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O APELO DAS ÁGUAS
No mês que o Rotary dedica à área de enfoque Água, Saneamento e Higiene, conheça três iniciativas voltadas a preservar as nascentes e manter os rios vivos
Reportagem: Renata Coré l Design: Armando Santos
“Sempre estivemos perto da água, mas parece que aprendemos muito pouco com a fala dos rios”, diz o líder indígena, ambientalista e doutor honoris causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, Ailton Krenak no texto Saudações aos rios, que abre seu livro Futuro ancestral. Em Francisco Beltrão, cidade mais populosa do sudoeste paranaense, com quase 100 mil habitantes (segundo estimativa de 2021 do IBGE), ouvidos atentos levaram um clube de Rotary a perceber o apelo de um rio. O rio Marrecas, um dos que banham o estado, nasce próximo à divisa com Santa Catarina, perto do município de Flor da Serra do Sul. Antes de desaguar no rio Santana, afluente do Chopim, nas proximidades de Itapejara d’Oeste, passa por Francisco Beltrão. A bacia do Marrecas abrange cinco municípios, é um manancial de abastecimento público de água, mas vem sofrendo com um problema sério: “A diminuição do volume de água nas épocas de estiagem”, conta Névio Urio, governador 1994-95 do distrito 4640 e associado ao Rotary Club de Francisco Beltrão.
A redução do volume de água do rio Marrecas, notada por Névio, está longe de ser mera impressão. Uma reportagem do Jornal Nacional, exibida em 15 de fevereiro, alerta para o fato de que, em 31 anos, a superfície de água encolheu 7,5% no Brasil, fazendo o país perder 1,5 milhão de hectares, o equivalente a dez cidades de São Paulo. “O preocupante é ver que a redução acontece nos ambientes naturais, em várzeas, em áreas de planícies inundáveis”, diz na matéria Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do Projeto MapBiomas Água. E Helga Correa, especialista em conservação da ONG WWF-Brasil, afirma que as duas ações necessárias são assumirmos o compromisso de desmatamento zero dos nossos diversos biomas e promovermos a restauração de regiões importantes para a manutenção da água nos nossos sistemas.
A recuperação de mil nascentes do Marrecas é precisamente o que o Rotary Club de Francisco Beltrão vem realizando com o Água, Fonte da Vida, um projeto de Subsídio Global da Fundação Rotária no valor de US$ 151.500 que tem como parceiros o distrito 4640, o Rotary Club de Mapuca e o distrito 3170, ambos da Índia, e ainda a Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão. “Em meados de 2018, fui visitar o secretário do estado do Meio Ambiente, rotariano do meu clube, Antônio Carlos Bonetti”, Névio recorda. “Com ele estava um rotariano de Curitiba, José Luiz Scroccaro. Estavam desenhando uma ideia para resolver o problema dos alagamentos na cidade de Francisco Beltrão, terra do secretário, e me mostraram. A conversa evoluiu para outras possibilidades e falei que tínhamos outro problema.” Névio então mencionou o declínio no volume de água do Marrecas, e o secretário aquiesceu. “Ali decidi e dei início ao projeto.”
Na página ao lado: com um projeto de Subsídio Global, o Rotary Club de Francisco Beltrão, no Paraná, está recuperando mil nascentes do rio Marrecas
ÁGUA, SANEAMENTO E HIGIENE
Mais do que uma preocupação, o tema da água compõe com o saneamento e a higiene uma das áreas de enfoque do Rotary, à qual a organização dedica o mês de março. Ações para a conservação e restauração de recursos hídricos na bacia hidrográfica local estão entre as previstas nessa área de trabalho, sob a qual o Francisco Beltrão elaborou seu projeto de Subsídio Global, que estabelece a aquisição e instalação de fontes do modelo Caxambu, uma tecnologia social desenvolvida na cidade catarinense de Caxambu do Sul que protege e melhora as condições das nascentes, influenciando positivamente na quantidade e na potabilidade natural da água. Com isso, o clube almeja garantir o acesso à água limpa e pura em volume suficiente para atender a comunidade, que já sofre os efeitos da redução do rio.
O Água, Fonte da Vida também visa preservar a estabilidade geológica, a biodiversidade e a recarga dos aquíferos, além de reduzir a erosão hídrica, agente de contaminação e assoreamento do Marrecas. Para dar conta de todos os objetivos do projeto, o clube traçou uma estratégia que inclui ainda o fornecimento e a instalação de cercas e postes para proteger as nascentes e a recuperação florestal com plantio de capim e árvores nativas na área de proteção de nascentes, com assistência técnica por 24 meses, entre outras etapas. A pandemia de Covid-19 impediu o clube de começar a instalar as fontes Caxambu por volta de março de 2020, como pretendido, mas o intervalo forçado acabou por tornar o projeto maior. “Nesse período, conseguimos aperfeiçoar o método, o que possibilitará o aumento do número de nascentes recuperadas”, conta Névio. As 300 previstas no início viraram mil, e o planejamento novo promete um resultado final mais sustentável e eficaz.
Água mais potável e em maior quantidade: o projeto já instalou fontes do modelo Caxambu em cem nascentes do rio Marrecas
Em meados de 2022, a colocação das fontes Caxambu finalmente pôde começar. Desde então, o clube já finalizou o trabalho em cem nascentes. Névio calcula em 60 meses o tempo necessário para o clube completar as 900 nascentes restantes, construir as cercas e repor parte da mata ciliar, atividades que vêm ocorrendo com a participação de equipes de apoio e trabalhadores. Líderes comunitários, alunos do ensino médio e universitários também estão envolvidos na iniciativa, que não é a primeira de cunho ambiental realizada pelo Francisco Beltrão. Em oportunidades anteriores, o clube proporcionou melhorias ao Horto Florestal Municipal, plantou árvores, distribuiu mudas para reflorestar e recuperar matas ciliares, promoveu campanhas de conscientização e recolhimento de resíduos. Agora, com o Água, Fonte da Vida, pretende garantir a segurança hídrica da cidade, beneficiando cerca de 150 mil pessoas – e deixando o Marrecas totalmente vivo de novo.
Dia Do Rio
“Será que vamos matar todos os rios? Vamos fazer com que todos esses seres maravilhosos, resilientes e capazes de esculpir pedras se convertam em risco para a vida e desapareçam?”, Ailton Krenak questiona em outra passagem do texto. Também no Paraná, mas em Pinhais, cidade com cerca de 130 mil habitantes na região metropolitana de Curitiba, há 30 anos um Rotary Club se uniu à prefeitura para instituir no município o Dia do Rio, que se converteu em um dos projetos humanitários mais importantes do clube. “Tudo começou em 1991 com o trabalho do Rotary Club de Piraquara, quando o rotariano Jorge Grando propôs uma data alusiva à preservação dos rios”, recorda Ivete Maria Bertollo de Alexandre, presidente da Comissão da Imagem Pública do Rotary Club de
Pinhais, no distrito 4730. No mesmo ano, uma lei municipal estabeleceu a data de 24 de novembro como o Dia do Rio em Piraquara. Em 1992, com a emancipação de Pinhais, o clube de Rotary então se empenhou em criar a data na nova cidade, o que ocorreu no ano seguinte também com uma lei municipal. “Em 1995 o Dia do Rio foi instituído no estado por meio da lei número 11275/95”, conta Ivete. “O Rotary Club de Pinhais e a Secretaria Municipal de Educação sempre trabalharam esse tema nas escolas municipais, e hoje esse projeto é aplicado em toda a rede de educação de Pinhais.”
As ações desenvolvidas no Dia do Rio procuram discutir de forma lúdica e criativa, com todos os alunos matriculados nas escolas municipais de Pinhais, a necessidade de preservação e cuidado dos rios. Em 2020, por causa da pandemia, foi preciso encontrar um modo alternativo para não interromper o projeto, e os

Mascote do Dia do Rio: batizado de Pinhágua em uma votação popular, o personagem é baseado no desenho feito por uma aluna do ensino fundamental estudantes receberam um jogo de tabuleiro que trazia informações sobre a iniciativa e lembrava que as ações conscientes de cada um colaboram com o meio ambiente. Em vídeos, as famílias registraram o resultado da atividade. No ano seguinte, o passaporte do Dia do Rio levou os alunos por uma viagem pelo mundo das águas, destacando sua importância para a vida.

De volta ao formato presencial, a edição mais recente, ocorrida em 24 de novembro de 2022, teve como tema Rio: Um dos nossos tesouros e envolveu aproximadamente 10 mil estudantes que participaram de atividades pedagógicas propostas com base em um mapa do tesouro impresso em lona e enviado para todas as escolas. “As atividades desenvolvidas com os alunos foram expostas no hall do Centro de Formação dos Profissionais da Educação durante o Seminário do Meio Ambiente de Pinhais”, relata Ivete. O último evento teve ainda outro ponto alto: as crianças conheceram a mascote do Dia do Rio, batizada de Pinhágua em uma votação popular. O personagem foi criado a partir do desenho que
Em 2022, todas as escolas municipais de Pinhais receberam um mapa do tesouro impresso em lona para realizar atividades com as crianças no Dia do Rio

Marina Lopes Pereira, na época aluna do quinto ano na Escola Municipal Guilherme Ceolin, fez em 2021, e que foi selecionado por um comitê. Para presentear a menina, a equipe pedagógica da escola confeccionou uma versão do Pinhágua em pelúcia.
Reflorestar O Brasil
“O corpo de um rio é insubstituível”, afirma Ailton Krenak. Em Rondonópolis, cidade de aproximadamente 240 mil habitantes no sudeste de Mato Grosso, uma Casa da Amizade atendeu ao chamado do projeto Reflorestando o Brasil movida pelo propósito de preservar o manancial de água do município. “Esse desafio foi proposto pela Coordenadoria Nacional das Entidades de Senhoras de Rotarianos a todas as Casas da Amizade do país para unirem e incentivarem os nossos clubes de Rotary a abraçarem também essa causa”, conta Deyse Pimentel Lopes, diretora de Projetos da Casa da Amizade de Rondonópolis, no distrito 4440.
O objetivo geral do Reflorestando o Brasil está expresso no fôlder que o apresenta: “promover a realização de projetos de reflorestamento em
Plantio de árvores no Complexo de Nascentes Marechal
Rondon: o objetivo da Casa da Amizade de Rondonópolis é preservar o manancial de água do município espaços urbanos e rurais por meio da mobilização das Entidades de Senhoras de Rotarianos, localizadas em diferentes regiões brasileiras, numa perspectiva de educação ambiental que contemple a recomposição da cobertura vegetal, a recuperação/ preservação de nascentes, a forma- ção da consciência e cuidado com o planeta Terra”. Iniciada em maio de 2022, a iniciativa está prevista para ser concluída em agosto deste ano com a premiação de projetos inscritos pelas Casas da Amizade.


Oferecendo a sua parcela de contribuição, a Associação das Senhoras de Rotarianos – Casa da Amizade de Rondonópolis está participando do Reflorestando o Brasil com o projeto Recuperação do Complexo de Nascentes Marechal Rondon, desenvolvido em um núcleo habitacional da cidade. Com as parcerias do clube de Rotary local, da ONG Protetores das Águas Rondonopolitanas, do Grupo Sombrear e da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Rondonópolis, a entidade vem promovendo a proteção e recuperação das nascentes com a recomposição de suas matas ciliares por meio do plantio de árvores. Além disso, ações de educação ambiental estão sendo desenvolvidas na comunidade, com foco especial nas crianças. “Os futuros defensores da natureza”, lembra Deyse.
“Respeitem a água e aprendam a sua linguagem”, pede Ailton Krenak, já quase no fim de seu texto. “Vamos escutar a voz dos rios, pois eles falam.” E é de entendermos e atendermos aos seus apelos que depende a nossa própria sobrevivência no planeta azul. RB