Ragga # 58 - Amizade

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REVISTA

NOVOS BAIANOS

#58 , FEVEREIRO , 12 , ANO 6

NÃO TEM PREÇO

PITTY LEONE E MARTIN MENDONÇA FORMAM O DUO AGRIDOCE

SERGINHO GROISMAN ESCREVE SOBRE SAMUEL ROSA

AMIZADE EDIÇÃO

WITH A LITTLE HELP FROM MY FRIENDS Talento e coletividade movimentam a cena cultural de BH

E mais: .Cinema em

Tiradentes .Fora do Eixo

TAMO JUNTO!

, SKATE DE TERNO E GRAVATA

BUSCANDO INSPIRAÇÃO NO ESPORTE, FELLIPE LIMA, O KIZÚ, REINVENTA SUA VIDA


REALIZAÇÃO DE FÓRUM TÉCNICO

para propor medidas de combate à violência nas escolas.

CRIAÇÃO DA BOLSA RECICLAGEM ANTECIPAÇÃO DA META DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

No final de 2012, Minas será o primeiro Estado brasileiro a oferecer serviços básicos de assistência social em 93% dos municípios.

Incentivo ao trabalho dos catadores de lixo reciclável.

EXTINÇÃO DA PENSÃO VITALÍCIA

de ex-governadores e seus dependentes.

150 EVENTOS

com participação da população, principalmente a mais carente.

2011 chegou ao fim, mas a luta da Assembleia Legislativa contra as desigualdades sociais e regionais continua. Acesse o nosso Portal para saber muito mais.

www.almg.gov.br Assista à TV Assembleia. Agora em sinal aberto para BH e região. Sintonize o canal 35 UHF.


APROVAÇÃO DO FUNDO ESTADUAL DE ERRADICAÇÃO DA MISÉRIA

REALIZAÇÃO DO SEMINÁRIO LEGISLATIVO DE COMBATE À POBREZA E À DESIGUALDADE em BH e 12 cidades do interior.

sobre o feijão e material de construção e aumento sobre cigarros, bebidas alcoólicas e armas.

no valor de R$ 200 milhões por ano.

MONITORAMENTO E REVISÃO DO PPAG

402 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

em todo o Estado para tratar de assuntos de interesse dos cidadãos.

REDUÇÃO DE IMPOSTOS

Com a participação da sociedade, a Assembleia acompanha de perto a execução do Plano Plurianual de Ação Governamental.

INSTALAÇÃO DA COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.




BÚSSOLA

já é de casa

10 26 38 50 56 62

DESTRINCHANDO

20

Os três engravatados Há mais de 15 anos, eles dividem a paixão pelo skate

ESTILO , Zeca Perdigão ON THE ROAD

QUEM É RAGGA

RAGGA GIRL , Érica Weber

28

Cidade em movimento A efervescente cena cultural de BH e suas teias de amizade

36

Bons amigos Serginho Groisman conta como conheceu Samuel Rosa

44

Companheiros Fellipe Lima, o Kizú, busca superação no esporte e nos amigos

52

Múltiplos eixos Presente em 25 estados do país, Fora do Eixo divide opiniões

74

Outros caminhos Pitty e o parceiro Martin falam sobre o projeto Agridoce, literatura e Woody Allen

EU QUERO , Amizade


BRUNO SENNA

EDITORIAL

CLIQUE Fala-se muito em individualismo nos tempos atuais, mas não acredito nisso, acho sinceramente que essa seja uma visão míope. Certamente, passamos mais tempo sozinhos em frente ao computador, e essa provavelmente seja a causa dessa impressão equivocada. Mas, o que parece individualismo é, na verdade, uma enorme vontade de se conectar e comunicar com o maior número possível de pessoas. Afinal, por que passamos tanto tempo na frente de um computador? Basicamente, por querer trocar informações e criar novos relacionamentos. É uma mudança de processo, e toda mudança demora um tempo para se mostrar presente. Precisa ser digerida, compilada, processada, para então se tornar um fundamento claro. Um clique no mouse, uma atitude aparentemente individualista pode ser, na verdade, parte de uma revolução de proporções coletivas nunca antes percebida. Quantas pessoas não se sentiram parte de uma decisão

política ao perceberem que o prefeito de Belo Horizonte vetou a proposta de aumento salarial dos vereadores? O clique foi feito em casa, sozinho, dentro do quarto, mas foi como pintar a cara e ir para a rua. Nunca nos sentimos tão presentes sem estarmos lá. Contraditório, não? Vivemos a era individualista mais coletiva da história. Com a amizade não é diferente, clique aqui e ganhe um novo amigo, mais um entre os milhares que você vai “acumulando” na sua página. Novamente a contradição. Afinal de contas, amizade não é aquela coisa fraternal, criada e cultivada com cerveja gelada, risadas, viagens inesquecíveis, decepções, perdões, respeito e lealdade? Sim, mas por que não podemos ter amigos em um clique? São os novos tempos, é mais uma mudança no processo. Logo também veremos o resultado disso. A amizade é o tema desta edição e, seja ela instantânea ou de longo prazo, é a protagonista de grandes histórias contadas nas próximas páginas. Boa leitura. Lucas Fonda — Diretor Geral lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br


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EXPEDIENTE

RAGGA SÓ DE FOTOS

DIRETOR GERAL lucas fonda [lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br] DIRETOR DE COMERCIALIZAÇÃO E MARKETING bruno dib [brunodib.mg@diariosassociados.com.br] ASSISTENTE FINANCEIRO nathalia wenchenck [nathaliawenchenk.mg@diariosassociados.com.br] GERENTE DE COMERCIALIZAÇÃO E MARKETING rodrigo fonseca [rodrigoalmeida.mg@diariosassociados.com.br] PROMOÇÃO E EVENTOS isabela daguer [isabeladaguer.mg@diariosassociados.com.br] EDITORA sabrina abreu [sabrinaabreu.mg@diariosassociados.com.br] SUBEDITOR bruno mateus [brunomateus.mg@diariosassociados.com.br] REPÓRTERES bernardo biagioni [bernardobiagioni.mg@diariosassociados.com.br] flávia denise de magalhães [flaviadenise.mg@diariosassociados.com.br] izabella figueiredo [izabellafigueiredo.mg@diariosassociados.com.br] JORNALISTA RESPONSÁVEL sabrina abreu – mg09852jp NÚCLEO WEB guilherme avila [guilhermeavila.mg@diariosassociados.com.br] lara dias [laradias.mg@diariosassociados.com.br] ESTAGIÁRIOS DE REDAÇÃO diego suriadakis [diegoperez.mg@diariosassociados.com.br] izabela linke [izabelalinke@diariosassociados.com.br] DESIGNERS anne pattrice [annepattrice.mg@diariosassociados.com.br] bruno teodoro [brunoteodoro.mg@diariosassociados.com.br] marina teixeira [marinateixeira.mg@diariosassociados.com.br] marcelo andrade [marcelotorres.mg@diariosassociados.com.br] FOTOGRAFIA ana slika bruno senna carlos hauck romerson araújo ILUSTRADOR CONVIDADO estúdio cabrones [cabrones.org] ARTICULISTA lucas machado COLUNISTAS alex capella. cristiana guerra. kiko ferreira. lucas buzzati. rafinha bastos COLABORADORES damy coelho. guilherme camargos. juliana lima. roberto assem. tamás bodolay RAGGA GIRL MODELO érica weber FOTOS luciana matosinhos MAQUIAGEM amanda ribeiro PRODUÇÃO chezmoiphoto.com CAPA roberto assem REVISÃO DE TEXTO vigilantes do texto IMPRESSÃO rona editora REVISTA DIGITAL [www.revistaragga.com.br] REDAÇÃO rua do ouro, 136/ 7º andar :: serra :: cep 30220-000 belo horizonte :: mg . [55 31 3225-4400] REVISÃO DE TEXTO vigilantes do texto IMPRESSÃO rona editora REVISTA DIGITAL [www.revistaragga.com.br] REDAÇÃO rua do ouro, 136/ 7º andar :: serra :: cep 30220-000 belo horizonte :: mg . [55 31 3225-4400]

Saulo Morais Lara @saulolara // via Twitter Recebi a @revistaragga só de foto e fiquei encantado com a qualidade. Jéssica Newman @jessicanewman_ // via Twitter @revistaragga a edição desse mês tá muito maneira :) Gabriella Xavier @gaabiaquino // via Twitter É muito amor essa @revistaragga só de fotos!

PRACINHAS, EDIÇÃO DE DEZEMBRO

Roberto Rafael Guidugli Filho por e-mail Parabéns pela reportagem. Nossos jovens deveriam conhecer mais estes heróis de verdade, para valorizarem a liberdade que temos hoje.

PARA ANUNCIAR bruno dib [brunodib.mg@diariosassociados.com.br] rodrigo fonseca [rodrigoalmeida.mg@diariosassociados.com.br] SAIBA ONDE PEGAR A SUA www.revistaragga.com.br FALA COM A GENTE! @revistaragga redacaoragga.mg@diariosassociados.com.br

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AGRIDOCE

AMIZADES IMPROVÁVEIS

Veja uma divertida galeria de imagens que mostra a amizade entre animais de diferentes espécies. migre.me/7LV3c

DIRETO DA REDAÇÃO

Diga-me com quem anda... Conheça as histórias de amizades entre a galera que faz a Revista Ragga no Blog da Redação. migre.me/7LcQT

BLOGS PARCEIROS

Zonafootball Conheça o novo blog parceiro da Ragga especializado em futebol americano e, claro, cheerleaders. migre.me/7M1vq Mais Onda O ano começou bem para os surfistas brasucas e já conquistamos um novo título mundial, confira: migre.me/7LbWZ Book do Dia Leia a resenha sobre O Grande Gatsby, o romance mais célebre de Francis Scott Fitzgerald. migre.me/7LbW0

RAGGA NIGHT RUN

CARLOS HAUCK

Veja as fotos de “Quem é Ragga” na primeira etapa da corrida noturna mais animada da cidade migre.me/7OKpw

ROBERTO ASSEM

Nem sempre a amizade é sinônimo de lealdade. Confira alguns desses casos com desfechos bem trágicos migre.me/7M1zA

Ouça o disco completo do duo formado pela cantora Pitty e pelo músico Martin no site da Ragga. migre.me/7LUzv

Pedro David/DIVULGAÇÃO

AMIGOS DA ONÇA

COLUNA DA WEB

Leia a entrevista exclusiva de Lô Borges sobre seu novo trabalho, o disco Horizonte Vertical. migre.me/7Ld05


ARTIGO

Excluídos e esquecidos “Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do interior.” Belchior

POR LUCAS MACHADO ILUSTRAÇÃO ESTÚDIO CABRONES

A sociedade brasileira é ainda autoritária e, ao mesmo tempo, contraditória. É marcada por profundas desigualdades sociais, que produzem uma legião de excluídos e consagra a individualidade como um fenômeno existente apenas da classe média para cima, na qual a discriminação é quase que predominante. Digamos que isso é um fato. Mas, poxa, o que isso tem a ver com o texto? Vamos falar de um capítulo importante do movimento artístico popular que foi esquecido no Brasil: a denominada música “cafona” ou “brega”, um gênero musical que não podemos e não devemos apagar de nossa história, assim como a bossa nova e o tropicalismo, dois movimentos mais intelectualizados. É necessário fazer uma diferenciação entre o repertório musical da MPB e da música brega — lembrando que não estou fazendo uma crítica musical, não tenho credenciais para tal. A primeira era uma instituição praticamente das grandes cidades, cheia de reconhecimento cultural pelas elites urbanas; já a segunda era vista com ares pejorativos, como arte menor. A música brega, ao longo dos anos 1970 até o final dos anos 1990, fez sucesso de norte a sul do país e se transformou em patrimônio dos grandes contingentes das camadas populares e de renda inferior esquecidas pela historiografia brasileira. Durante décadas, os artistas foram protagonistas das mais altas vendagens de discos, e suas músicas batiam recordes de audiência nas rádios AM’s e depois nas FM’s. As características principais da origem dessas canções eram muito peculiares, chamavam a atenção para a segregação de classes, para os menos beneficiados, pois, além dos cantores e compositores serem oriundos das classes sociais mais baixas, cantavam e faziam sucesso entre meninos de

rua, prostitutas, homossexuais, empregadas domésticas, mendigos, sem-terra, imigrantes nordestinos, entre outros que viviam à margem da sociedade. Agnaldo Timóteo, por exemplo, era engraxate e vendedor de pastéis. Waldick Soriano não teve escola, pois desde pequeno, de enxada na mão, foi trabalhar na lavoura com os irmãos e recordou, certa vez: “Só passava debaixo da roleta no ônibus, pois não tinha dinheiro para pagar”. Ainda pequenos, os irmãos Dom e Ravel deixaram a cidade de Itaiçaba, interior do Ceará, e seguiram com a família pela mesma rota dos nordestinos. Wando era feirante, se alimentava com sobras de comida de uma fábrica de sapatos. E um dos mais famosos, Paulo Os artistas foram Sérgio, iniciou sua carreira como protagonistas aprendiz de alfaiate. havia muitos que ainda das mais altas não Eforam mencionados como: vendagens de Odair José, Cláudia Barroso, discos, e suas Benito de Paula, Lindomar Castilho, Luiz Ayrão, Evaldo músicas batiam Braga, entre outros. Nelson Ned recordes de afirma em uma de suas entrevistas: “O Brasil é o único país audiência nas do mundo que tem leis estigrádios AM’s e matizadas, tais como: o negro cozinha, a mulher para a depois nas FM’s para cama, o anão para o circo e o cego para pedir esmola”. Independente da consciência implícita ou explícita, as canções daquela geração são um documento de denúncia à falta de respeito e cidadania com que as camadas populares eram tratadas. Eu, meus caros leitores, gosto de música eletrônica e muito de rock ‘n’ roll, mas sou amplamente contra a exclusão em geral e sempre a favor dos direitos humanos. O que nos restou foi: internet ainda para poucos, lavagem cerebral de novelas e reality shows e uma educação fajuta, na qual alunos e professores continuam sem parentes importantes, sem dinheiro no banco e vindos do interior.

J.C. manifestações: articulista.mg@diariosassociados.com.br | Twitter: @lucasmachado1 | Comunidade Orkut: Destrinchando | facebook.com/lucastmachado


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COLABORADORES FOTOS: arquivo pessoal

Juliana e Guilherme se conheceram ainda na escola. Quase 15 anos depois, uniram-se para fotografar. Ela, especializada em marketing e publicidade e ele, em relações internacionais e estudos culturais. Em comum, guardam a longa trajetória de viagens, da Índia à Patagônia e da África ao Pacífico Sul. Seus interesses perpassam os esportes, as paisagens, as pessoas, os traços culturais e os ambientes urbano e natural. É deles o texto e as fotos do ensaio Os bons companheiros. jgfotoprojetos@gmail.com Paulistano de 32 anos, formado em produção editorial e fotografia pela universidade Anhembi Morumbi, Roberto Assem se divide entre a fotografia de moda — para marcas como Cris Barros — e registros de espetáculos nos SESCs de São Paulo. Nesta edição, ele clicou o ensaio da capa com Pitty e Martin. robertoassem.com.br

BRUNO SENNA

Serginho Groisman é jornalista de formação. Trabalhou em mídia impressa, foi diretor da rádio Cultura AM, professor e diretor do curso de rádio e TV da FAAP, repórter do programa 90 minutos, na Band, diretor e apresentador dos programas TV MIX 4 (TV Gazeta), Matéria Prima (Cultura), Programa livre (SBT). Atualmente, apresenta e dirige o Altas horas e o Ação, ambos da Rede Globo. @oserginho

POR ALEX CAPELLA

SCRAP SA

fale com ele: alexcapella.mg@diariosassociados.com.br *A coluna Scrap S/A foi fechada no dia 20 de janeiro. Sugestões e informações para a edição de março, entre em contato pelo e-mail da coluna.

IMAGENS: DIVULGAÇÃO

Show do milhão Parece programa de auditório, mas foi a maneira que o Porcão de BH encontrou para comemorar um milhão de rodízios servidos, ao longo de oito anos. Desde o fim do ano passado, a casa realiza uma série de shows no Espaço Meet, anexo ao restaurante. Quem iniciou a empreitada foi o músico Almir Sater. Em cada evento, o local é dividido em dois ambientes, recebendo um total de 700 pessoas. Ainda como parte das comemorações, o restaurante lançou o hot site Porcão BH e você, no qual convida seus clientes a contarem os bons momentos vividos na casa.

Na ponta dos pés A Soller Centro de Artes, localizada na Alameda da Serra, na região dos Seis Pistas, passará a focar suas atividades no balé adulto. A escola, que até o ano passado oferecia cursos livres em diversas áreas artísticas com aulas de teatro, canto, instrumentos musicais, dança de salão, ashtanga yoga e espanhol, agora abre maior espaço para as mulheres, entre 25 e 45 anos, que sempre tiveram o sonho de dançar. ,18

Mais hotéis De olho na Copa do Mundo no Brasil, o grupo hoteleiro português Enotel pretende investir cerca de R$ 600 milhões no país nos próximos quatro anos. O projeto da empresa é ter quatro novos hotéis em solo brasileiro até 2015. Os empreendimentos serão instalados em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. O grupo já possui um resort, há cinco anos, em Porto de Galinhas (PE).


ILUSTRADOR CONVIDADO

ESTÚDIO CABRONES [www.cabrones.org]

¡Muy bien, cabrón! Somos uma dupla de designers gráficos simpáticos e latino-americanos que amam três coisas neste mundo: nosso trabalho, bacon e você. Principalmente você.

Quer rabiscar a Ragga? Mande seu portfólio para annepattrice.mg@diariosassociados.com.br


COLUNA ,reflexões reflexivas do twitter

< RAFINHA BASTOS >

é jornalista e ator de comédia stand-up

Leve minha casa, minha família e minha dignidade... Mas não encoste no meu refrigerante

ESTÚDIO CABRONES

RENATO STOCKLER

Não encoste no meu refrigerante e outras histórias

Quando a cia aérea pede um “contato de alguém em terra” o que ela quer dizer é: — P/ quem a gente liga caso vc morra?

Deploráveis estes programas que oferecem a melhora na vida das famílias mediante a realização de provas de gincana.

Apliquei o detector de mentiras num detector de mentiras, e ele mentiu. Triste. Ñ sei mais em quem acreditar.

O nome da banda Nenhum de Nós surgiu quando seus integrantes perguntaram ao povo: “Quem gosta do nosso som?”.

Os 5 segundos que o YouTube leva pra me deixar pular a propaganda são os mais longos do mundo. Se 2012 for pior Que 2012 seja que 2011, eu serei maravilhoso pra atropelado, mim e pra mais surrado e umas 6 pessoas... sodomizado. No máximo. Numa discussão sobre futebol, vc nunca ouvirá as frases: “Vc tem razão” e “Chega. Vou ler um livro”. Ñ vejo a hora de ter 70 anos pra poder ser fdp e o mundo achar fofo e me perdoar sob o argumento de que estou gagá. fale com ele: rafinhabastos.mg@diariosassociados.com.br

Gosto do iPhone, mas me sinto Gente chata uma moça c/ um sempre estende aparelho que conversas funciona À base telefônicas. de cafuné. É possível, sim, uma mulher engravidar enquanto come lasanha e joga vôlei de bota roxa. Obrigado, Yahoo Respostas. Jesus, gosto do sr. e de sua msg, mas evite se comunicar através do Powerpoint. Meu e-mail agradece. Poutz... Acordei cedo demais hoje. Faço exercícios ou me enforco com um fio de nylon?


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COLUNA ,provador

ELISA MENDES

Espumantes, amigas e abas

Amigos são resultado de sorte, antes de mais nada. A sorte do encontro. Mas se você não completar com um sim, não há encontro possível

ESTÚDIO CABRONES

< CRIS GUERRA >

41 anos, é redatora publicitária, ex-consumidora compulsiva, ex-viúva, mãe (parafrancisco. blogspot.com) e modelo do seu próprio blogue de moda (hojevouassim.com.br)

Se a vida é feita de escolhas, uma das mais difíceis é escolher o absorvente. Diante da prateleira, a mulher passa horas analisando cada embalagem para diferenciar cobertura sempre seca, maxi, natural, com ou sem aroma, fino ou extrafino. E quando finalmente toma sua decisão, chega em casa e percebe que levou o modelo com abas. Como se não bastassem tantos detalhes, ainda tem que decidir por um produto com ou sem abas — que só podem ter sido inventadas por um homem, pois não conheço exemplar feminino que as aprecie. Alguns cardápios de restaurantes japoneses me causam a mesma sensação: parecem frutos de um exercício de análise combinatória. Quando tudo poderia ser simples, você se vê fazendo raciocínios complexos na tentativa de imaginar o que vai comer. De modo que se você estiver com fome, a situação vai ficando tensa. Era esse o rumo da prosa entre mulheres entre 38 e 50 anos, reunidas numa mesa para quatro e tomando espumantes para comemorar a vida. Ao contrário dos absorventes e dos pratos japoneses, a dificuldade de escolher um homem, citou uma delas, tem outro motivo: falta de opção. — E geralmente, quando você finalmente fale com ela: crisguerra.mg@diariosassociados.com.br

tem a chance de escolher, ele vem com abas: filhos, ex-mulheres ou afins. — disse uma delas. A outra completou: — Com abas, mas invariavelmente sem cabelos. E as quatro riram em coro, erguendo suas taças para mais um brinde. O diálogo poderia ser entre amigas de infância, mas aconteceu entre quatro mulheres que se veem duas ou três vezes por ano em coberturas de eventos de moda. Florianópolis, São Paulo, Belo Horizonte. As integrantes daquela mesa não têm em comum nem mesmo as cidades onde moram. Mas ali, durante aquele jantar, falaram a mesma língua ao trocar experiências, conselhos e afeto. Sempre acompanhados de muita risada. Amizades podem durar uma vida ou um jantar. Eu as coleciono, ao longo da caminhada, e mesmo que não as veja de novo, cada um desses amigos breves já deu um jeito de ficar para sempre. De modo que se anos depois a gente se encontrar, vai haver o desejo sincero de um abraço. E aquele amigo já terá valido a pena. Amigos não são exatamente escolhas, como os absorventes, os pratos japoneses e até os homens. São resultado de sorte, antes de mais nada. A sorte do encontro. Mas se você não completar com um sim, não há encontro possível. Sim, a vida é feita de escolhas. Dos sins ou nãos que dizemos a ela a cada prateleira de possibilidades, a cada cardápio de decisões.


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OLD IS COOL

AMIZADE

Eles se conhecem há mais de 15 anos e têm uma coisa em comum: a paixão pelo skate

POR DIEGO SURIADAKIS FOTOS CARLOS HAUCK

Não sei quando, nem quem foi que disse. Talvez tenha lido em algum livro ou numa revista de atualidades. Dizia assim, que a vida é uma empresa. O dito, se considerado válido, nos transforma de imediato: passamos todos a empresários. Certamente. Em cada moleque que corre, dentro de um apertado apartamento ou ao largo da rua perigosa; em cada um que sonha, sentado na carteira da escola ou no banquinho do castigo — lugares que costumavam ser tão parecidos; num sítio da infância ou numa sala com ar-condicionado —, em cada um desses há um executivo a trabalhar. Na empreitada da vida, o primeiro setor que desenvolvemos, aquele no qual apostamos as nossas primeiras fichas, é o setor de recursos humanos. Com o outro, aprendemos a especular, a valorizar nossas ações e atitudes. Atuar em grupo, para o bem do grupo. Mais uma ideia que, se tomada como válida, nos transforma de imediato: nos tornamos amigos. Estes senhores engravatados que o leitor tem em mãos, voando em manobras sobre a mini-ramp, já trabalham juntos há mais de 15 anos. Lembram com alguma exatidão o dia no qual se conheceram e não fazem a menor ideia do que escolheram deixar para trás em suas jornadas. ,50


Bicho, Dota (de 贸culos) e Binha: a banca est谩 formada

,51


Backside ollie de Binha

Explico-me: conversando com eles numa manhã nublada de Belo Horizonte, era difícil manter o assunto no tempo passado. O infeliz do repórter, ávido por datas, números e outros dados que se foram, se viu diversas vezes em meio a conversas da ordem do dia. Ao perguntar sobre o currículo de um, foi convidado pelo outro a ir à lanchonete da esquina tomar um açaí. Com granola, banana e um pouco de sorte, conseguiu anotar algumas coisas em seu bloquinho. Rua Conde Linhares, 916. Salão Conde de Linhares. Onze horas do sábado e Cléber Es-


tevam, de 34 anos, de navalha na mão, finaliza um trabalho. Os outros que ali laboram já estão acostumados às manobras de Bicho. Assim é conhecido o skatista profissional da modalidade vertical, 10° colocado no Brasileiro de 2005 e campeão mundial em duplas — fazendo par com Daniel Soares, também mineiro — no Oi Vert Jam do Rio de Janeiro, em 2008. Bicho ataca de videomaker e editor de imagens. Na televisão do salão, ligada à internet, vídeos de skate do Clube do Vert, um canal do YouTube que conta um pouco da história dos três engravatados e de outros skatistas brasileiros. Ele é também pai orgulhoso, e agora rolam na tela imagens de sua filhinha, de andador, tomando os primeiros ventos na DogQuintal, pista particular que Bicho fez, há mais de 10 anos, em

sua casa. O cachorro, fazendo valer o nome, também ensaia algumas manobras. Entram então no salão, à paisana, os outros dois executivos, Binha e Dota. Fim de semana, ternos guardados no armário, um vem de gorro e o outro com um contrabaixo às costas. Cleiber Alessandro, de 38, escondido no gorro, sorri com os olhos. Ele é skatista antes mesmo de ter imaginado a possibilidade de o skate existir. Criado numa fazenda em Diamantina, quando criança tirava dos coqueiros a capa dos cachos de coco – aquela parte que se assemelha a uma canoa —, e prazeroso mesmo era descer os morros de grama montado naquilo. Já estava decidida uma de suas empreitadas: rolar pelos declives.


Dota manda um rock n’ roll sem usar o contrabaixo

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É claro, virou adulto, tem uma empresa prestadora de serviços na área de informática, mas nunca largou o gosto pelas transições. Os skatistas do mundo inteiro agradecem. Binha é talentoso fazedor de pistas de skate. Saíram de suas mãos muitas das rampas montadas em campeonatos nacionais e internacionais. Alexandre “Dota” Santos é o mais velho dos três. Quarenta e quatro anos, sujeito sério, de fala grave e diretiva. Ensaiaria com sua banda atual logo depois da nossa conversa. Ele, que começou a andar de skate em 1977, lembra da trabalheira que tiveram para poder dar um rolé. Tão simples para um garoto de hoje entrar numa loja, escolher um modelo, atual ou retrô, double deck ou old school, rodas duras ou macias, rolamentos suíços ou desmontáveis. Já eles tinham que desmontar patins, cortar pedaços de madeira, comprometer algum objeto da casa, levar alguma surra, e só então podiam experimentar a liberdade. Tal ação surtiu efeito. Dota foi organizador de vários campeonatos pioneiros do esporte em Minas e criou três fi-

lhos sobre as rodinhas. Um não era lá muito partidário da pressão dos patrocínios e do clima das competições. Anda a lazer, mas virou músico. Outro é Jefferson Bill, desde pequeno abusado no carrinho, é um dos brasileiros que andam se destacando no cenário internacional do esporte. O mais novo é Hugão e adivinhem: músico e skatista. Dota fez escola em casa e abriu as portas do estabelecimento para a rua. É dele o liceu de skate Fun family. “Nós é que fortalecemos a Confederação. Nós fazemos aquilo lá acontecer.” Dota interrompe a história na cabeça do repórter mais uma vez. Estava eu imerso noutros tempos, o cara me acorda de novo para a pauta do dia. Quando abri os olhos, estavam os três conferenciando os rumos do skate com fala preocupada e as empreitadas de cada um em tom de brincadeira. Velhos companheiros, executivos experimentados nas políticas empresariais. Verdadeira corporação reunida para definir a data do próximo rolé.


ESTILO

Zeca Perdigão POR LUCAS MACHADO FOTOS CARLOS HAUCK

Esta entrevista é imprescindível para iluminar e revelar ecos de um personagem que, em síntese, participou do início da moda mineira: Zeca Perdigão. “Tenho quase 40 anos de profissão, venho de uma família de tradição de moda, que era a rede de lojas Casas Rolla. Aos 12 anos, ficava na loja, desenhando para algumas mulheres interessantes da época, como a Sra. Gilda Couto. Disso veio a paixão pela moda, apesar de ser autodidata, pois quando comecei a trabalhar aqui, em 1975, não existia indústria de moda, faziam-se roupas em costureiras e alfaiates”, comenta Zeca, que nasceu na cidade de São Domingos do Prata (MG), iniciou sua carreira como produtor de moda com o coreógrafo Luiz Otávio Brandão e Neneca Moreira, proprietária da primeira agência de modelos da capital mineira. Com os dois, fez vários eventos no antigo Cine Palladium, entre outros lugares, e chegou a fazer uma temporada de desfiles com As Frenéticas. Depois disso, veio o Grupo Mineiro de Moda, composto por sete marcas, e Zeca trabalhou com todas elas. Em sua carreira, fez mais de duzentos desfiles, morou e trabalhou em São Paulo e no Rio de Janeiro. Adora uma boa música, jantar com amigos, viajar e trabalhar, o que, segundo ele, é sua grande paixão. Sobre o atual momento da moda, Zeca não é de meias palavras: “Está passando por uma crise de identidade, a indústria engoliu a moda. O prêt-à-porter, o fast fashion e as confecções estão acabando com a moda. Hoje, quem você irá citar de estilista brasileiro de expressão mundial? A máfia siciliana compra um produto de 150 mil dólares e reproduz da noite para o dia. Mas não tem problema, quem tem passado garante o seu futuro”, dispara.

< Kit sobrevivência >

< Zeca usa > tênis Osklen calça Osklen relógio Tisot camisa Villa Vittini óculos Ray-Ban

Livro In the pink – Dorothy Draper

Quadro do fotógrafo peruano Mario Testino – presente de Margareth Marinho

Champanhe Moët & Chandon

Escultura Carlos Drummond de Andrade, de Leo Santana


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BRUNO SENNA

CULTURA

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1. Gabriel Assad 2. Jana Macruz 3. Rodrigo Borges 4. Matheus Rocha 5. Victor Diniz 6. André Macedo 7. Raul Gustavo 8. Luciano Tiara, o Cafa Sorridente 9. Luiz Gabriel 10. Luiz Valente 11. Tamás Bodolay 12. Yasmini Costa 13. Aline Vila Real 14. Flávia Mafra 15. Fábio Gruppi 16. Paloma Parentoni 17. Yuri Leite, o DJ Yuga

GERAÇÃO EM TRANSE ,50

Amizade, desejos em comum e consciência coletiva movem a efervescente cena cultural belo-horizontina. Construindo o presente com os olhos no futuro, eles querem deixar sua marca na cidade


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POR BRUNO MATEUS

Belo Horizonte vive novos dias. A impressão é de que a filosofia preguiçosa do “se não tem mar, vamos para o bar” vai ficando para trás, pelo menos para quem se levanta do sofá e sai às ruas para escutar o que cantam os poetas mais delirantes. O novo, o que está repercutindo por aí, tem por trás o que seria algo como uma quadrilha drummondiana. Fulano é amigo de Cicrano, que trabalha com Beltrano. Beltrano toca na banda de Fulano. Fulano mora com a irmã de Beltrano, e ela tem uma produtora cultural com o irmão de Cicrano. A empresa produz a banda de Fulano, que, por sua vez, compõe as letras da banda em parceria com o irmão de Cicrano.

Mas seria ingenuidade dizer que essa cena se conecta pela amizade e só pela amizade. Reconhecimento do talento do outro, mudar o que está estabelecido e, quem sabe, fazer disso um momento histórico — tudo isso em comum move esse sentimento de não querer mais estar à margem dos acontecimentos. Seja com música, fotografia, teatro, dança ou manifestações políticas, o importante é se expressar, na alegria ou no descontentamento, é deixar latente o desejo de fazer parte da cidade, de ocupar os espaços com cultura. A coisa está borbulhando, só não vê quem não quer. Como cantou Dylan, é bom manter os olhos bem abertos, pois a chance pode não vir novamente. E os tempos, bem, os tempos estão mudando. ,51


SEJA COM MÚSICA, FOTOGRAFIA, TEATRO, DANÇA OU MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS, O IMPORTANTE É SE EXPRESSAR, É DEIXAR LATENTE O DESEJO DE FAZER PARTE DA CIDADE, DE OCUPAR OS ESPAÇOS COM CULTURA

Duas vezes Graveola: no gravação do DVD no Palácio das Artes, em janeiro, e na festa S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L, em fevereiro de 2011

,NO POMAR

Um dos focos mais importantes dessa nova cena cultural belo-horizontina é, certamente, o Pomar da Floresta, uma agradável casa na região Leste da capital. Ali, relações de amizade e de trabalho se confundem. É no Pomar, por exemplo, que está a produção das bandas Graveola e o Lixo Polifônico, Dead Lover’s Twisted Hearts, Fusile e Pequena Morte. Também é de lá que saem as ideias e toda a execução de festas como a S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L e a I.N.C.R.I.V.E.L, que ficam a cargo da Híbrido Comunicação, empresa de produção cultural e assessoria de imprensa fundada por três amigos que se esbarraram na faculdade — dois dos sócios tocam na Pequena Morte, e o terceiro produz a banda. Alguns poucos tragos de café pós-almoço na sala do Pomar já são suficientes para ver que a coisa toda não funcionaria tão bem se as pessoas que ali trabalham não tivessem, além dos sonhos em comum, uma estreita relação de amizade e admiração pelo trabalho alheio. Flávia Mafra, Rafa Barros, Jana Macruz e Carol Antunes são amigos há alguns anos.

Os quatro fazem parte da Malta — “galera”, no português de Portugal –, que tem menos de um ano e seria, segundo Flávia, “uma produtora de coisas”. “É foda definir”, brinca. O que os uniu profissionalmente foi outra reunião de amigos: o Gravelovers, junção do Graveola com o Dead Lovers. A partir de então, o quarteto começou a atuar junto. Hoje, além de produzir o Graveola, o Dead Lovers e o Fusile, a Malta também faz trabalhos para além da música. Rafa, que é conselheiro regional Centro-Sul do Conselho Municipal de Cultura, lembra que um momento importante para o fortalecimento da cena musical de BH foi o surgimento do Outrorock, ajuntamento de bandas de diferentes estilos que acontece desde 2007, e que ganhou muita força a partir de 2010. Valia rock, jazz, ska, heavy metal, rap ou improvisação — o que eles tinham em comum mesmo era a necessidade de se criar um movimento que desse visibilidade aos trabalhos autorais feitos na capital. Outras atividades foram pensadas, como a Quinta Loki e, paralelamente a isso, surge a Outra Jam, palco aberto para interação e livre improvisação dos músicos, no Nelson Bordello, no Hipercentro da capital mineira. “Somado às relações pessoais, vem o sentimento de poder transformar o tempo de agora”, diz Rafa. “Todas essas pessoas buscam trabalhar com prazer, não é blábláblá, funciona mesmo”, completa Flávia. “Acho sensacional o que está acontecendo. São pessoas que já


FOTOS: TAMÁS BODOLAY/HÍBRIDO.CC

eram amigas e se encontraram profissionalmente, fazendo coisas legais”, afirma Jana, que também integra o Alcova Libertina, bloco do Carnaval belo-horizontino responsável pela famosa e anárquica marchinha que chuta a tradicional família mineira. E um desses encontros foi com o Queijo Elétrico, outro grupo de amigos que resolveram se juntar e fazer o que lhes dava tesão. Canal de webTV, selo de música independente e programa de rádio da UFMG Educativa. Para Eduardo Drummond, baterista do Tempo Plástico, grupo composto por integrantes do Queijo, “o interessante é que a cena em BH está sendo feita por uma galera que é contemporânea, que se formou na mesma época e que acredita que é possível ganhar uma grana trabalhando com cultura. Foi realmente uma coincidência, de repente tem um tanto de gente trabalhando junto. É importante, é isso que faz com que a coisa toda seja um movimento”. E, de fato, é mesmo uma teia de amizades e relações profissionais. Tamás Bodolay, baterista da Pequena Morte, é amigo de Victor Diniz, que é produtor da banda e sócio de Tamás na Híbrido. A Pequena Morte já confiou a redação de editais em seu nome à TV Queijo. O Graveola contrata a Híbrido para fazer sua assessoria de comunicação, e a Hìbrido sempre contrata o Coletivo Imaginário para fazer seus teasers. O Outrorock prioriza o Nelson Bordello na hora de escolher um lugar para fazer seus shows. Tamás acredita que isso “é uma maneira que mul-

tiplica a grana com trocas de serviços, existe toda uma economia alternativa envolvida no processo.” Sempre tem um que é amigo do amigo, porém, ressalta Victor, as parcerias só acontecem porque há uma admiração pelo trabalho do outro. ,ARTE, LINGUAGEM DE CONTESTAÇÃO

Essa teia de produção cultural, de amizade, de frustrações e desejo de mudança não se resume só a um evento aqui, um show acolá ou uma cervejinha gelada naquele bar onde a turma se reúne. Movimentos como a Praia da Estação e o Fora Lacerda ganharam as ruas e bateram de frente com o poder público. Guto Borges, guitarrista e vocalista de Dead Lovers, acredita que o artista tem papel social importante. “O mercado também é uma forma de fazer política, esse é um caráter público do nosso trabalho”, diz, lembrando a importância de se consolidar espaços públicos livres em BH como espaços de interação. Para Rafa Barros, a cidade está vivendo um processo de cerceamento pelo poder público, e a resposta de parte da sociedade — seja na Praia da Estação; no apoio às ocupações urbanas, como a Comunidade Dandara, onde cerca de mil famílias reivindicam o direito a terra há quase três anos; ou na retomada do Carnaval nas ruas de BH — mostra que é possível intervir na política da cidade com arte e irreverência. Flávia Mafra diz que, “no fim das contas, o que a gente faz é festa”. Mas não é festa pela festa. “Tem a razão de ser, é o momento no qual a ordem instituída é rompida, tem um caráter revolucionário.


É preciso estar em contato, na rua. A gente quer chegar em toda BH, ainda tem muita gente para enxergar”, comenta Rafa, deixando claro que, se depender deles, o passado sempre será uma velha roupa colorida que não serve mais. ,CORREDOR CULTURAL

Yasmini Costa e Bernardo Gontijo Guimarães já trabalhavam com produção cultural quando, há um ano e meio, abriram as portas do Bar Restaurante e Cabaré Cultural Nelson Bordello. Pensado como um lugar de experimentações, o bar se estabeleceu num ponto importante para a produção cultural belo-horizontina. Ao lado, está o teatro do grupo Espanca!. A menos de cinquenta metros, o Duelo de MC’s. Música, teatro, dança e audiovisual se fundem num espaço que busca dar destaque aos trabalhos autorais. E tem muita coisa acontecendo por aí. Eles sabem disso e estão com os olhos abertos para essa efervescência. “O Bordello foi pensado não só como um espaço de música, mas também como um espaço de troca”, afirma Yasmini. Produtora do Espanca!, grupo teatral fundado em 2004, Aline Vila Real sempre pensa o que pode fazer em parceria com

os vizinhos. A relação com o Duelo de MC’s também é muito próxima. Segundo ela, a ideia é mesmo trabalhar com artistas de outras áreas. “Tem sido uma porta para ouras parcerias.” A relação se torna ainda mais estreita quando o que os une é o desejo e a necessidade de ocupar a cidade com cultura. “Foram iniciativas da sociedade civil, de pessoas que querem fazer”, completa. Roger Dee está envolvido na cultura hip hop desde 1983. Ele é integrante do Família de Rua, que realiza o Duelo de MC’s. Entre 2004 e 2005 havia um encontro na Praça Sete com alguns MC’s fazendo freestyle, junto com bboys e bgirls. Ali nascia o importante evento que, anos depois, se tornaria referência para a cultura hip hop no país. Em 2007, após dois anos de hiato, o Duelo voltou à tona e migrou para a Praça da Estação, mas, para fugir da chuva, a solução foi ocupar o Viaduto Santa Teresa, onde atualmente acontece às sextas-feiras. Para Roger, se não houvesse espírito coletivo, construir uma cena cultural forte em Belo Horizonte seria impossível. “Sempre rola uma interação, um apoio. Todo mundo está enxergando que hoje precisa ter consciência coletiva.”


FOTOS: TAMÁS BODOLAY/HÍBRIDO.CC

Matheus Rocha, o Ceará, divide o apartamento com o amigo Luiz Gabriel, vocalista do Graveola. Matheus é um dos responsáveis pela parte administrativa do Espaço Cultural Casinha, no Barro Preto, que abriga diferentes expressões artísticas, como capoeira, música, cinema, fotografia e artes plásticas. Foi na Casinha que Matheus conheceu Luiz Gabriel, e foi lá também um dos primeiros lugares onde o Graveola tocou. “A gente sempre deu vazão a isso, de abrir o espaço. Existe uma vontade muito grande de fazer e de fazer junto, esse é o lance”, completa Matheus.

Praia da Estação (à esquerda) e Fora Lacerda (acima): o povo vai às ruas

,ANTES, O AGORA E O QUE VIRÁ

Yuri Leite, o DJ Yuga, começou a discotecar e fazer eventos em 1999, três anos após chegar a Belo Horizonte. Em 2004, surgiu a ideia de fazer o tributo Tim Maia Racional com três shows no fim daquele mesmo ano. O DJ, então, antenado à cena, pensou que a única banda em BH que poderia tocar a fase Racional do Síndico era a Black Sonora. Essa reunião definiria o rumo da carreira de Yuga, que, no começo de 2005, foi convidado para fazer parte do grupo, do qual saiu há um ano e meio. Hoje, ele é parceiro da Híbrido na produção da festa I.N.C.R.I.V.E.L e participa como DJ na S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L, além de produzir e tocar em outros eventos. Fazendo um paralelo entre a produção dos anos 1990 e a de hoje, Yuga vê um diferencial importante: “Era bacana, mas estávamos mais afastados, ninguém dava as mãos. De cinco anos para cá, está tendo uma união muito forte. Hoje vejo a turma mais ligada e a fim de misturar, trabalhar em coletivo”. Outro ponto fundamental para o fomento dessa cena, segundo o DJ, é a abertura das leis de incentivo para mais artistas. A pluralidade do que está sendo feito também é uma característica que não se via em outros tempos. “As bandas não imitam, são originais, não forçam uma coisa que já exista no mercado.”

YUGA DIZ QUE, DE CINCO ANOS PARA CÁ, ESTÁ TENDO UMA UNIÃO MUITO FORTE: “HOJE VEJO A TURMA MAIS LIGADA E A FIM DE MISTURAR”OS ESPAÇOS COM CULTURA


CARLOS HAUCK

Referência no hip hop nacional, o Duelo de MC’s continua firme e forte às sextas, no Viaduto Santa Teresa

Criador do selo Vinyl Land, único no país a trabalhar exclusivamente com lançamentos em vinil, Luiz Valente é taxativo. “Só dá certo porque a nova geração tem uma mentalidade colaborativa, é o que toca a coisa pra frente”, afirma o DJ, que fundou o selo em 2008 e já lançou bolachas das bandas belo-horizontinas Graveola, Fusile e Dead Lovers, e também de artistas de outros estados, como BNegão, Tulipa Ruiz e Autoramas. Assim como Yuga, Luiz enxerga avanços: “BH era muito diferente, a cidade estava muito carente. A cena está mais forte, falta ainda se projetar mais, mas estamos trabalhando para isso. Um dia a gente vai olhar para trás e ver que estávamos fazendo coisa nova”. Sentimento de amizade e um incômodo causado pelo tratamento que as criações belo-horizontinas recebiam de parte da mídia local e das pessoas que as rodeavam fizeram com que os jornalistas Daniel Silva e Débora Fantini, e o desginer Marcelo Lustosa criassem, em março de 2009, o Mixsórdia, guia on-line semanal de cultura e diversão em BH. “Boa parte das ações que curtíamos ficava dispersa, então criamos o Mixsórdia para concentrá-las e também para que pudessem continuar existindo, não na mesmice, mas de forma dinâmica, criativa”, afirma Débora. O Mixsórdia prioriza justamente aqueles

eventos que não têm espaço na grande mídia, e isso é um critério importante na definição das pautas. Obviamente, existem limitações, mas a intenção, segundo a jornalista, é cada vez mais diminuir os vazios entre a informação e o público e ampliar a cobertura dessa cena. Para Marcelo Lustosa, a internet — e aí as redes sociais têm papel fundamental –, proporcionou o fim da barreira entre produtor e consumidor: “Qualquer um pode produzir e divulgar um evento, mas essa informação deve circular além dos círculos de amizades de cada um, e o guia cumpre essa função”. André Macedo se juntou ao fotógrafo Pedro Furtado e ao publicitário Leonardo Lott para formar, em outubro de 2010, o Coletivo Imaginário. Os três amigos foram da mesma sala na faculdade e tinham um desejo em comum: trabalhar com comunicação com mais liberdade, calma e planejamento. O Coletivo Imaginário foi responsável, por exemplo, pela produção do clipe de Meu primeiro elefantinho, da banda Fadarobocoptubarão, e está finalizando um clipe da Pequena Morte. “É uma rede de contato, está todo mundo próximo. Somos nós, a juventude da cidade, que estamos fazendo isso acontecer.” Produtora cultural há 15 anos, Paloma Parentoni já trabalhou com música, dança, teatro e audiovisual. Realizou, no ano passado, o Intromissões Poéticas, diálogo entre artistas de diferentes áreas, no Nelson Bordello. Diretora e produtora executiva do recém-lançado clipe Pressa, do músico Luiz Rocha, Paloma também é DJ. Polivalente, ela considera BH um polo gigante de produção cultural. Tanta movimentação confere aos dias de hoje um momento especial: “A cidade é nossa. Acho lindo a galera não querer sair daqui. Vai ser uma delícia contar para meus filhos, netos. Isso será história para as próximas gerações”.



AMIZADE

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POR SERGINHO GROISMAN ILUSTRAÇÃO ESTÚDIO CABRONES

Conheci Samuel com o Skank no começo dos anos 1990. O Programa livre saiu de São Paulo e foi fazer um especial no estúdio da TV Alterosa. Danielle Costa, minha produtora que está comigo até hoje, sugeriu a apresentação de uma banda que estava fazendo sucesso em Minas, mas que não era conhecida em outros estados. Tivemos um ensaio e foi lá que começou nossa amizade. Samuel estava com um dos braços quebrado (o futebol já era parte fundamental de sua vida) e só cantou. Fiquei muito impressionado com a plateia, que sabia todas as músicas da banda. Lá, conheci também Fernando Furtado (“quinto Beatle” da banda), que é o empresário até hoje, e senti que tinha uma energia boa entre eles. O som era especial e eles tinham o olhar tranquilo, meio que esperando mineiramente o sucesso que viria inevitavelmente.

Aos poucos, no começo só por meio de programas de TV, começamos ae ter mais contato e perceber que os assuntos, o modo de enxergar as coisas, a maneira de pensar a política e a cultura, eram muito parecidos. Muito bom humor, ironia e alegria fazem parte do repertório diário dele. Com a vinda da banda mais vezes a São Paulo, começou a sobrar tempo para mais conversas. A culinária sempre foi um bom motivo para a gente se reunir e conversar. E o futebol sempre é o assunto que não falta. O cruzeirense doente e o corintiano roxo se divertem com os sucessos e fracassos dos respectivos times. Férias conjuntas com as famílias e amigos estreitaram mais a nossa amizade. Impressiono-me com a qualidade musical do Samuel, sempre atento ao que existe de novo, mas também um estudioso da música brasileira e internacional. Participar de uma banda durante tantos anos e fazer disso um prazer e não uma obrigação é uma lição que os membros do Skank tem a dar a muita gente. Samuel é dedicado. Dedicação que tem à música, à família, aos amigos. O orgulho que ele tem com sua cidade, a identificação cultural que tem com Minas só poderia resultar num Mineirão superlotado num show que carimbou Samuel e o Skank como parte intransferível no cenário da música brasileira. Um presente dado e que está em casa é um quadro enorme onde estão Carmem Miranda e Grande Otelo. É o original de uma das capas do Samba Poconé. Milton já cantou a amizade. Samuel coloca em prática a letra.

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ON THE ROAD

Palavras sinceras, antes de voltar Ă estrada ,50


TEXTO E FOTOS BERNARDO BIAGIONI

Editores e amigos, eis aqui a questão, faz algumas horas já que estou me embrenhando pelos percalços do tempo para tentar encontrar uma boa verdade para imprimir nestes papéis que me foram resguardados nesta edição. Contudo e porém, desde que voltei da Amazônia, em outubro de 2011, o vento tem me segurado perto, com algum sentido que lhe é peculiar. A mata selvagem me abriu os olhos para um receio terno e sereno. Vejo o desdobrar das conexões sociais, dos novos tempos, e me pergunto... Se está valendo a pena remar correnteza abaixo, sem o controle do leme. O Facebook está criando desamor e ódio, tristeza e amarguras, receios em angústias em dezenas, centenas, milhares de pessoas entregues ao anseio indolente de afagar a nossa solidão latente. Um vício pecaminoso por uma sociabilidade que conforte a dor e o desassossego que é fazer parte desta segunda década dos anos 2000, ano de dois mil e doze. Quando há muitas promessas, mas poucas resoluções. As revoluções são pontuais, mas os passos caminham curtos. Um emaranhado de vontades, opiniões e desejos ondulando trôpegos sob os bares de letreiros e bebidas baratas. Em conversas rápidas e desencontradas sobre os mistérios do planeta que alimentam um universo em transe. Tudo anda mudando muito rápido, se você ver. Que às vezes o amor dura menos que um maço de cigarros... Porque estamos nos sentindo muito pouco. Belo Horizonte é a cidade mais conectada do Brasil — e, como consequência — deveríamos também nos unir mais. Sair mais de casa, é claro. Para fazer valer o amor que aqui queima, arde e prospera. Colocar na rua e na praça as perguntas e os anseios que atrapalham as nossas noites de sono. Insistir e acreditar. Ter fé, as quatro e pouco da tarde, ali na Praça do Papa, em uma quarta-feira qualquer. ,51


Doze horas atĂŠ chegar no mar. Fragmentos de uma carta escrita no caminho entre Brasil e Uruguai

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BELO HORIZONTE É A CIDADE MAIS CONECTADA DO BRASIL — E, COMO CONSEQUÊNCIA — DEVERÍAMOS TAMBÉM NOS UNIR MAIS. SAIR MAIS DE CASA, É CLARO. PARA FAZER VALER O AMOR QUE AQUI QUEIMA, ARDE E PROSPERA

Ken Kesey dizia que “muitos são aqueles que querem ser águias. Mas poucos agem como águias”. Mergulhando mais fundo, encontraremos a sinceridade do nosso penar. Não dá para viver em vão — ou em passos falhos, voos rasos — quando o horizonte se abre assim e se anuncia. Os nossos sonhos inteiros em perspectiva, em um país que cresce e irradia as palavras e as promessas de quinhentos anos atrás. Tudo que se plantar vai dar, dizia Caminha. Dá até assim uma adrenalina de fazer parte de tudo isso. De estar vivendo aqui, e agora. Assistindo de perto a onda se enrolando sobre si mesma, naquele momento crítico em que escolhe a sua força e a direção, a precisão e o caminho a ser percorrido. A comunhão completa de possibilidades bem diante dos nossos olhos. O momento em que se separa quem ficou de quem vai continuar caminhando.

Eu, bem, vou me acertando para onde estou indo. Escrevo do aeroporto, sala de embarque. Não viajei desde a Selva, mas agora estou partindo. Uruguai, me parece, mas pode ser que tudo mude. Já peço perdão pelo texto sem destino, mas vez ou outra o caminho importa mais do que chegar. É dois mil e doze, enfim. Vamos acreditar que todos os nossos sonhos fazem algum sentido. Beijos e abraços, B.

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CULTURA

MEIA-NOITE EM PARIS Exposição de Brassaï descortina a noite parisiense da década de 1930 E foram todos para Paris. Escritores, cineastas, pintores e pensadores. Madrugadas intermináveis embaladas por jazz, porres homéricos, bailes charmosos e amizades que fizeram a cidade-luz da década de 1920 respirar loucura, amor, arte e filosofia. Hemingway, Scott Fitzgerald, Salvador Dalí, Cole Porter e Luis Buñuel — só para citar alguns — se esbarravam, se aconselhavam e se embebedavam numa Paris que era, sem dúvida, uma festa. Uma década depois, ainda sob os efeitos daquela geração perdida e genial, o fotógrafo húngaro de alma francesa Gyula Halász (1899-1984) traduziu a noite parisiense em imagens das ruas, dos cafés e dos cabarés: retrato perfeito do clima que emanava das madrugadas dos chamados anos loucos. Em seus trabalhos, sob o pseudônimo Brassaï, ele substituiu os flashes pelas luzes da cidade, dos postes e até dos faróis de carros.

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BRASSAÏ, PARIS LA NUIT Até 1º de abril no Teatro Oi Futuro Terça a sábado, das 11h às 21h. Domingo, das 11h às 19h – Galeria 1 Entrada franca Classificação etária: livre


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AMIZADE

COMPANHEIROS

Amigos de uma década, eles encontraram a superação com bom humor, esporte e força do vento ,50


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TEXTO E FOTOS GUILHERME CAMARGOS E JULIANA LIMA

No princípio eram só o skate e o motocross. Mas depois vieram as pranchas, as lanchas, o vento, e eles trouxeram a canoagem, o wakeboard, o kayak-surf, o surfe de lagoa, as viagens a perder de vista e, de vez em quando, até uns experimentos com o kyte-buggy — espécie de triciclo adaptado às forças do vento —, tudo se multiplicou. As melhores amizades são assim mesmo, expandem com o passar dos anos e abarcam as diferenças que surgem com o tempo. Nesse trajeto costuma não faltar desafios. No caso de Marcos Miranda (Marcão), Bruno Chaves e Silva (Lobão) e Fellipe Lima (Kizú), existiram vários. Houve uma vez em que o Marcão quase morreu (mesmo!), em dezembro de 2009, descendo as corredeiras do Rio Paraopeba; outra em que Fellipe e Lobão moraram em uma van superlotada por três meses, rodando pela Costa Leste da Austrália, tomando banho em praias e dividindo o pequeno espaço com alguns outros malucos. E, claro, houve o acidente do Fellipe que o deixou paralítico, em 2006, e reinventou a vida de todos. Quando um acontecimento tão inesperado atingiu os três, eles aprenderam algo que virou um conselho: é nessas ocasiões que mais podemos contar com as pranchas, as lanchas e o vento. Foi seguindo essa receita que Lobão conquistou o Campeonato Mineiro de Surf, em 2009, Marcão foi vice-campeão do Mineiro de Wakesurf, em 2011, e foi assim também que Fellipe conquistou o 2° lugar no Campeonato Brasileiro de Kayak-Surf, em 2010, e ainda levou a sexta colocação no Mundial da Austrália, no mesmo ano.

Fellipe Lima, o Kizú, e Rasta, seu fiel companheiro


Como tudo sempre continua mudando, de quebra, recentemente um novo camarada entrou para a turma: o Rasta, cachorro incrível e amigo inseparável do Fellipe. Tá aí um Border Collie que merece respeito, pois curte o que há de bom na vida, incluindo o surfe. Aventura, esporte, superação e bastante bom humor. Combinação para um bom dia — ou uma vida inteira — entre amigos.

Marcos Miranda (Marcão), Bruno Chaves e Silva (Lobão) e Kizú: amigos para o que der e vier


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QUEM É RAGGA

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FOTOS ANA SLIKA


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PATRÍCIA PENNA/DIVULGAÇÃO


CULTURA


POR DAMY COELHO ILUSTRAÇÃO ESTÚDIO CABRONES

Os poetas marginais da década de 1970 promoviam um novo jeito de fazer literatura, mesmo estando à margem da linha editorial da época. Escritores como Chacal, Torquato Neto e Carlos Saldanha não pareciam ter algum desvio de caráter, mas gostavam de se autointitular como “poetas marginais”. O orgulho de estar fora da margem cultural é presente até hoje. A diferença é que, atualmente, não são os poetas que promovem essa forma de pensamento. São jovens comuns, que se sentem na missão de expandir a cultura para fora do centro, ou melhor, para fora do eixo. É justamente esse nome que leva o movimento idealizado por Pablo Capilé nos idos de 2005. Capilé era um daqueles estudantes universitários engajados, que fazia parte de todas as agitações políticas e não políticas que surgiam na Universidade Federal do Mato Grosso. Desiludido com as ideologias do grupo o qual participava, resolveu lutar pela cultura — tópico que sempre o interessou mais. Nascia aí o Espaço Cubo, em Cuiabá, que futuramente viria a agregar membros de outros estados, criando, assim, o Fora do Eixo (FdE) — movimento que reúne centenas de representantes pelo Brasil, que promovem eventos de música e artes visuais com o apoio de órgãos públicos. Hoje, o projeto está presente em 25 dos 27 estados brasileiros. Só em Minas Gerais, são 17 coletivos, que mobilizam dezenas de funcionários, voluntários e remunerados. Muitos artistas independentes se beneficiam com o Fora do Eixo, principalmente os músicos. A partir do momento que gravadoras e a grande mídia não abrem espaço para a efervescência musical que se expande cada vez mais pelo país, a alternativa de muitas bandas é apelar para o projeto. Trata-se de uma parceria que ajuda os dois lados, já que os festivais promovidos pelo FdE têm como objetivo divulgar bandas e artistas indepen-

Criado com o propósito de fomentar e espalhar a cultura para além dos grandes centros, o Fora do Eixo alcança importância nacional ao mesmo tempo em que desagrada uma parcela do cenário independente

dentes para o grande público. Olhando por esse lado, o Fora do Eixo parece ser “o movimento de salvação da cultura”, idealizado por pessoas apaixonadas pela música brasileira que dedicam tempo e dinheiro para que artistas e a comunidade em geral saiam beneficiados. Porém, existe o outro lado da moeda: há quem tenha ressalvas com relação à atuação e veja o projeto com olhos desconfiados. ,POLÊMICAS

Escândalos financeiros, bandas insatisfeitas e preconceito contra estados do Nordeste são algumas das manchetes negativas que saem sobre Capilé e seu grupo. Em novembro do ano passado, o cantor e apresentador do MTV na Brasa, China, publicou um texto em seu blog que mostra todo o descontentamento do músico com o Fora do Eixo. A principal reclamação era quanto à forma de remuneração que os músicos recebiam, conhecida como Cubo Card. Trata-se de uma das muitas moedas que os coletivos do FdE usam para pagar os músicos — como se fosse uma moeda imaginária, que pode ser trocada por diversos serviços. Capilé explica: “O Cubo Card é uma moeda complementar. Cada coletivo tem a sua. O card foi idealizado pelo espaço Cubo, lá em Cuiabá, e virou referência. Os músicos recebem quando tocam nos nossos festivais e podem trocar por diversos benefícios: farmácia, assessoria de imprensa, plano de saúde, curso de inglês e por aí vai”. Toda a polêmica do “caso China” veio justamente da insatisfação do músico em relação ao tal Cubo Card. Em seu blog, China desabafou: “Eu vivo da música e preciso receber os cachês dos shows para conseguir sobreviver. Ainda não estão aceitando Cubo Card na padaria e em nenhuma conta que eu tenho que pagar no fim do mês”. Capilé não fica para trás quando o assunto é botar mais lenha na fogueira. O produtor já declarou que não é a favor do pagamento de cachê para as bandas que tocam em festivais independentes. “Acho que os festivais são para promover a troca de conhecimentos culturais. A banda se apresenta para várias pessoas, entre elas o jornalista, o produtor e aqueles que vão consumir a música. A moeda em espécie não é o mais importante. O músico que acha o cachê importante está na contramão de toda a lógica cultural. Acho que as pessoas não deveriam fazer arte para ganhar grana. O dinheiro é só consequência”, conclui. Não é de se espantar que o assunto tenha tomado tamanha dimensão. O Fora do Eixo é composto por centenas de pessoas ao redor do Brasil. Todas com um objetivo: a troca de experiências culturais. Conversando com qualquer representante dos coletivos, pode-se perceber o orgulho e a paixão de quem trabalha para o movimento, seja remunerado ou voluntariamente. São pessoas que parecem dispostas a defender até o fim todo o projeto do qual participam. E que, às vezes, não parecem aceitar bem as críticas. Contestar a política do Fora do Eixo é como entrar num campo minado. Talvez por isso, muitas das fontes que seriam usadas nesta matéria se recusaram a ter seus nomes envolvidos, por medo de expor a opinião negativa ao projeto. Há dois meses, muitos eventos importantes para o cenário musical se desligaram oficialmente da Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes), inclusive o 53HC, um dos festivais mineiros de maior reconhecimento na música independente. Muito da insatisfação dos produtores desses


RAFAEL VILELA.

,“NÃO VIEMOS PARA EXPLICAR,

VIEMOS PARA CONFUNDIR”

Todo mundo parece conhecer um pouco o Fora do Eixo, mas ninguém entende realmente como funciona. Parece um universo paralelo, onde só as pessoas que vivem no meio compreendem sua lógica. Quando questionado sobre do que se trata o projeto e quais são suas metas, Capilé desconversa: “Não tenho muita clareza sobre o que é de fato o Fora do Eixo. Nós não viemos para explicar, viemos para confundir”.

Pablo Capilé, o polêmico idealizador do FdE

CREDITO????????

eventos vem do fato da Abrafin estar cada vez mais ligada ao Fora do Eixo — o que prova que, de fato, não é todo o cenário independente que apoia o projeto. “Até acho interessante a proposta do Fora do Eixo, mas, como membros da Abrafin, não concordávamos com o modus operandi e defendíamos que a entidade deveria seguir independente e sem a influência direta do movimento. A maioria dos festivais que não eram FdE dentro da Abrafin não se sentiam mais representados”, garante Welbert Ramos, o “Bart” da 53 HC. Para piorar a situação, um vídeo de Pablo Capilé com alguns jornalistas ganhou a internet. O motivo: nele, Capilé afirma que “Pernambuco é a personificação do rancor”, justificando — à maneira dele, claro — porque o estado não tem festivais independentes próprios. Os pernambucanos não deixaram barato e realizaram um verdadeiro protesto “anticapilé” nas redes sociais, o que acabou desmoralizando o núcleo Fora do Eixo. As polêmicas envolvendo o FdE são cada vez mais escancaradas na mídia. Capilé afirma que “é a favor de promover o debate, seja contra ou a favor”. Quanto a isso, ele pode ficar despreocupado. O que não falta são tópicos a serem debatidos sobre o Fora do Eixo.

LUIZA GUEDES.

Não é só de música que vive o Fora do Eixo: palestras e debates também norteiam os encontros entre coletivos

Capilé comanda debate acalourado entre os membros de diversos coletivos espalhados pelo Brasil


HOJE, O FORA DO EIXO ESTÁ PRESENTE EM 25 DOS 27 ESTADOS BRASILEIROS. SÓ EM MINAS GERAIS, SÃO 17 COLETIVOS, QUE MOBILIZAM DEZENAS DE FUNCIONÁRIOS, VOLUNTÁRIOS E REMUNERADOS

Sobre “de onde vem o dinheiro”, Flávio Charchar, membro da Casa Fora do Eixo em Minas Gerais, explica que o dinheiro para promover os festivais vem de parcerias com prefeituras, leis de incentivo à cultura e, recentemente, de órgãos privados que estão percebendo a força do movimento e apoiando alguns de seus projetos. Quem está de fora demora mesmo a entender toda essa ideologia de “viver coletivamente”, de “trabalhar por amor à cultura” e de dedicar tempo e dinheiro a um projeto. Apesar das polêmicas, é inegável a importância do Fora do Eixo para levar cultura e arte para todos que estão à margem dos grandes centros. De qualquer forma, também é necessário que os artistas tenham o direito de receber remuneração pelo seu trabalho. Afinal, muitos músicos brasileiros sonham em viver de sua arte — o que todos sabemos, é difícil, mas não impossível —, além de ser um direito, já que essa é uma profissão como tantas outras. Porém, como disse o próprio Capilé, apesar das diferenças, “o que importa é o debate”. Então, enquanto existir o Fora do Eixo, vamos continuar debatendo.



Ragga MODELO ÉRICA WEBER FOTOS LUCIANA MATOSINHOS

O segredo dos seus olhos Nossos olhares se cruzaram e uma sensação irremediável me invadiu o peito. Estava frio lá fora, mas para mim era como se fosse primavera. Que tristes eram meus dias sem você. Alguma coisa me mostrou que eu precisaria viver duas vezes para poder te esquecer. Queria te levar comigo, mesmo sem saber para onde ir. Mas você é livre, dança e vive ao sabor do vento, dos encontros. Não me importa que tenha durado apenas um olhar, para mim foi eterno.




E cá estou, sozinho com minhas fantasias, e quando fecho os olhos elas se tornam reais. Tudo o que eu disser aqui será pouco, eu sei. Mas não posso deixar de dizer, de sentir. Isso faz com que eu me sinta vivo. E, vivo, espero que nossos olhares se cruzem novamente. MODELO Érica Weber FOTOS Luciana Matosinhos MAQUIAGEM Amanda Ribeiro PRODUÇÃO Chezmoiphoto.com



CONSUMO

2

1

FOTOS: DIVULGAÇÃO

EU QUERO

Pense nos melhores momentos da sua vida e enumere: em quantos deles você estava com seus amigos? A maioria, com certeza. Amizade é o bem mais desejável. E se o desejo for por um objeto de consumo — de uma peça de arte à uma bike nova —, que seja para compartilhar com os parceiros.

AMIZADE

3 CARLOS HAUCK

DOBRADA

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ANA SLIKA

4 1. < AVENTURA >

Dois clássicos dos anos 1980 fizeram uma geração inteira sonhar com viagens de aventura acompanhadas de seus melhores amigos (acompanhadas também por sanguessugas num pântano ou piratas em alto mar, claro). Além da nostalgia de rever Conta comigo, o DVD traz o making of Seguindo os trilhos: o verão de Conta comigo, com cenas dos bastidores que você não viu na Sessão da Tarde. No Blu-ray de Os Goonies, o destaque entre os extras é o videoclipe The Goonies ‘R’ good enough, hit de Cyndi Lauper. A gente acaba cantando junto: “What’s good enough for you/ Is good enough for me/ Is good enouuuuuugh”. DVD Conta comigo R$ 16,90 // Fnac.com.br Blu-ray Os Goonies R$ 34,90 // Americanas.com.br

2. < POP > Roberto e Erasmo queriam ter um milhão de amigos. Mas quem tiver três já pode testar os dotes de dançarino no game The Black Eyed Peas experience. A ideia é os jogadores reproduzirem os movimentos de Will.i.Am e cia., ao som de alguns dos maiores hits do grupo. Quem imitar melhor vence, mas todo mundo tem a chance de se sentir um pop star. R$ 129,90 Fnac BH Shopping (31) 3878 2000

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3. < PEDAL > Pedalar com a turma é um prazer. E a Caloi Urban está aí para isso: modelo dobrável em rodas de aro 20 e parede dupla, além de câmbio Shimano Tourney de 7 marchas. Preço sugerido: R$ 1.499 Caloi.com.br

4. < F.R.I.E.N.D.S >

5. < COLORIDA >

Graças a Chandler, Rachel, Ross, Monica, Phoebe e Joey, o sofá virou símbolo de amizade. Este, da Líder Interiores (com quatro assentos de 70cm), é uma boa ideia para quem quer levar a tradição adiante. R$ 4.311,60 Liderinteriores.com.br

Esta gravura (75×54cm), de Rogério Fernandes, é um presente para sua casa e para todos que entrarem nela. A Festa é uma série de 25, chancelada e assinada pelo artista plástico. R$ 1.500 Rogeriofernandes.com.br

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LÉO LARA/UNIVERSO PRODUÇÃO

CULTURA

CENAS DE CINEMA Mostra de Cinema de Tiradentes chega aos 15 anos. Na programação, além da exibição de filmes, tempo para refletir e festejar. Nos nossos destaques, as pessoas e momentos que marcaram o evento

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Tradicionais: Cortejo das artes pelas ruas e a Casa da insanidade para fechar a noite

Por nove dias de janeiro, 35 mil pessoas passaram por Tiradentes — cinco vezes mais do que o número de habitantes da cidade colonial, a 180 quilômetros de Belo Horizonte. O público foi atraído pela exibição de 31 longas e 84 curtas da 15ª edição da Mostra de Tiradentes, que gerou encontros entre os fãs de cinema, entre seus realizadores e entre uns e outros. Uma mistura com espaço certo para a reflexão — nos seminários que uniram crítica, diretores e público e nos debates temáticos, sem deixar que faltasse o lugar para a celebração, em festas oficiais e extraoficiais espalhadas por quase todas as ladeiras — as quais deram origem ao apelido “micareta cult”. Mas, claro, mesmo sendo parte importante do charme do evento, nenhum seminário ou set de DJ foi capaz de fazer os olhos brilharem como a câmara escura — no Cine-tenda, com 700 lugares, e no Cine-teatro, com 150. Ou, ainda, diante da oportunidade de assistir a projeções ao ar livre, no Largo das Fôrras, junto a mais de mil espectadores. Hipnotizada, a plateia se mantinha num silêncio cortante ou, estimulada, aplaudia durante a exibição. Parte permanecia em seus assentos até o último crédito ser exibido na tela. Parte corria para abordar um diretor, para parabenizar ou fazer alguma pergunta. Entre os inegáveis méritos culturais e sociais — passando pelo impacto positivo no turismo e junto à população de sua cidade-sede —, o destaque principal da Mostra de Tiradentes vai para a capacidade de realizar um evento que tem a proposta séria de pensar o cinema nacional e promover discussões que gerem avanços na forma de fazê-lo e vê-lo. Porém, ao mesmo tempo, não fecha as portas para a espontaneidade da plateia, para a alegria do espectador que vê de perto, pela primeira vez, um ator do qual é fã. E desse mesmo ator, por estar num ambiente onde, para bem além de si mesmo, a estrela principal é o amor pelo cinema.

VICTOR SCHWANER/UNIVERSO PRODUÇÃO

POR SABRINA ABREU FOTOS ANA SLIKA

Distribuição da Ragga, no lounge do Café Três Corações

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SELTON MELLO NUNCA É DEMAIS O título é “homenageado do ano”, mas pode chamar de “dono da festa”

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Ele ainda não sabe qual vai ser seu próximo trabalho. Mas a nova empreitada terá que esperar mais um pouco, porque ainda é tempo de celebrar as conquistas de 30 anos de carreira. O ator em expansão, tema central da edição deste ano, foi definido sob medida para Selton Mello. Por seu trabalho como ator, diretor e roteirista, foi o homenageado da 15ª edição e recebeu o Troféu Barroco na cerimônia de abertura. O longa Billi Pig [de José Eduardo Belmonte], no qual atua, teve pré-estreia nacional e seu trabalho ganhou retrospectiva, com a exibição dos filmes Lavoura arcaica (Luiz Fernando Carvalho, 2001), Cheiro do ralo (Heitor Dhalia, 2007), A erva do rato (Júlio Bressane, 2008) e O Palhaço (com direcao dele mesmo, 2010).


PRÉ-ESTREIA BILLI PIG Estrela do filme, Grazi Massafera participou da préestreia, acompanhada por Cauã Reymond

Na mesa mais disputada do evento, ele contou, entre outras coisas, que foi chamado a participar de Star Trek 2. Apesar de gostar do trabalho do diretor J.J. Abrams, declinou o convite, por ter medo de ficar deprimido e meio sem saber o que fazer com aquela roupa. A plateia curtiu. Alguns sussurraram um orgulhoso “parabéns”. Em jantar especialmente oferecido para ele, os chefs do Senac criaram uma sucessão de pratos que remetiam à sua trajetória como artista. Para encerrar, marrom glacê, porque, segundo a Wikipédia, Selton participou da novela que levava o nome da sobremesa. Ele agradeceu, mas explicou que a informação não procedia. Para falar isso sem soar nadinha ofensivo, só com muito carisma. O resultado foi que o pessoal curtiu de novo. Para completar, toda tarde ou noite, quando estava prestes a assistir a um curta, um documentário ou qualquer filme cujo crédito não constasse o nome de Selton, o público era surpreendido com uma breve imagem dele — num programete que ia ao ar antes das exibições, fazendo um retrospecto de cada dia da mostra e dos destaques da programação até ali. Por menor que fosse essa participação, ela desencadeava um “oh” coletivo. Desses que só o dono da festa recebe.

Também parte do elenco, Milton Gonçalves garantiu que, mesmo para um veterano como ele, assistir a um filme pela primeira vez, junto ao público, é emocionante

A produtora Vânia Catani lembrou que foi durante uma mostra de Tiradentes que ela e o diretor do longa, José Eduardo Belmonte, se reuniram para falar do projeto que viria a ser Billi Pig

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DE CORAÇÃO

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Composições de Amado Batista, Nelson Ned, Wando e Odair José dão o tom do filme

Documentário de Ana Rieper mistura, sem preconceito, desilusões amorosas, músicas bregas e personagens do sertão nordestino

OS SENTIMENTOS DE ENTREVISTADOS MUITO BEM ESCOLHIDOS PROVOCAM RISOS, ESTRANHAMENTO E LÁGRIMAS

Não é raro, numa mostra de cinema, a plateia aplaudir espontaneamente um filme ao longo de sua exibição, especialmente se quem dirigiu a obra estiver presente. No entanto, as palmas que encheram o Cine-tenda diversas vezes durante a sessão do documentário Vou rifar meu coração, além de uma demonstração de apreço pelo trabalho da diretora Ana Rieper, apontaram para a identificação entre o público e o tema visto na tela: histórias de amor vividas por gente simples do sertão nordestino e embaladas por musicas românticas — rotuladas como bregas, sobretudo, no Sudeste. Os sentimentos de entrevistados muito bem escolhidos provocam risos, estranhamento e lágrimas. Destaque entre eles é o prefeito Osmar. Apesar de casado, ele assumiu o relacionamento com a amante e se divide entre as duas mulheres regularmente. A travesti Marquise, nascida Marcos, trabalha à beira da BR-101 e conta que é romântica e se sente como menina em relação ao amor. E Rosa, exprostituta, fala da experiência de ser mãe e de ter se casado com um homem que realizou a promessa dos versos da canção de Odair José: “Eu vou tirar você deste lugar”. A diretora faz questão de dividir o crédito por cada história/

achado que segura o roteiro com dois companheiros na pesquisa de personagens, Raphael Borges e Ivy Almeid. Completam o documentário os depoimentos de grandes nomes do cancioneiro popular, como Agnaldo Timóteo, Amado Batista, Nelson Ned, Wando e Odair José. É desse último o momento de reflexão digna de letra de música: “A mesma dor de cotovelo que o pedreiro sente, o médico também sente. É só perder a mulher que ele gosta e vai chorar do mesmo jeito. A diferença é que o pedreiro vai chorar numa casa de merda. E o médico, num apartamento virado para o mar”. Talvez por conta da democracia inerente à dor do coração partido, a plateia de Tiradentes se identificou com os casos vividos no interior do Sergipe, de Pernambuco e de Alagoas. E, também por isso, Ana Rieper fez um filme aplaudido em diferentes festivais.

Vou rifar meu coração entra em circuito comercial a partir de abril. O esquema de distribuição foi fechado em Tiradentes. vourifarmeucoracao.com.br


QUAL É A MÚSICA? Dez participantes da mostra contam sua preferida entre as canções de amor (sofrido)

NÃO CREIO EM MAIS NADA _ PAULO SÉRGIO

VÂNIA CATANI, DIRETORA

DESLIZES _ FAGNER TORTURA DE AMOR _ VALDIK SORIANO

ANA RIEPER, DIRETORA

DEPOIS _ MARISA MONTE

CAVI BORGES, DIRETOR FRENÉTICO

POR ENQUANTO _ LEGIÃO URBANA MARCELO PONTES, DIRETOR

Rosa deixou a prostituição para ser mãe e esposa

TEM QUE ACONTECER _ ZECA BALEIRO

SÉRGIO SAMPAIO, CRÍTICO DE CINEMA

A FLOR E O ESPINHO _

NELSON CAVAQUINHO LUCIELLE WIERMANN, ESTUDANTE

MÚSICA SUAVE _ ROBERTO CARLOS

SELTON MELLO, DIRETOR E ATOR

MARES DE ESPANHA _

ÂNGELA RÔ RÔ MARLON PENIDO, ATOR

CASTIGO

, NELSON GONÇALVES LUANA MELGAÇO, PRODUTORA

Marquise, travesti, se considera romântica

EVIDÊNCIAS

, XITÃOZINHO & XORORÓ FERNANDA RIBEIRO, JORNALISTA


MANIFESTO Marat Descartes protestou contra a truculência policial em Pinheirinhos DANIEL IGLESIAS/UNIVERSO PRODUÇÃO

COMEMORAÇÃO EM DOBRO

Cavi Borges é diretor de quatro longas e 22 curtas, dono de uma locadora famosa no Rio, agitador cultural e criador de cineclubes na cidade. Mas, antes de encontrá-lo, a pauta estava restrita às participações da Cavídeo, sua produtora, na programação deste ano: Strovengah amor torto, Quando morremos à noite, Silêncio 63, Paraíso, aqui vou eu e Pregadores — nestes dois últimos, Cavi assina também a direção. Mas se cinco filmes participantes da Mostra já rendem assunto, o fato de a Cavídeo comemorar a mesma idade do festival, em 2012, rende muito mais. Adicione a isso a disponibilidade desse carioca para uma boa conversa, e o resultado será mais de três horas de entrevista, a ser publicada num próximo número da Ragga. Ele é um nome querido no evento e sabe disso. “Combino com Tiradentes, aqui nossa produtora é estrela”, afirmou, em sua sexta participação na mostra, lembrando que os jovens realizadores recebem atenção especial da curadoria. “Existe espaço para gente como eu, que não quer esperar quatro anos para fazer um filme, mas que opta por realizar um longa na raça, com baixo orçamento e muitas parcerias.” Enquanto conversávamos, Cavi tirou da mochila — sua companhia mais constante —, além de vários DVDs de diferentes fases de sua carreira, o projeto que está no centro de sua atenção no momento. Cidade de Deus 10 anos depois é o nome do documentário que revisitará atores do filme e investigará o destino que eles tomaram, no ano em que o sucesso de Fernando Meirelles completa uma década. A direção é de Cavi em parceria com Luciano Vidigal e conta com o apoio de Meirelles. “É meu projeto principal, por causa da data, mas não é o único”, completa, frenético.

Na noite da apresentação do longa Corpo presente, o ator Marat Descartes leu um manifesto contra a ação policial ocorrida, no mês de janeiro, em Pinheirinho, uma ocupação na cidade de São José dos Campos (SP), da qual 1.700 famílias foram violentamente expulsas pelo corpo policial. As palavras de Marat a respeito foram aplaudidas pelo público que lotava o Cine-tenda: “Estamos em um momento de alegria e celebração, mas não podemos fechar os olhos para algo de muito grave que está acontecendo em nosso país e, em especial, São Paulo”.

LÉO LARA/UNIVERSO PRODUÇÃO

A Cavídeo, produtora de Cavi Borges, também chega ao 15º aniversário cheia de projetos

VENCEDORES A CIDADE É UMA SÓ?, de Adirley Queirós // melhor filme, pelos membros do Júri da Crítica, Mostra Aurora HU, de Pedro Urano e Joana Traub Cseko melhor filme, segundo o Júri Jovem, Mostra Aurora QUANDO MORREMOS À NOITE, de Eduardo Mocotó // melhor curta, Mostra Foco L, de Thais Fujinaga // melhor curta, pelo Júri Popular O MINEIRO E O QUEIJO, de Helvécio Ratton melhor documentário, pelo Júri Popular



COLUNA

LIVRARADA

Furacão Elis, Regina Echeverria (LeYa Brasil)

Lançado no mês passado, quando se completaram 30 anos da morte de Elis Regina, Furacão Elis, originalmente publicado em 1985, chega às livrarias em edição revista e ampliada. O livro traça a vida e a obra da Pimentinha, como Vinícius de Moraes a apelidou. Momentos marcantes como o surgimento da cantora na Rádio Farroupilha, em Porto Alegre, aos 11 anos, e o I Festival de Música Popular Brasileira, em 1965, quando ela conquistou o país cantando Arrastão, mostram o talento e o carisma de uma artista que se eternizou em interpretações que iam da doçura à raiva, do protesto ao acalanto. Dona de uma personalidade explosiva, Elis provou altos e baixos na carreira, viveu amores e paixões avassaladoras e escreveu seu nome na história da bossa nova e da MPB. Furacão Elis, que também inclui a discografia completa da intérprete em ordem cronológica, narra a trajetória fugaz — Elis faleceu com apenas 36 anos —, porém intensa, daquela que é, para muitos, a maior cantora da música brasileira.

POR BRUNO MATEUS

Bossa nova

HO-BA-LA-LÁ – À procura de João Gilberto, Marc Fischer (Companhia das Letras) Jornalista e escritor alemão, Marc Fischer apaixonou-se por João Gilberto e pela bossa nova quando um amigo japonês lhe apresentou Ho-ba-la-lá, de 1959. Tal como um detetive, Marc lançou-se numa missão tortuosa (em se tratando de João Gilberto): ir ao Rio ao encontro do músico e convencê-lo a tocar a música num violão centenário. Em sua busca, o jornalista entrevistou nomes importantes da MPB, conversou com ex-mulheres e até com o cozinheiro que preparava o prato preferido do criador da bossa nova. Mas não falou com ele.

Entrevistando cantores, compositores e instrumentistas, o jornalista e escritor Ruy Castro reconstitui a vida boêmia e cultural carioca dos tempos da bossa nova. O livro perpassa todos os momentos, dos encontros, amores e desamores às paixões, parcerias e tragédias de uma geração que tinha nomes como João Gilberto, Nara Leão, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, responsáveis pelo estilo musical que encantou um tal Frank Sinatra e pôs o Brasil no mapa da música mundial.

divulgação

imagens: DIVULGAÇÃO

Chega de saudade, Ruy Castro (Companhia das Letras)

PRATA CASA

da

por Lucas Buzatti

CAMINHO DE ZION Olha isto: caminhodezion.blogspot.com Saia da garagem! Convença-nos de que vale a pena gastar papel e tinta com sua banda. Envie um e-mail para redacaoragga.mg@diariosassociados.com.br com fotos, músicas em MP3 e a sua história.

Quem já curtiu o Duelo de MCs conhece Monge, rimador afiado que conduz as batalhas que levam cultura e música ao concreto do Viaduto Santa Tereza. Em 2011, o MC deu foco a seu trabalho solo, Caminho de Zion, “uma trama convertida em músicas, vídeos, grafites e revistas em quadrinhos, que tem suas bases no hip hop”. O ano moldou o projeto, gerando o single Olhos da Babilônia, rap de batida envolvente e letra sagaz que ganhou um elogiado videoclipe. Assim como o concei-

to transmídia, a música também é atingida por influências diversas, que vão de Mos Def a Câmbio Negro, passando pelo jazz, o funk e o rock. Reflexo do fortalecimento da cena local, Caminho De Zion prevê passos importantes para 2012, como o lançamento do debut Volume I e de sua respectiva HQ. Um projeto consistente, que já nasce com a herança cultural do Duelo de MCs, “prova das possibilidades de conquista a partir da coletividade e da crença nos próprios sonhos”.


COLUNA

A MÚSICA E O TEMA IRMÃOS CORSOS

POR KIKO FERREIRA

lucas jackson/reuters

Pier Paolo Cito/ap photo

As parcerias de Simon&Garfunkel e Jagger&Richards (abaixo) renderam muitos sucesso para a música pop

A amizade sempre foi catalisador de carreiras na área da música. Simon & Garfunkel começaram gravando com a alcunha de Tom & Jerry. Apesar de terem se inspirado na dupla animal belicosa, foram amigos e parceiros por décadas e um bolso cheio de hits. Lennon & McCartney formaram a dupla mais famosa da música pop, passando por cima das grandes diferenças de estilo e pegada, para funcionar. E pronto. Os Ramones adotaram o mesmo sobrenome e provaram que os punks também amam. E ganharam coragem para assumir cortes de cabelo estranhos e uniformes de noite, como se fossem eles mesmos as noites. Brodagem família Os Glimmer Twins, gêmeos do glamour, fazem o gênero bad guy/good guy. Mick Jagger é o bonitão, o empresário, o poeta, o símbolo sexual. Keith Richards é o feio, o guitarrista do pacto com o diabo e com Jack Daniels e outras substâncias menos legais nas veias. E Waiting on a friend é um hino à amizade: “Eu não preciso de uma prostituta/ Eu não preciso nem de bebedeira/ (...) Mas eu não estou esperando por uma garota/ Estou só esperando por um amigo”, em tradução de internet. Algumas duplas musicais, de tão vinculadas e interdependentes, se confundem (ou confundiram). Era sempre difícil saber quem era Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó, os Vips, Sandy & Júnior. E um bom caso aconteceu com a dupla baiana Antonio Carlos & Jocafi. Um deles é casado com a cantora Maria Creuza. Certa vez, num programa de TV, ao vivo, a apresentadora apresentou a baiana como “a mulher de Antônio Carlos e Jocafi”. O poeta e diplomata Vinícius de Moraes, apesar de ser um dos grandes letristas da música popular brasileira e principal cúmplice de Tom Jobim, foi para o palco e assumiu porção intérprete ao lado do violonista Toquinho. Depois da morte do poetinha, Toquinho tentou variar o número de parceiros, incluindo Paulinho da Viola e até Paulo Ricardo, mas nunca

conseguiu repetir o sucesso. Há os casos de grupos que ninguém, a não ser quem trabalha na área, sabe diferenciar os integrantes: The Fevers, Os Incríveis, A Cor do Som, Os Blue Caps do Renato, Made in Brazil, Golden Boys, MPB 4, Quarteto em Cy (há quem ainda chame as sessentonas de “as meninas do Quarteto em Cy”). Nem todo mundo é capaz de destacar Luiz Carlos Sá e Gutemberg Guarabyra como seres independentes da dupla Sá & Guarabyra. No jazz, os irmãos George e Ira Gershwin funcionavam como Cosme e Damião, apesar de todo mundo só se lembrar do autor das melodias, George. Mesmo caso de Hal David, inseparável letrista do grande Burt Bucharach, ou de Bernie Taupin, autor dos versos de 90% do material de Elton John. Já a dupla Rodgers & Hart sempre foi lembrada como pares de jarra, assim como Marcos Valle e seu irmão, Paulo Sérgio. Milton Nascimento, apesar de ter seu nome umbilicalmente ligado às letras de Fernando Brant, muitas vezes é citado como autor único de temas universais, que não seriam os mesmos sem as letras de Márcio Borges, Ronaldo Bastos e cia. Se Roberto e Erasmo assinam composições muitas vezes feitas por apenas um deles, como parte de um acordo feito no início das carreiras, Aldir Blanc é quase irmão corso de João Bosco. Lobão deveria citar o tempo todo parceiros constantes, como o poeta Bernardo Vilhena, autor das palavras de seus sucessos mais contundentes. Pior é o caso de Paulo Coelho, fundamental nas carreiras de Raul Seixas e Rita Lee, e nem sempre mencionado no exercício cotidiano das citações. As melhores letras da tia-avó do rock brasileiro e do Maluco Beleza saíram das mal tecladas linhas do futuro escritor de best sellers. No balanço geral, as amizades mais ajudaram do que prejudicaram a música popular. E mesmo as brigas célebres, como a dos irmãos Noel e Liam Gallagher, do Oasis, sempre foram mais golpes de marketing. Ou rusgas caseiras, em que ninguém devia meter a colher.


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é bom Em projeto paralelo, Pitty Leone e Martin Mendonça formam o duo Agridoce, com letras solares e arranjos melancólicos, além de outras misturas dúbias. Porque tudo tem mais de um lado

POR SABRINA ABREU FOTOS ROBERTO ASSEM

A voz para acompanhar o violão e interpretar versos escritos por algum homem. Esse foi o principal papel da mulher na música brasileira, até os anos 1960, quando o rock e uma menina chamada Rita mostraram que havia outros formatos possíveis. Uma figura feminina poderia, sim, liderar os músicos, compondo as próprias canções, fazendo experimentações vocais e instrumentais. Nos anos 2000, Pitty Leone surgiu como o fruto mais atual — e bem-sucedido — daquelas conquistas sessentistas. Com sua banda homônima [na qual é acompanhada pelo guitarrista Martin Mendonça, o baterista Duda e o baixista Silviano Joe], foi aprovada pela crítica, pelas paradas musicais e por plateias de todo o Brasil. O sucesso consolidado no rock nacinal não foi empecilho para que ela passasse a buscar outras sonoridades que expressassem sua arte. Encontrou-as ao lado de Martin, músico de sua banda principal, com quem criou o duo Agridoce, projeto acústico lançado em 2011. Pitty, de 34 anos, e Martin, de 35, se conheceram em Salvador, onde nasceram. Lá, os dois iniciaram a carreira em diferentes bandas — ela passou pela InKoma e ele foi parte da formação do Casca Dura, entre outras. Com a diminuta cena do rock local, não foram poucas as vezes que os dois se esbarraram, desde a adolescência. Mas a amizade

se intensificou em São Paulo, em algum momento entre 2003 e 2004. Ela já morava na cidade e Martin passava uns meses na casa do baixista Joe, vizinho de Pitty. Depois de almoços juntos e confidências sobre a vida afetiva, passaram a dividir também a rotina de trabalho: Martin se juntou à banda da cantora. Há dois anos, desenvolveram o hobby de compor e tocar músicas com levada folk. Quem ouvia os registros gravados de forma despretensiosa gostava e sugeria que o repertório acumulado virasse disco. Nas férias da banda principal, Pitty e Martin decidiram se isolar por 22 dias numa casa no alto da Serra da Cantareira (junto ao produtor Rafael Ramos, o fotógrafo e videomaker Otávio Sousa e Jorge Guerreiro, engenheiro de som) para gravar o álbum Agridoce (Deck Music). O resultado são 12 faixas delicadas e shows sinceros, como o que assisti na noite anterior ao nosso encontro, na Rua da Consolação, em São Paulo. Começou como uma brincadeira, mas figura na lista dos 25 melhores álbuns do ano passado, segundo a Rolling Stone Brasil (no 16º lugar). A música de trabalho, Dançando, está noutra lista da mesma publicação (9º lugar). Para os dois, segue sendo divertido (e não valeria a pena de outro jeito). Quanto à repercussão desse trabalho feito exclusivamente visando o prazer, Pitty só faz questão de esclarecer algum ponto quando alguém coloca pesos diferenciados para ela e Martin dentro do projeto. “Somos uma DUPLA”, ela explicou, em caixa alta, no Twitter. São uma dupla, mesmo, do tipo que completa a resposta um do outro e sempre acha alguma história para relembrar. Pura intimidade.


ONTEM, EM CERTO MOMENTO, A PITTY FALOU: “MARTIN, DÊ OI PARA O PESSOAL”, E VOCÊ FALOU: “OI, PESSOAL”, PARECENDO SER TÍMIDO. COMO TEM SIDO TER MAIS VISIBILIDADE NO PALCO? MARTIN: Estou lidando com isso. Antes de a gente concretizar o Agridoce, eu tinha um projeto com o baterista que toca com a gente, Martin e Eduardo. Me deparei com isso e era até pior, porque eu era o único cantor. Tem sido um processo para me adaptar. Toco desde os 18 anos e desde então ser guitarrista é uma zona de conforto muito grande para mim, lá me encontrei e tudo é muito familiar. Sinto, sim, que estou num período de adaptação, não é só uma questão de estar em evidência: você vira um


“ESTAMOS DESCOBRINDO QUAL É A DINÂMICA DE DUO NO PALCO. ÀS VEZES, FUNCIONA COMO NO TEATRO. SABE A ESCADA? UM DÁ A DEIXA E O OUTRO COMPLETA” — Pitty


catalisador entre a obra e o público que está absorvendo aquilo. É uma responsabilidade e — isso não é papo hippie —uma troca de energia muito grande. Mas, no geral, não sou muito tímido não. PITTY: Ele não é nem um pouco tímido. A personalidade dele é superexpansiva, faz amigos com facilidade, conversa com todo mundo sobre todos os assuntos que você puder imaginar. Se encontrar numa noite um padre, um jogador de futebol e uma prostituta, ele vai trocar ideia com os três e todos os três vão sair apaixonados por ele, dizendo “Martin é incrível”. Mas, como ele está falando, no palco, ainda está se adaptando. Na verdade, nós dois estamos descobrindo qual é a dinâmica de duo no palco. Às vezes, funciona como no teatro. Sabe a escada? Um dá a deixa e o outro completa. E funciona dessa forma não porque a gente quis ou ensaiou, é porque é assim na vida, a gente fica perturbando um ao outro. É um reflexo no palco do jeito como você é. AS LETRAS SÃO AUTOBIOGRÁFICAS? P: Todas são. Para mim, não existe arte sem você estar muito ali. Eu não conseguiria, tenho que minimamente viver ou sentir uma empatia com aquilo de um jeito mais profundo, não teórico. M: No meu caso, nem sempre diz respeito a uma experiência específica, mas é um condensado do que passei e do que observei os outros passarem. QUANTO TEMPO SE PASSOU DESDE QUE VOCÊS COMEÇARAM A FAZER AS MÚSICAS QUE UM DIA SERIAM DO AGRIDOCE? M: Cerca de dois anos desde que a gente começou os primeiros ensaios. É isso, não é [se vira para Pitty]? P: É. Eu estava me lembrando de alguma coisa... M: Do que você estava se lembrando [tom de brincadeira]? P: Peraí, estava tentando me lembrar de alguma coisa que considerei ser meio que um embrião, uma coisa que a gente fez... M: Talvez a turnê Vida de Mariachi, quando a gente começou a tocar com dois violões. Tem um tempão. Foi antes de a gente começar a tocar para fazer o Agridoce. CONTA ISSO. M: Rolou uma história para fazermos um programa de TV, num formato acústico. Ficamos noiados de fazer voz e violão. Mas depois resolvemos aceitar. E fizemos uma viagem eu e ela, não tinha roadie, não tinha segurança, não tinha nada. Nós, dois cases de violão e cada um com uma mochilinha nas costas. Foi superlegal, a gente se divertiu muito. P: E tinha os atrasos de avião. Uma vez, a gente tomou um puta bolo no aeroporto, de ficar oito horas esperando um voo. M: Aquela coisa que seria mortificante numa situação normal, mas acabou sendo tão divertido. P: A gente consegue transformar todas as coisas em fantasia, história. Nesse dia, inventamos “estamos vivendo a vida de Mariachi”, uma mente muito fantasiosa, a gente vai se embrenhando, parece criança mesmo. Então, criou “vida de Mariachi”, que era os dois na estrada. E a gente tinha mania de falar em portunhol. E acabamos os dois fazendo uma tatuagem igual com isso escrito, em Londres. A gente

entrou no primeiro estúdio que viu – nele, inclusive, tinha uma placa na porta escrita: “Precisa-se de tatuador experiente” [risos]. QUEM FAZ UMA TATUAGEM NUM LUGAR ASSIM? M: A gente [risada]. P: Tinha um tatuador búlgaro que não entendia quase nada do que a gente queria dizer: “Um violão escrito ‘vida de Mariachi’!”. TEM UM VERSO DA MÚSICA ROMEU, QUE DIZ “EU ME APAVOREI AO ME VER TÃO FELIZ”. A TAL DA AUTOSSABOTAGEM. VOCÊS CONHECEM ISSO? P: De trás pra frente e de frente pra trás. Tem uma frase, não sei se minha ou se foi outra pessoa que escreveu, mas até hoje me é muito verdadeira: “Eu sou aquela que está à espera do caos”. Eu estou. Principalmente quando está muito bom, penso “quando é que vai ficar bizarro?”. Já tinha um pouco esse sentimento em Lá na sua estante [do álbum Anacrônico, de 2006]: “Estou aproveitando cada segundo/antes que isso aqui vire uma tragédia”. É uma sensação constante de que tem sempre algo à espreita e que não pode ser tão bom assim. TALVEZ ISSO SEJA UMA QUESTÃO DE PERSONALIDADE. VOCÊ TAMBÉM É ASSIM, MARTIN? M: Sim. Talvez por isso essa identificação tão grande entre nós dois. Minha mulher briga muito comigo, falando: “Você não consegue curtir o que está acontecendo, porque já está preocupado com o que vai acontecer depois”. Mesmo que nem sempre seja tão fatalista a ponto de ficar pensando que vai ser pior, fico imaginando o que vai ser o próximo movimento que vai acontecer. Então, não tenho um estado de repouso, não tenho uma natureza de repouso, sentar numa espreguiçadeira, “que maravilha, está tudo bom na minha vida”. Um estado de alerta que é constante. Por um lado, sei que me consome muito — até mesmo fisicamente —, mas, por outro lado é meu mecanismo de sobrevivência e tenho certeza de que foi o que me trouxe até aqui, é por isso que estou dando esta entrevista para você. COMO SE ENVOLVERAM COM A MÚSICA? M: Meu pai é de São Paulo, mas nasci em Salvador, minha família é de Salvador. Virei músico pela razão mais cretina, mais ridícula, sexista. Mas tenho que ser honesto... tinha 13, 14 anos, comecei a ouvir Metallica, Guns N’ Roses, assistia os shows deles e via o cara no palco, com aquela guitarra e pensava: “Eu quero ser isto aí”. Descobri a profissão que queria para minha vida. Nunca tive vontade antes, não toco desde moleque. Quando era criança, meu pai tentava me fazer tocar violão, flauta... e eu era um desastre. Tem uma cena que lembro até hoje: meu pai comigo no quarto, me ensinando


a tocar flauta doce e ele jogou as coisas assim: “Desisto, você não serve para isso, não” [risos]. Não tenho uma coisa romântica para lhe dizer, [do tipo] “sempre quis isso”. Meu pai tinha uma discografia incrível que herdei, com tudo dos Beatles e dos Stones, mas resolvi ser músico para ser roqueiro. Tanto que costumo falar que sou roqueiro, não músico profissional. Não tenho perfil de músico profissional. P: Graças a Deus. M: Não sou superinstruído, não sou rigoroso, dogmático e com rotinas e estudos, nada disso. Gosto de subir ao palco e tocar. E DEU CERTO COM AS MENINAS, NA ÉPOCA? M: Funcionou, funcionou. E VOCÊ, PITTY, COMO COMEÇOU? P: Ao contrário dele, tenho uma coisa romântica para dizer. Eu tinha música em casa desde pequena, já sentia uma faísca, mas não sabia o porquê. Meu pai sempre me incentivou muito a tocar meu violão. Ele era músico de barzinho, tinha um bar e era o artista na sexta-feira à noite. Então, aquilo é uma imagem que tenho muito forte. Achava tão incrível as pessoas cantando com ele e o que a música fazia naquele pequeno ambiente de um bar. As pessoas, aquela alegria ali, a sensação do fim de semana à noite. Nunca imaginei que iria ter banda. Comecei com karaokê, no colégio, em qualquer lugar que pudesse. Uma vez ganhei um karaokê na Ilha de Itaparica, no carnaval. Já te contei essa [vira-se para Martin]? M: Cantando o quê? P: Rapaz, cantando Cheiro de Amor. Com 8 ou 9 anos de idade. Bailinho de Carnaval na Ilha, ganhei [risos]. Ao mesmo tempo, para mim, veio muito mais a coisa da escrita, de transformar o que você escreve em canção do que o instrumento e a harmonia. Montei a minha primeira banda bem cedo, banda de colégio, um fracasso completo, terrível. M: Te mostro a minha primeiro. COMO CHAMAVA A SUA, MARTIN? M: Zé. E A SUA? P: Metáfora. METÁFORA É UM NOME METIDO. P: [Risos] Eu que batizei, por causa do Metallica. Inclusive, convenci o pessoal da banda a usar a mesma fonte. M: Ah, não. O “emezinho” com a perna

puxada? P: Claro que sim. Havia divergência, porque havia quem pensasse que deveríamos tocar um axé no meio, para agitar a galera, e eu ficava indignada, “não pessoal, vamo no rock”. M: Engraçado isso, porque você tinha a coisa da escrita e essa necessidade de achar um veículo para se expressar. No meu caso, comecei só pelo oba-oba, para ser rockstar e, no decorrer da história, essa frivolidade ficou para trás. Você perguntou se funcionou [para atrair garotas]. Funcionou, mas, no final, isso é vazio e frustrante. Acabei descobrindo outra coisa mais profunda. E agora, com o Agridoce, tem sido uma experiência maior de usar isso como bálsamo. E tem algo que descobri, que é escrever letra. Antes pensava: “Não sei escrever letra”. Ela me ajudou muito, quando comecei os primeiros esboços para o disco Martin e Eduardo [2010], mostrava para ela superinseguro e ela falava o que achava massa, o que não achava. Mas foi uma mão sempre me empurrando. Meu processo foi o contrário, acabei encontrando essa relação mais romântica e profunda [com a música] mais tarde. A PITTY FALOU QUE QUERIA QUE ESTE DISCO CONTASSE UMA HISTÓRIA QUE TIVESSE PRINCÍPIO, MEIO E FIM. CLARO QUE ELA DEPENDE DE QUEM VAI OUVIR, CADA UM ENTENDENDO DE UM JEITO. MAS, PARA VOCÊS, QUE HISTÓRIA É ESSA? M: Acho que, mais do que pegar o conteúdo lírico, a história não é contada através das letras ou do que diz cada música. O disco conta a história de nós mesmos, dessa empreitada, de termos abraçado esse projeto com dedicação e entrega, de termos saído da cidade e ficado 22 dias sem contato com nossas famílias, nossos problemas e entretenimentos. Acho que, no final, é mais isso do que uma outra coisa sendo contada. É a casa. Uma coisa que acho que é muito boa é se deixar entrar no disco, ele tem uma cara, desde a sonoridade que é peculiar por ter sido gravado num lugar que não é um estúdio, não tem preparo acústico, até os instrumentos utilizados. P: Foi exatamente o que me referi quando citei uma história. Não é algo explicável com palavras, mas de como aconteceu. Quando a gente estava montando o disco, pensou “tem que dar um jeito de fazer as pessoas, quando escutarem, se sentirem lá, serem realmente transportadas para este universo que a gente acabou criando

“EU SOU AQUELA QUE ESTÁ A ESPERA DO CAOS. PRINCIPALMENTE QUANDO ESTÁ MUITO BOM, PENSO: QUANDO É QUE VAI FICAR BIZARRO?” — Pitty


lá”. E a solução foi abrir a primeira faixa com o som ambiente da casa, você dá o play e a primeira coisa que você escuta, antes de qualquer música, é o som do lugar, a água, um pássaro, um barulhinho ali. É como se você estivesse abrindo a porta. E era o que a gente queria. “Ouve daqui de dentro, não ouve de onde você está. Eu não sei onde é, não sei onde você mora, onde você trabalha, como é sua vida. Mas sai daí um pouco e vem pra cá”. VOCÊS CONHECERAM A CASA ANTES DE CHEGAREM PARA AS GRAVAÇÕES? M: Não. Foi uma surpresa total, ninguém tinha colocado os pés lá até que a gente chegou com todos os equipamentos para montar e ligar. Isso foi muito lindo, era um risco enorme que a gente estava correndo, de cair numa puta roubada e falar “não tem lugar onde soa bem o piano, não dá para gravar violão em lugar nenhum”. Mas parecia que a casa tinha sido feita para isso. Não que ache que alguém já gravou alguma coisa ali ou fez com esse objetivo, mas tinha um tabladinho onde supostamente deveria existir a mesa de refeições

principal — e ele ficou perfeito para gravar o piano. Tinha uma salinha para colocar a técnica e passar os cabos, vidro perfeito para pendurar os microfones. Foi paixão à primeira vista. P: A gente deixou muito o acaso atuar, aquela característica que a gente tem no trabalho, na vida, de se jogar e pagar para ver. Poderia ter dado supererrado. Mas deu certo. JÁ VOLTARAM LÁ DEPOIS DISSO? P: Ainda não. Quero voltar, mas, ao mesmo tempo, tenho um pouco de medo... Essa idealização, essa coisa que tem na minha cabeça já é tão foda, que dá medo de estragar, então não sei se prefiro deixar como está ou se em algum momento vou visitar. Mas tenho saudade. A gente vê coisas, vídeos gravados lá para pensar num possível documentário e sempre que vejo morro de saudade, uma nostalgia enorme, porque, realmente, foi um período mágico. M: Desde o primeiro dia a gente sabia que ia fazer muita falta. Engraçado que umas duas semanas depois que terminaram as gravações, a gente se encontrou de novo


— com Jorge [Guerreiro], o engenheiro de som, e o Rafael [Ramos, produtor] – e todo mudo estava padecendo de uma falta enorme. O Jorge falava: “Agora tem bacon lá em casa, minha mulher está brigando comigo”, porque na casa tinha bacon no café da manhã. O outro sentia falta da piscina. A gente passou um período numa câmara de descompressão. A gente estava se readaptando à nossa realidade e à regra. Uma coisa engraçada foi uma coisa física, mas bastante significativa: a gente não conseguia calçar o tênis depois de sair da casa. Se você passa 22 dias descalça, a planta do seu pé abre. Então, não cabia, doía. Ligava um para o outro falando que não conseguia calçar sapato. P: E é engraçado, porque a gente é superurbano. Adoro a cidade, barulho. M: Não foi qualquer mato, foi aquele mato que fez isso com a gente, que deixou essa saudade. E COMO É A RELAÇÃO DE VOCÊS COM SÃO PAULO? P: Vim no primeiro disco, cheguei aqui e encontrei meu lugar. Uma coisa que sempre tive dentro de mim e que não conseguia exercer na minha cidade natal, que é tudo isso. Esse tipo de música, clima, balada, teatro, vários shows para assistir. A cidade. Efervescência cultural. Cheguei e me encontrei. Não gosto de calor. M: Primeira vez que vim para cá, pensei: “Quero morar aqui”. Vim apaixonado e estou apaixonado até hoje. COMO TEM SIDO A RESPOSTA DESSES PRIMEIRÍSSIMOS SHOWS, MÚSICAS? P: Muito legal. Na verdade, para mim, foi muito surpreendente. A gente gravou a primeira demo lá em casa, colocamos no MySpace, coloquei um link no Twitter e nem falei mais nada. Só um link. A galera começou a gostar muito. As pessoas começaram a responder muito a isso, “vai ter mais?”, “queremos ouvir outra” ou “muito legal”. E começou a sair matérias em lugares, coisas que a gente não tinha buscado. A gente não tinha buscado: a demanda veio de fora. E a gente achou ótimo, que massa que as pessoas se interessaram por uma coisa que a gente fez. Virou isso, foi um sentido legal pra gente pensar em gravar mais músicas e ter vontade de compartilhar com as pessoas. Mesmo se as pessoas não tivessem gostado, tenho certeza de que iríamos continuar gravando e guardando pra gente. A gente fez primeiro porque gosta e, segundo, compartilhou porque outras pessoas gostaram. MAS ESSE RETORNO TÃO GRANDE DE PRIMEIRA TEM A VER COM O FATO DE VOCÊ SER MUITO FAMOSA. P: Acredito que a atenção tenha a ver com isso. M: O retorno, sim, mas o caráter do retorno, não. Inclusive, seria um prato cheio para o pessoal falar mal. P: E não estamos falando só do retorno de quem não me conhece [pessoalmente]. Mas retorno de quem conhece – do meu marido, da mulher dele [Martin], do Rafa, pessoas próximas que ouviam e falavam “massa, tem mais?”. Esse era pra gente o retorno mais significativo. Não desmerecendo as outras pessoas, mas a gente sabe que, por causa disso que você falou [o fato de já ser famosa], vai gostar

“ÀS VEZES GOSTARIA DE TER UMA FÉ MUITO CEGA, NUMA POSSIBILIDADE DE UMA PÓS-EXISTÊNCIA. MAS ACHO QUE NADA VAI ACONTECER. ACHO QUE TUDO É AQUI, AQUI É CÉU E É INFERNO” — Martin


PENSAM EM ESCREVER LITERATURA? M: Ela escreve horrores. LANÇARIA? M: Ela vai lançar. [Vira-se para Pitty] Você disse que estava pensando em lançar um livro de contos. P: Falei, mas não sei se eu vou. E O QUE VOCÊS GOSTAM DE LER? P: Gosto de ler biografias, gosto muito de filosofia também. Estou numa fase muito biografia de rock, li várias na sequência. Gosto de pouca coisa de poesia, gosto dos ultrarromânticos, dos byronistas, do Bukowski. Existencialista pra caralho, Sartre, Simone de Beauvoir. Gosto de Clarice Lispector e de contos com essa pegada que ela tem. Uma porção de coisa. M: Vou muito nesses aí também, mas gosto muito de literatura americana da época da depressão, sou apaixonado. Sou fã de Scott Fitzgerald, especialmente de um livro, uma coletânea que se chama Seis Contos da Era Jazz e outras histórias. Sensacional, compre o livro e leia o da biblioteca. JÁ LEU PARIS É UMA FESTA? M: Ainda não. NELE, TEM UM CAPÍTULO BONITO EM QUE O HEMINGWAY ESCREVE SOBRE O FITZGERALD, DE COMO SE CONHECERAM E TAL. P: Também quero ler. Você viu o filme do Woody Allen [Meia-noite em Paris], né? VI. E JÁ QUE FALOU DELE, SE PUDESSEM REVISITAR UMA ÉPOCA, PARA QUAL IRIAM? M: Eu quero é ir pra frente. P: [Risos.] Mas a pergunta é se pudesse voltar [risos]. Se eu só tivesse essa opção, iria para o final dos 1960. Sessenta e oito. MAS, AO MESMO TEMPO, VOCÊ FALOU HOJE [ANTES DE A ENTREVISTA

COMEÇAR] SOBRE NOSSA MARCHA RUMO AO FIM: “NÓS TODOS AQUI E A RAINHA DA INGLATERRA VAMOS MORRER.”. ENTÃO, SE ACELERAR, SE FOR PARA FRENTE, VAI CHEGAR AO FIM MAIS RÁPIDO. P: Ou não: de repente a gente dá um jeito de reverter essa porra aí. VOCÊS TÊM ALGUMA CRENÇA QUANTO AO QUE VEM DEPOIS DA VIDA? P: Depois é o silêncio. M: E esse é o aspecto que me aterroriza mais. Às vezes gostaria de ter uma fé muito cega, numa possibilidade de uma pósexistência. Não é uma questão sobre a qual eu reflita muito ou tenha muita autoridade para falar, mas no apanhado geral acho que não vai acontecer nada. Por isso acho que fico mais desesperado, com vontade de fazer coisas. Acho que tudo é aqui, aqui é céu e é inferno. Fico com vontade de aproveitar os dois. P: É muito consoladora essa ideia que o ser humano cria [de uma outra vida após a morte]. São estratégias para não enlouquecer, porque o mistério angustia mais do que qualquer coisa. M: É também um mecanismo de controle. Se você quiser entrar na lista vip, não beba, não fume, não foda. P: Mas acho que antes de cair na mão de uma galera muito esperta que transformou o consolo em mecanismo de controle, era um grupo de pessoas que não queria sucumbir à angústia. MISTURANDO, ENTÃO, A IDEIA DE MORTE COM O WOODY ALLEN: NO FILME MANHATTAN [1979], O PERSONAGEM DELE PENSA EM SE MATAR, MAS DESISTE, DEPOIS DE FAZER UMA LISTA DAS COISAS QUE FAZEM A VIDA VALER A PENA, COMO UMA MÚSICA OU UM ATOR. QUAL SERIA A LISTA DE VOCÊS? M: Minha mulher, meus dois filhos, meus melhores amigos e um violão de corda de aço afinado. P: Afinado é muito importante. M: Senão, você briga comigo. P: Deixa eu pensar... [Rafael Ramos, produtor do disco Agridoce, interrompe, dizendo “Os Beatles, o Bob Marley e os Rolling Stones”]. P: Pode colocar a lista dele, que está muito boa. Mais os meus gatos, meu marido, meus amigos. É isso que vale a pena.

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

de qualquer coisa, porque tem meu nome ali. Existe essa parcela, a gente sabe. O retorno dos próximos era um indicativo importante, porque eles são sinceros. M: Se pensassem “ah, é só uma loucurinha de vocês”, não iriam apoiar o trabalho. O Daniel [Weksler], marido da Pitty, falava: “Vocês têm que gravar um disco, vão horrorizar”.

Dos tempos de Salvador: ela com o pessoal do InKoma e Martin ao lado de jorginho, vocalista da Gridlock, sua primeira banda. E os dois em turnê, como parte da banda Pitty

ACESSE agridoce.net twitter.com/agridoce


CRÔNICO

Marcella Brafman

Marcella Brafman é colunista de comportamento e relacionamento. Escreve às quintas a Coluna D.R. no Mundo Ela, do Portal Uai. Também assina uma coluna nos blogs Acidez Feminina e Verdade Feminina. No Twitter é @mabrafman.

Pressa we go Era um sábado à tarde. Eu dirigia tranquilamente, até passar na pista ao lado, atrapalhando o meu Radiohead que tocava baixinho, um playboy com um carro tunado, a 120 km/h. Era sábado e ele tinha pressa. É segunda e eu tenho pressa. Já é quinta e você também tem pressa. Pressa we go. Aproveitei os últimos dias para reparar alguns momentos da minha rotina, que deixam claro que eu também faço parte dessa turma do “rush”. Para começar, percebi que o “desculpe, estava com pressa” funciona melhor que “desculpe, estou de TPM”. Mesmo que não seja a mais pura verdade, as pessoas acreditam. Afinal, o mundo está girando rápido demais, e se você parar para discutir se pode ser mentira ou se pode ser desculpa, bom... você perde tempo. Em segundo lugar ficou o dia que fui à padaria comprar um lanche. Eu me imaginei pulando no pescoço da mulher que demorou cinco minutos para digitar a senha do cartão de crédito na fila para pagar. Ela digitava lentamente, revezando um dedo na maquininha e outro na boca, raciocinando de forma bem zen qual seria o próximo número da senha. Errou duas vezes. E, por fim, eu já me imaginava pulando no seu pescoço e praticando uma morte bem lenta. Ela estava de chinelo, de bom humor, de bem com a vida e não tinha pressa. Eu estava atrasada para voltar para a agência e tinha muita, muita pressa. E relatórios para entregar. A terceira e última situação foi quando precisei marcar com o pintor para pintar duas paredes do meu apartamento. “Fechou, Ronaldo? Terça, às 10h?”, perguntei. “Combinado.

Mas você se importa de me ligar na segunda às 20h para me lembrar? Pode ligar na terça às 8h também.” E tudo que vinha na minha cabeça era: será que Ronaldo acha que estou por conta dele e da pintura do meu apartamento? Pô, Ronaldo, colabora. Eu tenho pressa. E claro, me esqueci de ligar. E ele não foi. Será que nessa pressa do dia a dia deixamos algo para trás? Ou somos deixados? De repente olhamos para o calendário e nos assustamos, como quem não correu léguas o ano inteiro. “Dezembro, Natal, mas já?” Virei escrava de Mark Zuckerberg e sua falta de trejeito ao achar mais simples que as pessoas me enviem o que precisam falar por “inbox” no Facebook. Virei discípula de Steve Jobs ao responder e-mails no meu iPhone enquanto almoço. Tenho medo de deixar pessoas especiais serem pisoteadas pela correria. De não fazer aquela ligação, aquela visita ou não ter tempo para desejar a um bom amigo os parabéns pessoalmente. Tenho medo também de me esquecer de ligar para os meus pais, para minha avó ou para a dermatologista, para simplesmente desmarcar uma consulta. Como também tenho vontade que as horas voem, os projetos se concluam e que coisas boas venham a jato. Brigo com a rapidez, xingo as horas e logo, logo faço as pazes e peço um pouco de tranquilidade e paz. O mais engraçado é que o playboy que passou ao meu lado a 120 km/h teve que parar seu carro tunado no mesmo sinal que eu e esperar os mesmos três minutos. Eu só não digo que a pressa é inimiga da perfeição, porque ele era bonito demais. Demais.

Tenho medo de deixar pessoas especiais serem pisoteadas pela correria. De não fazer aquela ligação ou não ter tempo para desejar a um bom amigo os parabéns pessoalmente



R I P C U R L .C O M


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