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“É hoRa de fazeR aconteceR”
o novo diretor do Rotary international henrique Vasconcelos se apresenta aos nossos leitores
Luiz Renato Dantas
ele cresceu cercado pela experiência do Rotary, o que lhe garantiu algumas das lembranças mais significativas da infância – seu pai, Meton César de Vasconcelos, a quem chama de mestre nesta entrevista, foi governador do distrito 4490 por duas vezes. Antônio Henrique Barbosa de Vasconcelos também foi governador do mesmo distrito, aos 38 anos de idade. Rotariano desde 1996 e associado ao Rotary Club de Fortaleza-Alagadiço, ele tem um currículo extenso em nossa organização, tendo sido líder de treinamento das Assembleias Internacionais de 2018 e 2019, coordenador regional da Fundação Rotária, coordenador de Rotary e E/MGA (coordenador de grandes doações), entre outros cargos. Sempre muito dinâmico, Henrique conseguiu um tempo para conversar conosco sobre o momento atual dessa organização que ele tanto ama e que lhe possibilitou realizar tantos projetos sociais.
ROTARY BRASIL: Poderia contar para os nossos leitores um pouco sobre a sua trajetória no Rotary e como ela começou?
l HENRIQUE VASCONCELOS: Nasci dentro de um clube de Rotary em 1969, ano em que meu pai se associou ao Rotary Club de FortalezaAlagadiço, e no mesmo ano que este foi fundado. Convivi toda a minha vida com os rotarianos e suas famílias, e somos amigos até hoje.
Desde 1996, faço parte desse mesmo clube, junto com Renata, minha esposa. Em 1988 fui morar na Pensilvânia, nos Estados Unidos, com a insistência do chairman do Programa de Intercâmbio de Jovens do distrito 4490, o saudoso Célio Fontenelle. Desde criança, além de conviver no clube, participei de diversas conferências distritais e até de duas convenções internacionais, acompanhando meus pais, Yolanda e Meton.
Meu pai, um rotariano apaixonado pela organização, governador por duas vezes do distrito 4490, em 198081 e 1996-97, me mostrou o significado do servir e do companheirismo. Hoje minha família me acompanha para tudo no Rotary. Fomos em várias convenções ao redor do mundo. Chegamos a transformar essas viagens em nosso período de férias, e aproveitamos muito, junto com os companheiros rotarianos, pela África do Sul, Austrália, Bangkok, Hong Kong, Nova Orleans, Califórnia, Chicago, Saint Louis, Dubai, Miami, São Paulo, entre outros lugares. E participamos de todos os trabalhos sociais em que o meu distrito e o meu clube estão presentes, recebendo aulas de civismo e cidadania. l Acho que o Rotary tem que focar naquilo para o qual fomos criados: o servir. Clubes que têm trabalhos junto às comunidades, projetos junto à Fundação Rotária, são clubes que não têm problemas com o desenvolvimento do quadro associativo, imagem pública e doações para a Fundação Rotária. Os rotarianos desse tipo de clube se sentem necessários em suas comunidades, se sentem importantes, e encontram sentido em se dedicar à nossa organização, doando muito do seu tempo. E hoje ninguém tem tempo a perder. É hora de fazer acontecer. Nos clubes que servem às suas comunidades, os associados se emocionam, sentem-se alegres em poder contribuir com os mais necessitados e têm prazer e orgulho de serem efetivamente rotarianos. l Acho que o momento é de muitas oportunidades, ao mesmo tempo que são tempos difíceis. Acredito que ainda não compreendemos o que estamos vivendo e o que vivemos nesses três últimos anos. O tempo dirá. Daqui a 50 anos falarão desses últimos anos, que foram a coisa mais parecida com o apocalipse que a história humana já enfrentou. l Acho incrível estarmos praticamente com os mesmos números de antes da pandemia. Parando para pensar, quantas empresas fecharam suas portas? Quantas pessoas perdemos e quantos rotarianos faleceram de Covid? Ainda houve crise econômica e a eclosão da guerra na Ucrânia. Juntos com a Ásia e a África, nós, da América Latina, somos modelos de crescimento no Rotary International. Agora é hora de trazermos mais jovens e mulheres para os nossos clubes, sermos mais generosos e estarmos representando ainda melhor comunidades locais. l Acho importantíssimo esse ponto. As pessoas não compreenderam bem do que se trata esse programa. Temos uma dívida histórica com as crianças, em especial com as meninas. É hora de darmos oportunidades iguais a meninos e meninas. É hora de equidade de salários para homens e mulheres. Já ouvi de muitos que não temos mais esse problema no Brasil. Oi? No meu Ceará, ainda existem meninas que ficam em casa com as mães enquanto seus irmãos vão estudar. O pior cego é aquele que não quer ver. l Toda governança corporativa tem o DEI em suas bases, e o Rotary
Agora no cargo de diretor do Rotary International, poderia nos antecipar, em linhas gerais, as suas metas?
Como vê o atual momento do Rotary no Brasil?
No período da pandemia, tivemos a oportunidade de parar um pouco e olhar para o lado, inclusive para os nossos lares e ambientes de trabalho.
A flexibilização veio para ficar, novos tipos de clubes surgiram e aprendemos a ser e fazer virtualmente. Somos uma espécie em adaptação a um novo ambiente. Acredito muito nas doações de empresas baseadas na responsabilidade social e ambiental. O mundo está diferente, sofrido, porém mais forte. Acredito muito no Rotary da América Latina. Mesmo com os últimos eventos, estamos mantendo o nosso quadro associativo e até crescendo devagarinho. Resta a nós, rotarianos do Brasil, sermos a locomotiva do Rotary na América Latina.
Então, em termos de crescimento do quadro associativo, as perspectivas do Brasil e da América Latina são boas?
O Rotary International tem defendido intensamente os programas de empoderamento de meninas. Como tem visto as iniciativas dos clubes e distritos brasileiros nesse sentido e o que poderia ser feito para aumentar a adesão à causa?
E, lembrando, o Rotary International não é só brasileiro, somos uma organização internacional. Pelo mundo, e inclusive no Brasil, muitas meninas não têm acesso a absorventes. Amigos, simples absorventes. Na verdade, a melhor maneira de compreender a importância desses projetos do Rotary é nos colocarmos no lugar do outro e lembrar que somos privilegiados.
O Rotary International instituiu uma força-tarefa dedicada à diversidade, equidade e inclusão (DEI). Em sua opinião, o que poderia ser feito para aprimorar a aplicação desses conceitos nos clubes?
International não poderia estar de fora. Mas não pode ser algo chato, não pode ser uma militância. Somos todos iguais perante Deus. Ninguém é melhor ou pior que ninguém. Na verdade, vou repetir, a melhor maneira de se compreender alguém é se colocar no lugar do outro. Não faça com o outro o que não quer para você. Amor nunca é demais. Tem que haver amor ao próximo.
Vamos começar com o D, de diversidade. Muitos falam só da diversidade de gênero ou de orientação sexual. É isso também, mas é algo muito mais amplo. Trata-se da diversidade de profissões – pois começamos assim, não foi, com as classificações? –, de idades, raças, culturas, religiões e, com uma gama muito grande, a mais importante, de diversidade de pensamentos. É podermos pensar de forma diferente e sermos companheiros. É respeito à opinião, é o direito ao diálogo respeitoso.
Quanto ao E de equidade, são direitos e oportunidades iguais para todos os envolvidos. E o I de inclusão é dar a oportunidade para que todos participem.
O DEI é a maior prova de que Deus, em sua magnitude, é perfeito. Já pensou se fôssemos todos iguais? Seria muito chato, não? Em 2024-25 teremos, por exemplo, um governador com deficiência visual. Estamos nos preparando da melhor forma para que sua experiência seja a melhor possível no Gets [Seminário de Treinamento dos Governadores Eleitos], no Instituto Rotary do Brasil, em Foz de Iguaçu, e na Assembleia Internacional, em Orlando. Será uma quebra de barreira, algo motivador, com certeza, para os rotarianos de todo o mundo. Se esse rotariano se dispõe a enfrentar esse desafio, você, no seu clube, não é capaz de ser um bom rotariano?
Para finalizar, acho que o DEI é para quem gosta de gente. Nesse
Em 2019, em Brasília, com o pai, Meton César de vasconcelos, que na ocasião foi distinguido pela Marinha do Brasil com a ordem do Mérito naval no grau GrandeOficial pelos relevantes serviços prestados início, aconteceram muitos ruídos na comunicação e na apresentação do programa, mas temos que ter generosidade e compreensão sempre que houver divergências. l Muito boas. Já contamos com mais de 1.100 inscritos e estamos trabalhando muito. Impressionante a força de trabalho do chairman César Scherer [governador 2009-10 do distrito 4640], dedicado e um grande líder. O distrito 4640 é o maior do Hemisfério Sul. Teremos a oportunidade de compartilhar momentos incríveis com o nosso presidente, Gordon McInally, o ex-presidente do Rotary International e atual chairman da Fundação Rotária, Barry Rassin, o CEO e secretário-geral do Rotary International e da Fundação Rotária, John Hewko, o atual curador da nossa Zona Rotária, Carlos Sandoval, e o gerente geral e chefe de comunicação do Rotary International e da Fundação Rotária, David Alexander. No evento teremos tradução simultânea não só para o português e o inglês, mas para o espanhol, prestigiando os rotarianos dos demais países da América Latina. Teremos ainda uma feira de projetos para oportunizar possibilidades de projetos globais entre nós. Foz do Iguaçu tem muitas atrações, como o Parque das Aves, o Parque Nacional do Iguaçu, as mais lindas cataratas do planeta e as compras na Argentina e no Paraguai. Além, é claro, do resort Recanto Cataratas, uma beleza de hotel. Aqui deixo o meu agradecimento público ao querido ex-governador Altino Voltolini [período 2004-05, distrito 4640] e à sua equipe pelo total apoio. l Foram muitos momentos que cunharam minha vida e o meu caráter. Permita-me lembrar de três. Eu, com 11 anos, no escritório de nossa casa, com minha mãe, Yolanda, minha irmã Ana Flavia e meu pai, sentados no sinteco de madeira do chão, embalando as cartas mensais do distrito 4490 para serem enviadas aos clubes. Era 1980-81, primeiro ano como governador distrital do meu melhor amigo, mestre e paixão, meu pai. A família reunida fazendo o Rotary acontecer. Sinto ainda nas minhas mãos o barbante para amarrar os pacotes. Engraçado, não é? Já se vão 43 anos.
Poderia nos falar também sobre uma outra prioridade do presidente do Rotary International, Gordon McInally, que é a saúde mental? l O presidente Gordon compartilhou conosco, na Assembleia Internacional, a experiência com o irmão, que tirou a própria vida em um processo silencioso. E isso acontece em muitos lares, inclusive de rotarianos. Com a pandemia e o confinamento, aumentaram os casos de depressão, ansiedade e fobias, entre muitos outros sintomas relacionados às questões mentais, além da violência doméstica. O presidente nos pede para ficarmos alertas e próximos a essa realidade que nos cerca. Além das guerras na Ucrânia e na Síria, temos uma outra em andamento na sociedade, que é a depressão, trazendo sofrimentos e mortes de forma silenciosa, que é o mais grave. Vamos passar a dar atenção a esse tema, começando pelo nosso ambiente familiar e de trabalho, e de nossos clubes e comunidades.
Como estão as suas expectativas para o Instituto Rotary do Brasil deste ano em Foz do Iguaçu?
Poderia nos contar qual foi o seu momento inesquecível no Rotary, aquele que guardou para sempre em sua lembrança?
Outro momento inesquecível foi ao chegar a coordenador regional da Fundação Rotária, em 2010, quando pude ajudar no envio de 2.000 abrigos da ShelterBox para a Serra Fluminense, e 800 para a cidade de União dos Palmares, em Alagoas. Naquele momento, entendi que juntos somos mais, que é incrível a internacionalidade do Rotary. Serei grato eternamente ao então chairman da Fundação Rotária, Carl-Wilhelm Stenhammar, que atendeu ao meu pedido.
E, por último, participar de um projeto de Subsídio Global da Fundação Rotária durante a pandemia. Perdi minha mãe, Dona Yolanda, na primeira onda da Covid-19, por um erro de intubação. Dona Yolanda era uma pessoa forte, independente, sempre elegante. Tive a honra de ter uma lady como mãe. Eu a levei ao hospital andando e retornei com ela em estado vegetativo. Por conta de duas paradas cardíacas, ela teve a oxigenação limitada no cérebro, criando, infelizmente, sequelas irreversíveis. Dez meses depois, ela se foi. Culpei-me por tê-la levado ao hospital e precisava fazer algo. Já que não poderia ser para ela, por meio dos companheiros do Rotary Club de Fortaleza-Alagadiço fizemos um projeto global de doação de 150 capacetes Elmo para hospitais do Piauí, Maranhão e Ceará. Esse equipamento, fruto de uma iniciativa que envolveu a Escola de Saúde Pública do Ceará, universidades locais, setor privado, entre outras instituições, permite que até 60% das pessoas que poderiam ter que passar pela intubação sejam poupadas. Por meio do Rotary pude ajudar, de alguma forma, a impedir que outras famílias passassem pela mesma dor que a nossa. O projeto, que para nosso clube se chama Elmo, no meu coração se chama Yolanda Maria Barbosa de Vasconcelos. l Respeito muito a palavra legado. Traz sentido à vida deixarmos um legado, e isso é muito importante para mim. Que em 30 de junho de 2025 estejamos mais fortes, mais unidos, maiores, melhores e mais necessários às nossas comunidades. Que possam lembrar de mim como um bom amigo. Que reconheçam em mim um líder esforçado, dedicado e, acima de tudo, que procurou ser útil e justo. RB
Em 2025, ao concluir a sua gestão como diretor do Rotary International, que legado gostaria de deixar?