊ ACHA QUE VAI CONTINUAR MORANDO AQUI OU TEM VONTADE DE MUDAR? NÃO TENHO vontade de mudar, não. Acho que vou continuar aqui, mas num novo espaço, dentro da comunidade, e continuar fazendo esse trabalho, que é muito grande e tem muito a crescer. O QUE VOCÊ FAZ NO SEU TEMPO LIVRE? VOU À PRAIA, Ipanema ou Copacabana, vou ao Centro Cultural Wally Salomão, que fica em Vigário Geral, vou ao teatro também, Teatro Miguel Falabella, aqui próximo, no Norte Shopping. Costumo ir muito ao shopping assistir filmes, aqui na comunidade tem um cinema também. QUANDO ESTÁ POR AÍ, EM IPANEMA, POR EXEMPLO, AS PESSOAS LHE RECONHECEM? ACONTECE BASTANTE. No metrô, em muitos lugares. As pessoas ficam perguntando “você é o menino do jornal, o Renê do Complexo do Alemão? Como que é lá?“. Perguntam e pedem
para tirar foto. Fico feliz de ter meu trabalho reconhecido e saber que, através dele, as pessoas gostam e pensam no próximo. QUAL FOI O ÚLTIMO FILME QUE VOCÊ VIU? FOI Amanhecer, que teve a estreia aqui, todo mundo da escola foi e eu disse “vamo embora”. Mas esse é o penúltimo filme [da saga] e o primeiro que assisti. É UM FILME ROMÂNTICO. VOCÊ É UM CARA ROMÂNTICO? BASTANTE [risos]. E ESTÁ NAMORANDO? AGORA, não. E ISSO SIGNIFICA O QUÊ? SOFREU QUANDO TERMINOU? JÁ SOFREU ALGUMA VEZ? NÃO, sou bem tranquilo quanto a isso, não sofro, não tenho aquilo de dizer “estou triste, estou chorando”. Terminou, acabou, não deu certo. Enfim, não tenho disso, não. JÁ ACONTECEU DE UMA MATÉRIA QUE VOCÊ FEZ GERAR PROBLEMA, DEIXAR ALGUÉM DESCONTENTE? SEMPRE TEM ALGUM PROBLEMA, mas a gente resolve na hora. Um exemplo é quando a gente vai gravar em algum lugar e a pessoa não quer deixar, então tem que conversar, explicar como é, que é da própria comunidade. Às vezes, pensam que é de uma grande emissora, que vai sair no Brasil todo, mas explico que é da comunidade. As pessoas vão acreditando e dando credibilidade. VOCÊ É GAROTO PROPAGANDA DA TIM. COMO FOI ESSA EXPERIÊNCIA? NO DIA que passou, foi no último capítulo de Insensato coração, no mesmo dia do Criança esperança, no intervalo do último bloco. Não sabia que ia passar, disseram que seria 15 dias depois. Mas adiantaram. Todo mundo começou a mandar mensagem no celular, “acabei de te ver”, gente me ligando. Passava todo dia, toda hora. ,79
TODA HORA. Você via lá também? EM BH? SIM. E TINHA TAMBÉM A VERSÃO IMPRESSA. VOCÊ GUARDA ESSAS COISAS, FAZ SEU CLIPPING PESSOAL? GUARDO. Hoje em dia, nos aeroportos, a propaganda continua passando. Outro dia, estava em São Paulo e passou. Não fico falando “sou eu”, mas uma mulher olhou para minha cara, olhou para a TV, olhou para a minha cara [risos]. Fiquei na minha, mexendo no telefone, mas foi divertido [risos]. COMO VOCÊ LIDA COM O DINHEIRO QUE TEM GANHADO? GUARDO na conta bancária para fazer um investimento maior depois, comprar uma casa, um espaço na comunidade. Guardo mais do que gasto. Parte do dinheiro dos anúncios, reinvisto no jornal, filmadora nova, alguma coisa assim. CONTA UM SONHO DE CONSUMO QUE VOCÊ TENHA REALIZADO. QUERIA MUITO TER UM IPHONE, aí ganhei um da Tim, em novembro [de 2010]. Foi antes da invasão do Alemão, ninguém imaginava que eu seria garoto propaganda [da marca]. Eles viram uma reportagem que saiu em outubro, me chamaram e me deram um presente. Em janeiro, perdi – essa é a parte triste. Aí falei: “mãe, não vou colocar no banco o que eu ganhar com a próxima palestra. Vou pegar a metade e comprar outro iPhone”. Aí, fiz uma palestra em São Paulo e comprei. ISSO QUE VOCÊ FAZ É UM TIPO DE POLÍTICA. MAS QUERO SABER SE VOCÊ TAMBÉM SE INTERESSA POR OUTRO TIPO DE POLÍTICA, AQUELA DE PARTIDOS, NOMES, SOBRENOMES, BRASÍLIA. NÃO. E tomo cuidado para não ter nenhuma ligação. Leio sobre isso, pesquiso. Votei pela primeira vez ano passado. E VOTOU MAIS À ESQUERDA OU À DIREITA? CONTO em off [risos]. JÁ USOU DROGAS? NUNCA. POR QUÊ? NUNCA TIVE VONTADE, sei que não é bom, fiquei por aí. O QUE É A MELHOR COISA DO BRASIL? É a Cidade Maravilhosa. ISSO É RESPOSTA DE CARIOCA! [RISOS]. E A PIOR? [Risos.] A PIOR é a política. E QUAL É O SEU SONHO, FORA DO PROFISSIONAL? MEU SONHO é me formar na faculdade de jornalismo, continuar com esse trabalho e ter uma grande empresa de comunicação. E LÁ NA PARAÍBA, VOCÊ TEM VONTADE DE IR? SIM, tenho amigos que moram lá, que são de lá e que moraram aqui por um tempo. QUEM FOI SEU ENTREVISTADO MAIS QUERIDO? ,80
TEM ALGUM? A [escritora] THALITA REBOUÇAS. Ela veio aqui na redação, me entrevistou para a revista Contigo! e eu a entrevistei para o Voz da comunidade. Perguntei bastante sobre o que ela estava achando de subir a favela, como era lidar com o jovem COMO VOCÊ TAMBÉM É ENTREVISTADOR, QUERO SABER: QUAL A PERGUNTA QUE NÃO FIZ E DEVERIA TER FEITO? VOCÊ NÃO ME PERGUNTOU como era a venda dos primeiros anúncios. VERDADE. VOCÊ DISSE QUE TINHA UM MONTE DE COMERCIANTES QUE FALAVA QUE NÃO QUERIA ANUNCIAR NO JORNAL, NÃO ACREDITAVAM NO PROJETO E AGORA QUEREM SER ANUNCIANTES. ERA MUITO COMPLICADO, eu chegava nas pessoas oferecendo o jornal da comunidade e elas não acreditavam, porque eu era menor: “ah, você com 11 anos?”. Tive que criar uma estratégia de marketing para conquistar esse público, esses comerciantes. Eu ligava para o cara da gráfica e falava: “vou te pagar 15 dias depois que o jornal sair, vou conversar com o comerciante para ver se ele quer anunciar”. Com o jornal na mão, voltava no anunciante, mostrava a propaganda dele e recebia o dinheiro. Fiz no risco, mas deu certo, todo mundo pagou. Deu supercerto. >>
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CRÔNICO
MÁRCIA MARIA CRUZ
Márcia Maria Cruz é repórter do Núcleo de Suplementos do jornal Estado de Minas e professora do curso de publicidade e propaganda da Faculdade Promove. Autora do livro Morro do Papagaio, da coleção BH: A cidade de cada um, atua também na ong Oficina de Imagens.
SOBRESSALTO O corpo já não a pertencia mais. Agora, ele era da mandinga. Fingia que ia e ficava. Seu corpo era uma prosa. Não se rendia à poesia, a uma métrica. Era imprevisível. Não imaginava que entrar naquele universo lhe exigiria tanta reflexão. Não se preocupou com o que não era capaz de fazer. Simplesmente queria sentir o que estava por vir, dar rasteira, virar de cambalhota, manter-se sobre as mãos com as pernas erguidas e retas. Queria sentir o corpo rodopiar, perder o controle dos movimentos e entrar naquela insanidade. Dominar um espaço que não era dela. Queria pular, correr e parar. Ver o outro por debaixo das pernas, respirar de maneira ofegante. Cansar-se e depois sentar. Queria sentir o calor passar por músculos que até então desconhecia em seu corpo. Como se manter rente? Não conseguia. Não tinha habilidade para ser o que a maioria das pessoas era. Sentia-se como se estivesse interpretando. Sua natureza era outra. Era da dubiedade. Ela ficaria horas sentada, olhando para a parede à espera de que algo pudesse acontecer. Mas poderia pegar o pincel e mudar o rumo daquele instante. Tinha vergonha de admitir, mas tudo aquilo era muito erótico. Como sentir-se assim ali diante de tantas pessoas? Vivia no limiar da prosa e da poesia. Não conseguia se equilibrar. Sempre que tentava, transbordava para um lado. Sonhava à noite e acordava de sobressalto. Caminhou por algum tempo e resolveu entrar naquela igreja que todos os dias roubava sua atenção. Abaixou a cabeça para rezar, mas não conseguiu. Saiu dali como entrou — sem transformações ou conversões. Não queria! Sentia certo prazer na maldade, embora não admitisse nem para si mesma. Mas mesmo assim, decidiu que todos os dias iria passar por ali, e assim o fez por dezenas de vezes. Quem a visse
entrar reiteradas vezes naquele local, pensaria que ela estava sofrendo de um mal, ou o quê mais a levaria copiosamente a entrar? Cada dia passeava por um templo diferente. Olhava os bancos e as cores das paredes. Pensava em quem tinha optado pelo azul e não o verde. Ficava minutos e até horas naquela observação. Por meses, transformou aquele hábito em rotina. Gostava de igrejas. Não rezava, não orava. Apenas entrava, quando encontrava a porta aberta. Já não podia mais viver senão para entrar nas igrejas e ficar ali. Não imagina que entrar naquele universo lhe exigiria tanta agilidade. Aquilo tomava conta de seu corpo. Aquela vontade a possuía de tal maneira, que não conseguia se controlar. Não era algo do espírito, era seu corpo que falava. Ela precisava estar ali e não se contentava com o mínimo. Cada dia precisa ficar mais e mais naqueles templos. Não tinha coragem de contar a ninguém que há meses — sim, mais um mês havia se passado e a vontade não se aplainava. Começou a temer que as pessoas soubessem que, todos os dias, ia para a igreja. Vestia-se de maneira diferente para que ninguém a reconhecesse. Chegou a usar perucas e óculos escuros. Começou a ir aos bairros vizinhos de maneira insana à procura de uma igreja. Percebeu que seu prazer aumentava quando se espreitava para chegar até o destino. Acordou naquele dia e seguiu para a próxima igreja a ser conhecida. Lá, já não fingia, ficava. Sua mente não a pertencia. Nada de prosa ou poesia. Era outra escrita qualquer. Tudo se desfazia diante daquela vontade visceral. Tinha vergonha de admitir, mas tudo aquilo era muito erótico. Como sentir-se assim ali diante de tantas pessoas? Não se preocupou com o que era capaz de fazer. Fez!
TUDO SE DESFAZIA DIANTE DAQUELA VONTADE VISCERAL. TINHA VERGONHA DE ADMITIR, MAS TUDO AQUILO ERA MUITO ERÓTICO. COMO SENTIR-SE ASSIM ALI DIANTE DE TANTAS PESSOAS? ,82
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