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PRojetoS que iNSPiRam Educação para transformar
Na cidade de São Paulo, Rotary apoia trabalho para afastar crianças das drogas
Nas ruas da capital paulista, na região conhecida como Cracolândia, as drogas e a miséria fazem parte da paisagem. Há homens, mulheres, jovens e gente mais velha fumando cachimbos de crack a qualquer hora do dia ou da noite. Em alguns momentos, é possível encontrar mais de 1.700 pessoas reunidas para consumir a droga. Nesse cenário que parece completamente desolador, encontramos o Instituto Brasileiro de Transformação pela Educação (IBTE), instituição que, em parceria com o Rotary, trabalha para dar outra perspectiva de vida a crianças e jovens de uma das áreas mais vulneráveis da cidade.
O IBTE não é uma escola tradicional. Raramente as mães comparecem para matricular seus filhos. Na verdade, poucas são as que levam as crianças até o local. Em geral, elas chegam por conta própria, chamadas por outras crianças e jovens para conhecer esse lugar que oferece tanto, mas principalmente o básico: comida.
“Trabalhamos com o fortalecimento de vínculos, o que a família não pode fazer pela criança. É um trabalho de prevenção, de fortalecimento, de qualificação para os jovens”, explica Martiniano Borges, diretor-presidente do IBTE.
Para entender melhor o que isso quer dizer, pense em toda a educação que você recebeu de seus pais ou que você dá aos seus filhos. Senso de responsabilidade, comprometimento em acordar cedo para ir à escola, o respeito ao próximo, noção de pertencimento a um grupo e o cuidado consigo mesmo e com o outro. Pois tudo isso que em geral nossa sociedade considera básico na educação de uma criança é o que esses meninos e meninas da Cracolândia não recebem em casa, e que o IBTE trabalha para suprir.
O lugar onde essas crianças vivem é outra questão que ajuda a entender o cenário em que o instituto se insere. Elas são moradoras de favelas, pensões ou ocupações. “Esse é o ponto central para detectar a situação de vulnerabilidade da criança”, aponta Borges. Além da precariedade na moradia, as crianças também vêm de famílias desestruturadas, quase sempre sem o pai. “Essas famílias vivem da economia das drogas, que elas vendem, usam ou transportam. As pessoas não têm como acessar as oportunidades.”
Da alemanha ao Brasil
O IBTE atende diariamente de 150 a 200 crianças e jovens com idades de seis a 16 anos. Para chegar aqui, no entanto, a ideia do instituto percorreu um longo caminho.
Casado com a alemã Suzanne, que também trabalha no IBTE, Borges se uniu no país de sua esposa à associação sem fins lucrativos EduCare e.V., que tem como uma de suas áreas de atuação a cooperação para o desenvolvimento internacional. A EduCare é parceira do Rotary Club de Hohenkarpfen-Tuttlingen e foi o clube alemão que teve a iniciativa de buscar um clube brasileiro para ajudar a reformar e transformar o espaço que hoje é a sede do IBTE.
Na capital paulista, o parceiro é o Rotary Club de São Paulo-Pacaembu Bom Retiro (distrito 4563). José Scatolini, associado que liderou o projeto, conta que ele começou a ser desenvolvido em 2019.
“Reformamos a parte elétrica, hidráulica, pintura, estrutura do prédio, a quadra, tubulação de gás e proteção contra incêndio”, conta. O projeto inclui ainda o treinamento de professores. “Contratamos uma instituição que tem um projeto pedagógico para capacitar os professores daqui”, explica Scatolini.
A reforma durou três anos e o treinamento de professores está para começar. O investimento no projeto foi de US$ 99.962,00 e contou com recursos do Brasil, da Alemanha e da Fundação Rotária.
Hoje, o IBTE oferece aulas de esportes como judô, boxe e futebol, além de aulas de dança, bordado, coral, bateria, artes, informática e reforço escolar. Os alunos também aprendem cuidados pessoais básicos, mas que não são ensinados em suas casas.
“Eles aprendem a comer com o garfo, a ter higiene, tomar banho”, destaca Silvia Cabriotti, atual presidente do Rotary Club de São Paulo-Pacaembu Bom Retiro. A alimentação é ainda uma parte fundamental do que o IBTE oferece. No local são servidos café da manhã, almoço e café da tarde.
“Muitos vêm só para comer”, aponta Scatolini.
Para os adolescentes, há também o treinamento de jovem aprendiz, que ensina habilidades e comportamentos necessários para ingressar no mercado de trabalho. Mais do que oferecer educação, o IBTE proporciona socialização a crianças e jovens que vivem em situação de altíssima vulnerabilidade.
Borges conta que muitas dessas crianças têm mães que já foram presas. É ainda muito comum que os irmãos cuidem uns dos outros. Para as meninas, geralmente sobra uma alta carga de serviços domésticos e a violência sexual é um fator constantemente presente. Agressões físicas são frequentes no cotidiano dessas crianças.
Desafios e sonhos
O IBTE trabalha com dez funcionários fixos e 15 voluntários. O local se sustenta com doações, 90% delas vindas da EduCare, na Alemanha. A parceria com o Rotary permitiu oferecer uma estrutura nova e adequada à educação das crianças. Uma cozinha industrial, que foi montada com o financiamento do projeto, permite o preparo das dezenas de refeições servidas ali todos os dias. As salas de aula pintadas, a quadra de esportes equipada e o conjunto da obra feita pelos associados do Rotary ajudam a criar um ambiente de acolhimento às crianças que passariam boa parte do dia nas ruas.
Diogo Mastrorocco, também associado do Rotary Club de São Paulo-Pacaembu Bom Retiro, afirma que ser rotariano já o fez se acostumar com cenários como os encontrados na região da Cracolândia. “Participar desse projeto nos deu muito prazer por estarmos fazendo algo para uma comunidade que é carente e vulnerável. O projeto também atende a diferentes áreas de enfoque do Rotary, como educação e saúde de mães e filhos.”
Já Silvia vê o IBTE como um local que oferece dignidade às crianças. “Aqui se dá esperança para o futuro, de que um dia ela (a criança) pode mudar sua vida e a de sua família.”
Diariamente, a instituição atende de 150 a 200 crianças com idades de seis a 16 anos
O próximo passo que Borges quer dar com o IBTE é transformar o lugar em uma escola regular. Para isso, o treinamento pedagógico oferecido pelo projeto do Rotary terá um papel importante. “Nosso quadro todo será treinado em como montar as aulas, um regimento escolar e transformar a instituição em escola”, diz.
“Nós, como rotarianos, temos o dom de servir”, lembra Scatolini. E é isso que o IBTE representa na Cracolândia, um lugar que serve à comunidade na esperança de que aquelas crianças possam criar um futuro muito diferente da realidade que elas têm hoje. RB
*A autora é estrategista sênior de conteúdo e relações públicas no Escritório do Rotary International no Brasil. Reportagem originalmente publicada no blog Vozes do Rotary: rotaryblogpt.org . Este projeto também é tema do episódio sobre Educação Básica e Alfabetização do novo podcast da revista Rotary Brasil Leia mais sobre o programa nas páginas a seguir.